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INTRODUÇÃO HISTÓRICA
AO DIREITO
Prefácio~
J. Gilissen
Tradução~
A. M. Hespanha
e
L. M. Macaísta Malheiros
2. ªedição
A obra que agora se publica em português não careceria de apresentação, pois se trata de
um texto que, pelo seu carácter genérico e sistemático, pela s11a clareza, pelo seu didatismo, se
transformou numa síntese única da história interna do direito da Europa ocidental, incluindo
referências à evolução histórica dos restantes grandes siJtemas jurídicos da antiguidade ou de hoje.
É justo, no entanto, salientar as novidades da edição portuguesa, que fazem dela versão
autónoma, em relação às últimas versões francesa eflamenga.
Em primeiro lugar, e antes de tudo, o autor actualizou profundamente o texto,
introduzindo novos capítulos decorrentes de investigações recentes, remodelando profundamente
outros já existentes, actualizando bibliografia, suprimindo algumas referências muito localizadas
na tra4ição histórica belga ou nerlandesa e fazendo um grande esforço de inclusão de temáticas
ibéricas e sul-americanas.
Como complemento deste esforço, os tradutores portugueses procuraram tornar esta versão
ainda mais próxima das preocupações mais directas do historiador e jurista de língua portuguesa.
Embora respeitando, por regra, a-terminologia original das instituições estrangeiras, procurou-se,
por meio de referências entre parênteses, informar sobre termos correspondentes da nossa tradição
jurídica. Para além diHo, no final de cada secção, um dos tradutores (A. M. Hespanha)
elaborou sínteses da evolução dos temas ou imtitutos aí tratados no direito português (sob a forma
de «notas do tradutor»), juntando aos exemplos textuais originais outros tirados da nossa
tradição jurídica (assinalados ·com um asterisco junte ao número do texto). No final, o índice
temático, foi enrique.cido com as principais cormpondências linguísticas, podendo, portanto, servir
como glossário de hiJtória europeia ocidental das instituições.
No conjunto - e como complemento do livro de_ F. Wieacker, História do direito
privado moderno, já publicado nesta colecção - , fica à disposição do leitor português uma
exposição de história do direito - que, ao mesmo .tempo, se apresenta como uma introdução
histórica ao direito - , tocando de uma forma genérica, além da problemática das fontes, os
principais ramos e institutos jurídicos, sobretudo no domínio daquilo a que hoje chamamos direito
privado; fora, ficam apenas algumas (mas não todas) das matérias de direito público (direito
administrativo ou criminal, por exemplo), para as quais, de resto, não existe uma exposição do
tipo desta, que só o sa~er, a sensihilidade histórica e cultural e a longa experiência do Prof John
Gilissen tornaram possíveis.
António Manuel Hespanha
Lisboa, junho de 1986 Manuel Macaísta Malheiros
PREFÁCIO
Uma introdução histórica ao direito pode ser concebida pelo mmos de duas maneira.r
diferenttJ.
Segundo uma delas, o autor expõe aí. a evolução do direito num certo pab, a fim de fazer
compreender os componentes históricos do seu direito actual,· como os juristas devem, na mator parte
dos casos, aplicar apenas o direito do seu pab, a maior parle das sínteses dizem JOmente respeito à
história do direito de um país, por exemplo, à história do direito espanhol, francês, italiano,
alemão ou inglês. Estes trabalhos têm o grande mérito de ser escritos por especialistas que têm um
conhecimento profundo da matéria e que puderam utilizar de forma científica as fontes
histórico-jurídicas do seu país, muita; vezes escrilaJ na sua própria língua.
Segundo a outra, o autor lenta situar a história do direito do seu país num quadro
geográfico e cronológico mais va.rto, como, por exemplo, quadro europeu ou mesmo o quadro
universal. Foi o que eu tentei fazer, embora não tenha deixado de utilizar o outro método.
Enquanto que as obras de história geral universal são numerosas e meritória.r, as de história
mundial do direito e das instituifõeJ sãÓ raras; muitas vezes, elas limitam-se a justapor resumoJ
da evolufão jurídica num certo número de grandes países.
De1de há cinco décadas que á «Société jean Bodin pour l'histoire comparative des
institutions » tentou suscitar trabalhos de síntese no mais vasto quadro geográfico e cronológico.
O patrocínio de jean Bodin, juspublicista francês do Jéc. XVI, autor da «República», foi
escolhido pelos fundadores porque ele foi um dos primeiros a fazer a história comparada do
direito, comparando a.r instituiçõeJ romanas, grega; e hebraica; da antiguidade com as da Franfa
do seu tempo. A «Société jean Bodin» estudou sucessivamente umas duas dezenas de instituições
no maior número possível de países e de regiões, desde os tempos mais recuados até aos nossos dias,
não apenas na Europa como nos outros continentes, e elaborou sínteses comparativas da. sua
evolução. Foram assim estuda.das, por exemplo, a cidade, a comunidade rural, a monocracia, os
grandes impérios, as relafõeJ entre governados e governantes, a organização da paz, os laços de
vassalagem, a servidão, a p~ova, a; garantias pessoais, o estatuto jurídico da mulher, do
menor, do estrangeiro e, muito recentemente, o costume. O método comparativo permite uma
abordagem hi1tórico-sociológica da instituição, estabelecendo uma tipologia e descrevendo as grandes
co"entes da. sua evolução universal. Os trabalhos de história comparada do direito e as sínteses que,
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enquanto secretário geral, tive que elaborar, foram publicadas nos «Recuei/s de la Société jean
Bodin », cujos cinquenta vo/umeJ serão referidos .em nota na presente obra; pois esta Introdução
histórica ao direito é, pelo menos em parte, resultante desses trabalhos.
Na realidade, teria sido difícil condensar num só volume os multados das investigações
históricas em todos os domínios do direito. De resto, o presente livro é, antes de mais, resultante
do meu ensino na1 duas UniverJidades de Bruxe/a1 durante maú de quarenta ano1. A matéria
reservada ao cuno de "Introdução histórica ao direito" é aí delimitada por aquelas que são
própria1 de outras disciplinas, por exemplo, o curso de "Direito rOTTlúnO», 10bretudo consagrado
ao direito privado da época romana, e o cuno de "lntr(Jdução hútórica às instituições dos grandes
Estados moderno1 », no qual é exposta a história do direito público de um certo número de países.
É por isso que o direito romano não ocupa neste livro o lugar que mereceria em razão da
influência que exerceu 1obré o direito de um grande número de paÍJes actuais. É por isso também
que a hiJtória do direito público não é, aqui, exposta de fomza 1istemática, mas apenas na
medida em que a1 suas instituições desempenharam um papel importante na formação e evolução de
certas fontes de direito: por exemplo, a organização do poder legislativo que explica a elaboração
da lei em cada país, a organização dos trib1maiI que explica a elaboração da jurisprudência, a
organização do ensino do direito que contribui para a formacão da doutrina.
A primeira parte é constituída por uma história dos grandes si1temas jurídicos no mundo,
desde as origens até ao1 nossos dias; forçosamente sumária e esquemática, ela dá, em duas centenas
de páginas, algumas noções elementares de cada um dos grandes 1i1temas jurídicos do passado e do
presente.
EJte livro não é, portanto, uma história das instituições, no sentido de uma Verfas-
sungsgeschichte. Do meJmo modo, não se encontrará aqui uma história do direito fiscal e
financeiro, nem uma hiJtória do direito social e da evolução das classes sociaú, nem uma história
do direito económico, nem uma história do direito penal, nem uma história do processo. Alguns
dos problemas destaJ disciplinai são ocaJionalmente abordados: aproveitar-se-ão essas ocasiões para
referir os trabalhos principais.
É evidente que, concebida por um professrw belga, para uso de estutk,ntes belgas, esta obra
privilegie a história do direito das províncias flamengas e valãs que constituem actualmente a
Bélgica. Mas a história do direito de1te pequeno país não podia ser expo1ta e explicada senão em
função da evolução jurídica dos grandeI países vizinhos, sobretudo a França e a Alemanha,
atingindo-Je, assim, o quadro univmal evocado no início deste prefácio; pqis a influência· doI
códif!.OJ /rancem do início do séc. XIX, sobretudo do Códir,o civil de 1804, eJtendeu-se muito
para além da Europa, nomeadamente nos países da América Latina .
•
• •
A presente obra apareceu inicialmente em línr,ua francesa, em 1979, no editor Bruylant,
em Bruxelas. EJta edição franma tinha Jido precedida de seis ediçõeI do meu curso, feitas sob a
forma de textos policopiados pelas Presses Universitaires de Bruxelas. De um manual
elementar dirigido aos estudantes de direito no início dos seus estudos, tornou-se num grande
volume, nomeadamerrte pela incorporação dos resultado1 das minhas investigações particulares.
Uma versão em língua holandesa apareceu em 1981. Difere da versão francesa, tanto
pelos documentos reproduzidos como pelos exemplos citados, embora esteja concebida segundo o
mesmo plano geral. Uma segunda edição, em dois volumes, aparecerá dentro de pouco tempo,·
compreenderá capita selecta relativos a matérias que não foram abordadas na primeira edição,
como o direito penei./, o direito fiscal e o direito social.
A presente versão em línfiua portuguesa pôde ser realizada r,raças ao intere.rse manifestado
pela Fundação Calouste Gulbenkian. O texto de base foi adaptado, em certa medidà, aos leitores
de lfogua portuguesa, quer sejam de Portugal, do Brasil ou de África. O que era especificamente
belga foi muitas vezes substituído por dados colhidos na história de outros paím, maiJ
especialmente espanhóis ou portugueses. Certos capítulos foram, assim, muito modificados,
sobretudo na segunda parte da obra. Quereria tê-lo feito ainda em maifW medida,· mas os
trabalhos de história comparada do direito são ainda muito pouco numerosos em certos domínios
da história jurídica.
Este fim foi, no entanto, atingido em larga medida, graças ao auxílio que o Prof.
António Manuel Hespanha se dispôs a prestar-me. Ele não somente traduziu de forma perfeita o
texto da edição francesa que eu tinha completado e actualizado, como sobretudo teve o mérito de o
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completar com numerosos dados relativos às diversas regiões da península ibérica e aos países de
língua portuguesa e espanhola da América e da África; frequentemente, substituiu ainda
extractos de documentos anexos a cada capítulo, muitas vezes colhidos da história do direito
francês ou belga, por documentos que interessam mais direaamente os países de língua portuguesa.
Agradeço-lhe muito vivamente por tudo 1.sto.
Também quero agradecer aos meus antigos assistentes na Université Libre de Bruxelles
e na Vrije Universiteit Brussel que colaboraram durante anos no meu ensino e na difusão dos
meus cursos policopiados. Vivos agradecimentos são igualmente devidos aos meus colegas que se
prestaram a reler e corrigir certos capítulos da primeira parte do livro, para os quais estavam
especialmente qualificados: os Profs. A. Théodorides, da Universidade de Bruxelas, para o
antigo direito egípcio; R. C. Van Caenegem, da Universidade de Gand, para a história do
direito inglês,·}. Vanderlinden, meu sucessor na Universidade de _Bruxelas, para os direitos
tradicionais africanos; F. Grirlé,. um dos meus sucessores na Vrije Universiteit Brussel, para o
direito dos países socialistas de tendência comunista.
2 5 de Dezembro de 1985.
John Gilissen
INTRODUÇÃO
O direito de cada país não foi criado de um dia para o outro; não foi instituído;
antes é a consequência de uma evolução secular. De uma evolução que não é, de resto,
própria de cada país. Pois, se desde a época moderna o direito é, antes de mais,
nacional ou, dito de outro modo, se actualmente cada Estado soberano tem o seu
próprio sistema jurídico, nem sempre assim foi. Na Baixa Idade Média, o direito era
infinitamente mais diferenciado do ponto de vista territorial; mas, ao mesmo tempo,
estava sujeito a grandes correntes de influência, nomeadamente às do direito da Igreja e
do direito letrado, tal como ele se desenvolveu no ensino universitário, na base do
direito romano.
Por outro lado, a influência das ideias que a Revolução Francesa de 1789
propagou em numerosos países e das reformas que daí resultaram no plano do direito e
das instituições, foi tão considerável que se pode admitir que o período do fim do
séc. XVIII e início do séc. XIX constitui uma verdadeira cesura na evolução jurídica. Tal
foi certamente o caso em França, na Bélgica, nos Países Baixos; mas também, em
menor medida, na Alemanha, na Itália, em Espanha. Por exemplo, as províncias belgas
15
A. DEPOIS DE 1789
B. ANTES DE 1789
As constituições e os códigos franceses revogam tudo o que é contrário às regras
jurídicas que eles contêm. Desaparece, nomeadamente, desta forma, tanto na Bélgica
como na Franç?- e em alguns outros países, uma grande parte das leis da Revolução
Francesa, as leis do Antigo Regime, os antigos costumes e os antigos privilégios.
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c) O costume medieval
O costume é a principal fonte de direito na Europa ocidental, do séc. X ao
séc. XIII; e continua a sê-lo, pelo menos no direito privado, até ao fim do Antigo
Regime.
Este direito costumeiro é parcialmente reduzido a escrito a partir dos sécs. XIII e
XIV, embora continue a evoluir. A ratificação dos costumes por via autoritária e as
suas redacção e publicação, nos sécs. XV, XVI e XVII, conservá-los-ão em vigor até
aos fins do Antigo Regime.
O costume constitui urna fonte muito conservadora do direito, sendo muito
lenta a sua evolução. Os princípios do direito costumeiro medieval são buscados nos
direitos romano e germânico, mas sobretudo nas particularidades dos institutos
medievais (feudalismo, regime senhorial, regime dominial, desenvolvimento das cidades
comerciais, etc.).
d) O direito canónico
Este direito é o da Igreja católica da comunidade de crentes. A sua influência
sobre o direito laico da Europa ocidental é considerável, por diversas razões:
- o universalismo cristão da Idade Média; o mundo medieval no Ocidente é um
mundo cristão;
- o carácter escrito do direito canónico; este é, na Europa ocidental, o único
direito escrito entre o fim do séc. IX e o séc. XIII;
- a atribuição aos tribunais eclesiásticos da competência exclusiva em numerosos
domínios da área do direito privado, tais como o casamento e o divórcio.
A influência do direito canónico decresce a partir do· séc. XVI; o direito dos
Estados laiciza-se desde esta época. A partir da Revolução Francesa, a religião passa a
ter pouca influência sobre o direito, pelo menos em França. O direito canónico
continua, no entanto, a ser um dos fundamentos históricos de todo o direito ocidental,
apesar dos progressos do racionalismo e do jusnaturalismo nos sécs. XVII e XVIII.
e) O direito germânico
O sistema jurídico dos povos germânicos que viviam a leste do Reno e a norte
dos Alpes na época romana era ainda um direito tribal arcaico e pouco desenvolvido.
Alguns destes povos invadiram a parte ocidental do Império Romano, sobretudo no
séc. V; assim, os Francos instalaram-se nos territórios da Bélgica accual e do Norte.da
França, os Visigóticos na Península Ibérica e no sudoeste da França.
O seu direito continua a evoluir, sobretudo no contacto com populações
romanizadas da Europa ocidental. A partir da época carolíngia, a fusão dos dois
sistemas jurídicos - o romano e o germânico - realizou-se aí, mas num quadro
político e social novo, que dá origem a um sistema jurídico de tipo feudal (sécs. X a XII).
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menos intensa das diversas regu>es; a Gália, por exemplo, tinha sido romanizada
durante cinco séculos. A influência romana foi no entanto muito mais profunda e
' '
persistente no Midi francês (Provença, Languedoc) do que no Norte, o mesmo
acontecendo na Itália e em Espanha.
g) Os direitos da antiguidade
O direito da República - e, depois, do Império romano - é ele próprio
proveniente de uma evolução milenária do direito na bacia do Mediterrâneo.
Deve muito ao direito grego; as cidades gregas, sobretudo Atenas, atingiram um
alto grau de desenvolvimento cµltural, político e jurídico; historiadores e filósofos
analisaram aí as instituições do seu tempo e elaboraram sistemas teóricos de governo
ideal da cidade, dando assim origem à ciência política.
Os próprios Gregos eram herdeiros das civilizações mais antigas, que se desenvol-
veram no Egipto e na Á.sia Menor.
O Império egípcio durou perto de trinta séculos; o direito atingiu aí, já na época
do Antigo Império (sécs. XXVIII a XXV a.C.), um alto grau de desenvolvimento,
tanto na organização do Estado como no funcionamento das instituições de direito privado.
Na Ásia Menor, os direitos a que se chama «Cuneiformes» (Suméria, Acádia,
Babilónia, Assíria, etc.) também conheceram, a partir do III milénio, um grande
desenvolvimento, sendo os primeiros a formular por escrito regras jurídicas· que,
agrupadas em colecções, formam os primeiros «códigos» da história. O direito dos
Hititas (sécs. XVIII a XIII a.C.), desconhecido até há algumas décadas, revela-se
também um elo importante da transmissão dos sistemas jurídicos da antiguidade.
Por fim, o direito dos Hebreus, direito intimamente ligado à religião, exerceu
uma influência não negligenciável sobre o direito moderno, mais especialmente ·por
intermédio do direito canónico r•J
c• 1 Nora do tradutor: para um balanço dao inlluênciao de cada um dos direitos referidos no rnro no sisrema jurídico
histórico porruguês (nomeadamente, no direiro m"di.,val), v., por último, MARTIM DE ALBUQUERQUE e RUI DE
ALBUQUERQUE, Hiitúria do dirtilo portug11fJ, 1, Lisboa 1984/ l 985. 35 1-3 70 (com indicação de ulterior bibliop;rafia).
20
b) O common law
O sistema do common law nasceu em Inglaterra, sobretudo por acção dos tribunais
reais na Baixa Idade Média (sécs. XIII a XV). É um judge made /aw, ou seja, um direito
elaborado pelos juízes; a fonte principal do direito é, aí, a jurisprudência, o precedente
judiciário.
O common ·law escapou em larga medida à influência do direito romano e da
ciência jurídica das universidades medievais e modernas. Os seus conceitos jurídicos e a
terminologia são muito diferentes dos dos sistemas jurídicos da família romano-germânica.
O common law tornou-se no direito de todos os países que foram dominados ou
colonizados pela Inglaterra, nomeadamente o País de Gales, a Irlanda, os Estados
Unidos (salvo a Luisiana), o Canadá (salvo o Québec), a Austrália, a Nova Zelândia e
numerosos países africanos.
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Influência do
commonlaw
F direico francês
E direico espanhol
P direico pomiguês
B direico belga
N di.reico holandês
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d) · O direito muçulmano
O direito muçulmano é, como o direito hindu e o direito chinês, um sistema no
qual a distinção entre direito e religião é quase nula; são chamados, geralmenc.e,
«direitos religiosos». O direito muçulmano é o «direito dos Muçulmanos», ou seja, _da
comunidade de fiéis que professam a religião islâmica. Os Muçulmanos observam um
conjunco de regras de vida derivadas do Alcorão, a ki divina; estas regras dizem
respeito tanto às relações sociais que nós chamamos jurídicas, como aos comportamentos
de carácter moral ou religioso.
Nascido nos sécs. VII e VIII, inicialmente na Arábia, e depois nos territórios da
África e da Ásia conquistados pelo Islão, o direito muçulmano desenvolveu-se,
sobretudo, pelo idjmâ, o acordo unânime da comunidade muçulmana, de facto o dos
doutores da lei; variantes na interpretação dos textos levaram, no entanto, a que
tivessem aparecido quatro ritos (ou escolas) ortodoxos e vários mais ou menos heréticos.
Não obstante estas diversidades, o direito muçulmano conservou teoricamente
uma grande unidade, apesar da extensão dos territórios nos quais ele ainda é aplicado:
África do Norte, Turquia, Sudeste asiático, Turquestão, Irão, Paquistão, Bangladesh,
uma parte da Indonésia; também o Sul e o Centro da Espanha e de Portugal foram
islamizados durante uma parte da Idade Média.
A partir do séc. X, o direito muçulmano permaneceu estático, congelado; do
que resultou uma inadaptação aos problemas da vida económica moderna, levando a
um recurso aos direitos europeus, a título dt: direito subsidiário, durante os séculos XIX e XX.
24
e) O direito hindu
O direito hindu é o direito da comunidade religiosa brâmane, também chamada
hinduista. É aplicado sobretudo na Índia e em algumas partes do Sudeste asiático.
A religião hindu impõe aos seus fiéis uma cerca concepção do mundo e das
relações sociais, baseada essencialmente na existência de cascas. As regras de comporta-
mento aparecem sob a fonna de princípios religiosos que substituem as normas jurídicas.
Esses mandamentos são tirados de textos sagrados m_uitos antigos, os srutis, que
_contêm especialmente os Veda!. A interpretação desces textos originou o aparecimento
de uma abundante literatura, na qual encontramos livros com características mais
estritamente jurídicas, os Dharma1â1tra.
O direito hindu continuou a ser aplicado, na Índia, durante a colonização
britânica. O desenvolvimento político e económico da República da Índia, instituída
em 1947, põe problemas complexos de adaptação.
f) O direito chinêJ
Na China tradic~onal, o direito tinha apenas um papel secundário na vida social.
O essencial, aí, era o 'li', ou seja, as regras de convivência, e de decência, que impunham
um comportamento em harmonia com «a ordem natural das coisas». Esta concepção,
nascida sobretudo do pensamento de Confúcio (século VI a. C. ), manteve-se até aos
princíoios do século XX.
A esta concepção opôs-se, a partir do século III a.C., a dos legistas, defensores
da preponderância da lei, a «/a»; que é quase só lei penal, que prevê penas muito
pesadas e, muitas vezes cruéis, contra os que perturbam a ordem social, mesmo no
domínio do que chamaremos direito civil.
Mais tarde, os confucianistas chegaram a impor a sua concepção aos imperadores,
a « confucianalizar as leis». Os vinte séculos de história do direito chinês não são mais
do que a preponderância alternativa do "li» e do «/a», assim como os esforços para a
fusão do «li» com o «/a».
A europeização do direito chinês, ou seja, primeiro, a influência dos direitos
ocidentais e, em seguida, desde 1949, a dos direitos socialistas, parece ter sido
superficial. A partir de 1958 assiste-se ao desenvolvimento de uma nova concepção do
«li», o que explica, em parte, a diferença entre o comunismo da U.R.S.S. e o da
China.
Outras regiões da Ásia conheceram uma evolução do direito semelhante à dos
direitos chinês e hindu, sobretudo, o Japão e a Ásia do Sudeste (Birmânia, Sião,
Cambodja, Vietname, etc.). As influências chinesas e hindus cruzaram-se aí com
elementos próprios dos sistemas jurídicos mais arcaicos e com características específicas
do budismo. A europeização do direito foi aí, geralmente, mais considerável do que na
China, sobretudo no Japão.
25
g) Os direitos africanos
Os direitos dos povos da África Negra e de Madagáscar constiruem sistemas jurídicos
geralmente mais arcaicos do que os direitos religiosos da África e do Islão. Direit'as arcaicos,
mas não direitos primitivos, pois eles conheceram também uma longa evolução interna, com
fases descendentes e ascendentes, por vezes muito complexas. É, de resto, difícil esrudar estas
·evoluções, pois os direitos africanos são direitos não escritos. A base essencial destes sistemas
jurídicos é a coesão do grupo - a família, o clã, a tribo, a etnia - , cuja solidariedade
interna dita a maior parte das relações sociais.
O costume é aí a fume quase única de direito, havendo em África um número muito
elevado de costumes diferentes, em estádios muito diferentes de evolução.
Colonizados tanto pelos Muçulmanos como pelos Europeus, os povos africanos
sofreram a influência dos sistemas jurídicos dos seus colonizadores. A partir do acesso à
independência, no decurso dos anos 1955 e 1965, os Estados africanos têm procurado
soluções novas, umas em ruptura com os seus direitos tradicionais, outras na conciliação de
sistemas jurídicos frequentemente muito diferentes uns dos outros, outros, por fim, na busca
de uma autenticidade africana.
3. As fontes de direito
Muitas vezes se funí apelo, neste livro, à noyio de fontes de direito, sobretudo na
segunda pane, em que, ao estudar mais especialmente a evolução geral do direito na Europa
ocidental a panir da Baixa Idade Média, a exposição será orientada sobre a história das
diferentes fontes formais do direito. Importa precisar, desde o início, de que é que se trata
ao falar de «fontes».
A expressão «funtes de direito» pode ser entendida pelo menos ein três sentidos
diferentes: fontes históricas do direito, funtes reais do direito, fontes formais do direito.
0) Cf as colecrâneas de esrudos publicadas sob a direcção de). PERELMAN, Le fJrobl~ J,, lacuneJ en Jroit, Bruxelles
1968, nomeadamente, J. Gilissen, Le fJrob/emetks lacuner J11 drnit danJ l'évol11tion d11 droit médiéval et modeme. p. 197-246.
27
b) O costume
Analisaremos mais à frente (2. ªparte, cap. I) a noção de costilme, comando como
ponto de partida a definição dada por um jurista flamengo do séc. XVI, P~ilippe
Wieland; examinaremos então os caracteres específicos do costume na Idade Média e na
época moderna. De uma forma mais geral, propomos definir o costume como um
conjunto de usos de natureza jurídica que adquiriram força obrigatória num grupo
sociopolítico dado, pela repetição de actos públicos e pacíficos durante um lapso de
tempo relativamente longo.
c) A jurisprudência
A jurisprudência é um conjunto de normas jurídicas extraídas das decisões
judiciárias. De uma· forma geral, as decisões judiciárias não valem senão entre as
pessoas que são partes no processo; não enunciam normas jurídicas gerais e, mesmo que
28
o façam na sua motivação, estas normas não têm força vinailàtiva erga omnes. No
entanto, os juízes, sobretudo os juízes profissionais formados i)ela disciplina jurídica
(por oposição aos juízes populares) têm tendência a interpretar a lei e o costume como o
fizeram os seus predecessores. Por outro lado, a segurança jurídica é ~nção da
autoridade reconhecida aos precedentes; em Inglaterra, esta autoridade tornou-se
considerável; em virtude do princípio do stare decisis, não é permitido aos juízes
modificar a interpretação do direito fixado por certas jurisdições superiores (cf. in/ra,
common law ). Este princípio teve pouca aceitação no continente; mas, de facto, a
autoridade dos precedentes judiciários foi muitas vezes considerável, ·no passado e no
presente.
d) A doutrina
A doutrina é o conjunto de normas jurídicas formuladas por grandes juristas nas
suas obras. Na realidade, os juristas, não investidos de um poder político ou judidário,
não podem criar normas jurídicas. Mas, em certas concepções do direito, pooem
constatar o direito que existe, mesmo que não formulado; descobrem um direito que se
supõe preexistir às suas constatações. Neste caso, a doutrina pode desempenhar um papel
considerável, como, por exemplo, em certas épocas da história do direito romano.
A doutrina pode também contribuir para introduzir um direito estrangeiro como
direito supletivo; foi, nomeadamente, o que aconteceu nos finais da Idade Média,
quando a doutrina romanista, ou seja, as obras dos juristas formados nas universidades
no estudo do direito romano, fez penetrar uma parte desse direito romano na maior
parte dos direitos europeus.
Por fim, a doutrina está na base da ciência do direito; pelos seus esforços de
classificação, de sistematização, de análise e de síntese, os juristas letrados fizeram do
direito uma ciência. Muitas vezes, criou-se, deste modo, um «direito letrado~, um
«direito dos professores», um «Juristenrechc~ (direito de juristas), faccor importante do
progresso jurídico, mas também, por vezes, causa de uma diferenciação cada vez mais
marcada do direito teórico, por exemplo, o ensinado nas universidades, em relação ao
direito realmente em vigor.
CAPÍTIJLO 1
OS DIREITOS
DOS POVOS SEM ESCRITA
(1) A •Sociedade Jean Bodin pata a história comparadva das instituições• esrudou um certo número de instituições, tanro
nas sociedades sem escrita como na história do direito, pelo método comparativo; os temas assim estudados foram, nomeadamente, o
esraruro do escrangeiro, da mulher, da criança, a prova, as garantias pessoais, as organizações de paz, a monarquia, ,governantes e
governados. as comunidades rurais, o indivíduo &.:e ao poder e o costume (v. em nmas ulteriores a correspondente biblio,llrafia sobre
a maior parte dos remas).
12) L. POSPISIL, Antbropology o/l.4w, New York 1974; A. S. DIAMOND, Primitive Úlw, flaJI andf>r<Jmt, Londres 1971;
E. A. HOEBEL, Tbe lAw o/ primilive man, Cambridge (U .S. A.) 1954; Etbnologie générale (sob a direcção de J. POIR!ER), colecç.ío
«La Pléaide•, Paris 1968 (capítulos relativos à etnologia jurídica, por }. POIRJER, H. LEVY-BRUHL e M. AlllOT,
pp. 1091-1246); H. LEVY-BRUHL, Soâologie riM droit, 5.ª ed., Paris 1976, colecção •Que sais-je?•; C. LEVI-STRAUSS, Lts
str11ct1ms éléme,,tairu de la parenti, Paris 1949; Antbropolor,ie struct11r11lt, 2 vols., Paris 1958-1973; G. P. MUROCX:K, Social S1r11<111re,
Nova Iorque 1949, read. francesa; De la structure Jociale, Paris 1972; A. R. R. BROWN, Struct11rt and 1'11nction in Primitive Society,
Londres 1952; F. ENGEIS, L'Drigine de la famille, de la propriéré privée et de /'É1111 (escrito cerca de 1882), Paris s.d. (1972).
Bibliografia para a etnologia jurídica de Angola, de Moçambique, da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, nas secções respecrivas da
lntrod11ction bibliograpbique à l'biltoirt d11 droit et à l'etbnolop,ie j11ridiq11e, publicada sob a direcção de JOHN GILISSEN (respecrivamente,
A. M. HESPANHA e J. N. MARCOS, E/34. Angola et Mozambiqut; L. MENDONÇA, E/35. Guinée-Bilsa11tt Cafl VertJ.
33
jurídicos dos povos sem escrita. Esta expressão não é de modo algum adequada, pois
numerosos povos conheceram uma longa evolução da sua vida social e jurídica sem
terem atingido o estado cultural da escrita; tal foi o caso, por exemplo, dos Maias e dos
Incas na América. A maior parte dos povos cuja vida social se pode hoje observar ou se
pôde observar no decurso do século XIX já não são primitivos. Emprega-se também a
expressão «direitos consuetudinários» (customary law) para designar estes sistemas
jurídicos, porque o costume é neles à principal fonte do direito; mas veremos que o
mesmo se passa em certas épocas da evolução dos direitos na Europa, por exemplo dos
séculos X a XII da nossa era. A expressão «direitos arcaicos» é mais vasta que «direitos
primitivos» porque ela permite cobrir sistemas sociais e jurídicos de níveis muito
diferentes na evolução geral do direito. Embora não a afastando de todo, preferimos-lhe
a expressão «direitos dos povos sem escrita», o que acencua o que distingue mais
nitidamente este sistema jurídico de outros, ou seja, a ignorância da escrita; mas não se
pode perder de vista que o nível da evolução jurídica de certos povos que se servem da
escrita pod~ ser menos desenvolvido do que o de certos povos sem escrita.
O estudo dos sistemas jurídicos dos povos sem escrita não é de resto limitado à
simples busca das origens do direico; ele apresenta um grande interesse actual, pois
milhares de homens vivem ainda actualmente, na segunda metade do século XX, de
acordo com direitos a que chamamos «arcaicos» ou «primitivos». As civilizações mais
arcaicas continuam a ser as dos aborígenes da Austrália ou da Nova Guiné, dos povos
da Papuásia ou de Bornéu, de certos povos índios da Amazónia no Brasil. Noutros
lugares, o direito dos povos indígenas atingiu um cerro grau de evolução que varia, de
resto, de povo para povo. Na Indonésia, por exemplo, as populações autóctones,
sobretudo as de Java e de Bali, possuíam já antes da época da colonização holandesa um
sistema jurídico relativamente desenvolvido que os Holandeses chamaram de adatrecht
(direito adat, adat-law).
Os direitos dos povos sem escrita são portanto mais ou menos «arcaicos» ou,
mais exactamence, mais ou menos desenvolvidos. É assim que a maior parte dos
direitos dos povos da África Negra e de Madagáscar conheceram uma longa evolução
que está longe de ter sido sempre progressiva; certas etnias conheceram no passado,
segundo parece, sistemas jurídicos mais desenvolvidos do que aqueles que elas
conhecem actualmente. O estado de evolução dos direitos das etnias africanas, por
exemplo, varia de uma etnia para outra. Certas populações, nomeadamente na Nigéria,
na região dos Grandes Lagos do centro de África (o Buganda, por exemplo), na Zâmbia
(exemplo, os Lozi) conheceram uma organização política muito próxima da do Estado
34
a) São, por definição, direitos não eJcritoJ, pois rrata-se do direico dos povos sem·
escrita. Os esforços de formulação de regras jurídicas abstractas são, neste caso,
necessariamente muito limitados.
b) Estes direitos são numerosos: cada comunidade tem o seu próprio costume
pois ela vive isolada, quase sem contacto com outras comunidades; e os raiós conta~tos
com os vizinhos têm por vezes como origem a vingança e levam a guerras interclânicas
ou intertribais. Cada comunidade vive dos seus próprios recursos, do que produzem os
seus próprios membros, pela caça, pesca ou recolha de frutos selvagens ou naturais; o
sistema de economia fechada, autárquica, quer dizer, sem trocas com outros grupos.
A extensão das comunidades que tinham o seu direico próprio é muito variável: por
vezes um clã, mais frequentemente uma ernia.
c) Os direicos dos povos sem escrita são relativamente diversificados. Há diferenças
muitas vezes importantes, por vezes mínimas de um costume para o outro. Dito de
outro modo, há numerosas dissemelhanças ao lado de numerosas parecenças. São sobretudo
os observadores estrangeiros que sublinham as semelhanças porque eles não captam tão
facilmente como os autóctones as diversidades locais; o que choca o europeu ou o
americano são as diferenças fundamentais entre os direitos arcaicos dos sistemas
jurídicos dos povos europeus e assim põem em evidência alguns dos princípios
considerados fundamentais dos direitos arcaicos: solidariedade familiar ou clãnica,
ausência de propriedade imobiliária e de responsabilidade individual, etc.
o pluralismo jurídico no direiro romano, na África do Sul, na Eri6pia, no Mali, no direico muçulmano, na U.R.S.S., na China);
lntegralion o/ c11stomary lawand modem legal Jystems in A/rica, publicado pela Faculry oflaw, Universiry of Jfe (Nigéria), Nova Iorque
1971. A revisra americana African Law Studiu mudou o seu nome parn'jo1m1al o/ úgal Pl1Jrali1m em 1981 (acrualmenre, é publicada
em Groningen, na Holanda).
36
relip:iosos nos sistemas mais evoluídos, por exemplo o juramento que em certos países é
ainda baseado na invocação da divindade.
Por outro lado, exagerou-se muitas vezes a importância da influência religiosa
sobre as origens do direito, sobretudo na sequência dos escritos de Sumner Maine
(Ectrlv lau· and mstom. 1883) que ligou o nascimento de numerosas instituições jurídicas
ao culto dos antepassados. Admite-se actualmente que muito frequentemente a
evolução dos direitos arcaicos se explica por factores diferentes dos religiosos.
Mas não se pode negar que estes direitos sejam profundamente místicos e por
consequência irracionais; assim, no domínio das provas de justiça, recorre-se muitas
vezes ao ordálio, quer dizer ao «julgamento de Deus» pela água a ferver, o fogo, o
veneno, ou pelo duelo, para fazer dizer aos poderes sobrenaturais quem tem razão.
e) Os direitos dos povos sem escrita são direitos em nascimento: distingue-se ainda
mal o que é jurídico do que não é jurídico. Numerosos juristas contestaram mesmo que
os povos sem escrita possam ter um sistema jurídico porque eles não encontram _aí
instituições tais COfl'!O são definidas nos sistemas romanistas ou de common law, por
exemplo a noção de justiça, de regra de direito (ru/e of law), de lei imperativa de
responsabilidade individual. Marx e Engels consideram, sob influência do pensamento
de Hegel, que o direito está ligado ao Estado e afirmam que não há direito nos grupos
sociais que não atingiram o estádio de organização estatal.
Mas, sob a influência dos trabalhos dos etnólogos e dos sociólogos, admite-se
agora em geral que os costumes dos povos sem esciita têm um carácter jurídico porque
existem aí meios de constrangimento para assegurar o respeito das regras de compor-
tamento. Admite-se assim que não existe uma noção universal e eterna de justiça,
podendo esta noção variar com o tempo e com o espaço. Nos sistemas arcaicos de
direito é justo tudo aquilo que interessa para a manutenção da coesão do grupo social, e
não o que tende para o respeito dos direitos individuais; daí uma grande severidade em
relação a todo o comportamento anti-social, quer dizer contrário aos interesses do
grupo, e, pelo contrário, uma tendência a procurar a conciliação para resolver rodo o
conflito no seio do grupo; a função de julgar não consiste em resolver um litígio
segundo regras pré-estabelecidas, mas em tentar obter o acordo das partes por concessões
recíprocas; donde, a importância das negociações que podem durar dias, e também a
ausência de qualquer noção de autoridade do caso julgado.
Os etnólogos juristas distinguem no entanto uma fase de pré-direito antes da fase
do nascimento ao direito. O direito não apareceria senão com a organização de um
poder político diferenciado do das hierarquias ligadas ao parentesco e capaz de assegurar
a regulação social por um aparelho jurídico de normalização, de prevenção e de
repressão, (J. Poirier). Na fase de pré-direito, esta regulação não resulta senão da
tendência dos grupos sociais a conformarem-se com a tradição, a aderirem às maneiras
de viver do grupo pelo medo da reprovação social, da censura do grupo, e sobretudo
37
4. Fontes de direito
b) O costume não é, no encanto, a umca fonte dos direitos dos povos sem
escrita. Nos grupos sociais relativamente evoluídos, acontece que aqueles que detêm o
poder impõem regras de comportamento, dando orden·s de carácter geral e permanente.
Trata-se então de verdadeiras leis, no sentido jurídico e moderno do termo; mas são leis
não escritas, pois elas são enunciadas em grupos sociais que não conhecem a escrita.
Estas leis, enunciadas pelo chefe ou por grupos de chefes, os «anciãos» do clã ou da
etnia, são repetidas em intervalos mais ou menos regulares para assegurar o seu
conhecimento e respeito. Excepcionalmente, os chefes podem enunciá-las numa longa
exposição de regras jurídicas, por exemplo os Kabary (discursos) dos soberanos do reino
de Imarina, em Madagáscar, entre 1787 e 1810, aproximadamente, muitas vezes
retomados desde então e, finalmente, no «Código dos 305 artigos» da rainha
Ranavalona II, de 1881, isco é, antes da colonização francesa.
c) O precedente judiciário pode ser também uma fonte criadora de regras jurídicas
nos direitos dos povos sem escrita; os que julgam, sejam eles o chefe ou os anciãos, têm
a tendência, voluntária ou involuntariamente, para aplicar aos litígios soluções dadas
precedentemente a conflitos do mesmo tipo.
38
m A etnologia tende a.c:rualmente pata querer explicar tudo pelo sincronismo; não haveria evolução das sociedades sem
escrira, nem evolução das suas instituições e do seu direiro, mas estrururas diferentes. existindo ao mesmo tempo. A explicação
39
estrutural domina a etnologia jurídica desde há uns vinte anos, sob• influência de C. Levi-Strauss, em França, de G. P. Murdock e de
outros nos Estados Unidos. AI, já quase ninguém se interessa pelo problema da origem do direito, considerado como desprovido de
interesse para o etnólogo que, em contrapartida, deVl: colocar todos os seus escudos sobre as etnias e os clãs numa dimensão cultural e
accualista. O historiador do direito já quase não pode aí encontrar os elementos de comparação indispensáveis para o estudo da
~pré-história do direito•. Uma síntese prudente das conclusões da etnologia jurídica, passada e presente, continua, no entanto, a ser
útil para o estudo das origens do direito.
(6) M. FORTES (ed.), MarTiage in tribal Societies, Cambridge 1962.
<7 > Ou uxorilocal, de uxor, esposa. Exemplo: os Bemba (Zâmbia), os Yao (Malaui).
(8) A família matrilinear pode ser virilocal; entre os Kongo (Zaire, Angola), por exemplo, a esposa vive frequentemente no
grupo matrilinear do seu marido; entre os Uli (Kasai) e os Naembu (Zâmbia), as aldeias são compostas de homens ligados por laços d.,
parencesco pela linha materna.
40
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irmão do tht>Íe
filhos
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(9) No Zaire, a maior pane das etnias das savanas do sul são ma<rilineares: cal é o caso dos Kongo, dos Pende, etc. As
etnias do norte são geralmente patrilinea.rn: Zande, Mangbetu, Alur, Ngba.ka, etc. Em Angola e Moo;ambique, a maior pan:e das
etnias-banrus é macrilinear, mas também poligâmica. .
(IO) K. M'BAYE (ed.), Le droit tk la famillt m Afriqut noire e1 à Maday,a>car, Paris 1968; J. N. O. ANDERSON (ed.),
Family Law in Aúa and A/rica, Londm; 1968.
42
7. o clã
Qualquer que seja a estrutura da linhagem, chega-se quase sempre à formação de
grupos relativamente extensos, os clãs. Como a lei do mais forte predomina nas
sociedades arcaicas, os membros do mesmo clã terão tendência a reforçar os laços que os
unem de maneira a poderem fazer frente aos inimigos comuns. Estes laços vão subsistir
para além da pessoa física dos indivíduos, mesmo depois da morte. Formam-se assim,
após algumas gerações, grupos nos quais o único laço é o facto de se descender de um
·antepassàdo comum, homem ou mulher. A unidade social é muitas vezes reforçada pelo
factor religioso: o culto dos antepassados. O clã enconrra-se na origem da maior parte
das civilizações: yÉvoc, grego, gem romana, sippe germâmica, douar árabe. etc.
O clã tem geralmente um nome; tem mitos e rituais próprios, interdições
alimentares. A união dos membros do clã tomará muitas vezes um carácter simbólico:
aqueles que adaptam o mesmo «totem» (animal, vegetal, um objecto qualquer)
formam o mesmo grupo social, por exemplo, certos Peles-Vermelhas da América do Norte.
O desenvolvimento e mesmo a sobrevivência do clã dependem da coesão dos seus
membros. Todos estão ligados entre si por uma solidariedade tanto activa como
passiva. Se se faz mal a algwn membro do clã, é o clã todo inteiro que o deve vingar;
se um membro de um clã faz mal a algum terceiro, é em relação a qualquer membro do
clã que a vingança pode ser exercida. O indivíduo não tem nenhum direito; é enquanto
membro do clã que ele age, que ele existe. O clã forma uma comunidade de pessoas e
também de bens.
No estádio ciânico aparece já um grande número de instituições de direito
privado: o casamento, a sucessão da função no chefe do clã, a adopçãó sob a forma de
uma filiação fictícia, a emancipação súb a forma da expulsão dos elementos indesejáveis
para fora do clã.
8. A etnia
A etnologia é a ciência das etnias ou povos. Na organização dos povos sem escrita,
a etnia constitui a estrutura sociopolítica superior, agrupando um número indeterminado
de clãs. A etnia é uma comunidade que tem um nome comum, uma memória comum,
uma consciência de grupo, expressão de uma certa comunidade cultural. A etnia tem
também - muitas vezes, nias não sempre - uma língua comum, um território,
costumes próprios; estes critérios objectivos da noção de etnia são no entanto menos
constantes que os critérios mais subjectivos da consciência de grupo, de aspirações comuns.
É deste modo muito difícil determinar o número de etnias que existiram ou que
existem ainda. Os Francos, os Borgúndios, os Visigodos eram etnias germânicas; os
Kongo, os Mongo, os Zande, os Lunda, são etnias da África Central. Cada uma delas
pode constituir, num momento dado, o agrupamento de várias etnias pré-existentes,
43
a) Tal como o homem está m1st1camente ligado aos membros do seu clã, ele
sente-se ligado do mesmo modo a certos objectos. De resto, a sua individualidade
<l IJ Os Estados africanos anuais herdaram as fronteiras das colónias, que não correspondem aos territórios das etnias; a
maior parce dos Estados compreende dezenas ou centenas de etnias; e numerosas ecnias dependem de dois ou mais Estados; assim, o
cerrirório dos Lunda estende-se por Angola, pelo Zaire e pela Zâmbia.
02> J. GILISSEN, .Les rappons entre gouvemés et gouvernanrs vus à la lumiere de l'hiscoire comparative des
inscitucions•, Rw1ti/J rk la Soâétijean Boáin, e. XXII, Bruxelas 1969, pp. 5-140, nomeadamente p. 94 e ss.
44
ultrapassa o seu corpo físico; tudo o que faz parte do seu corpo e que dele foi separado
fisicamente continua a identificar-se com ele; a prática mágica pode exercer-se tanto
sobre cabelos cortados, unhas, excrementos, como sobre a própria pessoa.
Do mesmo modo, tudo o que se vai identificar com o corpo pertence-lhe já; por
exemplo, o fruto que ele colheu para comer e, por extensão, a arma que ele fabricou
para se defender, ou a canoa de que se serve para a pesca ..
Assim, as formas de propriedade pessoal apresentam-se como pertenças sob o
aspecto da participação mística das coisas no ser humano. Por outro lado, esta pertença
não diz respeito ao indivíduo mas à linhagem, ou mesmo ao clã de que faz parte; pois
tudo entra na comunidade de linhagem ou clânica. .E;sta pertença tem um carácter
sagrado; ela é inviolável, sob pena de sanções sobrenaturais; os bens são em princípio
inalienáveis. Basta, por vezes, marcar com um sinal exterior (por exemplo, um traço,
um pau) a sua intenção de se apropriar de uma coisa para a tornar «tabu», ou seja
interdita aos outros.
Com a morte do chefe do clã, o que lhe pertence· é muitas vezes enterrado ou
incinerado com ele, em virtude da lei da participação. Mas as necessidades económicas
obrigam muitas vezes a deixar,.subsistir certos objectos (armas, reservas de alimentos,
etc.) em favor dos sobreviventes, fazendo assim aparecer as primeiras formas de
sucessão de bens.
Os bens de consumo corrente, .sobretudo os alimentos, parece terem sido
alienados relativamente cedo, mas sobretudo sob a forma de troca, uma vez que a
moeda ainda não existia. Cerras formas entre as mais curiosas são o comércio dito
«mudo» e o potlatch.
No comércio mudo, um grupo depõe num dado lugar, em que sabe que outro
grupo passará, os bens que deseja trocar, e depois abandona o lugar; o outro grupo
examina o que lhe é oferecido, põe outras mercadorias ao lado, e depois retira-se; o
primeiro grupo volta, examina a mercadoria oferecida em contrapartida, e, ou a leva -
e a operação de troca está terminada - ou a deixa como estava; neste caso, o outro
grupo volta e, ou leva o que tinha oferecido - e todo o processo está terminado - ou
então oferece outra coisa, e assim sucessivamente.
O potlatch. conhecido sobretudo dos Índios da América, mas também dos
Berberes, e sob o nome de Kula entre os Polinésios, é a dádiva pública e ostentatória de
bens, de riquezas, ou até escravos, por um grupo a outro. É uma espécie de desafio,
porque o outro não pode recusar; ele deve reagir aceitando, e entregando ao primeiro
grupo bens do valor pelo menos igual. A operação está assim impregnada de um certo
misticismo, ligando as coisas aos homens e, ao mesmo tempo, de uma certa ostentação
de poder sem obrigar ao combate. O potlach uma vez dessacralizado, parece estar na
origem de relações económicas mais vastas.
(I}) M. BACHELET, Syslmw /oncier1 el ré/""1W agrairtJ· en Afrique noire, Paris 1968; D. BIEBUYCK (ed.), African
Agrarian Syslerm, Londre5 1963; R. RARJJAONA, Le concept tÚ propriélê en droil foncier à Madagascar, Paris 1967; R. VERDIER, Essai
d'elhno-sociologie j11ridiq11e <Ús rapports fonciers dam la pmste négro-africaine, rhese, Paris 1960; V. GASSE, Le régime foncier à Madagascar el
en Ajriqlll, Paris 19~9; do mesmo, Les ngimeJ /unam a/ri1>1im d malgadJe. Ewlution depuis /'indipendana, Paris 1971. G. MALENGREAU, Les
droits fonciers coutumiers chez /es indighw du Congo belge, Bruxdas 1947.'·
0 4> V. também, adiante, p. 48 (A Propriedade). Bibliografia em Les cnmm11114utú rura/es, t .•parte: ·Sociilts 'ª"' êcriture•,
46
Recueils de la Soáété}tan Bodin, L 40, Paris 1983 (nomeadamente sobre as comunidades na África negra, em Madagáscar, na Lapónia,
nos Andes peruanos, no México anterior a Cortês.
<m Estudos comparativos sobre estas sociedades feudais em Les /iens de vaJioliri el /tJ immunités, R«ueils de la Sociité}tan
Bondin, r. fl, 2.ª ed., Bruxelas 1958; em FeudaliJm, sob a direcção de Rushton Coulbom, Princeton (N.J.), 19~6; em F. JOÜON
DES LONGRAIS, L'Est ti /'OueII, lnsli1111iom d11japo11 e de l'Occident compark1, Tóquio-Paris 1958.
47
DOCUMENTOS
Três grandes tipos de parentesco são utilizados pelas populações do Congo. No sistema
bilinear, os parentes, socialmente reconhecidos, pertencem tanto à linha paterna como à linha
materna. Este sistema implica uma certa dificuldade em construir ~rupos permanentes,
coerentes, poi.s só os irmãos e as irmãs do mesmo pai e da mesma mãe fazem parte do mesmo
parentesco.
O sistema unilinear permite reunir no mesmo grupo de parentes, os homens e as
mulheres que descendem de um antepassado comum por linha masculina (patrilinearidade) ou
de um ascendente comum por linha feminina (matrilinearidade). Em teoria, estes grupos são.
eternos mesmo que eles se subdividam, mas separam os parentes biológicos (descendentes dos
irmãos e irmãs) e põem acento no parentesco social, o único admitido.
O sistema bilinear é bastante raro. Certos Lunda sententrionais adoptaram-no como os
Teke ao sul, os Pigmeus e certas populações da região do Lago Leopoldo II.
Quanto aos sistemas unilineares, eles são desigualmente repartidos: os grupos que
ocupam as savanas do sul são na sua maior parte matrilineares (Kongo, Pende, Kuba, Luba,
etc.) enquanto que o resro do país é ocupado por grupos patrilineares (Mongo, Ngbandi
Ngbaka, Zande, Mangbetu, Alur, etc.). No entanto, certos Mongo (os Ntomba setentrionais)
são matrilineares.
A matrilinearidade não é acompanhada do matriarcado, ou seja, de uma forma de
autoridade exercida pelas mulheres. Nos grupos patrilineares, esta é exercida pelo pai, mas é nas
mãos do tio materno que ela reside nas sociedades matrilineares. Parece no entanto que entre
os Kongo, as mulheres mais velhas detêm um certo poder de decisão e de consulta. A herança e
a sucessão podem ser determinadas pelo tipo de filiação; nos sistemas patrilíneares, os filhos
herdam do pai, nos sistemas matrilineares, o filho faz parte do grupo de origem de sua mãe e
herda do seu tio materno.
A escravidão foi praticada por quase toda a parte quer se tratasse de escravos de guerra ou
de indivíduos reduzidos à escravidão como sanção de delitos (no caso dos Kongo, dos Zande),
quer, enfim, de filhos de escravos, que .formavam muitas vezes uma classe especial (no Itimbiri
ou Baixo Congo nomeadamente) tendo tendência a integrar-se gradualmente no grupo do seu
dono para formar uma espécie de diencela. A sociedade dos Kwango-Kasai ficou assim
estratificada em homens livres, clientes, e escravos.
A situação das mulheres enquanto grupo social é sempre inferior, mas o seu estatuto está
longe de ser geralmente desprezível ou totalmente dependente. Elas gozam da posse das terras
que exploram em seu benefício. Estão muitas vezes protegidas pela sua família de ori~em que
pode pedir o divórcio em caso de autoridade abusiva do marido. Algumas mulheres possuíam a
título individual poderes políticos: a Mhokesha nos lunda por exemplo.
Deve-se sublinhar que a influência europeia prejudicou o estati.lro feminino, tendo os
fenómenos de aculturação consagrado uma autoridade marital maior que antes, enquanto que
a proletarização e destribalização dos trabalhadores tornou a ~sposa totalmente dependente do
salário do marido».
49
b) As regras da respomabilidade
Código de costumes, n. 0 43: «Se o animal de alguém causa prejuízos a qualquer outro,
o dono do animal pagará o mal que este fez».
Julgamento n. 0 122: Os factos: Um terceiro veio a casa de M. com o cão de N. e aí o cão
começou a espantar os paros de M. e quatro deles fugiram para a floresta. Apenas um voltou e,
depois de oito meses, os outros crês foram considerados perdidos. Assim, M. pede o reembolso
pela perda dos três patos, um grande e dois pequenos. Ele estima o preço do pato em 70
francos. N. responde que o seu cão não matou os paros, mas que brincou com eles e que por
consequência não é ladrão. Esta versão é confirmada por um terceiro. ·
Decisão: Como os patos foram assustados pelo cão de N., este pagará uma vez 70
francos e duas vezes 35 francos, ou seja 140 francos pelos patos desaparecidos.
Costume: Se o cão de alguém espantou os paros, o chefe diz que o proprietário do cão
pagará os patos deste homem na moeda dos Zande. Actualmente paga-se em francos.
Observações: 1. O tribunal não admite desculpa de N. que parece querer dizer que o
seu cão não é senão parcialmente responsável pelo desaparecimento dos patos, pois que estes
fugiram para a floresta.
2. O terceiro que tinha a guarda efectiva do cão no momento dos factos não é posto em
causa; só o proprietário do animal é responsável.
J. VANDERLINDEN, Coutumier, manuel et j11ríspr11dence do droit zande,
Bruxelles 1969, p. 38, 42, 126, 160 et 161.
3. Provérbios e adágios
a) Pr()tlérbios Kongo
O trono em que repousa o chefe não abana.
A marmota foi comida pela boa. É unia história da floresta: elas que se arranjem uma
con:i a outra.
50
Tu, que distribuis comida ao rato da floresta, não esqueças os ratos que habitam a tua
palhota.
b) Pr()tlérbios Mayombe
Matai o Nyombe, porque ele não tem família.
O rato dos campos, se quer viver muito tempo, não come as bagas de outrem.
(1) Tanro antes como depois de 1940-1945, a Universidade Livre de Bruxelas foi wn dos cencros de investigaÇão neste
domínio, sob a direcção de Jacques Pirenne antes da guerra, acrualmenre sob a de A. Thk>doridk. Aqui se publicaram os ArrhiveJ
d'Hútoire du Droit oriental, actualmenre fundidos com a Rév11t in1erna1iona/nle1 dmitJ dt f'An1iq11i1i, criada por iniciariva de P. De Visscher,
professor da Universidade de Lovaina. Existt na Universidade de Paris II, sob a direcção de). Gaudemer wn •Centre de documenrarion
des droirs antiques• que difunde, duas veus por ano, desde 1959, wna bibliografia corrente dos direitos da anciguidade.
Bibliografia: J. GAUDEMET, ln1tit11tionJ de f'Antiquité, Paris 1967; ). IMBERT, Le droit antique e/ m prolongemenfl
modemn, 3. • ed. , Paris 1967, colecção •Que sais-je? •.
52
dos direitos arcaicos e feudais, o direito egípcio da época da Ili à V dinastia (cerca de
3000 a 2600) e o da XVIII dinastia (1500-1300) parecem ter sido cão evoluídos e cão
individualistas como o direico romano clássico. Descrevê-los-emos brevemente.
~iâmia foi o país que conheceu as primeiras formulações do direico.
Os Sumérios, os Acadianos, os Hititas, os Assírios, redigiram textos jurídicos que se
podem chamar «códigos», os quais chegaram a formular regras de direito mais ou
menos abstracras.
Os Hebreus, situados entre o Egipto e a Mesopotâmia, não atingiram um
desenvo1;i;;:)efl"(~ do seu direito tão grande como os seus vizinhos; mas registaram na
Bíblia, o seu livro religioso, um conjunto de preceitos morais e jurídicos que foram
perpetuados, não somente no seu próprio sistema jurídico até aos nossos dias, mas
sobretudo no direito canónico, direito dos Cristãos, e mesmo no direito muçulmano.
A Grécia, como o Egipto, não deixou grandes recolhas jurídicas, nem vastas
codificações. Mas com os seus pensadores, sobretudo Platão e Aristóteles, fundou a
ciência política, ou seja a ciência do governo, da polis ou cidade; ela é assim a base do
nosso direito público moderno.
Enfim Roma, na época da República e sobretudo no tempo do Império, fez a
síntese de tudo o que os outros direitos da antiguidade nos tinham trazido. Como os
Egípcios, os Romanos realizaram, nos primeiros séculos da nossa era, um sistema
jurídico que atingiu um nível inigualável até então. Muito mais qt~e os Mesopotâmios,
eles tiv.eram de formular as regras do seu direito e redigiram vastos livros de direito.
Sobretudo os Romanos criaram a ciência do direito; o que os jurisconsultos romanos
dos II e III séculos da nossa era escreveram, serve ainda hoje de base a uma importante
pàrre do nosso sistema jurídico.
Antes dos Romanos, os povos da antiguidade não puderam, parece, construir um
sistema jurídico coerente; mas esta constatação é provavelmente a consequência da
insuficiência das fontes jurídicas actualmence disponíveis. É possível que um dia a
descoberta de novos documentos permita fazer recuar de vários séculos, ou mesmo
milénios, o aparecimento de uma ciência do direito baseada em princípios jurídicos
gerais e abstractos.
A. -OEGIPTO
1. Evolução geral
A civilização do Nilo tem uma- longa história de cerca de quarenta séculos; a
evolução do direito conheceu aí fases ascendentes e fases descendentes, correspondendo
mais ou menos às grandes oscilações do poder dos faraós m.
<2> ]. PIRENNI! e A. THÉODORIDES, «Droit égyptien~. em). GILISSEN (ed.), lntrod11ction bibliographiq11e., A/l,
Bruxei~ 1966;]. PIRENNE, Hi1foire tÍlJ imlif11fio111 el d11 droif privé de l'Anâen Empire, 3 vis., 1932-l93S; ào mesmo, •les trois
53
cycles de l"hist0ire de l'ancienne Egypte•, Buli. Acad. Btlgique, d. /mm, 1959; ainda do rncsrno, Histoire de la civilisation tÚ
l'Egypte ancienne, 3 voL, Neuchacel 1961-1963; E. SEIDL, Einf:ihrunr, in dit iir,ypliuht Rechtsgeichicht• bis zum EnJe Jes Neuen Reiches,
2. • ed., 195 1; do mesrno, Atgyplischt Rtcht1geschich1t der S11ilm - und Perrerzeil., 1956; ainda do rnesmo, ·Alliigyp1úches Rechl •, em
B. SPULER (ed.), Handbuch der Orimtaliilik; Ab<. I, Erg. lêl (Leideo 1964), pp. 7-48; Ch. CHEHATA, HiIIÓf'ia do di,..ito priv11do
er,ípâo (em árabe), Cairo 1951; A. L HARARI, Contribulion à l'éludL tÚ la prodáuf't judici11if't dot11 l'Ancim Empi" igyptim, 1950;
H. GOEDICKE, Kiinir,licht Dokumm/e au1 dLm Afim Reich, 1967; Dit Privalm Rtch1Jit11chri/1m aus dLm Allen Reich, 1970;
A. THÉODORIDES, •The Concept of Law in Anciem Egyp<•, ern J. R. HARRIS (ed.); Tht ltgacy o/ Egyp1, Oxford 1971,
pp. 291 e ss.; •les cexces juridiques•, em Texler ti lanr,ar,es de l'Egypte pharaonique, e. Ili, Le Caire 1974, pp. 21 e ss.; •le
probleme du droic égypcien ancien•, nas Ada du Colloque 1ur /e droit éKJfJlim ancien, Bruxclles 1974, pp. l e ss.; Schafik ALLAM,
Das Vtrfahremrecht in der altiigyp1iJchm Arbtilersiedlung tJOn Deir el-Medinth, Tübingen, 1973; J GILISSEN, •L'apport de l'hisroire
du droit égypcien à l"étude de l'évolucion générale du droic ec à la forrnacion du jurisre•, nas mesmas At1,., pp. 227-243;
J. MODRZEJEWSKI, •La regle de droic dans l'Egypce ptolérnaique•, em Amer .. Stud. in Papyr., <. 1, 1966, pp. 725 e ss.; •la
regle de droit dans l'Egypce rornaine•. in id., e. VII, 1970, pp. _? 17 e ss,
54
A célula social por excelência é a família em sentido restrico: pai, mãe, e filhos
menores. Marido e mulher são colocados em pé de iguaidade: não há qualquer
autoridade marital, nem cutela da mulher. As mulheres, mesmo casadas, podem dispor
do seu património próprio, por doação e por testamento. Não há sinais de harém; o
casamento é monogâmico, à excepção do do rei.
Todos os filhos, filha como filho, são iguais: nem direito de primogenitura, nem
privilégio de masculinidade. O filho maior pode possuir wn património próprio, de que
pode dispor livremente. A liberdade de testar é completa, salvo (talvez) a reserva
hereditária a favor dos filhos. O tescamento existe pelo menos desde a IV dinastia; difere
profundamente do testamento romano; é wn acco de disposição (imytper = «O que exísce
na casa»), revogável até à morte do testador (v. documento n. 0 2 e 3, pág. 57 e sgs.).
Todos os bens, imóveis como móveis, são alienáveis. A pequena propriedade
domina; os grandes domínios são raros. Não há contratos perpétuos; há grande mobilidade
de bens revelada pela periodicidade dos recenseamentos.
o direito de contratos é muito desenvolvido: conservam-se aàos de venda, de
arrendamento, de doação, de fundação.
O direito penal não parece de modo algum severo, em comparação com os
outros períodos da antiguidade; por exemplo, não se enconcra praticamente repre-
sentação da pena de morre.
DOCUMENTOS
«Quando um queixoso vem do Alto ou do Baixo Egipto, ... é a ti que cumpre cuidar
que tudo seja feito segundo a lei, que tudo seja feito segundo os regulamentos que lhe diz.em
respeito, fazendo com que cada um tenha o seu direito~ Um vizir deve (viver) com· o rosto
destapado. A água e o vento trazem-me tudo o que ele faz. Nada do que ele fuz é dekonhecido ...
Para o vizir a segurança é agir segundo a regra, dando resposca ao queixoso. Aquele que é
julgado não deve dizer: «Náo me foi dado o meu direito».
(3) Sobre a papirologia, v_ R_ TAUBENSCHLAG, The law o/ greco-roman Egypt in the ligth o/ papyri, 2.' ed. Wanaw
1955; E_ SEIDL, Ptolomiiúche Rechl!geJchichte, 1962; M. Th. LENGER, Curpus dts ordonnawcei ,W Lagitk, Bruxelas 1964;
). MODRZEJEWSKJ, •la regle de droir dans l'Empire ptolémaique•, American studies in papyrology, r. 1, 1966, p. 72' e ss., e
t. Vil, 1970, p. 317 e ss .. Ver também a crónica anual de papirologia feira por). MODRZEJEWSKJ na Revue historique tk droit
/ranfais el é/ranger.
57
«Não afastes nenhum queixoso, sem ter·'acolhido a sua palavra. Quando um queixoso vem
queixar-se a ti, não recuses uma única palavra do que ele diz; mas, se ·o deves mandar embora,
deves fazê-lo de modo que ele entenda por que o mandas embora. Atenta no que se diz:
«Ü queixoso gosta ainda mais que se preste atenção ao que ele diz do que ver a sua quei,xa acendida».
«Atenta em que se espera o exercício da Justiça na maneira de ser de um vizir. Atenta
em o que é a lei justa, segundo o deus (Râ). Atenta no que se diz do escriba do vizir: 'Escriba
de Maât (a Justiça)' é (o seu nome). A sala onde dás audiência, é a sala das Duas Justiças, em
que se julga: e quem distribui a Justiça perante os homens é o vizir».
«Atenta, um homem mantém-se na sua função, quando ele julga as causas conforme as
instruções que lhe são dadas, e é feliz o homem que age conforme ao que lhe é prescrito. Mas
não faças aquilo que desejas nas causas em que as leis a aplicar são conhecidas, pois acontece ao
presunçoso que o Mescre a ele prefira o temente».
«Que tu possas agir conforme estas instruções que te são dadas ... ".
No verso:
Acco de «imyt-per» <4i que o «phylarque» 15 ' Merysaintef realizou a favor de seu
filho lntefsaméry, de sobrenome lousenbou.
No ret'/o:
No ano XXXIX (de Amenemhat III), no 4. 0 mês da (estação) «akhet», no 19.º dia.
Acco de «imyt-per» feito pelo «phylarque» Merysaincef, de ~obrenome Kebi, a favor do seu
filho lntefsaméry, de sobrenome Iousenbou.
«Eu dou o meu «phylarquat» a meu filho Intefsaméry, de sobrenome Iousenbou, com a
condição de ele ser para mim um «amparo de velhice» pois eu sou enfermo».
«Que ele seja investido instantaneamente».
«Quanto ao acco de «imyc-per» que eu antes tinha feito a favor da sua mãe, que este
seja revogado».
«No que diz respeito à minha casa, situada no domínio de Houtmedet, ela fica para
meus filhos, que nasceram de Samebethenounesou, filha do guarda de conselheiro de distrito de
Sobekemhat, com tudo o que ela contém».
<4> lmyt-per: etimologicamente: •O que existe na casa-, •inventário•; por extensão: .roda a manifestação de vontade
pessoal que modifica a devolução legal dos bens•.
m Chefe de um grupo de sacerdotes, chamado··phylé• na época grega.
58
Um padre, pai de família, institui legatária a sua mulher, exprimindo-se como se segue:
« ... Assim, eu vim perante o Vizir e os Magistrados membros do Conselho (de Médinet
Habou), neste dia, a fim de fazer conhecer a sua parte a cada um dos meus filhos e esta
disposição que eu vou tomar a favor da «cidadã» Anoksounedjem, esta mulher que está na minha
casa actualmence, pois que o Faraó disse: que cada um faça o que deseja dos seus bens, ... ».
l. Evolução geral
<6l G. CARDAsaA •• 1..es droits cunéifunnes•, em MONIER, CARDASCIA e IMBERT, Hútoirt tkJ ln11i1111iotu .• .,
1956, pp. l 7-68; e cm ). Gil.ISSEN (cd.), lr11rod. bibliogr., A/2, BNJ1clas 1966; R. HAASE, Einftihnmg ;,, ""1 Stwli11111
1.Vi/Jchriftlicher Rtdi11qlll1/m, Wiesbadcn 1965; V. KOROSEK, •Kcilschriftrech•, H1J'1tÍb11<h der <J,;mtlllistik, 1 Abr., Band. Ili,
Leiden 1964, p. 49-219; W. EILERS, ·Réflexions sur les origines du droil' en Mésopotamie•, Rw. hist. droit fr. ti tlrdngtr,
1973, p. 195-216.
EGIPTO e MESOPOTÂMIA
AlaJakh
•
--......____.!.-._ _.J• Ugarir
-
MAR MEDJTERllÁNEO
60
A maior parte destas recolhas f-0ram descobertas no decorrer das últimas décadas;
a sua publicação e sobretudo a sua tradução e a sua interpretação estão ainda em curso.
<7l A cronologia da história dos povos cuneiformes dos mil<'nios li e Ili concinua a ser incena; assim, a chegada
de Hammurabi ao poder foi retardada de cerca de 27~ anos e siruada por volra de 1940 a.C.; sicua·se actualmenre o sru
reinado entre 1728 e 1686 a.C.. Adopcámos '.'.cronologia de G. Cardascia na sua bibliografia.
<RI O dilúvio descrito na Bíblia foi provavelmenre uma grande inundação da baixa planícir do Tigre e do
Eufrates, por volca dos séculos XXVI ou XXV a.C.
61
l9l E. SZLECHTER, •Le Code d'Ur-Nammu•, Rtv11e d'AIJyriologie, r. 49, 1955, pp. 169-177; do mesmo,
Tablettes j11ridiq11es el adminiilralives dela 3 .' dynaslie d'Uret de la /.fr• dy,,artie de Babylone, Paris 1963.
llO) G. R. DRIVER, e). MILES, The Babylonian Law1. 2 vols., 19H-1954 (textos e tradução desde o Código de
Lípir-lshtar até à época neobabilónica); A. FINET, Le Code de Hamm11rapi. /ntrod11ction, trad11ction e/ annolation. Paris
1973; E. SZLECHTER, Codex Hamm11rapi, Roma 1977. Deve-se escrever Hammu-rabi (= Hammu é grande) ou Hammu-rapi
(= Hammu cura)> Tal como G. Cardascia, conservámos Hammurabi; contra, A. Finer e E. Szlechrcr.
62
além disso duas recolhas de textos jurídicos que foram chamadas (erradamente) o Código
Hitita, gravado em caracteres cuneiformes e datando provavelmente do século XIV 021,
Estas recolhas contêm por um lado um conjunto de regras de origem consuetu-
dinária, por outro lado formulações relativamente absrractas de regras jurídicas
provavelmente proclamadas pelo rei. Elas dizem respe_ito sobretudo ao direito penal,
sancionando os delitos contra a autoridade pública, contra as pessoas e contra os bens
(sobretudo roubos); encontram-se aí também alguns artigos relativos ao direito privado,
nomeadamente ao casamento.
Foi igualmente encontrada em Hattusas, a cópia de tratados internacionais: 0
<12l R. HAASE, ·Herhirische Rechr•, em). GILISSEN (ed.), /111r. bib/., A/3, Bruxelas 1967; H. A. HOFFNER, The
Lawi o/lhe HillileJ, Wahham Mass. 1963.
Cl3I G. KESTEMONT, DiplM11alique er droil in1eroa1io114/ m A>ie rxcidm1ale 11600-1200 ""'·]. C. J. l.Duvain-la-Neuve 1974.
64
Aqueus, Medos e Persas) e das civilizações menos desenvolvidas dos- invasores, a sociedade
mesopotâmica desagrega-se, quer seja por absorção ou por feudalização. Só a· Babilónia
continuará durante vários séculos ainda a ser o centro de uma civilização desenvolvida
que transmitirá aos povos do Mediterrâneo: Hititas, Fenícios, Gregos e Romanos.
DOCUMENTOS
Col. III. Havia pastores que ficavam junco dos bois, que ficavam junto dos carneiros e
que ficavam junto dos burros ( ... ) Nesse dia Ur-Nammu, varão force, rei de Ur, da Swriéria e
da Acádia, com a força de Nanna, rei da cidade; (. .. ) a equidade no país estabeleceu, a
desordem e a iniquidade (pela força?) cortou; capitães de navios para o comércio «fluviah (ou
para a navegação mercantil), pastores que ficavam junto dos bois, que ficavam junto dos
carneiros, que ficavam junto dos burros( ... ).
Col. VI. (. .. )Se um cidadão acusa um outro cidadão de feitiçaria e o leva perante o deus
rio (e se) o deus rio o declara puro, aquele que o levou ...
Col. VIII. Um cidadão fraccurou um pé ou uma mão a outro cidadão durante uma rixa
pelo que pagará 10 sidos de prata. Se um cidadão atingiu outro com uma arma e lhe fracturou
um_ osso, pagará uma .. mina» de prata. Se um cidadão cortou o nariz a outro cidadão com um
objecco pesado pagará dois terços de «mina».
C. - O DIREITO HEBRAICO
1. Introdução histórica
Os Hebreus são Semitas que viviam em tribos nómadas, conduzidas por chefes.
Eles atravessam a Palestina na época de Hammurabi, penetram no Egipto, retornam
(o Êxodo) à Palestina e instalam-se aí entre os Hititas e os Egípcios, provavelmente nos
inícios do século XII, calvez mais cedo.
A seguir à sedentarização, é estabelecido um poder único sobre o conjunto das
tribos; pertence ao rei, cuja autoridade se reforça nos séculos XI e X. O apogeu do
reino de Israel situa-se na época de David (1029-960) e de seu filho Salomão (960-935).
Seguidamente, diss~nsões internas provocam a divisão em dois reinos: o reino de Israel,
no Norte, que foi ocupado pelos Assírios em 721; e o reino de Judá, no Sul, à volta de
Jerusalém, que resistiu até 586. Persas, Macedónios, Romanos ocuparam seguidamente
a J>alestina. A revolta dos Judeus contra os Romanos leva, nos séculos 1 e II depois de
Cristo à sua dispersão (diáspora); mas, apesar da perda da sua unidade política, eles
conservam uma grande unidade espiritual.
2. Caracteres
O direito hebraico é um direito religioso. Religião monoteísta, muito diferente
dos politeísmos que a rodeavam na antiguidade. Religião que, através do cristianismo
que dela deriva, exerceu uma profunda influência no Ocidente.
O direito é «dado» por Deus ao seu povo. Assim se estabelece uma «aliança»
entre Deus e o povo que ele escolheu; o Decálogo ditado a Moisés é a Aliança do Sinai,
o Código da Aliança de Jeová; o Deuteronómio é também uma forma de aliança.
O direito é desde logo imutável; só Deus o pode modificar, ideia que reencontraremos
no direito canónico e no direito muçulmano. Os intérpretes, mais especialmente os
rabinos, podem interpretá-lo para o adaptar à evolução social; no entanto, eles nunca o
podem modificar o4>.
04) S. PAUL, •Bíblica! l.aw•, em J. GIUSSEN (ed.), lmrod. bihliogr. op. cir., A/6, Bruxelas 1974; do mesmo,
BibliogrtJjJhictJI MateritJI for a Study o/ BiblictJI ~. Jerusalém 1972; Z. W. FALK, Hebrew l.aw in Biblical TimtJ, Jerusalém 1964;
do mesmo, •Jewish Law~. em J. D. DERRETI' (ed.), An introduction to legal 1y>lemJ, Londres 1968, p. 28·B; J. PIRENNE, L4
1ociété hibrtJique, d'apru la Bible, 1965; 1. HERZOG, The Main lmtitutiom o/ Jewilh uw, 2.ª ed., 2 vol., Londres 1967;
B. COHEN, Law tJnd Tradition in }udtJi>m, Nova Iorque 1959; do mesmo, Jewilh and Roman Law, 2 Vol., Nova Iorque 1966;
R. DE VAUX, IA irllljtutiom tk l'Ancim TtJtament, 2 vol., Paris 1958-1960; J. M. POWIS, The Origin and Hiltory o/ Hehrew urv,
Chicago 1960.
67
3. Fontes do direito
Direito religioso, o direito hebraico está em grande medida confundido com a
religião, cujas fontes estão contidas nas escrituras, isto é, na Bíblia, livro da Aliança de
Deus com o seu povo.
a) A Bíblia m>.
A Bíblia é um livro sagrado; contém a «Lei» revelada por Deus aos Israelitas.
Comp~eende (na sua parte pré-cristã, isto é, o Antigo Testamento) t;.§.~:,f,rupos de livros:
- O Pentateuco,
____ ,_,,_.,........---· .
r-·~·___,
quer dizer, os Cinco Livros_:_ ,
.......... ___ .. , ,_____ •. ,. -"'·-···;------
~·-·--....,.."·'"'""'"'''" ,,,~
,. -
- a Génese (a Criação, a vida dos patriarcas)
- o Êxodo (estadia no Egipco e volta a Canaã)
- o Levítico (livro de prescrições religiosas e culturais)
- os Números (sobretudo a organização da força material)
- o Deuteronómio, complemento dos quatro precedentes
- os Profetas (que diz respeito, sobretudo,_à história)
- os Hagiógrafos (sobretudo, costumes e instituições).
O Pentateuco tem para os Judeus o nome de Thora, quer dizer, a «lei escrita»
revelada por Deus; ela é atribuída, segundo a tradição judia, a Moisés, donde a sm
denominação usual de «Leis de Moisés» ou «OS Cinco Livros de Moisés». Na realidade,
<U> Há inúmeras edições e rraduções da Blblia. Edição crírica: R. Kl1TEL (ed.), Bihlia Hebraica, Esmgarda 1954
C. D. GINSBURG, lntrod11ction to tlN Maior.tiro. Criticai F.dilion of the Hebrew Bihle, Nova Iorque 1966. Tradução francesa: L.
Sainte Bible, Paris 1946-1956.
68
o texto data de diferentes períodos; certas partes (nomeadamente as que dizem respeito
aos Patriarcas) remontariam ao início do segundo milénio; a maior parte das outras
teriam sido redigidas em períodos diferentes enrre os séculos XII e V; a forma definitiva
não dataria senão .de cerca de 450 antes de Cristo. Este problema da datação continua
no entanco muito controvertido.
Na Bíblia, o direito é concebido como de origem divina; Deus é a última fonte e
sanção de toda a regra de comportamento; todo o crime é um pecado, pelo qual a
comunidade é responsável perante Deus, e não perante wn governo humano. Na Bíblia
- como de resto nos Veda, ou no Corão - as prescrições jurídicas, morais e religiosas
estão confundidas.
Existem no entanto algumas partes do Pentateuco cujo conteúdo corresponde
mais especialmente às matérias que hoje se chamam jurídicas. Estes textos, considerados
como as fontes formais do direito hebraico, são nomeadamente:
- o Decálogo que, segundo a tradição, teria sido ditado a Moisés no Monte Sinai
.,,.-----·
por Jeová; e conhecido por duas versões, wna no Exodo (XX, 2-17), outra no Deute-
--~-·-· ~ /\
ronómio (V, 6-18); contém prescrições de carácter moral, religioso e jurídico muito
gerais, redigidas sob forma de máximas imperativas muito curtas; <<Tu não matarás)),
«Tu não levantarás falso testemunho contra o teu próximo», etc. (ver documento
n. 0 1, pág. 71);
- o Código da Aliança, conservado no Êxodo (XX, 22, a XXIII, 33); pela sua
o
forma e pelõSeú-füéid~-. _texto assemelha-se às codificações mesopotâmicas e hititas,
nomeadamente ao Código Haminurabi 06J, o que permite supor que wna primeira
formulação (talvez oral) poderia remontar a época anterior à estadia no Egipto. Na sua
forma final, o texto dataria da época dita «dos Juízes», isto é, do início da fixação em
Canaã, nos séculos XII ou XI antes de Cristo. O Código da Aliança contém prescrições
religiosas, regras relativas ao direito penal, à reparação dos danos, etc. Reflecte costumes
da época da sedentarização (ver documento n. 0 2, pág. 71);
- o Deuteronómio (do grego OEU't'EpovÓfLtOV, a segunda lei, a repetição ou a cópia da
lei) constit~Y-íimã-nova versão do Código da Aliança; na verdade, é uma codificação de
antigos costumes, tendendo sobretudo à manutenção da pureza do monoteísmo, mas
compreendendo também disposições que interessam ao direito público e ao direito familiar.
O Deuteronómio dataria do século VII; é atribuído pela tradição ao rei Josias (621),
mas teria sido remodelado no século V (ver documento n. 0 3, pág. 7-2);
- o Códj_g_<!__S_'!(ertÍfJtal (ou Lei da Santidade), contido no Levítico (cap. XVII a
XXVI), data..;do pro;ãvelinente do século V (cerca de 445), contém um ritual dos
sacrifícios e da ·sagração dos padres, mas encontram-se também aí disposições impor-
tantes sobre o casamento e o direiw penal. Do mesmo período datariam os livros dos
(16) S. M. PAUL, S111111u m ,,,. DIJ()k of the Covmant i11 the Light o/ C11ruiform a11d Bihlical Liw, leiden 1970.
69
e) Guémara e Ta/mude
A Michna foi, por sua vez, comentada e interpretada por numerosos rabinos dos
séculos III, IV e V d.C., uns trabalhando na Palestina sob a dominação romana, outros
na diáspora em Babilónia. Os comentários chamados Guémara (isto é, ensino tradicional),
cedo se tomaram mais abundantes que o texto da Michna em si mesma.
Um novo esforço de sistematização foi feito agrupando Michna e Guémara no
Ta/mude (isto é, «estudo»), inicialmente em Jerusalém (cerca de 350-400), depois na
Babilónia (cerca de 500), aproximadamente na mesma época da grande codificação
romana de Justiniano e da primeira redacção da Lei sálica (injra).
(17) A Mkhna,. ro.ro heb"'u traduzido pelos membros do Rabinado fnwc~ sob a direcção do rabino Guggcnheim;
· H. DANBY, Tht Mishnah, Oxfurd 1933;). NEUSNER, A His1ory O/ lhl Mlrhnaic Lttw ~ .-,;,,,,J lima (1r1111S'4ticn llfllÍ op/a1111Jüm),
3 vols. edimdos, l.eidm 1981"1982.
70
Tronco Comum
THORA Lei Escrita ANTIGO TESTAMENTO jus Divinum
Penraceuco:
- Génese
- Êxodo:
Decálogo (séculos XVI-XII?)
Código da Aliança (séculos XII-XI)
- Levítico:
Código sacerdotal (século V)
- Números
- Deuteronómio (séculos VII a V)
etc.
08) The Babyloniem Talmud. Trad. L EPSTEIN, Londres 193!>'- ... (rm publicação).
09) Mosts MAIMONIDES, Mishneh Torah, New Haven, Yale Judaica Series (tradução inglesa em cum>); Joseph
QARO, Shulhan Arukh, trad. inglesa de). L. KADUSHIN, 4 vols., Nova Iorque 1915-1928; A. NEUMN, Thejew1 in S/Jain.
Their Social, Polilical and Cultural Li/t d1,.ing lhe Middle Ages, 2 vols., Filadélfia 1942.
71
DOCUMENTOS
Honra teu pai e tua mãe, a fim de que os teus dias sejam prolongados no país que Jeová,
teu Deus, te dá.
Não matarás.
Não cometerás adultério.
Não roubarás.
Não prestarás falso testemunho contra o reu próximo.
Não desejarás a casa do reu próximo; não desejarás a mulher do teu próximo, nem o seu
servidor, nem a sua seiva, nem o seu boi, nem o seu burro, nem nada que pertença ao ceu próximo».
(4) Mas se foi o seu patrão que lhe deu a sua mulher e ele lhe tinha gerado filhos e
filhas, a mulher e os seus filhos concinuarão propriedade do patrão, e ele sairá só.
(5) Mas se o servo diz; eu amo o meu piurão, a minha mulher e os meus filhos, eu não quero
ser libertado; então o patrão conduzi-lo-á diante de Deus, f.í-lo-á aproximar do batente da porta e
furar-lhe-á a orelha com uma punção de tal sorte que o escravo esteja para sempre ao seu serviço.
3. DEUTERONÓMIO
62b: MICHNA. Se uma fagulha salta da bigorna e causa prejuízo, haverá responsa-
bilidade. Se enquanto um camelo carregado com linho passa num mercado público, o linho
penetra:' nuina tenda e se incendeia em contacto com a candeia do tendeiro e com isto incendeia
toda a conscru~, o proprietário do camelo será responsável. Se, contudo, o tendeiro deixou a
sua candeia do lado de fora da sua tenda, ele será responsável. O Rabino Judas diz: Se se tratar
de uma candeia chanukah, o rendeiro não será responsável.
D. - O DIREITO GREGO.
O sistema jurídico da Grécia antiga é uma das principais fontes históricas dos
direitos da Europa Ocidental. Os Gregos não foram no entanto grandes juristas; não
souberam construir uma ciência do direito, nem sequer descrever d~ uma maneira
sistemática as suas instituições de direito privado; neste domínio, continuaram sobretudo
as tradições dos direitos cuneiformes e transmitiram-nas aos Romanos. Os Gregos
foram, porém, os grandes pensadores políticos e filosóficos da antiguidade. Foram os
primeiros a elaborar uma ciência política; e na prática, instauraram, em algumas das
suas cidades, re~imes políticos que serviram de modelo às civilizações ocidentais <20>.
Não há propriamente que falar de direito grego, mas de uma multidão de direitos
gregos, porque, com excepção do curto período de Alexandre o Grande, não houve
nunca unidade política e jurídica na Grécia Antiga. Cada cidade tinha o seu próprio
direito, tanto público como privado, tendo caracteres específicos e evolução própria.
Nunca houve leis aplicáveis a todos os Gregos; no máximo, alguns costumes comuns.
Na realidade, conhece-se mal a evolução do direito da maior parte das cidades; apenas
Atenas deixou traços suficientes para permitir conhecer os estádios sucessivos da
evolução do seu direito.
Na evolução jurídica da Grécia pode-se, duma maneira esquemática, distinguir
os períodos seguintes:
a) A civilização cretense (do século XX ao XV a.C.), depois micénica (séculos
<20l G. SAUTEL, •Grtce•, ct J. MODRZEJEWSKI, •Monde hell~niscique•, inJ. GILISSEN (ed.), lntrod. bibliogr ..
A/7 e A/8, Bruxelas 1963 e 1965;). GAUDEMET, lm1i1111ionJ1/d'Antiq11i1i, op. cic., p. 125-250; A.R. W. HARRJSON, The Law
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74
XVI a XII a.C.), destruída pelos invasores dórios; na falta de documentos escritos, as
instituições e o direito desta época são muito mal conhecidos.
b) A época dos clãs (yÉvoc;, genos = clã), comunidades clânicas, depois aldeãs,
assentando nwn parentesco real ou fictício; o rei (~cxatÀEÚc; = basileus), chefe do clã, é
aí ao mesmo tempo juiz e sacerdote, presidindo ao culto familiar. O sistema assenta
numa forte solidariedade activa e passiva dos membros do clã. Encontra-se descrito na
Odisseia de .Homero.
c) A formação das cidades (7tÓÀtc;, polis = cidade), pelo agrupamento de dãs,
primeiro sob a autoridade do chefe de um deles. As cidades conheceram formas
políticas variadas; umas permaneceram monocráticas (ex. Macedónia); noutras, a
aristocracia exerceu o poder; noutras ainda, sobretudo nas cidades comerciais, um
tirano conseguiu impor-se, quer pela escolha dos seus concidadãos, quer por um golpe
de força. A cidade é geralmente um grupo social bastante limitado, instalado num
território pouco extenso, compreendendo a maior parte das vezes uma cidade, um
porco e ui;n cerco número de aldeias. Houve assim dezenas de cidades na Grécia e
também nas regiões do Mediterrâneo que os Gregos colonizaram, designadamente na
Sicília e no sul da Itália.
d) Nalgwnas cidades estabeleceu-se, entre os séculos VIII e VI, um regime
democrático,· o mais conhecido é o de Atenas, graças aos escritos dos oradores e dos
filósofos. As leis de Drácon, de 621, põem fim à solidariedade familiar e tornam
obrigatório o recurso aos tribunais para os conflitos entre os clãs. As de Sólon, de
594-593, talvez elaboradas sob influência egípcia, instauram a igualdade civil,
suprimem a propriedade colectiva dos clãs e a servidão por dívidas, limitam o poder
paternal, estabelecem o testamento e a adopção. Sólon instaura uma democracia
moder.ada que fará a grandeza de Atenas. Esta democracia, apesar de numerosas
vicissitudes, levará o direito ateniense ao auge do seu individualismo com Clístenes e
Péricles. Na época clássica da democracia ateniense (± 580 a ± 338), os cidadãos
governam directamente, no seio da sua assembleia <ixxÀr.cricx, ecclesia); exprimem aí a
sua vontade votando a lei (VÓ[J.oc;, nomos), em princípio igual para todos (taovo[J.ia,
isonomia). A Assembleia toma todas as decisões importantes, mesmo no domínio
judiciário. A administração da cidade é assegurada pelo Conselho (Bulé), composto de
500 cidadãos tirados à sorte em cada ano, e pelos magistrados, quer eleitos, quer
tirados à sorte. Comparada às democracias modernas, a constituição de Atenas é no
entanto pouco democrática; os escravos não têm nenhum direito, nem político, nem
civil; os metecos (estrangeiros instalados na cidade) têm muito menos direitos que os
cidadãos. Na cidade de Atenas haveria cerca de 40 000 cidadãos - outros dizem
6000 - porém, centenas de milhares de metecos e escravos.
e) No fim do século IV a.C., Alexandre unificou a Grécia, A Ásia Anterior e o
Egipto sob a sua autoridade. O império que fundou não conseguiu todavia manter-se;
7'5
substituem-se nele múltiplas monarquias, nas quais, a partir do século III, o poder é
exercido por reis absolutos. A sua vontade é «a lei viva», fórmula que será retomada
pelos imperadores romanos e depois, mais tarde, pelos monarcas da Europa Ocidental.
O principal contributo dos Gregos para a cultura jurídica deve-se aos seus
trabalhos sobre o governo ideal da cidade. Foram os inventores da ciência política, a
ciência do governo da polis. Os seus melhores escritores e filósofos, Hesíodo,
Heródoto, Platão, Aristóteles, ·analisaram as instituições das cidades gregas para
fazerem a sua crítica e contraporem-lhe formas ideais de governo.
porque a liberdade política consiste em não ter que obedecer senão à lei. Mas a lei é
humana e laica; já não tem nada de religioso, de divino. Nó seu «Discurso contra
Timócrates», Demóstenes recorda como pode ser proposta e aprovada uma lei em
Atenas (v. documento n. 0 1, p. 78).
Na prática, os Gregos fizeram poucas leis, no sentido romano e moderno do
termo; porque o nómos designa tanto o costume como a lei. Serão os Romanos os
pr!nreiros· que virão a distinguir, duma maneira precisa, o sentido de cada uma dessas
duas fontes de direito.
b) A doutrina de Platão (428-347) exerceu uma influência considerável,
sobretudo por intermédio do seu discípulo Aristóteles, sobre o pensamento político
medieval e moderno c2 n.
Ateniense de origem aristocrática, Platão participou nas accividades políticas do seu
tempo, sem grande sucesso aliás; daí resulta uma evolução constante do seu pensamento
e também uma crítica muitas vezes severa das instituições democráticas da sua cidade.
As suas princip~is obras são A República, A política e As Leis.
A República é sobretudo a descrição duma cidade ideal, dividida em três classes:
os governantes, os guardiães-guerreíros, o povo. Deve ser governada por profissionais,
os Filósofos isto é, os que têm a sabedoria e a inteligência necessária. Para os formar é
necessário criar uma classe de guardiães que se consagram ao ofício das armas; estes
devem ser recrutados por exame, viver em comum na tenda para serem instruídos;
devem ser alimentados pelos outros (isto é, o povo) que devem pagar uma contribuição;
não podem possuir nada: nem terra, nem casa, nem ouro, nem prata; tudo deve estar
em comum, mesmo as mulheres. É nesta descrição da classe dos guardiães que se
procurou a fonte do que se tem chamado o «comunismo» de Platão; de facto, trata-se
dum grupo privilegiado, destinado ao Governo da cidade (V. documento n. 0 2, p. 78).
Os guardiães estão submetidos a provas sucessivas de selecção. Os melhores são, aos 30
anos de idade, instruídos na dialéctica. Dos 35 aos SO anos exercerão cargos públicos,
sendo os Filósofos. Depois dedicar-se-ão à filosofia e ao ensino.
Esta cidade ideal é assim um regime aristocrático, sendo governada pelos
melhores, os Cí.pta-rot (aristoi). Mas Platão constata que de facto os regimes políticos
tendem a maior parte das vezes para a injustiça. Se os guardiães e os Filósofos se
baixam a procurar as honras, o regime avilta-se numa timocracia ('ntJ.~ timé = honra);
se acumulam riquezas, conservarão o poder nas mãos dum pequeno número de
possuintes, formando uma oligarquia (oÃíroc;: oligos = pequeno).
No mais baixo da escala, Platão situa a democracia, o governo pelo povo (O'i)(J.o<:;:
(21) Sobre Piarão e Ariscóreles, v. a maior parte dos manuais de hisrória das ideias políticas, designadamenre os de
J. TOUCHARD, de M. PRELOT, erc. E. BARKER, The politi<al 1ho11ght o/ Plato t1nd AriJtotle, Nova Iorque 1959; M. PIÉRARD,
Plalon et la âté grtcq11e. Théorie ti rla/iti dam lá Comti1111ion tÚJ •ÚJÍS•, Bruxelas 1974; E. KLINGENBERG, Platom •Nomoi gtôrgikoi
11nd daJ positit1e griechische Recht, Berlim 1976.
77
4. O direito privado
O direito privado grego deixou pouco traços no nosso direito moderno, e estes
por intermédio dos Romanos. Os Gregos mal souberam exprimir as regras jurídicas em
fórmulas abstractas; há poucas leis, poucas obras jurídicas.
A terminologia jurídica moderna, no entanto, provém em parte da língua grega.
Assim, sinalagmático, no sentido de recíproco (Código Civil, are. 1102) vem de
78
DOCUMENTOS
quaisquer bens próprios, salvo os objectos de primeira necessidade; em seguida, nenhum cerá
habitação ou depósito algum, em que não possa entrar quem quiser. Quanto a víveres, de que
necessitarem atletas guerreiros sóbrios e corajosos, ser-lhes-ão fixados pelos outros cidadãos,
como salário da sua vigilância, em quantidade tal que não lhes sobre nem lhes falte para u_m ~o.
As suas refeições serão em comum, e em comunidade viverão, como soldados em campanha.
Quanto ao ouro e à prata, dir-se-lhes-á que os têm sempre na sua alma, divinos e de
procedência divina, e para nada carecem do ouro e da prata dos homens, e que seria impiedade
poluir aquele que já possuem, misturando-o com a pertença dos mortais, porquanto já muitos
crimes ímpios se produziram por causa da moeda do vulgo, ao passo que a deles é pura:
Unicamente a eles, dentre os habitantes da cidade, não é lícito manusear e tocar em ouro
e prata, nem ir para debaixo do mesmo tecto onde os haja, nem trazê-los consigo, nem beber por
caças de prata ou de ouro, que é o único meio de assegurar a sua salvação e a do Estado».
Trad. E. CHAMBRY
(Platon, Oeuvres ... , t. VI) Paris, les Belles-lettres,
1947, p. 139-140.
Uma cidade é, com efeito, um corpo composto, como qualquer outro corpo formado de
parces justapostas; é portanto evidente que é necessário desde logo indagar sobre o cidadão.
A cidade consiste num conjunto de cidadãos, de modo que é necessário considerar quem deve
ser qualificado como cidadão e qual é a natureza do cidadão. Por isso mesmo, há muitas vezes
controvérsia à roda desta questão do cidadão: nem todos concordam em afirmar que um
determinado indivíduo é cidadão. Assim aquele que é cidadão numa democracia, não o é muitas
vezes numa oligarquia .
.... Aquele que tem o direito de aceder à comunhão do poder de deliberar e de julgar,
esse, dizemos, é cidadão da cidade considerada; e a cidade é um conjunto de pessoas desta
qualidade, (em quantidade) conveniente a fim de realizar uma autarquia vital, para dizer tudo
numa palavra. Na prática, reserva-se a qualidade de cidadão àquele que descende de dois
(progenitores) tendo ambos a qualidade de cidadãos e não apenas um deles, quer seja o pai ou a
mãe; alguns vão mesmo mais longe nas suas exigências, requerendo (a qualidade de cidadão) em
duas ou três gerações de ascendentes), ou mais ainda.
Se alguém comete violência contra um homem livre ou contra uma mulher livre, pagará
100 escaceros; se um escravo (comece violência) contra um homem livre ou uma mulher livre,
pagará o dobro.
80
Se o pai, em vida, quer dar alguma coisa à sua filha quando do seu casamento, que lhe
dê conforme o que foi escrito, mas não mais.
Se um homem ou uma mulher morrerem, deixando filhos, netos· ou bisnetos, que estes
herdem os bens.
Se aquele que comprou um escravo no mercado não resolveu a compra nos sessenta dias
(seguintes), e se (o escravo) cawou algum prejuízo antes ou (o cawa) posteriormente, a acção
em tribunal será dirigida contra o detentor (do escravo).
E. - O DIREITO ROMANO
A evolução ascendente do direito romano é mais tardia que a do direito egípcio e a do
direito grego; Roma estava ainda no estádio ciânico na ·época em que, no Egipto e na
Grécia, o direito já tinha atingido uma forma individualista (séculos VI e V a.C.); não
atingirá esta senão no decurso dos séculos II e 1 antes da nossa era 122 l.
A história do direito romano é uma história de 22 séculos, do século VII a.C. até ao
século VI d.C., no tempo de Justiniano, depois prolongada até ao século XV no império
bizantino. No Ocidente, a ciência jurídica romana conheceu um renascimento a partir do
'século XII; a sua influência permanece considerável sobre todos os sistemas romanistas de
direito, mesmo nos nossos dias.
Foi sobretudo o direito privado romano que atingiu um nível muito elevado e que
exerceu uma influência duradoura sobre o direito da Europa medieval e moderna. Pouco
será referido no breve reswno que se segue, ficando a terceira parte deste livro consagrada à
história dum certo número de instituições de direito privado; quase cada capítulo começa
por uma breve exposição da evolução da instituição na história do direito romano. Nas
páginas que se seguem, outros dois aspectos do direito romano serão esboçados: o direito
público, através duma análise das formas sucessivas de governo, e as fontes do direito.
1. Introdução histórica
Roma, cuja fundação teria tido lugar, segundo a lenda, em 75 3 a. C., não era senão
um pequeno centro rural no século VIII a.C.. Dez séculos mais tarde, nos séculos II e III da
nossa era, Roma é o centro dum vasto império que se estende da Inglaterra, da Gália e da
Ibéria à África e ao Próximo Oriente até aos confins do império persa.
(22) Bibliografia enorme; basca remeter para crês excelentes obni.s recences e para as ttferências publicadas na nossa
Introdução bibliográfica: R. VILLERS, RfJ111l e/ /e d•nit pt'ivé, Paris 1977, col. L'E110/11tion dt l'h11manilé;]. GAUDEMET, /n1titu1ion1 dt
/'Antiquiti, op. cit., Paris 1967, • ú droit /willi r&main, Paris 1974, col. U 2; P. STEIN, •Roman Law: Sources•; TH. LJEBMAN-
·FRANCFORT, •Droic romain: droic public•;). H. MICHEL. ·Droir romain: droic privé•;]. A. C. THOMAS •Roman I.aw:
Criminal Law•, inJ. GILJSSEN (ed.), lntrod. Bib/iog•., A/9, A/10, A/li• A/12, Bnixdas 1965-1972; A. D'ORS, Derecho .amano,
Pamplona 1973; SEBASTIÃO CRUZ, Di,..ita.omano, /. FonteJ, Coimbra 1984.
81
a) A Realeza
Na época das origens de Roma, nos séculos VIII e VII, populi usando uma língua
comum, o latim, tinham-se instalado a Este e ao Sul do Tibre. Populações de pastores, de
meios muito limitados, ocupando-se pouco da agricultura, viviam em vici (aldeias), muitas
vezes nas alturas, lugares de refúgio (oppida), dispondo dum território circundante (jlagus).
Estas aldeias são ocupadas por grandes famílias patriarcais agrupadas em gentes. Algumas
vezes, alguns bandos de pastores-predadores tomavam um chefe comum, um rex, que se
tivesse imposto antes de tudo pela sua habilidade ou a sua força.
Tal era o caso das populações vivendo nas colinas arborizadas que formavam o local
da futura Roma. Os chefes de família, os patres, reúnem-se aí e formam o que mais tarde se
chama o Senac!o- Ürexé;-p-;;~~.-~~~p~~ ~j~~;~~~r~~gei;Õq~é"lhes é imposto; a realeza não é
herédicá~i-~ ..Ó ~andidato proposto pelo Senado exercendo o interregnum, depois da consulta
dos deuses pela tomada de auspícios, não acede ao poder supremo senão com o concurso de
forças religiosas, políticas e populares. O rei dirige (regere) os seus súbditos; é antes de tudo
um chefe, dispondo do poder de comando; tem também funções religiosas, mas a realeza
romana é laica; não diz o direito (ius dicere), mas dá, talvez sob uma inspiração divina,
<<soluções de direito~;-(i~s.~re): · · .
- ·cérca de 5 7 5 a. C., os Etruscos ocupam Roma por quase um século; os reis romanos
são então de origem etrusca. A Etrúria foi, nesta época, a potência política e económica
82
mais importante da Itália, situada entre o Tibre e o Arno. Mas o seu sistema polhico e
jurídico permanece muito mal conhecido; exerceu todavia uma influência inegável sobre as
instituições romanas nascentes.
b) A República
<23) AcruaJmente, em numerosos países, o ~ermo «magistrado» designa unicamente membros da Jel judiciária que são
chamados a julgar ou a_ requerer a aplicação da lei. Na baixa idade média e nos rempos modernos, o rermo era muiras vezes urili>ado
para designar os administradores da cidade, por exemplo os escabinos.
83
c) O Alto Império
A passagem da República ao Império fez.:.se progressivamente. O progresso
económico, as dificuldades sociais, as vastas conquistas provocaram durante o século I a.C.
uma crise política que tentativas de reformas tentaram remediar. Os Gracos, Sila,
Pompeu, César falharam; -Octávio conseguiu centralizar todos os poderes nas suas mãos,
deixando subsistir as instituições da República; recebeu do Senado o título de Augusto, o
imperium proconsular, o poder tribunício vitalício (27-23 a.C.); foi proclamado imperator,
isto é, general vitorioso; não está vinculado pela lei (/egibus solutio).
A partir daí, o regime político tornou-se o do Império, no qual todos os poderes
84
estão concentrados nas mãos do imperador. Este governa e administra o vasto território
com a ajuda de funcionários, por si nomeados e demitidos. As assembleias e magistraturas
caem em decadência; apenas o Senado subsiste, mas a sua composição' depende do
Imperador e as suas p{errogativas são reduzidas; intervém por vezes na confirmação da
escolha dum sucessor, já operada pelo imperador ou pelo exércico, ou mesmo para eleger
um novo (Galha, 68; Nerva, 96); intervém também em matéria legislativa (infra).
O século II a.C. foi o grande século do regime imperial com imperadores cais como
Trajano, Adriano, Marco Aurélio·; fõi também o grande período do direito romano clássico (infra).
Os vastos territórios conquistados pelas armas, da Inglaterra ao Próximo Oriente,
foram progressivamente· romanizados. Mas conservam os seus costumes locais, nuns lados
mais, noutros menos.
O édito de Caracala, de 212, concedeu a cidadania romana a todos os cidadãos que
se encontravam nos limites do Império (texto infra, p. 94) mas o princípio geral é
acompanhado, no documento conservado, duma restrição - os dedicícios - quase
ilegível, cujo alcance é ainda objecco de vivas discussões entre hiscoriadores.
d) O Baixo Império
A crise do século Ili, tanto política e económica, como religiosa, provocou trans-
formações profundas na estrutura política do Império. Depois da anarquia militar,
Diocleciano (284-305) e, sobretudo, Constantino (306-337) reorganizam o Império e a
sua administração.
O imperador já não é umprinceps, o primeiro dos cidadãos, mas um senhor, o dominus
do Império; ao principado sucede-se o dominado. O seu poder é absoluto; é divinizado;
encarna a res publica,· dispõe de todos os poderes, sem outro controlo senão o dos seus
conselheiros; legisla só.
Constantino reconheceu oficialmente a religião cristã, nomeadamente pelo édito de
Milão (313). A Igreja organiza-se a partir daí no quadro político e administrativo do
Império Romano (cf. infra, direito canónico, p. 133 ss. ).
Constantino fundou também uma nova capital, Constantinopla, sobre o lugar da
antiga Bizâncio. O Império Romano divide-se a partir daí em dois impérios, o do
Ocidente, que se afundará no século V, e o do Oriente que sobreviveu até ao século XV.
Justiniano (527-565) foi o último imperador do Baixo Império; foi o primeiro dos
imperadores bizantinos.
Na origem, nos séculos VIII e VII a.C., Roma é dominada pela organização
clânica das grandes famílias, as gente.r, bastante semelhantes às yÉvr; (clãs) gregas.
A aucoridade do chefe de família é quase ilimitada; uma solidariedade acciva e passiva
liga entre si todos os membros da gens; a terra, embora objecto de apropriação, é inalienável.
85
a) O costume
b) A legislação
Parece não ter havido actividade legislativa na época da realeza, nem no começo
da República. A escrita era pouco conhecida. As leis reais (leges regiae) que a tradição
atribui a reis tais como Rómulo e Numa, o «rei legislador», são mais decisões de
carácter religioso tomadas pelo rei na qualidade de chefe religioso.
Além do ritual dos sacrifícios, conteriam regras de direito privado e de direito
penal, mas de incidência religiosa. Não são leis, mas sobretudo costumes, talvez
redigidos somente numa época tardia (século I a.C.) mas atribuídas aos reis lendários.
Sob a República, a lei começa a entrar em concorrência com o costume como
fonte de direito. O termo /ex é empregado num sentido bastante próximo da noção
acrual de lei <24>.
A /ex - pelo menos as leges publicae - é um acco emana'3o das autoridades
públicas e formulando regras obrigatórias; definem-na como uma ordem geral do
C24) J. BLEICKEN, ReJ publm1. Gese/z und Recht in tkr rhiniuhen Republik, Berlim 197~; A. MAGDELAIN, La loi à Rom•.
Hiuoir< d'un concep1, Paris 1979.
86
povo ou da plebe, feita a pedido do magistrado: /ex est generale iussum populi aut plebis,
rogante magistratu.
Apenas os magistrados superiores - côns_ules, pretores, tribunos, ditadores -
tinham a iniciativa delas; propunham um texto (rogatio) que era afixado (.promulgatio)
durante um certo tempo. O voto cinha lugar num d~s comícios: comícios curiais,
bastante excepcionalmente, no início; comícios centuriais sobretudo nos séculos V e IV
a. C.; comícios das tribos desde a /ex Hortensia (287 a.C.). O magistrado que tinha
proposto a lei, defendia o seu projecto por vezes emendado, perante a assembleia; esta
não podia senão aceitá-la ou rejeitá-la. Se a aceitasse, o magistrado que presidia à
assembleia, promulgava-a (renuntiatio); mas podia também suspender o voto, sobretudo
por motivos religiosos, e assim impedir a aprovação (obnuntiatio).
O papel dos magistrados é pois capital; ·o dos comícios indispensável, mas
acessório. Era necessário, além disso, o acordo dos senadores patrícios, a auctoritas
patrum, primeiro sob a forma de ratificação depois do voto; depois de 339 a.C., sob a
forma de autorização anterior ao voto.
Os plebiscitos são actos legislativos obrigando os plebeus e aprovados pela sua
assembleia, o concilium plebis; a partir da /ex Hortensia (287 a.C.), talvez antes, os
plebiscitos são assimilados às leges e obrigam todos os cidadãos.
A República legislou pouco; teria havido cerca de 800 leges rogatae, sobretudo em
matéria política, económica e social; não teria havido senão 26 no domínio do direito
privado, esta continuando sobretudo regido pelo costume, o mos maiorum. Entre as leis
de direito privado, citemos a lex Cinnia (204 a.C.) sobre as doações, a /ex Furia (cerca
de 200 a.C.) em matéria de testamento, a /ex Atilia (186 a.C.) em matéria de tutela, a
/ex Aqui/a (cf. III. 5 .B), a lexjulia de adulteriis.
Entre as leis da época republicana a que é conhecida corri o nome de «Lei das
XII Tábuas» merece uma atenção particular. Foi um dos fundamentos do i~s civile;
embora ultrapassada por outras fontes do direito, foi considerada em vigor até à época
de Justiniano.
Segundo a tradição lendária, teria sido redigida a pedido dos plebeus que,
ignorando os costumes em vigor na cidade e as suas interpretações pelos pontífices, se
queixavam do arbítrio dos magistrados patrícios. A redacção teria sido confiada a dez
comissários, os decemviri, em 451-449 a.C.; o texto original, gravado em doze tábuas, teria
sido afixado no forum, mas destruído quando do saque de Roma pelos Gauleses em 390.
A própria exi~tência das XII Tábuas foi posta em dúvida por algiins h.istoriadores do
direito. O texto perdeu-se; mas pôde ser parcialmente reconstituído por citações de
Cícero e Aufo Gélio e por comentários, escritos designadamente por Labeo e .por Gaio,
recolhidos no Digesto. Esses fra'gmentos parecem pertencer a diversas épocas entre 450
87
e 300 a. C.. A lei das XII Tábuas não é um código, no sentido moderno do termo; não
é talvez um conjunto de leis, antes uma redução a escrito de costumes, sob a forma de
fórmulas lapidares. A sua redacção tendeu a resolver um certo número de conflitos
entre plebeus e patrícios; mas a sua interpretação permaneceu secreta, porque confiada
aos pontífices.
No conjunto, a Lei das XII Tábuas revela um estádio da evolução do direito
público e privado comparável ao que .é conhecido em Atenas pelas leis de D~ácon e de
Sólon. A solidariedade familiar é abolida, mas a autoridade quase ilimitada do chefe de
família é mantida; a igualdade jurídica é reconhecida teoricamente; são proibidas as
guerras privadas e instituído um processo penal; a terra, mesmo a das gentes, tornou-se
alienável; é reconhecido o direito de testar.
3. O direito clássico
Considera-se como época clássica do direito romano a que se estende do século II
a. c. até~õSéculOlTí·d:·c~~·lSurãnte-êstê""peiJôdõ'tüdo-·õ' müridõ 'iriedíierrâiíeo é
prÕgiessiv~.:i;~~t~ -s~bmetid~ a Ro~a. Ao mesmo tempo, Roma abre-se às influências
externas, sobretudo às dos direitos grego e egípcio.
Sob o Alto Império, o direito privado romano aparece como um sistema
individualista, enquanto que do ponto de vista político, a liberdade dos cidadãos ia
diminuindo sem cessar. Há assim um divórcio crescente entre o direito privado e o
direito público. À submissão absoluta ao imperador opõe-se a grande liberdade dos
cidadãos (cives) de disporem dos seus bens a título privado. Os juristas romanos
constroem então, no domínio do direito das coisas e das obrigações, um sistema jurídico
completo e coerente.
Enquanto que os outros direitos da antiguidade não deixaram senão poucos
traços escritos e escapam por consequência, em grande parte, ao nosso conhecimento,
os textos do direito romano da época clássica são muito numerosos. Os Romanos
foram, parece, os primeiros a sentir a necessidade de reduzir a escrito as regras jurídicas;
além disso, foram os primeiros a consagrar obras importantes ao escudo do direito.
As fontes do direito romano clássico continuam a ser a lei e o costume. A lei
porém desempenha um papel cada vez mais importante, tendendo a suplantar o
costume. Contudo, fontes de direito especificamente romanas dominaram esta época: os
éditos dos magistrados e a jurisprudentia, fixada nos escritos dos jurisconsultis.
a) O costume
O costume permanece uma fonte do direito do ius civile, mesmo na época clássica
do direito romano, embora alguns juristas, por exemplo Gaio e Papiniano, não o
considerem como tal, mas como um facto. Foi suplantado não só pela legislação -
apesar de tudo pouco abundante - e sobretudo pelas duas fontes tipicamente romanas,
88
o édito do pretor e os escritos dos jurisconsultos. Estes últimos são de tal modo
abundantes que restam poucos domínios do direito privado onde ainda deva haver
recurso ao costume.
Mas no vasto império permanecem numerosas regiões onde o ius ávile quase não
penetrou. Na Gália, por exemplo, como também em Inglaterra, na Ibéria, em África,
nas regiões do Danúbio, parece que algumas cidades, apenas, conheceram e aplicaram o
direito dos cives romanos, mesmo depois de 212, quando o édito de Caracala tinha
teoricamente concedido a cidadania a todos os habitantes do império. Nas partes rurais,
os usos locais, os consuetudines loci ou regionis, permaneciam em vigor. São mal
conhecidos; absolutamente desconhecidos mesmo para algumas regiões. São-lhes feitas
raras alusões em alguns escritos romanos. Diocleciano teria querido suprimir comple-
tamente os costumes locais para operar a unificação jurídica do império; mas mesmo
em alguns dos seus escrito!> ainda se encontram traços deles.
b) A legislação
A legislação desempenha um papel crescente como fonte do direito. Ela é cons·
tituída sucessivarnem:~ pelas leges, pelos senarus-consultos e, sobretudo, pelas consti-
tuições imperiais.
As leges que emanam dos magistrados e das assembleias populares permanecem a
única forma de legislação no fim da república e no início do império. Do tempo de
Augusto, por exemplo, datam ainda várias leges julia e (de adulteriis et de fundo dota/e, de
judiciis, de maritandis ordinibus, de tutoribus, etc.) --:- muiro importantes. Mas com o
declínio dos comícios desapareceram também as leges de que não se encontra qualquer
vestígio após o século I depois de Cristo.
A actividade legislativa manifesta-se então sob a forma de senatus-consultos,
porque no decurso do primeiro e do segundo séculos do Império, o poder legislativo
passou para o Senado. Já sob a República, o Senado intervinha no processo legislativo
das assembleias através da auctoritas patrum.
No fim da República e início do Principado, o papel do Senado no domínio
legislativo continuou ainda indirecto; ele limitava-se a interpretar o direito em vigor ou
a convidar os magistrados, sobretudo os pretores, a usar do seu ius edicendi para
introduzir regras novas.
Sob Adriano (117-138), a acrividade legislativa do Senado é oficialmente
reconhecida. Mas, ao mesmo tempo, o Senado fica à mercê do imperador. Ele não tinha,
de resto, a iniciativa; só o imperador, ou um magistrado dele dependente, podia propor
um projecto através de uma oratio principis; o Senado apenas podia ratificá-lo.
A partir do fim do século, o Senado foi de resro eliminado; a sua função legislativa
foi portanto de curta duração <25l,
C2H A expressão senárus<onsulto setá retomada em França na época do consulado e do império napoleónico.
89
<26> Th. MOMMSEN e P. M. MAYER, Code< Thtodmianw ... 2. • ed., 1954; G. G. ARCHI, TeodOJio li t lt11ut1 rodifict1zione.
Nápoles 1976.
<27J A edição usual continua a ser a~ Th. MOMMSEN (lmtitutioneJ ec Dig<Jtt1), P. KRÜGER (Codtx), R. SCHÓLL e N.
KROLL (Novellt1e), 19.ª edição, Berolini 1954.
C2BJ J. DE MALAFOSSE, •Byzance•, in). GIUSSEN (ed.), lntrod. hiblioKr., B/4, Bruxelas 1965. O mamw por excelência
continua a ser: C. E. ZACHARIAE VON UNGENTHAI., G<JcbUbte da GritJChiJch-Riimüchm RBChu, 3. ª <d., 1982; reimpr. anasrárirn por M.
93
geral a simplificá-lo e a reduzir a sua massa; por exemplo, a Écloga (ixÀoyY; ~wv vó1.1wv)
promulgada em 740 sob o imperador Leão, o Isauriano. No fim do século IX, sob
Leão, o Filósofo, procedeu-se a urna reforma d,o Corpus sob o noine de. Ba1ílico1 (-;~
~ctcnÀtxá); o conteúdo das quatro recolhas de Jusriniano é aí classificado de urna forma
sistemática e, ao mesmo tempo, adaptado à evolução do direito bizantino. Os BasílicoJ
suplantaram o Corpus no império bizantino, pelo menos a partir do século XII.
Resumos (a Synopsis, o Tipoukeitos) e manuais (ex.: o Hexobibi/01 de Harminopoulos),
redigidos durante os últimos séculos do império. bizantino, mostram o que subsistiu
então do direito romano e que sobreviveu mesmo durante séculos na Grécia sob a
dominação turca.
O direito bizamino exerceu também uma influência romanizante sobre as mais
antigas redacções de direito russo (nomeadamente a· Rou.rkaia Pravda, cf. infra p. 1. 1.1),
do direito búlgaro (a Eklogve slave, Zakon soudnyi djud'm = Lei para julgar as pessoas),
do direito romeno (nomeadamente a Lei de Julgamento ou Lei de Justiniano) <29>
NOTA DO TRADUTOR
A história do direiro romano na península tem sido abordada quer por historiadores espanhóis, quer por porrugu~. Quanto
aos primeiros v .. por último e com indicações bibliográficas, JUAN ANTONIO ALEJANDRE GARCIA, Dere<ho />rimitivo t
romanización jurídica, Sevilla 1979; FRANCISCO TOMAS Y V ALI ENTE, Manual tk hiJ1oria tkl dwtcho tJpanol, Madrid 1981 (3. • ed. ),
71-96. Quanto aos segundos, NUNOESPINOSAGOMESDASILVA, HiJ1óriadodirti1opor111guiJ, LISBOA 1985, 31-36.
As fontes jurídicas específicas da península (leges de colónias e municípios) estão publicadas nas Fonl<J i11rú romani anlti1111inúani
(FIRA), Firen>e 1941 1. uges (2. • ed., a cargo de Riccobono). Também tiveram uma edição portuguesa em Coltc(iio tk ltx/01 tk direito
penimu/ar. /. Leii rnmana1. Coimbra 1912. As ltRtJ mtlalli 1•ipaJctnltJ têm rido várias edi~ões, traduzidas e cornenradas, a última das
quais é a de C. DOMERGUE, em •La mine antique d'Aljustrel (Portugal) et les tables dr bronze de Vipasca•, Conimbriga 22 (1983)
5-193. O Cotkx thl!OIÍ6Jianum foi editado por MOMMSEN e MEYER, Theodo1iani libri XVI, fllm <orulitNlionihu1 Jirmondianil et leg<J
n1wellae ad Thtodolianum pertinenltJ, 2 vols., Berolini 1905 (reimpr. 1954). Do Corpu1 iuril âvilil existe uma edição crítica, a cargo de
MOMMSEN, KllUEGER, SCHOEll E KROll (revisão de W. KUNKEL), 3 vols., Berolíni 1965. Existe uma tradução espanhola
recente, diri,e:ida por A. d'ORS !Pamplona 1965 ss.). Muitos exce"os das fontes jurídicas (e lireririas) romanas, com a re•~criva
tradução, foram incluídos na An1oloxia de fuen/tJ tkl antixuo tkr.<ho ( = Manual tk hiltoria dei tkr.<ho, II vol. ), de AI.FONSO GARCIA
GALLO, Madrid 1967.
DOCUMENTOS
SAN NICOLO, Aalen 1955; exposição sistemática cm francês: N. ). PANTAZOPOlJI.05, •Aspect gfuéral de J'emlution hísroriqur du
droit grec•, Rev. inlern. dr. anliquiú, t. 5, 1950, p. 245-280.
<29> Loi dM juxement. Version sla"" er mumaine étabiles par M. ANDRÉEV e G. CROUT, Buareste 1971; N. BLAGOEV,
Ekloga, Sófia 1932; V. GANEV, Zakon sondtryi Lfadm, Sófia 1959. .
94
3. (Cícero, Phil., 2, 28, 69) Illam suam suas res sibi habere jussic, ex XII cabulis clavis
ademit, exigit.
4. (Aulo Gélio, 3, 16, 12) Comperi feminam, .. in undecimo mense post marici morcem
peperisse, factumque esse negotium, quasi marito mortuo postea concepisset, quoniam decemviri
in decem mensibus gigni hominem, non in undecimo scripsissent.
Tradução
l. Que seja morta, segundo a Lei das XII Tábuas, a criança monstruosa.
2. Se o pai vendeu poi: três vezes o seu fiho, que o .filho seja libertado de seu pai.
3. Segundo a Lei das XII Tábuas (em caso de divórcio) que ele ordene a sua mulher que
leve os seus trastes, e que ela entregue as chaves.
4. Recolhi a informação seguinte: uma mulher ... deu à luz uma criança no décimo
primeiro mês depois da morte do seu marido, e organizou-se um processo como se a concepção
tivesse tido lugar depois da morte de seu marido, porque os decênviros tinham escrito que o parto
deve ter lugar no prazo de dez meses e não no décimo primeiro.
• 2. CONSTITIJIÇÃODECARACALA(212d.C.)
1mam quam pretium sicut supra scriptum sofrisse, pars ocwpatoris comissa esto et p11te11m 11nivers11m
proc( urator J metallorum i·endito. /J qui probaverit ante colon11m 1·enam coxisst' quam pmium partis dimidiae
ad fiHum pertientis n11mt:ra11e partem quartam accipi10. .
VIP. li, 2. Pulei argentarii ex forma t'Xerceri debent quae hac lege continetur; quorum pretia
Jt:omdum liberalitalem il.UraliJJimi lmp. Hadriani Aug. observabalur ita ui ad eum pertineat proprietas
pari iJ quae ad jiscum pertinebit qui primus pretium puteo fecerit el sestertia nummum júco intulerit.
VIP. li, 5. Puteum a fisco vendit11m continuis sex mmsibus intmnissum a/li occupandi iuJ
( e1 )to ita 111 cum venae ex eo proferentur ex more pars dimidia fisco salva sit.
Tradução
VIP. 1, 5. O rendeiro (das minas) gozará do direito de ninguém poder exercer o ofício
de barbeiro, por dinheiro, na aldeia ou no território mineiro de Vipasca. Quem assim exercer o
ofício de barbeiro deverá pagar ao rendeiro, ou ao seu sócio ou ao seu agente ... dinheiros por cada vez
que tiver utilizado os seus instrumenros, e estes instrumentos serão confiscados em benefício do
rendeiro. Exceptuam-se os escravos que tenham prestado os seus serviços aos -seus amos ou
companheiros. Os barbeiros ambulantes que não tenham sido encarregados disso pelo
rendeiro não terão o direito de fazer barbas... ·
VIP. 1, 8. Os mestres-escolas. Fica estabelecido que os mestres-escolas são isentos
de encargos por parce do procurador.
VIP. II, 1. ( ... )Augusto, pagará à vista. Se não o fizer e se ele estiver convencido de ter
fundido mineral antes de ter pago o preço como está descrito acima, a pai.te do ocupante será
confiscada e o procurador das minas venderá o poço inteiro. O que provar que o colono fundiu metal
antes de cer pago o preço da metade (do poço) que pertence ao fisco receberá o quarto (desta soma).
VIP. II, 2. Os poços argentíferos devem ser trabalhos do modo estabelecido nesta lei; o seu
preço será conforme à liberdade do sacratíssimo Imperador Adriano Augusto, de tal modo que a
propriedade da parte que pertende ao fisco pertença ao que primeiro tiver oferecido o preço dos
poços e tiver entregue ao fisco quatro mil sestércios.
VIP. II, 5. Se um poço vendido pelo fisco permanecer inactivo durante seis meses
consecutivos, um terceiro terá direito de o ocupar, em condições cais que, logo que o mineral for
extraído do poço, merade esteja garantida ao fisco conforme o uso.
proprium civitatis; quod vero naturalis ratio inter omnes homines constituir, id apud omnes
populus peraeque custoditur vocaturque jus gentium, quasi quo jure omnes gentes utuncur.
Populus itaque Romanus partim suo proprio, partim communi omnium hominum jure utirur.
Tradução
Tradução
• 6. DIGESTA DEJUSTINIANO
LIBER PRJMUS. I: DE IUSTITIA ET JURE.
1. ULPIANUS, lib. l lnstitutionum.
luri operam daturi prius nosse oportet unck nomen iuris descendat. Est autem a iu1titia
appelatum: nam ( ut eleganter Ce/sus ckfinit) ius est ars boni et aequi. § 1. Cujus merito quis nos sacerdotes
appellet. Justitiam namque co//imus, et boni et aequi notitiam profitemur; aequum ab iniquo 1eparante.r,
/icitum ah illicit11m discernentes ... § 2. Hujus sutdii duae su11t positiones: pub/icum jus e1t quod ad
1
statum rei romane spectat; privatum, quod a singu/ori utílitatem; sunt enim quaedam pub/ice utilia, quaedam
97
privatim. Publicum jus in sacris, in sacerdotibus, in magistratibus consisti/. Privatum jus tripertitum est:
collectum etenim est ex naturalibus praeceptibus, aut gentium, aut civilibus. §. 3. Jus natura/e est quod
natura omnia anima/ia domit. Nam jus istud non humani generis proprium est, sed omnium animalium, quae
in terra, quae in mari nascuntur, avium quoque commune est. Hinc tkscendit maris atque foeminaeconjunctio,
quam nos matrimonium appellamus," hinc liberorum procreatio, hinc educatio: videmus etenim caeterorum
quaeque anima/ia, feras etiam, istius juris peritia censeri. § 4. jus gentium est. quod gentes humanae
utuntur. Quod a naturali recedere, facile intellif{ere !icei: quia il/ud omnibus anima/ibus, hoc solis hominibus
inter se commune sit.
Tradução
Os que se vão dedicar ao estudo do direito devem começar por saber donde vem a palavra
'ius'. Na verdade, provém de 'iustitia': pois (retomando uma elegante definição de Celso) o direito é
a arte do bom e do equitativo. § 1. Pelo que há quem nos chame sacerdotes. Na verdade,
culcivamos a justiça e, utilizando o conhecimento do bom e do equitativo, separamos o justo do
injusto, distinguimos o lícito do ilícito ... § 2. Há duas panes neste estudo: o direito público,
que diz respeito ao estado das coisas de Roma; e o privado, relativo à utilidade dos particulares, pois
certas utilidades são públicas e outras privadas. O direito público consiste (nas normas relativas) às
coisas sagradas, aos sacerdotes e aos magistrados. O direito privado é tripartido: é, de facto, coligido
de preceitos ou naturais, ou dás gentes, ou civis. § 3. O direito natural é aquele que a natureza
ensinou a todos os animais. Na verdade, este direico não é próprio do género humano, mas comum a
todos os animais que nascem na terra e no mar, e também às aves. Daqui provém a união entre o
macho e a fêmea a que nós chamamos matrimónio, daqui decorre a procriação dos filhos e a sua
educação. Na verdade, vemos que os restantes animais, mesmo as feras, parece terem uma noção
deste direito. Aquilo que distingue o direito natural do das gente~ é fácil de entender, pois que ele é
comum a todos os animais e este apenas aos homens.
Tradução
Assim, o direiro civil é o que deriva das leis, dos plebiscitos, dos senátus-consultos e da
autoridade dos jurisprudentes. O direito precório é o que os pretores introduziram para interpretar,
integrar ou corrigir o direito civil em razão da ucilidade pública. O qual também se designa por
honorário, em honra dos precoces.
Tradução
Líber I. II: De legÍbf!1, senat11sq11e cons11/tis, et longa com11et11dine (Acerca das leis, dos
senácus-consult0s e do costume duradouro).
Tradução
A lei é um preceito geral, baseado no concelho dos homens sabedores: coerção dos delitos,
cometidos intencionalmente ou por ignorância, compromisso comum da república.
Tradução
Nem as leis nem os senácus-consulros podem ser elaborados de tal forma que prevejam todos
os casos que possam eventualmente acontecer; mas basta que prevejam os que acontecem o mais das vezes.
Tradução
No entanto, aquilo que foi recebido em sencido contrário à razão (sencido gera!) do direito
não é de estender às consequências.
Tradução
O direito singular é o que foi introduzido pela autoridade do legislador, tendo em vista
algum efeito útil, contra o teor da razão (sentido geral do direito).
99
Tradução
Tradução
O costume diutumo cosruma ser observado em tudo aquilo que não está previsto no direito escrito.
Quod principis ptacuit, legis habet vigorem: utpote, cum lege regia, quae de imperio ejus lata est,
popu/us ei et in eum omne suum imperium et potestatem conferat.
Tradução
O que é da vontade do príncipe cem a força de lei: na medida em que, com a kx regia promulgada
acerca do seu poder imperial, o povo lhe conferiu todo o seu imperium e potestas.
CAPÍTUL03
OS GRANDES SISTEMAS
JURÍDICOS TRADICIONAIS
NÃO EUROPEUS
Para além dos sistemas jurídicos da Antiguidade e daqueles que, na Europa, daí
derivaram directa ou indirectamente, existem na Ásia e na África diversos grandes
sistemas de direito, fundamentalmente diferentes. São sobretudo caracterizados pelo seu
fundamento religioso; a noção do direito é aí muito diferente daquela que se conhece no
mundó romano e na Europa medieval e moderna. São sistemas jurídico-religiosos difíceis
de compreender pelos Ocidentais, habituados às regras e à lógica dos sistemas
romanistas.
Examinaremos sucessivamente, a título de exemplo, o direito dos Hindus, dos
Muçulmanos, dos Chineses, dos Japoneses. Há ainda outros que têm as suas características
próprias e muitas vezes uma evolução diferente, por exemplo o direito etiópico e o direito
indonésio (adatrecht).
A Europa ocidental conhece também um direito religioso, o direito canónico, que
é o direito da comunidade religiosa dos Cristãos; a sua formação e a sua evolução são
estudadas no capítulo IV.
A. - O DIREITO HINDU
rn L. ROCHER, •Droit hindou ancien•, inJ. GILISSEN (ed.), lntrod. biblioy,r. E/6, Bruxelas 1965; L. STERNBACH,
Bibliogrt1phy on Dht1,..,,,,, t1nd ~rtht1 in Antimt t1nd Mfliievt1/ lndit1, Wiesbaden 1973; R. LINGAT, La so11mi d11 droit dt.ns /e systbnt
traáitionnel tÚ l'lntk, Paris 1967; crâ<I. ingl.: The Classical úw of lndia, Berkeley 1973; J. D. M. DERRE'.JT, Dhiil~aslra and
juridict1/ Literature, Wiesbaden 1973; do mesmo, Hindu Law past and f>rotnt, Calecuc 1957; W. C. SARKAR, Epochs in Hindu Legal
History, Hoshiarpur 19~8; M. P. JAIN, 011tlinu o/ lndian úgal History, 2.ª ed. 0 Bombaim, 1966; P. V. KANE, HiJtory of
Dbt1'"11lt1Jãstra, 5 vol., Poona 1930-1962; R. DAVID, lngrand.JJy1thnutkdroitronttmporain, op. cit., 483-517.
102
A palavra «direito», no sentido que os Ocidentais lhe dão, não existe em sânscrito;
os Hindus não conhecem o conceito das regras de componamento sancionadas por um
constrangimento físico.
O que corresponde melhor à nossa noção de direito é o dharma, que se pode
traduzir duma forma muito aproximativa, por «dever». O dharma é o conjunto d.as
regras que o homem deve seguir em razão da sua condição na sociedade, isto é, o
conjunto de obri~ações que se impõem aos homens, por derivarem da ordem natural das
coisas. O dharma compreende portanto regras que, segundo a nossa óptica, relevam
umas da moral, outras do direito, outras ainda da religião, do ritual ou da civilidade.
O direito hindu é um direito revelado; as regras que os homens devem seguir
foram «reveladas» pelas divindades; elas estão escritas nos livros sagrados. O direito
hindu consagra a desigualdade social; cada homem tem o seu lugar na sociedade, pois
pertence a uma casta, situada num lugar preciso e definitivo na hierarquia social.
em parte anticasta; era adversário de sacrifícios, afirmando que cada um deve fazer a sua
própria salvação.
Cerca de 250 antes de Cristo, o imperador Asoka transformou o budismo, até então
limitado a uma ordem religiosa, em religião oficial da Índia. Seguidamente, o budismo
desapareceu das índias que voltaram ao bramanismo, enquanto que se manteve noutras
paragens: Ceilão, Birmânia, Sião, Camboja, Vietname, Nepal, Tibete, e, sobretudo, China e
Japão (infra).
3. As fontes do dharma
(2l Veda re;.,, porcanro, dois significados: o conhecimento, por wn lado, e os livros sagrados que contêm a revelação, por oucro.
104
4. As castas e a justiça
4 organização política variou muito na Índia, no decurso dos seus três milénios de
existência. M~o furu:l.am.ento permaneceu,até há alguns anos, o rãja, o rei, o chefe ou
senhor da aldeia:-.A realeza foi sempre considerada como u~a instituição necessária para a
manutenção da ordem social estabelecida pelos deuses; um dos dogmas do hinduísmo é:
«Uma sociedade sem rei não é viável».
A extensão do território de um rajá é muito variável: uma aldeia, um grupo de
aldeias que ele submeteu à sua autoridade, por vezes um vasto território cujos rajás se
submeteram à autoridade de um mahâràja (magnuJ rex, grande rei).
O rajá é um Ksatriya (= guerreiro), porque a sua função social consiste em manter
a ordem pela força. Em princípio, ele é o eleito do povo; de facto, ele impôs-se na maior
parte dos casos pela força, tentando seguidamente estabelecer o princípio da heredita-
riedade da função a favor da sua família.
O rajá é em princípio independente, mas respeita o seu dharma; é independente
quer em relação aos outros rajás (salvo nas épocas de feudalização, com hierarquias
dominadas. por marajás) quer em relação aos seus súbditos: ele deve-lhes protecção, mas
não é obrigado a ter em conta os seus conselhos; não existe portanto qualquer
participação dos governados na acção dos governantes m.
O rajá goza de duas prerrogativas: recebe os impostos e tem o direito de punir
(salvo quanto aos Brâmanes, casta superior); pune aqueles que, fora da justiça das cascas,
contrariam as disposições que ele impõe para a manutenção da ordem. Daí se deduz que o
rajá legisla, isto é, faz as leis gerais e permanentes; por vezes foi assim, mas geralmente o
rajá, de acordo com a concepção hindu, não dá senão ordens ocasionais, porque não se
pode ligar ele mesmo para o futuro.
m J. D. M. DERRETI ... Rulers and Ruled in India .. , Remtiú de la Soâétéjean Bodin, t. 22, Bruxelas 1969. 417-445.
106
b) Dominação britânica 6
<>
r6l A partir dos finais do séc. XV, os Portugueses estabeleceram-se na lndia, sobretudo na costa ocidental, aí conscicuindo
um •Esrado•, com importantes particularidades, tanto no domínio do direito polícico e colonial portuguis, como no das relações com
os direitos locais. V. Ch. E. BOXER, Tht /!rJrlllfl.UeJtseaborne empirt, 1515-1825. Londres 1969; do mesmo, Portugum 1oâety in tht
/ropin. The municipal counci/J o/ Goa, Macao, Bahia anti Lllanda (1510-1800), Londres 1969; CARLOS R. GONÇALVES PEREIRA,
HiJtória da administração tÍ<1 ;u11iç<1 nn Es1ado da Índia. Séc. XVI. Lisboa 1964-5, 2 vols. (N. T.).
m ]. D. M. DERRETI. •Thc indian subcontinent under european influence•. in J. GILISSEN (ed.), lntrod. bihlior,r.,
E/fJ, Bruxelas, 1969; do mesmo, lmroducrmn lo Modn-n Hindu l.aw. Bombay 1963; do mesmo, Relifl.ion, I.aw and Sta/e in lndia,
Londres 1968; N. B. PANDEY. The introd11crion nf En/l,hih lAu• into lndia. Londres 1967; /\.. GLEDHILL, The Republico/ lndia: the
Deve/opmenl o/ it1 L:tw and Comtitution, 2.' ed., Londres 1964; G. DIAGOU. Principer d1"iroi1 hindou, 2. vols., Pondicherry 1929-32;
H. W. TAMBIAH, Prinâpln o/ Crylon l..au'. Colombo 1972.
107
c) A inde/Jendência
DOCUMENTOS
Brama deu o brahman (a ciência sagrada, o poder místico) aos brâmanes, com o dever e o
direito de se dedicarem ao estudo, ao ensino, de fazerem sacrifícios por eles mesmos e pelos
outros, de fazerem oferendas e de as receberem, a fim de assegurarem a protecção dos Vedas.
Aos ksatriya, conferiu o ksatra (a força, o imperium), com o dever e o direito de se
dedicarem ao estudo, de fazerem sacrifícios, de fazerem oferendas, de empregarem as armas e de
protegerem as riquezas e a vida das criaturas, a fim de assegurarem o bom governo do país.
Aos vaisya, conferiu o vis, o poder de trabalhar, com o dever e o direito de se dedicarem ao
estudo, de fazerem sacrifícios, de fazerem dons, de cultivarem as terras, de fazerem negócio e de
vigiarem o gado, a fim de assegurarem o desenvolvimento do trabalho produtivo.
Aos südra, impôs o dever de servirem os varna .111periores.
a) FonteJ do dharma.
O dharma tem por base todo o Veda, as determinações e as práticas morais daqueles que o
possuem, os costumes imemoriais das gentes de bem, e, em caso de dúvida, a satisfação interior.
É preciso saber-se que a Revelação é o Livro santo (Veda), e a Tradição, o Código de Leis
(DharmaÍaJtra); uma e outra não devem ser contestadas em nenhum ponto, porque o sistema dos
deveres resulta daí, na sua totalidade.
Qualquer homem das e~ primeiras classes que, aderindo às opiniões dos livros cépricos,
despreze estas duas bases fundamentais, deve ser excluído da ~ompanhia da gente de bem como um
ateu e um contraventor dos Livros sagrados.
O Veda, a Tradição, os bons costumes e o concencamenco consigo mesmo são declarados
pelos sábios como as quatro fontes do sistema dos deveres.
Que ele não ataque nem o inimigo que está a pé, se ele próprio está em cima dum carro,
nem um homem efeminado, nem aquele que junca as mãos para pedir perdão, nem aquele cujos
cabelos estão descompostos, nem o que está sentado, nem o que diz: «Eu sou teu prisioneiro».
b) Dharma e CoJtume.
Primazia do costume sobre o direito escrito, decidida pela jurisprudência anglo-indiana,
por uma sentença dada em 1868, pelo judicial Committee na causa Ramnad: Under the Hindu SyJtem
o/ Law, dear proo/ o/ mage will outweigh the written texto/ the Law. Decisão baseada no Man11Jmrti,
versículo 108:
ãcãrah paramo dharmah irutyuktah Jmãrta eva ca
taJmãd aJmin Jada yukto nityam syad ãtmavãn dvijah
Tradução (incena): O costume é a lei suprema, bem como aquilo que é dito no sruci e no
smrti. Que ele esteja portanto sempre atento a isto, o dvija desejoso do bem da sua alma.
B. - O DIREITO CHINÊS
o Confucianísmo. Como tal, conservou-se quase imutável durante dois milénios; mas, à
face do direito de base filosófica que se exterioriza no respeito dos ritos (o/i), os soberams
tentaram, c9m a ajuda dos legistas, impor um sistema jurídico baseado na lei (o /a),
sobretudo na lei penal. A histórià do direito chinês é o antagonismo entre o li e o Ja ce).
O direito tradicional chinês é caracterizado pela diferenciação das classes sociais,
tendo cada uma estatutos morais e jurídicos próprios, e a importância da família como
base nas relações sociais. As classes privilegiadas, às quais repugna conhecer uma lei
uniforme, vivem segundo os códigos de honra; o povo estava submetido a um direito
penal muito severo.
1. Esboço histórico
A história da China remonta a trinta séculos antes da nossa era. Povos chineses
vindos da Mongólia, instalaram-se então no vale do Rio Amarelo.
Cerca do século XII antes de Cristo, eles passaram a um regime feudal no qual se
desenvolveu uma classe privilegiada, composta sobretudo de guerreiros e de letrados. No
fim desta época, por volta dos séculos VI-IV antes de Cristo, viviam os homens que mais
influenciaram a religião e o pensamento chinês: Lao-Tsé, Confücio, Mêncio.
No século III antes de Cristo começa o Império Antigo; a China torna-se um vasto
império centralizado; graças à acção da dinastia dos Ch'in (ou Ts'in), que dará o seu nome
ao país. Apesar da sua curta duração (249-207 antes de Cristo), esta dinastia exerceu uma
influência duradoira na história do direito da China. A sua acção é concinuada pela
dinastia dos Han, que reinou durante quatro séculos (século II antes de Cristo ao século II
depois de Cristo). De seguida, o país é dividido em vários reinos e sofre novas invasões;
estabelece-se aí um novo regime feudal.
O Império Médio, que começa no século VII, é um novo período de restauração da
unidade, realizado sobretudo pela dinastia dos T'ang (618-907). De seguida, novas
divisões e novas invasões.
A unidade é restabelecida pela dinastia mongol dos Ming (séculos XIV e XVII), e
depois pela dinastia manchu dos T'sing (séculos XVU a XX). De facto, o país conheceu
então uma estagnação e uma imobilidade tanto no plano económico como social e
político, que leva em 1912 ao descalabro do regime imperial.
Desde então, a China é uma república; ela coma-se uma república comunista em 1949.
<9> E. BALAZS e M. ENGELBORGHS-BERTELS, •Chine•, in J. GILISSEN (cd.l, lntrod. biblior.r .. e/14, Bruxelas
1972; M. ENGELBORGHS-BERTELS e R. DEKKERS, LI Répuh/iq11e populaire dt Chine. Cadro im1ilu1ionnel! ti réaliJa1iom. r. 1:
L'Histoire el /e droil, Bruxelas 1963; CH'Ü T'UNG-TSU, Llw and Sotiety in tradi11onal China, 2.ª ed., Paris-Haia 196~; J.
ESCARRA, Le droil chinoiJ, 1936; H. MASPÉRO e J. ESCARRA, HiJtoire el imlituliom de la Chine anarnne. Jes oriRintJ au XII.'
siecle apres J.C., Paris 1967; H. McALEAVY, .Chinese Law•, inJ.D.M. DERRET, An lntrod11ction to leRal Systmu. Londres 1968,
p. 105-130; R: DAVID, op. cit., p. 521-530.
110
2. Religiões e filosofias
As três principais religiões da China são o confucianismo, o tauismo e o budismo.
O confucianismo é a religião dos letrados; é mais uma filosofia que uma religião.
Tauismo e budismo são as religiões do povo. Os Chineses foram geralmente muitc:>
tolerantes no ponto de vista religioso, mesmo em relação aos Muçulmanos e aos Cristãos.
a) O confucianismo foi fundado por Confúcio (nome latinizado de Kong Fou-tseu),
que viveu cerca de 550-479 antes de Cristo. O seu pensamento filosófico é deduzido da
concepção religiosa contida nos cinco livros sagrados, os King; é um animismo que tende
para o monoteísmo, prestando culto ao Grande Espírito, ao Céu, e a espíritos inferiores.
Só o chefe, o Imperador, oferece grandes sacrifícios ao Céu; mas todos os homens devem
sacrificar aos antepassados da família, pois estes estão sempre presentes.
Confúcio deduziu daqui uma doutrina de sabedoria prática, baseada sobretudo no
respeito de numerosas regras de etiqueta. Todos os homens têm o dever de cultivar o seu
espírito, de desenvolver em si as virtudes essenciais: a humanidade e a rectidão. O papel do
soberano consiste em descobrir a lei natural que o Céu pôs no seu coração; para bem governar,
ele deve pelo exemplo &zer observar uma exaaa concordância entre o universo e o homem.
A doutrina de Confúcio foi desenvolvida e idealizada por Mêncio (nome latinizado
de Meng-Tseu) (cerca de 370 a 289 antes de Cristo). Ele ensinou que a natureza humana
é originalmente boa, porque nos foi outorgada pelo Céu. O homem possui no seu coração
as quatro virtudes: as duas de Confúcio e, além disso, o sentido da ordem social (li) e o
conhecimento do bem e do mal (tche).
O soberano deve sobretudo velar por uma harmonização constante do homem e da
natureza; todas as outras actividades são apenas subsidiárias desta. Ele deve dar o
exemplo das virtudes·, mas também procurar melhorar a existência material dos homens,
repartir equitativamente as terras, velar pela educação e pela instrução.
b) O tauismo é devido a Li.o-Tseu que viveu antes de Confúcio. Seu livro, o Tao-Te,
é «a via da virtude»; Tao é a via, a razão que governa o mundo; os homens devem
descobri-la pela meditação, pelo êxtase. O tauismo é uma religião mística, que tem
chefes e monges; tornou-se cada vez mais arcaica pelos seus ritos e sacrifícios.
c) O budismo veio da Índia, por volta dos séculos III-II antes de Cristo. (cf. supra);
a sua influência tornou-se considerável a partir do século V da nossa era.
3. O «li» do confucianismo
O li é a noção que se aproxima mais da nossa noção de direito; traduz-se tanto por
«direito», como por etiqueta, rito, moral. O conjunto das regras de conveniência e de
bom comportamento que se impõem ao homem honesto; formam uma espécie de código
moral; exprirpem a «ordem natural» para a qual o homem deve tender; basta respeitar
essa ordem natural das coisas para que a harmonia reine entre os homens.
111
Estas regras de comportamento não são leis gerais, pois diferem de acordo com as
pessoas entre as quais existem relações; há ritos próprios para cada tipo de relações entre
os homens: na família, no clã, na sociedade.
Os homens não têm de resto direitos subjectivos, mas unicamente devereJ: em
relação aos seus semelhantes, em relação aos seus superiores, em relação à sociedade
(comparar com o dharma dos Hindus). O ideal é a submissão aos seus superiores, no
quadro das «cinco relaçõe~» descritas por Confúcio: o jovem ao velho, o filho ao pai, a
esposa ao esposo, o amigo ao amigo, o súbdito ao príncipe.
A base da organização social é a família, no sentido lato do termo; o chefe de
família é o homem mais idoso da mais antiga geração ainda existente (patriarcado); goza
de uma grande autoridade sobre todos os membros da família porque a piedade filial e o
culto dos antepassados são as bases do li.
As famílias estão agrupadas em clãs; os clãs, em domínios feudais, sob a direcção
de príncipes. Esta organização hierárquica de tipo feudal que remonta à época de
Confúcio subsistiu no Império centralizado; quando muito, a nobreza feudal deu lugar a
funcionários imperiais.
A justiça é administrada segundo o li pelos chefes de família e de clã, e em relação
a esses, pelos príncipes ou funcionários, de acordo com as épocas. Na realidade, evita-se o
processo, pois é desonroso na medida em que atenta contra a paz social, ou seja, contra a
ordem natural; é necessário procurar sempre o compromisso, a conciliação, a solução
negociada que acomode uma e outra parte.
Em princípio, segundo os Confucianistas, o li deve bastar para manter a ordem; é o
«governo pelos homens». Mas desde muito cedo que teve de se admitir que as regras do li
não podiam, por si só, bastar em relação a todos os homens. Segundo um texto célebre do
confucianismo, «O li não desce até ao povo, tal como os castigos não sobem até aos nobres».
A concepção legista não conseguiu impor-se. Já na época dos Han (século· II antes
de Cristo), assiste-se à «COnfucianização das leis», ou seja, a uma conciliação entre o li e o
fa pelo reconhecimento de classes sociais submetidas a sistemas jurídicos diferentes;
sistema que vai subsistir durante 2000 anos!
A sociedade chinesa está, desde encão, dividida em quatro classes estritamente
hierarquizadas: os funcionários letrados, os camponeses, os artesãos, os comerciantes.
Cada homem está submetido aos homens das classes superiores; mas em cada classe a
família e o clã continuam a ser a base da organização social e judiciária. O li constituiu o
sistema geral; mas para o «povo comum», eram necessárias leis; assim, os funcionários
letrados escaparam normalmence às leis penais; mesmo que eles tivessem de ser punidos,
podiam sempre redimir a sua pena; a compensação pecuniária das penas permitia-lhes,
por exemplo, redimir a pena de morte por cem peças de tecido ou cem libras de cobre.
A desigualdade perante a lei e o arbitrário das decisões judiciais, que variavam
conforme se aplicava o li ou o /a, caracterizam, portanto, o direito chinês tradicional.
De resto, a classe superior tem u·m profundo desprezo pela lei; pois o melhor
governo é o do homem virtuoso que governa sem leis; a promulgação de uma lei é
uma coisa má em si mesma, do mesmo modo que o recurso a wna decisão judiciária,.
Há, por conseguinte, poucas leis em matéria civil, deixada inteiramente ao li, e,
de facto, aos inumeráveis costumes das classes e das regiões. Também poucas leis na
matéria de direito público, pois a administração local é deixada aos chefes dos clãs e das
famílias, e a administração regional aos funcionários letrados que fazem respeitar o li.
Não restam senão as leis penais para o «povo comum».
5. Os códigos chineses
Desta forma, os numerosos códigos chineses não são senão compilações de leis
penais. Conhecem-se pelo menos dezoito, dos quais os mais antigos remontam ao século
IV antes da nossa era. Desde então, quase rodas as dinastias elaboraram um código novo,
recomando numerosos elemencos das recolhas mais amigas. Alguns desces códigos, por
exemplo o Tsin-Iiu, de 268 depois de Cristo, ou os mais recentes, os códigos dos T'sing de
1646 e de 1740, contam mais de 1500 artigos, contendo a enunciação de mais de 2000
infracções. As penas são severas: a morte, a deportação, os trabalhos forçados, as
chicotadas e bastonadas. Entre os crimes mais graves figura a insubordinação filial, pois
ofende a autoridade do chefe de família t9•.
C9> C6diso dos Han (século li a.C): A.F.P. HULSEWÉ, Remnan11 of Han U.w, Lcyden 1955; Código dos T'ang (século
VII): K. BÜNGER, Qutllen zur Rtch11r,e.rchich1ukr T"anr,-lei1, Peciu1m 1946; CÓdigo dus Yuan (século XIV): P. RATCHNEVSKY,
Un Code tk1 Yuan, Paris 1937; index por F. AUBIN, 1960; Código dos T'sing (século XVIII): G. BOULAIS, Manuel du Coduhinoil,
2 voL . Xangai 1924.
113
00) TSIEN TCHE-HAO, w Républiq11• populain de Chint. Droit comtitutionel el imtitulioru, Paris 1970; do mesmo,
L'administration en Chine populain, Dossiers Thémis, Paris 1973; do mesmo, A11alyJe de la Co111ti111tio11 de la République populain dt
Chine 0975), Annuaire législ. franç., n.s., r. 23, 1974. p. 14-,6; do mesmo, L'Empire du Milieu rttrouvi: lo Chint populaire à lrentt
am. Paris 1979; J. A. COHEN, Contemporory Chinm Lsw: Rtieorch and Per1pectivtJ. Cambrid,ge 1970; B. BRUGGER, China:
/. Liberalion and tran1/ormation (1942-1962 ), li, Radicalism to MliJionism (1962-1979) 2 vol. Londres 1981.
115
DOCUMENTOS
1. LOUEN-YU, II, 3.
Se o conduzirdes com o auxílio de regulamentos e o disciplinardes por meio de castigos,
o povo fugirá sem vergonha. Se o conduzirdes a parrir da força moral, e o disciplinardes por meio
de regras da conveniência, o povo terá vergonha e voltará.
3. LAO-TSEU.
Quanto mais abundarem as leis e as ordenações, mais bandidos e ladrões haverá.
4. TCHOUANGTSO-TCHOUEN, 10.
«Nas causas judiciárias, pequenas e grandes, se não se puder estabelecer a evidência, é
necessário decidir sempre segundo as circunstâncias».
Este princípio é interpretado da funna seguinte, tomada igualmente clássica: «Segundo a
interpretação do Tch'ouen-ts'ieou deve-se sondar os corações (as intenções) para estabelecer os crimes».
cambém uma compleca independência económica. Por consequência, no que diz respeico ao
divórcio, é preciso defender os. interesses da mulher, e atribuir aos homens a maior parte das
obrigações e das responsabilidades que este comporta.
As crianças são os senhores da nova sociedade; e o que ímporta destacar ainda mais, é que, de
acordo com os hábitos da antiga sociedade, não se prestava atenção à protecção das crianças. Por
conseguinte, uma regulamentação especü:il foi feita no que diz respeito à protecção das crianças.
Este regulamenro será promulgado e enrrará em vigor no dia 1 de Dezembro de 1931.
O presidente do Comité c~ntral executivo Mao Zedong_...
C. O DIREITO JAPONÊS
A história do direito japonês divide-se em três grandes períodos.
No primeiro, de cerca de 600 a cerca de 850 da nossa era, o direito japonês
modelou-se sobre o da China; o segundo, que durará até 1868, foi o de um feudalismo
que apresentava numerosas semelhanças com o feudalismo da Europa Ocidental; mas o
sistema jurídico continuou a ser influenciado pela China; por fim desde 1868, o direito
japonês ocidentalizou~se rapidamente on.
11 I) R. ISHII, •Japan", in J. GfIJSSEN (ed.), lntrod. bibliogr .. E/13, Bruxelas 1964; D.T.C. WANG, Lts 10urces du
droit japonaú, Genebra 1978; A. GONTHIER, Hi>toirr tkJ imtilutiom ;aponai1e1, Bruxelas 19~6 (ver também os estudos de
A. Gonthier em Recuti/J ... Bodin, t. 1 a VIII); F. JOUON DES LONGRAIS, L'Est et l'Ouesl: imtilutio_m du japon et de l'O<âtknt
comparéeJ. Six étudts de soáolo;:ie juridique (nomeadamenre feudalismo, clas•e• sociais, casamenro, condição dos filhos, sucessões),
Paris-Tóquio 1958; do mesmo, Ai:e dt Kamakura, somro ( 1150-1333), Paris-Tóquio 1950; R. ISHII, ]ll/JaTltSe úgiJlatitm in the Meiii Era,
Tóquio 1954;]. WIGMORE, 14Wanájwticein TokygalJ/Qjaparr, 2 vol., 1941-1943; G. APPERT, •Un rode japonaisdu VIII.' sikb,
Rev. hiJI. dr. fr., 1892-1893; ·Un code japonais do XIII' siede•, mesma Revue, 1900, p. 338 ss.; R. DAVID, op. ât., p. 531-541.
117
O Japão é budista; o budismo foi imponado da China nos séculos Vl e' VII da nossa era.
A influência chinesa foi ponanto considerável. Durante o primeiro períodó, é o
sistema chinês do /a que é introduzido no Japão: cal como na China, o país está submetido
à autoridade direcca do imperador que governa, zelando por uma repartição periódíç~ dos
arrozais. Os códigos de inspiração chinesa, os ritsu-ryô, compreendem sobretudo leis
penais (ritsu) e também leis civis e administrativas (ryô) e fixam as obrigações de cada um;
são comentados nas escolas de direito, como o fa-kia chinês.
Para substituir este sistema relativamente legalista e igualitário, forma-se a partir
do século IX um sistema de senhorios, chamados shõ, bastante semelhante aos.senhorios
da Europa Ocidental da mesma época; o domínio senhorial goza de privilégios fiscais e
jurisdicionais. O imperador perde, pouco a pouco, todo o poder; a partir do século XII-
não é mais do que o símbolo religioso da união do povo e de Deus, uma «sombra muda»,
condenada a uma espécie de reclusão perpétua. O poder passa para as mãos do shfJgun e dos
dai-myõ, que formam uma casta militar dominando urna hierarquia de vassalos e subvassalos.
Toda a vida política e social é baseada numa escrita obediência do inferior ao
superior, bem como do filho ao pai, da mulher ao marido, do colono ao proprietário, do
jovem ao menos jovem, etc. As regras de comportamento chamadas giri e.r,n japonês
apresentam muitas analogias com o li chinês; são observadas por tradição, por medo de
censura, do desprezo social. Não há regras jurídicas; há poucos juízes, uma pequena
organização judiciária; a repressão ·da desobediência de um inferior é remetida à
apreciação arbitrária do superior, numa sociedade escritamente hierarquizada; não há,
por exemplo, tribunal feudal, nem julgamento pelos pares como na Europa, porque o
vassalo não tem nenhum direito.
Havia, contudo, pelo menos durante a época de Edo (1600-1868), uma cerca
actividade legislativa por pane de cenos dai-myõ, para os seus domínios; havfa também
jurisdições civis, nomeadamente um Tribunal Superior (Hyõjüsho) cujas decisões se
encontram conservadas.
O Japão permaneceu voluntariamente fechado a qualquer influência estrangeira,
mais especialmente europeia, até 1868; o único porto que estava aberto ao comércio
internacional, era Nagasaki. Desde então, a ocidentalização foi muito rápida, apesar da
ausência de juristas japoneses e das grandes dificuldades para traduzir os conceitos
ocidentais em japonês. Foram elaborados códigos, uns de acordo com o modelo francês,
outros, nomeadamente o Código Civil (1898), segundo o modelo alemão. A panÍr de 1945,
a influência americana é preponderante no processo de democratização.
O. - O DIREITO MUÇULMANO
Este grupo religioso conta mais de 400 milhões de fiéis, repartidos por mais de
trinta países: mais de 100 milhões em África (Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egipto,
e também uma parte importante das populações negras imediatamente ao S~l do Sara:),
mais de 60 milhões no Próximo Oriente (Arábia Saudita, Síria, Iraque, Turquia, e
também na Europa, a Albânia), mais de 200 milhões no Sul e no centro da: Ásia (Irão,
Turquestão e algumas outras repúblicas da União Soviética, Afeganistão, Paquistão,
Bangladesh, arquipélago malaio, Samatra, etc.).
Em princípio não há senão um direito muçulmano para o conjunto destas regiões e
países; a sua unidade resulta do vigor ainda actual da religião muçulmana. Na verdade,
existem desde há muito variantes regionais; e sobretudo, a reacção do mundo
muçulmano face à penetração dos direitos ocidentais, varia actualmente de um país para outro.
1. Religião e história
A religião islâmica surgiu na Arábia no século VII depois de Cristo. Até então,
a religião da Arábia é um animismo politeísta que evolui para o monoteísmo, nomea-
damente sob a influência das religiões de regiões próximas, o judaísmo e o cristianismo.
O deus árabe por excelência é AI ]!ah (donde, Alá), o guardião da ordem moral.
Maomé{± 571-632), comerciante que se tornou pregador, luta por seu lado contra
o politeísmo e os velhos ídolos; perseguido, teve de fugir da sua cidade, Meca, em 622; é
a data da Hégira {= fuga), que marca o início da era muçulmana. Como chefe de um
grupo, Maomé reconquista Meca pela «guerra santa», ao mesmo tempo que organiza a
comunidade religiosa do Islão.
O Islão é a submissão a Deus, a obediência aos comandos de Alá. Alá é o deus
único; Maomé é o seu profeta, o último dos enviados de Alá, depois de Adão, Noé,
Abraão, Moisés, David e Jesus. Assim, a religião islâmica tomou muitos empréstimos ao
judaísmo e ao cristianismo. A alma é imortal, destinada no além a penas ou a recompensas.
Há poucas obrigações rituais: cinco orações por dia, um mês de jejum desde o
nascimento até ao pôr do Sol (Ramadão). Não há clero, mas directores de orações comuns
(o imã), pregadores do serviço religioso de sexta-feira (o khatib) e arautos que anunciam a
hora da oração (o almuadem).
(12) A. o·EMILIA, ·Islamic Lt.w: Hanafices•, in J. GIUSSEN, lntrod. bibliogr., E/3. Bruxelas 1966; as ourras partes
relacivas ao direico muçulmano (E/l, E/2 e E/4) ainda não foram publicadas. J. SCHACHT, A111"1roáuctio11 to /1/amic l..Aw, 2.• ed.,
Oxford-Londres 1966 (obra de importância capical); crad.: EJquirJe d'u11e hiJJoire du droil murulman, Paris 1953; do mesmQ, The Origim
o/ Muhammeda11 Jumprudmce, Oxford 1950 (3. • reimp.: 1959); Y. LINANT DE BEllEFONDS, Trail~ de droit mu.iulma11, 3 vol.,
1965-1971; L. MIUJOT, lntroáuction à l'ét11de du droit muxulman, 1953; G. H. BOUSQUET, Le droil mwulman, 1963 (contém
nomeadamente wn esquema comparacivo dos direiros muçulmano, romano, canónico e hebraico); R. CHARLES, lL droit mu1u/man,
1965, col. Que sais-je?; R. DAVID, op. cit., p. 4S5-482;J. LÓPEZORTIZ, Der«homu;u/mdn, Barcelona 1932.
119
O Islão conheceu uma extensão muito rápida, graças aos sucessores de Maomé, os
Califas ( = vigários), que conquistaram num século a Síria, o Egipto, o Maghreb, a
Espanha e m~smo a Gália (até à sua derrota em Poitiers em 732), a Pérsia, o Turquestão,
mais tarde a India e a Indonésia. Os grandes impérios muçulmanos dominam nos séculos
VIII e IX da nossa era; os Abássidas mantêm o poder em Bagdade até ao século XIII. Dos
séculos XIII a XIX, o Império Turco domina uma grande parte do mundo muçulmano.
A Península Ibérica manteve-se muçulmana duranre vários séculos, à excepção de
alguns principados no Norte. De lá partiu a Reconquista: Lisboa foi conquistada em
1147, Córdova em 1236, Granada em 1492.
2. Châr'ia e Figh
O direito muçulmano não é uma ciência autónoma, mas uma das faces da religião.
Esta compreende a teologia (que fixa os dogmas, aquilo em que o muçulmano deve
acreditar) e a Châr'ia, que prescreve aos crentes o que devem ou não fazer.
A Châr'ia é a «via a seguir», a «lei revelada»; compreende o que nós chamamos
direito, mas também o que o crente deve fazer em relação a Deus (orações, jejuns, etc.).
A sanção é o estado do pecado; ela não é, portanto, aplicada senão aos crentes; o direito
muçulmano é inaplicável aos infiéis.
O Figh é o conjunto de soluções preconizadas para obedecer à Châr'ia; é a ciência
dos direitos e dos deveres dos homens, das recompensas e das penas espirituais. Ciência
das normas que podem ser deduzidas por um processo lógico, das quatro fontes da
Châr'ia: o Alcorão, a tradição (sunna) o acordo unânime da comunidade muçulmana
(idjma') e a analogia (giyâs).
Os Muçulmanos concebem a ciência do direito como uma árvore: as quatro fontes
são as raízes, a lei revelada é o tronco, os ramos constituem as soluções especiais
deduzidas da lei revelada.
(l3J E. TYAN, Histoirt de /'orga,,iJation jlllii~iairrt'1 pays d'lsl1Zf11, 2. ª ed., Leyden 196-0.
122
CI~> N. ANDERSON, i4V Rt/Of711 in tht M11,/im World, Universicy of London. Londres 1976; G. BOUSQUET, D11 droil
musulman el rk Jon application e/factivt dam /e monJ., Argel 194,9; ]. SCHACHT, •l<lamic Llw in Contemporary SlaW>, 8111/etin
d'informalion du Centre pour /'E111de J,, MonJ. MuJu/man Contemporain, Bruxelas 1958; M. POSTAFA, Principu de droil pinal deJ PayJ
arabe<. Paris 1973.
123
DOCUMENTOS
«Cap. XLII: O pai, mesmo ele, não puae casar com a mulher virgem nem com a que já foi
casada, sem o consentimento delas».
Abou-Horaira relatou que o Profeta disse:
«A mulher que já foi casada não pode ser dada em casamento senão por sua própria ordem;
a virgem não pode ser dada em casamento senão depois de se lhe ter pedido o seu consentimento.
- E como dará ela o seu consentimento, Ó Enviado de Deus? perguntaram então os fiéis.
Mantendo-se em silêncio, respondeu o Profeta».
125
Abou'-Amr, o liberto de 'Aicha, relata que esta disse: «Ó Enviado de Deus, a virp:em tem
vergonha». «Ü seu consentimento, respondeu ele, traduz-se pelo seu silêncio».
Ili, 569.
3. RITOHANIFITA.
a) Ibn Nujaym /'Egyptien (falecido em 970 da Hégira = 1592 depois de Cristo):
Segundo princípio: para apreciar um acto, deve investigar-se a intenção.
Terceiro princípio: um facto averiguado não pode ser contestado pela única razão de que o
contrário é possível, donde se deduz que, em princípio, se· ·fica livre de qualquer obrigação.
Quinto princípio: deve-se pôr fim a tudo aquilo que possa causar um prejuízo ...
A necessidade torna lícito aquilo que é proibido ... O que é justificado por essa desculpa, cessa
com o seu desaparecimento ... Um dano não pode fazer desaparecer um outro dano.
Décimo segundo princípio: ... Lâ yunsab ilâ sâkit qawl (= em prindpio, manter o
silêncio não tem significado jurídico). ·
4. RITO MALEKIT A.
ABU ISHAC IBRAHIM ABD AL-RAHMAN de Granada, cádi de Maiorca. (h. 1200?)
(As questões em que se distinguem os espanhóis da escola de Málic:) (1) São quatro. Não têm em
conta nos julgamentos as relações que possam existir entre o demandante e o demandado. (2) Não
admitem a prova por uma só testemunha confirmada por juramenco. (De quem colha benefício
com este restem unho). (3) Julgam lícito pagar o preço do arrendamento de terras com uma parte
dos frutos nelas obtidos. Nestas soluções seguem a escola de Lait ben Saad. (4) Permitem plantar
árvores nas mesquitas, no que seguem a escola de Auzai.
DIREITOS ESLAVOS
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\.O
130
Assim, os grandes sistemas jurídicos na Europa dos séculos XII a XVIII são:
- os direitos romanistas;
- o common law inglês;
- os direitos eslavos;
- o direito bizantino;
- o direito canónico;
- o direito muçulmano.
Sob a influência das ideias políticas e jurídicas dos pensadores dos séculos XVII e XVIII,
os sistemas jurídicos existentes sofrem transformações capitais. As Revoluções Americana
(1776) e Francesa (1789) concretizam as ideias novas nos textos de constituições e de leis.
Os últimos vestígios de feudalismo desaparecem, com algumas excepções apenas; as
liberdades públicas garantem os direitos subjectivos dos cidadãos, livres e iguais perante o
direito; a soberania passa das mãos dos reis e dos príncipes para a Nação; a unificação do
direito prossegue no quadro estatal.
Cada Estado soberano tem o seu próprio direito, fixado por órg~os legislativos; a lei
torna-se, quase por toda a parte, a fonte principal do direito.
A Inglaterra mantém todavia o seu próprio sistema jurídico, o common law; ela
expqrta-o, de resto, para as suas numerosas colónias; os Estados Unidos, embora tenham
rompido os seus laços de dependência em relação à Inglaterra, conservam o common law.
Nos outros Estados europeus, os direitos continuam romanistas, ainda que a
influência directa do direito romano tenha cessado em França a partir dos finais do século XVIII;
na Alemanha, ela persiste até 1900. Os direitos de certos Estados europeus (Espanha,
França, Portugal, Países Baixos, Bélgica, etc.) são exportados para as suas colónias.
O nacionalismo dos sistemas jurídicos tem tendência a recuar a partir dos meados do
132
século XX; um direito europeu está em vias de elaboração, pelo menos no quadro limitado
dos países do Mercado Comum. Um novo sistema jurídico nasceu no Leste da Europa, na
sequência da Revolução Russa em 1917. Sob a égide da doutrina mar:xista-leninista, a
Rússia e, depois de 194 5, outros países, procuram transformar a sociedade capitalista_ em
sociedade comunista, sem Estado e sem direito; segundo esta doutrina, uma fase
intermédia é necessária no quadro dos Estados socialistas.
Assim, os três grandes sistemas jurídicos da Europa são:
ocommon law,·
os direitos romanistas;
os direitos socialistas dos países de tendência comunista.
No quadro da evolução complexa dos sistemas jurídicos na Europa a partir dos fins
da Antiguidade, examinaremos brevemente:
o direito canónico;
os direitos célticos;
os direitos germânicos;
os direitos da Alta Idade Média;
os direitos romanistas;
o common law:
os direitos socialistas dos países de tendência comunista.
NITTA DO TRADUTOR
• as citações nunca são antecedidas de indicação de que se trata do dt<relum, ao contrário, como veremos, do que sucede
com as outras partes do Corpu1 iuri1 canonici_
• os textos da 1 parte citam-se indicando o número do cânone (em al,11:arismos árabes e ant.redido de e.) e o da disrim;_ão (em
numeração romana, anc.,.;edida de d.) - ex.: <- 13. d. XXXVlll;
• os textos da li parte (salvo os da causa 33, De poeniltnlia) são citados indicando o cânone (e.), a causa (C.) e a questão
(Q. ), podendo estar invertida a ordem destas duas últimas indicações; o número inrermálio vai em romano; os outros dois em árabe
- ex.: e. 39, e.(/, Q- 7.
• os textos da causa De pOtr1itenlia da li parte e os da terceira parte (De come<ralione) citam-se indicando o cânone (e.), a
disrincrio (d.) e a epígrafe De pOtTI. ou De com. - ex.<- 15, J_ /, de pOtr1. ou e. 2, d. V, dt rom.
Nas obras mais antigas, a indicação dos números dos cânones é substituída pelas suas primeiras palavras (v .g. Spomus ri
spoma, TesleJ ab1que, etc.). Neste caso tem que se recorrer aos índices (alf.tbéticos) dos cânones exisrenres no início de quase rodas as
edições.
133
b) Ot<rtlais. Dividem-se em cinco livros, por sua vez subdivididos em tírulos e, estes, em capírulos.
O processo de citação é o seguinte:
• indica-se, à cabeça, ocapírulo (<.);segue-se a sigla das Decretais- a lerra X (ou X aspado, ou in X); rermina-se com a
indicação do titulo (esta dada pelo número do livro e do rírulo)- ex. <. 7, X, 11,30 C= <. 7, in X, Deconfirmalione u/1ÍI),
c) Sn:to (= Liber sexrwn decrecalium). Divide-se em cinco (pC"quenos) livros; estes, como as Decre<ais, em tímlos e
capículos. A forma de citar é idênrica, excepto quanro à sigla que é VIº (ou i" VIº) - ex. c. 1, ,.,, VIº, V, 12 (= <. i, in VIº, De
11erborum signi/italione).
d) Cltmmlina.J ( = Cltmtntis V constilutionu). Mesma sisremacização e forma de ciração do anterior, com a única diferença
da epigrafe - Cltm. ou ln Cltm. ·
e) Exlravaganw ,omunf. Mesma sisrematiu.;ão e forma de ciração, salvo para a epígrafe, que é Extr. comm. ou ln exlr. comm.
O Extravaganres de João XXII. Divididas em cftulos. Citação como no anterior, salvo quanro à epígrafe, que é Exrr.
johann. XXII.
• a sigla I. indica que se rtata das lnsriruriones, seguem-se o número do livro, do rítulo e, quando o houver, do parágrafo
(o parágrafo inicial chama-se principium ou pmemium e indica-se pela sigla/H'.); nas edições mais anrigas a indicação do rítulo faz-se,
frequentemente, pelas suas ptimeiras palavras, o que obriga a recorrer aos índices de títulos existent"" em quase todas as
edições-ex.: 1.,2,12,fw.
b) Digts/o ou PantÍ«la.J. Está dividido em 'º livros, por sua vez sub-divididos em títulos (salvo os livros 30 a 32,
subordinados ao título único de De lega1i1 ti fitkicomiJJis), fragmentos (ou leis) e parágrafos. Na idade média, o Digesro foi dividido em
Digtslo Velho (livros 1 a 24). Digtsto N1MJ (livros 39 a 50) e Es/orrado (lnforciarum) (livros 24 a 38).
É a seguinre a forma de citação:
• indica-se que se rrata de um rexro do Digesro pela sigla D.; seguem-se a indicação do título, do fragmento e,
havendo-o, do parágrafo (sendo o J>r0<111ium indicado por pr.); assim, as citações do Digesro são constituídas por uma letra (D.) e ou por
três ou por quatro números; no primeiro caso, tratando-se dos livros 30 a 32 (i.e., sendo o primeiro número 30, 31 ou .n), o segundo
0
é o número do fragmenro e o terceiro é o do parágeafu; tratando-se de outros livros, o segundo número é o do rítulo e o terceiro o do
fragmento; também no Digesto, os números dos rírulos (e até fragmentos ou leis) podem ser substituídos, nas edições mais antigas
pelas suas primeiras palavras. Exs. - D., 19. 1, 6, 3; D, 30, 8, 1 (livro, fragmento, l""Í8rafu); D., 50, 16, 228 (livro, título,
fragmento).
e) C6digo. Dividido em 12 livros, subdivididos cm tírulos e estes em fragmencos ou leis. O Código foi, na Idade Média,
dividido em duas partes: os nove 'Primeiros livros .formavam o Codtx; os últimos três (lrv libr1), juncamente com as lnuituifõeJ, as
N Ollelas e os Libri ftudorum, formavam o Anthmlit1m1 ou Vo/11mer1 parvum.
Cita-se de forma semelhante às lnscícuições. As siglas são: do Código, C., das Novelas N. e dos Libri fe11dorum L.F. (ou
Feud.).
d) Nuvelas. Veroanteriot.
e) Libri feudorum. Ver Códi11n.
B. - O DIREITO CANÓNICO
1. Generalidades oi
m J. GAUDEMET, •Droir canonique•, in). GILISSEN (ed. ). lr;trod. hih/io11r., n. 0 B/9. Bruxelas 1963; G Le BRAS
(ed.), HiIIOire áu Droil tt des lnuiluliDm de /'Egliu m Otâdm1 (em curso de publicação desde 1955); W. M. PLÕCHL, Guthúhte tÍeJ
134
c) O direito canónico foi, durante a maior parte da Idade Média, o único direito
escrito. Enquanto o direito laico permaneceu essencialmente consuetudinário durante toda
a Idade Média, enquanto as primeiras redacções de costumes remontam a época não
muito anterior ao século XIII, o direito canónico foi redigido, comentado-e analisado
a partir da Alta Idade Média. As compilações de direito canónico conheceram uma
larga difusão. Assiste-se mesmo, a partir do século XII, a uma redacção mais ou
menos sistemática do direito canónico, uma espécie de codificação que se perpetuará
até aos nossos dias.
Kirche11rerhlf, 4 vol., 1959-1966; H. E. E'EINE, Kirrhlitht Rah11geJchichte, t. I: Die Ka1holiJrhe Kfrche, ~-· ed_ __ 1972; Diclionnaire ik
drnil ta11011iq11e, 7 vol _, Paris 193 5-1965; HiJioirt dt l'Ef./iu depuir /., "1'1f.intJ jmqr/à nflJ /'"'". publicado sob a direcção de A. FLICHE e
V_ MARTIN, 21 vol., Paris desde 1934, nomeadamente o e. XII: G. LEBRAS, lm111ulinm etdi<iaJ1iqutJ de la Chrétienté médifr,,/e,
2 vol., 1964-1965; A. GARCIA Y GARCIA, HiJwia dei Derechn Cannnicn, Salamanca 1967; E. DE MOREAU S. J-. Hi.rtnire ik
/'ExliJe m Belxique, 5 voL. Bruxelas 1940-1952 (atr 1663).
135
A Igreja Jeixou subsistir o poder dos soberanos laicos, o que não impediu que ela
tenha querido servir-se dos órgãos do Estado para o seu próprio desenvolvimento. Os
Estados cristãos, sobretudo os de tendência imperialista, pretenderam servir-se da Igreja
como de um serviço público. Assim, os conflitos entre os dois poderes - o temporal e. o
espiritual - foram numerosos, rendo chegado a soluções muito variadas, que vão desde
a teocracia à separação da Igreja e do Estado.
b) O Ocidente medieval
Na sequência do desmembramento do Império do Ocidente no século V, o poder
temporal enfraqueceu. A Igreja já não continua submetida ao Estado, mas, tendo
continuado como única, constitui a autoridade comum aos fiéis dos diferentes Estados.
Ela influencia os governantes, obtém o seu auxílio para a evangelização, mas não os
submete à sua autoridade.
Os primeiros Carolíngios estabelecem uma estreita aliança com o papado. Retiram
uma parte da sua autoridade da sua sagração pelo Papa: Pepino, o Breve, é proclamado
rei dos Francos em 751 com o acordo do papa Zacarias e recebe a unção de São Bonifácio
em Soissons; em troca, cede ao Papa uma parte das suas conquistas na Itália Central, que
constituirão até 1870 os Estados temporais do_ Papa (donatio Peppini). Carlos Magno é
sagrado imperador pelo papa Leão III em 800; intervém na eleição dos bispos e promulga
decisões de concílios como leis do Império ~capitularia ecclesiastica). Mas os seus
sucessores, sobretudo depois de Lotário 1, ficam cada vez mais submetidos às altas
autoridades eclesiásticas.
Os conflitos entre a Igreja e o Santo Império são constantes nos séculos XI e XII;
cristalizam-se em redor da «Querela das Investiduras», relativa ao poder de conferir
títulos eclesiásticos. Finalmente, é o papado que sai, de facto, vencedor do conflito,
ainda que, na concordata de Worms (l 12l), tenha admitido o princípio da separação dos
poderes espiritual e temporal. O poder pontifical atinge o seu apogeu nos séculos XII e
XIII. De acordo com a concepção dos grandes papas da época (Gregório VII, Inocêncio
III, Bonifácio VIII), os reis detêm o seu poder da Igreja que os sagra e os pode
excomungar; no entanto, não se trata de uma teocracia, pois o Papa não pode exercer o
poder temporal, salvo nos seus próprios Estados.
Em seguida, a situação muda rapidamente a favor do poder real. Conflitos graves,
primeiro em Inglaterra (Thomas Becket contra Henrique II), mais tarde em França
(Filipe, o Belo, e Bonifácio VIII), provocam o enfraquecimento da autoridade do Papa,
enfraquecimento agravado pelo Cisma do Ocidente: papas de Avinhão e papas de Roma m.
e) As concordatas
Durante os últimos séculos da Idade Média, bem como na Época Moderna e Contem-
porânea, as relações entre a Igreja e o Estado são muitas vezes regidas por concordatas,
convenções estabelecidas pelos dois poderes, nomeadamente no sentido de organizar a
intervenção do Estado na nomeação dos altos funcionários eclesiásticos. Assim, ·em
Portugal, foram aprovadas diferentes concordatas pelo Papa Nicolau IV, a partir de
m G. LEPOINTE, ú< rappMtr de l'Egliit et de l'Etat en Franct, coL Que sais-je?, Paris 1960; M. PACAUT, /.a thiocratit,
l'F.f!,lúe ef /e pouv01r au moyen Jf!.e, Paris 1957; J. RIVIERE, ú prnblme/t l'Ef!,liu ti de l'Etat au ltmP< de Philipptle Bel, Lovaina 1926;
E. VOOSEN, Papauté ti pouvoir civil à l'ipoque d. Grif!,oire VII. Contribution à l'hiJtoir'! du droil public, Gembloux 1927.
138
1289 <4~ em França, a concordata de 1516 entre Francisco 1 e o Papa Leão X permitiu ao
rei fazer propostas relativas à nomeação dos bispos e dos abades. A concordata de 1801,
entre Bonaparte, Primeiro Cônsul, e o Papa Pio VII, deu ao Chefe do Estado o direito de
nomear os bispos, reservando a investidura canónica para o Papa. A concordata de 1827
entre o reino dos Países Baixos (mduindo as províncias belgas) e o Papa, manteve as
grandes linhas do sistema de 1801 (ver documento n. o 5, p. 154) <5>.
3. A jurisdição eclesiástica
A influência do direito canónico sobre os direitos da Europa Ocidental explica-se
em parte pela extensão da competência dos tribunais eclesiásticos, não apenas relati-
vamente aos membros do clero, mas também, na Idade Média, em relação aos leigos m.
r4> NUNO ESPINOSAG. DA SILVA, Hútóriadndireitnpnrt111:ué"s. 1, Lisboa 19S5, 121. 163; E. BRAZÃO, Coler(iinde
ConmrdataJ eJtabelecidaJ mire Portuxal e a Sanra Sé de 1238 a 1940, Lisboa, s.d.; para o conjunro da Cristandade, a obra essencial é a de
A. MERCATI, RarcoltadiConrordati, 2.ªed., t. [: 109S-1914; r. II, 1914-1954, Varicano 1954.
m H. WAGNON, Conrnrdal et droit imernational. Fondement. élaboration, valeur et rmation d11 droil ronrordalaire, t<"se de
Direito, Lovaina 1935; THOMAS, l..econc<>rdatde 1516, 3 vol., Paris 1916; H. ELIAS, KerkmSlaa/indeZuidelijkeNederlandmonderde
regeerú1x der Aar11hertogm Albrttht m /Jabtllt1 ( 1598-1621 ), Anruérpia-1.ovaina 1931; L. PRENEEL, •Bonaparte, le Concordat er les
nouveaux dioceses en Belgique•, Rm1e d'hiJI. erdétia11., e. 57, 1962, p. S71-900; A. LATREILLE. Napoléon e/ le Saint-SiiP.t
11801-1808), tese em Letras, Paris 1926; A. DEB!OOUR, HiJtoi,. deJ rapportI de l'Exliie et de l'Etat m Francr. 1789-IR70, Paris 1898.
16> H. WAGNON, •le Congres nacional de 1830 ec IS3 l a établi la séparation de l"Eglise ec de l'Ecac?•, Et11deJ ... u
Braj, t. !, Paris 1965, p. 753-781; R. AUBERT, •L'Eglise et l"Ecat en belgique au XIX• siecle•. Re1 P11blira, t. 10, 1968, p. 9-31;
R. GEORGES, •la nan= juridique des trait.-rnenn du d<"rgé cacholique belge de 1S30•, Annalei dtdroil eur. pol., t. 22, 1962, p. 85-122.
m W. TR USEN, ·Die gel<"hrte Gerichtsbarkeit der Kirche•, in H. COING (ed.), Handbuch der Q11ellen ""d Literal11r der
neueren e11ropaischen Priva1recht1xeschi<hte, e. 1, Munique 1973. p. 467-504; J. f. LEMARJGNIER, J. GAUDEMET e G. MOLLAT,
•lnstitutions ecclésiastiques•, in f. LOT e R. FAWTIER (ed.), Hiuoi,. deI imti1111iom frafl(aim a11 moym Jge, t. 3. Paris 1962;
R. GÉNESTAL, Le privilegiumf<>ri en Frt1nce. du Démt de Gralim à lafin du XIV" siecle, 2 vai., Paris 1921-1924; L. BEAUCHET,
Orixines de la juridict.ion ecdéiiailique et Jon développemenl en Franre j11Iq11'a11 12• siecle, Paris 1883;]. PROOST, •Les tribunaux
ecclésiastiques en Belgique•, 8111/. Acad. archiol. Belr,., r. 28, 1872, p. 5-93.
139
!8) P. DAUDET, E111dt Jllr l'hiJtoin dt la juridictinn malrimoniale. LrJ orii:irw carnlinximneJ tk la mmpéleflet exdmin de l'Er./iu.
rese de Direiro, Paris 1933; L'élabliuement dt la rompé1ma dt l'Eg/iJe en matiert de divorce e/ de mmanf!.11irrité, Paris 1941.
140
- à não execução de uma promessa feita sob juramento (porque se tratava de falta
a uma promessa i.olene feita a Deus).
Os tribunais laicos contestavam muitas vezes a competência das jurisdições
eclesiásticas nestas duas últimas matérias; pretendiam que tinham pelo menos competência
concorrente, com preferência pelo tribunal invocado em primeiro lugar. A partir do
século XIV, os tribunais eclesiásticos perderam a sua competência nestas matérias; a
questão foi por vezes regulamentada por acordos locais (por exemplo: concordata de
1448, entre o bispo de Cambrai e o bailio e o Conselheiro de Hainaut; concordata de
1490. entre este bispo de Cambrai e a cidade de Anvers.
O processo aplicado perante os tribunais eclesiásticos era bastante diferente do dos
tribunais laicos desta época.
No cível, o processo era essencialmente escrito. O queixoso devia entregar o seu
pedido por escrito (libellus) a um oficial que convocava o réu. Em presença das duas
partes, o oficial lia o libellus; o réu podia opor excepções; depois do exame destas, o
contrato judiciário ficava fixado pela litis contestatío (cujos efeitos eram no entanto um
pouco diferentes da do direito romano). As partes submetiam seguidamente as provas
(confissão, testemunhos, documentos) das suas asserções ao juiz; na falta de prova
suficiente, o juiz podia ordenar um juramento litisdecisório (cf. infra: «A Prova», III .4).
No domínio penal, o processo permaneceu durante muito tempo dependente de
queixa (isto é, acusatório) que se desenrolava mais ou menos como o processo cível. Nos
finais do século XII apareceu o processo oficioso, por inquirição (inq11isitío) ordenada pelo
juiz desde que tivesse conhecimento de uma infracção (procedimento inquisitorial). Este
processo foi largamente aplicado pelo Santo Ofício na luta contra as heresias; levou à
permissão de ordenar a tortura (quaestío), instituição recebida do direito romano e aplicada
contra os heréticos por uma bula de Inocêncio IV de 1252. <9>
19) H. C. LEA, Tht Inq11isition o/ the Middle Aga (wirh an hisrorical inrroduetian by W. ULLMANN), Londres 1963;
J. GUIRAUD, Histoire de /'lnqfJisition J,, moym âge, 2 vai., Paris 193~-1938; G. DEROMIEU, L'lnq11isition, Paris 1946;
H. MAISONNEUVE, Et"de sur la t>rigina de l'lnqfJi1ition, Paris 1942; G. ROSSI, ConsilifJm 1apimris iúdiciale. St,,di e ricerchr per la
1toria dtl procmo romano-cano,,ico (stf'Olo XII-XIII), Milão 1958; L. W AHRMUD, Q1'tllm der Gachichte tÚJ riiini1ch-kano,,iJche Proww im
Mittelalter, 4 vai., 1905-192'.
142
4. Fontes do direito
Como para os outros direitos religiosos, a principal fonte do direito canónico, é a
vontade de Deus tal como está revelada nos livros sagrados, especialmente na Sagrada
Escritura. Este direito divino é completado por actos de carácter legislativo que emanam
das autoridades constituídas da Igreja católica (concílios e papas) e pelo costume. Por
fim, o direito romano representou papel capital como fonte supletiva de direito na Igreja nm.
a) O ius divinum
O direito divino é o conjunto das regras jurídicas que pode ser extraído da Sagrada
Escritura (Antigo e Novo Testamento), bem como dos Escritos dos Apóstolos e Doutores
da Igreja (sqbretudo Santo Ambrósio, São Jerónimo, Santo Agostinho e São Gregório de
Nazianzo). A doutrina patrística, isto é, a doutrina dos Patres, dos Dourares da Igreja,
expõe a explicação autorizada da Sagrada Escritura.
<10> A. M. STICKLER, Hirlnria i11ric ranoniá la1i11i. lmlitulinne.r ar.:1dm1irat. r. 1: HiJ1nriafnnli11m, Turim 1950; A. VAN
HOVE. Cnmmen1aril1m Lora11ie11Je in Cndirem /11ris Cannniri, vol. l, I: Prolewm1tna. 2.ª ed., Malines-Roma 1945; G. LEBRAS,
CH. LEFEBVRE e J. RAMBAUD, l.'áKt daHique ( 1140-1371! 1. Sn11m.1 t1 rhinrie d11 dmil. Paris 196~; ]. F. VON SCHULTE,
Die Ge11-hi,·hte der Quellen und l.i1rra1ur dei Canoniuhen RtthlJ. 3 vol., 1875- l AS:}; reimp. anast. 195 G; S. KUTTNER, Reprr1nri11m drr
Kannni11ik ( J 140-123.4 J: Pmdmm111 Corp11ri1 GlnJJarum, cidade do Varicano 1937 (reimp. 1972); J. C. BESSE, Hi.rtoire dei lexlei d11 drnil
de l'E!!,li.te d11111111•en áf,e. de Den1•1;, Gralien. Paris 1960.
143
Através dos ius divinum, o direito oriental e o direito grego exerceram grande
influência na formação do direito canónico. O Antigo Testa.'l'lento foi redigido pelos
Hebreus entre os séculos XV e V antes da nossa era (cf. supra); assim, o antigo direito
hebraico constitui uma das fontes históricas do direito canónico. O Novo Testamento
e os Actos dos Apóstolos reflectem a doutrina de Cristo, que era amplamente
influenciada pela evolução das religiões, da filosofia e do direito no mundo helenístico do
século IV ao século 1 (cf. quadro comparativo das fontes do direito hebraico e do direito
canónico, 1upra, p. 73).
b) A legiJ!ação canónica
É constituída pelas decisões das autoridades eclesiásticas. Estas decisões formam a
fonte viva do direito canónico; conhecem um desenvolvimento considerável, pelo menos
até ao século XVI. Estas decisões foram muitas vezes reunidas sob a forma de compilações
de colecções canónicas.
Distinguem-se os decretos dos concílios e as decretais dos papas.
bl) Os decretos (ou cânones, xctvÓvec) são as decisões dos concílios. Entre estes,
os mais importantes são os concílios ecuménicos, assembleias gerais de todos os bispos da
cristandade.
O primeiro concílio ecuménico reuniu-se em Niceia em 325. Desde então, houve
cerca de vinte, mais ou menos um por século. Depois do Cisma do Oriente (1054) e a
querela das investiduras, todos os concílios ecuménicos se reuniram no Ocidente:
concílios de Latrão (Roma) em 1123, 1139, 1179 e 1215, concílios de Lião em 124 5 e
1274, de Viena em 13U, de Constança (1414-18), de Basileia (1431-42) e, por fim, o
concílio da Contra-Reforma de Trento (1545-1563)·. Não houve quaisquer outros
concílios até ao século XIX: Vaticano 1 (1869-1870) decretando nomeadamente o dogma
da infalibilidade do Papa, e recentemente Vaticano II (1962-1965) (II>.
Para lutar contra a Reforma, o longuíssimo concílio de Trento tomou importantes
medidas, nomeadamente em matéria de casamento. Mas certos Estados opuseram-se à
recepção dos decretos deste concílio. Foi assim em França onde, em nome das liberdades
da Igreja galicana, o rei e os parlamentos não admitiam a promulgação dos decretos e
decretais se não depois de verificação; os decretos do concílio de Trento não foram
recebidos aí, mas certos princípios adoptados pelo concílio, nomeadamente em matéria
matrimonial, foram promulgados, mais ou menos modificados, pelo rei na sua ordonnance
de Blois ( 15 79) ml.
(li) C. J. HEFELÉ e H. LECLERCQ, Hútoirr deJ mnrilei, 16 vol., Paris 1907-1921. Nwnerosas edições iierais da
legislação conciliar, desde P. CRABBE em 1538. O texto das decisões dos concílios ecuménicos, com uma orientação bibliográfica,
em J. ALBERIGO e outros, sob a direcção de H. JEDIN, Conriliorum oerumenicorum Derreia, 2.ª ed., Basileia etc., 1962.
!1 2l Edição quase oficial dos cânones e decretos do Concílio de Trento em 1564, reproduzida por]. LE PLAT. Antuérpia
1779. Edição moderna: A. MICHEL, ur dkretr du Co,,ciletk Trente, Paris 1958.
144
Cl'l F. WlliOCX, L'1"troducúan dt.1dkr.11 du Cancili d. Trm/e dam lti Pay1-Ba> el dam la Principauti d. l.ier,e, lovaina 1929:
L. WILLAERT, "Le placer royal aW1 Pays-Bas ... Rev. helr,e Phil. Hilt., t. 32, 1954, p. 466-506 e 1075-1117: t. H. 195~. p. 20-36.
11 4 > CHAVES E CASTRO, O Beneplácito Rir,i• tm Partuf.al, Coimbra 1885; M. CAETANO, .. Recepção e execução dos
decreros do Concílio de Trento em Pottugal•, Revi11a da Faculdatk d. Direito da Univerúdatk tk Li.lho"· t. 19, 1965. p. 5-87.
!Ili F. SCHOOLMEETERS, Le1Jfatu11ynndaux d.jean tÚ Fiandre. évêque d. Lier,e ( 16 tÚ Fevereiro de 1288J, Liege 19011;
M. LAV_OYE, l.e texte orir,i11al da Statu/11y11adaux dejea11 d. Flandre. Liege 1934; A. VAN HOVE, •les starnts synodaux liégeois de
1585•, AnalecieJ HiJt. eccléJ. BelJ!.., r. 33, 1907, p. 5-51 e 164-214; P. C. BOEREN, •les plus anciens sratuts du diocese de Cambrai
(XllI.<siecle)•, Revue.dr. ca11onique. t. 3, 1953, p. 1·32, lH-172, 377-415; r. 14, 1954, p. 131-158.
116) G. FRANSEN, lLJ dáritaleJ e/ la mllirtinm de dlrrétaks. Tumhout 1972, col. Typoloitie des soun:es du moyen âge occidenral.
145
condição dos operários, Popu/Of'Um Progrmio (1967) do Papa Paulo VI sobre a situação dos
países em vias de desenvolvimento.
e) O costume
O costume a que se chama jus non scriptum, direito não escrito em direito canónico
como na doutrina romanística da Baixa Idade Média, não desempenha um papel
considerável na evolução do direito canónico, em razão da abundância das regras jurídicas
escritas. Na Idade Média, os canonistas construíram alguns príncipios para reconhecer o
carácter obrigatório do uso jurídico; para ser válido, o costume canónico deve obedecer,
então, às condições seguintes: ser seguido desde há um certo tempo (30 anos pelo menos),
ser razoável (isto é, não ofender a razão), ser legítimo (isto é, ser conforme ao direito divino,
aos decretos e ao ensino autorizado pela Igreja).
Em certa medida, o costume foi muitas vezes consagrado pela jurisprudência dos
tribunais ecl~siásticos como fonte local de direito, mais raramente como fonte geral do
direito canónico cm.
1 17) R. WEHRLÉ, De la co11/1111U dam le tiroil car1or1iq11t. f.ltai hiJ1oriq11e t'iJendanl tÚ! orif,ineJ tit l'P.f,lite a11 pnntifi<al tÚ Pit XI,
tese em Direito, Paris 1929.
(lffl P. LEGENDRE, La proélralior1 ti11 tiroil romain tiam /e tiroil canonique clauique, tese em Direito (dout.), Paris 1957;
J. VAN HOVE, • Droir Justinien et droit canonique depuis le D«ret de Grarien jusqu'aux D«rétales de Grégoire IX•, Mim/lanea
VcmderEmr1, r. 1, 1947, p. 257-271.
fl91 Ciremos a título de exemplo o .\tSa.t-i: KUpÍw llíà. ':wv Swliorz 'A,,.,,,...óÃwv (Ensino do Senhor pelos 12 Apósrolos),
provavelmenre a mais antiga colecrânea, do séc. III, e os ><<ZvÓvc~ "'"'' 'A,,o-r.ÓÀwv (Cânones dos Apósrolos), do séc. IV, que foram
publicados pelo Concílio de Constantinopla em 38 l. Ed. F. X. FUNK, Ditimcalia ti Comti1111ior1<J Apo110/Dn1t11, 1905.
146
(20) Ed. MIGNE, Palmlol/ia latina, e. 67. É a Vinis, o Pequeno, que se atribui o uso de contar os anos a partir do
nasci menro de Cristo.
(21) Ed.: Collec/Ío canonr1m ecdeJiae Hispanensis, Madrid 1808; G. MARTINEZ DIEZ, La Coleccion Canonica Hispano,
Madrid 1966.
(22) Assim chamada segundo o pseudónimo do seu autor, lsidorus Mercator, que parece rer querido fazer-se passar por
Isidoro de Sevilha. A base da falsa colecção é. aliás, a Collectio lJidoriana, ed. P. HINSCHIUS, Demlale< /m11do-iJidorianat ti Capitula
An/(e/ramni, Leipzig 1863.
(23) No seu conjunto, estas colecções distinguem-se das do período precedenre pela classificação sistemática das matérias,
abandonando portanro o método de classificação puramente cronológico das fontes, adoptado até então. En1re estas colecções,
citamos: os Libri de synodalibm causis redigidos cerca de 906 por Reginon. abade de Prüm (ao norte de Treves), (ed.
WESSERSCHLEBEN, 1840), o Demt11m de Burchard de Worms, escrito por volta de !012, o Demtum de Yves de Chartres, escriro
cerca de 1095 (ed. MIGNE, Patrologia /afina, r. 140, 1880, col. 337-1058 e t. 161, 1889, col. 47-1428), cujo resumo, a l:'anorm1a,
exposição metódica e clara destinada à prática, teve um sucesso considerável, sobretudo em França.
Um teólogo de Liege, Alger, inspector eclesiástico de São Bartolomeu e cónego de São Lunberto em LieRe, escreveu, pouco
antes de 1130, um Liber de mÍiericfWdia e/ jmtitia (ed. MIGNE, Pa1rolol/ia lalina, t. 180, 1902, col. 857-968; cf. G. LEBRAS, .. r..-
Liber de misericordia et jusriria, d'Alger de Liege•, RetJ. hi11. dr. /r., 1921, p. 80-118.
Bibl.: P. FOURNIER e G. LEBRAS, Hisloire de1 Collectiom .-anoniq11a en Occidenl depuil leI Fau1.ie1 Décrélalff iu1quºa11 Dicret
de Gratien, 2 vol., 19:11-1932.
147
reconhecido como o código do direito canónico, o Corpus iuris canonici, editado em 1582.
Este permaneceu em vigor até 1917, data em que foi substituído pelo Codex iuris canonici.
Assim formou-se a partir do século XII um novo direito canónico, o direito canónirn
clássico, imposto por Roma a toda a Cristandade do Ocidente. Sob o impulso da reforma
gregoriana, este direito canónico único é formado pela fusão de velhos textos da
antiguidade, italianos, espanhóis e franceses, com as decretais dos papas.
!24l Edições muiro numerosas. A mais comum: PRIEDBERG, Corpu1 iuril canoniâ, Leipzig, 2 vol., 1879-1881;
numerosas reedições, a última das quais em Graz, 1955-19'.>9; o t. I contém o Decreto de Graciano, o r. II as outras panes do Corpus.
A edição de J.H. BOEHMER, Cfff/JuJ iuriJ ca11011iâ, Halle 1747, seria melhor; K.W. NÓRR, •Die Enrwicklung des Corpus iuris
canonici•, in H. COING (ed.), Handbuch tkrQutllm .. .. op. ât., t. 1, 1973, p. 835-848. Sobre o título do Decreco, v. P. PINEDO,
uEn corno al titulo dei Decreto de Graciano: Decretum seu Concotdia discordantium canonum•, in Anuario hiJ: . .fd, trp., 1955.
Método de citações:
Decreco de Graciano:
D = J. ª parte, composta por 1O1 diJti11ctione1
C = 2.ª parte, composta por 36 camae (algumas panic~Iaridades; de con. D = 3.ª parte, chamada De comecratione,
está subdividida em 5 diJtinctioner.
Decretais de Gregório IX: X (por Extra).
Liber Sextus: VI.
Clementinae: Clem.
148
<nl Entre os trabalhos recentes sobre o Decrero de Graciano, ver sobretudo os estudos apresentados ao Congresso. em honra
do VIII cenrenário do Decreto em 1952 e, desde então, os St11dia Gratiana, 20 vol., publicados em Bolonha a partir de 1954.
0
(26> CH. LEFEBVRE, M. PACAlIT e L. CHEVAJll.ER, L'Epoq11e modeme (1563-1789). ÚJ 1011rceJ d11 droit ti la secondt
centralisation rome1ine•. Paris 1976, col. •Hist. Droit et Instit. Eglise•, t. XV, 1.
149
estando actualizado, era necessário completá-lo pelos cânones dos concílios dos séculos XV e
XVI e pelas novas decretais dos papas, isto é;· o jm nwissimum.
7. O ensino e a doutrina
O ensino do direito canónico estava inicialmente anexo ao ensino da teologia.
O desenvolvimento do estudo do direjto romano em Bolonha e a importância tomada pelo
Decreto de Graciano levaram assim, f,~s finais do século XII, a que se formassem escolas de
direito canónico, a par d~ escolas de ôireito romano. Em Bolonha, Montpellier, Toulouse,
Orleães, mais tarde nas-universidades ibéricas e alemãs e em Lovaina coexistiram os dois
ensinos: muitas vezes os estudantes seguiam os cursos das duas faculdades e tornavam-se
doctor utriusque juris (doutor em ambos os direitos). Em Paris, a partir de 1219, só o direito
canónico continuou a ser ensinado, situação que subsistiu até ao século XVII.
Os métodos de estudo do direito canónico evoluíram do mesmo modo que os do
estudo do direito romano: método dos glosadores, seguido pelo dos comentadores (cf.
infra, p. 317 e ss.). Os canonistas são classificados em Decretistas e Decretalistas, sem que
esta distinção corresponda exactamence à que existe entre glosadores e comentadores <27l.
a) Os Decretistas são os que tomaram o decreto de Graciano como base dos seus
trabalhos. Tal como os glosadores, fazem sobretudo glosas (sobre o Decreto) e Summae
(exposições sumárias). Entre os decretistas mais célebres, citemos Paucapalea, aluno de
Graciano (anterior a 1148), Rufino, professor em Paris, (falecido em 1170), Etienne de
Tou'rnai (falecido em 1203), francês formado em Itália que se tornou bispo de Tournai,
(27) K. W. NÕRR, ·Die Kanonistische Literatur•, in H. COING (ed.), Ha"dh11ch der Quellm .... op. cit., t. 1, 1973,
p. 365-382 (contém uma li~ca das edições antigas e modernas dos Canonistas). Ver também S. KUTINER, Repertorium der
Kanonistik (1140-1234), Vaticano 1937; VAN HOVE, Prolegomma, op. cit.; LE BRAS, LEFEBVRE e RAMBAUD, L'âxe dauique
(1140-1378), op. cit., e P. OURLIAE e H. GILLES, lA périodepo11-clanique 11378-1500), col. HiJtofre d11 droit et dei imlitutiims de
1'1!.g/iJe en Occident, t. XIII, 1, 1971. Além desses: R. C. VAN CAENEGEM. •Notes on Canon Law books in medieval Bel1tian
book-lists•, Studia Gratiana, e. 12, 1967, p. 265-296.
150
donde lhe advém o nome 128le sobretudo Huguccio (falecido em 1210), de Pisa, As glosas
foram finalmente compiladas por Johannes Teutonicus <João, o Alemão) (falecido em
1245) no seu Apparatus, wna espécie de glosa ordinaria, comparável à de Acúrsio para o·
direito romano.
b) Os Decretaiistas devem o seu nome ao facto de se terem consagrado sobretudo·
(mas não exclusivamente) ao comentário das Decretais de Gregório IX. Inicialmente, ou
seja, nos dois últimos terços do século XIII, eles aplicaram ainda o método dos glosadores;
mais tarde, inspiraram-se no dos comentadores.
Citemos de entre os mais importantes, Tancredo, autor de wná glossa ordinaria
(cerca de 1215-1220), Hostiensis (Henrique de Susa, 1271), italiano que ensinoú em
Paris; a sua Summa tor~ou-se tão célebre que foi chamada a Summa aurea; e no século XV o
italiano Panormitanus (Nicolau de Tudeschis), autor de importantes Lecturae sobre as
Decretais, o Sexto e as Clementirias. Entre os numerosos decretalistas espanhóis e
portugueses, citemos Vicente Hispano que escreveu um Apparatus e um comentário dos
cânones do IV concílio de Latrão, o compostelano Juan Hispano de Petesella, professor em
Bolonha e em Pádua, autor de um comentário escrito em 1241-1243, o português João de
Deus, igualmente professor em Bolonha, que escreveu um outro entre 1247 e 1253.
c) A partir do século XVI, o ensino do direito canónico perdeu progressiva~ente
o interesse para os laicos, inidalmente em França, mais tarde noutros países.
A universidade de l.ovaina continuou até ao século XVIII (e mesmo ao século XX) a ser
um dos principais centros de estudo do direito canónico na Europa; alguns dos seus professores
contam-se entre os mais eminentes canonistas dos séculos XVII e XVIII, como Van
Espen ( 1646-1728), autor de um importante Jus ecclesiasticum universum ( 1700) <29>.
NOTA DO TRADUTOR
A evolução do direito canónico cm Portugal corresponde, nos seus traços gerais, à europeia. Algumas noras a descacar:
O beneplscito régio foi introduzido em Portugal pouco antes de 1361, dara em que os prelados já se queixam dele em
Cortes (Elvas, 1361· doe. 8, pg. 156), embora D. Pedro o mantenha, tal como fará o seu filho, nas cortes de Santarém de 1427
(v. doe. 9, pg. 156), e D. Afonso V. (Orá. Af., II, 12: onde se especificam os casos normais de denegação - falsidade, sub-prepção,
ofensa da jurisdição e direitos do rei). Abolido em 1487, foi, na prática, rescabeleci<lo em 1495 e sucessivamente estendido no seu
âmbito (cf. Ord. Fil., II, 14 e 15; Consr. 1822 art. 0 123. 0 , XII: Carta consr. Arr. 0 75.º, ~ 14); entre os muitos documentos
pontifícios a que foi negado (lista em BERNARDINO JOAQUIM DA Sn.v~ CARNEIRO, E/t:111n1/01 át direito .rleriaJtim por111g11ez, Coimbra 1896.
25), conta-se a célebre •Bula da ceia• (ln coma D1J111im). Bibliografia: GABRIEL PEREIRA DE CAsTRo, Tra'1ur át man11 regia, 1, Lugduni
o
1673. 363; MANUEL CHAVES e CAsTllO, be>~lááto réxio em Portugal, Coimbra 1885; MARQUfs DE s. VICENTE, ComiderafÕeJ rtlalivar
ao benepláciJo, Rio de Janeiro 1873; arr. 0 • Beneplácirn régio• do Dicionário de Hi11ória de Port11gal (dir. JOEL SERRÃO), Porto 1963.
Quanto aos privilégios do foro. Embora em Portu!!al tenham sido recebidos os respectivos princípios do direito canónico,
desde cedo o poder temporal reclamou para si a competência jurisdicional sobre t>clesiásricos, em certas circunstâncias. Uma lei dos
(28) A Summa de Erienne de Tournai foi parcialmente edirada por J. F. VON SCHULTE, 1891, (repr. Aulen 1965).
Cf. J. W ARICHEZ, •Erienne de Tournai et son temps (1128-1203)•, Ann. Soe. Hirt. Arch. Tournai, t. 20, 1936. p. 1-455.
(29) G. LECLERC, Zeger Bernard Van Espen e/ /'aJJttrrité talúiaJtique, Zurique 1964; .. .e/ la hii:rarrhie talúiariiq11t, Roma 1961.
151
meados do séc. XIV. transcrica no Livro de leis e posturas (pg. 380), bem como ns artigos das concordatas dos tits. 1 a 7 do Liv. das
Ord. A/.. são significativos da política real de rescrição da iurisdição da lgre;a. As Ordr, Fil. li, l fazem uma liscagem extensa desres
casos (cf. doe. tO, pg. 157). Os princípios gerais na matéria são os seguinces. Quanro à suieiçiio (ou não) ao direico temporal:
completa isenção nas matérias puramente espirituais e eclesiásticas, submissão nas remporais. Quanto ao foro comperenre: isenção
complera nas matérias temporais, mesmo nas patrimoniais e penais. As excepções, nesce úlcimo plano, são as conscantes do citado
rexro das Ord. Fil. (li, 1). É só no século XIX que a Igreja perde o principal da sua jurisdição: os privilégios de foro são abolidos pela
Comi. 1822, art. 0 9. 0 e pela Carta Comi., are. 0 145. 0 , §§ 15 e 16; os casos mixri fori são abolidos pelo are. 0 177. 0 do dec. 0 24, d ..
J 6/3/ 1832 e, depois, pela Reforma Judiciária, parte Il, art. 0 70. º: Bibliografia: BAl'TISTA FRAGOSO. Rer,imm reipuhlirae christianat,
Colónia 173 7, pt. 1, l, II, d. IV; GABRIEL PEREIRA DE CASTRO. TraclaluI .... cir.: PASCOAL DE MELO FREIRE, lmtitutiontI iurir civi/ir
l11sita11i, Conimbricae 1818, I, rir. V (fTlllxime, §§ 14 e 15); ALVES DESA, O ratholicirmo ea1 naçoo ra1holira1-daJ liherdadt1 da Igrtja
port11r,11eJa. Coimbra 1881: BERNARDINO JOAQUIM DA SI!.VA CARNEIRO, ElemmtoJ de direilo trd<JiaJliro .... cir.
Quanro O. relações entre o direito civil e o direito canónico, matéria abundantemente rrarada pela hisroriografia. v., por
úlrimo, GUILHERME BRAGA DA CRUZ, •Ü direito subsidiário na hisrória do direito português•, RftJ. pnrr. hirt. XIV ( 1973); t\.NTONJO
MANUEL HESPANHll. História das instituições. Épocas medieval e moderna. Lisboa 1982; NUNO ESPINOSA GoMES DA SILVA, Hirtória
do direi/o por111guer, cic.: MARTIM DE ALBUQUERQUE e RUY DE ALBUQUERQUE, Hú1ória do direito por111111il, Lisboa 1984n. As principais
fonres do direito eclesiástico estão reunidas nas citadas obras de Pereira de Castro e de Silva Carneiro e ainda em JOAQUIM oos SANTOS
ABRANCHES, Bullae e/ breviar pro LuJitaniae .. ., Ulissipone 1856, 2 com.; Fonler do direito rrdeJia1ticn port11g11ez. Summa do hullarin
por111guez Coimbra 1895; ANTÓNIO GARCIA RIBEIRO DE VASCONCELOS, •Nova chronologia das consciruições diocesanas portuguesas
aré hoje impressas-, O imlituto 58 (1911) 491-505.
DOCUMENTOS
Tradução Livre
l. ª Parte: Todas escas espécies constituem tipos de leis seculares. Pois das constituições ( = leis)
umas são civis, outras eclesiásticas.
§ l. 0 A constituição ( = lei) eclesiástica recebe o nome de cânone. Isidoro de Sevilha, no. livro
VI das suas «Etimologias», diz:
C. I. O que é um cânone.
Cânone, em grego, traduz-se em latim por regra.
C.11. O que é uma regra.
Chama-se regra àquilo que conduz em linha recta e não de outro modo. Outros dizem que uma
regra é aquilo que governa, o que fornece uma norma para viver rectamente (= honestamente).
2. ª Parte: Graciano. Além dos cânones, há por um lado as decretais dos papas, por outro
os estatutos dos concílios. Os estatutos dos concílios ou são universais ou provinciais. Dos
provinciais uns são celebrados por autoridades do pontífice romano, ou seja com a presença do
legado da Santa Igreja romana; outros, porém, por autoridade dos patriarcas, ou dos primazes ou
dos metropolitanos da mesma província. O que aqui se diz das regras deve ser entendido como
dito das regras gerais.
§ 1. 0 Existem, porém, algumas leis privadas, tanto eclesiásticas como seculares, a que
chamamos privilégios. Das quais, no livro V das Etimologias de Santo Isidoro de Sevilha, se diz:
C. III. O que são privilégios.
Privilégios são leis dos particulares, como que leis privadas.
Tradução livre
Canon II: Si quis dixerit, licere christianis plures simul habere uxores, et hoc nulla lege
divina esse prohibitum, anathema sic.
Canon XII: Si quis dixerit, causas matrimoniales non spectare ad judices ecclesiasticos,
anathema sit.
Decretum de reformatione matrimonii:
Capuc 1: Tametsi dubitandum non est clandestina matrimonia, libero contrahentium
consensu facca, rata et vera esse matrimonia, quamdiu ecclesia ea irrita non fecit; et proinde jure
damnandi sint illi, ut eos sancta synodus anathemate damnac, qui ea vera ac rata esse negant; ...
Tradução Livre
Tradução
ARTIGO XXVIIll.
O vigesimo nono artigo he tal. Item. Que faz vinr aa sua Corte os preitos dos testamentos,
e os outros preicos, que perceencem aa Igreja, e vai filhando as mandas dos Clerigos mortos, e
filhando os bees dos Priores das Igrejas, que morreerom, os quaaes bees gaanharom per razon de
suas Igrejas.
Respondem os davanditos Procuradores, e prometem que El Rey em este artigo guardará
Direito Comuü.
( ... )
ARTIGOXXXX.
Outro sy ao_ que dizem no crigesimo segundo artigo, que Nós hordenamos em sendo lfante
aa petiçom dalguüs, que por comprirem suas vontades, perque podessem teer Beneficios, que
tinham ocupados sem direito, e nos demoveram para o fazer, que nenhuü non fosse ousado de
poblicar leteras do Papa, quaaesquer que fossem, sem Nosso mandado, pola qual razom diziam,
que o Papa estava agravado conrra os Prelados do nosso Senhorio, teendo que polo seu aazo se
embargarom, e embargam suas leteras, que se nom poblicam, como devião, o que se nom fazia (h)
em todolos outros Regnos; e pediam-nos .
<...)
por mercee, que quizessemos revogar a dita Hordenaçom, ca nom era nosso serviço, nem prol do nosso
Regno, e que tiraríamos os Prelados do nosso Senhorio da culpa, que lhes o Papa pooem por essa razom.
A este artigo respondemos que nos mostrem esses escriptos, e letras, e veellas-emos, e
mandaremos que se pobliquem pela guisa, que devem. ·
Icem. Ao que dizem no decimo primeiro, e decimo segundo, e decimo terceiro, e decimo
quarto, e decimo quinto artigos, que fez Hordenações muitas de grandes penas, nas quaes
indistinramente comprehende os Clerigos, e os julga, e pena per ellas, assy como se fossem da sua
jurdiçom; a saber, defende que nom arrendem per ouro, nem per prata; e se o Clerigo arrenda os
fruitos, perde todo; e defende, que nenhü nom vogue, nem conselhe; e que nenhuü num ande em
besta muar de sella; e que nenhuü nom traga armas, e se as trazem per caminho, ou quando vaaõ
aas matinas, lhas tomam.
A esto responde E!Rey, e diz que elle num pos defesa aos Clerigos em especial, mais por boa
governança de seus Regnos, e por prol cümunal de toda a cerra, e por seu serviço pos geeral
estabelicimento das ditas cousas; e quando o estatuto, ou Ley he posta per o Rey em geeral, lega
per Direito Canonico, e Civil todalas pessoas de seus Regnos, assy Clerigos, como Leigos, a som
todos teudos de as guardar; e quaaesquer, que fezerem o conrrairo, devem encorrer nas penas
contheudas nas ditas Leyx, ou estabelicimento, segundo se por Direito, e Hordenações pode mostrar.
(. .. )
ARTIGO LXXXVII.
O terceiro he, que se emperram leteras Aposrolicas pera Beneficios, ou pera suas
demandas, ou ham sentenças sobre Beneficios, nõ som ousados de as pobricar pola defesa, e pena
da Hordenaçom de Regno, ataa que hajam Carta de licença d'EIRey; e que anre que a ajam, lhes
151
fazem citar as partes, contra que som, pera dizerem contra as dicas leteras do seu direito per-ante a
Justiça secular; o que he contra direito conhecer dos autos da Igreja, e sobre sentenças, e feitos do
Papa; e conhecem de sorreiçom, e falsidade.
A esto responde EIRey, que elle nom fez esta cousa de novo, ante se acustumou assy
sempre em tempo dos Reyx, que ante elle forom anciguamente; e esto he mais por conservaçom
da jurdiçom, e liberdade da Igreja, que em seu prejuizo, por manteer aquelles, que estão em posse de
seus Beneficios, e nom lhes seer reira força per alguüs rescripcos falsos, ou sorrecicios que a miude vem:
e ainda porque poderia seer que viriam alguãs leceras em prejuizo do Rey. E porque achou, que
sempre se assy usou, e que nom hia contra liberdade da Igreja, ame era em seu favor, mandou,
que assy se guardasse; e assy o entende daqui em diante guardar; e assy se guarda nos outr~s
Regnos, e Terras: e que a Hordenaçom, e maneira, que em esto cem, he boã, e esto nom
pertence a elles. ·
( ... )
• 10. PORTUGAL. Ordmações Filipinas (1603!. li, 1 - os casos de sujeição dos clérigos
ao foro secular.
4 E todos os Clerigos de Ordens Menores, assi solteiros, como casados com taes
mulheres, que lhes as Ordens devem valer, poderáõ ser demandados perante nossas Justiças, em
todos os casos, e causas civeis. E elles serão obrigados responder perante ellas, quando assi
civelmente forem demandados, sem poderem allegar seu privilegio de Clerigos, salvo nos casos
crimes, assi civelmente, como criminalmente intentados: porque nestes se guardará o que
dizemos neste Titulo, no parágrafo: OJ ClerigoJ de Ordem MenoreJ.
(. .. )
6 E quando alguma Igreja pedir alguns bens, dizendo que são seus, e que lhe pertencem,
sem allegar outra qualidade, e o leigo demandado confessar ser o direito senhorio da Igreja, mas
que o util he delle demandado, em tal caso o conhecimento pertence ao Juizo secular, e nelle deve
o leigo ser demandado. Porém, se no dito caso a Igreja em seu libello allegar tal qualidade, por
que conclua a cousa demandada, não sómente ser sua quanto ao direito senhorio, mas tambem o
util estar com elle consolidado, por o leigo possuir a tal cousa por força, sem titulo, ou com titulo
que he nullo, confórme a Direito Canonico, ou por as vidas do prazo serem findas, ou por ter
cahido em commisso, ou por outros casos de semelhante qualidade, ou pedir restituição na fórma
do direito, contra o titulo que o leigo tem: em taes casos o conhecimento pertence ao Juizo
Ecclesiastico, onde o leigo ha de responder.
(. .. )
14 E rnadamos, que aquelle que citar, e demandar qualquer pessoa perante a Justiça
Ecdesiastica, no caso em que a jurisdição a Nós pertença, pague trinta cruzados, ametade para a
parte contraria, e a outra para os captivos.
(. .. )
17 E se o Clerigo tiver de Nós alguns bens parrif!loni~is, poderá ser citado, e demandado
perante nossas Justiças, assi por esses bens, como pelos fructos novos, e rendas, foros, e tributos
que nos deva pagar. E bem assi, se o Clerigo tiver bens, ou terras da Coroa do Reino, assi sobre os
ditos bens, e terras, quando sobre elas .for contenda, como sobre as rendas dellas, e sobre a
jurisdição, se a tiver, e della usar contra fórma de suas doações, ou denegar appelação para Nós,
ou para os nossos Officiaes para isso de·pucados, ou tomar conhecimento das appellações, que
sahirem dante seu Ouvidor, ou se della usar, naó rendo para isso doação expressa, poderá ser
citado perante nossas Justiças, e ahi será obrigado a responder:
(. .. )
que as leis Imperiaes ácerca do dito caso em outra maneira dispoem, porque onde a lei, Stilo, ou
~ostume de nossos Reinos dispoem, cessem todas as outras leis, e Direitos. E quando o caso, de que
se trata, naõ for determinado por lei, Stilo, ou costume de nossos Reinos, mandamos que seja
julgado, sendo materia que traga peccado, por os Sagrados Canones. E sendo materia, que não traga
peccado, seja julgado pelas leis Imperiaes, P<>sto que os Sagrados Canones determinem o contrario.
As quaes leis Imperiaes mandamos sómente guardar, pela boa razaõ em que saõ fundadas.
1 E se o caso,de que se trata em pratica, naõ for determinado por lei de nossos Reinos,
Stilo, ou costume acima dito, ou leis Imperiaes, ou pelos Sagrados Canones, entaõ mandamos
que se guardem as Glosas de Acursio, incorporadas nas ditas leis, quando por commum opinião
dos Doutores não forem reprovadas, e quando pelas ditas Glosas o caso naõ for determinado se
guarde a opiniaõ de Bartolo, porque sua opinião commummente he mais confórme á razão, sem
embargo, que alguns Doutores tivessem o contrario, salvo se a commun opinião dos Doutores,
que depois delle screveraõ, for contraria.
2 E acontecendo caso, ao qual por nenhum dos ditos modos fosse provido, mandamos
que o notifiquem a Nós, para o determinarmos, porque naõ sómente taes determinações saõ
desembargo daquelle feito, que se trata, mas saõ leis para desembargarem outros semelhantes.
3 E sendo o caso de que se trata tal que naõ seja materia de peccado, e não fosse
determinada por lei do Reino, nem Stilo de nossa Corte, nem costume de nossos Reinos, nem lei
Imperiál, a fosse determinado pelos textos dos Canones por hum modo, e por as Glosas, e
Doutores das leis por outro modo, mandamos que tal cafo seja remettido a Nós, para darmos
sobre isso nossa determinação, a qual se guardará.
C. - O DIREITO CELTA cm
Houve Celtas numa grande parte da Europa na época da Idade do Ferro, vanos
séculos antes da nossa era. Os Gálatas instalaram-se na Anatólia; os Lepôncios deixaram
vestígios na Itália do Norte desde o século XI a.C.; os Celtiberos infiltraram-se na
Península Ibérica por volta do século XII e fundiram-se na civilização romana no início
do Império. Uma grande parte dos Gauleses foram Celtas; acontece o mesmo com os
Belgas que se estabeleceram desde o século IV ou III antes da nossa era no Norte da Gália
e, a seguir, no Sul da Inglaterra. Os Celtas chegaram à Irlanda a partir do século VI, mas
sobretudo no século I a. C. , quando os Gaélicos, vindos da Galiza (Espanha), aí se
impuseram progressivamente.
C31> C. STERCKX, •l.es últes•, in J. Gll.ISSEN (ed.), folroduction hibliof!.raphique, B/1, Bruxelas 1981; N. C.
CHADWICK, The Celts, Pelican Books, 6.ª ed. 197B; M. Dill.ON, N.K. CHADWICK e C. }. GUYONVARC'H, IA royaumeJ
cdtique1, Paris 1978; H. HUBERT, ed. revista por R. JOFFROY w Ce/leJ, 2 vol. Paris 1974; H. BIRKHAN, Gmnanen und Kellen
bh zum Ausgang der Rlimwzert, Viena 1970. Sobre o direito celta: R. THURNEYSEN, •Das Kelrische Recht•, in ZtitJ. Sav. S1. fiir
Rechligech,, Germ. Abt., LV, 193~. p. 81-104; H. D'ARBOIS DEJUBAINVILLE, l'.lu1únurledroitceltiq11e, Paris 198~; do mesmo:
La famille celtiqu<, Elude de drnit Compari.
161
02) W.M. HENESSY e oucros, Aruimt úiws o/ lnland, Dublin, 18~6-1901; edição medíocre, substicuída em pane por
D. A. BINCHY, COf'/111I /Nrii Hiherniâ, Dublim, desde 1978. A. OWEN, Anâmt l..awi and lnstitNtionr o/ WalM, l.ondon 1841:
medíocre, a subsciruir Jl"'las ediçéfs modernas duma pa=dos 79 manll5Cricos exiscemes (Ó. bibliografia em STERCKX, op. át., n."' 112 e ss).
162
D. - OS DIREITOS GERMÂNICOS
1. Organização sociopolítica
Antes do século V da nossa era, isro é, antes da época das suas grandes migrações
para o Sudoeste, os Germanos formavam um conjunto de etnias mais ou menos nómadas.
O seu sistema jurídico é similar ao de outros povos da Europa, da África e doutros
lugares, que descrevemos no capítulo primeiro.
Desde o século II a. C. , os Germanos ocupavam um vasto terrirório da Escandinávia,
ao norte, até ao Danúbio, ao sul, do Vístula, a leste, até ao Reno e mesmo até ao Mosa, a
oeste. Entre as etnias germânicas que viveram nos confins do território belga actual,
citemos os Tongres, os Tréveros, os Ta.xandrianos.
O cerne da organizal;áo sociopolítica é o clã, chamado sippe, isto.é, a família em
sentido lato. Vivendo da agricultura e da pecuária, o clã agrupa, sob a autoridade
(chamada mund) do pai, os membros da família e outros auxiliares, talvez escravos (servi,
citados por Tácito); a família é parrilinear; o pai mantém nela a ordem e a paz; o seu
poder é em princípio ilimitado porque não tem superiores. As relações entre os clãs eram
a maior parte das vezes reguladas pela faida, a lut11, a guerra privada.
Há, rodavia, desde a época de Táciro pelo menos (século 1), agrupamentos
temporários ou talvez mesmo permanentes de clãs, sob a forma de tribos ou etnias. São
dirigidos por assembleias de chefes de clã que designam um dentre eles como chefe de tribo:
rei ou príncipe (rex ve/ princeps), diz Tácito; é mais provável que este chefe se tenha imposto
pela força ou pela sua autoridade moral ou religiosa, derivada da sua sorte nos combates cm.
2. Direito consuetudinário
mi M. SCOV AZZI, •Getmllllisches Recht•, in). GII.1SSEN (ed.), lntrvd. bibliogr., B/2, Bruxelas 1963; M. SCOVAZZI,
«Le origini dei diricro germanico. Fomi, preisroria, dirino pubblico•, Milão 1957 (vasca bibliografia); H. CONRAD, Deut1che
Rech11r,e1chichte, e. I: Frühzeit und Mi11e/<1/ter, 2.ª ed .• Karlsruhe 1962; K. VON.AMIRA, K.A. ECKHARDT, GmnaniJ<htJ Recht,
Bd. 1, Recht1denkmaler, 4.• ed., Berlim 1960; K. KROESCHELL, ·Die Sippe in germanischen Rechr•, ZeitJ. S<1v. Stift., Gmn. Abt.,
r. 77, 1960, p. 1-25; P. W. A. IMMINK, la liberté e/'" peine. E1udu11da lr<1mformation dt '" liberté et 111r /e développement du droil pin<1/
en Occident <11J<1nt /e XII.' Jitr/e, prefácio de]. Gilisseri, Assen 1973.
B 4l Tipo de escrica dos povos germânicos do Norte, os Vikings ou Normandos. Numerosas inscrições enconcnulu na
Suécia e na Dinamarca.
163
César (De Bello Gallico) não conheceu, quer como m1migos, quer como tropas
auxiliares, senão os Germanos que tinham passado para a Gália; ele apenas penetrou duas
vezes para além do Reno, na Germânia. Fala-nos sobretudo da actividade militar dos
Germanos, muito pouco da sua organi~ão política e dos seus costumes.
Tácito (De situ et moribus Germaniae, 98 d. C.) é o autor mais explícito sobre as
instituições germânicas. Provavelmente nunca esteve na Germânia; recolhe muito de
aurores mais antigos (designadamente Plínio, o Velho) cujos escritos sobre os Germanos
se perderam. A sua· obra, muito. concisa, é essencial para o conhecimento do direito
germânico do século I; mas, sendo fonte única, é difícil controlar a sua exactidão <m.
Os autores gregos ou latinos dos séculos II-V que ocasionalmente falam da
Germânia (por exemplo Dion Cassius, Herodiano, Amiano Marcelino, Orósio) trazem
poucas informações seguras sobre os costumes dos Germanos.
Foram também utilizadas velhas lendas germânicas para tentar recuperar regras
jurídicas da época anterior às invasões. Mas a redução a escrito dessas lendas - os
Nibelungos, os Edda's - quase não teve lugar antes dos séculos XI e XII. Fontes muito
tardias pois, e aliás muito púuco seguras em virtude da sua natureza.
<3ll E. NORDEN, Die KemJat1i1che UrKuchichte in Tacitu1 Germania, 4.ª ed., Darmstadt 1959; R. MUCH, Die Germama
de1 Tacitu1. Heidelberga 1937.
164
d) Os costumes escandinavos
Apesar da sua redacção tardia - geralmente dos séculos XII ou XIII - esses
costumes reflectem, apesar de tudo, melhor que todos os outros, o direito germânico
antigo. A Escandinávia não foi romanizada; os povos escandinavos ficaram à margem das
correntes jurídicas da Europa Ocidental, apesar do papel político e económico importante
desempenhado pelos Vikings ou Normandos no século IX; a cristianização não começou aí
senão no século X. Estes pov~ tinham permanecido relativamente primitivos; a solida-
riedade familiar era ainda o fundamento do seu sistema jurídico nos séculos XII e XIII.
Conservou-se uma dezena de redacções de costumes regionais escandinavos. Estas
foram feitas com a colaboração de «dizedores do direito» (chamados laghman na Suécia,
liigmadr na Noruega): eram os anciãos da aldeia, mais especialmente versados na prática
do direito consuetudinário e chamados a legem dicere, a <<dizer o direito» no seio dos
tribunais 136>.
Entre os costumes escandinavos mais importantes para o estudo do antigo direito
germânico, citemos:
- a Lei Vestrogótia (Suécia) que foi ditada pelo laghman Eskill;
- a lei de Uppland (Suécia), ditada pelo laghman Vigor Spa,·
- a lei de Gulathing (região de Bergen, na Noruega), uma das mais antigas
(princípio do século XII);
a lei de Frostathing (região de Trondheim, no extremo Norte da Noruega), a mais
arcaica;
a lei Escânia (Skaanske Lov), do princípio do século XIII.
- a lei dejutlândia (Jyske Lov) (Dinamarca), de 1241 <m.
Na Islândia, a mais antiga redacção do costume mais ou menos conservada, é o
n6> A maior parte destas redacções de costumes foram recenrememe publicadas na colecção alemã •G<:rmanenrechte•.
Bibliografia em G. HAFSTRÕM, ·Suede - Finlande• e O. FENGER, ·Danemark• in]. GILISSEN (ed.) lmrod. biblior,r., D/8,
1980 e 1967. J. BRONDUM - NIELSEN e P.]. JORGENSEN Da,,,nark1 r,amlt unthkab1/ove wd Kirkelovent, 8 vol., Copenhaga
l 926-1961; K. VON SEE. DiJJ}iiliiche Rtchl, aUJ dem All-diiniJchen iibem/zl und trliiuterl, Weimar 1960.
<37> Sobre o direito islandês, bibliografia em S. KALIFA •lslande", inJ. GILISSEN (ed.), lnlrod. biblior.r .. D/7, 1977.
Ver sobretudo: A. HEUSLER, /JlândiJcheJ Rtchl. Die Graur.am, Weimar 1937. col. Germanenrecht, IX; L. MUSSET, L.t1 lnvaJiom: lt
!econd a!Jdlll contre l'f!11ropt ch.-élierme r7.'-l 1.' Iitdt!, Paris 1965; R. DARESTE, Etuw d'hi1toirt du droil, Paris, 2.• ed., 1908 (cap.
XV: L'ancien droit scandinave. L'Islande, ainda válido); S. KALIFA, «l.e pouvoir l~gislacif dans l'Islande mécliévale ec ses
réalisations•, Anriem Paystl A11. d'E1a11, t. 53, 1970, p. 43-91.
165
·DOCUMENTO
Tradução
Aceitar como herança os ódios quer de um pai, quer de um parente próximo, assim como a
sua amizade, é uma obrigação; mas os ódios não duram implacavelmente. Resgata-se o homicídio
por uma determinada quantidade de gado de grande e de pequeno porte, e a família aceita esta
reparação, com grande vantagem para a comunidade, pois os ódios são muito perigosos sob um
regime de liberdade.
138l R. DOEHAERD, Li Ha11/ Moym Agt occidm1al: économi" e/ 1ociilil, Paris 1971, col. Nouvelle Clio; F. LOT, Li /in d11
monde anliq11e el /e dih111 du moym â,l!e, 2.ª ed .. 195 l, reimp. 1968, col. L'Evolution de l'humaniré; A. H. M. JONES, ú dklin d11
monde anliquef 284-6101. traduzido do inglês, Paris 1970; F. LOT, C. PFISTER e F. L. GANSHOF, l..tJ dt!lini<uk l'Empirr m Ocâdmt
de 395 à 888, 2.ª ed., Paris 1940-1941, col. Hisroire générale; L. HALPHEN, Charlemagne tt l'empin caro/ingiro, 2.ª ed., Paris
1949; F.L. GANSHOF. IA Bel1úq11e rarolin}!.itnne, Bruxelas 1958, col. Notre Passé.
167
C}9) L. STOUFF, Etude 1ur /e prinâpe de la per10nnalité tk1 lniJ tkpuiJ les invaúnm barbares ju1qu'au XII! Jiede, Paris 1894;
S. L. GUTERMAN, Frnm perjn11al tn terTitorial Law. AI/'<<11 nf the Hi1tnry and Structure o/ lhe Wmern ltf,al - ronrtituriondl tradition,
Nova Iorque 1972.
168
C40) A fronteira linguística encontra-se ligeiramente a sul da fronreira jurídica. No domínio artístico, a arte românica
desenvolveu-se sobretudo no Sul da França, na Itália e em Espanha e manceve-se ai acé ao fim do século XII e mesmo no XIII; a arte
gócica nasceu, por ordem, na he de France, na Normandia e na Champsgne desde a primeira metade do século XII; só atingiu as
zonas meridionais muiro mais tarde e não conheceu aí o mesmo desenvolvimento.
169
C4 ll S. L GUTERMAN, The fiw ar.e o/ f1.11rop.an law, The Miy;in and character a/ the ronf/ict of law1 in. the early midd/e tJf.'1,
New York 196L
CU> ], GAUDEMET, La /fJmliJlion d11 droit Jém/ierel du droit de /'11.glile aux 4! ti 5! JiicltJ, Paris 1957; do mesmo. •Survivances
romaines dans le droit de la monarchie franque du V.• au X.' siecle•, Tijdschr, Rechrsgeschiednis, '- 23, 1955, p, 144-206.
14 ~> E. LEVY, West-Rot114n Vulgar /.4w, The Law o/ Property, Filadélfia 1951; WtJtromilchti Vuly;armht, Dai Ob/1y;a-
lionewrfCht, Weimar 1956; M. 8, BRUGUIERE, Litléralurttl droit dam la Ga11/e d11 V! sifrlt, Paris 1974.
170
(Codex, Instirutiones, Digesto) foram, aliás, pouco conhecidas no Ocidente nesta época; foi só
no século XII, na sequência do renascimento do direito romano na Itália (cf. infra), que as
codificações de Justiniano penetraram no mundo ocidental.
Das três principais compilações desta época, o Édito de Teodorico, promulgado pelo
rei dos Ostrogodos na Itália 144l, a Lex romana Burgundionum (Lei romana dos Burgúndios) <4 ~le
a Lex romana Viiigothorum (lei romana dos Visigodos) <46l, só esta última teve uma
influência duradoura no Ocidente.
Promulgada em 506 em Toulouse pelo rei dos Visigodos, Alarico II, essa
compilação, designada com frequência desde o século XVI por Breviarium Alarici
(Breviário de Alarico), tinha sido concebida como uma codificação sistemática do direico
romano tal como estava ainda em vigor no Sudoeste da Gália e em Espanha no começo do
século VI. A redacção tinha sido confiada a uma comissão de nobres e de padres, versados
na prática do direito; deviam fazer uma compilação das leis e dos escritos dos jurisconsultos
com o fim de «banir delas toda a obscuridade». O Breviário de Alarico compreende assim
importantes excractos das leges romanas, sobretudo do Código Teodosiano. Por outro lado,
contém grandes extractos do ius, designadamente uma síntese das Instituições de Gaio e
fragmentos das Sententiae de Paulo. Por fim, uma lnterpretatio incidindo sobre algumas
constituições do Código Teodosiano e sobre algumas passagens das Sententiae de Paulo, é
provavelmente uma obra do século V, inspirada por alguns comentários escricos nas escolas
de direito do Ocidente; contém aliás muito do chamado direito romano <<vulgar».
Das três compilações, foi o Breviário de Alarico que teve mais sucesso em França, não
obstante a derrota dos Visigodos, batidos por Clóvis, rei dos Francos, em Vouillé-lez-
-Poitiers em 507. O Breviário parece ter sido adoptado em todo o Império Franco; impôs-se
mesmo na região dos Burgúndios, desde o fim do século VI, em vez da Lex Romana
Burgundionum. Em Espanha só permaneceu em vigor até meados do século VII; foi aí
suplantado pelo Liber iudiciorum (infra).
O Breviário de Alarico desempenhou pois no Ocidente, em menor escala, o papel atribuído
à obra de Justiniano no Oriente. Foi frequentemente copiado até aos séculos IX e X.
Elaboraram-se numerosos resumos nos séculos VII e VIII, é certo que cada vez mais
abreviados (exemplos: Epitome Aegidii, Epitome parisiensis, Epitome monachi, etc.).
O direito romano, no entanto, desapareceu progressivamente no Império Franco.
!44) Contém cerca de ISO CRpímlos, muito curtos, recolhidos das mesmas fonres das duas compilações seguintes.
!4'l Admire-se geralmence que foi redigida pouco antes de 506, por ordem do rei Gondebaud. Trabalhos recenres
propõem a dara de 517-533; o texro ceria sido redigido por iniciariva dum soberano que não se consegue identificar; ceria tido
consequências oficiais. Esta compilação, chamada erradamenre o Papiano (de Papianus, em vez de PapinianuJ, no fim de um
manuscrito), não é uma codificação, mas uma espécie de insrrução basranre sumária para uso dos juízes, sem grande ordem. Ed.:
L R. VON SAUS, Lef,eJ 811rr.undiont1m, Hannover 1892, reproduzido por J BAVIERA, in FonleJ iurú Romani ameiuJtiniani, r. li,
Florença 1940. Cf. G. CHEVRIER e G. PIERI, •La loi romaine des Burgondes•, /uJ Romanum Medii Aevi, Milano 1969; W. Roeis,
Onderzoek naar hei gebruik van de aanf,ehaalde bronnen Van Romrim Recht in de úx Romana B11rv.mdion11m, Anvers 1958.
(46) Ed. G. HAENEL, úx Romana VisigothrJ111m, Leipzig 1849 (repr. anasr. Aalen 1962). J. GAUDEMET, .Le Breviaire
Como antes da época das grandes migrações, o direito dos povos germânicos
permanece sobretudo tendo corno base o costume, mas não exclusivamente. A lei aparece já
corno fonte de direito na época dos primeiros reis das monarquias germânicas instaladas no
quadro geográfico do antigo Império Romano, designadamente nos Visigodos e nos
Francos, e isso provavelmente por influência dos precedentes romanos.
Do século V ao IX, os reis francos (imperadores desde 800) exercem o seu poder
sobre um território cada vez mais extenso. Submetem assim à sua autoridade numerosos
povos de origem germânica: Burgúndios, Visigodos (em parte), Alamanos, Bávaros,
Prisões, Saxões, etc.
Assim se distinguem entre as fontes do direito da Europa Ocidental nesta época
(e isto independentemente do direito romano e do direito canónico), dois grupos:
- por um lado, a legislação real (mais tarde imperial) que é em princípio única para
todo o reino ou império (em alemão: Reichmcht);
- por outro, os direitos nacionais (em alemão: Volksrechte), isto é, o direito,
sobretudo consuetudinário, dos diversos povos reunidos sob a autoridade dos reis francos.
Alguns desses direi tos nacionais foram parcialmente reduzidos a escri ro sob a designação de
leges (leis). Por oposição às compilações de direito romano da mesma época, chamam-lhe
/eges barbarorum (leis dos bárbaro~).
Além disso, houve provavelmente um grande número de costumes locais que
sobreviveram do período anterior às invasões germânicas; mas, permanecendo puramente
orais, não deixaram vestígios. Alguns dentre eles podem ter sido muito antigos porque
remontariam à época que precedeu a ocupação romana da Gália (coscwnes célticos,. costumes
pré-célticos, costumes «ligurianos>>); é possível que renham exercjdo alguma influência na
evolução do direito consuetudinário da Baixa Idade Média (ver na terceira parte, a teoria de
Meijers sobre o «direito liguriano das sucessões», IIl;cap. 3).
<47> F.L. GANSHOF, •Droir mmain dans les Capirulaire.. , in lw Rrm14num Medii Aevi, 1, 2b, cc, Mila.no 1969
(influência ocasional, extremamente reduzida).
C48) F. L. GANSHOF e R. C. VAN CAENEGEM, •Monarchie franque-, F. L. GAN!!HOF, •Royaume burgonde•, D.
AUGENTI TRETII, G. VENTURA e C. G. MOR, .Jtalia. Alto Medioevo•, in J. GIUSSEN (ed.), lntrod. bibliogr., B/6; B/7 e
B/5, Bruxelas 1964-1974; ver os manuais alemães citados na Bibliografia geral; além disso, sobretudo: R: .BUCHNER, Die
Rechtsquellen, em WA'ÍTENBACH-LEVISON, Deutuhlands Ge1chithtrq11ellm im Mille/alter. Friihzeit und Karolinger, Weimar 1953;
G. KÓBLER, Das Rechr im frühen Miuelalrer, Colónia-Viena, 1971.
172
4. As leges barbarorum
Conhece-se uma dezena de le~es barbarorum no quadro geográfico do império
carolíngio: /ex Salica, /ex Ribuaria, /ex Burgundionum, /ex Alamanorum, /ex Frisionum, etc.
A redacção de algumas delas r~monta aos séculos V ou VI, outras datam somente do
século IX. Desempenharam um papel capital na conservação das tradições jurídicas dos
povos germânicos.
Estas lef!,es não são verdadeiros códigos, longe disso; não são sequer leis, no sentido
actual do termo; são mais registos escritos de certas regras jurídicas, com origem no costume,
próprias deste ou daquele povo. São pois compilações muito incompletas, espécié de
manuais oficiais para uso dos agentes da autoridade e dos membros dos tribunais.
Estamos muito mal informados sobre a maneira como as leges foram redigidas.
Parece que teria sido necessário, por um lado, o consencimento do povo, e, por outro, a
aprovação do soberano. Para compreender o papel, aliás limitado, do povo, é preciso
recordar como funcionavam os tribunais ordinários na monarquia franca: em cada pagus
(condado) havia um tribur.al (pelo menos um, com frequência vários) chamado mal/um,
composto por homens livres e presidido pelo comes ou grafio (conde) ou pelo seu substituto
(thunginus, centenarius); este era assistido por assessores que eram chamados a «dizer o
direito» (/egem dicere), isto é, a encontrar a solução do litígio baseando-se no costume.
A seguir, os homens livres aprovavam ou desaprovavam a solução proposta.
O papel dos «dizedores do direito» (em alemão: Urtei/finder, o que encontra a
decisão judiciária) era capital. Chamavam-lhes entre os Francos rachimburgii e, mais ou
menos depois de 780, scabini (escabinos); entre os Frisões, aJega.
Eram os «anciãos» do paxus, reputados pela sua experiência e pelo seu conhecimento
aprofundado do costume. Por isso, devem ter desempenhado um papel importante na
redacção das leges. Dois asega, de nome Wlemarus e Saxmundus, teriam «ditado» uma
parte da Lei dos Frisões. É provável que tenha acontecido o mesmo com outros povos,
como aliás ainda sucedeu nos séculos XII e XIII entre os Escandinavos (cf. supra p. 164: o
laFÇhman na Suécia, o loxmadr na Noruega).
O papel do rei e dos seus representantes, os condes (grafiones), foi muito limitado na
redacção das leges. Foram eles que frequentemente provocaram, ou mesmo ordenaram a
redacção; aprovaram o respectivo texto; o soberano deu-lhe algumas vezes uma consagração
oficial.
As leges não são pois 9.ctOS legislativos, leis no sentido moderno__:____ e romano - da
palavra. São, na realidade, costumes reduzidos a escrito com a ajuda d~ «dizedores de
direito» e por vezes aprovados pela autoridade. As lel{eS encontram-se escritas em latim,
salvo as de Inglaterra.
173
2. 0 Direito de povos g~ânicos que passaram para a autoridade dos reiJ francos
O mapa e o quadro sincrónico anexos permitem situar no tempo e no espaço as
«leis» dos outros povos germânicos, redigidas entre os séculos V e IX. As mais antigas são
as dos povos do Sul da França, os Burgúndios e os Visigodos.
A Lex barbara Burgundionum, atribuída ao rei Gondebaud (474-516) é uma
compilação muito romanizada, contendo sobretudo regras de direito civil e de processo cm.
<49 i Numerosas edições; a mais recente e a melhor: K. A. ECKHARDT, PactJ1.1 Lexi1 Salicae; 1. Ein(iihrrmr. 11nd 80
Titel·Tex/; 1, 2, SyilematiJcher Texl; li, 1. 65 Titel-Texl; li. 2, Kafúrularien 1md 70 Ti1el·Ttxl, GOrringen 1, 1954 e 1957; li. 1955 e
1956; Lex Salica. 100 Titel-Texl, Weimar 1953, 318 p.; K. A. ECK.HARDT, PactuJ Úl!,ÍJ Salicae, Hanôver 1962 (edição com o cexco
primirivo do Pact11s reconstruído e, em várias colunas, o rexco dos principais elemenros da rradição manuscrira e impressa), J.
HESSEI.S e H. KERN, LexSalica, London 1880; H. A. ROLL, ZurGe1chich1ederLexSalica-Forichung, Aalen 1972.
ClO> F. BEYERLE e R. BUCHNER. Lex Ribuaria, Hanôver 1954; K. A. ECKHARDT, Lex Ribuaria, 1: Auscrasisches
Recht im 7. Jahrhunden, Gõrtingen 1960.
1
~ ll R. SOHM, Nolitia vel comfT/RfT/nrario ~ ilia E1111a q11ae "ad Amorem haheJ. Hanôver 1875· 1879; tradução alemã em K.
A. ECKHARDT, Die Gmtzelk1 KArolinr,emiche.1, t. Ili, Weimar 1934;]. F. NIERMEYER, •Hf/ Muldm-Nederland1 rivurenr,ehied in
de FrankiJChe Jijd op r,mnd van ~ Ewa q1Jane ad Am,,,.m1 haher•, TijdJChr. Geichiedeni1, e. 66, 1953. p. 145-169.
<'2) Edit.: F. BEYERLE, Geretze der Burf(JJR~n. col. Germanenrechre, X. Weimar 19.~6 (com tradução alemã); rrad.
inglesa: K. FISCHER, The 81Jrf!undian Cotk, Filadélfia 1949.
174
'~" Edição: K. A. F.CKHARDT. /"'~" l\/amd11nnrum. 2 vol. Gorrin)(en 1958 e 1962. Tradução altmã no mosmo. Dit
Gmt1edt1 Karoli11r.erreicheI, e. II. Weimar 1934. p. 1·71.
<H• Edição: E. VON SCHWIND e E. HEYMANN. Lex Baiu11arinrum. Hanôver 1926: (radução alemã por
ECKHARDT, np. ci1 .. p. 73-181.
111 1 Edição: K. e K. F. VON RICHTHOVEN. Lr:cSaxo1111m, Hanôver 1875; C. VON SCHWER!N. uxSaxnnumet ux
Th11riny_nrum. Hanôver-Leipzi,<( 1918. Tradução alemã por ECKHARDT. np. cit_. f. li!, p. 1-H.
1\ 6 > K. VON RICHTHOVEN. /,;x Frilin111m1. Hanôver 186_~; H. S!EMS, Studirn wm ux Frilinm1m, Ebelshach 1980
(Abhandl. zur R"hr<wissenschaftichc Grundla.'(enforschun.'(. 42). com reprodução forosrárica do único texto .:onservado, publicado
em 1557 por B. 1. HEROLD.
<\ 7 1 A_ D'ORS .• La cerritorialidad dei derecho de los Visigodos•'. in Er1udúJJ Vi.rif.nlim.r, t. I; A. GARCIA GALLO, •La
territorialidad de la legislación visigoda .. , in Anuarifl hil. der. erp., r. XIV. 1942-1943. p. 593 e ss. e, em último lugar,
176
«Consideración cricica de los escudios sobre la legislación y la coscumbre visi~odas•, An11arin hiit. der. e!p., r. 44, 1974, p. 343-464;
P. MERÊA, E1111dn1 de Direi/o ViJiJ!,Ótico, Coimbra 1948. Um resumo desra controvérsia em N. E. GOMES DA SILVA, Hútória do
Direito Pnr111guéJ, 1974, p. 82-123. Cf. rambém P. D. KING, Law a11d Snciety in the Viúf!,othi< Ki11/(dom, Cambridge, 1972.
l\Rl Edição: K. ZEUMER, Úf.eI ViJif!.othorum, Hanôver 1902 (MG. in 4. 0 ); E. WOHLHAUPTER, Gmtzt der Wmr.oten,
Weimar 1930 (Germanenrechre, XI); A. D'ORS, «EI Codi,l(o de Eurico. Edicion palingenesia, indices•, in Es1udio1 ViJif!,olicm, r. li,
Roma-Madrid 1960,
M> Edições: PADEllETII, Fo11t<1 iurii italici medii aevi, p. ~6-313. r r-::• BLUHME nos Mnnummta /(mTI. hút., ÚJ/<1, r. IV.
QUADRO SINCRÓNICO DAS LEGES BARBARORUM
século V
Codex Eurici
(469-481) ···---······-···i-··-----------------···':'
século VI Paaus
lex
Burgundionwn legis Salicae
(anterior a 500) (anterior a 511)
~
século VII lex Éditos
Pacrus
Ribuaria Alanwiorum lombardos:
(633-639) (e. 613-623) Rotharis
Lex (643)
Visigothorum 1 Leges
século VJJI
Liber iudiciorum
(654 e 681)
lex
],_ Anglo-Saxonum
A.ltherbert
(e. 600)
Salica
(100 rírulôs)
l
lex Liutprand
Alamanorum (713-735)
(e. 724-730)
I_
+
Lex Lex
Baiuvariorum ~onum
(785) A.lfmio,
século IX t lex o Grande
lex Ewa Frisionwn (e. 890)
Salica ad (e. 802)
emendaa Amolem
(e. 802) (e. 802)
178
O conteúdo das «leis bárbaras» é muito variável, cal como a sua extensão.
A Lei Sálica, o texto mais arcaico, contém sobretudo disposições de direito penal; apenas alguns
artigos são consagrados ao direito civil e ao processo. A Lei Ripuária retoma muitas vezes
textualmente as disposições da Lei Sálica; nela se encontram algumas regras relativas ao
direito público. Pelo contrário, as Leis dos Visigodos e dos Burgúndios contêm sobretudo
direito civil e processo; mas, profundamente romanizadas, refleccem pouco o antigo
direito germânico.
Analisemos duma maneira mais aprofundada, e a título de exemplo, a Lei Sálica.
Esta compreende, conforme a versão examinada, 65 a 100 «títulos»; cada título
conta alguns artigos, vinte no máximo. A maior parrre dos títulos, mais de três quartos, diz
respeito a matéria penal. Na realidade, trata-se duma tabela de composições: a compositio
(ou Werxeld) era a soma necessária para pagar a /aida ou direito à vingança privada. Por
exemplo, o artigo 1. 0 do Título N relativo a "De /urtis porcorum» dispõe que «Si quis
porcellum laccantem furaverit, et ei fuerit adprobatum (malb. chrane calcium, h.e.) CXX
dinarios qui façiunt solidos III culpabilis iudicecer». (Tradução: Se alguém furtou um
leitão e isso foi provado contra ele, que ele seja julgado culpado de 120 dinheiros que
perfazem crês soldos).
Os termos chrane calcium (vindo provavelmente de hrann = recinto vedado e de
Kalza = bácoro) são palavras da língua frânica; trata-se talvez da fórmula que o queixoso
devia pronunciar solenemente perante o tribunal para introduzir o litígio. Na maior parte
"''" Edição: F. UEBERMANN, Die Gmtzr d,,r !\n)!.tl.iachsen. 3 vol., Halle 190~-1916 (várias vezes reimpressos), com
rradução alemã; K. A. ECKHARDT, ÚKeJ Anxlo-Saxon11m, 601-925, G «in~en 1958 (com nova rraduçãoalemã); M. H. TIJRK,
The 1-fxal C1Hle o{ Alfrrd 1he Great, Bosron 1893; F. L. AITENBORO' GH. The L.au·1 nf the Earlim EnKli1h Kinv. Cambrid~e 1922
Crnm rradução inl(lesa); A. J. ROBERTSON, The tau·• of lhe Kinv o/ Enp,/and, Camhrid,<(e 1925 (idem).
179
dos artigos da Lei Sálica, encontram-se as~im um ou dois termos frâncicos, precedidos de
abreviatura malb.; chamaram-lhes «glos~ malbérgicas» (malberg ou ma/bum, nome do
tribunal franco) <61>.
Se a queixa era aceite, o tribunal fa.Zia um inquérito, designadamente por audição de
testemunhas. A maior parte das vezes, o inquérito era impossível; na falta de.testemunhas,
o acusado devia libertar-se da acusação por um ordálio (água a ferver, ferro em brasa; etc.) ou
aceitar o duelo judiciário. Se sucumbisse, devia comprar o direito de vingança do queixoso,
pagando-lhe o wergeld. O objectivo dos redactores da Lei Sálica parece ter sido reduzir a
escrito a tabela, fixada pelo costwne para esse wergeld em cada caso.
Esta tabela é muito detalhada: contém várias dezenas de artigos só para a infracção de
roubo, variando o wergeld segundo a natureza do objecto furtado (um bácoro, um porco
grande, uma porca, um cavalo, etc).
Além desta tabela das composições, encontra-se na Lei Sálica uma dezena de títulos
relativos ao processo (como citar em justiça, como provar um facto, como pagar a
composição, como perseguir uin devedor que se recusa a pagar) e por fim, sete títulos
relativos ao direito civil; estes últimos, em geral, referem-se apenas a casos particulares em
matéria de sucessão e de obrigações e não a regras gerais ou questões de princípio <62 i.
O título De alodiis tornou-se célebre: incide designadamente sobre a exclusão das
mulheres nas sucessões imobiliárias enquanto houver parentes masculinos. Este princípio
foi invocado no século XIV quando do conflito que opôs os herdeiros de Filipe, o Belo, e de
Eduardo III, rei de Inglaterra, para a sucessão ao trono de França. A constituição belga de
1831 admite ainda o «princípio sálico» excluindo as mulheres do trono.
l6l) F. BEYERLE, nOie Malber.ii-Glossen der Lex Salica, ursprunglich Randglossen, Stichworte zum geweiligen
Tacbes1and», Zei/J. St1V. Slift., Gemi. Abt., t. 89, 1972, p. 1-32.
C62l A maior parce destes cículos seriio analisados na terceira parce, relativa à história do direito privado. Estes títulos
dizem respeito:
- ao novo casamento duma viúva (tírulo 44: De reip11I);
- à admissão de estrangeiros na aldeia (rírulo 45: De mi11rantibuI);
- às obrigações (título 50: De fidtI faria; tírulo 52: Derem praeJIÍ/a);
- à saída da família (título 60: De eum q11i Je de pa,..,,tilla 101/en v11/J);
- a uma cerca forma de cescamenro e de adopção (tírulo 46: De 11Jfa1hamire);
- às sucessões ab in1e11a1 (rírulo 59: De alaJi1).
180
!63> F. BEYERLE, «Das legislative Werk Chilperichs lo, Zei11. Sav. Stift., Germ. Abt., 1961; edição das raras ordenaçôe•
reais merovlngias em K. A. ECKHARDT, P<1C11a Ler.iISali=, O/J. cit.; C. DE CT.ERCQ, La léxiillJ/ion relixiewefr""IJut, 2 vol., 1936-19~8.
<64l Ed.: A. BORETIUS e V. KRAUSE, Capi111/aria rex11m Fra11cor11m, M. G. H., 2 vol. 1883-1897; cf. P. L.
GANSHOF, Recherches s11r lei capi111laim, Paris 1958; Wat .warm tk Capi111/ana?, Bruxelas 195~; id., •Charlemagne et
l'administration de la juuice dans la monarchie franque•, em Karl der Grrme, 1, Düsseldorf 1965, p. 399 e ss.; id., Frankilh
/111tit11tio11111r1der Charlt1110Jmr. Providence 1968; E. PERROY, ú montkcarolin/!,itn, Paris 1974.
181
NOTA DO TRADUTOR
A história do direito visigótico na penlnsula tém sido abordada por historiadores alemães, espanhóis e portugueses. Dos
espanhóis, por último e com indica(ões bibliográficas, LUIS GARCIA VALDEA VEll.ANO, Cimo dt hi11uria dt la1 in11itucioneI
e1pafio/a1, Madrid 1973 (5. • ed.), 163-216; FRANCISCO TOMAS Y VALIENTE, Manual de himwia dei áerrcho upanol, Madrid 1981
(3. ª ed.), 97-112. Quanto aos segundos, NUNO ESPINOSAGOMES DA SILV(I., Hiilória doáireitopor111guiI, Lisboa 1985, 37-64.
As fontes jurídicas visigóticas foram editadas: a l..ex romana wisigothorum, por G. HANEL, úx romana wi1igothorum,
Leipzig 1849; os códigos visigóticos por K. ZEUMER, Uf.tI 11i1igothurum antiquiorv. Monummta Germaniae hiitorica, Hannover-
-Leipzig 1849; ou, entre nós e de forma mais cómoda, por M. P. MERÊA, Textos de direito visigótico, 1 (Codex Euricianus, l..ex
wisigothotum sive Liber ludiciorum). Coimbra 1923, e li (G/OiaI ao Liber iudiâM"um, lei de TeuáiI, Fragmento1 de Holkham, Fórmula1
11iiir.ótica1, etc.). Coimbra 1920. Existe.uma versão castelhana do Liber ... , em: Lo1 código< eI/Jaflolu toncordaáo1 y anotado!, Madrid
1872-3, ou em Fuero j11zgo en latin y caJttl'4no, Madrid 1815.
(6~) W. A. ECKHARDT, Die Kapitulariemammlunr. Biuhof Ghaerba/JJ von Uittich, Gõningen 1955; F,. H. KNUST,
Benedicti Capitularia, 183 7.
182
DOCUMENTOS
Tradução
Entre Romanos, ordenamos que ele seja julgado segundo as leis romanas.
Tradução
Decidimos que, no país ripuário, Francos, Burgúndios, Alamanos ou qualquer que seja a
nacionalidade daquele que seja chamado a julgamento, ele responderá segundo as prescrições da
lei do lugar onde nasceu.
F. BEYERLE e R. BUCHNER, Lex Ribuaria, XXXI, 3,
Hanôver 1954, p. 87.
Uc omnes homines eorum legis habeanr, tam Romani quam et Salici, et s1 de alia
provincia adveneric, secundurn legum ipsius pacriae vivat.
Tradução
Que todos os homens, tanto Romanos como Sálios, tenham as suas leis próprias; aquele
que vem doutra região, viverá segundo a lei da sua pátria.
Tradução
A Lei Sálica foi clicada por quacro (homens) que foram eleitos ( = escolhidos) pelos
principais do povo entre muitos outros; são eles Wisogast, Bedogast, Salegasc e Widogasc, das
localidades chamadas Wisoheim, Salgheim, Bodoheim, Widoheim, os quais, tendo-se reunido
em crês assembleias (mallus) e tendo aí cracado cuidadosamente da origem de todos os conflicos,
julgaram como se segue. ·
K. A. ECKHARDT, Tactus legis salicae, I, 2, p. 314.
Sortes Gothicas et certi:.>. roma(norum), quae intra L annis non fuerinc revocacae, nullo modo
repetantur ... Antiquos veros terminos (sic) scare iubemus, sicut ec bonae mem(ori)ae pacer nascer
in alia lege praecepi(ic) ...
Tradução
As sortes dos Godos e a cerça dos Romanos que no prazo de 50 anos não forem reclamadas,
não poderão voltar a ser pedidas ... No encanto, mandamos conservar as estremas amigas, como
também determinou o nosso pai, de gloriosa memória por uma oucra lei.
Tradução
Nas vendas guarde-se o regime de que quem tenha vendido uma coisa ou um escravo ou
qualquer espécie de animal não viole a firmeza da venda dizendo ter vendido por baixo preço.
Se alguém tiver dado armas ou doado algo ao bucelário, se este permanecer sob obediência
do seu patrono, fique com o que lhe foi doado. Mas se escolher um outro patrono, que possa
encomendar-se a quem quiser, pois o homem ingénuo(= livre) não pode ser proibido, pois está no
seu poder; mas que devolva tudo ao patrono que abandona.
(5) Providere ergo te convenit, ut in foro ruo nulla alia lege neque iuris formula proferri
vel recipi praesumatur. Quod si fu.ctum dortasse conscicerit, aut ad periculum capitis tiu aut ad
dispendium tuarum pertinere noveris facultarum.
Tradução
(1) Neste corpo estão contidas leis ou textos de ius (direito doutrinal) selecionados do
Código Teodosiano ou de diversos livros, como se ordenou, o que se fez no ano 22 do reinado do
senhor rei Alarico, por ordem dn ilnstre varão. conde Goiarico.
(5) Por isso te convém prover que no teu tribunal não se tente citar ou receber qualquer
outra lei ou fórmula do ius. Pois se acaso se fizer isso, será com o risco da rua cabeça ou com perda
dos bens que se saiba pertence.cem-te.
Tradução
II, 1, 2 (Recc. Erv.) - Flavius gloriosus Revessvindus rex. Quod tam regia potestas
quam populorum universitas legum reverencie sit subiecta.( ... )
Tradução
O glorioso rei Flávio Recesvindo. Fiquem sujeitos ao respeico da lei tanto o poder real
como a totalidade do povo.(. .. )
13. Titulus primus - Título preliminar da «forma vulgata», na versão do Fuero Juzgo
- a intervenção da Igreja na feitura das Leis (1), rei e lei (2), património da coroa e
património do rei (3).
1. Esti libro fó fecho de LX. VI. obispos enno quarto concello de Toledo, ante la
presencia del Rey Don Sisnando, enno tercero anno que regnó. Era de DC et LXXXI, anno.
Con cuidado dei amor de Christo, et coo gran diligencia de Don Sisnando muy glorioso
rey d'Espanna et de Francia, todos los obispos nos ayuntamos em nomne de nuestro Senhor Dios
en uno enna cibdat de Toledo, que por el mandado dei rey, et por el so eminnamiento feciemos
todos comunalmientre un tratado de las cosas de sancta iglesa, et de sos establecimencos. Et
primeramientre nos todos diemos gracias ai nuestro Salvador Dios, que pode facer todas las cosas,
et depoú desto al devandicho rey, el que ye frucho muy poiante et muy glorioso príncipe que quiso
seer en nuestra companna, et entró coo sos varones muy grandes, et mucho onrados, et
primeramentre logo dexose caer en tierra omildosamientre ante todos nos obispos de Dios, et
rogónos et pediónos con lágrimas muchas et con sospiros, que regasemos á Dios por é]: he depois
amonestó todo el concello con grant devocion, que se nembrasent de los degredos de sos padres, et
que disent estudio et fimencia de gardar los derechos de sancta iglesa, et que emendasent aquellas
187
cosas, que los omnes aviant mal usadas en otro ciempo por negligencia contra las costurnnes de
sancta iglesa, et que comárant ya por costumne, como si fosse demandado dei príncipe. Por ende
por estos tales sos amonescamientos nos todos confiando en nuestro Sennor et dándoli gracias á el
que ye em nos muy pia.doso, entendemos cosa por muy necessaria, que segondo sua veluntat dei
rey, et de la nuestra feciemos las cosas, que eran convenibles é Dios, así ennos sagramientos de
sancta iglesa, que son fechos en muchas iglesas de Espanna en muchas maneras et como non
devenr, commo en nas otras malas cosrumpnes, que son fechas por contraria, et por deâbimiento de
los príncipes, que llos podamos poner término, et que podamos ponder freno de disciplina,
como ó en qual manem se garde cada uno de las cosas que non deve fucer, et de los decibimienros,
et que tema cada uno á nuescro Sennor Dios.
2. De la election de fos príncipes, et de lo que ganan.
En esta lee diz, como deven ser esleidos los príneipes, et que las cosas que ellos ganan deven
ficar ai regno. Calos reys son dichos reys, por que regnan, et el regno ye lama.do regno por el rey.
Ec así como los reys son dechos de regnar, así eJ regno ye decho de los reys. Et así como el
sacerdote ye dicho de sacrificar, así el re ye dicho de regnar piadosamientre; mes aquel non regna
piadosamientre, quien no a misericordia. Doncas faciendo derecho el rey, deve aver nomne de rey;
faciendo tono, pierde nomne de rey. Onde los antigos dicen tal proverbio: Rey serás, si federes
derecho, et si non fecieres derecho, non serás rey. Onde el redeve aver duas vinudes em sf,
mayormientre iusticia et verdat. Mes mais ye toado el rey por piedat, que por cada una destas: ca
la iusticia a verdac consigo de so. Esta lee fo fecha enno octavo concello de Toledo.
3. Otrosí, nos devemos desrraygar, et tallar la cobdicia, que ye raiz de todo mal, et
la avaricia, que ye servidumpne de los ídolos, et tollella de los corazones de los omnes, que
son miembros de Christo, ec el que ye sua cabeza delos. Por ende establecemos que daquí
adelantre los reys deven seer esleidos enna cibdat de Roma, 6 en aquel logar hu morió el otro
rey, et deve ser esleido coo concello de los obispos, ó de los ricos omnes de la corte, 6 dei
poblo, et non ~~ve ser esleido de fora de la cibdat, nem de consello de pocos, nem de villanos
de poblo, et los príncipes deven seer de la/et christiana, et deven la fet defender dei enganno
de los judíos, et dei torto de los hereges. Convien seer en el iuicio muy mansos et muy
piadosos, et deven seer de muv bona vida, et deven seer de bon senso, et deven seer mais escassM
que gastadores; nen deven tomar nenguna cosa por forcia de sos sometidos, nen de sos poblos,
nem los facer, que fagan escripto, nen nengun otorgamiento de suas cosas. Ca si lo fecieren,
aquelllas cosas non deven aver sos fillos, nen nas partir; mes deven ficar enno regno. Et ennas
cosas quellos foron dadas, 6 que ganaren, non deven atender solamientre el so provecho; mas
el derecho de so poblo, ó de sua tierra. Mais las cosas que ellos ganaren, no las deven aver
nengun de sos fillos, si non como mandar el rey. Et las cosas que ficaron por ordenai:,
dévennas aver sos sucessores. Et las cosas que eran proprias suas, et que ganaron ante que
fosen reys, dévennas aver sos fillos, é sos herederos. Et si algunas cosas lo f~ron dadas de sos
amigos, ó de sos parientes, si por aventuria non fecierem manda daquellas cosas, dévennas
aver sos fillos, ó sos herederos. Et en esta manera será gardada la lee por siempre en todos sos
fechos, et en todas suas costumpnes, et en todas sua,s cosas.
F. O DIREITO FEUDAL
<66> O problema da origem das tenências e da sua evolução será examinado na rerceira parte.
<6 7> A Sociedade Jean Bodin para a hisrória comparada das insriruições consagrou os seus primeiros colóquios às
instituições feudais e dominiais e a temas afins:
- Le1 fiem de vana/ité e/ ler immuniti>, colóquio de Bruxe,las 0935), onze estudos publicados in Rt<ueils dt la Sociité r. 1, 2.ª ed.,
Bruxelas 1958, 3.ªed. Paris 1984;
- Le Il!f'Va/{.r, colóquio de Bruxelas 0936), treze escudos publicados in Recuei/J, 1. II 2. • ed., Bruxelas 1959;
- La temm, colóquio de Bruxelas (1937), dezasseis escudos publicados in Recuei/J, e. IJI, Bruxelas 1938; 2.ª ed., Paris 1984;
- Le domaine (esce colóquio não teve lugar, em consequência dos acontecimentos de guerra), nove escudos publicados in R1cuei/J,
t. IV, Wetteren 1949; 2.ªed., Paris 1984.
Bibliografia em F. L. GANSHOF e R. C. VAN CAENEGEM, •Les institutions féodo-vassaliques•, in). GILISSEN (ed.),
lntrod. hibliofl,r., B/8, Bruxelas 1972. De entre numerosos trabalhos, citemos: F. L. GANSHOF, Qu'al-ct qNrlt /éodalité.>, 4.• ed.,
Bruxelas 1968; M. BLOCH, La Sociétl féodale, 2 vol., Paris 1939-1940, Col. L'Evolmion de l'Humanité; R. BOUTRUCHE,
Sei!{.neurie e/ féodalité, 2.• ed., 2 vol., Paris 1968-1970; G. FOURQUIN, Stifl,neurit e/ /éodalité au moyen âfl,e, Paris 1970, Col. SUP
L'Hisroire; H. MIITEIS, Lehnrnht und Staa/Jfl,l!Wa/1, Weimar 1933 («a obra mais notável que fui consagrada às instituições
feudo-vassálicas" F. L. Ganshof); J. F. LEMARIGNIER, Le /{.Ouvemement royal aux fmmiers 1emp1 capétienJ, Paris 1965; H. WUNDER
(ed. ), Ft11da/iim11r, Zehn A11ftii1ze, Munique 1974. CI. SANCHEZ-ALBORNOZ, En torno a /01 orixints dt/ /euda/iimo, 1942; L.
GARCIA DE VALDEA VEll.ANO, ÚJ /ims dt vaJia/ité ri ÍtJ immuniléJ en füfJafl,flt, Recueils de la Société Jean Bodin, op. cit., e. 1. p.
223-255; do mesmo, «EI prestimooio•, in Anuario hüt. dtr. '1p., t. 25, 195'), p. 5-112; C. VERUNDEN, •Quelques aspects d~
l'histoire de la reoure au Porrugah, Rtn1ti/J já cit., r. Ili: La Tmure, 2.ª ed. 1983; P. MERÊA, 1'1trrNÍllfáo ""prob/.,,,,.,;,, /tudalilmo em
Por111r.al, 1912.
Sobre as insricuições feudo-vassálicas e o senhorio na Bélgica:
Ja,,,
N. DIDIER, Lr droil deI fieft dam la rou/ut1U1du Hainaut au moym âfl,t, Paris 1945; L. VERRIEST, Lr rifl,ime ItÍ/{.neurial dt
com/é de Hainaut, du XI. '!Jiàlell /a Rivolution, Louvain 1919; Péodali1é m Hainaul, Etuder e/ á«ut1U!'lllI, Gembloux 1949; L. GÉNICOT, ·
L'économie r11rale namuroúe a11 baJ muyen âgt( 1199-1429), 3 vol., Namur-1.ovaina, 1943-1982.
189
Mouros; o termo feudo foi aí pouco utili;zado e é suplantado por um termo próprio,
préstamo que tem, como o termo alemão Lehn, o sentido de empréstimo.
O feudalismo é caracterizado por_ um conjunto de instituições das quais as
principais são a vassalagem e o feudo. Nas relações feudo-vassálicas, a vas~alagem é o
elemento pessoal: o vassalo é um homem livre comprometido para com o seu senhor por
um contrato solene pelo qual se submete ao seu poder e se obriga a ser-lhe fiel e a dar-lhe
ajuda e conselho (consilium et auxilium), enquanto o senhor lhe deve ·protecção e
manutenção. A ajuda é geni:lmente militar, isco é, o serviço a cavalo, porque a principal
razão de ser do contrato vassálico para o senhor é poder dispor duma força armada
composta por. cavaleiros.
O feudo é o elemento real nas relações feudo-vassálicas; consiste numa tenência,
geralmente uma terra, concedida gratuitamente por um senhor ao seu vassalo, com
vista a garantir-lhe a manutenção legítima e dar-lhe condições para fornecer ao seu
senhor o serviço requerido.
A instituição aparece sob o nome de beneficium, pelo menos desde o século VIII; o
termo fevum ou feodum <68>, de origem germânica, suplanta-o progressivamente nos séculos
X e XI. Primeiro possessão vitalícia, o feudo torna-se hereditário no fim do século IX e
no século X em França, e noutras regiões, mais tarde.
Na França e na Lotaríngia, o poder real desagrega-se no fim do século IX - início
do século X, na sequência da incapacidade dos últimos Carolíngios para resistirem às
invasões normanda e húngaras. Os grandes vassalos ·- duques, marqueses, condes,
mesmo bispos - possuidores de vastos feudos, organizam a resistência no seu senhorio e
tornam-se de facto quase independentes em relação ao rei. Mas eles próprios são muitas
vezes ultrapassados pelos seus próprios vassalos, pequenos senhores locais, que tendem
para a autonomia.
Assim, a Europa Ocidental divide-se numa multiplicidade de pequenos senhorios,
na posse de nobres turLulentos, que nenhuma autoridade é capaz de dominar; nenhuma
justiça pode reprimir os seus distúrbios, as suas razias. Entre eles a vendetta é a solução
normal dos conflitos; a sua força depende geralmente da dos membros da sua família, do
seu clã e da dos seus vassalos.
No plano económico, o pequeno senhorio forma frequentemente um domínio
agrícola, explorado pelo senhor com a ajuda dos seus servos. O regime dominial é
caracterizado por uma economia fechada, no sentido em que os home<is vivem do
produto do domínio, quase sem trocas com outros domínios; o comércio desapareceu
quase completamente.
O direito fica assim· restringido às relações feudo-vassálicas e às relações dos
(68) Derivado provavelmente do tenno fr.incico • feh11-ôd = bem móvel de valor (gótico faihu = rebanho = riqueza
mobiliária; ôd = bem).
190
senhores com os servos dos seus domínios, ou seja, a laços de dependência de homem para
homem. Toda a organização escacai desapareceu. Ao mesmo tempo, assisce-se a uma
decadênc'ia religiosa e a uma decadência culcural.
b) Fontes do direito feudal
Com reserva das particularidades próprias de cada região, o regime feudal acarretou,
no domínio das fontes do direito, consequências quase idênticas nos diversos países da
Europa Ocidental.
Antes de mais o desaparecimento de toda a accividade legislativa (com algumas
reservas, sobretudo para a Inglaterra e para o período otoniano na Alemanha). Em
França, por exemplo, o rei já não é capaz de impor a sua vontade em todo o reino.
Embora esteja no topo da hierarquia feudal, não tem mui~o poder sobre ~la; a maior parte
do reino escá nas mãos de grandes senhores, cais como o conde da Flandres, o duque de
Normandia, o conde de Champagne. O poder real está desmembrado em benefício desses
grandes ºvassalos; e muitas '·vezes o próprio poder desses grandes feudatários está
desmembrado em benefício dos seus vassalos. O próprio poder judicial passou das mãos
do rei para as dos seus vassalos e subvassalos.
Encre as últimas capitulares earolíngias (fim do século IX) e as primeiras
ordonnances dos reis de França (século XII) pouco se legislou em França. Em alguns
grandes senhorios, enconcram-se desde o século XI medidas gerais tendentes a manter a
paz; este movimento de paz, de origem eclesiástica (paz de Deus, trégua de Deus),
contribui para o reforço da autoridade real e senhorial. Por outro lado, as concessões de
privilégios (jueros em Espanha) a grupos sociais mais ou menos importantes (por exemplo
os burgueses duma cidade) podem ser considerados como uma actividade legislativa.
Mas, com certas reservas, os crês séculos do período feudal são efecrivamenre séculos sem
legislação.
Por conseguinte, o costume é a única fonte do direito laico. Todos os vestígios de
direito romano desapareceram, excepto na Itália. Permanece todavia o direito canónico, o
único direito escrito da época, mas rege apenas as relações entre eclesiásticos (privilegium
/ori) e alguns domínios do direito civil, sobretudo o casamento.
Tendo o princípio da personalidade do direito desaparecido nos séculos VIII e IX,
o direito consuetudinário é sobretudo territorial. Já não há muitos vestígios de
nomadismo. Cada colectividade humana, fixada ao solo do seu domínio ou da sua aldeia,
vive segundo as suas tradições jurídicas próprias.
O costume varia, aliás, duma aldeia para outra. O parcelamento territorial do direito
consuetudinário é favorecido pela divisão do poder entre as mãos dum grande número de
senhores, pelo desenvolvimento do sistema dominial, no quadro da economia fechada.
Há pois uma infinidade de costumes locais, mais ou menos diferentes uns dos
outros; só nas províncias belgas, devia haver algumas centenas. Na realidade, não
conhecemos bem estes costwnes porque não deixaram vestígios escritos.
191
Os séculos X e Xl foram séculos sem escriros jurídicos: nem leis, nem livros de direito,
nem sequer acros reduzidos a escriro. Os contratos tão numerosos que estão na base dos
laços de dependência de homem para homem (vassalagem, servidão) e dos direitos sobre a
terra (feudos, foros, etc.) raramente eram reduzidos a escrito; quando muito, algumas
instituições eclesiásticas (sobretudo capítulos e abadias) mandaram redigir os acros
(sobretudo doações) que lhes interessavam; são mais numerosos nas regiões do Sul (Sul da
França, Itália, Espanha) que nas do Norte.
Aliás, à parte alguns clérigos, ninguém sabe ler nem escrever; há poucas escolas; os
juízes (por exemplo, os vassalos reunidos num tribunal feudal) são incapazes de ler textos
jurídicos. A justiça é feita, a maior parte das vezes, apelando para Deus, com a ajuda de
ordálios ou de duelos judiciários. Enfim, a maior parte das relações entre os homens, que
nascem das convenções próprias das instituições feudo-vassálicas, são regidas pelo
costume que fixa as obrigações duns e doutros.
NOTA DO TRADUTOR
A quescão da existência ou não do lieudalismo em Pon:u!!al constirui um debate clássico da historio!!raÍI• pon:uguesa.
O cermo •feude.lismo• foi utilizado para descrever o siscema político e social medieval pon:uguês ainda no séc. XVIII.
Pascoal de Melo, por exemplo, usa-o (com rnnotac~s negativas) para classificar as prestaç~s forais. Mas é o eco que a obra de
Francisco Cárdenas (Emayo robre la hiJtória de la propriedad lerrilorial.,, F.Jpana, 1873-5) origina em A. Herculano (.Da existência ou
não do feudalismo nos reinos de Leão, Castela e Pon:ugaJ., Opúsculos, V) que lança entre nós o debate. Herculano ptonuncia-se
negativamente; o mesmo faz Gama Barros (HiJtória da admi'1iJtrarão pública ... , I. 162 ss.), fundando-se na não obrigacoriedade do
serviço militar nobre, na não hereditariedade dos feudos, na utilização excepcional da palavra •feudo•, na permanência dos laços de
vassalagem •geral• e na consequente não assunção pelos vassalos de codos os direitos majestácicos (rexalia, Hoheitsrechtr). M. Paulo
Merêa e T. Sousa Soares aderiram às anteriores posições, ficando estabelecida entre nós a opinião da especificidade dos modelos
porcugueses da organização político-social na Idade Média - dominados por um modelo •senhorial•, mas não •feudal .. Importa
realçar - pois não se cracará de um facto acidenral na sua fortuna - a adequação desra ideia de um Sont:krweg da sociedade medieval
porruguesa à ideologia dominante nos círculos politicamence moderados ou conservadores duranre os séculos XIX e XX: o alegado
papel unificador, regulador e arbitral da coroa legitimou, sucessivamenre, a idrologia monárquica do cartismo («poder moderador•), o
cesarismo dos fins do séc. XX (v. O Príncipe Perkiro, de Oliveira Martins). o nacionalismo monárquico do Integralismo lusirano (o
rei, fundador e protagonista da •consciência nacional~). a ideologia incrgracionista, anti-plmocrática e •estadualista• do
corporativismo fascizanre dos anos trinta e quarenta (o rei, ao lado do •povo•, contra o •egoísmo• do nobres; o rei, garante do
equilíbrio social e do interesse nacional). Os anos sessenta e setenta, pelo contrário, são marcados pela influência entre nós da reflexão
dos historiadores e teóricos marxisras sobre o frudalismo, compendiada no célebre caderno do C.E.R.M., S11r le fiDdaliJme, 1963, e
aplicada a Portugal pela obra de Álvaro Cunhal (•la lurte de classes en Porrugal à la fin du moyen âge•, em Recherchei inl. à la l11miere
d11 marxiJme, 37 0963) 93-122; trad. port., 1974). As especialidades do nível jurídico-político furam desvalorizadas, a distinção
•senhorialismo-feudalismo• foi obliterada, e a estrutura •ocial pon:uguesa foi subsumida ao modelo geral de um sistema
económico-social •feudal.. Nesta perspectiva convergiram as interpretações de, enrre outros, A. H. Oliveira Marques (Hiitória de
Port11xal, 1, Lisboa 1972), Armando Castro (Ew/11ção económica de Port11xal (. .. ), !, 146 ss., 324 ss.), A., Borges Coelho (por último,
Q11mio'1ar a hiitóría. ET1raio1 robre a hirlória de Pflf't11r,al, Lisboa 1983) e A. M. Hespanha (HimJria dar im1it11ii;Õtr. Época1 meditval t
moderna, Lisboa 1982); nesta obra, no encanto, não só se punha em causa o modelo marxisra clássico do feudalismo (definindo - com
um acerco problemático ... - a coerção •extra-económica• como uma caracterlstica •não essencial• - de degenerescência - do
sistema, pg. 92 ss. ), como se apontava para outras tipologias classificativas dos si•temas •de dominacão• (Herrrchaftnyrteme), de raiz
werberiana (v./(.. a oposicão entre •lrudalismo• e •patrimonialismo - ou •patriaraJismo• - . como subtipos da •dominacão
rradicional (traditíonale Herrrchaft) (pg. 87)). Coube a José Mattoso, o mérito de (por último em lde'1tificafão de 11m paír, Lisboa 1985,
maxime 1, 47 ss., 83 ss.) rer renovado a imposcação do problema, ao distinguir dois planos: o das relaç~s entre os grupos sociais
dominantes e os grupos sociais dominados (pelas quais os primeiros se apropriam, nomeadamente, dos excedentes produzidos pelos
segundos) e o das relações que estruturam o inrerior dos grupos dominantes (que organizam o bloco social dominanre). O primeiro
plano seria o domínio de vigência do regime •senhorial•, com uma definição próxima da que lhe é dada pela historiografia maniisra.
(temperado, apenas, o exclusivismo economicista de algumas das suas vers~s). O segundo, o da vigência do regime •feudal•, como
forma de organização interna dos grupos dominantes, neste plano sem diferenças decisivas em relação aos modelos centro-europeus.
192
A explicação de J. Mattoso é, na sua simplicidade, muito produtiva, poi• tem a vantagem de se hannonimr com PnJC<S505 conhecidos
da teoria social e, até, da troria social marxisra que, frequenremente, lida com""'ª ideia de que os grupos sociais dominantes possuem
processos internos de organização (v.r.., no capiralismo concorrencial, o regime parlamentar) com os quais, ao mesmo tempo, se
desorganizam os jltupos dominados. Alguma especificidade (debilidade) .do sincma feudal portuguêo •P"nas obrigaria a estudar a
eficácia, entre nós, de formas vicariantes de organização das classes dominantes (como, v.r.., as estruturas familiares ou a acção
reguladora e mediadora da coroa).
As Parlwi (v. doe. 2, pg. 193). bem conhecidas em Portugal no séc. XIV. definem o feudo como ·bi~ fecho que da el
Seõor algund orne, porque se coroe su vassalo, e el faze omenajc dele ser leal• (IV, 26, 1: cf. a definição dos feudistas - ftud11m tJI
ht'1evola C0'1ftJJÍo libera ti fmflet11a rti immobilú, 11tl aequipolmtis <11m tramatione ulilis domi'1ii. proprittalt ntmla. fllm fidtlitalÍJ pra1Ilatione,
& txhibilio'1t mvilii (Curtis); fe11d11m Jive bnufici11m eJI /,mtll{)/a aaio lrib11tnJ r,audi,,m «1pimti <Um rttribulioru mvitij (Baldo)). Distinguem
depois encre o feudo sobre bens de raiz, irrevogável salvo comisso, e o feudo •de câmara•, consistindo numa quancia e revogável ad
n11111m. Na lei seguinte, as Partidas fixam-se no foro de Espanha e nos correspondentes peninsulares (castelhanos) das concessões
feudais: a •terra• seria o correspondente do reudo •de câmara•; a honra, o correspondente do feudo sobre bens de raiz. Com uma
diferença: ao contrário dos vassalos ultrapirenaicos, os vassalos por foro de Espanha não estariam obrigados a serviços concreros,
especificados ·no pacto feudal (•postura•), mas antes sujeitos a uma obrigação genfoca de serviço leal. O mais famoso comentador das
Partidas, o quinhentista Gregório Lopez bem observou (glo1a d) a IV, 26,2; cf. doe. 2, pg. 193) que esca distinção não estava certa,
pois o direico feudal comum conhecia reudos sem especificação de serviço ifeuda mta; nos franca •I libtra não haveria, pura e
simplesmente, obrigação de serviço, cf. glosa t) à mesma lei). Mas esta ideia da especialidade do regime vassalático peninsular Íe•
cuno (também S. Tomás [De rtb1JJp11blici,1 ti prirrâputn i"1lil1Jlio'1t, ed. cons. Lugduni Daravorum 16H, 1,3, e. 22, pg. 293] a
corrobora, ao afirmar que, nas Espanhas, e principalmente em Cascela, todos os principais vassalos do rei se chamam ricos-homens,
porque o rei provê com dinheiro a cada barão segundo os seus méritos, não rendo a maior parte deles jurisdições ou meios bélicos
senão por sua vontade, pelo que o seu poder depende absolutacnence das quantias dadas pelo rei). Embora as sicuações de facto não sejam
fundamentalmente diferences das ulcrapirenaicas, a imagem de um regime vassalácico diferente plasma-se enfaticamente, como
veremos, na legislação portuguesa quarrocencisra sobre as concessões de bens da coroa, nomeadamente na U:i Menral. e permanece
como um cópico corrente da doutrina seiscentista.
A lei Meneai <Ord. Marr, II, 17; Ord. Fil., li, 35) fixa, desde os inícios do sfr. XV, o regime das concessões vassálicas, em
cermos muico próximos do regime das concessões feudais do direiro comum. Aplica-se apenas às concessões beneficiais com obrigação
de serviço nobre, excluindo - cal como a dourcina do direico comum (cf. doe. 5, pg. 198) as concessões concra uma prestação
económica (como as enfitêuticas, cf. Ord. Fil, li, 35,7). Quanto ao serviço, adopca o •cosrume de Espanha• referido nas PnrtidaI,
estabelecendo (Ord. Fil., II, 35,3) que o donacáiio não seria obrigado•• servir com cenas lanças, como por feudo, porque queria que
não fossem havidas por terras feudacáiias, nem tivessem a narureza de feudo, mas fosse obrigado a servir, quando por elle fosse
mandado. Quanto à devolução sucessória, afasta-se, primeiro, do direito feudalista lombardo (compilado nos Lih. feud.,), que
permitia a divisibilidade dos feudos, e adopca (decerto por arcacção do regime de sucessão da coroa e do princípio ariscorélico,
recebido pelo direito comum, de que dignilateJ et iurúdictione1 "º" dividuntur) a solução da indivisibilidade e primogenitura, que já era
usada entre nós para a sucessão em juriscli<;ões, e que dominava, também, o dirciro feudista franco e siciliano; depois, consagra a
exclusão da linha feminina, em consonância, também, com a solução das Partida1. A Lei Meneai favoreceu, por fim, o princípio de
que os bens da coroa, embora doados, nunca perdem ena naruceza, não podendo ser alienados sem licença do rei (Ord. Fi'1., li, 35,3 );
pouco depois, no cempo de O. João II, estabeleceu-se • regra de que as doações deviam ser cbnfirrnadas, quer à morre do donatário
(confirmação por sucessão), quer à morte do rei (confirmação de rei a rei). Dois outros tículos das Ordenações <Ord. Af. II, 24; II, 40;
Ord. M""• II, 15; li, 26; Ord. Fil., li, 26; li, 45) interessam à definição das relações feudo-vassálicas na idade moderna. O primeiro
lisra os direiros reais, ou seja, os direiros próprios (naturais, mas nem sempre exclusivos) do rei; o segundo, fixa o princípio de que tais
direitos e as jurisdições não podem ser ciculadas senão por cana, fixando, suplemenrarmente, algumas rep.ras de inrerprecação e
integração destas cartas. Concra o que era admitido pelo direico comum (recebido, por exemplo, em Castela), o nosso direito exclui,
portanto, a aquisição das jurisdições e direicos reais por prescrição, ainda que imemorial.
Na prática, a Lei Mental constituiu uma moldura legal muico complacente, sendo frequencemence dispensada, no sentido
de autorizar a sucessão de parentes inábeis (nomea.damence de mulheres). Também a política de confirmações foi sempre generosa,
mesmo nos momentos de maior rensão política. As casas nobres puderam perpetuar-se (amparadas pelo princípio da indivisibilidade,
por vezes reforçado com a instiruição de morgados de bens da coroa). Também os direitos reais e as jurisdições focam
magnanimamente doados, mesmo a iSenção de correição. Para além da doação de prerrogarivas claramente majescáricas - como a
apelação e a moeda - a unica coisa que a coroa evirou com diligência foi a sub-enfeudação - já no cempo de D. João 1, concra
cenc'arivas do Condestável, mas depois, no séc. XVI, contra práticas idênticas da casa de Bragança. A organização interna do grupo
dominante teve, então, que se basear nas solidariedades familiares e na acção reguladora da coroa (que, por exemplo, devia aprovar os
casamentos dos donacários, em cenos casos).
Todo este regime entrou em crise nos finais do séc. XVIII. A lei de 19.7.1790 aboliu as justiças senhoriais e as isenções de
correição; os restances direitos reais, nomeadamente os direitos de foral e as banalidades são abolidas na sequência da revolução liberal.
Biblio11.rafia: Além da bibliografia eirada. v., sobre a U:i Meneai, MANUEL PAULO MERÊA, .~nese da 'Lei meneai'
(algumas noras)•, "B•I. Fac. dir. Coimbra, 10 (1926-8), 1-15; sobre o regime senhorial na Idade Média, J. MATIOSO, ldmtifi<arão de
193
um pab, cit., 101 ss.; para a Idade moderna, a minha História da1 imti111içiie1, cit., 282 ss Para a literatura do Anr 1·a 0 R ·
, . · ,,. •[!.ime, v ..
para alem da obra de D. A. PORTIJGAL adiante (doe. n. 0 7) citada, M. A. PEGAS, Crm1mm/aria .... cit. tomos X e XI, e MANUEL
DA COSTA, T racta/111 área maioralu, 1e11 rucmsionum bonorum re11.iae Coronae, Conimbricae 1569.
DOCUMENTOS
Tradução
Glosas:
e. Que da. Por isso, o feudo deve ser dado livre e gratuitamente, sem intervir dinheiro,
como é próprio dos feudos. E se o for por preço não se diz feudo em sentido próprio, segundo
Baldo(.:.); o mesmo se se dá por uma pensão anual de trigo, pois então .>e diz ser antes enfiteusi:
ou oucro pacto inominado.
g. Que sea de rayz. Na verdade, o feudo não consiste senão em terra ou coisas a ela
aderentes, ou naquelas coisas que se contem entre os bens imóveis, como dão as rendas anuais
certas e indubitáveis(. .. ).
Ley II - Tierra (a) llaman en Espaõa los maravedis·que el Rey pone alos ricos ornes e alos
cavalleros en logares ciertos. E honor dizé aquellos maravedis q(ue) les pone en cosas sefialadas, que
pertenescen tan solamente aJ Seiíorio dei Rey: e dagelos el, por les fazer hórra: assi como toclalas retas
de alguna villa ou castillo. E quando el Rey pone esta tierra e honor a los ca~leros e vassallos: non fuze
ninguna postura. Ca entiendesse segund fuero de Espaõa, que lo han a servir lealmente non los deven
perder por toda su vida, si non fizieren porque. Mas el feudo se outorga com postura (d), prometiendo
el vassallo ai Seiior, de fazer le servicio (e) a su costa, e a su mission concierta contya de cavalleros: de
ornes: o ocro servicio sefialado (~ en otra manera quel prometiese de fazer.
Glosas:
a. Tierra. Tens aqui declarado o·que se chama terra e honra, bem como que estas coisas
não são feudos, nem se consideram reguladas pelo direito dos feudos; mas mantêm-se em vida
daquele a quem são concedidas, não se transmitindo aos filhos ou herdeiros. Atenta nisco, para
que entendas muitos instrumentos antigos e privilégios dos reis deste reino, que titulam
concessões deste tipo.
d. Con postura. Esta distinção entre feudo e honras, de que aqui se fala, não parece
certa, pois, por vezes, há feudos sem determinação de serviço certo, sendo ditos feudos reccos,
como se vê do cexco e de Baldo(. .. ). Mas pode dizer-se que nas honras nunca é determinado um
serviço certo, enquanto que nos feudos por vezes é, outras vezes não.
e. Fazerle servicio. No entanto, pode haver feudos francos e livres de todo o serviço. No
entanto, destes feudos francos não fuz menção o direito (i,e., os Libri feudorum), como diz Baldo( ... )
Mas deste feudo franco fala Oldrado no consílio 234 ( ... ) onde declara que se se conceder um
feudo franco, se entende concedido com toda a liberdade e livre (absoluto) de toda a servidão, não
lhe podendo ser imposto nenhum encargo, a não ser que este esteja expresso na constiruição do
mesmo feudo( ... ).
Ley VI - Los feudos son de tal manera (m) que los non pueden los ornes heredar, assi
como los otros heredamiencos. Ca maguer el vassalo q(ue) téga feudo de Seflor, dexare fijos e fijas
quando muriere, las fijas nó heredan ninguna cosa en el feudo, ame los varones uno o dos, a o
quantos quier que sean mas, lo heredá todo enceramenre (. .. )E se por avéncura fijos varones non
dexase, e ouvesse nietos de algun su fijo e non de fija, ellos lo deven eredar, asi como fazia su
padre si fuesse bivo. E la herência de los feudos nó passa a los nietos a deláte, mas toma despues a los
seiiores e a sus herederos (. .. ). E lo que diximos que fijo o nieto dei vassalo puede heredar el feudo,
entiende-se quan.do villa, o castillo, o orro heredamiento seõaladamente fuesse dado por feudo. Mas
195
reyno o comarca, o condado, o otra dignidade realenga, que fuesse dada enfeudo: non lo- heredaria
el fijo nin el nieto dei vassallo, si seiialadamence el Emperador, o el Rey, o otro Senor quel
ouviesse dado ai padre, o ai abuelo, non gelo ouviesse ocorgado: para sus fijos: o para sus nieto's.
Glosas:
m. Son de cal manera. Não procede, portanto, nos bens não feudais, mesmo se forem
dignidades( ... ).
n. Las fijas. Lo comentador nota quç esca regra não é uniformemente seguida no direito
comum dos feudos, que conhece casos de devolução feminina (v.g., Lib. feud., II, 24; II, 30;
II, 50; III, 114).
pessoa de qualquer condiçaõ que fosse, de juro; e de herdade, pa.ra si, e para seus herdeiros, e
successores, de modo que os raes foros, rendas, e Direitos Reaes andassem sempre todos
juntamente no filho maior varaõ legitimo, sem serem partidos entre os herdeiros, nem poderiaõ
ser emalheados pelos Donatarios.
(. .. )
7 E quanto ás cousas, e bens aforados, ou emprazados, mandou que se guardasse a fórma
dos contractos sobre taes bens, e cousas feitos, de maneira que as ditas cousas, e bens aforados, ou
emprazados, andassem nas pessoas conteudas nos ditos conrracros, e se regulassem em todo, como
contractos de pessoas privadas.
( ... )
Em que maneira oJ Senhores de terras usaráõ da j11ri1diçaõ. que por El-Rei lhe for dada.
Como entre as pessoas de grande scado, e dignidade, e as outras, he razaõ que se faça
differença, assi nas doaçoens, e privilegios concedidos ás taes pessoas, costurnaraõ os Reis pôr mais
exuberantes clausulas, e de maiores prerogativas, para se mostrar a maior affeiçaõ, e amor·que lhes
tinhaõ. Pelo que nas doaçoens feitas ás Rainhas, e aos Inffances, e a alguns Senhores de terras,
foraõ postas clausulas, que lhes concediaõ algumas terras, Villas, e lugares, com toda sua
jurisdiçaõ civel, e crime, mero, e mixco imperio, naõ reservando para si parte alguma da dita
jurisdiçaõ, e em outras reservaraõ alguma parte della. E posto que as ditas doaçoens passassem assi
largamente, sempre se encenderáõ que fique reservada ao Rei a mais alta Superioridade, e Real
Senhorio, que elle tem em todos seus subditos, e naturaes, estantes em seus Reinos.
1 Os Duques, Mestres das Ordens, Marquezes, Condes, e o Prior do Hospital de Saõ
Joaõ, Prelados, Fidalgos, e pessoas, que de Nós cem terras com jurisdiçaõ, usaráõ della, como por
suas doaçoens, por Nós confirmadas, expressamente lhes for outorgado. E se em as doaçoens, e
privilegios naõ for declarado, e!ll que maneira devem usar da jurisdiçaõ, usaráõ em esta maneira.
( ... )
6 Outro si, se algumas Ordens, ou lugares -Religiosos, Prelados, ou outros quaesquer·
Senhores de terras tiverem jurisdiçaõ nellas, por suas doaçoens, ou lhe foi julgada pelo Édicto
geral, feito em tempo dei-Rei Affonso o Quarto, usaráõ della na fórma, e maneira que lhes foi
concedida, e julgada, e naõ passaráõ os termos do conceudo nas ditas doaçoens, e sentenças.
(. .. )
10 E todo o sobre-dito neste tinilo, mandamos que se cumpra, e guarde, sem embargo
de qualquer posse nova, ou antiga, em que os Senhores das taes terras stem, ou ao diante
stiverem, ou uso, e costume de que usassem, por qualquer tempo que dello tenhaõ usado, ou ao
diante usarem, ainda que seja immemorial, porquanto havemos por dannado tal costume, e posse
posto que seja immemorial. E sem embargo de quaesquer doaçoens, que lhes fossem feitas pelos
Reis destes Reinos, até o fallecimento de El-Rei Dom Fernando, que foi a vinte e dous dias de
Outubro, do anno do Nascimento de nosso Senhor Jesu Christo, de mil rrezencos oitenta e tres.
Porque quanto a isto de usarem de correiçaõ, e de os Corregedores naõ entrarem em suas terras,
foraõ as taes doaçoens pelo dito Rei revogadas. E quanto às doaçoens feitas depois do fallecimenro
200
dei-Rei Dom Fernando, em que e~pressamente for declarado, que possaõ seus Ouvidores usar de
e
correiçaõ, ou de alguns autos della, com clausula derogatoria das Ordenações, Capitulos de
Cortes, ou que os Corregedores naõ entrem. em suas terras, e por lhes ser feito nisto special merce,
assi foraõ confirmadas, queremos, que usem disso, como nellas for conteudo. Porém naõ he nossa
tençaõ, que por algumas clausulas, ou palavras, quanto quer qu·e sejaõ largas, e geraes, se entenda
serem concedidos os ditos dous casos, salvo quando deites for feito particular, e expressa mençaõ.
Até aqui falámos dos direitos reais; agora o assunto será o dos bens da coroa. Em primeiro
lugar, afirmo que o príncipe tem dois patrimónios, um privado e outro público e real ou fiscal.
O património privado constitui a substância do príncipe, aquilo que verdadeira e propriamente
está no seu património, e é proveniente dos bens próprios, que competem ao príncipe em razão da
pessoa e dignidade, como os adquiridos por doação, legado ou outra causa, ou os reservados, como
os campos e os bosques, qoe em várias províncias pertencem ao príncipe, animais e rebanhos,
aquelas coisas privadas que são chamadas património do príncipe e substância própria ... (n. 0 1).
O património público é constituído por aquelas coisas que não pertencem ao privado e que
competem ao imperante para que defenda o estado da república, a sua dignidade ou a sua salvação;
como são todas aquelas coisas que o príncipe recebe das suas terras e províncias enquanto rei, e que
pertencem ao património fiscal ... (n. 0 2).
(distinção romana entre aerarium efiscus) (n. 0 3).
No entanto, como hoje os príncipes não costumam ter erários distintos e todos os réditos
se recolhem e se contabilizam conjuntamente, não se deve fazer qualquer diferença entre o erário
público e o privado e, caído o nome de erário, fica o de fisco que, entre nós e em Castela, também
se chama Câmara Real. .. Nele se integram todos os réditos e proventos, impostos e tributos,
confiscos, multas dos condenados, portagens, sisas e outras coisas que se costumam pagar na
entrada e saída das cidades ... (n. 0 5).
Donde, todos os bens reais, quer pertençam ao património pú~lico quer ao privado do
príncipe, gozam dos mesmos privilégios que o fisco ou erário público (n. 0 6).
Também se sabe que o príncipe pode usar e abusar à discrição das coisas que pertencem ao
mesmo património privado e aliená-las à sua vontade ... No entanto, as coisas que não são do
príncipe mas da majestade, ou coroa, não passam para os herdeiros, permanecendo apenas no
império ou principado e sendo devidas apenas àquele que suceder no reino, não podendo
regularmente ser transferidas para ourrem (ns. 7-8).
(Enumeração: cidades, lugares fortificados, castelos ... ) (n. 00 9-23).
Entre os bens da coroa também se contam os prédios patrimoniais, que os nossos antigos
reis reservaram para si quando concederam as terras de cultura aos cC\ncelhos, os qurus entre nós se
chamam reguengos ... (n. 0 24).
É que tanto outrora entre os imperadores romanos como hoje entre nós a natureza dos
prédios patrimoniais era dupla: uns semelhantes aos prédios de direito enficêutico da enfiteuse
privada, ou em vidas ou em perpétuo, de que trata a Ord. 11,35,7 ... outros, no entanto, de direito
privado, semelhantes aos prédios dos particulares, que se _chamam propriamente reguengos; cujos
possuidores, que obtiveram os prédios do príncipe ou a título de venda ou de qualquer outra
liberdade, são titulares de um direito de plena propriedade, podendo dispor deles livremente,
quer por contratQ, quer por última vontade, desde que paguem a pensão ao senhor rei ... (Ord. II,
17, pr.)(nº' 25-26).
E, na verdade, estes bens devem ser regulados como bens alodiais, podendo ser divididos
nas partilhas entre os filhos ... e podendo ser livremente alienados sem consentimento do rei ...
não havendo também neles a pena de comisso ... (n. 0 2l).
(Terras incultas (excepto as dos concelhos) ... ) (n. º' 79 ss. ).
202
Muitos outros bens pertencem à coroa do reino, dos quais já se falou suficientemente nesta
terceira parte, como das vias e estradas públicas (c. 3), dos rios (e. 4), dos portos (c. 6),.das ilhas
(c. 7), do nosso mar Índico (e. 8), dos palácios (c. 10), das minas de metais (e. 12), dos bens
vacantes (e. 14), dos bens dos condenados e proscritos (e. 22 ss.), da confiscação e do património
régio (c. 28), dos bens que se recebem dos indignos (e. 29 a 31), das multas e penas e das coisas
que incorrem em comisso (e. 34), dos bens dos que contraem casamentos incestuosos (e. 35), dos
bens deixados a incapazes por fideicomisso tácito (e. 36), dos bens dos procuradores régios que
cometerem faltas (e. 37), das coisas litigiosas (e. 38), da pena do duplo em que incorre o que
vende casa para demolir (c. 39), dos bens arrolados (c. 40), dos bens dos suicidas (e. 41) ... Mas
deve advertir-se que não basta, para que estes bens também se digam da coroa do reino, que
pertençam ao mesmo fisco por confisco ou pelas causas referidas, a não ser que se faça a sua
incorporação, a qual consiste numa ocupação em nome do fisco dessas mesmas coisas e numa
incorporação no corpo dos bens do fisco, feita com autoridade pública e de modo solene, pela qual
os bens pertencentes ao fisco são incluídos e enumerados encre os bens fiscais ... (n. 0 94).
No entanto, como as solenidades do direito antigo caíram em desuso na sua maior
parte .... hoje não se põe nos prédios o selo ou a insígnia do príncipe, mas antes se faz uma
descrição dos bens vacantes ou de outros que são abandonados ao fisco, pelos oficiais competentes do
Conselho da Fazenda, sendo proclamados publicamente, ou anunciados por pregão em que se
condamam todos os interessados para que compareçam dentro de prazo fixado; e se não aparecer
nenhum reclamante, é proferida sentença que os incorpora, sendo registados no livro do fisco ou da
coroa, que entre nós se chamam dos próprios e dizendo-se então que ficam incorporados ... (n. 0 96).
G. - OS DIREITOS ROMANISTAS
Agrupamos a quase totalidade dos sistemas jurídicos da Europa na família dos direitos
romanistas por causa ~a influência considerável do direito romano sobre o seu desenvolvimento a
partir do século XIII. Mesmo as duas outras grandes famílias europeias do direito, o common law
inglês e os direitos dos países de tendência comunista, não escaparam inteiramente a esra influência.
Estudaremos, duma maneira mais pormenorizada, a histó11ia das fontes do direito nos países
de direito romanista, mais especialmente na Bélgica e em Fr.i.nça, na segunda parte do livro.
Limitar-nos-emos por isso, aqui, a uma breve introdução tendente a pôr em evidência os caracteres
comuns aos diferentes direitos da família romanista e à sua difusão fora da Europa <69 >.
<69l Alguns compararistas (designadamente R. David, u1 f!.randr <y1Jime1 dt droil ron1emp1>raim, p. 18 e ss.) preferem a
expressão • famllia romano-germânica•, poique a ciência jurídica que é comum aos direitos desta família. foi elaborada ranro nas
universidades dos países germânicos como nas dos países lacinos; a favor desta designação, poderia invocar-se um outro argumento,
tirado do papel não negligenciável desempenhado pelos direitos germânicos arcaicos e sobrerudo medievais e modernos na formação
dos sistemas jurídicos da maior parte dos países da Europa, mesmo dos países latinos. Preferimos, no entanto, manter a designação
tllldicional de •direitos romanistas• por causa do papel capital do direito romano na formação e evolução dos conceicos jurídicos dos países
europeus. Nos países anglo-saxónicos, utiliza-se a expressão civil law, tirada do titulo da grande codificação romana (CorfJNJ iuri1 âviliJ)
para designar o direito dos países continentais (também chamado: ronlinmlal law), por oposição ao seu direito comum, o rommon law.
203
- era um direito escrito, enquanto os direitos das diferentes regiões da Europa eram
ainda, na sua maior parte, consuetudinários, isto é, não escritos, com todas as
consequências que derivam da incerteza e da insegurança do costume;
- era comum a todos os mestres (com reserva de algumas variantes na interpretação);
aparecia assim, e foi aliás reconhecido finalmente, como o direito comum (ius commune) da
Europa continental;
- era muito mais completo que os direitos locais, compreendendo numerosas
instituições que a sociedade feudal não conhecia (ou que já não conhecia) e que as
necessidades do desenvolvimento económico tornavam úteis; o direito erudito pôde assim
desempenhar a função de direito supletivo para colmatar as lacunas das leis e costumes
locais;
- era mais evoluído, porque tinha sido elaborado com base em textos jurídicos que
reflectiam a vida duma sociedade muito desenvolvida, na qual a maior parte dos vestígios
das sociedades arcaicas tinham desaparecido; aparecia assim como o direito útil ao
progresso económico e social, em relação às instituições tradicionais da Idade Média.
A história do renascimento do direito romano, das diferentes «escolas» ou métodos
de interpretação e da penetração do direito erudito no direito positivo dos diferentes países
da Europa será estudada na 2. ªparte (II, 1, D).
204
que o grau de romanização varia de país para país. Na realidade, não houve em parte
nenhuma uma sub$tituição completa do direito local pelo direito erudito.
A romanização foi maior na Itália, nos países ibéricos, na Alemanha e nas regiões
belga-holandesas que noutros lados, porque pelo menos desde o século XVI, o direito
erudito foi aí mais ou menos oficialmence reconhecido como direito supletivo. Não foi
assim oficialmente na maior parte da França, onde o direito erudito só foi admitido como
ratio scripta (razão escrita). Os países escandinavos e eslavos nos quais as universidades
apareceram mais tarde, não conheceram senão uma romanização muito limitada.
A Inglaterra escapou-lhe, graças ao desenvolvimenco do seu common law. Mas apesar da
diversidade dos graus de romanização, alguns elemencos comuns aparecem desde o fim da
Idade Média e mantêm-se até aos nossos dias.
Primeiro, o uso duma terminologia comum, baseada numa concepção comum das
noções jurídicas; os conceitos romanos, tal como foram interpretados na Baixa Idade Média
e nos tempos modernos, encontram-se na maior parte dos direitos da Europa Continental.
De seguida, o papel reconhecido à regra de direito (regula iuris), abstracta e geral, tal
como ela é retirada pela ciência jurídica do conjunto dos casos concretos.
Também, o princípio de que o direito deve ser justo e razoável; qualquer regra de
direito deve ser confor_me à concepção que os homens fazem, pela sua razão, da justiça; os
alemães dirão que o direito é um So/len, não um Sein: o direito diz o que deve ser, pouco
importa o que é na realidade.
Por fim, um modo de raciocínio jurídico, tendente a resolver os casos particulares e
os litígios a partir de regras gerais, fixadas pelo legislador ou reconhecidas pela doutrina;
daqui resulta uma preponderância da lei como fonte do direito e um grande interesse pela
ciência jurídica.
Todavia, alguns dos elementos comuns aos direitos romanistas aparecem nos
direitos europeus sem aí terem sido introduzidos directamence em consequência do
renascimento do direito romano; assim:
- passa-se do <<irracional» ao «racional» desde os séculos XII-XIII, ao mesmo
tempo que .se desenvolve a ideia dum direito justo e razoável aplicável a todos;
- a preponderância da lei impõe-se sobretudo pela extensão do poder dos reis e dos
grandes senhores; a noção de soberania, que se desenvolve nos séculos XiII e XIV,
reconhece-lhes o poder de impor regras de direito aos seus súbditos, «porque assim lhes
agrada» e «O rei é fonte de toda a justiça».
Daqui resulta que não há, na Europa Continental, uma real unidade do direito: se os
conceitos jurídicos e a ciência do direito aí apresentam uma unidade relativa, os direitos
positivos apresentam, de país para país, numerosas diferenças que se explicam pela sua
própria formação e evolução; o direito erudito é apenas uma das fontes históricas desses
direitos, a par do costume, da lei e da jurisprudência.
205
O período dos séculos XII e XIII é um dos mrus importantes na formação dos
direitos europeus. As transformações, aparentemente lentas e progressivas, conduzem a
uma verdadeira revolução na concepção jurídica e também política, econo.-nica e social.
Passa-se dum sistema de direito feudal ou, no Norte e no Leste, de direito arcaico para um
sistema desenvolvido e evoluído, racional e equitativo, de tendência individualista e liberal.
O poder de fazer leis passa progressivamente dos senhores e das cidades para os
soberanos e depois para a nação.
A partir dos séculos XV e XVI, a maior parre das cidades (salvo na Alemanha) e
ou merosos senhores perdem, no todo ou em pane, o poder de legislar. O poder legislarivo
torna-se um atributo dos soberanos: o rei (França, Espanha, países escandinavos) ou os
grandes príncipes territoriais (Itália, Alemanha, províncias belgas).
A intervenção dos governados não fica, em todo o lado, completamente excluída;
corpos representativos das ordens políticas e sociais (nobreza, clero, burguesia~ reunidos
em Estados Gerais (França, Países Baixos), Parlamento (Inglaterra) ou Cortes (Espanha)
acruam sobre os governantes, designadamente no domínio fiscal. Em Inglaterra, o·
Parlamento adquire definitivamente o papel principal na actividade legislativa a partir do
fim do século XVII. Em França, o poder legislativo passa do rei para a Nação na sequência
da Revolução de 1789. Desde então, em todo o Ocidente, a soberania nacional e a
democracia rendem a sobrepor-se ao poder pessoal dos reis e príncipes.
Assim, a lei tornou-se, nos séculos XIX e XX, a expressão da vontade nacional;
é formulada por órgãos chamados legislativos, escolhidos pelos cidadãos do Estado. Cada
Estado tem o seu próprio sistema jurídico, baseado em leis adaptadas pelos órgãos do
poder. O direito tornou-se nacional: quantos Estados, quantos sistemas jurídicos.
Para um melhor conhecimento das leis (cada vez mais numerosas) e também das
regras jurídicas extraídas de outras fontes do direito (costume, jurisprudência, doutrina),
procedeu-se em toda a pane à codificação: codificação do conjunto do direito (como na
Prússia em 1794, na Rússia em 1832) ou de cenos ramos do direito (como em França em
1804-181 O: código civil, código penal, etc.).
A colonização de vastos territórios por países europeus desde o século XVI favoreceu
a difusão dos sistemas jurídicos destes países fora da Europa.
A Espanha e Portugal levaram o seu direito para as suas colónias da América Central
e Meridional; universidades de tipo europeu foram então criadas a partir de meados, do
século XVI (México, Lima). Quando no começo do século XIX aí se formam Estados
independentes, estes conservam a tradição jurídica da anciga mãe-pátria.
A França tinha colonizado grandes zonas da América do Norte no sécu~o XVII;
perde o Canadá em benefício da Inglaterra em 1763 e Napoleão vende a Luisiana aos
Estados Unidos em 1803; estes dois países entraram assim na órbita dos países do common
law, mas duas regiões permanecem, contudo, ligadas ao sistema romanista: o Quebeque e
o Estado da Luisiana.
207
NOTA DO TRADUTOR
(•) Para a descrição da •recepção• do direito comum, bem como para a evolução das fontes de direito, v., para Portugal:
GUILHERME BRAGA DA CRUZ, •O direito subsidiário na história do direito porruguês•, Rev. port. hüt. 14 0973); A. M. HESPANHA,
Hiitória da1 instittúções ... , cit.; N. ESPINOSA GOMES DA SILVA, Hútória dll direito p11r111x11ês . . , cít.; MARTIM DE ALBUQUERQUE
e RUY DE ALBUQUERQUE, Hirtór-iadndireitoportuxuês ... , cir.
H. - O COMMON LA W
1. Generalidades
Dá-se o nome de common law ao sistema jurídico que foi elaborado em Inglaterra a
parrir do século XII pelas decisões das jurisdições reais. Manteve-se e desenvolveu-se até
aos nossos dias, e além disso impôs-se na maior parte dos países de língua inglesa,
designadamente nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, etc ..
A expressão common law é utilizada desde o século XIII para designar o direito
comum da Inglaterra, por oposição aos costumes locais, próprios de cada região;
chamaram-lhe, aliás, durante vários séculos comune /ey (lei comum), porque os juristas
ingleses continuaram a servir-se do francês, o /aw French, até ao século XVIII ooi.
7
c o> R. C. C:AENEGEM, «les lles britanniques•, in J. GILISSEN (cd.). lntrod. bihlio11.. C/5, Brwcelas 1963; J. H.
BAKER, An lntroduction to EngliJh Legal HiJtory, 2.ª ed., London 1979; S. F. C. MIL'iOM, HiJtorical Foundatiom o/lhe Common Law,
208
O sentido de common law é, pois, muito diferente do sentido da· expressão «direito
comum», iuJ commune, utilizada no continente para designar, sobretudo a partir do século
XVI, o direito erudito, elaborado com base no direito romano e servindo de direito
suple.tivo às leis .e costurl)es de cada país.
O common law m> é wn judge-made-law, um.direito jurisprudencial, elaborado pelos
juízes reais e mantido graças à autóridade reconhecida aos precedentes judiciários. Salvo na
época da sua formação, a lei não desempenha qualquer papel na sua evolução.
Mas, em consequência, o éommon law não é todo o direito inglês; o statute law (direito
dos estatutos, isto é, das leis promulgados pelo legislador) desenvolveu-se à margem do
common law e retomou, ·Sobretudo no século XX, uma importância primordial.
Anteriormente aos séculos XV e XVI, tinha-se desenvolvido ao lado do common law,
considerado então demasiado arcaico, um outro conjunto de regras jurídicas, as de equity,
aplicadas pelas jurisdições do Chanceler; o common law conseguiu· no entanto resistir à
influência da equity e mesmo dominá-la no·século XVII; mas o direito inglês conservou
uma estrutura dualista até 1875, quando os dois sistemas foram mais ou menos fundidos
por uma reforma da organ_ização judiciária.
O direito inglês moderno é por consequência muito mais «histórico» que os direitos dos
países da Europa Continental; não houve ruptura entre o passado e o presente, como a que a
Revolução de 1789 provocou em França e noutros países. Os juristas ingleses do século XX
invocam ainda leis e decisões judiciárias dos séculos XIII e XIV.
O common law sofreu pouca influência directa do direito romano ou do direito erudito
medieval, sobretudo porque é um direito judiciário, no.sentido de que resultou do processo
das acções em justiça; o recurso ao direito romano como direito supletivo tornou-se assim
difícil, quase impossível.
Em resumo, o common law difere de maneira fundamental dos direitos romanistas do
continente (a que os Ingleses chamam civil law):
- o common law é um judge-made-law, enquanto a jurisprudência apenas desem-
penhou um papel secundário na formação e evolução dos direiros romanistas;
Londres 1969; R. C. VAN CAENEGEM, The Bfrth of the Enxlilh Common Law, 1973; T. f. T. PLUCKNETT, A conciu hútr>ry of the
mmmon law, 5.ª ed., lDndon 1956; A. K. R. KIRALFY, The Eng/iJhkp;al System, 4.• ed., 1967; do mesmo, •En)!lish Úlw•, in]. D. M.
DERRETI (ed.), An lntrod11ctin11 tn uxal Syuems, 1968, p. 157-193; Sir C. K. A11EN, Law in the Makinf., 7.ª ed., Oxford 1964; F.
POLLOCK e f. W. MAITLAND, The Hiitory of EnrJish Law before lhe limt of Edward 1, 2.ª ed., complecada com uma nova
incroduçáo e uma bibliografia selccriva de S. f. C. Mil.SOM, 2 vol., Cambridge 1968; Sir William HOLDSWORTH, A hiitory nf
English l.Au', 16 vol., London 1903-1966; várias rttdições de alguns volumes; G. RADCLIFFE e G. CROSS, Tht English ugal
Sy1tem, 6.ª ed. por G. H. HANO e D. J. BENTLEY, lDndon 1977 (longa introdução histórica); R. DAVID, H. C. GUTTERIDGE
ec B. A. WORTLEY, Introd11ctio11 à l't111de du droit f>rivé tk l'Anxletem, Pacis 1948; H. A. SCHWARZ-LIEBERMANN VON
W AHLENDORF, /111roó11ction à l'ospirit et à l'hutoi,..J,, droit anglau, Paris 1977.
171> Deve escrever-se O cnmmon law ou A c0111111011 faw? A questão é controver.;a; sem entrar no debate, preferimos por
su~escáo do nosso colega R. C. VAN CAENEGEM, O mmmon law porque A faz pensar na lei, o que o c0111mo11 law, precisamente, não
é; conmwn /aw ren· mais o sencido de direito comum. Agradecemos reconhecidamente ao nosro colega Van Caenegem que fei o
obséquio de rever esre capítulo e sugerir várias correcções e melhoramentos.
209
reino. Conseguem desenvolver a competência das suas próprias jurisdições com prejuízo
das jurisdições senhoriais e locais que perdem progressivamente, nos séculos XII e XIII, a
maior parte das suas atribuições.
A princípio, o rei julgava no seu Tribunal, a C11ria regis. Mas muito cedo, foram
destacadas secções especializadas da C11ria para se ocuparem de certas matérias: o Tribunal
do Tesouro (Scaccarium, Court of Exchequer) desde o século XII para as finanças e os litígios
fiscais, o Tribunal das Queixas Comuns (Court o/Common Pleas) a partir de 1215 para o·s
processos entre particulares relativos à posse da terra, o Tribunal do Banco do Rei (King's
Bench) para julgar os crimes contra a paz do reino. O Scaccari11m e os Common Pleas tinham
assento em Westminster, perto de Londres; o King's Bench (bench coram rege) era um tribunal
ambulatório que seguia o rei nas suas deslocações; foi somente no século XV que passou a
ter sede em Westminster.
A extensão da competência destes Tribunais tornou-se possível pelo processo técnico
utilizado para requerer as jurisdições reais de Westminster. Qualquer pessoa que quisesse
pedir justiça ao rei, podia endereçar-lhe um pedido; o Chanceler, um dos principais
colaboradores do rei, examinava o pedido e, se o considerasse fundamentado, enviava uma
ordem, chamada writ (em latim: breve; em francês bref> a um xerife (agente local do rei) ou a
um senhor para ordenar ao réu que desse satisfação ao queixoso; o facto de não dar esta
satisfação era uma desobediência a uma ordem real; mas o réu podia vir explicar a um dos
Tribunais reais por que razão considerava não dever obedecer à injunção recebida
(v. documento n. 0 1, 218).
O sistema dos writs data do século XII, sobretudo do reinado de Henrique II
(1154-1189) m>. Se, na origem, os writs eram adaptados a cada caso, tornam-se
rapidamente fórmulas estereotipad~ que o Chanceler passa após pagamento, sem exame
aprofundado prévio (de cursu); encontra aí sobretudo, o meio de atrair o maior número de
litígios para as jurisdições reais. Os senhores feudais bem tentam lutar contra o
desenvolvimento dos writs; pela Magna Carta de 1215, conseguem pôr freio às limitações
das jurisdições reais sobre as dos barões ou grandes vassalos; pelas Provisões de Oxford, em
1258, obtêm a proibição de criar novos tipos de writs; mas o Stat11teo/Westminster li (1285),
documento capital na história do common Law, concilia os interesse~ do rei com os dos barões
impondo o statu quo: o Chanceler não pode criar novos writs, mas pode passar writs em casos
similares (in consimili casu) (v. documentos n. º' 3 e 4 pp. 219, 220).
Estas disposições permaneceram em vigor até ao século XIX (pelo menos até 1832).
A lista dos writs ficou limitada à que existia em meados do século XIII, mas
(72) A mais antiga lista de wrí11 encontra-se no livro atribuído a GLANVllL, ..Pt ley,ib1u et coT1s11etudinibus re11.ni Any,liae,
provavelmente escrito em 1187; chamam-se em latim breve; o termo inglês writ, de sentido bastante vago, derivado do writing
(escrito), aparece no coíneço do século XIII. O mais antigo Re11.í11er of wri11 conservado, dara de 1227; contém 56 tipos de writs
(cf. Documento n. Q 2, p. 218); cf. R. C. VAN CAENEGEM, Royal Wrill ín En11.land from the Conq11est to Glanvill, London 19~9.
Selden Sociery~ vol. 77., E. DE HAAS e G.D.G. HMl., E!arly RegiJtw1 o/ Wri11, London 1970.
211
introduziram-se numerosos casos novos no quadro tradicional dos writJ existentes, por
aplicação do princípio da semelhança admitido pelo Statute of WeJtmimter ll.
O direito desenvolveu-se em Inglaterra desde o séc. XIII, com base nesta lista de writs,
isto é, das acções judiciais sob a forma de ordens do rei. Em caso de litígio, era (e continua a
ser) essencial encontrar o writ aplicável ao caso concreto; o processo é assim aqui mais
importante que as regras do direito positivo: remedies precede rights. O commo11 law
elaborou-se com base num. número limitado de formas processuais e não sobre regras
relativas ao fundo do direito. É por isso que a estrutura do commo11 law é fundamentalmente
diferente da dos direitos dos países do continente europeu.
Esta estrutura do common law, ligada aos tipos de writs, tornou quase impossível
o recurso ao direito romano como direito supletivo: apesar de algumas semelhanças entre a
formação do direito romano com base nas acções judiciais e a do common law baseada nos
writs, havia diferenças fundamentais, sobretudo quanto ao carácter de direito público dos
writs, isto é, ao facto de estes serem ordens do rei. Os conceitos do direito privado romano
não podiam ser utilizados na interpretação dos actos do processo inglês. Houve no entanto
uma certa influência do direito romano no século XIII, pelo menos através da obra de
Bracton (in/ra) que utilizou largamente a Summa do jurista romanista italiano Azo.
O common law foi realmente criado pelos juízes dos Tribunais reais de Westminster.
Estes tornam-se muito cedo, pelo menos desde o século XIV, juízes profissionais, no
sentido em que se consagram quase exclusivamente ao estudo do direito; mas não são,
como mais tarde nas grandes jurisdições do continente, legistas formados nas universidades
na disciplina do direito romano. Os common lawyers são antes de mais, práticos, formados
como litigantes (barristers, advogados); não era necessário ser licenciado em direito por uma
universidade para vir a ser solicitor (solicitador), barrister oujudge.
Para os práticos, os precedentes judiciários (os cases = casos julgados) foram sempre
duma grande utilidade para a defesa dos interesses que lhes eram confiados: o facto de poder
lembrar ao tribunal que já decidiu um litígio em tal sentido, dá ao advogado os melhores
meios para ganhar o seu processo. Foi assim sobretudo no domínio da interpretação
extensiva, por semelhança, dos writs. Desde 1290, as principais decisões judiciárias dos
Tribunais de Westminster eram registadas e conservadas nos Year Books, escritos em law
French, provavelmente por advogados. A partir do século XVI, as compilações impressas
de jurisprudência, os Law Reports, constituem a documentação mais importante dos juízes
e advogados; ainda é assim no século XX. Uma boa biblioteca de commo11 lawyer,
compreende mais de 2000 volumes de Law Reports!
Se o common law é sobretudo um direito jurisprudencial, a obrigação para o juiz de
decidir segundo as regras estabelecidas pelos precedentes judiciários - o que se designa
·por princípio de stare decisis - não foi no entanto imposta por via legislativa senão em
212
1875. Mas é inegável que a autoridade do precedente foi sempre mais considerável em
Inglaterra que na Europa Continental (v. documento n. 0 6, p. 220).
O precedente judiciário não é no encanto uma verdadeira fonte de direiro porque o
juiz que proferiu a primeira decisão numa dada matéria teve de encontrar algures os
elementos da sua solução, sobretudo no domínio das regras de fundo, chamadas substantive
law. Segundo a concepção dominante na história jurídica da Inglaterra, cabe ao juiz «dizer
o
o direito» <rn, declarar que é direito; é a declaratory theory o/ the common law: o juiz não cria o
direito, constata o que existe; é o seu oráculo vivo, julgando em consciência, segundo a razão.
Na realidade, os juízes referiam-se a princípio (séc. XIII-XIV) sobretudo ao
costume, designadamente ao «Costume geral imemorial do reino» (general immemorial
custom o/ the Realm); em seguida, pretendeu-se que um costume só era «imemorial» se
existisse já antes de 1189 (data fixada por uma lei de 1275; mas o princípio não foi
admitido senão no século XVIII) (v. documento n. 0 4, p. 220).
Os juízes deviam também aplicar: as leis (satutes), sobretudo aquelas, muito
numerosas, dos séculós XIII e XIV. A autoridade da lei em relação ao common law foi
posteriormente contestada; pretendeu-se mesmo que uma lei apenas era obrigatória se o
juiz a considerasse conforme ao common law.
O juiz utilizava também as grandes compilações de direito, primeiro as dos séculos
XII e XIII, sobretudo o De legibus de Bracton (cerca de 1256), mais carde as de Littleton,
Fortescue, Coke, Blackstone e outros.
Uma primeira compilação De leJ;ibus et consuetudinibus reJ;ni AnJ;liae data de 1187;
desempenhou um grande papel na formação do common law inglês. É atribuída, parece que
erradamente, a Glanvill, familiar do rei Henrique II. O autor indica aí o modo necessário
para obter um writ bem como a maneira de o combater. Obra bastante reduzida,
simplificando muitas vezes os problemas excessivamente <74>.
Bracton, juiz real no reinado de Henrique III, escreveu cerca de 1256 outro De leJ;ibus et
consuetudinibus AnJ;liae, uma das obras jurídicas mais notáveis da Idade Média. A primeira
parte (Liber primus) é uma exposição de princípios gerais relativos ao direito das pessoas, dos
bens e das obrigações; o autor segue o plano das Instituições e sofre a influência do direito
romano, sobretudo da Summa de Azo. A segunda parte (Liber secundus) é um tratado de
processo baseado na análise dos diferentes writs emitidos nos tribunais reais. Bracton teve o
mérito de centrar o estudo do direito consuetudinário sobre cases, casos julgados, que
analisa nos seus diversos aspectos jurídicos; dum caso concreto tira uma lição de direito.
A obra de Bracton teve um grande sucesso em Inglaterra; é uma das bases do common law cm.
Entre os principais autores de livros de direito inglês depois de Bracton, referiremos
Fleta (Commentarius Juris Anglicani, fins do século XIII), Sir John Forrescue (De laudibus
legum Angliae, escrito cerca de 1470; contém sobretudo direito constitucional), Sir Thomas
Litdeton (O/ Tenures, cerca de 1470), Sir Edward Coke, (Reports, 1628-1644; exposição
sistemática do direito inglês, sob a forma de decisões judiciárias comentadas) e sobretudo
Sir William Blackstone (Commentaries o/ the Laws o/ England, 1765-1768) cuja influência
foi considerável em Inglaterra e sobretudo nos Estados Unidos; a obra apresentava uma
análise do common law que ele pr:ocura consolidar mostrando os seus princípios gerais e o
carácter conforme à razão, ~o estilo próprio do século XVIII; Blackstone escreveu a sua
obra em inglês, numa linguagem elegante, compreensível por todos, enquanto os seus
predecessores tinham, durante séculos, utilizado o latim ou o Law French que se tinha
tornado um jargão muito complicado.
O common law tornou-se cada vez mais técnico no decurso dos séculos XIV e XV;
limitado no quadro estrito e rígido do processo dos writs e pela rotina dos juízes, não podia
dar solução satisfatória a numerosos litígios, sobretudo em novos domínios nascidos da
evolução económica e social. Os juízes dos tribunais do common law, embora nomeados pelo
rei, tinham-se tornado relativamente independentes. A ideia de recorrer de novo, como
nos séculos XII-XIII, directamente ao rei (e ao seu Chanceler), fonte de toda a justiça, fez
nascer no século XV uma nova jurisdição e um novo processo: o Chanceler decidia em
equidade sem ter em conta as regras de processo e mesmo de fundo do common law.
Aplicando um processo escrito inspirado pelo do direito canónico, o Chanceler julgava
segundo princípios muitas vezes extraídos do direito romano. Os reis de Inglaterra, no
século XVI, alargaram as ju~·isdições de equity, mais favoráveis ao desenvolvimento do seu
poder no sentido do absolutismo, em detrimento das jurisdições de common law,
consideradas arcaicas e obsoletas.
Nos conflitos entre o Rei e o Parlamento no século XVII, os common lawyers puderam
contar com o apoio do Parlamento na sua resistência ao absolutismo, o que os salvou. De facto,
realizou-se um compromisso que pennitiu a subsistência de um sistema dualista de direiro;
common law e equity, dois tipos de jurisdições, de processos, e mesmo de regras de fundo.
A fusão dos dois tipos de jurisdições só foi realizada em 1873 e 1875 (judicature Acts)
por uma reforma profunda da organização judiciária; as regras de equity ficam desde então
integradas no common law, que corrigiram e completaram <76>.
C76J De facto, a fusão ainda não é completa; nos tribunais de Londres, há ainda cámaras diferentes para o comman lau• e para
a equit.y; a Chancery Divúion está mais especificamente mervada às ancigas marérias da tquitY.
214
4. «Triai by jury»
071 Por exemplo: Stalu/e nf WeJtmimter I Cl275), Stat11te •/ Jewry (1275), Sta/fite o/ biKamy (1276), StalJ:le o/ mortmain
<1279), Stal11te •/ Merchams (1285 ), Stat11te o/ WeJtmimter li (l 285 ), compreendendo cerca de cinquenra disposições das quais as mais
célebres são o De Donis (art. 0 I. º)e o NiJ; Pri11s (art. 0 30); Statutt o/ Westmimter li/ (1290) chamado Quia emfJ/om, conforme o início
do texto, que introduz a alienabilidade das renências e que permaneceu como base do /and law (direito rural).
216
entre common !aw e equity. Do mesmo modo, foi por statutes que foram introduzidos um
direito social inteiramente novo e, em menor escala, um direito económico novo,
sobretudo depois de 1945, por pressão do Labour Party.
6. Constituição e codificação
C78l J. VANDERLJNDEN, •Code er codification dans la pensée de Jeremy Benrham», TijdJchr. Rech11geuh., t. 32,
1964, p. 45-78; W. TEUBNER, Kodi/ikafion und R«hfsre/orm in En!!,Íand. Ei" Beilrag ZNr U11fmuch11nl!, de< Einfltmei von Na111rrecht 1111d
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<79l The Stair Society, An /nfrod11c1ion fo Scoffish Ú!!,aÍ Hilfory, de vários aucores, Edimburp;o 1958.
217
<80) W. B. JEFFREY, •Uniced States•, in]. GILISSEN (ed.). ,ln1-.d. hih/ior.r., F/8, Bruxdas 1970; Tht America11journa1
of Legal Hiscory, desde 1957; F. G. KEMPIN, Hi11orical lnlroduaion 10 An;,lo-ameriran law in a Nu11bt//, 2.' ed. Se. Paul, 1973.
181) A. e S. TUNC, u droil tÚJ E1a1J-Uni1. Sourw ti ttthnique<, Paris 1955; ld., u 1yuem. romlilulio11nel de1 Etal1-Uni5
d'Amirique, 2.ª ed., Paris 1954; E. GUTI,.•le Rescacement of American law au XX siecle•, inJ. GILISSEN (ed.,) u rédacJion de1
coulumes dan1 /e flané e/ dani de proent, Bruxelas 1962, p. 185-196.
218
DOCUMENTOS E LEITURAS
2. WRITS: exemplos.
a) Writ de hipoteca na forma de um «praecipe».
Rex vicecomiti salutem. Praecipe N. quod juste ec sine dilatione reddac R. cantam cerram
(vel cerram illam) in villa illa quam ei invadiavit pro centum maceis ad cerminum qui praeteriit, ut
didt, et denarios suos inde recipiac (vel quam inde acquietavic, ur dicit). Et nisi fecerit, summone
eum per bonos summonitores etc.
Tradução
O rei ao sheriff, saúde~ Dá ordem a N. para que ele, com justiça e sem demora restitua a
R. tanta terra (ou a mesma terra) naquela vila que ele lhe empenhou por cem marcos por um prazo já
expirado, como disse, e que aceite os dinheiros de R. por isso (ou que lhe deixe quite a cerra por isso,
como disse). E se o não fizer, que o intimes devidamente a ir a tribunal. ..
Tradução
(0 rei ao sheriff, saúde). Ordena a N. que de forma justa e sem demora restitua a G. 10 acres
de cerra com as suas pertenças em N., na qual ele não cem posse a não ser por via de R., pai do dito
N. e de quem N. é herdeiro, a quem o dito G. - ou J., seu pai, de quem é herdeiro - as
empenhou por um termo já decorrido, como disse. E se ele o não fizer (e o dito G. te prestar uma
fiança para prosseguir a sua acção), então intima-o (ao dito N. para que ele comp-areça perante as
nossas justiças quando elas v:ieram a esta região para lhes demonstrar porque é que ele não obedeceu,
e aí compareçam os que o citaram e este mandam. Testemunhas, etc.).
R. C. VAN CAENEGEM, Royal writs in England from
the conquest to Glanvill, 1959, pg. 438.
Cap. 24: Para que, daqui em diante, não aconteça na Chancelaria que possa ser encontrado
um mandato num caso, mas não noutro caso que respeite à mesma lei e que requeira os mesmos
remédios, os oficiais da Chancelaria ou concordam com a emissão de um mandato ou adiam a queixa
para o próximo Parlamento, ou anotarão os pontos sobre os quais não concordaram e levá-los-ão ao
Parlamento seguinte; e então o mandato será emitido com o assentimento dos letrados no direito:
para que o tribunal daqui em diante não desampare os que procuram a justiça.
5. O PRECEDENTE JUDICIÁRIO
Declaração do ChiefJustice Prisot em 1454
Se tivermos que prestar atenção à opinião de um ou dois juízes contraditória em relação a
muitas outras decisões dadas por outros digníssimos juízes em sencido oposto, gerar-se-ia uma
estranha situação, considerando que aqueles juízes que julgaram a matéria em tempos antigos estão
mais próximos do momento da feitura da lei do que nós e que a conheciam melhor do que nós ...
E, sobretudo, se este caso fosse agora julgado de forma errada, tal como tu defendes, ele seria
seguramente um mau exemplo para os novos aprendizes que escudam o Year Book, ·pois nunca
teriam confiança nos seus livros se agora fossemos decidir contrariamente ao que cantas vezes foi
decidido nos Livros.
Tradução
Nos processos de common !aw em que o valor em litígio exceda vinte dólares, o direito a um
j ulgamenco por júri será mantido e nenhum facto julgado por um júri poderá ser submetido ao novo
exame de um oÚtro Tribunal dos Estados Unidos, a não ser de acordo com as regras do common law.
221
1. Generalidades
Com a revolução de Outubro de 1917, foi imposto um novo sistema político e jurídico
na Rússia; tende ao estabelecimento duma sociedade comunista na qual o direito e o Estado
terão desaparecido porque já nenhuma coacção será necessária.
A base filosófica deste sistema é o marxismo-leninismo. Conc.ebida por Marx
(1818-1883) e Engels (1820-1895) no século XIX, a doutrina teve de ser adaptada no
início do século XX, quando a Revolução de 1905 e a Primeira Guerra Mundial pareciam
rornar possível a tomada do poder pelo proletariado na Rússia. Esta adaptação foi a obra de
Lenine (1870-1924), yue elaborou a táctica desta tomada do poder e que introduziu uma
profunda transformação na noção de «ditadura do proletariado» concebida por Marx à
imagem da Comuna de Paris, como uma breve transição entre a revolução proletária e o
advento da sociedade comunista sem classes. Para Lenine não se trata de ditadura da
maioria dos trabalhadores em relação à minoria formada pelas classes exploradoras, mas
duma ditadura exercida em nome dos trabalhadores por uma minoria activa de
revolucionários profissionais reunidos no seio do panido bolchevique. A ditadura do
proletariado assim concebida, tendendo para a criação das condições que permitirão a
passagem posterior ao comunismo integral, permanece uma fase transitória, é certo, mas o
advento da sociedade comunista depende dum grande número de factores para que as suas
diferentes etapas possam ser fixadas antecipadamente: é ao Partido, «Vanguarda» dos
trabalhadores, que compete fazer avançar a sociedade na via que leva ao comunismo,
servindo-se judiciosamente, quase cientificamente, das possibilidades oferecidas pelo
desenvolvimento histórico. Foi apenas nos anos 60 que as modalidades da passagem
gradual da revolução proletária ao comunismo integral começaram a ser objecto do
«Comunismo científico», ramo do marxismo-leninismo, tal como é interpretado
actualmente pelos ideólogos soviéticos. Durante as fases transitórias sucessivas, o Estado e
o direito subsistem, mas unicamente com o fim de realizarem a sociedade comunista.
Baseados primeiro na ditadura do proletariado e depois na vontade de «todo o povo», o
Estado e o direito são designados socialistas, aguardando a sua extinção.
Depois de um breve período de «comunismo de guerra~> (1917-1921), os países
agrupados na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) começaram portanto a
edificar um Estado e um direito socialistas. Este estádio considerou-se atingido em 1936;
uma nova Constituição foi então elaborada para prosseguir a «marcha para o comunismo».
Depois da segunda guerra mundial, outros países entram na via do comunismo:
Polónia, Checoslováquia, Hungria, Alemanha de Leste, Roménia, Bulgária, Albânia,
Jugoslávia, na Europa; China, Coreia do Nane, Vietname, Camboja, na Ásia; Cuba, na
América, alguns países africanos também (Argélia, Etiópia, Angola, Moçambique, etc.).
222
a) A doutrina marxiita
CH2l M. SZEFTI::L .• Russia•, e R. DEKKERS e F. G-ORLÉ, .. Union soviétique•, inJ. GILISSEN (ed.), lntroá. hihliosr.,
D/9 e D/10, Bruxelas 1966-1974; J. GILISSEN e f_ G-ORLÉ, De U.S.S.R., 2.ª ed., Bruges 1978, col. •Accuele Geschiedenis•,
e. 5; R. OEKKERS, /ntroduction a11 ároil tk l'Union Soviéliqut el <ÍRI Rip11hliq1m pop11/amJ, 2.ª ed., Bruxelas 1971; H. CHAMBRE
L 'U nion SQl•iétique. /n1rod11ction à /'é111tk dR m imtitutiom, 2. • ed., 1966, col. •Commenc ils som gouvernés•; do mesmo, L'évolulion d11
marxiJme Iol'iiliq11e. Théorie économique e/ ároit, 1974; M. LESAGE. Lt á-.i1 roviétique, Paris 1975, col. •Que sais-je>.•; ÚI imtilutiom
.1wiétiqueJ, mesma coL, Paris 1975; Les régimes policiques de l'U.R.S.S. ec de l'Europe de l'Est, cal. Themis, Paris 1971; R.
CHARVIN, LeJ f.lals 1oáalhm européem lim1it111iom e/.,;, polítiques), Paris 1975, Précis Dalloz;). G. COLLIGNON, La théorit de
l'Erac du peuple touc encier en Union Soviétique, Paris 1967.
223
classe espoliada; o direito seria pois necessariamente injusto; deve desapa~ecer numa
sociedade ideal, sem classes sociais.
A concepção marxista do direito aparece na maior parte das obras de Marx e Engels;
encontra-se já esboçada em A crítica da filosofia do Estado de Hegel e A introdução à crítica da
filosofia do direito de Hegel, escritas por Karl Marx e no Manifesto do partido comunista redigido
por Marx (quando residia em Bruxelas em 1848) e Engels. Aí afirmam que o direito é «a
vontade da classe (burguesa) erigida em lei», vontade cujo conteúdo é dado pelas condições
materiais de existência da classe (burguesia).
Na realidade, os problemas jurídicos ocupam pouco espaço na obra de Marx,
sobrecudo filósofo e economista.
É sobretudo num livro de Engels, As Origens da Família, da Propriedade e do Estado
( 1884) que se encontra tima exposição sistemática da concepção marxista da evolução do
direito e do Estado. Na origem da humanidade, não teria havido classes sociais, todos os
homens eram iguais e dispunham livremente dos bens de produção; não havia então nem
direito, nem Estado; mas alguns homens apoderaram-se dos meios de produção, em prejuízo
dos outros; aparecem assim duas classes sociais, a dos possidentes e a dos explorados. Ao mesmo
tempo aparece o direito, conjunto de regras de conduta impostas pela classe possidente para
explorar a outra classe, regras impostas por coacção no quadro dum Estado; o Estado é, pois,
organizado pela classe possidente para assegurar o respeito das regras necessárias à opressão
dos explorados. A maior parte da exposição de Engels baseia-se numa análise histórica do
direito da antiguidade greco-romana e germânica (cf. documento, n. 0 1, P· 230) <93>.
O nascimento do direito e do Estado pela formação de classes sociais seria a principal
revolução da história da humanidade. Toda a evolução posterior das relações sociais
constituiria apenas uma série de etapas nos modos de exploração dos oprimidos:
escravatura, feudalismo, capitalismo.
Para fazer cessar a exploração duma classe social pela outra, é preciso caminhar para a
supressão das classes sociais, abolindo a propriedade privada dos meios de produção.
Pondo-os à disposição da colectividade, suprimir-se-iam as desigualdades sociais; numa
sociedade comunista na qual cada um trabalhasse para a comunidade segundo as suas
possibilidades, e cada um dispusesse dos bens segundo as suas necessidades, já não seria
necessária a coacção estatal; o direito e o Estado desapareceriam por si próprios.
b) A doutrina marxista-leninista
Para passar do capitalismo ao comunismo, a classe explorada deve levantar-se contra
a classe possidente; a luta de classes implica uma acção política e, em caso de necessidade,
revolucionária. Desde o início da Primeira «Internacional dos Trabalhadores» (1864),
defrontaram-se duas concepções: uma baseada na acção revolucionária tendente a derrubar
(8~) Engels urilizou abundantemente, e por vezes copiou, a obra de L. H. MORGAN, Ancient Society, Londres, 1877
224
código dos Estados gerais sob Aleksei Mikhailovitch (963 artigos, 1649). O Svod Zakonov
(corpo das leis russas, de 1832; volumosa compilação de cerca de 60 000 artigos,
concebida sobre o modelo de Allgemeines Landrecht da Prússia de 1794), constitui mais uma
compilação e uma consolidação do antigo direito russo que uma reforma e uma codificação
do tipo dos códigos napoleónicas.
Além disso, este direito, sobretudo administrativo, é demasiado erudito para as
populações das regiões rurais; no domínio do direito privado, estas continuam a aplicar os seus
costumes locais; a propriedade individual, regulamentada nas compilações de direito, quase
não é aí conhecida; o solo é pelo contrário ainda comum à família (dvor), ou mesmo à aldeia (mir).
Estas características específicas do direito na Rússia explicam em parte os caractere~
do sistema jurídico que se estabelece desde a Revolução de 1917.
concretas nas quais qualquer membro da-·sociedade possa efectivamente exercer esses
direitos e liberdades; essas condições serão atingidas quando o bem-estar for geral e a
harmonia for estabelecida entre os direitos do indivíduo e os interesses da comunidade.
4. O direito socialista
Os sistemas jurídicos de tendência comunista possuem certos traços comuns com os
outros sistemas jurídicos da Europa continental: uma concepção abstracta da regra de
direito, o primado da lei entre as fontes de direito, a redução a escrito do direito sob a forma
de codificações, e uma certa influência do direito romano (sobretudo indirecta, graças à
«europeização» a partir do século XVIII). No entanto, existem também profundas
diferenças, designadamente quanto à finalidade e ao conteúdo do direito. Estas diferenças
encontram a sua origem na doutrina marxista-leninista e conferem aos sistemas jurídicos
de tendência comunista algumas características comuns e originais.
1. A concepção instrumental do direito enquanto meio da edificação da sociedade
comunista sem classes. A concepção instrumental não é desconhecida no Ocidente: para o
jurista americano Roscoe Pound, por exemplo, o direito é um meio de Jocial engineering.
Pound reconhece no entanto urna variedade de interesses de ordem pública, social e privada
dignos de serem protegidos no quadro da Jocial engineering, enquanto que na óptica do
marxismo-leninismo o interesse que consiste na edificação do comunismo sobrepõe-se a
todos os outros: daí a opinião de Lenine segundo a qual todo o direito é político, e que já
não há direito privado, tendo-se tornado público todo o direito.
(8~) Obras soviéricas traduzidas em francês: Jnsritut de l'E!ar er du Droic de J'Académie des Sciences de !'URSS.
Association ~viétique des Sciences polidques, L'Etat J(J(Jiétique et /e Dmit, sob a direcção de V. TCHKHIKVADZÉ, Moscovo 1971;
do mesmo Instituto, Princi/m du Droit J(J(JiétiqNe, obra composta sob a direcção de P. ROMACHKINE. Moscovo, s.d.
229
DOCUMENTOS
1. F. ENGELS, A Ori~em da Família, da Propriedade Prfrada e do Estado.
1. ª ed. 1884: sobre o Estado.
O Estado não é pois um pcxler imposto de fora à sociedade; não é cão-pouco "ªrealidade da
ideia ética», "ª imagem e a realidade da razão», como pretende Hegel. É antes um produto da
sociedade num determinado estádio do seu desenvolvimento; é a confissão de que esta sociedade se
envolve numa insolúvel contradição consigo própria, tendo-se cindido em oposições inconciliáveis
que é impotente para resolver. ..
Como o Estado nasceu da necessidade de refrear as oposições de classes, mas como nasceu, ao
mesmo tempo, no meio do conflico dessas classes, é, em geral, o Estado da classe mais poderosa,
daquela que domina do ponto de vista económico e que, graças a ele, se torna também classe
politicamente dominante e adquire assim novos meios para dominar e explorar a classe oprimida ...
Na maior parte dos Estados que a história conhece, os direitos concedidos aos cidadãos são
além do mais graduados segundo a sua forruna e, por isso, é expressamente reconhecido que o
Estado é uma organização da classe possidente, para a proteger contra a classe não possidente. Era já
o caso das classes de Atenas e Roma, estabelecidas segundo a riqueza. Era o caso também do Estado
feudal da Idade Média, em que o poder político se hierarquiza segundo a propriedade rural. É o caso
do censo eleitoral dos Estados representativos modernos. No encanto, este reconhecimento político
da diferença de fortuna não é essencial. Pelo contrário, denota um grau inferior do desenvolvimento
do Estado. A forma mais pe~ira do Estado, a república democrática, que se coma cada vez mais uma
necessidade indutável nas condições sociais modernas, e que é a forma de Estado na qual pode ser
travada até ao fim a última batalha decisiva entre proletariado e burguesia, a república democrática
já não reconhece oficialmente as diferenças de fortuna. A riqueza exerce aí o seu poder de forma
indirecta, mas por isso mais segura ...
231
O Estado não existiu desde sempre. Houve sociedades que se desenvolveram sem ele, que
não tinham nenhuma ideia do Estado e do poder de Estado. Num certo estádio do desenvolvimento
económico que estava necessariamente ligado à divisão da sociedade em classes, esta divisão fez do
Estado uma necessidade. Aproximamo-nos agora a passos rápidos dum estádio de desenvolvimento
da produção, no qual a existência dessas classes não só deixa de ser uma necessidade, como se torna
um obstáculo positivo à produção. Essas classes cair:io tão inevitavelmente como outrora surgiram.
O Estado cai inevitavelmente com elas. A sociedade que reorganiurá a produção na base duma
associação livre e igualitária dos produtores, relegará toda a máquina do Estado para onde será daí
em diante o seu lugar: o museu das antiguidades, ao lado da roda de fiar e do machado de bronze.
Nesta primeira fase, o Estado proletário (e o seu direico) depois de ter sido uma única vez
e um único instante um Estado (e um direiro) verdadeiro, será em seguida e até ao fim um
semi-Estado (e um semidireiro), quer dizer, será e não será completamente um Estado (e um
direito) cs 7>.
Longe de ser abolido por um traço de caneta e duma forma instantânea, como quereriam os
anarquistas, longe também de se instalar no tempo de um modo permanence, como aspirava o
Estado pré-socialista, o Estado (e o direito) proletário desaparecerá, paralelamente ao próprio
proletariado, seu suporte, gradualmente, etapa por etapa, cada etapa realizada servindo de garantia à
seguinte, devendo a última na cadeia ser a consequência de todas as que a precederam.
Há no entanto um perigo que ameaça, apesar da vitória do proletariado, impedir ou pelo
1861 Considera-se geralmente Saint-Simon o inspirador directo da teoria marxista do desaparecimento do Estado. Ver sobre
esre assunto AugusteCORNU, l<Ar/ Mar.xe Friedrich EngelI, t. II, Paris 1958, p. 153.
(87) Neste sem ido, V. 1. LENINE, L'Etal el la Rivolulion, 1917, p. 20.
232
Na segunda fase, já não haverá nem classe proletária nem divisão de trabalho, nem insuficiência
de produção económica: o Esrado e o direito não serão então mais do que uma lembrança, categorias
sociais dum passado para sempre enterrado, e repousarão a partir daí, nesse mesmo museu de
antiguidades onde se encontram já a roda de fiar e o moinho manual ou de água. Em consequência da
abundância dos bens económicos, os indivíduos serão retribuídos, não como na fase precedente
segundo as suas capacidades e a qualidade do seu trabalho, mas muito simplesmente segundo as suas
necessidades. Por isso, não haverá entre eles não só nenhum antagonismo de ordem material, mas
também nenhuma possibilidade de diferendos jurídicos nesse domínio. Graças à supressão da divisão do
trabalho, podendo cada um fazer ou ser o que desejar, mudar de ocupação sempre que lhe agradar,
nenhuma animosidade já será possível entre eles e portanto não existirá nenhuma fonte de questões
e de processos na sua nova comunidade de vida 1881 •
Bem entendido, a sociedade comunista não será no entanto uma anarquia, isto é, uma
sociedade sem ordem e sem coesão entre os seus membros. Bem pelo contrário. Será ordenada, mas
apenas pela razão. A sua ordem social já não dependerá nem de forças misteriosas, nem de crenças,
nem de tradições, nem de leis naturais incontroláveis. Haverá uma direcção da produção, uma
organização da educação, dos serviços de higiene, de saúde pública, de segurança individual, de
urbanismo, mas será um ordenamento essencialmente social e não jurídico, dadu que toda a gente, a
sociedade inteira, e não só um grupo de indivíduos, tomará parte na sua formação e na sua aplicação. Segundo
uma fórmula de Saint-Simon, retomada por Engels, será um governo já não sobre os homens mas
sobre as coisas 189>.
Paris 1974, pgs. 106-111
A República Soviética Russa não tem interesse numa partilha ou num equilíbrio das forças
política, pela simples razão de que se apoia no domínio de uma única força política englobando
toda a sociedade, isto é, o proletariado russo e as massas camponesas. Esta força política tende para
a realização dum único objecrivo, o estabelecimento dum regime socialista, e esta luta heróica exige
a unidade e a concentração dos poderes em vez da sua separação.
Lei
1~ IOW.)
Na época feudal, isro é, do sttulo X ao XII, não há muitas leis, nem muitas regras
gerais; a desigualdade predomina na vida social; quando muito hi, por aqui e por ali,
privilégios, pazes e kmro como manifesraçõcs de uma vontade que se assemelha à que cria
a lei. Cada pequena comunidade de habitantes tem o KU próprio direito, essencialmente
consuetudinário.
No século XIX, depois da Revolução Francesa e por influência desta, o direito é
estatal: cada Estado remo seu direito, geralmente unificado. Este direito é estabelecido
sob a forma de leis, elaboradas por órgãos legislativos. Pode-se calcu1ar que na maior
pane dos Estados - salvo, talvez, a Inglaterra, com o seu sistema de cnnmm ÍllW - no
século XIX e sobretudo no século XX, cerca de 90% das regras de direito sio de origem
238
m J. GIUSSEN, •lndiYld~ H s«uritt juridiqw: la pt'~po11cWnntt dr 11 loi et dr 1"1111:rt ttrif IO XVI• 'iklir d.lns
1'111C~n dreir Mlgt•, ín '""'"'-'"- 11 S•iltl;, 1. " - ' - · T...t.lhoa do lruciru10 pan o E&fudo da lt~ça r do
Humaniuno, 1967, Ul.Bp. U-18.
111 Sobtt o conjUllfO da hã1110ril dM fonrea do clirrim,. Mlsn •nl'C't dr 1791. wr u obru cilldu,. bibli0Jrwfi11rnl. r
aobtttudo dUM obru an1isaa: I!. DEl'.ACQZ. A,_. tlrNt 1iti4;q,., 2 vol., Brworla Ul°H, t J. BltlTZ. M'-M "'' t-inl "'"1
Wt.i.f•, 2 vol .• BNlldu 1847.
CAPÍTULO PRIMEIRO
BAIXA IDADE MÉDIA
E ÉPOCA MODERNA
(séculos XIII a XVIII)
A. - VISÃO GERAL
111
lrmbn·~ ~ 1 praentt /,,,,.J.n#te /,u"'"""' .. f t l nio marfm apoMclo ~ 1 hilc6ria da insric~ ~cio
dirri10 públim (•. Prrlicio. p. 8). brMtr-se .... os - niamaU1 drhdttlril-. i•rinai(m • _ . . 1111 bíblias..O. gnal.
esp«illlftftltt pua 1 flM(a, OI dr G. LEPOINn, P. C. TIMtAL. J. l!Utn.. J. HILAllll t llllllb&n m lllbdhOI dr 1~ niait
1ntiftt11, ~nmhttidos mu muina wzn aindl nlo M&bllirurcto.: dt E. CHéNON, F. 01.MER-MARTIN. A. ESMl!JN, erc.; p1ft a
Alemanha .. Vwf.nawi~dtG. •.urzn87'-IB8.n. dr A. HEUSllll U91m. dr P. HARTUNG Cl964)e uR........
dt H. BRUNNEll (1928). dt R. 9CHÕDJ!Jt e E. V. ICÜNSZBl!RG 09'2>. dt a. VON SOiWl!lllN - H. 1HJEME 09'0>, H.
PLANITZ - K. A. ECKHARDT (1961), dt H. MnTEIS - UEB&lllOt 0969), de H. CONRAD 0961-1966). Pua a
Etpanhri, ~r os n11mr- l!Wllllia c:in.b na biblioflnfm 1tral. (Gwci1 Ga.llo. R. Gãn, P. T-J. Valiencc, ~ - Pnndn.
A. Garcia C.llo de Dlel''" erc.). Pani Portvaal. A. M, HESPANHA. H;ulrV J.J t1111illli(io, CAlimhn 1981.
A Saciedadt Jan Bodin ..,. • himSril allllpMUi• clu ira1i111~ COMllllW """°' cul6qulol • - dr hi..m. - .
insrirui(6ft. a sabrr: ~ ~;,. colclqaiodc Toulowum 1960, 2 vol .• pulilicldoC'lll R,,..;/1. r. 20c 11. Bruw• 1970e 1969,
240
46 ntudos; rc... rõrio dt slnttV: J. GIU55EN. •ÚKI dºirudr compuuiw de la-n1~ daRS Ir purl-. 1. 20. 1970. p. S-l}S;
G•--'• tt <:i•-.Us, col6quoo dr BIWldm em 1962; 6 wil. publiclllla& cm R...,h. r. 22 a 27. Bnarlm 196S·l969, 89
comunicl.(6"; reluõrio dt sinlftr: J. G~. -~ nppom rMre Gmiwmk n Goincmui" 'IUI à la l11mittt dt rhiMOirt
compntiW" des i.nsarrui11ons•. 1. 22, p. S-140: u1nda •ln Ean ~ m llelgiqur n - r.,s.a. m rAntira Msimr-. p. 401 ... 37;
-Gou.-rrnh n Ciciuftm1n1t m Bc:IJiqur, dtpuis 181)•, r. 26, p. 81-148; Lo G"""" ~. aiMqulodr Rmnncm 1966; um td.
puliliado cm R...J1. 1. } 1, an..w 19H; rdu6rio dr slnDCW: J. GDJSSEN. ·lo 1111t1<111 d'tmplft m... l'hilmil't Ufti-'W•, p. 759-lln.
Sobre auidadn, wr ittfr11. p. 210. n. 0 1.
Sollft o &.do modlnll: l. FEDOU, L'tl.t • ~. col. SUP, Puil 1971; A. PAlm!JUN D'ENl1l!YEs. t... •-Jt
l'E1111. col. Phil~ poli1iqur, Paris 1969
241
no escudo do direito romano e do direito canónico ocupem nos siculos XIV e XV altas
funções na justiça e na adminismção dos reis, dos duques, dos condes e dos bispos. O direito
romano penetra assim cada vez mais na prática: depois de um período de lenta infiltração
nos sécuJos XIII e XIV, assiste-se nos séculos XV e XVI a uma verdadeira recepção do
direito romano como direito subsidiário na maior parte dos pai~ da Europa Ocidental.
Os costumes do SuJ da França, tal como os da Itália e da Espanha, oferecerão uma
menor resistência à infiJtração do direito romano que os do Norte da Europa Ocidental;
estão com efeito mais profundamente impregnados do direito romano que tinha
sobrevivido nessas regiões na época da pessoaJidade do direito. Chamar-se-á por isso ao
Sul da França os •pays de droit écrir- por oposição ao Norte, designado •pays de droit
courumier•. Na ttalidade, o direito do Sul é consuetudinário como o do Norte, mas esrá
muito mais próximo, pelas suas origens, do direito romano que renasce.
A linha de demarcação entre os •pays de droit écrit• e os •pays de droit
courumier,. não é absoJutamente fixa antes do século XIV; nesta q,oa, e até ao fim do
Antigo Regime, esta linha passa ao norte.da ilha de Oléron, da Saintonge, do Périgord,
do Llmous:n, depois ao suJ do Auvergne, salvo em aJguns cndaves, depois ao norte de
Forez, da região de Lyon, de Bresse aré ao lago de Genebra; mais a este, segue de perto a
cadeia setenrrionaJ dos Alpes (v. mapas p. 242 e 243).
O século XIII vê rarnbém sistemas de provas racionais substituírem as provas
irracionais, tais como os ordá.Jios e os duelos judiciários. AJ partes deixam de recorrer a
Deus para resolver os seus conflitos; prdem a JUizes, ou mesmo a Arbitros, para
investigarem a verdade e decidirem rendo em conta regras de direito. Justiça e equidade
aparecem como fundamentos do direito.
A formulação dum direito objectivo sobrepõe-se, no século XIII, à massa dos
direitos subjectivos. Durante a época feudaJ, a formulação de regras jurídicas tende quase
exclusivamente para o enunciado de direitos subjectivos, quer diur, direitos duma ou de
certas pessoas em relação a uma ou aJgumas outras pessoas. Tais eram, por exemplo, as
obrigações dum vassalo cm relação a um senhor. TaJ era tam~m. o que se chamava no
século XI em França as ams11dMfÍintJ, isto i, o enunciado, num acto de concessão, dos
direitos realengos tornados direitos senhoriais.
IRsde o século XII, os primeiros esforços de formulação dum direito objectivo
aparecem um pouco por toda a parte na Europa. Trata-se de regras de direito, aplicáveis a
todos os habitantes dum território ou a todos os membros dum grupo social
determinado, gozando duma cerca autonomia política. São, por exemplo, as regras de
direiro público e privado que se encontram nos privilégios concedidos às cidades ou nas
primeiras colectâneas de direito redigidas em alguns principados, ou ainda nos primeiros
acros legislarivos dos soberanos e dos grandes senhores m.
4
' ' R. C VAN C:AENEGEM •• Das Rttht un Mnr .. lah<'r•. in E•t11' ..t 11ruJ 'fl'-•~I Rtt1'rl1r4.r Tr-Jiti••••.
fmbur11·Müc:Mc! 197., p. 609-667:}. Gl~EN, ·Lo loi rr luOIMu~ chrn l'hiMoirc dudrair dc-pui1 lc hMic l'llOJ'ftl • · · R.,,_,1
242
t/rrir•H •• VI' tvtm ,.,,.., Jroil _,,.,r CHamhoiriro>. Bl'UM'IU 1964, p H-99 Cnoc. p. 63·64); l. GÉNICOT. Lt XIII',,.,,
,...,mi. cal. NGuwUt Clio, Pari' 1968; U. lrpn tlr j.ltt th _,,. if:t, 7.' ed .• Tautnao 1976; B. GlJÉNÉE, 1. 'Otiritlnrl MJC XIV'"
XV' oirln. Ui S-, mi. NauftO., Clio. l'lril, 1971;J. P. LIMAJllGNllR, u ,.,.._ ~: lc1-d _.,e.ai. U, Paris,
1970; F. LOT r R. FAWTIER, Hiu.M"'11.u11.t1MJ~-~ii~. 1. 1 ... ~-,.Jn;1. li: ... ..,.ki; 1. Ili: ialh"'~·
i 'l'O.I., Paris 19)7·1962; M PACAUT, IA -""11,.-J. NJmtlrat-'thlt.I, úl. U, Paris 1969; G. K. SC:HMELZEISEN.
·Obirkriws und subjclcri"'" Rcch1. Zu ihmn Vnhiilrnis im MirCC"lalCC"r•. Zril1. Sn. $1ifl. G-. A#., 1. 90. 197}. p. 101·1?0.
~o pmodo •~nor ., llicWo XJ.ll: G. DliVAD.I.Y, L'Omiir:w • X'- ,.;/a• XIII' 1Nrlt, Cal. U, Plril 19ro;
ll. DOEHARED, Lt ' - ' _,,. ér ......... úil. Nouwllr Cio, Pwia 1971; R. llOUTlluotE, so,:-;. 11 /Wllid, 2 """ Puil
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Polaca das Cifncial: L e,,,,,
•111< IX'-XI' u«la. -'"" •i1.n.. tia -io•u. Van6v• 1968.
m Sob~ 1 hisc6ria ,rral da fl"llll(ll. Wf sobmudo as 81'811dn colrcç6n h1Jf6ricu, ~ialmtt>IC' ~ 11 <1Nli1;11,.,.,,
fundada por L HAl.PHAN t P. SAGNAC. CI•. lnrwlwt- - lt.Jn ~.a N.M/lt Clio, diriJlida por ll. BOUTllUCHI! t
J. LEMEIU.E. Hill#n pr.lt, fundada por G. Gloa, HilMm l,lttw.I "" nWliwf.... dwlaida por M. CllOUZET, 1.·ete1111;,., "'
fH-m. Bili..,_ Jt ,,..,...--..,... 6IDIWa por H. BEIUl; R. MOUSNIU. lAI itu,_,_ Jr t. F - .-. 1. ~ tlf#/111,
Pam 1974. Sollft. h~ da &anrnm: N. GIRARDd'ALBJSSIN, (;llllllJrJ,t. t-t.m~-- ÚI _ _ .... , . . , ~
Jtl• F,_tlt 16J9• 1789, Puil 1970.
PRINOPADOS DA BÉLGICA
E DO NORTE DA f1lANÇA
sictJLos XV·XVID
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M MAUNBS
••• •• •• Pronttina F~ (Ma. X-XVI) .
T TOUU.IA.I Tfflnll•IU.ll
marítima e «onómica, conquista nos séculos XVII e XVIII vastas colónias na América e
na Ásia. O poder do rri, quase absoluto no século XVI com Henrique VIII e Isabel 1, foi
consideravelmente diminuído pelas duas rrvoluções liberais de 1648 e de 1688; é
doravante o Parlamento que domina. O parlamencarismo é, aí, aliado do liberalismo e do
capiralismo privado.
•6• E11con1nm·w _ , _ npaN<6M tobtt • harM•• daa i<'lriru~ clu ~M;N brl"81 11111 nfs a...ndn GblN
cnlrmvn: - AI,,_ G,.,li;.J,ru1 "1r N-..,...,,,,, 12 'IDI .. 1949·19,8, sob • direc<io dir J. F. NIEllMEYER. H. VAN
WERVEKE. J A. VAN HOUTTE. J ROMEIN r J. PllESSER. 2. 1 rdiçlo. urualiz..t., nn cuno; - ú V!J,_.. /#,...,,
11 ln
h<•-•. i,,,,.,,.. t t - r . rt1111M: mb • dim:<to ck H. HASQUIN, 2 O'OI., 8R1Hlas 19n-1976; - GaJNeJra11 - V,_.._,
6 vol.. Brwtlu - A11YC'R 19,6-1949. mbadi"«..,.lr R. VAN ROOSBROEK.
LºH11,_, "1 fklt.Nf'I', dr HENRI Plltl!ENE O ...i., BNHlu 1901·19,2; onovud. 11. 194fl..19~lu""9 ~ rilida. A lil'lica
hmóna chi iA1ri1uiç6c-s brl,11*1 dara do fim do thuJo XIX: E. POULLET. H111Wrr ,.,,.., IMliMJ.: •11.ian. ~· li
trt1t11fsr_1_1 MI ••1111•1-• J.,,, lo,.,,,,, p.,,.,.,. 2. • ed. l.ovai11a 1882· 1892; ftr camW<n E. POUUET, ln tMrlii.tiMI -;.,,ln
1"'1.ti Jr l'A "''"' R1J1-" ,...,,,, "',,• ...,.,_,.,,~,.de 1794. Mtrn. Acad. BrumN 19n'
_,, J LEJEUNE, ~,, ..,,,..)l. N,,,,,,,.,,f_,.,.1tllkllhi XllltXIV1, liit~ 1941;Li«ultlt1,,,...,,Uil.9"••·
Aaftft 1967; P. HARSIN, Etala cril'fM - r--.Jt /.,,.,.._. '1 '-"llt. 1477-119j, 3 wl. publ.a.b, 19H·l9'9; H. SACE,
IAI 111f11t•t-• /JO/HNf"" â 1'<1_r1 Jt LM,:r .. KVlll' 1#rk. lt.r ~" 1- Jw.~ lt.r. ttW Pan1 1908. SollR o Pai• dt- lool (acrual
prnvi11cia btlp ck Limbour,11~ J. BAERTEN. Hd ,,~ t- 1Xl'-XIV'-1 o.tu-•. ,Wr1Jt. """"/;,,,_. A-.. 1969; J. l YNA.
Hn t-11<1/11"4 1..-.. P,,/mdr "' 111tltllt ~,,., 1,n1"""'-i1, Bttingro 1916. Sobrr Su~ - MalmcdJ. G. MOISSE·
-DAXHEUT. ·IA pti11Cipmu~ dr Scaw!Ol-Malmody _.Ir ~imor dil Unlinal GWIJauor. ...... do l'iimmbng. ~ poli(iqua
rr insriNrionacll (1682· 1704>•. A.-. Pq d A11 Eltlu, '· 29. 196J.
248
d) A legislafão rr11/
A legislação toma-se por excelência a fonte viva do direito; rende a eliminar
progressivamente o cosrume, que revoga ou suplanta. É o soberano que legifera. Porém,
deve em princípio respeitar os usos e costumes do país; assim, legisla pouco cm matérias
civis e mesmo penais; a maior pane das leis diz respeito ao direito público e sobretudo ao
direito administrativo.
g) A do111ri114
A ciência do direito roma desde então um lugar considerável na evolução jurídica.
A dourrina, aJi'5, já não se centra exdusiwmente sobtt o estudo do direito romano e do
direito canónico, dedica-se wnbém a analisar leis e sobretudo cosrumes (doutrina
consuetudinária). No século XVII aparece, ncsre domínio, a escola de direiro natural que
vai favorecer a laicização e a unificação do direiro.
h) A j11ri1Jm1Jinâ11
Na sequência das ttformas da organização judiciária, tendentes designadamente a
instaurar jurisdições de ruuno, uma certa unificação do direiro poder6 runhml ser
realizada por via jurisprudencial. & decisões das altas jurisdições - por eumplo, os
Parlamenroc em França, o Gnande Conselho d~ MaliM-S ~ M C.onvlhn rmvinriai• dr jmiriça
nos Pafscs-Baixos - exercem wna influência real sobtt as jurisdições inkriotts que, sem
serem obrigadas a seguir a intcrprecaçio dada por essas jurisdições, não poderão todavia
opor-se-lhes sisremaricamenre. Em frBDÇI, os acórdãos de ·rigllWIDll•, dos Paclamenros terão
mesmo quase força de lei.
8. - O COSTUME
1. Definição e ca.racterfsricas
4RI J. GILISSEN. 1_. e--. Tumhowt 1982 CTypoiof!ir dn Sourcn du rnD1ft1 ip o«Mlrcmll. '-e. 411
A. LEBRUN. LA.--. 1t1 _ , , - - , ; ,. tirs;, '"°'·19J2; P. TlMBAL. LA-'-· - 6 Jr.it ,,,,..; /1~11.
cul"ID hisr. di~iro pl"iwdo, Pari1 19)8-19~9; N. BOBLBO. ,..,_,,,,_,,.,, 1940; I!.. CORTE.SE. i..-t"""'"•· SpHti ttwit111#1
tlir- ~- d-tt.. 2 ...,1. Millo 1962· l 964 teol. l11r1 _,...., 6); P. CB.A VER 1. Rit'-1# rali.,.,,_._ tltlt/lri110 '""1ltllt/irwr#
,,, F.-.-lm. xm.xv11. Milio 1969fcol. ,,.,, - . 12); L. 'WAl!LKENS,,.. 1Nwitél.tMt••""'J_,.," ,,,..,...,_ EtlitN..
n •ftf7N Jr w rr,l111iu 111r l• loi IÃ ""*" (1). 1. J. J2). Lticlrn 1984. TH. BÜHLH. G,..,,,.;,_.,,_ E"'lllllt- IC.Jif.JwH.,
Zuriqur 1977; J. GIUSSEN. • l.oi n cuuNmr; nqu• clr l"l'Wol.Mion dts tourcn du dioiun ~iqur du XJ .. ., XX• mcle•. R-
nrail ;_,;...1 ,,~...,._._ '~'- r 1.4n: .1. S..i" i.n ......... - .a.... 1-.......;,.. ... .....,,. ~ele.__ Ma,-cn la-e-,~
tl-6.·~ 1--.lillD.Wt ...... fHllnbu~ 1961> 1964, P- H-99; A. W. KAMPHUISl!N. G.u1w df. Ha.iJi 19J).
A Socied.dr )ftn Bodin -an o MV COllJtml'I clr 1984 • •u
ftllltume•. n1 hil40tia utoiwTsal do di'"'no; os tralalhm
ap1ttttrio rm Rll'Wil1 ót "1 S.1#111 ).,,. Wirr. r. ) 1 • "4.
191 O rnmo roltUIM pode 1n lllmldoem d i - -ridoJ:
- <OU\lme. etlqlllDIO íontt dr dimro. pGI' apol~'°. ·lti• ---.
- cmrumr. no llftlfido dt - dmlit iqn <~Mia: pai' nrmplo, o di'"'ica dr primqimónn ~ um ca11ume ru
lcladrM~u
- ..,.,ido
QlltfUllW, no dt -.juaro clu rearu <OftlllftUdiaúiu apliollat llWll lrupcl 1111:ial (p. n .. o C011u11M dos
francos, dm Visif!Odos, cb ~ banrut) ou ..tn um d.do rm-i16r10 Cp. n., o <ostume dr an-a.. clf Anwn. clr lkcle, dr
Hl.i1111ur. ele Fni~).
·Cosrumr• 1 clrriftdo cio IMim ...-..... llM<fl mcdinal mtd., nur-. - - A pa)a'll. - · . rom.11 do
iraliano , ..,_. cu1• ttimolaaiii 1•1DC1ma qur 1 cio fiuds •ftllltul'llC'•. primriro si~aiftena: llllllcini dr wr nrcrior -,nda
pelas n;isrulllft, p1n w r - : 111111ein clr w -;.. dtpois w.ruirio.
º
41 1 Tndui(io li"'"' e modcmm.11 do rf'rnl -n.ndk. RpfOduaido
mqui • wpr nn ~. n. 0 1. p. 267.
()u(rudriinicaft aatips dr~
J. B0\1TIWER. S - __. (1)9J. TourmilisHed . ...U I~). p. '): •Dniir - Clrir cte t. coumunua pds cgu1umier
, _ er pnWe -m-. tt 4quipollt il lar plf l'.....olmiaon des wie• da pú. m ~'"' qu'oa a'úc piim - n11tt ln
pmmt le CODltaW• -
J. DOMAT, Unr Cmm, Lnft prlliminMft' (f.Uu~ dts l.oi1), up. XI. 46 fcd. Paris 17'1, p. XXlllt. .o. casnillMI sio
lris qur rui - cwi,-nn nio Ílnlll escrins, mm qw mm naibttttida. ou prlo C111Wmimtneo dr 11111 pena. r por uma espk>r dr
conttncfio t'all alm"'"lm ou por um - ilmmlwl qur • mCGri-·.
Vtt ramWm u ddiniç61s clr 116rtmo, rim* M{rtt p. "48. r .._ lHMl.Ja •e;~ IX 02}4), cinda..,,. P- 147.
Cittrno1 aind. alJunm drf~ raoden..., pGI' hiMOR.lora do d.imro:
P. TIMBlt.L ffl. ri1 .• p. 22): · O _ , um _, iurfdico oral, cacmgmdo pelo mnpo t 1ttitt Pfl• pcpull(io dum
rttrirclrio ckttnninado•.
A. LEBllUN "'· ,;;_, p. 220): o - f · - iqin clr dittito lllo amn, 1111Ciclt c1r liacrm drtmniftldoil. qut,
""""tfldo u JllUlfia ...,.._, iDdinm ., -.._, clr nmici,. corma - ele se ~ ~ r a <Oftdura qut t~ drvt
obKnsf 11U - tt~ IOCÍ8il•.
25 J
caldh coustumr par r.Wble consrnlt'mmr dr pNplf .. Cousaune" waiJr di1Rttn1: or ~rwnr cw druir, mais usai~ n.r (1ir•
''" Mnmo - dil't'i-rol rnodttnol. e141 oblip(io nla I! santioMib s-b ~i; mu o &no dr sr nibtr wm roupu por'..r du
"'°' ,_
h11ru 1 pnsef:u~ do chdir por injrátil pública - bom c:alnllMS. isro I! ptteisamffttt o q.., ~ u111sidrndo como <OMririo
num dcr.-rmiado lup «" num diido ttlftCIO.
252
1141
Assim. i-- romar um C'llrlllpla modrftlo. "'hDnorároos das uqu1r«- ào l!CftlllWft~ fi:udc. a ~'* do cuaco dm
rrabalhol, na flih1 de- COM'C'BC;io C011rNi1: f um CDININ' odmirido prlM mbunaía; pelo cocvr'1io. a jurdpnldmcia _.... o e11rlc:1n
M USO dos mhodas M calculo rbixndoa unil1~ndmct11ir pw um1 OU OUfta -ia('° proÍluionLI df atqvilftlOI.
'''' ULPJANO.R11u,l,4:M_,_,.,,,.,_,,,_,,,1_,,..-1111r.-.
11411 Bl!AUMANOJll, 'f. tit., n. 0 6U Ili, )46): ..C.WUunw ... ..Wn1m11r de si lcw lallS ~ il .,_. -.i-Ur à
hom~ ... •. Em ln11i.rl'tn. o - I.· qur o ;..Ir consoclrrou d«lando, 'o cOMwne nllC'moria.I do"''""; odmuir·w 1odavoa um
limirl' ac>t•-./ __,. 1189. daradll'irn(iodr RicerdoConçiodir lrio(ilr,fr~l.
253
1171 J. BOUTEU.11!.R. S - --'· 1, U, (p. 6): •Coulruaw IMinmiue .., Ir rmnr clt di• IN nulc, 1.i rllr esr
cont0n1ntt •u dtoic acripr •.
1111 Ellftl!lpb: rm Toum1i, o ..,; dr FIUl(ll Louis IX 1nul1 ecn 1267 • _,.,,.. ,,_ ""-14111 ,_,;., """"*''•· 111tOti11ndo
um auusino ru,iri.-o ou clnrnndo 1 rrsg1rar o seu di..,ico clt bu19tmil mnlianw qmno libras, canraam CIUC' IC' ~ m'OflCilildo
com os p1i1 do morto (L VBRll.IEST, e_,,,_,_ .. Towoai, r. I, p. 144); o cOfldc! dr Hurmu, Guill11111nr da a.vn, edirou rm 1410
d118$ -io.,.,,an ttndmrn 1 Rforrnu *im cmrwnes •muiroconr11 raAot jmclca•: rã.lo 1 pedido dm Esodm dD Hai...,r qur lhr
pedrm que: ckamaa •raU - CDIWlllS e--. C' llCllllf llllP' "Jl'ODha e conHin. boas e> ID06.n. cmnc11, lrls r - · (CH. PAIDER,
c.. a.
1.-. .. , H.;,,_,, r. 1. p. ·80 r 88). F. OUVlll·MARTIN, ·~ RGé dr FIUICc tt les nninai1rs courwnn 111 rnoyen ~·.
Ztl1J. Sa. - S1i/1.. G-. '°'"'·· r. ~. 1938. p. IOS.137;J. GILISHN. ·Loi n C-runw. Qurlqun up«n dr l'rnrnpmttrvron
clft sourns du drolr dans rancitft clruir btl3r-. Ti,Jrir. R~., r. 21, 1953, p. 1'7-296.
1
ltl hi o que limmom OI condn r duques das principedot bdp no ; . - - qur plftCalMI no momc"nro da -
i ruupnçto, a panir do IKulo XIV.
254
1100 J. BQUTIWER. s-ntr.J, l, 11 Ccd. 160~. p. 7> -Sci_llrnt unuhow ..nCour1di.m-c ~1111ttn 1tillttn dr si
loftJt c.. m~ q11r nul dn frrqumtuH d' ~llr Cour iw k - i n t ftl doutt·.
a) Nas XVII Províncias dos Pays át par-tkfà, conseguiu-se contar cerca de 600
cosrnmes rerricoriais dittrmtes nos s«ulos XV e XVI, isto é, na~ em que a sua
redacção foi ordenada pelas autoridades. O seu número deve rer sido mais elevado no
decurso dos séculos precedentes. O processo de redacção oficial conduziu a uma cena
unificação; mas permaneceu pelo menos uma centena até ao fim do século XVIII 1211.
Foi por isso ~ não houve""' antigo d~ito belga ou ""'antigo direito neerlandês, isro
é. um direito consuetudinário comum ao conjunto das províncias belgas ou neerlandesas,
mas centenas de direitos consuetudinários, mais ou menos diferenrcs uns dos outros.
Houve, é cerro, em algumas províncias, um esforço de unificação durante os séculos
XVI e XVII; por exemplo, o costume do condado de Namur substituiu pelo menos cinco
costumes locais a panir de 1~64; o do ducado de Luxemburgo substituiu mais de cem
costumes locais a partir de 1623. No principado eclesiástico de Li~ge (situado fora do
quadro político dos PllJs át par-átfJI), a unificação tinha sido realizada - com algumas
reservas - desde o século XIII mt
Nas outras províncias, o parcelamento dos tiltroits consuetudinários subsistiu até ao
século XVIII. Examinando o mapa anexo, constatar-se-á que no ducado de Bnbante, por
exemplo, havia uns cinquenta costumes mais ou menos distinros. Assim, existiam:
-um costume de Bruxelas, aplicável na cidade e nalgumas aldeias dos arredores;
-um costume de Uccle, aplicbel em cerca de 50 aldeias situadas na sua maior
parte no :actual Arrowdi11-1 (subprefeitura) de Brux•las 12'\
- um costume de Alsemberg e Rhode, próprio destas duas aldeias;
- um costume de l..eeuw-Sainr-Pierre, aplicado em algumas aldeias a sudoeste de
Bruxelas;
- um costume de Nivelles, aplicado sobrerudo nas cidades e aldeias do domínio da
abadia de Nivelles, e também nalgumas casas situadas no cenrro de Bruxelas;
- um costume de Lovaina, aplicando-se em mais de 200 aldeias dos actuais
arrondissnntnlJ de Lovaina e Niftll~;
•Ili Lis11 dm c...1umn elas Prvwln<;. bcl.ttiaJ r Juas dl .... ttdoc~in,.. tdll(ãa rm Ul>Jl... Ínncft9 d1 pRWMr /11..brita
IH11#rt•,.. D1n1n. p. 272-276 r nn J. GILISSEN, ·ln~ clr la coddia1ion t'"l clr l'homol1>j1111m-1 eles cuu1umn dlru ln XVII
Provincts dts ,..,,.e.... T1p/1. RtrM•tftlh., r. 18, 19,0, p. W. 67 r 2'9·290. EH.brloci o ....,.. dm C01Cumn dos f'lii"" Bli-
0
mrrid1on11s com • 11ucb dr dacwnrn1m dm s«ub XVI r XVII, r a!Jlumu wzn m1is 111u11m; o ,,..... dr 11nndr l'ann110
rnconrrs-w ~inda int.liro: cumprft'lldr runWm .. PMta Blli:m1 s.nm1ri0Mu. Til CómO ""I"'w publica. i' ro. rGf'Mdo público 1111
m1nlui 1111..J nM,., , C( \: •Brl,l(iq"" rr Nard dr la Fnntt•
' 111 J GIUSSEN. ·EIJons d"U11ifianon du dmi1 coucum1n brl"4' ,.,. XVI' rc XVII• •i«ln·. MH...,n G-.. s-1.
19U. p. 29)-' 17 A unificil(io dD d1tt1to dr Li~~ rnuh-a pronmmmrr da obripc;io..,. muica ,.,.,ildi(6n locais, dr - m 111
drprndincia dos nob1ftM dr L1~~ drsd. o s«ulo XIII.
'1'• J. GR.JSSEN. • Lr dt0t1 counimin d"lhdr•, rm S ORA PIER-BA llT1Ell, S. VALSCHAEllTS-GIUS'SEN r ouuos:
Utth, - - • t..,.t-/r.iiM B....IMi111, r. I.", BNH.. 1918, p. 199-:MJ. O mapaannodl clisuibui(iodoe ,_.,_da
re11: iio dr Bruarlaa i irirrrUdo chSI ohn
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2~8
1141 ConWm llOfV qur mrtt m <a1rumn dt Bnmnll' heria por um lado COlnlmn urb.noJ. pn!prim dt ralou ral cida l'
dl!' al11uma1 aldrias !Brm:rlu. An'l'MI, Litttt, Aancho!:, Dil!"lf. l!'rc.) I!' por ourro lado (Qlrumn nini• aplic..tm num nulnrt'O
ttlariva~ll' t'IC'ftdo dt aJdtie da ll'jliiio plana Clkdl', z.ndhawt!, .il'rrrn). l' 1md1 <mrurnet misros apltdwis ao mnma ttmpo
nas cidadrt l' em numc-- aldriu IL:naim. Niwllrsl- Uma tirua(io totmrlhlntC' esiltiu 1111 Flandll'S, rm Hainaur l' em Anais. Sobn-
11 dikm1c;u Hiil' COHW'lll!'$ udianos e (OIN!fte Nnil, tf. J GILIS.Sl!N e I. ROCGEN. •Us pmbltmn du droir awi9' urbain ftl
Bel11ique•, l'm L4 Vilh. ~-· putt, RKWt/1 "11.ts.ttff}...,, BJ,., 1. S, Bnarlu 1'»7. P- 221-284.
1n1 O lftllpllm Pruiça ~in6ri1 ll'produz.ido a w11uir t n:uaido ela olNa dt KLIMRATH. T,...._,. ,,. n,,,,_..,ó
tlni1 /r•llf•i•. 1. li. Pari1 18'0, «' l'l'produzido J*'CWmrtlft mrri1tido, 1111 bibliof!ralia dr hurôtia do dirrirn -F~ C1n1n dr 17891·.
in J. GILISSEN !cd.). 1111...J. ~W;.,:r.. "1· til.• 8/1. A allftdt J- YVER. EJwit/t ~_,..wn_ q.,l11'tstrr JM,,_,,, _,.,,..
J,, t•/11.,1 "111<. 1966, "PflJlliuiu-o., •ilimu-e no quadio dt um 1!"11-udo sot>e o d11C'i10 dt 1UCC'tlio.
259
3. A prova do costume
Não há dificuldade em provar a existência duma regra de direito atabtltdda po,. lti,
dado que a lei é, em geral, escrita; à parte que invoca a regra basta referir-se à lei que
invoca, se for necessário, apresentando uma cópia. Além do mais, é de supor que as leis são
conhecidas de todos, e sobretudo dos juízes, desde que publicadas, porque t1ntUJ hgtm
i1.n<>ra'l rm1tlur (ninguém pode ignorar a lei).
O modo de fazer a prova da existência duma regra jurídica ~ela-se muito mais
difícil quando esra é de origem consuetudinária. Esta dificuldade é na realidade diminuída
porque os juízes são geralmente escolhidos enttt as pessoas mais qualificadas do grupo
social; são, de facto,~ mdhures conhecedores do costume que se ptttende ver aplicado.
É esre o caso na maior parte das sociedades arcaicas; é também o caso na Baixa Idade Média
cm que os juízes são geralmente ~lhidos entre os notáveis da cidade ou da aldeia.
O que não impede que o problema da prova do costume tenha sido posto com
frequência. No entanto, só a partir do século XIII surgem processos próprios para a prova
do costume: os registos de costumes, a inquirição por rurba, etc. r2'~
Até então, o juiz não fazia distinção entre a prova da norma jurídica e a prova dos
factos, dado o carácter irracional dos meios de prova. Estes meios são, nesta época como na
época franca, sobtttudo os ord'1ios e os julgamentos de Deus, meios de prova que fazem
apelo à intervenção divina: é Deus que permite ao inocente vencer, e ao culpado ser vencido
na prova que Jhe é imposta. O juiz contenta-se com a verificação de que o processo da prova
se desenrolou regularmente e deduzir daí a conclusão indicada pela divindade. Estes meios
de prova não tendem pois a provar a exisre-ncia duma regra de direito coosuerudinúio, nem
tão pouco a provar o facto invocado por uma ou outra das partes; tendem a p6r fim ao lidsio
por apelo a Deus (infra, 3.ª parte, cap. IV). Jndirectamente, o juJgamenrode Deus podia,
contudo, estabelecec uma regra jurídica; este foi o caso, por exemplo, em 938 na região do
061 H. PIS'SARD. E•.,.;,,,,'•_.._ d "',,_,. tlt,. ___ Plrn 1910; J. GIUSSl!N, •U ponlft . . . ( _ , , _
dl3S l'.ncim droir bc-lsc-o, in ff-xtj,., ~. 196,. p. u,3.,94; R. flLHOl. •u pieuw«ll coun.nwdam l"ancim clrvif
Íran(ad•, Rtt11til1 S.1/11 J- s.J;., 1. 17. 196,, p. n7·H3: P. CllAVEllf, Rirlll'rt6t 1JI• f.-a• M J;r;n. -.JiurM;,,
Fr111rU.. op. cir. fprincipalmrnre ~o i~ro par ruirba).
260
Ruhr, onde Orão ordenou an: duelo judiciário para saber se, segundo o costume do lugar, a
representação sucessória na linha reera era admitida.
Os ordálios rendem a desaparecer nos skulos XII e XIII. Os meios de prova
tornam-se enrão racionais; procura-se estabelecer a verdade, sem inrervenção da divindade;
isso será feito por meio de testemunhas, por apresentação de documentos escritos, por
precedentes judiciários.
Ao mesmo tempo ~tabelece-se cada vez mais nitidamente a distinção entre a prova
dos factos e a das regras jurídicas invocadas. serão, n<>rmalmenre, du.u investigações
diferentes: uma incidirá sobre a existência do costume invocado, aua~ da audição de
pessoas que o conhecem; a outra, sobre a realidade dos factos, por audição das testemunhas
dt 11ÍJ11 ou por qualquer outro meio de prova.
Quanto à prova do costume, distinguem-se desde logo:
- ~costume notório: é o que o juiz conhece, quer pela sua experiência e pelas suas
qualificações, quer pela sua ligação ao grupo social; neste caso, as panes não têm que
provar a regra consuetudinária;
- o costume privado: a prova do seu conteúdo deve ser feira perante o juiz; a maior
parte das vezes, o ónus recai sobre aquele que invoca o costume conresrado 1m.
Esta prova do costume podia ser feita por todos os meios admitidos em direito;
podiam invocar-se precedenres; podia ordenar-se uma inquirição de testemunhas, erc.
No entanto, no Noroeste do continente, surgiram trts meios particulares de prova
do costume no século xm.
mi Sc~undo JICqlln l>'ABLEJGES lqur b mnsrlhrim elo cidaolr dt Toumai ftll 1)91· 1}92> na""" GrnJC..t--"1
Fr11«1: •Qutm invoca conumt. podr 1rmri-lo coma pri....lo ou llDIÓfio; a nor4tio fio i disnic;ia do juiz • a pm.da dtft pconr..,
pot rurba•. (f'd. IL LABOUL\YE • R. DARESTE. Paris 1868. p. 192). A rcotia elo notoritd.le. dom'W'Dl•icl.o prlm onan11a11 t
pelos romanitru dnck o tkulo XIII. inspirou ttnunrmt Nm dini111;io. A diacindn foi -•chi 11# IO lim .., Ant11ta Rqiinw.
SOHl!T, - KUS lauit1111 tlt J,.,1 public.!oi em 1772. nnnr linda: ·Quendo •lunw f not&io, u pana nio dewm M'f
alHipdu 1 Í911C"r a,.. p.-a•. CBo..illiwl. 1772. p. U).
261
chamadas npecialmenre para o efeiro•. Mais tarde, foram chamados 111rbim ou co11111mim;
recordam os laxbman, os 11111.11, os rathi111"°"'1,1 dos cosrumes escandinavos, frisões, francos
(111Jwa). Eram geralmente •anciãos• da cidade, da aldeia, da região na qual o costume era
aplicado: quando, mais l'arde, surgiu o hábi.to de nduzir as rurbas a escrito, indicava-~
geralmente a idade dos panicipantes (com frequência muito avançada), a antiga profissão
(geraJmenre antigos juízes, escabinos, advogados, etc.), o tempo durance o qual tinham
exercido esta função, etc. (v. documento 4 a a e, p. 284).
Os tllrbim eram sempre pelo menos em númm> de dez, constituindo assim wna 1""6a
uma pequena multidão a.; mu muim ~ eram 12, 13, 17, 21, aJgwnas yezes 50 ou 70.
Deviam prestar o jwamenro de dizer o que sabiam do cosrume invocado. Drpois ele se rerem
tttirado e~ ttrem deliberado, aprovavam a sua decisão que devia ser romada por WWlimi~:
deviam falar •por uma s6 boca•. Dtste modo bastava o desacordo dum único t11rhitr para
que a prova da regra consuetudinária não fosse conseguida. No entanto, a prova contrária
não era por esse facto estabelecida; era necessário reunir para esse efeito uma nova turba.
Qual era o valor obrigatório da decisão da turba? Vinculava ou não o juiz.? Nos
s~culos XIII e XIV, a opinião dominante era que a convicção intíma do juiz devia
prevalecer. A partir do século XJ, cm algumas regiões, &z.ia-se aplicação do provérbio TtitiJ
"""'· ltJlis 1111/úa: urna única turba era considerada como não exprimindo senão a opinião
duma única testemunha; pelo contrário, se duas turbas decidiam no mesmo sencido, os
juízes sentiam-se vinculados '~t
As inquirições por turba foram muiro numerosas, designadamente, na~
províncias belgas e holandesas ati ao século XVI '""· A redacção oficial dos costumes p&
então fim a esse proc~o de prova, a maior pane das vezes de maneira 6pressa; não
obstante esta proibição, encontram-se ainda turbas no s«ulo XVII, e mesmo até ao fim do
XVIII.
Em Franc;a, a or"41111ana sobre o processo civil de 1667 suprimiu a inquirição por
curba; substituiu-a pela •Certificação de costume• dada por alguns jurisconsulros
competentes, sem respeitar formas paniculares. Este último processo subsiste ainda hoje,
designadamente no direito internacional privado.
' 1111 Na O.~a (XLVII, 8, 4, "· 1.n. dn111n• um• rnulndi.o dt dn • ~111air Pft'°"' c<1wol ..idas C'lll rumulcm, numa
ria: 11 /l•rafllllftl•I, ""- .,./ ..,.-n.1-J_ ,....._.,_
ACÚRSIO<nn Dig XLVII, 10, 71glolou no lkula XIII: T..... /iltJt
Jtr,. '-"''ª'"" _
·~ A ptVWa do <ONUIM por rurt. tofmi .,im 1 iníluf-n< .. da ''""ma rvrn1110·c""6nica m ....,..._ Rriul•tntftco do
Consclho-Mot ck Malinn, 1~22, •n. 18(ftl_ LAUIUNT~ LAMl!ElE, Rtr- OrJ. p.,,.s..,,
2.• • .. r. li. P- 175t: •UllUI c\lfbaqicnu
K"râ con11d1 corno urn11 rn1nnunha•. G_ DE GHEWfl:T. lm1u1rio1u Jt "-1 lttJ,..,..., 1776 (p. 4611: -~ nttriNno dUN rurbu .. -•
porqUC" •prur dt cada ruiba wr composc1 pcw dn ICfvopdol ou prtricOI. nio ~ rid1 ~m cone• Knio como uma rnmn.111ti.•.
UGJ Lista das inquiriça pm rwba n11 J. GWSSEN, L..o ,,,_ tlt 1. - - · fl. <11., p. )71 ~ •- Albn diuo:
C. DOUXCHAMPS-LEFEVllhP. GODDING, li...,,_1,,,wJ.c,.,_IJJtN-ll496·16JOI, .,_..1972.
262
1•11 ~ larim "'""'-'· ft'tllftnOIV. lrmlxaMr. A npmsio •recanl • courumn• 1 uriliuda ~udo no Et!C' C' Sul d1
MIJKa. N1 Alcnunlu, ffllPfCP·K IObmudD o rcrma 1F1ilt-; ffll llftli.ndk "''"'-· No Eltc d. P~. chamamo·lhn IObm1*
•tapporu • droin•.
rlhSolitt e uscmblti!IJ (!imil. cf. ,,,,,.. p.
''"Obripçia pua .. laliiw11n dr couro ... pio no lorno do wnhor Clíirno buaJ). de moer o 1n1 rri,lio no 11101nho do
Knhot (moinho t.nal)_
u41 L. YEIUUIST, S-- "1 rliiu.M"" Mil ,,,,,,/, e_,., • -"' "1 - ,, "" 1m J. rJ.ft.J- "' r - '-" t1t
Hllirwlll, Mom-Pwnnicl 1946; E. PONCEIBT, M. YANSrG. HANSOTI'E, Lll-"'J.-•,,..,,,J,~. Bnmlia 19,8;
J. HABETS, Li-.,w 'iri,...._., Hail 1891; M. HARDT, ~ Wnuw-. l.mnnhu'f.'O 1870. Sob a duttcio de
l. Cifnicor, a Conl"*' das Atlrip Lfts e~ publica .malmcntt os iqistos de n111umn dt EMIT Sambtt e Mcwr.
Abuod1mr lirenrura sobft °"
'f!lti11"- n1 Ale-b. e ru A111uia; duas graadrs calrc:ç6n clr rniu. J. GRIMM,
WmtM_,.,, 6 vol., 1840-1869: ttimp. 1~7; ÔIWnidNNbt lf"tnl._, public. . ~la ÓlllPnN6iJd. A"""-#tlw Wis,,.dtifr, dn.dr
1870, 18 'l'OI. Bibl~nl'11 mi D. WllKMÜU.H, :Ul.r AMPt-- nJ VM-tifntr tlw Wnr'*-'-" Jtr s-I•• ,... J•W
Gn-, Berlim 1972. C' H. BALTI.. Dirilllrr-6idmr 1Vlliall9r, mM,,.,.,,,_1,,.,itrtlJ{*rilllrr. ~. r. '9. l~I. p. '61-.
rm Num auco dr l '61, o prl.nc:ipr-IMspo • IJrri• •
q~ O itquemall rm -
t• ordma - ttmbioos dcsm cidlldr: •que ICOlllC'lhtm rodas os
. . _ • lri do pú. qur Cll itifWICIMI .pm; qun d.ip raprirD l -!OjcWr da cidldr, qurf 1 ......
f. Ili dose-·-
~- 1 unu• CRAIKEM. C--"1ir.,u'1t..M,... r. li, p. 16>. Numr~tt11is-drdllnlmn•~p forampublicadolno
á ,.,, .,,.,. Eimnplo• ' . ~rv• 1116: •.INnjoesllC'I, clcOiaudct. requrrcenificado eolltto CUOC'
263
o pomo sc11uintt, • abrr: sr um dom e ..,. promnu kiu dn. Lens • h.!rdar num c0<11n10 dr caamenro... e-te. . . - únifica,,_
q~ 1 po51e conrlm• cluninre cln U101 do dom",,_._ dm bnis • hMbt em <Ol'lu11oa dr~. tquiw.IC' li ·~ elri11icb
~· dir• lti dol dons e i-11111 11Upci•is· (1. Ili, p. 67>.
CMI O rttmo •mdluge- f empnpir tollfnudo,. Rqiio ck LW~ e . . rqàs •iairilm. Em nccrland&: 11lwfJr1••·
R. MONIER. -lz muunichd'dr1m1m moren•--lesftlll!S tlumndrt•, Rttwâ/'Wr/, 1927. p. )-19: 8. H O. HERMESOOllF.
•Te haofde 11un•, Vml . ..J.J. o./V..I. R«bt, r. XI, 19)-4. p. 17-50.
on Do.ai, 1 pmnit de' 1228, podr pedir Clllm'lho Ol'ldit C'h qlll'in: ,...,Ji- ~ ,__,,-. Nlwrtt IG. ESP1NAS. Li V1t
n"111w;, 0.-1, r. Ili, Paris 190. p. 2-0. Em 152), oa"90bi-dr Uccluioconsulndouobtt diW'IUl q1W1rórs dos~'" couumn
prlo f'.ol!M'lt.Mor eh: Malinn (I!. M. MEJJERS, S'at-Br'"'-ido bfrdt, Biji.,m, p. 20).
1111 Ver o rn1p11. rnuico IUfleMi'l'O, dm aabinalW do ducado dr Bnb.ntt no Mnllo XV com 1ndicac6o cio llftl mbuMI
svptrior. public.do pcw R. BYL. 1.11 j1'rNINtiaJ,..,....,J,,, .,.
n1. e lqllOduz.do por J. Gl~EN. Lll e--·•· nt., p. ~9-~9-
264
1191 ürct dr 400 perttrrn íorom m:ensndm 00~1 compil1(io <h1meda ·Tout lieu dr Sain1-Di1irr• lpubli<ad• pOf
L. GILUODTS-YAN Sl!VERl!N. <:.1-Jrl• 'l'illd'Ytm. 1. 11. 1908, p. 61-1971.
265
l4111 H. PIRENNE, LIJ 1.Jla 11 la r•llll-1,_, •""•••. 2.•"' , Bn.atla6 19,9: f_ L GAN'SHOF. ·Le dmi1 ufbli""'
P11ndtt au ~r • la pttmibr pt- dr sua hi..-oirr ( 1127}, Ti~Jtlw_ RtrhtlP"l.- , 1, 19. 1911. U. Llkrli1 • .,.,,.,., ti '"'•"' ,/11 XI'
"" "',,.. 1iirk. Anl'Ulotiili ck ntudol pultliada por Pm Ci•ímr, col. Hâiroitt, "·º 19. Bn.adu 1968. Nurrwr..- canas urt>-rm
fonm publicadas rm M. MARTl!NS. RlrWll ,J, lalln tfhi- rr6,,,_ M,,.. "'1 .,,,,., "" - ' - J11XIII'1Pkk, cal. Et-6.. /ttu1M•
lmrlri« -W, r. 1. l..udrn 1967, p. 297 ..04. A -irdmdr Je.i Badín c~n:11111rft col6quiot u 1M111uÍ(õn ...t.nu: as 1...i..Jhm
foram publicldm rm R...tli. u Vilk. r, VI. l11J1rlrll,_, .J.nu11r-1nn ti ~'"', BNatlG l 'n4 lllOI. J. Gll..ISSEN, ·ln nlln rn
Brlttiqur•. P- H l ·603 t •ln in11i1uticwil mlrninarn1i""' r judici1irrs. \'UltS 10U1 l'1111:lt ck l'laiMOitt compuatiw•, p. 1-26>. r. VII:
l111111.1iow1 ~ti wwla, BNJJdal 19~~ Cnoc. J. Gll..ISSEN, ·ln insciruriOID kanomiqun" roc:ialn dn .-illn. n.n - l
l'IJ\flle dr l'hilcoirr-...O'lt•. p. ~-28>. 1. VIU: Lt"'-'"""· BruR1m 19H , ... _J. GD.JSSEN, ·lrdloi1 privtdnYilb. "''°"' rlftlllr
dr l'tuMoil'C' ~ÍW'·. p. ').24 t l'tl'I colab com 1. ROOGEN. •lr problrmr du dniic iwi~ uri.in l'fl'I Bd,:iqur•. p. 221-284l.
l411 Drnnu dr cidlldn t ddriu do Sul do lwDnnbu.it0 foram ismos no inicio cio tkulo XIII. CONtJuindo qur os
iwí•ill!11ios cooc~idos l ddri1 • 8-r-<t1·Arpnr (fnn(JI) lhes faunn nm~ concedidas rm 1 1112 (C. JOSET. ln 11/10 J.
D.-hf tlt LM--.,. C1196-1,83). Bl"ll&rm·Loníne 1940. No Sudmr cio Bnb.ntt, u 11driu obriwnm u lt,:r. ,.,,__,, o di~oro
dr l..oYairu • ._t1or11l0& XII r XIII.
266
h J Os •(YJlll11mitrs •
Dá-se em França o no~ de •courumiers.. a obras privadas, nas quais um
parricular expõe as regras de direito consuetudinário duma dada região. Estas obras não
c~m nenhum carácrer oficial, em oposição aos privilégios urbanos. e territoriais.
Nos países de língua germânica, chamou-se a este género de recolhas, geralmente,
Rtchtshikhtr, r«hsthothn (livros de direito), o que evitava fazer alusão à fonte do direito
exposto. Na Península Ibérica, as ttdacções de costumes ·apresentam-se sob a forma de
/11ero1, em espanhol, de/orais, em português.
Os autores desses COllllHllÍf:"l ou livros ~e direito são seralmente práticos do direito, a
maior pane cm vezes oficiais de justiça: bailios, scncscais, ltomilts (ouvidores), ilffllM1IJ, erc. 14•1.
Chamados a panicipar na actividade judiciária numa região que, muiras vezes, não é o seu
país de origem, sentem necessidade de reduzir a escrito os resultados da sua experiência.
Baseiam o seu conh«imento do cosrume nas decisões judici,rias que prokriram ou
fiuram proferir; a jurisprudência foi assim muitas vezes a principal fonte que os aurores
utilizaram. Algumas vezes acé, a origem jurisprudencial da sua informação ainda é
evidente, no sentido que citam os nomes e os argumentos das parres, bem como a dara do
julgamento (exemplo: o Paweilhar de Liege). Esses oficiais de justiça constituem o mais
antigo grupo de juristas leigos; sem terem recebido qualquer formação universitária - os
•legistas• só aparecerão no fim do século XIII - vários dentre eles possuem, no entanto,
um cerro conhecimento dos direitos erudiros, que exjbirio nas suas obras. Mas, a maior
parte das veus, contentam-se com descrever o direito consuetudinário; alguns esforçam-se
no entanto por compreendê-lo e explicá-lo; as suas obras constituem os primeiros trabalhos
de doutrina sobre o direito aplicado nas dikrentes regiões da Europa Ocidental e
Central 144>.
•·UI Vr:r m manLUu df! hi116na do dimro espanhol e pon1111Llh. R. GIBERT, El/'dw, na lrr1Ntilld1M ~Hr~W,
•· m., Cf7, Bnixlu 1967. Cuna oot•. mbtr mf-, munim biblio11rafl• aburodu.tt. dr F. "Arm•, in R- ,,.,,.,,.,.,tlltlrwt
"'' Em ft"al'(a, 011 bailiOll nam. na. lkulDI XIII-XV, ot ptinci119il ~dom -llliliadot. <immKri<6n 1nn1ori111
rfl11inmrn1C' cs1C'll-; nm:iun fu~ alminiso•i- C' ;..dici•riu. No Sul, u liln(6n dol baila lfti• mm nmiolu ptlot
IC'nn<aii, nu srncscalJu. No cond8do da FIMdrn <GlllD DOUllUI ptiacipedoa bdp. Oll búU. nwri, • panit do tkulo XIII, OI
~ do conde na e~ llmieoriail, rendo ~ nwico similam - bUIQ &aia, ..ivo f!lll maffrie judici6ria. l!m
Brabuur, HailWlt, l..írF. nc., m .,..wa mmiroriais do lftlhm _..~e - - nona:'"""'*·~.-· m:.
ti.ti-"'-,; ,...,_ tlt J,, M.i.- M ~ (1406), an-la 1948; H. NOWÉ, Lo lwJ/iJ - · fl/MIJ,r,
,.1n
•wi C. KER REM ANS, l!t_,, ,.,, m,_rn,,,;.,1jfJirWirn11 ""'-••iitrM1rr1 â Brwltnl" la e{/Kiln JH«it .t 1- tiN
""orir•-,; t.
/i• J11 XV1. «Jidr, llnlllrlu 1929;J. VAN ROMPAEY, Hfl r-frlq/t lwl,.W...."' V"-'-li'*"tlt Boaa rsm,.-. BNRlu 1967.
268
1. 0 Na lltília
Os costumes da maior parte das grandes cidades italianas foram reduzidos a escrito
no século XII e sobretudo no século XIII.
Por exemplo cm Veneu, uma recolha de Usm Vt11111W11m dara de meados do skúlo
XII; foi reconhecido oficialmente pelo doge Dandolo em 119~. O Splnulor «Jns11et11din11m
dt itatiJ Vtntt1W11m, escrito no começo do s«ulo XIII por Jacopo Bertaldo, chanceler da
1
2. 0 Ptnínsula lbtric•
Numtrosos fllmJJ txlm101 são, na origem, textos de cosru~ locais ou regionais,
que remontam aos séculos XII e XIII; são ainda, a maior parte das vezes, esracuros
municipais (111fwa), cont~m também redacçõcs de direito consuetudinário privado, como
os •coutumiers• aliás. Alguns aré chamam-se/wos '«JJl111rtts, como os da Guarda ou de
Castelo Rodrigo. Na Catalunha, aliás, recolhas similares chamam-se «Jn111t111di11t:J
(Gerona, Urida) ou íOJ/11mbm (Tortosa).
A recolha de direito mais importante e mais célebre da Espanha medieval, as Si1tt
Partida1 (as sete partes) não é um ro11111mitr, mas antes uma recolha de acros legislativos de
3. 0 Em Fran(a
Os ro11111mitrs aparecem primeiro na Normandia. Um Tris 1111â111 co11111111iw dt
Normtmdit foi escrito cm latim, a primeira pene provavelmente cerca de 1200, a segunda
cerca de 1220; é muito sumário e puramente descritivo. Foi suplantado pela S11mma dt
l~ih11s Normanniat, escrita pelos anos 1254-1258. Num estilo conciso e claro, o autor
desenvolve aí as regras do direito consuctudini\rio normando; mostra-se bom jurista, bem
ao corrente do direito laico ao mesmo tempo que do direito canónico. É uma das raras
r~acções privadas que fomn desde o ~lo XIV m:onhccidas oficialSMntc pela
autoridade real; foi aplicada na Nonnandia até ns3. Os juízes das ilhas de Jersey e
Guernesey proferem ainda hoje as suas sentenças com base na Summa do século XIII. r\11
Na região de lle-dc-Prance, encontra-se a partir de 12,0, nomeadamente o CMtstil
à '"' ami de Pierre de Fonraines nz~ O Livre tÚ josria 11 tÚ Piei n~ 1• os E1d/Jlisstmn11s Jt Saint
Lo11i1 cw~ são descrições relativamente confusas dos costumes duma dada ttgiio (no caso,
r'IOI Nu""'l"OlllS ..li(ães an1ipo" mocirmaa; uma 11Mu<'o ifl11ne por S. P. SCO'IT. S.ittt p,,J.J. T,.,,.11.1- """-·
(.hi<ait0 19~ 1 AW-m dr «odas as mamal.is dr hi116ria cio di1Tif0 npuliol. "- A. GARCIA GAU.O. 1!/ l..iln,J, "'1 ü,n Jt Al/MN ti
Sd.•. Ptl E~"f.• l•1'•rtiJ61,1n Aa-.,.ã/,,dln.JJ °'"""'°"'*'· t. 21·22. 1951·52. p. ~O·H8.
n11 J. TARDIP.C•t-,...,Jr~. hol .• 1881·190). Numr101ooe11ucbd..J. YVUd>Roeo1N111Hodi1TKo
consunudinàrio da Normandia
rm ll«olha do dittico consuer:urlin6río dr VatnUMlois, dttita tm:a dr 12n-12111 poto bailio cio Vcm.nclols. Sr bem
qu«' isto s.rja conn•sndo. p!'fftf qw 1 obrll trnhcr .;do ncnn pano filho clr wú IX. F1lipr o c:on;-. Catftm d>Rcudo uma
nposl(io dr proceuo, nio lftldo .ai 1rarado o di1T1CO mril sm*> a pttlp6i.iro dr qunc6n .K .,-mo. Gtwldr llllluhrcÍll do dittiro
romano; ttnu pmnrs IWa Ilia sm6n p111Urun do D;,.ncoou cio C6dn. Edicio: A. MARNIER. úC.wl lt PitrrJt F-.rrn. i&46.
Exiscf uma cradU(io nettlandnir ~ira no Wc:ulo XV c-scrico _.......,na Biobliioc«a RC91, nn lltldriaa).
«
" 1' O ,_,,,., "'1 j ..,,,, tt tlt Pkf pmrcw 1tr .ado nctico tttt• ck 1260. na tqtoAo Orlrin. talwa prlo pei dr Fil~ dr
Bnumanoir. Filipr clr Rrmi. En1tt l42 rkulm. <c·tu .K 200 do cnduridot. qwrcrx1uaJ-ntt. qutt lintrnmcf. cio DigirMO; mM m
«'mptticirncK ncio dinimuladm: o •11«11' auibui por C'lllffftplo n..-,_ <ClftPicu~ "''Pf''l&ia_ , _ a Slo l.uls. Ouuu l*"ft •
1T1indaa cio dittico canónico. O rr110 ~icui ...,.., dn<•i(to clol COM.unM ela rtit_, « Orlrin. Como o C~I • ,,. -•i. nra obN
conHicui sobmudo urna sümula do dimm romano. fOlll aJ1uma1. illdi<a<6n dlMtllio mpciro 10 dimco-..di"'rie. Edi(jo f110f
RAPETTI, 1n0; e(. G. SICAllD: .ot.rnvians aw qurlqu<s chopicra dn Li,.tt « jouitt n dr pire - IC' dnN1 dC't
ohli1tarion1•, Étlliln ... P. p,,.,, 19'9. p. ~ 19
IW ()1 1'.llM11- tlt S-.·U- Ilia slo..,. ._.,.da ~is119o clC' Wls IX, _. 111111 <hriPo cio •mm~
das ITjtic\n dC' Orlrin C' Aniou. camplrada arnWI ... ci~ clr di1Ti10 romano 4rdi(io P. VIOl.1.ET, 4 wol.. 1181-1886).
270
Vermandois, Orléanais, Anjou). nas quais os empréstimos ao direito romano sã.o butante
numerosos.
A obra mais interessante é a de Philippe de BEAUMANOJR: Co11t1111US J11 comti dt
Clwmont-m-8&111V11iJiJ. Na época ela sua ttd.acção, em 1279-1283, Beaumanoir era bailio
do conde de Clermont, filho de S. Luís. A seguir, Beaumanoir ocupou as funções de
bailio e de senescal do rei em diversas regiões da França. Pelo estilo, pela qualidade dos
seus comentários, &aumanoir revela-se um grande jurista. Foi o melhor ca1111n11itr francês
da Idade Média. Soube descrever com precisão· as insriruições mais compleus do seu
tempo; os 70 capítulos do seu livro formam a exposição mais aprofundada do conjunto do
direito público e do direito privado consuetudinirio de uma região de França. Eleva-se
muitas vezes para além da simples descrição, elaborando teorias novas para explicar cerras
instituições mttlievais, tais como a servidão, a competência dos tribunais. Drve ter
conhecido o direito romano, embora nio pereça ter sido formado numa univenidade;
retira numerosos empréstimos do direito romano, mas, como muiros dos seus contempo-
rineos, dissimuJa-os nos seus comentários sobre o cosrume.
No § 6 do Prólogo (v. documento n. 0 2, p. 283) Beaumaooir eira as fontes que
utilizou para escrever a sua obra: os costumes, a jurisprudência local e a das regiões
vizinhas, o direito comum da França.
Apesar das qualidades da sua obra, é óbvio que Beawnanoir não representa por si só o
direito coruuctudinúio fmnc& c:ln Idade M-.ia; nio d6. a conhecer senão um único cmrumr, n
de Beauvaisis, ~ embora por deserrvolwr um direito consuerudinário comum. m>.
Foram redigidos numerosos co11tumierJ em França nos séculos XIV e XV.
Citaremos apenas o Grf111J co111umitr dt Frana, escriro em 1387-1389 por Jacques
d'AeLBIGl!S, primeiro bailio real, depois advogado em Châtelet e no Parlamento de
Paris e também pn1Jionfl11irt (síndico) da cidade de Toumai. Na realidade, tnta-se não de
uma exposição do conjunto dos costumes da França, mas unicamente do direito
consuetudinário de Paris e do processo do Parlamento de Paris 1161•
4. 0 Na Alt11111nha
Os co11111mitrJ, geralmente chamados Rtchtsbiithtr (livros de direito), têm a mesma
origem privada tanto na Alemanha como em França. Mas, enquanto que em Fran~a as
diversas recolhas exerceram pouca influência umas sobre as outras, na Alemanha, uma
compilação, o Saclntmpitf,tÍ, serviu de base à maior pane das outras.
rm l!diçio: A. SALMON. Paris, 2 'IOI. 1899-1900; J. 0 mi. pDI' G. HUBRllCHT, c---. An,_,,.,. EI ptrrJN,-.
Puit 1974: P. PETOT. ·Lrdroér commun srklll le~ramifnm fn"'"•, llw. lml. -· fr .. 1960, p. 412-429.
"'°
4\61 A abrw dr Ahl.i,llft f Rnio 1111111 compib(lo dr rnn:n rr1ir.dos dr abn& mai1 1111ips r do di~i10 romano; mu
lf'\'C' iam 11ruidr IUCeuD •" . , tkulo XVl. pocqur ~IÍNi UIN .... única m:olhm ~···;.,. .., CUIRlllW . • Paris. lldi(lo
(insuficirnre) pm LASOULAYE~ DAllESTE. Paris 1!168. CI. P. PETOTr li.. C. TIMBAL. •JKqund'Ab~·· H,.1.,,,/11tir•irt
Jt I• Frt1wr, r. 40. 1968.
271
Este Sachsmspiq,tl (Espelho ela Saxónia) foi redigido provavelmente entre 1220 e
1235 por Eike von REPGOW que descreve duma maneira aprofundada o direito consue-
tudinário da Saxónia, sobrerudo da região da Vestefália. Retira poucos empttstimos
dos direitos romano e canónico; relata sobretudo o que aprendeu pela sua experiência
pessoal. No seu Prefácio, ele próprio explica por que reduziu os costumes ancesrrais da
Saxónia a escrito (v. documentos, n. 0 3, p. 283). A sua obra compreende duas panes: o
LanJnchl, que descreve sobretudo o direito civil das regiões rurais, e o uh11m:h1,
recolha de direito feudal cm.
O Sachsmspiq,tl conheceu um sucesso muito grande em toda a Alemanha desde
meados do século XIII; fizerun-se traduções em holandes e em polaco ()1). Vários
manuscritos ilustrados com numerosas miniaturas (Bi"'6ha11dsthrift) permitem-nos colher
de forma viva a vida judiciária ela Idade M&lia.
Outros R«htsbiicher, em grande número inspiram-se no Sachsnupitgrl: por exemplo
o Deutschm.Ipiegtl, o SdJwahtnspi«tl, erc. MI.
rm Numr- cdi(OO. -igu r madnnm. mbrrnado K. A. ECKHAR.DT. i" M - • G,,....,_ Hi11•ir•. l ' -
;.,;i e,_,,,,;,; •lllNpli, HanÕvtt 19jJ: mmbim nn ·Schub~·
B.J L DEGl!ER VANJlfl"PHAAS.~s..t-~irrN-.1....... 2rrol Haia IMll.
n1t1
" 91 0,111~. ~ l!Kribl nn .aio Umio ttr<a df 1275. S"'-'-1;,rl. - d.do ao Wc:ulo XVII •um
K11iurlicá ~rrJ - nJ ~Jlwcb tK.i-lwl nrriro m1 Au,!ttbut(I mca dr 127'. comptC'C'fldmdD 111mbim ....,.,_
C'mpttstinMK MI dimro consllf(\ldin6tio b6Yliro, ao dirri«G romano C' ao dirrifo caDlllliJCo. Fr.,dnrip;.,;,/. nn'i«I erra df 1HO rm
Hnv. Sobtt o S.ot~I r a - inílulncia. _. 0111W1U1i1 « hiMÔl'u cio din-iro llltmio.
272
wrliat IÚ Jah, dit wrliesl dm <OJt'I Utclt (o que perde o processo, perde as custas para
Uccle) (arr. 48). Esres textos assemelham-se a adágios e brocardos que os práticos
provavelmente transmitiram oralmente de geração em g~ antes da sua redução a
escrito. A rrdacção ~. provavelmente, devida a um dos t11tllitJm (advogados) aos quais o
arr. 0 90 faz alusão ou a um dos escahinos de Uccle. O rexro, muito provavelmente, data
de antes de 1300: a este período remontam diversas reduções de costumes locais na
região, designadamente .as de Grimbergen (1275), de Gaasbttk (1274) e de Puurs
( 1292). A pequena recolha consuetudinária de Uccle é retomada numa recolha mais vasta
que é certamente a obra dum escabino ~ Uccle, Guillaume vanden Mortre (cerca de
1268 - cerca de 1340). Do sttulo XIV data tam~m outra pequena compilação
Ondtruheit van Utlult mde wm BnmJe (Distinção de Uccle e de Bruxelas) que salienta um
certo número de diferenças entre o costume de Bruxelas e o de Uccle 1601.
b) O Fam de Saint-Amand-cn-PMle 1611, recolha consuerudinária duma pequena
cidade situada nas margens do Scarpe, a sul de Tournai. Escrita cerca de 126~ por um
prático local que nio tinha ainda conhecimento cio direito romano, é wna verdadein. suma
de mais de 500 artigos, abrangendo o direito civil, o direito penal, o direito público e o
processo. O estilo é ainda desajeitado, on demasiado conciso, ora demasiado prolixo.
1• Bdi(ón: ti. M. Ml!IJEU. H1t ll'11t·8,.._,.dr l!rfnc"'. Bijl..,,.. HarWm 1929. p. ,.9 r 0·18: C. CASll!R,
CUl•mn ... "'8nottlm. r. li, Brwitlll 187', p. 2·2J; E. SRUBBE r D. VAN D!.aWliEGKDE. •lr murumirr llnben(on dr
Guilleunw ftftdm Monrr CUJ7)•, BJI. C.R.A.L.O., e. XIX. 1916. p. J0·74; E. STRUBBE. •Hd XIV'- - rriliW -
Vi/-,J,., no mesmo Buli., 1. XV, 1~36. p. 4,·11,. Acen;acloscc-. •· J. GWSDN, -Lrclniir caurwnierd"U«k•, in U•
<--•• J. l'-u,t..lntiM hm/#11: Utfú, p. 201·250; E. M. MEIJIRS, ·Hn l..eocb'C'Chr - Grimberpn nn 11n°. Tijl/Jdw.
Rtr6t1i., r. XI, 193"2. p. 219-231: I!. STRUBBE r E. SPlllEMAl!.KERS, ·Dr l<eune- Puun.,... 1292•, BtJI. C.R.A.L.O., r.
XIX, 19,6. p. 11-29.
1611 Bdiçio: E. M. MEIJD.S e J. J. SALYERDA DE GRAVE. Da úi1dc-t-Jr111.,·A--'. HtrWm 19'4.
161'1 lidiçio: R. MONJER. LI Liwn lüUirl. C-..Dw 11/hn J. 1. fn1 o XIII',_,,, Puil 19'1.
161> l!d.i(io: A. "BAGUElTE. LIP.-0-Gifl-. &litilMrril~. Litte 1946.
273
escrira cerca de 1393 por Jehan BolTTlllIER, que foi designadamenre bailio de Morragne
e Tournaisis e administrador da cidade de Tournai. Bourillier quis dar, em fran:k, uma
exposição do direito, tal como era aplicado pelos tribunais da sua região: por essa razão as
passagens relarivas ao direiro consuetudinário de Toumai e de Lille, e mesmo da
Flandres, Arrois e Hainaur são muito numerosas. Mas foi muiro influenciado pelo dirriro
erudito (romano e canónico) do qual utiliza empréstimos muito numerosos. A sua obra
teve um grande sucesso nos s«ulos XV e XVI. Assim que a imprrnsa foi diwlgada. a
S11ma r11ral foi editada. Não menos de 23 edições de 1479 a 1621. Uma tradução
neerlandesa conheceu 6 edições de 1483 a 1550 1'41.
1641 N1o niatt ediçio tritía ~. CT. G- _, DIEVOET, fali- ,_,;J/iw • tlt ·S-- rwJ •• Lcrrairaa 1951.
16'1 s.,..., p.
189.
1661 M. BATEiON, .....,.. ~. 2 ftlb .• 1904·1906 fSrldrn Socifty, r. 18 e 21). U- dr_.,, m - mi N.
NEILSON, H.,...rJt...wR'""'1. r. "8.9. 48~.
1671 Latd COOPER, A• I.,,..,,.,,,. SnniJll.,,J H;,,.,,, ll!climburso 19)8.
1681 Edicio da Andemla . . Cifnciu da U.ll.S.S.: ,...-,, R..-;,., pod remlmiei B. D. GREKOVA, Mosano -
L:ninesmlo 1940..1947; L K. GOETZ, O.. -airir Rdl, 4 'IOI .. Srunpn 1910·1913: G. 'v!RNADSJCY. M-"-1 RIWÍtlll
1-n, Noa larqur 1947; D. KAJgll, Tllr G_. t{ tltr 1-;. ..m-1 R.W.. Prinat0n 1980.
1691 Edicla dot mr101 a1rm1a e pollcus pm J. MATlJSZllWSICI. -Jit-rr, Z..W " ' - ~. VUl6ri1 19,9 (eodl
ft'!umo de inrnxl~ em alftDlo).
274
começo do s«ulo XIV, e a PrlÍfltll umsü mü, escrita por André de Duba, juiz supremo
do reino de Bttmia, no fim do século XIV nv1.
"'fl• V BRANDI.. K•riw nrr...w..i.i (C_,_ J.i .,...,_ "'R~I. t>..,. IB71 f.Ji{M itu11/111"-I.· l'r CÁD~.
N''"'"'"° ••Ili KrJ'-illr-1 """'- OatM,, r DrM l"rMw ,_,,.. .nM (C-1- da Rlilo dr Botcni• por Anel"' dr Dub6), P..,. 193"0.
"" H. POHLMANN. O# 'JllJ"" tia H--'1n,.ht, in H. COING. H-"'-b . .,_cri., t. 1, 197J. p. ~-810; P. J. A.
CLAVAREAU, ,_,, - .,, "'-' _ , . , . _ , . , , • • ln Ti/filw. Rdl11;1Kb.ttlam, l. 18, l~O. p. ,8)-412; K. f. KlllEGl!R.
(!..,,,_,,.,,,. "'""'"•
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275
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''" G. MARTINEZ DIEZ. E•_,,/., 11- Jr Ar4M Jr,., e- Jr H_,, Jt 1141. m A_,.,/, Hr1i- Jll o...rbo
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H11Jtr/1Httlt . ... .,. '''-· 1. 1. p. ~-
•••• K. VON SEE. 0.1 }*Uidtt R«hl. Vri....,, 1960: P SKAUTRUP. DtJr j.,Jib IA· Tm - 0-_,trl,,,
Aarhus-Copntia,.a, 1941. P. J JORGENSEN. ~••~ llltlltiii.irr. P td. CoptnN11•. 19~5.
''" O pr6lo110 dn•~ l«'lfO' 1t1irado ~m panr do pr61ojto du Dkm11Jr1 tlr Grlt..,,, IX. Edocio: H COl.LIN •
C. 5CHLY1TER. s-;~.t-..lr11..-.1. Xll:G. H.usntôM. t....r.l•ltl..,. 41rd. Esrocuimo 1970.
116• F. WIEACKl!R. pr1..,~ J.r Nn1m1. 2. • rd. Gom.rn 1967. p. 189· 199; W. KUNKEL. ()Mllnt ,,,,
Na Polónia, também foram feitos esforços no sttulo XVI para uma reforma e uma
codificação do conjunto das regrm de di~iro, ranco das leis como dos costumes. O projccto ê:le
1~34 chama-se aJiás Comrtllr' "1IWldlllli111Mm1 f'tK"i Po/OttiM; a Diera rodavia lt'CUSOU aprová-lo ~
Examinemos duma maneira mais aprofundada o processo e os efeitos da ttdacção
oficial dos costumes, em França, por uma parte e por outra nos P.,s lk fJar-ál{à.
a) Em FraR(a c79l
1111 K. GRZVBOWSKI, •la lol ec i. niurwnr m PolDjlll<' dcpun lir X• •iklir i...... 179)-,
CM1;ri1 ;,,,,_,,;..1Jtmn~. VllnÔYia 1962. p.11 fAcâmi•pahoduU.ncwl.
mi,,,,,_..,,.,.,.,. a VI'
11'91 KL.JMltATH. ·Éruda- ln counimcs•, in U..rm. 1. li. Patia 1841. p 13} eu.; R. PILHOL. •la ..U.1ion MI
cou1umn cn fnnc• aus XV' •• XVI' likln•, ;,. J. GILISSEN (..1.1. LI,,.,,,,,..
lho,..,...,~ lt fM°"' ri lt pl#IH. Colloqu•
lnsricur dr Sociol~~ Solwy. 1962, p. 6)-81. A 1Mior p1n• dot «11rumcs francna ívnin publicmb ""' BOURDOT DE
RICHEBOURG. N - _,_., """""'J,
F-. 4 \11111., iR·rotio, 1724. Ai ..t~ mmima i R.naluçio csrlo cic.du •m
A. GOURON. o. TERRIN. Bifliltr:r4'»<• - - "'6~-. ~ 197).
277
19111 Acetc• dos Estado& ~ran. E111dm pnw•nc- e: E-io. de: bailildo, d. ,.,,., p. 3"03' 1. Os b..io. 1ini.m, cau~
ounu. • milldo dr atabrl«c:r • prvn da cmnunr: •Cllalidnudo qur Dio niKr prvn maia e.... e: ft'idmft da casrwnr do q~
mqurl• q11e t ~ia por~ llCD.... e: consmrimmta da& rm Esr.das•. Enm tamllim wn11 ~dr nillÇio do din!ico porq11e,
segunda• cooc~ilo admitida, a cmrumc: 1,,..,... • - ~ alwipõna no corucn1imc:aio papilu, nix- pela& Elndoa.
278
de Paris, que Olivier-Manin pôde qualificar como •traço de união enrre o direiro romano
e as legislações modernas• e1111.
Vários cosnunes foram assim rcfonnados, nomeada.mente o de ~ns (I'.')'.')'5), de Amiens
(1567), erc. O de Paris foi um dos últimos a ser revisto por Christofle de lbou, em 1580.
O movimento de rcdacção e de reforma dos cosrumes esrava assim encerrado. Já
não se redigiram novos cosrumes nos séculos XVII a XVIII, salvo algumas raras
excepções (por exemplo, Sainr-Omer e Aire-sur-la-Lys em 1743). Os textos redigidos por
Christofle de Thou vigoraram aré ao fim do Anti~o Regime.
b) · Nos PayJ tÍt par-titfà (XVII Prrn•ínâdJ IÚJJ Paím Baixos> iH21
O esforço sistemático de redacção oficial dos costumes foi aí muito mais tardio do
que em França. Houve desde o século XV alguns casos isolados de redacção oficial dos
costumes por intervenção do poder central (exemplo: Cassel em 1431) ou da autoridade
local (exemplo: Franc de Bruges, 1461); mas a maior parte das vezes as rcdacções
tiveram, como anteriormente, um carácter privado, ou a~nas oficioso (exemplo:
Limburgo, Luxemburgo).
A necessidade de fixar oficialmente o texro do direito consuetudinário
tornou-se mais premente no início do reinado do imperador Carlos V: verificam-se
esforços nesse sentido no Hainaut, na Holanda, em Malines (projecro de l '527), em
Tournai. em Termonde. etc. nu1.
Na sua tWdimnna de 7 de Outubro de 1'.'>31, Carlos V, consrarando os abusos que
resulravam da diversidade dos costumes e da dificuldade de prova das regras jurídicas,
deu ordem para se proceder à redacção de todos os costumes no prazo de seis meses
(v. documento n. 0 8, p. 287). Como em França, uma certa resisr~ncia por pane das
autoridades locais entravou a execução do trabalho; Carlos V reve de renovar a sua
orJ0111111na em 1532, l'.'>40 e 1546. Por sua vez, Filipe II deu ordem para se proceder com
urgência à redacção de rodos os costumes (l '.'>69). Finalmente, Alberto e Isabel, no seu
célebre Édiro Perpétuo de 1611, renovaram as instruções no mesmo sencido
(v. documento n. 0 6, p. 326).
O método de mlacçii:>, aprovação e homologação foi fixado desde o princípio;
compreende as quatro fases seguintes:
1111 P. OLIVIEll·NARTIN, u e-- .li 1',m1. ,,.11 t/11•- """' k Jrair - • • d ln &,.111.n,... .,,..._, Paris 191~.
R. PILHOL. li I',,.;,, Ntilltwl Clrfflr.f/r tlt T1-u1 t. R/f-liM Jn ,_ _,,_ Pui1 19P.
1111 A Comiado llal da Anrips l.ttl ir °"""'- d1 Mlitic1. inttiruide nn 1841 fui mcvrqied1 cb publKM;io cb
anrif!OJ conumn da Ml11ic9. Publicuu .W., prnrm.. 72 vol11mn quir c01111t-m ot CGMUllMI t-nolopdm. m ~ dr coHullM'I t.
PI,. cttru ~tiilln (Pbndm. Hei-, Toiamli), d> o rl1ulo •Oriittm C' drwn"WOl,,imrnro•, donunmim, ...bffrudo nwdlt'Vllll. quir
poclc-m IC'I' COCllidirndos como pR'n'dmm. O ftlof du publice(iln ~i1• aMn dr 1914 f mui10 drsi11uial; d.pot1 clwn pt'rliGdo ck
lttmrjli•. a Comissio- anivame11rc as ... rnibalt- • panir dr 19~.
IHl J. GIUSSEN, ·la rftlacrilln da cuunimcs cn Bcl,liiquc eus XVI• t1 XVII' 1i«lft•. 111 fJt " " - ' - Jn _,,,_. "-• /r
,.,,, d "6tu /1 Jlrisnll, 1961. p. 87· 111; o nmmo, •ln pi.as de la codifimiocl ti dr li.omolotl11t0t'I dn cou1•J11W1 '*'6 IC'I XVII
Proorinces dcs Pars·Bu•, Tijt/Jdw. ~ .. 1. lb, 1~0. p. '6-67 r2~9-290.
279
duque de Alba (1569-15 72) e por fim sob os arquiduques Alberto e Isabel que grande
número de cosrumes foram redigidos. A maior parte dos homologados datam da época de
Carlos V (uns vinre) e sobretudo da de Alberto e Isabel (cerca de 50).
No principado de Liêge (que não fazia parte dos Países Baixos meridionais),
envidaram-se igualmente esforços para redigir e decretar oficialmente os costumes, sem o
conseguir. Por ordem do príncipe-bispo Fernando da Baviera, Piere de Méan escreveu em
1650 um Rtc11til de.s poi1111 marqllh po11r ro11tumt1 d11 Pll]J tk Liiie. destinado a ser o rexro
oficial dos costumes; todavia, nunca foi decretado 4'°' 1•
Em numerosos casos, o estilo ou maneira de proceder foi redigido ao mesmo
tempo que o costume e mais ou menos integrado neste. A panir do século XV, as altas
jurisdições tiveram o seu estilo próprio que, aliás, renranun impor às jurisdições que lhes
eram subalternas. Houve por exemplo o estilo do Grande Conselho de Malines ( 1559), do
Conselho de Brabante (1531, 1558, 1604), do Conselho de Namur (1620), do Conselho da
Flandres (1483, 1522, 1531), do Tribunal de Hainaur (1464, 1611), do Conselho do
Luxemburgo (1532, 1694, 1752, 1756), do Conselho Ordinário de Li~e (1551, 1572).
b) O costume é estivei. Já não pode variar muito, uma vez que esrá ~uzido
a escrito; aliás, os costumes escriros raramente foram modificados. Houve, bastantes
vezes, duas ou três redacções sucessivas, mu a última, remontando geralmente
ao fim do século XVI ou ao início do skulo XVII, permaneceu imut,vel até ao fim do
século XVIII. O direito consuetudinário toma-se assim esderosado. Haverá progres-
sivamente ruptura entre o direito consuetudinário escrito e a "oluc;ão da vida s0cial; os
costumes redigidos tOml!or-se-ão, em parte, direito morto, ao lado dum direito vivo
formado pela legislação e pela jurisprudencia.
NOTA DO TRAlJlfl'OR
A his1óna do C'kmc'll10 <111UUftUdl•io na hi116n. cio dim10 ponuauk 1em 111clo ob;tc10 obl'ip16tio dr 1ranmn110 -
- nwiuais dr hiR6ria cio climcn. Yejlln«, • mr ~. mmo úlhna -.im: GUllHERME SRAGA DA CllUZ,
·O dimro subsrdiário na hi11r!na cio dirnro ponulfllk•. Rrr. ,_,, 1Hr1 XIVCl97'U 177·'16; NUNO E. GOMES DA SltVA.
H11t#r11 J. J,.,,,. ,_,..-.. I. F - J, Jr-wt1t.Li._ 198'). 106 s.. 114 111.: 229 u .. 276 n.: MAllTIM DE ALBUQUERQUE
& RUY DE ALBUQUERQUE. H1..,,,tl.Jrm,.,.,..,,.,.. I. Litt. 1984·191n. 161 u.
Os f'onis. ari 1279. nr6o publiodm na&,,_,,.___ 1.,.-,,,,, Lrro ,,_.,-"-· Olisiporw 1816-1868. Uma
C'diçio mais cómoda foi C"labonda por CAEIRO DA MATA, Clllltq4aJ,- #Jrrrn-,_,,,.11. I - F•-. C.0.mbn 1914. 184 pp
l..i11a dr (quud rodo. m l!anit. publicaclol ... nio. FRANCISCO NUNES FRANKLIN. M_.., ,_,, "'"" J, 1et/Kr J.. ftw-1 41
,..,,,-iJ
''"'" J.J .,,..., J, t Jm --.MI, Lisboa 1816, VII + 2'9 pp .. Al11um cios l"ofolC"ll~ 'ICI«' nioWC'llCGflUMl'I nm 1'.M.H.
pockm C"fll(OflfrlMC' na CJkrf;,.J, /,,_ 1.,J,n, J..IH1111t..,,_,.,.,,. J.J .,,_., Jt D. D111U. O. A/-• IV. D. r•11 D. F_..,,
vob. IV081614Sanrarhn. S. Mamnha dr MOlll'OI. Torm Nolln!. Yll824)(Ga1Wo, Guanla. Bl'j.a)C' 'IOI. nAo concluido b.l.s.cU
ICurelo Bnncol. Mau bibl~ralia C'm A. M. HESPANHA. •ln1rod111;io brbl~rifica 11 hil16ria dodimropom1,11uk. li•.""· F•
Jtr. Cot•tF11. "490974l. lft"çio6.2.
Ponto qut. na lirtnnm ( - n t t tllbR o 1rrm, CllCfta. • - VC1. inisia i o dos pedftlel dr juJpn!C'ftro das iubn locais;
pois. dado o sru ~ ana16trr.emo.. rdo pidrriam ~o qu.tro dr bieC'o das~ 1,,,. dlft o 1m1a. A. M. Hl!SPANHA.
Hiu#1~ "61 nn11t•l(M .... <ic .• 267 u.l. É pnn*wol qur w 1tnha qUC" arribuu ao dimro <-.nudimirio kKll - piRialnimlC'
COflHiruMlo por rqinrs ·de' bom wnlO• ou por ll'jllras ·do pmtdl'ncC'• - um pmpC"I brm n111il Ílllf'O"Mtt cloqur 11f ~ llw mntido
r«onh«ido. mnmo pano • ipot8 mockma
DOCUMENTOS
4. . .. C.OSrwne dir causr 8ft'Ír van ~ oftt van quaden aemple oft die inbrochr is mec
quaden s~en, en in nummermttr p~iprible, maar is re dooden ais corruprele.
10. Costume locale brttekr de 8enera.le ende soede cosrumen brdcen t'gescttftn ft'Cht ...
l 1. . . . dar die statuttn gttnaeclct wordm by openl:mm COlllellte van den "°klcr ende
cosrumen werden inbrochr mde geUSttrt by gedoogen ende 50nder ~rwggen van den volcke.
S 6: ... Nós emendemos confirmar grande pane deste livro pelos iul8a.mentos que foram
íeilU~ 111» noa.tOS
tempos do dito conclmdo de Clermont; l' it mura pane pelos usos claros e pelos clatos
costu mcs usados e acostumados pacificamente de há longo tempo: e outrA partt, os oasos duvidosos
no dito condado, pelo julgamento das castclanias vizinhas; e outra pane pelo direito que~ comum a
todos no reino de França.
Tnduçlotm.
Esre direito, não o concebi eu próprio; vei~nos dos nossos bons uuepass:ados. Mu quis
conserri-lo; quis que o meu tesouro nio dcupa~ comigo debaixo da ttrn. Pela graça 4X Deus,
o que aprendi será comum a toda a ~re.
Tnduçio
Sobre o modo que~ serobsr:rvado neste ttino para provar o cosrumr:. lnquirr:-K sobtt os
costumes da forma se,guintt: convocam-sr: ririas pr:sscw conhr:ttdoras da matéria e ismras 4X
suspeição; o cosru~ é proposro por elas pela boca de uma 4Xlas e é dado por escrito. Em ttlação ao
que é proposto, juram que dizem e que ttlatam fir:lmmtt o que sabem e crêem e •iram ser
empregado quanro a estt costume; e isro rm turba.
e) J. BOlITJLLJER., Sommtntr11/C1393)
Exige-sr: que anrn que o costume seja pttSCrito, qualquer que ele seja, tenha sido aprovado
por X ou XII homens dos mais ponderados, sensatos e antigos do lugar.
Edit. 1603, p. 6
Tnduçlo
Se os escabinos, convocados pua decidir sobre um lídgio, não soubettm dizer o direito e a
lei, esses escabinos devem ir junto dos escabinos da cidade de Alost para inquirição ...
invoquem ouuos cosrumcs, usos e esrilos, que aqudes que forem C"SCritos, acordad05 e d«rerados
como dito~; e mandamos aos dirosJuíznque punam e corrijam os que fizerem o contrário e que não
oiçam, ao receberem all'umas pessoas a alel(ar, propor ou dizer o contrário.
em julgamento aqueles que o quiserem invocarem seu auxílio. E farão tais extractos fé plena e prova
completa sem outro adminículo ou solenidade. Reservando para nós e para os nossos sucessores
condes e condess.as de Namur, a autoridade e o poder de mudar, alterar, aumentar ou diminuir os
ditos presentes costumes e também de os interpretar no futuro e assim como acharmos conveniente,
para o bem e utilidade dos súbditos do nosso país e condado de Namur. E para que sejam utilizados
esses costumes em vários lugares, queremos que à cópia autêntica destes, coligida e assinada por um
dos nossos secretários ou escrivão sobredito, seja dada fé como aos presentes.
Queremos também que seja feita publicação desta onde pertence, a fim de que ninguém
possa invocar causa de ignorância.
Dado na nossa cidade de Bruxelas, 2. 0 dia do mês de Maio de 1682.
Publicado no conselho, em Namur, 19 de Junho de 1682.
corregedor por ElRey no meirinhado da Beyfll.: veendo e consyrando o que lhys era dito mandado
da parte delRey, per o dito corregedor, pera se &zer serviço de Deos, e delRey, e prol da terra;
ordinharom este livro das cousas en e1 conteudas, em que he posto primeiramente o foro, que he
dado por ElRey ao dito conçelho de Sam Martinho de Moucos, e outro sy os husos e cusrumes,
que poderom saber, que se husavam no dito conçelho de qualquer maneyra: a qual carta de foro
era feita em latim, e comaromna em lymguagem; e o teor dela calhe.
( ... )
Item. Estes som os husos e custumes, que á no julgado de Sam Martinho de Mouros.
Primeiramente o moordomo que andar por elRey na terra, hade penhorar nos regueengos delRey; e
este penhoramento he feito per esta guysa. Se alguü deve seer chamado sobre rayz, o moordomo da
terra hyrá aaquel Jogar, sobre que querem &zer a demanda, e levará testemunhas, e dyrá assy: seede
testemunhas, que eu fuaão moordomo ponho em esta herdade carycel a fOaão, e asa molher foaã, que
esta herdade tragem, que vaã fazer direito sobrela, perante o juyz, a fOaão ao primeiro conçelho.
E esco faz aynda que a parte nom este presente: e deve o moordomo a vijr aaquel dia do conçelho,
dizer como pose o dito carytel; e o juyz dar per este chamamento assolviçom, ou condépnaçom em
logo de revelia, ou deffynytyva contra a parte que nom vem. En aquel dia que o carytel por posto,
nom lhy responderá a parte, nem o juyz nom fará esse dia némygalha no dito feyco, contra a parte
que nom veer.
Visco Affonso Afies corregedor este cusrume, mandou da parte delRey que o guardem; pero
manda que mudem o nome de carycel, e ponhamlhy nom testaçom, que he mays fremoso dizer ..
(. .. )
Item. He cusrume, de &zerem conçelho huü dia na domaa, convem a saber, aa quarta
feyra; e soyam a teér este conçelho, na feyra aas presas, e esto foy de sempre; e ora fazem o
conçelho aos pousadoyros; e seria mays convynhavyl aos carvalhos de eigreia.
Mandou o dito corregedor, que porque os homeés avyam douvyr missa, e encomendarsse a
Deos, que porque he logar mays convynhavyl, e mays honrra delRey e da eigreia, que o façam
daqui adeante aos carvalhos da eigreia o conçelho.
Item. He de cusrume, quando a penhora he filhada por alguã cousa que devam a EIRey, o
moordomo da terra aaduz aa fugueyra do curral, hu ora mora Affonso cryado.
Mandou o dito corregedor, que aguardem seu custume.
(. .. )
He costume da dita vila, passa de trinta annos, que se o julgadeyro do pam e do vinho
nom penhorar ante do natal alguü do concelho, que lhy seia cehudo per razom da dica jugada, en
no tempo que tem a dica houveença, dhi em diamte nom lhy he tehudo a nenhüa cousa; e assy he
provado pelos homes boõs antigos em huú .... lo! que Gonçalo Abril jugadeyro demandava a Igu-
lina ... lbl que tal he o costume; e que assy foi sempre julgado ante os que rinhã as rendas das
jugadas, per Domingos Alvidrus, e per Vicente Peres, e per Joham Anches, e per Martim Gomes,
e per Vicente Fernandes, e per Femã Peres, e a Domingos Johanes, e a Lourenço Martins, e
Affonso Ochom, e a Lourenço Steves, e a Affonso Barriga &e.
C. A LEGISLAÇÃO
1. Evolução geral
Toda a acdvidade legislativa tinha praticamente desaparecido no Ocidente entre os
finais do séc. IX e o séc. XII. Quando muito havia alguns actos legislativos no Sul da
Europa, nomeadamente em Itália e na Península Ibérica. Mesmo durante os últimos
séculos da Idade Média, a lei desempenhou um papel mais reduzido do que o costume
enquanto fonte de direito. Na época moderna, pelo contrário, a relação entre as duas
principais fontes de direito é totalmente diferente: a lei adquire a preponderância,
eliminando progressivamente o costume. Já nos princípios do séc. XVI, um Francisco 1
em França, um Carlos V em Espanha, no Santo Império e nos principados dos «Pays de
par deçà», legislaram muito.
Em França, na Inglaterra, na Sicília, e na Península ibérica, o reforço do poder real
no séc. XII e, sobretudo, no séc. XIII vai permitir ao soberano intervir por forma
autorirária em matérias jurídicas cada vez mais numerosas. Fará leis para organizar e
administrar o seu reino, para fazer observar, modificar ou mesmo derrogar certos
costumes, para introduzir novas normas de direito.
No entanto, o rei não é o único a legislar. Senhores poderosos, tais como o duque
de Bretanha e o conde da Flandres, fazem ordonnance.r <º> aplicáveis nos seus ducados ou
condados. O mesmo se passa com os príncipes territoriais da antiga Lotaríngia (N. T.: a Lorena
histórica, englobando territórios dos actuais Bélgica e Luxemburgo), cuja dependência em
relação ao Santo Império diminuira muito.
Mesmo as grandes cidades fizeram leis. Sem no entanto gozarem de uma completa
autonomia, numerosas cidades foram suficientemente independentes e possantes para
adquirir o direito de impor aos seus habitantes normas de direito por via autoritária.
É cerca de 1150-1200 que aparecem as ordonnances reais, senhoriais e urbanas.
Encontram-se, por vezes, sinais de uma certa actividade legislativa no decurso dos
séculos anteriores, em pleno período feudal. Com efeito; o imperador, os reis e os grandes
• Muitas vezes, •ordonnances• poderia ser traduzido por •lei•; mas a ..!opção sistcmácica desta tradução conduziria, cm
alguns casos, a anacronismós ou a confusões. .
292
a) Os privilégios
Os privilégios constituem concessões de vantagens expressas sob a forma de
normas de direito, em favor de uma ou de várias pessoas ou de certos grupos de pessoas.
Desempenham um importante papel na vida jurídica da Baixa Idade Média. Na
(86) A. WOLF, ~me Gesagebung <ler enrsrehenden Terrirorialsraaren•, em H. COING (ed.), Handbuch der Quellen ... ,
op. cit., I, 1973, H7-800; L. GENICOT, •Liloi•, em TypologitdtJ 1011rw d1,,noyen âge ocridm1,,/, fase. 22 (A.-IIl-1), Toumhout 1977;
H. KRAUSE, v. •~rzgebung•, em Hrmdbuch der tkutschtn Rttbllgtschichle, 1, 1971, col. 1606-161'; W. EBEL, Geschichte der
Geselzgeb1mg ;,, Deulschland, 2. • ed. 19,8; Uber Ltgaldefinitirmm. Rethtshislorische S111die z11r Entwick/11ng in Dnmchland, Bcrlin 1974;
J. GILISSE~, ol.oi et coutume• ... •, op. cit.; G. ASTUTI, •Nozione di lcgge ndl'espcriema srorico-giurdica•, Annali di 11oria di
dirillo, 196 7, 10/ li; S. GA.GNER, StlllÍim Zllf" ldeengeschichte der GtJt/Zgebunf(, Srockholm 1960.
(87) G.C.J.J. VAN DEN BERGH, Wt1 m gewoontt. Hirtorúche grondslogen von een dogmatiJch geding, Devenrer 1982,
RechtshiJtoriJche cohiers, n. 0 ' · Ver também, para o pcrlodo franco: J. BALON, lw medii atVi; 2. Ltx-juri1dictio, Recherches 111r lts
a.ssemblétJ j11diâairo ti l~~islativu, 111r lts Jroi/1 ti /tJ obligaliom romm11nautairo dam l'E11ropt rkJ Frana, 2 vol., Namur 1960.
293
sociedade feudal, fortemente hierarquizasa por natureza, numerosos são os homens que
gozam de um estatuto privilegiado. Estes privilégios são muitas vezes adquiridos pelo
uso, sendo então de natureza costumeira. Podem também ter sido arrancados pela
violência, pela força ou ter sido concedidos pela autoridade (o imperador, o rei, o senhor)
a pedido dos interessados.
Poder-se-á dizer que os privilégios, na medida em que emanem do príncipe, são
leis? Esta questão é controvertida. Como princípio, pode assentar-se. em que um
privilégio apenas pode ser considerado como lei na medida em que possua os caracteres
essenciais da lei, ou seja, a generalidade e a permanência.
Os juristas do antigo regime distinguiram privilégios particulares e privilégios
gerais, reservando para a segunda categoria o carácter de actos legislativos.
Os privilégios são ditos particulares, quando o príncipe os concede a uma ou mais
pessoas privadas determinadas. As vantagens assim concedidas são-no a título pessoal,
desaparecendo, muitas vezes, por morte dos privilegiados. É certo que tais privilégios
não constituem actos normativos, mas antes actos de governo, pois eles não têm nem o
carácter de generalidade nem o de permanência próprios das leis.
Estes privilégios são ditos gerais (ou colectivos) quando o príncipe os concede a
corpora ou colectividades: países, cidades, castelanias, wateringues, abadias, etc. Tais
privilégios têm, a maior parte das vezes, um carácter de generalidade, pois eles aplicam-se a
todos os membros actuais e futuros do grupo privilegiado. Têm um certo carácter de
permanência, no sentido em que o príncipe os concede geralmente a título perpétuo e
que ele promete que os seus sucessores os respeitarão. Por isso, é frequente que um
privilégio geral seja confirmado expressamente por cada um dos sucessores do concedente.
Na maior parte dos casos, estes privilégios não fazem outra coisa senão confirmar
uma situação já existente, fundada no costume: o grupo privilegiado está já em posse de
vantagens reconhecidas de facto; a carta de concessão apenas confirma esta situação. Mas
à força normativa do costume vem então juntar-se a autoridade inerente à expressão da
vontade do príncipe. Esta chancela de uma autoridade reconhecida tira qualquer possibi-
lidade de discussão acerca do conteúdo do costume assim fixado.
No entanto, a concessão de privilégios ultrapassou frequentemente a simples
confirmação de costumes, tendo servido para os estender ou modificar, introduzindo
novas normas de direito. É difícil, pela simples leitura dos textos que concedem tais
privilégios, distinguir o que é verdadeiramente confirmação do costume daquilo que é
inovação. Numerosas cartas de privilégio chamam-se !ex e comuetudo.
Os privilégios estabelecidos na carta consistiam m'uitas vezes na outorga da liberdade,
escusando os habitantes desta ou daquela obrigação: corveias, impostos, portagem (tonlieu,
telonium), etc.; ou ainda a libertação ou franquia de qualquer homem que se fixasse na
cidade, pois «O ar da cidade dá liberdade» (Stadtluft macht fret). As cartas de privilégios
eram muitas vezes chamadas cartas de franquias ou de liberdades (cartae libertatts).
Os privilégios são geralmente concedidos a pedido do grupo social interessado;
294
este redige um projecto que o príncipe aprova, depois de o ter corrigido. A concessão de
privilégios pode então aparecer como um pacto entre o príncipe e um grupo de súbditos.
b) As «Pazes»
Para erradicar as numerosas guerras entre senhores nos sécs. X e XI, os concílios
regionais (reunindo em volta dos bispos os clérigos e alguns senhores leigos) procuraram
impor a paz, proibindo a violação das igrejas e as violências .em relação aos eclesiásticos,
aos agricultores, aos pobres, e fulminando com anátema - sanção religiosa que
o
expulsava culpado do seio da Igreja - os que violassem estas interdições.
Este movimento de paz, que se inicia no concílio de Charroux, convocado pelo
arcebispo de Bordéus em 990, estende-se rapidamente a toda a França e à Lotaríngia <sai.
Finalmente, distinguiu-se:
- a Pax Dei (Paz de Deus), que decretou a inviolabilidade dos edifícios de culto e
a interdição de toda a violência em relação ao clero, aos camponeses e às pessoas
miseráveis; etc.
- a Treuga (Trégua de Deus), que proibiu a guerra privada desde quarta-feira à
noite até segunda-feira de manhã e durante todo o tempo do Advento e da Quaresma e
que impôs certos prazos (conversações, ultimatum, formando, em geral, um prazo de 40
dias) antes de se poder atacar.
Inicialmente, os bispos tentaram aliar-se, não sem dificuldades, aos grandes senhores
da sua diocese. Jurisdições mistas, nomeadamente sínodos gerais mistos, compreen-
dendo, sob a presidência do bispo, eclesiásticos e vassalos leigos, julgavam as violações da
paz e da trégua de Deus, nomeadamente por assassínio, pilhagem e incêndio voluntário <89l.
Em seguida, sobretudo nos sécs. XII e XIII, o movimento torna-se geral e
laicisa-se; as pazes, adaptadas pelos pooeres da época, tornaram-se <<pazes)) condais,
ducais e reais; estas eram então protegidas pelos príncipes com medidas penais. As
«pazes» são, assim, o primeiro tipo de lei em inúmeras regiões da Europa ocidental.
Já em 1107, o duque da Normandia emite uma ordonnance sobre a paz pública. No
Santo Império, encontra-se uma pri~eira Landfriede para a Saxónia em 1084.
O imperador Henrique IV impôs, com a colaboração dos grandes príncipes territoriais,
C88> A Sociétéjean Boáin consagrou um colóquio, em 1958, à •Paz•; houve vános rdaiórios sobre os mov1men1os de paz na
Europa medieval, nomeadamenre os elaborados por R. BONNAUD-DELAMARE, •l.es insrnutions de paix rn Aquiraine au XI'
siede», E. STRUBBE, •la paix de Dieu dans le Nord de la france•, A. JORIS (v. noca seguinre), J. GERNHUBER, •Staa< und
l.andfrieden in deurschen Reich der MirrelaJ1er.. foram publicados nos Récuei/J de la Silítéttjean Bodm, rnmos XIV e XV. L> Pa1x.
Bruxelas, 1961-1962 (2.ª ed., 1984).
(89> Conrrariamente ao que geralmente se escreve, a proclamação da <régua de Deus pelo bispo dr I.1ége Henrique de
Verdun em 1082 não foi acompanhada pela criação ex nihilo de um 1ribunaJ especiaJ a que se ceria chamado• Tribunal da paz•. foram
os slnodos gerais mistos, já então exisrentes e que compreendiam digni1ários da IBreja e vassaJos de primeira careg~ria do
príncipe-bispo, q~ constiruiram a jurisdiçio episcopd ela paz cm Llege; a sua actiV1dade é conhecida desde 1088 até si<:. XJV A. JORIS.
•Observarions sur la proclamarion de la Treve de Dieu à Liege à la fin du XI.• siécle», em Récuer/J dt la Silí1étéjean Bndm. r. XIV; L>
Paix. p. 503-545.
295
c) As Keure ( = Küre)
Nas pequenas comunidades de habitantes, tanto rurais como pré-urbanas, podem
ter sido fixadas normas jurídicas por cçimum acordo de codos os membros. Se, em geral,
estas normas são consuetudinárias, tendo nascido de um uso prolongado, pode haver
casos em que pareceu necessária uma nova norma de direito; uma assembleia geral dos
homens livres da comunidade (por exemplo, o thinK, o concelho (p/aid) geral) pode ter
decidido quais as regras que iriam ser seguidas no futuro; tr~ta-se de direito novo
decidido pela comunidade, não de direito imposto por uma autoridade, nem de uma
reafirmação do direito costumeiro existente. Encontram-se numerosos exemplos de
direito estabelecido por uma comunidade nas regiões do Norte da Europa: Escandinávia,
Islândia, Norte da Alemanha, Frésia, Flandres. Ele é designado, geralmente, por um
nome derivado de «querido»: alemão, Willkür, holandês, willekeur, keure, latim, cora.
Um dos mais antigos textos de direito flamengo é chamado a Cora Furnensis, o keure do
Mécier de Fumes, de 1147. Nos sécs. Xlll e XIV, o keure designava tanto a carta de privilégios
concedidos a uma cidade ou região como as ordonnances urbanas (infra p. 300) <91l.
(90) Ph. GODDING e J. PYCKE, •A paz de Valenciennes de 1114•, em Buli. romn. anc. loi1 BélgiqNe, 1. 29, 1981. p.
1-142; A. VERMEESCH, EJlaÍ 1ur lc origín<J el la JÍgníficalion tk la rommNne dam le Nord tk la frana ( l l .'-12.' sieder), Heule 1966.
(91) W. EBBL, Díe WíllkiJr. P.ítu StNdit zu dm Dmkfonnen dtJ iilttrm <ÚN/rchtn Rahu, Gõttingen 1953; do mesmo Gcchichte
dw Gtietzgebung in De111Jchland, 2. • ed. Gõttingen 19511·
296
<92) W. HOLTZMANN, Da1 mi11J.ilter/icht lmperill'1l 1md di• werdendm Notio11en, Colónia 195 3; R. FEENSTRA, •Jean de
Blanor er la formule.Rcx Franciar in regno suo princeps esr., Milo11ges G. Le Bros, Puis 1965, p. 885-895 (primeira mençlo em
Bolonha, em 1256).
297
ou, pelo menos, de coordenação das leis existentes. Os mais antigos códigos aparecem no
Sul da Europa, nomeadamente na Sicília (Liber AuKuJtaliJ, 1231), em Veneza (Liber
Jtatutorum, 1242), em Aragão (1247), em Castela (primeíra redacção dos Libri de las /eyes,
12 5 6-1258); mas encontram-se igualmente na Escandinávia (Dinamarca, Jydske Lov,
1241). A obra mais imponente é a de Frederico II para o reino da Sicília, o Liber
constitutionum, de 1231, que pode ser qualificado o maior monumento legislativo da
Idade Média; os seus três livros dizem respeito, um à o'rganização do reino, outro ao
processo, o terceiro ao direito privado, direito penal e direito feudal <93>.
··Examinaremos de seguida de uma forma mais aprofundada a legislação medieval
em França e nos principados belgas e holandeses; primeiro, as ordonnances _dos reis de
França, seguidamente as dos príncipes territoriais, por fim as ordonnances urbanas.
C9l) H. DnCHER, Die siziliJche Gaetzgth11ng lúim Friedrichs II, Kõln-Wien l975.
(94) Edições: E. DELAURIERE ec ai., Ordonrwnw tks Rois de Fran<e tÚ la li. •raa, 22 vols., l723-l849 (chamada
frequencemence •Ürdonnances du Louvre•; finda em 15l5); ISAMBERT, JOURDAN e DECRUSY, Rklttil gineral tks ancienna fois
/ranraiw, de 420 à 1789, 2 vols., l822-l833 (edição medíocre, feira à pressa, mas úcil para a época moderna). .
(9)) F. OLIVIER-MARTIN .• r.,, roi de France er les mauvaises cou~umes au moyen-âge•, Z. SaviKnJ, Gmn .. t. 58 0938)
103-37;). GILISSEN, •l.oi et courume. Quelqunaspeasde l'inrerpénérrarion ... •, Tijds. Rtchllgarh., e. 2l, l953, p. 257-296.
298
Paris, Orleães, Senlis), nenhuma dificuldade particular: o rei podia impor as suas
decisões sem encontrar resistência. Pelo contrário, defrontava-se com a oposição dos grandes
vassalos para impor as ordonnances que editava para todo o reino (per totum regnum).
Decerto que, ao editar estas últimas, o rei se colocav.a do ponto de vista do bem
comum do reino; empregava de resto muitas vezes a expressão pro communi utilitate ou
uma outra equivalente. No entanto, a fim de se assegurar de que era obedecido, de
rodeava-se do conselho dos barões e fazia indicar, em cada ordonnance, o seu consen-
timento ou juramento de a observar.
Em geral, o rei acabou por impor as suas ordonnances onde a sua autoridade já não
era muito contestada (por exemplo, em 1215, o rei impõe a Branca de Charnpagne que
faça executar uma ordonnance em todo o seu condado) ou onde elas podiam ser secundadas
pelas armas. Em contrapartida, nas outras regiões do reino, nomeadamente no condado
de Flandres, ele apenas raramente conseguiu fazer aceitar a sua legislação.
Nos sécs. XIV e XV, o rei consultou por vezes as classes privilegiadas, as três
Ordens (nobreza, clero, Terceiro Estado) reunidas nos Estados Gerais.
Aplicação territorial das «ordonnances» reais
Forma das « ordonnances » reais
Distinguiam-se as ordonnances «a pedido» e as ordonnances motu proprio. Inicialmente,
a maior parte das ordonnances eram emitidas pelo rei a pedido ou de um grupo social que
pedia a confirmação ou a extensão dos se.us privilégios, ou mesmo de uma ou mais pessoas
que procurassem uma vantagem particular. Esta legislaçâo «a pedido» distingue-se mal
dos privilégios gerais, quer no fundo, quer na forma.
Por outro lado,. o rei podia, pela sua própria iniciativa, motu proprio, elaborar
normas jurídicas que impunha, com sucesso maior ou menor, ao conjunto dos seus
súbditos. Ainda raras no séc. XIII, as ordonnances motu proprio tornam-se mais numerosas
nos sécs. XIV e XV. Citemos, entre outras, a importante «ordonnance Cabochienne»,
de 1413 e a de Moncils-lez-Tours, de 1454.
Matérias reguladas nas leis do rei.
De uma forma geral, as leis do rei intervinham sobretudo em matéria de direito
público, muito menos em matéria de direito privado.
As ordonnances visavam, antes de mais, a manutenção da ordem pública e de uma
boa administração no reino: organização administrativa, judiciária, financeira, militar,
económica, etc. O direito penal continuava a ser regido pelo costume local, apenas com
algumas excepções. O processo era próprio de cada jurisdição, sendo as suas normas
muitas vezes fixadas pelo estilo (supra).
Quanto ao direito civil, o rei não tinha hesitado em abolir um ou outro «mau
costume» local nesta matéria. Mas alguns raros esforços para introduzir motu proprio novas
normas de direito civil por via legislativa fracassaram. Assim, uma ordonnance de 1214
estabelecendo Úm apanágio legal a favor dà viúva teve escassa aplicação.
299
<96> B.A. POCQUET DE HAUT-)Us.5É, •la.~ du llgislatif daris le duché de Brmgnc•, Rev. hbt. dr. fr., 1962, p. 354
ss.; ). YVER, •Le cres ancim courumier de Nonnandie, miroir de la lt!gislation locale?•, Tijd.Jchr. RtLhlJgeJch., t. 39(1971), 333·374.
(97) L DEVILLERS, ·Charces de Hainauc de J'an 1200•, Ann. Cercl. arth. Moru., e. 7, 1867, p. 448-467. O condado de
Flandres conheceu poucas ()f'dmrfldnrtJ aplicáveisa todo o ccrricório; qllll5C cpdas eram-no aperuis a uma região dada: Kt11.ro do Franc de
Bruges, do Métier de Fumes, dos Quatre Méticrs, etc.; á. R. VAN CAENEGEM, •Coutume ec législarion en. Flandrc aux XI.• ec
XII.• siedes•, P~o Civilale, Coll. Hút., n. 0 19, 1968, p. 245-279; o mesmo, •Considérations critiques sur l'ordonnance comcale
llamande connue sous te nom d'ordonnancc sur lo beillis•, A<Ur Congro Soe. ital. Hbl. Jroit, Vmez.ia l967, p. 133-152;). M. CAUCHlES,
•Coucume et législation m Hainauc du 12. •ao 16. •siecle., Rk. à'éllldts o/ferta à M. A. ARNOUlD, Hannonia, Mons 1983, 7-33.
300
c) As ordonnap.ces urbanas
A necessidade de uma legislação urbana resulta, por um lado, da quase autonomia
de certas cidades, por outro lado, das necessidades económicas e sociais da vida urbana.
O costume dos burgueses, muitas vezes já distinto do das regiões rurais muito antes da
redacção das primeiras cartas urbanas, nem sempre basta para assegurar a manutenção da
ordem pública e o desenvolvimento político, social e económico na cidade. O costume
evolui lentamente, sendo a prova da sua existência sempre difícil. Ora as cidades evoluem
rapidamente nos sécs. XII, XIII e XIV: de aldeias de algumas centenas de pessoas,
algumas cidades tornam-se aglomerações importantes que atingem por vezes os 30 000 e
40 000 habitantes. A administração da cidade e, sobretudo, a organização da economia
exigem da parte das autoridades responsáveis pela manutenção da ordem pública medidas
enérgicas, com efeitos e execução imediatos. Como toda. a comunidade que tenta
sobreviver, as cidades têm que impor leis, ou seja normas jurídicas, determinadas pela
autoridade e obrigatórias para todos. Esta necessidade é tanto maior _quanto a autoridade
. <98> ). VAN DER STRAETEN, Het Charter m ~ Raaá van Kortmbtrg, 2 vol., Lõwen 19,2; E. LOUS.SE, •ln deux
chartes romanes brabançonnes du 12 juillet 1314•, Buli. Cormn. Roy. HiJ1., 96<1932) 1-47; E. POUll.ET, Mbntiire SJJr /'ancienne
constitulion lwabanfonne: Hütoirr ~la Joyeuie Entrét_ du Brabanl e/ w 1>rigifw, Bn11celleJ 1B(í3; v. também Anciem Pay1 ei AJsemblw d'É1a11,
t. 19( 1960); R. VAN UYTVEN & W. BLOCKMANS, •Constirutions and their application in the Nerherlands during the Middle
Ages•, Rev. belg. Phil. Hist., 47(1969) 399-424.
199) Ediçãoem).J. RAIKEMetal.,Coulu111liauPayukUege, t.11. Bruxelles 1873, 172-316.
301
superior (o imperador, o rei, os senhores) ou não legislar ou legislar pouco nos domínios
que interessam ao comércio e indústria urbanos.
A importância e extensão da actividade legislativa urbana variam de uma região
para a outra. As cidades francesas, mesmo Paris, gozaram de pouca autonomia e, por
isso, pouco legiferaram. Em contrapartida, as cidades dos principados belgas e holandeses
e, sobretudo, as da Flandres, do Brabante, da Holanda e da região de Liege, bem como as
grandes cidades imperiais (Reichstadte) e as cidades italianas, usaram largamente do
direito de fazer leis.
Na Flandres, este direito aparece a partir dos meados do séc". XII; na carta de Arras
(entre 1157 e 1163), retomada pouco depois por Bruges, Gand, Ypres e outras cidades, o
conde concede aos escabinos o direito de, mediante consentimento do seu representante
local, fazer posturas (bans) em matéria de pão, vinho, carne e outras mercadorias. Nas
cartas urbanas mais recentes, os limites deste direito de legislar não estão fixados.
O acordo do príncipe ou dos seus agentes continua a ser de regra, salvo algumas
excepções: assim, os escabinos de Bruxelas obtiveram o direito de legislar por si só, de
1304 a 1330 e depois de 1384.
As grandes cidades belgas legislaram muito nos sécs. XIII, XN e XV; cada vez
menos depois disso.
As ordonnances urbanas têm nomes muito variados: estatutos (Liege, Itália e Sul da
França), bans (Flandres francesa, Artois, Hainaut e Tournai), ordonnances (sobretudo a
partir do séc. XN), regulamento político (em holandês, voorgebod, Gand), core ou Keure
(Flandres ocidental, Brabante), willecoren (Holanda), reces (Maestricht), Stadtordnungen ou
Stadtpolizeiordnungen (Alemanha), posturas (Portugal e Espanha)º 00!
As ordonnances urbanas são frequentemente muito breves; a maior parte das de
Douai e Tournai do séc. XIII não contêm senão um artigo. Outras, no entanto,
regulamentam em detalhe uma matéria completa; assim, em Liege, a mais antiga
ordonnance conhecida, datando de 1303, os Statuts criminels ck la Cité, constitui uma
importante lei penal.
Acontecia frequentemente que, em r~ão de um grande número de ordonnances
urbanas, a necessidade de uma coordenação ou mesmo de uma codificação se impôs.
Assim, em Saint-Omer, um cerro Ghis l'Escrinewerkere redigiu, no .séc. XIII, um
Re!(istre aux Bans Municipaux, recolha que conta mais de 500 artigos, provenientes de
numerosas ordonnances, simplesmente justapostas, sem preocupação de classificação ou de
divisão em matérias; era um regulamento minucioso e rigoroso sobre a administração, ·a
(100) J. GILISSEN, •l..rs villn en Belgique: hisroire des insrirucions edminisrrarives er jud.icia.in:s des villes btlges•,
Réc11eils rk la Soâéte jean BoJin, VI, 19'4, 575-585; Ph. GODDING, •le pouvoir urbain en Btabanr au moyen âge•, em Wavn
12 22, 1972, Colloq11• hiuoriq11e, Acres 1973, p. 100 ss.; •Liste chronologique provisoire des ordonnances inréressanr le droir privé er
pénal de la ville de BruxeUes (1229-1657)», 8111/. C.R.A.L.O., 17 (1953) 339-400;). DE SMET, •les keURS in&iir des plus
anciens livrs de Keures d'Ypres•, B11(/. COfflm. roy. hüt., 94(1930), 389-481. ·
302
«polícia», o direito penal, bem como o comércio e a indústria na cidade <10 n. Em Lille. o
Livre RoiJin (já referido como recolha de costumes, coutumier) contém numerosas
ordormances .urbanas dos fins do séc. XIII.
As cidades legiferam pouco em matéria de direito civil (que continua sendo
essencialmenre costumeiro), muito em matéria penal e em matéria económica e social.
Assim, a Statutenhoek de Maestrich, de 1380, que compreende 132 artigos, contém mais
de 100 sobre direito e processo penal, uma vintena sobre organização da cidade e, quando
muito, cinco sobre direito civil. O Livres des Keures de 'Xpres, de 1292 a 1310, contém 13
leis relativas à tecelagem, 17 ·sobre outros corpos de mesteres, alguns relativos às
sucessões, aos reféns, aos peregrinos, às mortes, e, finalmente, uma «Keure de todas as
coisas comunais», de 79 artigos, longa enumeração de infracções de toda a espécie.
!101)A. DER VID.E, •Ú rrgisauux bens de Saint-Omtt 0011. • •i«le•, em I.ihtr dffliaJnlm }. Gilissm, Anvm 1983, p. 77-88.
(102) J.
GIUSSEN, •Individualisme et s«uritt ;uridique: la prépondérance de la loi er l'acte krit au XVI.• siecle dans
L'ancien droir belge•, em lndi11idN et Soâltià la Rm4im1na, Univ. Bruxelles 1967, p. 33-~8.
303
003) G. IMMEL, «Typologie der Geser:zgebung des Privatrechrs und Prozessrecht•, em H. COING, H11ndb11ch . .. , op.
cít. t. II, 2. 0 pane, Müchen 1976, 3-96; encontram-se nas ourras panes desre volume noras (sobrerud~ bibliograficas) sobre a
legislação dos diferences países da época moderna.·
(1114) F. OUVIER-MARTIN, •l.es lois du mi•, op. á1.; R. PETIET, D11 poJJVOir /igiJ/ati/ en Ffantt depuis /'avmemml dt
Philippe /e Be/ j111q11'en 1789, Paris 1891; W. WILHELM, •Geserzgebung und Kodifikation in Frankreich ím 17. und 18.
Jahrbundert~, Iw C1J1M1111ne, I (1967) 241-270; B. DÕELEMEYER, •Gesetzgebung in Frankreich•, em H. COING(ed.), Handbuch
... op. cit., 11.2 (1976), 187-227. Textos sobre as ~Mnas reais, JOURDAN, DECRUSY e ISAMBERT, Rheil giniral ... , op.
âl.; para o reinado de .Francisco 1: publicação da Académie dts sciencu nuwalu ti poli1iq11u: <XdonMncrs do rois de Frana. RJgnt de Franrois
l, 4 vols., Paris 1902-1933.
304
O papel dos Estados Gerais, órgão representativo das três ordens (nobreza, clero e
terceiro estado) foi muito limitado. Quando muito, podiam agir, em relação ao rei, pela
via do pedido, dirigindo-lhe «cadernos de queixas» ( cahien de doléances). Aí, propunham
as reformas que lhes pareciam dever ser ordenadas a bem do rei e do país, ou, mais
frequentemente, a bem de uma das ordens ou de uma região. Mantidos afastados do
exercício do poder legislativo, estavam condenados à impotência, no caso de recusa, pelo
rei, de satisfazer aos desejos por eles expressos. No séc. XVI, a sua influência sobre a
legislação régia foi, no entanto, real, no sentido de que várias ordonnances importantes
foram emitidas na sequência das queixas dos Estados Gerais, como, por exemplo, as
ordonnances de Orleães (1561) e de Blois (1579). A sua influência cessou no séc. XVII; a
partir de 1614, eles deixam, de resto, de ser convocados (documento n. 0 6, p. 326).
Bem pelo contrário, a influência dos parlamentos e de outros tribunais soberanos
de justiça oo~l continuou a ser considerável. Com efeito, para que uma lei fosse obrigatória,
era preciso que ela fosse recebida e publicada pelos parlamentos: os parlamentos
registavam as ordonnances e davam ordem às autoridades administrativas da sua área de
competência para as publicar. Esta publicação consistia na sua leitura em público, o
único modo de divulgação nesta época.
Os parlamentos conseguiram fazer deste registo um direito, ou mesmo um
privilégio: o de recusar o registo das ordonnances e de fazer «advertências» ( remontrances) ao
rei. A partir de então, nenhuma ordonnance era executória no círculo territorial de um
parlamento sem que este tivesse procedido previamente ao seu registo.
Muitas vezes, o rei manteve as suas ordonnances, apesar das advertências (r:emontrances)
do parlamento; ordenava então ao parlamento o registo das ordonnances contestadas, por
meio de «cartas de injunção» (lettr~s de jussion). Em geral, o parlamento submetia-se;
outras vezes, insistia nas suas advertências, mesmo depois de várias «cartas de injunção».
Para pôr fim a isto, o rei reunia um «lit de justice»: dirigia-se pessoalmente ao
parlamento para aí dar directamente ao chanceler a ordem de registar a ordomzance.
O controlo dos parlamentos justificava-se pelo respeito devido pelo rei aos
princípios do direito divino (não do direito canónico) e «às leis fundamentais do reino».
Estas eram constituídas por um conjunto de costumes relativos ao funcionamento da
realeza. Não estavam reduzidas a escrito, não havendo, porta~to, uma constituição
escrita, mas antes um conjunto de princípios constitucionais não escritos, como ainda
hoje em Inglaterra. Estas «leis fundamentais» diziam respeito à sucessão do ·crono, à
inalienabilidade da coroa, à independência do poder espiritual.
(<Quanto às leis divinas e naturais, todos os príncipes da terra estão sujeitos a elas,
não estando no seu poder desrespeitá-las», escreveu Jean Bodin, na República (1576).
(IOH Os parlamentos de França são órgãos sobn:-rudo judiciários, espécies dt tribwiais de apelaçW, (;,1fra, (361)),
enquanto que, em Inglaterra, o parlamento é o órgão ~~nmtivo, a partir do séc. XIV até aos nmsos dies. Havia 10 parlamentos
em França nos séculos XVI a XVIII: Paris, Toulowie, Gn:-noble, Botdeaux, Dijon, Aix-en-Provence, Roucn, Rennes, Dôle e Douai.
305
O conteúdo das leis divinas que se impunham ao rei era, no entanto, impreciso: governar,
de acordo com a justiça, para o bem comum. Mas que fazer se o rei violasse as leis divinas?
Na Idade Média, o Papa interveio algumas vezes nestes casos. A partir do séc. XVI, apenas
resta aos súbditos recusar a obediência, ou seja, revoltar-se. «Matar o rei», dizem os
monarcómacos, na segunda metade do séc. XVI; Henrique III e Henrique IV foram
assassinados! Fazer uma revolução, dir-se-á no séc. XVIII; foi o que se fez em 1789-1792.
2. 0 lnf.{laterrao06>
A evolução do poder legislativo é em Inglaterra muito diferente da que a França
conheceu sob a monarquia absoluta. O sistema legislativo inglês, tal como foi fixado no
início do séc. XVIII e no i_nício do séc. XIX, influenciará largamente a concepção do
poder legislativo na Europa continental.
Em princípio, na Baixa Idade Média, o poder legislativo pertence em Inglaterra ao
rei, que efectivamenre promulgou baseantes statutes; a ponto de se chamar a Eduardo 1
(1272-1307) o «Justiniano inglês», por causa das dezenas de leis que ele promulgou.
Algumas destas leis estão ainda em vigor nos países do common law, nomeadamente a lei
Quia emptores, de 1290, relativa ao contrato de compra e venda.
A partir do séc. XIV, constara-se a intervenção crescente do Parlamento, que, em
Inglaterra, é um órgão representativo. O Parlamento inglês age como, noutros lados, os
Estados Gerais ou os Estados regionais (v. g., em Espanha ou em Portugal, as Corres):
dirige pedidos ( bills) ao rei que, ao ?.ceitá-los, os transforma em leis ( statutes ).
A intervenção do parlamento tornou-se progressivamente indispensável para
permitir ao rei legislar; este em breve deixará de poder fazer leis por sua alta recreação
( motu proprio), todos os statutes devendo ser apresentados como bili pelo Parlamento.
Houve alguns períodos durante os quais os reis pouca importância deram ao Parlamento,
por exemplo sob Henrique VIII. Mas, na sequência das duas revoluções de 1648 e de
1688, a autoridade do Parlamento como órgão legislativo tornou-se considerável. O Bill
o/ rights, de 1689, proibiu ao rei suspender as leis ou dispensar a sua execução without the
consenso/ Parlyament. De facto, o rei deixa de exercer, a partir do séc. XVIII, o direito de
veco, ratificando todos os bills propostos pelo parlamento.
O poder legislativo pertence conjuntamente ao rei e ao Parlamanto, este composto
de duas Câmaras, sistema que se volta a encontrar em numerosas constituições do séc. XIX.
vezes no texto das suas ordonnanm a fórmula: «Pois assim me apraz»; emite ordonnanceI
«de nostre certaine science et plaine puissance» (de nossa certa ciência e poder absoluto)
(exemplo: ordonnance de Thionville de 1473. v. documento n. 0 4, p. 325) 0°1 >.
Os accos legislativos também são chamados ordonnanceJ, éditos, mas sobretudo
avisos ( placcaeten) noe>.
Os principados belgas deixaram, uns de constituir feudos do rei de França, outros
do Imperador. A Flandres! o Artois e o Tournaisis deixam de depender do rei de França
pelo Tratado de Madrid de 1526; as oucras províncias, se continuam teoricamente
dependentes do Santo Império, são, de facco, quase independentes dele, a partir da
°
Transacção de Augsburgo, de 1548 09>. Em concrapanida, os principados eclesiásticos de
Liege e Stavelot-Malmédy continuam mais estreitamente dependentes do Santo Império.
O soberano, quer se trate do imperador Carlos-Quinto ou dos reis de Espanha, de
Filipe II a, Carlos II, ou ainda da imperatriz Maria Teresa da Áustria, não legisla na
qualidade de rei ou imperador, mas na de duque do Brabante, duque do Luxemburgo,
conde da Flandres, conde de Hainaut, etc .. Ele continua a tradição das ordonnances
senhoriais da Baixa Idade Média. Há tantas legislações diferentes quantas as províncias 010>.
Os soberanos esforçam-se, no entanco, Por impor as mesmas ordonnances nas diferentes
províncias e por unificar, assim, o direito no conjunto das XVII províncias do séc. XVI
ou das dez províncias medievais nos sécs. XVII e XVIII <11 1>. Por outro lado, eles
promulgaram algumas grandes ordonnances aplicáveis a todas as províncias (nomea-
damente, as de 1531, 1540, 1570 e 1611); o número destas ordonnances gerais aumentou
sensivelmente no séc. XVIII, dando origem a um direito legislativo belga (v., infra, as
grandes ordonnances).
Tal como em França, o soberano era assistido por conselheiros para a confecção das
leis; a partir de 15 31, os três conselhos colaterais (Conselho de Estado, Conselho
Privado, Conselho das Finanças) intervêm muitas vezes na preparação das leis; o papel
mais activo cabe ao Conselho Privado n12>
007> E. POULET, IA com111utiom rzatioTkJ/t.1 btlgt.1 de l'anâro régime, _, l'époque de l'ifWasion franraiu de 1794, Bruxelles
1874; J. GILISSEN, ú rigime reproentatif en Belgiqueavanl 1790, Bruxelles 1952, col. •Notre passé•.
(108) Este nome provém do uso do selo aposto sobre o original em vez do selo pendente (P. BONENFANT, .A propos des
"placards' de Charles-Quine•, MiJctlantA A. De Meyer, e. 2, Louvain 1946, p. 781-1790.
(109) Transacção aceite pelo Reich11ag sob pressão de Carlos V, imperador, mas também senhor de cada um dos principados
dos PayJ de fiar def"· Estes formarie.m, daqui em diante, o círculo imperial (R<ich1kreiI) de Borgonha, liben:o de ioda a legislação
imperial (salvo em matéria fiscal); as leis do Império não eram aí aplicadas. Os principados de Liege e Sraveloc-Ma.lmédy fazem parte
do círculo imperial da Wescefália, estando sujeitos às jurisdições superiores do Império (infra, p. ).
(110) P.ara o séc. XV, wn excelente escudo recente: J.M. CAUCHIES, La légiilation prinâere pour /e comté áe Hainaul. Duo
de Bourgogneel premier1 Hab1hour;g(l427-l506), Bruxelles 1982.
(l Lll J. GILISSEN, ·Effon:s d"unificacion du droic courumier belge aux XVI. .. , XVII. •siecles•, in Mélangt.1 Georgt.1
Sme/J, Bruxelles 1952, p. 295-317.
!112> J. BARTIER, UgiJleJ ergem de.finanw au XV 1itde. u1 comeiller1 tÍlJ duCJ de Bourgogne PhiliPf!e /e Bon et Charle1 /1
Téméraire, 2 vols., Bruxelles 1955-1957; M. BAELDE, De collalerale Radm onder Kart/ V en Filip111 (1531-1578). Bijdrage 101 tk
ge1chieáeniJ van de cen/rale imttllingen in de XVI. •ttuvm, Bruxelles 1965; ·P. J\l.EXANDER, Hiitoiff du comei/ privé dam /eJ anciem
Pay1-Ba1, Bruxelles llN4.
307
Desde_ a mesma época, o soberano raramente reside nas XVII províncias, sendo aí
representado por um governador geral, no qual ele delega uma parte do seu poder
legislativo. A maior parte das ordonnances (cerca d~ 6o"%) são no entanto emitidas pelo
próprio soberano, embora este resida em Espanha ou, no séc. XVIII, em Viena. Mas ele
faz-se assistir por Conselhos especialmente encarregados dos assuntos dos Países Baixos.
Filipe II tinha instituído em Madrid, em 1588, um Conselho Supremo da Flandres,
suprimido em 1598 aquando da· cessão dos Países Baixos aos arquiduques Alberto e
Isabel; mas o Conselho foi restabelecido em 1628. Subsistiu em Viena, mas perdeu
progressivamente todas as suas atribuições, até à sua supressão em 1757; a partir daí, é a
Chancelaria da Corte e do Estado que se ocupa dos assuntos dos Países Baixo~ meridionais.
O papel dos Estados Gerais foi ainda mais limitado do .que em França no séc. XVI.
Mas quando, em 1578, a maior parte das XVII províncias se revolta contra Filipe II, são
os Estados. Gerais que representam os revoltosos e que exercem o poder legislativo; são
eles que, em 1581, declararam deposto Filipe II. Mas, a partir de 1585, eles passam a ser
compostos apenas pelos representantes das sete províncias do Norte, as Províncias
Unidas. Nesta República, são, desde logo, os Estados Gerais que exercem o poder
soberano e, nomeadamente, o poder legislativo. Nos Países Baixos meridionais, os
Estados Gerais deixam de ser convocados; quando muito, os Estados de certas províncias
intervêm sob forma de pedidos dirigidos ao príncipe 013>.
Os Conselhos de justiça de cada província (Conselhos do Brabante, de Hainaut, de
Namur, etc.; cf. infra, II, 1, E) tinham, como os parlamentos franceses, um direito
de advertência ( remontrance) por ocasião da publicação das ordonnances; mas não o podiam
exercer senão uma vez; a instituição do «lit de justice» era desconhecida.
Os soberanos nas XVII Províncias tinham um poder legislativo mais limitado do
que os rei de França, pois prometiam, no seu juramento de entrada em cada província,
respeitar os antigos costumes. Sobretudo o Conselho do Brabante, invocando a «Joyeuse
Entrée», renovada no início de cada reinado, defendia com energia os privilégios e
costumes da província. Nos sécs. XVII e XVIII, outras províncias invocaram também a
«Joyeuse Enrrée», progressivamente considerada como comum a rodas as províncias. No
Hainaut e em Gueldre, o soberano tinha prometido, aquando da homologação dos
costumes, não introduzir neles nenhuma modificação sem a participação dos Estados.
C11 3> ) • GILISSEN, •l.es Etats généraux des Pays de par deçà ( 1464-1632)., em Cinq an/1 am ,J, vi< parlemnitairt. Ancien1
Pay1 e/ Anciem Eta/J, t. 33 (1965), p. 203-321; ID., •l.es Érats généraux en Belgique et aux Pays Bas sous l'ancien Régime•, R«uúb
Sociélt}ean Bodín, t. 24, 1966, p. 401-437; R. WEllENS, ÚJ Ela/J géniraNX dn PtJy1 Ba1 dn origín<J à lafin du rlgnede Philippe Ir Bta~
( 1464-15061, Bruxe!les- 1974; 500jahrenSttJten-Gen.eraal in ,J, Netkrlanám. VtJn StalenvergtJdering 101 t10ikivtr1egtn woordiging, Assen 1964.
308
SOBERANO
Chancelaria
da Corre e de Emulo Conxlho Superior
(s«çio Palsn Daisos),
dos Pai.., Bai:iros
em Viena em Viena
GOVERNADOR GERAL
CONSELHO
1 PRIVADO 1 1
L CONSELHO
__________
DAS FINANÇAS :
J
L- ------J MINISTll.O
PLENIPOTENCIAIUO
CONSELHO
DE ESTADO
Conselho da Plandrn 1
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! Ir'_Co_n_S<_lho...Ld_e_H_u-.na-u-,"'"'\ !
~~·~u~~:__\
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1 de Luxemburgo jl_ 1 de Luxemburgo L.,
L-r------- J L-r--------' 1
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ConS<lho de Brabame
L ____ - - - - _.J
:
j
----
de Namur, etc. :
-----
! de Namur, ore.
__________ J
i
Pan:iculatts Cidad.s
Corporações Conselhos
b) Estatística le?,islativa
A partir do séc. XVI, a actividade legislativa é intensa. É assim que, nas XVII
Províncias se contam em média 50 ordonnances por ano entre 1506 e 1784. Eis a
repartição (aproximativa) por reinado 014 >:
014) J. GIUSSEN, •Essai swistique de la législation en Belgique de 1507 à 1794•, Rt1114 du Nord, t. 40, 1958, p. 9-13
(resumo de uma comunicação); esw estatístiOIS IOram calculadas na base das ortÍQnna11a1 publicadas pela ComiJJirm ruyale pour le< anrimnes
loiJ ti ordonnances, bem como de listas cmnológiOIS provisórias. No principado de Liêge, houve pelo menos 3296 ordonnances de 15 51 a
1796 (cf. HANSOTfE & PIEYNS, op. ril., 301).
310
O exemplo que acaba de ser citado mostra a grande actividade legislativa dos sécs. XV 1,
XVII e XVIII nos principados belgas que foi, muitas vezes, ainda mais abundante do que
noutros países. Falta uma estatística geral das leis deste período; mas pode avaliar-se o
seu número em centenas de milhares, ou mesmo um milhão, para o conjunto da Europa
moderna. Avaliam-se em mais de um milhão apenas as leis espanholas aplicadas na
América espanhola (Garcia Gallo). Para estudar o fenómeno legislativo no seu conjunto
seria preciso recorrer à informática, o que tem sido recentemente feito em Espanha sob a
direcção do Prof. M. Artola cm~
Aqui, apenas se podem citar algumas grandes ordormances, sobretudo aquelas qm
contribuíram para a codificação do direito ou para a coordenação das leis em vigor.
Fá-lo-emos mais em detalhe para a França e para os principados belgas e holandeses. Mas
começaremos por citar outras leis e ordenações em alguns dos restantes países europeus.
Em Espanha e Portugal, houve sobretudo obras de coordenação. Em Espanha, a
Nueva Recopilación de las Leyes, promulgada em 1567 por Filipe II, coordena cerca de
6995 leis, não apenas de Castela, mas também de outras partes de Espanha. A Novisima
Recopi!ación das leis do Reino de Navarra data de 173 5. Uma última Novisima Recopilación
das leis de Espanha foi feita nos inícios do séc. XIX (1805). Em Portugal, o movimento
de codificação é ainda anterior, sucedendo-se três grandes compilações: as Ordenações
Afonsinas, de 1446-1447; as 01·denações Manuelinas, cuja primeira redacção data de
1512-1514 e a segunda de 1521, e, por fim, as Ordenações Filipinas, de 1603.
No Santo Império, a Constitutio Criminalis Carolina (C.C.C., Pein!iche Gerichtsor-
dnung), promulgada por Carlos V em 1532, é um primeiro esforço de codificação do
processo criminal, no qual o direito penal é largamente representado; obra de Johann von
Schwarzenberg (cerca de 1465-1528), deve muito a precedentes, sobretu:lo à Constitutio
criminalis de Bamberg, mas também à doutrina romano-canónica, Embora promulgada
em comum pelo Imperador, pelos príncipes e pelos Stande no Reichstag de Ratisbona
(Regensburgo), não pôde ser imposta a todas as partes do Império; no entanto, a sua
influência foi considerável até ao fim do séc. XVIII, mesmo fora do Império.
(ll)) La /~islad6n dtl antiguo regimen, por e/ Grupo 77, Universidad Autónoma de Mlldrid, Departamenro de Historia
Concemporánea, Madrid 1982.
311
a) Séc. XVI
A primeira grande ordonnance que exerceu uma certa influência sobre a redacção do
Code civil francês de 1804 foi a de 1510, de Luís XII, sobre as prescriçõeJ de curto prazo:
prescrições de seis meses para a acção dos operários e trabalhadores, de um ano para a dos
criados, quanto ao pagamento dos seus salários, de cinco anos para a acção para
pagamento de rendas atrasadas, de dez anos para a acção de nulidade ou rescisão de uma
convenção. A maior parte destas curtas prescrições foram com e(eito retomadas pelo Code
civil de 1804 (arts. 1304 e 2271-2277) e ainda são hoje aplicadas.
A ordonnance de Villers-Cotterêts, de 1539 considerada como obra de Poyet,
chanceler de Francisco 1, compreende importantes inovações em matéria civil e criminal,
nomeadamente a proibição de testar e de dispor por doação a favor do tutor ou do curador
(origem do art. 0 907 do Code civil) e a obrigatoriedade, para os padres, de manter um
registo de nascimentos e de falecimentos ocorridos na sua paróquia.
Diversas ordonnances importantes devem-se ao chanceler Michel de l'Hopital: o
édito sobre as segundas núpcias (1560), introduzindo sanções civis contra a viúva que se
torna a casar tendo filhos vivos (art. 0 1098 do Code civil); a ordonnance dita (sem razão) do
Roussi!lon (1563 ), fixando o dia 1 de Janeiro como o começo do ano para todo o território
francês e desenvolvendo a instituição dos tribunais do comércio; a ordonnance de
Moulins (1566), dirigida sobretudo contra as justiças municipais; encontra-se também aí
a regra em virtude da qual, para qualquer convenção que exceda 100 libras, só é admitida
a prova escrita, norma retomada pelo art. 0 1341 do Code civil.
Em 1759 foi promulgada a grande ordonnance de Blois (363 artigos), obra do
chanceler (Garde des sceaux) Cheverny; diz respeito a diversas matérias: administração da
312
(116) F. MONNIER, G11illaume de ÚlmlJignDn et Colbert: 011ai 111r la légi1/a1iD11 a11 XVII 1itdt, Paris 1862; E. DUVAL, La
prlparation au XVII 1iecle, Paris 1862; E. DUVAL, La jn'f/>dralion deJ ordonnanro de 1667 el 1670 e1 G11illatttm de Lamoignon, Co11r tk
CaSJaliorzfr., audienrer.k rentrle, 1897; W. WILHELM, •Gesettgebung und Kodiftkation in Frankreich im 17. und 18. Jahrhundert•,
lurcommune, 1 (1967)241 ss.
313
C117l P. HUVEUN. Hútoirr dN Jroít """"""°41, Paris 1904; H. MARIAGE, ÉllD"'1íon hútoriqm de la llgúlatío,, rommerriale,
Paris 1951. Sobre a legislação do direiro oomercia.l em todos os palses europeus dos sécs. XVI a XVIII: S. LAMMEL, ~me Geserzgebung
des Handelsrechre•, em H. COING(ed.), Htmábuc ... , cit., D.21976, Hl-1083.
018) H. PJ!.GNUALT, ús ordo-=s rivikr dN Chtmalier Daguww11, l: ús do1101i011J ti l'ordmmana át 1731, Paris 1929; li: ús
te.rtamml!tl l'ordo"'""'ª de 1735, 2 ~Is., Paris 1938-1965; M. FOLAIN-LE-BR.AS, u,, prvfrt rfor,J;m,,,madN chmia/ier Dagm.i1ta11, 1.941;
l..e Cha'1alier H. P. d'Agt1t11W1, 1668-1751,Jolmlks rflhlde à LJmoge.r, 1951, Limoge 1953 (nomeadamm~. os artigos de R. Vlll.ERS,
E. HOFPMANN, M. GARAUD); J. PORTEMER, •IJn ew.i de la merhocle du Chancelier d'~: l'édir d'Ào\ir de 1729•, Mem.
S«. hilt. Dr. ho11rg11í"º"• t. 19, 1957, p. 1-16.
314
romano era dominante, mesmo nos <<países de direito costumeiro» (pays de droit
coutumier), pelo que não foi difícil unificar o direito das doações em todo o reino.
A matéria das incapacidades para doar e para. receber deveria ser objecto de uma
ordonnance que se manteve em estado de projecto.
- A ordonnance de 173 5 sobre os testamentos: nesta matéria, as diferenças entre o
Norte e o Sul eram muito mais consideráveis. O Sul ( Midi) tinha adopcado o sistema
romano-bizantino de sucessão testamentária, enquanto que os costumes do Norte,
influenciados pelo direito canónico medieval, conheciam formas menos régidas para os
testamentos. Daguesseau apenas chegou, assim, a uma relativa unificação: deixou
subsistir os dois sistemas, um para os «países de direito escrito», outro para os «países de
direito costumeiro», embora, em cada região, ele tenha unificado as regras da sucessão
testamentária.
- Ordonnance de 1747 sobre as substituições fideicomissárias: tratou-se de
disposições pelas quais o autor de uma liberalidade encarrega a pessoa beneficiada de
conservar durante toda a sua vida os bens que lhe dá, para que os transmita, à sua morte,
a uma segunda pessoa designada pelo doador. A instituição conheceu um grande favor
durante os últimos séculos do Antigo Regime, pois permitia às famílias nobres tornar os
bens imóveis praticamente inalienáveis; os filhos das grandes famílias eram assim
forçados a ficar ricos contra sua própria vontade! Este instituto dava lugar a numerosos
abusos; até 1500, as substituições fideicomissárias podiam ser perpétuas; a ordonnance de
Orleães tinha-as proibido, nessa altuf'a, em mais de dois graus. Daguesseau tinha querido
suprimi-las inteiramente, mas não conseguiu. A sua ordonnance de 1747 reforçou as
restrições e impôs as mesmas regras jurídicas em toda a França. No decurso da Revolução
Francesa, as substituições fideicomissárias foram proibidas, proibição que foi mantida
pelo Code civil de 1804. (art. 0 896). .
- Em matéria de processo penal, Daguesseau esforçou-se por completar a
ordonnance criminal de 1670 por meio de várias leis sobre a contumácia e a busca (1730)
e, sobretudo, sobre as falsificações (17 37).
- Por fim, um importante «Regulamento respeitante ao processo no Conselho do
Rei» de 1738 fixou as regras de processo perante a jurisdição suprema, mantend~se em vigor
sob a Revolução Francesa para o processo perante o Tribunal de Cassação em matéria civil.
A obra legislativa de Daguesseau exerceu uma grande influência sobre os
redactores dos códigos napoleónicos: as ordonnances sobre as doações e os testamentos
foram retomadas, por vezes mesmo textualmente, no Code civil de 1804 (art. 0 9 3 1 ss.); a
ordonnance sobre as falsificações, nos Códigos de instrução criminal e de processo civil
franceses.
315
(119) Edições: uma das tarefas d.1 Comissão real das antigas leis e ordonnaru:er da Bélgica (C.R.A.l.0.), criada em 1846, é a
publicação de uma recolha das ordonnafl(f.J dos principados belgas anteriores a Ú94. Apareceram já 25 volumes; o trabalho está longe de se
considerar terminado, sendo acrua!rnenre pros.sc:guido. O Rit:ueil das ordonnanru dos Países Baixos compreende crês séries:
1. ªsérie: período borguinhão (1381-1506): 2 vols., tendo sido publicado apenas um (1381-1419).
2.ª série: período habsbúrgico e espanhol (1506-1700): 11 volumes publicados 0506-1561 e 1597-1621).
3.ª série: períodoaumíaco(l700·1794): 15 vols. (compleca).
Por outro ~: Rímffl der orlÍmmana!I de/,,~ dt t..iixe (6 vols.), de/,, principallli de Staveld 11 vol. ), <Íll DUÓJé dt 8Ut1i/lon 12 wl. J.
316
francesas nos sécs. XV e XVI, elas tratam das matérias mais diversas, sem qualquer
preocupação de classificação; o fim principal do soberano parece ter sido a unificação do
direito em todas as províncias em certas matérias controvertidas ou de interesse político
ou religioso imediato.
Assim, a ordonnance de 7 de Outubro de 1531, nos seus 45 artigos, trata da redacção
dos costumes (cf. supra), do notariado, da falência fraudulenta, dos monopólios, da
vadiagem, da mendicidade, d~ beneficiência, das quermesses, das núpcias e baptismos,
da polícia das casas de passe, da embriaguez pública, dos blasfemos, das relações entre as
províncias, etc.. Na sua sequência, três importantes ordonnances de 1 de Outubro de
15 3 1, publicadas por ocasião da entrada em funções da governadora-geral Maria de
Hungria, e que reorganizavam os principais mecanismos do poder central, sobretudo os
três conselhos colaterais.
A ordonnance geral de 4 de Outubro de 1540 apresenta, pelo seu co~teúdo, a
mesma diversidade da de 7 de Outubro de 15 3 1, dizendo respeito à heresia, ao
notariado, à falência, aos monopólios, às moedas, à competência dos tribunais
eclesiásticos, etc.; encontram-se aí disposições relativas ao direito civil, nomeadamente
em matéria de prescrições de curto prazo, de consentimento dos país para o casamento
dos seus filhos menores, de proibição para os menores de 25 anos de dispor a favor dos
seus tutores ou curadores, etc.
(120) M. VAN DE VRUGT, De criminele ormm,,,,nlim v"n 1570, Zurphen 1978; J. NYPElS, •les ordonnances
criminelles de Philippe Ib, Belg. jud., t, 14, 1856, col. 849-880, e Ann,,/es Univ. belg., 2.ª vol., t. 1, 1858, p. 1-53; E. POULET,
Histoire d11 droit pro,,/ ,J,,ns /e durhé tk BrrJbant, II vol., 1870, p. 163 ••·; L. Th, MAES, ·Die drei grossen europiiischen
Srrafgesetzbücherdes 16.Jahrhunderrs•, Zeil1. S"1J. Stift., Gmn. Abl., r. 94, 1971, p. 207-217.
317
codificação geral destas matérias; mas estas ordonnances constituem, todavia, um grande
esforço de regulamentação. e de wiificação do direito, inscrevendo-se, de resto, numa
política geral quinhentista da l~gislação penal noutros países, nomeadamente no Santo
Império, onde Carlos V tinha publicado, em 1532, UÓ1 precendente - a Comtitutio
criminalis Carolina (C.C.C.).
Filipe II de Espanha conseguiu ainda unificar outras matérias por via legislativa. Assim,
o édito perpétuo de 31 de Outubro de 1563 é um verdadeiro código de direito marítimo. Três
ordonnances do Duque de Alba, de 1569, de 1570 e de 1571, constituem wna regulamentação
geral dos seguros marítimos: a influência do direito espanhol é aí evidente.
021) G. CROISIAU, •Hec omscan van hec eeuwig Edict van 12 Juli 161 J., in Liber amirorum John Gilimn, Code ec
consticucion, Anvers 1983, 61-75.
318
NOTA DO TRADUTOR
Apesar de muita da historiografia portuguesa do direito se ocupar da história das fontes, há muitas questões em aberto na
história da legislação portuguesa.
Para a Idade Média, começa-se por não se dispor de uma edição sistemática e crítica dos textos relevantes: os P. M. H.
recolhem os anteriores a 1279 (deixando por resolver muitos problemas de datação e de reconstituição da tradição texcual); a partir
dai, apenas conhecemos, fundamenralmenre, as leis inseridas em colecções tardo-medievais (•Livro das leis e posruras•, publicado em
1971, e a Ordenações de D. Duarte•. em vias de publicação). Nomeadamente, as chancelarias de D. Dinis e dos reis seguintes (está
publicada a de D. Pedro) contêm mw<as •leis» inédiw ou já conhecidas, mas de datat;3o in«rm.
Depois, o problema do •conceito de lei• não foi satisfatoriamente resolvido. A. Herculano aborda-o, no prefácio dos
P.M.H. (LeK. I, 145 ss.), mas fá-lo em tennos historicamente errados, projectando sobre o passado os elementos do conceito
oitocentista generalidade, origem parlamentar, .permanência, •dignidade• das matérias (emanação da !!Obenmia). A doutdna
jurídica medieval não punha, desde logo, estas exigências: cf., por exemplo, a alargada definição contida nas Sete Partida>:
~estabelecimientos porque los ornes sepan biuir bié, e ordenadamente, segun el plazerde Dios» (1, l, 1), •lcyéda q(ue) ya.ze
enseiiamento, e castigo escr1pto que liga, e apremia la uida dei hombre que no faga mal• (1, 1,4). Se o interesse do historiador é o de
detectar a medida da intervenção do poder eminente (imperial, real, condal, etc.) na constituição da ordem jurídica, então parece de
adaptar um conceiro que realce (i) o papel 'constirutivo' da vontade do titular desse poder e (ii) a inrenção genérica de regulamentar as
relações sociais. Isto permitirá distinguir a •lei» do •rosrume», do direito •pactado» local (em Portugal, •acordos., pouco
frequemes), mas rambém da •jurisprudência• do tribunal da corre (que pode não instituir •direito novo•, nem decorrer da vonrade,
mas de •estilos•, de normas doucrinais ou de auroridades jurídicas). Em rodo o caso, não foi este o .critério das fontes hisróricas que
nos transmitiram os texcos. As principais fontes utilizadas P.,la nossa historiografia para reconstituir a legislação medieval são produto
da actividade de juízes (da corre: Livro das /eiJ e po11uraJ, Ordmafii<r tk D. Duarte; ou locais: Foror da Guarda), pelo que a! esrão reunidos
os textos suscepríveis de aplicação judicial no âmbito do respecrivo tribunal, qualquer que fosse a sua natureza. No fundo, wn critério
semelhante ao de posteriores fontes do mesmo ripo (•livros de assentos», •livrinhos ou livros de leis•, •livros de posses• dos
tribunais). Nuns e noucros não fu.ltam cexros de nature:za claramenre doutrinal (e não •legislarivo.).
Em Portugal, aré aos finais do séc. XIII estão identificadas cerca de 250 •leis• (posturas, degredos, esrabelecimeocos,
ordenações, mais raramente, constituições). Cerca de 220 situam-se entre 1248 e 1279 (embora esta estatística seja problemática,
pois muims dos textos não estão datados). Por sua vez, o Livro das leis e posturas, da primeira metado do séc. XV, contém pouco
menos de 400 •leis•; pelo que, numa aritmética grosseira, caberiam ao séc. XIV e ao início do século XV, cerca de 150 •leiS>.
Este conjunto de •leis• repane-se por vários remas:
(i) determinações régias no uso do seu poder •imperial• ( merum imperium, scil., offiâum nobiliJ iudicir t'Xpeditum respuhlica
ulilitatir mpiciem, ou poterlar gladii ad animadvertendum /aciTWm101 homina: poder visando a urilidade da república, nomeadamente quanto à
repressão dos criminosos); aqui se incluem as leis penais e as •pazes• (inscituição de juízes, proibição ela vingança privada), de que se
aproxima o conjunto de leis da cúria de 1211; progressivamente, a ideia de •paz• vai-se alargando à de •bom governo•, abrangendo a
intervenção •positiva• do rei em matéria de governo e administração (mas, p'redomfoantemente, de administração judiciária): •super
statu regai et sul'er rebus corrigendis er emendandis de suo regno•, lei das cortes de Leiria de 1254, P. M.H., Leg., 1, 183;
(ii) disposições do rei sobre as suas próprias coisas (de acordo com o modelo das legtJ rei Juae dictae): acerca dos reguengos,
dos cargos do paço, dos ofícios régios; na medida em que a confusão entre o património do rei e o próprio teino se vai instituindo (a
partir da perda das concepções •estatais• visigóticas e tardo-romanas), a separação entre este tipo e o tipo (i) esbate-se
frequentemente;
(iii) disposições. de corres, representando «acordos• do rei e dos optimaler ou procerer regni; furmalmence, constitulan1
decisóes unilaterais do rei, embora •a pedido•, pelo que a sua irrevogabilidade nunca fui de direito; no encanro, a doutrina, mesmo a
moderna, admitia uma especi~l dignidade das leis ode corres•, que não poderiam ser revogadas tacitameme;
(iv) normas de decisão do tribunal da corre: muitas vezes, trata-se de preceitos doutrinais ou cosrumeiros (•costume he em
casa dei rey .. , •custume he per magisrrum juliannum e per magistrum petrum»); mas, outras vezes, parece ter havido uma decisão
real («estabelecimento", •posrura• ), embora nem sempre resulte dara a intenção de se ir além da certificação de wn esrilo interno,
adoptando uma norma dirigida ao •público• externo.
A distribuição das espécies conhecidas por esras categorias não é equilibrada. A esmagadora maioria pertence às duas
últimas categorias; mas, sobretudo, à última. Nas leis contidas nos P.M.H., 2/3 são normas de julgamento do tribunal da corte;
apenas em cerca de 1/7 se distingue claramente a intenção real de estabelecer direito novo. Mas só um estudo detalhado da tradição
textual, da cronologia e das funces inspiradoras, tudo em ligação com a conjuntura política permitirá avançar nwn diagnóstico claro
da função legislativa dos reis pormgueses na idade Média.
Quanto à época moderna, também são insuficientes os conhecimentos acerca da função legislativa.
No que respeita às suas furmas, aos seus domínios temáricos, aos seus rirmos.
A doutrina jurídica moderna distingue (a partir de quando ?) uma série de ripos bem identificados de accos •legislativos•
- carras de lei, regimentos, alvarás, provisóes, cartas régias, portarias, decretos, avisos, assentos (v., sobre eles, a minha Hútória dar
im1it11ifÕt1 ... , 423). Mas não está estudado o uso de cada wna destas formas ao longo dos sé<:s. XV a XVIII ou a sua articulação mútua;
nem, muiro menos, o significado jurídico, político ou simbólico da preferência por uma delas (v.g., a expansão do •alvará•, a partir
dos meados do séc. XVI poderá relacionar-se com a intenção de evitar o controlo do Chanceler-mor, que podia recusar o registo dos
diplomas que passassem pela chancelaria, v.g., as cartas de lei; também o uso da •Portaria• visa iludir o processo ordinário de
despacho, 01tto-circuitando os competentes tribunais da corte). O que é cerro é que, no conjunto, a participação dos diplomas legislativos
•por natureza•, a carta de lei, é muito escassa: menos de 200 entre 1446 e 1603, incluindo as 45 leis das corres ele l'.H8; cerca de 200
durante os séculos XVll e XVIII; o que n:presema, para esre arco de tempo, menos de 1/10 das providências normativas da corte.
Sobre os domínios temáticos de intervenção da legislação real, muito está por fazer. Quanto às Ordmafii<r, sabe-se que elas
cobriam a regulamentação da administração central e local (sobretudo no domínio da •justiça•, com o iimbiro •administrativo• que
então a expressão também tinha; mas não já no domínio fiscal-financeiro), livro 1; a das relações entre a coroa e os restantes poderes
(nomeadamente, igreja, senhores, grupos privilegiados), livro 11; o processo, livro Ili; algumas matérias de direito civil (compra e
venda, doações, fianças, regime de bens do casamento, tutelas e curatelas, sucessões, criados e serviçais, alugueres, aforamentos,
ecc.). livro IV; o direito penal, livro V. Quanto à legislação extravagante, ela incide, sobretudo, em temas administrativos (sempre,
mas sobretudo enrre 1530 e 1650 e, depois, a partir de 1750), fiscais-financeiros (sempre, mas com especial incidência nos reinados
de D. Manuel e, depois, entre 1630 e os finais do séc. XVII e no período iluminista), de organização judicial (sobretudo entre 1530 e
1600). penais e de polícia (sobretudo a partir de 1730). As espécies dedicadas ao direito privado são raras: cerca de urna dezena entre
1446 e 1603 (e. 5%), dezena e meia (c. 7%) para os dois séculos seguintes, incluindo as providências pombalinas (e. 10 espécies) em
matéria de direito da família, das sucessões e da propriedade (morgados, enfiteuse, servidóes).
320
Quanto aos ritmos, é difícil proceder a escudos estatísticos, mesmo baseados nas fontes incluídas nas colecrâneas ou índices
dos finais do séc. XVlll, pois os crirérios de compilação são incertos e não homogéneos, nelas se incluindo diplomas de natureza
muiro diversa, desde as canas de lei, genéricas, a portarias e avisos, individuais, passando por assentos, tratados e ourras fontes.
Em rodo o caso, baseando-nos em duas colecrâneas gerais (CCL - Colecção chronologica de legislação; IC.. - Índice
chronologico ... , de João Pedro Ribeiro) e computando rodas as espécies aí referidas, obdnhamos os seguintes perfis de evolução
quantitativa (médias quinquenais de diplomas emitidos, de trinta em trinta anos).
Ou seja, parece que, passado o período filipino, se legisla progressivamente menos, até se atingir o período iluminista e,
dentro deste, o pombalismo, onde se siruam os •picos• modernos de actividade normativa da coroa.
321
Considerando apenas e actividade propriamente legisletive (cartas de l~i), a nolu~ão, por qu.inquénios, condiz
parcialmenre:
Qui11qu.!f'lio '
o ' '
1446-1<1')0
1411·101
14,6-1-460
b. AfONSOV 1461°l.rl61
1466-1470
1471-1471
1416-1480
D.J0Ao11 14181-148)
1486-1490
1491-1496
L497-UOO
D.MANUn
1)01·1'0'
1'06-1'10
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l'.H6-IUO
U21-112'
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D.JOÃOIU
1n1-nn
1n6-114o
1141-114)
IH6-IUO
1n1-n11
IU6-U60
D. SEDAS'TIÃO U6l 1561
0
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n11-11n
1'76-1500
1111.nu
1)66-1'90
1'91·U9>
1,96-1~00
1601-1601
lfi.Õ6-16JO
llUPlill
1611-ltíl)
1616-1620
Ui2H62"
1626-1630
FIUPl!lll 16JJ-16'1
l636-1640
1641-164J
O.JOÃO IV 1646-1610
16U-16n
D. AflONSOVI 1616-166o
1661-166}
1666-1670
D.rm110 1&11-1&n
1676-1680
168J-168J
168.6-1690
O. PID"Oll
1691-169,
1696-1700
17-0l-J70'
1106°1710
1711-171)
l716-17ZO
D.JOÃOV 1721-172)
1726-IHO
l7H-nn
17}6-1740
1741-174)
1746-lnO
1111-1n,
17'~17&'.1
D.Joil
1761-176,
1766-1770
1771-177)
1176-1780
1781-178,
O.NAAIAI 1786-1790
1791·179'
322
Ou seja: desconrando anos anormais (como o de 1539, em resultado das corres do ano anterior), m05tra-se que a acrividade
propriamenre legislativa é regular e relarivamenre ·elevada enrre 1520 e 1620 (ou seja, nos reinados de D. João Ili, de D. Sebastião,
de Filipe 1 e de Filipe li); retoma, aré a níveis superiores, com a Restauração (1641-1655); cai com D. Afunso VI, mas volra a crescer
com D. Pedro li, sobretudo na fase •real•; depois, decai até aos anos centrais do pombalismo (1770-1776). Embora esta estatística
seja muirn rude para diagnosticar, com precisão, os períodos de uma política •intervencionista• nos <domínios do direito e da
administração (basta lembrar que muicas inrc~ normativas imponantes ""'""riam ounas funnas, nomcadammrc a de •regimento• e,
mesmo, a de ·alvará•), ela pode, no enlllnto, fumecer algumas pistaS de esrudo.
Quanro às questões mais correntes da história legislativa (relações da lei com as outras funtes de direito, compilação e
codificação legislativas, publicação da~ leis, inrerpretação e integração), remetemos para os manuais citados na bibliografia. Os textos
porcugueses adiante cranscritos permitem já, no enranro, fiozer uma ideia da situação em alguns dos pomos não abordados nesta.nota,
nomeadamente, no relativo à teoria da lei na época moderna ou às tensões entre o rei e o corpo dos juristas quanto à inrerpretaçãó e
integração da lei.
Segue-se uma lista das leis extravagante> dos séculos XVI a XVIII que miüorcs modificações uouxen.m ao conteúdo do direito.
1506 (5.2, 9. 2) - determinações sobre a refurma dos forais.
1514 (27. 10) - regimento da fazenda.
1 521 - o,JmfJ(iieJ Man11tlina1 (redacção definitiva).
1524 (14. 4) - regimenro dos corregedores e ouvidores das comarcas (retomada na O•d. Fil., 1,58.
15 26 (5. 6) - estabelece a ordem do juízo, retomada no livro das O•d. Fil.
1534 (10. 10) - regimento do Chanceler-mor do reino (O•d. Fil., 1,2), do Chanceler da Casa da Suplicação (ihid., 1,4), do
Juiz da Chancelaria (ihid., 1, 14).
1536 (13. 5) - legislação sobre vadios (cf. Ord. Fil., V, 133,6).
15 38 (26. 11) - legislação •das corres• de 15 38, sobre muitos remas de governo e administração.
15 39 ( 13. 1) - exige o curso de direito para os cargos de corregedor, juiz de fora e advogado da corre (cf. O•d. Fii.,
1.35,2; 48,pr.).
1558 (6. 11) - novamenre sobre a polícia de mendigos e vadios.
1558 (24. 11) e 1608 (11.8) - regimentos da Mesa da Consciência e Ordens.
15 59 - esraruros da Universidade de Coimbra.
1564 (12.9) - recebendo as determinações do Concílio de Trento.
1564 (2. 11) - regimento dos desembargadores do Paço.
1568 (2. 3) e 1569 (19. 3) - sobre o auxílio do bnço secular às justiças eclesiásticas. (O•d. Fil., 11,8).
1569 (8.9) e 1645 (31.3) - regimento do Conselho de Estado.
1570 (16. 1 e 30. 7) - sobre câmbiose onttnas.
15 70 (10. 2) - regimenco das ordenanças.
1570 ( 15. 3) - regimento do Conselho <rtral do Santo Oficio.
1570 (20. 3) e 1611 (10.9) - sobre a liberdade dos gentios do Brasil e outras conquisras.
1570 ( 18.4) - sobre a alçada dos corregedores, ouvidores e juízes de fora.
1571 (9.3)- sobre sodomia.
1572 (3. 1) - regimento do mordomo-more das moradias.
15 77 (18. 11) - ordem do juízo.
1582 ( 17. 7) - reformação da justiça.
1582 (27. 7) - regimento da Casa do Cível do Porto.
1582 (27. 7) - novo regimento do Desembargo do Paço.
1587 (28.4) - reformada lei mental.
1587 ( 15. 4) - foral da Alfàndega de Lisboa.
1587 (25.9) - regimento da Relação do Brasil (v. adiante 1609 (7 .3).
1591 (20.4) - regimento do Conselho da Fazenda.
1592 (30. 11) - regimento da (.âmara de Lisboa.
1603 (11. 1) - publicação das Q,Jma,õer FilipinaJ.
1605 (7. 6) - regimento da Casa da Suplicação.
1605 (25.12) - regimento dos corregedores dos bairros de Lisboa.
1608 (10.3) - extinção das •cartas de inimizade•.
1609 (7 .3) e 1652 (12.9) - regimentos da Relação da Baía.
1612 ( 17. 5) - regimento das rendas dos concelhos.
1613 (30.9) - sobre fianças.
1620 (7. 12) - regimento do juí2<1 das confiscações.
1622 (3.11) - sobre a repartição da competência enrre os jubos leigos e eclesiásticos em matéria de testamentos.
1642 ( 14. 7) - regimento do Conselho Ultramarino.
323
Das fontes escritas de direito local, devem distinguir-se as que consistem em cartas de privilégios concedidas pelos senhores
da terra (forais), as resultantes de acordo dos vizinhos ou dos órgãos dos concelhos (posruras, acordos) e as que resultam da reducção
dos costumes locais, por iniciativa do concelho, de magistrados ou, até, do rei (estatutos, foros longos).
Sobre estas fontes, para além dos manuais antes citados, nas secções respectivas, v. a bibliognfia citada nas secções 6. 2 e 7. 2
da bibliografia final do meu livro A hi116ri11 do direito "" hislllria Joâal, cit., 186 ss. e 192 ss. e, ainda. F.-P. ALMEIDA
L.ANGHANS, A1pM11mn, Lisboa 1938.
BIBLIOGRAFIA:
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Hi11óri11 das in1til11içõeJ .. ., cit., maximt 181 ss., 328 s., 374 n. 0 768, 421 ss., 524 .ss.; MARTIM DE ALBUQUERQUE e RUY DE
324
ALBUQUERQUE, HiJtória do direito portuguêJ, l, Lisboa 1984/1985, cit., mari"" 128 ss.; N.E. GOMES DA SILVA, Hislória do
direito português, Lisboa 1985, 119 ss., 167 ss., 190 ss., 224 ss., 276 ss.;J.-M. SCHOIZ, •PorrugaJ., in H. COING, Ha11dhuch ... , cit.,
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sécs. XVI a XVIII. Fontes e literatura•, Scimtia iuridica, 25(1976, 1 ss .. Para os finais do Antigo Regime, v., do mesmo,
.. Portugal», ibid., III.! (Da119.jahrhu11der1. GeJetzgeh1111g zumallgemeinen Privalrecht), 687-861e2242-2488.
Para a legislação medieval, v., ainda, A. HERCULANO, prefácio e noras aos P.M.H., l.egeJ, nomeadamente, I, 165 ss.: J.
MA TTOSO, ldenti/icafão de um pak. Emaio Jobre 111 origen1 de Portugal. 1096-1325, II, 78 ss. (maxime 84 ss. ).
Para as funces, v., para além de J .M. SCHOIZ, o guia bibliográfico incluído no meu livro A hi11ória do direito "ª história
Joáal Lisboa 1978, 183 ss. e MARTIM DE AIBUQUERQUE, •Para a história da legisl..;ão e jutisprudência em Ponugal•, Boi. Fac.
Dir. Coimbra, 58 (1982). II, 623-654.
DOCUMENTOS
1. TOURNAI:
privilégios concedidos à cidade pelo rei de França, Filipe Augusto em 1188.
Em nome da Santíssima Trindade. Amen. Filipe, por graça de Deus, rei dos Franceses.
Porque interessa ao rei ocupar-se das coisas que conduzem à paz, queremos pôr por escrito e
encomendar à memória da boa escrita aquilo a que a boa vontade nos conduziu. Saibam codos os
pre.sentes, bem como os futuros, que chmos e concedemos aos burgueses da nossa cidade de Tournai a
instituição da paz e da comuna, bem como os usos e costumes que os dicos burgueses tinham antes da
instituição da comuna.
São estes os referidos costumes.
Se alguém matar algum homem de Tournai, dentro da cidade ou fora dela, e for capturado,
pague com a cabeça, e a sua casa seja destruída. E tudo o que ele deixar na comuna de Tournai fique
para esta comuna. E se o homicida escapar, não poderá entrar na cidade de Toumai até que se
reconcilie com os pais da vítima e seja paga à comuna a multa de 10 libras_
2. HAINAUT:
Carta feudal, promulgada pelo conde Balduíno VI, em 1200.
Esta é a declaração das leis na cúria e condado de Hainaut, pelo comum consentimento e
conselho e deliberação e são acordo dos homens nobres e mesterais do COl')dado de Hainauc, escritos de
forma muito clara e selados e assinados pelo senhor Balduíno, conde de Flandres e Hainaut, e pelos
1
homens da sua confiança, do condado e domínio de Hainaut; leis confirmadas para perpérua observância.
Assim, é firmado como lei que se um homem que tem um feudo casar e se deste casamento
tiver uma filha mas não filho, a dita filha suceda ao pai e à mãe no feudo.
Também é firmado como lei que se um homem que tem um feudo tiver filhos ou apenas
filhas e o primeiro filho ou a. primeira filha tiver herdeiro ·e esse herdeiro, filho ou filha, morrer
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antes do pai (ou mãe), tal herdeiro não suceda ao avô no feudo, mas lhe suceda no mesmo feudo 0
herdeiro supervivente mais próximo do feudatário, quer seja filho, quer filha.
Segundo esta lei, a idade do homem é de quinze anos, mas a da mulher é de doze.
4. COLBERT, Mémoire sur les États ... fait par ordre de Colben (1660).
Como o rei é senhor absoluro no seu reino, responde aos cadernos de queixas (cahien de
doléance1, de remontrance1) das crês ordePs como lhe parece adequado, e muitas vezes ele não concede
senão uma parte daquilo que lhe é pedido.
Os deputados dos ·estados de· Blois queriam obrigar Sua Majestade a dar força de lei aos
artigos que foram decididos por comum acordo das três ordens e a nomear os juízes escolhidos
pelos Estados no seu conselho para arbitrar os artigos que não viessem a ser aceites. Esta proposta
foi rejeitada, pois fazia depender o rei da vontade dos seus súbditos, o que é contrário às leis do
reino, as quais não estabelecem outros limites ao poder do rei senão a sua vontade e a sua razão.
A assembleia dos Estados de 1614 quis mais ou menos a mesma coisa, embora de forma
respeituosa. Já não se fala de fazer leis contra a vontade do rei, a partir dos artigos que tenham
sido acordados pelas três ordens; mas.propõe-se extrair dos três cadernos os artigos que sejam
conformes em tudo e fazer deles um caderno separado que seria apresentado antes dos outros, a
fim de que este caderno fosse respondido antes da separação dos Estados; no entanto, esta proposta
marca a desconfiança que os deputados tinham em relação à promessa do rei, pelo que este ficou
ofendido e lhes mandou di?=er que deviam compor os seus cadernos da forma ordinária,
prometendo-lhes desde logo uma resposta favorável e querendo que eles ficassem em Paris, à custa
das suas províncias, até que estes cadernos fossem respondidos, sem no entanto lhes permitir que
se juncassem depois de os cadernos terem sido apresentados, pois desse momento em diante
terminava o seu poder de deputados, não podendo mais juntar-se como corpo dos Estados sem
uma licença expressa de Sua Majestade ( ... ).
326
Há ainda um caso panicular no qual os Três Estados tiveram o poder de fazer leis
particulares: tal.foi as redacções que foram feitas dos costumes que constituem o verdadeiro direito
civil das províncias. Nota-se nisto a antiga liberdade do povo francês que tinha o direito de fazer
as leis para si mesmo ...
5. FRANÇA, «Ordonnance civile» de Luís XIV sobre a reforma da justiça., Abril de 1667.
Título I: da observância das "ordonnancej ».
Art. 0 1. Queremos que a presente ordonnance, e as que fizermos a seguir, bem como os
éditos e declarações que podemos fazer no futuro, sejam guardadas e observadas por todos os
nossos parlamentos, grande Conselho, câmara das contas, cour des Aides e outros nossos tribunais,
juízes, magistrados, oficiais, tanto nossos como senhoriais, e por todos os nossos súbditos, mesmo
nos tribunais eclesiásticos ( officia/ité.r ).
2. Os nossos parlamentos e restantes tribunais serão obrigados a proceder sem falta à
publicação e registo das ordonnances, éditos, declarações e outras cartas, logo que lhes sejam
enviadas, sem introduzir aí nenhum atraso, e cessando todos os assuntos, mesmo a visita e
julgamento dos processos-crime ou assuntos particulares das companhias.
4. As ordonnances, éditos, declarações e cartas patentes que tenham sido publicadas na
nossa presença, ou por nosso expresso mandado, levadas por pessoas que renhamos para isso
comissionadas, serão guardadas e observadas desde o dia da sua publicação.
(. .. )
7. Se, no decurso do julgamento dos processos que estiverem pendentes perante os
nossos parlamentos ou tribunais, surgir alguma dificuldade sobre a execução de quaisquer artigos
das nossas ordonnanm, éditos, declarações ou canas patentes, proibimos que sejam inrerpretadas,
mas queremos que nos sejam enviadas, para saber qual é a nossa intenção.
8. Declaramos quaisquer despachos e sentenças dadas contra a disposição das nossas
ordonnances como nulos e sem efeito; e os juízes que os tenham proferido, serão responsáveis pelos
danos e prejuízos das panes, tal como lhes for comunicado por nós.
Direito Civil em diversos lugares recebido em uso, não são tão exaccamence observados como
convém, e que, por outro lado, a diversidade dos humores e opiniões dos homens em matérias
discutíveis aí provocaram ambi,guidades. Nós, desejando por nosso remédio, na sequência da boa
intenção do falecido Rei Filipe, o segundo deste nome, de boa memória, nosso muifo amado
Senhor e Pai (que Deus perdoe) e tendo para este fim feito juncar os seus principais ministros sob o
Governo Geral do falecido Arquiduque Ernesto, nosso muito querido e muito amado bom irmão,
de boa memória, pelos quais depois de visitação, do parecer dos conselhos( ... ) e de conhecimento
de tudo: estatuímos e ordenámos, por estas presentes cartas, na forma de Édito Perpétuo e para o
bem público dos nossos Estados e s~bdiros os pontos que se seguem. (... )
2 Ao Chanceller Mór pertence ver com boa diligência todas as cousas que por qualquer
maneira por Nós, ou pelos Desembargadores do Paço, Veedores da Fazenda, Desembargadores
della, Provedor Mór das obras, e terças, Anadeis Móres dos Espingardeiros, e Besteiros, Monteiro
Mór, Physico Mór, Cirurgiaõ Mór forem passadas, e assinadas, ou por quaesquer outros Officiaes
da Corte, cujos despachos houverem de passar pela Chancellaria, tirando as cartas, e sentenças que
forem passadas na Casa da Supplicaçaõ, e pelos Desembargadores della. E vendo o Chanceller Mór
pela decisaõ da carta, ou sentença, que ha de sellar, que vai expressamente contra as Ordenações,
ou direito, sendo o erro expresso na dita carta, ou sentença, por onde conste ser nenhuma, naõ a
sellará, mas ponha-lhe sua glosa, quando as cartas, ou sentenças forem assinadas pelos ditos
Officiaes.
( ... )
3 E quando o Chanceller Mór tiver duvida a haver de passar pela Chancellaria algumas
Provisões assinadas por Nós de cousas despachadas pelos Desembargadores do Paço, ou por outros
Officiaes da Corte, as praticará com os Desembargadores do Paço, para com elles ver se passaráaõ.
E assentando que naõ devem passar, as romperá logo, pondo nas costas dellas, como foraõ rotas,
por se determinar que naõ haviaõ de passar. E quando lhes parecer que devem passar com alguma
dedarar;aõ, ou limitaçaõ, porse-ha o despacho conforme ao que assentarem, e disso se fará
329
Provisaõ para se assinar por Nós. E quando o Chanceller Mór tiver duvida em haver de passar péla
Chancellaria algumas Provisoens feitas em nosso nome, e assinadas pelos diros Desembargadores
do Paço, ou outros Officiaes da Corte, de cousas que elles podem assinar, praticará as taes duvidas
com os ditos Desembargadores, e se cumprirá o que elles determinarem,.assi acerca de haverem de
passar pela Chancellaria, ou naõ, como em se fazerem em outra forma com alguma limitação, ou
declaraçaõ. E para se isto assi cumprir, hirá em cada semana hum dia á Mesa do despacho dos
ditos Desembargadores do Paço com as duvidas, e quando assi for, naõ se trataráõ outros
negocios, até se comar determinaçaõ nellas. No despacho das quaes seraõ todos os Desembargadores
que se acharem na Mesa com o dito Chanceller Mór, e naõ será presente nenhum Scrivaõ da
Camara, salvo sendo chamado. E sendo as glosas, ou duvidas postas ás Cartas, ou Provisoens que
passarem os Veedores da Fazenda, ou outros Officiaes delta, parecendo aos ditos Desembargadores
do Paço que deve ser ouvido o Procurador de nossa Fazenda, lhe mandaráõ recado, para se achar
presente o dia em que o Chanceller Mór as levará Mesa dos ditos Desembargadores do Paço.
4 Achando o Chanceller Mór algumas Cartas, ou Provisoens de graça, contra nossos
direitos, ou contra o povo, ou Clerezia, ou outra alguma pessoa que lhe tolha, ou faça perder seu
direito, naõ as assinará, nem mandará sellar, até que falte com nosco. E as Cartas em que dermos
alguma cousa do nosso, naõ as sellará sem primeiro serem registadas na Fazenda, pelo Scrivaõ que
para isso for ordenado, e a Nós desembargarmos pela emmenca, sendo taes que pela dita emmenta
devaõ passar. E as Cartas que por ella passarem, naõ as assinará até ver a dita emmenta, a qual o
Scrivaõ da Chancellaria lhe mandará mostrar. E o mesmo fará nas Cartas que passarem por
.quaesquer Officiaes que houverem de hir á emmenca. E as Cartas que passarem pelos Desembargadores
do Paço, que houverem de levar nosso passe, as naõ passará sem ver o dito nosso passe.
( ... )
10 Item o Chanceller Mór ha de publicar as Leis, e Ordenações feitas por Nós, as quaes
publicará por si mesmo na Chancellaria da Corte, no dia da data das Cartas, e mandará o treslado
dellas sob seu final, e nosso sello aos Corregedores das Comarcas.
gadores, que lhe bem parecer, a determinará, e segundo o que ahi for determinado se porá a
sentença. E a determinaçaõ que sobre o entendimento da dita Ordenação se tomar, mandará o
Regedor screver no livro da Relaçaõ, para depois naõ vir em duvida. E se na dita Mesa forem isso
mesmo em duvida, que ao Regedor pareça que he bem de no-lo fazer saber, para a Nós lpgo
determinarmos, no-lo fará saber, para nisso provermos. E os que em outra maneira interpretarem
nossas Ordenaçoens, ou derem sentenças em algum feito, tendo algum delles duvida no
entendimento da Ordenação, sem hir ao Regedor, será suspenso até nossa merce.
(. .. )
Fonte: ihid.
Fonte: ibid.
331
Fonte: ibid.
Fonte: ibid.
• 14. PORTUGAL. Ordenações Filipinas (1603) - postura e lei (1, 58, 17).
(. .. )
17 E informar-se-há ex officio, se ha nas Camaras algumas posturas prejudiciaes ao povo,
e ao bem commum, posto que sejaõ feitas com a solenidade devida, e nos screverá sobre ellas com
seu parecer. E achando que algumas naõ foraõ feitas, guardada a fórma de nossas Ordenaçoes,
declarará por nullas, e mandará que se naõ guardem(. .. ).
podia ser testemunha, ou outra cousa semelhante, que seja contra nossas Ordenações, ou contra
direito expresso.
36. A interpretação que ctstá contida na coisa (a interpretar) e não fora dela não é excluída
pela interpretação.
Também não é excluída a interpretação doutrinal,_mas a intrinsecamente frívola e intelecrual.
38. A interpretação baseada na disposição de alguma lei ou do direico comum não é
proibida pela Ordenação.
(. .. )
42. A sentença do tribunal da corre não tem força de lei, em termos de os
desembargadores terem que a seguir (noutros casos).
* 19. PORTUGAL. Lei de 18.8.1769 («lei da Boa Razão»)- reforma do quadro das
fontes de direito; reforço do legalismo.
(. .. )
6 Item: Mando, que não só quando algum dos ] uizes da causa entrar em dúvida sobre a·
intelligencia das Leis, ou dos estilos, e deva propor ao Regedor para se procederá decisão della por
Assento na fórma das sobreditas Ordenações, e Reformação; mas que tambem se observe
igualmente o mesmo, quando entre os Advogados dos Litigantes se agitar a mesma dúvida,
pertendendo o do Author, que a Lei se deva entender de hum modo; e percendendo o do Réo, que
se deva entender de outro modo.
(. .. )
7 Item: Por quanto a experiencia tem mostrado, que as sobreditas interpretações de
Advogados consistem ordinariamente em raciocínios frívolos, e ordenados mais a implicar com
334
sofismas as verdadeiras Disposições das Leis, do que a demostrar por ellas a justiça das partes:
Mando, que todos os Advogados, que commerrerem os referidos arcentados, e forem nelles
convencidos de dollo, sejão nos Autos, a que se juntarem os Assentos, multados; pela primeira
vez em sincoenta mil réis para as despezas da Relação, e em seis mezes de suspensão; pela segunda
vez em privação dos gráos, que tiverem da Universidade; e pela terceira em cinco annos de
degredo para Angola, se fizerem assignar clandestinamente as suas Allegações por differentes
Pessoas; incorrendo na mesma pena os assignantes, que seus Nomes emprestarem para a violação
das Minhas Leis, e perturbat;ão do socego público dos Meus Vassalos.
8 Item: Attendendo a que a referida Ordenação do Livro Primeiro Titulo Quinto
Paragrafo Quinto não foi estabelecida para as Relações do Porto, Bahia, Rio de Janeiro, e India,
mas sim, e tão sómente para o Supremo Senado da Casa da Supplicação: E anendendo a ser
manifesta a differença que ha entre as sobreditas Relações Subalternas, e a Suprema Relação da
Minha Côrte; Mandado, que dos Assentos, que sobre as intelligencias das Leis forem tomados em
observancia desta nas sobreditas Relações Subalternas, ou seja por effeito das Glossas dos
Chancelleres, ou seja por dúvidas dos Ministros, ou seja por controversias entre os Advogados;
haja recurso á Casa da Supplicação, para nella com a presença do Regedor se approvarem, os
sobreditos Assentos por effeitos das Contas, que delles devem dar os Chancelleres das respectivas
Relações, onde elles se tomarem.
(.. .)
9 Item: Sendo-Me presente, que a Ordenação do Livro Terceiro Titulo Sessenta e Quatro
no Preambulo, que mandou julgar os casos omissos nas Leis Patrias, estilos da Côrte, e costumes
do Reino, pelas Leis, que chamou lmperiaes. não obstante a restricção, e a limitação, finaes do
mesmo Preambulo concheudas nas palavras = As quaes Leis Imperiaes mandamos sómence
guardar pela boa razão, em que são fundadas = , se tem tomado por pretexto; tanto para que nas
Allegações, e Decisões se vão pondo em esquecimento as Leis Patrias, fazendo-se u:Zo.sómence
--.......
das
dos Romanos ( ... )
Mando por huma parte, que debaixo das penas ao diante declaradas se não possa fazer
uzo nas ditas Allegações, e Decisões de Textos, ou de Authoridades de alguns Escriptores, em
quanto houver Ordenações do Reino, Leis Patrias, e uzos dos Meus Reinos legitimamente
approvados cambem na fórma abaixo declarada: E Mando pela outra parce, que aquella boa razão,
que o sobredito Preambulo determinou, que fôsse na praxe de julgar subsidiaria, não possa nunca
ser a da authoridade extrínseca desces, ou daquelles Textos do Direito Civil, ou absrraccos, ou
ainda com a cancordancia de outros; mas sim, e tão sómence: Ou aquella boa razão, que consiste
nos primitivos principias, que contém verdades essenciaes, intrínsecas, e inalteraveis, que a
Ethica dos mesmos Romanos havia estabelecido, e que os Direitos Divino, e Natural,
formalizarão para servirem de Regras Moraes, e Civís entre o Chrisrianismo: Ou aquella boa razão,
que se funda nas outras Regras, que de universal consentimento estabeleceo o Direito das Gemes
para a direcção, e governo de todas as Nações civilizadas: Ou aquella boa razão. que se estabelece
nas Leis Políticas, Economicas, Mercantis, e Marítimas, que as mesmas Nações Christãs cem
promulgado com manifestas utilidades, do socego público, do estabelecimento da reputação, e do
augmento dos cabedaes dos Póvos, que com as disciplinas destas sabia5, e proveirozas Leis vivem
feiices á sombra dos Thronos, e debaixo dos auspícios dos seus respectivos Monarcas, e Príncipes
Soberanos: Sendo muito mais racionavel, e muito mais coherente, que nestas interessantes
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materias se recorra antes em casos de necessidade ao subsidio proximo das sobreditas Leis das
Nações Chrisrãs, illuminadas, e polidas, que com ellas estão resplandecendo na boa, depurada, e
sãa Jurisprudencia; em muitas outras erudições uceis, e necessarias; e na felicidade; do que ir
buscar se~ boas razões, ou sem razão digna de attender-se, depois .de mais de dezesece Seculos o
soccorro ás Leis de huns Gentios ( ... )
lO Irem: Por quanto ao mesmo tempo Me foi cambem presence, que da sobredica
generalidade supersticiosa das referidas Leis chamadas lmperiatJ se cosrumão extrahir outras
Regras para se interpretarem as Minhas Leis nos casos occorrentes: encendendo-se, que estas Leis
Patrias se devem restringir quando são correctorias do Direito Romano: E que onde são com elle
conformes se devem alargar, para receberem todas as ampliações, e todas as limitações com que se
~chão ampliadas, e limitadas as Regras concheudas nos Textos, dos quaes as mesmas Leis Patrias
se suppõem, que forão dedwidas ( ... )
Em consideração do que tudo Mando outro sim, que as referidas rescricções, e ampliações
excrahidas dos Textos do Direito Civil, que até agora perturbarão as Disposições das Minhas Leis,
e o socego público dos Meus Vassalos, fiquem inceiramente abollidas para mais não serem
allegadas pelos Advogados debaixo das mesmas penas assima ordenadas, ou seguidas pelos
Julgadores debaixo da pena da suspenção dos seus Officios até Minha mercê, e da.S mais, que
reservo ao Meu Real arbítrio.
11 Excepcuo com tudo as restrições, e ampliações, que necessariamente se deduzirem do
espírito das Minhas Leis significado pelas palavras del_las tomadas no seu genuino, e natural
sentido: As que se reduzirem aos princípios assima declarados: E as que por identidade de razão, e
por força de comprehensão, se acharem dentro no espírito das disposições das Minhas ditas Leis.
E quando succeda haver alguns casos extraordinarios, que se fação dignos de providencia nova; se
Me facão presentes pelo Regedor da Casa da Supplicação, para que, tomando as informações
necessarias, e ouvindo os Ministros do Meu Conselho, e Desembargo; determine, o que Me
parecer que he mais justo, como já foi determinado pelo Paragrafo Segundo da sobredita
Ordenação do Livro Terceiro Titulo Sessenta e Quatro~
( ... )
12 ( ... )E ordenando, como Ordena, que o referido conflicto (entre o direito canónico e o
direito temporal) fundado naquella errada supposição cesse inteiramente; deixando-se os referidos
Textos de Direito Canonico para os Ministros, e Consisrorios Ecclesiasticos os observarem (nos
seus devidos, e competentes termos) nas Decisões da sua inspecção; e seguindo sómente os Meus
Tribunaes, e Magistrados Seculares nas materias cemporaes da sua compecencia as Leis Patrias, e
subsidiarias, e os louvaveis costumes, e estilos legitimamente estabelecidos, na fórma, que por
esta Lei tenho determinado.
13 (. .. ) Mando, que as Glossas, e Opiniões dos sobreditos Acurcio, e Bartholo, não
possão mais ser allegadas em juizo, nem seguidas na prática dos Julgadores; e que antes muito
pelo contrário em hum, e outro caso sejão sempre as boas razões assima declaradas, e não as
authoridades daquelles, ou de outros semelhantes Doutores da mesma escola, as que hajão de
decidir no fôro os casos occorrentes; revogando também nesta parte a mesma Ordenação, que o
contrario determina.
14 Item: Porque a mesma Ordenação, e o mesmo Prearnbulo della na parte em que
mandou observar os estilos da Corte, e os costumes desces Reinos, se tem tomado por oucrl'>
336
nocivo pretexto para se fraudarem as Minhas Leis; cubrindo-se as transgressões dellas; ou com as
doutrinas especulativas, e práticas dos differentes Doutores, que escreverão sobre costumes, e
estilos; ou com Certidões vagas extrahidas de alguns Auditorios: Declaro, que os estilos da Corte
devem ser sómente os que se achatem estabelecidos, e approvados pelos sobreditos Assentos na
Casa da Supplicação: E que o costume deve ser sómente o que a mesma Lei qualifica nas
palavras = LonKamente usado, e tal, que por Direito Je deva KUardar = Cujas palavras Mando; que
sejão sempre entendidas no sentido de correrem copulativamente a favor do costume; de que se
tratar, os tres essenciais requisitos: De ser conforme ás mesmas boas razões, que deixo
determinado, que constituem o espírito das Minhas leis: De não ser a ellas contrario em cousa
alguma: E de ser tão antigo, que exceda o tempo de cem annos. Toclos os outros pertensos
costumes, nos quaes não concorrerem copulativamente toclos estes tres requesitos, Reprovo, e
Declaro por corruptellas, e abusos: Prohibindo, que se alleguem, ou por elles se julgue, debaixo
das mesmas penas assima determinadas, não obstante todas, e quaesquer Disposições, ou
Opiniões de Doutores, que sejão em contrario(. .. )
entrar no Livro Primeiro ao Doutor Luiz Estanisláó da Silva Lobo, Desembargador dos Aggravos
da Casa da Supplicação; para o Livro Segundo a D. João Teixeira de Carvalho, Bispo elleito de
Faro, e ao Doutor Estanisláo da Cunha Coelho, Desembargador da Casa da Supplicação; para o Livro
Terceiro aos Doutores Marcelino Xavier da Fonceca Pinto, Desembargador da Casa da Supplicação,
e Bruno Manoel Monteiro, Desembargador_ da Relação e Casa do Porto; para o Livro Quarto até ao
Titulo 79 ao Doutor Duarte Alexandre Holbeche, Desembargador Honorario da·mesma Relação e
Casa do Porto, e Lente Substituto das duas Cadeiras Analíticas da Faculdade de Leis na Universidade
de Coimbra; para o que he necessario estabelecer e deferir sobre os Direitos Mercantís, Navegação,
Cambias, Seguros, Avarias, e para o mais que respeita á Nautica, e ao Commercio, que deve entrar
em o mesmo Livro, a Diogo Carvalho de Lucena; e para o resto do dito Livro, que trata dos
Testamentos, Successões, Morgados, e Tutellas ao Doutor Luiz Rebello Quintella, Juiz dos Feitos
da Corôa e Fazenda; para o Livro Quinto ao Doutor Manoel José da Gama, e Oliveira, do Meu
Conselho, e Deputado da Meza da Consciencia e Ordens, e ao Doutor José de Vasconcellos e Souza,
Desembargador dos Aggravos da Casa da Supplicação. Todos os sobreditos apresentarão tudo, o que
successivamente forem escrevendo, e dissertando, nas conferencias, que hão de fazer, trabalhando
debaixo da inspecção, e methodo, que o referido Presidente lhes precrever, de sorte que todos
tenhão presente a Obra toda, para evitar repetições, ou antinomias; e sobre o que se Me consultar, e
Eu For Servida resolver, e ordenar, se irá compondo o Codigo.
D. - DOUTRINAEENSINODODIREITO
1. Visão geral
O estudo e o ensino do direito eram quase inexistentes na Europa Ocidental
durante a Alta Idade Média. A -influência do direito romano tinha lentamente
decrescido, para desaparecer quase inteiramente nos séculos X e XI.
Cerca de 1100, dá-se na Itália um «renascimento» do direito romano, na
sequência do seu ensino nas universidades nascentes. À medida que estas se multiplicam
na Europa, o estudo e o ensino do direito romano desenvolvem-se; durante seis séculos,
até ao fim do século XVIII,. só o direito romano é ensinado aí, ao lado do direito
canónico; embora as primeiras cátedras de direito moderno apareçam no século XVII,
não conseguirão eclipsar o direito romano senão no começo do século XIX. Todo o ensino
do direito é feito em latim.
338
LIBER SEOUNDUS.
40.> I• lert., oed con.linnat mandatam ioriJdictiooem. ídoo-
DE rc'Rl...'"DICTIO!l'E. qne 1i ia, qui ma.nd&vit iu.ri5d.icti.onem 1 decesaerit.,
ant.equam rea ab eo, cni m&DdAt.a eol ioriJdictio 1.gen
1 r7LPUXU8 libro priMO r<gulanm1 11111 dicenti• coeperit., oolri mand•tu.m Labeo ait., 1icot in reliqni• »
1 officinm l&u..imll.ID cai: n.am et bo110M1m pooaeuio- caosie.
11em d...e potest et in !K*<UÍonem mittere, papillli 7 rlLPIANUS libro ttrlio ad <díctum Si qui.o id,
11011 b&beotibna tutore• con.otitnere, iocli<.eo litigLDti-
b111 datt.
qliod iwiadictionil perpeta&• ""°"ª•0011 ~nod pront
HO incidit., ia 11.lbo nl in cbarta nl in alia mattria
2 l1.VOLBNl1ll libra ledo"" Couio Clri illrildictio propo1itwn crit, dolo maio corTDperit: datnr in eum
data ett., ea qooqno con..... eoae ridonlltr, 1ino qlli· qoingentor'wn 'aureorolll' iadicirun. qood P•t>olan eot..
b111 iuriadictio eiplicori non potuiL J Serri qnoqne et !ilii lamilWo Tubil edicti co11ti-
S ULPU.VUB liõro ~ • tk oftl<!io quauloril 11eottu: oed et otromqno oexmn pnet.or compl01n1 :a
10 lmperimn anl moram anl mil.tom OI\. mcrom ..t' 2 ..t. Qood li dum proponitor Tel ante propolli·
imperill.ID lu.bQ,, gladli pot..t.atem ad animadvert.en- ti.on&m quil corruperit 1 ed.icti quidem 'erb• ceag...
dam • lacinoroooo homin .. , qood eti&m potatao •f· bnnt, Pomponioe aut.em ail oenlenti&m edicti t>•rri-
pellatar. mls.tua ..1 imperiom, cui etiaa iuriadictío 3 gendam eaee &d haec. ln IUTOI antem m 1100
lllCÂI. qood iD danda booorom pOIB...._ conmtit.. delendnntm a dominil, et eoo qlli inopia \abonei
inrioaictio ..t lli&m indicio dandi llce1>1ia. l corpu torqoe11dam oR. Doli mali antem ideo iD
4 lDllM librv primo od odiclum lob~ canri pn&- yerblo edicti !it meneio, qnod, Ili per imperitiam yel
!A>ril 1tipnlatio1111 et in ,_..,.;011em ~ imperii rnoticitAlem •"1 ab ipao praet.ono 1n&101 •el cam ali-
mll!Ü eot qD&111 inrildicti..U.. 5 qW. leccril, 1100 teoetar. Hoc ,..,. edicto to111>- JO,
n lt lULU..VUB libro prilllo digulorvfll llore maio- tar et. qu.i tollit, ,ua.mTil DOD corrupuit: item ot" ...
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PJgi11a da edição crílira d,o Corpus iuris, de Ph. M()1flmsm, P. Kriigf'f, Scholl e Kroll ( 8e'foli11i 1877 ); na
gravura, reproduz-se uma págir1a do Digesto. No ca1110 superior esque'fdo, a n11meração do livro e drJ título a
que a pági'1a mpeila. Os fragmentos 1iio 1111merado1 e antecedid01 pelo nome do jurista cláJiico seu autor (em
mailÍJCulas) e pelo título da obra de que foram ex/rafdm (em itálico). Em no/as, o aparato crítico (varia'1/eJ
do1manwcritos, «maJJaJ», etc.).
339
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Página da Magna Glosa na edifáo vnuzia>111 de BalliJta di'Tortú, ( 1484!. Ao centro da mancha, o texto
do Corpus Iuris {aqui, Digesto, l, 1, !). A sua voka, o texro da glosa; note as glosas de Acú.rl;io,
assinaladas com a sigla final ac. (v.g., aJ g/OJm d.,h. ,z.); aI outraI Jáo da autoria de oulrOJ }1'riJtaI da
aro/a ( if. a gl01a 1 . , da autoria de Azo).
340
<12 ~> A obra de base sobre o direito romano na Idade Média continua a ser e de F. C. VON SAVIGNY, Geuhichle dt1
riimi.<chm Rtc/1 im Milltlalttr (Hi.ruwia do direito mll14no na Idade Médi<1, tradução Guénoux) mas dara de 1822; muito envelhecida.
tornou-se completamente insuficiente. Um grupo de sábios, sob a direcção de E. GENZMER. tentou publicar um •novo Savigny•:
111.r romam1m mtdii art•i (em abreviatura IRMAE), Milão, desde 1961; apareceram aí excelenres contribuições, mas a empresa parece
parada depois da morre de E. Genzmer. Para o período posrcrior a 1100, o rrabalho foi retomado pelo Max-Planck-lnsrírur fiir
europaische Rechcsgeschichte. S(li, a di=ção de H. COING em Francoforte; dirige ai wna grande equipa de investigadores e publicou
os cinco volumes do Handbuch der Quelltn und Literatur dtr neuerm turopii.iuhen Priv<1/rech1SJ1,tJChichte, Munique 1973-1977; o 1omo
I.º (1973) refere-se designadamente aos direi1os erudicos da Idade Média e o tomo li (2 vol., 1976-1977) à ciência do direito e à
legislação nos rempos modernos. O tomo Ill (2 vol., 1982) respeita ao século XIX. A bibliografia muito abundante deve ser completada
pela de R. FEENSTR:\, •Droi1 roman au moyen âge (1100-1500)., em J. GIUSSEN (ed.), lntrod. biblioJ!,r .. B/10, Bruxelas, 1979.
Boa visão de conjunto do ponto de vista italiano: F. CALASSO, Medio evo dtl dirillo, Milão 1954; V. DIANO MORTARI,
DoJ!.málira e inler/Jr<lazione, l 11i11riI1i medirt•ali. Nápoles 1976, Sroria e diritto, 2.; do ponto de vista alemão P. KOSCHAKER, E11rnp1t
und da.r riimi!Cht Ruhl. 2. • ed., 1953; F. WIEACKER, Prh-a1rech1111mhichte der Neuuit. op. cil .. 1967; d~ ponto de visra inglês;
P. VINOGRADOFF, Roman Law in Medieval Eurnpe. 2.• ed. por F.. DE ZULUETA, Oxford 1929; reimpressões enastáiicas
1961-1967; do ponto de visca francês: M. FOURNIER, Hi.rtoirr dt /,, JCimct du droil en Frante, tomo Ili (único publicado): ÚJ
unirmilil fran(aim el Í'emtiJ!,n1!111tnl du droil m Frana "" Moytn ÔI!•· Paris 1892 (envelhecido).
341
m 4> D. AUGENTI TRETTI, G. VENTURO e C. G. MOR, «Italia (Alto Mediaevo)•, in J. GILISSEN (ed.), Ind.
bibliogr., op. cit. B/5, Bruxelas 1974; C.G. MOR, Srritti di J/oria j'.i11ridica allomedievale, Pisa 1977: W. ENGELMANN, Dir
Wiedtrf.eb11r1 der Rech11k11/111r in ltalien d11rrh die wimmchaftlichr Lrhre, Leipzig 1938; S. STELLING-MICHAUD, L 'Unitffliti dr Bolof."'
el la.pénétrarion deJ droi/J romain et cano11iq11e en S11im a11x XIII' rt XIV' 1itdeJ, Genebra 1955.
342
Textos
A escola de Bolonha estudou quase exclusivamente textos de direito romano das
épocas clássica e bizantina: as Instituições, o Codex, as Novelas e ~ Digesto. Abandonando
completamente as compilações da Alta Idade Média, regressa aos textos do século VI.
O texto do DigeJto teria sido descoberto em Pisa 027 >; na realidade já era conhecido antes,
mas pouco utÚizado. É provável que 'OS professores de Bolonha conhecessem inicialmente
apenas uma parte do Digesto e descobrissem sucessivamente outras duas partes; assim se
explica a divisão clássica (mas não lógica) do Digesto em:
Digestum Vetus (livros 1 a 24, título 2)
ln/ortiatum (livro 24, título 3, até ao fim do livro 38)
Digestum novum (livros 39 a 50).
Quanto às Novelas (isto é, as constituições posteriores à obra de codificação de
Justiniano), os juristas de Bolonha utilizaram sobretudo a colecção chamada Authenticum.
Completaram mais carde (século XIII) esca compilação com as leis (comtitutioneJ) dos
Imperadores do Santo Império que consideraram como os sucessores dos imperadores romanos.
Acrescentaram mesmo ao CorpuJ iuris civilú uma compilação lombarda de direito
feudal, os Libri feudorum me>.
e1ni Corpus i:lo.uatomm iNrÚ civilis, ruran1e Juris icalici hisioriae lns1ituio Taurinensi Universiraris, 11 vol. publicados
desde 1966; os romos 2 e 3 conrêm os principais rrabalhos de Azon, os tomos 7 a 11 os cinco volumes do Corpus iuris civilis com a
Glosa de Acursio.
P. WEIMAR, • Die le,1?istische Li1erarur der Glossarorrnzeit", in H. COJNG (ed, ), Handhuch dw Quellen Nnd Literatur der
neuerrn eNropaiJChrn Prir11tmh11i:mhichte. op. cit .. r. primeiro, 1973, p. 129-260; F. CALASSO, 1 y,/oHatori t la teoria dei/a swranitá,
S111dio di dirit10 mn11mepuhhlim. 3.ª ed., Milão 1957.
026) E. SPAGNESI, WerneriNJ BononiemÍJ iudu. La figura Jforica d'lrnerio, Florença 1970.
(127l São as Pandectae púanat, que serão chamadas Lillera Florentina (daí a abreviarnra ff, muicas vezes ucilizada nos cexros
amigos) porque foram levadas para Florença quando da vitória, em 1406, doo Florencinos sobre os Pisanos. O manuscrito, em dois
volumes, parece 1er sido escriro no século VII pelos copistas gregos.
<128) No ensino do direico agrupar-se-ão, durante muito tempo, os tex1os da forma segui me:
Lihn ordmarii: Dif/tJINm tflNJ
Code:dlib. 1·9)
343
Objectivo
Os juristas da escola de Bolonha foram os primeiros, na Idade Média, a estudar o
direito como uma ciência. Afastaram-se dos antigos quadros do Trivium, deixando o
estudo do direito de estar incorporado no estudo da retórica e da dialéctica. Analisando o
conjunto da codificação de Justiniano, escudaram o direito romano como um sistema
jurídico coerente e completo, independentemente do direito do seu tempo. Contribuíram
assim para o desenvolvimento de uma ciência do direito, cujo ensino é assegurado em
escolas (mais tarde chamadas faculdades) exclusivamente reservadas aos estudos jurídicos.
Todavia, os seus trabalhos não são desprovidos de interesse prático na Itália. Aí o
direito romano é, desde o século XII, admitido como o ius commune, o direito comum,
supletivo de ius proprium, isto é, dos numerosos direitos consuetudinários e legislativos
dos diversos principados, senhorios e cidades.
Métodos
A escola de Bolonha, se não introduziu, pelo menos generalizou e sistematizou
o método da glosa. A glosa (do grego: yÀwaaa., isto é, palavra, voz) é na origem, uma
breve explicação de uma palavra difícil; era de uso corrente no ensino da gramática no
Trivium. Os juristas de Bolonha alargaram este género de explicação a toda uma frase, às
vezes até a todo um texto jurídico; essas explicações tornaram-se cada vez mais longas e
complexas, mas permaneceram essencialmente interpretações textuais; eram limitadas à
exegese dos textos.
As glosas muito curtas eram escritas entre as linhas do manuscrito (glosas
interlineares); a maior parte das vezes, porque demasiado longas, eram colocadas à
margem dos textos (glosas marginais).
Os juristas que aplicaram este método de trabalho eram chamados os glosadores;
inscreviam muitas vezes as suas iniciais no fim das suas glosas (exemplo: Az = Azo;
Ac = Acursio, etc.). Os glosadores também escreveram comentários mais ou menos
sistemáticos do direito romano, chamados Summa. O exame aprofundado duma questão
de direito era apresentado sob o nome de quaestio. Mas, no conjunto, o método
permaneceu essencialmente analítico, exegético; a síntese não desempenha aí senão um
papel muito acessório.
Os principais glosadores
Dois nomes dominam a ciência do direito no século XIII: A20 e Acúrsio. Azo
ensinou cerca de 1230 na Universidade de Bolonha. Além de numerosas glosas, redigiu
uma Summa sobre o Código e as Instituições, que ultrapas.sou a obra de todos os seus
predecessores. Soube elevar-se para além da simples exegese. A sua obra teve uma grande
influência, não somente em Itália, mas também em França e na Inglaterra (nomeada-
mente sobre Bracron).
Acúrsio (cerca de 1182-1260) foi o último dos grandes glosadores. Discípulo de
Azo, professor notável, que ensinou em Bolonha, reuniu as glosas dos seus predecessores
e as suas, e formou o que chamou a Glo1a ordinaria, a "Grande Glosa»; esta adquiriu
rapidamente aos olhos dos glosadores o mesmo valor que o próprio Corpu1 iuriJ civiliJ.
Pode encontrar-se aí uma das causas da decadência da Escola dos glosadores: ter extraído
dos trabalhos dos seus predecessores o que havia de mais útil para a compreensão do
texto, a glosa de Acúrsio, a cuja autoridade as glosas futuras se referirão, impediu a partir
daí todo o progresso do espírito científico; os seus sucessores limitaram-se a maior parte
das vezes a glosar a sua glosa 0 29>.
<129> Acerca de Acursio: A11i dei Convegno intemaúon,a/e di 11udi Accurli,ani, editados por G. ROSSI, 3 vol., Milão 1968;
Ac-erca de Azo:). W. PERRIN, .. Azo, Roman l.aw and Sovereign Europesn States•, S111dia Gr,a1;,.,,,., t. 15, 1972, p. 87- IO 1;
Acerca de Placentino: P. DE TOURTOULON, P/,acmtin, ,,. •ie, 1011 r>euvrt, Paris 1890, reimpressão anastática, 1972.
345
030) E. M. MEIJERS, •L'Universicé d"Orléans au XIII.' siecle•, E111de1 d'histoirt du droil, tomo lll, p. 3-148;
R. PEENSTR.A, •De Universiceic van Orleans in de Middeleeuwen. Centrum van Europese rechcswecenschap en kweekschool van
Nederlandse juriscen», in SamenwinninR'· Zwolle 1977, p. 11-32; Ac1t1 du ConKrêJ 1ur l"ancienn• unil'ersiti d'OrlianJ, Orleães 1962
(artigos de M. BOULET-SAUTEL, R. FEENSTRA, E. GENZMER, ete.).
(131) Cicemos alguns juristas de principados belgas formados na Universidade de Orleães: Raoul Grosparmi ( 1300-1360),
conselheiro permanente do conde de Flandres, André Maspigli, Pierre de la Foreste e Jean de Wesc, bispos de Tournai no século XIV,
Jean'c Serclaes, bispo de Cambrai, Jean de Hocsem, escoliasca em Liege, cf. J. GJLISSEN, •Les légisces en Plandre aux XIII' ec XIV•
siecles•, Buli. C. R.A.l.O., como 15, 1939, p. 222-224; R. FEENSTRA. Dr Universiteil l'an Orltam, op. rit .. p. 27.
032> )3'obus DE RAVANIS, La111ra 1uper Codire, Paris 1519, reimpressão anascática Bolonha, 1967, Opera iuridica rariora,
como pri'meiro; Petrus DE BELLAPERTICA, Commenlaria in Di!(eJlum novum, RrpetilioneJ variae. Frankfurt am Maio 15 71: Quarslione1
vel diJ1inclione1, Lyon 1517, Lectura Jmtitutionum, Lyon 1536: reimpressão anastática Bolonha 1968-1972, Opera iuridica rariora, tomo
7, 10 e 11 (cf. R. FEENSTRA, in Inir. bibl., B/10; A. A. SCHUER!NG, •Un civilisre orléanais peu connu;Jean de Mâcon, sa vie ec
son oeuvre», Tijduhr. Rechl1!(esch., como42, 1974, p. 283-306.
orn N. HORN, •Díe legiscische Lirecarucder Kommentarorcn und der Ausbreicung des gelehrten R.echts•, in H. COJNG
(ed.), ffandbusch derQuellen . .. , op. cit., t. 1, 1973, p. 261-364.
346
Método
Inspirada pela dialéctica escolástica, método então utilizado em Teologia e em
Filosofia por influência de São Tomás de Aquino, a nova escola põe a tónica sobre a
necessidade de examinar os textos de direito romano no seu conjunto e de retirar deles
princípios gerais, a fim de os aplicar aos problemas concretos da vida corrente. O novo
método reside sobretudo na discussão e no raciocínio lógico, construído sobre as regras
jurídicas romanas consideradas como princípios não discutíveis. Procede-se por divisão e
subdivisão da matéria; estabelecem-se premissas donde se deduzem inferências; as
conclusões são submetidas a uma crítica severa pelo exame de casos particulares (casus)
muitas vezes insolúveis; levantam-se objecções que se combatem com novos argumentos.
Chega-se assim a construir um sistema jurídico racional que se considera ser lógico.
Sob o ponto de vista da ciência do direito, o progresso do novo método era
evidente. A influência sobre o direito em vigor nas diversas regiões da Europa Ocidental,
mas sobretudo na Itália, foi considerável; aliás, os comentadores romanistas não
hesitaram em incorporar o ((direito vivo», mais especialmente o ius proprium italiano, na
discussão dos textos da época romana; construíram deste modo uma explicação -
geralmente falsa, mas aparentemente científica - dos problemas jurídicos do direito
consuetudinário da Baixa Idade Média. A influência dos Comentadores sobre a
jurisprudência e a doutrina consuetudinária foi também considerável.
Os defeitos do método dos Comentadores apareceram logo no início mas
acentuaram-se sobretudo no fim do século XIV e no século XV: respeito excessivo pelos
escritos dos predecessores, mesmo dos glosadores, mas sobretudo dos grandes comen-
tadores italianos do século XN, cuja autoridade admitiam sem crítica; utilização dos
textos do direito romano fora do seu contexto e sem ter em conta a estrutura política,
social e jurídica do Império Romano; ignorância da história romana e da literatura latina;
estilo pesado; língua latina abastardada, etc.
Principais juristas
Os juristas da escola de Orleães pode~ ser considerados como os predecessores dos
Comentadores. Foi todavia na Itália que a escola dos Comentadores conh~ceu o seu maior
desenvolvimento no século XN, nas universidades de Bolonha, Pavia e Pisa. Tinha sido
introduzida aí por Cino de Pistoia (cerca de 1270-1336), aluno de Jacques Revigny,
professor em Bolonha, autor dum importante comentário sobre o Codex. ·
O chefe da escola foi Bártolo (1313-1357), aluno de Cino. Depois de ter
praticado o direito, ensinou em Perusa e em Pisa. Embora ter.ha morrido jovem, redigiu
numersos comentários e tratados relativos ao direito romano, nos quais segue o mesmo
método que os seus predecessores, mas com muito mais subtileza 034>. Foi deste modo que
(134) Não existem edições ou reimpressões da obra da maior pane dos Pós-glosadores; é necessário utilizar as edições do
século XV, sobretudo .dm s6:ulos XVI e XVII. Sobre Bártolo: Barlolo da SasJoftmllo. Stutii e áoamrmJi per il VI renknario, 2 ~I., Milão
347
1962; nesse conjunto apareceram designadamente R. FEENSTRA, Bartolt dam la Pay1-BaJ (ancim1 ti mo<kma), r. li, p. 261-266;
M. J. ALMEIDA COSTA, Romanimt el Barto/iJmt dam /e droit portut.ai1, r. 1, p. 315 segs. Sobre a influência de BARTOLO no direito
português: Nuno J. ESPINOSA GOMES DA SILVA, Bartolo na hi11ória tio Direito Port11f.uh, in R<I'. FilOlld. Dir. Univ. wboa, t. 12. 1958,
p. 177 segs. Ver também F. CAI.ASSO. ·Bartoloda Sassofêrraro•, Diz. bill/('. ital., e. 6, 1966, p. 640-669; Acerca de Cinll!: Cino da Putoia
nel VI cenlmario dt/la morta, Pistoia 1937; G. M. MONTI, Cino da Putoia t.iurirta, Citta di Casrcllo 1924; M. A. BENEDETTO, cCino da
Poscoia•, Noviu. Dit.. ltal .. t. 3, 1964, p. 247 e scgs.
CB~) Ver infra, p. 576 R. FEENSTRA, •Les origines du dominium utile chcz les Glossatcurs•, Florer legum H.].
Schtltema, Groningen 1971, P- 49-93; também nos seus Fala iuri1 romani, p. 215-259; H. COJNG, •Zum Eigcnrumslehrc des
Bartolus•, Zei11. Sav. Stiftung, Rom. Abt., t. 70, 1953, p. 348-371.
C136) R. FEENSTRA, Univer1ité de Louvain, Rtpertoire et bib/iographie ju1qu'à 1500, Ju1 Romanum Medii Atvi, II, aa, Milão
1962; V. BRANTS, La Faculté de dro1t de l'Univer1iti dt ÚJuvain ;, travtrr cinq riedtr, Etudt hiJ1oriq11e ll426-1906), 2. 1 ed.,
Paris"Bruxelas 1917.
348
por estudar o direito romano por ele mesmo, num fim puramente científico e abstraindo de
qualquer aplicação ao direito moderno <m>.
Método
O novo método tende a:
- estudar o direito romano com a ajuda apenas dos textos romanos e bizantinos
libertos de todos os acrescentamentos (designadamente as glosas) da ciência romanista
medieval; sob influência da filologia nascente, procura-se encontrar e editar textos
jurídicos antigos da maneira mais científica possível. Entre os documentos novos que foram
difundidos graças à imprensa, citemos a Epitome Gaii, as ReKulae de Ulpiano, os Basilicos;
- explicar os textos de direito romano com ajuda doutros documentos romanos,
nomeadamente de textos históricos e literários romanos; os estudos sobre a história
romana e as línguas da Antiguidade conhecem então grandes progressos (ex.: o Colégio
das Três Línguas, em Lovaina: latim, grego, hebreu) e contribuem para o melhor
conhecimento das instituições romanas;
-·- estabelecer o sentido original e o verdadeiro alcance das regras jurídicas
romanas, no quadro da evolução do próprio direito romano;
- libertar o espíri_to e a filosofia do direito romano, fazer a sua síntese,
reconstituir-lhe o sistema;
- exprimir-se num latim polido e elegante inspirado pelos autores clássicos,
sobretudo por Cícero; os juristas abandonam assim esse «latim bárbaro» de que os
Bartolistas se tinham servido.
Assim se forma, no início do século XVI, uma escola de direito romano geralmente
chamada escola humanista ou escola histórica. Como o novo método foi sobretudo
desenvolvido em França, designou-se muitas vezes com o nome de mos gallícus, por
oposição ao mos italicus dos Bartolistas.
Principais juristas
Entre os precursores desta escola, convém citar Budé, Zasius e Alciato. Guillaume
BuoÉ (1467-1540), filólogo e helenista francês, fundador do «Colégio de França» sob
Francisco I, foi o primeiro a fazer apelo à história política e literária para explicar textos
037) H. E. TROJE, •Die Licerarur des gemeinen Rechrs uncer dem Einfluss der Humanismus•, in H. COING, (ed_),
Handbuch der Quellen ... , t. II, 2, p. 615-795; o mesmo, Graeca leg11nt11r. Die Aneigmmg dt1 byzanliniichen Rech11 und dit En111ehung eine1
h11mani1ti1chen Corp111 iuriJ ci11ili1 in dtr ]11ri1pr11dmz des 16. jahrunder11, Colónia-Viena 1971; V. PIANO MORTARI, Dirillo romano e
diritto nazionale in Francia 11el Jecolo XVI, Milão 1962; G. KJSCH, Ge1talten und Probleme au1 Humani1m111 und }11ri1prudtnz, Berlin
1969; A. GERLO e E. LAUF, Bibliographie dt l'Humanúme belge, Bruxelas 1965; W. ULLMANN, Medieval Foundatiom o/ RenaiHana
H11ma11i1m, Londres 1977; R. DEKKERS, Hei Humaniimeenderech11we1emchap i11deNedtrlandtn, Anvrrs, 1938.
349
de direito romano nos seus 24 livros de Annotationes Pa11dectarum (1508). ZASIUS (Ulrich
Zasy, 1461-15 3 5), humanista e jurista alemão de Friburgo de Brisgónia amigo de
Erasmo e de Amerbach em Basileia, aplicou um profundo conhecimento da antiguidade
na explicação dos textos jurídicos romanos nos se::.s Comi/ia e ª!lucros livros. A escola
humanista desenvolveu-se sobretudo na Universidade francesa de Burges, onde um
professor italiano, ALCIATO (1492-1550), foi o primeiro a ensinar, de 1527 a 1532, o
direito romano aplicando o novo método 03 8>.
O principal representante da nova escola foi Jacques CUJAS, Cujácio, ( 1S22-1590),
e de Toulouse. Teve uma grande influência sobre os juristas do seu tempo, apesar da
violência dos seus ataques contra os escritos dos seus adversários banolistas. Entre os seus
numerosos trabalhos, os mais importantes são 28 livros de Oh1ervationes et emendationes e
comentários sobre Papiniano; esforçou-se por reconstruir o antigo estado dos textos,
procurando no Digesto os diversos extractos dum mesmo autor; conseguiu assim
reconstruir em pane as obras de Papiniano, Paulo, Modestino e outros juristas romanos.
Cujácio, porém, ficou muitas vezes confinado à análise. Foi o que lhe criticou o
jurista de Borgonha, Hugues DoNEAU (Donellus, 1527-1591). Este, humanista como
Cujácio, procurou nos textos de direito romano o que julgava ser os princípios gerais dt
direito, depois deduziu as consequências lógicas e reconstruiu um direito romano
teórico, frequentemente muito afastado do direito efectivamente aplicado pelos Romanos.
Assim, ao método analítico de Cujácio, opõe um método dogmático. É autor duma vasta
síntese Commentaria i11ri1 civilis em 28 livros, que teve um grande sucesso, sobretudo nos
Países Baixos e na Alemanha (Heidelberg) onde Doneau teve de se refugiar depois da
matança de São Bartolomeu.
A escola humanista implantou-se rapidamente nos Países Baixos. A Universidade
de Lovaina foi, muito cedo, um centro importante de humanismo. Dois grandes juristas
que fizeram uma carreira brilharite na prática do direito foram aí os precursores do novo
método: Nicolas EVERAERTS (1462-1532) que, após ter ensinado em Lovaina, veio a ser
presidente do Conselho de Holanda, depois, do Grande Conselho de Matines, e cujos.
Topica (1516), embora muito «bartolistas», contêm no entanto as primeiras tentativas de
sistematização; V1Guus (Wigle Van Aytta, 1507-1577), de origem frísia, professor em
Pádua, depois de Ingolstadt, que veio a ser presidente do Conselho privado sob o Imperador
Carlos V e Filipe II e que publicou as lnsiitutiones de Teófilo em grego (1534) e também um
importante comentário sobre as lnstirutas no qual aplica· o método de Akiat.
O grande romanista humanista da Universidade de Lovaina foi Gabriel M UDÉE
(Mudaeus = Van der Muyden, 1500-1560), que ensinou aí as lnstitutiones a pa~tir de
15 3 7 segundo o novo método, portanto depois de Akiat, mas antes de Cujácio. Houve
03Hl R. E. VIARD, André Alcial, Paris 1926; PedagogueJ e/ jurims, Paris 1963 (noc. H. Thieme, •L'ouvre juridique de
Zasius•, p. 39-47; R. ABBONDANZA, «Úl méchodologie d'Akiat•, p. 107-118; etc.); P. VACCARI, •Andr"" Akiato., Scritti
roem. Giuffré, r. 1, Milão 1967, p. 829-857.
350
numerosos discípulos que difundiram o método histórico nos Países Baixos (designadamente
Jacques R EYV AERT, 15 3 5-1568, que ensinou em Douai) e na Alemanha (designadamente
Mathieu van WESEMBEKE, 1531-1586, que ensinou em lena e em Wittenberg).
(139) F. K. VON SAVIGNY, System deJ heutigm riimiuhen Rerhts, a pan:ir de 1839; sobretudo o seu Vom Beruf umerer Ztil für
Gmtzgeb11nx 1md Rech11wismuchaft. 1814. Acerca de Savigny, uma série de estudos recentes em I111 C0111111une, r. VJJI, Froncofone, 1980.
351
reconhecido quase por toda a pane como direito supletivo das leis e costumes territoriais
e·Iocais. A uma fase de infiltração que, muitas vezes, durou três a quatro séculos, do
século XII ao XV, sucedeu-se em vários países o reconhecimento· legal do ius
commune - o direito romano tal como era ensinado nas universidades - como direito
supletivo das leis e costumes; servia para preencher as lacunas do direito em vigor.
Deu-se, geralmente, o nome de «recepção» do direito romano a esse fenómeno de
adopção dum direito estrangeiro; calvez sem razão, porque quase em nenhum lugar o ius
commune suplantou o direito nacional ou local. Aliás, os diversos países reagiram
diferentemente, face à penetraçi> do direito romano.
Foi evidentemente na Itália que a romanização foi mais precoce e mais profunda.
Foi-o também, mas em menor medida e mais lentamente, na Península Ibérica; foi-o
sobretudo pela influência que aí exerceram as Siete Partidas (supra) nos séculos XIV e XV;
a Nueva Recopilación de las Leyes, de 1567, cita o ius commune como fonte subsidiária do
direito. Também em Portugal o problema do direito subsidiário foi regulado pelas
Ordenações Afonsinas (1446-1447) e sobretudo pela versão definitiva das Ordenações
Manuelinaj (1521) 04°>. A romanização foi mais tardia na parte germânica do Sacro
Império, mas foi então tão profunda que subsistiu até ao começo do século XX. A resistência
da França, pelo menos dos «países de direito consuetudinário», foi real e longa, mas por
fim o Código Civil de -1804 é em grande parte romanista. A Inglaterra também resistiu,
mas por outras razões; o seu common law não tem nada em comum com o ius commune. Nos
países escandinavos, na Polónia, na Boémia, na Hungria, nos países bálticos, a
penetração foi muito mais lenta e superficial U4l>.
(140) G. BRAGA DA CRUZ, •Ü direito subsidiário aa história do direito porruguês•, ReviJla Port11g11e1a ~História, t, 14;
B. CLAVERO, Derecho comm11n, 2.ª ed. Sevilha, 1979; M. J. ALMEIDA COSTA, •La présence d'Accurse dans l'hisroire du droic
portugais», Boletim Fac11/dadede Direito de Coimlrta, e. 41, 1966.
<14 IJ Le droit romain et sa réception en Europe, Actas do colóquio, Universidade de Varsóvia, 1978; Conflüence deJ droit1 Ja>antJ
et des pratiq11es j11ridiq11tJ, Accas .do colóquio de Monrpellier 0977), Milão, 1979.
(!42) H. COlNG, ·Rõmisches Rechr in Deurschland•, l11J Romanum Medii Aevi, V, 6, Milão, 1964; W. TRUSEN,
Anjanf!.e des f!.elehrten Recht1 in De111Ichland, Wiesbaden 1962; N. HORN. ·Die legisrische Lirerarur der Kommenucoren und der
Ausbildung des gelehrren Rechrs•, em H. COING (ed.), Handb11ch dw Q11ellen .... op. cit .. e. 1, 1973, p. 283-287; J. EBEL.
•Geschichre der Gesetzgebung•, op. cit.
352
Barba-Ruiva e invocaram textos do direito romano para sustentar as suas pretensões sobre
as cidades italianas; um deles, Maninus Gosia, saudou o impera.por com o título de
dominus mundi (senhor do mundo), acrescentando etiam quoad proprietatem (mesmo quanto à
propriedade). Por isso, os imperadores não hesitaram em considerar o direito romano,
tal como estava completado pelos seus actos legislativos, como o direito do Império.
Com efeito, a panir do século XIII, na sequência do enfraquecimento do pod~r do
imperador, a autoridade do direito romano ficou imprecisa. Na Itália, já vimos, o direito
erudi ro foi considerado muito cedo como ius commune, supletivo do ius proprium, ou seja os
costumes locais e os privilégios das cidades.
Na Alemanha, o sistema jurídico romano era muito diferente dos direitos
consuetudinários dos diversos principados para ser admitido sem dificuldade; obras como
o Sachsenspiegel mostram em que mínima medida o direito romano se infiltrou nos
costumes locais no século XIII.
É necessário aguardar o século XV, quando a autoridade imperial se reafirma e as
universidades se multiplicam na Alemanha, para se assistir a um reconhecimento
progressivo do direito romano como direito suplecivo. O decreto imperial de Worms de
1495 relativo à organização do Tribunal da Câmara Imperial (Reichskammergerichtsordnung)
estabelece que este Supremo Tribunal de Justiça do Império deve julgar nach deJ Reichsgemeinen
Rechten, segundo o direito comum do Império, na falta de disposição contrária nas
«ordonnances» e costumes. Esse «direito comum» não é senão o direito romano tal como
é interpretado pelos legistas da época, isto é, pelos Banolistas. É o que se chama a
« recepção» do direito romano, na realidade o seu reconhecimento oficial como direito
supletivo.
Esse «direito comum» adquiriu assim - e por outras numerosas ordonnances mais
recentes - valor de lei no Império; era aí uma lex,.scripta, lei escrita, fonte supletiva de
direito. Não se deve porém exagerar a importância desce reconhecimento legislativo da
autoridade do direito romano no Império: a Rezeption alemã era sobretudo a consequência
da Verwissenschaftlichung do direito alemão, isto é, a consequência do carácter mais
científico do direito aplicado pelos magistrados profissionais a partir do século XVI.
A influência directa do direito romano persistiu até ao fim do século XIX, isto é,
até à época em que foi redigido e promulgado o Código Civil alemão (Bürgerliches
Gesetzbuch, 1900). Durante o século XIX, a ciência do direito privado alemão
permaneceu ainda a Pandektenwissenschaft.
b) Em França
A atitude dos glosadores de Bolonha relativamente às pretensões dos imperadores
provocou a resistência dos reis de França relativamente ao direito romano. Admitir a
auroridade desse direito teria sido reconhecer a aplicabilidade em França das constituições
dos· imperadores que os glosadores acrescentavam ao Corpus iuris civilis; ora, o rei de
353
OH> N. HORN op. cit., in H. COING (ed.), Ha111Íb11íh .. ., op. ât., t. I, p. 276-282; M. FOURNIER, ús 11nifltt'si1és
1
/rançaim el l'emeignemenl t/11 Jroil m Fran" a11 Moym ige, op. cit.; A. GOURON, •Enseignemcnt du droir, légisr~ ct canonistes dans le
Midi de la Fnince à la fin du XIII• er débur du XIV• si«le•, R«. Mim. Trav. Montpellier, r. ', 1906, p. 1~33, «Les jurisres de l'école
de Montpellier•, lus Roman11111 Mj;i Affli. IV, 3a, Milio 1970;). Ph. LÉVY, •la pénétrariondu droir savantdiins les courumicrs angevins cr
bretons au moyen âge•, TijdJ. RechtJgqch., t. 25, 1957, p. l-53; F. PEGUES, The "4wYm o/ the List CilfJtlians, Princnon N. )., 1962.
354
(144l R. VAN CAENEGEM, lr droit romaín m Belgique, Iw Romanttm Mi;Jii Awi, V, 5b, Milão 1966; B. H. D. HERMESDORF,
RiimiJchu Retht in dm Nietkrlandm, mesma colec., V, 5a. Milão 1968; J. G!LISSEN, ·A propos de la ttceprion du droit romain dans les
provinces des Pays de par deçà aux 16.< et 17 .e siedes•, Revue du Nord, r. 40, 1948, p. 259-271, e MilangeJ R. Monier, p. 127-139;
•Les légistes en flandre aux XIII< et XJV< siecles•, Bull. C.R.A.L.O., t. 15, 1939, p. 117-231; •L'apparition des renonciations aux
exceptions de droit romain dans le droit llamand au XJ([< siMe•. Rev. intern. dr. Antiqutté, t. 4, 19~0. p. 513-550; A. JORIS, •Notes
sur la pénétratiOn du droit savanr au pays de Liege (XIJ•-XV• sib:les)., Tijd.J. R«htJguch., t. 40, 1972, p. 183-205; R. FEENSTRA,
•Zur Rezeption in den Nierderlanden•, em Eurof!a e il dirillo ro"'4no, Studi KoJchaker, t. 1, Milão 1954, p. 243-268, também em Pata
i11riJ romani, p. 3-26; • Bartole dans les Pays-Bas•, em Bar/o/o di Sam/erra/o, Studi e docummti f!er d VI cmtenario, Milão 1961, r. 1,
p. 1n-281; •la glose d'Accurse dans les Pays-.llas•. em Alli S111di Arruniani, r. 3. 1968, p. 1085-1106; .:tes Piores urriusque iuris
de Jean de Hocsem•, TijdJ. RechtJf.t!<h., r. 31, 1963, p. 486-519 e r. 38, 1970, p. 191-193; R. FEENSTRA e R. VAN
CAENEGEM, Ou11ra[1eJ de droil ro"'4in daru /., catalogueJ du anciem Pay1-BaJ, Groningen 1960 e Tijds. RtchtJf,e.J<h., r. 28, 1960.
p. 297-347 e 439-~30. ·
355
(cerca de 1270-B32), legum pro/mor, é funcionário da cidade de Gande de 1304 até à sua
morte e recebe uma pensio (vencimento) de 100 libras por ano; é encarregado pela cidade
de numerosas missões; cónego de Notre-Dame de Tournai, foi também conselheiro do
conde da Flandres, Robert de Béthune.
Em Liege, Jean de Hocsem, cónego e escoliasta de Saint-l.ambert, tinha feito
estudos de direito romano em Orleães a partir de 1304; desempenhou um papel
importante na vida eclesiástica e política de Liege; é o primeiro, nos principados belgas,
a escrever uma obra de direito romano e de direito canónico, Flores utriusque iuris, datada
de 1341; é um reportório de adágios de direito romano e de direito canónico, alguns dos
quais recolhidos na grande glosa de Acúrsio.
A partir do século XVI, assiste-se a uma recepção do direito romano quase tão
completa como no Sacro Império.
Embora nenhwna ordonnana dos soberanos das XVII Províncias introduzisse expres-
samente o direito romano como direito supletivo em geral, algumas medidas legislativas
impunham-no num ou noutro domínio do direito. Assim, as ordonnances criminais de
1570 e o édito perpétuo de 1611 dispõem que, em matéria penal, se julgará segundo as
leis e costumes do país e, na sua falta, segundo ''º direito escrito»; as ordonnances de
1487, 1563 e 1590 impõem as mesmas regras em matéria de direito marítimo.
Mais importantes ainda são os actos pelos quais os soberanos homologam a maior
parte dos costumes locais ou regionais nos séculos XVI e XVII: na maior parte deles é
ordenado que na falta de disposição expressa contida no texto escrito homologado do
costume, os juízes devem decidir segundo o ghemeenen ghescreven rechte, isto é, segundo o
direito comum escrito.
O direito romano foi pois oficialmente reconhecido como fonte supletiva do
direito, pelo menos em .matéria de direito civil, penal e marítimo. Com efeito, a
importância quantitativa dos costumes redigidos nos séculos XVI e XVII limitou
sensivelmente a recepção do direito romano, pelo menos nas províncias nas quais os
costumes tinham sido reduzidos a escrito. Tal não foi o caso, por exemplo, da Holanda;
também aí o direito romano desempenhou com efeito um papel capital na evolução do
direito privado no século XVII: formou-se um direito romano holandês (Rooms-Hollands
Recht), no qual a participação do direito romano foi considerável. Embora esse direito
romano-holandês tenha desaparecido no princípio do século XIX nos Países Baixos,
sobreviveu em algumas colónias neerlandesas, designadamente na África do Sul.
Permaneceu aí parcialmente em vigor até aos nossos dias.
da escola de Orleães, dos pós-glosadores, mais tarde dos hwnanistas. O direito canónico,
igualmente ensinado nas universidades, é estudado pelos decretistas, depois pelos
decretalistas (cf. supra). Ao lado destes dois «direitos eruditos~>, as leis e os costumes
quase não são estudados de wna maneira sistemática; a maior parte dos livros de direito
são descrições de costumes locais ou regionais: apenas alguns autores, tais como um
Beaumanoir em França, um Bracton em Inglaterra, foram capazes de se elevar ao nível
dos estudos doutrinais.
No decurso da Época Moderna, a doutrina desempenha um papel cada vez mais
importante. A ciência do direito deixa de ser exclusivamente romanista e canonista: o
próprio direito consuetudinário começa a ser objecto de estudos aprofundados por parte
dos práticos; penetra mesmo no ensino universitário.
A partir do século XVI, são publicados numerosos livros de direito. Graças à imprensa,
a sua difusão foi considerável. Muitas vezes escritos em latim, nos séculos XVI e XVII,
penetram em todos os países da Europa Ocidental e Central; a utilização da língua vulgar
não se generaliza senão no século XVIII.
Dentre as obras de doutrina relativas ao direito consuetudinário e legislativo
efectivamente em vigor em cada país, é necessário distinguir:
- os comentários de costumes, que se multiplicam desde o início do século XVI e
constituem a grande massa das obras dos práticos até ao fim do Antigo Regime. No
século XVIII, alguns juristas esforçam-se, sobretudo em França, por fazer exposições
cor;i.sagradas ao conjunto do direito nacional;
- a escola de direito natural, .que se desenvolve no século XVII e desempenhará
um papel importante na elaboração do direito moderno.
041) H. COING, •Pie juristische Falrulmt und ihr Lehrpmgramm•, em H. COING (ed.), Handbuch der Quellm ... op. cil.,
p. 3-102; A. DE CURZ.QN, L'mieignemml du droit franraiI tlans lu uni-litiI de Francr, Paris 1920 e Re11. hiJt. dr. fr., 1919,
t . .Jl, l,
p. 209-269 e 305-364; }. PORTEMER, •Recherches sur l'enseignement du droit public au XVllJ< siecle•, Rt11. hiit, dr. jr., 1959,
p. 341-381; POUMAREDE., •LI Ch_aire er l'enseignemenr du droit français à la Faculté des droirs de Toulouse•, Reruti/J Acad.
Ugis/; Toulouse, t. 4, 1967; C. CHENE, L'mieignmzmt du dmil franrais m pays de droit krit (1679-1793!, Genebra, 1982.
357
ensino, limitado a uma única cátedra, não teve a importância e o impacto do ensino do
direito romano; os professores foram, em geral, juristas de segundo plano; apenas um de
entre eles, Pothier, professor de direito francês em Orleães, adquiriu grande reputação
pela publicação dos seus Tratados nos quais desenvolveu a matéria do seu ensino.
Nas XVII Províncias dos Países Baixos, a Universidade de Lovaina permaneceu
como principal centro de ensino do direito. Filipe II fundara todavia wna segunda
universidade em Douai, em 1562, que pôde rivalizar algum tempo com Lovaina; mas
conheceu um rápido declínio em consequência das guerras de Luís XIV e da ocupação
definitiva de Douai pela França,. em 1667; sobrevive actualmence na Universidade de
Lille. Nas províncias do Norte, foram criados vários centros universitários depois da
separação; a Faculdade de Direito de Leyde, sobretudo, tornou-se wn lugar privilegiado
da cultura holando-romanista 0 46>.
Em Lovaina, como em Douai, o ensino jurídico manteve, essencialmente, um
ensino de direito romano e de direito canónico. Alberto. e Isabel esforçaram-se, no
entanto, aquando de uma reforma dos estudos de direito em 1617, por introduzir-lhe o
ensino do· ius novissimum, isto ~. do «direito novo», sendo o direito dos costumes e
ordonnances. De facto, este ensino limitou-se a algumas comparações entre o direito
romano e o direito nacional, brevemente esboçadas depois de cada exposição aprofundada
de direito romano; a obra do professor GouDELJN, De iure novissimo (1620), é um
resumo desce género de curso que, aliás, desapareceu rapidamente. No século XVIII
surgiu em Lovaina uma cadeira de direito público º 47 J.
b) Comentadores de costumes
1. 0 Em França
1) A redacção oficial dos costumes tinha fornecido aos práticos uma massa consi-
derável de materiais. Ora, e:;tes práticos, sobretudo os magisrrados e advogados, são de
agora em diante doutores ou licenciados em Direito; aplicam ao estudo do direito
consuetudinário os métodos do estudo do direito romano, sobretudo os dos Bartolistas.
Enquanto que na Baixa Idade Média, eles se contentaram com descrever e expor o direito
consuetudinário da sua região, a partir do século XVI tendem para a análise e até para a
síntese deste direito. No início, os comentários que escrevem sobre um ou outro
costume, conservam frequentemente a forma exegética dos glosadores: análise artigo por
artigo, palavra por palavra, de texto do costume oficial ou oficiosamente redigido. Mais
raros são os que se elevam até à síntese, à elaboração de um sistema jurídico. Deixam-se
então inspirar amplamente pela ciência romanista, ou melhor, canonista.
114
6> ~yde 1575, Franeker 1585, Groningen 1614, l.ttuwarden, Utrecht 1636, Harderwijk 1648.
n 47 1 P. GODDING, •La Faculté de droit de l'Université de Louvain: de Louvain à Louvain-la-Neuve (1426-1978)»,
Journ. Trihunaux. 1978, p. 553-557; V. BRANTS, •Úl Faculté de droit. .. •, op. cil.: L. VAN DER ESSEN, Unt im1i1111ion
d'ensei1nemml jupérieur JOIJj l'Ancien Rér.ime: /'Uni1Jef1ité dt Üu•ain ( 1426-17971, Bruxelas-Paris 1921; B. PERRIN, HommtJ ti chom dt1
Fac11!1h 11triu1que iuriI de l'Unit'frJité dt Douai. Lille, 1965; P. COll.INET, L'ancienne Fa.ulté dL droit dt Douai ( 1562-17931. Lille 1900.
358
048) Encontrar-se-á uma lista dos comentadores de costumes de França, com indicação das edições, em: E. HOLTHÕFER,
nDie Lirerarur ium gemeinen und partikularen Rechr in ltalien, Frankreich, Spanien und Porrugal•, in H. COING (ed.), Handbuch
der Quellen .... op. cit., r. li, 1, 1977, p. 266-296: A. GOURON e O. TERRIN, Bibliofl,raphit ,J,, mu1umeJ dt France, Genebra 1975:
M. MEYN!AL, ·Remarques sur le rôle joué par la docrriile e< la jurisprudence dans l'oeuvre d'unificarion du droir en France depuis
la rédaction des courumes jusqu"à la Révolurion, en partirulier dans la succession aux prope.,., Rn·. Üf.. jur.. 1903, p. 326-351 e
446-457: V. GUIZZ!, "" diritto comune in Francia nel XVI secolo. 1 giurisri alia ricerca di un siscema unirario•, TijdJ.
Rteht1fi.rJCh .. r. 37, 1969, p. 1-46.
(149) ). L. THIREAU, Charles IÍll M011/in ( 1500-1566). Érude '"' kr 1ouru;, la milhadt, kr itláeJ po/iriq= tJ écuno111iq11es d'un juri!te
de la Renaissance, Genebra 1980, Trabalhas de Humanismo e Renascença, n. 0 CI..XXVI. F. OLNIER-MARTCN, L'esJWit de tradition
et /'esprit critiq11e ou novaltllr dam les OlllMI de Dllffl()ulin, Paris 1908; HiJtoirt de la Co11tume de la pm.ôti e/ viCU1111é de PariJ, 2 vol., 1922.
CUO) Le Grand Coulumier général, contenanl 10111e1 le1 co11J/11meJ générale> ti parrimlierei du Royaume de France ... , 1567.
359
(1~1) M. REULOS, Lts JmtituteJ ro111111mib'el de ÚJisel, nova edi~ão, Paris 1935; do mesmo, É111de 1ur l'eJprit, leJ 1011rw ti le1
mé1hodt1 de1 lmtit11te1 co111t11miereJ d'Antoine Loilel, Paris 1935.
'60
(152) J. BODIN, ú; Six Livrei de la Réfmbliq11e, avw: l'Apologie de R. Herpin, fac-súnile da ed. de Paris 1583, Aalen 1961, 1060
p. +Tábua+ Apologia; R. CHAUVIRE,Jran Bodin, auteurtÚ la Republique, Paris 1914; reimp. Genebra 1968;). H. FRANKllN,jran
Bodin ,.nJ the 1ixteenth cmtury Re110/1Jtion in the Methodology o/ Law and Hirtory, Nova Iorque - Londres 1963; do mesmo, jean Bodin
and the RiJe o/ Abrol11tirt Theorie, Cambridge 1973. Não é o publicis<a Bodin, mas ames o aucor de um Methodu1 adfaâlem hirtoriarum
cof{,nitionum ( Mi1hode pour la crmnainarice aiJée "" hirtoim, trad. P. MESNARD) que os fundadores da Sociedade Jean Bodin para a
história comparativa das insticuíções tomaram como patrono, e1:> 1935; é com efeito o primeiro a aplicar o mérodo comparativo à
história das instituições, comparações limitadas, é verdade, à história dos Hebreus, dos Gregos, dos Romanos e dos Franceses
(M. MOUREAU-REIBEL, Jean Bodin el le droit public .-ompari dam m rapporlJ ar·ei· la philorophie J, /'hi11oirr. <ese Paris 19331.
(IBJ B. BASDEVANT-GAUDEMET, A l'twigirie de l'f.lal motkrne: Cbarler LoJieau, thioriâen dt la puinance publiq11e, Paris
1977; M. PRELOT, HirtoirednidiapolitiqueJ, 4.•ed., Paris 1970.
m4> R. D.EKKERS, Bihlioth«,. belgic1J juridica. Een bio-bib/1ogr,.phirch overzicht der rechtrgeleerdheid in dt Ntderlanden 1•an de
t•roef{,Jletijden af tot 1800, Bruxelas 1951.
361
orn E. DEfACQZ, Anám droil belge, op cit.; BRITZ, mesmo rítulo, ofJ. ât.: A. SÕLLNER, •Die Liceratur zum
gemeinen und particularen Rechr in Deutschland, ÓSterreich, den Niederlanden und den Schweiz•, in H. COINü (ed,), Handb11ch
der Q11ellen, r. II, 2, p. 501-604; P. VAN HEYNSBERGEN, Gachied.nis der rerh11wetemchap in Nederland, Amesterdão 192';
R. FEENSTRA, e C. W AAL, «Sevenreenth·Cenrury Leyden U.w Professors and rheir _iníluence on rhe developmenr of the Civil
Lav,•, Kon. Ned. Acad., afd. Lt11., n.r., t. 90, Amesterdão-Oxford 1975.
(1~6> Só foi publicado em 1952 por E. 1. STRUBBE-VAN DER TANERIJEN, Boec va11 der loopmder practijken der
Raidtcameren van Brabant, 2 vol., C.R.A.L.0.
057) Seis edições de 15'4 a 1699; tradução latina 1664; tradução francesa com o título: Bea11 traicté d. la Jivmité d. na111re
der fiefi m Flandre, editado por J. KETELE, Gand 1839.
(1~8) Editado por J. DE SMET, Corp111 chroniconnn Flandriae, t. 4, Bruxelas 1865, p. 1-442.
º'9) A obra só foi publicadá em 1872: A. ORTS (ed.), Practijke <riminele van Philipi Witlanl, naar hei eenig bekend.
hand1chrift, Gent 1872.
(l60) Oiro edições de 1558 a 1642; reimpressão fotostática da edição de 1573 com .introdução 'por E. STRUBBE,
Amesterdão 1968. fontes iuris rariores', n. 0 3. l,rribui-se-lhe tam~m um projecto de cosrume geral na Flandres flamenga
(D. BERTEN, •Ancien projer de counune génénle du pays er comté de PlandR flamingante•, 8111/. C.R.A.L.O., t. 9, 19, p. 161-227 e
233-:126). Sobre Wielanr: H. SCHAAP, Philifn WiJam en di6u Coru lnrtn1c1u Of11IN jonghe pralti.Jienen in lÍllik Jakm, Harlém 1927; E.
STRUBBE, V. 0 •Wielant», in Biographienationale, t. 27, 1938, col. 279·298.
362
(161) Damhouder publicou em Bruges em 1544 uma obra sobre a tutela: Palrrxinium pupillorum minorum a/que prodigorum. ).
VAN ROMPAEY, V.º •Oamhouder• in Nalionaal Biografi>ch Woordenboek, e. 5, 1972, col. 273-283; E. STRUBBE •. ·Die Stellung
Damhouder in der Rechrswissenschaft: Wielant-de Damhouder•, Przeu•odnik Hiiloryrzno-Prawny, t. 1. 0 • Lwow, 1930, p. 219-226;
do mesmo, •Joos de Damhouder ais criminalist•, TijdJ. Rech/IgtJch., t. 38, 1970, p. 1-65; W. WEDEKIND, •Wielant et
Damhouder et l'appeÍ en matiere criminelle. L'adage confessus non appellat», Tijd1chr. Rerht1gtJCh., t. 44, 1976, p. JB-158.
363
(162) J. VAN ROMPAEY, V.º cAnselmo,., in Nat. Biogr. Woordmbatk, e. 1, 1964, coL 27-36. O Codex Belgi(llI é um
reporcório alfabético das matérias rràradas nas ordonnanw, tal como aparecem nos quatro primeiros volumes dos Pl«caetbotkm "ª"
Brabant. J. B. VERLOOY (1746-1797). advogado de Bruxelas, fez, um século e meio ma.is tarde, repertório semelhante: Cotkx
8rabantic111 (1781); cf. ). VAN DEN BROECK, J. B. C. VERLOOY, 11oor11it1tmJet1d .j11ri1t m politiCNI 11it dt 18e ee11w,
Anvers-Amesrerdão, 1980;,Verlooy'iCodtx BrahantiCNI, Tijth. R«ht1gech., t. 46, 1978, p. 297-325.
°""""'•
<163) A. MEYERS, Charla de MMm, juriKon.r11lk liigwis. Sa viuJ set discurso de abertura, tribunal de Apelaçio de Liege, 1926.
064l J. CONSTANT, Domi11iqm-Fr~is de Sohtt, fariscom11/te lilgt0is, disomo de aberr:um, tribunal de Apelação de Liege,
1971 eJourn. Tribunaux, 1971,p. 673-684.
364
A ciência do direito foi dominada, nos séculos XVII e XVIII, pela escola de direito
nacural 06 ~>.
A ideia de que existe um direico inerent~ à própria nacureza do homem remonta
muito para além do século XVII. Os juristas e filósofos da Antiguidade grega e romana
conheceram a noção de direito natural; os Romanos faziam uma distinção capital entre os
ius civile (o direito civil, isto é, o direito dos cidadãos romanos) e o ius gentium (o direito das
pessoas que não gozavam do estatuto de cidadão 'romano), sendo este último dominado
pelas regras que decorrem da própria natureza das coisas, isto é, o direito natural.
Na Idade Média aparece wn direito natural cristão; já Santo Agostinho na sua
Civitas Dei lhe dá lugar, a par do direito divino.
No século XVI, a Reforma e o desenvolvimento do racionalismo ferem a
concepção cristã do direito natural. Forma-se assim uma nova concepção do direito
natural, baseada na razão humana e independente de qualquer concepção religiosa. Este
direito nacural laico é wn direito racionalista (alemão: Vernrmftrecht) que domina todas as
relações entre os homens, seja qual for a sua raça e qualquer que seja a sua posição social.
Os próprios reis não podiam subtrair-se às leis nacurais, fundamentais, universais,
permanentes, imutáveis, que decorrem da natureza humana; assim podia ser combatida a
tendência para o absolutismo real, baseada no direito divino. É o que explica a razão pela
qual o estudo do direito natural racional não se desenvolveu mais nem em França nem
nos Países Baixos sob o domínio espanhol, mas sim nas Províncias-Unidas, na Alemanha
e na Inglaterra. As guerras de religião e as conquistas coloniais foram outro factor de
desenvolvimento do direito natural laico; para encontrar regras jurídicas comuns a todos
os beligerantes, era preciso procurá-las na própria natureza do homem cujo respeito se
impunha a codos.
Foi na obra de um grande jurista holandês, o De iure be!li ac pacis (do direito da
guerra e da paz) de GRarrus (Hugo de GROOT, 1583-1645), cuja primeira edição data de
162 5, que se reconheceu durante muito tempo a obra fundamental do direito natural (166)_
Na realidade, Grotius teve prerursores, tanto na pesquisa de um direito natural
racionalista - tais como ÜLDENDORP (lsagoge iuris natura/is, 1539) e A1THus1us na
06~l P. FORJERS, L. INGBER e P. F. SMETS, •Droir narurd•, io J. GILISSEN (ed.), lmrod. bibliogr., Bruxelas (no
prelo); A. PASSERIN D'ENTREVES, Na111ral l..au" An hiu,,,.ical 111rory. Nova Iorque, 1965; A. BRIMO, Le1 grandI co11ran11 de la
philosophie du droir er de I'Er:ar, Paris 1967, 436p.; M. VII.LEY, La formation dt la pmsée juridique modernt, 4.a ed., Paris 1975, 718 p.;
G. FASSO, Slorit dt/la fi/oiofia dei dirillo, 3 vol., Bolonha 1968-1974; H. THIEME, Das Na111mch1 llfld die europiiiiche
Prfratmhlif.eJChichte, 2.' ed., 1954; F. WIEACKER, HiJlória do Direito Privado Moderno, rrad. porr. fundação Gulbenkian, Lisboa,
1980; O .. W. KRAUSE, Naturnchtler átI Iemuhntm jahrhJmtÍerts. Um Bedtutung fiir die En/Wicklung eitW natiirlichen Privalmch11,
Francoforr~-Berna, 1982; N. BOBBIO, li dirillo natura/e dtl Iec. XVJII, Torino, 1947.
066) Bibliografia muiro abundanre, recenseada nomeadamente em Grotiana. ). TER MEULEN e P. J. J. DIERMANSE,
Bibliof!.raphit d11 écrilI impritnrJ dt Hu/l.o Grotius, Haia 1950; E. DUMBAULD, Life and ÚJ(al Wrilinv of Hugo Groli111, Norman (EUA),
1969; F. DE PAUW, Hei Mart liberum 1•an GroliuI m Pa11ijn. Bruxdas, 1961; Groli111 and lhe l..au• of theSea.
365
Alemanha º67', Pierre RAMÉ em França - como na elaboração de uma teoria (sobretudo
teológica, é certo) do direito da guerra (sobrerudo V ITORJA e SuA_REZ em Espanha).
Mas não é sem motivo que Grotius é conhecido como o «pai do direito natural».
Foi um dos mais notáveis espíritos do seu tempo: humanista, historiador, jurista,
homem político. O seu De mare libero (1609) foi escrito para defender a liberdade dos
mares indispensável ao desenvolvimento da economia holandesa.
A escola de direito natural desenvolveu-se posteriormente, sobretudo em Inglaterra,
com Thomas HOBBES (1588-1679) cujo De Cive foi publicado em 1642, e na
Alemanha com Samuel PUFENDORF (1632-1694) que publicou o seu De iure naturae et
gentium em 1672068> (v. documento n. 0 6, p. 373). Neste último país, a concepção
filosófica do direito no século XVIII é inteiramente dominada pelo direito natural que
penetra finalmente no direito positivo dos principais Estados alemães, por ocasião das
codificações ordenadas na segunda metade do século.
Quanto à França, os juristas mostraram-se reticentes a respeito das teorias do
direito natural. Isto apesar de o racionalismo aí ter.penetrado no domínio filosófico com
Desc~rtes, no domínio da ciência política, no século XVIII, com J. J. Rousseau e
Voltaire. Montesquieu faz também frequentemente apelo ao direito natural no seu Esprit
des lois {1748); mas ao contrário dos defensores da escola de direito natural que fazem
derivar todas as legislações nacionais das regras fundamentais do direito, comuns a todos
os homens, sendo as diversidades locais apenas acidentais, Montesquieu põe a tónica
sobre a evolução histórica como factor de formação dos diferentes direitos positivos.
Entre os civilistas, é de citar um grande jurista francês no quadro da escola de
direito natural: Jean DoMAT (1625-1695), que publicou em 1689 LeJ fois civi/es dam
leur ordre naturel. Boileau chamou-lhe «O restaurador da razão humana na jurisprudência».
Na realidade, Domar não estava muito influenciado pela filosofia racionalista do seu
tempo; adaptou como base da sua construção jurídica as principais regras de direito
romano que considera como «ratio scripta», razão escrita; aliás, só as adoptou na medida
em que são conforme aos princípios da religião cristã e da filosofia escolástica. Nesta
base, que ele considera como direito natural (de facto, mais cristão que laico), constrói de
maneira racional e lógica o conjunto das regras jurídicas que devem reger a França.
A obra de Domat teve uma grande influência sobre os juristas franceses do século XVIII e
até sobre os redactores do Código Civil 069>.
(167) Alth11Ii111 Biblior,raphie - Biblior,raphie zur poli1i1chm ldlfnf?.tichichtt und S1aa11lehre, wm S1aa1mch1 und zum Ver/aIIunr,1-
gnchichte dt1 16.-18. jahrhunder11, ed. por H. U. VON SCUPIN, U. SCHEUNER e D. VON WYDUCKEL, 2 vol., Berlim, 1973;
C. J. FRJERJCH, Johanrw Althwiw und Jein Wwk im Rahmm der Entwidelung der Tbeorie der Politik, Berlim, 1975.
(168) S. GOYARD-FABRE, ú droit et la loi dani la phi101ophir dt ThotnaJ HobbeJ, Paris, 19n; H. DENZER,
Moralphilo1ophie und NalllrTtcht hti SamNel Pu/mdorf. Eine gei11eJ - und wimmchafllgmhichtlidN UnttrJuch11nr, z11r Geburt J.i NaturTtch/1
au1 der Praktiuhen Philo1ophit, Munique, 1972.
069> P. NOURRISON, UnamidtPaical:jumDomat, Paris 1939.
366
d) Pothiereo «direitocomumdaFrança»
A doutrina conseguiu elaborar, no século XVIII, um direito comum da França,
com base nos trabalhos dos comentadores dos costumes, na jurisprudência do Parlamento
de Paris, nas grandes ordonnanceJ reais, na obra de sistematização de Domar. Este direito
comum nasceu da fusão do direito consuerudinário de Paris e do direito romano.
B OURJON escreveu nesta base, em 174 7, o seu Droit commun de la France et la coutume
tk Paris réduite en principes. A sua obra teve sucesso. O projecro do Código Civil de 1804
foi, em grande parte, inspirado pela obra de Bourjon 010>. Mas é principalmente Robert
POTHIER (1699-1772) que vai elaborar a síntese do direito francês tal como se apresenta no
século XVIII, no termo de uma evolução de vários séculos.
Pothier, magistrado, depois professor de direito francês em Orleães, publicou
primeiro um Commentaire de la Coutume d'Orleam (1740), segundo a tradição dos
comentadores, a seguir os Pandectae in novum ordinem digeJlae ( 1748) nos quais classificou e
comentou os textos romanos numa nova ordem que lhe pareceu narural e metódica orn.
A obra principal de Pothier é um conjunto de tratados relativos às diversas partes
do direito civil; o seu Traité de.r ohligatiom foi publicado em 1760; depois surgiram os
tratados do contrato de venda, do contrato dé casamento, da comunidade, da
propriedade e da posse, etc. São exposições claras e precisas, bem ordenadas, que tratam
de uma maneira sistemática todos os aspectos das diversas partes do direito civil. Embora
tenha sido muito influenciado pelos seus predecessores tanto romani:.cas como consuetu-
dinários, e apesar das suas teorias não serem sempre originais, o seu mérito principal
reside na escolha judiciosa das soluções, no método da exposição, na clareza da redacção.
É principalmente jurista; não se perde em teorias filosóficas: não é muito influenciado
pela escola do direito natural.
Os tratados de Pothier 'exerceram uma influência directa e considerável sobre a
redacção do Código Civil de 1804. Os redactores do projecto do ano VIII faziam deles a
sua leitura quotidiana; transformaram numerosos textos de Pothier em artigos do
Código. Consideraram Pothier «O pai espiritual do Código Civil».
010> R. MAll.TINAGE-BARANGER, Bollrjon e/ /e Code civil. Paris 1971; A. J, AflNAUD, ús &ri1.ine; doarinaleul11 Code
â<'il fran(ais. Paris 1969, especialmenre p. 161 e ss,
071> R. POTHIER, Colllllm4uks baillagett prévóté d'Orli.am et ,.,,,,,,,, dºicmx, Orleães 1740 ('.>. • ed.); A. F, FENET. Pothier
analy1é dam m rapp,,,-u avtt: /e Code civil, Paris 1829; L. H. DUNOYER. Blarktone el Pothier, Paris 1927; A. PIRET. La rencontre che<
Polhier tles ron«/Jtioru romaine el /ioda/e de la propriété fonciére, tese Paris 193 7.
367
pensamento tanto político como jurídico do século XIX e até do século XX. As ideias de
soberania da nação, isco é, soberania do povo, de separação dos poderes, de prepondeclncia
da lei, da lega.lidade das infracções e das penas, de direitos do homem, direitos naturais e
subjeccivos inalienáveis, tomaram corpo no século XVIII; expressão do liberalismo
nascente, estas ideias dominaram desde então a concepção do direito e do Estado 012>.
O Bill o/ Rigths em Inglaterra em 1689, as constituições dos Estados americanos
em 1776-1777, a constiruição federal dos Estados Unidos em 1787, a Declaração
francesa dos Direitos do Homem e as constituições da épo_ca da Revolução (1791, 1793,
1795), actos legislativos ainda hoje em vigor direcca ou indireccarnente, transpuseram
estas ideias políticas e filosóficas para a realidade jurídica.
Entre os numerosos pensadores que contribuíram para a eclosão das ideias novas,
quatro pelo menos exerceram uma influência duradoura sobre o direito dos séculos XIX e
XX: locke, Montesquieu, Rousseau e Beccaria.
a) John loc:KE0632-1704), médico e filósofo inglês, escreveu em 1690 o Civil
Government, 'dois ensaios sobre o pP<ler civil, nos quais tentou justificar a revolução de
1688; desenvolveu aí as ideias do liberalismo nascence sobre a limitação do poder no
Estado e sobre os direitos e liberdades dos cidadãos. Já se encontra a ideia de um pacto
social como origem e base do Estado; numa sociedade política, diferente nesse aspecto do
estado de natureza em que cada um faz justiça, cada membro aceita as leis e
regulamentos; mas apenas renuncia à sua liberdade na medida necessária ao fim da
sociedade. O poder do rei está longe de ser ilimitado; deve respeitar a liberdade e as leis
fundamentais do bem público. locke teve uma influência considerável tanto em França
como em Inglaterra e nos Estados Unidos OH>.
b) MONTESQUIEU (1689-1755), conselheiro no Parlamento de Bordéus, grande
viajante, é um discípulo de locke. No seu Esprit des Lois (1748), põe todavia maior tónica
na evolução histórica dos diferences direitos nacionais do que na unidade do direito da
natureza; cada povo cem o seu próprio direito, nascido do seu passado, dos seus
costumes, da situação geográfica. Descreveu longamente o direito constitucional inglês
no qual se baseia a sua teoria da separação dos poderes e da liberdade política
(v. documento n. 0 10, p. 376) m4>.
c) Jean-Jacques Rou~EAU (1712-1778), desenvolveu no seu Contrai Social
(1762) as grandes teorias sobre o Estado e o direito que influenciarão as Revoluções
(172> M. PRELOT, Hiuoire da ldénpoliti911<I, ~P· cit., p. 376-449; L. RÉAU, L'Europe française au Siecle des Lumiêres,
col. Evolurion de l'Humaniré, Paris 1938; J. TOUCHARD, Hiuoire dt1 fditJ poli1iq11eJ du 18.' JiedeiJ nos jo11rs), 6.• ed., Paris 1973.
073> M. CRANSTON,john Locke. A bibliograpby, Londres 1957; W. EUCHNER, Na111mch111nd PoliJik btijohn ucke,
Francoforre/Meno 1969;). DUNN, The politiral thnuf(ht o/John Úl<kt, Londres 1969; J. L. FYOT (ed.), Deux wair Illr /e gouvfNlemenl
de}ohn Locke, Paris 1955; R. POLIN, Lapolitiq11emnraledtjohnl...ocke, Paris 1960.
074) S. GOYARD-FABRE, La phi/01ophie d11 droit de Monterq11ieu, Paris 1973; L. ALTHUSSER, Mon1eJq11ie11, la
poli1iq11e e/ /"hi.rtoire. Paris 1959; J. J. GRANPRÉ-MOLIERE, La théorie de la Con11i1111ion anp.Jaist chez MonttJq11i<11, Leyde 1972.
368
americana e francesa. O homem, que é por natureza .um ser social provido de direitos
subjectivos ilimitados, é obrigado a viver em sociedade; como Locke, J. J. Rousseau
prevê um pacto, um contrato social c~mo base de qualquer sociedade política. Este
contrato social implica «a alienação total de cada associado com todos os seus direitos à
comunidade». «Cada um de nós, escreve Rousseau, põe em comum a sua pessoa e todo o
seu poder sob a suprema direcção da vontade geral; e recebemos integralmente cada
membro como parte indivisível do todo» (livro I, cap. 6). ·Mas cada membro só aliena os
seus direitos individ~ais à comunidade, isto é, ao Estado, na medida em que é necessário
para salvaguardar esses mesmos direitos; por exemplo, não se pode matar porque os
outros não podem matar; assim fica salvaguardada a vida de cada um. A vontade geral
pertence ao povo que é soberano e que é o único a possuir o poder legislativo, isto é, o
poder de fixar as normas impostas a todos em troca da sua renúncia aos direitos
individuais. Esta vontade geral não se representa, não se delega, não se aliena; a
democracia só pode ser directa. A lei é «uma declaração pública e solene da vontade
geral, sobre um objecto de interesse comuin». Todos os cidadãos são iguais; todos têm os
mesmos direitos. As ideias 'de Rousseau encontram-se sobretudo na Declaração dos Direitos
do Homem de 1789 e na Constituição do ano 1 (1793) (v. documento n. 0 11, p. 377) <m>.
d) O italiano Cesare BECCARIA 0738-1794), teve uma grande influência na
modernização do direito penal. Escreveu o seu livro Dei delitti e dei/e pene (Dos delitos e
das penas) (1764) com a idade de 25 anos e publicou-o como um panfleto anónimo.
Novamente publicado pouco depois com um comentário de Voltaire, a obra rapidamente
conheceu o sucesso e foi traduzida na maior parte das línguas europeias. Sob a influência
do Contrai Social de Rousseau, Beccaria imagina um sistema jurídico no qual cada um deve
ceder uma parcela da sua liberdade - tão mínima quanto possível - ao soberano, em
troca da manutenção da ordem por este último. O soberano não pode abusar do seu
direito de punir; os factos são apenas puníveis se a lei os considerar como infracção; é a
proclamação da legalidade dos delitos e das penas; é o adágio n111/11m crimen, nu/la poena
sine lege que, embora expresso em latim, nada tem de romano. A pena deve ser
proporcional ao mal a reprimir; a tortura e a pena de morte não podem ser toleradas 016>.
A maior parte das ideias de Beccaria encontram-se na Declaração dos Direitos do
Homem de 1789 e nos Códigos penais de 1795 e 1810.
(17)) V. GOLDSCHMIDT, A111ropologie ti Polilique. ú.r príncipes du 1ys1"'14 de RouSie,au, Paris 1974; P. ARNAUD, Roumau e1
la phi/01ophie polilique, Pari$ 1965; EludeJ 1ur /e •Co111ra1 Joâal• de].-). Rowse,au, Ades deJ }ouNÚtJ de Dijon 1962, Paris
1964; R. DERATHE,j.-J. Roumauella JCienrepolitiqueduon 1emp1, Paris 1950.
076l M. ANCEL, Le Trai# •Des di/i/1 t1 deJ pe;,,.,. de Bea:aria, tradução e inrroduçiio, Paris 1966; M. MICHlELS, Cesare
Beccaria. Over 111i1"4dm en Jlra/fen, i11gtleid m 11t11aald. Anvers 1971; J. W. BOSCH, •Beccaria et Voltaire chez Goswin de Fierlant er
quelques autres jurisres belges et néerlandais•, Tijdsch. Re<hlif(tJCh., 1961, p. 1-21.
369
NOTA DO TRADUTOR
Em Portugal, o conhecimemo da produção jurídico-dourrinal europeia é bastante precoce (finais do século XI), apesar de
decerro rescrita a uma elite culta, constituída especialmente por eclesiâsricos (v. doe. 14. pg. 379) que tinham estudado nas novas
universidades do sul da Europa ou integrados nos círculos monásticos mais aberros ao estrangeiro. A te;,são entre esta nova cultura
jurídica e uma anterior, base>l<la no conhocimemo do Código Visigótico. de fórmulas notatiais visigóticas, das cinones conciliares hispânicos e
das E1imologia1 isidorianas e cm tndiçõcs jurídicas comunitárias de influ~ncia visigótica ou moçárabe (de que há vestígios suficientes na
documentação alto-medieval), não esrá estudada (v., todavia, Francisco da Gama Caeiro 1966 e 1968, José Macroso 1970 e 1981).
Os progressos daquela nova cultura jurídica foram mais rápjdos na corre sobretudo depois do aparccimenco dos textos
romanizances de Afonso X (Fuero •eal, Slf/e Pamdas), muita utilizados em Portugal aré aos finais do século XIV (cf., v .g. N. fapT.;°osa
G. da Silva 1985, l 58 ss. ). A fundação da Universidade de Lisboa (entre 1288 e 1300) generaliza o conhecimento das fontes do
direito comum, insraurando uma nova tensão (cf. doe. 14, pg. 379) entre a culrura jurídica romanizante (mais próxima do contexto
sóciopolírico peninsular ocidental) e a cultura jurídica romanisra {qur reproduzia milidades sociais e políticas do centro-ocidente
europeu); em alguns pontos, é possível derectar o significado político da opção entre uma e ourra (cf. B. CLA VERO 1985). Faltam
estudos pormenorizados para destrinçar as linhas de continuidade e de inovação, quer da produção jurídica cortesã (sobretudo,
legislação de D. Afonso Ili a O. Fernando), quer dos grupos de técnicos (práticos da administração curial ?, notários palatinas ?,
!errados locais ', letrados formados no estrangeiro ? onde ?) que a promoviam, quer do significado político-social das soluções que iam
sendo estabelecidas.
No si!culo XV, a corte uriliza intcnsamenre a produção doutrinal europeia para unificar e sisrematizar o direiro: sio
mandadas fazer traduções autênticas do Código e dos comentários de Bárrolo, ao passo que o di,.,ito comum, além de ser
intensamente (>) utilizado na confecção das Or<Ímtli'Õ<J A/onsina1 (em que medida, esrá por estudar detalhadamente), é consagrado
como direito subsidiário (Ord. af., 11,9; O.d. man., ll,5, Ord. /il. Ili, 64). Esra estratégia real de promoção do direito comum (cf.
doe. 18, pg. 380 (carra de Bruges)) não se fez sem restrições; em pontos poliricamente decisivos, o direito comum foi corrigido por_
legislação nacional - é o que acontece, nom<'idamenre, quanto à titulação e conteúdo do poder senhorial, em que o direito nocional
adoptou soluções diferentes da opinião comum dos feudisras (v .g., imprescritibilidade das jurisdições e rtg11lid1, carácter apenas
intermédio da jurisdição senhorial, elenco dos na111rali11 (i.e., cláusulas normais ou presumidas) das d~ senhoriais) ou quanto ao
regi me das relações encre o poder remporal e o poder espiritual, em que se vincaram as prerrogativas régias perante as pretensões dos
canonistas. A (paradoxal) falta de rstudos sobre as discordâncias, neste perlodo, entre o di,.,ito próprio e o direito comum impede que
se avance mais neste importante diagnóstico do significado polírico da recepção.
A partir da segunda merade do séc. XV, inicia-se um processo de promoção dos juristas letrados. Até aos meados do séc.
XVI, os mais famosos fazem a carreira no estrangeiro, em divórcio com as realidades do direito •próprio•, tendo dificuldades em se
implantar na prática jurídica nacional, até porque os modelos da ciência jurldica humanista, então em vigor nas universidades
francesas e italianas, os encaminham para campos muiro longínquos das preocupações do jurisra prático (depuração hisrórico-
-filológica dos rexros, discussões académicas) (N. Espinosa G. da Silva 1964). A partir dos meados do séc. XVI, os juristas
formam-se, sobrerudo, na Universidade de Coimbra, ,.,formada em 1537 e a quem D. João Ili concedera, pela lei de 13.1.1539 (que
exige estudos jurldicos para desembargadores, julzes de fora e corregedores (implicitamenre) e advogados (em pane)), o monopólio da
formação dos letrados que aspirassem a lugares de letras ou à advocacia; embora do curso não constas.., o direito nacion~I. o contacto
com o direito nacional era promovido, por se. exigir (a panir de certa altura, cf. Dec. 19.6. 1649), para o acesso aos lugares de !erras,
dois anos de •prática• (ou de -residência• na Univcnidade.); por volta de 1623, Filipe IV chegou mesmo a sugerir a criação de uma
cadeira para Belchior Febo ensinar direito pátrio, mas o claustro universitário entendeu não ser necessário (Barbosa Machado,
27 / l / 1623 ). A própria acrividade profissional dos letrados, como advogados ou como magistrados, promovia esta continua inregração
do direiro comum com o direito régio; o reflexo lirerário desta recepçâo prática do direito comum e da sua miscigenação com o direito
nacional são os géneros literários como as deci1iones (v.g. de Jorge de Cabedo, de Anrónio Gama, de Gabriel Pereira de Castro, de
Belchior Febo, de António de Sousa Macedo). as qutUJliona (v.g., as Q11at11io1111m juriJ tmphy11111ici, de Álvaro Vaz, as (on111/1a1iont1
(v.g. de Álvaro Vaz), as alltr.alione1 (v.g., de Tomé Valasco) os comentários ou tratados sobre as leis nacionais (v.g., de Manuel
Alvares Pegas, Manuel Gonçalves da Silva ou Manuel Banha Quaresma, de Domingos Antunes Portugal) ou as praticas (v.g,. de
Manuel Mendes de Castro, de Gregório Martins Caminha).
A formação de uma ciência jurfdica erudita e de um correspondence corpo de juristas letrados e profissionais teve
consequências profund'!S na prática jurídica:
a) Por um lado, aumentou a disrância entre o direito oficial e letrado, cultivado na corre e nos (poucos) juízos letrados da
periferia, e o direito vivido pela maior parte da população e praticado na esmagadora maioria dos tribunais locais, servidos por juízes
eleitos e analfaberos (ou, pelo menos, iletrados) (A.M. Hespanha 1984, 1966a, 1986b) que as fontes da época descrevem, de forma
verosímil, como dominados pelos tabeliães, estes últimos detentores de uma cultura jurídica •vulgar• veiculada por formulários e
tradições familiares (tema a carecer de estudo, baseado nos corpos arquivísticos notariais);
b) Com isro, criou uma generalizada reacção concra os jurisras !errados, visível na lirerarura de costumes (v.g., Gil
Vicenre, A1110 da Barra iÚJ Inferno).
c) Por outro lado, gerou forte espirito de corpo entre os juristas profissionais que, combinado com ·a sua função social de
árbitros das grandes questões sóciopollticas, com a sua insindicabilidade prática e com os efeiros de uma literaruni orientada para a
370
defesa dos seus privilégios estamentais !v.f. António de Sousa Macedo, Prrfec/JJJ doctor, Londini 1643; Jerónimo da Silva Araújo,
Perfect11J adrmralJJJ, Ulyssipone 1743; Gabriel Alvarez de Vclasco, ludtx prrffllJJJ, Lugduni 1642), os consriruíu numa camada
policicamenre decisiva, cujas alianças e funcionamenro político-social é urgente estudar;
d) Promoveu uma tradição literária com wna dinâmica (texrual, dogmática, normativa) própria, dotada de grande
capacidade de auto-reprodução e pouco permeável à5 determinações dos conrrxros exrralirerários (ou mesmo dos conre:rtos literários
que não fiiessem parre da tradição jurídica erudita, como as normas provindas da corôa - leis, alvarás, etc. - sobretudo em
matérias estranhas à literatura jurídica tradicional (v.g., fiscalidsde, finanças, administração económica)). A literatura jurídica, os
seus tópicos, aforismos, fórmulas, brocardos, ditos, regras, repetidos durante séculos, embebem a cultura letrada, mas também a
cultura popular, criando formas categorias de interpretar e avaliar as condutas r relaçó6 !!OCiais. Não raramente, as inovações sociais
tiveram que conviver com modelos Jurídicos contraditórios, rudo se compatibilizando por um bricolage dos juristas que, através da
J,,ple:r i111erpre1a1io das velh"" fórmula!, as conseg~iam compatibilizar com as novidsdes (e, ar~, tomá-las funcionais em relação a
estas). Exemplos rípicos: a permanência da proibição da usura perance o disparar da economia mercandl (B. Clavero 1984); a rensão
enrre o desenvolvimenro do aparelho político-administrativo moderno e a teoria dos magistrados herdada de uma época em que as
actividades do poder quase se reduziam à função judicial (A.M. Hespanha 1984). ·
No período pombalino, recebe-se, a wn tempo, a influência de correntes dourrinais que se vinham a desenvolver na Europa
desde o séc. XVI - o •texrualismo• (=anti-doutrinarismo, tligitJJm ad/011111 intmtitrt) do humanismo, a sistemática; as novas ideias
sobre a função do direito romano da escola alemã do "'"' modem"' pa11dtctart1m; o individualismo e o conrrarualismo das escolas
jus-racionalistas, com grande influência na reconsrrução de muitos sectores do direiro privado; as inovações, sobrerudo em matéria de
direito público e ciência da administração, da cameralísrica alemã; o humanitarismo italiano em matéria dedireiro e processo penal.
Todas estas influências dão frotas súbitos nas grandes refonnas pombalinas: do sistema .das fonres de direito (lei de 18.6. 1769, ·lei
da Boa Razão.), do ensino jurídico (futa111101 U11iverJitário1 de 1772: introdução, pela primeira vez, de wna cadeira de direito pátrio,
A. M. Hespanha 1978); de importantes institutos de direito privado (Luís Cabral de Mancada 1948; Anrónio Resende de Oliveira
1982 e M.). Almeida C05ta 1983); projectos de revisão das Ordtna;õa dos finais do sk. XVIII (.Novo Código•, J.-M. Scholz 1982).
A tradição jurídica é sujeira a severa crítica; é reafinnando o carácter apenas subsidi«io do direito romano, cuja recepção é sujeita à
triagem da •boa razão•; bane-se a auroridade de Bártolo e Acúrsio, bem como o uso do direiro canónico nos tribunais civis; procura-se
limitar a competência normativa (assentos) dos tribunais; remere-se, em marérias estratégicas na •modemizaç~• da sociedade e do
Estado (direito político, económico, comercial, marítimo), para a legislação das •Nações chrisrãs, illwninadas, e pollidas•.
A influência deste complexo de tendências ncionalizsdoras e renovadoras, que é costume designar por ·direiro iluminista•,
prolonga-se por roda a primeira metade do século XJX, graças ao impacte da reforma pombalina dos estudos jurídicos e dos
com~ndios (de Pascoal de Melo (lm1i1,,1io11u i.ris civiliJ l11Ji1a11i, 1789)) a que ela deu lugar. O advento do liberalismo (cujo
património teórico e ideológico t, no domfnio do direito, sub3idi,rio do iluminismo) potencia ainda o movimento de renovação da
ordem jurldica, cujo l<it motiv é, então, a ocodifice.ção• (J.-M. SCHOLZ, 1982). A suc..siva promulgação dos novos códigos
(Comercial, 1833; Penal, 1837 e 1852; Civil 1867) e a influ~ncia da Escola da EJCegese quebram o ímpeto renovador que a doutrina
tinha rido na primeira metade do século (sobrerudo, Man""I Borges Carneiro, J~ ~=im Borges, J. H. Co=ia Telles, M. A. Coelho da
Rocha, em que a eJCposição do direito positivo se acompanha de permanentes propostas de iure condendo). Sobretudo no domínio do
direito privado sobrevém, então, uma época positivista, voltada para a eugesc (Jos~ Dias Ferreira) ou para a construção
dogmático-conceituai (Guilherme Moreira) (A. M. Hespanha 1978, N. Espinosa G. da Silva 1985; para maior desenvolvimenro,
v. infra II. cap. II, E.). ·
Bibliografia:
Sobre a cultura e ensino jurídicos anteriores à recepção, alguns elementos em: FRANCISCO GAMA CAEIRO, .Escolas
capitulares no primeiro século da nacionalidade portuguesá•, Arq. hiJt. cult. port. 1.2 0966); id., •A organi2ação do ensino em
Portugal no período anterior à fundação da Uni...,rsidade•, ibid,, II.3 (1968); JOSÉ MATIOSO, •A cultura monástica em Portugal
(875-1200), ibid., Ul.2 (l970) (=Religião e C11lt11ra"" idad. múlia por111gJJ11a, Lisboa 1982, 355"393, .orientações da cultura
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Para o perlodo posterior à m:epção v.• por todos, A. M. HFSPANHA, Hist4ria daJ imtitJJifÕtJ ... , cir., 439 ss.; N. EsPINOOA
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particulares: BARTOLOMÉ CLAVERO, Dtl Nso eco116mico de la rtligi611 tn la hist&ria, Madrid 1985; A. M. HESPANHA,
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Para o período ilwninism e liberal, v., por todos, N. ESPINOSA G. DA SD..VA, História ... , cit., 263 ss.; A. M. HESPANHA,
·Sobre a prática dogmúica dos juristas oirocentisras•, in A. M. HESPANHA, A hiJt6ria tio dirtito "" hiJ16rial Joaal, Lisboa 1978,
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371
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legislação de Pombal•, EJ111.W1 tk hi1tória e dirrito, 1, C.oimb"' 1948, 82 ss.; MÁRIO JÚLIO ALMEIDA COSTA, Dtbate jurídico e
1ol11riio pombalina, Coimbra 1983; J.-M. SCHOIZ, ·Gese1zgebung zum ailgemeinen Priva1rech1. Portugal., H. COlNG, (ed.),
Handbuch dtr Q11ellen und Litera111r ... , cir., 111, 1, 713 s.;
DOCUMENTOS
Tradução Livre
6. PUFENDORF, «De iure naturae et gentium libri octo», lund 1672; tradução francesa:
«Le droit de la nature et des gens» (a propósito da noção de lei natural).
Assim quando sustentamos que a lei natural se fundamenta nas máximas da recta razão,
queremos dizer com isso que o entendimento humano tem a faculdade de descobrir clara e
distintamente, reflectindo sobre a natureza e a constituição dos homens, a necessidade que tem
em adequar a sua conduta às Leis naturais; e que pode ao mesmo tempo encontrar um princípio
fundamental donde estas Leis se deduzem por demonstrações sólidas e convincentes.
Daí resulta que é preciso julgar pela justeza da Razão na busca dos fundamentos do Direito
Natural; isto é, pelo que se reconh~e que uma máxima é conforme ou concrária à recca razão.
Porque as máxim.as da recta razão são princípios verdadeiros, is.to é, que estão de acordo com a
natureza das coisas bem examinadas, ou que são deduzidas por uma justa consequência de algum
primeiro princípio verdadeiro em si mesmo.
Por mim não enconcro caminho mais breve nem mais cómodo para descobrir os princípios
do Direito Natural que examinar com cuidado a natureza, a constituição e .as inclinações do
homem. Porque, quer a Lei Natural lhe tenha sido dada para o tornar mais feliz, ou para impedir
que a sua malícia não seja funesta a ele próprio, o melhor meio de conhecer esta Lei, é ver em que
é que ele tem necessidade de socorro ou de freio.
Eis pois a Lei fundamencal de Direito Natural: é que cada um "deve ser levado a formar e
manter, tanto quanto depende dele, uma sociedade pacífica com todos os outros, conforme a sua
constituição e aQ fim de todo o género humano sem excepção. E como quem se obriga a um certo
fim, obriga-se nos mesmos termos, aos meios sem os quais aquele não se poderia atingir, segue-se
daí que tudo o que contribui necessariamence para esta sociabilidade universal deve ser tido como
estabelecido pelo Direito Natural; tudo o que a perturba deve, pelo concrário, ser considerado
como proíbido pelo mesmo Direito. ·
Mas não deixa de haver uma grande diferença entre as Leis naturais condicionais e as Leis
civis positivas e que as primeiras são fundadas sobre a constituição universal do Género Humano;
enquanto as outras dependem unicamente do interesse particular duma certa Sociedade Civil ou
do livre arbítrio do Legislador.
Assim as Leis Civis não são de modo nenhum Leis Naturais condicionais mas retiram de
alguma destas últimas a força que têm para obrigar perance o Tribunal de Deus.
estabelecimento, mas que se acham recebidas pela aprovação universal .e o uso imemorial que delas
fez o povo; e são essas leis ou regras que se chamam Costumes.
XI. Os Costumes retiram a sua autoridade d~ consentimento universal do povo que os
recebeu, quando é o povo que detém a autoridade, como nas Repúblicas. Mas nos Estados sujeitos
a um Soberano, os Costumes não se estabelecem ou não se afirmam em forma de lei senão pela sua
autoridade. Assim em França, os Reis fizeram aprovar e reduzir a escrito e confirmaram em leis
todos os Costumes, conservando as Províncias as leis que têm ou do antigo consentimento dos
povos que as habitavam ou dos Príncipes que as governavam.
XVIII. O uso e autoridade de todas as leis, quer naturais quer arbitrárias, consiste em
ordenar, proibir, permitir e punir.
(180)
VerÇódigoCivil de 1804, anigo llOJ.
1181)
Cf. Código Civil de 1804, anigo 1115.
376
9. DE GHEWIET, lnstitutions du droit Belgique, par rapporc tant aux XVII Provinces q'au
Pays de Liege, 1736
III Do Direito
Art. I
O Direito, que por servir para fazer justiça, é objecto de Jurisprudência, pôde ser definido
em geral por estas p-.ilavras do Jurisconsulto Celso na L. 1. ff. de.Ju.rtít & jur. EJt ars boni & aequi 082>••••
Compõe-se entre nós do Direito Canónico e do Direiro Civil.
Art.2
Em relação ao Direico Canónico que retira a sua origem dos Concílios, dos Santos Padres e
dos Rescricos dos Papas, nada aqui será tratado: Contentar-me-ei com falar, oportunamente, de
algumas das suas decisões quando a ocasião se apresentar.
Art. 3
Quanto ao nosso Direito Civil Belga, ele é composto:
1. Dos Éditos, Proclamações, Ordonnances e Declarações dos Soberanos.
2. Dos Costumes Particulares das Cidades e Territórios.
3. Dos Usos Gerais de cada Província.
4. Do Direito Romano.
5. Dos Estatutos e Regulamentos Políticos das Cidades e oucras Comunidades Seculares.
6. Das Setenças dos Tribunais Soberanos.
7. Das Sentenças dos Juízes Subalternos.
8. Dos Pareceres e Consultas de Advogados.
A democracia e a aristocracia não são de modo nenhum estados livres pela sua natureza.
A liberdade política não se acha senão nos governos moderados. Mas ela não existe sempre nos
Estados moderados. Apenas· existe aí quando não se abusa do poder; mas é uma experiência eterna
que todo o homem que tem poder é levado a abusar dele; vai até que ele encontre limites. Quem 0
diria? a própria virtude cem n~essidade de limites.
Para que não se possa abusar do poder é necessário' que pela disposição das coisas o poder
crave o poder. Uma consticuição pode ser tal que ninguém será obrigado a fazer as coisas às quais a
lei não obriga e a não fazer aquelas que a Lei lhe permite ..
Livro XI, Cap. VI: Da Constituição de lnKlaterra.
Há em cada Estado crês es°pécies de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das
coisas que dependem do Direito das Gentes e o poder executivo daquelas que dependem do
Direito Civil.
Pelo primeiro, o Príncipe ou o Magistrado faz Leis para um tempo o:u para sempre e
corrige ou revoga as que estão feitas.
Pelo segundo, faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança,
previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga os diferendos dos particulares.
Chamar-se-á a este último,, o poder de julgar, e o outro, simplesmente, o poder executivo
do Estado.
A Liberdade política de um cidadão, é esta tranquilidade de espírito que provêm da
convicção que cada um cem da sua segurança; e, para que se tenha esta Liberdade, é necessário que
o Governo seja cal que um Cidadão não tenha que temer outro cidadão.
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está
reunido ao poder executivo, não há Liberdade; porque se pode temer que o mesmo Monarca ou o
mesmo Senado façam leis eirânicas para as executar tiranicamente.
Também não há de modo nenhum liberdade, se o poder de julgar não estiver separado do
poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a
liberdade dos cidadãos seria arbitrário; porque o Juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder
executivo, o Juiz poderia ter a força dum opressor.
Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos Principais, ou dos
Nobres, ou do Povo, exercessem esses três poderes, o de fazer Leis, o de executar as resoluções
públicas e o de julgar os crimes ou os diferendos dos parciculares.
Por qualquer lado que se remonte ao princ~pio, chega-se sempre à mesma conclusão; a
saber, que o pacto social estabelece entre os cidadãos uma tal igualdade que eles se obrigam todos
378
sob as mesmas condições e devem gozar todos dos mesmos direitos. Assim, pela natureza do 'pacto,
qualquer acto de soberania, isto é, qualquer acto autêntico da vontade geral, obriga ou favorece
igualmente todos os Cidadãos, de modo que o Soberano conhece apenas o corpo da nação e não
distingue nenhum daqueles que a compõem. Que é pois, propriamente, um acto de soberania?
Não é uma convenção do superior com o inferior, mas uma convenção do corpo rnm cada um dos
seus membros: convenção legítima porque é comum a todos, útil porque não pode ter outro
objecto senão o bem geral, e sólida porque tem por garante a força pública e o poder supremo.
Enquanto os sujeitos não estão senão submetidos a tais convenções, não obedecem a ninguém,
mas apenas à sua própria vontade.
b) Leis e Códif!,OS
E o que é uma lei? É uma declaração pública e solene da vontade geral, sobre um objecto
de interesse comum ...
É necessário fazer três códigos. Um político, outro civil e outro comercial ....
• 14. PORTUGAL. Artigo do clero nas cortes de Elvas de 1361 - a deITOgação do direito
canónico pelo direito das Siete Partidas.
Outros sy muitas vezes nom querem guardar o Direito Canonico, o que todo Chrisptaão deviaa
guaardar, porque era feito pelo Padre Santo, que tinha as vezes de Jesu Chrispco, e era maais razom
de o guardarem em todo o nosso Senhorio pola dica raazom, que as Sete Partidas feitas por Elrey de
Castella, ao qual o Regno de Portugal nom era sobgeito, mas brem livre e izento de rodo.
Costume he en casa delRey que aquela Consciruçom do Codego que diz «unde vy siquys in
tancum» non seia aguardada.
cadhüa ley e na grossa e no bartallo que de sobrello he escripro pella qual mandamos aos nossos
desembargadores que per aquella decraraçom façam liurar os feitos e dar as Secenças agora per os
feicos que perdanre elles correrê que caibham nas leix e titulos, que em esses dous livros que uos lla
mandamos som contheudos. E ainda mais por que nos possemos em algúas leix que nos pareçiam
que eram muyto craras que estauam bem. Assi o Julgaae pella guissa que he escripto posto que em.
ellas nom seja outra decraração segundo mais compridamente verees per o proemyo destes dous
liuros que uos agora mandamos. E vos poee estes liuros na Camara desse Conçelho presos per hüa
cadea bem grande e longa. E nom os leixees veer a ninguem salvo aaquelles que feitos ouuerem ou a
seus procuradores ou sse temerem dauer algüus feitos. E esto sejà presemte o escripnam da dita
camara. Ende al nõ façades. Dance em aaluerca XVIIIº dias dabril lopafonso a fez. ano de 1426.
• 18. Carta de D. Pedro a seu irmão D. Duarte (1426) - a política da justiça e do direito.
( ... ) Pareçe me, senhor, que a justiça tem duas partes: hüa he dar a cada hum o que he seu; e a
outra dar lho sem delonga. E aynda que eu cuydo'que ambas em uossa terra jgoalmente faleçem, da
derradeira são bem çerto e esta faz cão grande dano em uosa terra que a muytos feitos aqueles que
tarde vençem, ficão vençidos. E eu vejo em uosa corte muytos offiçiaes de justiça e de todos eles sayr
poucos desembargos; e pareçe me que se pode destes e da multidom dos cortesãos, de que uos diante
escreuerey, bem fyrmar o dicto de ysaias: Multiplicasti gemem, sed "º" magni/icasti leticiam. Bem creo
senhor que seis tyussem uonrade de desembargar e fosem diligentes em seu offiçio que farião mais
que çinquoenta que tal uontade nom tem. E pareçe me, senhor, que pera abreuuyamento dos feyros
aproueitara muyco seguyr se a maneira que o senhor rey ordenou sobre o bartolo contanto que o
liuro seja bem ordenado e corrydo por dous bons doctores, afora aquele que o creladou. E yso mesmo
de as leys e ordenações do reyno serem proujdas e acituladas cada hüa daquelo a que pertençe. E se
antre elas fosem açhadas algúas que ja fosem reuogadas, que as cyrem, pois que delas não haõ dusar; e
as boas ordenações se gardasem naas coisas sobre que são feytas.
CA.] á o doutor começa a desenfardelar lati~, e Dom Carlos cuidara que diz ele algüa cousa,
mas milhor viva eu do que o doutor entende o q~e diz nem se vem a proposito, e desta maneira
sostenta sua mali/cia e vaidade da nossa inocencia e parvoice.
(. .. )
DOC. Em boa/ mão estaa o pandeiro, eu vos revolverei todo o dereito de pernas arriba, que
nam fique udo nem meudo, e a pesar de doutores, farei que venham os textos a fluxo de nossa
tençam. E mais nisso sam de leis muito favoraves, visto como pres11mptio violenta habet11r pro lege, e faz
por nos mui tO /ex]11/ia de ad11/teriis, c11m quis sine vi vel virginem vel vid11am honesta viventem. stupraverit.
E per aqui o levaremos ao talho.
CA. Narn vos digo eu, faraa o doutor ajuntar o ceo com a terra, e em quanto nam tiver quem
o contradiga esgrimira contra quantos Bartolos ha em Fez. Eu nam entendo seus latins, mas juro
que vam todos sem pees nem cabeça, fora de proposito, porque conheço eu estes melhor que quem
os pario, e em um mesmo caso vos fazem trinta dereitos e outros tantos tortos.
«Quando o moço vai lendo, pode notar os que são de maior utilidade, e pôr-lhe um sinal,
para se aplicar a eles com o tempo. Mas o principal ponto está em reduzir as Leis à sua ordem natural;
como deviam ser dirigidas, se acaso Triboniano e seus companheiros conhecessem (que certamente
não conheceram) aquilo a que nós chamamos Método, o que não se acha nos livros do Direito, pois em
diferentes partes, e com bastante interrupção, se trata da mesma matéria.» (pp. 176 e 178/9)
tempo, pagasse pola primeira vez cinquoenta cruzados, ametade para quem o accusasse, e a outra
amecade para a arca da Vniuersidade. E pola segunda encorreria na mesma pena, e não poderia vsar
dos ditos cargos, posto que acabasse de srudar os ditos oito annos, dehi a dous annos despois que os
acabasse de studar.
( ... )
1. Organização judiciária
A organização judiciária é muito complexa e variada sob o Antigo Regime.
Decorrente da evolução das instituições desde.a época carolíngia e feudal, compreende
elementos antigos que subsistem até ao fim do século XVIII, por exemplo as jurisdições
feudais, senhoriais, eclesiásticas, etc., aos quais se sobrepõem as jurisdições dos reis e dos
grandes senhores, à medida que o poder destes últimos se consolida.
A organização das jurisdições difere de região para região, em função das relações
de força entre as autoridades. Nas páginas que se seguem, trataremos sobretudo da
história da organização judiciária em França e nas XVII Províncias dos Países Baixos,
383
com algumas comparações com os outros países europeus 083 >. No conjunto, passou-se da
divisão à centralização e à hierarquização das jurisdições.
Nos séculos X-XII, na época feudal em França e no Império, a divisão do poder
conduz ao desmembramento das jurisdições: feudais, territoriais, senhoriais. Ao mesmo
tempo, em consequência do enfraquecimento das jurisdições laicas, as jurisdições
eclesiásticas atingem o seu máximo desenvolvimento.
A partir do século XIII, o rei, em França, em Inglaterra, em Espanha, os duques e
os condes noutras regiões, conseguem reforçar a sua autoridade; ·desenvolvem o seu poder
de julgar os seus súbditos e tentam eliminar as jurisdições feudais e senhoriais, ou, pelo
menos, submetê-las às suas próprias jurisdições. Os reis conseguem isso em larga medida nos
séculos XVI e XVII; mas em certas regiões, sobretudo na Alemanha, em Itália, nos Países
Baixos; a resistência dos particularismos locais e regionais manteve-se consideravelmente.
083) R. L. KAGAN, Lawsuils and litigan/I in CaJti//e ( 1500-1700!, Cmpel Hill, 1981; A. M. HFSPANHA, Hirt6ria daJ
imtituifÕeJ, Coimbra, 1982, p. 428-43; R. ZORRAQUIN BECU, Lo organi=ión judicial argentina en e/ períodt; hispaniro, Buenos Aires, 1981.
(lll<IJ A. M. KOENIÇiER, Die Sendgerüh in Dtumhland, t. 1 (único publicado), Munique, 1907; do mesmo, Qilellen zur
GeJchichte der Sendgerichte in Deutschland, Munique, 1910; D. LAMBRECHT, De Synodt in het 011tk bisdlJm Doomik, geJi/ueerd in de
E11rofme ontwikkelin~. Bruxelas (no p~lo). ·
384
08~l p_ FOURNIER, úr offi<ialitá a11 muyen âge, Paris 1880; A. LEFÉBYRE·TEill.ARD, úr offi<ialitá à la lll!ille du Conrile
de Trente, Paris, 1973.
(186) Por exernplo, houve um «officiat. (juiz eclesiástico) do bispo de Cambrai em Bruxelas; um registo de julgamento do
século XV, deste juízo acaba de ser publicado (C. VLEESCHOUWERS e M. VAN MELKEBEEK, Liber 1m1enriarum vart tÍt
O//icialiteit van Bruml ('1448-1459), C.R.A.LO., 2 vai., Bruxelas, 1982; cf. um extracto infra, p.
( 187) E. FOURNIER, L'artcienne proádure ecdéiiaJtique tÍIJfll /e Nord dt la Fronte, Lllle, 193 L
b) julf!,amento pelru pares
Nos séculos XI e XII, o princ1p10 do julgamento pelos pares generalizou-se.
Nos tribunais feudais, que conhecem conflitos relativos aos feudos e às obrigações
vassálicas, o senhor faz justiça com a assistência dos seus vassalos; estes são assim julgados
pelos seus pares (pares = iguais).
Nas justices fonciereJ ou tribunais censuais que julgam os litígios relativos às
possessões não feudais, o. senhor (ou o seu representante) é assistido por um certo número
de possuidores (possuidores jurados, censitários, etc.) 11 sH>.
Em cercas regiões, existiam assembleias judiciárias gerais (latim: placita generalia),
assembleias gerais de todos os habitantes da aldeia ou do senhorio, reunidas sob a
presidência do senhor ou do seu representance (meirinho, advogado, etc.). Havia em
geral três por ano, como na época franca. Qualquer habitante podia aí apresentar queixa,
tanto em matéria civil como penal, contra qualquer outro habitante que devia
defender-se imediatamente para ser julgado. Além disso, nas assembleias judiciárias
gerais, o senhor recebia os censos da terra e as rendas em espécie que lhe eram devidos;
estabeleciam-se aí os regulamentos de polícia em matéria de caminhos, de cercados, de
direitos de uso, etc..
c) Escahinatos
Numa grande parte do Noroeste da Europa Continencal, existia em cada cidade e
quase em cada aldeia, pelo menos desde o século XIII, um escabinato composto mais
frequentemente por sete escabinos (scahini, Schóffen), membros da comunidade urbana ou
aldeã. O escabinato detém quase sempre a alta justiça, isto é, uma competência geral
tanto civil (excepto em matérias reservadas às outras jurisdições: feudal, territorial,
.eclesiástica, etc.) como penal (direito de pronunciar penas corporais: mane, mutilação,
etc.). Os escabinos são designados pelo príncipe territorial ou pelo senhor local; fazem
justiça sob sujeição ( = a requerimento e sob a presidência do senhor ou do seu
representante (bailio, senescal, amman, écoutête (ouvidor), etc.).
Nas grandes cidades, o escabinato é renovado todos os anos, a panir do século XIII;
os primeiros exemplos nos Países Baixos são Arcas 0194), Ypres (1209), Bruxelas
(1235); os escabinos que saem tendem a cooptar os novos escabinos, eliminando assim a
intervenção do senhor; nalgumas cidades (nomeadamente Gand, Bruxelas), estabelecem-se
temporariamente, nos séculos XIV e XV, regimes mais democráticos sob a forma de
eleições dos escabinos por certos grupos sociais CJB9>.
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386
A princípio (séculos XII e XIII), o rei de França fazia justiça no seu Tribunal (curia
regis), como um senhor rodeado pelos seus grandes vassalos. A partir do fim do século XIII,
em consequência do aumento das questões examinadas no Tribunal real, este tende a dividir-se
em três instituições especializadas: o Conselho do Rei, espécie de Conselho de Governo, a
Câmara de Contas para o controlo financeiro, o Parlamento para os assuntos judiciais.
O Parlamento de Paris é, entre os séculos XIV e XVIII, a principal instituição
central da jurisdição real em França. Porém, à medida que os grandes feudos se reunem à
coroa (século XV e XVI), ou que novos territórios são conquistados, funcionam aí
Parlamentos regionais, à semelhança do Parlamento de Paris: Parlamento de Touiouse
(1443), de Grenoble (1450), de Bordéus (1462), de Dijon (1477), etc.; Parlamento de
Flandres (sediado em Douai, final do século XVII); são por vezes chamados Conselhos
soberanos (Alsácia) 09°>.
Funcionam tribunais reais em cada subdivisão administrativa do reino: bailiados,
senescalias, etc.. Em 1552, Henrique II uniformiza a organização judiciária com a
criação de tribunais «Présidiaux».
Nos principados belgas, assiste-se a uma evolução similar. Os grandes senhores
(duques, condes, etc.) julgam nos séculos XIII e XIV no seio da sua Corte (curia duciJ,
curia comitis). Foi aí introduzida uma especialização no século XIV na Flandres (a
Brabant, dn origine1 ~ la fin du XV.' úede, Bruxelas-Paris 1%5; C. DE BORMAN, UJ échevim de la Sout'fTai11t Jmlire de Litge. 2 vol.,
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V. BUFQUIN, lt Parlemmt dt Fla11dre, la Cour d'appel de Douai, /e barrrau, Douai 1965. O •Centre d'érude d'Histoire juridiqur• do
C. N. R. S. (Paris). sob a direcção de P. C. TIMBAL, investiga e analisa as sentenças do Parlamrnro de Paris dos séculos XIII e XIV;
publicou aré ao presente: La guerre dt Ce111 aru vut à travm /eJ trgiJ/ro du Parlement (1337-1369), Paris 1961; w ob/igaJions crmtracluella
danJ /e droil Jrançair aux Xll/' e/ XIV' úeda d'apru la juriJpmdenredu Parleme11t, 2 vol., Paris 1973-1977.
387
Audiência, mais tarde designada por Conselho da Flandres), e no século XV nos outros
principados. Há a partir de então em cada principado, um Comelho de j11Jtiça que, como
os Parlamentos em França, julga em recurso eirado das outras jurisdições, nomeadamente
a maior parte dos escabinatos o9u.
Quando no século XV, os duques de Borgonha, e depois o imperador Carlos V,
conseguiram submeter a maior parte dos principados belgas e neerlandeses à sua
autoridade, remaram submeu~r as decisões dos Conselhos de Justiça ao recurso do
Conselho que os acompanhava nas suas peregrinações (Conselho ambulatório). Carlos, o
Temerário, institucionalizou esse recurso criando, por ordonnance de Thionville de 1473,
o Parlamento de Malines, em imitação do Parlamento de Paris. Suprimido depois da sua
morre 0477), continuou a funcionar de facro. Foi oficialmente restabelecido em 1504,
com o nome de Grande Conselho de Malines (Consilium· MaKnumJ e permaneceu em
acrividade até 1794. Mas alguns Conselhos provinciais de justiça conseguiram subtrair as
suas decisões a todo e qualqµer recurso a Matines, fazendo-se reconhecer Conselho
soberano (Brabance, Hainaur, no início do século XVI; Luxemburgo 1782, etc.
(documento n. 0 3, p. 373) <192>.
O principado eclesiástico de Liege era independente dos países de par deçà. Nele se
formou uma organização judiciária similar a partir dos séculos XII e XIII. Havia aí um
grande número de escabinacos, de tribunais de jurados, de tribunais censuais, de
tribunais de jurados, de tribunais de possuidores renenciais. O escabinato de Liege,
muito cedo chamado Soberana justiça dos escabinos, decidia em recurso dessas
jurisdições, ou seja como seu chef de Jem (N. T.); mais tarde, pelo menos desde o século XV,
C191J Os escabinalos de algumas grandes cidades (Bruxelas, Anvers, Lovaina, por exemplo) não foram submetidos ao
recurso para o Conselho <le Justiça, mas unicamenre à reforma; os seus julgamentos eram exequíveis medianre caução, mas podiam
roda via ser posreriormente 41reformados~.
A. GAILLARD, u Com.il d, Brahant. HiJl•Úr<. O'f.ant.1a1ion. pro.-édurr. 3 vai., bruxelas 1898· 1902 lcominua a ser excelente,
sobretudo para o estudo do processo); A. UYITEBROUCK, •Les origines du Conseil de Brabanr: la chambre du conseil du duc Jean
IV •. Rn-. fülKr Phil. Hi11 .. r. 36, 1958, p. 1135-1172; J. BUNTIX, De ltudientie van dt Gra1•en i•an Vlaantkren. S111dit wer het
1mlraal Krafrlitk l,rrrcht. e. 1330-c. 1409, Bruxelas, 1949; A. LOUANT, •Réflexions sur le caractere fondamemal er l"influence du
Conseil souverain du Hainaur .. , ltlhun1). Balon, 1968, p. 215-234; C. DOUXCHAMPS-LEFEVRE, •Le Conseil de Namur au
débur des temps modernes•, ltnnalfl Sm·. ltr.-hén/. Namur. r. 53, 1965, p. 117-167; ú1 Procure111 géniraux du Comtil de Namur 1ou1 lt
rér.m1r a111ri.-him, Namur 1961; R. W ARLOMONT, .. Le Conseil provincial de justice du Luxembourg de 1531 à 1795•, ltncier11 PayJ
r/AH. F.ta/1. r. 15, 1958,p. 107-124.
11921 Comilium Mai:num 1473-1973, Commimoralion el colloqut, Bruxelas 1977;]. VAN ROMPAYE, De Grote Raad van de
Herl11l,en 1·an Borr1t1mdiif en htl Parlemen/ 1-an Me.-helen. Bruxelas 1973; J. GILISSEN, •lnsritution et évolution du Parlemem/Grand
Conseil de Malines•, in Cnmilium mal,nllm, op. ci1. 1949.
Sob a direc(ão de J. Th. de Smidr e de Eg. 1. Strubbe, um grupo de escudo ocupou-se em Amesterdão de investigar os
arquivos do Grande Conselho. Publicou as Chronolnr.úche lij11en ''ª" dt l,â'xlendttrde Senttntien en proct<hu,,dt/J idouimJ beru11mde i" het
0
archief van de Grole Raad va" Mtrhelm, t. I (1465-1504), II (1504-1531) e III 0531-1541). Bruxelas 1966-1971, C.R.A.L.0. 0
O. V. R. Sob forma policopiada, publicou (,,,.enlariJ ti hmhrijt·i"K "ª" de procmtukken (douim) behomuú /01 de berotpen ui/ Hol/a,,d, IO
vol., 1974, elnnn/ariJ ... behortndr101he1/o,,d1E"11elta"leJ!. 3 vai., 1972. E ainda R. REINSMAeJ. R. H. DESMIDT, GloJJari•1m
''ª" Nrder/a,,dJt et1 Frame oudt rechl1/tr111en, 3.ª ed .. Amesterdão 1969 e N. WIJDEVELD, Glo11arium van oude Fra"Jt re.-h111tr111en,
Amesterdão, 1984.
A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA
NO PRJNCIPADO DE LIEGE (SÉCS. XVI A XVIII)
\
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1
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SOBERANOS E.scabinos do
TRIBUNAL TRlllUNAL TRIBUNAIS SUPREMO
fSCABINOS SUPERIOR SUPERIOR 1 SUPREMO
FEUDAIS TRIBUNAL
TRIBUNAL
Df LIEGE PEUDAL ALODIAL 1 de VLIERMAhL
(em Looz)
1 (a penir dr 14f'i9:
H11Sxlr)
1
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Tribuna.is ª'odiais
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Tribunais alodia1s
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- Hasselr (cuerior} <m
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1 - Zolder
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SOBERANO
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390
aparece como jurisdição de apelação. Do mesmo modo, o alto tribunal feudal (Haute cour
féodale) era jurisdição de recurso dos numerosos tribunais feudais, o alto tribunal alodial
(Haute cour allodiaJe) a dos tribunais alodiais.
Em 1531 foi organizado um Conselho Ordinário, saído do Conselho do Bispo.
Decidia em recurso das sentenças proferidas pelos Escabinos de Liege (que a partir de
então já não eram «soberanos»), do Alto Tribunal feudal e do Alto Tribunal alodial 119 ~ 1 •
Diferentemente dos países de «par deçà», o principado de Liege apenas era em
parte isento dos recursos para os tribunais do Império. O ReichskammerKericht (Tribunal da
·câmara Imperial) tinha sido criado em 1495 para decidir em matéria de conflitos entre
Lander, infracções à paz pública (Rechtsfriedenbrüche) do Império, e também para decidir
sobre os recursos das jurisdições dos Liinder. Privilégios imperiais de non appelando de
15 18 a 15 21 isentavam os habitantes de Liege dos recursos do Império para as causas
menores (as inferiores a 1200 florins do Reno, etc.), mas não para os outros. Inicialmente
itinerante, o Reichskammergericht fixou-se definitivamente em 1572 em Espira, depois em
1673 em Wetzlar 0941•
Havia também um Reichshofrat (Conselho Áulico), reorganizado em 1498, para
decidir em matéria feudal e em diversas matérias, em concorrência mesmo com o
Reichskammergericht.
As jurisdições do Condado de Looz que fez pane do principado de Liege desde o
século XIV só estiveram muito parcialmente submetidas às jurisdições de Liege. Os
escabinatos das ciClades de Hasselt, Bree, Bilzem, Maaseik, etc., julgavam segundo o
costume de liêge e estavam submetidos desde o século XV ao recurso aos escabinos de
liêge; as out:ras jurisdições dependiam do Alto Tribunal de Vliermaal (que tem sede em
Hasselt a partir de 1469), este do Tribunal feudal de Kuringen (igualmente em Hasselt
desde 1584) e por fim d~ ReichskammerKericht.
(J9>J E. PONCELET, «Le Conseil ordinaire, cribunal d'appel de la Principauré de Liege», Buli. C.R.A.L.0., e. 13,
1929, p. 133-257.
094) H. COING, •le Reichskammergerichc•, in Comili11m magnum 1473-1973, op. cit., p. 19-53; P. L. NEVE, Het
Rijk.1kamerxericht m de Netkrlandm, Competmtie. tl'rritoirt. archievú1. Assen 1972; J. WEITZEL, Drr Kamp/ 11m die AppellatHm anr
Reithskamnrerr.ericht, Colónia-Viena 1976.
391
outra universidade. É assim sobretudo nas altas jurisdições reais e dos principados
(Parlamentos, Conselhos de Justiça, Grande Conselho de Malines). A partir dos séculos
XIV e XV, um grande número de conselheiros são juristas; no século XVI, todos ou
quase todos deviam ser licenciados em direito.
Constata-se uma evolução semelhante nos grandes escabinatos; assim, no escabinato
do Chef-hanc de Ucele (estabelecido em Bruxelas para umas três dezenas de aldeias dos
arredores), há no século XV um escabino-jurista, há dois, e a seguir três no século XVI;
no século XVII todos os são. Mesrno nos escabinatos rurais, adquiriu-se o hábito, no
século XVII, de consultar um jurista (geralmente um advogado) antes de proferir
julgamento; no século XVIII, houve muitas vezes um escabino-jurisconsulto.
Estes juízes-juristas exerceram um papel considerável na romanização do direito.
g) Os Advogados
Os advogados aparecem nos séculos XIII ou XIV. São primeiramente designados
por termos tais como avant-parlier, amparlier. O termo advocatus teve então ainda o sentido de
protector, tutor, por exemplo, protector duma abadia. Nos séculos XV-XVI, designa cada
vez mais os juristas que dão pareceres e conselhos e que actuam nos tribunais.
A profissão de advogado organiza-se a partir dessa época. Em 1418 a cidade de
Bruxelas publica uma ordonnance sobre os honorários dos gesworen taelmannen (advogados
ajuramentados), pelos quais aqueles que reclamam justiça perante os escabinos da cidade
095) R. WARLOMONT, •les idées modemes de Joseph II sur l'organisation judiciaire dans les Pays-Bas aurrichiens•.
Tijds. Rtr'hlJl{tsch., t. 27, 1959, p. 269-289; Ph. VAN HILLE, De r.ererhtelij/te HervorminK '''w Keizer Jozef li. Tielr 1973.
392
podem fazer «expor a sua causa e as suas razões». Não é ainda, porém, exigido que o
advogado seja diplomado por uma universidade. Até uma ordonnance de 1473 referente ao
Conselho de Brabante exigia apenas que o arguente fosse «hábil, idóneo e suficiente»
para ser recebido e «possuir o ofício e estado de advogado». Foi uma ordonnance de 14 de
Fevereiro 1501 que exigiu que o advogado fosse graduado em direito. Na sequência da
luta contra o protestantismo, Filipe II impõe em 15 70 como condição ser diplomado por
uma das universidades nacionais e católicas (Lovaina e Douai), com algumas excepções
(Roma, Bolonha) 096>.
No século XVII os advogados do Grande Conselho de Malines e nos Conselho de
Justiça tinham o direito de usar a roga; tinham obtido o monopólio da representação em
juízo, mas nem sempre conseguiram fazê-lo respeitar.
No documento 6 b (p. 373) reproduzimos o parecer de Ghewiet sobre a insuficiente
formação dos jovens advogados no princípio do século XVIII.
h) O Notariado
O notariado desenvolveu-se em primeiro lugar na Itália; a partir do século XII, Ol>
notários nomeados, uns pelo imperador, outros pelo papa - notários imperiais e
notários apostólicos - podiam redigir instrumentos num espaço quase ilimitado;
ocupam-se designadamente da redacção de inúmeros contratos nas cidades comerciais
como Génova, Pisa, Milão. Os seus actos são actos públicos, instrumenta publica, fazem
prova plena <197 >
Nos principados belgas, a jurisdição graciosa ou voluntária - ou seja, a que não é
contenciosa, decidindo um litígio entre partes diferentes - permaneceu durante muito
tempo nas mãos dos tribunais, em especial dos escabinatos e das oficialidades. A partir
do século XIII, são sobretudo os escabinos que redigem os actos autênticos, recebem os
testamentos, etc. Os oficiais e os decanos da cristandade que tinham os mesmos poderes
no século XIII perderam-nos progressivamente.
Os notários públicos - também chamados cabeliães - aparecem nos principados
belgas pelo fim do século XIII; são notários apostólicos nomeados pelos bispos que
receberam a licentia creandi notaria ou conferendi offiâum tabellionatus. Os primeiros
notários públicos aparecem em Liege em 1274, em Nivelles em 1286, em Tournai em
1290, em Bruxelas em 1307, em Anvers em 1349 (i9si. Houve também mais tarde notários
reais instituídos, como em França, junto das justiças dos reis ou dos príncipes; podiam
também ser estabelecidos notários senhoriais por um senhor, junto duma ju5tiça senhorial.
m•6l J. NAUWEI.AERTS publicou na sua Hntoir11 dtJ avocat' au SoNV<raú1 Comei/ dr Brabant (2 vol., Bruxelas, 1947) a lista dos
2 ..l06 advogados do Conselho em Bruxelas, inscriros nos registos entre 1582 r 1794: havia 9~ advoiiaJos no Conselho t"m 1633. 14~
cerca de 1700, 43R em 1784. Acerca dos advogados em Portugal: L. da SILVA RIBEIRO, Nr11iaa lmtárita da admaaa "'' P"r/u)!.al. 1929.
um M. AMELOTII e G. COSTAMAGNA, Alle11ri1,im dei no1aria1111taliano, Roma 1975.
1198) Um ·inceressanre Form11/aire namurni' du XIV' Jiéde foi publicado por L. GENICOT e J. BALON, Bruxelas
1955 CC.R.A.L.0 ).
393
2. A jurisprudência
A jurisprudência desempenhou um papel importante na formaç~o do direito
moderno, tanto pela autoridade que os tribunais reconheciam de facto aos precedentes,
como pela influência das decisões judiciais das jurisdições superiores sobre as outras
jurisdições e pela influência dessas decisões sobre a redacção e a reforma dos costumes e
sobre a doutrina.
ll99) A. WOLF, •Das iiffencliche Norariac-, em H. COING (ed.), HtJndbuch der Quellm .. ., op. cit., t. I, 1973.
p. 505-514; A. FOBE, «Histoire du nocariar•, Répertoin nolaritJÍ, e. XI, Bruxelas 1973; A. PlTI.O, De geschieáenir der notarii'le
wetemchap, Amesterdão 1956; H. NEUS, •les origines du notariar public en Belgiqu" (1269-1320)», Rev. btlgt Phil. er Hirr .. e. 2,
1923, p. 267-277; P. J. SCHULER, Geschichte dn IiidweJtdnttichm NottJrialI. Von seinen Anfanxm bir zur Reithuotaria!IordnunF,. i'On 1511,
1976; P. PIEYNS-RIGO, «Noraires d'officialirés et notaires publics au service de l'officialiré liégeoise (125'-1337)., Bull. Comm. ruy.
Hirt., e. 132, 1966, p. 297-332;). STIUEDER, Aw ATIJlm'flmer Notariatimrhivm, Esrugarda-Berlim 1930. Nachdruck Wiesbaden 1966.
(200> Ph. GODDING, Lajurilpmdence, Coll. Typologie des sources du moyen âge occidenral, A-III-!, Turnhouc 19H;
Ph. GODDING, •L'origine er l'autorité des reC\,\eils de jurisprudence dans les Pays-Bas méridionaux (Xlll.•-XVIII.' siedes)., in
Rapport1 btlge1 au 8.' Congro inlernflional de droit """pari, 1970, 37 p.; A. SERGENE, ·Le précédent judiciaire au moyen âge•, Rev.
hilt. dr. fr., e. 39, 1961, p. 224-254 e 359-370; G. GORLA, Die Bedeutunf!. der Priiudenzmlirheidunt.m der SmtJft von Piemont und
Savoyen im JB)ahrhundwt, Rech/Ivergleichende Ú1116kunxm, in luJ Privatum Gmtium, Fes/Jrhrift Rheimtein, Tübingen, 1969, p. 102-125.
394
b) As sentenças de rey,ulamentação
Em França, os Parlamentos e os Tribunais soberanos proferiam também «sentenças
de regulamentação». Diferentemente das sentenças ordinárias que não tinham senão a
autoridade do caso julgado entre as panes em causa, as sentenças de regulamentação eram
obrigatórias erga omnes; eram verdadeiros actos legislativos publicados em todo o domínio
da Corte e deviam ser aplicados por todos, excepto se fossem anulados pelo Conselho do Rei.
Foram geralmente proferidas por ocasião de processos que levantavam uma nova questão
de direito (v. documento n. 0 5, p. 377) 1202>.
Algumas sentenças de regulamentação desempenharam um papel importante na
formação do direito civil francês. Assim, o Parlamento de Paris admitiu em 1551, por
influência de Dumoulin, a revogação das doações entre vivos com fundamento na
supervivência de filho; a regra foi a seguir adaptada no Costume de Paris de 1580 e passou.
daí para o Código Civil francês {are. 960). A obrigação de cautio judicatum solvi para o
estrangeiro demandante nos tribunais foi imposta por uma sentença de regulamentação
do mesmo Parlamento de 1562; voltamos a encontrá-la no Código Civil (are. 16).
<200 Sobre as colectâneas de jurispruclência, ver as contribuições em H. COING, Handburh ... , op. á1., e. li, 2.ª parte
(Munique, 1976): Rrrhtsprrchinf!. 1md Kon111iemammlunl/.f1ll. p. 1113-1443, nomeadamence para a Itália. a Franca. a Espanha, e Portu_gal
(j. M. SCHOLZ), o Sacro-Império, os Países Baixos e a Escócia. Sobre os wmilia, V.G. KISCH, Crmsilia. Eint Bihliof(raph;. drr
; 11 ri.;1isch'" Komiliemammltmr.m. Bâle-Estugarda 1970. Para as XVII Províncias dos Países Baixos. ver a edição francesa da pre•ente
competência, com poucas excepções, para julgar em recurso todos os processos civis já
julgados pelas inúmeras jurisdições territoriais e locais. Nas XVII Províncias dos Países
Baixos, o Grande Conselho de Malines julgava em recurso os casos já julgados pelos
outros Conselhos de Justiça, excepto os Conselhos Soberanos (supra), os Conselhos
provinciais de justiça eram, eles próprios, jurisdições de recurso das justiças territoriais e
locais, com poucas excepções.
Os Parlamentos e Tribunais de Justiça contavam um grande número de
magistrados, todos (ou quase todos) licenciados em direito. No século XVIII, havia mais
de 200 presidentes e conselheiros no Parlamento de Paris; a sua autoridade foi
considerável.
12011 Ph. GODDING, •Jurisprudence et mocivarion des senrences, du moyen âge à la fin du 18.' si~cle•, in Ch.
PER ELMA N e P. FORIERS (ed. ), La motivatinn des dlcúinm de justice, Bruxelas 1978, p. 37-67; •la morivarion des arrêts du Grand
Conseil de Malines au 16.' siecle", Tijd.«hr. R«hlf.rJCh .. I.· 45, 1977, p. 155 JJ.: T. SAUVEL, ·HiJtoire du i11t.t111én1 molii'é•, Ret•. dr.
p11b/i. ri J<. pnli1u111r. 1955, p. 5-53; G. GUDIAN, Die Bt~rii11d1mi: irt Schoffemprüchm dv 14. 1111d 15. }ahrhu11dtrl1, Darmstadt 1960.
397
iurii) - a ele pertence ram~m a jusuça no caso de não estar a cargo dos senhores (por carta ou uoo) ou de estes a não exercerem como
devem. Ou seja, vai-se fixando o princípio do carácter subsidiário da jurisdição real que pronto evoluirá para a ficção do seu carácter
originário. A partir daqui, justificar-se-ão: (i) a exigência de título (carta, sentença, uso) para a legitimação das jurisdições senhoriais
(o que se fará nas inquirições, nomeadamente, nas que O. Dinis mandará fazer sobre honras "ntre 1288 e 1290; Ord. a/.. 11,M); (ii) a
exigência de concessão régia (cf. a lei de O. Afooso IV, de 1343, Ord. 4 .. III,50, bem como as leis de D. Fernando de 1372 (em
JOÃO PEDRO RIBEIRO, Memóri11sobrea1 inquiriçiiel ... , doe. 48, p. 133) e de 13.9.1375, Ord. a/.. li, 63); (iii) a reivindicação pelo
rei da comperência para fixar o conteúdo dos poderes senhoriais (cf. a lei de D. Afonso IV de 1343, Ord. 4 .. lll, 50; a referida lei
fernandina de 1372, Ord. 4., 11,63; as leis de O. Afonso V, sobre as jurisdições dos senhores, Ord. 11/., li, 40). A partir dos inícios
dos séc. XIV, começa a surgir a ideia de que ao rei compete um poder judicial próprio, específico e inalienáv"I (•regalia• ou •direito
real»), de apreciar em recurso (suplicação, agravo, apelação) as decisões dos tribunais inferiores <•iuotiça maior.). A tal ideia talvez
corresponda já o contido no proémio das leis de 1211 (.estabeleceo juizes convem a saber que o Reyno e todos que en el morassem
fossem por eles regudos e sempre julgados por ele e per todos os seu.o ssuçessore5", LLP, 9); em 1242, porém, a justiça ainda não
aparecia na enumeração os direitos reais do foral de ldanha (moeda, "colheita, anúduva e exército); mas numa lei dionisíaca de 131 7
(Ord. af .. Jll, 74,2; o carácter real da juotiça maior já aparece claramente expresso (cf. doe., 9, pg. 409).
Esta .. justi~·a maior• constitui - pelo menos a partir de cerra altura, pois inicialmente este devia ocupar-se sobr~rudo de
julgamentos de vassalos e oficiais (). Mat1oso 1985, II, 109) - uma das atribuições do tribunal da cone. em prnresso de
desenv0lvimemo e de auionomização "m relação ao plenário da corte desde os meados do séc. XIII: em 1229. aparece um sobrejuiz:
dois, e. 1253; ires ou quatro, vime anos depois. Regimentos de O. Afonso IV (o mais complero dos quais publicado por JOÃO
PEDRO RIBEIRO. Di.u<'l'la('if1 rhrnno/011.i.as.. .. IV,.2, 2. • ed .. pp:. 25 <e. 1330)) estabelecem a distribuição das comperência dns
vários map:isrrados e núcleos: li.mdamentalmente, um núdM (<c>t-.r:<'juízes (do cívdll. espt'<'iafo.do nas quesrões cíveis (mais tarde. Casa do
Cível. fixada em Santarém e, depois, em Lisboa) que se vai afastando progressivamente do monarca: outro (ouvidores (do crime, da
portaria)), encarrega<:lo das apelações dos feitos crime, dos feitos da coroa, das canas de segurança, etc. (i.e., das matéria• mais próximas
da .. alta jusri~a" ou da administração da fazenda mil) (Marcelo Caetano 1981 309 s.: Armando 1. Carvalho Homem 1985, 1, 16H ss.).
O sistema de justiça eclesiástica baseava-se na autonomia jurisdicional da igreja e do clero. A coroa reconhecera-a
expressamente nas leis da cúria de 1211 (proémio-,. A nível local, a isenção dos clérip:os aparece em vários forais (v. Henrique Gama
Barros, Hi.i1ú1t1 .... II, 148). Concórdia• posteriores (v .g., LLP. 5 7-60. 130-136) determinam os casos em que. excepcionalmente. os
clérigos respondem perante as justiça seculares. A jurisdição eclesiástica abrangia também os leigos, em matérias espirituais, na
incerpreração aJar~ada que deste conceito dava o direico canónico (abrangendo o matrimónio, certos aspccros das relações sucessórias t'
mesmo das relações ai.:ráriasl. No período a que nos referimos, a comperência jurisdicional eclesiástica cabia, nas dioceses, a<>s
arcedíagos, juízes ordinários no perimerro das dioceses, conhecidos na zona galaico-porcup:uesa desde o séc. XI. O tarárrer precoce do
conhecimenro do direito canónico, quer de origem peninsular, quer de origem centro-europeia (nomeadamenre, do Decretn de
Graciano), conferiu presrii.:io e eficácia à jurisdição eclesiástica, comando-a num modelo da correspondenre organJZação temporal,
pelo menos nos tribunais régios {cf. AnrónioGarcia y Garcia 1976, J. Mattoso 1985.1. 400 ss.l: por ourro lado, a sua difusão entre
os leigos, a título de 1urisdição voluntária (ou arbitral), deveu-se à importância que nela era dada aos processos wmpromissórios de
romposição (m111pnsi1w Jrafl!r'1a. ,·orrtdio ,-hari1a111·a).
A of~anizaçâo judiciána da época moderna nào apresenta rupruras dr:cisivas com a anrenor.
No plano local, manrêm-se a auconomia jurisdicional dos concelhos. A adminisrração da jusciça erni, a parcir dos meados do
séc. XIV, entregue a dois juízes, eleicos pelos vizinhos por processo regulado para rodo o remo em 1391 !eleição • por pelouros")
(Marcelo Caetano 1981, HO ss .. A. M. Hespanha 1982, 24~ ss.>. A parcir de meados do séc XIV, o rei nomeia juizes de fora para
alguns concelhos !ih1d. l; mas apesar da sua imporráncia simbólica (subrerudo a partir do momento em que esres rargos passam a "<er
desempenhados por letrados (meados do séc. XVI)), esta instiruição permaneceu muito minoritária aré aos finais do •nt1go regime
(cerra de 10'.1' dos concelhos> !A. M. Hespanha 1986. 1, 235 ss.). Nomeadamente, não vingou uma renianva de D. João 1 de
transformar os juízes de fora numa insrânCLa de controle das magiscraruras concelhias lcf. O•d.•1/ .. li, 59.6>. No domínio da jurnça,
os juízes dos concelhos (regimento, Ord. a/ .. 1.26: Ord. n11Jn .. 1,44; Ord. fd .. I. 651tinhama1unsdição ordinária, crime e rivrl,
julgando definitivamente denrro das suas al~·adas {valores destas, Ord. /d .. l,65. 7 ss. ), e dando apelação e agravo, dai para cima. para
a relação. Nos feitos crime, havia apdaçãn forçosa C.•pot parre da jum<;a•., Ord. /i/ .. V. 12") nos crimes ma" graves ! "casos de
querela", Ord. /li .. V, 117). Convém realçar que. apesar da generalização desta or)!aniza(ão 1udi<·iana pelas Onknarii..> a rodo o pai>. a
maior p•rte dos conflitos continuaria a ser resolvida por processos informai• de composicã1> CA. M. He•panha 198(>. l.M>9 '·')
No domínio da justiça senhorial, cornam-se mais nícida.s f sisremâcicas as prt-c:cnsões reais quanro ao cankrer r~crvadn da
correição e apelação, bem como a obrigatoriedade de dar agravo e apelação da.• deC1sôes dos seus otiC1ais para os tribunais da rom·
(cf. Ord. /il., II,45,8; 26,8; 32). Para além disso, reafirma-se o carácter imprescritível das jurisdições e a conSC<Juenre necessidade dr
Carta de doação rép: ia para a sua titulação IOrd. /i/.. li, 45, 1); rnnfirma-se o carácter.concelhio da 1usiiça de primeira i nS1ânc 1a { 1h1d.. 2
e 13 ); reg ulamema-se a nomeação e compecéncia territorial dos ouvidores senhoriais ! i b1d .. ·11-4<»: rralirma-se o <arácrer 1nrermed11 •
da jurisdição senhorial (ibid., 47-52, doe. R. pg. 40/l). Apesar disto, os desmentidos práricos ao ngor desres princípios pois .•ào
frequences, nos sccs. XV. XVI e XVII, as isenções de correição a )!randes senhores (rasas de Bra!!ança. Aveiro, Vila Real.
Cantanhede, Casrrlo Rodrigo, Basto, Vidil'?ueirn. Tentúgal, Sé dr Coimbra. Mosceiro dr Alcohaça. ett 1 O me.mn acontece. ainda
mais frequenremenre, con1 a doação das apelações. findando a.'ristm mu1ros feiras no ouvidor senhnnal que. em mu1ros rasos, rr.i
398
!errado (ouvidores dos D11ques de Bragança em Barcelos, Bragança e Vila Viçosa; dos duql.lõ de Aveiro e de Momemor-o-Velho, em
Aveiro; dos Bispos de Coimbra, em Arganil, erc.). Já no que respeita à salvaguarda do carácrtr concelhio da jurisdição de primeira
insrância, os enrorses são muito menores, pois os povos reagem fortemenre peranre qualquer rencaciva de esbulho; mas em alguns
pequ<'nos e amigos coutos do norte. permanece o velho sisrema de exercício·pessoal da justica pelos senhores (normalmenro. abades de
mon.. iros).
Ao nível do Tribunal da Corte, autonomizam-se ddinicivamente as Casas da Suplicação (á. Ord. 1114n., I, 1; 4 ss.; Ord. fil ..
l, l; 4 ss.) e do Cível (Ord. man., 1,29 ss.; Ord. fil, 1,35 ss. (a partir de 1582, no Porto)). A repartição de compet~ncia enrre as duas
Casas é grográfica, exercendo-se a da primeira na Estremadura (salvo as comarcas de Esgueira e Coimbra), na comarca beirã de Casrclo
Branco, no Alentejo e no Algarve, n.as ilhas e no ultramar (aré à criação das respectivas relações: fndia, Brasil (Reg. 0 7. 3. 1609), Baía,
Rio (Reg. 0 13. IO. 175 lll; a da segunda, no resto do reino. Em alguns casos. as Casas jul11avam como tribunais de primeira instância
(•acções novas• da corte, de prela<los isenros, de privil..giados, erc.). A supremacia da Casa da Suplicação fazia com que a ela viessem
os agravos das deciSÕC's da Casa do Cível (Ord. fil .. 1,6, pr. ). Já os recursos de revista - graça extraordinária de concessão ré11ia, para
casos muito contados <corrupção de juízes, falsidade) - eram despachados por desembargadores desi,i:nados pelo Desembargo do
Paço, como «tribunal de graça em matéria d.. justiça• (Ord. fil .. 111,95, Reg. Des. Pç., 32 ss.). Cada uma destas Casas era ince11rada
por núcleos com competência especializada para cada ripo de recursos !A.M. Hespanha 1986. l,HO ss.). A partir de 1539. os seus
desembargadores passam a ser necessariamenre letrados, providos por concurso (•leitura de bacharéis .. ). Está, porém, por escudar o
1mpactr efecrivo destes tribunais de recurso na vida judiciária. quanro à frequência dos rtcursos. quanto à sua sorte, quanro aos
esrraros sociais que inreres.savam ou quanto à sua proveniência re,i:ional: como estão por "rudar os grupos sociais q11e dominavam estes
rribunais e o modo como eles jogaram nas esrrarégias sociais e políticas do seu tempo (v., em rodo o caso, A. M. Hespanha 1986, l,H ll.
A justiça real rinha ainda as suas exrenSÕC's periféricas: os corregedores, vindos já da baixa idade m~ia, mas que agora
ganham a natureza de magistrados ordinários (e não simples comissários, com jurisdição apenas delegada). Embora as suas funções
mais importantes fossem de narureza político-..dminiscraciva e esrivrsstm, em princípio, proibidos de avocar as causas dos juízos
locais (Ord. /il., 1, 58,pr. ), elrs tinlwn alguma inrervenção no domínio da justiça (inspeccionar os magistrados e oficiais locais de
jusriça (Ord. fil., 1, 58, l ,2), avocar e julgar os feitos dos poderosos (ihid., 22), avocar e julgar as causas dos juízes ordinários do lugar
onde estivessem (ihid., 23), conhecer de certos agravos dos juízes das terras e dos ouvidores senhoriais (ibid., 25; Ord. fil., ll,45 ,28),
devassar sobre crimes graves (ihid., 32 ss.)) (A. M. Hespanha 1986, 1,277).
Na ~poca moderna, o sisrema de justiça eclrsiástica continuou fundamentalmente baseado na jurisdição ordinária dos
bispos. Assiste-se, todavia, à decadência dos arcedíagos, cujos abusos e acros de indisciplina se tinham multiplicado; o concílio de
Trenro (!eJI. XXIX, cap. XX) restaurou nos bispos as comperências jurisdicjonais mais imponanres (r-m marér1a criminal e:
matrimonial e o direito de visira). As comperências jurisdicionais dos prelados são exercidas !"'los seus vigários: o vigário m
1pirilualihm cprm·únr ou autódio) exerce a jurisdição voluntária e o vigário 11eral. a jurisdição comenciosa <cf. MANUEL A. PEGAS,
Re1olutione<foremrJ praaicahile<. li, Conimbricae 17~8. ro·;. 18, PI!· l 119; BAPTISTA FRAGOSO, Rex1111tn mp11hl1.-ae .... li. 601 ss.:
JOSÉ F. P. DE PAIVA PIITA, Elemtnll/J J, d1m10 erdwá1Jl{11 pnrlur,uiJ. Coimbra 1896, SS .~63 ss.). Como rribunais de recurso
existiam, em Portugal, as Relações episcopais <Lisboa, Braga e Évora), integrada• por desembargadores nomeados pelo prelado. Dai
se recorria para Roma: mas por breve de Júlio Ili, de 21.7.1554, o rei obtém o privilé,i:io de que ns recursos não saiam do reino,
passando a ser jul,i:ados pelo Tribunal da Nunciatura ou Legacia, que dava recurso para a coroa no caso de excessos <MANUEL
MENDES CASTRO, De 1114nu rexia. li, e. 6.~. n. 14: PASCOAL DE MELO, /T1.1111111wnrs. ... IV. Vil, S ~4>. Além da jurisdi<ào
ordinária dos bispos, exisria também a jurisdição ordinária dos abades e dos provinciais isenros s.obre os membros das suas
congregações (BAPTISTA FRAGOSO, Reximm reipuhlicar ... , li, pg. 795 ss. ).
A competência dos tribunais edesíásricos era determinada pela natureza da causa (ralirml.' l'all.fcu) ou pela qualidade- das
pessoas (re11ione per.1onae). Cabia-lhe o julgamento Cil das causas meramente eclesiásricas ou espirituais COrJ. /i/.. 11.20: v.g., padroado
(salvo o ré,gio), controvérsias sobre bens da i,i:rcja, matrimónio; Pascoal de Melo, /m111utinnt.1. 1,5, S 44ss.): <iil das causas de foro
misrn (mixli /nri, Ord. /il. li, 9, do<:. 13, pg. 409), nas quais vigorava o siStema da prevençíao rprn~nlw), pelo qual era competente o
rribunal (eclesiástico ou leigo) que primeiro fnsse invocado para o conhectmento da causa (Pascoal de Melo. J/•1d .. 1, 5. H 46l: as mais
importantes são as causas pias, as causas sobre capelas, sobre tesramentos, o conhecimento de certos crimes (concubinaro. lenocínio,
sacrilégio, incesto, etc.) (1hid.. H .~6-52); (iii) daquelas que a lei especialmente lhes cometesse; (iv) daquelas que as partes lhe
cometessem volunrariamence cpro"of.ati11 iuri.1diaúmu. Pascoal de Melo. 1h1d.. IV, 7, S30), como juízo arbitral. não reconhecendo a
nossa lei a jurisdição da igreja nas causas merantr civis, sob qualquer pretexto (nomeadamente, juramenrn, negli11ên<ia ou injustiça
dos tribunais seculares, cf.. Pascoal de Meio, ihid.. 1, 5, S 42). Em vircude da qualidade da.• partes, cabia aos tribunais eclesiáscirns o
julgamento das causas em que fosse partes eclesiásticos, cavaleiros das ordens militares <só nas causas criminais). escudantes da
universidade de Coimbra (Pascoal de Melo, ihid.. IV.7.B2l: mas, cm al.Runs casos, a lei obri,i:ava o clérigo a comparecot peranrc os
tribunais civis (ihid., 1, 5, § 23 ss.: Ord. /1/ .. li, 1 e ss. ).
Os tribunais eclesiásticos não eram completamente independentes dos tribunais civis: pnr um lado, podiam pedir o •auxilio
do braço secular• para aplicar as suas decisões (prov .. 4.2.1496. Ord. /il .. 1,6, 19; 11,8): por ou<ro. estavam sujeitos a recursn para a
coroa (Casa da Suplicação), nos casos de usurpação de jurisdição secular <Ord. fil .. 1,9.12) ou de for~a ou violência sobre pessoa a eles
sujeito (Ord. fil .. l, 12 •. 5).
Tribunal eclesiásrico especial era o Tribunal do Santo Ofício estabelecido em Portu.Ral em 1547. Seµunclo o direito canónirn
399
e as bulas da sua insticuição. o Tribunal do Santo Ofício tinha jurisdição imediata do Papa para questões relativas a heresia e pureza da
fe. pelo que podia avocar as respectivas causas de todas as jurisdições civis e eclesiásticas (breve do Pio IV. de 14.4. 1561). Podia, além
disso. obripar os maizistrados seculare.• (cf. ·Ord. /il .. li .6). enquanto que os bispos e seus oficiais estavam obrigados a dar-lhe todo 0
apoio (sobre o seu regime, v.. em geral, BAPTISTA FRAGOSO, R.,.in1m rtip11b/icae ... , II, pg. 459 ss.).
BIBLIOGRAFIA:
Bibliografia citada no texto: MARCELO CAETANO, HiJ!6ria do dim10 pm11x11éJ (1140-1495), I (e único), Lisboa 1981;
R. DURAND, L•.1111111paf!.n" p11rt11f!.aim entre D1111r11 el Taxe a11x Xl/.•et XIII. ~ld.,, Paris 1982; ANTONIO GARCIA Y GARCIA,
fü111dioJ ínlwe la canonútica pllfT11f,11eJa met/itval, Madrid 1976; A. M. HESPANHA, As vésprrat dfJ LetJiathan .•. , Lisboa 1986, 2 vols.;
ARMANDO LUIS CARVALHO HOMEM, Ode.1emharp.o ré11.io 11320-143.~ 1. Porto 1985, polic.. 2 vols. ;J. MATTOSO, /dmtificação
de 11111 paii .... Lisboa 1985. 2 vols .. Nestas obr~s. pode encontrar-se bibliografia suplementar; v. ainda A. M. HESPANHA,
0
Bibliografia sumária de história <lo direito porrnguês•. em A. M. HESPANHA. A hiJMria do direito na hiílória Joâa/, Lisboa 1978,
secções 7. 2, 7. 7 e 9 ..
Sobre os advogados:
a) Bibliop:rafia primária: BENTO GIL CBENEDICTUS AEGIDIUS LUSITANUS), Direrlorum ad1•0.-ator11m ti de privi/ep.iú
nir11m. Ulissipone 1613; JERONIMO DA SILVA ARAÚJO, Perfectm ad1,,,..a1us. Lisboa 1743 (trad. port. BMJ 184 0969) e ss.);
JORGE DE CABEDO, Drmione.1, I. dd. 19/20, 203, 214; JOÃO MARTINS DA COSTA, Dom11J Jup/icationú mriae luiitaniae ílily.
Civirate Vir,1Zini 1745, ano. XVII; JOÃO DE CARVALHO, De 11na ela/lera q11ar1a falâdia ... , l, ns. 264 ss.; M. A. PEGAS,
Con1111t'ntar11111dOrdmatin11e.1 ... , ad. Ord. 1, 48, r. 6.
bl Bibliografia secundária: «Advogados•., em JOEL SERRÃO (ed.), Diaonário de hútória de Ponuf,etl, 1, 32; LUÍS DA
SILVA RIBEIRO, N111iá11hi11órúadae1drn.-aâam1Por111xal. Angra do Heroismo 1929.
<"l Fomes: Ord. ma11 .. 1,311; Lei 13. L 1539 (in DUARTE NUNES DE LEÃO, Lti1 exlraPaf.anleJ. Coimbra 1796, P.IV,
tir. XVII, l. XIII, p. 580: exige oito anos de estudo para advogar); Ord. fil. 1, 48; MANUEL FERNANDES THOMAZ, Repertorio
.~rr,d ...• v. "advo,1Zadns .. ; D. 5.8.1833; CL. 19.12.11143 (abole os exames de suficiência, admitindo à advocacia os bacharéis
formados em direito civil ou canónico).
Sobre os rabeliães:
MANUEL ALVARES PEGAS, Cnmmenlaria ... , VI, Ulyssipone 1681, ad I,78/I,80; MANUEL GONÇALVES DA SILVA,
C11111n1entar1a ad Ordinatmnr.<. li. Ulyssipone 1732, ad lll, 59 (pg. 190-244); H. GAMA BARROS, Hútúria ... , Vlll, 363 ss.;
JORGE CAMELIER, Dmertaçiio lida na As1. Tah.1. de Lúhna, Lisboa 1869 (sobre a hist.ª do notariado); INOCÊNCIO DE SOUSA
DUARTE, Lq.i.rlarãn J,, rW111riadfl porl11f!.11b aliª" anno de 1882. Lisboa 1884; LEONI R01'JCALI, Hútória do nolariado trn Pnrt11fZ_a/,
Lisboa 1889; JOSÉ LEITE DE VASCONCELOS, ·Sinais medievais de tabelião (séc. XI-XIII) .. , o archeó/ofZ_o por1up.11êJ, 240919)
1.\-23: AURORA DE CASTRO E GOUVEIA, Do nolariado portuf.uei. Lisboa 1923/1924, 1 t pp. (= Promral. Xl.3(1924) 69-75;
.JOSÉ MARIA ADRIÃO, Emaio dr hihlinf!.rafiet ,·ríJica do notariado pon111,11êJ. Lisboa 1924; A. H. OLIVEIRA MARQUES,
"A população portup:uesa nos fins do séc. XIIJ., Rev. Fac. útr. Lx. ª 1958; L. F. AVIZ DE BRITO, •Ü notariado na elaboração do
direito privado .. , Brarr11ra 1111y11J/a. 1966; JORGE DE ALARCÃO, •Emolumentos do 13belionado medieval português. Um
ducumemos inédito», R<". pnrt. hú1 .. 1959: F. BANDEIRA FERREIRA, «Lc notariat portugais. 1. Génese er bref aperçu historique
du notariat .. , Ard:iin11m !Paris) 12(1962) 21-30; MARTIM DE ALBUQUERQUE & RUY DE ALBUQUERQUE, Hiltóriet d11 direito
f11>r//1g11ii. I ( 1984/ l 98)) 297-321;
Fontes: além de múltipla lei:islação medieval portuguesa (v H. GAMA BARROS, Hútória ... , loc. cit.), Petrrida.r, III, 54 e 114;
111, 19: Ord. Af.. 1.47 (regimento); III ,64 (sobre provas); Ord. Me1n .. 1, 50; Ord. Fi/., 1, 78-RO (regimenro); Ord. fil .• III, 59 (provas);
Illtkx da.r 110/a.1 d, 1·aru1.1 1ahrl1J<> de Li.1h11a entre 0.1· am1.r de 1.5HO r 1747. Li•boa 1931·l949, 4 tomos; existem fontes semelhantes a esta
última, quer na B.N.L.. quer no A.N.T.T.
Sobre a jurisprudência: v. os capítulos respeccivos de NUNO ESPINOSA G. DA SILVA, Hmóriet .. . , cit. ;J.-M. SCHOLZ.
«Legislação e jurisprudência em Porrugal nos sécs. XVI a XVIII. Fomes e literacura», Srimtia iuridica 1976. Sobre a motivação das
senrenças (em que cm Pnrrupal a rtitra era a da motivação. contrária a do direito comum), ibid. pg. 60 ss ..
400
DOCUMENTOS
ordenámos e estabelecemos várias boas ordormances ... apesar disso porque somos advertidos que,
tanto pelas várias e frequentes mutações de um lugar para outro convém-nos fazer por causa dos
nossos grandes e pesados trabalhos que para as outras grandes ocupações que o nosso muito caro e
leal chanceler e as ditas gentes do nosso grande conselho que têm continuamente os encargos
ordinários dos seus estados e ofícios e outros dos nossos trabalhos, as causas e,Processos pendentes
no nosso dito grande conselho não podem ser tão rapidamente vistos e os assuntos da nossa justiça
despachados, como nenhuma corte soberana está por nós ordenada e estabelecida em nenhum
lugar fixo, fazemos saber que por consideração das coisas antes ditas e sobre melhor parecer e
consideração, tanto de alguns do nosso sangue, das gentes do nosso grande conselho como doutras
gentes notáveis dos nossos ditos países e senhorios, de nossa certa ciência, pleno poder e por édito
perpétuo temos ordenado, instituído e estabelecido e pelo teor das presentes ordenamos,
instituímos e estabelecemos o nosso parlamento e tribunal soberano de todos os nossos ducados,
condados, países e senhorios de par deçà será mantido para sempre na nossa cidade de Malines.
( 1} O qual parlamento e cribunal soberano para maior grandeza, seguro e estável
fundamento, honra, estimação e autoridade daquele remos composto, instituído e estabelecido,
instituímos e estabelecemos, por nossa pessoa, como soberano chefe ... e também das pessoas a
seguir nomeadas, a saber, do nosso chanceler, do chefe do nosso grande conselho na sua ausência,
de dois presidentes, quatro cavaleiros ordenados para o nosso dito grande conselho e seis mestres
do desembargo ordinário da nossa câmara e de vinte conselheiros tanto gentes da igreja coíno
laicos, em número de 8 pessoas da igreja e doze laicos, que são ao todo o corpo do nosso dito
tribunal trinta e cinco pessoas.
(28} E quanto à jurisdição e competência do nosso dito tribunal quisemos ordenar,
queremos e ordenamos que aquele tribunal tomará conhecimento, decisão e determinação de
todas as causas e processos que antes da instituição dele estavam pendentes e introduzidos no
nosso dito grande conselho e ... Além disso terá conhecimento de todos os recursos de apelação
que se interporão para o dito tribunal, das nossas câmaras, juízes e auditórios dos nossos países de
par derà sujeitos sem intermediário a ele.
J. VAN ROMPAEY, Oe Grote Raad van de HertoKen van
Boer[!.ondie' en het Parlement van Mechelen, 1973, p. 493-502.
7. ADVOGADOS.
a) Qualidades exif,idas.
Cost11me1 f,erais de Hainaut, 1619.
Cap. 67: Dos Advogado1 do nosso Tribunal.
1. Ninguém poderá exercer a profis.são de advogado no nosso Tribunal se não tiver previa-
mente sicio considerado capaz e para raJ qualificado por exame, ou que sendo graduado nalguma
universidade famosa tenha também acompanhado a prática do dito País pelo tempo conveniente, à
discrição do Tribunal e tenha prestado o juramento costumado, de bem e lealmente exercer a sua
profissão, cujo juramento é do seguinte teor ...
Art. 11: É uma infelicidade para esses Países ter tão poucos aurores que renham escrito
para facilitar a compreensão dos nossos cosrumes.
G. DE GHEWIET, lmtitutiom du droil belr.ique Lille
1736, p. 589-591.
E vós devees saber, que he Direito, e uso, e custume jeral dos meus Regnos, que em todalas
Doaçoês, que os Reys &zem a alguíís, sempre fica esguardado a os Reys as appellaçoês, e Justiça
maior, e outras cousas muitas que ficam aos Reys, em final, e conhecimento de maior Senhorio: e
estas cousas sempre se assy rezeram, e tmui:aram em tempo dos Reys, que ante Mim foram, e no Meu.
[... J
EIRey com sua. Cone o mandou. Lourence Annes a fez Era de 1355 annos. Esta Carta foi
leúda, e pubricada na Cone d'ElRey nas suas Audiencias perante os Sobre-Juizes, e Ouvidores 19
dias de Março Era de 1355 annos.
6 A qual Ley vista per Nós, adendo, e declarando em ella, Dizemos, que per quanto
alguúas pessoas dÓs nossos Regnos aJJeguaram, que os Reys, que ante Nós foram, ourorguaram
Privilegios aos Infantes, e a alguuns outros Fidalguos dos Nossos Regnos, per que os Feitos Civeis
fizessem fim em elles, sem outra appellaçam, nem aggravo, porem Mandamos, que se taaes
privilegios mostrarem, se guardem como em elles for conrheudo, e de que esteveram em posse
continuadamente ate o falecimento de ElRey Meu Senhor, e Padre, a que Deos dê sua Santa
Gloria, em quanto das ditas Jurdiçoês uzarem bem e como devem, sem dapno do povo; ca em
outra guisa ficará a Nós proceder contrelles, como acharmos per Direito, assy como aquelles, que
nam usam como devem de sua. Jurdiçarn, que lhe per Nós he dada.
Manda que haja ahi dois Ouvidores hum Leigo, outro Clerigo que hajam de vêr os feitos
Civis por hu elle andar, e os dos .... das cerras de D .... Manda que sejam esces, Rui Fa .. : e ....
eanes e quanto he ....
Item cem por bem, e manda que a Relaçom se faÇa por esta guisa dous dias da Domaa, á
Sesra feira, e ao Sabado, e que na Sesta feira façom Relaçom dos feitos crimes, e no Sabado dos
feiras civeis, e manda que á Relaçom do Crime vão os Ouvidores do Crime, e ambos os Sobre
Juizes Leigos, e Aires annes, e nom mais, e os oucros Clerigos e Domingos Paes em aquelles dias
vão as sas audiencias, e dezembarguem aquillo que poderem dezembargar. E na Relaçom dos
Sabados dos feitos civis vão codolos sobre Juizes, e os outros .Ouvidores, tambem Clerigos como
Leigos, salvo os Ouvidores do Ciime, que norn vão hi, mas fazem esse dia audiencia e
dezembarguem quanto poderem.
• 11. PORTUGAL. Ordenações filipinas (II, 45) - jurisdição concelhia e jurisdição senhorial.
[... J
47 E os Juizes conheceráõ de todos os feitos crimes, e civeis por auçaõ nova, e as
appellaçoens hiraõ delles aos Ouvidores, ou aos Senhores das cerras, quando deltas quizerem
conhecer, e em suas terras stiverem. E quando elles as quizerem por si desembargar, naõ
conheceráõ dellas os Ouvidores. E depois que tiverem hum Ouvidor ordenado, naõ cõmettaõ alguns
feitos, ou feito em panicu.lar a outra pessoa, salvo quando houver jusra, e honesta causa para isso.
48 E não conheceráõ elles, nem seus Ouvidores de aggravos alguns, que dante os Juizes
sahirem, mas todos hiraõ ao Corregedor da Comarca, ou ao Corregedor da Corte nos feitos crimes,
e nos civeis hiraÕ os aggravos aos Corregedores das Comarcas, ou aos Desembargadores dos
Aggravos das nossas Relaçoens, a que pertencer, e por esta mesma maneira, os que sahirem dante
os Ouvidores, hiraõ a cada hum dos sobre-ditos, e naõ aos Senhores das cerrãs.
49 E as appellaçoens dos feitos crimes, que os Senhores de terras, ou seus Ouvidores
senrencearem, viráõ aos Ouvídores de cada huma das Relaçoens, a que pertencer.
50 E os Senhores de terras, e seus Ouvidores naõ tomaráõ conhecimento por nova auçaõ
de feiro algum civel, nem crime ...
• 12. PORTUGAL. Ordenação sobre a sujeição dos clérigos ao foro temporal (1350).
aqui sse começam os artigos e a ordinhaçom em como os clerigos deuem a Responder e a
demandar perdanre EIRey ou perdante os Jujzes leygos. iº. artigo
Primeiramente sse o clerigo faz demanda ao leygo E sse. o leygo que he demandado quer
Reconuíjr ao clerjgo perdante EIRey ou perdante o Jujz leygo o derjgo lhi deue a Responder
perdanre el assy como he contheudo em hüa degretal que sse começa Cuius esr agendo. que
he em na. iij. ª cousa e na primeira e na ij. ª degrecal que som no Titulo denuncians paciandus.
408
costumes e as posturas da terra que forem fectas pelos leygos e pelas Justiças pera taaes mercadorc:s
ou Regatõies E pera esro deue o clerjgo a seer constrenJudo pelos seus beens proprios e nom pelos
da Egreia assy como he conrheudo em hüa degreral que se começa. eixibitis poncinj concijs no
Titulo de ui ta er honesrare clericorum
viijº. artigo dos clerjgos
O clerjgo que leyxa o aujto seu e rrage armas leygaaes e anda arma.do se depois que for
amoestado per seu bispo per. iij. uezes e nom nas leyxar nem sse castigar nom deue a auer
preujlegio de clerjgo mais deue a seer Julgado per ElRey e penado per seu Jujz leygo asy com_o he
conrheudo em hüa degretal que se começa / Cum audiendo no Titulo de sententia excomunicacionis
Outro artigo ixº (58) ~os clerigos
Item sse o padre leygo auja filho clerigo e este seu padre leygo era deujdor a outro e o padre
foy chamado por esta deujda E o filho derjgo pode sseer chamado depos morte de sseu padre e
deue a Responder perdante o Jujz leygo. per hu seu padre Respondia assy como he concheudo em
hüa ley que sse começa Ereens aussens. que he no Titulo de Judicijs
.xº. artigo dos derigos
Se o clerjgo for moordomo dalgüu leygo e for achado que eRou em seu offiçio pode tal
clerigo seer costreniudo per EIRey ou perdanre seu Jujz leygo que pague. Mais por esco nom deue
seer filhado per ElRey nem per seus Jujzes leygos assy como he contheudo en hüa degretaJ. ijª. do
Titulo. nec clerici uel monachi se misceant secularibus negocijs (59)
. xiº. artigo dos clerigos Jograres
E sse os clerjgos sse fazem Jograres ou goliardos e en caJ offiçio andarem hüu ano perdem
todo o preujlegio de clerigos os que nom ham ordeens sagras e deuem a Responder perdante
EIRey ou perdante seu Jujz leygo e ante do ano perdem o preujlegio se ante furem amoestados e sse
nom quiserom partir deste offiçio E deuem sseer conscrenJudos perdante ElRey ou perdante seu
Jujz leygo assy como he contheudo em hüa degretal de Bonjfaçio que sse começa. Clerjci. que he
no Titulo de ujta et honestate clerjcorum no seysto liuro (60)
Pelo que mandamos ás nossas Justiças, que quando_.os diros Prelados, e seus Officiaes procederem
contra quasquer leigos infamados nos ditos delictos, lhes naõ ponhaõ a isso impedimento, naõ
sendo a jurisdiçaõ em taes casos por as ditas nossas justiças prevenra ....
3 E se algúa pessoa sollicitar sem teer os ditos assinados, ou nos Iuizos para que não for
ordenado, seraa preso, e degradado por hum ·anno para Africa, e pagaraa aas partes todo o damno e
perda, que por sua causa receberem, e não poderaa mais em tempo algum vsar do dito officio.
E quando os ditos Sollicitadores stiuerem na relação, ou nas audiencias perante os Iulgadores,
starão em pee.
4 E porem se algüa pessoa, que for presente na corte, ou na casa do ciuel, ou na cidade de
Lisboa, e tiuer causa sua propria, ou negocio, o quiser mandar sollicitar e requerer per algum
criado, ou familiar seu, ou pessoa chegada a sua casa, podelo ha fazer, não sollicitando nem
requerendo o dito seu criado, familiar, ou chegado outra algüa causa, ou negocio de qualquer
outra pessoa, senão as suas proprias. E as pessoas, que stiuerem fora da corte, ou da cidade de
Lisboa, em qualquer pàrre que seja, trazendo demandas nella, ou negocios, ou na casa da
supplicação, que se tratarem em sua absencia, podelas hão mandar sollicicar, e requerer per
qualquer Caminheiro, ou pessoa que venha a isso de fora, com tanto que o dito Caminheiro ou
pessoa não sollicite nem requeira outra algüa causa ou negocio, e sollicitando os sobrcditos criados
ou familiares dos que forem presentes, ou as pessoas que enuiarem os que stiuerem absentes,
outros alguns feitos ou negocios, encorrerão na 'pena acima declarada.
5 E passados dous meses da data desta, nenhuma das pessoas, que agora seruem os ditos
officios de Sollicitadores, vsarão mais delles, sem teerem os ditos assinados do Regedor ou
Gouernador no modo sóbredito, posto que atequi stiuessem em posse de sollicitar. E se alguns
delles pertenderem o dito officio, cabendo no dito numero, serão examinados. E sendo
approuados, e teendo os ditos assinados, poderão sollicitar como dantes, e doutra maneira não.
E quando se tirar deuassa sobre os outros Officiaes das ditas casas, se tiraraa tambem sobre os ditos
Sollicitadores. per hüa prouisão de 7. de Maio de 1567. fol. 127. do liuro 5.
E porque convem a meu serviço, para o effeito referido, ter eu intendido quantos Letrados
tem lido, quantos hão sido occupados, em que parte o hão feito, e com que satisfação, e os que
estão por occupar, dos que já lêram - ordenareis q~e se faça logo um relação, com toda a
distinção, e se me envie com brevidade, porque a fico aguardando.
A. PANORAMA GERAL
C'> Num sentido idênrico, as actas das Cones ponuguesas de 1640 (Nota do traduror).
415
•
• •
O presente capítulo, bem como o cap. I da 2.ª parte, serão sobretudo
consagrados à história das fontes de direito na França e na Bélgica. Mas, nesta edição
em língua portuguesa, suprimos um certo número de dados especificamente belgas; em
contrapartida, acrescentámos informações frequentes relativas a outros países que
conheceram uma evolução similar das fontes do seu direito: sobretudo a Alemanha e os
Países Baixos, mais raramente os países da Europa meridional e da América latina,
nomeadamente, a Itália, a Espanha e Portugal.
Na maior parte destes países, o direito francês e, sobretudo, os códigos da época
de Napoleão serviram de moddo às transformações de tendência.liberal e individualista
que os direitos nacionais conheceram; em certos países, tal como a Bélgica, o oeste da
Alemanha e o norte da Itália, a incorporação do seu território ou duma parte dele na
República (ou, depois, no Império Francês), marcou profundamente a sua evolução
417
jurídica; noutros, um regime político inspirado pelo francês fez deles Estados satélites
(Países Baixos, Suíça, Vestefália, Polónia, Itália, Espanha). Mesmo na América latina,
nos novos Estados surgidos no início do séc. XIX, fez-se sentir a influência dos direitos
espanhol mi português, eles próprios influenciados pelo direito francês. Tem-se
frequentemente falado, tanto em Espanha e na América latina como na Alemanha ou
nos Países Baixos, duma recepção de um direico estrangeiro, contra a qual se reagiu
muitas vezes com maior ou menor vigor m.
Da mesma forma, nas colónias dos países europeus em África, na Ásia ou nas
Caraíbas, o direito das mães-pátrias, impôs-se, muitas .vezes ainda depois da descoloni-
zação do séc. XX.
Não se tratará bem, no presente capítulo II, dos direitos dos países do common
/aw, cuja evolução foi, em parte, diferente da dos países romanistas, nem dos países
socialistas de tendência comunista; remetemos, duma forma geral, para a 1. ª parte
deste livro, em que a sua evolução particular foi sumariamente exposta.
B. A LEGISLAÇÃO
(1) A. GARCIA GALLO, LA penetraúón dt loJ dert.·.',. e11ropt0J y e/ pl11ra/iJmo j11rídiro m la Am.erica latina, 19n;
R. ZORRAQUJN BECU, •La ttcepción de los dettchos extranjeros en la Argentina durante el siglo XIX., Revista de hútoria dei
derecho, Buenos Aires, t. 4 0976), pp. 325-359.
418
legalismo impôs-se como dogma do sistema jurídico; a lei é aqui a umca fonte de
direito, pois só ela consritui a expressão directa da vontade popwar (v. supra, l.ª parte).
A China comunista, no entanto, conheceu uma evolução própria, rejeitando em certas
épocas o legalismo inspirado pela União Soviética.
Nos países de tendência liberal e democrática, a lei é a obra do poder legislativo.
Os órgãos deste poder, a sua competência e o seu funcionamento estão geralmente
fixados numa constituição ou lei fundamental (em alemão, Grundgeutz, em holandês,
Grondwet). Na secção 2.ª do presente capítulo, exporemos a história das constituições e
da organização do poder legislativo nos países romanistas, entrando em ma.is detalhes na
análise de certas constituições típicas, nomeadamente as dos Estados Unidos, da França,
da Holanda e da Bélgica.
A secção 3. ª será consagrada à história dos códigos dos sécs. XIX e XX.
A codificação, feita daqui em diante sobretudo por via legislativa, desempenhou um
importante papel na fixação do direito, na sua unificação em cada Estado, na sua
difusão para fora do território nafional pela influência de certos códigos, os códigos
franceses no séc. XIX, os códigos alemães no início do séc. XX.
As outras leis, no sentido lato do termo, tornaram-se cada vez ma.is numerosas:
estudaremos a sua estatística, tomando como exemplo a história legislativa da Bélgica.
A lei lato sensu compreende o conjunto de normas jurídicas que emanam do poder
legislativo ou executivo e que se impõem ao conjunto dos habitantes dum determinado
Estado; trata-se, por um lado, das leis, stricto semu, (e, por vezes, de decretos) feitas
pelo poder legislativo e, por outro, dos inumeráveis despachos, decretos e regwamen-
tos, etc., emanados do poder executivo na sua tarefa de dar execução às leis em sentido
estrito.
Por fim, numa última secção, procuraremos salientar as diversas tendências da
actividade legislativa nos sécs. XIX e XX.
(2) As leis franc~ de 1790 a IO de Agosro de 1791 (dau da suspensão de Luís XVI) são geralmente eiradas por duas
daras, a do seu voro e a da sua promulgação pelo rei (v.g., a lei de 16-24 de Agosro de 1790 sobre a organização judiciária).
419
direito público do continente europeu afirmam que a Inglaterra é o único país «que não
tem constituição», ou seja, constituição escrita.
Na realidade, o facto de fixar nwn acto escrito wn cerco,número de regras
relativas ao exercício do poder e às relações entre governantes e governados remonta
pelo menos ao séc. XIII: a Magna Charta inglesa (1215 ), a Bula Aurea húngara de
1222, ajoyeuse Entrée dos duques de Brabante (1356) constituem outros tantos prece-
dentes das constituições escritas dos sécs. XIX e XX; mais especialmente, na América
do Norte, as colónias inglesas, as chartered colonies, tinham visto os direitos e os deveres
dos seus habitantes e a forma das suas instituições fixados em cartas do séc. XVII;
enfim, pensadores dos sécs. XVII e XVIII, tanto o inglês John locke como os franceses
Montesquieu e J. J. Rousseau, tinham insistido no carácter escrito do «Contrato social»
entre o soberano e o seu povo.
A partir dos fins do séc. XVIII, o número de constituições escritas aumentou
muito consideravelmente; assim, actualmente, os cerca de 150 Estados existentes têm
cada um a sua constituição, salvo raras excepções; e alguns deles conheceram várias, por
vezes dezenas, desde há dois séculos m, Nas federações de Estados, como os Estados
Unidos, a U.R.S.S., o Brasil, a Argentina, mas também a Suíça, a Alemanha, cada
Estado federado (ou, por exemplo, na Suíça,· cada cantão) tem a sua constituição; e esta
tem sido modificada tão frequentemente como as constituições das federações dos
Estados. O número total de constituições escritas desde 1776 ultrapassa as 500 <41•
Sem pretender enwnerá-las a todas, lembremos brevemente a sua história.
Uma primeira fase, de 1776 a 1814 na Europa, a 1830 na América, corresponde à
redacção das constituições americanas e francesas e às que foram elaboradas sob a sua
directa influência.
O texto das c~nstituições de alguns Estados federados data de wn período
anterior à primeira constituição confederal dos Estados Unidos, durante os primeiros
meses de 1776: New Hampshire, Carolina do Sul, Virgínia, New Jersey; seguem-se-
-lhes outras, até 1780; depois, ainda uma dezena, à medida que novos Estados iam
sendo incorporados, desde 1791 (Vermont) a 1819 (Alabama). A primeira constituição
dos Estados Unidos, de 1776, não se chamava ainda Constituição, mas «Articles o/
Confederation»; a segunda, a de 1787, instaura um sistema federal (em vez de
confederal) e estabelece um regime presidencial; é, actualmente, a mais antiga
constituição em vigor (in/ra).
Quando, no início do séc. XIX, a maior parte das colónias espanholas e
portuguesas da América latina adquire a independência, os novos Estados adoptaram
m Textos das constiruiçõcs acrua,is do mundo inteiro em Corp111 comlil111ionnel (t. li, até •Coreia•, Leyde 1979).
Bibliografia das publicações das constiruições do 56:. XIX em H. COJNG (cd.), Handbuch der Qwllm .•. , op. cit., t. IH, 1, p. tn-173.
(4) É difícil precisar o seu número; pois em cenos casos considera-se uma constituição emendada como nova consriruiçiio,
mas não noutros casos~ certas constituições revogadas são repostas em vi~or; erc.
421
quase todos constitu1çoes inspiradas por. aquelas dos Estados Unidos: Venezuela e
Colômbia em 1811, Chile em 1818, Argentina, em 1819, Peru ein 1823, México e
Brasil, em 1824, etc.
Em França, a revolução de 1789 deu origem a vários regimes políticos que se
sucedem rapidamente e que elaboram cada um a sua constituição: a constituição da
«Legislativa» em 1791, a constituição montanhesa do ano 1 (1793) não aplicada, a
constituição do Directório, .do ano III (1795), a constituição do Consulado; do ano VIII
( 1800), profundamente modificada pelo senátus-consulto do ano XII ( 1804) que criou o
Império. A maior parte destas constituições foi exportada pela França para os Estados
seus satélites: Helvécia (e cada um dos seus cantões), Repúblicas cisalpina e cispadana,
Holanda, Vestefália, Baviera, Polónia, Espanha, etc. Sem que tivessem sido dominados
pela França, os dois países escandinavos adaptaram também constituições escmas, a
Suécia em 1812 e a Noruega em 1814.
pelas constituições francesas de 1791, 1814 e 1830, e também largamente pela dos
Países Baixos de 1815, a constiruição belga de 1831 foi considerada durante muito
tempo corno a mais liberal da Europa.
m A Soâété}um Bodin consagrou o seu consresso de 1981, realizado em Atenas e em Delfos, ao tema ·•Ü indivíduo fuce ao
poder»; estudou, a este ·propósito, o conjunto das liberdades públicas ou direitos do homem na história universal, desde a
Antiguidade até aos nossos dias; as comunicações áparecerio nos tomos 46 a 50 (em curso de impressão) dos Récuei/J da Soâétljean
424
anos seguintes) e a sua generalização nas dez primeiras emendas (de l 789-1791) da
constituição federal dos Estados Unidos; por outro lado, a Declaração (francesa) dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 27 de Agosto çle 1789. Estes dois precedentes
tiveram uma influência considerável sobre todas as declarações do séc. XIX e sobre uma
grande parte das do séc. XX. Em quase rodas as constituições do mundo, encontra-se
actualmente uma enumeração dos direitos do homem e dos meios de os garantir.
Mas, nem a França nem a América inventaram o Bill o/ Rif!,hts: os Estados da
América do Norte não fizeram outra coisa senão continuar a tradição da Inglaterrat
onde urna série de disposições legais asseguraram progressivamente as garantias de
direitos aos súbditos do rei: a Petition o/ Rif!,hts de 1628, o Habeas Corpus Act de 1679,
organizando a protecção dos súbditos contra as detenções arbitrárias, o Bill o/ Rights de
1689, relativo às competências do Parlamento, assegurando a liberdade de expressão, a
limitação do direito de cobrar impostos e de manter forças armadas permanentes, a
interdição de suspender a lei, bem como documentos medievais, como a Magna Charta
( 1215 ), a Confirmatio Chartarum (1297), etc.
Na realidade, os precedentes históricos das declarações dos direitos dos fins do
séc. XVIII não são apenas ingleses, longe disso. Em numerosos outros países, encon-
tram-se, já nos sécs. XIII e XIV, actos similares à Magna Charta inglesa, limitando os
poderes do soberano em benefício de cercos grupos de governados (cf. as chartae
liberta/um, tais como a Carta de Afonso IX de Leão, de 1188; a Bula Áurea húngara, de
1222; ajoyeuse Entrée de Brabante, de 1356; a Paz de Fexhe, no principado eclesiástico de
Liege, de 1316. E, sobretudo, os privilégios concedidos a cidades, desde o séc. XII, em
Itália, em Espanha, no Sul da França, nas regiões alemãs e suíças, nos principados
belgas, que contêm afirmações da libertas concedida a~s habitantes ( «Stadtluft macht
frei,,) e a enunciação de cercos direitos individuais: o direito de ser julgado segundo
«direito e sentença», o privilégio de non evocando, garantindo o direito de não se ser
subtraído ao julgamento do seu juiz natural, o privilégio de non arrestando, de não se ser
preso a não ser em caso de flagrante delito, o privilégio de non confiscando, etc. 16i.
A Escola do direito natural no séc. XVII, a filosofia das Luzes do séc. XVIII,
Bodin. Ver mais especialmente, para os séculos XVlll-XX, os relatórios de síntese de A. DUFOUR (Géneve) e de G. SJCARD e
CABANIS (Toulouse) no tomo 50; bem como o relatório geral, por J. GILISSEN, no tomo 46. V., por outro lado, G. VEDEL, «Les
Déclarations des Droits de l'Homme., Études, Julho-Agosto 1950; G. SANCHEL VIAMONTE, Lo1 dertchOJ dtl Hombrr'" la
Rrvolución Franwa, Mexico 1956; A. GRANDIN, IA doc1rinu politiquu dt Locke et /',,,-;~;,,, dt la Dedaralion dtI Droilf, Paris 1920;
V. MARCAGGI, ÚJ origine.i dtla Dé.daration deJ DroitJ rk l'HW1medt 1789; Paris 1904; F. HARTUNG, Die Emwicklung der Memchen
- und Biirgerrerht "º" J 776 biJ """ Gegemuart. 4. • ed., Gõrringen 1972; E. HAMBURGER, •Droirs de l"homme et relations
inrernationales., em •R«ueil Cour1 Acad. Dr. ln1.,-,,. •, t. 97, Leyde 1959, pp. 297-423; R. SCHNUR (ed.), Zur Ge.ichichtt der
Erkliirung der Memchenrechte, Darmstadt 1969; JEAN VERZIJL, Human righ/J in hiJtorical pmpectfre, Harlem 1958;
H. ROBERTSON, w droilf rk t.~om'1W dam la per,pecti11t rk l'hiJtoire, Strassbourg 1965; G. OESTREICH, ·Crtschichte der
Menschenrechte und Grundfreiheiten., in lmriu, HiJtoriJche Fomhungen, t. 1, Berlin 1968; B. SCHWARTZ, The greal Righlf o/
Manki,,d. A HiJtory o/ the American Bilo/ Righlf, New York 1977.
16> J. GILISSEN e M. MAGITS, •LJJ dklaratioru des droi11 dam l'húloire du droit dt.r prllVirim helf.t.1•, em Rappor/J helgt1 du
/X.'. Conr,rh imemalional dt droil camparé, 1974, pp. 1-32 e em RécJJei/J ,/,,la Sociétéjean Bodin•, t. 48 (em preparação).
425
as
(') Em Porrugal, os direitos individua.is e libetdad~ públicas foram formulados IUI Comti111içiio dt 1822 (am. 1-19) e na
Carta Comtitucional tk 1826 (an. 0 14~) (Nota do tradutor).
427
(7) Bibliografia vastíssima. V., nomeadamence, C. VAN DOREN, The J!.real Rehe,mel. The rtory o/ the making and ratifyinr,
o/ the conJtitution o/ the V'1itrd StaleJ, 1947; A. H. KELLY e W. A. HARBIZON. The Amerfran Comritu//att. /JJ Orir,im attd
Developmml, 4. • ed., New York 1970; A. e S. 11.JNC, Le 1y11ême Clln11itutio,,,,rf deJ Etal.• UniJ, 2 vols., Paris 1954.
429
Presidenr
+ 1 Supreme Coun
(2 câmaras, salvo
no Nebrasca,
rom designações variarias:
Upp<r House - low<r)
430
porém, muito extensa: casamento, divórcio, educação, saúde pública, protecção da vida
e dos bens, assistência pública, regulamentação do trabalho, da indústria e do comércio
no interior dos Estados, etc. No entanto, não se pode esquecer que o com1'UJn /aw inglês
continua a ser a base de todo o sistema jurídico dos Estados Unidos salvo num Estado
(cf. Amendment VII) e que desde logo a actividade legislativa é sensivelmente menor do
que a dos países do continente europeu,
O poder executivo pertence ao Presidente e a ele apenas; Presidente que é eleito
indirectamente (com intervenção de grandes eleitores) por todos os que têm direito de
voto em todos os Estados dos Estados Unidos, por um período de quatro anos. Ele
nomeia os seus secretários (= ministros) para os inicialmente 4 e agora 11 Executive
deparlments. O Presidente não intervém na actividade legislativa, pois não goza da
iniciativa legislativa; embora, na realidade, possa actuar através de um dos membros do
seu partido. Em contrapartida, o Presidente tem uma espécie de direito de veto, ao
poder recusar a sanção de leis aprovadas pelas duas câmaras, reenviando-as ao
Congresso. Mas, se este as confirma por 2/3 de votos, o presidente é obrigado a sancio-
ná-las. Reagan fez uso deste direito em 1981.
O poder judicial compreende um Supreme court e tribunais federais. O Supreme
Court, composto por nove juízes, julga «in /aw and equity» (111,2) e é competente desde
que a Constituição, um tratado ou uma lei federal sejam invocados; mas, pela acção de
filtragem dos tribunais federais, o Supremo Tribunal não julga senão um número muito
pequeno de litígios. A sua interpretação adquiriu uma autoridade considerável;
tornou-se, sobretudo desde a época do juiz-presidente Marshall, nos começos do
séc. XIX, uma espécie de Tribunal Constitucional que pode declarar ilegal qualquer lei
federal ou estatal; o que representa, na realidade, o poder supremo, o «governo dos
juízes».
Aplicada desde há 200 anos, muito pouco modificada apesar das 26 emendas, a
Constituição de 1787 é envolvida num respeito igual ao da Bíblia. Influenciou a maior
parte das constituições da América Latina; foi imitada por quase todas as federações de
Estados, sejam elas a Suíça, a Austrália, a África do Sul, a U. R.S.S., o Brasil, a
Venezuela ou a Argentina.
(8) Texros das consriruições francesas em M. DUVERGER, Comrirutiom el tÍ<KUllWlll poliriqu<J, ed. Paris 1981, Col.
Thémis, e em L. DUGUIT, H. MONNIER e R. BONNARD, LeJ rom1i1111iom er prinâpal11 loiJ poliliqu<J, Paris 19~2; G. SAUTEL,
Histoire des im1i1111iom publiq11eJ depuiI la rivolulion françaiit, 3. • ed., Paris 1974, Precis Dalloz; M. DUVERGER, lmtilutiom politiqu<J
et droir romtitutionnel, 13.ª ed., 1973, col. Thémis; J.]. CHEVAl.IER, HiJroire deJ imti/Mlions el iW rigimtJ politiqua ~la France
modem• ( 1789-1958), 3.ª ed.. Paris 1967, col. Dalloz; M. PRELOT, LeJ imtilMliom politiquo frallfaÍJ<J ~ 1789,;, 1870, Paris 1966;
431
). M. COTTERET, Le po11110ir llgislatif m Frana, Paris 1962; J. GODECHOT, Hi<toire da imtit11tiomfrançai<e.J IOllI la Révol111ion et
l'Empire, 2. ª ed., 1959; M. GARAUD, Hiitoirr gétúrale du droit privé françaiI dt 1789 à 1804. /. La révol11tion et l'égalité â11ile, Pari•
1959. li. IA révolution el la propriétl foncim, Paris 1958; M. JAllUT, HiJtoire comlil11tionnelle <Ú la France, 2 .vols., Paris 1956-8;
G. LEPOINTE, Hhtoire dei imtit11tiom du droit p11blic frariraiJ du XIX.' Iiede ( 1789-1914), Paris 1953; M. DESLANDR.ES, Hiuoirr
romtilutionnJk tk la Frana dtpuis 1789, 3 vols., Paris 1932-7; G. ARON, IA grafllÚI ri/Ort111.J du droit rivolutionnain (droit p11blü et droit privé),
1910; R. CHABANNE, Lei imtit11ti1J1ZJ dt la Frarza, dt/.a fin dt l'Andm Régime à /'avinemmt dt la 111. •Répllbliq111 (1789-1875), l.iõo 1977.
PODER LEGISLATIVO PODER EXECUTIVO PODER JUDICIAL
8t 8
1 l CORPOLEGISLATIVO
clcgc
ot CONSELHO EXECUTIVO
(24 membros)
Juízes do
TRIBUNAL DE
CASSAÇÃO
1 1 t 1 candid:uo
por depanarncnro
1 1 1/40.000
1 1
i ] 1
l -13 1
1 s
!t 1
Assembleias eleitorais ADMINISTRAÇÕE S
DEPARTAMENTAIS
1 ~ 1
1 1 1/200
1 1 Árbitros públicos
: l!_----1..L.._~----------------------------------""""
1
Assembleias primárias 1 Juizes de paz
1 do COMUNAS
Povo Soberano _
(sufrágio universal)
(9) A. GASNIER-DUPARC, UI nmsli1111ion gironáine át 1793, tCS<', Rennes 1903; A. MATHIEZ, •la Consrirution de
1793 •, Ann. hi11. revol. fra;(,, 1928, 497-521; M. FRIDIEPF, LtJ originu du rr/mndtm1 dtlru la corulilulion át 1793. L'in1roá11rtion Ju
vole i'1divid11el, tese, Paris 1931.
434
árbirros privados; os juízes de paz são chamados a intervir no sentido da· conciliação;
todos os juízes e árbitros públicos são eleitos por wn ano.
A Constituição do ano III é muito menos revolucionária do que a do ano 1 no>. Não
permaneceu em vigor senão até ao fim de 1799. Constituição republicana, ela aplicou
duma forma rigorosa a separação dos poderes. O .poder executivo é confiado a wn
Directório de cinco membros, eleitos pelos conselhos legislativos. O poder judicial é
composto por tribunais, cujos membros, na sua coralidade, são eleitos pelos cidadãos.
Quanto ao poder legislativo, pertence a duas assembleias, o Conselho dos Quinhentos
(Comei/ des Cinq-Cents) e o Conselho dos Anciãos (Co.nseil des Anciens), eleitos segundo
um sistema eleitoral em duas ~altas pelos cidadãos que pagassem uma contribuição e
que estivessem inscritos numa lista cívica. Só o Conselho dos Quinhentos tem o direito
de propor as leis: é a «Imaginação»; o Conselho dos Anciãos, chamado a «Razão»,
apenas pode aprovar ou rejeitar os projectos de leis votados pela outra câmara, não
dispondo mesmo do direito de introduzir emendas.
Estas duas assembleias legislativas foram muito activas: votaram nada menos do
que 2500 leis em 4 anos. A m~ior parte destas leis era, no entanto, constituída por leis
de circunstância, aprovadas à p~essa, sem preparação suficiente. No domínio do direito
privado, os Conselhos reagiram contra os excessos da Convenção. Algwnas leis civis
foram muito bem redigidas do ponto de vista da técnica legislativa.
No plano político, o regime do Directório constituiu wn fracasso. A partir de
1797, os golpes de Estado sucederam-se; a constituição deixou de ser respeitada. Um
homem, finalmente, se impôs: Napoleão Bonaparte. O golpe de Estado de 18 de
Brumário do ano VIII (9 de Novembro) deu-lhe o poder.
A França tinha conquistado, antes e durante o Directório, vastos territórios,
nomeadamente as províncias belgas e certas regiões alemãs que foram incorporadas na
República Francesa (1795); na Itália, na Suíça, nos Países Baixos, ela tinha chegado a
criar, de acordo com o modelo das suas próprias instituições, repúblicas que adaptaram
todas elas constituições mais ou menos fielmente copiadas da do ano III (1797: consti-
tuições das repúblicas cispadana, cisalpina, lígure; 1798: as da república batava,
romana, helvética; 1799: a da república partenopeana).
110) M REINHARD, La Fra'1ce d11 Direcfoire, Paris 1956; C. CHURCH, •Du nouveau sur les origines de la Constilution
de 1795 ~, • Rev. hút. droit /ra'1(. et é1Ta'1!!,tr•. 974, p. 628-65 7; P. POULET, Le1 imtituti•m franraiJtJ tk 1795 à 1815; eJiai mr /e1
origines deJ imlitutiom helgts comemporaineJ, Bruxelas 1907.
CONSTITUIÇÃO DO ANO III (1795)
Leis
CONSELHO
OOSANOÁOS elege Juiz., do
DIRECTÓRIO
TRIBUNAL DE
250 m. 40 anos ~ X
t 1
10 cand.
5 membros
CAS.SAÇÁO
A RAZÃO
CONSELHO
'1
DOS QUINHENTOS ministros
500 m. n •nos
A IMAGINAÇÃO
Comissârios
elegem 1/3 por ano
--~~~~ .........
~~~~
do Directório
AdministDÇôrs
Juiz., de pu
municipais
436
duas listas, uma para recolher as assinaturas dos que aprovavam o texto, a outra para as
assinaturas dos que se lhe opunham. Houve mais de 3 milhões de «sim» contra 1502
de «não»ºº·
O novo regime político, chamado Consulado, mantinha em princípio a separação
dos poderes; de facto, o poder executivo foi consideravelmente reforçado, enquanto o.
poder legislativo foi distribuído por diversos órgãos. O poder judiciário deixava de ser
constituído por juízes eleitos; doravante, os magistrados eram nomeados pélo poder
executivo; os magistrados efectivos eram, em princípio, inamovíveis.
O poder executivo era confiado a três Cônsules; mas só o primeiro - na
ocorrência, Bonaparte - tinha todas as atribuições; os outros dois apenas tinham voto
consultivo. O Primeiro Cônsul tinha sido nomeado por dez anos pelo acto constitu-
cional aprovado por referendo; os outros eram nomeados por um ano, sendo as novas
nomeações confiadas ao Senado.
O poder legislativo estava repartido por três assembleias: o Tribunado, o Corpo
Legislativo, o Senado conservador. A iniciativa legislativa apenas pertencia ao Primeiro
Cônsul; este podia recorrer, para a elaboração dos projectos, ao Conselho de Estado,
composto por 30 ou 40 conselheiros, nomeados e exoneráveis por ele.
Os projectos de lei eram primeiro submetidos ao Tribunado, composto de 100
membros, nomeados pelo Senado de entre os <moráveis nacionais»; o Tribunado discutia
o projecto e transmitia-o, com um «voto de adopção ou de rejeição», ao Corpo Legis-
lativo. Este compreendia 300 membros, escolhidos eles também pelo Senado entre os
«notáveis nacionais», mas de cal modo que cada departamento a; tivesse pelo menos um
representante.
Sieyes tinha comparado a aprovação de uma lei a um processo: o Corpo Legisla-
tivo, cal como wn júri, devia ouvir a opinião do Conselho de Estado e a dos delegados
do Tribunado e, depois, decidir, sem discussão e sem direito de emenda. Era wn
«corpo de mudos»!
O papel do Senado conservador estava limitado ao exame da constitucionalidade
das leis. O Senado contava 60 a 80 ·membros, designados por cooptação, tendo os
primeiros sido designados pela própria Constituição. Era o Senado que escolhia os
membros dos grandes corpos do Estado, de entre os «notáveis nacionais».
Estes deviam ser designados pelos eleitores por uma eleição em quatro voltas: os
cerca de 6 milhões de eleitores primários «elegiam» um décimo de entre eles como
notáveis comunais; estes 600 000 elegiam do mesmo modo 60 000 notáveis depana-
mentais, que, por seu turno, elegiam 6000 notáveis nacionais. Este sistema das «listas
(llJ J BOUROON, La comli1111ion dt l'annét VIII, Paris 1942; do mesmo, Li ligiJlation tÍJI Comulat ti dt 1'1'.mpirt, 2 vol.,
Paris 1942; id., Napoléon au Comei/ d'l'.lal, Paris 1962; CH. DURANT, •L'exercice de la fonction législative de 1800 à 1814•, Ann.
Fac. Droit Aix, 1955; F. PONTEIL, Napolion ler. el l'orga11úa1ion a111horilairt dt la France, 2. •ed., Paris 1965;). THRY, L'aube du
Com11la1. L'organisation méthodiquedt la Fraflre, Paris 1948.
437
de confiança» tinha sido imaginado por Sieyes, cujo pensamento político se .traduzia do
seguinte modo: «A confiança deve vir de baixo, a autoridade de cima».
O Senado, com o Primeiro Cônsul, podia modificar a conscicuição por accos
chamados senátus-consultos. Houve um grande. número deles (mais de 130); a imuta-
bilidade da Constituição era, portanto, pouco respeitada. Mais especialmente os
senátus-consulcos do ano X e do ano XII modificaram profundamente a Constituição
do ano VIII.
O senatus-consulto ~o ano X ( 1802) inscinúu o Consulado vitalício. Submetido a
um referendo, teve o mesmo aparente sucesso que a Constituição, dois anos antes.
Bonaparte tornou-se, assim, Primeiro Cônsul vitalício. Ao mesmo tempo, os órgãos
que tinham resistido à sua política foram diminuídos: foi assim que o Tribunado foi
depurado e reduzido a 50 membros. O sistema eleitoral foi profundamente modificado:
colégios eleitorais de arrondissement e de departamento apresentavam três candidatos por
cada lugar a prover no Corpo Legislativo, sendo a nomeação finai da competência do
Primeiro Cônsul.
O senatus-consulto do ano XII ( 1804) transformou o consulado em Império.
Bonaparte tornou-se no Imperador Napoleão. Os órgãos do poder legislativo não foram
muito modificados; mas, de facto, o seu papel foi diminuído, ao ponto de os
transformar em câmaras de ratificação dos textos elaborados pelo Imperador, auxiliado
pelo Conselho de Estado. O Tribunado desapareceu em 1807. O Corpo Legislativo foi
mantido, mas o Imperador passou a legislar cada vez mais por via de decretos imperiais;
de facto, a distinção entre poder executivo e poder legislativo já não existia. Assim, em
1812 e 1813, o Corpo Legislativo não votou senão duas leis, enquanro foram
publicados 801 decretos imperiais e 18 senatus-consultos.
Foi sob o Consulado e o Império que as grandes codificações foram realizadas, de
1804 (Código Civil) a 1810 (Código Penai) (infra).
A França incorporou novos territórios na Alemanha, em Itália e mesmo na
Dalmácia; foram criados novos Estados-vassalos que, de repúblicas, se transformaram
em reinos confiados a um membro da família Bonaparte. Cada um deles adopcou uma
constituição inicialmente republicana, imitada da do ano VIII, e em seguida uma
realista, à imitação do senatus-consulto do ano XII: constituições das repúblicas batava,
helvética, italiana, etc.; em 1806, constituição do reino da Holanda; em 1807, as do
Grão-Ducado de Varsóvia e do reino da Vestefália; em 1808, as dos reinos da Baviera,
de Nápoles, de Espanha - dita Constituição de Baiona, etc..
CONSULADO E IMPÉRIO
CONSTITUIÇÃO DO ANO VIII ( 1800)
E SENÁTUS-CONSULTOS DO ANO X
E 00 ANO XII (1802, 1804)
--~~.)
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......... 1800
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...... PRIMEIRO CÔNSUL nomd.11 TRIBUNAL
..... ..... f+ 1.ºt .\.ºcõnsuln) DECASSAÇÁO
SENADO -- ,. 1804
IMPERADOR
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CORPO LEGISLATIVO
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CONSELHO DE ESTADO
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MINISTROS
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TRIBUNADO
llOOm.) -1A07
_, ' ...- TRIBUNAIS
OE RECURSO
MAIRE
CONSF.LHO MUNICIPAL
- JUSTIÇAS DE PAZ
dt>poisdf; 1800-UI02
SISTEMA ELEITORAL
439
(12) G. BANNIER, Grr>ndwel/en.van Nedtrla11d. Telute11 der achteretnvolp,C11dJ flaatmgelingen en grondwe1te11 miert 1795,
Zwolle 1930; H. T. COLENBRANDER, Het OntJtaan der Grondwet (1814-1815}, 2 vol., 1908-1909; B. P. H. TELLEGEN,
Overzicht van het tot Jta11d komen van de Grondwet van /BJ4, 1912; W. J. M. VAN EYSINGA, .u, ponr entre le droit constirutionnel
de la République des Provinces Unies et cdui d'apres 1813•, Rev. Hifl. pol. e/comi.•, 1937, pp. 55-70.
440
, "' - - - ....
Leis
:..... \ Decrecos ~
'----~-"-.
REI
EST/IOOSGERAIS
SUPREMO TRIBUNAL
PRIMEIRA nomeia
nomeia
CÂMARA
c4o.60m.}
CONSELHO
DE ESTADO
1
MINISTROS
TRIBUNAIS PROVINCIAIS
DE JUSTIÇA
ESTADOS PROVINCIAIS
j TRIBUNAIS
Nobttu. + Cidades ( 1 • 21) GOVERNADORES
DE !.'INSTÂNCIA
+ úmpo r2 1 .H di:icriros)
Corpo GoVC'rnos
tqucsm: da.s Cidades
BURGOMESTRES
(5340 m.)
JUÍZES DE PAZ
l
Com direico devoro
f
Com dirclro d~ voro
441
<Mi V. GORMAN, Am.,.ica and Belgium. A sruáy •f tht influence •/ the Unileá StaltJ, 1789-1790, Londres 1925. Textos
legislativos de P. Verhaegen, Recuei/ tÍtJ OráonnanrtJ átJ Pay> Ba1, 3. •série. e. 13, Bruxdles 1914.
e1)1 O principado de Liege conheceu também em 1789 uma revolução: esta estava muito mais próxima das ideias da
Revolução Francesa. Mas o novo regime durou apenas pouco tempo, tendo o príncipe-bispo reconquistado o poder com auxílio do
exércico prussiano. P. HARSIN, ÚJ révo/111ion liégeoi>e áe 1789, Bruxelles 1954.
e16J Trabalhos preparatórios em E. Hl.IYTEENS, Dimmion áu Congrb Narional áe Btli:ique, 5 vols., Bruxelles 1844.
L HYMANS, l...t Congrb nalional áe 1830 el la Con>fifulion áe 1831, Bruxelles 1880: l. DE UCHETERVELDE, Le Congri> naliona/ áe
1830. É111áe1 ti porlr.-Ji/J, Bruxelles 1922: Le Coni:rb nationa/, l'oeuvrr el /., hommtJ, Bruxelles 1945: E. DESCAMPS, ÚJ mo>aique
aJmti111tionnelle. Euai 111r /tJ JQUrctJ áu te:cle áe la Comtitution belge, Lovaina 1892; J. GILISSEN, •l.a Constirution de 1831: ses sources,
son influence». Re> Publira, t. X, 1968, p. 107-141; ·Die belgische Verfassung von 1831. Ihr Unprung und ihr Einflusse-, in
W. CONZE (ed. ), Beilrlir,e zur áe1111chm und belgi>chm VerfaHung>gmhirhte in 19. Jahrhundert, Sruttgart 1967, p. 38-69; •Gouvernés
er gouvernants en ·Belgique depuis 1815•, ·Recuei/ Société jean Boáin•, e. 26, 1965, p. 81-148; J. GILISSEN e M. MAGITS,
Dedaralion átJ ároin 11ur ltJ orir,iTW áu 1i1rr) ii; do mesmo, Le rigi""' rrpri>entatif en Belgiqu< álpui> 1790, Bruxelles 1958, col. .Notre Pané•.
cm As actas das reuniões da Comissão de Constituição foram publicadas por W. VAN DEN STEENE, De Belgiirhe
Gronáwelcomi11ie (oktober-mwember 1830). Tekn van haar no111/en en omlaan van áe Belgúrhe Gronáwel, Bruxelles 1963. J. Gilissen,
Jean-Baptiste Norhomb et les origines de la Constirution Belge•, in]. B. Nothomb <1 /., áébul> áe la Belgique ináepenáanle. Acre
colloque incernational Habay-la-Neuve, 1980, p. 80-95.
443
Administração
Comissi><Os
Gabinetes Mini~reriais
Membros da Câmara
e do Senado
'
Conselho de Ministros
+REI
)
Conselho de Estado
(Câman ·Lrgislado•l
Projectos de ui
•
Propostas de Ld
PARLAMENTO
+
r::::=J-LQj ---
CÂMARA ( Leis l SENADO
a~
sessão plenária ou sessão plenária
CONSELHO CUlTIJRAL
para a Comunidade flamenga para a Comunidade francesa
Membros de língua
flamenga da Câmara
e do Senado
(C\\ Of-cretos
~
Membros de
lín~ua franct"sa
da Câmara r do Senado
1 r
REI
( + MINISTRO)
sanciona e promul~a
',
MINISTRO DAJUSTlÇA
Chancder
,
• Moniteur Belge•
(diário oficial)
445
(18) R. SENELI..E, LA rivision de la Constiflllion 1967·1971. Ttxtv ti J1JCJ1mm11, Mio. aff. ~tr .. Bruxdles 1972; P.
WJGNY, LA /roi<itmt rivision de la Conslitulion, Bruxelles 1972; P. OE STEXHE, u rivi<ion át la Comli111tion belge, 1968·1971,
Bruxdles 1972; W. J. GANSHOF VAN DER MEERSCH, Consiáira1ions Jurla rlvilion Jtla ConslilNlion, disc. •de "'ntr~ C. Cass.•,
1972, ejourn. Trih. 1972, p. 477 ss.; J. GILISSEN e G. CROJSLAU, Dtrát Htr%itning van Jt Btlgilrhe Grondwet, 1954-1971, 2. 1
ed., Bruxelles 1977, col. ActueleGvrhieámiJ, n. 0 !.
446
República, poder executivo, é igualmente eleito por todos os cidadãos, por quatro anos,
como nos Estados Unidos. Luís Napoleão Bonaparte, sobrinho do Imperador Napole;jo 1,
eleito presidente da República, transforma esta num Império; a Constituição de 1852 é
copiada da do ano VIII (1800), tal como resultara das modificações de 1804.
Depois da derrota francesa em 1870, o Império dá lugar à III República; esta não
teve constituição, mas apenas um conjunto de lei! constit11cionais, votadas em 1875;
estabelecem um regime republicano parlamentar que durará aré 1940, e mesmo' até
1958, sob a IV República, cuja constituição foi aprovada em 1946, após a Segunda
Guerra Mundial 09l.
Tal como a III, a IV República não conseguiu assegurar uma estabilidade
governamental suficiente. Soçobrou com a crise provocada pela guerra da Argélia e pelo
regresso ao poder de De Gaulle que, sem qualquer golpe de Estado, conseguiu ascender ao
poder e fazer modificar profundamente o sistema político.
A Constituição de 1958 estabelece a V República; ela foi modificada em 1962 pela
eleição do Presidente da República por sufrágio universal c20>_ Os poderes do Presidenre -
De Gaulle, depois Pompidou, Giscard d'Estaing e Mitterrand - são consideráveis, os das
assembleias são muito diminutos. O sistema político francês é, no entanco, um regime
democrático, liberal e representativo, no qual os partidos desempenham o seu papel
tradicional. Mas a noção dos três poderes desapareceu; a sua separação e o seu equilíbrio
deixaram de ser afirmados. O poder judicial já não é mais do que a «autoridade
judiciária»; e é o Presidente da República o único «garante da sua independência».
O poder de legislar foi consideravelmente modificado, sendo partilhado entre o
Presidente e o Parlamento. Sob os regimes anteriores, sobretudo sob a III e IV
Repúblicas, pertencia inteiramente ao Parlamento que, só ele, podia votar as leis e,
assim, criar normas obrigatórias. i.e., novas normas jurídicas, ou modificar e abrogar as
que existiam; o poder executivo não podia tomar, por decreto, senão medidas de
execução; de facto, houve em diferentes épocas, sobretudo depois de 1926, leis de
autorização que lhe atribuíam p~eres especiais; leis-quadros ou outras disposições
legislativas que permitiam ao poder executivo legislar nos limites de alguns princípios,
nomeadamente por decretos-leis. A Constituição de 1958 institucionalizou esta solução:
as Câmaras não podem votar leis senão em certos domínios bem determinados,
nomeadamente o direito penal, o direito eleitoral, os impostos, os direitos do homem, e
fixar os princípios gerais do direito civil, do direito social, do ensino, etc.; em todos os
outros domínios, o Presidente e o Governo legislam por decreto. Por outro lado, o
(19) P. BASTID, Ln imtit11tiom politiq11eJ dt la mo1111rchie parl'""'ntaire franraile, 1814-1848, Paris 19,4; do mesmo,
Doctrines el imtit11tiom politiq11eJ dt la StUJfkÚ Rlpublique, 2 vols., Paris 1945; M. PONTEIL, l..tJ imtitutiom d4 la Francedt 1814 à 1870,
Paris 1966; M. SIBERT, La Comtit11tion d4 la Frana d11 4 Septnnbre 1870 a11 9 AotJt 1944, Paris 1946. Acerca das constituições da IV e
V República, ver sobrerudo os numerosos manuais de direito constitucional e instiruições políticas, nomeadamente os de
M. DUVERGER, P.•PACTET, O. G. LAVROFF, etc.
(20) J. L. DEBRÉ. La comtitution dt la V République, Paris 1971 (história da sua elaboração).
CONSTITUIÇÃO FRANCESA DE 1958
PRESIDENTE
DA REPÚBLICA PARLAMfNTO AllTOR l[)ADFS JI 1 DICIAIS
L.
ntlmt>ia
ASSEMBLEIA CONSf.J.HO
NACION/.\L CONSTITI ICION AI.
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R Referendo Ordonnamt>s
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Decre-ros
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1 pel• lei'
G (varado pelo povo
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448
Parlamento pode permitir ao Presid~nce do Governo romar medidas que são normalmente
do domínio da lei, desde que isso seja feito dentro de um prazo limitado e por meio de
ordonnance. O Presidente pode, também, submeter: a referendo popular qualquer projecto
de lei em certas matérias. Esta partilha do poder de legislar recorda a Constituição do ano
1 e, sobretudo, a dos Países Baixos de 1815 «i.
3. Os códigos
Napoleão conseguiu dar à França um conjunto de códigos, que constituem um dos
mais notáv~is esforços de sistematização de regras jurídicas de toda a história: de 1804 a
1810 foram sucessivamente promulgados um Código Civil, um Código de Processo
Civil, um Código Comercial, um Código Penal e um Código de Instrução Criminal.
A maior parte deles manteve-se em vigor até aos nossos dias, tanto na França como na
Bélgica. Além disso, influenciaram a codificação em numerosos países da Europa e da
América Latina durante o séc. XIX.
A ideia de código corresponde a uma compilação de normas jurídicas de origem
legislativa ou, por vezes, doutrinal, tendentes a um melhor conhecimenro do direito e a
uma maior segurança jurídica.
Desde a segunda metade do séc. XVIII que os códigos são estritamente legislativos e
que o poder do Est~o lhes confere um carácter oficial: se ainda existem algumas compilações
que tendem a codificar todo o direiro, a maior parte diz respeito a um ramo do direito,
que elas se esforçam por expor de forma tão sistemática e completa quanto possível cm.
«Ü Código Civil não é apenas escrito para os juízes e para os jurisconsulros, mas
para esclarecer todos os cidadãos», dizia Tronchet, um dos quatro redactores do Código
Civil francês, no Coi;i.selho de Estado em 1803, marcando assim o «carácter de
popularidade» de toda a codificação. Jeremy Bentham, o teórico inglês da codificação,
confirma em 1817: «The principie of justice is, that law should be known by ali; and,
for its being known, codification is absolutely essencial» <22 >. Mas, de facro, é raro que o
conjunto dos governados possa beneficiar de um melhor conhecimento do direito graças à
codificação, pois as leis e os códigos continuam a ser difíceis de compreender por aqueles
que não são iniciados no seu estudo.
<º> Sobre o conscirucionalismo ponuguês, v., por roclos, MARCEi.LO CAETANO HiJtória breve daJ ComtituifiieJ
por111g1ma1, Lisboa 1965; e J.J. GOMES CANOflLHO, Direito conililuciona/, Coimbra 1977, 1, 95-143. Textos em J. ]. LOPES
PRAÇA, Co/lecriio tk leiJ e 1ub1ídioI para o eJltJdb dlJ direito comtituâon"/ portugNez, Coimbra 1893, e ANTONIO MANUEL PEREIRA,
AHon5lit11içõeJ políticaI portJJgueJaJ, Lisboa 1961. {N.T.).
(21) J. VANDERLINDEN, Luonapt de Codun Eurape occidentaledu 13. •au 19. •Jikle. Ei1ai de dtfinition, Bruxelles 1967;
Th. BÜHLER, Gewohnheilmchl, Enqult Kodificatian, Zurique 1977; M. E. VIORA, Consolidazioni e coclificazioni Conrriburo alia
sroria della codificazione, 3.ª ecl. Turim 1967.
(22) LOCRÉ, La légiJlation civile rk la Prance, r. !, Paris 1827, p. 26; J. BENTHAM, PaptrI relative 10 rodification, in The
work1, 1843. p. 581; Codification propoial adJ,..IJed lo ai/ naliom profening liberal opiniom, Londres 1822. Cf. J. VANDERLINDEN,
·Code ec codificarion dans la pensée deJeremy Bentham•, TijdJchr. RechlJgeJCh., r. 32, 1964, 45-78.
449
das leis não será lei. É necessário que não haja remissões, nem para o uso, nem para leis
estrangeiras, nem para um pretenso direito natural, nem para um alegado direito das
gentes. O legislador que adopta, por exemplo, o direito romano, saberá o que faz? Pode
sabê-lo? Não se trata de um campo de disputas eternas? Não será, com uma só palavra,
entregar ao arbítrio tudo aquilo que se lhe pretendia justamente subtrair»? C23l.
Apesar da opinião de Bentham, a Inglaterra permanecerá refractária a qualquer
codificação; só em outros países que adaptaram a common law, tal como os Estados Unidos
e a Índia, é que certos esforços de codificação deram resultados. Do mesmo modo, na
Alemanha na mesma época, ou seja, por volta de 1815, desenvolveu-se um movimento
conduzido por Von Savigny contra qualquer ideia de codificação.
Ao lado dos códigos oficiais, existem também c6digos privados, ou seja,
compilações de leis publicadas por particulares sob o nome de código; por exemplo,
houve no séc. XIX numerosos «códigos constitucionais» que agrupavam no mesmo
volume a constituição e numerosas leis relativas ao direito público. Por outro lado,
numerosas compilações, sobretudo da Idade Média, eram verdadeiros c6digos, embora
não tivessem esse nome.
a) O.r precedentes
A ideia de codificação não é nova na época da Revolução Francesa.
O termo codex é de origem romana; caudex é um conjunto de várias tábuas unidas;
daí, tabuinha de escrever, livro; codex designa a união material de vários elementos antes
dispersos. Os códigos de Teodósio (438) e de Justiniano (529 e 534) são os exemplos
mais antigos. Os historiadores do direito deram todavia o nome de código a compilações
pré-romanas de direito, em virtude da semelhança dos fins prosseguidos - p. ex. o
código de Ur-Nammu, o código de Hamurabi, o código Hitita, o código sacerdotal dos
Hebreus, a Lei das XII tábuas, etc. (supra); mas nenhuma destas compilações tem o
carácter, a importância e a extensão dos códigos romanos.
Na Idade Média, o termo «código» designa unicamente as codificações romanas;
mas existem numerosas compilações de direito que correspondem à ideia de código; são
frequentemente designadas por outros termos, sobretudo corpus, Rechtsbuch, etc.. Certas
leis da Alta Idade Média são códigos; por exemplo, o Breviário de Alarico. Nos sécs. XIII
a XVI, numerosas compilações tendem a codificar o direito, tais como as Decretais. de
Gregório IX, bem como as outras partes do Corpus luris Canonici, as Siete Partidas, o
Landrecht e o Stadtrecht da Noruega de Magnus Hakonarsen (1274-6), as Ordenações
123> J. BENTHAM. Traité ~ /igislatio11 civilett pinale, t: Ili, Paris 1820, p. n2.
450
b) As codificações em França.
A necessidade da codificação foi afirmada desde o início da revolução em França.
A Assembleia Nacional Constituinte decidiu, em 1790, a redacção dum código civil
único para todo o reino, «simples, claro e apropriado à Constituição», de tal modo que
«toda a gente o possa compreender»; ela esperava assim - utopia! - poder um dia
suprimir os tribunais e os advogados, pois «quando cada um conhecer o seu direito, já
ninguém o infringirá» c26>.
Se a Assembleia Nacional fracassou em matéria civil, chegou, no entanto, a
promulgar em 1791 um Código de Polícia Correccional, importante compilação de
(24> H. THJEME, •Die preussische Kodifikation•, ZeilI. S4v. S1iftunr.. Germ. Ab1. 1937, p. 355-428; CONRAT, Da1
ALP de 1794 4/J GrundgtJe/z deJ /ri.Je.iz. S/aaltJ, 1965; H. HATTENHAUER (ed.), Al/g.,,,,,intJ l.Andrrchl /ür die pmmiJChen S1a4/en
von 1794. Texraus~abe, Franckfun:/Berlin 1970 (com introdução e bibliografia).
<m H. VON HARRASSOWSKY, o., Codcc Tht'tJÍ4nUJ und reine Umarbeilungm, 5 vol., Viená 1883-1886; ftJ/1chrift
jahrhundertJ/eier. J.J ABGB, 2 vols., 1911.
(26) J. VAN KAN, Ler ef/or/J de coáific4Jion m Fr4nce. Élurk hiJlorique el p1ychologique, 1929; Ph. SAGNAL, La légiJ/4/ion
(27) O texto dos projectoo de Cambscéres e de Jacqueminot é produzido em FENET, ReaJtil complt1 tÚJ. trovaux préparaloirtS
du Codt Civil, t. I, 1827; f. PAPII.LARD,jean-Pran~iJ RlgiI de Camb"'éril jurilco111ul1e ti homme d'Etal ( 1753-1824), tese •l.ettres•,
lille, Paris 1961.
(28) úlivreduCmrmaírrduCodeCivi/, Paris 1904.
452
ano VIII (12 de Agosto de 1800), criou uma «Comissão de Governo» de quatro
membros, encarregada de submeter aos Cônsules uma série de projectos de leis civis.
Ao fim de quatro meses, o «Projecco do.ano VIII» estava pronto; cada m~mbro
tinha redigido uma parte dos textos, seguidamente discutidos em comissão e, depois
ainda, submetidos a Bonaparte e a Cambacéres. Este projecco ia transformar-se no
Código Civil.
Os seus quatro redacrores eram juristas eminentes:
- François TRONCHET (1726-1806) era o mais velho; tinha 74 anos. Era um
homem do Antigo Regime, o defensor hábil e corajoso de Luís XVI perante a
Convenção. Tinha-se tornado pre~idente da Cour de Cassation. A sua reputação devia-se ao
valor dos seus pareceres jurídicos sobre direito costumeiro.
- Jean PoRTALIS (1746-1807) era decerto o mais inteligente dos quatro
redactores. Advogado em Aix-en-Provence, era um homem do Midi. Filósofo, tanto
quanto jurista, deu provas de uma grande abertura de espírito. É o autor 'dos melhores
relatórios e das mais importantes construções teóricas do. Código Civil; foi, nomea-
damente, encarregado da redacção do «Discurso preliminar» <29>.
- Félix BtGOT-PRÉAMEN,EU (1747-1823), de origem bretã, era advogado do
Parlamento de Paris, tendo vindo a ser comissário do governo junto da Cour de Canation.
Era um espírito moderado, mas mediano.
- Jacques de Mlúl.EVIlJ..E 0741-·1824), era, como Portalis, originário do Midi.
Juiz do Tribunal de CaJSation, foi nomeado secretário da comissão. Assim, Portalis,
assistido por Malleville, defendia o sistema jurídico dos «pays du droit écrit»; tornaram-se
os defensores do direito romano contra Tronchet que, com a ajuda de Bigot-Préameneu,
preconizou a generalização do sistema jurídico dos «Pays du droit coutumier» e, sobretudo,
do costume de Paris.
O «Projecto do Ano VII» foi submetido ao parecer das autoridades judiciais: Cour
de Cassation e Tribunais de recurso. Estes remeteram por escrito as suas observações que
muitas vezes foram notáveis; comunicadas à Comissão, deram lugar a importantes
modificações.
O Projecto foi, de seguida, submetido ao Conselho de Estado, de que Portalis fez
parte, tendo os restantes três membros participado na comissão com voto consultivo.
Bonaparte, em pessoa, presidiu muitas vezes às sessões <30~ na sua ausência, Carnbacéres
tornava a presidência. Deve-se a este último a orientação mais prática do que científica do
(29) J. M. PORTALIS. Discour1, rapfJort1 ti /ravaux inédi11 1ur le Codt Civil, publicados por F. PORTALIS, 1844;
L. ADOLPHE, PortaliI el 1on 1emp1: .Le bon génie dt Napoléon•, Paris 1936; L. SCHIMSEWITSCH, PortaliJ ti'º" 1emp1: l'home, lt
pemeur, le légillaleur, Paris 1936; P. BEllO, PortaliJ e/ /<1 /ravaux priparaloim du Codt Civil, tese, Nancy 1949; LATOVR,}acq11<1 dt
Mallevil/e(/741-1824), tese, direito, Bordéus 1929.
00) Acerca do papel de Bonaparre: L. SAVATIER, L'ar/ dt fain dtJ loiI: Bonaparle e/ le Codt Civil, Paris 1927;
VILLENEUVE DEJANTI, Bonaparle ti le Codt Civil, tese, Paris 1934; v. tarn~m:}. PORTIMER, •Un jurisconsulte bourguignon:
Berlieret l'élaborationduCodeCivil•, ·Mém. 1oc. bili. droi1bo11rg11ignon•, t. 12, 1948-9, p. 141-158.
453
Código Civil; desde a primeira sessão que ele declarou que «as definições em geral não
devem ser colocadas nas leis; tudo o que é doutrina pertence ao ensino do direito e aos
livros dos jurisconsultos». O Conselho de Estado remodelou profundamente o projecto,
dividindo-o em 36 panes. É este texto que se tornará no definitivo cm.
De acordo com a Constituição do Ano VIII, os projectos do Conselho de Estado
foram transmitidos ao Tribunado. Os primeiros projectos foram aí muito mal acolhidos,
por razões, de resto, essencialmente políticas; o Tribunado contava wn grande número de
adversários de Bonaparte, os quais procuraram por todos os meios «derrubar o ídolo d~
um dia». As críticas eram pouco pertinentes, muitas vezes contraditórias; uns viam no
projecto do código uma cópia servil do direito romano, outros uma compilação sem
mérito do antigo direito costwneiro. E assim, a primeira parte do projecto foi enviada
com um «voto de rejeição» ao Corpo Legislativo tendo este efectivamente rejeitado o
texto, é certo que por uma fraca maioria (142 votos contra 139). Bonaparte retirou logo
os 36 projectos de lei ... e esperou alguns meses. Preparou a depuração do Tribunado,
realizada pelo senátus-consulto do ano X (Agosto de 1802): a oposição do Tribunado,
reduzida a 50 membros, foi assim quebrada. Para além disto, Bonaparte organizou uma
«comunicação oficiosa» dos projectos ao Tribunado, de modo que o Conselho de Estado
pôde algumas vezes ter em conta as suas observações.
Desde logo, a aprovação dos 36 projectos pelo Corpo Legislativo fez-se sem
dificuldades. O primeiro projecto foi votado em 5 de Março de 1803, o último em 21 de
Março de 1804. Todos os textos foram reunidos pela lei de 21 de Março de 1804 num só
corpo, chamado «Código Civil dos Franceses», com uma numeração contínua de 2281
artigos. O artigo 7. 0 desta lei ficou assim redigido: «A contar do dia em que estas leis
(que formam o Código) forem executórias, as leis romanas, as <<ordonnances», os
costumes gerais ou locais, os estatutos e os regimentos deixam de ter força de lei geral ou
particular nas matérias que silo objecto das ditas leis que compõem o presente Código»m1•
Mal o código entrou em vigor, o regime político francês mudou: o Império
sucedeu ao Consulado. Uma lei de 1807 pôs o texto de harmonia com as novas
<31) As actas das sessões do Conselho de Estado rotam publicadas pelo secretário LOCRÉ: LA llgiJ/ation rivile, romrm:rriale et
criminelle de la Frana, 31 vols., 1827-32; FAVARD, Con/értnr:r rJu Co<k Civil awc la diJ=úón partiC111itre du Comei/ d'Etal et du
Tribunal, 8 vols., Paris 1812. A frase de Cambacéres citada no texto encontra-se em Locn!, t. 1, p. 45. Na sequência da posição de
Cambacéres, o Conselho de Estado suprimiu a maior parte do Tít. pteliminar do Código Civil; reproduzimos alguns dos anigos
suprimidos nos documentos, infra n. 0 14, p.
<32) Codt civil tkJ françaÍI, idition origiNJle et Jet1/e olfiri•ll•, Paris 1804; reimpressão anastática, Paris 1974. Apareceu
também uma •edição perfeitamente confunne CQm a original•, em Bruxelas 1804, no impressor Huyghe; o texto está aí seguido de
uma •Conférence des courumes de la ci-devant Belgique avec Jes anicles du Code Civil des Français, qui renvoient aux reglements et
usages locaux•. A publicação do código foi imediatamente seguida da sua tradução em Ungua holandesa, alemã e italiana. Nota do
tradutor: Em Portugal, chegou a estar parcialmente impressa, em 1807-8, uma tradução do Code Civil, feita pelo jurisconsulto JOSÉ
JOAQUIM FERREIRA DE MOURA, com o que se visava promover a sua aplicação no país. A expulsão de Junot, em 1808, fez
abortar tal projecto. Mas o Code Civil continuou a set aplicado como direito subsidiário, nos tennos da remissão da Lei da Boa Razão
(de 18 de Agosto de 1769) para os direitos das~ polidas e civilizadas. V., sobre o tema, NUNO ESPINOSA GOMES DA
SILVA, História® dirtilo portuguis, Lisboa 1980, 500; v. também G. BRAGA DA CRUZ, •la ronnation du droit civil portugais et
le Code Napoléon•, •Am. Fac. DroitdtT011/011.1t•, 11 (1963), 218-36. .
454
!3ll A.). ARNAUD, ÚI origin<I tÍ«lri1141<I du Crxú Civil /rançais, 1969. LA tiy,le d11 ;eu dam la paix bour/{.toiie. 1973;
J. RA Y, Es1ai 111r la 1tr11C111rt logique du Crxú Civil fra11faÚ, Paris 1926. Do mesmo, Essai d'analyst >tn1e111,alrdu Cod. civil franrais.
!34> LOCR.É, Elpritdu Cod.dtproádlm, 5 wls., Paris 1816; ed. Ugirlaliun cWik, op. rir., r. 21a23 (ed. fr.)ou 9-IO(ed. belga).
455
m> J. ORTOLAN, Co11rs dt lígiJl11tion pénal• rompam. lntroá11ction hiitoriqlll. Hiitoint du droiurimin•I en F.11rope dep11is /e 18. '
Jiid• j111q11'à nos jour1, Paris 1841; H. REMY, ÚI print:ipes ginér1111x d11 Codt pin11/ dt1791, tese, Paris 1910; A. ESMEIN, Hi11oirr dt 111
procéd11re t:riminelle m Fr11nce, Paris 1882, p. 399.-589.
C36l V. TAU ANZOATEQUI, Larodific11tionenl11 Argmtin11 (1810-1870), Buenos Aires 1977.
<F> Sobre a exparuião do Codt Civil v. ú rode t:Wil 1804-1904. Livre du cencenaire, Paris 1904; L'inf/11mce du code civil ddns
/e monde, Paris 1952; W. séHUBERT, Franz!Hisclw Rechl in D•utschl11nd z11Beginndts19. Jh., Colónia-Viena 1977 ..
457
seu autor (" Proyecto de Garcia Goyana» ), apareceu em 1851; estava elaborado sob a
influência do pensamento jurídico francês, mas defrontou-se com a oposição do
particularismo regional à unificação do direito. Em 1880, as Cones votaram um certo
número de «Leys de Bases» ·redigidas por Francisco Silvela, que constituíram dedarações
de princípios a serem utilizados por uma «Comissão' dos Códigos». O Código Civil foi
finalmente promulgado em 1889; inspirava-se no projecto de 1851 e, duma forma geral,
no Código Napoleão; mas teve em conta a tradição jurídica castelhana !38>, Em 1829,
tinha sido já promulgado um Código Comercial; inspirado pelo francês de 1807, era
mais extenso e foi considerado como superior a este. Em 1885, foi elaborado e
promulgado um novo Código Comercial, conjuntamente com o Código Civil. Um
primeiro Código Penal, igualmente inspirado na codificação francesa, data de 1822; um
segundo, de 1870.
Em Portugal, que tinha conhecido publicações .ordenadas das suas leis nas
Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, estas últimas de 1603, a ideia de
codificação desenvolveu-se já na segunda metade do séc. XVIII, sob a influência do
iluminismo e, sobretudo, nos anos 1820-1830, sob a influência liberal e individualista.
Em 1833, é promulgado um Código Comercial; mas, em matéria civil, conservou-se, de
acordo com a Lei da Boa Razão de 1769, a antiga legislação nacional e, subsidiariamente,
o direito romano, desde que conforme à «boa razão». Em 1850, uma comissão de quatro
professores de Coimbra foi encarregada de redigir um Código Civil, finalmente
promulgado em 1867; é, em geral, mais romanista do que o modelo francês c39l, Foi
subscicuído em 1967 por um novo Código Civil, desta vez inspirado pelos códigos
alemão, suíço e italiano.
A difusão do Código Civil de 1804 não cessou senão no séc. XX, quando a
Alemanha, primeiro (1900), e a Suíça, depois 0907), promulgaram os seus códigos
civis. Estes suplantaram o código civil francês e tornaram-se, por sua vez, o modelo do
direito civil para os novos países, tal como o Código Penal italiano se ia tornar aí um
modelo para a codificação do direito penal 140 >.
C38) J.·M. SCHOIZ, Spanim, em H. COCNG (ed.), Handbuch fÍlI Que/lm ... op. ci1., Ili. 1, Munique 1982, p. 397-626.
<40 E. VAN DIEVOET, Lt droil civil m Btlgiq11• ti m Hollaru:lt de 1800 à 1940, Bruxelas 1948; J. GILISSEN, ·De
Bdgische Comissie van 1916 hor herziening van her onrwerp burgrrtijk wetbock voor hei Koninkrijk der Nederlanden•, Tijd.Jchr.
Rerhllfl.<Jch., 1967, p. 383-443; Gtdmkhotk ... 8"'1{erlijk Wttbotli 1838-1938, Zwollo 1938.
460
(42) J. GILISSl!N, ·Codificarions et projers de codificarion en Belgique au XIX. <Síede (1804-1914), Rtl'. belge d'hiJtoirt
contemporeúne-, t. fV, 1983, p. 203-285; E. HOLTHÓFER, Belgien, em H. COING (ed.), Handl>uch ... op. de., Ili. 1, p. 1069-1165.
461
(43) P. GOFFJN, •U codification officielle du droit fiscal aux XIX.• et XX. •siecles~, TijdscM. voor Rt<ht1gesch. •, r.
37, 1969, p. 209-233.
(o) A wdificarão em PortNgal e no BraJil.
Em Portugal, os ensaios de elaboração de um código iniciam-se ainda no séc. XVIII. Perante a massa enorme de legislaçãc
extravagante, mas, sobretudo, movidos por um projecto de estatização do direito, de cariz ilúminisra, já em marcha desde o tempo de
Pombal, os círculos dirigentes enipéeendem a tarefa da revisão das Ordenações, nomeando para tal uma comissão (Junta do Novo
Código, 1778). A comissão foi levando a cabo a sua missão, produzindo trabalho no domínio do direito público, criminal,
processual, comercial, contratual, farnllia e sucessões. No horizonte, estaria um verdadeiro código iluminista, semelhante, no plano e
âmbito, ao código prussiano. O impacte polltico das reformas no domínio do direito público levaram ao abandono do projecco, em
torno do qual se gerou então uma polémica célebre entre Melo Freire, parridário duma revisão moderada das Ordenações, e António
Ribeiro dos Santos, adepto de um Código que consagrasse reformas relativamente profundas do direito público.
Durante a primeira invasão francesa, foram feiras diligências para pôr em·vigor o Cotk Civil- que, de resto, vigorava, com
os restantes códigos modernos europeus, como direito subsidiário - , chegando a ser rraduzido e parcialmente impresso.
À parte um Código penal milirar, objecro de publicação (Rio de Janeiro, 1823) após a revolução de 1820, e apesar dos
concursos abertos pelas cortes para a elaboração de código• civil e penal (em 1822 e em 1835), a codificação do direito civil cardará
ainda, apenas sendo realizada em 1867, depois de um trabalho de cerca de 17 anos de António luls Seabra (Visconde de Seabra),
desembargador da Relação do Porto. Antes, tinham sido publicados o Código Comercial 0833), trabalho de Ferreira Borges. o
Código Penal (1837, 1852). as Reformas Judiciárias (1832, 1841). que antecedem e preparam o Código de Processo Civil 0876;
Código de Processo Comercial, 1895) e o Código administrarivo (1836, 1842, etc. Já no nosso século, multiplicam-se os diplomas
inrirulados •códigos• (das Custas, do Notariado, dos Regisros, dos direitos de autor e de diversos impostos).
No Brasil, a ideia da codificação remonta aos dias imediatos à independência. Logo em 1823, uma lei previa a elaboração de
um novo código (lei de 20 de Outubro), enquanto que o mesmo era prometido na Constituição de 1824 (art. 0 179. 0 , § 18). Em
1858, Teixeira de Freitas foi encarregado de elaborar um projecto que, no entanto, acabou por não ser aceite. Novos projectos
(Nabuco de Araújo, Felício dos Santos, António Coelho Rodrigues) soçobraram também. E é só em 1916 que um Código Civil. com
base num proiecto de Clóvis Bevilaqua, professor em Recife, acaba por ser aprovado, após 17 ano• de disomões em comissão e no
parlamento. (Nora do Tradutor) (•).
(a) Embora haja várias exposições da história da codificação em Ponugal (v.g., NUNO E. GOMES DA SllVA, Historia
do direito porruguês, Lisboa 1985), o trabalho mais completo é o de MÁRJO REIS MARQUES, O lilHra/iJtTW e a roáificatão do dirtilo
civil em PortNgt1I. Sub1ídios p111r111 o tJINdo tÍt1 implanltJlfÕo em PonNg111I do direito moderno, Coimbra 19114, policopiado, onde se exploram.
pela primeira vez, os trabalhos inéditos daJunra do Novo Código, cujo levantamento se deve a J .-M. SCHOLZ, PorlNg11I, em
H. COING (ed.), H11ndbNch derQNellen rmd Lilert1tt1r ... , cit., Ill.1, 642 ss. Sobre o espírito do Código Civil de 1867, v. MANUEL
DE ANDRADE, •O Visconde de Seabra e o Código Civil», Boi. Pac. Dir. Coim'1r11, 28 ( 1953); sobre a evolução posterior, MANUEL
DE ANDRADE, •Sobre recente evolução do direito privado português•, Boi. Pac. Dir. Coimbra, 32 (1946) p. 2114 ss. e LUIS
CORREIA DE MENDONÇA, •As origens do Código Civil de 1966: esboço para uma contribuição•, AnJlirt Social 72/74
(1982) pc 829 ss. Parà a codificação do direito civil no Brasil, v. MANUEL PAULO MEREA, Código rivi/ braJikiro, Lisboa 1917.
462
4. Estatísticas legislativas
O número de leis não parou de crescer em todos os países a partir do início do
séc. XIX; o crescimento é sobretudo considerável no séc. XX, e muito especialmente
desde os anos 50. Fala-se, com razão, duma verdadeira «explosão legislativa».
Actualmente, o fenómeno é universal; no séc .. XIX, ele estava limitado aos países
europeus e americanos. A evolução é relativamente similar nos países da Europa
ocidental: França, Itália, Alemanha, Espanha, Países Baixos e Bélgica.
Tomemos o exemplo da Bélgica, país em relação ao qual tivemos a oportunidade
de estudar as estatísticas da legislação desde 1795 r44l •.
Há actualmente na Bélgica cerca de 1000 novas disposições legais por ano: 100 a
150 leis em sentido estrito (votadas pelo Parlamento), cerca de 500 decretos reais, 400
decretos ministeriais e 50 convenções internacionais. Em França, o número de leis e
decretos ultrapassa por vezes os 2000 por ano. «Presume-se que ninguém desconhece a
lei»; ou seja, que todo o cidadão lê, todas as manhãs, o «]ourna/ o/ficiel» ou o «Moniteur»,
que contém o texto de todas as novas leis, decretos e despachos ( «décrets et arrêtéJ" ).
De 1795 a 1980, foram publicadas cerca de 125 000 leis, lato semu, a saber f4~l:
- leis stricto semu (feitas.. pelo poder legislativo), 17 500;
- decretos do poder executivo (decretos reais, ministeriais, etc., contendo
disposições normativas), 102 000;
- convenções internacionais, 5500.
Estes números, em si mesmo assustadores, devem, no entanto, ser interpretados
com prudência. Assim, nem todas as 17 500 leis stricto sensu contêm disposições
normativas novas: se todas são leis no sentido formal da expressão - ou seja, no sentido
de que são obra dos órgãos do poder legislativo - , um certo número delas não constitui
leis, no sentido material do termo. Pois o poder legislativo está encarregado de editar,
sob a forma de lei, numerosos actos de adminisrmção que não são normativos, ou seja,
que não contêm (ou contêm poucas) regras de direico; por exemplo, as leis orçamentais,
as leis das contas públicas, as que fixam os contingentes da força pública, as leis de
habilitação ou de autorização (venda de bens dominiais, naturalização, empréstimos,
anulações ou aprovações de eleições, etc.). Das 17 500 leis em sentido formal, só há cerca
de 7 500 leis em sentido material.
A mesma distinção deve ser feita entre os numerosos decretos do poder executivo.
Por outro lado, nem todas estas leis estão em vigor. No Recuei/ de la /égislation en
vigueur en Belgique, encontra-se o texto das disposições antigas ainda aplicáveis nos nossos
(44) J. GILJSSEN. •Essai de statisrique de la législation em Bdgique de 1795 à 1955• (résum~). Rev. hiJt. dr. /rr"1r.,
1957, p. 455.
(4~l Para o período de 1795 a 1954, os. números relativamente exactos eram:
- leis 15 181
-decretos 81435 } 101.lll
- tratados 4 495
463
ESTATÍSTICAS LEGISLATIVAS
Número anual de leis em sentido estrito
150 - -- - - - -- - - - ~ -- - - - - - - -- - - --- - - - -
100 100
~
-~
z
~ llnionismo MaioriõLS liber.ais Maiorias
carólic;u
§ (1884-1914)
50 )0
o
:g
~·
ê
dias. Para o período de 1795 a 1900, já não restavam senão 2 754, das quais 605 do
período francês.
Se se examinar a evolução quantitativa da legislação (limitando-nos às leis em
sentido material votadas pelo poder legislativo), verifica-se que a média anual passou de
24, no séc. XIX, para 57, no séc. XX. A produção legislativa foi fraca durante os
períodos de estabilidade política e de liberalismo económico c46>. Assim, a média anual
caiu para 18 no decénio de 1860-1869, durante o governo liberal Rogier-Frere; para 19
no decénio 1870-1879, sob os governos católicos de Anethan e Malou, ou mesmo para
17 para o período de 1900-1909. Pelo contrário, verificou-se uma actividade
legislativa intensa durante os períodos politicamente perturbados: 1830-1831, 1848,
1893-1895 (imediatamente depois da primeira revisão constitucional e das pertur-
bações sociais de 1886-1888).
Desde 1918, o número de leis conheceu um crescimento rápido; uma centena
por ano em 1919-1921, para se manter numa média de 72 para 1920 a 1930; depois,
no período do imediato pós-guerra (1945-9), atingem-se valores de 162 a 195 leis por
ano. Desde 1950, há 80 a 120 por ano.
E, apesar disco, censurou-se muitas vezes ao Parlamento a lentidão e insuficiência da
sua actividade. Procurou-se remédio para isso no sistema das leis ditas de «plenos
poderes», dando ao rei o direito de legislar por decreto em certos domínios; foi assim de
1933 a 1936 e, depois, de 1939 a 1947.
As causas do aumento do número de leis são múltiplas: intervencionismo do
Estado nos domínios económico e social, aumento das tarefas do Estado, consequências
materiais e morais das duas guerras mundiais, etc.
A repartição das leis entre os -:liversos ramos do direito permaneceu relativamente
estável, mesmo depois do Antigo Regime c47 >. Para o período de 1795-1954, a repartição
estabeleceu-se como segue:
direito privado 838 leis, ou seja 13%
direito penal 385 leis, ou seja 6%
direito fiscal 821 leis, ou seja 13%
direito público e administrativo 2894 leis, ou seja 46%
leis de aprovação de tratados 651 leis, ou seja 10%
leis sociais 8%
diversos 4%
(46) E, no entanto, havia já queixas relativas à quantidade d• leis e decretos, qur se avaliava cm 8 a 10 mil. Orts escrevia
em 1851: •Ü dilúvio legislativo, com o auxílio das revoluções, engolir-nos-á se não tivennos cuidado com isso. O regim•
parlamentar é de uma fecundidad• legi~ndora qut assusra mesmo os espíritos m.i.is afoitas• (ORTS, ·Révision des lois françaiscs
encore en vigucur dans les Pays-Bas•, Belg.]lllÍ., 18~ l, p. 2H).
(47) Comparac com 05 dados estatísticos relativos à legislação na B~lgica, nos séculos XVI, XVII e XVIII.
465
De década para década, a relação entre estes ramos do direito permanece mais ou
menos constante, salvo no que respeita às leis sociais, que passam de 2% em 1795-1799
para 6% em 1800-1829, 9% em 1830-1899 e 15% desde 1900.
Código Civil de 1888 prevê ainda em certas matenas a aplicação de legislação foral
(regional), tendo-se mesmo previsto uma codificação complementar destes derechos forales
em Apêndices ao Código, embora estes apenas tenham sido realizados parcial e recentemente
(Aragão 1925 e 1967; Catalunha, 1960; Baleares, 1961; Galiza, 1963, etc.).
Tende-se também para a unificação do direito no seio da comunidade internacional,
mas as resistências dos particularismos nacionais são ainda forces. No plano universal ou
europeu atingiram-se alguns resultados em cercos sectores muito limitados: as convenções
de Varsóvia, de Roma e de Tóq1:1io em matéria de direito aéreo 0929, 1933, 1963), os
acordos de Genebra em matéria de cheques 0930-31), os acordos de Berna em matéria
de caminhos de ferro na Europa (1891, 1924, 1971), etc.. Fizeram-se igualmente
esforços para unificar o direito no plano regional, por exemplo no seio do Conselho da
Europa, da Comunidade Económica Europeia, do Benelux, dos países escandinavos. Na
América Latina, Bolivar tinha sonhado com uma unificaçao global do direito, mas em
vão. Um dos únicos êxitos, de resto bastance teórico, é constituído pelo Código de
Bustamar'lte, um código de 437.. artigos de direito internacional privado, redigido pelo
jurista cubano Bustamante y Sirvens e aceite pela Conferência pan-americana de Havana
de 1928, que se enconcra em vigor em 15 países.
Na realidade, a unificação de uma parte do direito privado era bem mais efectiva
na Europa sob o Antigo Regime, quando o ius commune (direito comum), nascido do
direito romano, tinha sido aceite como direito subsidiário em numerosos países.
Foi por via legislativa, sobretudo, que o estatuto da criança - ou seja, dos
menores - foi transformado. Em lugar de se dizer que eles estão sob o poder do pai,
tende-se a assegurar-lhes a sua protecção e a garantir-lhes os mesmos direitos dos adultos.
No séc. XIX, os contratos de locação de imóvel ou de habitação eram livremente
estipulados entre senhorios e locatários. No séc. XX, a legislação interveio, cada vez
mais no sentido de proteger o locatário, tanto no que respeita ao preço da locação como às
outras cláusulas do contrato.
Dumà forma geral, os pobres, os economicamente mais débeis encontram
actualmente na lei uma protecção, ainda muito limitada, contra numerosos abusos.
Tende-se a eliminar a mendicidade, sendo comum a intervenção financeira do Estado ou
dos poderes locáis para ajudar os inválidos, os deficientes ou os velhos.
468
e) Legiflação social
Se, duranre a Baixa Idade Média e na época moderna, as relações de trabalho foram
mais ou menos regulamentadas no seio das corporações de mesteres, a Revolução Francesa
suprimira, pela Lei de Le Chapelier de 1791, qualquer organização corporativa e ~zera
desaparecer toda a protecção legal dos operários. O liberalismo económico, que dominou
durante o séc. XIX, opôs-se a qualquer intervenção do Estado nas relações sociais.
Na sequência de revoltas operárias e sob influência de ideologias progressistas
(Saint Simon, Proudhon, K. Marx, etc.) forain tomadas algumas medidas de carácter
social a partir dos anos quarenta do século passado.
Em Inglaterra, aparecem os primeiros sindicatos, as Trade Unions. Em França, a
primeira lei proibindo o trabalho de crianças de menos de 8 anos data de 22 de Março de
184 1 ! As revoluções de 1848 levam rapidamente a um florescimento de normas sociais,
sobretudo em França («ateliers nationaux», limitação da duração do trabalho, etc.).
A importância deste movimento é muito menor na Alemanha, na Itália e na
Áustria-Hungria. Em França, de resto, o fracasso da revolução social faz depois das
«jornadas de Junho» desaparecer quase tudo.
Do mesmo modo, algumas medidas sociais tomadas pela Comuna de Paris err..
1871 não se mantiveram. Mas, desde então, o direito social começa a desenvolver-se;
uma das suas peças-mestras é a lei de 1884 sobre a liberdade sindical em França. Na
Bélgica, a legislação social desenvolveu-se sobretudo depois da revolta de 1886.
Temendo o socialismo, a direita católica, então no poder, pressionada pela ala
democrata-cristã e também pela Igreja (nomeadamente, pela Encíclica Rerum Novarum,
de 1891), elaborou uma legislação protectora dos operários: leis de 16 de Agosto de 1887
sobre a embriaguez e sobre a regulamentação do pagamento dos salários, lei de 18 de
Agosto de 1887 sobre a impenhorabilidade dos salários, de 13 de Dezembro de 1889
sobre o trabalho das mulheres e das crianças, de 9 de Agosto de 1889 sobre as casas
operárias, etc.
Sob a influência do socialismo surgiu em França, na Alemanha, na Bélgica, nos
Países Baixos uma abundante legislação social, nos finais do séc. XIX e nos inícios deste
século: contrato de trabalho, indemnização dos acidentes de trabalho, repouso semanal,
higiene e segurança no trabalho, etc.
Mas foi sobretudo depois de 1918, quando os socialistas participaram activamente
no governo em diferentes países, que uma abundante legislação social foi elaborada: dia
de 8 horas de trabalho, pensões de velhice, férias pagas, segurança social, empréstimm
familiares e, sobretudo, leis sobre convenções colectivas de trabaho. Depois da segundii
guerra mundial, nos anos de 1945-1960, ·a legislação sobre a segurança social tornou-st:
469
g) Legislação administrativa
Cerca de metade das leis, decretos e despachos dizem respeito à administração,
tanto no séc. XIX como no séc. XX. No século XIX, uma vez que havia poucas leis
noutras matérias e, consequentemente, a maioria das disposições legislativas era relativa
à organização e funcionamento dos órgãos do Estado; no séc. XX, o número de leis
administrativas tornou-se muito mais elevado, mas, em virtude do acréscimo dos outros
sectores da legislação, não representam senão 50% das disposições legislativas.
Foi por via legislativa que o Estado organizou os seus grandes serviços; se, no
século XIX, não há senão cinco ou seis departamentos ministeriais, estes multiplicaram-
-se nos finais do século e, sobretudo, já no nosso. Ao lado dos ministérios tradicionais do
interior, das finanças, da guerra e da justiça, foram criados os das obras públicas, da
educação, da economia, da agricultura, do trabalho, da saúde, etc. E cada departamento
ministerial conta com numerosos serviços, repartições, comissões, etc., cuja organização
e funcionamento são regulamentados por leis, decretos ou despachos.
As instituições regionais (províncias, departamentos, etc.) e locais (municípios,
comunas, etc.) constituem também objecto de uma abundante legislação.
h) Legislação económica
Devem distinguir-se dois períodos neste domínio. No séc. XIX e inícios do séc. XX
domina o liberalismo económico que tende a excluir qualquer inter\renção do Estado no
domínio económico, tanto no comércio como na indústria. Depois do período de entre as
duas guerras, nomeadamente na sequência da crise económica de 1930, e sobretudo
depois de 1945, o Estado intervém cada vez mais neste domínio. Se houve poucas leis
relativas à economia no séc. XIX, houve cada vez mais no séc. XX <49>. .
C48> P. LAROQUE, IA rappom entrr patrom et 01111ritr1, 1938 (abundamos informações de direito comparado);
I'. ALEXANDER, M. CORNIL, M. ERNST-HENRION e I'. MARCEUS, •Genesc du droit social au cour.; du XIX.• siecle•,
Trav. Conf. Fac. Droit Univ. Bruxelas; fase. 1, 1963; F. CORNEZ, Cenl am dt /igi1/alion Jotiale en Belgique, Bruxew s.d. (1949);
G. DE BROECK, Húloirrdtla ligúlalionsotialeen Belgique, Bruxel:.S 19~3.
C49> R. SAV ATIER, IA mtlamDrjlhom lconorniq:m tllotialtJ du droil civil d'aujourd'hui, Paris 1948.
470
DOCUMENTOS
Nós, o povo dos Estados Unidos, tendo em vista formar uma umao mais perfeita,
estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade interior, prover a defesa comum, promover o
bem-estar geral, assegurar as bênçãos da liberdade para nós mesmos e para a nossa posteridade,
ordenamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América.
Artigo primeiro.
Secção 8. ª O Congresso terá poder para estabelecer e cobrar taxas, direitos, impostos e
sisas, para pagar as dívidas-e-prover a defesa e bem-estar geral dos Estados Unidos.
Artigo segundo.
Artigo terceiro.
l.ª Emenda:
O Congresso não poderá fazer qualquer lei relativa à obrigatoriedade de uma religião ou
proibindo o seu livre exercício; ou limitando a liberdade de expressão ou de imprensa; ou o direito
de o povo se reunir pacificamente e de endereçar ao Governo petições para a satisfação de pedidos.
472
5.ª Emenda.
Ninguém será obrigado a responder por um crime capital ou infamante sem ser presente a
um Grande Júri, excepto em casos ocorridos nas forças armadas, terrestres ou navais; nem será
obrigado a testemunhar contra si mesmo numa questão criminal, nem poderá ser privado da vida,
da liberdade ou da propriedade sem um processo estabelecido na lei; nem a propriedade privada
será expropriada para uso público sem uma justa compensação.
8. A lei não deve estabelecer senão penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém
pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e
aplicada de forma igualitária.
9. Uma vez que todo o homem é considerado inocente até ser declarado culpado, se se
julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor que não for necessário para se assenhorear da sua
pessoa deve ser severamente reprimido pela lei.
10. Ninguém deve ser incomodado pelas suas opiniões, mesmo religiosas, desde que a
sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida por lei.
I I. A livre comunicação do pensamento e das opiniões é Um dos direitos mais preciosos
do homem; por isso, todo o cidadão pode falar, escrever e imprimir livremente, salva a
responsabilidade pelo abuso desta liberdade nos casos determinados por lei.
16. Toda a sociedade na qual a garantia dos direitos não esteja assegurada, nem a
separação dos poderes determinada, não tem constituição.
17. Uma vez que a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser dela
privado, a não ser quando a necessidade pública, legalmente constatada, o exija de forma
evidente, e sob a condição duma indemnização justa e prévia.
Tit. III.
Capítulo primeiro.
Arr. 0 25: Não serão promulgadas leis novas senão quando o seu projecco tenha sido
proposto pelo Governo, comunicado ao Tribunado e decretado pelo Corpo Legislativo.
Arr. 0 27: O Tribunado é composto por cem membros, de idade não inferior a 25 anos;
um quinto deles será substituído codos os anos, sendo codos indefinidamente reelegíveis enquanto
figurarem na lista nacional.
Art. 0 28: O Tribunado discute os projeccos de lei, votando a sua adopção ou rejeição ...
Apenas envia ao Senado, no caso de inconstitucionalidade, as listas dos elegíveis, os acros do
Corpo legislativo e os do Governo.
Are. 0 29: O Tribunado exprime o seu voco sobre as leis feitas e a fazer, sobre os abusos a
corrigir, sobre os melhoramentos a introduzir em qualquer sector da administração pública,
mas nunca sobre os processos cíveis ou crime apresentados a juízo. Os votos apresentados nos
termos do presente artigo não cêm qualquer sequência necessária e não obrigam qualquer autoridade
constituída a uma deliberação.
Are. 0 31: O Corpo Legislativo é constituído por trezentos membros, de idade não
inferior a trinca anos; um quinto deles é renovado todos os anos. Deve sempre fazer parte do
Corpo legislativo pelo menos um cidadão de cada departamenro da República.
Are. 0 24: O Corpo Legislativo faz as leis, decidindo por escrutínio secreto e sem
qualquer discussão por parte dos seus membros, sobre projecros de lei debatidos perante ele pelos
oradores do Tribunado e do Governo.
Art. 0 41: O Primeiro Cônsul promulga as leis; nomeia e demice os membros do
Conselho de Estado, os ministros, os embaixadores e outros agentes diplomáticos, os oficiais do
exército e da marinha, os membros das administrações locais e os comissários do Governo junco
dos Tribunais. Nomeia codos os juízes criminais e cíveis, além dos juízes de paz e dos juízes de
cassação, sem os poder demitir.
1t I Dom Fernando VII pela Graça de Deus e pela Constituição da Monarquia espanhola,
Rei das Espanhas, e na sua ausência e cativeiro, a Regência do Reino, nomeada pelas Cortes
Gerais e extraordinárias, a todos os que às presentes vierem e ouvirem, sabei: Que as mesmas
Cortes decretaram e sancionaram a seguinte Constituição Política da Monarquia Espanhola:
121 Em nome de Deus Todo Poderoso, Pai, Filho e Espírico Santo, autor e supremo
legislador da sociedade:
131 As Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Espanhola, bem convencidas, depois do
mais detido exame e madura deliberação, de que as antigas leis fundamentais desta monarquia,
acompanhadas das oportunas providências e precauções, que assegurem de um modo estável e
permanente o seu inteiro cumprimenco, poderão levar devidamence a cabo o grande objectivo de
476
Capítulo II. Da religião. Art. 0 12. 0 A religião da Nação espanhola é e será perpetuamente
a católica, apostólica, romana, única verdadeira. A Nação protege-a por leis sábias e justas e
proíbe o exercício de qualquer outra.
Capítulo III. Do Governo. Art. 0 13. 0 O objecto do Governo é a felicidade da Nação,
posto que o fim de toda a sociedade política não é outro senão o bem-estar dos indivíduos que a
compõem.
Art. 0 14. 0 O Governo da Nação espanhola é uma Monarquia moderada hereditária.
Art. 0 15 . 0 O poder de fazer as leis reside nas Cortes com o Rei.
Are. 0 16. 0 O poder de fazer executar as leis reside no Rei.
Art. 0 17. 0 O poder de aplicar as leis nas causas cíveis e criminais reside nos Tribunais
estabelecidos por lei.
Preâmbulo.
§ 5. Os que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis, f,or bens de raiz, indústria,
comércio, ou emprego.
Título V. Do Rei.
Art. 0 71. 0 O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e compete
privativamenre ao Rei, como Chefe Supremo da Nação, para que incessantemente vele sobre a
manutenção da independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos.
Are. 0 74. 0 O Rei exerce o Poder Moderador:
§ 1. Nomeando os Pares sem número fixo;
§ 2. CÓnvocando as Cortes Gerais extraordinariamente ... ;
479
§ 3. Sancionando os decreros, e resoluções das Cortes, para que tenham força de lei;
§ 4. Prorrogando, ou adiando as Cortes Gerais, e dissolvendo a Câmara dos Deputados ... ;
§ 5. Nomeando e demitindo livremente os Ministros d'Estado;
§ 6. Suspendendo os Magistrados;
Are. 0 75. 0 O Rei é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros
d'Estado ...
J. J. LOPES PRAÇA, Collecção ... , cit., 69
Título V. Do Imperador.
Art. 0 98. 0 O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegado
privativamence ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante, para
que, incessancemence, vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio; e harmonia dos
mais Poderes Políticos.
Art. 0 101. 0 O Imperador exerce o Poder Moderador:
§ 1. Nomeando os Senadores ...
§ 2. Convocando a Assembleia Geral Extraordinária ... ;
§ 3. Sancionando os decretos, e resoluções da Assembleia Geral, para que tenham força
de lei;
§ 4. Aprovando e suspendendo interinamente as resoluções dos Conselhos Provinciais.
§ 5 · Prorrogando, ou adiando a Assembleia Geral, e dissolvendo a Câmara dos
Deputados ... ;
§ 6. Nomeando e demitindo livremente os Ministros d'Estado;
§ 7. Suspendendo os Magistrados;
10. FRANÇA. Code civil: projecto da Comissão do Governo do .Ano VIII (1800).
('O) Este «Livro preliminar• do Projecco do Ano VIII não foi mantido pelo Conselho de Estado em Julho de 1801, na
sequência da observação de Cambacércs antes referida.
481
11. FRANÇA. Code civil: Discurso preliminar pronunciado por Portalis, aquando da apresentação
do projectO (ano XI, 1803).
modificá-las umas pelas outras, sem romper a unidade do sistema e sem chocar o,espírit0 geral. É
úcil conservar tudo aquilo que não é necessário destruir; as leis devem contemporizar com os
hábicos, quando estes não constituem vícios. Fala-se ,muitas vezes como se o género humano
acabasse e começ~se a cada instante, sem nenhuma espécie de comunicação entre uma geração e a
que a substitui. As gerações, sucedem-se, misturam-se, entrelaçam-se e confundem-se. Um
legislador isolaria tudo o que as pode naturalizar sobre a terra se ele nãó observasse com cuidado as
relações naturais que ligam sempre, em maior ou menor grau, o presente ao passado e o futuro ao
presente e que fazem com que um povo, a menos que seja exterminado ou caia numa degradação
pior do que a destruição total, nunca cesse, até um certo ponto, de se parecer consigo mesmo.
Amámos demasiado, no nosso moderno tempo, as mudanças e as reformas; se, em matéria de
instituições e de leis, os séculos de ignorância são o teatro dos abusos, os séculos de Filosofia e de
Luz não são, muitas vezes, senão o teatro dos excessos.
Tais são os prindpios de base segundo os quais partimos para a redacção do projecto do
Código Civil. O nosso objeccivo foi o de ligar os costumes às leis e de propagar o espírito de
família, que é tão favorável, por muito que se diga, ao espírito de cidade.
a) Somos ... de opinião que o direito romano não deve ser abolido; mas que é preciso
conservá-lo como direito supletivo, que será seguido e observado em todos os casos não
compreendidos neste código. Seria com bastante pena que veríamos desaparecer, com um só traço
de pena, este direito que civilizou a Europa, e cuja descoberta foi um acontecimento que
modificou a administração da justiça e que submeteu o poder de julgar a princípios bebidos na
equidade e na consciência; ... enfim, reuniu-se cudo neste depósito precioso, que não deixará de
merecer o respeito dos homens, da mesma forma que merecer ser chamado a razão escrita.
Não podemos, portanto, aprovar uma disposição que, se fosse admitida, rejeitaria o que os
nossos antepassados constantemente admiraram, extinguiria unicamente para nós o fanai que
iluminou a maior parte das nações civilizadas, e romperia o fio que, no labirinto das questões
particulares, conduz ao fim marcado pela justiça.
13. PORTUGAL. JOSÉ DIAS FERREIRA, Código Civil annotado. Coimbra 1870.
Introdução, pp. XIV ss.
Não tocou o código na matéria vincular, como lhe não tocara o ilustrado autor do projecto
primitivo, que a reservava para lei especial, pelo receio talvez de que a proposta para a abolição
dos vínculos consignada no projecto lhe comprometesse a aprovação do trabalho.
No entretanto tínhamos caminhado tanto na estrada do progresso, e o espírito público
estava cão preparado para assistir à destruição das últimas instituições do sistema feudal, que
durante a revisão do código eram pela lei de 19 de Maio de 1863 abolidos os vínculos em todo o
território da monarquia.
Os prazos de vidas, espécie de morgados irregulares, cuja existência era apenas justificada
pela necessidade de ampliar o direito de testar do pai de família, foram todos reduzidos a fareusins
na mão dos possuidores ao tempo da promulgação do código, respeitando-se apenas os
transferidos irrevogavelmente com reserva de usufruto ou mesmo em disposição testamentária,
que só se tornariam fateusins em poder dos nomeados.
Acabou o código com as vendas a remir, que eram fontes perenes de contratos usurários, e
o meio de que ordinariamente se servia o agiota para haver do tomador do empréstimo boas
propriedades por pouco dinheiro.
No interesse da estabilidade e segurança dos contratos foi proscrita a acção de lesão, que,
não sendo estipulada, não pode hoje intentar-se, senão envolvendo erro que anule o consen-
timento nos termos gerais de direito.
O contrato de subenfiteuse foi proibido para evitar os grandes inconvenientes da divisão e
subdivisão do direito de propriedade, que complicavam a cobrança dos foros, e a transmissão dos
prédios subemprazados.
Para favorecer a liberdade da cerra foi proibida a constituição de quinhões, e qualquer
contracto de censo reservativo; e permitiu-se também ao foreiro o direito da prelação que pela lei
anterior só podia ser exercido pelo senhorio directo.
A pena de comisso não só foi abolida como elemento natural do contrato enfitêutico;
mas foi declarada nula qualquer cláusula em que se estipulasse semelhante pena.
Quanto ao direito de dispor acabou o código com os coclicilos, e com os testamentos
particulares abertos, reconhecidos na velha ordenação, que não tinham efectivamente razão
justificativa; e, também, proscreveu os testamentos nuncupativos, que eram muitas vezes
instrumento de conluios e fraudes para extorquir heranças alheias, mas, cuja conservação era até
cerco ponto recomendada pela circunstância de que a maior parte dos homens não se lembram ou
têm repugnância em fazer a disposição de sua última vontade, em quanto não pressentem a
aproximação ao fim da vida.
O sistema de registo predial sancionado no código é, com pequenas alterações, o que se
achava já regulado pela lei de 1 de Julho de 1863.
Onde o código fez mais profundas alterações foi quanto ao regímen matrimonial, e relações
de família. Concedeu às mães o pátrio poder e o usufruto nos bens dos filhos, que o direito
anterior lhu negava, ainda sob a influência do velho preconceito de que a mulher era inferior ao
marido na sociedade matrimonial. Negou à mulher o direito de se reservar em contrato
antenupcial a admini~tração dos bens, privando dela o marido; e isentou-a de responsabilidade em
regra pelas dívédas cont.r;aídas pelo marido sem a sua expressa outorga.
484
Estabeleceu o casamento civil. E, conquanto só aos súbditos não católicos permira esra
forma de casamento, e deixe graves dúvidas sobre a inteligência de vários anigos, não consente
que o oficial do registo civil pergunte aos contraentes pela sua religião, nem por m'otivo desta
pode ser anulado o matrimónio; e firmou um princípio, desconhecido na nossa lei anterior.
Acabou com os alvarás de perfilhação, que eram expedidos pela secretaria do reino,
continuando a admitir a perfilhação mas como acro part.icular e de puro direito civil.
Deu o pátrio poder sobre os filhos perfilhados aos pais que fizessem o reconhecimento
voluntário; admitiu os filhos perfilhados a concorrerem à sucessão dos pais com os filhos
legítimos, ainda que com quota legitimária desigual; e proscreveu a velha distinção, que deveria
reputar-se em desuso depois da.promulgação da carta consticucionaJ, mas que o uso do foro ainda
respeitava, entre filho natural de pai-peão e filho natural de pai-nobre.
Sobre outros assuncos, aliás já prevenidos na legislação anterior, mas a respeito dos quais
ela era em extremo deficiente, providenciou o código com largueza, como a respeito da ausência,
posse, águas, prescrição, sociedade em geral, sociedade familiar, etc.
Falando de legislação anterior referimo-nos tanto às leis pátrias, como ao direito romano e
canónico, que não eram só legislação subsidiária, mas em muitos pontos direito principal. E não
vamos. longe da verdade, asseverando que maior era o número das hipóteses regidas pela lei romana e
canónica e pelas regras da jurisprudência do que o dos casos prevenidos na legislação pátria.
O código, pois, não só melhorou e ampliou as disposições das leis pátrias, que com muita
imperfeição e deficiência regulavam os diferences assuntos, mas coligiu a legislação civil, tanto
romana e canónica, como estrangeira, ·que nos escava regendo há muito tempo, e condenou de
uma maneira positiva, como a lógica e a jurisprudência pediam, todo o apelo à legislação
estrangeira para decidir os casos omissos nas nossas leis. Os casos omissos na lei civil são regidos
pelo direiro natural.
É o código demasiadamente doutrinário, e na maior parre dos casos sem razão plausível.
O legislador deve consignar algumas regras gerais, na impossibilidade de prevenir todas as
hipóteses, para guiar o consultor e o executor da lei.
Mas estabelecer princípios gerais de jurisprudência, que são rudimentares nas escolas de
direiro, e amontoar definições que não determinam nem podem determinar o conteúdo do
definido, além de serem muitas vezes inconvenientes pelos argumentos perigosos a que dão lugar,
é sempre grave erro da parte do legislador.
A missão do legislador não é a do professor. O professor explica, o legislador ordena.
E talvez este sistema de escrever muicos princípios gerais, e de dar muitas definições
concorresse bastante para a repetição de doutrinas, que aparece a cada passo no código, apesar de
que a comissão revisora eliminou do projecto primitivo muita disposição desnecessária, ou por o
seu objecto estar compreendido n'outra provisão, ou por pertencer ao código do processo, ou a
legislação especial.
Na fraseologia jurídica fez também o código profunda inovação, inovação que não teria
perigo, se o projecto fosse acompanhado de um relatório de motivos, que explicasse a força da
significação da nova terminologia; e com a qual é preciso haver canto maior cuidado quanro que a
significação dos vocábulos, propriamente jurídicos, não é a mesma em todos os lugares onde se
acham colocados.
Assim pelo código denominam-se herdtiro1 leKitimário1 os que pela lei anterior se chamavam
485
herdeiros necessários, denomina-se mtdor o que pela antiga legislação se chamava cemuíita; a palavra
rendeiro não é sinónimo de arrendatário, mas de censuário, etc.
O código Séria um trabalho completo, se houvesse mais cuidado com a redacção jurídica,
que, em vez de ser tão trabalhada, como a reclacção gramatical, foi sempre preterida por esta; e se
resolvesse de um modo claro as questões mais palpitantes do nosso direito civil, que se debatiam
todos os dias no foro, de que nos davam notícia os escritos dos nossos jurisconsulros, e que aos
homens de lei conseguincemente não era dado ignorar.
Porém, quanto à doutrina não produziu o código civil, como tem acontecido noutros
países, revolução profunda nos costumes dos povos e nas suas aspirações sociais. Nalguns países as
disposições liberais da legislação civil têm servido mais ao progresso das instituições políticas, do
que os mais avançados capítulos das constituições democráticas.
Entre nós não sucedeu o mesmo. O fundo do nosso direito civil ressentia-se já das ideias
liberais, que foram sempre tipo e característico do povo português.
O código pois, se fez alteração importante no direito velho, não criou uma revolução nos
nossos hábitos e costumes, porque as inovações que estabeleceu representam a aspiração dos
povos, as reclamações dos nossos hábitos e costumes, e as opiniões dos nossos praxistas
sustentadas desde largos anos.
C. - O COSTUME
C~ll Colóquio sobre •Ü costume• pela Sociedade Jean Bodin, em 1984; mais de cem relatórios; publicação nos Ricutih
de la Soâüé}ean Bodin, Tomos 51-54 (em impressão); M. BEQUELIN, Da1 Gewoh11heilmch1 i11 tkr PraxiI der Bu11tit1gerich11, 1968;
E. VAN DIOVOET, ú droil civil m Belgíque ... , op. cit. (p. 411 ), p. 235-290; do mcomo, ú bail à fmnt '" Belgique. ú droít écrir
ti la co11111me, Lovaina 1913;). GIUS.SEN, Loi el co11t1Jme. &quine tk l'tvollltion ...• op. cit., p. 25-31; A. LEBRUN, La co111ume ... , op.
ât.; VALETIE, Du rôle <# la co11111me dam l'ilaboraliOtl du droit privi paiitif aa11el, •"""· Lião 1908; P. W. KAMPHUISEN.
Gewoonterw:ht, Li Haye 1935.
486
que «O direito interior ... de cada povo compõe-se ... em parte dos seus usos e costumes,
que constituem o suplemento das leis» (doe. n. 0 8, p. ')29). No entanto, como este
título preliminar não foi mantido no texto aprovado, os juristas franceses deduziram daí
que o costume apenas desempenha um papel muito reduzido. Os códigos italianos e
austríacos não prevêem a sua aplicação senão no caso em que a lei remeta expressamente
para ele. Os códigos civis alemães, suíços e gregos, pelo contrário, apresentam a lei e o
costumê como duas fontes de direito colocadas no mesmo plano <rn. Do mesmo modo, os
juristas destes países, influenciados ainda pela Historische Schule, não rejeitam teoricamente
o costume como fonte de direito; mas, na prática, são tão legalistas como os Franceses.
A importância do costume não é a mesma em todos os ramos do direito. Em
direito civil e em direito penal~ o papel do costume é relativamente limitado: as
codificações da época revolucionária e napoleónica derrogaram os costumes antes
observados nestas matérias, à excepção de algumas questões não resolvidas pelos novos
códigos ou pelas leis posteriores;· como as disposições legislativas são precisas e numerosas
nestas matérias e como. sobretudo em direito penal, só o legislador pode erigir um facro em
infracção ( 11u/111m crimen sint lege), não há a possibilidade de surgirem muitos costumes novos.
Em contrapartida, o costume continua a desempenhar um grande papel nos
domínios onde não há ou há pouca legislação. Antes de mais, no domínio do direito
internacional, na falta de um legislador supranacional (salvo na Comunidade Europeia);
assim, nas diversas formas de direito infra-estatal, nomeadamente no dos grupos sociais
profissionais, como os comerciantes, militares, advogados, etc. Em certas matérias,
como o direito público, o costume preenche as numerosas lacunas da lei.
Por outro lado, regras jurídicas estabelecidas pela lei cessam de ser aplicadas por
deixarem de ter uma razão de ser, na sequência da evolução da sociedade. Produz-se,
assim, um divórcio crescente entre o direito escrito, tal como está fixado na lei, e o
direito, tal como é realmente aplicado: divórcio entre o «direito morto» dos textos
legislàtivos e o «direito vivo», constituindo este «direito vivo», não apenas os usos e
costumes novos, mas ainda as interpretações novas das leis existentes <rn. Este divórcio é
constante, mas variável; se o legislador se esforça, por vezes, - demasiado raramente, de
resto - por adaptar as leis à evolução constante do direito, fá-lo geralmente com atraso;
muitas vezes, as novas leis têm dez ou vinte anos de atraso sobre a realidade social!
Os juristas franceses do séc. XIX evitaram empregar o termo «Costume», o que se
explica pelo medo de fazerem renascer, ou pelo menos parecerem admitir, costumes do
Antigo Regime, e também pela influência da Escola da Exegese. Serviram-se geralmente
<H> C6áigo civil IllÍfO,1907, art. 0 1. 0 : •Na fu.lra de uma disposição legal aplicável, o juiz julga segundo o direiro
consuetudinário•. C6áigo civil grtgo, 1940, art. 0 1. 0 : ·As regras de direito estão contidas nas leis e nos costumes•.
(H) G. MlCHAELIDEs-NOV AROS, Droil vivanl ti droil na/urel. lntrod11ction 4 tÚJ {'roblmw m11ra11x d. la soâologie j11ridiq11e
ti lk la philosophie du droil, Atenas 1982; •l.e droit vivanr à Rome•, Rev. hist. dr. franç. ti étr .• 1977, p. 329-357; E. EHRLICH,
Gn"'dl1g11ng lkr Sozio/Qgit tÚJ R«hts, 1913; M. REBHINDER, Die Begriind11ng d.r R«h1Hoziolo11.ie durrh E. Ehrlich, Berlim 1967. Cf.
também, u pl11raliinu j11ridiq11e, Érudes publiées sous la din:crion de J. Gilissen, Bruxelas 197 2.
487
do termo «USO» para designar esta fonte de direito; por exemplo, os «usos comerciais»,
os «usos profissionais», os «usos administrativos», etc. De resto, o Código Civil francês
de 1804 não utiliza o termo costume, mas unicamente usos.
Certos autores (nomeadamente Planiol) consideram a jurisprudência dos tribunais
como um órgão de direito cosnuneiro; quer eles interpretem as leis ou decidam no silêncio
da lei, os juízes não criam cosrwne (salvo aqueles que são próprios do exercício da sua
missão); eles limitam-se a çonstatar a sua existência, tal como os juristas da Idade Média.
Os adágios, brocardos e máximas, de que os práticos de bom grado se servem -
sobretudo quando os citam em latim e mesmo quando estes adágios não têm qualquer relação
com o direito romano - constituem também uma forma de manifesração do cosrwne.
A prova do costume não está, em geral, sujeita a regras particulares. Basca que o
costume seja antigo, constante e bem estabelecido; se há dúvidas, pode recorrer-se a
qualquer meio de prova, testemunho ou presunção.
fornecimentos de géneros ou de roupa aos particulares -são feitos de acordo com o uso,
sem redução a escriro. A jurisprudência francesa - e, mais timidamente, a belga -
admitiu progressivamente estes usos contra legem, em virtude da impossibilidade moral de
redigir um acto escrito nos referidos casos.
Outro exemplo: em virtude do art. 0 217. 0 do Code civil, a mulher casa;da não podia
adquirir nem contrair obrigações sem autorização do mar:ido; ora ela fazia-o todos os
dias, sobretudo para a gestão corrente do lar; a doutrina tinha imaginado a explicação
artificial do mandato tácito dado pelo marido à sua mulher; mas, na verdade, tratava-se
de um costume contra legem. A oposição entre a lei e o costume cessou há alguns anos na
·maior parte dos países, adquirindo a mulher os mesmos direitos do marido ( infra).
O problema do costume contra legem foi muito controverso durante o séc. XIX,
ainda o sendo hoje. Segundo a Escola da Exegese, bem como segundo o GesetwpoJitivismus
alemão, o costume não pode derrogar a lei; a jurisprudência francesa e belga continua a
aplicar este princípio. Mas, desde o início do séc. XX, a doutrina tende a admitir cada
vez mais o princípio de que o costume tem o mesmo valor que a lei como fonte de direito
e que, consequentemente, pode derrogar uma disposição legislativa caída em desuso.
François Gény, o primeiro grande defensor do costume contra a Escola da Exegese, não
ousou ir até à admissão do costume contra legem. Mas, posteriormente, outros (como
Capitant, Josserand, Bonnecase) acabaram por o admitir CH>.
1160. º); as convenções obrigam a todas as consequências que o uso confere à obrigação,
de acordo com a sua natureza (an. 0 1135. º) <rn.
Em matéria de contrato de aluguer marítimo, as condições que não são determinadas
pela convenção são reguladas «segundo o uso local)) (Código comercial francês).
Em matéria de contrato de trabalho, «O uso supre o silêncio dás partes» para
determinar a remuneração, o tempo, o lugar e, em geral, as condições do trabalho
(arts. 3. 0 , 17. 0 e 22. 0 da lei belga de 10 de Março de 1900) <~ 6>.
Muito recentemente, uma lei belga sobre as práticas do comércio enumera onze casos,
a cítulo de exemplo, de práticas «contrárias aos usos honestos» em matéria comercial. -
Num outro domínio, são punidos os crimes de guerra cometidos em violação das
«leis e costumes da guerra)).
(''l Nos Paí..,,; Ball<os, J. Th., DE SMIDT consagrou um excelente escudo aos usos pata os quais reenvia o código civil
holandês: RechtJgewoontm. De gebnliún m piadtstlijlu gtbnlikm waarnaar het -Burgerlijk Wttboek vermijst, Amsterdãn 1954. Não existe
estudo similar para os direitos belga e francês. Em matéria de venda comercial no• Países Babtos, v. R. BAKKERS, Rechngtwoonten
hetreffend. d. handtlskoop, Amsterdão 196 l.
<~6) Esta lei acaba, no entanto, de ser revogada pela lei de 3 de Julho de 1978 relativa aos contratos de trabalho, a qual já
não reenvia para estes usos.
490
nasceram de novas necessidades da sociedade nos séculos XIX e XX; muitas vezes, elas
não são objecto de uma regulamentação legal senão depois de um longo período no
decurso do qual o costume fixou as regras de direito que lhes dizem respeiro; muitas
vezes, o legislador não faz senão constatar e dar forma legal às regras jurídicas que
surgiram sob forma consuetudinária.
Mas é sobretudo em dois domínios não estatais que o costume constitui ainda a
principal fonte de direito: o direito infra-estatal e o direito internacional ou supra-estatal.
disciplinar. Mas existe um grande número de outros de que a legislação não se ocupou;
citemos, nomeadamente, as organizações desportivas, por exemplo, os clubes de futebol
e as suas federações, que podem aplicar suspensões, multas e mesmo a sanção disciplinar
suprema, a exdus~o do grupo, em virtude de faltas resultantes da quebra de respeito
pelas regras de jogo, na maior parte dos casos consuetudinárias.
As forças armadas são um outro exemplo de grupo ~ocial infra-estatal; os militares
estão sujeitos a um direito disciplinar próprio; inicialmente fixado por regulamentos
militares, muito recentemente por leis, as sanções podem ir até uma certa privação da
liberdade (atenuada, desde há pouco, por uma decisão do Tribunal dos Direitos do
Homem), em virtude de faltas disciplinares, das quais um grande número não está
definido na lei. Assim, na Bélgica, constituem faltas disciplinares o facto de «comprometer a
honra e a dignidade do seu estado e função» ou de «ter uma atitude ou comportamento
que constitua um atentado à boa ordem e marcha do serviço». O princípio «nu!lum crimen
Jine lege» não se aplica ao direito disciplinar; apenas o costume permite conhecer os acros
puníveis (57>.
b) Direito internacional
Na falta de legislador supranacional, o costume é e continua a ser a principal fonte
de direito no domínio do direito internacional, tanto público como privado, ou no
direito comercial. Uma parte do direito internacional consuetudinário foi, no entanto,
reduzido a escrito sob_ª forma de tratado e adaptado num certo número de países; pouco
numerosos antes desce século, o número destes tratados cresce continuamente; de 1947 a
1979, foram registados no Secretriado da O.N. U. cerca de 26 000 tratados. No entanto,
apenas um pequeno número obriga a maioria das nações; para os outros países, que não
fazem parte do tratado, o conteúdo destes é muitas vezes considerado como direito
consuetudinário. Um exemplo entre outros é o do Tratado de Viena de 1971 sobre as
relações diplomáticas.
O direito do comércio internacional conhece uma outra forma de codificação do
costume: a codificação privada ao serviço de corporações profissionais internacionais
(p. ex., a Câmara de Comércio Internacional, o Comité Marítimo Internacional) ou
organismos especializados da O.N.U. (por ex., a Comissão das Nações Unidas para o
Direito Comercial Internacional- C.N. U.D.C.I.). Estas codificações privadas são mais
maleáveis do que um tratado, pois permitem adaptações frequentes segundo a evolução
do costume. Assim são, nomeadamente, as «Normas de Varsóvia e de Oxford» de 1928 e
1932, estabelecidas para a venda CIF pela lnternacional law Associacion, as «Normas
(jJ) J. GILISSEN, •A propos du nouveau Reglemenr des disciplines des Forces Années•, Revue ~ droit pént1/ e1 ~
criminologie, 1976, p. 3-85, nor. p. 18-19; llltllbém, em espanhol, na Reviita eJpt1nholt1 de demh<i militt1r, 1978, 13-70. Enconrram-se
os mesmos prindpios em quase rodos os sisreroas disciplinares anreriores. Só o regulamenro francês de disciplina milirar de 1966
tentou descrever as fu.fras puníveis; abrange nada menos do que 218 qualificações de faltas, algumas delas afoda bastanre vagas.
492
uniformes relativas aos créditos titulados por documento» revistas em 1974 <58>, etc. Não
é, de resto, raro neste domínio que uma norma de direito convencional seja derrogada
por uma norma de direito consuetudinário mais recente <w>.
Apesar da importância adquirida pelo direito dos tratados, continuam a existir
vastos domínios nos quais eles pouco puderam intervir. No domínio do direito da
guerra, por exemplo, apenas existem as convenções de Haia de 1907, muito sumarias,
sobre as «leis e costumes da guerra» e as de Genebra de 1949 sobre o direito
humanitário.
O estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, estabelecido pelo Tratado de
S. Francisco de 1945, define, no seu an. 0 38. 0 , o costume «como ... uma prática geral
aceite como sendo direito». Definição V'aga e insuficiente, foi esclarecida por uma decisão
deste Tribunal: «usos aceites geralmente como consagrando princípios de direito».
O costume internacional repousa sobre usos e sobre a opinio necessitatis, ou seja, sobre a
convicção do carácter obrigatório da norma. No domínio do comércio internacional, em
que se recorre frequentemente à arbitragem, formou-se uma /ex mercatoria universal,
autónoma em relação aos direitos estatais.
DOCUMENTOS
<~81 F. EISENMANN e CH. BONTOUX, u mdi1 dO<tlmmtairr da111 /e cfl111merce extérieur, Paris 1976.
1~9) P. GUGGENHEIM, Trailidedroil intema1iorzalp11hlic, t. 1. Genebra 1967 p. 113.
493
«Art. 0 16. 0 Se as questões sobre direitos e obrigações não puderem ser resolvidas, nem
pelo texto da lei, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos, prevenidos em outras leis,
serão decididos pelos princípios do direito natural, conforme as circunstâncias do caso ...
«Art. 0 438. 0 O que fica disposto nos artigos anteriores (direitos sobre águas de
correntes não navegáveis nem flutuáveis) não prejudicará os direitos adquiridos, ao tempo da
promulgação deste código, sobre certas e determinadas águas por lei, uso e costume, concessão
expressa, sentença ou prescrição ... ».
3. PORTUGAL. JOSÉ DIAS FERREIRA, Código Civil portuguez annotado, Coimbra 1894, I,
p. 19: «Se já pelo nosso direito anterior (decreto de 19 de Setembro de 1747), a ignorância das leis
a ninguém aproveitava, porque eram publicadas em condições de serem por todos conhecidas, e se
chamavam corruptelas os usos em contrário à lei, menos poderia permitir-se hoje com o sistema
parlamentar a revogação das leis pelo uso ...
O costume é obra do povo, mas nos países em que o poder legislativo está delegado pelo
povo, e em que há um só poder legislativo, não pode existir, como manifestação da sua vontade,
senão a lei escrita, a qual é incompatível com o direito consuetudinário».
1. Organização judiciária
Toda a organização judiciária do Antigo Regime foi suprimida em França desde o
início da Revolução Francesa (1790-1) e na Bélgica desde a ocupação pela França
(1794-5 ). Novas jurisdições foram criadas a panir de 1790, na base dos princípios
enunciados na Declaração dos Direitos do Homem de 1789; elas foram confirmadas e
mais ou menos modificadas pelas constituições de 1791, do ano III (1795) e do ano VIII
(1800) e por leis complementares. Desde então, os elementos essenciais da organização
judiciária não voltaram a sofrer grandes modificações.
Foi, portanto, a organização dos tribunais superiores· e inferiores, tal como foi
fixada no início do regime napoleónico, que sobreviveu até aos nossos dias, em França, na
Bélgica e nos Países Baixos. A lei fundamental dos Países Baixos de 1815 e a
Constituição belga de 1831 introduziram-lhe algumas modificações; as leis de organização
judiciária regulamentaram muitos detalhes, sem atingirem, todavia, a sua estrutUra geral.
Por fim, o código judiciário belga de 1967, o novo código francês de processo civil de
1976 e as leis de organização judiciária, se, também eles, mantiveram esta estrutura,
introduziram, no entanto, modificações mais importantes, nomeadamente no domínio das
jurisdições do comércio e do trabalho.
Na maior pane dos outros países de direito romanista, a organização dos tribunais
foi mais ou menos decalcada na francesa, no séc. XIX. Existem muitas variantes
494
relacionadas com as tradições próprias de cada país <60~ mas encontram-se aí pouco mais
ou menos as mesmas insriruições, com idênticos traços característicos, que decorrem dos
princípios gerais proclamados ·desde o início da Revolução Francesa. Por outro lado,
encontra-se também pouco mais ou menos a mesma organização judiciária nos países de
direi to romanista da América. Latina ou da África tal acontecendo com os países do
common law; mas certas instiruições judiciárias inglesas influenciaram as do continente,
nomeadamente as dos tribunais de jurados e dos juízes de paz.
(60) Na República Federal da Alemanha, a organização judiciária depende dos Llinder, variando, portanto, (embora
pouco, na verdade) de um para o ourro. W. SCHUBERT, Die deu11ch. Gerich11verfauurzg ( 1869-1877 ). Em11ehurzg urzd Quellerz, .Jus
commune•, Sonderheft 16, 1981.
495
A Lei Fundamental do Reino dos Países Baixos (1815) manteve a maior parte das
instituições napoleónicas; a Cour d'assiJes foi mantida, mas sem júri. Uma lei de
organização judiciária de 18 de Abril de 1827 prevê um Supremo Tribunal como
tribunal de cassação, e um tribunal de segunda instância por província; mas esta lei não
entrou em vigor, na sequência da revolução belga (cf. supra p. 413 ).
A constituição belga de 1831 manteve a organização judiciária francesa da época
C6ll J. BOURDON, La ligüla1ion <Íll Con.J11la1 t1 tk l'Empirt. l. La Rl/Of11U jlllliciairt dt l'•an VIII. li. Formation dt la
magislral11re JOllJ le Com11la1 Jiamal (ano.r VIII-X), tese de letras, Paris 1942; G. LEPOINTE, Hí1t. imt. droil p11blic XIX. 1Jiic/1, op.
cit., p. 367-425; A. ESMEIN, Hüt. droil fra"f'IÜ tk 1789 à 1814, op. ril., pp. 96 ss. e 290 ss.; J. RAYNAL, L'organiialion de la
j111tice civile par l'Ammhlk Nalionale Con.Jti111antt, tese de din:ico, Moncpellier 1941; M. ROUSSELET, Hiitoin tk la magiitralurt
franfaile, t:W Of'iginu à nOJ jour<, 2 vols., Paris 19'7; P. POULLET, ús im1i111tiom fra"f'IÜU tk 1795 à 1814 (en B1lgiq11e), op. â1.;
J. GILISSEN, •L'ordn: judiciain: en Belgiquc au début de l'indépendence (1830-1832).,Jo,,,.,,..I áu 1nh11n411%, 15 et 22 Octobn:
1983, p. 565-'74 e'~85-596.
ESQUEMA DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DESDE 1800
(em França e na Bélgica)
Tribunal d~Jusciça
das Comunidad~.s Eu,ropeias
íluxemburgo> 1959 -
ESQUEMA DE ORGANIZAÇÃO DESDE 1800
(em França e na Bélgica)
'
1 1
1 1
Tribuna.is dr rr.abaJho Tribunais de t." 1nscân<ia
Conkl~ dC' 1:uem
1970 .... Tribunais de comércio 1800 -+
Trtbunars m1lit~
Con~lhos de árbitros s~culo XVI -+ 1970 - 1970 .... Tribunais: di: dismro( 1790-1800)
sttulo XVI - 1790
1806 -+ 1970 Van.sclYeis Varas co~ionais
1
;__ 1
napoleónica. Em 1832, foi estabelecido na Bélgica uma Cour dt CaHalion. O júri foi
restabelecido nas Cours d'assises. Os juízes de paz e de primeira instância são nomeados
pelo rei, sem apresentação de candidaturas; os outros magistrados judiciais (nomea-
damente, os conselheiros dos tribunais de segunda instância (Cours d'appe!J e de cassação
são nomeados pelo rei a partir de duas listas duplas, apresentadas, conforme os casos,
uma por uma Cour d'appel ou pela Cour dt CaJJation, outra por um Conselho provincial ou
pelo Senado. A intervenção dos governados foi portanto limitada, de facto, às promoções
dos juízes a funções superiores.
O Código Judicial belga de 1967 reformou e generalizou a organização,
sobretudo, as jurisdições do comércio e as jurisdições de'trabalho. Doravante, existe em
cada círculo (arrondiJJement) um tribunal de primeira instância, um tribunal de comércio
e um tribunal de trabalho; os conflitos de competência entre estes três tribunais são
decididos por um tribunal de círculo, composto pelos presidentes dos três tribunai$.. Ao lado
de cada tribunal de segunda instância (cour â appe!) existe agqra um tribunal. de trabalho.
Para além disto, existem accualmente jurisdições supranacionais: o Tribunal de
Justiça das Comunidades, com sede no Luxemburgo desde 1958, o Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem em EStrasburgo, desde 1959, e o Tribunal de Justiça do
Benelux, desde 1974.
Examinemos brevemente a origem e evolução de algumas destas instituições judiciárias.
c) Tribunal dt Cassação
No Antigo Regime, o recurso de cassação repousava no princípio da jurisdição
retida pelo rei (jurisdictio retenta, justice retenue); fonte de todo o direito, o rei podia,
quando o julgasse justo, «quebrar» ( casser) qualquer decisão judicial; no encanto, e de
facto, era o conselho do rei que decidia.
Esta decisão deixou de ser possível num regime de separação dos poderes; mas, a
fim de assegurar o respeito da lei pelos numerosos juízes não profissionais, bem como a
unidade da jurisprudência, a Consituinte julgou necessário estabelecer uma Cour de
Cassation; criado pelo decreto de 27 de Novembro - 1. 0 de Dezembro de 1790; este
tribunal tinha por missão «anular qualquer processo no qual a forma tenha sido violada e
qualquer sentença que contenha uma violação expressa do texto da lei; em nenhum caso o
tribunal poderá conhecer do fundo da questão; depois de ter anulado a sentença, ele
reenvia o fundo da questão para os tribunais que o deverão conhecer». Assim, a Cour de
Cassation apenas conhece d~ questões de direito e nunca das questões de facto (v. documento
n. 0 3, p. 524).
Desde então, estes princípios têm sido mantidos em França, na Bélgica e em
numerosos países que imitaram a instituição francesa. O «tribunal de cassation» tornou-se
« C our ae cassation" em 1804. A Constituição belga (are. 0 95. º) estabeleceu uma Cour dt
Cassation que «não tem competência para julgar o fundo das questões, salvo o julgamento
dos ministros». Nos Países Baixos, um Supremo Tribunal ( Hoge Raad) exerce pouco mais
499
ou menos a mesma função iw. Tal como, na R.F.A., o Bundesgericht1hof, com sede em
Karlsruhe.
A função dos Supremos Tribunais não é a i;nesma em todos os países. Ao lado das
do tipo francês, cuja competência se li~ita à anulação das decisões judiciárias
consideradas ilegais, existem outras que constituem um segundo grau de recurso,
decidindo sobre o fundo das questões. Mas, uma vez que apenas há wna em cada país,
elas asseguram a unidade da jurisprudência.
d) justiça de paz
A designação de «JUIZ de paz>> foi importada, em 1790, da Inglaterra, onde
funcionavam desde a Idade Média asjustiw o/ Peace,' mas, de facto, a instituição criada
em França foi muito diferente do seu modelo inglês, tal como ele funcionava no séc. XVIII.
O juiz de paz inglês tinha-se tornado um comissário real, escolhido muitas vezes na
pequena nobreza; tinha sobretudo funções administrativas (apenas muito subsidia-
riamente judiciais).
O juiz de paz, criado em França em 1790, era sobretudo wn juiz em matéria civil,
para os litígios pouco importantes, e, além disso, um conciliador; a ideia deste «ofício de
paz e de conciliação» tinha sido desenvolvida por Voltaire, que se inspirara nos modelos
holandeses. O juiz de paz era ainda um juiz de polícia, que decidia sobre as
contravenções, e um juiz de instrução em matéria de crimes e delitos. Perdeu esta última
função, em 1801, a favor do director do júri e, em 1808, de wn juiz do tribunal de
prime ira instância, que ainda a exerce nos nossos dias.
Eleito por dois anos pelos eleitores do cantão, o juiz de paz era inicialmente
assistido por quatro assessores notáveis, igualmente eleitos. Estes assessores apenas foram
suprimidos em 1802. Desde então, o juiz de paz é nomeado pelo Chefe de Estado, sem
apresentação de candidaturas, tanto na Bélgica e nos Países Baixos como em França <63>.
(62> E. CHENON, Originei, condilioru el ejftll tk la CaJJalion, Paris 1882; T. SAUVEL, •l.e rribunal de cassarion de 1789 à
1795 •, in Comei/ d'Elat. Et111Íll el doaimmtJ, 1958; L. CORNIL, •La Cour de Cassarion: origine er ... •, discurso de inauguração do
ano judiciário, C. Cass., 1948, Bruxelas 1948, ejout'7141Trih., 1948,.4~3 ss.;G. MAR1Y, l..JldiJ1inaiond11/aitetd11droit. llJJai111r
/e pouvoir de contrôle dt la Co11r de CaJJalion 111r lei j11p.ei de fail, tese de direiro, Toulouse 1929 Cimporranr~ inrrodução hist6rica).
163> B. OSBORNE,j11J1im o/ tht PMa, 1361-1848, Shafrcsbury 1960; C. A. DEARD, O/fia of thtpt.aa ;,, England ;,, itJ
origin and develop~t, .Nova Iorque, 1904; G. EISENZIMMER, ÚJ 1rat11/ormatiom de la juJtia tk pai:x tkp11iJ 'º" im1i1111ion m France,
Esrrasburgo 192~; C. M. C. TEN RAA, De oor1prong "ª" tk leantonnchttr, Rorerdão-Oevenrer 1970.
500
TRIB_UNAL DE CASSAÇÃO
Primei~ residrnre
tonselhr;e·ro
Conselheiro
•
TRIBUNAL DE JURADOS
Júri
Advogados
Acusado
Co···n·. ;·
TRIBUNAL DE RECURSO'
( 1. º) Pre>idcnrc
Procurador
Geral
Chanceler
TRIBUNAL MILITAR
•
a
( 1. º) Presidente
Ofici~a•Oficial
Oficial
Auditor Geral
•
Escrivão
icial
Crimes
Recurso Recurso
ccurso
Contravenc;~s
TRIBUNAL DE POLÍCIA
~
.u
Oficial do
~- Escrivão
Minis[ério Público
501
(64) R. VOVIN, •la cow d'assises líança.ise de 1808 à 1958•, in 1!.lu<ÚJ déáiltJ à L. Hugueney., Paris 1964, p. 225 ss.
(6~) Salvo alterações de detalhe. A lei de 4 de Outubro de 1867 permite a correccionaliza.ção de todos os crimes puníveis
com 15 anos de trabalhos forçados, ou de 20 anos em cenas casos (modificação introduzida pela lei de 14 de Maio de 1937). Os nove
tribunais de jurados da Bélgica conheceram uma média de 153 processos por ano de 1881 a 1885, de 69 em 1910, de 132, em 1925,
de 19 em 1937 e de 22 em 1962.
502
f) Tribunais de comércio
Os tribunais d~ comércio existem pelo menos desde o séc. XVI em França·;
encontram-se mesmo precedentes nas jurisdições das guildas mercantis da Baixa Idade
Média, nomeadamente em Inglaterra e nos Países Baixos. Uma ordormance francesa de
1563 tinha institucionalizado a prática existente em certas cidades do sul da França
(nomeadamente em Toulouse) e que reservava a cônsules, comerciantes eleitos pelos seus
pares, o julgamento dos conflitos entre mercadores; daí, o nome tradicional de
«jurisdições consulares>>.
Ao mesmo tempo que suprimiu rodas as antigas jurisdições, a Constituinte
manteve e generalizou mesmo os tribunais de comércio, compostos por seis juízes eleitos
por dois anos por uma assembleia de comerciantes, banqueiros, etc., da cidade.
O código de comércio de 1807 manteve os tribunais de comércio, tornando-os
competentes para todo o círculo (arrondinement) ou parte deste (em lugar duma
competência rescrita à cidade, como antes). O recurso era dirigido aos tribunais de
segunda instância comuns ( cours d'appe!). Onde não havia um tribunal de comércio, o
tribunal civil era o competente em matéria comercial.
Esta organização complexa e incompleta foi mantida por muito tempo, salvo na
medida em que, quanto aos juízes consulares (comerciantes, etc.), lhes foi adjunto um
juiz profissional (jurista), chamado «référendaire» <66>.
166) E. GLASSON, •l.es juges er consuls des marchanrs (en France)», «ev. hiI1. dr. franr., p. ~-38.
503
g) Jurisdições de trabalho
h) jurisdições militares
Tal como as jurisdições de comércio e de trabalho, as jurisdições são compostas
de juízes profissionais (juristas) e de juízes corporativos (militares) para julgar as
infracções cometidas por militares. Elas aparecem a partir do séc. XVI, em Espanha e nos
Países Baixos, e subsistirão durante a Revolução Francesa. A sua organização foi fixada no
reino dos Países Baixos pelos Códigos militares de 1814, tendo sido em parte
modificada, na Bélgica; por leis de 1849 (Tribunal militar) e de 1899.
Encontram-se actualmente jurisdições militares em quase todos os países que têm
504
forças armadas, tendo uma organização semelhante quase por todo o lado: o tribunal militar
(conselho de guerra, tribunal marcial) é composto de militares, muitas vezes unicamente por
oficiais; às vezes, também, por um juiz de carreira (v.g., judge-advocate nos Estados
Unidos, ou jueces togados em Espanha). O papel do Ministério Público - ou, pelo menos,
da instrução preparatória das causas - é confiado a magistrados de carreira, agrupa.dos
num corpo de justiça militar, muitas vezes designa.dos por auditores ou judge-advocate.
Certos países suprimiram recentemente as jurisdições militares em tempo de paz
(Alemanha, Áustria) <67 >.
NOTA DO TRADUTOR
Em Portugal, as reformas judiciárias iniciaram-se ainda nos finais do si<. XVIII. Assim, em 1790 são abolidas as ouvidorias
senhoriais, iniciando-se um processo de reorganização judicial do país, cujos estudos foram cometidos ao desembargador JoS<' António
de Só. As jurisdições concdhias (justiças ordinárias, eleitas e não letradas) continuam, no entanto, a ser esmagadonunenrt
maioritárias, apesar dum sensível aumento dos juízes de fora (letrados) a partir dos meados do si<. XVIII. Com a revolução de 1820,
algo se modifica. A Constituição de 1822 substitui o Desembargo do Paço pelo Supremo Tribunal de Justiça, composto de iuízes
nomeados pelo rei, a quem compete, sobretudo, a concasão (mas não o julgamento) do recul>O de revista (Art. 0 191. º);enquanto que
as Relações comam o lugar das Casas da Suplicação e do Cível (bem como das Relações ultramarinas) como tribunais de segunda
insrância (art. 0 190. º). Na base, iuízes de direito, nomeados pelo rei e transferíveis de três em trk anos, assessorados por jurados
eleitos, encarregados do julgamento da matéria de facro; e juízes electivos, nas subdivisões das circunscrições dos anteriores, julgando
(67) J. GlllSSEN, •L'évolution actuelle de la justice militaire (droit comparé)•, Rec11ei/Itk la Joáéti de Droit Pina/ Militairr
etdeDroi1<klaG11erre, t. VIII, Brwielas 1981, 27-161.
(68) H. BUCH, •L'évolution du Conseil d'Etat en Bdgique•, Erudes et documents, n. 0 18, Paris 1964, p. 177-209.
'.50'.5
causas de pequena imporcância (arts. 177. o a 182. º). Esta organização, que, salvas as designações, coincidia fundamenralmente com a
Jo Amigo Regime, mantém-se na Carta Constitucional de 1826. Mas as verdadeiras reformas apenas foram praticadas em 1832, com
o decreto de 16 Je Maio. Apesar de a estrutura ser idêntica à anterior, mantendo-se o tribunal de jurados (com juiz letrado) nas
comarcas e os juízes ordinários, nomeados na base de wna lista de eleitos; nos julgados (ainda subdivididos em freguesias com juízes
de paz e juízes pedâneos), criava-se wna magistratura do Ministério Público independente da judicial. Em 1835, extinguem-se, por
razões sobretudo políticas, os juízes ordinários, cujas eleições eram normalmente ganhas por anriliberais; mas eles são repostos na
Nova Reforma Judiciária de 1837, embora deparaMem com resisrências, quer do poder, quer dos povos. A lei de 28 de Novembro de 1848
consagra este desfavor das magistratwas populares, awnenrando (de 47 para 94) o número de comarcas com juiz de direito, restringindo a
alçada dos juízes ordinários, suprimindo o júri de acusação e restringindo a intervenção do de julgamento. Após diversos ensaios ( 1867,
1869, 1874), os juízes ordinárius são extinros em 1886. Quanto ao júri, de intervenção progressivamente reduzida, o Código de Processo
Civil de 1876 reduziu a sua intervenção, em matéria cível, aos casos em que as partes o peçam (Att. 0 401. 0 ); mas a sua intervenção
manreve-se dtiranre rodo o séc. XIX em matéria criminal (salvo, a partir de 1890, nos crimes a que não corresponda pena maior) e em
matéria comercial (salvo, rambém a partir de 1890, se as partes desistirem dela) (v. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Orga11iza(ão
j11diáal, Coimbra 1909. 66-97. 213-26!. Abolido em 1927, (cf., também, Código de Processo Penal de 1929 (art. 0 35.º, n.º 4,
jurados; 474. 0 , e segs., júri), o júri foi restabelecido pelo Dec. Lei 60S/7S, de 3/11 (Cf. também Const. 1976, art. 0 216. 0 ).
Como jurisdições especiais, Portugal conheceu algumas, no séc. XIX: os rribunais comerciais (em Lisboa e Porco,
substituindo em parte amigas juri$dições privilegiadas - Tribunal da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação,
Conselho do Almirantado, Juízo da Índia e da Mina, Ouvidores da Alfândega, extintos pelo Código Comercial de 18:H), com
intervenção forçada do júri e recurso para a Relação do distrito (lei de 18 de Serembro de 1833); os tribunais de árbirros avindores,
criados pela lei de 14 de Agosto de 1889, nos centros indusrriais importantes (Lisboa, Coimbra, Covilhã, Porto, Lourenço Marques,
Setúbal, Gaia), para resolver questões decorrentes das relações de trabalho e composros de presidente nomeado e represenração
paritária de patrões e empregados; os tribunais criminais e civis marítimos (substituindo rambém jurisdições do Antigo Regime,
abolidas pelo Código Comercial), miscos de funcionários e árbitros corporativos; os tribunais militares (conselhos de guerra do
exército e da armada, novamenre regulados por leis de 21 de Fevereiro de 1816 e de 30 de Outubro de 1822); os tribunais
administrativos, substituindo o sisrema dos embargos ordinários do Anrigo Regimt' e a função tutelar da jurisdicidade exercida pelo
Desembargo do Paço, foram criados a partir de 1832 (Conselho de Esrado, 1832 - como órgão contencioso, sob influência francesa,
184 S; Supremo Tribunal Administrativo, 1870; conselhos de prefeitura, 1832), inicialmente como órgãos de turela dos direitos dos
particulares e, só progressivamente, como garantes da legalidade dos procedimentos adminisrrarivos (v. JOSÉ ALBERTO DOS REIS,
OrxanilA{àJI .. ., cit., 113-152; MARCELLO CAETANO, Ma111Jal de direi/o admini.Jtrativo, 9.ª ed., U, 1277 ss.; legislação em JOSÉ
JUSTINO DE ANDRADE E SII.VA, Repertório 11.eral ou índice alphabeliro e mni.JJiw d. ioda a kgi.Jlaçãa portug11nA ... (até 1849), Lisboa 1850).
Sobre a justiça comercial, v. J.-M. SCHOI.Z, «la constitution de la justice commerciale capiraliste en Espagne et au
Portugal•, em O L1berali1mo na Pení111u/a Ibérica na primeira metatk do século XIX, II, Lisboa 1982, 6~-117.
2. A jurisprudência
O papel da jurisprudência tem sido crescente no decurso dos séculos XIX e XX,
tendo realizado uma uniformidade real na interpretação das leis, uma segurança jurídica
acrescida pela sua própria fixidez e, apesar desta fixidez, uma adaptação constante às
realidades da vida social_
E, no entanto, a jurisprudência era pouco simpattca aos chefes da Revolução
Francesa. Robespierre teria querido apagar da língua francesa a palavra «jurisprudência»,
pois «num Estado que tem uma constituição, uma legislação, a jurisprudência dos
tribunais não é outra coisa senão a lei». Ele colhera esta ideia em Montesquieu, que via
nos juízes "ªboca que pronuncia as palavras da lei» (Esprit des lois, XI, 6). A lei de 16-24
de Agosto de 1790 sobre a organização judiciária tinha imposto aos tribunais a obrigação
de se dirigirem aos membros do corpo l~gislativo «sempre que entendessem necessário
interpretar uma lei». Os factos iriam rapidamente demonstrar a impossibilidade, para os
tribunais, de s~ absterem de interpretar as leis para as poderem aplicar aos inúmeros casos
que lhes são submetidos.
506
Foi para fazer respeitar esta interdição formal de incerprecar as leis que a
Constituinte criou, pela lei de 27 de Novembro-1 de Dezembro de 1790, uma Cour de·
CaJJation. Este devia «quebrar» (casser), ou seja, anular, qualquer decisão judicial que
tivesse feito uma interpretação errada da lei, devendo a causa ser reenviada para outra
jurisdição do mesmo grau e da mesma natureza. Se, depois de duas cassações, um terceiro
tribunal decidia ainda no mesmo semido que os dois precedentes, o Tribunal de Cassação
devia submeter a questão ao Corpo Legislativo que faria uma lei interpretativa,
vinculadora para os juízes.
(69J M. LECLERCQ, Examen dtJ anitI rend11I m chambres réunies par la Co11r de CaIIalion dep11ú Jon inu!'llalion en matiere
criminelle, Bruxelas 1871; também, PaJicriiie. 1871, e Belg. Jud., 1872, col. l-21; Y. L. HUFTEAU, Lt riféré légiilatif et le1 /JOllt"oirJ
d 11 j11ge danI /e 5i/ence de la foi, 1965; J. GJLISSP~. •Le probleme des lacunees du droit dans l'évolution du droir médiéval et
moderne», in Ch. PERELMAN (ed.), Ltprob/bruti<J lac11neJ d11droi1, Bruxelas 1968, p. 197-246.
507
em geral, perante as decisões, na maior parte das vezes longamente motivadas, da Cour de,
Cassation. Assim, sem admitir o princípio do stare decisis dos países anglo-saxões, as
jurisdições dos países de direito romanista admitem- a «força de facto» da jurisprudência.
No entanto, muitos juristas dos países de direito romanista, na preocupação de
confirmarem o exclusivismo da lei, recusam à jurisprudência a qualidade de fonte de
direito. Isco corresponde a negar todo o trabalho de renovação do direito que se realizou
por via jurisprudencial nestes países, sobretudo em França e na Alemanha. O Code Civil
de 1804 sobreviveu até aos nossos pias graças à interpretação progressiva das suas
disposições pelos tribunais; os juízes «fizeram comum que o direito do séc. XX seja
melhor, mais compreensivo e mais humano do que o de 1804» (H. DE PAGE, Traité du
dmit civil, t. 1).
De resto, em certos países, os precedentes judiciais são obrigatórios para os juízes.
É assim na Alemanha Federal, onde as decisões do Tribunal Federal de Justiça
Constitucional são publicadas no Bundesgesetztblatt (Jornal Oficial). Em Portugal, a
autoridade do· precedente é reconhec:ida às decisões tomadas em pleno (assentos) pelo
Supremo Tribunal de Justiça, publicadas no Diário do Governo, (Diário da República). Em
Espanha, a doutrina ,legal estabelece-se desde o momento em que o Supremo Tribunal
decide várias vezes no mesmo sentido (70)_
A história desta evolução da jurisprudência no decurso dos últimos 150 anos não
foi ainda suficientemente descrita. Pode verificar-se que os tribunais se mostraram ora
.demasiadamente tímidos e conservadores ora muito ousados. Devem-se-lhes muitas
soluções justas e úteis, à margem das leis; um dos exemplos mais notáveis da
contribuição da jurisprudência para a evolução do direito é o volume de decisões relativas
à responsabilidade aquiliana: um só anigo do Code Civil de 1804 (o an. 0 1382. º) deu
origem a milhares de decisões judiciárias, formando uma das panes mais importantes e
mais vivas do direito civil actuaJ.
A importância prática da jurisprudência para o jurista pode ser medida pela
amplitude das revistas que publicam decisões judiciais.
Em França, as compilações mais antigas de jurisprudência são: ojournal du Palais,
que se inicia em 1791 e o Bulletin des jugements du Tribunal de Cassation, que se tornou no
Bulletin of/iciel de la Cour de Cassation, iniciado no ano VII (1799). Nos séculos XIX e
XX, os mais célebres são os Recueils Sirey e os Recueils Dalloz. Na Bélgica, a compilação
mais importante é a Pasicrisie, fundada em 1838; absorveu o Bulletin des arrêts de la Cour
de Cassation, contendo um grande número de decisões de 1791 a 1840, copiadas doutras
publicações mais antigas; desde então, publica periodicamente quase todas as decisões da
Cour de Cassation e numerosas decisões das outras instâncias 1• 1•
<•>NOTA DO TRADUTOR
Em Portugal, a preocupação de cercear a interpretação doutrinal e jurisprudencial vem já do l"'ríodo iluminista, nos finais
do Amigo Regime. Significativa é, aqui, a Lei da Boa Razão, de 19 de Agosto de 1769, ao dispor sobre as regras de interpretação e de
integração, em vigor na Cal;a da Suplicação. Nomeadamente, no que resl"'ita à ampliação ou restrição do direito nacional, adopta-se
um sistema de référé légiJ/ati/(S 11), embora no que se refere ao direito comum se limicasse a exigir que as dúvidas fossem resolvidas
em pleno(~ 6, •Mesa Grande»). Quanto às instâr.cias inferiores, a unidade jurisprudencial era garantida pela proibição de julgar
(ou mesmo de procurar) contra a lei e pela outorga de força vinculativa aos assentos da Casa da Suplicação (Ord. Fil., 1, 5, S 5; Lei de
7 de Junho de 1605 e S§ 4 a 6 da Lei da Boa Razão). Entretanto, a desconfiança em relação ao corpo das justiças letradas, já notória no
período iluminista, desabrocha depois da revolução liberal. A fàculdade de estabelecer jurisprudência vinculativa através de assemos é
retirada à Casa da Suplicação, pela lei de 12 de Novembro de 1822, que reforma as Relações, pelo que as decisões do Supremo
Tribunal de Justiça, criado em 1833. apenas valiam inter parteJ (salva a sua influência, de facro). No enranro, a reforma do Processo
Civil de 1926 (D.L. 22 de Serembro, art. 0 66. 0 ) reintroduziu a figura dos Assentos (v. JOSÉ A. DOS REIS, Código do procmo civil
anotado, Coimbra 1981 (ceimp.), Com. ao arc. 0 763. ANTÓNIO CASTANHEIRA NEVES, •O instituto dos assentos•, Rev. leg.
jur., Ano 105, pp. 293, Ano 106, pp. 83 ess.).
Durante todo o sé<:. XIX, no encanto, a influência da jurisprudência parece ter sido bastante grande, sobretudo aré à
promulgação do Código Civil de 1867. Liz Teixeira, por exemplo, equipara a inrerpretação autêntica à interpretação conforme ao
«Sentido diuturno e invariável que a lei no foro renha tido» (v. A. M. HESPANHA, •Sobre a prática dogmática dos juristas
oitocenristas», em A histúria do direito na hittória Jocial, Lisboa 1978, 70 ss. (max. 132 ss.). Sobre a jurisprudência, direito processual e
organização judiciária, v. J.-M. SCHOIZ. •Prozessrechr. Portugal», em H. COING, (ed.) Handbuch tk Quellen .. . , cir., III. 2,
München 1982, 2443-2448.
DOCUMENTOS
1. FRANÇA. MONTESQUIEU. Esprit des lois, acerca do papel dos juízes e o poder judiciário.
Livro VI., e. 3: <<No governo republicano, é da natureza da constituição que os juízes sigam
a letra da lei».
509
Livro XI, c. 6: «Üs juízes da nação não são senão a boca que pronuncia as palavras da lei,
seres inanimados que não podem moderar nem a força, nem o rigor dela».
Livro XI, c. 5: «Não há qualquer liberdade se o poder de julgar não estiver separado do
poder legislativo e executivo. Se ele estivesse conexo com o poder legislativo, o poder sobre a vida
e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria o legislador. Se estivessé conjunto com
o poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor».
Are. 0 4. 0 Serão eleitos por seis anos; no fim desce cermo, proceder-se-á a uma nova
eleição na qual os mesmos juízes poderão ser reeleitos.
Are. 0 8. 0 Os oficiais encarregados das funções do Ministério Público serão nomeados
vicaliciamence pelo rei e não poderão, cal como os juízes, ser destituídos senão em virtude de
processo regularmence julgado pelos juízes competentes.
Art. 0 203. 0 Os juízes não podem incrometer-se no exercício do poder legislacivo, nem
fazer qualquer regulamento. Não podem revogar a lei, nem suspender a sua execução, nem citar
perante eles os membros da administração em razão das funções destes.
Art. 0 204. 0 Nada previsto pela lei, pode ser subtraído à apreciação dos juízes por qualquer
comissão, ou por outras atribuições, senão pelas que são determinadas por uma lei anterior.
Are. 0 205. 0 A justiça é administrada gratuitamente.
Art. 0 208. 0 As sessões dos tribunais são públicas; os juízes deliberam secretamence; as
sentenças são pronunciadas em voz alta e serão motivadas, enunciando-se aí os termos da lei aplicada.
Are. 0 238. 0 Um primeiro júri declara se a acusação deve ser admitida ou rejeitada; os
factos são estabelecidos por um segundo júri, sendo a pena determinada pela lei aplicada por
tribunais criminais.
M. DUVERGER, Constilutions et documenls politiques,
1960 p. 56-59.
Art. 0 178. 0 Os juízes de facto serão eleicos directamente pelos povos, formando-se em
cada distrito lista de um determinado número de pessoas, que tenham as qualidades legais.
Art. 0 179. 0 Haverá em cada um dos discricos, que designar a lei de divisão do
território, um juiz lecrado de primeira instância, o qual julgará de direito nas causas em que
houver juízes de facto, e do facto e direito naquelas em que os não houver.
512
Art. 0 180. 0 Os referidos distritos serão subdivididos em ou'rros; e em rodos eles háverá
juízes eleccivos, que serão eleitos pelos cidadãos directamenre, ao mesmo tempo e pela forma por
que se elegem os Vereadores das Câmaras.
Are. 0 183. 0 Todos os juízes letrados serão perpétuos, logo que tenham sido publicados
os códigos e estabelecidos os juízes de facto.
Are. 0 191. 0 Haverá em Lisboa um Supremo Tribunal de Justiça, composto de juízes
letrados, nomeados pelo Rei, em conformidade com o art. 0 123. 0
As suas atribuições são as seguintes:
1. Conhecer dos erros de ofício, de que forem arguidos os seus ministros, os das
Relações, os Secretários e Conselheiros d'Escado, e os Regentes do Reino ...
II. Conhecer das dúvidas sobre competência de jurisdição, que recrescerem entre as
Relações de Portugal, e Algarve;
III. Propor ao Rei com o seu parecer as dúvidas que tiver ou que lhe foram representadas
por quaisquer Autoridades, sobre a inteligência de alguma lei, para se seguir a conveniente
declaração nas Corres;
IV. ·Conceder ou negar a revi~ta.
O Supremo Tribunal de Justiça não julgará a revista, mas sim a Relação competente ...
Art. 0 192. 0 A concessão da revista só tem lugar nas sentenças proferidas nas Relações
quando contenham nulidade ou injustiça notória.
Are. 0 193. 0 No Brasil haverá também um Supremo Tribunal de Justiça no lugar
onde residir a Regência daquele Reino, e terá as mesmas atribuições que o de Portugal,
enquanto forem aplicáveis.
Quanto ao território Português de África e Ásia, os conflitos de jurisdição que se moverem
nas Relações; a concessão das revistas; e as funções do tribunal proteaor da liberdade de imprensa
(art. 0 8. º)serão tratadas no mesmo território e pelo modo que a lei designar.
(71) P. PONTEil., H irloire de /' enstignemml m Frana (17 89-1964 ), Paris 1966; L. U.ARD, L 'enseignemmt Jupérieur en F rance
l. A Escola histórica·
173> E. VAN DIEVOET údroil civil m Belgique e/ m Hollande de 1800,; 1940 p. 81-234; do mesmo, Pmblbnt> du droil ti
1ciena belge du droi1 civil, 193 l;J. BONNECASE, La peméejuridiqmfra11f1Ji.Jl de 1804 itl'htun f"É'mlt, 2 vols. Paris 1933; A.). ARNAUD, l.tJ
juriJltJ /Me à la 1ocié1é, <Íu XIX. •Iilt:/e à n01 juorI, Paris 197'; A. BRIMO, w grand> couranu de la philoiophie du droil ti de l'l!.lal, Paris
1967;]. CARBONNIER, Flexibltdmil, Paris 1969.
515
volumes, de 1810 a 1812, em Liege: Le droit romain dans ses rappom avec le droit /rançais et
/es principes des deux /égislations.
Foi sobretudo na Alemanha que a Escola histórica conheceu um grande sucesso.
Reagindo contra a influência francesa e sobretudo contra a ideia de codificação, juristas
em_ín-erires-~.:lfatiza~ Íd~i~ de \iotksgeist (e~pírito do P<>vo): ~ -Pa~j d~- pov~- é, a seus
olhos, predominante na formação do direito, constituindo os códigos obstáculos à sua
evolução natural, que se faz sob a influência das modificações constantes da vida social
prlspri; de cac:la povo. Entre os numerosos representantes da HÍJt(lf'ische Schu/e, uns
referem-se sobretudo ao direito germânico (Eichhom, Jacob Grimm, Beseler), outros ao
direito romano, tal como tinha sido recebido na Alemanha (Hugo, Savigny, Puchta).
Savigny (1779-1861) publicou em 1814 o seu célebre Über den Btr11f umerer Zeit für
Ge1etzgeb11ng und Rechtswissemchaft (Sobre a tendência do nosso tempo para a legislação e a
ciência do direito), em que combatia o trabalho de Thibaut, que tinha preconizado uma
codificação do direito civil alemão.
As Faculades de direito criadas por Guilherme 1 em 1816 em Gand, Lovaina e
Liege, sofreram uma forte influência da ciência jurídica alemã da épcoa; um professor de
origem alemã, L. A. W ARNKOENIG (1794-1866) exerceu uma influência real pelos seus
estudos de história e de filosofia do direito <7 4>: Quando, em 1834, surgiram a
Universidade Católica de Lovaina e a Universidade Livre de Bruxelas, a influência da
Hístorische Schule alemã predominou nas novas faculdades de direito, substituindo
progressivamente a influência francesa. O alemão Ahrens (1808-1874) ensinou o direito
natural, de 1834 a 1848 em Bruxelas; o seu Cours de droit naturel, aparecido em 1838, mas
com oito edições até 1852, acentua~ anterioridade do direito em relação à lei. Um outro
alemão, E. ARNTZ(l812-1884), p~ofessorde di-;~Tr~-civiie;;;B~~l~~-p~-blicou, de 1860
a 1875, um curso de direito civil (Cours de droit civil /rançais) que, dominado já pela Escola
da Exegese, não negou, todavia, todo_ o i~teress~ pela_co~~ri~uição da história e ~xigênc}as
práticas da vida quotidiana.
<741 G_ WILD, i.L-Opold AugUJI Wanrkonig, 1794-1866. Ein Rech11Í•Mrr zwúchen Nalurm:hl und hi11oriJclxr Schu/e und ún
Vermi11/er tk111schen Geijltr in WeJlt11ropa, Karlsruhe 1961; R. HARSJN, ·La Faculré de droit (de Lege) sous le régime hollanda.iS>,
Chro11iq11e Uni~. Litfl,<, 1967, 67-76;domesmo: •L Wamkoenigàl'UniversirédeLiege•, ibid., p. 97-127.
516 ,/
/
Isolavam assim o Code Civil - e também os outros códigos - do meio social no qual ele
tinha nascido e no qual ele devia ser aplicado; consideravam-no em si, como um todo, do
qual eles deviam deduzir por via de raciocínio todas as soluções teoricamente possíveis.
Método, portanto, \puramente dogmático, baseado na análise exegética dos textos legais mi.
<?, fu_~da.rriento c:la. _nov(l ('(mcepção do, estudo do direito era a doµrri1l3: legalista: tod'! o
direit()
.- , .está ' - "'
na lei. Só o legislador, - agindo em nome da naçãp
-·, _-,.· "..
soberana,
.
tem o poder. de
.. . ..
elaborar o direito. Não pode, portanto, existir outra fonte de direito senão a lei. «Não
conh~Ç~ ~--direito civil; apenas ensino o Code Napoleón», teria dito o professor Bugnet.
Todavia, como o legislador não pôde prever todas as dificuldades que podem surgir, o
juiz deve, para pôr fim às questões que lhe forem submetidas, interpretar os cextos da lei pela
via do raciocínio lógico, de forma racional. A Escola da Exegese leva, assim, à vitória das
ideias
'-
fiJosóficas e polítiças
,...·- . . .____ . .,__ . '""··-- . .. ····-·
dg~ _gr.uides
-· ..
~~r~~f-;.;~;---d~--~k~-XVI1Í:-~t~~-m~~
- - --· ........ --- ......
~--- ... ,,,. .-· ·---...
·.-----~--·-·--~---~-----#'---~
e
rãcioÍÍ.alismo. Estarismo: a concepção legalista consagra o culto do Estado-Deus e da
s~b~~an1a da nação; o legislador, sozinho, cria o direito. Racionalismo: as leis devem ser
interpretada:> racionalmente, logicamente; a experimentação, a história, o direito
comparado, nada disso cem qualquer interesse para o jurista. Sob a influência das ideias
filosóficas de Kant na Alemanha, de Saint-Simon e, sobretudo, de Auguste Comte em
França, deu-se o nome de positivismo legal, ou Gesetzpositivismus, às teorias da Escola
da Exegese.
Esta Escola dominou a ciência do direito em França e na maior parte dos países da
Europa continental de 1830 a 1880; teve precursores; e ainda exerce, mesmo nos nossos
dias, uma profunda influência sobre o ensino (sobretudo sobre o do direito civil) e sobre a
prática do direito.
- Entre os precursores, citemos, desde logo, MALLEVILLE, um dos redacrores do Code
Civil, que publicou entre 1805 e 1814, a sua Analyse raisonnée de la discussion du Code Civil
(4 volumes). Obra bastante medíocre, que não teve grande influência, mas que indicou a
nova via. Depois vieram os Cours de droit civil dos professores DELVINCOURT (em 1808),
]EAN PROUDHON (em 1809) e ToUllIER (em 1811); mas, se enunciam já certos pontos
fundamentais da doutrina da exegese, permanecem ainda sob a influência do direito
romano e costumeiro.
O primeiro daqueles que foram chamados os «grandes comentadores» do- Code
Napoieón é A. DuRANTON, cujos 22 volumes do Cours de droit /rançais suivant ie Code Civil
apareceram a partir de 1825. Depois, são AuBRY e RAu (8 volumes, 1838-1844),
DEMOLOMBE (31 volumes, 1845-1876), TROPLONG (27 volumes, 1833 e seguintes) e,
mais tarde, BAUDRY-LACANTINERIE(29 volumes, 1895 e seguintes).
Na Bélgica, a Escola da Exegese exerceu uma influência profunda e durável.
Desde 1830 que os juristas da Bélgica independente, quase todos francófonos, se voltam
para a França; a maior parte dos grandes tratados são, de resto, reimpressos em Brúxelas.
O chefe de fila da Escola da Exegese belga foi François LAURENT (1810-1887),
professor da Universidade de Gand. Liberal, teve graves problemas com os bispos de Gand
e Bruges, por causa do seu ensino. Publicou 33 volumes dos seus Principes de droit cfril, de
1869 a 1879. Aplicou, duma forma sistemática, o método exegético. No prefácio desta
obra, ~~~!_3,_s':1~-~~~~PS~-() d.(),.9ir,~i!?:_p~a.e.~f!L.«2_~!r.e.~t_<?.~-~~cj~n.~i~~~C.i()_1:1_~-~-~; o juiz
não pode «desobedecer à letra da lei sob o pretexto de penetrar no seu espírito»; «OS códigos
nada deixam ao arbítrio do intérprete; este já nã0 tem por missão fazer o direitÕ·,--f,oi~ o
&reir~ e;cã fdco: Acabo~~ i~cert~za: o direito está escrito nos.textos aútênticos;>. Láurent
füT_o-·d~fe~s~r mais aguerrido da Escola da Exegese ! 76l.
A influência de Laurent foi considerável, mesmo em França; na Bélgka, os Príncipes
de Laurent continuaram a ser a única grande síntese de dire-ito civil até ao aparecimento,
em 1933, do Traité de droit civil de HENRI DE PAGE. Professores, magistrados e advogados
continuam a servir-se dele. De resto, poucas outras obras importantes em matéria de
direito civil, na Bélgica; foram geralmente cursos de direito civil, relativamente
sumários mi.
~~-~.!~-~-~nha, a ciência do direito foi dominada por duas correntes, complemen-
tares uma da outra: a Pandektenwissenscha/t e o Gesetzepositivismus. As codificações -
prussiana, bávara, fran~es~:-~t:-é: :::..:do~ i~íé~os do sécl1lo ~ãose ci-~ham imposto na parte
central dos Estados germânicos; aí, o ius commune, ou seja, o direito romano, tal como
tinha sido compreendido e explicado nas universidades, continuava a ser a base do direito
privado e constituía o objecto de trabalhos dogmáticos cada vez mais aprofundados. Os
representantes mais célebres desta pandectística ( Pandektistik) são _Win_dsc~~}d (1817-
1892) e_ _v'?_r;!_)!~ri.r.!8 (1818-1892). O Lehrbuch des Pandektenreschtes (1862-1870), do
primeiro, dominou a ciência do direito civil na Alemanha ances e mesmo depois da
codificação do B.G.B.; com as suas traduções em italiano e em grego, ele exerceu uma
forte influência sobre os juristas destes países. De von Jehring, citemos o seu Geist des
rôºmischen Rechts auf den Stufen seiner Entwicklung (Espírito do direito romano nas fases da
sua evolução, 1852) e, sobretudo, Der Zweck im Recht (0 fim no direito, 1877-1884).
1761 Acerca do projecto de código civil redigido por Laurent, v. p. 414; R. WARLOMONT, Françoir Laurent, jurúte,
homme dºaclion el publicisle. Bruxelas 1948.
<111 E. ARNTZ (1812-1884), Co1m de droi1 civil, 1. • ed., 2 vols., 1860-1875, 2.ª ed., 4 voL, 1879-1880; P. NAMUR
( 1815-1890), professor sucessivamente nas Universidades de Bruxelas, de Gand e de Liege, CourI dºencydop;,Jie du droit. ln1rodurlion
générale à l'é1ude du droil, Bruxelas 1875; V. THIRY (1817-1889), CourI de droil civil, Liége 1892; G. GALOPIN ( 1849-1921), CourJ
de droil civil, (vátios fascículos), 1910-1919;]. VAN BIERVUET (1814-1935), Om Burgerlijk Weihoek, 1904; Co1m de droil rivil: lei
Iuamiom. 1925; H. ROLIN (senior, 1874-1946; professor da Universidade de Bruxelas), Prolégombles à la science du droil, 1911;
lnitiation juridique. Rilumé du rourI dºrocydop;,Jie de droil, 1923; A. KLUYSKENS, Btgimelro van Burgerlijk Ret:ht, vol. 8, 1948-1951;
l. DUPR!EZ, •Hisroire de la Faculté de droit de Louvain de 1835 à 1935-, Ann. Se. jurid. polil .• t. IV, 1935; R. VICTOR, Etn
emm Vlaam1ch rerh11lf!llen, 1935.
518
3. A Escola cierltífica
A reacção contra os excessos da Escola d~ Exe8f!Se manifesta-se em França a partir
dos anos 80 do século passado. No entanto, ela não conseguiu impor-se senão por volta,
de 1900, e tendo ainda de combater os últimos defensores da concepção legalista e
dogmática.
A nova doutrina recusa-se a considerar a lei como fonte única de direito; admite a
sua preeminência, embora entenda que o costume, a jurisprudência, a doutrina e a
equidade devam também ser reconhecidas como fomes de direito. O jurista deve
procurar as soluções mais justas e mais adequadas, como complemento às normas
impostas pelo legislador. Já em 1904, o presidente do Tribunal de Cassação francês,
BALLOT-BEAUPRÉ afirmava que «O juiz não deve obstinar-se em procurar determinar
qual foi, há cem anos, o pensamento dos autores do Code, ao redigir este ou aquele artigo;
o que se deve perguntar é qual ·seria o seu pensamento se o mesmo artigo fosse redigido
hoje»; deve ter em consideração todas as modificaÇões que <<se verificaram nas ideias, nos
costumes, nas _instituições, no estado da economia e da sociedade». Outros dirão que o
juiz deve interpretar a lei no sentido do seu fim social actual: que ele «deve ser do seu
tempo», que ele «não é um fóssil».
É pela livre investigação cienrífica (em alemão: Freie Recht1findu11g) que o jurista
deve esforçar-se por revelar o direfro do seu tempo: deve tomar em consideração todos os
elementos constitutivos do estado actual do direito; a sua pesquisa deve, nomeadamente,
ser guiada pela histórià das instituições. Os progressos feitos pela sociologia do direito e
pela filosofia do direito devem ser utilizados para um melhor conhecimento e
compreensão das normas jurídicas da vida actual. O jurista deve considerar as
experiências feitas, os sucessos ou fracassos que resultam dos movimentos constantes do
direito. Deve procurar a expressão do justo e não exclusivamente a vontade do legislador.
O direito é, em si mesmo, coisa diferente da lei; se esta continua a ser o elemento
principal para o conhecimento do direito, não exclui os outros elementos: sobretudo, o
costume, os princípios gerais e a jurisprudência.
Apesar da importâ.J:tcia, desde há cerca de um século, das novas tendências
~~~r!~~is~~i:~~ftÍy-i~rJi? lesalÍstii'continua ainda muito -~ivâi,-taíltO no-ensino do direito
como na jurisprudência. Os juízes, sob o constrangimento moral dos supremos tribunais,
procuram ainda basear sempre as suas decisões num texto legal, como condição essencial
para a segurança jurídica. Para o eminente jurista austríaco, Hans Kelsen ( l_ª-~ 1- 1,97 3~L.!1
e i &:ic ia do direi to deve per~~eêei-puramenre- furídlc~ '(k;i~~ -:R;a1úf;J,-;~~ -i 927;- 2~ ~d . ª
i'96o)~;p~~~d;·d~i~uêi:t-d~--socfológicas-:-~Íític~~~ éticas; o direito é um conjunto
----- ..------·-- -·- ---------··-· -·.-·•"'"•• ........ , . , - .. . ._ "'" ...... --- - ·····. ···- -----·--·----·-·----·-
519
NOTA DO TRADUTOR
EnJino do direito e cultura jurídica em Portugal nos séculos XIX e XX.
O ensino do direito em Portugal, obedeceu, basicamente, ao •modelo europeu•, com a exclusividade ou a franca
predominância do ensino do direiro romano. A Reforma Pombalina dos Estudos Jurídicos (1772) constiruiu, no entanto, um ponto
de viragem, precoce a nível europeu, ao quebrar o monopólio do ensino romanista (e canonista) pela introdução de uma cadeira de
Direim Natwal Público Universal e das Gentes (na verdade votada ao ensino das inovações doutrinais e legislativas da Europa
contemporânea), de História Civil dos Povos, e Direitos Romano e Porruguês e, sobretudo, de Direito Pátrio_ Esra última, servida
por um compêndio notável, as lnuituliones iuril civilil lusitani, de Pascoal José de MELO FREIRE, vai, de facto, tornar-se na
disciplina central do ensino jusídico ainda durante os fins do século XVIII. A criação da Faculdade de Leis, distinta, por-canto, da de
Cânones, em 1836 permitiu o alargamento do eleru;o das cadeiras de direito nacional (Direito Público, duas cadeiras de Direico Civil,
Direito comercial, Direito criminal, além da Economia polírica e, depois, do Direito administrativo (1843). Do ponro de visca da
consrrução, no entanto, a autonomia em relação à ciência romanista foi - aqui como na Europa - mais difícil de obter, tendo o
legado da pandecrística, sobrerudo alemã, do séc. XVIII (Marrini, Heineccius, Thomasius, Wollf, Srruvius, Nettelbladt) dominado
a sistematização e exposição e as grelhas conceiruais mais gerais. Mas, a parrir dos inícios do século XIX, a influência francesa
(Porralis, Pothier, Demolombe, etc.) foi-se impondo, em parre pelo prestígio do Code civil. em parce, também, por razões
linguísticas. A partir dos finais de 1870, as correntes positivistas passam a influenciar forremenre a Universidade <Emídio Garcia,
Afonso Costa}. dominando o conteúdo das principais cadeiras e tendo tradução na reforma de 1911 e, depois, na criação, em Lisboa,
(79) H. DE PAGE, De /'interprétation tks fois. Contribution à la recherche d'une mJthode positive, 1925; A f>ropos du go1111ernemm1
lechnique de l'ilahoralion du droit positif, 1935; J. LECLERQ, úçons de droil naturel, 4 vais.; Le fondement du droil el dt la sociélé, 3. • ed.,
1948; L'Etat ou la poli1ique, 3.a ed., 1948; Lafamille, 2. • ed., 1945; Les droilsel devoirsindividue/s, 2. • ed_ 1946.
521
de uma Faculdade de Estudos Sociais e de Direito ( 1913). Mas, a par desra, desenvolveu-se, sobretudo no domínio do direiro privado,
uma orientação dogmático-jurídica, influenciada pela pandect!srica alemã dos finais do século XIX (Guilhorme Moreira), que deu um
corn predominantemente consrrucivista e reoricisca (mas nãO, em A'eral. doutrinário) ao ensino unlverslrário até a.os nossos dias~
embora este ceoricismo - mais sensível na •escola de Coimbra" - tenha incorporado, a seu tempo, as novidades da •jurisprudência
dos interesses• (VAZ SERRA, MANUEL DE ANDRADE) ou uheriores aquisic;ã4's de sentido antipositivista (PEREIRA COELHO,
CASTANHEIRA NEVES, ORLANDO DE CARVALHO). No dominio do direito público, a componente conmutivista foi
matizada por uma orientação realista, bebida sobretudo em L. Du,i.:uit e M. Hauriou <FEZAS VITAL. CARLOS MOREIRA,
MARCEi.LO CAETANO, AFONSO QUEIRÓ) <8 D.
Quanto à doucrina, ela segue um idêntico perfil de evolução, até p.)rque. em geral, se tem confundido ou com os manuais
universitários, ou com a produção cientifica dos professores de direito. Num primeiro período, entre a reforma universitária de 1772
e o Código civil de 1867, a doutrina é fundamentalmente subsidiária da dogmática romanista do mm motÚ!r7/u1 pa11dtaaru111,
dominante na Universidade. Continuando o direito romano (susceptível de •uso moderno•) a ser a espinha dorsal do direiro privado,
a doutrina funda-se sobretudo nas soluções da pandectística romanista europeia, eventualmente alteradas pelos dados da tradição legal
ou dourrinal portuguesa. No quadro das fontes do direiro, a produção doutrinal ocupa, assim, um lugar central; algumas das suas
obras desempenharam, em Portugal, o papel de sistematização, de modernização e de certificação do direito que, noutros países, foi
desempenhado pelos códigos. Tal é o caso, desde logo, das l11.rli1u11011e1 iuriJ cit'l/i1 (e mmi11a/ii) l1m1am, de Pasoal José de MELO
FREIRE ( 1780-1794); mas também das /1111i1uiçõe1 de direilo civil ( 1848). de Manuel António COELHO DA ROCHA ( l 79.~-1850> e
do Digtllo Por1uguê1 (1835), de). H. CORREIA TELES (1780-1849). No domínio da filosofia do direiro, esre período é dominado,
primeiro, pelas corrences iluministas (sobretudo pelas tendências mais compatibilizáveis com o fundo escolástico tradicional,
Thomasius e Wolf!); depois, por K. F. Krause, lido através de Ahrens, seu discípulo e divulgador para os países latinos, e cuja influência
se estende, como em Espanha, até aos finais do terceiro quan:el do sáulo, combinaodo-se então o seu solidarismo com o sociologismo
comriano e formas mais modernas de organicismo Q. M. RODRIGUES DE BRITO (FILHO), SILVA FERllÃO, C. MARTENS, COSTA
LOBO). Kant, em contrapartida, exerceu uma influência discreta, sobretudo através de Vicente Ferrer NETO PAIVA (1798-1866).
Um segundo período é abeno pelo aparecimento do Código Civil, em 1867, e pela consequente reforma radical do sistema
das fonres de direito. A tendência é, 'ncão, a de seguir um método mais estritamente exegético. No en.sino universitário, isto
rraduz-se na adopção do cexro do código como manual, mesmo para cadeiras como a Filosofia< a História do direito. Surgem os
grandes comentários aos códigos (como, para o Código Civil, o de JOSÉ DIAS FERREIRA (1837-1909), Códit.o cini porll1t.11ez
"º
a111101ado ( 1872-1877); para o Código penal, o de LEVY MARIA JORDÃO ( 1831-1875), Commlário Codip,opmal portut.un. 1835;
para o Código de processo civil, o de JOSÉ DIAS FERREIRA, Códit.o dt prow10 cit'il a11notado, ou de ALVES DE SÁ (1849-1916),
Commlário ao Código tk procmo civil; Parao direito comercial, as Anno1açõtJ ao Codigo dt commercio portuf.utz (1855-57), de Diogo For jaz;
obras que, naturalmente, se continuaram no século XX (CUNHA GONÇAl. VES, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, f. PIRES DE LIMA
e J. M. ANTUNES VARELA). A correnre exegética, cujos representantes eram, em geral, universitários, combinou-se, no entanco,
com orientações mais marcadamence doutrinais. Por um lado, com o sociologismo (de Comte, de Littré ou dos realismos do início do
séc. XX - Duguir, Hauriou); por outro lado, com o consrrurivismo da pandectísrica alemã dos finais do séc. XIX (Windscheidt, no
direito privado; Laband e Jellinek, no direito público). O sociologismo dominou o período do final de século e as duas primeiras
d1kadas do séc. XX, rendo sido especialmente influente na história do direiro (MARNOCO E SOUSA, PEDRO MARTINS), no
direiro político e administrativo QOSÉ FREDERICO LARANJO, EMÍDIO GARCIA, MARNOCO E SOUSA; e, no seio de uma
corrente -realista•, sobretudo FEZAS VITAL, MAGALHÃES COLLAÇO), no direito social e economia política (ainda MARNOCO
E SOUSA) e no direito penal (AFONSO COSTA). No domínio do direito privado, em conrraparrida, influiu mais o construrivismo
conceirualisra, sobrerudo a partir das /111/iluiçõeJ de direito civil porluguêJ (1909, 1911) de GUILHERME MOREIRA (1861-1922).
Nos anos trinta deste século, rudo isco vem a confluir em orientações algo eclécticas, embora o sociologismo até então
dominante renha sido ultrapassado por orientações dogmáticas, ou mesmo por tendências kelgenianas (L. CABRAL DE
MONCADA, AFONSO R. QUEIRÓ). Na juspublicísrica predomina um instirucionalismo de raiz francesa (Hauriou) ou italiana
(Sanri Romano), combinado com o fundo noo-escolásrico da ideologia do regime estabelecido em 1933; embora, justamente, o
estabelecimento do Estado Novo e a ideologia da Ordem e Autoridade renham temperado esre insrirucionalismo com um acentuado
(81) Sobre a evolução do ensino jurídico em Portugal, M. ] . ALMEIDA COSTA, •leis cânones, direito•, Dic. hiJI. Porl.,
li; A. M. HESPANHA, Rtco111efar a refotma pombali114?», •Rev. dir. es/u<ÚJs 1ociaiI•, 19(1974) 5-34; do mesmo, •História jurídica e
polírica do direito• «Ponugal 1900-1950), A11áliu 1ocial, 72-4 (1982), 795-812; MÁRIO REIS MARQUES, ·Elemencos para uma
aproximação ao estudo do •USU!I modernus pandectarum em Portugal•, em fa1u<ÚJ1 em homenagem ao1 Profl. Ma11uel Paulo Meria e
Guilherme Braga da Cruz, Coimbra 1983; MANUEL PAULO MEREA, •O ensino do direito em Portugal• (1805-1836), em
}uriJromulto1 portugut.Jes do Jk. XIX, Lisboa 1947, 149-90; do mesmo, •Esboço de uma história da Faculdade de Direito•, Boi. Fac.
Dir. Coimbra, 28(1952), 29(1953), 30(1954), 31(1955), 33(i957); M. J. ALMEIDA COSTA, •O ensino do direi~o em Ponugal no
séc. XX (reformas de 1901 a 1911)., Boi. Fac. Dir. Coimbra, 39(1963); MARCELLO CAETANO, •Apontamentos para a hisrório
da Faculdade de Direito de Lisboa•, Rev. Fa<. Dir. Li1/;c,1, 13(1961); Os 1e/e111a a1101 da F"'111dadt dt Direilo dt LiJboa. Ca1tJlogo da
expoiifiio doç111TU11tal, Lisboa 1984.
522
positivismo estadualista, subsumindo os •corpos• ao •Estado• e o direito à lei (MANUEL RODRIGUES; 1889-1942). Os principais
nomes são: antes de tudo, MARCEllO CAETANO, cujos manuais universitários (de direito adminimativo e de direito constitucional)
tiveram urna influência indispura<la are aos nossos dias; depois, fEZAS VITAL, AFONSO QUEIRÓ e CARLOS MOREIRA.
Na civiliscica, o Pf'ndor teoricisra e dogmácico reforça-se, com a influênl"ia, direcca ou medi.na, da doutrina alemã. Nos
anos quarenta, a pnvatística portuguesa cem wn com acentuadamente teoricista, procurando, com grande à-voncade impor à
legislação (nomeadarnence, ao Código civil individualista de 1867, agora desroance das orientações transindividualiscas do
corporativismo e de outras concepções do «Estado social•) as novas soluções propugnadas pela evolução da sociedade europeia. É por
esta via que são introduzidas e praticadas (com wna sensível relutância dos tribunais, muito mais legalistas do que a doutrina
universitária) soluções desconhecidas da legislação, corno a relevância da base negocial, do princípio da boa-fé, do enriquecimento
sem causa, dos critérios objeniviscas e releológicos de interpretação, para só falar dos pontos mais centrais e mais críticos). Aqui, os
grandes obreiros são, ames de cudo, MANUEL DE ANDRADE ( 1899-1958); depois, ADRIANO VAZ SERRA, GALVÀO TELES,
PIRES DE LIMA, ANTIJNES VARELA, e seus discípulos.
Em suma, a doutrina jurídica - que se identificou, nestes dois séculos, com a produção universitária - teve um papel
determinante na evolução e na prática do direito positivo. O legalismo mais radical foi sempre matizado por uma filosofia, espontânea
ou assumida, que valorizava as componentes transpositivas do direito (institui<;ões, direito narura1~ este último, de resto,
expressamence invocado no Código civil (arc. 0 16. 0 ) e na Constituição de 1933 (art. 0 4. 0 ). Por outro lado, o dogma da separação de
poderes e do primado do legislativo (que fundamentaram o legalismo contemporáneo) sempre foram contestados pelas correnres
conservadoras, com um importante peso nas faculdades de direito. Sobretudo quando lhes escapou o controlo dos mecanismos
políticos (corno durante a 1 República ou depois de 25 de Abril de 1974), a doutrina universitária lançou mão do jusnaruralismo
como instrumento de combare, no plano do direito.
Por outro lado, os professores das Faculdades de Direito sempre tiveram um acesso fácil ao poder, não só enquanto ministros
da justiça (sobretudo durante o Estado Novo), corno enquanto membros de comissões legislativas, pois os códigos mais importantes
foram sempre elaborados por comissões onde o elemenro académico era predominante. Daí que, frequentemente, as soluções
doutrinais renham passado direcramente para a lei e que, consequencemen.:e, a doutrina funcione muicas vezes como
interpreração «quase autêntica•. A situação apenas se alterou quando a conjuntura política impôs o elemento representativo
ao elemento universitário (82).
DOCUMENTOS
1. J. H. CORREIA TELES, Digesto porluguez ou tratado dos direitos e obrigtlfôes civis accomodado às leis e
costutms da Nafão portugueza para seroir de subsídio ao 11()110 código civil, Lisboa, 183 5. Prefácio, 1-6.
Tendo tido a honra de ser eleito pelos meus Provincianos, Depurado às Cortes de 1821, e às
de 1826; e havendo-se em umas e outras deliberado, por unanimidade de votos, fazer novos
Códigos: como membro da Comissão de legislação, julguei do meu dever empregar minhas
poucas forças, em ajuntar materiais para o Código Civil, que é o mais defectivo no corpo das
Ordenações, que há mais de dois séculos nos regem.
Julguei então, e ainda agora, que um Tratado dos Direitos e Obrigações Civis, que fosse
perfeito, seria o melhor Código Civil, que desejar-se possa: porque codos os milhares de questões,
que no Foro, ou fora dele, se podem agitar, vem a cifrar-se nisco; se uma parte tem direito, se a
outra tem obrigação.
182) Sobre a evolução doutrinal nestes dois séculos (além de algumas das obras citadas na nota anterior), LUÍS CABRAL de
MONCADA, •Origens do moderno direito português. Época do individualismo filosófico•, Eu11dc1 tk hiJtória do direito, 2, Coimbra
1949, 55-178; do mesmo, •Subsídios para a história da filosofia do direito em Portugal• Boi. For. Dir. Coimbra, 14(1937-8),
15(1938-9); do mesmo, •Para a história da filosofia em Portugal no século XX, Boi. For. Dir., 36(1960); ANTONIO BRAZ
TEIXEIRA, •A filosofia jurídica portuguesa acrual•, Boi. Min. }1111., 89{1959) 268-332; A. M. HESPANHA, •Sobre a prática
dogmática dos juristas oitocentistas•, cit.; do mesmo •Historiografia jurídica e política do direito• cir.; LUÍS CORREIA DE
MENDONÇA, •As origens do Código Civil de 1966: esboço para uma contribuição., AnáliJe J(J(ial, 72/74 (1981), 829-868;
JuriJcomu/101 portugue.re.J do 1kulo XIX (org. JOSÉ PINTO LOUREIRO), Lisboa 1947, 1/11. Em especial, para a evolução da
publicística, MARCELLO CAETANO, O fw<•blema do método no dinito adminiitrativo portuguiI, Lisboa 1948; e para a criminalfstica,
EDUARDO CORREIA, Direito criminal, Coimbra 1963, 101-128.
523
As acções forenses, ainda que na Legislação Romana encham largas páginas, a meu ver
devem ter o seu assento no Código do processo, e aí mesmo deverão ocupar pequeno espaço.
Em quase todos os artigos da Obra apontei as Leis, ou DO. que os apoiam, porque as
Cortes, que já mencionei, nos seus Programas assentaram que os novos Códigos deveriam
conformar-se, quanto possível for, às Leis e Costumes da Nação, e que somente se deveriam
afastar naqueles pontos, em que razões de justiça ou d'equidade assim o persuadissem. Por isso,
para que não parecesse aos menos versados em Jurisprudência, que o autor desta Obra era grande
inovador, invoquei em auxílio de minhas opiniões DO. velhos, e já falecidos.
Sobre as Leis Romanas fiz mais alguma firmeza, do que sobre os escritos dos DO., porque
não podemos negar-lhes algum grau de autoridade extrínseca. Os novos Estatutos da Universidade
1. 2. T. 5. Cap. 2. §. 19. em declaração à Lei de 18 d'Agosto de 1769, dizem, que aquelas Leis
são aplicáveis nos casos omissos nas do Reino, todas as vezes que se não mostre, que elas estão em
oposição com estas, ou com as Leis Naturais, Políticas, Económicas, Mercantis e Marítimas das
Nações civilizadas; e dão esta fortíssima razão: = Porque é mais conveniente ao bem público, que
nos casos omissos haja uma Lei, e norma fixa e constante para a decisão das causas, do que ficar a
administração da justiça dependente do arbítrio dos Juízes. Enquanto pois não tivermos Códigos
menos imperfeitos que as actuais Ordenações, as quais em inumeráveis lugares deixaram de dispor
o que era necessário, mandando guardar o Direito Comum; não podemos, como fizeram os
Franceses, desautorar de todo o Direito Romano, sob pena de ficarmos em muitas matérias sem
Lei alguma, lutando com a arbitrariedade. Na França mesmo ainda hoje é lícito invocar o Direito
Romano, não como Lei, mas como razão escrita: ou como alguns dizem, 11011 ratio11e imperii, sed
ratio11is imperio.
Em apoiar muitos artigos sobre disposições de Códigos estranhos, também não introduzi
novidade. Outro tanto se encontra emJurisconsultos nossos, e antigos: e a razão, que davam para
sua desculpa, era, que ainda que as Leis _d'outro Reino não tivessem autoridade alguma em o
nosso, contudo as suas disposições podiam muitas vezes ser abraçadas como opinião mais
provável, que merecera ser adaptada por lei.
A compilação das doutrinas não era su1e1ta a menos embaraços, do que a escolha do
método. Tínhamos de extractar as leis publicadas no longo período de mais de dois séculos:
tínhamos de combinar as Ordenações, a cuja redacção presidiu a influência eclesiástica, ou a
supremacia do direito romano, com as leis da reforma Josephina, ditadas por um espírito
inteiramente op~sto; e além disso de pôr em harmonia umas e outras com os princípios da Carta, e
524
com as reformas novíssimas: rínhamos finalmente de suprir as imensas lacunas das leis pátrias,
mendigando os materiais pelos escritos dos praxistas, pelas colecções do direito romano e
canónico, e pelos códigos modernos das nações civilizadas. Esta tarefa complicada colocava-nos
em um estado de perplexidade; ou (porque o não havemos de confessar?) dava-nos uma
arbitrariedade, que sendo vantagem em outro género de escritos, é um verdadeiro embaraço nos
de direito positivo, em que a·razão se deve ocupar antes de coligir, concordar e filiar os princípios
já fixados pelas leis, do que de os escolher e discutir.
Ainda que estejamos ·convencidos de que muito errará aquele, que na execução das
Ordenaçôes e leis antigas acender ao espírito, que as ditou, sem modificar a sua aplicação
conforme as circunstâncias, e tendência da época presente: contudo, em desempenho do nosso
dever de professor, pusemos especial cuidado em as sustentar e seguir, e somente as abandonámos
por antiquadas, quando nem no .~entido literal, nem no lógico, as pudemos concordar com as
reformas posteriores.
Nos casos omissos ordinariamente adoptámos as decisões do direito romano: muitas vezes
porém recorremos aos códigos modernos, principalmente ao Civil Francês e ao da Prússia. As
razões, que a isso nos impeliram, acham-se desenvolvidas na Nota B do Tom. 1. 0 , para onde
remetemos os leitores.
Finalmente, a fim de extrairmos desces variados elementos um todo homogéneo na
substância e na forfT!a, e de evitar os defeitos, que com razão se argúem ao Código Comercial
fizemos passar por igual fieira de redacção, assim os longos períodos das Ordenações e leis antigas,
e as complicadas fórmulas das leis do Digesto, como as versões dos códigos. Sobretudo nesta parte
do nosso trabalho esforçámo-nos por unir a clareza com a precisão: não nos atrevemos a
lisonjear-nos de ter conseguido tal fim, porque o mesmo princípio, que parece claríssimo a quem
está senhor da matéria, está bem longe de o ser para outros, principalmente para aqueles, que
apenas conhecem os primeiros rudimentos: é este o inconveniente, que coma sobretudo difíceis de
preencher as funções do magistério.
3. JOSÉ DIAS FERREIRA, Codigo civil port11g11ez annotado, Coimbra 1870, I. Prefácio,
pp. XI-XVII.
Publicado assim o código cão desacompanhado dos elementos necessários para se estudar e
compreender devidamente, era natural que desde logo se levantassem no foro, na imprensa, e no
magistério, graves dúvidas e dificuldades sobre a inteligência dos preceitos de mais frequente
aplicação aos usos da vida.
As faltas resultances do laconismo, requisito indispensável da lei, cujas palavras devem
pesar-se como os diamances, no dizer de um filósofo inglês, são sempre atenuadas e preenchidas
pelos relatórios que ordinariamente acompanham as colecções de leis. Mas para a inteligência do
nosso código carecemos inteiramente d'esse valioso subsídio.
Não podem suprir-se estas faltas senão por meio de comentários e anotações an código. A nossa
publicação porém não é verdadeiro comentário ao código, mas um simples ensaio, que poderá
aplanar o caminho para os jurisconsulros consumados pelo seu saber e, pela sua longa experiência
do foro, poderem tentar trabalho complero e acomodado às dificuldades da matéria e à elevação do
assunto.
Nós limitámos o nosso propósito a explicar o que está nos anigos, e o modo como deve ser
525
executado e completado Ç> preceito da lei, conquanto não poucas vezes dêmos a razão da lei, e
emitamos o nosso juízo sobre o modo de a melhorar.
Escrevendo as anotações ao código, dirigimo-nos principalmente àqueles cuja missão se
resume em explicar ou executar a lei, e só por incidente aos que pesam com o difícil encargo de a
alterar e reformar.
Pareceu-nos conveniente preceder a análise de cada secção ou capítulo do código da
exposição histórica do direito contido nessa repartição, e de um exame sintético dos preceitos
legais aí consignados, ou preceder as anotações de uma parte geral, em que fizéssemos a exposição
histórica e a crítica jurídica das matérias contidas nas diferentes secções, capítulos ou títulos em
que se divide o código.
Este sistema aproveitava aos encarregados da execução da lei, que n'aquela introdução
achavam valioso elemento para a interpretação do rexro legal, e sobretudo aos encarregados de a
explicarem, que conjuntamente com a análise do texto têm que fazer a exposição da dourrina.
Porém este plano, ainda que a referida introdução fosse concebida em termos muito
resumidos, não podia deixar de avolumar consideravelmente a obra, reta;daria muito a sua
publicação, e pode ser objecto de um trabalho à parte.
O sistema conciso, claro e simples de Rogron nas suas notas ao código civil francês,
pareceu-nos extremamente conveniente para o fim que nos propunhamos.
Ainda assim saíram-nos as nossas anotações muito mais extensas e circunstanciadas, não
tendo em conta os arestos que aquele insigne jurisconsulto rranscreve como esclarecimento aos
respectivos artigos.
De citar a cada passo os artigos correspondentes da legislação estrangeira prescindimos nós
muito de propósito. Podem e devem citar-se as fontes do texto sempre que a ciração seja
necessária para a inteligência das disposições legais. Mas acumular e amontoar citações de leis
estrangeiras sem necessidade para a inteligência do texro da lei portuguesa nem o mérito de
ostentar erudição rem hoje, que há tantas e cão importantes obras escritas sobre o direito
comparado.
Quem recorre aos comentários das leis o que deseja principalmente saber é o que está na
lei, e como pode ser executada e preenchida a sua provisão; e, quando muiro, procura alcançar
também a razão da lei. Tudo o mais pode ser útil -e conveniente segundo os fins e as
circunstâncias; mas é dispensável para quem pretende unicamente conhecer e executar a lei.
O exame comparado dos diferentes artigos onde se regulam espécies análogas, ou cuja
redacção oferece contradições, é decerto a primeira obrigação do comentador. A vantagem deste
trabalho não se encarece, nem se demonstra, aprende-se nos exemplos.
Quem, por exemplo, para aconselhar ou julgar a responsabilidade do albergueiro numa
espécie e dano causado pelos hóspedes tiver presente só o artigo 1421. 0 , há-de opinar ou decidir
que o albergueiro é responsável por todos os danos causados pelos estranhos que houver albergado,
ou tenha cum~rido ou não a respeito destes os regulamentos de polícia.
Mas se for combinar o artigo 1421. 0 com o 2381. 0 reconhecerá que o albergueiro em caso
nenhum responde pelos danos causados pelos hóspedes, se a respeiro destes tiver cumprido os
regulamentos de polícia.
Coniunramente com a exposição de alguns princípios gerais, contidos em preceitos
meramente teóricos, analisámos disposições positivas e prática~. que eram como o corolário
526
<B3) Veja-se ANTÓNIO LUIZ DE SEABRA, A propriedmk, pág. 44, nota (e).
527
regular todas as relações, incluindo as que não forem previstas pelo legislador. São portanto os
princípios em que assenta esse direito e que o enformam que devem constiruir fundamentalmente
o direito subsidiário.
ex1gencias da vida real; outros, como Lamben, confiam mais na acção da doutrina inspirada
sobretudo nos dados da legislação comparada; e outros ainda, como Geny e Saleilles, rompem
audazmente com a teoria tradicional, que vê na lei a fonte única do direito, colocando ao lado dela
a livre investigação científica.
6. DOMINGOS FEZAS VITAL, Do acto jurídico, Coimbra 1914, Introdução, pp. 7 ss.
O direito público, que nos primeiros tempos vivia confundido com os elementos sociais e
políticos que se encontram na sua base, começou mais tarde, à medida que os conhecimentos se
desenvolviam, a constituir-se em disciplina autónoma, aparecendo com configuração própria e
distinta das demais ciências sociais, com que mantém necessariamente múltiplas relações, mas das
quais se distingue e diferencia.
É certo que a unidade da vida social não permite a existência independente dos vários
factos sociais, que vivem, pelo contrário, em íntima colaooração.
Os estudos científicos não são, contado, possíveis senão à custa de separações teóricas e
abstractas, contrárias à realidade, mas legítimas.
Para estudarmos um objecro torna-se necessário isolá-lo das circunstâncias e contingências
que o cercam.
O pensamento científico, naturalmente limitado, não se contenta, porém, com esse
isolamento. Exige mais e, em nome da lei da divisão do trabalho, confere a ciências diversas o
encargo da sua explicação.
É assim que a física. a química, a biologia, etc., não fazem recair as suas observações sobre
factos ou objectos necessariamente distintos e opostos, mas escudam os mesmos objecros,
encarando-os sob· pontos de vista diferentes. Esta afirmação, verdadeira em todos os campos
científicos, é-o também no domínio das ciências jurídicas.
Uma instituição jurídica é sempre uma instituição muito complexa, que se nos apresenta
sob vários aspectos, consoante os pontos de vista sob que a encaramos.
É, sobretudo, ao esquecimento desta verdade que devemos atribuir o atraso em que se
encontravam, há bem poucos anos, os estudos de direito público, atraso que levou ao espírito de
muitos juristas e em especial dos civilistas, a convicção da impossibilidade de sujeitar as relações
de direito público a princípios técnicos cuja consistência pudesse ser comparada à que domina, há
séculos, no direito privado.
Não queremos com isto afirmar que o direito privado tenha vivido completamente alheio a
esta falta. Algumas das suas noções fundamentais, que reputamos erróneas, são uma consequência
da confusão apontada.
É, porém, no direito público e devido especialmente às íntimas relações em que este ramo
do direito vive com elementos de natureza política, que a sua acção se tem feico sentir com mais
intensidade.
O domínio da técnica jurídica acha-se assim bastante reduzido. Limita-se ao estudo dos
meios e processos jurídicos, em si mesmos, independentemente das condições de meio, fins e
vantagens que justificam a sua adopção.
Só uma separação rigorosa entre o que é político e o que é técnico-jurídico consegue,
529
porém, evitar que a literarura do direito público desça ao nível da literatura política do jornal,
como diria Laband.
Basta folhear os antigos trabalhos de direito público para nos convencermos rapidamente
da veracidade do que vimos de afirmar.
É fácil enconcrar descricas e criticadas com erudição e talento as várias instituições
políticas, mas é bastante difícil descortinar verdadeiros princípios de direito. Fazia-se ciência
política e não direito público.
Os tratadistas modernos, influenciados sobretudo pela literarura jurídica alemã, entraram
num caminho diverso e pode dizer-se, com verdade, que os escudos de direito público
constituem, hoje, verdadeiros trabalhos jurídicos.
7. LUIS CABRAL DE MONCADA, Lições de direito civil (Pan:e Geral), Coimbra 1932, 6 ss.
Ora o direito é uma ciência toda feita de abstracções, de conceitos abstractos e delicados,
ligados uns aos outros por uma lógica s11i generis, e se essas noções abstractas, esses conceitos
básicos e essa lógica não furem devidamence assimilados e rigorosamente definidos desde o
princípio, daí resultará necessariamente uma quase invencível dificuldade no compreender os
princípios fundamencais do direito civil e mesmo até os de todo o sistema da ciência jurídica.
Este o perigo. Para o evitar, é que eu me permito chamar desde hoje a atenção dos senhores
estudances para este facto, ao mesmo tempo que prometo insistir, durante todo este curso, na
definição quanto possível rigorosa desses conceitos e noções, procurando familiarizá-los com eles o
mais possível e ao mesmo tempo insistindo sobretudo naqueles cujo valor prático for mais
indubitável.
É preciso que nos convençamos de que a estrutura lógica e a anatomia de todo o sistema
orgânico de ideias que formam as diversas ciências do espírito - e a ciência do direito é uma delas
- não podem deixar de ser eminentemente filosóficas e que todas as chamadas noções fundamentais
do direito civil não têm outro carácter.
tirania nem 1n1ustiça. Exactamente porque tudo é nacional, ao Estado incumbe examinar com
cuidado o que é o bem comum, e provê-lo com solicitude.
É claro que estas ideias não excluem o exame da vida dos outros povos, o prosperar das suas
instituições, as soluções que encontraram para problemas idênticos. Os contaetos são úteis, necessários
mesmo. Querem significar que assim como não há lei exterior que se imponha ao Estado nas suas
relações com os seus súlxlitos, também não há uma lei superior que se lhe imponha, nas relações com
as outras nações. Isto não quer dizer que o Estado deva ser indiferente a cenas correntes, a certas
idealidades que atravessam o Mundo por cima das fronteiras, resultado da colaboração dos povos. Deve
mesmo integrá-las, depois verificar da sua bondade e fazê-las suas. Porquê?
26 - O Estado realiza um fim que é o fim da comunidade - bem comum - e daqui
resulta, naturalmente, que Q seu poder está limitado por este mesmo fim. Esquecê-lo, é
destruir-se a si próprio porque o Estado não existe para si, considerado como entidade abstracta,
mas como uma comunidade.
E o que é o bem comum - fonte natural e limite do poder do Estado?
Partindo de ideias erradas, muitos consideram regra do bem comum apenas a regra das
instituições de comando do Estado, a sua organização e a sua defesa, como se o Estado, fosse um
organismo puramente político.
A verdade, porém, é que não consideramos o Estado apenas como uma máquina de
coacção, mas como a Nação organizada.
De modo que, por bem comum deve entender-se tudo o que contribui para a conservação e
desenvolvimento do Estado concebido este na sua organização superior e nos elementos que o
compõem.
E assim compreende tudo o que pode fortalecer e fazer prosperar todos os elementos
estáticos, quer se trate dos organismos tradicionalmente estaduais, quer se trate de indivíduos e
instituições que compõem o Estado.
O bem público é a medida dos benefícios e também a medida das restrições a conceder ou a
impor a indivíduos ou organismos, e é igualmente o limite do poder estadual.
O Estado não pode ir mais além, nem deve ficar aquém.
Tendo atingido a síntese estadual, desçamos agora à análise dos seus elementos básicos, das
suas instituições integradoras, daquelas instituições que a história dos povos denuncia como
irredutíveis.
O Homem social por si, considerado como uma consciência com o poder de se dirigir para
um fim, inspirado e dominado pelas ideias e forças ambientes, é um primeiro elemento.
Integrando as lições do passado, é como uma alma que se continua num novo corpo, e esta noção
da eternidade define-lhe e orienta-lhe as aspirações, dando-lhe um valor social.
Mas ele não esgora todos os elementos da vida social. Há, no Estado, um certo número de
instituições diferenciadas, geradas pela Natureza e pela História, que não é possível destruir nem
útil enfraquecer, porque por elas se defendem com mais proveito os interesses permanentes· e
gerais da sociedade, e se valori= os indivíduos. São: a Família, a unidade local e a Corporação.
Examinemos cada uma delas:
A família constitui um núcleo de pequena extensão, em que os indivíduos se encontram
unidos pelos laç?s do sangue, que são, desde todos os tempos, os mais fortes. Tem o homem um
interesse próprio e uma consciência própria, ma5 a sua consciência é dominada frequentemente
531
10. ANTUNES VARELA, .. Algumas soluções do Código do Registo Civil .. , Rev. Leg.
Jur., Ano980965), 161.
Eu sempre entendi, por várias razões cujo desenvolvimento se não coaduna com a índole da
Revista, que nas prelecções feitas perante o público receptivo e impreparado dos alunos, o professor
deve concentrar especialmente a sua atenção sobre os problemas de interpretação da lei e de
integração das lacunas do sistema, e sobre as tarefas de elaboração científica dos materiais
fornecidos pela legislação, abstendo-se quanto possível de intervir em questões de outra ordem,
incluindo as que entram abertamente no domínio da política legislativa. Estas interessam de modo
particular aos políticos, à administração, às assembleias legislativas ou às comissões revisoras, nas
quais os professores têm sempre um papel destacado a desempenhar - mas fora do público
escolar, longe do ambiente específico da actividade docente.
Se outra for a orientação seguida pela escola, então os alunos, as famílias deles e a própria
Igreja têm uma palavra especial a proferir, porque nessa altura passam a ter perfeito cabimento
quanto ao ensino superior as considerações que o deputado ANTÓNIO SANTOS DA CUNHA
em tempos desenvolveu na Assembleia Nacional sobre os problemas gerais da educação, e que
mereceram. a plena concordância dum mestre ilustre da nossa Faculdade, o Professor GUI-
LHERME BRAGA DA CRUZ 184>.
<84> Ancónio Maria Sancos da Cunha, A propóúto da uiucll(iio, 1965, Prtfáúo, pá&. 14, onde se ttcn:ve: •Porque a sua
função (do fütado), nesce asf>ecro, é, ainda e sempn:, a de n:alizar o que a família e a l&n:ja não podem n:alizar por si, o Esrado não cem
que arvorar-se em doutrinador, ances rem de corúormar-se com a oriencação doucrinal que aquelas sociedades priorirárias dariam à
educação em cais seccores, se lhes fosse possível deseml"'nhar dittecarnence e55a missão•.
TERCEIRA PARTE
ELEMENTOS DE HISTÓRIA
DO DIREITO PRIVADO
INTRODUÇÃO
1. Plano
Esta terceira parte é consagrada ao estudo da evolução histórica de algumas insti-
tuições importantes do direito privado. Iremos examiná-las por uma ordem que segue em
parte o plano do Código Civil francês de 1804. Por ocasião do estudo de certas das
disposições deste, analisaremos simultaneamente alguns aspeccos de outros ramos do
direito privado, especialmente do direito comercial e do processo civil, como por
exemplo, as sociedades e as provas.
O Code Civil compreende um Título preliminar e três Livros, subdivididos em
títulos e em secções.
O Livro 1 trata «Das Pessoas». Examinaremos a este propósito a evolução do
estatuto de três tipos de pessoas: a mulher, os filhos menores e os estrangeiros. A cada
um desces estatutos foi consagrado, pela Sociedade Jean Bodin para a História Comparativa
das Instituições, um colóquio do qual retomaremos as conclusões. São estudados, por
outro lado, o casamento, o divórcio e os outros actos relativos ao estado civil.
No âmbito do Livro II do Code Civil, intitulado «Dos bens e das diferentes
modificações da propriedade», proporemos uma tipologia da propriedade fundiária, cuja
evolução seguiremos desde a época germânica e romana até aos nossos dias.
Sob o título «Das diferentes maneiras pelas quais se adquire a propriedade» o Livro
III, o mais longo do Codecivil(20 títulos, art. 711. 0 -2281. 0 , i.e., 1570 artigos), trata
das sucessões, das doações e testamentos, das obrigações e contratos, dos regimes
matrimoniais, dos privilégios creditórios e das hipotecas, da prescrição e, por fim, de
uma dezena de tipos de contratos: compra e venda, arrendamento, sociedade, empréstimo,
depósito, mandato, garantias, etc. Fizemos uma escolha de entre estes temas e apenas
exporemos a evolução histórica de alguns deles:
- as sucessões ( «ab intestato» e testamentárias);
- os regimes matrimoniais (que serão tratados no âmbito do Livro 1, simulta-
neamente com o casamento);
- a prova, tanto em matéria penal como em matéria civil;
- a formação dos contratos e a autonomia da vontade;
- a responsabilidade civil;
'.536
Colocámos o Code Civil de 1804 no centro da. nossa exposição histórica, desenvol-
vendo, por um lado, a evolução de cada instituição civil desde a época romana até 1804
e, por outro, a sua evolução desde então. Uma vez que ainda está, em larga medida, em
vigor, quer na Bélgica, quer em França - e, indirectamence, em muitos outros países-,
o Código continua a ser uma etapa importante da história do direito; mas, embora ponto de
suspensão depois de quinze séculos de evolução desde a época romana, o Code não foi
um ponto de paragem; o direito civil continuou a desenvolver-se, como não
deixaremos de mostrar ..
René Dekkers, em algumas daquelas frases lapidares de que tinha o segredo,
caracterizou como se segue o texto de 1804: «Ü Code Napoléon constitui uma ode ao bom
pai de família, ao indivíduo dotado de razão, tal como o pintam o cartesianismo, a escola
jusracionalista e a filosofia de Kant. Este homem procede, daro está, de acordo com a sua
razão. É previdente e diligente. Faz livremente os seus negócios; e fá-los ~m, por
definição. Fazendo isto, junca uma fortuna. Esta fortuna é destinada à sua família» 0 >.
Os princípios fundamentais do Código são a família monocrática, a propriedade
individual, a autonomia da vontade individual e a responsabilidade individual. Código
individualista, como o era em cena medida o direito romano na época da sua fase
m R. DEKKERS, •L'"°lution du droit civil brlgr drpuis Ir Codr NapcMon•, Rt11. j11ritiiq11• dM Co,,go btlgt, ano XL,
1965, 17-24; J. DABIN, •lndividu ri société. Lts t'311Sf0nnarioru du droi1 civil, du Codr Napoléon à nos jours•, 811/1. CI. ÚllrtJ.
Acati. btigt, 1958; ). CARBONNIER, Flo:ibk tiroil, Paris 1969; R. SAVATIER, La míl""11Jrj1hair.r icrmomiq"° ti Joâ,,/r.r ti11 tiroit ci11il
J',,11jo11rti'h11i, 3. • rd., 3 vols., 1959-64; G. RJPERT, útiidin tÍM tiroit, Paris 1949; G. MORIN, l...tJ moli"i ,J,, tiroit contrr /e Co<k, Paris
1954; L. DUGUIT, Les lrtJnsfomwtírms ginir,,/r.r tÍM tiroil fn'illi tkp11ide Co<k N,,po/ltm, 2. • <d., Paris 1920; J. BONNECASE, l...tJ pensle
j11ritiiq11efranfaÚt, tÚ 1804 à l'hOlrtprtJmtt. La 11ariatioru ti Jr.I lrtJÜJ tJJmtie/J, 2 vols., Paris 1932.
537
concedidos». A esta concepção liberal e paternalista das relações entre o capital e o trabalho
substituiu-se progressivamente uma outra, social, socialista, protectora dos trabalhadores.
O art. 0 1781. 0 foi revogado; os contratos de trabalho e emprego foram regulamentados por
lei. Nesta matéria, nasceu um ramo novo do direito, o direito social, que sucedeu, em
parte, ao direito civil.
Em 1804, a responsabilidade civil é estritamente individual: «todo o acto de uma
pessoa que cause a outrem lJ!ll prejuízo, obriga aquele por cuja culpa o facto se produziu a
indemnizar» (C. civ., are. 0 1382. 0 ). A culpa define-se, no Code, por confronto com a
conduta de um bom pai de família; é, portanto, individual. Desde ettão, uma
jurisprudência abundantíssima foi consagrada à interpretação - sobretudo extensiva -
deste art. 0 1382. 0 ; em, pelo menos, metade dos processos actuais, este artigo é invocado.
A abundância de litígios é uma prova da insuficiência desta disposição. Mas, na realidade,
o problema foi completamente deslocado: em numerosos casos aparece a noção de
responsabilidade sem culpa, coberta por um seguro obrigatório.
Ao Code Civil da sociedade individualista do início do séc. XIX substituiu-se,
portanto, um direito que tende a assegurar a igualdade efectiva de todos perante a lei pela
protecção dos fracos, graças à intervenção de grupos sociais que temperam o individualismo
em benefício do colectivismo. O Estado intervém cada vez mais nas relações entre
particulares; ele protege, em certas circunstâncias, os economicamente fracos. Assiste-se
àquilo que se tem chamado a <<publiciz.ação» do direito privado, ou seja, a absorção de parte
do direito privado pelo direito público; ou ainda a «socialização» do direito privado pelo
desenvolvimento que o direito social tomou. Daí, que a evolução do direito civil nos países
capitalistas se aproxime deste mesmo direito nos países socialistas de tendência comunista.
(2) O texto desce projecro encontra-se em P. A. FENET, Reottil.• , dtJ 1ra11aNxpriparatoiro Ju Code Civil, r. 2, 1827, pg. 3
ss., reproduzido muiro parciarn:.enre, Jupra, documento n. 0 10, p. .
539
Idade Média, fora considerado como fonte supletiva de direito; agora, deixa de o ser <4>.
O art. 0 5. 0 proíbe aos juízes pronunciarem-se sob forma de disposição geral: em
virtude da separação dos poderes, o juiz não pode legisfer. O C<Xk civil reage assim contra
todas as decisões de regulamentação genérica dos antigos Parlamentos franceses m.
O art. 0 6. 0 do Cock civil proíbe a revogação, por convenções particulares, das leis
que interessem à ordem pública e aos bons costumes. Trata-se, na verdade, de duas
noções herdadas do antigo direito e do direito da Revolução Francesa; o costume continua
a desempenhar um papel capital para determinar a noção de «bons costumes»; segundo
De Page <6>, é contrária aos bons costumes toda a convenção contrária à moral costumeira.
NOTA DO TRADUTOR
Tal como o Code Civil francês, o Código civil porruguês de 1867 rem sido considerado como um monumenco do liberalismo
individualista. Desde logo na sua sisremarização- rKlamada pdo próprio Seabra como ori11inal - , querem sido diro decalcar como
que uma biografia jwídica do sujeiro de direitos (1 - Da capacidade civil; II - Da aquisição dos direitos: Ili - Do direito de
propriedade; IV - Da ofensa dos direitos e da sua reparação). Como< realçado por J. -M. Scholz, no melhor estudo de conjunto sobre
o Código, o próprio objecrivo oficial da co::lificação era a concretização dos direitos civis e políticos dos Portugueses no base do
segurança individual, da liberdade e da propriedade (7)_
A segurança eta promovida pela cercificação e sistematização do direito inerente à codificação; mas também por refurmas
substanciais, como por exemplo, a rninsformação dos prazos de vidas em cnfireuse hcredirária (att. 0 1697) ou, em geral, o desfavor
de todos os institutos que aumemassem o risco da estabilidade negocial ou patrimonial (lesão enorme, acções de reocisão, liberdade de
restar (cf. an. 0 1784, fuando a legítima cm 2/3), restrição do insrituro das"subsrituições fideicomissárias, arr. 0 1867. 0 1, crc.).
A liberdade concrerizava-sc também em disposições normativas concretos - desde os arts. 12.º a l~. 0 • que legitimavam
toda a prossecução de direitos próprios que não perturbassem o exercício dos alheios, até disposições mais !~nicas que, no encanto,
asseguravam a plena autonomia e po::ler conformador da •vontade• (cf. SCHOlZ, 773 M.). v.g.; o art. 0 1549, que prescindia da
•lraditio• para a perfeição do contrato de compra e venda; o art. 0 1582. 0 , que excluía a lesão enorme como fundamento de reocisão
dos conrnitos.
Quanto à propriedade, basca dizer que a parte III - que, na economia do código, devia ser consagrada ao exercício
dos direitos - aparece subordinada à epígrafe .(lo direito de propriedade•, que, assim, suboume e resume em si rodos os
direito• (cf. SCHOI.Z, 772 55.). Mas o conteúdo desta Ili pane confirma o esqueleto teórico. A propriedade é concebida como um
poder ilimitado, abrangendo a dnrruição da coisa (arts. 2167.º, 2170.º, 2315.º). As limitações comunit>lrias ao seu exercício
(compáscuo) são abolidas (art. 0 2264'. 0 ). As suas formas •imperfeiras• são evicadas: na impossibilidade de faur passar a possibilidade
de remir a enfireuse (are. 0 1761 . 0 do projecro de 1858), ~bra proíb,, a subenfireuse (are. 0 1704. 0 ), tninsfurma os prazos de vidas em
prazos heredicários (are. 0 1697. 0 ), os furos de quantia incerta são convertidos em foros de quantia certa (are. 0 1692. 0 ).
(4)
Supra, p. 250 ss.; J. GILISSEN, •l.e probleme des lacunes du droir ... •, op. ât ..
m Supra, p. 448 ss.
(6) Trairé élémentairededroir civil, r. 1, p. 450 ss.
(7) O estudo mais documentado e metodologicamente mais perspicaz sobre o Código civil de 1867 é o cap. sobre
•PortUgal• (pp. 687-870) do volume li. 1 do H"""'-h der QuJ/m tmJ Li1era111r átr nrwrm ~ixhm Priva/rrJmgW1im (ed. H. Coing), da
aurorida de J. M. SCHOI.Z, que aqui seguimos de perto. Este cexco inclui ainda uma riquíssima bibliografia e excursos sobre outra
legislação oitocentiora, nomeadamente a relativa a furais, furos, desamorclllção, vínculos, baldios, crédito fundiário e direito
sucessório. No mesmo manual exisrem outros estudos do autor com imeressc para o séc. XIX, sobre direito processual e comercial,
ambos procurando faur uma leitura social do direito. A hiorória anterior da codificação foi também recentemente abordada por
MÁRIO REIS MARQUES, O liberaliJ,,,,, t a rodi/itafiio do dirtilo âvil em Por111gal, Coimbra 1984 (polic.). Outros eotudos:
GUILHERME 8. DA CRUZ, A /01'11IQflio hiJtltrii:a do moderno Ji,.ito priv""6 por111g11iJ e bralileiro, scp. •Revista da Faculdade de Direito
da Universidade de S. Paulo, ~O (1955); FRANOSCO JOSÉ VELOZO, Na iminmâa de 11m n1M1 Código rivil, Lisboa 1966; MÁRIO
JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, •Enquadtamenro histórico do Código Civil Português•, Boi. Fac. Dir. Coimbra, 38 ( 1961 J;
MANUEL DE! ANDRADE, •l!m memória do Vi>cvndtdeSt4bra•, ibid., 28 09,3) 277-301; LUÍS CORREIA DE MENDONÇA, A>
orig•m do C6digo âvil de 1966 ... , cir. Bibliografia geral sobre o Código civil, C6digo Civil PortJJg11i>. E!xpoúfÃO d(}(llmm/a/, Lisboa 1966.
54 I
Apenas no domínio do direito da família, o individualismo cedia perante os valores rransindividuais da concepção
parriarcal, garanrindo ao pai um acentuado poder de tutela e de direcção sobre os resranres membros da comwiidade familiar (na qual se
inclui o serviçal que, pala cerros efeiros, é sujeito ao poder de coi:rccção doméstica do •pacer-, (cf. arr. 0 1384. º; cf. ainda o arr. 0 1387. 0
que dá força probacória plena à palavra do amo em matéria de salários). A mulher cem, no código, um lugar subon:linado. O arr. 0 1104. 0
proíbe-a de privar, por convenção antenupcial, o marido à adminisrração dos bens do casal, ªP"fl'IS lhe permitindo a livre
administração dos «alfinetes•; enquanto que os regimes de bens tipificados no código entregam ao marido a direcção da família, tanto
nos aspectos patrimoniais - cf. arrs. 1189.º, 1192.º-1197.º (geral), 1116.º-1118. 0 (comunhão geral), 1128.º (regime de
separação!), arr. 0 1148. 0 (regime dora!!)- como pessoais - cf. arts. 1185.º (ao marido incumbe •pl'Ot'.eger a mulher• e a esta
.. obedecer ao marido•), art. 0 1186. 0 (dever de acompanhar o marido), art. 0 1187. 0 (autorização do marido para publicar escritos),
1204. 0 , n. 0 1 e 2 (diversidade da relevância do adultério), 1233.º e 1237. 0 (resrrições às (segundas) núpcias da mulher), art. 0 138. 0
(o pai, «Chefe de família., papel supletivo da mãe). O carái:rer transindividual da famflia - que explicará o reconhecimento da
indissolubididade do casamento (mesmo do casamento civil, introduzido pelo código, art. 0 1056. 0 ss.) - não impediu, porém, que
o casamento seja considerado como um mero contrato, tratado ao lado dos restantes.
A evolução política, social, económica e cultural posrerior não deixou de se rdlectir sobre o conjunto de relações sociais
reguladas no Código.
Durante a monarquia o Código não foi objecco de qualquer revisão. Nem o seu conreúdo fui significativamente alterado por
legislação extravagante, apesar de um abortado projecto de revisão em 1903 (SCHOlZ, 780 ss.). No entanro, foi sendo publicada
legislação extravagante relevante.
No domínio do regisrn civil, foram feiras modificações de deralhe aos respeccivos arrigos do Código (255. 0 , 2445.º a
2491. 0 ) pelos Códigos adminiscrarivos de 1870 e 1878. No domínio do direito de família, as modificações radicais só se produzem
com a legislação republicana, nomeadamente com os decs. de 3. 11. 1910, que introduz o divórcio, e de 25. 12. 1910, que estabelece o
registo civil obrigacório (na realidade, das últimas peças de construção de um Esrado •absoluro» e monopolizador do direito e do poder).
No domínio dos direitos reais, as modificações são mais numerosas. A enfireuse - um instiruto cenrral na consrituição
fundiária portuguesa da época - é objecro de nova regulamentação em 1892 (30.9), 1895 (10.1) e 1911 (23. S), de acordo com
projectos que pretendiam, ou acabar com ela, ou transformá-la num meio de consrituição duma estrutura fundiária mais equilibrada
(SCHOLZ, 824 ss.). No domínio dos vínculos, já tudo rinha sido resolvido, antes do Código, pela lei de 19.5.1863. No domínio da
desamortização, existem algumas leis posteriores ao Código, mas num sentido já anteriormente estabelecido (Lei de 28.8.1869 e
decr. de 25.1.1911) (SCHOlZ, 830 ss.). No domínio dos baldios, a lei de 28.8.1869 alargou a legislação desamorcizadora de
1861 /66 aos baldios, remarando um longo processo de extinção destas formas comunirárias de detenção da terra (SCHOlZ·, 836).
No domínio do arrendamento, é de cirar o decr. 12.11.1910, desvalorizando o papel do proprietário e a legislação republicana sobre
inquilinaro. No domínio (central) do crédito fundiário, intimamenre relacionado com a questão do registo pn:dial e do cadastro, o
Código, saído quarro anos depois da importante lei de 1. 7.1863 sobre hipotecas e registo predial, foi sendo alterado por numerosa
legislação avulsa (sobre hipotecas, regisro, cadasrro, crédiro rural, listada por SCHOlZ, 844 ss. ). Se não se pode dizer que toda esra
legislação modificou os fundamentos liberais individualistas do direito das coisas, é certo que ela procurou •racionalizar» a
consti ruição burguesa da propriedade fundiária, comparibilizando os interesses dos vários grupos sociais (e regionais) perrencentes ao
bloco no poder.
No domínio dos direitos sucessórias, as modificações mais importantes disseram respeito ao usufruto (lei de 31.8.1869) e à
redução da legítima de 2/3 para metade (decr. 31.10. 1910).
Com o advenro da questão social e, mais tarde, da ideia de intervencionismo económico e de Estado social, a desactualização
e insuficiência do Código passaram a ser sensíveis. A legislação republicana sobre trabalho e inquilinato urbano procurou colmatar os
maiores anacronismos; mas o Código mantém-se globalmente em vigor.
Não foi ainda a Reforma de 1930 (dec. 0 19126, de 16.12) - limitada e destinada, sobretudo, a esclarecer as quesrões
conrroversas que mais perrurbavam a certeza da jurisprudência- que resolveu o problema.
O relarório do dec. º-lei 33908, de 4. 9. 1944 (que inicia os rrabalhos de elaboração de um novo código) faz um balanço das
insuficiências do Código de 1867. Muitas disposições seriam obscuras. Inúmera legislação extravagante, bem como correntes
jurisprudenciais, teriam alterado o sentido dos seus preceiros - introdução do divórcio pela legislação republicana, proibição deste
para os casamencos católicos pela Concordara de 1940, aumenro dos poderes da mulher casada, limitação do poder parema! no
inreresse dos filhos, introdução de progressivas restrições ao direito de propriedade, protecção dos interesses dos trabalhadores,
introdução da responsabilidade objectiva em certos domínios de acrividade criadora de especiais riscos (v.g., no direito da estrada),
admissibilidade do ressarcimento dos danos não patrimoniais. Muitos instirutos tomados imporrantes no traco social eram
desconhecidos ou insuficientemente regulados pelo Código: morte presumida, direito ao nome e à imagem, fundações, associações
não personalizadas, negócios jurídicos unilarerais, negócios abstracros, ofrrtas ao público, contraros de adesão, contratos a favor de
terceiro, contrato de fornerimenro, direiro de prefrrência, propriedade horizontal, novas restrições ao direito de propriedade, nova
regulamentação do rrabalho. No domínio das figuras dogmáticas, o Código desconhecia a maior pane das cláusulas gerais a que a
dourrina ia dando um favor crescente, nos quadros duma tendência para a concretização das soluções jurídicas e para o respeiro da
justiça material (boa-fé, ba.se negocial, proibição do enriquecimento sem causa, abuso de direito). Por ourro lado, subjacente ao
Código estaria uma filosofia social desactualizada em muiros pontos. Por exemplo, na desvalorização da forruna móvel; mu sobretudo
542
no predomínio duma conce~ individualista da vida, que ignorava a função social da propriedade, .. limitações sociais e étic.. da
autonomia da vontade, os aspectos trarucontraruais do casamento.
Foi a estas insuficiências que procurou responder o projecto de elaboração de um novo Código Civil, finalmente concluído
em 1966.
Mas, quando este saiu, muitos dos desideratos estavam já obtidos ou por legislação avulsa (no domínio do inquilinato (lei
1662, de 4. 9. 1924), das relações de trabalho (além da legislação republicana sobre descanso semanal, hor.ltio de trabalho, trabalho de
mulheres e menores, greve, acidente de trabalho, a Constituição de 1933, Estatuto do Trabalho Nacional de 1933, Estatuto dos
Tribunais de Trabalho de 1940), das limitações à propriedade (nomeadamente, expropriação, 11.g., lei 1979, de 23.3.1940, dec.
17508, de 27. I0.1929; proibição de fragmentação excessiva da propriedade fundiária, dec. 16731, de 13.4.1929), da protecção à
propriedade familiar (com a criação de um irutiruto singular e socialmente falhado, o •casal de família•, nova espécie de vínculo, pelo
dec. 18551, de 3.7.1930, na sequência de legislação de 1920), da limitação das raxas de juro (dec. 21730, de 14.10.1932), da
protecção da propriedade artística e intelectual (dec. 13725, de 3.4.1927), da insriruição de responsabilidade objecriva em certas
acrividades (Código da Estrada, art. 0 138. 0 ) (8).
DOCUMENTOS
(8) Para a evolução do direito civil até 1910, o texto fundamental é o artigo de J. M. SCHOlZ, •Portugal•, no
Handbuch ... , cir.; para a evolução no séc. XX, ADRIANO VAZ SERRA, Rtlalóriododtt. 0 33908, de 4.9.1944, em D.G., n. 0 196
de 194, pg. 830 ss.; MANUEL DE·ANDRADE, •Sobre a recenre evolução do direito priwdo português•, Boi. Par. Dir. Coimbra,
22 (1947), 284-343 (com indicação das linhas previsíveis de evolução: fortalecimento da instiruição familiar, relevo à dimensão
social, protecção do trabalhador); ADRIANO VAZ SERRA, •A revisão geral do Código Civil. Alguns factos e comentário•, Boi.
Fac. Dir. Coimbra, 22 (1946), 451-513. (Com as duas anteriores, peças fundamentais); JAIME DE GOUVEIA, •O pensamento
jurldico português no Código Civil e na Constiruição Política•, GaztJa da RtlQfiiO de LiJhoa, 49 (1935) 241 ss.; LUÍS DA CUNHA
GONÇALVES, Tratado de áireilo dvil em romenlário"" Código ci11il po.-111g11lr, 1, Coimbra 1929, 111-165); FRANCISCO JOSÉ
VELOZO, •Orientações filosóficas do Código de 1867 e do actual projecto•, Brotéria 83 (1966) 145-174, 304-322, 467-497;
NUNO E. GOMES DA SILVA, •Codificação•, em Dic. Hi11. Port., 1, 601-2; J.·M. SCHOlZ, ·l!igentümstheorie ais Stratetiie
portugiesischen Bürgertums von 1850, •Quadtrni jiorenJini per la 1/0ria dei pemiero gi11riáico modwno 5-6 (1976-7), 339-451; LUÍS
CORREIA DE MENDONÇA, •Origem do Código e;.,;/ de 1966 ... ., Análirrnxial 72/4 (1982), dr ..
543
valor tem a convenção de determinada forma, etc.), contratos entre ausentes, ofertas ao público,
promessas de recompensa, contratos a que podêm aderir outras panes, negociações pré-contratuais
e responsabilidade em que nesse período se pode incorrer, -contratos realizados mediante formulários
ou modelos, causa dos negócios jurídicos, representação, cláusulas gerais dos contratos (que tanta
importância têm assumido na vida moderna), promessa de facto ou de obrigação de terceiro, cessão
do contrato, cessão ou assunção de dívidas, contratos para pessoa a designar, contratos em benefício
de terceiros, simulação (em que tão difíceis problemas se têm levantado a cada passo, como o de
saber se pode ser alegada por uma das partes contra a outra, qual a posição de terceiros perante o acto
simulado, etc.), nulidades dos negócios jurídicos (categorias de nulidades, suas causas, redução e
conversão de negócios nulos, etc.), erro dos negócios jurídicos (tão confusa e incompletamente
regulado no Código), negocios concluídos em estado de necessidade ou com grande lesão de uma das
partes, caducidade dos direitos (como figura diversa da prescrição), excessiva onerosidade
superveniente no cumprimento do contrato, certos contratos em especial (como a venda com reserva
de propriedade - paao reservati dominii, em particular a venda a prestações, a venda de herança, o
contrato de fornecimento, a renda vitalícia, o mandato de crédito, a cessão de bens aos credores),
enriquecimento injustificado ou locupletamento à custa alheia, cenas modalidades de tutela ou
curadoria (de cegos, de incapacitados pelo álcool ou por estupefaciences), adopção (deve pelo menos
estudar-se se deverá admitir-se), abuso de direito, relações de vizinhança entre proprietários, direito
de preferência ou de preempção (para que não existe um regime geral formulado na lei e do qual
alguns casos são regulados em leis especiais), propriedade por andares ou aposentos (tão corrente nos
bairros de casas económicas), restrições ao direito de propriedade ou modalidades desce impostas
por motivos de defesa fluviál ou de aproveitamentos hidráulicos ou eléccricos, no interesse geral da
produção ou por outras razões de ordem pública, toda a regulamentação do trabalho (há muito
superada já a do Código pelo desenvolvimento da indústria e pelo fonalecimento do valor atribuído
ao trabalho e da protecção devida aos trabalhadores).
E poderiam também mencionar-se o tratamento que o Código dá aos bens mobiliários,
fundado na antiga concepção m mobi/is, res vi/is, em flagrante desacordo com o imenso incremento
que teve nos nossos dias a riqueza mobiliária, bem como algumas matérias que, apesar de
tradicionalmente admitidas, têm sido sujeitas nos últimos tempos a intensa reelaboração doutrinal
ou legislativa e que carecem, por isso, de revisão: pense-se no que se tem passado com a teoria da
interpretação dos negócios jurídicos, com a organização da tutela, com as obrigações alternativas ou
solidárias, com a compensação ou com a posse.
De facto, a ciência jurídica está em constante evolução, e será útil recolher as vantagens da
investigação de que ela tem beneficiado desde o Código de 1867 até aos nossos dias.
Isto é conveniente mesmo que se não tenha ainda sentido entre nós a necessidade da revísão
quanto a alguns pontos. As leis, com efeito, não devem límitar-se a dar satisfação às reclamações já
formuladas na prática ou a reprodU2ir o estado da consciência jurídica da colectividade, senão que
lhes cabe igualmente o papel de orientar a vida e promover o seu progresso .
. . . . 4. Entre as razões que podem apontar-se para uma revisão do Código Civil destaca-se a
de que o nosso tempo requere um direito social, razão que já em 1904 levou muitos a preconizar uma
revisão do código civil francês e tem sido proclamad_a pelos autores dos códigos mais modernos.
544
individuais, ou a certos deles, também uma função social ou a restringir o seu exercício por
considerações de ordem pública.
Direito social não significa, pois, necessariamente, que não devam ser reconhecidos direicos
aos indivíduos, mesmo porque o interesse da coleccividade pode ser que esses direitos lhes sejam
conferidos e, deste modo, terão os direitos individuais, também ou exclusivamente um funda-
mento social de onde o não poderem ser exercidos em oposição ao bem da comunidade.
Daqui o entender-se, por exemplo, que o direito de propriedade ou o seu exercício deva
coincidir com o interesse geral, uma vez que o motivo ou um dos motivos por que é reconhecido aos
indivíduos é o de se julgar que há conveniência social na sua atribuição como meio de estimular a
produção e o trabalho; ou que os direitos de obrigação não possam exercer-se contra o seu fim social
desde que as relações obrigacionais não são tuteladas apenas para satisfação dos interesses egoísticos
dos indivíduos, mas para assegurar a distribuição equitativa dos bens e o progresso social ou
económico; ou ainda que o casamento deva ser regulado de acordo com a sua função de fonte da
família legítima, e não somente como contrato realizado no interesse exclusivo dos cônjuges.
Mas, são possíveis, como já se disse, nesta orientação e. em tese geral, soluções muito
diferentes para os mesmos problemas, pois aqui, onde alguém pensará que o interesse social exige
uma determinada atitude, outros serão de opinião contrária: enquanto uns, verbi gratia, hão-de
achar que os contratos não deverão manter-se logo que por circunstâncias imprevisíveis se alterou
profundamente o equilíbrio económico das prestações (teoria da imprevisão), outros serão levados a
crer que as estipulações contratuais subsistirão mesmo nessa hipótese, por o impor a necessidade
social do respeito pelas convenções; e assim por diante.
O código civil alemão de 1896 foi apontado como um código social em oposição ao código
civil francês. Aí, o carácter social do direito revela-se, por exemplo, na consagração da teoria do
abuso do direito, na declaração de que os contratos deverão ser executados segundo as regras da
boa-fé, no poder dado ao juiz de reduzir a cláusula penal exagerada, no preceito do § 138. 0 , segundo
o qual pode anular-se o negócio jurídico no caso de alguém, explorando a necessidade, a ligeireza ou
a inexperiência de outrem, obter vantagens excessivas e chocantes.
Maiores são as aplicações em alguns códigos posteriores, e não poderá eximir-se o trabalho
de revisão agora projectado a ter em conta esta corrente de ideias que postula um direito mais social,
orientação já firmada nos textos constitucionais, em que se encontram claramence expressos
princípios inconciliáveis com o rigor do direito individualista.
Muito embora se considerem como direitos e garantias individuais, entre outros, o direito à
vida e integridade pessoal, o direito ao bom nome e reputação, a liberdade de escolha de profissão ou
género de trabalho, indústria e comércio, o direito de propriedade e sua transmissão em vidá ou por
morte (Constituição, artigo 8. º), e alguns ou todos estes direitos sejam havidos até como resultantes
da moral ou do direito natural (Constituição, artigos 4. 0 e 6. º), afirma-se, por outro lado, que
incumbe ao Estado fazer prevalecer uma justa harmonia de interesses, dentro da legítima
subordinação dos particulares ao geral (artigo 6. 0 , n. 0 2. 0 ), que a liberdade de escolha de profissão
ou género de trabalho, indústria ou comércio não obsta às restrições legais requeridas pelo bem
comum e aos exclusivos por motivos de reconhecida utilidade pública (anigo 8. 0 , n. 0 7. 0 ), que os
cidadãos deverão usár os seus direitos sem ofensa dos de terceiros nem lesão dos interesses da
sociedade ou dos princípios da moral (artigo 8. 0 , § 1. 0 ), que a propriedade, o capital e o trabalho
546
desempenham uma função social (artigo 35. 0 ), que o Estado assegura a constituição e defesa da
família (artigo 12. 0 ), etc.
Dentro destas directrizes, nas questões singulares que a respeito de cada instituto se
suscitem, poderá acentuar-se mais ou menos a influência do aspecto social. Tudo serão problemas de
medida, a resolver como for mais justo ou convenient,.
O Título I do Livro 1 do Code civil de 1804 trata «Do gozo e privação dos direitos
civis». Distingue, a este propósito, dois grupos de pessoas: os Franceses e os estrangeiros.
Qualquer francês goza de direitos civis (an. 0 8. º); o estrangeiro não goza em França de
direitos civis senão na medida em que estes são concedidos aos Franceses no país a que
pertence o estrangeiro considerado (art. 0 11. 0 ). Apenas o estrangeiro que tiver sido
admitido a estabelecer em França o seu domicílio gozará de todos os direitos civis enquanto
aí continuar a residir.
A maior parte dos anigos deste título continuaram em vigor durante todo o séc. XIX
e foram adoptados pelos legisladores que se inspiraram no Código civil francês, sob reserva
das adaptações devidas sobretudo aos textos constitucionais de cada país. Os princípios
gerais permaneceram póuco mais ou menos os mesmos no séc. XX; mas uma legislação
abundante e complexa veio substituir os textos do Code civil; assim, em França, o Code de la
nationalité française (Código da nacionalidade francesa), de 19 de Outubro de 194 5, mui tas
vezes modificado; na Bélgica, a lei de 15 de Dezembro de 1949 sobre a aquisição, a
reaquisição e perda da nacionalidade francesa, também muitas vezes modificada.
Aqui, não trataremos senão do estatuto dos estrangeiros e, muito acessoriamente, da
aquisição da nacionalidade (I)_
(1) L'élranger, em •Recueils de la Société Jean Bodin•, t. IX e X, Bruxelas 1958: 34 comunicações sobre a história da
condição jurídica dos estrangeiros, nomeadamente de J. GllJSSEN oLe starut dcs ttrangen à la lwni~tt de l'histoitt compamtivo,
t. IX, p. 5·58; F. DE VISSCHER, ola condition des pt~grins à Rome, jusqu'á la Constirulion d'Antonin de l'an 212•, t. IX,
p. 195-208; J. GAUDEMET, •L'étrange1 au Bas-Empire•, t. IX, p. 209-236; F. L. GANSHOF, •L'étranger dans la monarchic
franque•, t. X,p. 5-36; M. BOULET-SAUTEL, •L'aubain dano la France courumiett au moyen âi!e•, t. X 65-100; J. GIUSSEN, •Le
scacur des écrangers en Belgique du 13.' au 20. < siede•, t. X, p. 231-331; R. GIBERT, ola condición de los cstranjeros cn el antiguo
derecho espaiiof,., t. li, p. 151-200; sobre osdireiios dos sécs. XIX e XX, anigosdeG. LEPOlNTE, J. HÉMARD, C. SWISHER e
S. THOMAS, etc.
548
De uma forma geral, o estrangeiro apenas pode ser definido por forma negativa: é
estrangeiro o que não faz parte do grupo sociopolítico em relação ao qual o seu estatuto é
encarado. Actualmente, em França, o estrangeiro é aquele que não é francês.
Durante o Antigo Regime, a siroação política era muito mais complexa; assim, havia
pelo menos três tipos de estrangeiros nas antigas províncias belgas: o estrangeiro em relação
ao poder soberano, o estrangeiro em relação ao principado e o estrangeiro em relação à cidade.
a) Até 1526 (tratado de Madrid) a fronteira entre a França e o Sacro Império segue
o Escalda, pela parte do Norte. Os habitantes da região situada a oeste do Escalda
(Flandres, Artois, Tournaisis) eram Franceses; os da região situada a leste eram súbditos do
Imperador do Sacro Império. Estes últimos são estrangeiros - muitas vezes chamados
a/bani (aubains) - a oeste do Escalda e vice-versa. Esta situação persistiu parcialmente
depois do tratado de Madrid, pelo qual a França perdeu a Flandres, o Artois e o Tournaisis;
Goudelin, jurista de Hainaut do séc. XVII, ainda define assim os «aubains ».' illi qui ultra
Scaldim nati sunt (os que nasceram para além do Escalda); no mesmo sentido, o costume
geral de Hainaut de 1619 (v. docwnento n. 0 1, p. 556).
b) Nos séculos X e XI, formaram-se tanto a leste como a oeste do Escalda vários
principados, pequenos e grandes. Em cada um deles, desenvolveu-se um sentimento
patriótico, sobretudo a partir do séc. XIII. A outorga das grandes «chartes de pays»
(estatutos regionais), tais como a Paz de Fexhe de Liege e ajoyeuse Entrée no século XIV, do
Brabante acentua este «nacionalismo», que leva a que se considerem como estrangeiros os
que não pertençam ao principado. Os estrangeiros ao principado são, nomeadamente,
excluídos do exercício de funções públicas; um natural de Hainaut ou de Namur não pode,
tal como um flamengo, exercer funções públicas em Brabante.
de marca, etc. m; Anvers, no séc. XVI, reconheceu privilégios ainda mais extensos,
nomeadamente à «nação portuguesa», à «nação inglesa», etc. Os Lombardos, i.e., os
habitantes da lcália do Norte, grandes financeiros, obtiveram desde~os finais do séc. XIII,
importantes privilégios na Flandres, no Brabante e no Hainaut, nomeadamente o de
instalar «bancas de empréstimos» ( tableJ de prêt) na maior parte das cidades.
Outros estrangeiros estavam em nítida desvantagem; tal era o caso dos ciganos
(«tziganes», «gitanos», ou «romanichels»), chamados geralmente «egípcios>), rt;peti-
damence expulsos do país, sob pena de condenação à forca, por Carlos V.
(2) J. DE STURLER, Ler n:latiom po/i1iq11eJ e/ /eJ éLha11geJ commerciaux mire le duché de Brab,,111 e/ l'Angletern: "" moyen Jge, these,
Bruxelas. Paris 1936, p. 270-6. Em virrude do direito de marca ou de represálias, os mercadores esrrangeiros podiam ser presos ou as
suas mercadorias penhoradas em razão de dívidas ou de dditos dos seus comparrioras; era uma consequência da solidariedade que ligava
todos os estrangeiros duma mesma ruu;ão (P. C. TIMBAL, • Les lemes de marque dans le droit de la F~ce médiévale•, ReC11ei/I de la
Sociéréjea" Bodin, e. X. p. 1089-138).
550
(C. Civ., art. 0 10. º);mas podia adquirir a qualidade de francês por opção formulada no ano
da sua maioridade (v. documento n. 0 4, p. 557).
A Lei fundamental dos Países Baixos de 1815 apfü:ava ao mesmo tempo o «ius soli» e
o « ius sanguinis». Mas a Constituição belga de 1831 recorre às regras do Code Civil de 1804.
Este sistema permaneceu em vigor até 1909, dando azo a numerosas dificuldades,
pois em caso de contestação, era preciso provar que o pai, o avô, o bisavô, etc., tinham sido
belgas, o que era quase impossível em muitos casos. A Lei de 8 de Junho de 1909 sobre a
aquisição e perda de nacionalidade ah-roga os artigos do Code Civil relativos a esta
matéria; manteve de qualquer modo a regra do «ius sanguinis» como base do novo
sistema, mas admitiu em certa medida o princípio do «ius soli»: para provar a sua
qualidade de belga, bastava ter nascido na Bélgica, filho de pai nascido também na
Bélgica e aí residente há mais de 10 anos; também os nascidos na Bélgica de pais
estrangeiros eram belgas de pleno direito a partir do seu 22. 0 aniversário, se então
tivessem o seu domicílio na Bélgica e reunissem certas condições de residência. Leis
semelhantes modificaram a legislação neste campo em numerosos países.
3. Naturalização
Admitiu-se, pelo menos a partir da Idade Média, que um estrangeiro pudesse
adquirir a qualidade de indígena mediante certas formalidades e autorizações. As cidades
medievais, nomeadamente, tiveram em geral tendência para abrir largamente o acesso de
forâneos à qualidade de burguês, mediante certas condições e formalidades: uma estadia
mais ou menos prolongada, o pagamento de um direito de entrada, um juramento de
fidelidade, o casamento (para a mulher), etc. Em Antuérpia, encontra-se um curioso
costume a este respeito: se um burguês se casa fora da cidade, perde a sua qualidade de
burguês a menos que venha passar a noite de núpcias na cidade {cosnune de 1582, 37, 12).
Pertencia ao rei ou ao príncipe conceder «Cartas de naturalização» ou de
«naturalidade». O rei de França concedeu-as muitas vezes a estrangeiros com méritos ou
que gozavam do favor régio; os naturalizados são assimilados aos reinícolas, nomeada-
mente para o acesso à maior pane das funções. Nos ducados de Brabante e de Limburgo,
os poderes do duque eram mais restritos: as cartas de naturalização eram con(:edidas pelo
Conselho de Brabante, mediante a prestação de um juramento de fidelidade ao duque;
elas tornavam os estrangeiros aptos a gozar dos direitos e privilégios dos brabantinos; mas
para poder ocupar uma função pública era necessário ter recebido urna « lettre de
brabantisation » que não era concedida pelo Conselho de Brabante senão por consentimento
dos três membros dos Estados de Brabante {nobreza, clero e terceiro estado). Em Inglaterra,
a naturalização, muito excepcional, era concedida-por acto legislativo; mas o rei podia
conceder a um estrangeiro a qualidade de «denizen », que lhe permitia, nomeadamente,
adquirir imóveis. A «denization» foi suprimida pelo British naturality act de 1948.
A partir da Revolução Francesa e na maior parte dos países, só o poder legislativo
551
a) O direito de albinágio parece ter nascido sob o regime senhorial, nos sécs. XI
e XII. Nesta época, os bens do estrangeiro (a/binus, aubain), falecido sem herdeiro eram
devolvidos ao senhor em cujas terras tinha morrido; tratava-se, na realidade, de uma
espécie de direito às heranças desenas a favor do fisco senhorial.
Em França, o direito de albinágio tornou-se, no decurso do séc. XIV, um direito
real, passando então dos senhores dotados de alta jurisdição para o rei. Este direito não se
exerceu, desde logo, senão sobre os estrangeiros em relação ao reino, e não já sobre os
estrangeiros em relação ao senhorio. O rei apropria-se de todos os bens do estrangeiro
morto sem deixar herdeiro directo reinícola (i.é., habitando no reino). Como corolário, o
estrangeiro não pode dispor dos seus bens por testamento. Este regime manteve-se em
vigor em França, apenas com algumas atenuações, até ao século XVIII.
Nos antigos principados belgas, o direito de albinágio foi-se espalhando a pouco e
pouco. Se ele existiu provavelmente na época feudal, não subsiste a partir do séc. XIII e
XIV senão no Hainaut e na região de Alost (Flandres imperial). De resto, o direito de
albinágio não é ou pouco é aplicado.
Mesmo onde o direito de albinágio era aplicado, podia ser abolido em relação a
certos estrangeiros por tratados internacionais. Foi assim que entre a França e les Pays de
par deçà este direito foi reciprocamente abolido pelo tratado de Cambrai de 15 29,
abolição confirmada por numerosos tratados posteriores (oito tratados de 1544 a 17 48).
5, Direito de prisão cautelar por dívidas ( droit d'arrêt ); a «cautio iudicatum solvi»
No domínio do processo civil, a situação dos estrangeiros era, na Idade Média,
geralmente menos favorável do que a dos nacionais.
Certas cidades medievais, desejosas de desenvolverem o seu comércio, asseguravam
no entanto ao estrangeiro wna justiça rápida. Em Bruges, por exemplo, os escabinos
deviam estatuir sobre qualquer queixa formulada por um estrangeiro no prazo de três
dias (privilégios de 1190, 1281e1304). Mas, enquanto os burgueses das cidades tinham
adquirido o privilégio de non arrestando, ou seja, de não poderem ser presos por dívidas
senão depois de julgamento, os estrangeiros continuavam sujeitos ao direito de prisão
cautelar: assim, em Tournai, qualquer burguês podia «prender», ou seja, apoderar-se do
corpo e dos bens de um estrangeiro, com a condição de o levar rapidamente perante os
553
juízes. No séc. XVI, este direito deixa de ser reconhecido aos burgueses, por si mesmos;
mas eles podem requerer aos representantes da autoridade a prisão do devedor
estrangeiro, mesmo antes de qualquer decisão judiciária. No entanto, este direito de
prisão cautelar era, geralmente, suspenso durante a duração das feiras e dos mercados,
apenas tendo desaparecido completamente no fim do Antigo Regime.
Quando se constituísse, como autor, em processo judicial, o estrangeiro devia
pagar uma cautio pro expensis litis, wna caução para as despesas e gastos do processo.
É certo que, na Baixa Idade Média, qualquer autor, estrangeiro ou indígena, devia
constituir caução; mas os indígenas, sobretudo os burgueses das cidades, foram delas
progressivamente isentos. A cautio judicatum solvi não subsistiu, assim, a partir dos sécs.
XV-XVI, senão para os estrangeiros. Sobreviveu no Code civil, salvo em matéria
comercial ou se o estrangeiro possuísse em França imóveis de valor bastante (art. 0 16. 0 ,
Cód. proc. civ., arts. 166. 0 -167. º). Numerosos tratados estabelecidos entre a França, ou
a Bélgica e a maior parte dos países suprimiram esta caução, implícita ou explicitamente,
ao consagrarem a cláusula da nação mais favorecida, inscrita nos diferentes tratados de
comércio e de estabelecimento de feitorias.
1831 (art. 0 6. º)declara os belgas «únicos administradores dos empregos civis e militares»,
retomando o art.º 6. 0 da Declaração dos direitos do homem de 1789 e o an. 0 192. 0 da lei
fundamental dos Países Baixos de 1815. Mas, a lei pode estabelecer excepções, o que fez
no início da independência belga, quando a Bélgica teve necessidade urgente de
funcionários e de professores de universidade estrangeiros.
Estas excepções tornaram-se raras. Mas, aparecem no direito ao trabalho, que, em
geral, é cada vez mais restritivo e regulamentado. Na sequência da grave crise económica
dos anos trinta, é proibido a qualquer patrão dar trabalho a um estrangeiro na qualidade
de trabalhador manual ou intelectual sem ter obtido autorização para isso; o estrangeiro
que tenha obtido uma «licença de trabalho» não pode mudar de trabalho nem de patrão;
em contrapartida, quando um estrangeiro está conforme com as normas das leis sobre a
mão-de-obra estrangeira, beneficia de quase rodas as disposições legais em matéria de
legislação social.
NOTA DO TRADUTOR
O direico porruguês do Antigo Regime rdacivo à qualidade de nacional («natural.do reino.) e de vizinho escava contido nos
tículos 55 e 56 do Liv. li das Ordm"fÕeJ FilipinaJ, sem correspondência nas anteriores. No domínio da nacionalidade, vigorava um
princípio de i111 10/i mitigado, combinado com a vigência do principio da prevalência do esraruto do pai: era natural do reino o nascido
no reino de pai porruguês; o filho, nascido em Pomigal, de pai estrangeiro (embora de mãe pomlgue5a) só o era se o pai tivesse
residência no reino há mais de dez anos; quanco ao filho de português nascido no estrangeiro, só conservava a nacionalidade nacional
se o pai estivesse em serviço do rei (Ord. fil., II, 55). Além disso, a doutrina reconhecia ao rei a regalia de natutalizar estrangeiros,
bem como o poder de desnatUJar ou desnaturalizar portugueses <4>. Legislação extravaganre oscilou entre uma política restritiva a
respeito da naturalização (v.g., a C.R. de 26.10.1610 - consequência da legislação de protecção dos natura.is do início do período
filipino - suspendendo a aceitação de requerimentos de narum.lização por dez anos), e urna orientação xenófila, de que é exemplo a lei de
2. 7. 1774 - filha ela política josefina de modernização dn país - , ;..,mando os estrangeiros que a requeressem de inúmeras obrigações.
Diference do dos naturais era o estatuto dos estrangeiros domiciliados, embora o direito porruguês ""mpre renha sido muito
generoso em relação a estes, autorizando-lhes o exercício de quase todos os direitos civis. O direito de albinágio, por exemplo, não era
reconhecido em Porrugal, gozando os estrangeiros de capacidade sucessória activa e passivam mas, já 0 direito de indigcnato,
reservando os ofícios, benefícios, bens da coroa e comendas para nacionais, era recebido pela doutrina e tido, nos finais do Amigo
Regime, como um dos poucos direitos dos súbdicos em relação ao príncipe t6l. Os estrangeiros escavam também sujeiras à caução pelas
despesas processuais (cf. Ord. fil., 3, 20, 6). De resco, vigoravam os preceitos dos acordos e cracados com os países de origem, rendo
muitas das comunidades estrangeiras as suas conservacórias (juízes próprios) privilegiadas, garantidas por tratado (ingleses, espanhóis;
alemães, franceses; referências legislativas em MANUEL FERNANDF.S 11-IOMAZ, Rt{lerf/Jrio geral ... , cit., 1.v. C.Onservatórias).
O direito de vizinhança, anres constaute dos forais, passou a escar regulado, em geral, em Ord. fil., li, 56. O critério
decisivo de atribuição dos privilégios de vizinho e de sujeição aos ónus da cidade era, aqui, o da residência cn
Depois da Revolução liberal, aquisição e percla da nacionalidade são reguladas nas consciruições (Const. de 1822, arr. 0 21. 0 ss.;
Carta, arr. 0 7. 0 ss. ), ambas privilegiando o im 10/i, nomeadamente enquanto promovem a atribuição da nacionalidade portuguesa aos
filhos de estrangeiros nascidos em Porrugal. Já quanco aos filhos de portugueses nascidos no estrangeiro, a Carta arribui-lhes sem
mais a nacionalidade portuguesa, enquanto que a Canse. de 1822 exige o esrabelecimenro de domicílio em Portugal. O Código Civil
de 1867 mantém uma orientação intermédia, embora dominada pelo iui ioli; permite que o filho de esrrangeiros nascido em Portugal
renuncie à nacionalidade porruguesa, mas continua a exigir o reromo ao país aos filhos de portuguesc> nascidos oo estrangeiro (aro. 18 e ss. ).
Hoje, a materia da nacionalidade deixou de fazer parte do CciJigo civil H.
Ml V., por todos, DOMINGOS ANTUNES PORTUGAL, De JontJtionibm ... , II, e. 15 (rambém sobre o estatuto de
natural, modo de aquisição e perda e conteúdo). Sobre a perda da natutalidade.Ord. Fil .. li, 55, VI.
m Cf. PASCOAL). DE MELLO FREIRE, irutitutinneJ iuriuiviliJ luiitani .... cir., 11, li, 11.
<6l M. A. PEGAS, Commmtaria ... , tom. XI, ad 2,35, in princ., c. 4, n. 5;JORGE DE CABEDO, De patronatu ... , cir., e.
29; D. A. PORTUGAL, Dedonationihm ... , p. 2, e. 29, n. 156.
C7l Comentário (bem como cm relação ao título anrerior) e 1itcratura suplementar em M. A. PEGAS, Comrruntaria . .. , t. XII,
ad O .. li, 56, pg. 457 ss.
<Hl Para o esracuto dos estrangeiros no período medieval, v. HENRIQUE DA GAMA BARROS, HiIIÓ1'ia da adminiJtrarão
.... cit., V, 75-85; XI, 171-204. Para o período moderno, além da literatura citada antes, MELCHIOR FEBO, Deci.rionei .... cic., 1,
d. 67, n. 11; 11, d. 109; d. 184; PASCOAL DE MELLO FREIRE, lnilitutioneJ iuriJ âvili1, liv. II, cit. II. Para o
periudo liberal, MANUEL A. COELHO DA ROCHA, lmtit11irõe1 ~direito civil portug11tz, cit., 1, S§ 203, 204. Para o regime do
556
DOCUMENTOS
Cap. 127. 0 , are. 0 11: os naturais de França, Flandres e Artois são tidos por estrangeiros
( aubains) do dito país de Hainaut, mas os nascidos entre os rios Escai°pe e Escalda, como são do
Império, não são tidos por estrangeiros, como não o são os nascidos para lá dos ditos rios, que é
território do Império ...
Cap. 127. 0 , art. 0 6. 0 : Ao senhor detentor de alta justiça, em cujo território um
estrangeiro e forasteiro morrer, pertencerão, sem sujeição às suas dívidas, os bens móveis que o
dito estrangeiro tiver consigo ...
Cap. 127. 0 , art. 0 2. 0 : O dito direito de albinágio não tem lugar sobre os bens de raiz e
patrimoniais do estrangefro, mas, só sobre os bens adquiridos e móveis ...
Certificamos que o direito de albinágio não tem lugar em nenhuma cidade ou lugar desta
província e que no caso de um francês ou outro estrangeiro aí morrer, esta herança mobiliária ou
imobiliária é devolvida aos seus parentes mais próximos, no caso de uma sucessão ab intestato, e,
no caso de um testamento ou de outra disposição de última vontade, a sua sucessão é devolvida
àqueles ou àquelas que ele chamou, sem que o soberano ou o senhor territorial do lugar onde ele
morreu possam reclamar ou exercer qualquer direito a este respeito.
Código Civil, JOSÉ DIAS FERREIRA, Código civil port11g11ez a111101adtJ, coms. aos ans. 18 ss. RUI MANUEL G. MOURA RAMOS,
·A evolução do direito da nacionalidade em Porrugal-. Boi. Fac. Dir. Coimbra, LVIII (1982). II, 695- 756. Bibliografia de índole
geral: JOSÉ DOS SANTOS FERREIRA, •Memoria crírica acerca da verdadeira origem e causa das conservarórias esrrangeiras•, em
An11aes da Jociedade juridi<a, I, n. 0 5, 136-44; VICTOR RIBEIRO, •Privilégios de estrangeiros em PorrugaJ., em HiJI. e mem. tÍ4
Academia das Scimci41 de LiJboa, Nova Série, 14 (1922), 229-84; além dos artigos do Dic. hiJ1. de PM'l11gal relativos às várias
nacionalidades (bem como os relativos a Judeus e Mouros, temática em relação com a presenre).
'.5'.57
chamado direito à herança, direito de saída, direito de quarto forâneo ( «droil d'in11e, droit de récart,
droit d'euas, droit d'escart, droit de q11art forain) ... A maior parte dos costumes da Flandres fixam
este direito na décima.
MAIIl.AR T, C011t111TU généra/e d' A rtois, aV« des notes, Paris
1704, p. 453, ns. 16e 18.
Fonte: ibid.
a respeito deles o que abaixo vai disposto em o n. 0 V; e havendo nascido em país estrangeiro, o
que vai disposto em o n. 0 VI;
III Os expostos em qualquer pane do Reino Unido, cujos pais se ignorem;
IV Os escravos que alcançarem cana de alforria;
V Os filhos de pai estrangeiro, que nascerem e adquirirem domicílio no Reino Unido;
contanto que chegados à maioridade declarem, por termo assinado nos livros da Câmara do seu
domicílio, que querem ser cidadãos portugueses;
VI Os estrangeiros, que obtiverem carta de naturalização.
Are. 0 22. 0 Todo o estrangeiro que for de maior idade e fixar domicílio no Reino Unido,
poderá obter a carta de naturalização havendo casado com mulher portuguesa, ou adquirido no
mesmo reino algum estabelecimento em capitais de dinheiro, bens de raiz, agricultura, comércio,
ou indústria; introduzido, ou exercitado algum comércio, ou indústria útil; ou feito à Nação
serviços·relevantes.
Os filhos de pai português, que houver perdido a ·qualidade de cidadão, se tiverem
maioridade e domicílio no Reino Unido, poderão obter carta de naturalização sem dependência de
outro requisito.
Fonte: J. J. LOPES PRAÇA, Collecção tk Leis e 1ubsí-
dios ... cit., PK· 6.
Comentário:
bastante minuciosa sobre a conservação dos registos: impõe uma confirmação dos registos por
um notário, a manutenção de um segundo exemplar, o depósito anual dos registos no
escrivão das justiças reais, a proibição aos juízes de receberem outras provas do. estado civil.
Na Bélgica, o Édito Perpétuo de 1611 (art. 0 20. º) impõe aos escabinos das cidades
e aldeias a realização anual de uma cópia autêntica dos registos de baptismo, de
casamento e de óbito efecruados pelos curas; às aldeias é mesmo prescrita a confecção de
uma segunda cópia, a fim de ser enviada ao escrivão das justiças de que elas dependem.
No entanto, estas disposições foram pouco observadas, por falta de sanções. Sob Maria
Teresa de Áustria, vários éditos regulamentaram melhor a conservação dos registos; o de
1778 impôs aos curas a conservação de dois exemplares, mediante o pagamento de um
salário,. mas sob pena de. uma pesada multa.
O estado civil foi inteiramente secularizado na época da Revolução Francesa.
A Constituição de 1791 (II, 7) anuncia que o nascimento (e não já o baptismo), o
casamento e o falecimento de todos os habitantes serão constatados por oficiais públicos
encarregados de receber as declarações de tais actos. Uma lei de Setembro de 1792 confia
a realização dos registos do estado civil aos municípios; só esses registos municipais fazem
prova em juízo em matéria de registo civil.
O Code civil de 1804 retomou as disposições da lei de 1792, precisando-as e
completando-as. Desde então, esta matéria apenas sofreu um certo número de modifi-
cações de detalhe.
NOTA DO TRADUTOR
Apesar de antecedentes medievais (criação de wn registo laico de casamentos por D. Afonso III), o registo de actos relacivos
ao estado civil é, também em Portugal, wna iniciativa da igreja, ainda anterior ao Concílio de Trento (Coimbra, 1510; Lisboa 1536),
embora só depois se generalizassem (a partir de 1614, também o registo de óbitos). Depois da revolução liberal, os decretos de
16.5.1832 e de 18.5.1835 cometeram os registos ao provedor do concelho; mas o Código administrativo de 1836 repôs a sit~ão
anterior. Apesar de alguma legislação anterior tendente à uniformização dos formulários, foi o Código civil de 1867 que instituiu
uma importante reforma das formalidades de regisco, o estabeleceu (a cargo de autoridades civis, arts. 2445. 0 e 249 I. º) para os
casamentos niío católicos e lhe conferiu força probatória (ans. 2441. 0 e 2491. º). As disposições do Código relativas ao registo civil são
confirmadas pelos Códigos administrativos de 1870 e 1878 e pelo Regulamento do Registo de 28. 5.1878. É apenas com a República
(Código de Registo Civil de 1911, lei de 10 de Julho de 1912) que o regisco civil é alargado a todos os accos relativos ao estado civil <9>.
<9l Cf. NUNO DAUPIAS DE ALCOCHETE, •Registo paroquial•, em Dic. biri. Portugal; ANTÓNIO DE M. PARIA
PINA CABRAL, .Da instituição dos registos paroquiais em Portugal•, Arqueologia t HiJt!ffia, X (1932); PAULO MERÊA, •Para o
esclarecimento de duas questões•, Boi. Fac. Dir. Coimbra, 35 (19'.>9), 277-92; CARNEIRO PACHECO, LirõeJ de regiito do utado civil,
Coimbra 1932-3 (polic.); CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Publicidade e teoria tÍtJr registar, Coimbra 1966, 253 ss.
563
C. - A SOLIDARIEDADE FAMILIAR
Na história da Europa ocidental, a família foi sempre de tipo patriarcal, não havendo
quaisquer traços de matriarcado. A autoridade é aí exercida pelo pai, ou mesmo pelo avô.
A família aparece sob dois aspectos: em sentido lato e em sentido restrito. No
sentido lato, compreende todos os que sentem entre si uma relação de parentesco; é o clã,
chamado gens entre os Romanos, sippe entre os Germanos, zadruga entre os Sérvios,
muitas vezes linhagem na Idade Média. Esta família estende-se tanto quanto o permitir o
reconhecimento dos laços de sangue. Desempenha um papel essencial na organização
social e jurídica das sociedades primitivas e também nas sociedades de tipo feudal.
Passa-se isto, na Europa ocidental, entre os Germanos, depois na monarquia franca e na
época feudal; o mesmo na Europa oriental na época moderna, por vezes no séc. XIX, por
exemplo, entre os Sérvios oo>.
Os efeitos do parentesco são consideráveis. Todos os parentes estão ligados por
solidariedades, quer activas, quer passivas. A solidariedade familiar obriga todos os
parentes a~participar na vingança privada (a faida; italiano, vendetta; holandês, vete):
quando um membro da família é lesado todos os outros o devem ajudar a vingar-se do
mal recebido. Na Baixa Idade Média, a guerra privada devia ser conduzida pela própria
vítima ou, se ela tivesse -morrido ou se tivesse incapacitado, pelo parente varão mais
próximo. É ele que conclui a paz, recebe a «composição)) (ou seja, o preço do resgate da
vingança) e o distribui entre todos os parentes; geralmente, ele tem direito a metade, na
qualidade de detentor do mu11dium, e atribui o resto aos outros parentes, muitas vezes até
ao sexto ou oitavo grau.
Do ponto de vista passivo, todos os membros da família podem ser responsabi-
lizados e hostilizados por qualquer malefício cometido por um deles; devem contribuir
para pagar a composição, a menos que expulsem o culpado do grupo familiar por um
complexo processo de abandono.
As guerras privadas ainda eram frequentes nos sécs. XIII e XIV, mesmo nas
cidades. A organização duma melhor repressão das infracções pela autoridade garante,
inicialmente nas cidades, mais tarde nos campos, a segurança dos habitantes e destrói a
solidariedade familiar, base indispensável da vendetta. Este estádio foi geralmente
atingido no noroeste da Europa no séc. XVI; em contrapartida, no este e em certas
regiões do sul da Europa (Córsega, Sicília, Creta, por exemplo), a vingança privada
sobrevive até ao séc. XIX, ou mesmo até ao presente.
A solidariedade familiar manifesta-se ainda em outros domínios. É assim que
todos os parentes se devem mutuamente assistência em justiça: se um deles tem que
prestar juramento de inocência, todos são obrigados a co-jurar.
CIO) J. GAUDEMET, w romm11na11tú familialu, Paris 1963; J. HEERS, Lt dan familial au ffllJJtn iige, Paris 1974, col.
«Hier-;J. HILAIRE,-«Vieeocommun. Pamilleetesprit commuruiutaire•, Rev. histdr. fr .. 1973, 8-53; K. KROESHELL, DitSippt
im germaniJchen Recht, Z.Cits. Sav. Sr. Genn. Abt., 1960, 1-25.
564
D. - CASAMENTO E DIVÓRCIO
01l ). GAUDEMET, Sociilés l!t ""'"4ge, F.str.tsburgo 1980 (recolha de anigos; em romplemenro, uma now sin"5e, pg. 424-453);
abundante bibliografiainremscional, pg. 4~77);A. F.sMfilN,LlmariagemdroitcanonU/Ne, 2. 1 ed., porF. GENESI'ALEJ. DAUVIll.IER,
Le mariage tÍa'1s fe droit dassiq11e de f'Église, Paris 1933; G. JOYCE, Chri.stian mariage. An historital aNÍ doctrinal study, 2. • ed., Londres
1948; G. LE BRAS, •Úl doctrine du mariege chez les Théologiciens et les Canonistes depuis l'an mil•, Dictio'1naire de thiologie
catholiq11e, t. 9, col. 2123-2317; L.]. VAN APFJJJOORN, GacbWJmis wm htJ NttlerfandKht HllWtlijksr«ht, 1925;]. DUPONT, Manage et
divorce dar1.1 /'É11a'1gik, Bruges 1929; K. RfIZER, LI mariage "4taJ ltJ Églises chrélimnai, IÍlll. "o XI. "1ilck, Paris 1974;].N. TIJRLAN, .r,,
mariage dans la pratique couC\1!11.iere (J{U. • XVJ. • sikles>~. R.v. hist. dr.fr. ilra'1gtr, 1957, 477-528; R. GRAEFE, Das Ehmrht i,, de'1
Cout11miers Jes 13 .jahrh11,,dert. Eine m:hts11trgleiche71lk Darslell11ng Jes fra'1ziisischerr Ehtptrsoftm- 11NÍ Ehtglitemxhtr im Mille/alter, Gôttingm
1972; R. H. HELMOLZ, Mamage litigation ;,, Medieval EnglaNI, Cambridge 1874; A. DUFOUR, LI mariagt dar1.1 l'Érole alltmande dt
droit nat11rel moderne a11 XVIII.' Jikle, Paris 1972;LI mariage dans f'École romaNiule droit flalllf't/ au XV/ll. <rikle, Genebra 1976;). M.
MAYNAUD, L'indisso/11bili1id11 mariage. ÉtlllÍthistorit:rJ->11'10niq11e, Estrasburgo 1952;). PREISl!N, Das Eht.Jrhliw11ngrmht inSpanim,
Grossbrilanien, Ir/a,,d 11NÍ Skandirtat1ien, 2 vais., Pederbom 1918-9; J. B. MOUN et P. MlITEMBE, LI rit11tl d11 mariage m France du
XII.' •• XVIII.' siicle, Paris 19'74. A obra de síntese d~ L. VINCENT DOUCET-BON, LI mariagt dam les âvilisations a'1cimnes (Paris
1975) trata pouco da Europa medieval e moderna, sobremdo das civilizações antigas e das dos ourros continenres. Sobre o casamento em
Portugal, v. NUNO E. GOMÍ!S DA SILVA, Histdria da dirrito port11g11is, Lisboa 1971, 527-669; LUÍS CABRAL DE MONCADA,
~o casamento em Portugal na idade média-, Boi. Fac. Dir. Coimbra, t. 1921-2, p. 1-32, e nos seus Estudas ... , 1, 1948, p. 37-82; por
outro lado, numerosos artigos de MANUEL P. MERÊA.
565
1. Concepção romana
a) CaJamento
No direito romano do Baixo Império, o casamento é um acto essencialmente
privado e contratual; existe a partir do momento em que os esposos estão de acordo em
serem, daí para o futuro, marido e mulher. Trata-se de uma convenção puramente
consensual, despida de qualquer formalismo, não sendo ex.Ígida a coabitação; Ulpiano
disse: nuptiaJ nonconcubituJ, JedcomemUJ/acit(Digesto, 35, I, 1).
Nada resta portanto das antigas formas de casamento que faziam cair a mulher sob
a manuJ (poder) do seu marido (casamento cum manu): casamento religioso (confarreatio),
casamento por compra ( coemptio), casamento por prescrição aquisitiva da manus ( usus ).
O tipo usual é, portanto, o casamento JÍne manu, ficando a mulher juridicamente no seu
grupo familiar original. São, no entanto, requeridas certas formalidades para que haja
«justas núpcias» (justae nuptiae); tratava-se, antes de tudo, do estabelecimento de um
domicílio comum, sendo a mulher conduzida ao domicílio do marido ( deductio uxoris in
domum mariti ), espécie de entrega da mulher, acompanhada de cerimónias.
No entanto, se o casamento romano é, finalmente, um acto puramente consensual,
ele distingue-se do concubinato pela vontade recíproca de fundar um lar, de procriar e de
educar os filhos. A principal dificuldade na matéria residia na prova desta vontade; é por
isso que, de facto, o casamento era frequentemente rodeado duma cerra pompa (por
exemplo, o cortejo dos esposos e das suas famílias pelas ruas da cidade) e acompanhado de
certos ritos: entrega de um anel, redacção de um documento escrito (nomeadamente para
registar a entrega do doce: instrumentum dota/e).
b) Divórcio
Como na maior parte das sociedades arcaicas, o divórcio existia na sociedade
romana apenas sob a forma do repúdio da mulher pelo marido ou, na sua falta, pelo pater
familiaJ desce.
Mas, no casamento sine manu, o repúdio unilateral podia ser feito canto pela
mulher como pelo marido, bastando que um dos esposos manifestasse claramente a
vontade de se divorciar - i.é., de repudiar o outro cônjuge (repudium). Daqui res_ultou,
no fim da República e sob o Império, um grande nú1Dero de divórcios, o que levou a uma
crise de natalidade. Foi preciso, no encanto, esperar pela época dos imperadores cristãos
para se assistir às primeiras restrições da liberdade de divórcio, seja por comum acordo,
seja por repúdio unilateral.
566
2. Concepção germânica
a) CaJamento
Tal como os Gregos e os Romanos, os germânicos são monogâmicos. Tácito
constata-o, mas, acrescenta que alguns nobres comam várias esposas, «não por capricho,
mas porque a sua aliança é frequentemente solicitada» (Germania, XVII). Uma vez que as
alianças entre clãs são muitas vezes seladas por um casamento, como mais tarde e até aos
nossos dias, as alianças matrimoniais ligam entre si as famílias dos chefes. Lembramos
que os Muçulmanos, pelo contrário, mantiveram-se poligâmicos; o seu direito religioso
permite ao homem ter quatro mulheres.
Os Germanos conheceram muito provavelmente, como a maior parte das
sociedades primitivas, o casamento por rapto (Raubehe): o homem rapta a mulher a um
outro grupo familiar, em homenagem à regra da exogamia. No entanto, corre o risco
de vingança deste grupo; para o evitar, transige com ele, resgatando a vingança º2'.
Também nos povos germânicos antes e depois da época das invasões, a forma usual
de casamento é o casamento por compra ( Kaufehe): a mulher é vendida pelo seu
mundoalduJ ao marido ou ao mundoalduJ deste. A venda é feita em dois actos:
- em primeiro lugar verificam-se os esponsáis (Jpoma/ia), ou seja, o acordo entre
os dois chefes de família, mediante o pagamento do preço, chamado pretium 1111ptiale
(preço nupcial), mumhkat (valor do múndio) ou ainda widem. O consentimento da
rapariga não era necessário; talvez o do noivo. Os esponsais têm certos efeitos jurídicos:
o noivo que recusa a sua esposada expõe-se ao pagamenco de um wehrgeld; a lei dos
Alamanos e a dos Bávaros exige mesmo do esposado inconstante que declare, sob
juramento e com auxílio de 12 co-juradores, não ter encontrado qualquer defeito na
noiva abandonada, mas que tinha sido arrastado pelo amor de uma outra mulher!
- seguidamente, a cerimónia nupcial, que consistia na entrega material da noiva
( traditio puellae) ao marido, entrega seguida da cópula. Esta entrega era geralmente
acompanhada de festas e da realização de certos ritos e gestos simbólicos, nomeadamente
de um cortejo nupcial, introduzindo publicamente a mulher na cabana conjugal, seguido
dá recolha dos noivos ao leito, na presença de testemunhas. Alguns destes ritos
sobreviveram no folclore.
Falou-se, por isso, em relação aos Germanos como a outros direicos arcaicos,
nomeadamente africanos (Jupra), de um «casamento por etapas». Existia também na
Germânia uma forma de casamento bastante corrente entre as famílias nobres, o
casamento /ri/la ou friedelehe; consistia numa espécie de concubinato costumeiro, pelo
qual um membro de uma família de nascimento elevado se ligava com uma pessoa de
(12) S. KALIFA, •Singularicés macrimoniales chez les anciens germains: le rapt et le droit de la femme à disposer
b) Divórcio
O direito germânico não conhece senão uma espécie de divórcio: o repúdio da
mulher pelo marido (v. documento n. 0 1, XIX, p. 578).
Mas o repúdio não se fazia sem risco: a mulher repudiada pela família do marido
procurava naturalmente a protecção da sua família natural; esta podia considerar-se no
direito de vingar a ofensa feita à honra de um dos seus antigos membros, donde talvez
decorresse uma guerra privacfa. O repúdio apenas podia, portanto, basear-se em motivos
legítimos: adultério da mulher, atentado da mulher à vida do marido, esterilidade,
feitiçaria, etc.
A mulher, estando perpetuamente sob o mundium, nunca podia repudiar o seu
marido; se o abandonasse, expunha-se à pena de morte ( Lex Burgundiunum); mas, de
facto, o abandono do marido pela esposa não era raro.
3. Concepção cristã
a) Casamento
O cristianismo exerceu U!'la influência enorme sobre a evolução do casamento e do
divórcio, influência que ainda se faz sentir no direito actual.
Segundo a concepção cristã primitiva, a base do casamento é o amor que os esposos
se devem mutuamente; ainda que a castidade seja a ideia moral preconizada pela Igreja,
esta reconhece como legítimas as tendências normais da natureza nos quadros do
568
casamento, fazendo mesmo deste (pelo menos desde o séc. XII) uma instituição sagrada,
um sacramento simbolizado pela união de Cristo com a igreja.
Inicialmente, a igreja não se intromete nas formalidades do casamento: admite
todas as formas existentes, romanas, orientais ou germânicas. Mas, influenciará a evolução
dos direitos laicos, esforçando-se por fazer admitir as suas próprias concepções do
casamento. É assim que ela procura criar ligações durávçis, estáveis e sólidas, lutar
contra o concubinato e dar um carácter religioso às festas do casamento. Em oposição à
antiga concepção hebraica e à concepção germânica do casamento, a igreja tende a fazer
predominar o consentimento apenas dos esposos, com exclusão de qualquer domínio ou
intervenção do grupo familiar. Ensaia pôr fim aos casamentos por rapto; em 596, o rei
franco Guildeberto II pune o rapto com a morte.
A partir do Baixo Império e sobretudo na época nerovíngia, a Igreja recomenda o
respeito de certas formalidades, embora as não imponha:
- os esponsais (sponsalia): compromisso solene dos futuros esposos, prévio em
relação ao casamento, originando já certas consequências jurídicas;
- a dotatio: entrega de um dote pelo noivo à noiva, instituição de origem
germânica;
- a henedictio: elemento religioso, pela intervenção do padre consagrando a
validade do casamento;
- traditio puellae: entrega da noiva.
Nas fontes canónicas circula desde cedo (séc. VII ou VIII) um adágio que faz do
dote uma condição de válidade do casamento: nu/lum sine dote fiat conjugium 03>. Mas, o
rescrito do papa Nicolau I aos Búlgaros, de 866, se enumera todos os usos simbólicos que
são utilizados nesta época (anel, dote, bênção, véu posto sobre os ombros dos dois
esposos), afirma no entanto que não é imposta qualquer formalidade sob pena de
nulidade. O casamento canónico, tornado sacramento, continua, portanto, a ser
puramente consensual.
A igreja admite, no entanto, desde esta época, certos impedimentos ao casamento.
Lutando contra a poligamia, proíbe a bigamia; a existência de um casamento anterior não
dissolvido constitui portanto um impedimento a um novo casamento. A endogamia e,
sobretudo, o incesto, são igualmente combatidos; o casamento entre parentes muito
próximos é proibido; o direito romano tinha-o proibido entre parentes até ao quarto
grau; o papa Gregório III, em 732, estende esta interdição até ao 7. 0 grau.
b) Divórcio
Quanto ao divórcio, a igreja estabeleceu, desde o início, a indissolubilidade do
casamento, ideia que já estava expressa nos Evangelhos: S. Marcos (10. 2) ensina que o
<nl P. MIKA T, Dotierte Ehe-rechlt Ehe. Zur Emwicklung de1 EheJchliemmgmchl in Franki1cher Zeil. •Rheinikh-Wesc fàlische
Akademie, Vortriige 9227), Opladen 1978.
569
«homem não pode separar aquilo que Deus uniu .. ; do mesmo modo, S. Lucas (16, 18):
«Quem repudiar a sua mulher e desposar outra comete um adultério•. S. Mate.us
introduz, no entanto, uma .nuance que será posteriormente explorada: admite o repúdio
da mulher em caso de impudor desta (núi ob /Of'11icationem) (v. does. 4 e 5, p. 579 e 580).
Os Doutores da igreja estiveram divididos: uns admitiram o divórcio por causa de
adultério; outros, mais rigoristas, (nomeadamente S. Agostinho no De 1ermo11e Dei monte,
Sermão de Deus na montanha), defenderam a indissolubilidade do casamento.
A tendência rigorista acabou por levar a melhor.
A concepção cristã era, port~to, muito diferente da concepção romana. Por isso,
os primeiros Imperadores Juraram contra a enorme liberdade de divórcio admitida pelo
direito romano clássico. Constantino, numa constituição de 331, limita a três as causas
lícitas de repúdio: o marido pode repudiar a mulher no caso de adultério, de
envenenamento ou de proxenetismo; a mulher pode repudiar o marido ern caso de
homicídio, de envenenamento ou de violação de sepultura. Julião, o Apóstata,
restabelece a liberdade de repúdio, mas duas constituições de 421 e 449 limitam de now
as suas causas. Justiniano, por fim,,. suprime o divórcio por mútuo consentimento pela
Novela 117 (em 542) e organiza o repúdio de maneira complexa, infligindo sanções civis
diferentes conforme o repúdio seja ex iuJta causa, bona gratia ou sine iusta causa.
No Ocidente, a partir dos sécs. VIII e IX a matéria de divórcio é quase
exclusivamente regida pelo direito canónico. Se alguns concílios gauleses do séc. VIII
(Compiegne, Verberie) admirem ainda o divórcio em certos casos (por exemplo:
impotência do marido, adultério com incesto, mulher que tivesse combinado com outros
a morte do marido), os papas mostram-se mais rigoristas. É a indissolubilidade absoluta
do casamento que é imposta pelo direito canónico, no séc. IX.
a) Casamento
houver copula carna/is, o casamento apenas se realiza perante a igreja (que, então, pode
desfazer o laço conjugal sob cerras condições), enquanto que o casamento consumado é
feiro peranre Deus.
Esta teoria vai dominar até ao Concílio de Trento. Será confirmada e desenvolvida
por S. Tomás de Aquino: o casamento é um contrato consensual, o que implica que o
sacramento existe em virtude apenas do consenso; não é nem real (e, portanto, a
consumação não é um el~mento essencial para a formação do casamento), nem solene, no
sentido de que não é requerida qualquer formalidade para a sua perfeição. Se a bênção
nupcial pelo padre é prescrita por numerosos concílios, não se liga, no entanto, à falta
desta qualquer sanção jurídica.
O grande inconveniente e também a grande fraqueza da doutrina canónica clássica
era o casamento clandestino. Como bastava o simples consentimento, não era requerida
qualquer formalidade para o casamento. Os casamentos clandestinos foram um ver-
dadeiro flagelo na Idade Média. Houve numerosos processos para estabelecer a validade
do casamento, em razão do estatuto muito desfavorável criado aos filhos nascidos de pais
que não estivessem unidos pelos laços do casamento (in/ra, p. 549 ss.).
Para pôr fim aos casamentos clandestinos, o Concílio de Latrão (de 1215) editou
certas regras: comete pecado aquele que se casar sem bênção nupcial ou, ainda, sem ter
mandado previamente proceder às denuntiationes, isto é, à publicação dos banhos
anunciando o casamento. Mas, a validade do casamento não era manchada pelo
desrespeito destas duas regras; as sanções eram de natureza puramente canónica. Por isso,
os casamentos clandestinos continuaram a ser numerosos até ao séc. XVI.
A igreja elaborou, sobretudo no séc. XIII, a teoria dos impedimentos (impedimenta).
Uns, chamados dirimentes (de dirimere, romper) constituem condições de fundo, a tal
ponto essenciais à própria natureza do casamento que a sua violação leva à nulidade; são a
idade (catorze anos para os homens, doze para as mulheres), a disparidade de culto, a
impotência anterior ao casamento, um casamento anterior não dissolvido, a entrada em
ordens sacras, um vívio de consentimento, a violência, o erro acerca da identide da pessoa
(mas não o dolo: «en mariage trompe qui peut», no casamento engana quem pode, dirá mais
tarde Loysel), o parentesco natural até ao 4. 0 grau, (mais tarde, grau canónico), o
parentesco espiritual (derivado do baptismo). Outros impedimentos, ditos proibitivas,
opõem-se ao casamento, todavia não são sancionados pela nulidade, apenas por penas de
natureza espiritual. O Code civil de 1804 retomou a distinção entre os dois tipos de
impedimentos.
b) Divórcio
Sob reserva do que foi dito da possibilidade de dissolver o casamento não
consumado, o divórcio não existe no direito canónico. No entanto, se o casamento é, em
princípio, indissolúvel, a igreja criou duas instituições - que existem ainda no direito
civil actual - tendentes a remediar os incomrenientes da indissolubilidade: a teoria da
572
e) Nulidade do caJamento
A teoria da nulidade do casamento é baseada no princípio da validade do
consentimento dos futuros esposos: se este consentimento foi viciado, não existe; pelo
que o casamento é nulo; ou, pelo menos, pode ser anulado por uma instância judiciária.
Foram os tribunais eclesiásticos os declarados competentes para julgar se tinha
havido um impedimento dirimente, ou seja, uma causa de nulidade que permitisse
romper ou anular o casamento.
d) Separação de pmoaJ
A separação de pessoas desenvolve-se desde o séc. XIII. Chama-se divortium quoad
torum et memam, divórcio quanto ao leite e mesa; quando os canonistas falam, a partir
desta época, de divórcio, é portanto neste sentido que eles o entendem. A separação de
pessoas suspende a vida em comwn dos esposos, mantendo, porém, a união; os esposos
separados não podem voltar a casar-se, mas não se devem mutuamente coabitação nem
débito conjugal; é, portanto, um divórcio mitigado nos seus efeitos.
Contrariamente aos sistemas romano e germânico, o «divórcio» canónico não
podia resultar de um simples repúdio, sendo precisa urnl! decisão judicial pronunciada por
um tribunal eclesiástico. Esta interven<,ão do juiz foi mantida nos direitos civis acruais,
tanto para o divórcio como para a separação de pessoas.
A separação de pessoas podia ser pedida pelos dois esposos, por consentimento
mútuo, nomeadamente quando queriam entrar em ordens religiosas. Podia ainda ser
pedida por um dos esposos contra o outro, por causa determinada; em princípio, o direito
canónico não admitia senão urna única causa, o adultério (jornicatio ),· conciliava assim o
Evangelho segundo S. Mateus com a doutrina da indissolubilidade do casamento. Mas os
canonistas ampliaram progressivamente a noção de fornicatio: ao lado do adultério
propriamente dito (jornicatio carnalú ), admitiam a fornicatio spiritualú, resultante
nomeadamente da heresia ou da apostasia, e mesmo, finalmente, das sevícias graves de
um cônjuge sobre o outro.
Assim, a corrupção canónica do divortium quoad torum et mensam influenciou
profundamente a concepção actual no divórcio e da separação de pessoas, tanto quanto ao
fundo (causas de divórcio), como quanto à forma (intervenção obrigatória do juiz).
573
sanções penais e civis aquele que rapta uma filha, ou mesmo a que «rapta» um filho, sem
o consentimento dos respectivos pais. Uma ordonnance de Carlos V, de 1540, proíbe
assistir como testemunha ao casamento de um homem de menos de 25 anos ou de uma
mulher de menos de 20 anos, se os futuros esposos não obtiveram o consentimento dos pais
ou, na sua falta, de uma autoridade judicial; além disso, o outro cônjuge~perde todos os
direitos de herança. Uma ordonnance de 1623 proíbe formalmente o casamento de
pessoas com menos de 25 anos sem o consentimento dos pais, sob pena de deserdação.
Mas em rodas estas disposições, trata-se de sanções civis ou penais, mas, não de nulidacle
do casamento. O mesmo tipo de sanções existia na legislação portuguesa (Ord. fil. de
1603, V, 22; lei de 1775) u 4'.
Em França, uma ordonnance de 1556 permite a deserdação nas mesmas condições; a
ordonnance de Blois de 1579 agrava as penas em caso de -rapto; a jurisprudência do séc. XVII
assimila o casamento sem consentimento dos pais a um «rapto de 1edução». Pothier, no
séc. XVIII, considera o casamento de um menor de 25 anos sem o consentimento dos
pais corno nulo; se o casado tem entre 25 e 30 anos, é objecto de sanções judiciárias
pela ordonnance de 1556; se tem mais de 30 anos, deve pelo menos dirigir aos pais um
«aviso respeitoso».
O Código civil de 1804 retoma o sistema de Pothier. O filho de menos de 25 anos
e a filha de menos de 21 anos não podem contrair casamento sem o consentimento dos pais;
em caso de desacordo entre estes, hasta o consentimento do pai (an. 0 148.º). Os filhos e filhas
mais velhos devem pedir conselho aos pais, por acto respeituoso e formal (an. 0 151. 0 ).
Apenas depois dos trinta anos é que se podia ult~ a fui.ta de consentimento (are. 0 153. 0 ).
Esta matéria foi sendo tornada consideravelmente mais maleável por via legislativa
a partir dos finais do séc. XIX. O consentimento dos pais deixou de ser geralmente
exigido depois da maioridade.
(14> R. GIBERT, ·EI consencimiento familiaren el matrimonio segun el derechoespaiiol», An. bili. tkr. up., t. XVIII
(1947), p. 706-761.
575
Em França, apesar dos decretos do Concílio de Trento não terem sido recebidos, a
indissolubilidade do casamento foi mantida nos sécs. XVI a XVIII; a sua base foi
procurada, não nos escritos da igreja, mas no direito natural, aplicando-se assim o
mesmo princípio aos protestantes e aos judeus. A separação de pessoas é decidida pelos
juízes laicos, em lugar dos juízes eclesiásticos, desde os fins do séc. XVI. Ainda que
baseando-se nos princípios do direito canónico, os juízes laicos apreciam de forma mais
ampla as causas de separação de pessoas, admitindo, nomeadamente:
- o ódio do marido pela sua mulher, deixado à livre apreciação do juiz;
- a difamação, nomeadamente, a queixa não justifica.eia, feita por um dos cônjuges
em relação ao outro, visando a sua prisão;
- uma doença contagiosa, comunicada por um dos cônjuges ao outro.
Em contrapartida, o adultério do marido não é uma causa suficiente, a menos que
seja cometido no domicílio conjugal. Esta jurisprudência está na origem da concepção
penal moderna: enquanto que o mero facto do adultério expunha a mulher (e o seu
cúmplice) à punição penal, o marido apenas era punível se cometesse o adultério mantendo
a sua concubina no domicílio conjugal (Código penal belga de 1867, arts. 387-9. 0 ). A lei
belga de 23 de Outubro de 1974 suprimiu esta desigualdade e tornou o adultério do
marido e da mulher puníveis nas mesmas condições.
d) Secularização do casamento
Desde a Reforma, que a intervenção legislativa e judiciária da igreja em matéria de
casamento era objecto das críticas mais vivas. A Escola de .direito natural, sobretudo na
Alemanha e na Suíça, era favorável à secularização do casamento.
Nos países protestantes, numerosos actos legislativos tinham regulamentado o
casamento a partir dos séculos XVI e XVII. Em Inglaterra, uma lei de 1651, na época de
Cromwell, tinha introduzido o casamento civil. Nos países católicos, este aparece na
segunda metade do séc. XVIII, nomeadamente no reino de Nápoles em 1767, na Áustria
em 1783, nos Países Baixos austríacos (Bélgica) em 1784 e na Toscana em 1786.
A secularização do casamento foi aí introduzida antes da Revolução Francesa. Pelo seu
edicto de 1784 para os Países Baixos austríacos (cf. documento n. 0 9, p. 581), 0
imperador José II retira a competênda aos tribunais eclesiásticos e transforma a
concepção do casamento que, de futuro, é considerado como um contrato civil que
escapa, na regulamentação de todos os seus aspectos, ao direito canónico.
Em França, foi preciso esperar pela Constituição de 1791 para ver afirmar-se o
mesmo princípio; «A lei considera o casamento como um contrato puramente civil» m'.
Uma disposição análoga tinha sido prevista no projecco do Código Civil; os seus autores
m> A. H. HUUSEN, .1.e droit du mariage au oows de la révolucion úançaisc,., Tijdrchr. Rw:ht1guchiedenis, t. 47, 1979,
p. 9-5 l e 99-127; H. CONRAD, •Die grundlegung der modemen Zivilehe durch die franzi\sische Revolution. Ein Beicrag zur
modernen Geschichte des Familiensrechr, ZtilS. s~. St. Gmn. Abt., t. 67, 1950, PP· 336-372.
576
entenderam não a dever retomar, por a julgarem supérflua. O casamento civil foi
admitido na mesma época nos grandes códigos da Prússia (1794) e da Áustria (1811');
foi-o mais tarde em todos os cantões suíços (1874; 1907) e em todos os Laender alemães,
pelo B.G.B. (Código civil) de 1900. Em contrapanida, os acordos de Latrão para a Itália
(1929), a concordata de 1940 paca Portugal, a de 1935 para a Espanha, embora admitam
o casamento civil, reconhecem efeitos civis aos casamentos realiz:ados perante um sacerdote.
Pelo Code civil francês de 1804 o casamento continua a ser um acto solene; daqui
em diante, é o oficial do registo civil que o celebra, respeitando as formas impostas pela
lei. O casamento é, além disso, umà instituição puramente laica: o acto de registo civil
basta para criar o laço de casamento, não sendo necessário aos cônjuges celebrar, depois
do casamento civil, um casamento religioso. A questão da anterioridade do casamento
civil sobre o religioso deu lugar a grandes dificuldades na Bélgica, em 1814-15. e de novo
em 1830; finalmente, depois de longos debates, o Congresso nacional adaptou o
princípio segundo o qual o <<casamento civil deverá sempre preceder a bênção nupcial»
(Constituição., art. 0 16. º).
Entre as formalidades requeridas figura a publicação dos banhos; de futuro, esta é
feita por meio de edital, à porca da sede da comuna do domicílio ou residência de cada
um dos cônjuges, durante dez dias.
e) Restabelecimento do divórcio
A Revolução Francesa, rompendo com a concepção canónica da indissolubilidade,
admite a dissolução completa e definitiva do laço conjugal, na condição de ser proferida
por um tribunal. A lei francesa de 20 de Setembro de 1792, admite o divórcio com a
maior facilidade: o divórcio pode ser obtido não apenas por consentimento mútuo, como
ainda por inúmeras causas, entre as quais a simples incompatibilidade de feitio alegada
por um dos cônjuges.
Uma legislação tão liberal tinha necessariamente que levar a abusos. Em Paris,
houve inicialmente (anos II e Ili) cerca de 2500 divórcios em 7500 casamentos.
O Code civil de 1804 reagiu contra o que fui designado então como «torrente de imoralidade»
nascida das leis revolucionárias. O divórcio por mútuo consentimento foi mantido, mas,
tornou-se mais difícil por um processo longo e complicado. O divórcio por causa
determinada apenas podia ser proferido pelo tribunal em três casos (C. civ., ares. 229-232. 0 ):
- adultério da mulher ou do marido, mas unicamente, neste último caso, se o
marido, manteve a sua concubina na casa comum; desde a lei belga de 28 de Outubro de
197 4, cada cônjuge pode pedir o divórcio pelo simples adultério do outro;
- excessos, sevícias ou injúrias graves de um dos cônjuges em relação ao outro;
- condenação de um dos cônjuges a uma pena infamante (are.º 232. 0 , derrogado
na Bélgica pela lei de 15 de Dezembro de 1949).
Na Bélgica, o Code civil permaneceu quase inteiramente em vigor nesta matéria
depois de 1814. Não assim em França, onde, sob a Restauração - quando a religião
577
católica foi declarada religião do Estado-, o divórcio foi suprimido por uma lei de 8 de
Maio de 1816, para dar satisfação à igreja. Em 1830, a religião católica deixou de ser
«religião do Estado»; numerosos projectos tendentes ao restabelecimento do divórcio são
aprovados pela Câmara dos Deputados, sendo, porém, sistematicamente rejeitados pela
Câmara dos Pares. Coisa curiosa: nem mesmo a Revolução de 1848 pôde restabelecer o
divórcio. Foi preciso esperar pela III República para se ver restabelecido o sistema de
divórcio do Code civil de 1804, por uma lei de 19 de Julho de 1884. O divórcio por
mútuo consentimento, que, na Bélgica, tinha sido mantido no Code civil durante todo o
séc. XIX e XX, apenas foi reintroduzido em França em 1975, nos Países Baixos em 1971
e na Alemanha cerca de 1976.
Em Itália, o divórcio apenas foi admitido em 1970, e apesar do seu sucesso, ainda
se confronta com uma viva resistência dos católicos.
O número de divórcios está, por roda a parte, em constante aumento, tanto os
litigiosos como os por consentimento mútuo. Em França, houve 8219 divórcios em
1900, 26 300 em 1938, 37 485 em 1969. Na Bélgica, apenas havia 20 a 30 divórcios
por ano nos meados do séc. XIX e um pouco mais de separações de pessoas; o número de
divórcios começou a aumentar a panir de 1880: 221 em 1880-1, 732 em 1900, 1170
em 1911, 10 961 em 1974, enquanto que o número de casamentos se manteve quase
constante desde o início do séc. XX (60 000 a 80 000). O número de separações de
pessoas é muito pouco elevado e recua sensivelmente desde há vinte anos:
NOTA DO TRADUTOR
A Idade Média portuguesa conheceu formas de casamento semelhanres às dos resranres países da Europa cristã.
Fundamenralmente, o casamento era um acco consensual que se perfazia pela troca das declarações múruas dos nubemes (•juras•),
•palavras de preseme., para o distinguir dos esponsais (ou •palavras de futuro». Desde 1211 que há disposições legislacivas
garantindo a liberdade de casamento (v. ainda Ord. Af. IV. X). O direito porcuguês não conheceu, nomeadamente, interdições
matrimoniais baseadas na diversidade do escatuto social do noivo e da noiva (cf., todavia, quanto ao casamento com cristãos-novos,
CR. 18.12.1614; 29.12.1642; mas promovendo o casamento com índias do Brasil, A. 4.5.1755). A formação do consenso
matrimonial não exigia a presença do sacerdote nem a publicidade (casamento "ª furto•). Intervindo o sacerdote e lançada a bênção,
falava-se de casamemo • in face ecdesia • ou • in ianua tcdesia': verificada a publicidade. falam as fontes de casamento •conheçudamente
(feito)• ou casamemo •praceiro•. Ambas as formas de casamento-acro geravam uma situação ou estado que. independencemenre da
sua origem, podia ser provado indirectamente pela comunhão pública de cama e mesa durante sete anos («pública fama», lei de
Dinis, de Maio de 13 t !). · ·
A recepção, encre nós, dos decretos do Concilio de Trento, reforça a tendência, que já vinha de trás (let de 1340; let de 14
de Julho de 1499, estabelecendo penas de confisco e de degredu para os que celebrassem ou tescemwiliassem casamentos cland'.'5ttnos ou
sem consentimenro dos pais dos noivos, quando esces se encontrassem in potulate), para a repressão dos casamentos clandesunos (Ord.
578
A/., IV, XIII, pena de confisco e in&mia; f>rd. Mmt., V, 32, confirmando a anrerior, mas acrpcionando da pma os ca<os cm que o
casam<"nto fosse mais vantajoso do que qualquer ou1ro rido t>m visra pelos pais). Dunnre os s&:s. XVII "' XVlll, divena legislação
exrravagante (A.s. 1.7.1631; ~i 13.11.16~1; ~ide 19.7.1755, que, rodavia, insriru.i o suprimento da vontade part>ma pelo
Desembargo do Paço [fidalgos) ou pelos COIY<'gedores (plebeus). Quanto aos maiores, o consmrimmro pamno era apenas n:igido
pelo decoro e piedade filial (Lei 6.10.1784). O dirriro nacional esrabelccia ainda a necessidade de consenrimenco do rei para o
casamento de certos magistrados (coangedores, proVttlorrs, ouvidores, juíus de fora, Orá. Fil., 1,95) ou das mulhtrrs (0..d. /il .. li,
3 7) ou varões (lei 23. 11. 1616) que rivessem bens da coroa. A remio social em tomo desra exigfocia de publicidade e coiuencimcnto
- corrdariva, decerto, a uma esrraré8ia de reforço da disciplina intra familiar - foi grande; a lirerarura da êpoca (por exemplo, as
consriruições sinodais • os manuais d• conkssorrs) d:I conra do carácrer correnre 'dos casamenros clandestinos, bem como dos
expedientes dos noivos pata lomear o ri8or do direiro (11.g., encravam de 1urprrsa na igrrja, dunuut> a celebração da missa,
acompanhados de restemunhas e 8riravam o 2\1 propósi10 de casar, fugindo de 5'guida; com o que .. cumpriam os ~uisiros formais
uidentinos).
No domínio da dissolução do vínculo conjugal, era rrccbida a disciplina canónica, rendo-.. como rrlevanre o adultério da
mulher e as sevícias. Dado que, no caso de adultério, ~ maridos prrferiam o expnliencc mais discreto de enc<"rrat as mulhern cm
conventos. a causa mais f~ucntemente invocada era a das ""'ícias.
O C6digo ci11il de 1867 institui, pela primeira vez, o casamento civil, celebrado perante o oficial do regisro, com as condições
e formalidades da lei civil (arts. 1056. 0 e IOH. 0 ). Não admirindo o códÍ80 qualquer inquérito sobre a religião dos nubenrcs
(arr. 0 108 l. 0 e 1090. 0 ). o casamento civil ficava abeno também aos católicos, embora csres pudessem casar-se pcranre a
igreja, sem necessidade de qualquer acto de regisro civil. O Código estabelecia os fundamenros da separação (arr. 0 1204. 0 ),
incluindo neles o aduhério do marido com cscânda.lo público, desamparo da mulher ou com -concubina theuda e manrheuda no
domocilio conjugal• e a condenação em pena perp!twl. Esre prrceiro aplicava-se a quaisquer casamentos - civis ou carólicos - ,
devendo a acção ~r sempre proposla perante os tribunais civis, como de resco já ac-ontecia antes do código <embora, então, ai se
1
aplicasse o direito canónico). A doutrina e jurisprudência eram exigenres quanto à narurrza das sevícias; um jurista dos meados do
s.!culo tipifica assim a conduta rrlcvanre: •que sendo casada com dicro marido, este a tracra pcior do que fuss. sua escrava, dando-lhe
pancadas frequentes vezes, arrasrando-a pelos cabellos, e ameaçando-a com a mone, de fOnn.a que a vida da supllicante corre 8rande
risco em poder do supplicado• U. H. Correia Teles); outros exi8iam que as"sevícias fossem acompanhadas de injúrias graves, ou
vice-vena; rambém a qualificação das injúrias ficava a car8o do juiz, que deveria ter em conra a educação, posição, e idade do
ofendido. A mera incomparibiliclade de génio, prrvista no projccro, não foi aceite.
O siscema do Códi8o virá a 5'r profundamente aherado pela legislação republicana (dcc. 0 n. 0 1 ~ 25.12.1910), que
insrirui o casamento civil, independenremenre da religião dos nubentes. O casamenro civil d""cria preceder qualquer cerimónia
religiosa (art. 0 312. 0 do Cod. Re8. Civ.). O casamento era dissolúvel por divórcio (mesmo por mútuo consenrimenro). No divórcio
litigioso, o adulrério de um ou ourro cônju8e era equiparado, 5'ndo acrescentadas outras causas: ausência prolon8ada, loucura
incurável, separação de facro por dez anos, vício de i0go, doença contagiosa, esrabelecido pela lei de 3. 11. 1910.
A Concordata de 7 de Maio de 1940 (Dec.-lei 30 615, de· 25.6.1940) veio reconhecer os efeicos civis dos casamentos
católicos e abolir, de futuro, a possibilidade de divórcio quanto a esres (arr. 0 XXII).
Depois do 25 de Abril de 1974, o divórcio foi de novo permitido em todos os casamentos (cf. arr. 0 1773. 0 do
Cod. Civil de 1966, na redacção do dec. 0 496/77. de 25. 11) (161
DOCUMENTOS
1. T ACITO, Germania.
XVII ... Quamqum severa illic matrimonia, nec ullam morum partem magis laudaveris;
nam prope soli barbarorum singulis uxoribus contenci sunt, exceptis admodum paucis, qui non
Jibidine sed ob nobilicacem plurimis nupciís ambiuntur ...
XVIII . . . Dotem non uxor maríco, sed uxori maricus offert; intersunt parentes ec
propinqui ac munera probanc, munera non ad delicias muliebres quaesita nec quibus nova nupta
rr6> Principal bibliografia: aJc!m da eirada naanrerior nora 10, M. P. MERÊA, •Em tomo do casamenro de juras•, Boi. Fa<·.
Dir. Coimbra, 14 (1937) 18-20; para o direito moderno, por rodos, BAPTISTA FRAGOSO, Regimm rrpuhlic"' cbrútianlJi, Colónia
173 7, III, lib. li, d. 6; para o dirriro oirocenrista, v., por 1odos, M. A. COELHO DA ROCHA, /11Jti111irões ... , !, SS 206 ss.; JOSÉ
DIAS FERREIRA, Codigo civil ... anntJtatki, li, comentário aos rrspectivos ans.
579
comatur, sed boves et frenatum equum et seu tum rum framea gladioque. ln haec munera uxor
accipicur, arque in vicem ipsa armorum aliquid viro adferc ...
XIX ... Paucissima in cam numerosa gente adulteria, quorum poena praesens et
maritis permissa: accisis crinibus nudatam coram propinquis expellit domo maricus ac per
omnem vicum verbere agir ...
Tradução
17. Isco ( = o vestuário) não impede que os casamentos sejam muito sérios neste país,
e nos seus costumes nada há de mais louvável. Na ver~e, exemplo único entre os bárbaros,
contentam-se com uma só mulher, com excepção de um número muiro pequeno que, não por luxúria,
mas por causa da sua nobrei.a, toma mais do que uma, pois a sua aliança é muitas vez.es solicitada.
18. A esposa não traz um dote ao seu marido; é o marido que o dá à mulher. Os pais e os
parentes intervêm e controlam os presentes; estes presences não são escolhidos para fazer as delícias
duma mulher, não são desses com que uma mulher jovem se possa enfeitar, antes são bois, um
cavalo com a sua brida, um escudo com um dardo e uma espada. Em troca desces presentes, recebe-se
uma esposa que, por sua vez, traz pessoalmente ao marido uma qualquer arma como presente.
19. Numa população tão numerosa, há muito poucos adultérios; o castigo para eles é
imediato e deixado ao marido: depois de lhe ter rapado os cabelos e eirado toda a roupa, expulsa-a
de sua casa na presença dos seus próximos e leva-a às chicotadas através da aldeia.
Tradução
Tradução
A causa eficiente do casamento é o consentimento, qualquer que ele seja, mas expresso por
palavras, não de futuro, mas de presente. Daqui resulta que o consentimento, ou seja, o pacto
nupcial, faz o casamento; e daí que os nubentes sejam casados, mesmo se o consentimento não foi
precedido ou seguido de cópula carnal.
Tradução
Se aquele que repudia a sua mulher por causa de adultério pode casar com outra, em vida
da primeira?
Mostrámos à evidência por estas autoridades que quem quer que repudie a sua mulher por
causa de adultério não pode desposar uma outra enquanto a primeira viver; e se a desposa, será
culpado de adultério.
homem e de uma mulher de viverem um com o outro numa união indissolúvel, para procriarem
filhos e gozarem de todos os direitos ligados a este estado.
Art. 0 31. 0 Antes que um casamento possa ser contraído, deve ser proclamado
publicamente na igreja paroquial das partes, num dia de domingo ... quando o povo aí estiver
suficientemente reunido.
Art. 0 36. 0 Sendo o casamento contraído da maneira que acaba de ser prescrita será
indissolúvel, e este vínculo não poderá, sob qualquer pretexto, ser rompido, a não ser pela morte
de um ou do outro dos cônjuges.
Art. 0 44. 0 Ainda que, segundo o art. 0 36. 0 , o casamento deva manter-se durante a vida
dos cônjuges, não queremos todavia obrigá-los a cumprir os deveres dele resultantes, mesmo nos
casos em que eles tenham queixas fundadas e motivos urgentes para se excusarem disso; mas,
queremos que, nestes casos, se observem as regras seguintes ...
poder estavam; e se os elles nom quiserem, ~ja-os ElRey. E de mais esses, que assy casarem,
fiquem enfamados para sempre, de guisa que nom possam aver honra, nem seer aportellados nos
lugares, hu viverem. E se bees nom ouverem, e Fidalgos nom forem, sejam defamados para
sempre, e nunca aportellados, como dito he, e demais açoucem-nos per toda a Villa, bonde esto
acontecer, e ponham-nos fora della pera sempre. E se forem Fidalgos, sejam defamados, e nom
aporcellados pera sempre, e deitados fora da cerra. Feita per ElRey Dom Affonso o Quarto em
Estremoz a vinte e hum dias de Setembro. Era de mil e trezentos e setenta e oito annos.
3 E vista per nos a dita Ley, declarando em ella dizemos, que por quanto per ella
-soomente he posta pena a aquelles, que casam com as molheres, que estam em poder de seus
Padres, e Madres, & c. e nom he posta pena a ellas, mandamos, que seendo ella em poder de seu
Padre, ou Madre, e casando sem sua licença e autoridade, que aja a pena contheuda na Ley
d'EIRey Dom Oonis, feita sobre tal caso, segundo em ella he contheudo, com a declaraçom que
sobre ella avemos feita pola molher, que passa de vinte e cinco annos.
4 E com esta declaraçom mandamos que se guarde a dita Ley, segundo em ella he
contheudo, e per nós declarado, como dito he.
Liv. IV, Tit. 10: Que nom coJtraguam alguem que caJe contra Jua voontade.
ELRey Dom Affonso o Segundo de grande, e louvada rnemoria em seu tempo fez hüa Ley
em esta forma, que se segue.
1 Porque os matrimonios devem seer livres, e os que som per prema nom ham boa cima,
porem estabelecemos que nós, nem nosoos Socessores nom costranguam nenhum pera là7.er matrimonio.
2 E depois desto EIRey Dom Affonso o Terceiro ácerca desce passo fez outra Ley, de que
o theor calhe.
3 Estabeleceo ElRey per Conselho da sua Corte, que elle, nem Rico-homem, nem outro
nenhuü poderoso, de qualquer estado e condiçom que seja, em todo o Regno, assy Religioso,
como Secular, nom costranga per ameaça ou per força alguü homem ou mulher, pera casar contra
sua vontade, mais façam-se todolos casamentos livremente per vontade verdadeira daquelles, que
assy ouverem de casar, segundo manda a Sancta Igreja.
4 E vistas per nos as ditas Leyx, mandamos que se guardem, segundo em ellas he
contheudo, porque sempre nossa teençom foi, e he com a graça de DEOS seguir a todo nosso
poder os Mandamentos da nossa Sancta Madre Igreja; e pois que o ella assy estabeleceo e mandou, do
que fomos mui certo, nós assi o mandamos que se guarde e cumpra com todolJes nossos Regnos e
Senhorio.
5 E com esta declaraçom mandamos que se guardem as ditas Leyx, segundo em ellas he
contheudo, e per nós declarado, como dito he.
Fonte: OrdenafÕeJ do Jenhor Rey D. A/fonso V, Liv. II,
Coimbra 1786.
12. Lei de 19 de Julho de 1775.
Ordeno: Que em tudo o que respeita aos Matrimónios da Nobreza, que administra bens da
Coroa, ou tiver o Foro de Moço Fidalgo, e d'aí para cima, se ponhão na mais indefectível
observância as sobreditas Leis de vinte e três de Novembro de mil seiscentos e dezasseis, e de vinre
e nove de Janeiro de mil setecentos trinta e nove, que com esta Mando estampar.
584
Item: Ordeno: Que no outro resto da Nobreza da Corte e das Províncias, nos casos das
referidas repugnâncias, se recorra pela Mesa do Desembargo do Paço; a qual informada das
qualidades das Famílias, e das conveniências dos Casamentos, e ouvidos, em termo breve, e
sumário, os Pais, Maés, Tutores, ou Curadores, concederá, ou negará as pretendidas Licenças,
segundo o merecimento dos recursos.
Item: Ordeno: Que o mesmo se observe a respeito dos. Negociantes de grosso trato; e das
mais Pessoas, que se acham nobilitadas pelas Minhas Reais Leis.
Item: Ordeno: Que as outras Pessoas da Corporação, e grémios dos artífices, e das
occupações da Plebe, recorram nos sobreditos casos Nesta Corte aos Corregedores do Cível dela,
ou da Cidade: E nas Provincias aos Corregedores, ou Provedores das Comarcas: Os quaes, ouvindo
de plano, em termo breve, e sumário os Pais, Maés, Tutores, ou Curadores sobre a razão da sua
repugnância; e informando-se da conveniência dos ditos Casamentos; concederão, ou negarão a:s
ditas licenças, dando agravo de Petição da concessão, ou negação delas para as respectivas
Relações: Nas quais Mando: Que de plano, pela inspeçcão da verdade dos fa.ccos, e sem mais
figura de juízo, se defira a estes recursos com preferência a todos, e quaisquer outros Negócios
dentro do preciso termo de dez, quinze, vinte, ou trinta dias, segundo as menores, ou maiores
distâncias dos lugares ...
E. - OS REGIMES MA'IRIMONIAIS
Chama-se regime matrimonial ao regime de bens entre esposos. Este regime pode
ser determinado por um contrato, chamado «Contrato de casamento» (ou convenção
antenupcial). É este o sistema actual, pelo menos desde o séc. XIII, o mesmo se passando
na maior parte dos direitos individualistas. Na falta de convenção antenupcial, a lei ou,
na sua falta, o costume, dispõe do regime dos bens entre esposos. Este regime legal
era, sob o Código civil francês de 1804, o regime de comunhão de móveis e adquiridos.
No direito anterior à Revolução Francesa, toda a matéria dos regimes matrimoniais
era regida pelo costume, daí resultando uma grande diversidade. Os inumeráveis
585
regimes de bens entre esposos situavam-se entre dois tipos extremos: o regime de
separação de bens e o regime de comunhão universal 01>.
I Direito romano
No casamento cum manu, todos os bens da mulher, bem como os que o seu
pater-familias ,lhe tivesse dado (dos), integravam-se definitivamente no pratrimónio do
seu marido. A morte deste, ela teria, uma vez que estavafiliae loco (no lugar de·uma
filha), os mesmos direitos que qualquer dos seus filhos.
No casamento sine manu, que se generalizou duranre a República, os esposos
viviam sob um regime de separação de bens, temperado pelo instituto do dote. Este
podia ser constituído antes e durante o casamento, quer pela própria mulher se fosse sui
iurtS, quer pelo seu pater-familias, quer mesmo por um terceiro. Durante o casamento, o
marido era o proprietário dos bens dotais; mas era-lhe interdido dispor dos fundos dotais
itálicos; sob o Império, foram tomadas medidas legislativas que restringiram os poderes
do marido sobre o dote e atribuíram à mulher certos direitos nesta matéria. Aquando da
dissolução do casamento, o marido (ou os seus herdeiros) devia restituir o dote à mulher.
A mulher conservava a propriedade e administração dos seus bens próprios, não
dotais, ou seja, dos seus parapherna, dos seus bens parafernais.
(17l P. OURLIAC, e J. DE MALJ.FOSSE, Hir1oin dM dmit privl. T. IU: LI Jroit fflrflilial, Paris 1968, p. 219-298; G.
LEPOINTE, Rígimu matrimoniawc, libéralitl, 111mSJim, Paris 1958; P. C. TIMBAL, Droit romairu ti ancim Jroit françaiJ: rlgiflW
ma1rimoni1111x, 111muio",,,, libér4 /itú, Paris 1900; MANUEL PAULO MERÊA, 8fl0/11ftÍO Jru rrgitMJ malrimmiai1, 2 vols., Coimbra 1913;
M. l. SEOANE, Hiltoria de ia dateen e/ dmchoflfgtntin1J, Buenos Aires 1982.
(18) A. V ANDENBOS.SHE, La •IÍIJJ t:c mMito» J,,,u la Ga11/e fratlf/IH, 1953; LEMAIRE, cu dotation de l'épouse, de
l"époque mérovingienne au XIII:• siecle•, Rev. hui. dr. fr., 1929, 529-580.
586
a) Apanágio·
O apanágio (no latim medieval: dos, doarium, dotalicium) era um ganho de sobre-
vivência em benefício da viúva, consistindo no usufruto duma parte dos bens do marido
pré-falecido.
A instituição nasceu da dos ex marito da época franca, com a_ qual se tinha fundido o
morgengabe e provavelmente também a donatio propter nuptias. Esta instituição espalhou-se
muito a partir da época feudal, mantendo-se até aos fins do séc. XVIII 09>,
Se, na maior pane dos costumes franceses, o apanágio não beneficia senão a viúva,
numerosos costumes flamengos, brabantinos e do Hainaut admitiam também um
apanágio a favor do viúvo. Do mesmo modo, na Inglaterra e na Normandia, o viúvo tem
um direito de usufruto sobre o dote da mulher.
«Um marido jamais paga apanágio», dirá Loisel nas suas lnstitutes coustumieres
(artigo 125. 0 ); com efeito, a mulher não entrava na posse efectiva dos bens que
compunham o seu apanágio senão por morte do marido, recebendo-o livre de quaisquer
encargos. Durante o casamento, ela não tinham senão um direito eventual sobre estes
09) R. GENET, IA llrigirw J,, áo1ulirr, 1926; H. FASQUEL, De l'entra1J<Itiuemm1. Ét"dt hi.storiq"e '"' lu droilI du ço,,joinl
1urviv<1'1/ daw /4 Fl<1ndrt, dt H<1i"'1ul et l'ArtoiI, Paris 1902.
587
b) Regime1 matrimoniais
Dois sistemas muito diferences um do outro dominam esta matéria no antigo direito.
No sul da França, ou seja, nos «países de direito escrito», bem corno na Itália e na
Espanha, subsiste parcialmente o sistema romano do regime dotai. O renascimento do
direito romano nos sécs. XII e XIII reintroduziu aí a maior parte das regras romanas cm.
Os bens dos cônjuges são, em princípio, separados, mas é obrigatoriamente constituído
(20l Ph. GODDING, •Lignage rt mtollf!C. Les droits du conjoinr survivant dans l'ancicn droir b.lgc•, famillt. droil ti
rhangtrnmt dam los 10âiti.r rontnnporainn. Bibl. fac. Dr. Lowain, 1. XI, 1978, 277-296.
<2Il ). HILAIR.E, urígm...Wbimimmi{x!uxdarularigiondtMontfJ<l/;,:r, 1957.
588
um dote em favor da mulher, visando a participação nos encargos domésticos, pelo seu
pai ou, eventualmente, pela sua mãe e outros parentes; este dote era entregue ao marido,
que o administrava, não podendo, no entanto, aliená-lo. Os bens dotais eran:, portanto,
inalienáveis, devendo ser restituídos à mulher ou aos seus herdeiros no momento da
dissolução do casamento.
De facto, a inalienabilidad~ do dote não é, de modo algum, respeitada. À imitação
do apanágio do Norte, o marido constitui muitas vezes também um dote, chamado
sponsalitium ou aumento do dote.
No centro e norte da França, bem como nas províncias belgas e na Alemanha, o
sistema que predomina nos costumes é o da comunhão de bens entre os cônjuges: no todo
ou em parte, os bens destes integram-se numa comunhão que é desfeita no momento da
morte de um dos cônjuges e dividida entre o sobrevivo e os herdeiros do cônjuge pré-falecido.
O problema da origem desta instituição é muito controverso: origens germânicas,
origens cristãs, comunhões familiares dos sécs. X a XII, influência económica das cidades
nascentes nesta época '22>? Os regimes de comunhão apenas aparecem nos textos da prática
no séc. XII, depois nas recolhas consuetudinárias do séc. XIII, mantendo-se até aos tins
do Antigo Regime. No Code civil de 1804, o regime da comunhão dos móveis e
adquiridos era considerado como regime legal dos bens entre os cônjuges, na falta de
convenção particular, sendo aí largamente analisado (arts. 1400 a 1496).
No antigo direito costumeiro, existia uma grande variedade de regimes de
comunhão entre cônjuges, segundo as regiões mi.
(22) A. LEMAIRE, .1.es origines de la commuoauré de biens enrrr épowr dam le droir coutumier français (fin IX. - début
XIII. «iecle)•, Rev. hitt. dr.fr., 1928, pg. 584-643; P. PETOI', Laf()f'Jll4fio11hiJtoriq11triMrlgimukcrmm111tW11témtrripD11x, coun. doct.,
Paris 1942-1943; Lerlgimetkcmmt111'1lllltlmtrripo1Dc, roun, Paris 1956%1957.
(23) W. VAN HILLB, ú dmit dtJ glll! ,,,,,,.;is m Pi.mdrr à la fin tk l'Ancim Rlgime, Bruxelas 1930; L. LOlTHÉ, Le dmit tÍl!
gent mariéJ dant ltJ (Ollflllllt! d1 Plandr1, tese, Paris 1909; H. BRIET, u droit dtJ g1n1 marih dar11 lu (011t11mes .k Li/11, rese, Lille
1908;
). Gil,ISSEN, .1.e statut de la femme dans l'ancien droir belge•, Rnei/J tk /11 Soalté)Mn Bodin, t. 12, La femme, 1962, p. 306 ss.;
G. LEPOINTE, •L'évolution de la commllllllllté mue épouI dans la ville de Lllle•, R111. biI. dr. fr., 1929, 524-568; R. VAN DER
MADE, •l.edroitdesgensmariésdSnslestatelégulatifsli<!geois•, 81111. lfl!t. arrh. /ilgeoiI•, t. 68, 1951, p. 99-116; P. GODDING,
«Le droit des gens mariés à Nivelles (14.• sikles)•, Tij1,hrift Rerhtrtgesch., t. 40, 1972, p. 73-117. ·
Para a Flandres, o Braban<e e o Artois, v. sobretudo os trabalhos de E. M. MEIJERS sobrr o direito das sucessões ciwlo irifra.
589
<241 F. BOMERSON, •la mainplévie dans le droic coucumier liégeois•, Rw. his. ár. /r. 1930, p. 294-323 ..
590
5. Reformas do século XX
O regime legal introduzido pelo Code Civil francês de 1804 correspondia à situação
política, social e económica do início do séc. XIX. A çoncepção fundamental é autoritária e
patriarcal; a mulher era considerada como mais fraca do que o homem, a quem ela deve
submissão e obediência; o homem é o chefe incontestado do casal; só ele tem a
administração de todos os bens, mesmo (sob algumas reservas) dos bens próprios da
<m J. BRISSET, L'adoption dt la er>mm11na11ti comme régime ligai daru le Codt âvil, Paris 1907.
591
mulher. Tendo suprimido o apanágio, o Código de 1804 tinha feito desaparecer a única
inscituição que ass~gurava à viúva um mínimo de segurança pecuniária. Por oucro lado, o
Code é destinado a uma população de camponeses. e de artesãos para os quais importava
sobretudo a protecção dos bens e a sua conservação na família de origem.
Esta situação económica e social foi também a da maior pane dos países que
adoptaram, mais ou menos, as disposições do código francês, sobretudo os do Sul e Leste
da Europa. Mas, nos países que conheceram no séc. XIX wna profunda revolução industrial,
os princípios do cód.igo de 1804 cedo foram ultrapa.Wldos. Foi cerca de 1880 que as
primeiras necessidades de reformas se impuseram, sobretudo em dois domínios: a
cendência para a igualdade da mulher e do homem e a importância crescente dos bens
móveis em relação aos imóveis.
O B.G. B. (código civil alemão) de 1900 e o código civil suíço de 1907 adoptam já
um regime matrimonial que tem em conta as novas tendências; o princípio da igualdade
civil da mulher é admitido; mas, influenciado pela Parukktenwinenschaft (pandectística) e
concorrendo com o Code civil francês em alguns Lander, o código alemão não marcou uma
mudança notável.
Na realidade, subsiste uma grande diversidade de regimes nos diferentes países
europeus. A comunhão geral é o regime legal nos Países Baixos (Código civil de 1838) em
Portugal e na Islândia; a comunhão reduz aos adquiridos, o de Espanha; a separação de
bens, o da Itália (1865, 1942) e da Grã-Bretanha (Ma"ied Women's Property Aa, 1882;
Law Reform Aa, 1935); um sistema que combina a separação e a comunhão, na Suíca
( 1920), Noruega (1927) e Finlândia (1929).
Foi sobretudo depois da II Guerra Mundial que foram intorduzidas reformas
substanciais nos códigos civis: Alemanha (1957), França (1965). Bélgica (1976), etc. As
primeiras reformas, tímidas e menores, datam, é certo, do fim do século XIX; a partir de
1870, a mulher inglesa adquire a liberdade de dispor do salário do seu trabalho; aparecem
medidas deste género na Suécia, em 1874, na Dinamarca, em 1880, na Noruega, em
1888; mas em França é preciso esperar por 1907 e, na Bélgica, por 1932.
Uma lei francesa de 1938 proclama o princípio· da capacidade da mulher casada,
mas, de facto, ela continua a não ser aplicada; o mesmo acontece com a lei belga de 1958 e
com a holandesa de 1956. Foi, portanto, preciso esperar a reforma de conjunto dos regimes
matrimoniais para ver desaparecer as últimas desigualdades e ter em conta a transformação
social dos patrimónios familiares.
A lei francesa de 13 de Julho de 1965 cria um «regime primário» de ordem pública
que se aplica a todos os casais, qualquer que seja o seu regime de bens. Tal regime assegura
a igualdade do marido e da mulher na vida de todos os dias. O regime dotai, próprio do Sul
da França, é suprimido enquanto regime convencional-tipo. Em lugar da comunhão dos
móveis e dos adquiridos, é um regime de comunhão reduzida aos adquiridos que se tornou
no regime legal, embora o marido continue a ser o administrador desta comunhão.
A mulher apenas tem a administração e a disposição dos seus bens pessoais.
592
A lei belga de 14.de julho de 1976 vai mais longe no sentido da igualdade dos
cônjuges, adaptando também o regime de comunhão de adquiridos como regime legal,
mas escabelecendo que o património comum é gerido por um 011 outro dos CQnjuges, que
pode exercer 10zinho os poderes de gescão, com a condição de respeitar os actos de gestão
realizados pelo outro; em caso de desacordo, pode ser pedida a intervenção do juiz.
Para reformar o regime macrimonial, os legisladores francês e belga tiraram a lição
da evolução recente em matéria de convenções antenupciais; os dados estacísticos juntos
mostram o favor adquirido na Bélgica, entre 1927 e 1971, pelo regime de comunhão de
adquiridos (de 4442 para 129 050) e mais ainda pela separação de bens com comunhão de
adquiridos (de 503 para 1013).
NOTA DO TRADUTOR
Até ao século XIV, as práticas portuguesas quanto ao regime de bens do casamento ntiveram dominadas pot doi• módelos:
o regime de «união de bens• (Paulo Meria) ou de arru, e o regime de comunhão geral.
O regime de união de bens compreendia três elementos:
- a entrega à mulher de uin dote (no qual confluíwn as tradições germânicas do prrli11m p111//lae e da morgengtÚH e a tradição
romana tardia das arras nponsallcias do Baim Império), normalmente limitado a uma quantia máxima, e que, ao mnmo temP,O,
desempenhava a função de garantia do cumprimento dos nponsais e de apanágio ou ganho de sobrevi~ncia da viúva; a sua
administração cabia, provavelmente, ao marido;
- a comunicação dos bens adquiridos na constância do matrimónio por titulo que não fosse a doação ou a suce!Sâo (ganças
ou f(anânciaJ ), ficavam sob administração do marido, embora este necessitasse de autorização da mulher para dispor dos bens mais
importantes;
593
- a exisrência de bens próprios de 'lual'luer dos cônjuges: da mulher, o axuiar e as dnna1 ou manda1. bens <JUe a mulher
trazia para o casamento por dádiva e parentes ou esrranhos, além dos bens <JUe depois lhe adviessem por doação ou sucessão; embora
próprios, os bens da mulher escavam sujeit<l5 a adminiscração do marido, 'lue também tinha poderes de disposição sobre os móveis.
Ao lado desce regime, e dominando na parte Sul do país. aparecia o re,llime de comunhão geral de bens 1carta tk mryadatk 1.
que alguns aurores relanonam com meios conjugais humildes, cultivando pe<juena propriedade (herdeiros, reguengueiros ou
caseiros), de origem social inferior e de economia precária, mas 'lue provavelmente se li,'!• a diferenciações culturais mais profundas.
A comunhão era geral, embora dela fussem sendo excluídos certos bens, como os esponsalícios e a roupa de cada um. Mais tarde, as Ord.
aj1m11na1 excluem da comunhão os bens feudais, bens da coroa, morgados, etc. A administração cabia ao marido, bem como a
disposição dos móveis, exigindo a dos imóveis o concurso da mulher.
As Ordma(iie.r afonú11a1 (IV, X!I) mantém esta dualidade de regime de bens que, por um documenco coevo (exposição feira às
corres de Sancarém de 1468), sabemos ter uma nítida expressão regional (união de ben• no Minho. Trás--0s-Monces e Beira; comunhão
na Estremadura, Alencejo e Algarve). Mas, nas Ordma(Õ<J ma11uelina1 (IV, 7; depois, Ord. fil., rv, 46/47), o regime de comunhão de
bens é elevado a regime suplerivo para rodo o reino.
Enrreranco, no plano dourrinal, o modelo era o do casamento com dore (ou dote e arras) e separação de bens. esrabelecido
como regi me geral nas fomes de direico comum (cf. Dt!(tlln, 23, 3, Dt /Urt dorium: Cnd.. 5, 12, id. ). O peso desce regime na tradição
jurídica culra vai ser responsável por uma continua usura do casamenw segundo o costume geral do reino. Em primeiro lugar. a
palavra doce vai passar a designar odore parcncal e não o dote ex marit.J cradil'ional. para o qual é reservada a palavra arra1. Mas, mesmo
as arras são entendidas de outro modo: não como arcas esponsalícias, dadas nos esponsois como garanria do seu cumprimento, nem
como pret1um 11irvn1tal/J (mfff'J(tn!(abeJ, mas como uma espécie de do11a110 propter "''p1ia1, contrapartida, prestada pelo marido, do doce
feito à noiva pelos pais (daí que a lei limice as 01ras em função do montante do dore e <JUe a doutrina entenda que, não cumprido o
dote, cai o direito da mulher às arras maritais). Por outro lado, a doutrina alarga a vigência do casamento com dote e arras, segundo o
direito comum: (1) basta que, no contraco de casamento exista qual'luer cláusula incompatível com a comunhão geral para que o
casamento se emenda celebrado pelo regime do direiro comum; Cii) o casamento entre nobres (maf.11a"1) é presumido ser feito por dote
e arras, por este ser o costume entre esre grupo social CANTONIO GAMA. Dtá1io11<J .... dec 370, n. 0 !); (iii) o afastamento do
cosrume do reino pode não ser expresso, mas deduzir-se por conjecruras e, neste caso, o casamento deve cambém ser regulado pelo
regime do direito comum. Alguns autores defendiam, no encanto, que regulando-se o casamenco pelo direito comum (por exemplo,
pela instituição de arras e dore ou por wna referência genérica àquele direito), se dará a comunhão de adquiridos, por este ser um
costume geral do reino e se presumir um pacto.
A dourrina ilum;nista e pós-iluminista inrrodu•iu algumas propostas doutrinais novas (como o favor da comunhão de
adquiridos, a indistinção enrre bens dorai.s e parafrenaís da muJher, erc.). enquanto que a prática inrroduzja cláusulas típiC"as (como
nos casamencos com comunhão, a cláusula de reversão dos bens à respecriva estirpe, no caso de inexistência de filhos; ou, nos
casamentos por dore, a da éomunhão de adquiridos).
O Código civil de 1867 não se afastou sensivelmente do direico anterior: a comunhão geral continuou a ser o regime
suplerivo (art. 0 1098. 0 ; instituíram-se mais crês regimes típicos (comunhão de adquiridos, art. 0 1130.º-l lH.º; separação de bens,
arr. 0 1125.2-1129. 0 ; regime dotai. 1134. 0 -1165. º);mas foi deixada aos cônjuges a liberdad~ de estipularem ourros regimes, salvas
as disposições imperativas da lei ou os bons costumes (V.!(., a mulher não pode privar o marido da administração dos bens, art. 0 1104. 0 ).
Mais profundas foram as alterações introduzidas pelo Código civil de 1966 (an:s. 1698. 0 ss): o regime suplet1vo passou• ser
o regime de comunhão de adquiridos (art. 0 1717."), ao passo que o regime dotai desapareceu do elenco dos regimes-tipo, embora
possa continuar a ser estipulado ao abrigo do princípio da liberdade das convençóes antenupciais (art. 0 J698. º).
Bibliografia:
Para o período medieval: MANUEL PAULO MERÊA, Evolufiin do1 re!(imt1 matrimoniaÍJ (/, Elpanha primitiva: li. RegimeJ
matrimoniai! de l,eiio, Cauda e Portu!(al até a implantarii11 dn regime dotai ju1tmianeu J, Coimbra 1919, 2 vols.; "Doações para casa-
menro (Noras histórico-jurídicas)•, O direito 57(1925) 130-3;id., •Escudos sobre hiscória dos regimes macrimoniais. 1. O dote
no direito visigótico; U. Odore nos documentos dos sécs. IX-Xll (Astilrias, !no, Galiu e Portugal-. BFDC 170941), 18(1942) e
19( 1943) depois reimpressos nos Elt11do1 dt direito vili!(Ót1rn, Coimbra 1948, e Eitud111 de dimtn húpâ11iw medieval, Coimbra 1952;
L. CABRAL DE MONCADA (ARTUR A. DE CASTRO e MARIO REYMÃO NOGUEIRA), Hiltória da direito portu1.ui1. Direilni de
família: ca1amento e regime1 de bem, Coimbra 1930; MARIO LEITE SANTOS, ·Relações patrimoniais dos cônjuge,.., em RUY OE
ALBUQUERQUE e MARTIM DE ALBUQUERQUE, Lifõe! dt hiJ/óri.r dn direito pfff'tu!(uil, Lisboa 1983, polic., 1.2, 1SI! ss.
Interpretação mais alargada, com recurso e esquemas explicativos modernos, em JOSÉ MAlTOSO, Identificarão dt um pah ... , cir.
Para o perlodo moderno, v., por todos, BAPTISTA FRAGOSO, Re!(imtn reipublicae chriJtianae, Colonia Allobrogum 173 7,
p. 111, lib. 11, disp. V, §§ 1 e ss.; ALVARO VALASCO, Decilionum .... Ulyssjpone 1598, decs. li, Clll, CXXX. CXXXVlll; id.,
Praxú partilionum et collationNm, Conimbricae 1730, cap. V (sobre a comunhão), cap. XXIII (sobre as partilhas).
Para o período iluminista: PASCOAL JOSÉ DE MELLO FREIRE, lmtitutio11eJ iurú ci11i/ÍJ, li, tit. 8-10; MANUEL DE
ALMEIDA E SOUSA, Notai a Mel/o, li, notas a II, 8 _a 10; MANUEL ANTÓNIO COELHO DA ROCHA, /m1ituiçõe1 dt direito ci11il
portNf.uêJ, cit. ~§ 228 ss.
Para o C6digo civil de 1867, JOSÉ DIAS FERREIRA, C6di!(o civil port111.uez annotadn, cir .. , com. aos respectivos artigos.
594
DOCUMENTOS
32-7: Si aucem per series scriprurarum ei nihil concullerir, si mulier virum supervixerit,
L solidos in dotem recipiac ec rereiam de omne re quod simul conlaboraveric sibi srudiat evendicare
vel quidquid ei in morgangaba tradirum fuerit similicer faciac.
Tradução
Se o marido não lhe deu nada por acco escrico e se a mulher sobreviver, que ela receba 50
soldos em doce e a terça parte de rodos os bens que adquiriram juncos e o que lhe foi dado em
morgengabe.
95: E os casados são comuns em codos os bens móveis e im6veis adquiridos, desde o dia
da sua bênção nupcial.
102: O marido é ministro da comunhão, posse e gozo dos bens próprios da mulher e não
da sua propriedade.
124: Ao ir para a cama, a rri"ulher ganha o seu apanágio, ou antes desde a bênção nupcial.
125: O marido nunca paga o apanágio.
131: Mulher que come um apanágio convencionado priva-se do cosrumeiro.
Ed. REUTLOS, 1935, p. 33.
5. UEGE, Recolha de pontos estabelecidos por costume do país de Liege, por Pierre Méan, 1650.
XI, 13: Morrendo o homem sem deixar filhos do seu casamento e ficando a mulher
sobreviva, cessam todas as convenções ou disposições, mesmo feitas durante o casamento, e a
mulher, pelo contrário, apropria-se por direito de mainplévie de todos os bens deixados pelo seu
marido, de qualquer natureza que seja ou de qualquer costado de que procedam, salvos os casos
reservados a título de sucessão de feudos.
XI, 14: E o seu marido não lhe poder tirar tal direito por testamento.
Art. 0 767. 0 : Quando o defunto não deixa parentes em grau sucessível nem filhos naturais,
os bens da sua sucessão pertencem ao cônjuge não divorciado que lhe sobrevive.
Art. 0 1387. 0 : A lei não rege a a.Ssociação conjugal quanto aos bens senão na falta de
convenções especiais que os esposos podem fazer como julguem apropriado, desde que sejam
conformes aos bons costumes ...
Art. 0 1401. 0 : A comunhão compõe-se, do ponte de vista do activo:
1. 0 De todos os bens mobiliários que os esposos possuíam no dia da celebração do
casamento, do conjunto de todos os bens móveis que lhes venham durante o casamento a título de
sucessão ou mesmo de doação, J?.e o doodor não exprimiu o contrário:
2. 0 De todos os frutos, rendas, juros e prestações ... vencidas ou recebidas durante o
casamento e provindo [dos bem citadoJ no n. 0 J. º];
3. 0 De todos os imóveis adquiridos durante o casamento.
Tradução
E homem que tiver mulher por bênção parta por metade tudo quanto houverem, ou por
morte ou em vida.
Fonte: Collecfão de textos de direito port11g11êJ. /. Foraes.
Vol. J (e único), Coimbra 1915, 42.
Liv. IV, tit. 11. Que o marido n(!TfJ poHa vender, nem escambar beêJ de raiz sem outorgamento de
ma 1fl:OÍher.
EIRey Dom Affonso o Terceiro da louvada memoria em seu tempo fez Ley em esta forma,
que se segue.
1 Em outra parte he estabelecido, que aquelle, que he casado, nom possa vender, nem
enalhear bees de raiz sem outorgamento de sua molher, e se aJgum homem vendeo algüa cousa de
possissom sem outorgamento de sua molher, a saber, contra a postura da Cone, e a molher quizer
esco revogar per Carta d'EIRey, assy como he postura da Côrte, aduga o marido comsigo, quando
vier perante o Juiz alli hu he a possissom, e d'oucorgamento de seu marido o faça; e d'outra
maneira nom valha quanto ella hy fezer, salvo se na Carta d'E!Rey, que pera ello gaançou, for
concheudo que Nosso Senhor E!Rey dá a ella poder que faça essa demanda sem oucorgamenco de
seu marido.
2 E vista per nós a dita Ley, adendo e declarando em ella dizemos, que vendendo algüa
possissom de raiz o marido sem outorgamento da molher, poderá essa molher demandar em
Juizo, e cobrar a dita possissom, sem gaançando pera ello Carta d'EIRey: salvo sendo essa molher
achada por tam desasisada, que se podesse mover a ello sem jusca razom, ou no soubesse governar
a dita demanda pera a trazer a boa perfeiçarn.
3 E no caso honde a molher demandasse a possissom vendida pelo marido sem seu
outorgamento com Carta d'EIRey, ou sem Carta, como dito he, e a veencesse per Sentença,
querendo-a cobrar aa sua maaõ, deve primeiramente pagar, ou offerecer o preço, por que foi
vendida, e as bemfeitorias, que acerca della forom feitas, se o comprador ao tempo do contrauto
ouve justa razom pera nom saber que o dito vendedor era casado, segundo he concheudo em outra
Ley, que he no Livro Terceiro no Título, Como a molher pode demandar a raiz, que o marido vendeo:
peroo se o comprador da possissom quer as bemfeitorias, que em ellas fez, deve compensar em
ellas rodolos fruítos, que ouve da dita possissom depois da compra feita em diante.
4 E dizemos, que se a molher ouvesse gaançada Carta d'E!Rey, per que nenhuü nom
comprasse algüa possissom de seu marido, por seer achado desasisado, e de maa governança, e essa
Carta fosse pobricada pelas Praças da Villa, encom poderá a molher aver, e cobrar essa possissom
assy vendida, do comprador, sem lhe pagar por ella alguü preço; ca pois a comprou contra o
mandado d'EJRey, nom lhe deve com direito per ella seer pagado o preço, que por ella deu.
597
5 E em todo o caso bonde o marido vendeo, ou enaJheou algua possissom de raiz sem
outorgamento da molher, e prometeo aJgüa pena, ou deu fiadores, ou apenhou alguüs beés por
firmeza de tal venda, ou enalheamento, ou promitcimento, mandamos que todo seja nenhuü, e de
nenhuú vigor' porque bem parece seer todo feito por dapnificar sua molher.
6 E bem assy dizemos, que se elle no dito contrauto prometteo trazer essa molher ao
outorgamento a tempo certo, e sob certa pena, ainda que nom tragua o outorgamenco, nom
pagará por tanto a dita pena; ca em outra guisa toda a dita Ley será desfraudada; porque tanta
perda receberá a molher pagando-se a dita pena, como valendo a dita venda feita sem seu
outorgamento.
7 E declarando ainda mais ácerca da dica Ley dizemos, mandamos que o marido nom
possa vender, nem enalhear bees alguüs de rais sem outorgamenro expresso de sua molher; e posto
que se alegue que essa molher outorgou a dita venda, ou enalheamento caladamente, mandamos
que cal oucorgamenro cacico, ou calado nom valha, nem seja alguü recebido a aJlegar cal razom, e
oucorgamenco, salvo allegando outorgamento expresso, como dito he; porque muitas vezes
acontece que as molheres, por medo ou reverença dos maridos, leixaõ caladamenre algüas cousas
passar, por nom ousarem de o contradizer, receando alguns escandalos, e perigos, que lhes em
outra guisa ligeiramente poderiam vir.
8 E com estas declaraçooês mandamos que se guarde a dita Ley, segundo em ella he
contheudo, e per nós declarado, como dito he.
Liv. IV, cic 12. De como a 111()/her fica em pom, e Cabeça de Cara/ depois da mvrte de Jeu marido.
Costume foi em estes Regnos de longamente usado, e julgado, que bonde o casamento he
feito antre o marido, e a molher per Carta de meecade, ou em tal lugar, que per usança se partam
os beés de per meo aa morte sem aver hy tal Carta, morto o marido, a molher fica em posse, e
Cabeça de Casal, e de· sua maaõ devem de receber os herdeiros, e leguatarios do marido partiçom
de todos os bees, que per morte do dito marido ficarom, e bem assy os leguados; em tanto que se
alguü dos herdeiros, ou leguatarios, ou qualquer outro filhar posse d'alguã cousa da dica herança,
depois da morte do dito marido, sem consentimento da dita mulher, ella se pode chamar
esbulhada della, e deve-lhe logo seer resciruida. E este costume foi fundado em razom, ca pois que
per bem do dito costume, canto que o casamento he consumado, a molher he feita meeira em
todolos bees, que ambos ham, e o marido per morte da molher cominúa a posse velha, que ames
havia, justa razom parece seer, que per morte do marido fosse proveudo a ella de algum remedio
acerca da dica posse, a saber, que ficasse ella em posse, e Cabeça de Casal per virtude do dito
costume.
1 E todo esto, que dito he, ha lugar nos bees commüs, que ham de seer partidos antre a
molher, e os herdeiros do marido, ou ancre o marido, e os herdeiros da molher, e em ou era guisa
nom; ca se o marido ou molher ouvessem alguüs bees feudaaes, ou da Corôa do Regno, ou de
Moorgado, ou emprazamencos, em que a molher nom fosse nomeada, per cal guisa que nom
tevesse em elles direito, ou em outros similhances, em cal caso nom há lugar o dito costume, nem
ficará a molher em posse de taaes beés, que o marido ouvesse, e possuisse em sua vida, nem esso
meesmo o marido per morte da molher dos bees, que pelo clico modo a ella perteencessem, mais
requere-se que pera cada huú delles aver gaançada tal posse, que a come aucualmente depois da
morte de cada huü delles.
598
2 Pero se taaes bees, terras, ou feudos forem obrigados àa molher pelo marido, ou ao
marido pola molher per consentimento, e authoridade do Senhorio, em cal caso o que assy ficar
vivo estê em posse de taaes bees, e nom seja delles tirado acaa a dita obrigaçom seer pagada, ou per
Direico determinado que nom deve ceer tal posse.
3 E esto meesmo dizemos que se aquelle, que vivo ficar, disser e allegar algüa just~
razom, per que taaes bees, cerras, ou feudos, que do finado fossem, lhe pertencem, ou teem em
elles alguü direito, e as pessoas forem taaes, de que se tema de virem a pelejas, e arroido, em cal
caso queremos, e mandamos que os ditos beês, terras, ou feudos se ponhaõ em socresto em maaõ
de pessoa fiel, e idonea, que os tenha atee seer determinado per Direito a quem pertencem.
4 E bem assy dizemos que o dito costume nom deve ave~ lugar nos casamentos feitos per
Cartas d'arras: salvo em aquelles bees, que per bem, e virtude do dito contrauto devem seer
meeiros antre o marido, e a molher; cá em taaes bees se deve guardar o dito costume, assy como se
o dito casamento fosse feito per Carta da meetade, como dito he.
5 E porque somos certo que assy foi usado, e guardado, e julgado d'ancigamente,
mandamos que assy se guarde daqui em diante por Ley geeral em todo o casamento feito per Carta
de meetade em taaes lugares, onde se acostuma os beês serem commüs antre o marido, e a molher,
ou Cartas d'arras, como dito he.
Fonte: Ordenações afonsinas ... , cit.
-lha, cal promessa, ou doaçaõ naõ valha. Mas poderá cada hum em o contracto dotai prometter, e
dar a sua molher a quantia, ou quantidade certa que quizer, ou certos bens, assi como de raiz, ou
cerra cousa de sua fazenda, com tanto que naõ passe o tal promerrimento, ou doaçaõ de arras da
terça parte do que a molher trouxer em seu doce. E se mais for promercido do que montar na terça
parce do dote, naõ valerá o cal promercimenro na demasia que mais for.
1. E se o marido que taes arras promerreo a sua molher, civer a esse tempo filho, ou filhos
legirimos, ou outros legitimos descendentes de outra primeira molher, e for algum vivo ao tempo
que se as arcas vencerem, ·naõ poderá a segunda molher haver da fazenda do marido (no caso que
deva haver as arcas prometcidas) mais que o que montar na .terça parte dos bens que ao cempo do
contracto dotai forem do ma.r;ido, que lhe prometteo as arras, posto que a quantia promettida por
arras no contracto dotai seja maior, que o que se montar na terça do marido. Por quanto no que
exceder a dita terça, queremos que cal promessa, e obrigaçaõ de arras naõ seja valiosa, nem haja
effeito algum, porque nossa cençaõ he, que por tal obrigaçaõ de arras os ditos filhos naõ sejaõ
defraudados em maneira alguma de suas legitimas.
ser dadas por muitas outras razões, nomeadamente em virtude da honra, da nobreza ou de
remuneração do dote ... pelo que se podem prometer arcas tanco a viúvas como a virgens, por
diversas causas ... Pergunta-se, portanto, se as arras são devidas, se o dote não for incegralmente
pago; deve dizer-se que a esposa não deve ter direito às arcas inteiras se apenas.se tiver pago uma
parte do dote, ·tendo apenas direito às arcas na proporção do dore pago ...
l. Direito romano
Na época da República a mulher não era sujeito de direito; a sua condição pessoal,
as suas relações com os pais ou com o marido eram, não da competência do direito da
cidade, mas do da dom11.r, cujo chefe omnipocenre era o paterfamilias. Havia, de resto,
C2hl A Sociili )t4" Bodifl para a hisrória comparada das insliruiçoo consagrou dois congressos à hisrória do estaturo
jurídico da mulher: em Leyde, em 1956, e em Dijon, em 1957. Os 55 rdatórios foram publicados nos tomos XI e XII dos Rec11eih da
Soúété. •U femme•, Bruxelles 1959 e 1962; o como XII não apa=eu ainâa; devia conter os relatórios de síntese. Para o que aqui é
exposro, ver sobrerudo no tomo XII: P. PETOT, Lr J/a/11/ dt la /emflU! dam ÍtJ payJ m11111mierJ françaiJ d11 13. •a11 18. •útdt. p. 243-254;
J. GILISSEN, u J/a/11/ dt la /emflU! dam l'anáen droit htlr,e, p. 255-322; J. W. BOSCH. Lz 1/a/11/ dt la /emmt dam lu ancien1 PayJ-Bas
uptmtriona11x, p. 323-350; G. LEPOINTE, La .femme au X/X.' Jitr/e '" Fraflct e/ dam le mondt dt /'E11ropt occidtntale, p. 499-514;
ª"
J. HEMARD, Lr 11at111 dt lafemflU! m E11rofH ocádmtalt XX.<Jiédt. p. 515-576; G. BAETMAN e]. P. LAUWERS, Lz 11a1111 dt la
/emmt dam le droit b.lf.t dtp11ú lt Codt civil, p. 577-604. V., por outro la.do, P. GIDE, Hütoirr dt la rondition privé>! dt la /emme, 2. • ed.,
Paris 1887 (continua a ser fundamental); A. GARCIA GAI.LO, ·L"évolurion.de la condicion c.le la femme en droit espagnof., Áflnalts
Fac. Dr. To11lo11Jt, t. 14, 1966, 73-96.
601
segundo parece, como o cum man11, a forma mais usual. Neste casamento, a mulher não
fica sob a manus do seu marido, permanecendo no seu grupo familiar natural; à morte do
seu pater/amilias, ela torna-se sui i11ris.
Se primitivamente a mulher estava sempre, portanto, sob a tutela do agnado mais
próximo, ela adquire a partir do Império uma capacidade jurídica real desde o momento
que seja sui iuris. Se, na família, ela conserva um lugar secundário, pode, desde muito
cedo na história romana, ter um património; o direito romano não parece ter conhecido
nunca o privilégio da masculinidade, tendo as raparigas os mesmos direitos que os
rapazes. Mesmo casada, mas sine man11, ela: mantém os seus bens próprios - finalmente,
chamados parafrenais - que ela administra e de que dispõe livremente. No entanto,
desde os inícios do Império, uma lei, o senátus-consulto Veleiano (provavelmente de 46
d. C.) proíbe à mulher qualquer intercmio, ou seja, qualquer obrigação para garantir uma
dívida do seu marido ou de outrem.
A mulher tem o dever de fidelidade em relação ao seu marido; o adultério não é
previsto senão a seu respeito. Não tem o dever de obediência, não gozando o marido, na
época do Império, de direito de correcção ou, pelo menos apenas podendo exercê-lo
perante uma espécie de tribunal doméstico, composto pelos seus parentes próximos.
A mulher romana não podia exercer nenhuma função administrativa ou judicial. A sua
inferioridade resultava, segundo os autores, da sua infirmitas sexus, da sua imbecil/iras
sexus 126>.
126) J. Bt:.\UCAMP, .u, vocabulaire de la faibluse f<!minine dans les textes juridiques romains•, Rev. hi11. dr. /r.
itr., 1976, 48~-~08.
O cristianismo mostrou-se &voráwl à condição da mulltrr, mas manrevr o homem na dim:ção da famllia e do lar, excluindo
a mulher do sacerdócio e da hierarquia rdniástica.
602
literalmente, «tutela do sexo»), é certo que apenas certos direitos (lombardo, saxão,
frísio) conservaram este regime. O direito franco, pelo contrário, pelo menos pelo que
colhemos da Lei Ripuária, não conhecia a incapacidade permanente da mulher: a mulher
de 15 anos e solteira é tão capaz de agir em justiça por si mesmo como o homem. A mulher
casada é sempre incapaz de contrair obrigações, sendo assimilada ao menok' ou ao escravo,
sendo o marido quem tem poder sobre os bens da mulher:
a) A mulher em geral
A tendência para a igualdade dos sexos tende a dominar no antigo direito
costumeiro, embora haja excepções que dizem respeito, sobretudo, ao exercício de
funções públicas, à maioridade, à capacidade de se obrigar a favor de outrem e ao direito
de sucessão.
exemplo, a Inglaterra (Isabel 1 e II, Vitória) e os Países Baixos (nos sécs. XIX e XX).
Mesmo naqueles em que as mulheres estão excluídas do trono, acontece muitas vezes
serem regentes do reino em nome de um filho menor.
bb) Maioridade
Uma vez que as raparigas atingem a puberdade mais cedo do que os rapazes, a
maioridade diferia segundo o sexo: as raparigas atingiam geralmente a maioridade dois a
quatro anos mais cedo do que os rapazes. O direito romano, e depois o direito canónico,
tinham fixado 12 anos para as raparigas e 14 para os rapazes. Nos costumes medievais, a
maioridade das raparigas oscilava entre 11 e 22 anos, a dos rapazes entre 14 e 25 anos.
A idade de 25 anos foi finalmente, no séc. XVIII, instituída para os dois sexos. O Code
civil de 1804 reduziu-a para 21 anos.
Na maior pane dos costumes belgas, a mulher solteira não é incapaz, podendo
validamente obrigar-se, concluir todos os contratos, testar, etc. mas, cercos costumes
sobretudo brabantinos (Anvers, Léau, Uccle), consideram a mulher como sendo sempre
incapaz. Segundo o costume de Ucde, «O que a mulher promete sem autorização do seu
curador (mambúrdio) não é válido» (costume do séc. XIV, an. 0 11. 0 ). A mulher deve
sempre agir com intervenção do curador (mambúrdio); em Anvers, ainda nos sécs. XVII e
XVIII, os escabinos deviam designar um mambrírdio para a mulher solteira que quisesse
obrigar-se, salvo para os contratos de casamento e para os testamentos.
Uma outra excepção à capacidade da mulher solteira provém do direito romano,
não tendo sido introduzida nas províncias belgas senão nos sécs. XVI e XVII.
O senátus-consulto Velleiano tinha proibido às mulheres praticar por outrem a intercessio,
ou seja, constituir-se fiadora a favor de terceiro. Esta proibição não existia nos costumes
medievais; mas, na sequência da infiltração do direito romano, preferiu-se em numerosos
actos dos sécs. XIII e XIV, fazer renunciar a mulher que se constituiu garante ao
benefício do senátus-consulto Velleiano. Finalmente, no séc. XVI, em certos costumes
flamengos e de Liege, a mulher não pode constituir-se garante a menos que renuncie
expressamente ao senátus-consulto, tendo-lhe sido previamente explicado o alcance da
sua renúncia.
dd) Sucessão
Se , em matéria de sucessão de móveis e a/ódios, a igualdade entre os sexos foi admitida
em quase toda a pane, o mesmo não aconteceu em matéria de feudos e rendas. As regras
do privilégio de masculinidade serão expostas a seguir, a propósito das sucessões (p. 673 ss.).
604
b) A mulher casada
A mulher casada está sob o poder do marido, como os filhos esrão sob o do pai; esrá
sob a sua potestas, macht, ou sob a sua tutela, o seu .:bai/,., o seu «mambúrnio», a sua
«Plévie». «Ü marido é senhor e dono» no lar (costume de Liege, 1650, 1, 1; costume da
audiênciadelille, 1565, XII, 2).
A mulher cem a obrigação de fidelidade e de coabitação. (<Onde está a mulher, a
panela e o leito, aí se reputa ser o domicílio do marido», lê-se numa recolha de costumes
de Cambraia do séc. XVI. O adultério é reprimido severamente, tanto o do marido como
o da mulher. O marido que surpreendesse a mulher em .flagrante delito de adultério
podia matá-la, mesmo que ela estivesse grávida (WIELANT, Practijke criminele, cap. 88,
ed. Orts., p. 122); a recíproca não era verdadeira. A forma mais tangível do poder
marital é o direito de correcção do marido, corolário da obrigação de obediência· imposta à
mulher. Este direito de correcção não permitia - ou já não permitia - ao marido macar
a mulher, mas autorizava-o a bater-lhe ou mesmo a feri-la. Um texro do direito de
Aardenburgoi cidade flamenga que seguia o costume de Bruges, do séc. XIV, é
particularmente eloquente a este res'peico: «O marido pode bater na mulher, cortá-la de
alto a baixo e aquecer os pés no seu sangue desde que a torne a coser e ela sobreviva».
Mais tarde, no séc. XV, os ferimentos grav:es podiam expor o marido a sanções penais;
mas em Namur, por exemplo, ainda no séc. XVI, «um homem não comete infracção ao
bater na mulher, desde que não a mate» (costume de Namur, 1558, art. 0 18. 0 )
(v. documentos 1 e 2, da pág. 607).
A mulher casada era uma incapaz; todos os costumes admitem que a mulher não
pode nem obrigar-se, nem contratar, nem dar, nem estar em juízo sem a autorização do
seu marido. No entanto, havia certas excepções. A mulher comerciante, ou seja, a que
tem loja com conhecimento do marido ( "ª" vu et au JU») goza de capacidade para se
obrigar; supunha-se uma autorização tácita do marido; a regra é antiga, aparecendo mais
tarde, no séc. XIV, em Bruxelas, Liege e Tournai. A mulher também podia obrigar-se
em relação àquilo que dizia respeito às necessidades do lar, como o comer, o beber, o
vestir, etc. Cura domestica solet apud Belga1 mulieribus delegari (os cuidados domésticos são
normalmente delegados pelos Belgas nas suas mulheres), escreve Stockmans no séc. XVII;
em direito alemão, chama-se a esta delegação Schliimlgewalt; no séc. XIX e no início do
séc. XX, este poder é considerado na Bélgica e em França como resultante de um
mandato doméstico.
No oeste das províncias belgas (Flandres, Hainaut}, a mulher exercia o poder sobre
os filhos conjuntamente com o seu marido; tratava-se de um poder ao mesmo tempo
paterno e materno, de um poder parental, como hoje; sendo necessário o consentimento
da mulher, tant9 como o do marido, para o casamento ou emancipação de um filho. Mas,
tendo em vista a extensão do direito de correcção marital, imagina-se dificilmente uma
oposição persistente da mulhr:r.
605
<27> (S. WEBER-WD.I., Dit r111:h1/icht S1tl/11ng der Pra11 in Privalncht d'1 pmmirchm Allgtmtinem Lantlmht von 1794,
Frankfun-Bern 1983.
606
NOTA DO TRADUTOR
<29) Cour app. Bruxelles, 12 de Dezembro de 1888; Belg. jN<Í., 3 de Janeiro de 1889, col. 1 e ss. e Pa1., 1889, II, 48.
607
mulher com pena de prisão de dois a oiro anos, enquanto que o do marido era apenas punido com muha de urs mc•cs a três anos
(a.rn. 401.º e 404. 0 ). O principio da igualdade cru"' os cônjuges estava consagrado no an. 0 39.º do dcc. 0 de 25 de ~umbm de
1910 (lei republicana da famllia); no entanto, trarava-s.: de uma •igualdade desequilibrada• qur remetia a mulher para as ta.rrfas da
maternidade e do governo doméstico. O marido continuava a determinar a nacionalidade e o domicílio do casal; mas a mulher podia
conservar o seu nome de solteira. O. anos 30 foram uma ~poca de rcinscalação d09 traços discriminatórios em "'lação à mulher casada,
9"ndo o princípio da plena igualdade dos cônjuges um facto adquirido apenas com o renabelecimento do regime democrático
cm 1974, nomeadamente com a consagração, pela Constiruição de 1976, do princípio da não discriminação em função do sexo
(arr. 0 293. 0 , n. 0 3) e com as alterações a que isto obri11ou no plano do direito civil (dec .-lei 496/77, de 25 de Novembro).
Quanto à mulher não casada, as restrições à sua capacidade política só terminanm com as leis eleitora.is posteriores a 1974,
pois antes apenas as mulheres com ceno nível de instrução ou de rendimentos tinham direito de vnto. O acesso aos cargos públicos só
lhes foi aberto pelo dec. 0 4676, de 11 de Julho de 1918, seguido pelos dccs. 5625 (notariado) e 5649 (registos), de 1O.5. 1919. Mas,
continuaram-lhe vedadas as carreiras diplomática, judicial e ccnos cargos administrativos envolvendo auroridade. Também aqui, só o
pleno estabelecimento da igualdade entre os !('l(OS con'le<fuente à Cons.tiruição de 1976 modificou a siruaçio (salvo no relativo à
carreira militar).
Bibliografia:
A. M. HESPANHA, Hisrória .. ., cit. 229; BAPTISTA FRAGOSO, RtRimm rtip11blicae .... cit. P. 111, lib. Ili, d. IV,
S 1-3; lib. 1, d. I, S Ili; MANUEL ÁLVARES SOLANO DO VALE, lndex Kmtralis..., Ulyssiponc 1740, 1.1'. Foemina: PASCOAL
J. MELLO FREIRE, lru1i1111ioMJ ... , li, 4 ss.; 13 (bem como as rcspectivas notas de Lobão); FRANCISCO PEREIRA COELHO,
C11r10 de dirtito de Família, Coimbra 1977.
DOCUMENTOS
Um homem pode barer na sua mulher, cortá-la, rachá-la de alro a baixo e aquecer os pés no
seu sangue; desde que, volrando a cosê-la, ela sobreviva; ele não comere nenhum malefício contra
o senhor.
18. Que, segundo o dito costume, um homem não comete qualquer crime ao bater na
sua mulher, desde que não a mate.
Nota: este texto foi suprimido no costume homologado em 1564.
Art. 0 214. 0 A mulher é obrigada a habitar com o marido, a segui-lo por todo o lado onde
ele julgar próprio para residir; o marido é obrigado a recebê-la e a fornecer-lhe rudo quanto for
necessário para as necessidades da vida, de acordo com as suas faculdades e o seu estado.
Arr. 0 217.º A mulher, mesmo que fora da comunhão ou separada de bens, não pode
dar, alienar, hipotecar ou adquirir a título oneroso ou graruito, sem o concurso do marido no acto
ou o seu consentimento por escrito.
Ed. Bruxelas, 1804, p. 34.
Liv. V, tit. 36: Das penas pecuniarias dos que mataõ, ferem, ou tiraõ arma na Corte.
Todo aquelJe que matar qualquer pessoa na Corte, onde Nós stivermos, ou no termo do
lugar onde Nós stivermos até huma legoa, ou no lugar onde a Casa da Supplicaçaõ stiver sem
Nós, ou em seus arrabaldes, se for em rixa nova, pague cinco mil e quatro centros reis, e se for de
proposito, pague o dobro. E isto como for condenado por razaõ da dita morte em qualquer pena.
E estas penas naõ haveráõ lugar no que tirar arma, ou ferir em desensaõ de seu corpo, e
vida, nem nos escravos caprivos, que com páo, ou pedra ferirem, nem na pessoa que for de menos
idade de quinze annos, que com qualquer arma ferir, ou matar, ora seja caprivo, ora forro, nem
nas molheres que com páo, ou pedra ferirem, nem nas pessoas que tirarem armas para estremar, e
naõ ferirem ácintemente, nem em quem castigar criado, ou discípulo, ou sua molher, ou seu
filho, ou seu escravo, nem em Mestre, ou Piloto, que castigar marinheiro, ou servidor do Navio,
em quanto stiverem sob seu mandado. Porém se em castigando ferirem com arma, naõ seraõ
relevados das ditas penas.
Liv. V., tit. 38: Do que matou sua molher pela achar em adulterio.
Achando o homem casado sua molher em adulterio, licitamente poderá matar assi a ella,
como o adultero, salvo se o marid~ for piaõ, e o adultero Fidalgo, ou nosso Desembargador, ou
pessoa de maior qualidade. Porém quando matasse alguma das sobre-ditas pessoas achando-a com
sua molher em adulterio, naõ morrerá por isso, mas será degradado para Africa com pregaõ na
audiencia pelo tempo e aos Julgadores bem parecer, segundo a pessoa que matar, naõ passando de
rres annos.
1 E naõ sómente poderá o marido matar sua molher, e o adultero que ac.har com ela em
adulrerio, mas ainda os póde licitamente matar, sendo certo que lhe commerteraõ adulterio, e
entendendo-o assi provar, e provando depois o adulrerio por prova licita, e bastante confórme a
direito, será livre, sem pena alguma, salvo nos casos sobre-ditos, onde seraõ punidos segundo
acima dito he.
2 E em caso que o marido matar sua molher licitamente, naõ a achando porém no
adulterio, naõ haverá cousa alguma dos bens que em dote lhe fossem dados, ou por successaõ, ou
doaçaõ a molher houvesse, e se tiverem outros bens, que ambos houvessem acquirido estes haverá
o marido in solidum, sem os herdeiros da molher haverem parte alguma, porque sómente haverá os
bens todos da molher, quando a acusar por adulterio, e for por elJe condenada á morte, ou quando
a matar juntamente com o adultero, pelos achar ambos no adulterio.
609
3 E se o marido que matar sua molher, quando se poz em livramenco confessou que a
matara por ser sua molher, e lhe ter feiro adulterio, e por naõ provar sua defesa, for condenado que
morra morte natural, por a matar 5em causa, os herdeiros da molher venceráõ os bens do marido,
naõ tendo elle filhos, ou descendences outros de outra molher, que por nossas Ordenações, ou
Direito Civil lhe possaõ succeder. E sendo caso que o marido seja condenado em outra pena que
naõ seja morte natural, os herdeiros naõ venceráõ os bens do matador.
4 E no caso que o marido matar sua molher, ou o àdultero, por lhe fazer adulterio, será
necessario para ser livre da dita morte sem pena alguma, que p~ove o casamento por testemunhas
que ouvissem as palavras do recebime'nto. E naõ havendo as taes testemunhas, que ouvissem as
palavras do recebimento, baseará provar-se que o marido, e molher foraõ á porta da Igreja perante o
Cura, ou qualquer outro Clerigo que stivesse em acto para os receber, e como casados tomaraõ
para casa, e em voz, e fama de casados viveraõ dahi por diante em huma casa teuda, ·e manteuda
como marido, e molher, e juntamente offerecer certidaõ autentica.do Cura tirada do Livro dos
casados, porque se prove o casamento. Porém naõ provando por cada hum destes modos o
Matrimonio, e provando-o na fórma que dissemos no Título: Do que dorme com molher casada: naõ
morrerá motte natural, mas será degradado para sempre para o Brasil. E naõ provando o
Macrimonio como dito he no dito Titulo, posco que mostre instrumento dotai, e provem starem
em voz, e fama de marido, e molher, morrerá morte natural, pois por si quiz tomar vingança, naõ
rendo cada huma das ditas provas.
5 E declaramos que no caso em que o marido póde matar sua molher, ou o adultero,
como acima dissemos, poderá levar consigo as pessoas que quizer para o ajudarem, com tanco que
naõ sejaõ inimigos da adultera, ou do adultero por outra causa a fóra a do adulterio. E estes que
consigo levar, se poderáõ livrar como se livraria o marido, provando o Matrimonio, e adulterio.
Porém, sendo inimigos, seraõ punidos, segundo direito, posro que o marido se livre.
Na maior parte dos direitos arcaicos e antigos, os filhos não são sujeitos de direito,
estando submetidos à autoridade do chefe de família, que pode mesmo dispor da sua vida e
da sua liberdade. Actualmente, os filhos estão protegidos pela lei, tanto quanto à sua pessoa
como quanto aos seus bens; jurisdições especializadas ocupam-se da protecção da inf'ancia e
da juventude. Entre estas duas concepções situa-se uma longa evolução que estudaremos
mars especialmente nos quadros do direito medieval e moderno da Europa ocidental <29>
(291 A Société Jean Bodin esrudou em 1972 o estaruto jurídico dos filhos desde os direitos a.n:aicos e antigos até eos nos!IOS
dias. A análise foi concenrrada sobre quatro remas: a incapacidade jurídica da criança enquanto menor, a criança sem famllia, a
criança culpada de crime, o direito à educação. Os 96 relatórios fonun publicados nos Rta1ti/J de la Soâitljum BoJin, t. 35 a 39,
L 'Enfa"1, 5 vols., Bruxelas 1975-8. Para as matérias expostas aqui, v .• sobrerudo, R. METZ, L'mfanl dam lt droil<anoniqMe mhíilval,
t. 36, p. 9-96; A. LEFEVBRE-TEILLARD, L'm/anl naturt/ da111 l'ancitn drait /rançais, t. 36, p. 251-270; J. GD..ISSEN, L'enfanl da111
l'évolution du droit dei pr()T!inm be/ges (13.' 18.l Ji«lu), t. 37, em impressão; H. ANKUM, L'enfanl dant l'hi11oirt dM droil tÚI
P<1yr-Bar, t. 37. em impressão; C. SOMERHAUSEN, L'ivolulion du droit dei min1ur1 m Be/giqMe, t. 38; Dilinquana juflini/e,
p. 181-216; J. GAUDEMET, Le droil à l'Mucatio,, (rapport gméra/J, t. 39, p. 9-62. Ver, por outro lado, numero!IOS artigos na ,
T11drchr. RechtJgesch .. 1. 44, 1976. e seguintes.
611
2. O «mundium» germânico
o pai podia matar a sua filha se ela coabitasse com um escravo (Rotharis, 221) ou se
cometesse adultério (Lex Wis., III, 4).
O pai podia dispor dos filhos por diversas formas: entrega como reféns, venda
como escravo, casamento forçado, etc.
Todo este poder é, evidentemente, o resultado das necessidades da solidariedade
familiar. Com efeito, no direito germânico, tal como no romano, a família, instituição
de carácter patriarcal, toma a forma de uma organização militar que subsistirá até cerca
.do séc. XIII. Uma organização deste género era necessária para que o grupo familiar
pudesse sobreviver face a um estado social perturbado, a costumes violentos, à fraqueza e
insuficiências dos poderes públicos.
C30l H. REGNAULT, La amditirm juridiq11• d11bâtard1111 moym âg•, Ponr-Audemer 1922: R. BARBARJN. La condition
juridique J11 bâtard d'apr<s /a j 11riJprwdenct Ju Par/muni dt PariJ, á11 Concile dt Trente à la Riw/111ion Fran(aiJe, Th~se, Paris 1960;
E. GACTO FERNANDEZ, La filiaâón no legitimam ti áer«ho hi11orico tJpa;;o/, Sevilha 1964; v. também ·Anwrio dt hiJtória d.I áer«ho•,
t. 41, 1971, pg. 899-949; L. DUPONT, «la condirion desenfants nés hots mariage cn droir liégeois•, Doe. mem. wmm. anâm Pay1
de Liege, t. 5, 1960. .
C3ll C. VAN DE WIEL, La /igitimali1111parmariagt1116siq11D1t <htz ltJ RomaniJtes ti les CanoniJtes j11Jq11'm 16.50, An~n 1962.
614
sobre a cabeça dos esposos durante a celebração do casamento. O direito bizantino tinha
criado, pela Novela 74 de Justiniano, a legitimação por rescrito do príncipe. O Imperador
do Sacro Império, os reis, os duques e os condes otilizaram este modo de legitimação
durante a Baixa Idade Média e a época moderna.
O bastardo está ferido de uma incapacidade política: não pode aceder a nenhu_m
cargo público, não pode ser ordenado padre, não pode ser escabino, jurado ou juiz,
etc. Mas houve excepções a favor çlos bastardos de príncipes, de grandes senhores, ...
do Papa; o imperador Carlos V teve, segundo se diz, mais de cinquenta bastardos.
O bastardo está também ferido de incapacidade sucessória, tanto activa como
passiva: não sucede nem ao pai, nem (segundo cenos costumes) à mãe, nem aos
ascendentes e colaterais dos pais; por morte, os seus bens ·vêm ao senhor. Boutillier
escreve, no séc. XIV: «Ü ilegítimo nada pode receber por herança e dele nada provém a
outrem que não ao seu senhor» (Somme rural, l, 95, ed. 1601, pg. 543). Nos costumes
do Oeste e do Norte da Bélgica (Flandres, Antuérpia, etc.), o bastardo não é exc.luído da
sucessão materna, pois «ninguém é bastardo de sua mãe» ( mater non parit batardoJ ).
A incapacidade de receber por testamento ou doação é o corolário da incapacidade
de adquirir por.sucessão. Certos costumes admitiram, no entanto, o legado de uma coisa
módica ou de alimentos ou mesmo de qualquer propriedade vilã.
O «direito de bastardia» era o direito que tinha o senhor de se apropriar dos bens
dos bastardos falecidos no seu senhorio. Como o direito de albinágio (111pra, p. 551), o
direito de bastardia sofreu progressivamente numerosas limitações; a partir do séc. XIII, os
descendentes do bastardo são admitidos à sua sucessão.
O bastardo não pode fazer testamento, salvo no que respeite a uma pequena soma,
mas houve numerosas excepções.
Os bastardos nascidos de uma união proibida ou reprovada estavam em condições
ainda mais desvantajosas; no máximo tinham direito a alimentos: «quem faz o filho deve
alimentá-lo», dirá Loisel no séc. XVII (n. 0 40).
cm M. J. DE ALMEIDA COSTA, ·A adopção na história dodittito portuguk•, Rev. port. hi1t6ri11, e. 12 (19M) 9'·120.
615
b) Poder paternal
Apesar da importância da solidariedade familiar na época feudal, o poder paternal
não foi tão extenso corno no direito romano ou no germânico, provavelmente por
influência das ideias cristãs. O pai deixa de ter o direito de vida e de morte sobre os
filhos, não conservando mais do que um direito de correcção que ainda subsiste nos
nossos dias. A sua autoridade dá-lhe não apenas direitos, mas sobretudo deveres em
relação aos filhos; nos costumes brabantinos e flamengos, este poder chama-se, de resto
tanto plicht (dever) corno macht (potestas, poder); ou ainda «mambúrbio» (palavra derivada
do mundeburdium germânico).
bb) Cessaçao
O filho permanecia sob o poder parental enquanto vivesse com os pais, enquanto
permanecesse «no mesmo pão e na mesma panela» (Hainaut). Mas, deixava o lar da
família e, consequentemente, a autoridade dos pais, pelo casamento, pelo exercício de
um «estado honrado» ou pela emancipação judicial. A idade só passou a emancipar a
partir do séc. XVI e apenas em certos costumes.
O casamento conduzia à emancipação, provavelmente a partir da época carolíngia.
Heirat macht miindig, dizia um adágio alemão. Ao fundar um novo lar, os novos esposos
rompiam com a autoridade dos pais; muitas vezes, eram «dotados», ·ou seja, recebiam
urna doação propter nuptiaJ, que deviam levar à colação se quisessem suceder por morre do
seu pai ou mãe 0 4>. Mas, o casamento era regido pelo direito canónico; as pessoas podiam
casar-se muito cedo (doze anos para as raparigas, catorze anos para os rapazes), mesmo
sem o consentimento dos pais e, assim, pôr fim unilateralmente ao poder dos pais.
!Jll J GILISSEN, ·Ouderlijke machr in heroud-Bdgische rechc•, TijdJ<hr. R«htJgei<h. e. 29, 1961, 484-506; UREN!t.,
L,,, autoridad paterna COf1lll e/ poder ronjimto y Jo/idario dd fJalÍ'P y de la maJrr, Madrid 1912; A. OTERO Vlt.RELI., •LI patria poresad en cl
derecho histórico espaiiol•, An. hi.rt. der. esp. r. 26, 1956, 209-242; M. PAULO MERÊ!t., •Ü po:ler paternal noru,.,iro hispanico ocidenw•.
An. hút. der. eip., r. 18, 1947, em AnNário,· r. 18, 1947, e em faludo"le história tÍb direito h1Jpàmw mr.dieval, e. li, 1953. p. 83-112.
04> J YVER, l'.galitémtrehlrilierJ etexduuon tÍtJm/an/J tÍIJtéJ. f'.u,,i ~géogr,,phieroutumién, Paris 1966.
PODER PATERNAL
(Bélgica,
cc) Âmbito
A extensão do poder paternal vai-se limitando progressivamence. O filho tem
direitos, não somente o direito à vida ~ à integridade física, mas, ainda o direito ao
sustento e à educação; incapaz de concrair obrigações, tem direiro a uma certa prorecção
para a gestão dos seus bens, desqe que os possa ter.
A exposição dos filhos ~ proibida e punida pela igreja (nomeadamente pelas
Decretais de Gregório IX) com penas corporais e espirituais e com a perda do poder
paternal; as mesmas penas são aplicadas pelos tribunais leigos a partir dos sécs. XIV e
XV, salvo em caso de calamidade pública (peste, fome).
O aborto é reprimido pelo direito canónico; é considerado, pelo menos a partir do
séc. VII, corno um crime particularmente grave, assimilado ao homicídio. Mas a maior
parte dos canonistas, por exemplo Graciano, opinavam que apenas havia crime se o feto
era «animado», ou seja, quando o aborto fosse posterior ao momento em que a alma
tinha tornado posse do corpo. Na Alemanha, no séc. XVI, o aborto era punido com a
Ol) ll. VANDEll MADE, •L'émancipation des enfaots minrun à Huy au 16. • ,o;.;1,., Cb. ....b. p,,,, ,i, wlg1. 19'4, P8· 67-86;
F. COURTOY, .nmancipor; 00 iudicwn: 1 Nomur"" 1~.~ ct 16. ! si~les• Mila"K"' C. tk 8f11'1118'1, 1919, PI!· 383 ss.; M BAUCHOND,
•L'émancipation des mincurs dans Ir droic va.lcncicnnois des 14. •cc 15. •si~les•, Mm1. So<. hi11. droil payJ flama,.,J,, pir,,.rd111 wd./Joru,
t. li, Lille 1939. Aemancipaçãoeraaindararanoséc. XIX; na Bélgica, 123casoscm 1850-51, 256em 1870-l;em 1965, 3706.
<36) J. GIUSSEN, •Puissancc patemrllc cr maioriré émancipacrice dans l'ancien droir de la Belgiqur er du-Nord de la
Francc•, Rtv. hiJ1. dr. frd.N:., 1960, P- 5-57; o mapa aqu.i publicado é nrraído dess.e artigo.
618
mone se tivesse tido lugar mais de 45 dias depois da concepção; com o exílio ou com outra
pena se o feto ainda não era animado (Concmio criminalis carolina de 1532, are.º 133. 0 ).
A redução dos filhos à escravidão, ainda frequente nos sécs. XI e XII, desaparece
com o fim da servidão, nos finais da Idade Média.
Resta o direito de correcção que o pai pode exercer em relação aos filhos, como
corolário do seu dever de educação. Pode punir os filhos, batendo-lhes, na condição de
que isso não origine a morre. Mas, a partir do séc. XV, ferir um filho é punível; segundo
a Paix de Saint-JacqueJ de 1487, em Liege, o pai não é punível se bate no filho, a menos
que haja "mor/ ou a/folure» (ferimentos) (XXVI, art. 0 27. 0 ). A punição pode igualmente
consistir em fechar o filho num quarto ou mesmo, a partir do séc. XIII, numa prisão
pública; em cercas cidades, uma das portas da muralha foi convertida em prisão,
nomeadamente para permitir aos burgueses fazer aí encerrar os seus filhos de «mauvaise
gouvernanche». A autoridade (real, senhorial ou urbana) aceitou de olhos fechados as
penalidades editadas pelo pai. Nos sécs. XVI-XVII, produziu-se uma reacção: a
autoridade pública imiscuiu-se progressivamente no direito de correcção do pai. Em
. França, sentenças dos finais do séc. XVII não admitem o encarceramento do filho, a
menos que ele tenha menos de 25 anos; que o pedido seja feito pelo pai (e não pelo
padascro ou pelo tutor) e que o pai não seja casado segunda vez, com receio da influência
perniciosa da segunda mulher.
Fora destes casos, o pai bem como a mãe sobreviva ou o tutor, podem pedir uma
«Íettre de cachet », sobrescrito fechado por um selo (cachet) do rei (donde o seu nome),
contendo a ordem de encerrar a pessoa designada (no caso concreto, o filho) numa prisão
real. Um caso célebre foi o de Mirabeau, encarcerado no castelo de Vincennes em 1777.
O filho tinha direito a ser mantido. Numerosos costumes precisam que os pais e
tutores devem manter os filhos, «Sustentá-los de víveres» (Bruges, 1440), dar-lhes <<de
comer e de beber». Devem também prestar-lhes alojamento, vestuário e cuidados de saúde.
Também a educação era um dos direitos do filho. Certos costumes mencionam
a obrigação escolar e a aprendizagem; o filho deve ser educado «de acordo com as suas
qualidades e condição»; deve «aprender um ofício apropriado à sua qualidade».
Quanto aos bens, o filho sob o poder parental ou paternal noo podia, em princípio,
adquirir ou possuir bens; tudo o que lhe adviesse, quer como remuneração do seu
trabalho, quer por sucessão ou doação, recaía na comunhão familiar, enquanto não
estivesse «hon de pain et de pot» (de mesa separada). Em Bruxelas, segundo um costume
reduzido a escrito no séc. XVI, tudo o que o filho adquire «em bens móveis ou imóveis,
em dinheiro contado, mercadorias ou outros géneros» fica para os pais (arts. 260. 0 e
269. º), embora se preveja uma excepção; pertence ao filho tudo o que lhe é devolvido em
sucessão legítima ou testamentária; o pai pode servir-se destes bens para o sustento e
educação do filho, mas não os pode alienar nem onerar. Esta excepção - e algumas outras
- generaliza-se na época moderna.
O filho sujeito ao poder parental ou paternal é um incapaz; todos os seus actos
619
são nulos e sem valor, com algumas excepções apenas: o casamento (supra), o
testamento (a partir de cena idade - doze a dezoito anos - e somente em cenos
costumes), os a~tos de comércio ..
oito parentes ou vizinhos, para julgar os casos graves (decreto de 24 de Agosto de 1790);
era uma antecipação das actuais jurisdições de menores, mas, a reforma fracassou e foi
revogada em 1795. O Code civil restabeleceu o poder paternal tal como tinha funcionado
no costume de Paris. Na constância do matrimónio, apenas o pai exerce esta autoridade
(art. 0 373.º); mas, esta cessa com a maioridade do filho, fixada em vinte e um anos
(arrs. 372. 0 e 388. 0 ), ou com a emancipação obtida, nomeadamente, pelo casamento
(arr. 0 476. 0 ). O pai mantém um vasto poder de correcção; se há motivos muito graves de
insatisfação pela conduta do filho, pode mandar detê-lo durante um mês, desde que a sua
idade não exceda os dei.asseis anos; a pedido do pai, o presidente do tribunal de primeira
instância deverá proferir a ordem de prisão; se o filho tem mais de dei.asseis anos e menos de
vime e um, o pai pode requerer a sua detenção durante seis meses ou mais, Irias neste caso o
presidente do tribunal pode recusar-se a emitir a ordem de prisão ou pode abreviar o tempo de
detenção requerido pelo pai (C. civ., arts. 375.º-377. 0 ; v. documento n. 0 6, da pág. 626).
Trata-se, de um verdadeiro retomo ao antigo direito, situação que se manterá
durante todo o séc. XIX. No Tribunado, o relator do projecto do código civil apresenta o
sistema como um acto de «fidelidade aos princípios conservadores e à verdadeira
magistratura doméstica».
A evolução dos costumes no séc. XIX fez cair parcialmente em desuso estas
disposições do Code civil, que deixaram de ser retomadas na maior parte dos códigos da
segunda metade do século. Ao mesmo tempo, surgiu uma mudança notável no domínio
do direito penal, onde as ideias de protecção da infância substituíram as da repressão. Foi.
nos primeiros anos do séc. XX que a nova concepção se impôs, quase simultaneamente
em muitos países. Uma lei única tratará aí, de futuro, a delinquência juvenil, a
prevenção da corrupção dos menores e os direitos da família, nomeadamente a limitação
do poder paternal e da tutela. Ao mesmo tempo, organizaram-se muitas vezes os
primeiros tribunais de menores. Uma das primeiras leis deste género é o Children Act
britânico de 1908, seguido por outras, nomeadamente do Canadá (1898), de'Portugal
(1911), da França e da Bélgica (1912)eda Espanha(l920), etc. Em muitos países, foram
introduzidas reformas importantes na legislação de protecção aos menores durante a
década de 1960-1970.
Em certos países, o poder paternal foi substituído por um poder do pai e da mãe.
A lei belga de 1 de Julho de 1974, por exemplo, modificando os arts. 221. 0 , 373. 0 e
289. 0 do Code civil, estabelece a igualdade absoluta do pai e da mãe; na constância do
matrimónio, a mãe, tal como o pai, exerce a autoridade sobre a pessoa dos filhos menores
e administra os seus bens, «salvo o direito (de ambos os pais) de recorrer ao tribunal de
menores, unicamente no i'nteresse do filho» (arr. 0 373. 0 e 389. º). Cada um dos pais
pode, pois, decidir sozinho, supondo-se uma delegação tácita recíproca.
621
6. O «bail» e a tutela
O órfão que ainda não está em idade de se governar, tem necessidade de protecção
de um terceiro, geralmente chamado tutor, capaz de o educar e de gerir os seus bens.
A tutela pode ser também destinada a proteger os bens dos impúberes no interesse dos
seus herdeiros presuntivos.
a) Direito romano
No direita romano primitivo, a tutela era deferida ao agnado mais próximo, com
os mesmos direitos que o pater-famílias. No entanto, estes direitos foram progressiva-
mente rescringidos: começou-se por lhe proibir a alienação dos bens do menor a título
gratuita; mais tarde, foi mesmo proibida a alienação a título oneroso.
Ao lado da tutela costumeira do agnatus proximus, desenvolveu-se uma tutela
testamentária: o pater-familias, no seu testamento, designava o tutor dos seus filhos
menores. Esta forma de tutela tornou-se a mais usual no direito romano clássico.
Por fim, desde o séc. II a.C., mas, sobretudo no tempo do Império, a tutela podia
ser deferida pelo magistrado, tornando-se então num encargo público instituído para
proteger o menor. A tutela terminava, normalmente, com a puberdade, tendo-se fixado
esta nos doze anos para as raparigas, e nos catorze anos para os rapazes.
No séc. III aparece uma instituição complementar, a curatela, à qual estavam
sujeitos os sui iuris púberes, com menos de 25 anos de idade.
b) Direito.germânico
O direito germânico, do mesmo modo que a maior parte dos direitos arcaicos, não
conhece a cutela como instituição distinta. O menor está sempre sob o mundium de
alguém; se o seu mundoaldus morre, cai sob o mundium do parente varão mais próximo.
Mas este mundium cessa com a maioridade: doze anos no direito franco, quinze ou dezoito
noutros costumes de origem germânica.
tornaram hereditários (séc. IX),. manter-se-á até aos sécs. XII-XIII, ou mesmo até ao séc. XV,
encontrando-se ainda vestígios dela em Inglaterra numa época recente.
O hail feudal subtraía o jovem - e o feudo - à sua família. O bail familiar,
também chamado «guarda nobre» em França, mantinha o jovem e o feudo no seio da
família. Esta instituição previa que o bail fosse.exercido pelo parente varão mais próximo,
o bailliJtre, o qual assume os deveres feudais do jovem até à maioridade, época em que lhe
entregará o feudo, sem ter que dar contas.
cm P. PETOT, l:..tJ i>KafJab/t.J, cours Fac. Droir Paris, 19' I; J. VAN HOU1TE, Dt Voodij tJVtF J. mi11,krjari11gen i11 htt
011d-Bdgisch rrLht, Bruxeta.. 1930; J G~. •De houdenWr in her oud-Vleam; Rttht•, Tijdschr. Rtchtsgach., t. XXXI, pg. 346-402;
A. MERCHAN ALVARES, LI tuttla tÍl IOI mmom en Ct1.Jtilla ht1.Jta firw dtl 1ig/o XV, Sevilha, 1976; J. MARTINEZ GIJON, •los
sistemas de tutela y administración de los bienes de los menorH en le den:cho local de Navarn ... de Castilla y Leon•, A11. hüt. der.
up., t. 40, 1970, 227-240; t. 41, 1971, 9-31.
623
bailou !(arde. Como o poder sobre os filhos aí era exercido conjuntamente pelo pai e pela
mãe, cessava com a morte de qualquer deles. Neste momento, o sobrevivo - pai ou mãe
- devia continuar a manter e educar os filhos· menores na qualidade de gardien ou
baillistre: em contrapartida, podia receber os frutos de todos os bens dos filhos (ou de uma
parte dos bens, de acordo com certos costumes); contrariamente aos tutores, não era
obrigado a prestar contas da gestão, mas dia restituir integralmente os bens ao filho no
momento da maioridade.
e) Desde os finais do séc. XVlll
A tutela dos escabinos, a houdeniJse, e as câmaras pupilares desapareceram na época
da Revolução Francesa.
As leis revolucionárias e, depois o Código Civil, combinaram os crês tipos de
tutela: legítima, testamentária e dativa. Por morte do pai ou da mãe, o sobrevivente
torna-se, de pleno direito, tutor dos filhos menores (art. 0 390. 0 ), podendo escolher um
tutor parente ou estranho (art. 0 397. º); se o não fizer, a tutela é deferida a um ascendente
(àrt.º 402. 0 ), na falta do qual o conselho de família nomeia um tutor (art. 0 405.º). Em
toda a tutela existe wn tutor substituto, nomeado também pelo conselho de família.
A fiscalização da tutela passou dos escabinos e câmaras pupilares para o conselho
de família, composto de seis parentes ou amigos e presidido pelo juiz de paz. Esta
fiscalização é, no entanto, menos efectiva e eficaz do que a das antigas instituições.
O Código civil foi frequentemente modificado em matéria de tutela, desde há
umas duas décadas, para o adaptar à evolução da igualdade entre os cônjuges e entre
9Jhos naturais e legítimos.
NOTA DO TRADUTOR
·..•>·. O direito da filiação na Idade Média hispânica ocidental caracteriza-se pela exisrência de um poder parenral (Foro
d~ Cuenca, S 206: Filii 1unt in poteJ/a/e parmtum), exercido conjunramenre por ambos os pais. Este poder incluía: o dever de susienro,
!>poder de correcção e de autorizar o casamento das filhas. a propriedade parental dos bens adquiridos pelos filhos (bens que, assim,
d~yiam ser rrazidos à colação na altura das partilhas). A emancipação verificava-se pelo casarnenro, pda morte de um dos pais ou pela
;._!fbafilhação• (espécie de repúdio do filho pelo pai); mas, a emancipação parece cer sido desconhecida.
;;•. Com a recepção do direito romano no séc. XIII, surgem algumas modificações no escaruco dos filhos: o advento dos pecúlios
(clj lei de D. Afonso III rranscrita nas Ord. af., rv, 107, S 15; ou ainda P.M.H., lei 88, a confrontar com a lei 82), reforço do poder
P.~térno em relação ao materno (cf. PortidaJ. VI, tics. 17 e 18; Ord. af IV, 105, §§ 2 ss.), etc. BB)
.. ·.. (lBl O regime jurídico visigótico e medieval do poder paternal foi estudado por MANUEL PAULO MtREA •O poder
p~trrnal na legislação visigótica•, em Est11tÍIJJ de direito visigótiro, Coimbra 1951, 1 ss.; •Notas sobre o poder patemal no direito
.hi~pânico ocidencal durante os séculos XII e XIII (em volta do cap. CCVI do Foro de Cuenca)., em EsttuÍ61 de direito his{Jánico mttiieval,
tt'coimbra 1953, 83-112). O mesmo autor estudou outros aspectos da relação de filiação em Perfilhai;ão (.ai::hegas pata um
~l~ionário histórico da língua portuguesa>), Rev. port. filologia 7 (1956) 119-27. Por sua vez, a adopção, ou •perfilhamento•,
ID,;~ieval foi esrudada pelo mesmo autor (•Sobre a adopção no séc. XIJ., Boi. Far. Dir. Coimbra, 31, 1955, 372 ss.; •Sinopse
~'~~.tótica da adopção (perfilhamemo)•, ibiá., 32, 1956, 132 ss. ); por GUILHERME BRAGA DA CRUZ ( Alg11mas romitÍWilfões sobre a
.•fte:fili11tia•, Coimbra 1938); por MÁRIO JÚUO DE ALMEIDA COSTA ·A adopção na história do direito português•, Rev. fJorl.
btsr; 12, 1965, 95-120; •Adopção•, em Dic. hi11. Pan. e por HUMBERTO BAQUERO MORENO •Subsldios para o eotudo da
íi(j~PÇào em Ponugal na idade média (D. Afonso rv a D. Duarte)•, em Rev. dos fu111áo1 Gtrail Universitárias át MO(dmbiqut•, 5. •série,
4G'J961, 209-231.
·J." ·•. Este último e ainda Valentino Viegas têm estuda.do as legitimações portuguesas da Bain Idade Média.
624
Se o período medieval escá, assim, razoavelmenre desbravacio, o mesmo não se pode dizer da época ulcerior, par. a qual falra
a literatura secundária. Daí - e cambém por nela serem maiores as especificidacics do nosso direito em relação ao panGrama dado no
texro - que lhe dediquemos algum espaço mais.
Quanto à capacidade em razão da idacie, o direito estabelece várias gradações: os impúberes, incapazes de qualquer acto
jurídico; os púberes minimi (maiores de 14 ou 12 anos, consoante fossem rapazes ou raparigas), capazes de restar (Ord. fil., IV, 81,
pr.) e de casar; os púberes pltni (maiores de 21 ou 18 anos, consoante fossem varões ou ~meas) capazes de se obrigarem (salvo se
tivessem curador, Ord. Fil., Ili. 41; JV, 102 e I03); finalmente, os maiores de 25 anos, aptos para o gozo e exercício de todos os
direitos e acesso aos cargos públicos !Ord. fil., l, 94, pr.). A maioridade (vtnia atlatiI! podia ser concedida pelo rei aos púberes.
O direito português das Ordenações distingue duas categorias de filhos:· legítimos e ilegíiimos.
Os filhos legítimos eram os concebidos na consrância do casarnenro; o direico ucilizava aqui certas presunções, baseadas nos
períodos mínimo (7 meses) e máximo (10 meses, alargacios pelos praxiscas a 11) de gravidez, par. decerminar se a concepção se dera
constante matrimonio.
Dos ilegícimos, o direico distinguia os baseardes ou naturais (filhos de concubina, com que se mantém ligação estável ou
provenientes de ligação episódica) e os espúrios, incesruosos e sacrílegos. Os bastardos de peão escavam pracicamence equiparados aos
legítimos, nomeadamente para efeitos sucessórios; os bastardos de nobres não herdavam ab inlalalo do pai, embora pudessem ser
instituídos em resramenro (Ord. fil., 4, 92). De resco, os bascardos tinham, em Portugal, um escatuto pouco discriminatório:
gozavam de direito a alimentos, não eram infames, podiam aceder aos cargos públicos, herdavam a nobreza e armas dos pais (estas
com a •quebra de bascardia•) (cf. Ord. man., li, 37, 3; Ord. fil., V, 92, 4) (JOÃO DE CARVALHO, De una et allera quarla
falcidia .. ., cit., 1, 173 ss. e 243 ss.; PASCOAL DE MELO, lnui1111iona ... , II, VI).
O antigo direito não distingue com clareza a perfilha.ção da legitimação, deceno porque a qualidade de legitimo, salvo nos
casos de nobres, era pouco relevante. A aquisição da legitimidade faz-se por marrimónio subsequente, respeicadas as condições do
direito comum (Ord. fil., il, 35, 12) ou por rescrito régio, a pedido do pai ou contra a voncacie deste (sobre as formalidades, v., por
rodos, M. A. SOUSA (LOBÃO), Notm ... ,li, aci II, V, 17/19); embora a legitimação independente da vonracie do pai (que equivalia
a um pedido de reconhecimento da paternidade pelo filho) fosse pouco comum_ Esra legitimação não tinha os efeitos de uma
legitimação ple11a, apenas conferindo ao legitimado direitos hereditários em relação ao seu pai (no caso de filho de nobre); mas, por
exemplo, não o colocava in potes/ate. Por outro lado, entendia-se que a legitimação f>tr resrriptum flfincipiJ não podia prejudicar os legítimos.
O pai podia, ainda, reconhecer a qualidacie de filho a alguém que naturalmente o fusse (perfilha.ção), podendo até ser
forçado a isso, mediante acção posta pelo filho e baseada em posse de estacio ou em quaisquer outras conjecruras (Ord. fil., lll, 9, 4, in
fine; cf. PASCOAL DE MELO, lwtituti1JrMJ ... , li, VI, 21/2); este reconhecimento da filiação tinha importância, nomeadamente, para
efeito de alimentos, pelo que o antigo direito o considerava como uma subespécie da acção de alimentos, e não como uma autónoma
acção de reconhecimento de paternidade. Em rodo o caso, não pondo par. a sua instauração quaisquer requisitos prévios, como virá a
acontecer com o Código civil, o direito do Antigo Regime eia, ainda aqui, bastante liberal em relação à filiação excramatrimónio.
A adopção não era usada, apesar de referências feiras nas Ordenações, decerto por influência das fórmulas romanas
(sobre o tema, v. JORGE DE CABEDO, DeâJiona .. . , cic., II, d. 70; A. V.AI.ASCO, Pra:xis partitionum .. ., cit., cap. 12, n. 45).
No período moderno, o poder sobre os filhos compete ao pai e mantém-se, em prindpio, enquanto este for vivo, qualquer
que seja a idade do filho (cf. Ord. fil., rv, 81, § 3: solução fortemente cricicada no• finais do séc. XVlll, em que se propunha um
termo etário para o escaturo de filho-família). No âmbiro. do poder paternal estão compreendidos: (i) a modica coertio, incluindo
correcção física e cárcere (cf. Ord. fil., V, 95, 4; recebendo-se o direito comum quanto à possibilidade de encarceramento, Cod. Just.
VIII, 47, 3; v. M.A. SOUSA LOBÃO, Nola.I ... , adll, rY, 7);(ii)oswrentoeeducação(Ord. af, rY, 92;0rd. man., IV, 68;0rd.
fil., IV, 99), mesmo dos filhos naturais, espúrios, incesruosos e sacrilegos (P. MELO, lnsti1111iona .. ,, II, VI, S t 7); (iii) o doce das
filhas, obrigação extensiva aos irmãos (ibid., li, IX, S 5); (iv) a aquisição e administração dos bens, salvo os que se integrassem nos
pecúlios (cascrense: bens adquiridos pelas armas; quase castrense: bens aciquiridos pelas letras; acivenrício: bens aciquiridos prla
indústria) (ibid., li, IV, H 12 ss.); (v) a utilização gratuita do trabe.lho dos filhos (embora com excepções, MELO, lwl., ll, rv, S 11).
O poder paternal extingue-se pela morte do pai, pelo casamento (Ord. fil., l, 88, 6), por concessão do pai confirmacia pelo
rei (Desembargo do Paço, Ord. fil., l, 3, 7), por ordem do tribunal, no caso de abuso; mas, não segundo a doucrina dominance. pelo
acesso do filho a um cargo ou dignidade, nem pelo mero fu:to da idade (cf. PASCOAL DE MELO, lnstit111iones ... , cit., ll, V, SS 21 ss.).
Principal bibliografia: R~er16rio d4.s OrfÍmafijtJ, s.v. Filho, menor, óriao, pai, etc. ;JOÃO DE CARVALHO, De una ti altrra
quarta/alcidia, Conimbricae 1746, Parte l; BAPTlSTA FRAGOSO, Regimen rrip11hlirauhri11iana, cir., Parte Ili, Liv 1, d.·1 (deveres
dos pais para com os filhos); d. 2 (alimentos); P. lll, L. l, d. IV, S 4 (categorias de filhos); P. Hl, L. ll, d. 3 a 5 (aspectos
patrimoniais); PASCOAL DE MELO, lwtilMliones .. . , cit., ll; MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA LOBÃO, Nota.Ia Melo ... , cit.,
comenrário aos respecrivos artigos.
O direito oitocentista anterior ao Código civil pouco inovou. Em todo o caso: a emancipação por mero efeito da idade,
estabelecida pelo dec. 0 de 18. 5. 1832 e ratificada pela Refurma Judiciária (art. 0 453. 0 , embora em termos limitados, que a dourrina
alargou), é das mais importantes, pois liberta significativamente os filhos do poder pacernal, objecrivo que a instituição dos pecúlios
já antes procurava prosseguir, mas de fonna imperfeita e, no plano técnico, muito complicada. Quanto"" poder parental, a doutrina e. a
lei atenuam o monopólio patemo, admitindo aquela Refonna Judiciária (arr. 0 422. 0 ) que a mãe o "2n;a conjuntamente com o pai.
Com o Código civil, há mudanças mais profundas. A maioridade é baixada para os 21 anos. A perfilha.ção adquire um
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carácter meramente privado, dando-se fim à intervenção régia; mas, por isso mesmo, o seu campo de admissão é rescringido,
deixando de ser admicida em relação aos filhos adulterinos e incestuosos (art." 122. 0 ), embora quanto ao5 primeiros ainda 5e abrisse a
possibilidade da sua perfilhação em assenco separado e sem indicação da identidade do progenicor casado (am. 124. 0 e 125. º).
(nscicui-se, como expediente judicial autónomo, a acção de inveuigação de pacernidade (an." 130. 0 ), embora isto redundasse num
regime menos permissivo, pois se estabeleciam condições prévias para a sua proposicura desconhecidas do ancerior direito.
o conceúdo do poder paternal concinua idêntico, reconhecendo-se a possibilidade da sua excinção por abuso, como acontecia ances
(cf. am. 137. 0 ., 138.º, 143. 0 , 168.ºa 170. 0 ).
Com a República (dec. 0 n. 0 2, de 25/12/1910), procura-se proteger a condição dos filhos ilegícimos, alargando-se a
perfilhação aos adulcerino5 e aumencando o elenco de causas que aucorizavam a propositura da acção de invescigação da pacernidade.
Mas é só com as modificações do Código Civil de 1966 - que, por oucro lado, incroduz a adopção (am. 1973.º ss.)-
consequentes à aprovação da Conscicuição de 1976, que a sicuação dos filhos ilegítimos é fundamentalmente equiparada à dos
legítimos, nomeadamente para efeicos sucessórias (art. 0 36. 0 , n. 0 4 da Canse. e an. 0 2139 do Cód. civ., com a rcdacção que lhe foi
dada ·pelo an. 0 141.º do D.L, 796/77, de 25.11). Também o regime do estabelecimenco da pacemidade e maternidade foi
modificado num sentido favorável aos filhos (arts. 1849. 0 5s.). O poder paternal é substituído pelo ~ntal (art. 0 1878. 0 ) e, na
sequência de legislação anterior, admite-se a sua inibição no caso de exercício abusivo (art. 0 19·15. º).
Quanto às rucorias, a lei nacional adopteva, em geral, o regime do direito comum (cf. Ord. fil., IV, 102 a 104), mas,
sujeitava as rucelas à fiscalização de um magistrado municipal, o juiz dos órfãos, obrigatório nas terras maiores, (Ord. /il., I, 88).
o dcc. o de 18. ~. 1832 - inspirado no Codt ,;,,;/-veio alterar o regime cradicional, insriruindo um Conselho de Pamília., presidido
pelo juiz da comarca e composto pelos parenres e amigos do menor, com incervenção nos accos mais importantes da tutela de
menores, subscituindo, portanro, os antigos juízes dos órf'aos e marcando, assim, o carácter privado da insrituição c39 >_
DOCUMENTOS
Tradução:
Segundo a lei, a idade dos homens é de quinze anos, mas a das mulheres de doze anos (para
sair do bail).
FAIDER, Co11tumes ... Hainaut, t. I, pg. 4.
(39) Sobre as rutorias dos ór&os, v., para o antigo direito, SIMÃO DE OUVEIRA DA COSTA, De munwt /mwiJoru.
Ulyssipone 1670; PASCOAL DE MELO, /mlitutiofUr .... cic., li, XI; M. A. SOUSA (LOBÃO). NotaJ. .. , cic., noras aos respecrivos
H. A administração orfanológica é alterada pelo dec. de 13.8.1832 (que cria os conselhos de família e arrthui aos juízes de paz as
aerihui('iifJ dos juízes dos órf.ios). Sobre providências Jegislacivas relacionadas com o tema, v. JOSE JUSTINO DE ANDRADE
E SILVA, Repertório r.m•I. ... Lisboa 1850, r. '" ·Adminiscra.ção orphanológ1Ca•.
626
J. B.
CHRISTYN, Droits et coutumes de la vil/e de Bruxelles,
1762,p. 367e505.
Arr. 0 388. 0 O menor é o ind~víduo de um ou outro sexo que ainda não tem a idade de
21 anos teitos.
Ar.t. 0 371. 0 O filho, de qualquer idade, deve respeito a seus pai e mãe.
Art. 0 372. 0 Permanece sob a sua autoridade até à maioridade ou emancipação.
Art. 0 3 75. 0 O pai que tiver motivos de descontentamento muito graves acerca da
conduta de um filho disporá dos seguintes meios de correcção:
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Art.º 376. 0 Se o filho tiver menos de 16 anos começados, o pai poderá mandar detê-lo
durante um período que não poderá exceder U.'D mês; e, para este efeito, o presidente do tribunal
do círculo (arrondissemenl) deverá, a pedido do pai, emitir a ordem de prisão.
Art. o 377. 0 Desde a idade de 16 anos começados até à maioridade ou emancipação, o
pai apenas poderá requerer a detenção do seu filho durante o máximo de seis meses; dirigir-se-á ao
presidente do dito tribunal que, depois de ter conferenciado com o comissário do governo,
emitirá ou não o mandato de prisão, e poderá, no primeiro caso, abreviar o período de detenção
pedido pelo pai.
3. Item naõ pôde fazer testamento o filho familias, que he aquelle, que stá debaixo do
poder de seu pai, e isto de qualquer idade que seja, posto que o pai lho permita, e consinta.
Porém dos bens castrenses, ou quasi castrenses poderá livremente dispôr, e fazer testamento,
a.inda que o pai lho naõ consinta, tendo idade legitima.
,. 3 Porem se o Cavalleiro, que tiver filhos nacuraes, naõ tiver filhos alguns, nem outros
~esçendentes legitimos, e tiver pai, ou mã.i, ou outros ascedentes legítimos, poderá em seu
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testamento deixar toda sua terça, ou parte della aos filhos naturaes, e naõ tendo descendentes nem
ascendentes legitimas, poderá em seu testamento deixar toda sua fazenda aos filhos naturaes, se
quizer, ou dispor della em outra maneira, como lhe aprouver.
6 Nem haverá outro si uso fructo dos bens dos filhos, no caso em que naõ fizer por morte
da mãi delles inventario dentro de dous mezes do dia do fallecimento della, como dissemos no
Livro primeiro no Título: Do juiz doJ OrfaõJ: paragraphl?: E mandamoJ.
7 E em todos os outros casos geralmente haverá o pai o uso, e.fructo nos bens adventicios
do filho que stá sob seu poder, como dissemos no Ticulo: Da.J collaçõeJ.
Liv. IV, t. 102.
DoJ T utoreJ, e Curadores que Je daõ aoJ OrfãoJ.
O juiz dos Orfaõs terá cuidado de dar Tutores, e Curadores a todos os Orfàos, e menores
que os naõ tiverem dentro de hum mez, do dia.que ficarem orfaõs, aos qi.iaes Tutores, e Curadores
fará entregar todos os bens moveis, e de raiz, e dinheiro dos diros orfaõs, e menores por conto, e
recado, e inventario feito pelo Scrivaõ de seu cargo, sob pena de privaçaõ do Officio.
l E para saber como há de dar os ditos Tutores, e Curadores: primeiramente se informará
se o pai, ou avô deixou em seu testamento Tutor, ou Curador a seus filhos, ou netos.
E se era pessoa que podia fazer testamento, por quanto algumas pessoas o naõ podem fazer, como
acima he dito. E sa~rá outro si, se deixou por Tutor, ou Curador pessoa que por direito o póde
ser, que naõ seja menor de vinte cinco annos'; ou sandeu, ou prodigo, ou inimigo do orfaõ, ou
pobre ao tempo do fallecimenco do defuncro, ou escravo, ou infame, ou Religioso, ou impedido
de algum outro impedimento perpetuo. E onde Tutor for dado em testamento perfeito, e solenne,
naõ será dado ao orfaõ, ou menor outro Tutor, ou Curador pelo Juiz, mas aquelle que lhe foi dado
em testamento o será em quanto o fizer bem, e como deve a proveito do orfaõ, ou menor, e não
fizer cousa porque deva ser tirado da dita Tutoria, ou Curadoria. E estes Tutores, ou Curadores
dados em testamento pelas sobre-ditas pessoas, que por direito os podem dar, naõ seraõ obrigados
dar fiança alguma.
2 E se algum pai em cescamento deixar Tutor, ou Curador a seu filho natural, e naõ
legitimo, ou a mãi deixasse Tutor, ou Curador em seu testamento a seus filhos, estas taes Turorias
ou Curadorias devem s_er confirmadas pelo Juiz dos Orfaõs, se vir que os taes Tutores, ou
Curadores saõ para isso pertencentes.
3 E se algum orfaõ naõ tiver Tutor, ou Curador que lhe fosse deixado em testamento, e
tiver mãi, ou avó que viverem honestamente, e naõ forem já outra vez casadas, e quizerem ter as
Tutorias, ou Curadorias de seus filhos, ou netos, naõ consentirá o Juiz dos Orfaõs que usem
dellas, até perante elle se obrigarem de bem, e fielmente administrarem os bens, e pessoas de seus
filhos, ou netos: e que havendo de casar, antes que casem, pediráõ que lhe sejão dados Tutores, ou
Curadores, aos quaes encregaráõ todos os bens, que aos ditos orfaõs pertencerem, para o que
renunciaráõ perante o Juiz o beneficio da Lei do Velleano, a qual diz que nenhuma molher. póde
ser fiador, nem obrigar-se por outrem, a qual Lei lhe será declarada qual he o favor que por
ella lhes he dado.
5 E se o orfaõ, ou menor naõ tiver Tutor, ou Curador dado em testamento, nem mãi, ou
avó que seja sua Tutora, ou Curadora na maneira que dito he, o parente mais chegado que tiver no
lugar, ou seu termo ~nde staõ os bens do orfaõ, será constrangido, que seja seu Tutor, ou
Curador. E se tiver muitos parentes em igual gráo, o Juiz escolherá o mais idoneo, e pertencente
para isso, e o co~strangerá ao ser.
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7 E não se achando parente ao orfaõ para poder ser constrangido, o Juiz obrigará hum
homem bom do lugar, que seja abonado, dis.creto, digno de fé, e pertencente para ser Tutor, e
Curador do dito orfaõ, e para guardar, e administrar sua pessoa, e bens que o orfaõ tiver nesse
lugar: ao qual fará entregar o dito orfaõ, e todos seus bens por scripto.
Antigamente o prover sobre as pessoas, e fu.zendas dos orf'aos, penencia aos Juizes ordinarios,
e TabeJliaens, e por suas occupaçoens serem muitas, e naõ poderem cumprir com esta obrigação
como deviaõ, foraõ ordenados os Officios de Juiz, e Scrivaõ dos Orf'aos, para specialmente
promoverem as pessoas, e fazendas delles, no que devem ter grande cuidado, pela muita confiança
que nelles he posta. E em todas as Villas, e lugares, onde nelles, e no termo houver quatro-centos
vizinhos, ou dahi para cima, mandamos que haja Juiz dos Orfãos apanado. E onde naõ houver o
dito numero de vizinhos, os Juizes ordinarios sirvaõ o Officio de Juiz dos Orfãos com os
Tabelliaens da Villa. Salvo se nas Villas, e lugares que a quatro-centos vizinhos naõ chegarem,
houver costume, e posse antiga, de haver Juiz dos Orfàos, ou forem por Nós ordenados. Os quaes
Juízes ordinarios seraõ obrigados cumprir, e guardar em tudo o conceudo neste titulo, sob as
penas nelle declaradas.
3 E o Juiz dos Onaos deve com grande diligencia, e cuidado saber quantos orfãos há na
Cidade, Villa, ou lugar em que he Juiz, e faze-los todos screver em hum livro ao Scrivaõ deste
Officio, declarando o nom~ de cada orfaõ, e cujo filho he, e de que idade, e onde vive, e com
quem, e quem he seu Tutor, e Curador. E deve saber quantos bens tem moveis, e de raiz, e quem
os traz, e se andaõ bem aproveitados, dannificados, ou perdidos, e por cuja culpa, a negligencia,
para os poder fazer aproveitar, e arrecadar. E assi deve fazer pagar aos orfãos toda a perda, e danno,
que em seus bens receberaõ por aquelles, que nisso achar negligentes, ou culpados. E o Juiz que o
assi naõ cumprir, pagará aos ditos orfaõs toda a perda, e danno, que por isso receberem.
rendo elles por onde os criar, se criaráõ á custa das mãis. E naõ tendo elles, nem ellas por onde os
criar, sejaõ requeridos seus parentes, que os mandem criar. E naõ o querendo fazer, ou sendo
filhos de Religiosos, ou de molheres casadas, os mandaráõ criar á custa dos Hóspicaes, ou
Albergarias, que houver na Cidade, Villa, ou lugar, se tiver bens ordenados para ~criaçaõ dos
engeicados: de modo que as crianças naõ morraõ por falta de criaçaõ. E naõ havendo ahi caes
Hospicaes, e Albergarias, se criaráõ á custa das rendas do Concelho. E naõ tendo o Concelho
rendas, porque se possaõ criar, os Officiaes da Camara lançaráõ sinta pelas pessoas, que nas sintas e
encargos do Concelho haõ de pagar.
12 Icem se o juiz dos Orfaõs achar, que algumas pessoas criaraõ alguns orfaõs pequenos,
sem levarem por sua criaçaõ algum preço, se a criaçaõ fizeraõ antes de os orfaõs chegarem a idade
de sete annos, a estes que assi criaraõ, deixaráõ ter de graça outros cantos annos, quantos os assi
criaraõ sem preço.
13 E quando se alguns orfaõs houverem de dar por soldada, ou a pessoas, que se hajaõ de
obrigar de os casar, canto que forem de idade de sece annos, o juiz dos Orfaõs fará lançar pregaõ no
fim de suas audiencias, em que digaõ, que cem orfaõs para se darem por soldada ou por obrigaçaõ
de casamento, que quem os quizer comar vá a sua casa, e que lhos dará, naõ nomeando no pregaõ
que orfaõs saõ, nem cujos filhos. E naõ os dará, se naõ em sua casa, a quem por elles mais soldada.
dér. E fará obrigar por scriruras publicas a aquelles, a que os dér, que lhes pagaráõ seus serviços,
casamentos ou soldadas, segundo lhes forem dadas, aos tempos, que se obrigarem pagar, para o
que daraõ fiadores abastantes ao assi cumprirem. E se alguns orfaõs forem filhos de Lavradores, e
outros Lavradores os quizerem para o mister da lavoura, naõ lhes seraõ tirados canto por tanto.
E se suas mesmas mãis os houverem mister para lavoura, e forem viuvas, que viverem
honestamente, a ellas se dêm primeiro tanco por tanto. E naõ tendo mãis, se seus avós os
quizerem para o dico mister, a elles se dêm. E naõ tendo avós, se outros parentes tiverem, e para o
dito mister da lavoura os quizerem, a elles sejaõ dados, preferindo sempre os parentes mais
chegados até o quarco gráo. E havendo dous em igual gráo, precederá o da parte do pai, que for
mais abastado. E o juiz, que isco naõ cumprir, pagará ao orfaõ toda a perda, e danno, que por isso
se lhe causar. E o juiz, que o filho do Lavrador dér a quem naõ for Lavrador, para outro serviço,
achando Lavrador, que o queira tomar, pagará mil reis. E o Tutor, que em cal dada consentir,
outros mil, ametade para quem os accusar, e a outra para as obras do Concelho. E naõ colhemos
aos Lavradores, a que os orfaõs forem dados principalmente para lavrar, servirem-se delles em
guardar gado, e bestas, e outros serviços, quando lhes cumprir, com tanto que principalmente os
occupem na lavoura. E em todo o caso, quando o orfaõ se houver de dar por soldada, naõ será
tirado a sua mãi, em quanto se naõ casar, ou a seus avós canto por canto.
15 Se alguns orfaõs forem filhos de taes pessoas, que naõ devaõ ser dados por soldadas, o
Juiz lhes ordenará o que lhes necessario for para seu mantimento, vestido, e calçado, e todo o mais
em cada hum anno. E o mandará screver no inventario, para se levar em conta a seu Tutor, ou
Curador. E mandará ensinar a ler, escrever aquelles, que forem para isso, até idade de doze annos.
E dahi em diante lhes ordenará sua vida, e ensino, segundo a qualidade de suas pessoas, e .fazenda.
16 E se forem filhos de Officiaes mechanicos, seraõ postos a aprender os officios de seus
pais, ou outros, para que mais penencentes sejaõ, ou mais proveitosos, segundo sua disposiçaõ, e
inclinaçaõ, fazendo scripturas publicas com os Mestres, em que se obriguem aos dar ensinados em
aquelles officios, em cerco tempo arrazoado, obrigando para isso seus bens. E o Tucor, ou Curador
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com authoridade do Juiz obrigará os bens dos orfaõs, e suas pessoas a servirem os ditos. Mestres,
por aquelle tempo, no serviço que raes aprendizes coscumaõ fazer. E o Juiz, que isto naõ cumprir,
pagará ao orfaõ toda a perda, e danno, que por isso se lhe causar.
Are. 13 7. 0 Aos pais compete· reger as pessoas dos filhos menores protegê-los e
administrar os bens delles: o complexo desces direitos constitui o poder paternal.
Art. 138. 0 As mães participam do poder paternal, e devem ser ouvidas em tudo o que
diz respeito aos interesses dos filhos; mas, é ao pai que especialmente compete durante o
matrimónio, como chefe da família, dirigir, representar e defender seus filhos menores, tanto em
juízo, como fora dele.
Art. 139. 0 No caso de ausência ou de outro impedimento do pai, fará a mãe as suas vezes.
CAPÍTUL02
AS COISAS
0) P. OURUAC eJ. DE MAUFOSSE, Droit romain el ancien Jroit: ltJ Biem, Paris 1971, col. Thémis; G. LEPOINTE,
Droit romai'1 et ancim droit fra"ftJU: droil dtJ bims, Paris 19,8, Précis Dalloz.
634
englobam aqui as casas, pois pode vender-se a casa sem o solo e inversamente
contrariamente à regra romana segundo a qual superficies solo cedit. No fim da Idad;
Média, as casas seguem progressivamente o estatuto do solo: alódio, feudo, censo.
A divisão em duas categorias impôs-se finalmente. Loisel escreve no séc. XVII:
«As coisas ou são móveis ou imóveis» (n. 0 194. º), fórmula retomada pelo Code civil
(art. 0 516. 0 ).
A divisão das coisa,.. em móveis e imóveis estendeu-se progressivamente às coisas
corporais e às coisas incorporais, ou seja, aos direitos e às acções; que, finalmente, foram
também divididos em direitos mobiliários e direitos imobiliários. Assim, as rendas e os
ofícios eram considerados geralmente como coisas imóveis no direito do Antigo Regime,
princípio que, no entanto, não será retomado no Code civil.
B. - A PROPRIEDADE
1. Tipologia
O are. 0 544. 0 do Code civil define a propriedade do seguinte modo: «O direito de
gozar e de dispor das coisas da forma mais absoluta, desde que delas não se faça um uso
proibido pelas leis ou pelos regulamentos».
Criticou-se muitas vezes esta definição por ser incompleta, e mesmo inexacta; ela
não poria em evidência o carácter exclusivo da propriedade: esta consistiria «na atribuição
do gozo de uma coisa a uma pessoa determinada com exclusão de todas as outras»
(Planiol e Ripert).
Nas Instituições (2,4,4) da época de Justiniano, o proprietário tem uma plena
potestas sobre a coisa. Os glosadores dirão que a propriedade.é o ius utendi et abutendi, o
direito de usar e de abusar da coisa. Pothier vai buscar à doutrina romanista a fórmula:
usus, /ructus, abusus. A Declaração dos Direitos do Homem de 1789 considera a
propriedade como «inviolável e sagrada». Fonte de riqueza, e daí, de poder, a
propriedade, tanto mobiliária como imobiliária, está na base do capitalismo.
Mas a propriedade é também muitas vezes odiada, acusada de todos os males.
«A propriedade é o roubo», disse Proudhon. Marx e Engels, no seu Manifesto comunista de
1848 proclamam que é preciso «abolir a propriedade»; mas precisam: «O que caracteriza
o comunismo não é o facto de ele abolir uma propriedade, mas antes o de abolir a
propriedade burguesa»; estes aurores não querem suprimir toda a propriedade privada,
mas apenas a dos meios de produção <2>.
Na realidade, o historiador constata que não existe uma definição de propriedade,
(2) J. P. LÉVY, HiJtoi,. de la pro(Jriélí, Paris 1972; col. •Que sais-je?•; L. JANS.SE, La propriíté. Le ngimt da bims dam lu
rivi/iJatiom o(cidmtalu, Paris 19'.i3; R. GONNARD, La propriúi dam la doari'111 et dam l'histoin, Paris 1943; LEBRET, MARMY er
ai. , Propriílé et romm1ma11ti, 1944; VANDER VELDE, La propriill fot1rim m Btlgiq11e, Bruxelles 1900.
636
mas um grande número, que varia de acordo com as épocas e com as regiões. A par da
propriedade individual que atribui o gozo de uma coisa a uma dada pessoa - que se
chama também propriedade pessoal ou propriedade privada - há formas de propriedade
familiar, colectiva, comunitária, pública e estacai. Esta multiplicidade de formas
aplica-se, sobretudo, à propriedade fundiária, ou seja, à propriedade da terra; mas
também àquilo a que chamamos, desde o século XIX e sob influência da doutrina
marxista, os «meios de produção».
Numa história da propriedade, pode então ser útil servirmo-nos de uma
tipologia de formas de propriedade; propomo-nos fazer uma classificação em quatro tipos:
- propriedade individualista, ou seja, a sua forma mais absoluta, seja a do direito
romano clássico seja a do Code civil de 1804;
- propriedade dividida, como a dos diversos direitos reais do feudalismo;
- propriedade comunitária, ou seja, o uso dos bens por uma comunidade:
família, clã, aldeia, cidade, etc.;
- a propriedade coleccivisca, ou seja, a que pertence a uma grande colectividade,
em geral o Estado.
Ter-se-ia tendência para traçar a evolução como levando necessariamente de um
tipo ao outro; por exemplo, da comunidade primitiva para o sistema de propriedade
dividida, depois desce para a propriedade individualista, para chegar, finalmente, à
propriedade colectivista, estatal. Foi, aproximadamente, o que foi feito por muitos
historiadores e, sobretudo, por pensadores políticos ou por economistas. Mas a realidade
é bem diferente .. Encontram-se quase sempre os quatro tipos simultaneamente; quando
muito, há um ripo que predomina, sem excluir os outros. Por exemplo, na sociedade
capitalista do séc. XIX, a maior parre da propriedade é individualista, mas permanecem
sobrevivências das comunidades rurais dos séculos precedentes; e o Estado é, muitas
vezes, o maior proprietário, possuindo cudo o que está no domínio público e mesmo no seu
domínio privado (florestas dominiais, estradas, edifícios públicos, armas e munições, etc.).
Na época feudal, a propriedade dividida domina, sob a forma de tenures (cenências
precárias ou «propriedade beneficial»), sobretudo de feudos e censos; mas há propriedades
alodiais cujo dono faz quase o que quer; continuam a existir também muitas propriedades
comunitárias, nomeadamente de aldeia.
No regime socialista da U.R.S.S., se as propriedades colectivas são de longe as
mais importantes, persistem propriedades «pessoais», umas pertencentes à comunidade
familiar, outras estritamente individuais.
Nas sociedades em que predomina a propriedade comunitária, como por exemplo na
Germânia e também noutras zonas de África e da Ásia em cercos períodos, a propriedade
individual existe pelo menos para cercos objectos pessoais ou certas parcelas do solo.
637
2. Direitos germânicos
Por falta de docwnentos, conhecemos muito mal a evolução da noção de propriedade
entre os Germanos. Os historiadores alemães do direito bem tentaram elaborar teorias mais
ou menos complexas da propriedade germânica, a partir de algumas frases recolhidas em
Tácito e em outros autores latinos; no entanto, estas teorias são muito discutíveis.
Pode afirmar-se que os Germanos, como a maior parte dos povos arcaicos,
conheceram a noção de propriedade individual mobiliária: os objectos pessoais, tais como
o vestuário, os adereços, as armas, constituíam o património de urna pessoa. Em
contrapartida, quanto à propriedade imobiliária, parece que, de maneira geral, o solo não
podia ser objecto de apropriação individual, quando muito de apropriação comunitária.
Havia provavelmente duas noções sobrepostas de propriedade comum: a propriedade
do clã (que se tornará propriedade comum da aldeia quando da fixação do clã ao solo) e a
propriedade da família.
A história desta apropriação comum pode conceber-se de acordo com o seguinte
esquema: o clã fixa-se, num dado momento, num determinado território; toma posse da
terra de que necessita para a habitação e a cultura. César (De Bel/v Gallico, VI, 22)
constata que entre os Germanos «ninguém possui uma Sl;lperfície certa dos campos nem
limites próprios»; todos os anos o chefe reparte as terras entre as famílias. Tácito conta
que a cultura do solo se fazia por afolhamentos trienais, com redistribuição anual: arva per
armos mutanl (documento n. 0 1, p. 652). Este sistema agrário continuou a dominar a
cultura do solo no Ocidente durante toda a Idade Média e os tempos modernos; consistia
em repartir as terras em três partes e em as afectar sucessivamente às sementeiras de
Inverno e às de Verão, deixando-as depois em pousio durante um ano. Os campos teriam
sido repartidos anualmente entre os membros do clã e, mais tarde, entre os membros da
aldeia. Quanto às outras terras, tal como as florestas, as estevas, os pastos, as lezírias, as
turfeiras, todos os membros do clã e, depois da sua fixação ao solo, da aldeia as
utilizavam em comum m.
Esta forma de apropriação comum do solo pelo grupo social sobreviveu parcialmente
sob a forma de bens comunais, mesmo até ao século XX (v. art. 0 542. 0 do Code civ. e 87. 0
a 102. 0 do Código floresta/). Assim, em certas regiões da França, nomeadamente no Jura, os
habitantes de certas aldeias recebem cada ano uma parte dos lucros reaJizados pela
exploração das florestas comunais. Nas Ardenas belgas, a maior parte das florestas de
importância média pertencem ainda a comunas ou a secções de comunas. Foi apenas no
século XVIII que se decidiu dividir os bens comunais, inicialmente entre as próprias
comunas e, depois, entre os habitantes.
Ao lado da apropriação comum pelo grupo social (clã, aldeia) aparece a apropriação
m A Sociedade Jean Bodin COllsaf!IDU o seu colóquio de 1976, em Varsóvia, às •Comunidades rurais•. Foram emão
redigidos me.is de 150 relaróúos; fui discurida wna dezena de relatórios de slmese. Esrõo todos publicados nos R<nlti/J J.t la S«iélé ... ,
t. 40 a 4~. Paris 1983-1985.
638
privada, pelas famílias, do solo no qual está construída a cabana, e mesmo do solo que a
rodeia, bem como daquele em que estão enterrados os antepassados. Esta terra não é
objecto de uma apropriação individual, sendo a família quem a detém e não podendo o
chefe de família dispor dela a seu alvedrio.
Este sistema de compropriedade familiar deixou marcas durante a Idade Média e a
época moderna, especialmente sob a forma de inalienabilidade da terra. Assim, na época
franca, a terra dos antepassados (terra aviatica) apenas pode ser objecto de uma
transmissão mortis causa a favor de parentes varões, pois, pelo casamento, as filhas
fá-la-iam sair do grupo familiar.
Por outro lado, a alienação de bens imobiliários ·é proibida ou, pelo menos,
dificultada. Na época franca, é apenas nos casos extremos - pobreza, pagamento de um
resgate -·- que é permitido vender uma terra. De resto, antes de qualquer alienação, é
necessária a /audatio parentum, concordância de todos os membros da família. Os actos de
venda desta época mencionam muitas vezes tal acordo. Esta intervenção da família
sobrevive nos séculos X-XII na «oferta ao parente mais próximo»: o vendedor é obrigado
a notificar os membros mais próximos da família previamente à venda feita a terceiros.
A partir do séc. XII, as terras tornam-se alienáveis sem acordo prévio do grupo familiar;
o papel da família é limitado ao direito do «retracto familiar» (retrait lignager), que
permite a qualquer parente resgatar o bem vendido a um terceiro, pagando-lhe o mesmo
preço que houvesse sido fixado aquando da venda. Este resgate apenas podia ser feito
num certo prazo, variável de acordo com os costumes: seis semanas a um ano e um dia.
O retracto familiar sobreviveu até à Revolução Francesa, pelo menos na maior parte dos
costumes rurais; nas cidades, pelo contrário, desapareceu _muito cedo (por exemplo, em
Gand, desde 1191) C4l •
3. Direito romano
Os romanos conheceram, relativamente cedo na história das suas instituições, uma
noção quase absoluca de propriedade: o dominium ex iure Quiritium, a propriedade
quiritária. Era o poder mais absoluto que uma pessoa podia ter sobre uma coisa: o direito
de a utilizar como quiser, de a desfrutar e de receber os seus frutos, de dispor dela
livremente. No entanto, não se tratava de um poder ilimitado; mesmo na época da Lei
das XII Tábuas, o poder do proprietário estava limitado, sobretudo no que respeita aos
imóveis, quer no interesse dos vizinhos, quer no interesse público <5l
(4) L. FAI.LETII, Le retrail lignager m árrJil cau111mier fra"fais, Paris 1923; GENESTAL, ú relrait lignager m ároil
normand, Caen 1925; P. OUIU.IAC, •l.e retrair lig11aBer dans le sud-ou"5t de la France•, Rev. hisl. dr. fr., 1952, p. n8-355;
J. GILISSEN, •Biens familiaux er biens individueis dans l"ancien droit belge•, Rt1J. dr. inlern. ti dr. romparí, V.' Congr~s
dr. comp., 19~8. p. 17-28.
m Na exposição muito esquemática que aqui é consagrada à noção de propriedade imobiliári,,,, - como à de outras
matérias do direito privado - , não podem ser tidos em conta rodos os matizes que seriam permitidos por uma análise mais desenvolvida;
tal é, nomeadamente-, o caso da concepção teórica que apresentamos do áominium no direito romano mais antigo e que não. rem
suficientemente em consideração os tm00lh0s de, por exemplo, F. De Visscher e de M. Kaser.
639
Esta propriedade qumtana era reservada aos cidadãos romanos (quirites) e não
podia incidir senão sobre coisas romanas, inicialmente apenas na cidade de Roma, mais
carde em toda a Itália. Nos finais da República e sob o Alto Império, tipos inferiores de"
propriedade foram. reconhecidos, como, por exemplo, a dos peregrinos (estrangeiros fixados
no Império) ou a que incidisse sobre bens siruados fora da Itália (propriedade provincial).
Todas estas distinções desaparecem, de resto, progressivamente no Baixo Império,
tendo sido, portanto, a cor:icepção individualista da p~opriedade quiritária aquela que se
estendeu a todo o Império romano e a que os juristas da Baixa Idade Média e, sobretudo,
dos sécs. XVII e XVIII encontrarão nos textos de direito romano para sobre eles
construírem a teoria moderna da propriedade individualista.
Se, no plano do direito, se verificou uma real unificação da noção de propriedade
durante o Baixo Império, no plano dos fuctos a evolução económica e social dos sécs. IV e V
faz aparecer novos direitos reais, como o direito de superfície e a enfiteuse, que anunciam
o desmembramento da propriedade.
As pri~cipais causas das transformações do regime da propriedade fundiária
ficaram a dever-se ao sistema fiscal mwto pesado que esmagava as possibilidades tributárias
dos pequenos proprietários (possessores) e a insegurança destes últimos fuce aos grandes
proprietários que procuravam estender os seus domínios por todos os meios, nomeadamente
comando ilegitimamente posse das terras dos seus vizinhos mais fracos ou forçando-os a
tornarem-se seus enfiteutas ou seus colonos.
A enfiteuse é uma espécie de locação perpécua. De origem grega, conheceu grande
expansão no séc. IV. O enfiteuta obrigava-se a cultivar a terra concedida e a pagar
regularmente uma prestação chamada canon (prestação) ou pensio (pensão). Na falta de
pagamento, o proprietário retomava a terra (comissio, comisso). Em troca destas
obrigações, o enfiteuta tinha direito aos fruws da terra, transmitindo, por sua morte, a
terra aos seus herdeiros legítimos ou testamentários. Também podia alienar a terra inter
vivos, pelo menos com o consentimenco do proprietário <6>.
O colonato era semelhance à enfiteuse, embora importasse, para o colono, uma
diminuição da sua condição social. Não sendo escravo - pois tinha uma personalidade
jurídica, uma família e um património próprio - o colono não era inteiramente livre:
escava ligado à terra que cultivava, não podia abandoná-la e era, por isso, um servus terrae
(Codexjustiniano, XI, 52), um «escravo da terra». Como o enfiteuta, ele devia cultivar a
terra que lhe tinha sido concedida e pagar uma pensão. Por outro lado, ele estava ainda
<61 Ainda que a enfüeuse não renha sido mencionada no Código civil francês de 1804, a instiru.ição não desapareceu e a
jurisprudência admitiu-a com a sua antiga narureza de direiro real e os caracreres que lhe eram próprios, tendo sido regulamentada
por uma lei de 1902. Na Bélgica e nos Palses Bilixos, a enfiteuse foi previsra no projecto do Código civil de 1824, tendo mesmo sido
posto em vigor, por uma lei de 1824 (recentemente modificada na Bélgica em 1955 e em 1974), o capitulo que lhe era consagrado.
A enfireuse é baseante rara na Bélgica, o mesmo não aconrecendo nos Países Baixos onde é muito praricada em sec<0res alheios ao
agrário, nomeadamenre para explorar rerrenos para construção ou destinados à indúsrria. a., em França: VANCOSTENOBEL, ÚI
emphyréom dn ho1piw civi/1 ~ Lille, 1929; PINATEL, L'emphylioJe dam l'anâtn droif provtnral, 1938; para Porrugal: M. J. ALMEIDA
COSTA, Ori[l,em da en/ite11Je no direito porr11g11is, Coimbra 195 7.
640
obrigado a certas corveias ao dono do prédio. Usufruía os frutos da sua terra, transmitia-a
aos seus filhos, ao mesmo tempo que lhes transmitia a sua condição, mas não podia
dispor dela por acro entre vivos ou mortiJ causa m.
Assim, no fim do Império romano, a propriedade é, do ponto de "'.ista jurídico,
muito individualista; mas, no plano dos factos, um desm~mbramento da propriedade a
favor dos detentores de direitos reais perpétuos anuncia a evolução medieval da instituição.
' 7> M. PALASSE, Orimt el oeddent à propo1 dN rolonat romai'1 '"' 8aJ Empirt, Paris 1950; P. COllINET, .Lt colo'1at dam
/'Empire romai'1• (com uma nota complementar de PAI.ASSE), em Retutil! de la Soâétéjean Bodin, t. II, 2.• ed., Bruxelas, 1959;
P. L. GANSHOP; d.c sratur per.10nnel du colon du Bas Empire•. L',,,,1iquití daJúq11t, r. 14, 1945, p. 261 ss.; E. LEVY, •Vom
comischen Precarium zwngermanischelandleibe, Zeits. Sav. Stift. Riim .. Abt., 1948, p. 1 ss.
(") Nota do tradutor: rradm-se tmun por •renência• e tmanâer por •tenente•; mas alguns aurores portugu~ usam, para
o mesmo efeito, a expressão •propriedade (proprietário) beneficial•.
641
precarista [tenancier]) o uso e o gozo por um período prolongado, de tal maneira que este
aí exerça um poder imediato e real. O tenente tem, pois, um direito real, mas em relação
a uma coisa de outrem.
Na monarquia franca, houve já muitas terras em tenência. Algumas eram de
Jrigem romana, sobretudo as dos colonos, com prestações relativamente pesadas para os
possuidores/cultivadores. Outras foram aparecendo, mais vantajosas para éstes; os textos
da época chamam-lhes benefícios (beneficium, benefactoria).
Entre os benefícios, a precaria é o mais conhecido. Era um contrato celebrado a
pedido (preces) do futuro precarista, conferindo-lhe direitos de usufruto sobre a cerra
concedida pelo proprietário, sendo a tenência geralmente importante e o censo (cem)
relativamente pouco elevado ce>.
Nos sécs. VIII e IX, na sequência do desenvolvimento das situações vassaláticas,
multiplicam-se os benefícios. Constitui um uso muito divulgado o senhor - que, para
obter o serviço a cavalo do seu vassalo, o deve manter e, para este fim, ~pôr-lhe casa,. -
conceder a este um benefício (geralmente, um domínio ou fracção de domínio).
O benefício vassalático é vitalício, como todo o compromisso vassalático: a morte do
senhor, bem como a do vassalo, punha-lhe termo. Mas, a partir da segunda metade do
séc. IX, estabeleceu-se o uso de o filho reconhecer o benefício concedido pelo pai; do
mesmo modo, o filho do vassalo obtém, em geral, o benefício detido pelo pai. Em 877,
Carlos o Calvo consagrou quase oficialmente o costume da hereditariedade dos benefícios <9>.
<RJ C. SANCHEZ-ALBORNOZ, •El "pm::arium' m Orcidcnrc dunanrc los primeiros siglos mcdievalcs•, cm .Jfoulu
J'húloirr! d11 droil ... offmu ;, P. Pao1, 1959, e Boi. fa<. Dir. Coi,,,bra, r. 35, 1959; P. MEREA, •À precúia visigórica e as suaa
derivações imediaras•, EJ1"'1o11kJi,..i1ohispJniro-1it11dl, <.li, tn-162.
<9> F. L. GANSHOF, Q1/w-cr qJ1e /,, /loJali1i? op. cit .. e toda a bibliografia citada; E. LESNE, Hiltoirt dt /,, prvpriité
édéJia<1iqJ1e en Frdnce, Lille 1910-1926.
tlOI •la t~nWT•, Rtn1ti/J dt /,, s<Kiúi ]"'n Bodin, t. Ili, Bunclas 1938; PH. GODDING, Le árvit fo.Wtr à B,.,,:ctllu ""
Moytn Âgt, Brw:clas 1960; G. DES MAREZ, La proprii1i /011âtrt ,i,,,., lu villtJ d11 Mirym Jgt ti 1pki,,/m1n11"' f/,,,,J,.., Gand 1898;
N. DIDIER, Le Jroi1 Ju fiefi """'la ro111,,,,,. dt Hai"""I"" ""'Y"' Jge, Paris 1945; L. GÉ.NICOT, L'konotnie ,.,,,.,.ú ,,,,,,.,,,..;,. ""
b.u
Muyen Jge, 2 vol., 1943-1960; J. BAIDN, LlI f-1ernm11 áN rigi""' fofl<itr "" Mirym Jge Mp11i1 /,, ch111e dt l'E,.,,irr ,,,,,,..;,, m Occidml,
Lova.ina 19~4; R. CARABIE, La f'ropril1lfoncilrr ddm /11ro arr<im droit nOf111dNÍ (XI. LXII/. •Ji/L/e), rom. l: Laf'roprilll Jq,,.,,,,;,./e, rcsc
Cacn 1934; G. HUBRECHT, LlI Jroits ,.;grran-itul:c ,;,,,., /,, région 1Nld,,oi11 il la /i" dt l'Afl4i,,,·R1gi,,,., 1930.
642
tenente do feudo, eram ances de tudo o serviço militar a cavalo; por outro lado,
devia ajudar o senhor com os seus conselhos e, por vezes, também financeiramente.
Ao lado dos feudos, cenências de carácter militar e político, havia um grande
número de outras, cuja razão de ser era fundamentalmente económica: cultivar a cerra
concedida, fornecendo ao senhor prestações em espécie ou em dintíeiro. Estas tenências
fundiárias tiveram nomes muito variados: o mais comum no norte da França era o de
«Censive» (censo), deduzido do termo «censo», que designa a prestação em espécie ou
dinheiro dos cultivadores directos. Noutros lugares são utilizados, com sentidos mais ou
menos variados, termos como champart, bourgage, mainferme, bail à complaint, ca.rement,
borde/age, co/onge; em alemão, Erbp~ht, Erb/eihe. A origem das tenências fundiárias deve
ser procurada nas dos colonos do Baixo Império romano e, sobretudo, naprecaria franca.
Constata-se, assim, um verdadeiro desmembramento da propriedade na Baixa
Idade Média: em relação a uma parcela de terra dada, go:..a de direitos reais um número
mais ou menos grande de pessoas, limitando-se mutuamente os direitos de cada um.
Tomemos como exemplo wna parcela de terra dos arredores de Bruxelas: encontra-se no
ducado de Brabante, feudo que o duque tem do Imperador; o duque de Brabante
concedeu esta parcela a um dos seus vassalos (A), a título de feudo; este pode, por sua
vez, ter concedido uma parte do seu feudo a um dos seus vassalos (B), como subfeudo, e
assim por diante. Por fim, o último dos vassalos da hierarquia feudal concedeu a parcela
em censo a um homem (D), para que este a cultive, mediante pagamento de um censo.
Assim, o Imperador, o duque, o vassalo A, o vassalo B, o vassalo C, o censitário D, têm
cada um um direito real em relação àquela parcela. Todos estes direitos reais são
hereditários, perpétuos, oponíveis a terceiros, mas nenhum deles corresponde à noção de
propriedade quiritária do direito romano.
Não está, no entanto, excluída a existência de direitos alodiais sobre uma terra
dada em feudo; assim,· o ducado de Brabante é um feudo, mas existem no seu seio vários
alódios. Os proprietários alodiais, por seu turno, podem conceder todo ou parte do seu
alódio em feudo ou em censo.
Pouco depois do renascimento do direito romano, os romanistas tentaram meter o
sistema das tenências nos moldes romanos. Depois de várias tentativas, elaboraram, no
séc. XIII, uma doutrina que admitiu a divisão do direito de propriedade (dominium), a
doutrina do «domínio dividido»: o senhor alodial conservava o dominium directum, o
«domínio directo», também chamado «domínio eminente»; o tenente tinha o dominium
utile, o «domínio útil». O glosador Acúrcio, na sua Glosa ordinaria, escrita cerca de
1250, expôs esta ideia muito antes de Bártolo, que, no entanto, a tornou célebre; a
distinção manteve-se na doutrina até aos finais do século XVIII n n.
(l l) f.. MEYNIAL, •Norcs sur la IOrmarion du droir divi~ (doma.ine dittcr tt domaine urile du XII.• au XIV.• sikle
chez les Romanisres: trude de dogmarique ;uridique., MilangtS Fiuing, Monrpellier 1908, p. 409-461; H. COING, ·Zum
Eigenrumslehre dcs Ban:olus•, Ztils. S1n1. Stift. Riim. A.bl., r. 70, 1953, p. 348-3 71; R. PEENSTRA, •l.cs origines du dominium
urile chez les Glossaréun•, f /qro leg11m H J. Sdn/11!1'14, 1971, p. 49-93 e Fala;,,,.;, nmuJni, I.qde 1974, 21)-2)9.
643
llll Obrigação de fazer cozer o pão no forno do s.:nhor (forno banal), de fazer moer o trigo no seu moinho (moinho bannl\,
erc ....• mediante o pagamento de uma presrai;ão. ficando a cargo do senhor man<er es1es ins1rumenros ern bom estado; constiruia
uma espécie de serviço público senhorial.
'l ~1 A dizima era um direi10 real pen:rncen1e à igreja e que permi1ia receber um décimo de todas as produções do solo. já
citada no Anngo Tesramento. a insriiuição cinha-se desenvolvido no séc. VI, em sequência de decisões de numerosos concílios.
Manteve-se até ao séc. XVIII, mas foi muitas vezes desviada do seu fim primitivo - o susren10 do clero - em vin:ude de usurpações
por laicos ou mesmo de certas autoridades eclesiástica.•
e141 O censo reservativo (boi/ j rmte J surgiu, nos sécs. XIII e XIV, da impossibilidade de dar em censo rerras ia recebidas
por idêntico contra.to. Até então tinha-se geraJmenu~ admitido que um censnário podia, por sua ve:i, dar em censo a sua anuve a um
1
rerceiro, mediante um censo mais elevado. Uma vez que o censo tinha um carácter imuuível, sendo fixado uma vez por todas, se fosse
fixado em dinheiro. as desvalorizações monc[árias beneficiavam o censitário; por ourro lado, sobretudo nas cidades, os censos podiam
conhecer uma mais-valia rápida. Ora. nos sécs. XIII e XIV, o censo duplo tornou-se impossível; o adágio •Censo sobre censo não
vale,, tornou-se regra. A panir de!' então, os cenentes recorrerão ã l.'Onsriruição de um censo reservarivo, pelo qual eles transferiam um
direito real sobre a rerra a um rendeiro mediante o pagamenro de uma renda perpétua. Aquele que consriruía a renda não era um
senhorio fundiário, pois não mantinha a posse da cerra censítica; mas a renda perpérua que lhe era devida incidia sobre qualquer
detentor futuro da 1erra. Em contrapa.n:ida, num outro tipo de consrituição de renda lcom1i1u1ron dt rmtei. [ambém muiro frequenre
no fim da Idade Média, o renente mantinha a rerra censítica na sua posse. alienando por venda, doação ou testamento a mais-valia ou
uma parce desra. Não se devem confundir estas fonnas de censo !bail.; cem-· cenúve ou censo- ou bail à rmtr), que são direiros reais,
com os arrendamento origacionais (hail à loyer ou ba~I à femit), que são direios de crédi10 provenientes de com raros de locação. O br1rl à
/erme e o bail à loyer são descriros no Livro IIJ (e não no Livro II) do C.dt civil (an:s. 1713.º ss.). Estes dois últimos tipos de
arrendamrnto aparecem também no séc. XIII, por exemplo, sob forma de locação duma rerra, por um período de 3, 6 ou 9 anos.
644
Dotninus terrae
/
vendedor
\
comprador
<•~> A. PIRET, ÚJ rramlrr chez Polhier da tonctptions rt1'fl4iM ti /Ioda/e <'4111 proJwiiti fonner., Paris 1937.
Cl6l M. GARR.AUO, LJ Rlvolutitm d la prvpriDJ funde.., Paris 1959· Aulard, Ll Rlvolutiim /r"'1fdist et le rógime /lodalt, 1919.
646
117) Entre os direitos de uso mantidos no séc. XIX e ainda em parte no séc. XX, havia, além do direito de pe.!l!llB"m (1taint pJllM ),
- o direito de •parcours•, estendendo o direito de pastagem de uma comunidade a outras, permitindo aos habitantes de
uma ddas fazer pastar os seus rebanhos nas terras das comunidades vizinhas;
- o •glanage•, permitindo •aos pobres• colher à mão os resros das colheitas de cerniJ deixados pelos cultivadores;
- o "retelage .. , glariage feiro com o auxílio de uma grade de madeira; o Code rural de 188~ proibiu o uso de grades com
dentes e ferro(!); ·
- o •panage•, direito de manter porcos nas matas, para se alimentarem de glandes e bolotas.
!18) R. DERINE, Le droit Je propriité m Frari<t et m Btlgique au 19. 'iitde: droil ab10/u ti qll41i illimiti, Léopoldville 19~9;
P. COSTE-FLORET,· La riature juridiqutdu droit dt propriété d'apr<J /e Code â11il ti depui1 lt Codecwil, tese de direito, Montpellier 193~.
647
09> Le droir de propriéré dans les pays de l'Esc, •Jownées ... 1973•, lnscirur de Sociologie, univ. de Bruxelas 1964;
K. STOYANOVITCH, LtrégimedelaproJWiétéerz URSS, Paris, 1962.
648
a) Época medierJal
A reconquista não apagou a estrurura dominial anterior, mas inrroduziu aí alterações impottantes. Continuaram a existir
os tipos anteriores de detenção da cerra: (i) detenção alodial, caracterizada por apenas estar sujeira a prestações de natureza tributária
ou •recognitiva• (J. Mattoso: •voz e coima•, fossadeira, jugada), corrcspondenres à situação de homem livre (capaz de tomar armas e
apenas sujeito ao julgamento pelo tribunal comunitário) do detentor; (ii) detenção precária lprtcarium habert, in atondo tmere ),
caracterizada pelo carácter precário ou beneficial da detenção, sempre sujeita ao favor de um concedente e obrigado a prestações, de
diversa natureza, por parte do detentor; (iü) propriedade comunitária. No entanto, a reconquista operou uma transferência da
propriedade para a mão dos novos senhores, através da •presúria• - entendida esta como uma efecriva concessão régia ou apenas
como uma ulterior fórmula justificadora da enorsão.
Ao lado deste movimento de transferência da detenção do solo, assistiu-se também àquilo que alguns auto"'s descrevem
como uma •concentração da propriedade•. Esra •concentração• assume aspecros diversos e decorre de fenómenos também diversos.
Por um lado, trata-se de uma translôrmação generalizada da detenção alodial para uma detenção precária. Numa época de
insegurança e de concentração dos instrumentos de defesa militar numa casta de guerreiros profissionais, muitos derentores. de
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.herdades• alodiais •encomendam-se• (por wna charta i11comm1111ica1io11iI ou dt bme/aaoria, conforme a perspecciva) à procecção de
poderosos por um processo que, em ceemos jurídicos, se pode configurar como wna cedência das suas •herdades• por pane dos
primeiros, recebendo-as de novo dos segundos, agora de forma precária e a troco de pagamento de wna presração períodica (precária
oblata ou rem11rieratúria, no caso de o poderoso compensar o cedente com alguma outra concessão, em rerra ou em dinheiro). Muitas
vezes, na origem da encomendação não está a necessidade de defesa, mas a de auxílio económico ou, pura e simplesmente,
condicionamentos ideológicos (nomeadamente, religiosos); sã.o estas as causas fundamentais da concentr:ição da propriedade
eclesiástica (doações pias). Em contrapartida, os poderosos, impossibilitados de explorar directamente mais do que uma pequena
parte do seu fundo dominial (reserva, terra intÍIJminica/a }, cedem o resco, em precário iprecaria dala, prbtamo ou pru1imó11io), a quem a
queira cultivar contra o pagamento de wna quota fixa ou parciária dos frutos. Paralelamente, as mesmas relações de cedência
beneficial verificavam-se encre os membros do grupo dirigente, embora, agora, a concessão de cerras se desrinasse a assegurar, não a
exploração e apropriação de uma pane do produto, mas a realização de cenos serviços de conteúdo político, como o serviço militar e
polícico-adminiscracivo (préstarnos nobres, doação de cerras da coroa). Estamos perante as formas beneficiais (de beneficium, figura da
adminiscração eclesial, recebida do direito do Baixo Império) de concessão de cerras, distintas, pelo seu escopo, das anteriores
concessões «ccensuais'lt·.
Por outro lado, a •concentração• consiste camMm nwn processo de subsunção progressiva da cerra (e dos homens) a uma
rede de laços menos caracterizadarnente económicos - laços de natureza pollcica e jurldica, que obrigavam os detentores a cenas
prestações adicionais, de natureza sobrerudo simbólica, significando o reconhecimento da supremacia do senhor. Estas prestações
terão alastrado e engrossado, entre nós, a panir dos meados do séc. XII. Mas, por um movimento de •nivelamento• da situação dos
detentores das cerras, cenos destes cribucos •recognitivos• sofrem, a panir dos meados da centúria de duzentos, uma
.dominialização• U. Marroso), com a consequente degradação da situação da cerra alodial e dos seus detencores.
Quando, pelos finais do séc. XIII, se verifica wn ceno reequiHbrio do sistema, deparaino-nos com as seguintes situações:
a) Terras nobres (couros, honras, behetrias e outras rerras em que os senhores exercem prerrogativas jurisdicionais) - são
terras isentas (tocai ou parcialmente) em relação à coroa, em que, em contrapanida, o senhor cobra tributos senhoriais dos detentores
direccos da cerra. Em princípio, poderia, ao nível da tipologia das formas de detenção da cerra, omitir-se esca classe, pois, do ponto de
visca do detentor direcro da cerra, é indiferente que as prestações sejam pagas ao senhor ou ao rei. Mas ela é relevante do ponto de vista
da discribuição da cerra dencro do grupo dominante, onde se podem verificar formas dominiais de detenção e formas senhoriais, cada
qual com o seu regime (nomeadamente quanto ao dculo da detenção e à sua estabilidade); é neste plano que releva a discinção encre,
primeiro, bens dominiais e bens feudais e, depois, encre bens dominiais e bens da coroa ou entre bens da coroa e bens feudais, a que
nos referiremos adiante. De salientar que, no plano das relações entre senhores e detentores directos, se verificará uma progressiva
aproximação entre os tributos senhoriais e as rendas, que se conswnará na completa confusão da época moderna.
bJ Terras vilãs .. Os aurores, nem sempre coralmenre libenos da influência de classificaçõeo mais modernas (nomeadamente,
das classificações do direito comum ou da distinção encre •público• e •privado.), coscwnarn distinguir entre as duas grandes
categorias (i) das cerras alodiais e (ii) das concessões precárias. Na primeira categoria escão as terras cuja detenção é heredicària e a
alienação livre, estando apenas obrigadas a prestações cributárias (como a fossadeira e, talvez, a jugada) - •herdades•, cerras
j ugadeiras, cavalarias, cerras afosseiradas, reeras de •voz e coima• ou de ·dízima a Deus•. Na segunda categoria, e.tão as cerras
detidas em precário (vitalícias ou temporárias), sujeiras a tributos dominiais (rendas), de narureza fixa ou parciária, em géneros ou em
dinheiro e cuja alienação estava sujeira à autorização do senhor (que podia ser comprada pelo laudémio) - são as cerras em colonia,
em prazo, foreiras, em censúria. De acordo com o carácter fixo ou indeterminado do período da detenção, com a natweza fixa ou
parei ária da prestação, com a existência ou não de laudémio, os juristas cardo-medievais e modernos vão classificar estas situações nos
tipos conhecidos do direico comum (locatio ,;;,,pia:, locatio longi temporiJ, colonia, censo, enfiteusc); mas, nos insrrwnencos de concessão
afro-medievais, quando exiscem, os siscemas classificacivos são ourros, menos uniformes, menos nítidos e menos ricos de implicações
normativas. Como arciculação lógica de fundo, no.contiri1111m mulcifacecado da prática, podem distinguir-se duas situações: aquela em
que a terra a conceder já está ·feita• e em que o dominuJ eminente se compensava da sua alienação (por períodos mais ou menos
curcos) pela percepção de uma quoca imponance dos frutos (os futuros arrendamentos censos e colonias ou parcerias); e aquela em que
a cerra é bravia e escá ainda por romper, em que ele apenas quer assegurar uma prestação simbólica ou recognitiva, compensando-se da
alienação (por período longo, para que o culcivador possa recuperar o investimento inicial; a partir do séc. XIII, torna-se comum a
cedência em duas ou três vidas) com a valorização da cerra decorrente do seu desbravamento (a futura enfiteuse). A primeira situação
predominará, com rendas mais ou menos altas consoame a renrabilidade das culturas ou a •fome de cerra•, nas terras ricas e fáceis; a
segunda, nas terras bravias.
e) Terras comuns. Tratava-se das terras apropriadas coleccivamence pela comunidade e destinadas a wn uso comum. As
principais eram os baldios, os maros maninhos, as leiícias e pauis. O seu uso podia ser concedido individualmenre, por riragem à
sorce ou licitação, como aconrecia çorn os sesmos.
Sobre rodas escas cerras podiam impender liinicações de diversa ordem. Desde logo, as limitações impostas pelo inreresse
comum, como as que foram estabelecidas pela •lei das sesmarias• a favor da agriculrwa, ou as limitações impostas pelos direitos da
comunidade (direito aos pastos, à caça, ao mel, à caruma, à água). Depois, limitações por disposição de anrigo• detentores, como os
encargos pios. Finalmente, limitações de tipo familiar. A que se rornou mais rele11ante foi a de inalienabilidade e obrigatoriedade de
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respeitar uma certa devolução sucessória fixada por um dos derentores através de uma cláusula fideicomissária; é o caso dos morgados
ou das capelas, em progresso a partir dos finais do séc. XJll. Mas exisriam outras, como a obrigatoriedade de consulrar ou de dar
preferência aos parenres em caso de alienação de certos bens (laudatio parentum, direito de rroncalidade, rerracto familiar).
b) Época moderna
A evolução das siruações reais na época moderna é, em certos aspecros, menos bem conhecida. O facro de passar a existir
uma produção doutrinal desenvolvida desincenrivou, na hisroriografia, o escudo da evolução prárica do direiro, embora seja lógico
supor que, dada a esrabilidade das siruações reais, elas renham manrido quanto às formas estruturais básicas, o desenho rirulado nos
primitivos instrumentos ou consolidado pela rradição. No entanto, a falta de rítulo ou a renovação dos existentes pode ter dado
origem a conversões estruturais. Tal como a modificação das condições da economia camponesa (inrrodução de novas culturas,
carências de mão-de-obra, crises financeiras) pock ter tido o mesmo efeiro. Por ourro lado, nos •novos cerrirórios• (como as ilhas
atlânticas), podem ter sido introduzidos novos modelos jurídicos.
No plano dourrinal, podemos assistir e uma importação maciça da doutrina do direito comum, temperada por algumas·
particularidades (v.x., em matéria de morgados, influfde pelas leis castelhanas de Toro do séc. XV; ou em maréria de enfireuse, onde
havia normas de direiro próprio, no liv. IV das Ord. Fil., 56/41). A grande preocupação da doutrina é a de enquadrar as situações
vividas nos ripos dogmáticos do direiro comum - locação, colonia (ou parceria), censo e enfireuse, a fim de integrar ou limitar pelas
normas dourrinais as disposições dos rítulos de constituição, quando os houvesse, ou, caso não existissem, de regular as situações
direccamente pela doutrina. Para isro, os aurores, baseados nas caracrerísticas •nacurais• de cada ripo contratual, estabeleciam um
sisrema de ·indícios• e de presunções que permiria classificar cada caso. O quadro seguinte reproduz o sisrema apresenrado por
Baprisca Fragoso, nos finais do séc. XVI:
renda parciária
renda fixa
Nos casos de dúvida insanável, funcionava um sistema complementar de presunções: havendo indeci•ão entro censo e
enfireuse, presumia-se que fosse censo </atNJr libertatir); havendo-a entre enfireuse e alóclio, presumia-se a natureza alodial (pela mesma
razão). Ambos os sistemas se baseavam na definição essencial dos contratoa: assim, na enficeuse, ao direito ao cânone correspondia o
domínio direcro; no censo, ao·direiro à prestação não correspondia qualquer espécie de domínio, mas apenas a titularidade de um ónus
(real) sobre coisa alheia; na locação, o direito à presração fundava-se no domlnio pleno; na colonia, a pensão (parciária) fundava-se num
contraro de sociedade enrre os parceiros.
651
e) Epf}(a conlemporânea
Os finais do séc. XVl!l são a época da erupção, no plano dourrinal-dogmácico e no plano normarivo, da propriedade
individualisra. No plano dourrinal, isto vinha a ser preparado desde a Segunda Escoláscica, no séc. XVI. No plano normacivo,
rraduz-se num programa, progrossivamenre realizado desde a segunda metade do séc. XVIII, de insciruição de uma propriedade
fundada no direito nacural, plena e absoluca, perpétua e entendida como uma relação simplesmenre privada.
Assim, são abolidas todas as furmas de confusão entre as faculdades privacisticas do domínio e os acributos do poder público
(abolição da servidão doméstica, por alV>. de 16. 1 e 19.9, de 16.1. 1773 e 10.3. 1800: abolição dos direitos banais pela C.L. de 5.4. 1821
e alv. '5.6. 1824 e pelas leis de 22.6. 1846). São abolidos os foeais (d. C.L. 5.6. 1822, alv. 24. 7. 1824, D. 13.8.1832, C.L. 22.6. 1846) e
de 24. 7. 1846. São vendidos a parrirulares os bens da coroa (D. 25.4.1821, C.L. 24.2. 1823, D. 13.8. 1832, D. 7.4. 1834, C.L. 22.6. 1846,
O. 11. 8. 184 7). É promovida a concenr~ão fundiária e a redução de servidões e encargos reais (C.L. 9. 7. 1773, forçando à venda de
prédios encravados, limitando a parcdização rústica, etc.; alv. de 4.7.1776, limitando o cânone enfitêutico, e de 15.7.1779,
li mirando os censos do Algarve). É promovida a mobilização da <erra, extinguindo, progressivamenre, os morgados e capelas (C. L. de
3.9.1770, de 3.8.1770 e de 23.5.1775, D. 4.4.1832, D. 30.6.1860, D. 19.5.1863). Favorece a consolidação da enfiteuse no
foreiro, promovendo-se a sua renovação forçada (L.L. 9.9. 1769, 4.7.1776) ou favorecendo a sua remissão (DD. de 16.3. 1799, de
21. 1. 1812, de 6.4. 1813 e L. 22.6. 1846, para os foros do tesouro). Incentivou-se a utilização da cerra como capital, reformando-se a
legislação hipotecária - no sentido de melhor garantir o crédico agrário (C.L. de 20.6.1774) - e estabelecendo-se o registo das
hipotecas (DD. de 26. 10. 1836 e de 3. 1. 1837, L. de 1. 7. 1863, Cod. Civ. 1867, are. 0 949. 0 ). Este último diploma, de resto, institui
um regisco al•rgado de ónus reais e de actos e acções relativas a imóveis (arc. 0 949.ºl. embora faculco;ivo, apenas condicionando a
oponibilidade a terceiros das situações sujeitas a regisrn.
Os grandes monumentos legislarivos do séc. XIX remaram a evolução no sencido individualista. Paradigmáticas são as
definições de propriedade da Consr. de 1822 (are.º 5. 0 : •A propriedade é um direito sagrado e inviolável, que cem qualquer
português, de dispor à sua voncade de todos os seus bens, segundo as leis.. ... ) e do Código Civil de 1867 (art. 0 2167. 0 : •Diz-se
direito de propriedade, a faculdade que o homem tem, de aplicar à conservação da sua existência, e ao melhoramento da sua condição,
tudo quanro para esse fim legitimamente adquiriu, e de que, portanto, pode dispor livremente•).
BIBLIOGRAFIA:
Sobre as situações reais na Idade Média a literatura clãssica é constituída, sobretudo, pelas páginas de A. HERCULANO
IHutória .. ., VI, 181 ss.) e de H. GAMA BARROS (Hi11ória ... , VII, 277 ss.). É neles que se baseia a maior pam das sínteses
ulceriores. Para os ancecedenres da enfireuse e do censo existem, para além de literatura mais anriga, os rrabalhos de M. J. ALMEIDA
COSTA, Orixem da enfi1euu n11 direi/o p"'1uxuiI, Coimbra 195 7, e Raí:uJ do remo CflrlJ1J!.na1iVt1. Para a bútória do crédilo meditval port11xuêJ,
Coimbra 1961, que incorporam os resultados de anteriores escudos de Paulo Meréa. Uma inrerpreração sociológica das.formas
jurídicas tem sido feiro por ARMANDO CASTRO, (v., em síntese, o seu artigo «Propriedade•" no Di<. hiu. Port .. dir. de Joel
Serrão); v. também as páginas do autor, desta nota na sua Hi11ória d.a1 im1i1u1çii<J. .. , cit., 127 ss. Toda esta literatura cem, no encanro,
que ser revista, em face, quer de novos e originais comributos, baseados em investigaçÕ<:s de história social recente (nomeadamente,
MARIA HELENA CRUZ COELHO, O Baixo Monder,o no1 p;,,,,;, da Idade Média, Coimbra 1983; ROBERT DURAND, {.,,
cam{JaJ!,neJ Jlorlu!.aÚe< enlrt Douro e/ Taxe aNX XII. 'o XIII.' riicki, Paris 1982), quer das síntese inovadoras de J. MA1TOSO (por último, em
ldtn1ijicação de um paíJ. Emaio Jobrt ª'origem de Portup,al, 1096-1325, Lisboa 1985), que foram ridas em conta no cexco.
Sobre a época do direito comum, recomenda-se a leitura dos próprios tratadistas: para uma síntese, BAPTJSTA
FRAGOSO, Reximen reipubilcae chriJtianae, cit., t. Ili, d. IX/XI; para o regime da enficeuse, o clássico ALVARO VALASCO,
Q11aeJJiuner iurir emJlhyJeuliâ, Ulyssipone ... (há ourras rtls.) ou, em vernáculo, ANTÓNIO CORDEIRO, Reia/11ç1ie.1 the1JjnmtiraJ,
Lisboa Occidental 1718; sobre o censo, FRANCISCO PINHEIRO, De <mw et eniphyiemi 1ra1Ja1m Conimbricae 1655, e o eirado
António Cordeiro; sobre os morgados, LUIS DE MOL!N A, De húpanornm primop,entoT11m m-i//,ine ac naJ11ra. 15 7 3.
Para a época iluminlsca, a fonte mais genérica é, como de costume, o compêndio Jmtí1111ianeJ it1ri1 cívili1. cir., de Melo Freire
(L. Ili, tirs. 1, 2, 3, 11 e 13), anotado por Manuel de Almeida e Sousa (de Lobão).
Para o séc. XIX, cite-se o compêndio de MANUEL A. COELHO DA ROCHA, /mJituiçiieL.., cir. (com noras finais
inceressames sobre a enfiteuse, os censos, os morgados e os registos) e o comentário de José Dias Ferreira ao Código civil.
Como literatura secundária: A. M. HESPANHA, O j1,,ir1a ' n ltKiilador na crmrlruçâo da propritd.ade h11rvma-liberal em
Por11111.al, ed. polic., Lisboa 1979/1980, 120 pp. (parcialmente editada em •Análise social•, .... ); J.-M. SCHOLZ, ·Eigen-
tumstheorie ais Srrategie der porrugiesischen bourgeoisie von 1850•, em Quadtrni fiorer11ini ptr la J/; pen1. J/,iur., 5-6{1976/7);
"Portugal. Das 19. Jahrhundert•, em H. COING (ed.), Handhuch der Queflen ... , cic., lll .I, 687 ss.: bem como os anigos
"Bens nacionais•, •Morgados•, .. Enficeuse•, .censo• e bibliografia aí eirada; ou era bibliografia no meu livro A hú1r!ria do
diw10 na história social, cic., 204 ss.
652
DOCUMENTOS
1. T ACITUS, Germania.
26. Arva per annoJ mutant, et Juperest ager; nec enim cum ubertate, et amplitudine 10/i labore
contendunt, ut pomaria conJerant et prata separent et hortos rigent: sola terrae seges imperatur.
Tradução
Os cultivos são rotativos e há terra de sobra. Pois (os Germanos) não substituem a fertilidade
dos solos ou a sua extensão com o trabalho, plantando pomares, separando prados ou irrigando
jardins; da terra apenas colhem a produção natural.
Se um homem livre, obrigado pela necessidade, quiser vender um bem seu, que o ofereça
primeiro ao seu parente mais próximo; se este não quiser comprá-lo, que o ofereça ao seu tutor
(patrono, mundualdo); se este o não quiser, pode vendê-lo a quem quiser.
120> Alusão ao trato de negros. que esreve na origem de poderosas fortunas burguesas do sec. XVJll, nomeadameme em
Nanres e Bordéus.
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Declaração parece feita não para os homens, mas para os ricos, os monopolistaS, os agiotas e os
tiranos. Proponho-vos reformar estes vícios, consagrando as verdades seguintes:
Art. 0 l. 0 - A propriedade é o direito que cada cidadão tem de gozar e de dispor da
porção dos bens que lhe é garantida pela lei.
Art. 0 2. 0 - O direito de propriedade é limitado, como todos os outros, pela obrigação de
respeitar os direitos alheios.
Are. 0 3. 0 - Ele não pode prejudicar nem a segurança,·nem a liberdade, nem a existência,
nem a propriedade dos nossos semelhantes.
Art. 0 4. 0 - Toda a posse ou todo o tráfico que viole este princípio é ilícito e imoral.
G. POPEREN, RobeJpierre. Textes choúú, t. II, Editions
sociales, 1957, p. 132-40.
8. PORTUGAL. Carta de concessão agrária do ripo de precaria data (Arouca, A.O. 1087)
Odorio et luJiano plazo et verbo facimus vobis Godino prior et fratribus vestris de Sancto
Pecro de Arauca pro parte de iJla uiJla PeneJla de Sardoria que nobis dedistis ad nos et pro ad uos
quod planeemos et hedificemus ec que futiamus uobis cum iJla uilla servitio et sedeamos uestros
homines sine ullo conludio, et si iode exire quesierimus per minua auc per oppresicace quod
laxemus ilJa uiJJa sana et integra, et non uindamus nec donemus nisi relinquamus illa uilla apud
illos fracres supradictos de Sancto Pecro sine uJla contaminatione et quod non excraniemus uobis
iIJa uilJa cum nullo homine et de quanto arrumperimus quod demus uobis quarta et de quanto
pJancauerimus quod demus uobis ueJ ad vestruo maiorino III.ª ...
Tradução
Nós, Odório e Julião, fazemo-vos a vós, prior Godinho e vossos frades de S. Pedro de
Arouca, prazo e promessa de parte daquela vila de Penela de Sardoria que vós nos desces para vosso
proveito e para que a cultivemos e aí edifiquemos e que com ela vos façamos serviço e sejamos
vossos homens sem qualquer engano; e se daí quisermos sair por míngua ou necessidade,
deixaremos a dica vila sã e íntegra; e não a venderemos nem daremos, mas a deixaremos aos vossos
supraditos frades sem qualquer partilha; e não vos alienaremos a dita vila a ninguém e de quanto
desbravarmos vos daremos uma quarta parte e de quanto planearmos dar-vos-emos a vós ou ao
vosso meirinho a terça ...
Portugalim Monumenta Historica, Dipl. et Chart., n. 0 690.
9. PORTUGAL. Cessão agrária do tipo precaria oblata, sem referência a cânone (Celanova,
A.D. 1011).
Ego Gudesceo uobis Domno Aloyto abbati et preposico Domno Guttier et fratribus Saneei
Saluatoris Cellenove precarium placicum uobis fucimos per texcum firmum scripture firmitatis de
omnem meam haerediditatem quantam uisus sum habere et quantam in uita mea potuero ganare
uel comparare et applicare. Et damus uobis ipsam supra nominatam ipsam heredicatem, pro illa
defesa que uobis meo germano Oderico keimauit, et lexatis mihi illam sententiam de ipsa defesa, et
laxatis mihi ilia v.ª ... et dates mihí illam dut teneam eam rotam hereditatem, quancam habeo et
quancarn potuero ganare ueJ comparare uel applicare, pro ad monasterio ...
Tradução
Eu Gudesteu, a vós Dom abade Aloito e «preposito» (dirigente, preboste) dom Guterres e
frades de S. Salvador de Celanova, faço-vos, por este documento firme de escritura, prazo de todos
os meus bens, dos que publicamente tenho bem como dos que puder -adquirir ou desenvolver.
E dou-vos os sobreditos bens por aquela devesa que vos queimou o meu parente Oderico, para que
desistais da sentença acerca de tal devesa e me deixeis a dita vila (= os ditos bens) ... e ma
concedais para que possua todos os seus bens, que tenho e que possa ganhar, comprar ou
desenvolver, a bem do mosteiro ...
MANUEL PAULO MERÊA, «A precária visigótica e as
suas derivações imediatas», em fütudoJ de direito hiJpânico
medieval, II, 151. ·
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de pam d eiradiga per a quayra, et segnos frangaos cum x. x. ovos cada ornem: et am de fazer pam
ai Rey ou ao Ricomem quando lis derem critico de que o fazam; e am de varer e de juncar os
paazos: e dama fogueira ai Rey: et dam meyadade do que lavorarem er rertia d estivada e do Chao
da Pedrosa, e por isto sum quites doutro foro.
Item, da quintana de don Lobo de Prado dá de foro ai Rey una espadoa: et se ouver iiij.
reixelos dá uno cabrito ai Rey: et se ouver vacca tenreira dá uno queigio: et se ouver porca parida
dá a leiciga cada que li parir: ec veem ad adubar as casas d el Rey e fazer a ramada, e peccar voz e
caomia, se a fazem: e se morrer dar ij. maravidis ai Rey por loitosa: e o Mayordomo comer cum el
una vez no mes assi como o achar. E quantos morarem in esta quintana devem e am de fazer esce
foro cada uno per si, assi como desuso est scrico, ergo que devem a pagar a espadoa todos desuno.
Item, da quintana de Paai Segereiz, et quincana de domna Bofina de Tras lo Outeiro, et
quinrana de Marcino do Souto, et quincana de Petro Lobo, et quintana de Maria Toura, ec
quinran·a das Maquias, et quincana de Pay Marina, et quintana dos Duros, et quintana de
Carrazedo, et quintana de Pedro Tarriom, et quimana de Paay Capelo, fazem todas tal foro ai Rey
quomo a de don Lobo de Prado. Item, ten Tivyaes iiij. º' casaes seus, que jazem ermos e dam senas
espadoas e segnas caeigas de parn ai Rey" per medida de Bracara; e se fossem poblados fariam tal
foro ai Rey quomo estes de sobre escritos. Ec estes casaes que ten Tivyaes sum despoblados per
Paay Venegas o gago, assi como achamos per don Salvado et per Joam Venegas jurados.
Item, do Casal d el Rey do Ribeiro enchouve y o Mayordomo d el Rey o ganado, et quome
y una vez no mes de (]ual comer y acha, e a vida que guaana pela vila come a y quando quer.
E deste casal fazem ai Rey cal foro quomo fazem da quintana de don Lobo, et dam ai Rey de mais
uno quarteiro de milio ec outro quaneiro de cevada por San Michael pela midida de Bracara: e do
fructo primeiro que lavoram nos cortinaes dam a meyadade; et depois do que lavoram nos
cortinaes et nas erdades de fora dam a tertia ai Rey.
Item, da quincana de Gunsalvo abbade dam ai Rey duas gallinas por espadoa cum x. ovos.
Item, achamus do padroadigo de Sancta Ovaya de Cabanelas ca presentou y el Rey don Sancho
o Dayam de Bracara, er filou a el Rey por voz dos omees de Cabanelas, er achamus que li a deu Elrey.
Icem, achamus que dos Regaengos de vedro desta freeguizia ama dar ai Rey tertia; ec cada
uno de quanto quer que en tegna segnos frangaos cum x.x. ovos; e de vj. quarteiros j. taeiga de
pam de eyradiga; e de ii j. modios j. sesteiro; e do que romper per mao do Joiz e pelos Mayordomos
do pam dam quarto ai Rey; e dos chamados que fezerem dama meyadade do froico ai Rey.
Icem, os erdadores quedam as espadoas ama dar segnos frangaos ao Mayordomo d elRey,
se os ouverem.
Item, da erdade que foy de Joarn Alvo devem e ama dar j. modio de cevada per quaira ai
Rey et uno quarteiro de milio por San Michael pela de Bracara.
Ite.m, de v. casaes d elRey, ( <D scilicet iij. º'na Servizaria et uno casal no Ribeiro) devem et
am a dar aos Mayordomos das eiras senas almeitegas cada ano. Item, de Sancca Ovaya devem et
am a dar a esses Mayordomos una almeitega cada ano.
Item, esses que seiverem in erdade de Joam Alvo pectam voz e caomia se a fazem, e vam a
ramada, et dam loitosa ai Rey. E desta erdade leva inde a egregia espadoa et queijio et cordeiro et
lei tom; et non achamus por que a fila, ca soya a dar ai Rey.
Item, do Cazal de don Mido deve et dá viij dineiros de fossadeira ai Rey cada ano.
Item, filios et netos de Salvadorino, et de Pedrelieo, et de Joam Alvo, et de Pay Pequeno,
er de Paay Carrazedo, et de Manino Midiz, et de Paay Midiz, et de Johannino de Prado, et de
Gunsalvo Gunsalvi, et de Paay Maniniz, et de Stephano Rombo, et de Martino Paiz de Prado, et
(de) Johanne Martini de Fome, er de Menendo Menendiz, et de Mancebo do Ribeiro, sunt
foreiros das eiras per cabezas.
Titulo. XXX. En quã tas maneras puede orne ganar possession e renencia delas cosas.
Como ganan, o pierden los ornes el seiiorio de las cosas por ciempo, as 6u cüplidaméte lo
auemos mostrado enlas leyes dei titulo ante deste. E porêj cal ganancia nõ se puede fazer a menos
que es orne aya la possessio', e la cenencia dellas: porende queremos aqui fablar de la possession.
E mostraremos primeramente q cosa es possession. E quantas maneras son della. E quien le puede
ganar, E como. E despues diremos como la puede perder el que la a ya ganada.
11. Las siete partidas. Part. III, tit. XXVIII (a doutrina medieval do domínio)
Titutlo. XXVIII. De las cosas em que orne puede auer seiíorlo, e como lo puede ganar.
Gana orne, o pierde el sefiorio enlas cosas, nõ tan solamente por .los juy:úos delas
judgadores, de que sabiamas en los ciculos antes deste: mas- aun en otras muchas maneras que
mostraremos en las leyes desce titulo. E porende queremos aqui dezir, que cosa es tal seõorio.
E quantas maneras sondei. E en quales cosas lo puede orne ganar, e em quales non.
Ley. II. Como há departimiento en las cosas deste mundo, que las vnas perteneJcen a todas la1
criaturas e la1 otras non.
Departimiento ha muy grande entre las cosas de ste mundo. Ca cales y ha dellas que
pertenecem a las ~ues, e a las bestias, e a todas las otras criaturas que biuen, para poder vsar dellas
tambien como aios ornes, en a otras que penenecé tan solamente a todos los ornes: e otras son que
pertenescen apartadamente ai comun de alguna cibdad, o villa, o castillo, o de ocro lugar
qualquier do ornes moren: e otras y ha que pertenescen sefialadamente a cada vn orne, para poder
ganar, o perder el sefiorio dellas: e otras son que non percenescen a sefiorio de ningund orne, nin
son contadas em sus bienes, assi como mostraremos adelante.
arrecadar para si, aos quaes se daria novamente Foral, confórme aos lugares seus semelhantes, e
Comarcaõs. E isto sómente seria, onde naõ houvesse Foral, mas onde os houvesse, e ahi se levaraõ,
e levavaõ alguns direitos, ou cousas além das conteudas neHe, posto que no tal tempo mais cousas
levassem das conteudas nos ditos Foraes (se fossem j,orém das semelhantes, ou da qualidade das
outras, que o Foral mandava pagar) se devia levar dellas, como das specificadas nelle. Assi como se
dissesse o Foral, que pagassem de Trigo, e naõ dissesse de Cevada, nem de Milho, ou dissesse que
pagassem de Castanhas, e naõ dissesse de Nozes, nem Avelãs: de tudo isto seu semelhante se devia
pagar. E isto porém se entenderia nos que já stivessem em posse immemorial de as levar, porque
os que até entaõ naõ levaraõ mais que as cousas logo declaradas n9s ditos Foraes, naõ poderiaõ
levar dalí em diante mais outras algumas. Nem isso mesmo levariaõ outras cousas, posto que nos
Foraes stivessem, se por o dito tempo immemorial stavaõ em posse de se naõ pagarem.
2 E para se saber quaes eraõ os Direitos Reaes, que deviaõ arrecadar, e haver os lugares, a
que foraõ dados pelos Reis passados por cena pensaõ, e preço, que por elles pagavaõ, declararaõ,
que deviaõ haver, e arrecadar para si todas as rendas, e tributos, que o Rei, e a Coroa destes Reinos
ao tempo po contracto no tal lugar havia, ou devia haver, sendo daquelles, que por geraes
doaçoens os Reis costumavaõ dar, riaõ se tolhendo porém dar-se, ou declarar-se em algum lugar
alguma mais specialidade, se as palavras de seu Foral, e contracto entre a Coroa destes Reinos, e o
dito lugar specialmente o declarassem.
3 E se os que tinhaõ Foraes, levavaõ algum direito, ou cousas, que nelles naõ eraõ
contendas, nem semelhantes aos direitos, que por elles lhes eraõ outorgados, nem das que os Reis
costumavaõ dar em seus Foraes a semelhantes lugares, declararaõ, que as naõ deviaõ levar. Assi
como se o Foral dissesse, que pagassem em huma Villa, ou lugar certa quantia de portagem, os
que ahi comprassem, e vendessem, e os senhorios destes lugares levavaõ direito dos que por ahi
passavaõ, ou por seu termo, sem comprarem, nem venderem, lhes parecia que naõ se podia dizer
que prescreveraõ, pois sempre contra taes stava a má fé provada pelo Foral, que ahi havia, no qual
nunca semelhante cousa se declarou, que pagassem. E assi das semelhantes cousas se naõ devia
pagar, sem embargo de posse alguma, que contra isto se podesse allegar.
4 A qual determinaçaõ o dito Senhor Rei meu Avô approvou, e confórme a ella mandou
fazer os Foraes destes Reinos. E Nós mandamos que se cumpra, e guarde.
5 E por quanto confónne a dita determinaçaõ, naõ se pódem levar direitos Reaes em
nossos Reinos, se naõ por Foraes authencicos, ou por posse immemorial confórme a outros Foraes,
como dito he, havemos por bem, que por huma destas duas maneiras sómente se possa vir com
embargos aos Foraes que saõ feitos, ou ao diante se fizerem, e por outro nenhum caso se possaõ
embargar.
1:3. BAPTISTA FRAGOSO, Regímen reipublicae christianae (e. 1650), Coloniae 1737, Ili,
p. 335 ss. (enfiteuse, locação, censo, feudo e colonia).
A enficeuse é a concessão de wna coisa móvel com trespasse do domínio útil, reservado
apenas o directo para o proprietário, mediante uma pensão em coisas paga ao proprietário no
tempo estabelecido em reconhecimento da sua propriedade, quer a concessão seja em uma ou em
hês gerações. Pelas palavras 'coisa imóvel' significa-se que a enfiteuse não pode ser constituída
sobre coisas móveis, nem mesmo sobre aquelas que se consideram como imóveis, como rendas
a.Duais perpétuas, ou direitos e acções sobre coisas imóveis ... (d. IX, § 1, n. 0 1). Acrescenta-se,
660
com trespasse do domínio útil. Pelas quais palavras a enficeuse se distingue do arrendamento, em
que não se transfere o domínio útil... Assim, a locação é o comrato pelo qual é concedida a
alguém uma coisa móvel ou imóvel ou uma pessoa por um preço convencionado, para que sejam
gozados os seus frutos ou uso; assim se cosrumam locar bois, cavalos, casas para uso, e campos,
pastos e árvores para fruto. (n. 0 2)... Dizemos que o arrendamento simples se distingue da
enfiteuse e não transfere o domínio útil para o arrendatário; mas se se constitui um arrendamento
por dez anos, nele se transfere, segundo o direito comum, o domínio e um direito sobre a coisa,
de modo que ao arrendatário fica a competir uma actio in rem concra quem quer que seja (que
perturbe o seu direito) ... e isto também é assim segundo o direito português (0., IV, 38; O., III,
39) ... com o que se rejeita a opi.nião de {Aires) Pinhel. .. que contesta que pelo arrendamento de
longo tempo se transfira um direito sobre a coisa ou o domínio útil; a qual opinião contraria a
opinião comum dos doutores {n. 0 3) ... Dacjui decorre que o arrendamento de longo tempo tem o
mesmo regime que a enficeuse, não podendo o arrendatário vender ou alienar sem autorização do
dono, está obrigado ao pagamento da pensão sob pena de comisso e a pagar laudémio, tal como o
enfiteuta (n. 0 4) ... Como se distingue um arrendamento de longo tempo? Respondo que se é
feito pela vida do arrendatário ou do senhorio ... Ou se for feico por um decénio ou por quanto
tempo o senhorio quiser ... No entanto, os outros arrendamentos que são feitos por pouco tempo,
como o triénio, o quinquénio ôu os nove anos, não transferem o domínio, nem são de longo
tempo, pelo que se não consideram alienação. A não ser que sejam feitos a um homem poderoso,
de cuja mão dificilmente se podem recuperar, pois então, embora se trace de uma alienação de
curto prazo, é considerada alienação ... (n. 0 5). A enficeuse difere do contrato de censo, pois pela
enficeuse o dono, além da pensão anual, reserva para si algum direito na coisa que é alienada ...
enquanto que pelo contrato censítico aliena rodo o domínio que tem sobre a coisa, seja útil ou
directo, constituindo sobre aquela coisa totalmente alienada um censo anual ... é opinião comum
que pagamos um censo por uma coisa própria e uma pensão (enficêurica) por uma coisa alheia ...
daí que, se o contrato for censítico, o dono da coisa nunca perde o seu direito, ainda que não
receba o censo durante muitos anos ... ao contrário do que acontece no caso de o enfiteuta não
pagar ... pois este paga a pensão em reconhecimento do domínio directo daquele a quem paga,
donde se não pagar no tempo devido este último vê decair o seu direito {n. 0 l l).
A enfiteuse e o feudo assemelham-se no facto de tanto em um como no outro se adquirir o
usufruto ou domínio útil. .. (§ III, n. 0 l, pg. 340) ... Diferem, no entanto, em muitas coisas.
Primeiro, pois o feudo procede da benevolência, dizendo-se que é um benefício, pois é dado a
alguém por benevolência, de tal modo que apenas fica no doador a propriedade da coisa imóvel
sobre que incide o benefício, transmitindo-se ao donatário o usufruto dessa mesma coisa, de cal
modo que este pertença perpetuamente a ele e a seus herdeiros varões e fêmeas, se estes forem
expressamente nomeados (no pacto de investidura), desde que este e tais herdeiros sirvam
fielmente o senhor... Em contrapartida, a enfiteuse não decorre de um benefício, pois o
concessionário presta ao proprietário wna certa soma em dinheiro ... (n. 00 6/7).
Se a enfiteuse concedida em três vidas, com o pacto de que, findas estas, reverta livre à
propriedade plena, deve ser sucessivamente renovada aos descendentes do último possuidor.
(d. XII, .pg. 365, pr.) ... Para além do caso de necessidade imprevista e superveniente, parece
mais verdadeira a opinião de que o senhorio direcco é obrigado à renovação em favor dos filhos do
último adquirente e, na falta destes, aos agnados mais próximos, quer se trate de enficeuse
661
eclesiástica, quer não. A qual opinião é a de Bárrolo (n. 0 5) ... A mesma opinião é confirmada por
aurores mais recentes." .. bastando para a renovação que a coisa não tenha sido deteriorada, pois a·
deterioração resolve a enfiteuse, impedindo a renovação; mas não já o benefício ... Tal foi julgado
contra o Sereníssimo Duque de Bragança na Casa da Suplicação no ano de 1564, não obstante a
cláusula «livre, e desembargado pera delle fazer o que lhe aprouvesse» ... Caldas Pereira foi
seguido pelo filho Dr. Gabriel, que também defendeu recentemente (Dec. 3, n. 0 4 ss.) que,
atendida a equidade e a benegnidade e afastado o rigor do direito, o benefício da renovação ~eve
ser perpétua e sucessivamente concedido finda as três gerações; opinião que fora a de Caldas
Pereira pai (Quaest. 9, n. 0 21 e quaest. 17, n. 0 25) (n."' 7/8) ... Nem se deve cumprir um pacto
no sentido de não se conceder a renovação, pois tais pactos prejudicam a convivência pública de
rodo o reino e o sustento das pessoas miseráveis; e as.sim foi julgado ... , corregida uma sentença
contrária, pela casa da Suplicação, a favor de um menor e contra um mosteiro, no ano de 1592.
Com o que concorda Caldas Pereira filho (Decis. 3 l, n. 0 4), que afirma que a junção de tais pactos
ao contrato enficêutico deve ser rejeitada como contrária aos bons costumes, pois o direito
público, que impõe a renovação, não pode ser afastado pela utilidade dos particulares (n. 0 9).
Chama-se colono parciário àquele que presta uma cerra quota dos frutos, como a terça ou a
quarta parte, do prédio que cultiva; entendendo-se que entre ele e o proprietário existe uma
sociedade (n. 0 l) ... Se o colono pode deduzir as despesas com as sementes ou outras feitas na
cultura do prédio? Parece que sim; pois o colono só impropriamente é um arrendatário,
aproximando-se o contrato mais do de sociedade e seguindo mais frequentemente o seu regime a
natureza de sócio, pelo que pode deduzir todas as despesas feitas. Mas o contrário é defendido com
razão por Mantica ... que diz que o colono não pode deduzir as despesas, pelo que os frutos devern
ser divididos sem tal dedução... A razão é que quem é obrigado a prestar o seu trabalho e
indústria numa sociedade, como é o caso do colono parciário, deve prestá-lo gratuitamente ... (n. 05 2/3)
Duvida-se se o colono parciário pode ser expulso? Afirmo que se se provar que alguém é colono e
que paga uma pensão enquanto colono pode ser expulso ... no entanto, se paga uniformemente a
mesma pensão há mais de trinta anos, entende-se que se trata de uma locação perpétua, de tal
modo que o colono não pode ser expulso, desde que este pague a pensão. Sobretudo se o colono
transformar pelo seu trabalho prédios estéreis, matagais ou pauis em prédios férteis, caso em que
não pode ser expulso, nem aumentada a pensão (n. 0 13) ... Apesar disto, penso que o direito de
colonia não se adquire por prescrição, mesmo a favor daquele que tornou à sua custa fértil um
prédio estéril; no entanto, se o senhorio quiser arrendar o prédio a outrem, o primeiro colono goza
de preferência preço por preço ... por maioria de razão se deve dizer o mesmo, ainda que o colono
possua o prédio por mil anos, e preste uma pensão ânua e uniforme, se possuir na qualidade de
colono e isto conste, pois não se pode presumir enfiteuta ... nem se pode valer do título de colono
perpétuo, pois tal contrato não se usa ... E assim rejeito a opinião de Baldo que diz que o direit_o
de colonia perpétua se adquire por prescrição de 30 anos (n. 0 14). Penso, no entanto, que se, pelo
instrumento de constituição, a coisa for concedida a título de colonia perpétua, então o colono não
pode ser expulso; pois então se considera como um contrato enfitêutico (n. 0 15).
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pago pelo governo, como para os baluartes mais difficeis de combater; e o povo deixava debater
aquelles parridarios, certo como escava que antes da revogação d'aquellas leis o restabelecimento
do absolutismo era impossivel; e rodas as tentativas para as enfraquecer falhavam, apenas era
percebido o espirito, e ninguem se atrevia a fazer proposições de revogação directa de leis tão
amigas dos homens.
Por muitos annos cogitei n'esta materia, e quando tudo me demonstrava que a carta de
Luiz XVIII teria desapparecido, se aquellas leis não tivessem existido, e que a força das
instituições politicas de França não estava nas mesmas instituições, mas sim nas leis anteriores,
reflecti sobre o estado de Portugal, e foi-me facil descobrir que todos os inimigos da carta que
Vossa Magestade Imperial deu à nação, não foram immediatamente offendidos por ella, antes pelo
contrario garantidos em suas pessoas, e que essa inimisade provinha sómente do temor de que
legislação similhanre à de França viesse invadir a sua faculdade, de abusar dos homens e das cousas
para viver do que arrancavam à vontade mal dirigida dos príncipes.
A gente privilegiada vivia do suor alheio, estimava que os reis dispozessem dos bens do
povo; porque de facto dispunham d'esses bens a favor d'elles. Perante aquella gente immoral o
amor do altar e do throno quer dizer amor de si; e quando viram na carta que merces rendosas não
podiam ser feiras sem approvação das camaras, viram seccar a fonte de suas esperanças futuras; e
posto que pela carta tinham em seu poder não approvar alguma lei que offendesse os seus
particulares interesses, nem por isso tinham em seu poder a renovação das mercês, que não podia
ser feita sem o consentimento da camara dos deputados: esta especie de veto, que existia
depositado na camara electiva, foi a base de rodas as resistencias; porque as classes privilegiadas
contendem ainda mais pelo idialismo dos privilegios futuros, do que pelos existentes, que
ninguem lhes disputava.
Exceptuada·aquella digna parte, que se distinguiu por sua constancia, toda a outra gente
privilegiada se fez inimiga da carta, pela razão pura e simples de que ella vinha fazer o bem geral;
e obraram de fórma, que puzeram o governo de Vossa Magestade Imperial, na necessidade de
aproveitar a divergencia d'elles, para lançar os fundamentos de uma aristocracia que por sua
independencia real, e pela nobreza dos sentimentos que nascem d'ella, seja digna de preferir a alta
cathegoria de par do reino á baixeza que arranca por meio de abjecções as mercês dos príncipes.
Todas as vilezas, que podem ser commettidas, e todos os meios que podem ser empregados
sem o menor respeito da religião, da moral e da fidelidade, que exclusivamente diziam ter aos
soberanos, foram empregados; nem a ,presença de Vossa Magestade Imperial, estendendo-lhes a
mão generosa, excitou remorsos em almas corrompidas pela sordidez.
É então necessario aproveitar os conhecimentos da Europa civílisada e arrancar das mãos
dos inimigos o fructo dos trabalhos dos povos; é necessario que de motivos sordidos não venha o
progresso d'aquelles calculos de vileza, que manchariam as gerações futuras da maior parte dos
grandes, se fosse compatível com a carta a theoria. d'aquellas leis de magescade, que elles
defendem por egoismo, e que postas em pratica transmictiriam a lepra moral aos seus
descendentes; felizmente para essas gerações vindouras estão ellas garantidas na carta de
similhante herança.
Consultado os princípios que tenho exposto, é facil entender que a natureza dos bens da
corôa, era o sacrificio de todo o bem possível a certo numero de famílias, e que sem destruir a
povoação do reino, e a subsistencia das classes medias, não podia continuar a existencia de uma
665
natureza de bens, nos quaes o goso consistia na destruição: a baixe7.a dava a quem tinha bens da coroo
certa esperança de os perpetuar, mas a conveniencia lhes dictava toda a negação de os melhorar.
Por intervenção dos foraes algumas terras melhores foram aproveitadas; mas quando os
jornaes dos trabalhadores se fizeram caros, e quando novos tributos appareceram, a sua agriculrura
não podia continuar, e muita da já concluida foi completamente abandonada.
Os litígios, que eram consequencias de uma natureza de bens, cujas leis eram particulares,
se multiplicaram, e por seus exemplos geraram o desvio do amor da propriedade rural: quem
podia saber nunca se os bens seriam um dia declarados da corôa? E s~ appareceria a innovação da
lei mental? Especie nova de despotismo, descoberto por João das Regras, que sendo menos odioso
que os cordões turcos, é comtudo mais capaz de envilecer as almas, e de propagar os caracteres
corruptos e pequenos.
Os povos pela sua pane, em Jogar de amar os príncipes, olhavam para elles como para pessoas
a
destinadas opprimíl-os, e mil vezes manifestaram sua cólera contra os bens da corôa: eu conheci um
indivíduo, cuja propriedade era devastada anualmente, porque era chamada - Souto d'El-Rei - .
Por outra parte, sendo as leis humanas relativas á infinidade de circwnstancias, e sendo a
natureza dos bens da corôa na sua origem compatível com o estado de despovoação, em que ficou o
reino pelo extermínio dos moucos; quando o tempo refez a povoação, aquella natureza de bens, que as
leis diziam immutavel, não se foi successivamente prestando á influencia da civilisação, e lhe obstou
consideravelmente; e ainda lhe obstaria se o tempo não acabasse, tarde ou cedo, todos os
estabelecimentos humanos, e se fosse possivel, oppôr algum dique á torrente da mesma civilisação.
Quando se estuda na historia como é exacta a maxima de Locke que dizia que nenhum
povo podia deixar de alterar suas leis no espaço de cincoentá annos, acha-se admiravel que por
tantos seculos tenha durado aquella absurda natureza de bens.
Não é de minha tenção arrancar a propriedade a pessoa alguma; e as leis de Vossa
Magestade Imperial não consentem similhante violencia; por isso o decreto que proponho tem
duas grandes sentenças geraes: a 1. ª é augmenrar a massa dos bens allodiaes; a 2. ª é acabar a
natureza dos bens destinados a tolher o nascimento da elevação moral, salvos os direitos
adquiridos e entendidos segundo as leis anteriores: aos povos fica tudo quanto pagavam de
tributos parciaes impostos nos foraes; aos donatarios ficam os bens como proprios, quando esses
bens não provenham de contribuições dos povos, dos quaes nenhum individuo póde ser
proprietario: a nação, tomada collectivarnente, não augmenta o seu patrimonio em terras, antes
aliena a faculdade que tinha na lei mental para as recuperar, quando alienadas por doações, e
mesmo destina para indemnisações as que tinha em seu goso immediato: mas a nação, tomada
no ponto de vista dos interesses individuaes, adquire muito. Nenhuma lei póde ser mais
generosa, porque o seu espirito é repartir riquezas e augmentar a fortuna geral, e emancipando a
terra e reduzindo-a a ter individuos por senhores, que ou cultivem ou alienem.
Sem a terra ser livre em vão se invoca a liberdade política; esta liberdade, sendo a faculdade
de usar do seu direito, e incapacidade de abusar do direito alheio, depende da legislação criminal e
civil, e não póde durar no meio de estabelecimentos, cujo espírito é o de formar uma concatenação
de escravos: quem arrancar os walfs aos turcos há de fazer d'elles uma nação livre e florescente:
quem der uma constituição aos turcos e lhes deixar os walfs, verá bem depressa restabelecer o
despotismo como prin~ipio: talvez n'estes walfs esteja a origem dos bens da corôa. Os mouros
estavam aqui antes de nós.·
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17. PORTUGAL. Lei de 22.6.1846 (a abolição definitiva dos bens da coroa e dos direitos
do foral)
LEI DE 22 DE JUNHO DE 1846
DONA MARIA, por graça de Deus, Rainha de Portugal e dos Algarves, etc. Fazemos
saber a todos os nossos subdicos, que as côrtes geraes decretaram e nós queremos a lei seguinte:
Artigo 1. 0 As disposições do decrero de treze de agosto de mil oitocentos trinta e dois
são confirmadas, declaradas, ampliadas ou revogadas na fórma seguinte:
Emquanto á extinção dos foraes
Art. 2. ° Fica exrincta a distinção entre os bens proprios da corôa, reguengueiros, fiscaes
ou de fazenda; e as disposições da presente lei são applicaveis a uns e outros sem differença alguma.
Art. 3. 0 E' confirmada e fica subsístindo a extincção de todos os direitos territoriais, de
todos os direitos banaes, de todos os serviços pessoaes, de todas as quotas, censos, f6ros, jugadas,
eiradegas, teígas de Abrahão, direiros de pastagens, rações cerras ou incertas, laudemios,
luctuosas, e quaesquer obrigações, ou prestações de qualquer denominação que sejam, impostas
pelos reis d'es'tes reinos, ou pelo donatarios da corôa, como raes, por cartas de foral, de couto e
honras, ou por outro qualquer titulo generico, ainda quando estas obrigações, ou prestações, se
achem convertidas posteriormente em titulo especial.
Art. 4. 0 Não são comprehendidos na disposição do artigo antecedente;
1. o o~ fóros, censos, ou pensões impostas por senhorios partindares em bens seus
668
pacrímoniaes, ainda que o fossem por foral, ou titulo generico, se d'elle constar expressamente, ou
os senhorios provarem que eram patrimoniaes os bens em que foram impostas as ditas prestações.
2. 0 Os fóros, censos, ou pensões, que, apesar de impostas pelos reis, ou donatarios da
corôa, como taes, em foral, ou qualquer outro titulo generico, foram depois alienados por titulo
oneroso pela corôa ou fazenda, ou por seus donatarios, competentemente auctorisados.
Todos estes fóros, censos, ou pensões continuarão a vigorar inteiramente.
§ único. Ficam porém extinctos, ainda n'esres casos, os direitos banaes, os serviços
pessoaes, os direitos reaes, e os tributos ou impostos, que não tenham a natureza de pensões
censiticas, ou emphyteuticas, ou sub-censíticas, ou sub-emphyteuticas. As pessoas que forem
prejudicadas pela disposição d'este paragrapho serão indemnisadas pelo estado, não sendo esses
direitos dos que já estavam exrinctos sem indemnisação por leis anteriores ao decreto de treze de
agosto de mil oitocentos trinta e dois. Os prejudicados deduzirão seu direito, e farão a liquidação
na fórma, que será determinada por um regulamento especial; comtanto que requeiram dentro de
um anno contado da publicação do mesmo regulamento.
Art. 5. 0 Tambem não são comprehendidas na disposição do anigo 3. 0 as servidões,
usos, ou logradouros estabelecidos a favor dos povos, ou colonos nos pinhaes, martas, montados,
ou em quaesquer outras propriedades do pleno domínio da corôa, ou da fazenda; e os povos, ou
colonos continuarão a gosar d'elles na conformidade dos respectivos títulos.
§ único. Exceptuam-se porém aquelles que estiverem impostos em propriedades que, desde
a publicação do decreto de treze de agosto de mil oitocentos trinca e dois até á presente lei,
tiverem sido legitimamente vendidas pelo governo como livres e isentos d'elles.
Emquanto aos fóros, cemos, ou pensões da corôa, ou fazenda, estabelecidas por títulos especiaes
Are. 6. ° Ficam subsistindo:
1. 0 Os fóros, censos, pensões, ou outros direitos dominicaes, que não ti~erem origem no
titulo generico, extincto pelo anigo 3. 0 , mas foram estabelecidos pela concessão de certas
propriedades, ou pela consignação d'ellas em contratos especiaes emphyteuticos, ou censiticos, e
que se acham incorporados na corôa ou fazenda, e á publicação do decreto de treze de agosto de
mil oitocentos trinta e dois lhes penenciam, ou ás pessoas, corporações, ou estabelecimentos, a
que succedeu, qualquer que fosse o modo porque os adquiriu, ou a pessoa que os estipulou, ou a
natureza dos bens em que foram impostos.
2. 0 Os fóros, censos, pensões e direitos dominicaes da mesma natureza, impostos em
bens a corôa ou fazenda, que, ao tempo da publicação d'aquelle decreto, pertenciam a donatarios
d'ella, ou mesmo a estabelecimentos, corporações, ou indivíduos, que o não fossem, mas
d'aquelles donatarios os tivessem havido.
3. 0 Os fóros, censos, pensões, e direitos dominicaes, ainda que mencionados nos foraes,
se tiverem origem em contratos especiaes anteriores a que se refiram os mesmos foraes.
Art. 7. 0 Os fóros, censos, pensões, e direitos dominicaes, comprehendidos no artigo
antecedente, que actualmente ·pertencem á fazenda publica por qualquer titulo, ou, ao tempo da
publicação do decreto de treze de agosto de mil oitocentos trinta e dois pertenciam a donatarios da
corôa ou da fazenda, sómente subsistem com as modificações e beneficios declarados nos
paragraphos seguintes:
§ 1. 0 ficam sanadas, pela presence lei, quaesquer nullidades que tenham os contratos
669
emphyteuticos, ou censmcos de bens da corôa, ou fazenda, para por ellas não poderem ser
annullados em prejuizo dos foreiros, ou censoarios.
§ 2. 0 Nos prasos de vidas, ou temporarios, haverá o direito de renovação sem embargo
de quaesquer clausulas contrarias do emprasamento: e nas renovações não poderá haver augmento
de fôro, pensão, ou de ourros direiros dominicaes; mas serão estes sempre conservados nos termos,
a que ficam reduzidos pela presente lei.
§ 3. 0 O direito dominical da lucruosa fica excincco n 'estes cone ratos, bem como o de
córtes de madeiras, ou de pastagens reservadas pelos direcros senhorios, e todos os serviços pessoaes.
§ 4. 0 O laudemio fica reduzido a quarentena, em todos .os casos em que outro maior
fosse devido.
§ 5. 0 As pensões incertas serão reduzidas a certas, e umas e outras, emquanto não forem
vendidas pela fazenda, poderão, a requerimento dos pensionados, ser convertidas em· dinheiro, ou na
especie da acrual producção ordinaria dos predios onerados, pela fórma prescripra no artigo 9. 0 •
§ 6. 0 Os fóros, censos, ou pensões, ficam, da publicação d'esta lei em diante, reduzidas a
tres quartas partes das antigas quantidades devidas, e pertencendo a donatarios perperuos, ou a
indivíduos: corporações, ou a esrabeletimentos, que d'elles as tiverem havido, a metade; excepro
quando forem conventos, não extincros, ou estabelecimentos publicos, pios, litterarios ou
ecclesiasricos, caso em que ficam reduzidas ás ditas tres quartas partes.
§ 7. 0 Os emphyteutas, censoarios,' ou pensionados, poderão remir os fóros, censo, ou
pensões, e consolidar o domínio directo pagando o preço da remissão por uma só vez, ou em
prestações, nos termos e pelo modo, prescriptos no artigo 10. 0 Os fóros, censos, ou pensões,
devidas a donatarios temporarios, não se poderão remir, emquanto a doação durar, por prestações,
mas pagando-se o preço da remissão por uma só vez.
§ 8. 0 Nãos.e poderão exigir fóros, censos, ou pensões, por algum dos annos decorridos
desde a publicação do decreto de treze de agosto até á da presente lei; nem laudemios das vendas,
verificadas e perfeitas durante esre rempo.
Are. 8. 0 As disposições do artigo antecedente não comprehendem os fóros, censos,
pensões e direitos dominicaes, escipulados em contratos especiaes pelos reis, ou donatarios da
corôa, como taes, que foram vendidos, ou trocados pela corôa, ou por seus donatarios
legitimamente auctorisados, antes da publicação do decreto de treze de agosto de mil oitocentos
trinta e dois; ou pela fazenda depois da publicação do mesmo decreto. Estes fóros, censos,
pensões, e direitos dominicaes, continuarão a subsistir inteiramente.
670
18. PORTUGAL. Código Civil de 1867, comentado por DIAS FERREIRA (a criação do
registo predial)
SUB-SECÇÃO VII
Do registo
DIVISÃO 1
Do registo em geral
0
Art. 949. Estão sujeitos ao registo:
l . 0 As hypothecas;
2. 0 Os onus reaes;
3. 0 As acções reaes sobre designados bens immobiliarios e quaesquer outras que se
dirigem a haver o domínio ou a posse d'elles; as acções sobre nullidade do registo ou do seu
cancellamento; e as sentenças proferidas e passadas em julgado sobre qualquer d'estas acções;
4. 0 As transmissões de propriedade immovel, por titulo gratuito ou oneroso;
5. 0 A posse nos termos do artigo 524. 0 ;
6. 0 A penhora em bens immobiliarios.
§ 1. 0 Póde tambem ter logar o registo do dominio, sendo requerido pelo proprietario.
§ 2. 0 Só se reputam onus reaes para os effeitos do n. 0 2. 0 d'este artigo:
l. 0 A servidão e o compascuo;
2. 0 O uso, a habitação e o usufructo;
3. 0 A emphyteuse e a sub-emphyteuse;
4. 0 O censo€ o quinhão;
5. 0 O dote;
6. 0 O arrendamento por mais de um anno, havendo adiantamento da renda, e por mais
de quatro, não o havendo;
7. 0 A consignação de rendimentos para pagamento de quantia determinada ou por
determinado numero de annos.
Particular cuidado mereceu ao legislador a reforma da legislação hypochecaria, e o
estabelecimento do registo predial, no intuito de assentar o credito territorial sobre a base da
segurança da hypotheca e do pagamento do emprestimo, o que é do mais valioso alcance n'wn paiz
agrícola, e sobre tudo n'wn pais agricola como o nosso, em que a tendencia dos capitaes tem sido mais
para papeis de credito, e para emprezas industriaes e commerciaes, do que para a fortuna agraria.
No registo predial devem ser inscriptos todos os direitos e encargos reaes, que affectarem a
propriedade, e os títulos que a constituírem, modificarem ou extinguirem, para ficar bem patente
o estado da propriedade, e sobre ella se facilitar a acção do credito artigo 2. 0 do decreto de 17 de
outubro de 1865.
Sem o registo do domínio e dos encargos corria o comprador o risco de pagar o preço do
predio ao que não era dono, ou de ficar com a propriedade onerada com hypotheca ou com onus
real, que lhe tivesse sido occultado, e ás vezes em boa fé, pelo vendedor.
Com o systema da publicidade e da especialidade todos estes inconvenientes desappa-
recem, porque o comprador ou o credor hypothecario com uma simples certidão da conservatoria
conhece o estado jurídico da propriedade, e tem a certeza de quaes os direitos e os encargos
671
relativos ao predio, isto é, sabe os onus hypothecarios e os onus reaes que gravam os predios, e
lhes diminuem o valor, como as acções e as penhoras ou arrestos que os prendem, e se há posse e
transmissões inscriptas.
Alguns, pretendendo que o registo, além de satisfazer o seu verdadeiro fim, que é
assegurar o credito territorial, e pôr côbro a contractos fraudulentos, servisse tambem para
auxiliar a administração nos seus trabalhos estatísticos, propozeram o registo obrigatorio para
assim constituir o verdadeiro arrolamento da propriedade immobiliaria.
N'um bom systema de registo hypothecario, porém, não deve o legislador coagir a registar,
nem fixar praso para a inscripção. Deve limitar-se a declarar quaes os tirulos ou direitos sujeitos a
registo, e a data em que começam os seus effeitos para com terceiros, deixando ao interessado a
escolha da occasião propria para promover o registo de modo que s6 de si possa queixar-se, quando
se descuidar na inscripção do acto jurídico.
Este descuido equivale á renuncia á preferencia do seu direito em concorrencia com o de
terceiro, que não deve ser prejudicado pela incuria alheia.
É este o nosso direito.
1. Direito romano
a) O anti!(O direito romano, tal como é conhecido através da Lei das XII Tábuas,
menciona três ordens de herdeiros:
- os sui heredes: são todos os que se encontram sob a potestas do defumo e se
tornam sui iuris pela sua morte: os filhos, masculinos ou femininos, do paterfamilias, a
esposa sujeira à manus marital (porque loco filiae), evencualmence os netos, sempre que o
pai tivesse pré-morrido. Os filhos encontram-se em pé de perfeita igualdade: nem
privilégio de masculinidade, nem direito de primogenitura.
- o agnatus proximus: na falta de heredes sui, é herdeiro o agnado mais próximo, ou
P> P. OURLIAC e J. DE MAIMOSSE, Hiuo;re d11 drnil /tr;v1, e. III: Droil {amilial, 3.' /J1Jrtit: Lei 111cwiiom,
p. 299-458; G. LEPOINTE, Droil ,.,,,,..;n el anâm droil {rançai': rigime1 1111Jlrimo11i1Jux, lihéraliliI, 1ucwlion, Puis 1958; P. C.
TIMBAL, Droil romain ti ancim droil frdrlfaiI: rigimtJ 111/Jlrimoniaux, 1ucwúom, libiraliti1, Paris 1960; E. BESTA, Le 1umúoni nella
1/ori1J dei dirillo i1alia110, Padova 1935; JNOCtNCIO GALVÃO TELLES, •Apontamentos para a história do direito das sucessões
português•, Rev. Fac. Dir. LiihclJ, r. I~ (1962), 39-278; V. TAU ANZOATEGUI, E>quema hi116rico <kl demho 1ucmorio dr/
mtdievo c1J>1ella110 ai Jiglo XIX, 2. • ed., Buenos Aires 1982; JESUS LALINDE ABADIA, lniciación hiI16rica ai dert<ho <I/J1Jnol,
Barcelona 1983. 808ss.
12> R. PIRET, •L'évolurion du droit succe.soral brlge et du droir successoral français depuis 1804•, A11n1JltJ dr. ti. u.
polil., t. 9(1948-1949), 107-128.
675
seja o parente mais próximo do de cujus por parte dos varões; os agnados distinguem-se
dos cognatos que são os parentes pelo lado das mulheres;
- os gentiles, os membros da gem, ou seja, do grupo familiar em sentido lato, não
são sucessíveis senão na falta das duas primeiras ordens.
Os ascendentes são excluídos; o que é lógico, pois só os sui iuris, ou seja os que já
não têm ascendentes varões, podem possuir bens no sistema arcaico romano.
Este esquema das ordens vai subsistir até à época de Justiniano (séc. VI), salvo
algumas modificações originadas pelo desuso, pelo direito pret6rio ou por senátus-consultos.
Os direitos dos gentiles caem em desuso nos finais da República, pelo séc. 1 a. C.,
pois a ~ens deixou então de desempenhar qualquer papel na organização social romana. Os
direitos das gentes passam para o tesouro público, que recolhe as sucessões na falta de
herdeiros, princípio que se reencontra no Code civil (are. 0 768. 0 ).
Os pretores supriram as insuficiências e o rigor do sistema da lei das XII Tábuas,
atribuindo a posse dos bens ( bonorum possessio) a diversas categorias de pessoas para além
dos heredes sui e do agnado: os filhos emancipados, os cognatos até ao 6. 0 ou 7. 0 grau, o
cônjuge sobrevivo, etc.
Quanto aos direitos de sucessão entre mãe e filho - inexistentes no sistema da Lei
das XII Tábuas - foram introduzidos principalmente pelo senátus-consulto Tenuliano
(sob Adriano) que reconhece à mãe do de cujus um direito de sucessão desde que ela tivesse
tido três (ou quatro) filhos, e pelo senátus-consulto Orficiano ( 178 d.C.) que chama os
filhos à sucessão da sua mãe antes dos agnados.
b) A grande reforma do direiro de sucessão ab intestato data das Novelas 118
(em 543 d.C.)e 125 (em 548d.C.)deJustiniano.
Estas duas Novelas ordenam os herdeiros legítimos em quatro classes, vindo·cada
qual à sucessão na falta da anterior:
- os descendentes, estejam ou não sob apotestas do seu ascendente. A representação é
admitida: os netos, filhos de um filho pré-f~lecido, são admitidos à sucessão em concurso
com os seus tios e tias;
- os ascendentes e os colaterais privilegiados, ou seja, os irmãos e irmãs germanos
do de cujus (ou os seus filhos, por representação), tanto da linha paterna como da materna;
- os irmãos e irmãs consanguíneos ou uterinos;
- os outros colaterais, do lado materno e do paterno.
Na falta de colaterais, o cônjuge sobrevivo pode receber a sucessão. Por fim, o fisco
tem direitos sucessórias sobre os bens vacantes.
Em cada classe, os herdeiros são chamados à sucessão pela proximidade do grau:
um parente de um grau mais próximo exclui um parente de grau mais afastado. Os
graus são calculados contando o número de gerações que separam cada um dos dois
parentes do seu antepassado comum.
676
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Nesce sistema, ou dois parences se encontram a distância igual do aniepassado comum, sendo então o cálculo feito a
partir de um dos dois parentes até ao autor comum; ou não se encontram a igual discância do aucor comum, sendo então o cálculo
feito a partir do parente mais afascado. A base deste siscema é o i1111a'1g11iniJ: os irmãos do defumo encontram-se no primeiro grau,
~em como os pais, em razão da 11'1ita1 (amiJ, a unidade da carne.
(3) O computo canónico pouco inreressa ao direito das sucessões, que nunca foi regido por ele; era aplicado
nomeadamente para o cálculo dos graus de parentesco para efeito da proibição de casamento entre parentes.
677
2. Direitos germânicos
Por falta de textos, a história do direito germânico é muito mal conhecida. Não
há, aparentemente, nenhum vestígio de sucessão testamentária. A d'evolução sucessória
é, portanto, exclusivamente regida pelo costume.
Como nos costumes da maior parte dos povos arcaicos, a parte do morto (Totenteil)
assume um lugar muito importante. Desde a época paleolítica, os mortos eram
enterrados ou queimados com os seus objectos pessoais (vestes, ornatos, armas), que
então eram, praticamente, os seus únicos bens. Este costume procede da ideia da
assimilação dos bens ao corpo de quem os possuía em vida, ideia que ainda.se encontra no
velho adágio romano mobi/ia ossibus per1onae inhaerent.
Neste estádio, a questão da sucessão nos bens não se põe: o defunto leva para a
rumba tudo o que lhe pertence; em caso de incineração, os objectos pessoais são
queimados com o corpo; em certos costumes hindus, as mulheres e os escravos eram
queimados com o morto, ainda no séc. XIX. Em caso de enterro, os bens móveis são
enterrados com o morto. Numerosos documentos do período histórico revelam a
existência deste costume, nomeadamente no Egipto. Para os Germanos, o poema de
Beowulf (sécs. VIII-X) descreve as riquezas levadas para o túmulo nos funerais de Syld.
No entanto, numa certa época - impossível de determinar ·- parece que os
homens se deram conta da perda económica a que dava origem um tal costume. Foi assim
que, no primeiro século da nossa era, o direito deixou de atribuir a totalidade dos bens ao
morto. Uma parte, em geral um terço, é enterrada com o morto; o resto vai para os seus
herdeiros: talvez um terço para a viúva e outro terço para os filhos. Esta divisão tripartida
encontra-se ainda nos Eslavos no séc. X: um terço para a família, um terço para o morto
(vestes, ornatos) e um terço para festejar o dia da cremação.
Foram elaboradas numerosas hipóteses para tentar estabelecer, a partir de alguns
documentos rardios, quais eram os direitos dos herdeiros. Continua a ser difícil
defini-los, sendo aparentes, todavia, certas regras: parece que o regime de devolução
sucessória no direito germânico deriva de um sistema de parentelas. A primeira parentela
é constituída pelo defunto e pelos seus descendentes; a segunda é formada pelos seu pai e
mãe e seus descendentes diferentes dos da primeira parentela; a terceira é integrada pelos avós
paternos e matemos do morro e pelos seus descendentes, excluídos os das duru; parentelas
precedentes; e assim por diante. A devolução sucessória opera-se por parentelas,
chamadas sucessivamente na falta das anteriores.
Neste sistema, a devolução sucessória faz-se nas duas linhas, a materna e a paterna.
Assim, contrariamente ao direito romano, a mãe e os seus parentes vêm à sucessão por
título idêntico ao dos parentes p'.lternos.
Quis-se concluir - mas a hipótese continua a ser duvidosa - que a regra paterna
paternis, materna maternis já existia no antigo direito germânico. Esta regra previa que os
bens provenientes do ramo paterno deveriam voltar aos parentes desse lado e que os bens
provenientes do ramo materno deveriam voltar aos parentes maternos (cf. infra 687).
678
Parece também que não havia qualquer privilégio de um herdeiro em relação aos
outros. O direito de primogenitura é desconhecido em direito germânico; as Leges
barbarorum não o admitem; tal como Tácito não .o menciona, salvo para um povo, os
Tencteros. O direito do benjamim (ou do filho mais novo) também era ignorado nos
costumes germânicos.
Apena5 parece ter existido o privilégio de masculinidade: as filhas teriam sido
excluídas da sucessão, salvo para cenos bens especificamente femininos, tal como as
vestes e os ornamentos da mãe. Tácito nada diz a este respeito, mas encontram-se
vestígios de privilégio de masculinidade na maior pane dos direitos dos povos arcaicos de
regime patriarcal (China, Egipto, Rússia, Arábia); ele aparece ainda em algumas Leges
(Lex salica, Ewa ad amorem, Lex thuringorum).
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(4) . L. SIZARET, Bm1i ""lo dévolulion IMfftJJorole ob inltJ/dl tiu v.• dII X.' Jikle IÚllJ Je poy1 tÍt J'dnâtnnt Gd11ltrof11fJin1,
rese, Dijon 19~ 1.
680
m J. YVER, Essai de giographie ro11111miln: égalité enlrt hériliers et 1xc/111ion de1 enfan11 dotéJ, Paris 1966; J. BART,
RechercheJ Jllr l'hiJtoire dei J11ccwion1 ab inleJlal "4m /e d11ché de 8011rgogne, Paris 1966; J. POUMAREDE, RecherchtJ '"' ltJ Jllccmiom
da111 /e J11d-011eJI de la France a11 moyen-âge, Paris 1972; M. Y ANS, L'iq11ili el le droil lilgeoiJ d11 moyen-âge: i111de hü1oriq11e dt1
Jll{{tJÚom, Liege 1946; E. VAN DE w ALLE, Le rigime J/l(ítlfOral dam"' COlllllmtJ dt Flandre, à l'excep11011 da ngltJ Ipiâafo aux bienJ
11oble1, tese, Caen-Lille, • 1902; D. REUPLET, LeJ J11cm1iom dar11 la co11111me de la vil/o de Lille, rese de direito; Lille 1909;
E. DOURNES, ÚJ J11ccuio111 dom le Hainaul, tese de direito, Lille-Douai, 1899: G. LEMOIR, ú riK.i1114 JllCceJJorol dom la ro11111nw
d'AnaiJ, cese de direiro, l.ille-Arras. 1914. Para o Brabinre e o Attois, ver sobrerudo as obrns de E. M. MEIJERS, cimdas adianre, p. 681, n. 0 8.
(6) A. PLINIAUX, Le JYJltme deJ pormt<la ;,,,,,1114 modt dt dhol111ion dt la JllcwJion "b intalal, tese de direito, Paris 1906.
(7) E. JARRIAND, Hilloirr de la Nwel/e 118 dom la pay1 d11 droil «rit, tese de direito, j>aris 1889; L. FABRE, LeJ
J11eçmio11r ttJtamentairo el ab inttJl'11 en pay1.de droit «ril, Toulouse 1930.
681
a) Direito de primogenitura
O direito de primogenitura era o direito do filho mais velho a ficar com a totalidade
dos bens ou, pelo menos, com wna parte maior do que a dos outros herdeiros do mesmo grau.
CB) E. M. MEIJERS, Lt droit lig11rim tÍt 111«uJio11 m l!.11rofH occidmtale, t. 1, l.tJ pay1 alpim, Harl<0m 1928; Htt Lig11riirh
Erfrecht in tÍt NetkrlantÍtn, t. 1: Hd West-BrabantJcht Erfrecht, 1929; t. II: Hei West-Vlaa111Jcht Erfr«ht, 1932, t. III: Htt Oo1t-Vlt11111Jche
Erfrecht, 1936. V. também]. YVER, •lesdeux groupesdecourumes du Nord•, Rév. d11 Nord, 1953-4, ). GIUSSEN, •L'appon de
Meijers à l'histoire du droir», TijdJ. Ro:hugesch., t. 48, 1980, p. 355-371.
682
t9l N. DIDIER, ú droit IÚJ /iefi dam la roMl11me ti. HainaMt "" moym âgt. Paris 194~; E. BELI.EITE, La 111cw1ion a11:r: fiefi
dam /eJ co11IN1TU11 flamanlÚJ, rese de direiro, Li!Je-Paris 1926; E. CHARLOT, ú droil d'aitUJJt dam la Frafllt roMl11mim, Paris 1901.
110) Enrre os ripos mais espalhados, cirt'mos:
a) Direito J. primogmitNro ab1of,,10: o primogéniro m:ebe rodos os feudos, com a obrigação d., swtt'nrar em caso de
necessidade os seus irmãos mais novos. A indivisibilidade do feudo resulrou, assim, na indivisibilidade ela suct'SOão feudal. Enconrra-st
este sisrema em lnglarerta, na Breranha" na região de Liegl';
b) PrimogmitMra ab10/Ml11, r:um possibilidad. J. JiviJão por l<rf111: é o sistema mais gen.I na Flandres; o filho mais velho m:rbe
rodos os feudos, mas o filho segundo pode obter um rerço dos feudos (salvo o feudo onde se enconrra a sede do domínio), abandonando
ao mais velho a sua parte na sucessão dos outros be,,.: a!ódios, censos e m6veu; o rerceiro filho pode, igualmenre, obrt'r wn terço do
fen~ri do segundo (ou seja, um nono dos feudos), deixando-lhe a sua pan:e nos outros bens. Esta divisão não é obrigatória; os segundo
e terceiro filhos apenas pedirão estas panes se tiverem inreresse nela, em virtude da importância relativa dos divrrsos tipos de bens;
683
c) SiJtema ~ pr.ferênâa (•precipur.) e diviJiio por ttrços: o mais velho fica, fura da partilha (/Jtr priàp11tJ, com certos bens
feudais: a sede do domlnio (ou seja, o feudo ma.is impottanre, contendo o casrelo, a casa senhorial, os direitos de justiça, erc. ... ) e os
dois cerços dos ourros feudos; o rerço resrante é geralmenre dividido pelos outro• filhos. Foi um sisrema rnuiro difundido em França.
d) Sistema dt pr.ferbrâa e dt divisão por q11in101: igual ao precedente, >alvo quanro à parte doo segundo-géniroo que é ..,duzida
a um qwnto. Sistema aplicado na Flandres francófona (Lille-Douai) e em Artois;
e) Sistema dt pnferincia simp/u: o filho mais velho rem direiro, fora da partilha, à sede do feudo, dividindo os ourros bens
como os irmãos. Sisrema. aplicado no Luxemburgo;
f) SiJtema sem partilha pnferrncial, rom 01rolha do fe11do: o filho mais velho escolhe o melhor feudo; depois dele, a escolha
passa para o segundo e, depois, pam o rerc'eiro, etc., ... , sendo os feudos indivisíveis. Se furem ranros os feudos quantos os filhos, cada
um rerá o seu; se há menos (ou mais) feudos do que filhos, os mais velhos rerão mais bens do que os seguinres. Sistema aplicado em
Hainaur e o• região de Namur.
Oll ·v. carta em). GilJSSEN, •le priviltge du cader ou droir de maineté dans les courwnes de la Belgiquc et du nord de
la France~, Ét11de.s o/feries til P. P<lot, 1959, p. 231-250; G. LEPOINTE, •le droit de maineté dans les courwnes de Lille•, Tijdschr.
Rechtsgesch., r. 21, 1953, p. 297-309; 1. ROGGEN, •le droit de juvcignet en Brabant•, 8111/. C.R.A.L.O .•. 1. 16, 1950,
p. 192-228; M. I.l!COMPTE, LamainfermunHaina11t, tese de direito, Lille 1911, p. 165-177.
684
C12) J. GILISSEN, .r.e privilege de lllllSCUlinité dans te droir courumier de la Belgique er du nord de la Prance•, Rwue Ju
Nord, r. 43, 1961, 201-216, N. DIDIER, •l.e droic des fiefs dons la courume de Hainaur•, op. cit.; R. BESNIER, •l.es filies dons !e
droir successoru.l normond•, Tíjdrchr. R«htJguch., 10, 1930, 488-506.
C13) P. PETOT, •Les mariages des vassa.les•, Rw. fr. hist. dr., 1978, 29-47.
DIREITO DE «JUNIORATO»
1: 1: .\ 11 \ :'\ T
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.J e:. 1u:.~
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686
A desigualdade dos sexos foi suprimida nos finais do sec. XVIII; o Cock civil chama os
filhos à sucessão dos seus pais «sem distinção de sexo nem de primogenitura» (art. 0 745. 0 ).
e) Representação sucessória
Pela representação sucessória, um herdeiro de um grau mais afastado· (D e E) é
chamado a receber a parte que teria tido do seu pai ou da sua mãe (B) pré-falecidos, em
concurso com herdeiros mais próximos do que ele.
A
Á
•e l
' B <t>
,. Á
D E'
O direito romano tinha conhecido a instituição, ainda que ela fosse pouco
desenvolvida. Segundo a Novela 118 de Justiniano (543 d.C.), a representação era
admitida na classe dos descendentes e na dos irmãos e irmãs germanos.
Tal como a maior parte dos direitos arcaicos, o antigo direito germânico não
conheceu a representação, segundo parece. O mesmo aconteceu na época franca; um
decreto de Childeberto, de 596 d.C., dito «decreto de Andernach», tê-la-ia introduzido
na Austrásia, embora n~_seja certo que a representação aí se tenha mantido. Não se
encontram exemplos de representação na época feudal.
Se alguns costumes aplicaram a representação a partir do séc. XIII, a maior parte
dos direitos costumeiros apresentou uma certa resistência à introdução deste princípio.
A mais das vezes, ele foi introduzido por via legislativa ou por ocasião da redacção oficial
dos costumes (Orléans, 1509, Paris, 1510, etc.). Muitas vezes, ele foi inicialmente
admitido na linha descendente apenas; ele não se estendeu à linha colateral senão muito
mais tarde (exemplo: Paris, 1580) ou, mesmo, nunca o foi durante o Antigo Regime 0 4l.
A teoria de Meijers, que vê na representação um traço particular do antiquíssimo
«direito lígure» de sucessão, não resistirá portanto a um exame crítico; na maior parte
dos casos, a representação é uma inovação do fim da Idade Média ou da época moderna,
provavelmente inspirada no direito romano.
Na época da Revolução Francesa, a representação em linha directa descendente foi
generalizada por uma lei de 8-15 de Abril de 1791, a representação em linha colateral
sem limites pela lei de 17 de Nivoso do ano II. O Code civil de 1804 foi mais restritivo
(arts. 739 e ss.): retomou pouco mais ou menos o sistema romano, tal como tinha sido
adoptado pelo costume de Paris.
(14) P. PAJLLOT, úz rrpromtation dam lu ro11t1"111J du m>rd de la Prance, 1935; R. BENNIER, úz rrproentation 111cruroral m
droil normand, Paris 1929.
687
m> PLANAL-ARNOUX. La rig/e patmw paterniun droit cvutumier, tese Caen 1962.
688
Os parentes sucediam até ao 12. 0 grau (art. 0 755. º), embora depois se tenha limitado
o direito de sucessão ao 4. 0 grau. A representação é admitida com cenos limites, bem
como o princípio da distinção simples. Na falta de parentes sucessíveis, o Code civil prevê
«sucessões irregulares»; são sucessíveis: os filhos naturais (ans. 756. 0 ss.), depois o cônjuge
sobrevivo (art. 0 767. 0 ) e, finalmente, o Estado (art. 0 768. º).
B. - O TESTAMENTO
1. Direito romano
O direito romano acribui uma grande importância ao testamento, a ponto de a
literatura jurídica da época clássica em matéria de sucessão ser quase exclusivamente
consagrada ao testamento, não se ocupando senão muito acessoriamente da sucessão ah
intestato. Certos historiadores do direito vêem aí, segundo parece sem razão, um traço
particular do direito romano; os Romanos teriam conhecido sempre o testamento,
mesmo nas épocas. mais antigas da sua história e isto ao contrário de outros direitos
arcaicos. Certas formas de testamento romano remontariam aos Etruscos.
No direito romano antigo, nomeadamente na época da Lei das XII Tábuas, o
testamento aparece sob a forma de uma declaração proclamada perante a assembleia do
povo, os comícios curiatos (tescamenco comicial) ou perante os companheiros de armas
(testamento militar).
A seguir aparece a mancipatio fami/iae e o testamento per aeJ et libram ( = por bronze
e balança): o testador transmitia o seu património a um intermediário, um familiae
emptor (adquirente do património), por uma alienação (mancipatio) diante de um pesador
( lihripens = o que segura a balança) e cinco testemunhas, seguida de uma declaração oral
da vontade do testador que o emptor devia executar. Mais tarde, o testador escreve a sua
vontade em tabuinhas que apresenta fechadas às testemunhas, ao libripens e ao familiae
emptor, que, então, passa a ser apenas um mandatário.
Sob o Império, o testamento romano tornou-se um acto relativamente simples:
pode ser feito por uma declaração oral ( nuncupatio) diance de sece testemunhas, pela qual
o testador institui um herdeiro. O testamento nuncupativo não era sempre exclusivamente
oral; o testador podia limitar-se a declarar oralmente que ele confirmava as disposições
escritas em tabuinhas de cera que então exibia. Este cestamenco está na orig~m do nosso
testamento místico ou cerrado.
No Ocidente apareceu também o testamento hológrafo, ou seja, o testamento
assirn1do pelo testador, embora o seu uso pareça raro. Encontramo-lo descrito numa
constituição de 439 d.C.: o testador apresenta um escrito, aberto ou fechado, a sete
testemunhas e apõe, no fim da acta, uma subscriptio pela qual ele afirma que isso
constitui o seu testamento; depois do que cada uma das testemunhas apõe aí o seu selo
( signum). Esta forma escrita permitia manter o segredo das disposições testamencárias.
690
(17) A. GARCIA GAILO, •Dei resramemo romano ai medieval. ÚlS lineas de son tvoluci6n en Espaiia•, An. hiJI. der.
eJp., 47, 1977, 425-497.
691
três hóspedes. Doze meses depois (provavelmente a partir da morte do de cujus), o terceiro
entrega os bens às pessoas designadas expressamente pelo disponente. Esta instituição faz
pensar no. testamento romano per aer et libram,· com efeito, ela apresenta-se como urna
alienação fictícia dos bens (cf. o familiae emptor romano), com a obrigação para o terceiro de
transmitir os bens a uma pessoa determinada. A afatomia desaparece muito rapidamente;
ainda se encontram alguns vestígios dela no séc. VIII, mas não já na época carolfngia.
Talvez (embora isto seja duvidoso) a função do intermediário se reencontre na função
atribuída ao ellemosynarius ( = esmoler), ou seja, ao executor .testamentário da Baixa
Idade Média.
b) Forma do testamento
O direito canónico apenas exigia, como forma, a declaração de vontade, feita
perante duas ou três testemunhas (e não cinco ou sete, como no direito romano).
(18) H. AUFFROY, Évolution áu terlamml m France, dirorif,inuau X/11.' Jiede, rese, Paris 1899; R. CAILLEMER, Originu
e/ áévelopfJtmml ~ /'eximlion lertammlairt 1ipoque franquul moytn âge), Lyon 190 1.
692
pudesse dispor da totalidade dos adquiridos e dos móveis, constituindo estes bens a quota
disponível. Contudo, se o testador tivesse disposto de mais bens do que os da quota
disponível, os herdeiros não podiam fazer anular o te~tamento, apenas dispondo de uma acção
de redução, permitindo, portanto, fazer reduzir as liberalidades às furças da quota disponível.
Os costumes variam muito nesta matéria. Em certos costumes flamengos, a
reserva pode estender-se a todos os bens e tornar-se universal, não havendo quota
disponível, a não ser para legados pias. No Luxemburgo, a reserva é desconhecida, mas
admite-se a legítima romana. Noutros lados, ainda, aplica-se a legítima ao conjunto dos
bens, aplicando-se ao mesmo tempo a reserva aos bens próprios 09>,
4. Os séculos XIX e XX
O Code civil adaptou um grande número de disposições da ordonnance do chanceler
Daguesseau de 1735 (cf., supra , 300); mas, enquanto que essa ordonnance deixava subsistir
os dois sistemas de testamento, um para os pays coutumiers, outro, mais romanista, para os
de droit écrit, o Code civil impôs o mesmo sistema a toda a França (e à Bélgica), sistema
largamente recebido do dos pays de droit écrit.
O Code civil conhece, tal como a ordonnance de 1735, três formas de testamento
ordinário:
- o testamento hológrafo, que apenas é válido quando integralmente escrito,
datado e assinado pela mão do testador (art. 0 970. º);
- o testamento por acto público, ou testamento autêntico, que era no Code civil
recebido por dois notários em presença de duas testemunhas, ou por um notário em
presença de quatro testemunhas (art. 0 971. º). Leis do nosso século simplificaram a
forma, bastando actualmente que o testamento seja recebido por um notário na presença
de duas testemunhas ou por dois notários, agora sem testemunhas;
- o testamento cerrado é aquele que, sendo escrito ou não pelo testador, é por ele
assinado e apresentado fechado e selado a um notário e, pelo menos, a seis testemunhas
(are. 0 976. 0 ), número reduzido posteriormente a duas; se o testamento é apresentado a
dois notários, não se requerem testemunhas.
O Code civil retomou, por outro lado, do antigo direito certas formas de
testamento privilegiado: o testamento militar (art. 0 981. 0 ), o testamento em caso de
peste (are. 0 985. º), o testamento feito no alto mar (art. 0 988. 0 ) ou no estrangeiro (are. 0 999. º).
O testamento conjunto, ou seja, feito por duas ou mais pessoas num mesmo acto,
muito espalhado no antigo direito, é proibido pelo are. 0 968. 0 •
b) eonteúdo do testamento
O sistema do Code civil, inspirado no antigo direito costumeiro, é muito liberal; o
princípio é o da liberdade absoluta de expressão da vontade do testador.
09) ). DE LAPLANCHE, w rbmie coutumiere dom /'anrien droit /rançaiJ, Paris 1925: E. BRIDLEY, w rimve hirtdilaire
dam l'an<ien droil 11orm_a11d, Caen 1926; L. CABRAL DE MONCADA, A roerva heredi1ária 110 dirtilo penimular p,,,.tuguh. "L volS.,
Coimbra 1916-21.
694
c) Reserva hereditária
A Revolução Francesa, favorável à liberdade individual, admitiu evidentemente o
testamento; mas, desejosa de manter a igualdade entre os herdeiros legítimos, temeu que o
testamento permitisse defraudar as leis que instituíam essa igualdade, dispondo em favor do
primogénito ou deserdando uma filha, o que representaria um retomo ao direito de
primogenitura ou ao privilégio de masculinidade. Por isso, leis de Março de 1793 e do
Nivoso do ano II reduziram a quota disponível a uma parte mínima da sucessão {um décimo,
quando houvesse herdeiros na linha directa, um sexto, quando apenas existissem colaterais).
Os autores do Code civil de 1804 mostraram-se menos favoráveis aos herdeiros
reservatários, ou seja, mais favoráveis à liberdade de testar. Fundiram a reserva com a
legítima (arts. 913. 0 ss.); como no direito romano, a reserva é actualmente uma parte da
sucessão; mas tendo desaparecido a distinção entre bens próprios e adquiridos, a reserva é
calculada sobre o conjunto dos bens; a sua quota varia em função do número dos
descendentes. Se o testador dispôs para além das forças da quota disponível, os herdeiros
reservatários têm uma acção de redução, mas não de anulação do testamento.
1•1 NOTADOTRADUTOR
No puíodo visigótico confrontaram-se dois sistemas sucessórios, um de inspiração romana (pn!-justinianeia), aplicável às
populações hispano-romanas, oucro de raiz germânica, aplicável aos Godos. O primeiro, era de recorte individualista, com larga
margem para a sucessão testamentária e com a legítima reduzida a 1/4 (Cod. TheoJ01ia11m, V, 1, 4, ~). O segundo compartilhava das
características do direito germânico, subvalorizando o testamento e n:duzindo muito a quota disponlvel (quase nada, antes dos meados
do séc. VII, v. doe. 4, p. 6; um quinto, no Código de Recesvindo, IV, 5, 1, que institui também a possibilidade de •melhorar• os
descendentes no montante de 1/10 da legítima, que mais tatde Ervígio eleva para 1/3; v. doe. 5, p. 698). Na sucessiD legícima, o direito
visigótico adoptava o sistema das classes (ou parentelas): descendentes, ascendentes, colaterais (até ao 7. 0 grau), cônjuge (IV, 2, 11) e,
finalmente, o fisco. Vigorava a igualdade sucessória dos sexos (v. texto 6.4, p. 699), o direito de representação (IV, 28, 8) e o direito de
croncalidade (regra materna materniL .. ) na sucessão a favor dos avós do tÚ <1'j111, mas apenas sobre os bens próprios (m q111 ab aviJ ve/
parentiht11 habuit - IV, 2, 6).
Após a dissolução do reino visigótico, a multiplicidade de usos sucessórios toma-se mais patente; as linhas de divisão podem
ser étnicas e regionais ou corresponderem à estratificação social. Alguns trendJ temporais puderam ser tamMm identificados.
Até ao século catorze, sobretudo no Norre, parece ter dominado um esquema sucessório de forre coloração liuniliar-comu-
nitária, em que a manutenção dos bem dentro da lãmília é garamida por diversos mecanismos, nem todos eles de natureza sucessória~ a
reserva sucessófia, protegendo os liuniliares contra a alienação dos bens por acco 'ª"'ª morliJ (testamento, doação), o direito de
695
croncalidade assegurando a devolução dos bens da família ao ramo donde tinha~ provindo, o retraem familiar aurorizando os parentes a
reaverem bens alienados em vida.
A reserva heredirária - que, na sua forma extrema, exigia o consencimenco dos parentes (la11da110parenlum1 para a alienação
dos bens de família (através da outorga, confirmação ou róbora no documenro da alienação)- confere aos parenres (enrre nós, a todos) o
direico de haverem por morte uma parte (variável, enrre ~ós) dos bens (entre nós, próprios e adquiridos) do demjm (v. does. 7 a 9
pgs. 700e701). Esra reserva familiar, que era limitada pelo maninhádego (direito do senhor às heranvs. em decadência desde cedo),
aparecer, num documenro, relacionada com um costume da nobreza ( •assi como csr enno Reyno juigado aas outras filhas dalgo•,
Testamento de J 267, em JOÃO PEDRO RIBEIRO, Din. chronol., II, Ap. Vil, Lisboa 185 7, 218); mas ral interpretação não é pacífica.
O retracto funiliar manreve-se aré às Ord. Man ..
O direiro de troncalidade vigorava para bens próprios (i .e., dos pais ou avós, transmitidos por estes ao du11jm: de avoenga, de
parentela, herdades; por oposição a de compadria, de ganhadia, ou ganâncias), adquiridos para a família pelo avô do de c11j11s que,
portanro, deviam reverter para o respeccivo ramo familiar (o que, normalmente, beneficiava os ascendentes em relação aos colaterais).
Teve uma vigência efémera.
No séc. XIV, rodo sistema se modifica num sencído que já aparece em documentos anteriores, oriundos das regiões mais
meridionais. Esre sistema caracreriza-se por urna valorização da família nuclear e um correspoodenre .não reconhecimento das
expectativas sucessórias da família excensa, ao mesmo tempo que se oblicera a distinção, para efeitos de liberdade de disposição
sucessória, da distinção entre bens familiares e adquiridos. A quoca disponível é aumentada para um rerço, beneficiando os descendentes
e ascendentes e recaindo sobre todos os bens. O regime aparece em texros do séc. XII, no centro litoral (Coimbra, Alcobaça) e,
c!arameoce desenhado, em documentos do séc. XIII, do sul do país (cf. doe. 9, pg. 701); é consagrado em legislação de D. Afonso III e
de D. Dinis, sendo, por fim, o regime das Ordenações (Ord. Af IV, 97/101; Ord. Man. IV, 9, 70/74; Ord. Fil., IV, 65, 82, 88/90)
(cf. doe. 11 e 12, pg. 701); em Ord. Af, li, 28, aparece um testemunho de mouros letrados atestando que na sua.comunidade se
praticava a terça, facro que permiriu a urna correnre dominaoce explicar o novo sistema pela influência árabe; mas a lei de D. João I
transcrita nas mesmas Ordenações (cf. doe. 12, pg. 701) refere-o como •cuscume destes reinos• <Ord. Af., IV, 97).
A literatura jurídica corrente aproxima o primeiro sistema dos modelos jurídicos gennânicos, explicando-o pela sua
influênda, cal como relaciona o regime que, mais carde(?), dominará no Sul (e, depois do séc. XIV, em todo o reino), com heranças
árabes ou com a influência do direito romano renascido. Ma.is fruruoso será, porventura, relacionar os regimes sucessórias com modelos
de organização familiar e estes não apenas com tradições cultura.is, mas também com os dados demográficos, com o regime agrário e com
as condições de que este depende. Nesca perspectiva, os regimes sucessórios do Norte, marcados pelos direitos da família excensa, terão a
ver com a unidade do casal como célula da exploração agrícola familiar - onde eram obrigadas a conviver e a colaborar várias estirpes
familiares - e esta com o grau de pulverização agrária típica de zonas de force pressão demográfica. O Sul, em contrapartida, mais
extenso e despovoado, permitia a dissolução da família extensa, a emancipação da família nuclear e, assim, a dissolução dos direitos dos
parentes afastados sobre a herança.
conscicuição e regras fixas de sucessão; de 23. 5. 1775, sobre a sua abolição e reversão à coroa); mas a sua final extinção só se deu na
segunda mccade do séc. XIX (dec. 19. 5.1863) <20 l.
Nos bens da coroa, sucede-se - a partir de D. João 1, embora a solução só esteja expressamenre consagrada na .Jei meneai• de
D. Duarre (Ord. Man., li, 17; Ord. Fi/. li, 35)- também segundo a regra da indivisibilidade, por primogenirura e varonia, sem direiro
de representação na linha descendente (até 1645). Tradicionalmente, o rigoroso r~gime de sucessão linhaglstica dos bens da coroa (mais
rigoroso do que os morgados, pois as mulheres eram excluídas em absoluto - salva dispensa, de resro muito frequenremence - , bem
como os colacerais) é explicado como uma· forma de Ía.>:er rerornar à coroa os bens doados; a prácica (muico liberal) das confirmações e
dispensas da lei, durante os sécs. XV a XVII, parece, no enranro, desmentir ral estratégia, enquanto que a antiparia da nobreza pela lei
não permite que esta seja inrerprecada como um instrumento de preservação dos fundos cerritoriais das casas nobres. A origem da lei
pode anres relacionar-se com a mera rranslação, por via letrada, de modelos jurídicos e tópicos dogmáticos como o do carácter indivisível
das dignidades ( dignitaleJ el iumdictiorm non dividun1ue ) - desde logo, da coroa- e dos feudos (no diceiro siciliano e franco, mas não no
lombarda que era, nore-se, o direiro comum dos libri /tudarum do Corpui iuriJ); ou o da incap•Kidade da mulher para o desempenho de
funções •de auroridade• (cf. D., 50, 17, 2; PartidaJ, N, 26, 5); ou o do carácrer pessoal da doação feudal, impedindo a alienação do beneficio.
Nos bens enfitêucicos, finalmenre, também vigoraram, ou por escaruição da lei, ou por disposição concracual (ex pacto et
prwulm11aJ. cláusulas sucessórias de ripo linhagísnco. Assim, leis dos séculos XV e XVI (C.R. 28. 5. 1429; Onl. A/. IV, 77; Ord. F1/ .. N. 36)
esrabeleceram o princípio da indivisibilidade dos aforamenros de bens da coroa, enquanro que certa doucrina alargava este regime a
qualquer concessão régia de bens em reguengos. Por oucro lado, era frequenríssimo o estabelecimenco, no contrato enficêurico por três
vidas, de cláusulas de indivisibilidade, em que o prazo ficava •encabeçado• num dos herdeiros O. MATIOSO, Identificação de u111
paíJ ... , 1, 265; cf. doe. IS, pg. 704), defendendo a doucrina, sobretudo a partir da lei de 6.3.1669 (cf. rcxro 17, pg. 706), a geral
indivisibilidade dos prazos. Para isto devem ter concorrido não só a aproximação, ocorrente na dourrina, entre direico enfirêutico e
direito feudal, como rambém o inceresse dos senhorios na unidade de pensão.
Sobn: as formalidades dos rescamenros, v. Ord. Fil. N, 80 a 83(e oscorrespondences passos das anreriores). V. ínfra, doe. 16, pg. 705:
Cc) Sé<u/01 XVI// e XIX
A grande reforma do direiro sucl."S5Órlo sececenrista é inrrochnida pela lei de 9.9.1769. hostil à sucessão cesramenrária e
defendendo uma sucessão baseada na solidariedade natural da família que repôs algumas características do di«ito mais antigo: (i) rodos
os parentes são herdeiros necessários. nunca podendo o testador dispor livremente senão de 1/3 ou de 1/2, consoante rivesse ou não
parenres acé ao 4. 0 grau (canónico'): (ii) existindo descendenres, a quora disponível de bens próprios (u/. de família) só podia ser deixada
àqueles (de novo, a "melhora•); (iii) reinrrodução da laudaliop<1ren/um, ?ara os bens próprios. A legislação pombalina foi posteriormente
suspensa, regressando-se ao sistema das Ordenações, adaptado pela doutrina. O Código ci•il de 1867 limitou a qualidade de herdeiro
legitimário aos descendenres e ascendenres (arr. 0 1784. 0 ; mas já não ª"' irmãos, nos limites em que o eram anres) e manteve a rerça
(excepcionalmenre a mecade, arrs. J7B4. 0 , 1796. 0 e 17<17.º). O dec. de 31. IO. 1910 alargou a quota disponível respectivomcnte para 1/2 e 2/.~.
No plano da sucessão legítima, as alterações só provieram do Cód. civil de 1867 (art. 0 1969. º), que estabeleceu as seguintes
classes: descendentes, ascendenres, irmãos e seus dcsccndenrcs, cônjuge, restantes colarerais aré ao 10. 0 grau, Estado. O citado dec. 0 de
191 O deu prefecência ao.cônjuge sobre os irmãos, mas o dec. 0 19126. do 16. 12. 1930 voltou eo sisremadoCódigo, embora arribuindo o
usufruco ao cônjuge.
Bibliografia sumária
Para o periodo medieval, GUil.HERME BRAGA DA CRUZ, O dit'tllo de tro•IC4/1,J,,,k , /1 rexiw 1uridiCf1 do patrim8n10 familiar.
Braga 1941-7, 2 vols.; LUÍS CABRAL DE MONCADA, A r<Jerva hereditária no direito proimulare português, Coimbra 1916-21, 2 vols.;
INOCÊNCIO GAL VÃO TELLES, •Apontamencos para a história do direiro das sucessões português•, Rev. Fac. Dir. Li.iboa, 1961-2,
39-278. Para a inregração dos dados aqui concidos numa compreensão mais vasca e teoricamente melhor apoiada, v. JOSÉ MA TTOSO,
Identificação de um p<1ú, cit., 1, maxirm 204 ss. e 264 ss ..
Para o período das Ordenações, além dos anteriores, JOÃO RODRIGUES CORDEIRO, D11bítatione1 ... l. De 1ma111en1ú.
2. De nalurali JNcctJÚone . .. , Coimbra 1713; ALVAROVALASCO, Pr<1xúpar1ilion11m, t1co//atio11um, Ulysipone 1730, AIRES PINHEL,
Dt bonú matemú comm., quíbu1 materiae !uccwionú jure feliciter a:pluat, Lugduni 1662; MANUEL FIGUEIRA DE NEGREIROS,
/ntroductio ad ultimar voluntaw, Ulysipone 1613; MANUEL RIBEIRO NETTO, Comm. in iui civile, in q1úb111 11nivm<1 11/timarum
volunlal11m maleria ... a:plicalur, Ulysipone 1678; MANUEL AlVARE~ PEGAS, Traclatui <ÍL excluúone. !NfftJ!ione. ti erectione ma1ora1111,
Ulysiponc ... , bem como, sobre a lei menral, o seu comenrário incluído nos Commen/<1ría ad Ordin<1tione1. ... r. X e XI (ad li, 35 ). Todo
esce material imenso escá por tracar, de acordo com metodologias modernas.
Para o período contempocineo, acrescenrcm-se as já eiradas obras de Melo Freire, Coelho da Rocha, Correa Teles e Dias Ferreira.
Mas rambém a produção dos antropólogos, tal como o livro de BRIAN J. O' NEIL, Propmtários, lavradom t jomaleira1, Lisboa 1984.
l2 0l O regime dos morgados não inreressa apenas sob o ponto de visca do direito sucessório, mas rambém sob o do direito
de propriedade, pois imporcavam uma limitação dos poderes de disposição. Na verdade, o adminiscrador do morgado não podia
pracicar actos de disposição dos bens vinculados: vendas ou qualquer ripo de alienação !do domínio pleno ou do domínio útil: pelo que
lhe escava vedada a enfireuse ou qualquer ripo de conrraro agrário que nela se convertes«, como o errendamenro de longo prazo, desde
697
DOCUMENTOS
l. T ACITO, Germania.
XX. Heredes tamm JuccmoreJque JtÚ cuique libet"i, et nullum teJtammtum.
Tradução
Os herdeiros e sucessores são, para cada qual, os seus filhos; não há testamento.
a) LVIII. Dealodis.
1. Si quú mortuus fuerit et filias non demiserit, si mater sua superfuerit, ipsa i.n hereditatem
mccedat.
2. Si mater non fuerit er fratrem aut sororem dimiserit. ipsi i11 hereditatem succeda11t.
3. T.11nc si ipsi 11011 fuerint, soror matriJ fo hereditatem succedat.
4. Et inde de illis generationibus quicumque proximior fuerit, il/e in hereditatem sumdat.
5. De terra vera 11111/a in muliere hereditas non pertinebit, sed ad virilem sexum qui fratm fuerint
tola terra pertineat.
Tradução
1. Se alguém que morrer não deixar filhos, e se a sua mãe lhe sobreviver, ela suceder-
-lhe-á na herança.
2. Se a mãe já não existir, mas ele deixar irmão ou irmã, estes suceder-lhe-ão na herança.
3. Se, então, estes não existirem, suceder-lhe-á a irmã da mãe.
4. E depois em cada geração(= parentela), aquele que fur mais próximo, sucederá na herança.
5. Mas, no que diz respeito à cerra, que nenhuma pertença a rr.ulheres, mas ciue pertença
toda a terra ao sexo masculino, que é constituído pelos irmãos.
Ed. K. A. ECKHARDT, op. cit.
3. STA VELOT, Costume fêudal, 1148. Cana do abade WibaJd a Henrique VI, rei dos Romanos:
ln beneficiis Stabu/emis monasterii, hereditant femine ubi masculi non supersu11/.
Tradução
Quanto aos benefícios (= feudos) do mosteiro de Stavelot, virão às mulheres onde não
subsistirem varões.
Tradução
Se alguém não tiver filhos legfrimos nascidos da mulher legítima, pode deixar-lhes a
quarta parte, se quiser, desde que esteja de são juízo, por carta de doação ou por testamento ...
Porque se tiver filhos de mulher legítima, não pode deixar.aos nacurais a não ser a duodécima
parte, ficando as restantes onze partes para os legítimos.
Tradução
Na verdade, muitos que vivem de forma insensata transferem de vez em quando para
pessoas estranhas os seus bens, ou por causa luxuriosa [refere-se aos dotes ou dádivas a mulheres]
ou por alguma má vontade e, assim, os filhos inocentes ou incursos em culpas apenas leves ficam
indefesos e inermes, o que de modo algum convém à utilidade pública .... E assim, derrogada a
sentença da dita lei, pela qual o pai ou a mãe. o avô ou a avó tinham o poder de, se quisessem,
transferir para estranhos os seus bens ... o pai ou a mãe, o avô ou a avó, que desejarem por piedade
melhorar os filhos ou os netos, obedeçam inteiramente à presente prescrição de que nada dêm aos
filhos ou às filhas ou aos netos e netas de qualquer coisa sua para além da décima pane dos seus
bens, nem cransfiram para esrranhos qualquer dos seus bens. Do mesmo modo, os que têm filhos
ou netos, se tiverem desejo de beneficiar igrejas, libertos ou quem quiserem, apenas lhes fica livre
para dispor a quinta parte.
Tradução
IV. 2. 3. Antiqua. Si aut de superiori aut de inferiori genere directi ordinis persone defuerint, /une
a latere venientes fac11/tates accipiant portiones.
Q11ando s11pradicte persone desuni, que aut de superiori aul de inferiori genere diicrelo ( Jic) ordine
veniun!, /11nc ille perrnne, q11e sunl a latere comtitute, requirantur ut hereditatem accipiant ...
Tradução
IV.2.6. Flavius gloriosus reccesvindus rex. Si is, qui morilur, avos relinquat aut avias.
Quotiens q11i moritur, JÍ avum paternum aut maternum re/inquat, tum ad avum paternum quam ad
avum matern11m hereditas mortui univerJa pertineat. Si autem qui moritur avum paternum et aviam
maternam reliq11erit, equales capiant portiones. /ta quoque erit, si paternam et maternam aviam qui moritur
relinq11re videatur. Et hec quidem equitas portionis de illis rebus erit, que mortuuJ conquisisse cognoscitur.
De illis vero reb11s, que ab avis vel parentibus habuit, ad avos directa linea revocabunt.
Tradução
Glorioso rei Flávio Recesvindo. Se aquele que morre deixa avós masculinos ou avós
femininas.
Sempre que o que morrer deixar avô paterno ou materno, então toda a herança pertencerá
tanto ao avô paterno como ao avô materno. No entanto, se o que morrer deixar avô paterno e avó
materna, ambos ficarão com panes iguais. O mesmo acontecerá se o de cujus deixar avós paterna e
materna. E esta igualdade vigorará naquelas coisas que se prove terem sido adquiridas pelo falecido.
No entanto, aquelas coisas que herdou dos seus avós ou pais, voltarão aos avós pela linha directa.
vel sororis relinquantur, equaliter cum fratribm veniant. Nam i11st11m ()1!111i110 est, ut. quos propinquitas
nature consociat, hereditarie successio11is ardo non dividat.
Tradução
Rei Flávio Chindasvindo. Que em todas as heranças as mulheres devam ser aceites.
Que as mulheres sejam chamadas em igualdade com os irmãos às heranças do pai ou da
mãe, dos avós, masculinos ou femininos, maternos ou paternos, bem como às heranças dos irmãos
ou irmãs ou àquelas heranças que são deixadas pelo primo ou pelo filho do primo, do irmão ou da
irmã. Pois é de todo justo que aqueles que a proximidade natural associa não sejam separados pela
ordem da sucessão.
Tradução
... se alguum quiser demandar erdamento de canto por tanto deue uiir aon Concelho por
noue dias a protestar com os dinheiros e dizer ca - ffoão comparou tal erdamento da minha
auenga - e dizer que o quer e isto dizer ante que passe o ano e o dia».
Tradução
... e se alguma pessoa não tiver herdeiro de qualquer das partes possa deixar os seus bens a
qualquer pessoa ou dá-los a wn mosteiro . . . e ainda quem se quiser mudar para outra terra ...
retenha todos os seus bens em Santarém e ainda se tiver podido comprar outros bens que lhe
pertençam, ou a seus filhos ou netos e, se não tiver filhos, os seus parentes próximos ou se quiser
pode vendê-los, doá-los ou fazer deles o que lhe aprouver.
E quando (clérigos) morrerem herdem os seus haveres os seus parentes mais próximos,
sendo dado aos haveres de que tenham disposto o destino determinado; ·e se morrerem sem ter
dispostos dos bens, que os herdem e seus filhos ou os seus parentes e dêem a terça pane pela alma ...
Todo o homem que for de Urros e que não tiver filho nem filha e que for maneiro !Íê para a
alma até metade dos seus bens a favor de quem houver disposto. E se morrer sem disposição dê
um quinto dos bens para a alma. E do resto recebam-no os seus parentes que mais próximo tiver
de uma e outra P!lrte. E o mesmo se estabelece para a mulhar maneira.
• 12. IDEM, IV, 97- a terça como «costume do reino» (Lei de D. João 1)
«Elrey D. Joham meu Avoo, de louvada e gloriosa memoria, em seu tempo fez Ley em
esta forma, que se segue. I - Segundo cusrume destes Regnos, o Padre, ou Madre podem tomar
a terça de seus bens, e a destribuir, e fazer em ella seu herdeiro quem por bem reverem ..... ..
702
• 13. ORDENAÇÕES Fil.IPINAS, II, 35 - a sucessão nos bens da Coroa («Lei mental»).
Da maneira que Je terá na 1uces1aõ das /errar, e bem da Coroa do Reino.
El-Rei Dom Duane por dar cena fónria, e maneira, como os bens, e terras da Coroa do Reino
entre seus vassallos, e naruraes se houvessem de regular, e succeder, fez huma lei, que mandou
pôr em sua Chancellaria, a qual se chama Mental, por ser primeiro feita, segundo a vontade, e
tençaõ dei-Rei Dom Joaõ o Primeiro seu Pai. A qual em seu tempo se praticou, ainda que naõ
fosse scripta. E para dar certa limitaçaõ, e verdadeira interpretaçaõ das doaçoens das terras, e
cousas da Coroa destes Reinos, mandou nella assentar algumas addiçoens, dedaraçoens, e
determinaçoens, porque fossem determinadas as duvidas, que podiaõ recrescer acerca do
entendimento das ditas doaçoens, pela maneira seguinte.
1 Primeiramente determinou, e mandou, que todas as terras, bens, e herdamentos da
Coroa de seus Reinos, que por elle, ou pelos Reis foraõ, ou ao diante fossem dadas, e doadas a
quaesquer pessoas de qualquer stado que fossem, para elles, e todos seus descendentes, ou seus
herdeiros, ou successores, ficassem sempre inteiramente por morte do possuidor dos taes bens, e
terras, ao seu filho legitimo varaõ maior, que delle ficasse, e naõ ao neto filho do filho mais velho
já fallecido, salvo se o filho mai_s velho daquelle, que as ditas terras, e bens possuir, e tiver,
morrerem vida de seu Pai em guerra contra Infieis, porque em tal caso confórme a direito he
havido, como se vivera por gloria, para effeito de seu filho, ou outro legitimo descendente o
representar, e excluir ao filho segundo, e succeder nos ditos bens, e cerras da Coroa a seu Pai,
como elle houvera de succeder, se vivo fora, posto que ele morresse em vida de seu Pai, e naõ
succedesse nunca nas ditas terras, e bens.
3 Outro si determinou, que as terras da Coroa do Reino naõ fossem partidas encre os
herdeiros, nem em alguma maneira em alheadas, mas andassem sempre inteiras em o filho maior
varaõ legitimo daquelle, que se finasse, e as dicas terras ti\fesse. E isso naõ seria por ser obrigado
servir com certas lanças, como por feudo, porque queria, que naõ fossem havidas por terras
feudatarias, nem tivessem natureza de feudo, mas fosse obrigado ao servir, quando por elle lhe
fosse mandado.
4 E quando por morte do possuidor das terras e de quaesquer outros bens, ou direitos da
Coroa do Reino, naõ ficasse tal filho vara.ó, nem neto varaõ legitimo, filho de filho varaõ
legitimo, a que devessem ficar, se ficasse alguma filha, queria que esta filha as naõ podesse herdar,
salvo por special doaçaõ, ou merce, que lhe elle quizesse dellas fazer, segundo os contractos, e
doaçoens, que os Reis seus antecessores, ou elle fizeraõ, ou elle fizesse a aquelles, a que assi desse
as ditas terras.
5 Determinou outro si que os Padroados das Igrejas, que saõ da Coroa do Reino, e foraõ
dados a alguns Fidalgos, e a outras pessoas por seus merecimentos, para elles, e todos seus
herdeiros, e successores, naõ podessem ser partidos, nem emalheados, e viessem sómente ao filho
maior varaõ legitimo. E assi dahi em diante por linha direita descendente, assi como dito he nas
cousas da Coroa do Reino.
6 E esta mesma ordem quiz que se tenha em quaesquer foros, rendas, e Direicos Reaes,
de que pelos Reis, que ante elle foraõ, foi feita merce, ou doaçaõ, ou por elle fosse feita a alguma
pessoa de qualquer condiçaõ que fosse, de juro, e de herdac, para si, e para seus herdeiros, e
successores, de modo que os caes foros, rendas, e Direitos Reaes andassem sempre todos
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juntamente no filho maior varaõ legitimo, sem serem partidos entre os herdeiros, nem poderião
ser emalheados pelos Donatarios, em outras algumas pessoas em sua.S vidas, como dito he nas
terras, e Padroados da Coroa do Reino, posto que nas doaçoens fosse conteudo, que os
Donatarios podessem dar, escambar, e alhear as cousas que lhes forão dadas, e doados, assi como
suas proprias: porque sua tençaõ, e vontade era, que sem embargo de taes clawulas, as cousas
conteudas nas ditas doaçoens viessem sempre ao filho maior varaõ legitimo: salvo quando por sua
special graça fosse outra cousa em contrario ordenada com expressa, especial derrogaçaõ dadita sua
determinaçaõ, e Lei.
7 E quanto ás cousas, e bens aforados, ou emprazados, mandou que se guardasse a fórmà
dos contractos sobre taes bens, e cousas feitos, de maneira que as ditas cousas, e bens aforados, ou
emprazados, andassem nas pessoas conteudas nos ditos contractos, e se regulassem em rodo, como
contractos de pessoas privadas.
8 Por tanto mandou, que todas as contendas, e duvidas, que ao dante recrescessem em
semelhantes casos, fossem findas, e determinadas pelas ditas declaraçoens, que foraõ feitas por
El-Rei seu Pai, e por elle, as quaes havia por Lei, e assi mandou que se guardasse, e cumprisse
dahi em diante, dispondo mais, que onde nas sobre-ditas declaraçoens dizia, filho va,.aõ, sempre se
entendesse legitimo, porque esta fora a tençaõ do dito Rei seu Pai, e sua. A qual Lei fez em
Sanearem, a oito dias do mez de Abril, Anno de Nosso Senhor Jesu Christo, de mil e quatro-centos
e trinta e quatro.
descendentes, confórme as clausulas das instituições que fazem, e ordenaõ, he para conservaçaõ, e
memoria de seu nome, e acrescentamento de seus stados, Casas, e nobresa, e para que em todo o
tempo se saiba a antiga linhagem donde procedem, e os bons serviços que fizeraõ aos Reis nossos
predecessores, pelos quaes mereceraõ delles serem honrados, e acrescentados, do que resulta
grande proveito a estes Reinos para que nelles haja muitas casas, e Morgajos para melhor.
defensaõ, e conservaçaõ dos ditos Reinos, e nos poderem os possuidores delles com mais facilidade
servir, e aos Reis que pelo tempo em diance nos succederem na Coroa desces Reinos. E que por
tanto ajuntando-se por via de casamento duas casas, e Morgados de differentes instituidores, e
gerações em huma só pessoa para nelles succeder (como já algumas nestes Reinos por casamento se
uniraõ) será causa de se extinguir a memoria dos que os fundaraõ, e instiruiraõ, e de naõ terem os
irmaõs, parentes, e criados a quem se acostem, e de se diminuírem as casas, e Morgados dos
Grandes, e Fidalgos, e Nobres, o que será em grande danno, e prejuizo do Reino, e muito
desserviço nosso, e vendo Nós os ditos inconvenientes, e outros que de se unirem, e ajuntarem as
ditas casas, e Morgados podem recrescer, querendo nisso prover como Rei, e Senhor, a quem
pertence olhar pela conservaçaõ dos Stados, e Nobreza de nossos Vassallos, desejando que em
nossos tempos as casas, e Morgados desces Reinos, e Senhorios se conservem, e augmentem, e que
stê sempre viva a memoria, e nome dos instituidores delles, e naõ se confundaõ, nem misturem
huns com os outros.
6 Ordenamos, e mandamos que todas as vezes que se ajuntarem por via de casamento
duas casas, e Morgados, dos quaes hum renda cada anno quatro mil cruzados, ou dahi para cima,
o filho maior que delle nascer (o qual confórme ás .instituições dos ditos Morgados houvera de
succeder em ambos) succeda sómente em hum dos ditos Morgados, qual elle quizer escolher, e o
filho segundo succeda em o outro Morgado, e casa.
senhorio se o quer tanto por tanto, e os herdeiros partaõ entre si o que houverem pela dita venda,
ou escambo, assi como forem herdeiros. E naõ vendendo, oQ. escambando os herdeiros o foro, ou
naõ o tomando algum delles em si no spaço dos seis mezes, ficará o foro devoluto ao senhorio, se o
elle quizer haver, e façadelle o que tiver por bem.
2 E finando-se o foreiro abintestado naõ nomeando alguma pessoa ao foro, e sem
herdeiro descendente, ou ascendente, fique o foro devoluto ao senhorio. E ficando por sua morre
algum filho legitimo, neto, ou bisneto varaõ, deve esse foro ficar a elle, e bem assi á filha, ou
neta, naõ havendo filho var-aõ, posto que seja mais moço que a filha, ou neta. E onde houver filho,
ou filha, naõ haverá o foro neto, nem neta, posto que o neto seja filho de filho mais velho, e onde
houver muitos filhos, ou filhas, sempre o maior dos filhos, ou a maior das filhas em falta dos
filhos, haja o foro. E se o praso for comprado, ou o defuncro tiver feito nelle bemfeitorias,
guardar-se-ha ácerca dellas, e do preço, o que diremos no Titulo: De como se haõ ~ faur as partilhas.
3 E se o foreiro fazendo testamento instituir seus descendentes, ou ascendentes, se terá a
maneira acima dita, quando morre abintestado, posto que no dito testamento deixe sua terça a
outra pessoa, que naõ seja descendente, nem ascendente.
4 E tudo isto que dizemos nos filhos, e netos por linha descendente, haverá lugar, e se
guardará nos da linha ascendente, convem saber, pai, e mai, e avós, quando naõ houver alguns da
linha descendente. Porque em quanto houver descendente, não haverá o foro ascendente. E naõ
havendo descendente legitimo por morte do foreiro, posto que haja ascendente legitimo, haverá
esse foro o seu filho natural se o tiver, ainda que seu pai fosse Cavalleiro. E o filho spurio naõ
poderá haver o dito foro, salvo sendo legitimado por Nós, em tal fórma que possa succeder
abintestado, e naõ de outra maneira.
6 E quanto aos prasos que forem feitos dos bens da Coroa do Reino em pessoas,
guardar-se-ha o que temos-dito neste Titulo: Nos foros da1 pmoaJ particulareJ.
7 E tomando alguem hum foro para si, e feus herdeiros, e successores, por sua morte
passa o foro a todos seus herdeiros, e guardar-se-ha ácerca da partilha, o que diremos no Titulo: De
como se haõ de fazer as partilhas. [IV, 96].
e elle testador o enrregará ao Tabelliaõ, perante cinco testemunhas varões livres, ou havidos por
taes, e maiores de quatorze annos, e perante ellas lhe pergunrará o Tabelliaõ se he aquelle o s~u
testamento, e se o ha por bom, firme, e valioso, e dizendo que si, fará logo em presença das
tesremunhas o instrumento da approvaçaõ nas costas do proprio testamento, declarando como o
testador lho entregou, e o houve por seu, bom, e firme, no qual instrumento de approvaçaõ
assinaraõ todas as cinco testemunhas, e o testador se souber, ou podér assinar. E naõ sabendo, ou
naõ podendo, assinará por elle hwna das testemunhas, declarando ao pé do final, que assina por
mandado do testador, por elle naõ saber, ou naõ poder assinar, e de outra maneira naõ será valioso
o testamento. E isto sem embargo de qualquer costume, que em contrario haja em algum lugar,
ou lugares. E o Tabelliaõ, que fizer instrumento de approvaçaõ de algum testamento, ou
codicillo, sem o fazer assinar pelas testemunhas nelle nomeadas, e _pelo testador, perderá o
Officio, e o instrumenco de approvaçaõ será nenhum.
3 E se o testamento for feico pelo testador, ou por outra pessoa privada, e naõ tiver
instrumento publico de approvaçaõ nas costas, nem for feito por Tabelliaõ, esse testador por cuja
maõ for feito, ou assinado o testamento, e bem assi qualquer outra pessoa por cuja maõ for feito, e
assinado, seja havido em lugar de Tabelliaõ, de maneira que com esse testador, por cuja maõ for
feito, ou assinado, ou com a pessoa privada, que o fizer, ou assinar, sejaõ seis testemunhas, as quaes
testemunhas assinaráõ no testamento sendo primeiro lido perante ellas, e seraõ varões maiores de
quatorze annos, e livres, ou tidos por taes. E neste caso quando for feito pelo testador, ou por outra
pessoa privada sem instrumento publico nas costas, deve cal tescamenro ser publicado depois da morte
do testador por autoridade de Justiça, citando as.partes a que pertencer, segundo fórma de direito.
4 E poderá o testador ao tempo de sua morte fazer testamento por palavra, ou ordenar de
seus bens por alguma maneira, naõ fazendo disso scripcura alguma. E neste caso mandamos que
valha o testamento com seis testemunhas, no qual número seraõ contadas, assi as molheres, como
os homens, por ser feito ao tempo da morte. Porem convalescendo o testador da dita doença, o tal
testamento será nullo, e de nenhum effeito.
E tendo consideração a que, pelas Leis do Reino, está provido, sobre o modo por que se
devem partir semelhantes prazos; e pratica em minhas Relações, com a distincção, que mais
conviniente é ao beneficio dos Povos; e as mais razões, que sobre esta materia se me offereceram
por parte dos ditos Procuradores de Côrtes, assim nos Capítulos Geraes, como nos particulares do
Estado dos Povos, que em Côrtes propozeram; querendo evitar semelhantes damnos, em
conformidade das Resoluções, que El-Rei, meu Senhor e Pai, tomou nesta matéria, e despachos
da Mesa do Desembargo do Paço:
Hei por bem, e mando, que d'aqui em diante se guarde o que pela Ordenação é disposto
nesta materia, sem distincção alguma, e sem embargo de qualquer costume, e sentenças dadas em
qualquer Provinda, ou Commarca, deste Reino; porque assim o declaro por esta Lei.
E para que venha á noticia de todos, e ninguem possa allegar ignorancia, mando ao meu
Chanceller-mór a faça publicar na Chancellaria, na fórma costumada, e enviar copias della ás
Com marcas do Reino, para que os Julgadores o tenham assim intendido, e a dêem á sua execução;
e se registará nos Livros do Desembargo do Paço, e na Casa da Supplicação, e Relação do Porto,
aonde semelhantes Leis se costumam registar.
A.ntonio Marques a fez, em Lisboa, a 6 de Março de 1669. A.ntonio Rodrigues de
Figueiredo a fez escrever. = PRINCIPE.
Parentes, a que a sua herança se haja de devolver ah i11te1tato. Não tendo porém filhos, ou
descendentes, poderá entaõ dispôr dos bens, que houver adquirido pelo seu trabalho, industria,
serviço, ou que lhe houverem sido deixados, ou ibados; com tanto que a sua disposição não seja
absolutamente livre, mas sim e tão sómente restricta a escolher entre os ditos Parentes, aquelle,
ou aquelles, que lhe forem mais gratos. E todas as disposições feitas contra esta impreterivel
fórma seraõ nullas, e de nenhum effeito».
§ 2. 0 «Aquelle Testador, que tiver filhos, ou descendentes, e tiver sómente bens, que
haja herdado, poderá com tudo dispôr da Terça delles em beneficio de algum desses filhos, ou
descendentes, que lhe haveriaõ de succeder morrendo incestado. Porém se tiver bens adquiridos
por qualquer dos sobreditos modos, poderá livremente dispôr da Terça delles ainda a favor de
pessoas estranhas».
§ 3. 0 «ÜS outros Testadores, que não tiverem Parentes dentro do quarto gráo, poderaõ
livremente dispôr de ametade dos bens hereditários, e de todos os adquiridos, como bem lhes parecer».
4 O Marido, e Mulher se reputarão sempre por Parentes, para cada hum delles poder
deixar ao que sobreviver o uso fruto da Terça, ainda quando não haja bens, que não sejão
hereditarios. E não havendo filhos do Matrimonio, poderão reciprocamente deixar-se a
propriedade da mesma Terça.
Quanto ao Futuro.
XIII. Item: Ordeno, que nenhuma pessoa, de qualquer estado, qualidade, e condição que
seja, possa daqui em diante instituir Morgado de seus bens sem licença Minha, expedida em
Consulta da Meza do Desembargo do Paço.
XV. Item: Ordeno, que a Meza não come conhecimento de Requerimento algum desca
natureza, senão no caso, em que os Supplicantes sejão Fidalgos, ou Pessoas de distincra Nobreza.
XVI. Item: Ordeno, que carnbem tome conhecimento dos Requerimentos daquellas
Pessoas, que se tiverem feito dignas desta faculdade pelos serviços feicos á Corôa, nas Armas, ou
nas Letras; ou pela ucil, e louvavel applicação ao Commercio, á Agricultura, ou ás Artes Liberaes.
XVII. Item: Ordeno, que a Meza tome tambem conhecimento dos Morgados inscicuidos
por aquelles, que ainda que não cenhão as qualidades, e serviços, que ficão referidos, com tudo
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fizerem as suas Instituições em beneficio daquelles, que pelas Letras, Armas, ou uteis applicações
se tiverem distinguido no Meu Real serviço; de sorte que a qualidade activa, ou passiva de
Instituidor, ou lnsti tuido sejão as bases da erecção dos Morgados.
XVIII. Item: Porque os Morgados pouco rendosos não podem encher os fins das suas
Instituições, ao mesmo tempo que promovendo hum infinito número de Amortizações,
confundem a Nobreza, e arruinão o Estado: Ordeno, que a Meza sómente tome conhecimento
para Me consultar dos Requerimentos dos sobreditos, no caso dos bens vinculados serem tão
importantes, que possão conservar nos Administradores a dignidade, e fim dos Morgados,
sevindo-lhes de regra nesta materia a seguinte Determinação.
XIX. Não tomará conhecimento de Instituição de Morgado feiro na Côrte, e para
viver nella, senão constando-lhe por exactas, e concludentes provas, e informações, que os
bens vinculados importão em seis mil cruzados de renda liquida em cada hum anno, e dahi para
si ma, em conformidade do Paragrafo vinte e dous da Lei de nove de Setembro de mil setecentos
sessenta e nove, que contemplou a quantia de quatro mil cruzados annuaes, insufficiente para as
Casas Nobres poderem com decencia, e dignidade servir a Corôa, e sustentar a sua Nobreza.
XX. Sendo os Morgados instiruidos nas Províncias da Estremadura, e Alem-Téjo, e
para nellas viverem os Administradores, não tomará a Meza conhecimento de Instiruição para Me
consultar, sem da mesma sorte lhe constar, que os bens vinculados rendem tres mil cruzados em
cada' hum anno, e dahi para sima.
XXI. E sendo os Morgados instituidos nas outras Províncias do Reino, para nellas
viverem os Administradores, não tomará a Meza delles conhecimento, sem lhe constar, que
produzem de renda annual hum conto de réis, e dahi para sima.
XXII. Excepruo porém da sobredita regra em beneficio da Agricultura a Instituição
feita por aquelles, que tiverem aberto algum Paul, ou reduzido a culrura quaesquer outros
macos, ou terras incultas: E ordeno que a Meza tome conhecimenro das Instituições, constando-lhe
que o Instituidor abrio terras, que lhe r~ndem líquidos seiscentos mil réis, ou dahi para sima.
XXIV. Item: Por quanto o fim da Instituição dos Morgados he o da conservação da
Nobreza, e melhor serviço ·da Corôa, com o qual não tem coherencia alguma as clausulas,
condições, modos, e vocações arbitrarias, de que estão cheias as lnstiruições, e que por esta Lei se
mandão reformar por muitos respeitos, até para desterrar tantas questões de conjecruras, quantas
são as que se agirão no Foro contra a tranquilidade pública, e particular das Famílias: Ordeno, que
daqui em diante sejão uniformes, e invariaveis as Instituições dos Morgados, regulando-se na
fórma da Ordenação do Livro quarto, Tirulo cem, e desta Lei, (no que a ella não fôr concraria a
dita Ordenação) sem que seja permittido aos Instituidores accrescentar clausulas, ou condições
contrarias, que importem Agnação, Masculinidade, ou outras exoticas das que ficão reprovadas
nos Morgados pretericos.
Pode definir-se a prova como um mecanisr:-., .,eio qual se tenta estabelecer a verdade
de uma alegação, de um direito ou de um facto. Este mecanismo esteve sujeito, no
tempo, a regr~ muito diferences, por vezes mais maleáveis, outras vezes mais rigorosas.
A prova é, portanto, o conjunto de '·processos por meio dos quais se tenra convencer
aquele que deve dizer o direito de que teve lugar (ou não) um certo facto, ou ainda de que
uma afirmação corresponde à verdade ou deve ser tida como se lhe correspondesse.
A partir do Code civil que a matéria da prova é tratada ex profeuo no título relativo
aos contratos (Livro III, tít. III), no capítulo VI: «Da prova das obrigações e da do
pagamento» (ares. 1315. 0 -1369.º); aí se trata da prova por documento, da prova
testemunhal, das presunções, da confissão e do juramento. E, certamente, a questão da
prova é capital no domínio dos contratos, pois não basta que um contrato tenha sido
validamente formado para permitir obter a sua execução; em caso de contestação, o autor
deve produzir a prova da existência do acto. A questão da prova é, portanto, distinta do
modo de formação dos contratos.
Mas o problema da prova ultrapassa largamente o domínio dos contratos civis.
Regras diferentes regem a prova, por exemplo, em matéria comercial ou em matéria
administrativa. Os actos sobre estado civil (cf. supra) são modos de prova particulares
para estabelecer a existência e o estado de uma pessoa física. É sobretudo no domínio
penal que a prova desempenha e sempre desempenhou um papel capital: um homem não
será julgado culpado e condenado a não ser que a prova da infracção que lhe é imputada
tenha sido produzida m.
1 I) A prova foi escudada no colóquio organizado em Paris, em 1959, pela Soci.dade Jean Bodin pata a história comparada
das instituições. Mais de setenta relatórios fo~ publicados nos quatro volumes dos Recuei/J, r. XVI a XIX, Bruxelles 1963-1965.
No domínio que aqui ê exposto, assinalem-se especialmente:]. Ph. LEVY, •Lºévolution de la preuve, des origines à nos joun.
Symhese génerale•, t. XVII, p. 9-70; F.-L. GANSHOF, •la preuve dans le droir franc., p. 71-98; P. FORIERS, •la cona:prion de la
preuve dans f"École de droir narurel•, p. 169-192; M. BOUUIT-SAUTEL, •Aperc;u sur le system" des preuves dans la France courumicre
du moyen âge•. p. 275-326; R. VILLERS, •les preuves da.ns l"ancien droir français du XVI. •au XVIII. •siecle•, p. 345-356; R. C.
VAN CAENEGEM, •la preuve dans l"ancien droit belge, des origines à la fin du XVIIl. •siede•, p. 3 75-430, e •Étude compararive
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De resto, a prova dos factos deve ser distinguida da prova da nonna de direito aplicável.
A prova não é exclusiva do domínio do direito; ela diz respeito a inúmeras outras
disciplinas, tanto ciências exactas como ciências humanas. Podem distinguir-se, pelo
menos, quatro tipos de provas:
- a prova demonstrativa, que é a das matemáticas e da lógica; consiste num
raciocínio que tende a deduzir uma proposição de premissas que constituem axiomas ou
proposições já provadas; a prova demonstrativa diz respeito a ideias, a dados abstrac~os,
enquanto que a prova judiciária diz necessariamente respeito a casos concretos;
- a prova experimental, que é a das ciências naturais; resulta de um grande número
de experiências, tendentes a provar a exactidão ou, pelo menos, a verosimilhança de uma
lei natural; o exemplo clássico é o da lei da gravidade, provada experimentalmente.
A diferença relativamente à prova judiciária é que esta diz respeito, em princípio, a um
facto único, enquanto que em matéria de ciências naturais, existe a possibilidade de
repetir a experiência quantas vezes se quiser;
- a prova histórica, ou seja, a prova de factos históricos que permitirá ao
historiador reconstituir o passado; apresenta muitas analogias com a prova judiciária,
pois, nos dois casos, é preciso provar um facto concreto, que se sirua no passado, um
passado mais ou menos próximo ou longínquo; mas, enquanto que o historiador pode
constatar que a (ou as) prova é insuficiente, podendo desde logo recusar-se a concluir, o
juiz deve julgar, sob pena de cometer uma recusa de justiça;
- a prova judiciária é, portanto, específica, tendendo a convencer o juiz, a
persuadi-lo da existência de um facto concreto que teve lugar num passado mais ou
menos próximo; o juiz deve decidir, com auxílio das provas que as partes lhe submetem;
e deve fazê-lo num prazo relativamente curto; mas pode constatar que a prova é
insuficiente e ignorar, desde logo, a existência do facto que se quis provar (2).
de la preuve dans l'Europe mMiévale•, p. 691-753; J. GIUSSEN, .La preuve en Europe, du XVI. •au débur du XIX.' siecle•,
p. 757-833;). HEMARD, •la preuve en Europe occidem:ale BW< XIX. •er XX. •siedes•, r. XIX, p. 19-48;). GWL\SOOMORSKI e
M. CIESLAK, •LI preuve judiciaire dans les pays socialistes à l'époque contemporaine•, p. 49-124, etc.
Por outro lado:). Ph. LEVY, La hiirarrhietkJ f!roMS Jam /e droit '"v""' du muym âge, Paris 1939; Ph. GODDING, •ÚI Preuve
en matiere civile, du 11. • au 18. • siecle•, TrlZl!aNX ti ronférmc<J. Ft10t/té de droit. Univ. Libre de Bruxell<J, 1~ 9, 1962, 111-128;
J. MARTINEZ GIJON, •La prueba judicial en el derecho territorial de Navana y Aragon durante la Baja Edad Media•, A1111Ario de hist.
tkr. <Jp., 31, 1961, 17-H.
(2) Ch. PERELMAN, •Li spécificit~ de la preuve juridique•, Rtcueils de/,, S1Xiüi}ta11 BIXli11, t. XIX, 1963, p. 5-17;
H. LÉVY-DRUHL. lAfmuwjudici"irr. Paris 1964. .
713
2. Ónus da prova
Actualmente, o problema do ónus da prova é dominado pelo adágio romano: actori
incumhit prohatio. É ao queixoso, num processo cível, ou ao ministério público, num
processo crime, que incumbe o ónus da prova dos factos que ele alegar. Mas, mesmo em
direito romano, este princípio só apareceu tardiamente. Nas sociedades arcaicas, é muitas
vezes o acusado que deve provar a sua inocência. Isto explica-se pelo facto de, nurri
sistema de direito «irracional», não poder depender do acusador a vida ou a morte do
acusado, devendo este defender-se pela «purga» (purgatio) da acusação que lhe é feita.
Nos sécs. XII e XIII, quando se impõe o sistema «racional» de provas, o ónus da
prova passou para o tribunal, antes de passar para as mãos do acusador ou do queixoso.
Na Flandres, por exemplo, os juízes (no caso concreto, os escabinos) deviam estabelecer e
dizer a verdade ( veritas scahinorum) segundo aquilo que eles sabiam e podiam informar,
nomeadamente pela audição das testemunhas; do mesmo modo, o júri inglês constituía a
prova e devia «"dizer a verdade» (vere dictum).
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3. Evolução geral
Podem classificar-se os diferentes sistemas de prova que existiram no passado e que
existem actualmente em três grandes tipos:
- o sútema das provas «irracionais», no qual o juiz pergunta a wn ser sobrenatural
que diga quem tem razão;
- o sistema legal de prova, no qual a lei (o costume, ou mesmo a doutrina)
precisa qual é o valor probatório de cada modo de prova, sendo o juiz obrigado a resolver
o conflito tendo apenas em conta aquilo que está provado de acordo com a lei;
- o sistema da prova livre, no qual o juiz aprecia livremente, em consciência, os
elementos de prova presentes perante si;
A história da prova na Europa ocidental, a partir da época romana pode ser
resumida em quatro períodos:
- até aos séculos XII e XIII, conhece-se o sistema das provas irracionais.
- a partir dos séculos XII e XIII, aparecem sistemas relativamente racionais de
livre busca da verdade.
- Nos sécs. XII e XIII, também, a doutrina dos canonistas e dos romanistas
elabora um sistema complexo de provas, inspirado em parte no direito romano. Aplicado
desde muito cedo em Itália, depois em França, impôs-se, durante os sécs. XV e XVI, por
todo o lado na Europa, excepto em Inglaterra.
- Depois do fim do séc. XVIII, assim como nos sécs. XIX e XX, o sistema
romano-canónico desaparecerá para dar lugar a um novo sistema legal de prova em
matéria cível; mas, em matéria crime, comercial e administrativa, a liberdade de prova
será geralmente admitida.
4. Direito romano
No direito romano clássico, são admitidos todos os meios de prova: confissão,
testemunho, escrito, juramento, etc. O testemunho era muito largamente utilizado,
tanto mais que as testemunhas eram necessárias para a validade de numerosos accos
jurídicos (por exemplo, o testamento). A stipulatio era, ela também, geralmente realizada
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perante testemunhas, sem que, no entanto, a presença destas fosse necessária para a sua
validade.
O documento escrito estava muita divulgado no Império, sobretudo o chirographum,
declaração escrita pelo devedor para pro~ar o seu compromisso; este documento era
puramente probatório, mas inseria-se nele uma cláusula pela qual o devedor reconhecia
que as palavras da stipulatio tinham sido pronunciadas. Daí, resultavam numerosos
abusos, conúa os quais os imperadores tentaram reagir; wri dos meios foi o exceptio non
numeratae pecuniae (excepção de dinheiro não entregue), pela qual o devedor podia contestar
ter recebido o dinheiro; o fardo da prova era então invertido, em prejuízo do credor.
(3) P. L. GANSHOP, Úl preuve dam /e droit franc, op. cit.; M. PAULO MERÊA, •A prova resremunhal no direim
visigótico e no direito da Reconquista•, Boi. Fac. Dir. Coimbra, 32, 1956.
<4> F. PATI"EITA, li ordálio, Torino 1980; 1-1. NOITARP, Gottesurleile111tudien, Munich 1956; C. LEITMAIER, Die
Kirche und die Gottaurttile, Wien 1953.
716
prestasse tal juramento, o juiz deveria certificar a sua prestação e decidir a seu favor. É a
sobrevivência de uma última forma de ordálio, estando prevista no Code civil de 1804
(art. 0 1358. 0 -1365. 0 ) e também em códigos recentes corno os da Itália (1942) e do
Egipco (1948); desapareceu nos países germânicos e do common law m.
m H. DE PAGE, •Une survivance d'ordalie en droir moderne: le serm.,nt litisdécisoire•, lkad. royale Belgiq11e. Buli. CI.
Lellm. 5. • série, XL ( 1954) 352-92; GEOUFFRE DE LA PRADELLE, L'ivolulion hiurmque du 1ernmm1 litiidb:iJoirr, tese, Paris 1894.
717
Acima da prova plena coloca-se, a partir do séc. XIII, o notorium: o que é notório
não tem que ser provado. A teoria do notório é uma criação canónica, sem precedente
romano, tendo sido elaborada lentamente nos sécs. IX a XIII.
A autoridade e a admissibilidade de cada prova são regulamentadas: o juiz não tem
o poder de apreciação pessoal: 1ententiam ferre non secundum conscientiam 1ed 1ecundum allegata.
a) Notorium: distinguem-se três tipos de notoriedade <6~
1. 0 Notorium facti: o que ressalta aos olhos de todos: publice coram om11ibu1. O juiz
constata pessoalmente que um certo monumento se encontra em certo sítio ( notorium facti
permanentiJ). Um facto isolado pode também ser notório, pois Jefnel notorium, semper
notorium; exemplo: os delitos praticados no decurso da audiência, o flagrante delito
( notorium facti momentanei ).
2. 0 Notorium iuris: admitiam-se as seguintes categorias de notório:
- a autoridade do ca.ro julgado: o que já foi julgado não tem que ser provado; este
princípio, parcialmente admitido pelos Romanos, foi desenvolvido pelos canonistas,
ficando a ser uma das bases do nosso sistema jurídico, enquanto que os direitos arcaicos
(nomeadamente em África) não o admitem;
- a confissão em justiça (confessio pro judicatu): a confissão é considerada como um
notorium, interdizendo a prova em contrário e tomando o recurso impossível. A doutrina
(sobretudo a da Escola de Orleães, no séc. XIII) imaginou o princípio da indivisibilidade
da confissão, ainda mantido no Code civil (art. 0 1356. 0 ) m. Mas a confissão levou também
ao desenvolvimento da tortura (infra).
3. 0 Notorium ·praesumptionis: as presunções iuris et de iure e mesmo iuris tantum,
distinção inventada pelos glosadores, dispensam a produção de prova. Apenas a presunção
iuris et de iure constitui uma presunção irrefragável, não podendo ser destruída por prova
em contrário; é considerada como um notorium. A presunção iuris tantum, i.e., a que pode
ser destruída pela prova contrária, constitui uma probatio plena.
b) Probatio plena: permite fundamentar a decisão do juiz, libertando-o do ónus da
prova; mas o recurso mantém-se possível. Os dois principais tipos de prova plena são:
- o duplo testemunho: são precisas duas testemunhas concordantes, pois testis
unus, te1tis nul/UJ (uma só testemunha é como se não houvesse nenhuma).
- o acto escrito público (imtrtlmentum publicum): são os actos notariais, os actos
judiciais, os actos autenticados com um selo ou sinal.
Em caso de contradição, o testemunho prevalece sobre o documento escrito: «As
testemunhas preferem os escritos» (témoim passent lettre.s ); mais tarde, a regra é invertida ( infra ).
c) Probatio semiplena. São, nomeadamente,
- unus testis, o testemunho isolado;
<6> J. Ph. LEVY, La hilr'1!rÚJu tkI prruw, op. ai.; R. BERTOUNO, li llDlono ntl/'orrJiM1TIJ!Jlto giuridiro JO!t Chiw, Torino l965;
CASTILLO LARA, •los primeros d=rollas doetrinales dei 'Notorium' en la ClllOnístics clão..ics•, Salt.Ikmmn, r. 22, 0960), 410-33.
(7) E. M. MEIJERS, •L'indivisibiliré de l'aveu•, Étutks á'hi.Jloire rJe ároit, 1, Leyde 1956, 155-84.
718
<8 > ). H. LANGBEIN. Torllmarid the Lawof Pronj(Europeand Eng/and), Chicago-London 1977; P. FIORELLI. La ltn'tura
giudiziaria nel dirillo romune, 2 vols. MHano 1953; H. HUBERT, La tortura aux Pays-Ba.i autrichiempendant lt XVllI.' Iiede, Brwcelles
1897; F. TOMAS Y VAUENTE, l..a tortura en Eipana. EuudioJ hiJ1óricoJ, Barcelona 1973; G. MARTINEZ DIEZ. •la rortura
judicial en la legislación hisróricaespaiiola•, An. hiJt. der. eJfl.•, 320962) 223-300.
C9) P. CHRISTINAEUS, ln legeJ municipaleJ ... Me<hlinitnJum ... notae, IV, 8, Anruerpiae 162~. 197: ·Melius esr
nocenrem relinquere inpunicum quam innocencum condemnare•.
719
CIO) J. GILISSEN, •lndividualisme er sécuriré juridique: la prépondérance de la loi er de l'acre écrir au XVI.• si~de dans
l'histoire de l'ancien droir belge•, InáividtuliJtN et 1ocii1é à la Rmainana, op. cit., 1967, pg. 33·~8; G. VERNEILl..EN e G. VAN DE
PERRE, •De hisroriek van de beperking van her bewijs van verbinrenissen door geruigen (B.W. 1341-1348)•, R«hlJk. Weekb ..
32. 0 ano, 1968-1969, col. 817-850.
720
prova são admitidos, nenhwna prova tendo um valor legalmente estabelecido, salvo
algumas excepções.
b) Em matéria cível: mantém-se no Code civil um sistema legal de provas; mas ele
é muito mais flexível do que o sistema romano-canónico. As principais regras dizem
respeito ao primado da prova escrita e ao valor das presunções.
Houve poucas inovações no decurso do século XIX; elas foram mais consideráveis
durante o século XX:
- tendência para o desaparecimento das provas irracionais em todo o mundo
(Ásia, África);
- introdução de provas científicas, graças às novas invenções: fotografia,
fotocópia, registo, impressões digitais, análise do sangue, etc.;
- renascimento de um certo formalismo, pela preponderância dos documentos
escritos (mesmo em direito comercial e em direito administrativo, em que o princípio da
prova livre subsistiu teoricamente), em detrimento do testemunho (extensão do segredo
profissional, etc.);
- em matéria cível, tendência para se passar do sistema das provas legais para o
sistema da prova livre; fez-se esta evolução por via legislativa nos países comunistas
(menos na U.R.S.S. do que na Polónia e na R.D.A.) e por via jurisprudencial nos outros
países da Eut0pa.
r• ! NaT A DO TRADUTOR
Em Portugal, o regime das provas tem uma evolução paralela à apresentada pelo autor.
Quanto à prova do direito, a investigação existente não permite parricularizar, para Portugal, a matriz europeia de
evolução. Vigorou, no entanto, pelo menos a partir do séc. XV, o principio •jllli novit curia•, com limitações pat'1- os casos de
privilégios ou de coscume local (cf. Ord. A/., III, 58, 11/12; Ord. Man., Jll, 40, 9/10; Ord. Fil .. 53, 8/9; v. doe. 9. pg. 725).
Quanto à prova dos factos.
No mais antigo processo - até aos sécs. Xll/Xlll (embora renham sobrevivido resíduos em épocas ulteriores), o ónus da
prova competia ao autor, que devia produzir, perante o tribunal o •iuramento de calúnia• (ou •de malícia•, ou •de manquadra•),
corroborado pelo •outorgamento• ou •firma• de outros conjuradores (compurgação). O mesmo meio colectivo de prova estava - em
princípio - à disposição do réu, que, neste caso, devia prestar-se a wn juramento .de inocência. ou •purgatório•, apoiado no
juramento concorde (•se assim não é, Deus me confunda•, Costumes de Gravão) dos •conjuratores• ou ocompurgadores•. Segundo
Herculano, esta forma colecriva de juramento decisório dominava no cenrto interior do país (fora.is tipo Salamanca e Avila), embora
proliferassem os subtipos (cf. doe. 5, pg. 722). Os ordálios (sçib a forma de prova do ferro em brasa, mas, sobretudo, de •repto• ou
•duelo judicial.) predominam, como meio de prova, em furais da Beira interior, sendo substiruldos, nos forais das regiões mais
meridionais (furais ripo Évom) por prova nsttmunhal. Nesta zona, de &cto, predominou, desde cedo, a ideia de que o tribunal devia procurar
a verdade dos factos através ou de uma inquirição directa do tribunal ou da audiência de testemunhas (enqNÍJa, txq11iJa). Em certos
casos - como o de estupro ou de outros crimes sexuais - exigia-se que• vítima imediaramente os denunciuse aos brados (daml!f').
A prova por documento foi admitida desde muito cedo; a abundância de docwnenros escritoS dos sécs. X e XI chegados até
nós basta para o provar. Pelo séc. Xlll, a imposição da furma docwnental escrita correspondeu a uma estratégia de redistribuição do
poder polírko a favor da coroa e dos círculos !errados a ela ligados. Dai que a forma escrita se renha tomado na forma canónica, tanto
de rirulação de direitos, como de prova, quer na chancelaria régia, quer no rribunal da corte (cf. doe. 6, pg. 723). Na primeira, o
primado da escrita levou ao esrabelecimenro da regra de direito pátrio, contrária ao direito comum, de que as doações régias de
jurisdições e direitos reais apenas podiam ser tiruladas por carta régia, não valendo, nomeadamente, a aquisição por p~rição,
mesmo imemorial (cf., Ord. Fil., II, 27; li, 35; e li, 45). No segundo, uma série de reformas do séc. XIV- 1314 (LLP, 52), 1330
(LLP, 139), 1352 (LLP, 452), 1355 (Orá. A/., V, 59 e LLP, 478) e 1379 (Orá. A/., Jll, 74), segundo as datações de" Marcello
Caerano, Hist6ria ... , 378 ss. - promovem o WiO do processo escrito e •de autos• (Aletenpnmss), que~ depois alargado a todos os
tribunais do reino, embora as delongas e embustes trazidas ao processo pelo advento dos profissionais !errados do direito tenham·
721
sempre temperado este sentido geral de evolução (cf. a referida reforma de 13 ~ ~, promovendo o retomo à oralidade em cenos feitos
menos importantes). As Ordenaç1it1 Aj1mitn<JJ <Ili, 64), finalmente, esrabelecem a obrigatoriedade <la prova escrira para os principais
acros ;urídicos, desde que incidissem sobre um valor imporrame (cf. doe. 7, p. 723 ).
As Ortk"afÕtJ (cf. Ord. Man., Ili, 85 pr.: Ord. Fil .. n pr.) recebem o sisrema do valor tarifado das provas; com base nas
referências nelas feitas se insinuou mda a correspondente ieoria do direim comum, escati<:lccendo-se um regi= quase aritmético de
valoração da prova (CÍ. doe. 9, pg. 725). O documenio escrirn obtém uma <lelinitiva prevalência sobre a prova testemunhal; a
escrirura pública é, em geral, necessária para todas as transacções 50 bre móveis de valor superior a 4000 rs. e •obre imóvei• de valor
5Uperior a 60 000 rs. <Ord Fil .. rrr.59). Um resíduo dos antigos juramentos litisdecisório• é constituído pelo •iuramenco deferido•
ou .. referido• <Ord. F1/., Ili. 59, 6/7; mais tarde, C.J. cw 1867, an. 0 2523. 2 ss.) os indícios e presunções são admitidos, mesmo em
matéria penal <Ord. F1/ .. V, 25, ~ lin.; V, 48, 2; V, 135). A estrutura Fundamencalmenre acusarória do processo covil mantém-se.
devendo os artigos reproduzir as alegações das partes e sendo o iuiz proibido de julgar 11/tra pttilum (cf. Ord. Fil., .III, 5 ~; Ili, 62. pr ..
e Ili, 66;). No processo crime, em conrrapanida, é maior a iníluência do modelo inquisaóroo, podendo o JUIZ comar parte ac<1va na
averiguação da verdade (cf. Ord. Fi/., V, 124, 7); embora também fosse regra estabelecida de que não poderia julgar pela sua própria
ciência (cf. Ord. Fil .. Hl, 66, pr - doe. 12, PR· 726); os tormentos eram admllidos, desde que houvesse indicio forre de
culpabilidade <Ord. Fil .. V, 1B - 1ndíc10 fone, uma testemunha, fama pública. tudo avaliado pelo ubírrio do juiz); com o advento
do humanirarismo iluminista, a tortura iudicial é estigmarizada (cf. Mello Freire, lmt. 111r. rrim., XVII, 15: •usus ... barbarus et
injustus, omnio e foris christianorum proscnbendus est>) e declarada, embora incidentalmente, fora de uso pelo Alv. de 5.3. 1790).
O Cód. civ. de 1867 manteve, em geral, o regime das provas, abolindo, no entanto, a disrinçiiD entrt! prova_plena e
semiplena e reforçando os poderes de livre apreciação do juiz (cf. arts. 2512. 0 e 2513. 0 - v. doe. 15, pg. 727); para além do que, ao
instiruir o registo civil e o regisro pnodial, estabeleceu novos regimes de prova nestes domínios.
BIBLIOGRAFIA SUMÁRJA
Para o período medieval, as melhores descriçõe$ do regime pnx:essual e de prova são as de ALEXANDRE HERCULANO, HiJtória
de Port11gal, VIII, pg. 142 ss., H. GAMA BARROS, Hi.J1ória da admini.Jlratãn.. ., cir., 2.ª ed., VI, 183 ss., 205 ss., e de MAR.CELW
CAETANO, HiJtória do dinilo portu11uiJ, Lisboa .1981, 259 ss., 378 ss. Para pontos panicularcs, existem estudos de MANUEL
PAULO MERÊA (nomeadamente em História t dinito fEJ<ri101 diJperJOJJ, Coimbra 1967), e de LUÍS CABRAL DE MONCAD.A.
Para o período moderno, não existe literatura secundária, salvo as inuoduções históricas às obras dos processualisras
snbre o regime da prova.
DOCUMENTOS
Tradução
Eu, Balduíno, pela graça de Deus conde da Flandres, dei liberdade a todos os burgueses de
Ypres, para que eles não façam duelo, nem julgamento pelo ferro em brasa, ou pela água, nos
termos do direito de Ypres.
Tradução
Tradução
É mais digna de interesse a voz viva das testemunhas do que a voz mona dos documentos.
Digo que as testemunhas prejudicam os documentos, na medida em que por eles se prova
a verdade ou falsidade do documento. E assim, se as testemunhas estiverem em contradição com
os documentos, valem mais os depoimentos daquelas que o texto destes, o que, no entanto, é
deixado à apreciação do juiz.
Qui ferir silo uicino cum petra aut cum fuste pectet XX m. 0 Ii firmarem et si non firmarem iuret
cum V uicinos.
Tradução
Quem intentar uma acção _destas (homicídio por traição) jure com três parentes dos mais
próximos que tenha na vila em como não o demanda por qualquer outra malquerença mas que o
723
acusado matou ou feriu o seu parente por ferida de onde veio a morrer; e se não tiver parentes,
jure com três vizinhos. E se não fizer este juramento, o acusado não terá que responder.
Quem ferir o seu vizinho com pedra ou com pau pague vinte morabitinos se (o autor e
conjuradores) firmarem e se não firmarem, jure (o acusado) com cinco vizinhos (que está inocente):
Em nome de Deus, amen. Em conformidade com o costume, que &z as vezes de lei, e com
a autoridade da(s) lei(s) estabelecemos que os documentos dos reis e dos príncipes se devem
reduzir a escrito para que as coisas neles contidas não saiam da memória dos homens e estejam
sempre presentes a todos.
E confirando que a Escriptura foi achada per conhecimento da verdade; e per a Escriptura,
havemos certidoem, e see dos Feitos, que per Nós nom vimos; e della, e per ella he eirado
emtendimento verdadeiro das cousas, que passam, e passáram anriguamenre; e per ella outro-sy he
escusado grandes emcarreguos, e custas a qualquer, que alguü feiro hade provar.
5 A vendo conselho com os da nossa Corte, e com Fidalguos, e Prelados, e outros homens
boõs do nosso Senhorio, estabelecemos, hordenamos, e poemos por Ley, que r~ciallas avenças,
comvenças, composiçoeés, preitos, e contrauros, assy de c~mpras, vendas, e escaibos, ou
permudaçoeés, doces, arras,. ou doaçoens, comdições, e quaesquer promissoees, stipulaçoeés,
aforamentos, rendas, comdiçoes, e dotaçooes, como outro sy de emprestimos, cabedaees, ou
comendas, guardas, comdecilhos, qua.esquer obrigações, e comvenças, e todollos outros contratos,
e firmídoees de qualquer natura, e comdiçam, e sobre qualquer, e quaesquer cousas, e rezam que
seja, assy perpetuas, como aceno tempo, e per qualquer nome, ou per qualquer titulo, que per
Direito, ou custume, ou uso dos nossos Regnos sejam nomeados, que se amrre as partees ajam de
fazer, e afirmar, quer sejam maiores, quer menores, ou de mayor, ou menorcondiçam, ou de maior
força, e vercude, que estes aqui expressos, e declarados.
6 Outro sy todallas paguas, e soluçoeés, quiraçoeés, renunciaçoeés, cransaçoees,
remissões, devisoeés, ou partiçoés de herdades, ou doutros quasquer beés, revocaçoees, espaços de
dividas, quaeesquer obrigaçoees, assy reaees, como pessoaees, e preito de nam demandar, e outras
quaeesquer emnovaçoees dos ditos contratos, ou firmidoees, ou doutros de fora delles, de qualquer
natura, e condiçam que sejam, assy per rezam de neguocios, e Feitos crimínaes, como civees, reaes,
ou pessoaes, e todallas outras couzas, que quaesquer pessoas pubricas, ou privadas, Concelhos,
Confrarias, Colegios, ou Cõmunidades, homeés, e molheres dos nossos, e em nossos Regnos, de
qualquer estado, e condiçam que sejam, fezerem, ou afirmar quiserem, sejam feitos, ou afirmados
per Escriptura pubrica, feita per Tabaliam, ou Escripvaeés, pubrico, ou pubricos dos nossos
Regnos, que pera esto ajam authoridade, ou per Carta, ou Cartas selladas do nosso sello, ou doutro
seello autentico, perante testemunhas, e pessoas conhecidas.
7 E nos contratos, que forem fora do Regno feitos, se guarde o Direito Commuü, e as
Hordenaçoees, e Custumes do Regno.
[ ... ]
10 E mandamos, e defendemos aos nossos Ouvidores, Corregedores, Sobre-Juizes, e
quaesquer outros Juizes, e Officiaes da nossa Corte, e da Rainha, e aos nossos Meirinhos,
Corregedores, e Juizes, e a todallas outras Justiças de nossos Regnos, de qualquer comdiçam que
sejam, que nem recebam nenhuü homem, ou molher, de qualquer estado, e condiçam que sejam, a
demandar em Juízo, nem mandem citar, nem dem poder pera citar per Carta, nem Porteiro, nem
per outro final, pera chamar outra pessoa aJuizo per rezam de alguü, ou alguüs contratos, e casos
suso ditos, nem per outro nenhuwn Feiro, nem cõtraco de Feiro Cível, de qualquer natura,
calidade, e condiçaõ que seja, que fosse firmada amtre partees, que acontecesse, e se fizesse depois do
tempo, que per Nós he assinado, desoqual se esta nossa Ley deve guardar, a saber, depois do mez de
Setembro da Era de Cesar de mil quatrocentos e •treze (a)•, se loguo primeiramente naõ mostrar
Estormeco pubrico, ou Carta, per que possa firmar sua tençam, que pareça que tem rezam direita
pera demandar.
[ ... ]
16 Esta Ley queremos, e Mandamos que aja luguar, e se guarde em todollos Feitos, e
725
contrautos, que passarem em vallor, ou contía, ou estimaçom de cinco •mil (a}• livras acima; e nos
outros de menor valor, ou de menor contia, ou de menor estimaçam, posto que não seja feita, ou
mostrada Escriptura pubrica, nam leixaram porem os juízes de ouvir as partees, e poer, e rezoar seus
Feitos, e poer seu Direito per palavra, sem fazendo outra Esçriprura de processo, e sem outra
solenidade, e figura de Juizo; e livrem-se esses Feicos por a verdade, que por as partees for sabida.
17 Oucro sy queremos, e outorgamos que esta nossa Ley nom se emtenda, nem aja luguar
nas compras, e vendas da viandas· de paro, e vinho, carnes, e pescados, e outras cousas de
mantimenco de cada dia, nem dos *preiros (a)• dos jornaees, e mesteiraees, e obreiros, que se
devem paguar loguo em cada huü dia de serviço, e de lavor; nem no emprestido das roupas de vestir,
e camas, e alfayas de casa, e livros, que alguüs Letrados emprestam huüs aos outros a breve uso pera
ver alguüas duvidas; bestas, e armas, e prata emprestada, pera beberem per ella, ou comer em ella;
porque se nom poderiam os estormentos de taees emprestidos tam toste fazer, e em tal tempo, como
se fazem, e tornam os emprestidos das ditas couzas; nem aja luguar nas cizas, e pagua dellas, e nos
outros trebutos, e Direitos nossos_; e em esto se guarde o que se até ora guardou, assy por Nos, como
contra Nos; nem outro sy nom aja luguar nas compras, e vendas das mercadorias, que forem feitas
per Correcores antre os Estràgeiros, e naturaes do Regno, assy das mercadorias, que os ditos
Estrangeiros venderem, como das que comprarem per Corretores; nem das cousas dadas a
Pregoeiros, e Adellas pera venderem, e Alfaiates, e outros Meesteiraes pera coserem, e adubarem,
com os quaes se guarde o Direito Commum, ou as Hordenaçoeés do Regno.
• 9. PORTUGAL. Ordenações Filipinas, III, 52, pr. - prova plena e meia prova.
huma testemunha sem suspeita, que deponha compridamente do caso, sobre que he a contenda, ou
por confissaõ feita pela parte fóra do Juizo, ou por scriptura privada, justificada por comparaçaõ de
letra, ou por qualquer outro modo, porque segundo direito he feita meia prova.
• 12. PORTUGAL. Ord. Fil., III, 66, pr. princípio do acusatório (no cível).
Principe, que naõ reconhece Superior, he outorgado por direito, que julgue segundo sua
consciencia, naõ curando de allegações, ou provas em contrario feitas pelas partes, por quanto he
sobre a Lei, e o direito naõ presume, que se haja de comromper por affeiçaõ.
'* 13. PORTUGAL. Ord. Fil., V, 124, 7 - princípio do inquisitório (no crime).
7 E se o Juiz de seu Officio quizer perguntar algumas testemunhas, para boa informação,
e bem da Justiça, pode-o fazer, assi por parte do accusador, como do accusado. E ainda em toda a
causa crime depois das inquirições abertas, e publicadas, póde de seu Offido de novo receber
testemunhas, assi para a accusação, como para a defensaõ. Porém naõ o fará a requerimento de
alguma das partes: salvo se o caso for cal, que ainda que lho naõ requereraõ, elle o fizera de seu Officio.
E concluso assi o feito, osJuizes que delle conhecerem, dem nelle livramento como for justiça.
Art. 0 1341. 0 Deve ser celebrado documento perante o notário ou por assinatura privada
de todos os aaos que excedam a soma ou valor de 150 francos, mesmo para depósitos voluntários; e
não será recebida qualquer prova testemunhal em contrário ou para além do conteúdo no documento ...
Tudo sem prejuízo do que é prescrito nas leis relativas ao comércio.
Art. 0 1357. 0 O juramento judiciário é de duas espécies.
1) o que uma parte defere à outra para fazer depender disso a decisão da causa; chama-se,
então, juramento decisório;
2) o que é deferido pelo juiz a uma ou outra parte.
'* 15. PORTUGAL. Código civil de 1867 - princípio da livre apreciação (e seus limites).
Art. 2512. 0 O depoimento de uma unica testemunha, destituído de qualquer outra prova,
não fará fé em juizo, excepto nos casos em que a lei expressamente ordenar o contrario.
Art. 2513. 0 Se os depoimentos singuJares, ou sobre diversos factos, tenderem a provar o
mesmo asserto, fica ao prudente arbítrio do julgador avaliar a prova, que póde resultar do-complexo
d'esses depoimentos.
CAPÍTIJLO 5
AS OBRIGAÇÕES
modernas neste domínio. Assim, o direito actual das obrigações nasceu de uma fusão de
uma grande parte do direito romano com cercas regras canónicas e com numerosos
costumes medievais (1).
A obrigação é uma relação jurídica entre duas ou mais pessoas, pela qual uma delas
(o credor) tem o direito de exigir um cerco facto de outrem (o devedor). Nas Instituições de
Justiniano, a obrigação é definida como um iuris vinculum, quo necessita/e adstringimur
alicuius solvendae rei (III,. 13). A obrigação cria um direito de crédito, geralmente
chamado «direito pessoal», por oposição aos «direitos reais»; este direito de crédito não é
oponível erga omnes, não existindo senão entre as partes.
Tradicionalmente, as obrigações são classificadas de acordo com a sua fonte, ou
seja, de acordo com o acto ou facto jurídico que lhe deu origem. Gaius, nas suas
lrutitutiones (III, 88), foi o primeiro que pôs em destaque a distinção capital entre as
obrigações contratuais e as obrigações delituais: omnis obligatio vel ex contractu nascitur, vel
ex delicto, embora tivesse que admitir que algumas obrigações não entravam em nenhuma
das duas categorias. Na época bizantina estabeleceu-se wn sistema quadripartido das
fontes das obrigações:
- os contratos (venda, troca, locação, mandaco, depósito, sociedade, etc.);
- os delitos (todas as infracções penais);
- os quase contratos (por exemplo: pagamento do indevido, gestão de negócios);
- os quase delitos (por exemplo: a responsabilidade aquiliana).
Entre os séculos VI e XIII, na Europa ocidental, a distinção entre as diversas fontes
das obrigações desapareceu inteiramente, mesmo no que respeita à distinção entre
obrigação contratual e delirual; na Lei Sálica, por exemplo, mal se distingue a obrigação
que nasce de um contrato da que nasce de um delicp. A partir do séc. XIII, sob a
influência do direito romano, a classificação quadripartida impõe-se, vindo a encontrar-se
parcialmente no Code civil de 1804 (ares. 13 70. 0 e ss. ).
A matéria da história das obrigações é muito vasta, pelo que nos limitaremos aqui
ao estudo de alguns tipos de contrato: a formação dos contratos, a responsabilidade civil,
as garantias, o empréstimo, a sociedade.
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Obligationenrecht in seinen Gründzügen•, Zeits. mxleich. Rech11wimmch., 1920 e 1921; R. FEENSTRA e M. AHSMANN,
Contrall, Deventer 1980, Rechtshistorischec.ahiers, n.º 2.
731
1. Direito romano
O modo normal de formaçã:> dos contratos, tanto no antigo direito romano como
no direito romano clássico era a stipulatio. Tratava-se de um contrato formal, no sentido
de que era exigida, sob pena de nulidade, a troca de cenas palavras solenes entre o
credor e o devedor. Tais palavras eram simples. Por exemplo, Spondesne? (Prometes?),
Spondeo.' (Prometo!).
Formalismo elementar, portanto, mas formalismo indispensável. A stipulatio era,
de resto, um processo geral de alguém se obrigar, podendo servir para dar forma a
qualquer contrato. Certos contratos exigiam, no entanto, a entrega das coisas por um dos
lll P. C. TIMBAL, J. METMAN e H. MARTIN, LtJ obli~atiom conlraduelles dom ledroitfrançaiJ dtJ X/11.' et XIV.' 1iecles
d'apre1 la juriJprutknce du Parlemmt, 2 vols. Paris 1973-1977; v. também a este propósiro). YVER, Rev. hiJ1. dr. fr., 1974, p.
414-418; A. ESMEIN, Étude11ur les mn/ratJ dom le tril oncien dmit franroiJ, Paris 1883; J. YVER, LtJ con/ra/J dan1 /e trii anáen droit
normand, 1929; M. CASTAING-SICARD, Les contra11 dom /e trir anoen droit toulouJain (X. '-XIII.' sii:cles), Toulouse 1959;
G. ASTUTI, Contra/li obbligotori nella Jlorio tkl dirillo italiano, Milano 195 2.
732
2. Direitos germânicos
Os historiadores alemães da época romântica imaginaram, sem provas suficientes,
todo um antigo direito germânico das obrigações, que teria repousado sobre a autonomia
da vontade; partindo do adágio medieval ein Mann, ein Wort, elaboraram uma teoria
germânica dos contratos consensuais, uma vez que os Germanos teriam sido - segundo
diziam - um povo livre, respeitador da palavra dada.
Esta concepção não resistiu à crítica. Na verdade, não sabemos qU.Me nada do
direito germânico das obrigações. Tal como a maior parte dos povos arcaicos, os
Germanos conheceram muito poucas obrigações de origem contratual; os contratos
deviam ser forçosamente raros, em virtude da ausência quase completa de actividade
comercial e da importância dos laços que resultavam da solidariedade familiar. No seio
da família, a autoridade do mondualdo assegurava a execução dos deveres dos membros do
grupo social. Entre família<>, entre sippes, as obrigações apenas surgiam dos delitos:
aquele que tivesse causado qualquer mal a outrem devia repará-lo; toda a sua sippe estava
solidariamente obrigada a esta reparação, sob o risco de se expor à faida, a vingança
privada. Pequena distinção existia entre as obrigações delictuais e contratuais; mesmo
ainda na Lei sálica, a não execução de um compromisso, fosse qual fosse a sua origem, era
punida com sanções penais. As raras relações comerciais entre clãs estavam reduzidas a
transacções a contado: o contrato mais usual, nesta sociedade sem moeda, era a troca,
contrato que não gera, praticamente, obrigações.
Ainda que o compromisso unilateral, sem execução imediata, possa ter existido -
nomeadamente no processo, o compromisso de comparecer ou de executar a decisão - ,
ele apenas era válido se rodeado de certas fórmulas, de que o direito franco conservou
traços importantes.
733
3. Direito franco
As leis sálica e ripuária dão-nos a conhecer dois tipos de contratos, a /ides fada
e a res prestita:
a) A /ides Jacta (fé dada) parece ter sido um contrato formal: uma parte qui
/idem fecerit (que dá fé) compromete-se em relação a outra cui fidem fada est (a quem a fé é
dada). Cada uma das partes deve pronunciar cercas palavras (que não conhecemos h_oje) e
fazer cercos gestos; muito provavelmente, o devedor devia entregar uma/estuca (palhinha
ou ramo de palha) ou um outro objecto simbólico ao credor. A Lei sálica dá poucas
indicações sobre a forma do contrato, mas alonga-se sobre a sua execução; se o devedor
não paga, sendo requerido pelo credor, fica automaticamente responsável pelo pagamento
de uma multa de 15 dinheiros; seguidamente, é chamado ao mal/um (tribunal), onde o
thunginus decreta a penhora de todos os seus bens. Começa então um processo
extrajudiciário de execução da penhora: o credor dirige-se três vezes, de sete em sete
noites, a casa do devedor; se este continua a recusar-se a pagar, toma-se sucessivamente
devedor de novas multas de três dinheiros. Só então tinha lugar a penhora judiciária dos
bens, feita pelo conde e por sete raquimburgos. Como a stipulatio romana, a /ides facta
parece ter sido uma forma que podia dar força executória a qualquer compromisso; os
compromissos mais usuais parece terem sido a promessa de pagar a composição
( Wergeld), a de comparecer em justiça, a de pagar uma multa.
b) Ares prestita (coisa emprestada) é um contrato real: uma coisa foi entregue por
uma pessoa a outra, obrigando-se esta última a restituí-la. A Lei sálica limita-se, também
aqui, a regulamentar o processo de execução do contrato: depois de três notificações,
feitas de sete em sete noites - todas elas dando origem, no caso de recusa do pagamento,
a uma multa de três dinheiros - o credor pode penhorar os bens e a pessoa do devedor
recalcitrante. Parece que o contrato res prestita permitiu a conclusão de numerosos
contratos diferentes do empréstimo, nomeadamente a precaria e talvez mesmo a venda e a troca.
c) Na realidade, na prática, o formalismo parece ter dominado nos contratos
francos, mas um /orma!iJmo sobretudo simbólico. Para além de certas palavras e de cercos
gestos, todos os contratos exigiam, para serem válidos, a entrega simbólica de um objecto.
Estes símbolos, designados nos documentos por /estuca (palha) ou wadium (penhor sem valor)
podiam consistir em qualquer objecto: um ramo, uma faca, um torrão com erva. Num
documento de 777, que se conservou até hoje, o ramo está ainda preso ao pergaminho.
A entrega destes símbolos constitui uma sobrevivência dos contratos puramente
reais; mas em lugar de entregar efectivamence a coisa - por exemplo, a coisa vendida
- , entregava-se um objecto por ela simbolizado, garantia da execução do compromisso.
Para a transferência de terras, estes símbolos mantiveram durante muito tempo um
sentido prático: deitar fora a/estuca significava o abandono de um direito e a transferência
do direito real; ainda na B~xa Idade Média·, a transferência da propriedade faz-se por
ef/estucatio ou por werpitio (cf. werfen = lançar): num costume dos arredores de Bruxelas,
734
do séc. XIV, o arremesso da palhinha (/estuca) era ainda necessário para abandonar o
poder paternal no processo de emancipação.
d) Formalismo e simbolismo dominam portanto o direito franco. Em contrapartida,
nas regiões em que subsistia a influência do direito romano, o simbolismo pouco
intervinha, embora o sistema clássico romano tenha perdido muito do ~eu rigor. Foi
sobretudo o documento escrito que aí se tornou no elemento essencial na formação dos
contratos, enquanto que, na época clássica, o documento não constituía senão um meio
da sua prova.
4. Época feudal
Do séc. X a XIII, nas regiões em que o feudalismo se desenvolveu, os contratos
continuam a ser, exclusivamente, ou reais, ou formais.
Na sua maior parte, os contratos formam-se pela entrega da coisa; assim, a venda
apenas se torna efectiva pela entrega da coisa vendida ou pelo pagamento, total ou
parcial, do preço; a doação apenas fica perfeita pela entrega da coisa doada (donde o
adágio «Não se pode dar e ficar com as coisas»).
Tal como na época franca, o simbolismo desempenha um papel muito importante:
a entrega da coisa ou do preço pode ser feita pela entrega de um objecto cujo valor pode
ser quase nulo. Ao lado dos antigos símbolos, aparecem no decurso da Baixa Idade Média
três novas instituições que permitirão transformar contratos reais em contratos formais:
- o dinheiro de_ Deus (fr. !e denier à Dieu,· lat. denarius Dei), moeda de baixo valor
entregue por uma parte à outra e destinada a um uso piedoso; não se trata de um
princípio de pagamento. O processo subsistiu até ao séc. XIX: assim, numa sentença
belga de 1882, reconhece-se ainda o uso do dinheiro de Deus, no caso uma soma de dois
francos entregue a uma criada aquando da sua admissão;
- o vinho do mercado (fr. !e vin du marché): as duas partes entram numa taberna e
bebem juntamente vinho ou outra bebida, muitas vezes na presença de testemunhas que
participam nas libações. Ainda se encontram restos desta instituição nos usos das zonas
rurais de hoje.
- a palmada (fr. paumée,· lat. palmata): as duas partes apertam a mão, ou então o
comprador dá uma palmada na face do vendedor: <<Íérir la paumée». A palmada significa
a entrega da coisa. O costume de Montpellier do séc. XIII (art. 0 100) exige a paumée para
validar uma venda: emptio non valet Jine palmata; passa-se o mesmo com um costume
flamengo do séc. XVI. Mesmo nos nossos dias, nos mercados de gado centro-europeus, a
palmada é de uso corrente <3>.
m J. GOTfSCHALK, Die Verrravformm im alruren Gmnaniuhen Rechr, 1940; F. BEYERLE,. •Weínkauf und
Goctesprenning•, Fumhrift Sch11/rze, 1934, 251 ss.
735
Ao lado destes contratos, cujo acto simbólico lembra o elemento real, existiram
contratos puramente formais. A /ides ou fiança (donde: fiançailles, "termo que sobreviveu
no francês actual) parece ser uma sobrevivência da /ides /acta franca: consiste também em
certos gestos e cenas palavras; a maior pane dos compromissos unilaterais, tal como a
renúncia a certos privilégios ou direitos e a constituição de caução, fazem-se per /idem
interpositam. Do mesmo modo, no contrato feudo-vassálico, o vassalo dava a fé ao seu
senhor, ao mesmo tempo que lhe prestava homenagem. A instituição da fides desaparece
nos sécs. XIV-XV.
O juramento (juramentum) desempenha um papel similar: numerosos contratos
eram feitos per /idem et juramentum, juntando assim uma forma leiga a uma outra
religiosa. Trata-se, bem entendido, do juramento promissório (prometer fazer ou não
fazer certa coisa) e não do juramento probatório (prova de um facto). A Igreja organizou o
formalismo do juramento: recitação de uma fórmula pela qual se toma Deus por
testemunha (por exemplo: per Deum juro) e cenos gestos (por exemplo: pôr as mãos sobre
os evangelhos ou sobre relíquias, ou levantar a mão). Este formalismo sobreviveu no
juramento moderno.
de 1234, o mesmo princípio será estabelecido pela lei canónica: Pacta quantumque nuda
servantur (qualquer pacto, mesmo o «nus», deve ser mantido) 14>_
b) O direito costumeiro sofreu a influência do direito canónico, ou construiu ele
mesmo uma teoria do consensualismo que levou os canonistas a tirar as consequências da
concepção moral do respeito da promessa? Parece que a segunda hipótese é a mais verosímil.
Nos sécs. XI e XII aparece, sobretudo no sul de França, a convenientia, termo
recebido do latim convenire, estar de acordo; dará, no francês medieval, «convenance»; é
um contrato «em que a vontade basta para obrigar, sem gestos nem declarações
formalistas» (Ourliac). Mesmo a fiança, que nós classificámos entre os contratos formais,
parece muitas vezes destituída, na prática, de qualquer formalismo.
Esta prática, totalmente pragmática, longe das construções doutrinais, parece ter
inspirado as recolhas francesas de costumes da segunda metade do séc. XIII. O Livre de
justice et de Plet (II, 7) afirma que <<convenances accordées font les marchés, non pas la
paumée». Beaumanoir dirá: «Os negócios ficam firmes logo que celebrados pelo acordo
das partes ... » (n. 0 1066) ou ainda «todos os acordos devem ser cumpridos». Uma
redacção rural de costumes da região de Bruxelas, Dit is't recht van Vede, .do início do
séc. XIV, afirmará, por sua vez: «todooprometidoédevido» (arc.º98.º(v. does. 7
e 8, p. 744).
Assim, o princípio do respeito pela palavra dada implantou-se no conjunto dos
costumes da Europa ocidental pelo menos nos sécs. XIII e XIV, apesar da resistência dos
juristas romanistas. O desenvolvimento do comércio nas cidades de Itália, da França e
dos Países Baixos contribuiu grandemente para isso.
Os juristas da época moderna confirmam a vitória do consensualismo. Dumoulin
admite que a regra canónica ex nudo pacto, actio oritur é admitida em direito francês.
De acordo com os ideais individualistas da Revolução Francesa, o princípio do
consensualismo é admitido sem dificuldade no Code civil de 1804; embora aí não esteja
expressamente formulado, está subentendido por todo o lado (arts. 1138.º, 1583. 0 ,
1703. 0 , etc.) m.
14> SPIESS, De /'ob1ervation tÚI Iimplu roflllf1ltiom m droit canoniq1Je, 1928; ). ROUSSIER, ú fondemmr de l'obligation
conrract1Jel/e d4ns /e droit clasiiq1Je de l'EKlise. Paris 1935.
m I'. CAI.ASSO, la convmimtia. Contribt1to ai/a Jtoria dei contralto ;,, /ta/ia d1Jrante /'alto media evo, Bcilogna 1932;
G. SAUTEL e M. BOULET-SAUTEL, •Verba ligunt homines•, Étt1de1 P. Pélot, 1958, p. 507-517; R. TISON, u prinâpt de
l'a1Jtonomie de la volonté dam l'ancim droit, Paris 1931.
737
sobretudo nas cidades; daqui em diante, é o homem, enquanto indivíduo isolado, livre,
com a capacidade de dispor da sua pessoa e dos seus bens, que constitui o sujeito de
direito.
No domínio dos contratos, o individualismo traduz-se sobretudo pela autonomia
da vontade. Cada indivíduo, enquanto sujeito de direito, goza da liberdade de se obrigar
ou não, sendo pela sua vontade consciente que ele se obriga.
A doutrina da autonomia da vontade dos contraentes surge com o Humanismo e
com a Reforma, no séc. XVI, tomando-se corpo doutrinal a partir do séc. XVII, com a
Escola do Direito Natural.
a) A Idade Média não reconhecia o primado da vontade individual; esta não era
então respeitável senão nos limites da re, da moral e do bem comum. Os interesses da
comunidade familiar, religiosa ou económica, ultrapassam os dos indivíduos que a compõem.
O individualismo não triunfa senão no séc. XVI, ainda que certos pensadores,
como Duns Scot (t 1308) e G. de Occam tenham defendido a ideia de que a vontade
comanda o intelecto, que ela constitui a causa do seu acto. O Humanismo, combatendo a
escolástica, insistirá no homem enquanto individualidade própria, sobre a sua liberdade
intelectual e sobre a sua vontade livre.
A escola humanista terá dificuldade em desenvolver completamente estas ideias,
ainda que muito gerais. Não se ousa romper com as velhas teorias romanas dos pactos nus
e vestidos; Akiato, Cujácio e os seus discípulos desprezavam a prática costumeira do seu
tempo, limitando-se a reconhecer as teorias romanas, em todo o seu antigo rigor.
Os costumes, quando forem reduzidos a escrito, conterão muito pouco sobre
contratos; apenas o costume de Anvers contém um longo capítulo sobre a teoria geral dos
contratos. Mas serão os comentadores do costume, Dumoulin por exemplo, que
afirmarão que a regra canónica ex nudo pacto actio oritur é admitida e aplicada em direito,
enquanto que rejeitarão todo o formalismo da stipulatio romana.
Loisel retoma a mesma ideia, dando-lhe, no entanto, uma formulação particular,
em que insiste sobre a ausência de formalismo: «ligam-se os bois pelos cornos e os
homens pela palavra, tanto valendo uma simples promessa ou uma convenção como as
stipulationes do direito romano» (342). Loisel, no entanto, não fez outra coisa senão
traduzir uma glosa medieval às Instituições (III, 14): ut enim boves Junibus visualiter ligantur,
Jic homines verbis ligantur intellectualiter.
b) É à Escola J usnaturalista que a autonomia da vontade deve a sua autoridade, o
seu primado. Esta Escola, no séc. XVII, constitui um factor importante de laicização do
direito, da sua concepção racional e, ao mesmo tempo, universal. Para os jusnaturalistas,
o direito rege a sociedade civil; já não é, portanto, forçosamente cristão, como criam os
canonistas dos sécs. XIII e XIV. Já no início do séc. XVII, o teólogo espanhol Suarez
( 15 48-1617) insistia sobre o livre-arbítrio e considerava que a regra pacta sunt servanda era
o princípio de base de todo o direito natural. Mas foi sobretudo o jurista holandês Grócio
738
que desenvolveu a nova teoria: a vontade é soberana; o respeito da palavra dada é uma
regra de direita natural; pacta sunt seroanda é um princípio que deve ser aplicado nãQ
apenas entre os indivíduos, mas mesmo entre as nações. Assim nasce a concepção
moderna do direito das gentes, baseado no respeito dos tratados <6>.
O jurista alemão Pufendorf, no seu livro De officio hominis et civis juxta legem
natura/em, publicado em 1673, defenderá a ideia de que o homem é a origem da
autoridade e do direito. Indivíduo autónomo, o homem é o senhor supremo das suas
opiniões e dos seus actos, não podendo ser comandado por nenhuma autoridade superior.
A influência de Descartes é grande; ao «penso, logo existo», os juristas substituirão
«quero, logo tenho direitas»; «quero, logo obrigo-me». É deste modo que Pufendorf
insistirá: «Cada um deve respeitar ínviolavelmente a sua palavra, ou seja, aquilo a que se
comprometeu por qualquer promessa ou convenção».
c) Estas ideias tomar-se-ão, no século XVIII, num sis.tema geral de. filosofia
política e social, sobretudo nos fisiocratas. A sociedade é considerada como um conjunto
de homens livres e autónomos, que não se ligam entre eles senão pela vontade.
O «contrato social» de J. J. Rousseau 'repousa sobre a autonomia absoluta da vontade dos
indivíduos: «Cada indivíduo obriga-se como quer, quanto quer, mas apenas enquanto
quer». Está aqui toda a autonomia individual originária que a Revolução Francesa
retomará e consagrará nas leis do seu período Íntermédio.
Os juristas franceses do séc. XVIII, pela sua parte, estão atrasados em relação aos
filósofos. Muitos práticos e comentadores, sobretudo no sul de França, continuam
desesperadamente agarrados ao direito romano. No entanto, constata-se que são feitas
tentativas que visam conciliar o formalismo romano da stipulatio e a autonomia da
vontade. Domat escreve nas suas Loix civiles dam ieur ordre naturel (1689); «qualquer
convenção, tendo ou não nome, cem sempre os seus efeitos e obriga ao que foi estipulado».
O Code civil de 1804 consagrará a autonomia da vontade sem desenvolver a sua
teoria, e isto, nomeadamente, no art. 0 1134. 0 : «As convenções legalmente formadas
impõem-se como lei àqueles que as celebraram». Esta frase, mal redigida, pois nunca
uma convenção pode ser assimilada a uma lei, vem do segundo projecto de Cambaceres
(dica o «pequeno projecto» ). No cribunado, Favard dirá: «Ü contrato legalmente
formado é uma emanação da lei e não menos sagrada do que ela».
Esta teoria será plenamente desenvolvida no século XIX pelos grandes juristas da
Escola exegética, respondendo, de resto, perfeitamente às concepções políticas e
económicas de então: o individualismo e o liberalismo.
As fórmulas <daissez faire, laissez passer» e a lei da oferta e da procura repousam
essencialmente sobre a liberdade contratual. É a idade de ouro da liberdade absoluta das
6
< ) M. DIESSELHORST, Dit úhrr tÚJ Hup.o Gro1iu1 vom VerJpmhm, Koln-Graz 19~9 (.forschungen zur neueren
Privarrechrsgeschichre•, Band 6); G. AUGÉ, •l..c contrai er l'évolurion du conseosualismc chez Grorius•, Archiva lk philmophie du
droit, XIII (1968), 99-114; R. FEENSTRA e M. AHSMANN, Conlrat .. . , op. ât ..
739
e comerdal, no ano de 1867 e, no de 1870, foi-o na Bélgica; aqui, uma lei de 1980
revogou a de .1870 e fez assim desaparecer completamente o constrangimento pelo corpo,
mesmo em matéria penal. Na verdade, aquele que nada tem pouco pode ser constrangido
pela prisão a pagar as suas dívidas.
NOTA DO TRADUTOR
O esrado actual da hisroriografia jurídica não permite um pano;.una sistemático da evolução do direito português das
obrigações. Alguns dos seus aspectos - v.g., a quesrão da capacidade ou a da forma - foram referidos em capírulos anteriores.
A seguir, será abordado o da responsabilidade civil. Sigamos, agora, os remas tratados no texto.
O direito medieval dos contratos foi estudado, a.inda no séc. XIX, por H. da Gama Barros (HiJtória da adminiJtração
pública .. ., 2. • ed., VI, 183 ss.), numa exposição cenrrada sobre a compra e venda, troca e doação, os mais importantes coniratos de
então (embora as fonres legislativas e foraleiras tratem de ourros, como por exemplo a prestação de serviços, a empreitada, o
comodado, o mútuo, etc.). No séc. XX foi retomado, numa perspectiva considerada demasiado gerrnanizanre, por Ernst Mayer
(«Das altspanische Obligariomrecht in seinen Gruodzügen•, Zei11. fiir vergleichtndt WiJJttuchaft, 38-9 (1920)) e, depois por M. Paulo
Merea e por L. Cabral de Moncada, em monografias dedicadas sobretudo ao problema da transferência da propriedade nos contratos
rranslatícios (venda, rroea, doação), embora Merêa tenha a.inda estudado a arra •penitencial• (arra que permitia desfazer um contrato
perfeito e que não deve ser confundida com a arra pacto imJ>tr/tào data - escudada, v.g., por Gama Barroo, HiJtória .. ., VI, 219).
Sobre a questão da transferência contratual do domínio, a evolução foi, groHo modo, a seguinte. O Código visigótico exigia a
tradilio nas transmissões de bens móveis, em obediência ao princípio germânico Hand mu11 Hand wahrtn (cf. M. P. MEREA, •ÜS
limites da reivindicação mobiliária no direito medieval (Leão, Castela, Portugal)., EJ1udo1 dt dirtilo hiJpJnico muiitval, I, Coimbra
1952, 1 ss.). Quanto aos bens imobiliários, parece que a tradição, real ou simbólica, era necessária (cf. L. W., V, 2, 6- •res donate,
si in presenci readite sunt, nullo modo reperancur a donacore•; texto relativo apenas às doações - cf. doe. !, pg. 742, mas o
princípio seria o mesmo para as vendas; v. M. P. MEREA, •A tradicio cartae e o• documentos medievais portugueses-. EJI. dir. hisp.
med., II, I 22). Parece, porém, que a materialidade da traditio se atenuou na Alta Idade Média, baseando a entrega do documento pata
perfazer a transferência (v. L. CABRAL DE MONCADA, •A 'craditio' e a transferência da propriedade imobiliária no direito
português•, Es1udo1 de hútória do dirtito, I, Coimbra 1948, 1 ss.; opinião criticada por Merea no artigo antes eirado). Seja como for, no
séc. XIII, por influência do direito romano, começa a exigir-se tanto a desistência por parte do transmicenre, da sua propriedade,
como a investidura nela do adquirenre, invescidwa que mnco pode ser real como simbólica (telhas, ram05 de árvon5; cf. doe. 6, pg. 743 ).
É este o principio que vigorará até ao séc. XIX, estando estatuldo nas OrdtnaÇÕtJ (Ord. Pil., IV, 7 e 8; v. does. 10 e 11, pg. 745).
Embora o seu alcance prático não fosse tão radical, pois tanto a doutrina enumerava frequenres casos de transmissão por mera força do
contrato (.por actos ficckios e simbólicos•: cf. MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (de Lobão), NolaJ a Melo, cit., Ili, e. 2, S 8,
n. 15 a 24; e III, § 3, 10, n. 1: 53 CllS05 de tnnsmissão consensual enumera Manuel Banha Quaresma, na primeira memde do séc. XVIII),
como a prática fazia introduzir nos contratos cláusulas declarando que •O alienante transfere para o adquirente imediatamente rodo o
domínio e posse• (cf. sobre esta cláusula - c/Jusula romliluti, sacramental nos contratos de alienação - além de Lobão, o detalhado
comentário de FRANCISCO DE CAIDAS.PEREIRA E CASTRO, Analytioo commtnlarim ,;.,. ad typum imt1'11mmti emp1ioni1, &
11ewditioni1 traclalus, Conimbricae 1616, maxime c. 25). A influência do consensualismo (sobretudo de GnScio e Puffendorf,
vulgarizados, entre nós, por Heinneccius) fez com que Melo Freire se pronuncias!IC, dt iure natura<, a &vor do consensualismo (/nJI.
iur. ci11. lu1., III, 3). Também Coelho da Rocha (fmiilui'6<J ... , II, Nota KK ao S 818) discute a questão, inspirando-se no Code civil
(art. 0 1583.º; em todo o caso, para os móveis, lapom1sion vau/ tilrt, act. 0 1414. 0 ) e ponderando o alcance prático de uma e outra
regra, nas questões, aqui fundamentais, da venda da mesma coisa feita a dois e do risco pela perda da coisa entre o momento do
contrato e o da entrega (cf. does. 9 e 10, pgs. 744-745). Na verdade, tanto como a influência dourrinal do individualismo, o que escava
aqui em causa era um sistema de transmissão adequado às cilrBccerfsticas históricas do tráfico comercial: o alargamento dos espaços
comerciais tinha multiplicado o número de alienações feiras na ausência do objecco (móvel ou imóvel) alienado, pelo que a elligência
de /raditio material era embaraçosa; mas, por outro lado, a inexistência de um sistema de registo (pelo menos para imóveis; ma.is carde
para móveis valiosos - navios, automóveis, aviões) tornava arriscadas as soluções meramente consensuálistas. Com o estabelecimenco
do registo (v. Jupra) foi possível progredir no sentido do consensualismo; o Cód. civil de 1867 (acts. 715.º e 716. 0 , 1549.º e
1578.º ss.) estabelece-o em geral (mesmo para os móveis), com a restrição de que os efeitos da alienação de imóveis (ma.is tarde,
rambém de certos móveis, já referidos) em relação a rerceiros estão dependentes de registo (are. 0 1578. º).
Perfeito ·o contrato, o alienante ficava obrigado a ~fazê-lo bom•. A pena convrnciooal (ou arrm)- quando não era apenas
um meio de fazer cumprir uma promessa inicial de contrato - era uma das formas de garantir o cumprimento. O Cód. Vis.
estabelecia a obrigatoriedade do cumprimento independentemente de convenção de pena (II. 5,5) e fixava o máximo da pena na
resricuição em dobro do preço (por parte do vendedor inadimplence) ou no pagamento em triplo do preço (no caso do comprador) (II, 5,8). No
741
direito da recOll<Juisra permaneceu a reg,,/a dupli (indemnização, de uma ou de ourra parte, igual ao dobro do valor da coisa), acrescido
do j"di<at"m (ou mulra judicial, normalmenre de outro ranro, a favor do senhor da rerra). Até ao século XIII, incluíam-se ainda no
documento maldições ou, até, penas corporais; depois do século XIII, ~regra é o pagamenro do dobro, mais o valor das benfeirorias, e
outro tanto para o senhor da terra (v. exemplos de actos e de legislação em H. GAMA BARROS, His16ria ... , cit., VI, 219 ss.;
cf. Ord. Af., IV, 62, !). Outra garantia do adquirente era a evicção - i.c., a garantia dada pelo alienante ao adquirente contra a
privação da coisa por terceiro a quem ela pertenc~ (no rodo ou em parte)-, cuja tradição medieval remonta ao Cód. vis. (V, 4,8).
Está documentada em documenros, forais e lei gerais (desde 1273, cf. P.M.H., l.tg. Com., 1, pg. 228: chamamento à autoria do'
alienante da coisa evicienda e, no caso de este não comparecer ou ser vencido, indcmnizaÇão ao adquirente no valor do dobro). Este
regime era, de resto o dominante; as OrdJ. A/. reduzem, em princípio, o montante da indcmnizaÇão ao valor da coisa e interesses,
salvo se houver outra convenção (0..d. Af., iv, 59, 8 ss.; mss em lll, 40, 2 voltam à regra do dobro). O mesmo regime se encontra no
direito subsequente (Ord. Man., Ili, 30, 31; Ord. Fil., Hl, 45; servindo de direito subsidiário, o rir. De evictionibus ti duplae
Jtip11/atio'1t do Digesto, D., 21,2), aplicando-se, como natura/ia contracf11J (i.é., independenremenre de estipulação) a todos os
contratos que importassem a rransferência do domínio; sobre o rema, H. GAMA BARROS, Húttiria ... , cir. VI, 2'.>3 ss.; para o
direito posterior, v., 11.g. MELO FREIRE, lmtiMio'1tS ... , IV, 4, 12; MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (de Lobão), Segunda!
linhas ... , DISS. l e 2; A. M. COELHO DA ROCHA, lmtituifÕtS ... , II, § 743, 811, erc. Por fim, a garantia conrra os defeiros
ocultos da coisa (vícios redibirórios), permitindo desfazer o conrrato. Esta garantia era desconhecida do Cód. visigótico - apesar de
se encontrar consignada na l.tx rrJ'114na wisigothonlm no caso de compra de escravos; na nossa Idade Média, aparece, muito
localizadamente, nos foros de Cima Coa, quando da compra de animais e a SWl generalização - imputável à recepção do direito
romano (cf. D., 21,l, l,l; D., 21,1,38, pr. e§ 5, s6 paxaas vendas de animais)- parece rerenconrrado resistências até ao século XV;
então, uma lei geral (de 143'.>) pressupunha a recepção do regime romano, mas excepcionava Évora, sendo depois tal excepção alargada a
ourros concelho.< produtores de cavalos (a fim de garantir os vendedores). As Ord. A/. (IV, 22) reafirmam o regime do direito comum; o
mesmo acontecendo com as posteriores (Ord. Afa'1., IV, 16; Ord. Fil., IV, 17); esre último preceito alarga a redibição a rodos os contratos
traslatícios onerosos sobre animais, escravos e coisas inanimadas (curiosa casuística; v. doe. 12); a doutrina e legislação posterior
limita-se a sistematizar. V. sobre o ponto, H. GAMA BARROS, Histtiria ... , cir., VI, 261 ss.; P. MEW FREIRE, lmt., cit., IV, 3, 18;
A. M. COELHO DA ROCHA, lmtit11Ífôes ... , U, § 815 s .. Interessante era ainda a possibilidade dada ao• contraentes pelo antigo
direito de se •arrependerem• depois de concluirem o contrato. No direito alto-medieval, esta possibilidade era criada através do
estabelecimento de uma •arra penitencial• que se perdia no caso de o contrato ser desfeito; este instiruto, de origem controversa
(oriental? v. M. P. MEREA, •A arra penitencial no direiro hispânico anterior à recepção•, em E11. dir. hisp. med., cir., 1, 37-59),
aparece nos costumes de Cima Coa, em que se estabelece que o conrraenre arrependido deve indemnizar no dobro da SWl prestação
(v. doe. 9; pg. 744 ). Com a recep;ão do direito romano jusrinianeu, a arra penitencial, aí introduzida por Jusriniano (/mi., 3,23, pr.),
passa a influenciar o direito peninsular (PartidaJ, V, 5, 7) e português, estando estabelecida nas Ordenações (Ord. A/., IV, 36;
Ord. Ma,,., IV, 24, 1 e 2; Ord. Fil., IV, 2, l e 2, venda com •sinal•; diferente era a cláusula de rrtrovmdmdo ou venda a retro, Ord.
Fil., IV, 4, pr.). A do~rrina oitocentista, dosa do princípio de que os contratos devem ser cumpridos (J1ana s"m mvanda), reagiu
contra o efeito resolurório do •Sinal•, por ser absurdo incluir no contrato uma cláusula que, longe dc render ao seu cumprimento,
tende à sua resolução (Coelho da Rocha); daí que tenha entendido - na esteira do A.L.R. prussiano - qU", na fâ.lta de estipulação, o
sinal valesse como princípio de ~to, o que, IXB recmos da Ord. Fil., JV,2,3, impossibilirava a rescisão do contraro; e que o concraro
com sinal liberatório equivalia a uma simples promessa contratual, tal como fazia o Code civil (v. art. • l'.>48. ° Cód. civ. de 1867 -
v. doe. 19, pg. 7 50; o Código comercial de 1833, no art. 0 463. 0 fora mais radical e proibira a resolução desde que o acordo se tivesse
consumado). Quanto à venda a reera, ela é abolida pelo Cód. civ., como conrníria à segurança do comércio jurídico, art. 0 1586. 0 .
Sobre esce tema, H. GAMA BARROS, HiJJória ... , cir., VI, 248 ss.; A. M. COELHO DA ROCHA, lmtituifÕ<I.. ., li, 740;JOSÉ DIAS
FERREIRA, Código civil portuguez ""'1fJtado, cit., comenr. ao arr. 0 748. 0
Ainda uma referência breve a dois inscirutos, cuja evoluçãn é muito característica do conflito de influências a que o do
direito das obrigações esteve sujeito, nomeadamente da contraposição enrre duas concepções das relações económicas enrre os
indivíduos - urna comunitária e etici:zance, outra individualisra e consensualista. Referimo-nos à lesão e à proibição da usura.
A lesão é o instituto que autoriza os concraences a rescindirem os conrratos que lhes sejam gravemence danosos, independencemenre
de qualquer vício de vontade (i.é., de erro, dolo, cOaÇão). A lesão estava consagrada na Ltx. rom. wi1. (= Cod. Thtod .. III, 11) por
influência de uma consciruição de Diocleciano, depois incluída no Code:c iusfi'1iani (IV, 42, 2), que invocava o argumento da
humanidade (huma'1um eit). Em contrapartida o Cód. Vis. rejeitava-a expressamenre (V .4, 7). Volta a ser admitida na ordem jurídica
europeia por influência do direito canónico (Decntair de Grrgtirio IX-X, e. 3 e 6, lll, 17) que, por sua vez, se baseava na cearia
escolástica do •justo preço•, segundo a qual cada coisa cem um valor objectívo. Enrre nós, a lesão mosrra estar recebida nos finais do
séc. Xlll, sendo consagrada nas Ordenações (Ord. Af., IV, 4'.>; Ord. Ma'1. IV, 30; Ord. Fil., IV, 13). Nestas últimas(: declarada
irrenunciável. O consensualismo e a laicização do direico reagem contra estas limitaÇões éticas ao principio da liberdade contratual.
Os códigos oitocentisras restringem a lesão, subsumindo-a alguns deles (como o A.L.R.) aos vícios de vonrade, pelo que a rescisão só
seria possível quando o conrrato prejudicial tivesse sido celebrado por erro, dolo, etc. Melo Freire (/nst., I, 8, li e IV, 3, 17) não
esconde a sua anripatia pelo instiruro, com a lati rude que lhe era dada. O Cód. com. de 1833 (arrs. 494. 0 e 510. º)não acolhe a lesão
como fundamento aufÓnomo da rescisão conrrarual, o mesmo fazendo o Cód. civ. de 1867 (cf. H. GAMA BARROS, Hi11ória ... , VI,
203; M. A. COELHO DA ROCHA, Instituições ... , II, S 737 e nora li). Na evolução da usura consraca-se um movimenro semelhante
742
no sentido do laicismo e individualismo. Proibida pelo direiro canónico, a usura é objecto de inúmeras interdições legislativas durante
toda a nossa Idade Média, embora fosse correntemente praticada sob outros contratos como o censo; as Ordenações proíbem-na
(Ord. Aj., IV, 19; Ord. Man., II, 46; Ord. Fil., IV, 67), emboraexceptuando o contrato de câmbio (Ord. Fil., N, 67,6), mas não o
de risco, este último legalizado em 1655. Em 1745, o papa Bento XN (encíclica Vi..- f>mlmit) permite a cobrança de juros como
remuneração dos prejuízos (danos emergentes e lucros cessantes) do mutuante ou do risco (peri(tl/um 1ortiJ); mas, mais do que isto,
permite a usura quando o juro IOsse autorizado pelas leis tempOi:ais. Entre nós, D. José substitui a proibição pelo estabelecimento de
um juro máximo (5%), enquanto que Melo Freire (lnJI., 1, 8, 15) declara que •a usura não é proibida nem pelo direito natural, nem
pelo divino, nem pelo humano, se for moderada, e não exceder a justa estimação do USO•. Um alvará de 1810 e, depois, o Cód.
comercial de 1833, art. 0 280. 0 vêm abolir a fixação dos juros entre comerciantes. O Cód. civ. de 1867, generaliza este principio
(att. 0 1640. 0 , revogado, novamente num sentido anti-individualista pelo dec. 0 12 345, 21.9.1926). V., sobre o tema, V. H. DA
SILVA FONTES, O em/lféltimo a jurol, S. Paulo 1954, bem como os artigos •Juros• e •Usura» do Dic. hiJ1. Porl., dir. por Joel Serrio. Para o
significado sociológico-cultura da queséio, BARTOUDME a.AVERO, UJura. DJ wo armómim de la ,../igión m la hiJ1ória, Madrid 1985.
A construção moderna e contemporânea do direito das obrigações representa, em relação à construção romanista e do direito
comum clássico, uma revolução copémica. O direito romano - e, com ele, o direito comum clássico - baseavam roda a dogmática
.das obrigações no contrato; os pactos eram conhecidos (cf. os títulos De paaiJ do Oigesto e do Código - O., 2, 14 e C., 2,3), mas
apenas como convenções anexas a um contrato, destinadas ou a restringir as pretensões do credor ou a dar-lhes conteúdo; não geravam
obrigações autónomas, mas apenas meios de defesa contra pretensões da outra parte (i.é., não geravam aaionu, mas apenas exrep1io11u);
daí que, nomeadamente, os paaa não pudessem contrariar os usmtialia do negócio principal. Apesar de o direito pós-clássico ter
atribuído alguma eficácia positiva a alguns pactos (pactos •vestidos•, por oposição a nuda paaa), o contrato manteve-se no centro da
dogmárica obrigacional do direito comum até muito 1arde (v. doe. 17; pg. 748). Entre nós, a doutrina quase se limita a tratar dos
paclos comummence anexos a contratos - v.g., pacto dt rttrfll!e1ldendo, anexo à compra e venda, pacrum tk re11011ando, anexo à
enfiteuse, etc.· Raros são os aurores que esboçam uma teoria autónoma e geral dos pactos e, alguns destes (como, v.g., Agostinho
Barbosa, v. doe. 16, pg. 748) baseia-a ou na razão natural ou em fontes canónicas, ma.is do que no direito civil. Será Melo Freire
quem, sob a influência dos jusnaturalisras (cf. does. 13 a 15; pgs. 747-748), inclui os pactos entre as fontes au1ónomas das obrigações
( ~orirur obligatio non solum ex conrracru, vel quasi contractu, et ex delicto, vel quasi delicro, sed etiam ex pacto, et conventione
nuda, er ex variis tandem causarum figwiS>, lnJI., N, I 3; cf., em contrapartida, Gaius - •Obligationes aur ex conrracru
nascuntur, aut ex maleficio, aut proprio quodam jure ex variis causarum figuris•, D., 44, 7, l, De obligat. el aa. ). Mas Melo Freire
não se limita a reconhecer a autonomia obrigacional dos pactos; atribui-lhes a primazia entre as fontes das obrigações, equipara-os
totalmente aos contratos e constrói estes, mesmo os antigos contratos nominados do direito romano, como pactos (cf. Insr., IV, 3, l;
IV, 3, 12; etc. v. doe. 18, p. 749). Esta absoluta paridade das fontes das obrigações fica adquirida e, quando a doutrina liberal fala do
contraro, dá-lhe já o sentido geral de pacto.
DOCUMENTOS
Tradução
Os pactos, embora nus, devem ser cumpridos.
Tradução
Assim seja em nome de Deus. Saibam todos os presentes ... (que) ... Rodrigo Sueiro ... e
Dona Maria Munionis deu e entregou a Dom Estêvão, abade do mosteiro de Alcobaça, em seu
nome e do convento(= comunidade) do seu mosteiro todas as herdades e bens que tinha ou devia
ter na Vila Nova e no seu termo e no Rossio que fica entre os dois rios, tanto em montes, como
em fontes, bem como também em bosques, com as suas entradas (= servidões) e saídas
( = espaços maninhos adjacentes) e com todos os seus direitos e pertenças, e o dito Dom Abade
possuiu e entrou em posse corporal de rodos os ditos prédios através de telhas das casas, cerra dos
lugares e ramos das árvores.
Tradução
... e em todo o contrato oneroso que tiver sinal o que se arrepender dobre o sinal. E o que
tiver dado a coisa e se arrepender, perca-a.
Do perir.o. 011 perda que aconteceo na couJa vendida, anleJ de Jer entregue ao comprador.
Tanto que a venda de qualquer cousa he de todo perfeita, toda a perda, e perigo que dahi
em diante ácerca della aconteça, sempre acontece ao comprador, ainda que a- perda, e danno
aconteça antes que a cousa seja entregue. E porque se poderáõ fazer algwnas duvidas ácerca do
modo em que se a venda ha por perfeita quanto ao perigo que se depois segue, as determinamos na
maneira seguinte.
3 E se as partes acordassem entre si, que da venda fosse feita scriptura publica, e antes
que fosse feita, e acabada a Nota do instrwnento da venda, perecesse a cousa vendida, pertenceria
a perda della ao vendedor. E depois da Carta feita, todo o caso que sobreviesse á cousa pertenceria
ao comprador, ainda que lhe a cousa naõ fosse entregue sem culpa do vendedor. E o mesmo se
pôde dizer em quaesquer contractos, que segundo direito requerem necessariamente scriptura publica.
) E se for vendida alguma quantidade que se haja de medir, e gostar, ou pesar, e gostar,
assi como vinho, mel, azeite, ou specearia, ou outras semelhantes, todo o perigo que ácerca da
dita cousa assi vendida acontecesse antes que o comprador medisse, e gostasse, ou pesasse, e
gostasse, pertencia ao vendedor. Porérri tanro que for medida, e gostada, ou pesada, e gostada, .
pertencerá o perigo ao comprador.
6 E sendo vendida a dita quantidade, naõ ·por medidas, mas juntamente em specie,
pertencerá o perigo que acontecer antes da entrega ao comprador, ora o gostasse, ora naõ. Porém neste
caso quando assi he vendida, quantidade em specie simplezmente, sem termo algum a que se haja de
receber, se o vendedor tomasse o perigo em si, será o perigo do vendedor: salvo se o comprador,
depois de o vendedor ter tomado o perigo em si, gostasse a quantidade vendida, porque em este
caso logo cessa todo o perigo que o vendedor tinha em si tomado, e carregará sobre o comprador.
"' 11. IDEM, IV, t. 9- idem (a venda da mesma coisa a duas pessoas).
Da venda de couJa de raiz feita a tempo que já era arrendada, ou alugada a outrem por tempo certo.
Se algum homem vender huma casa, ou herdade, ou qualquer outra cousa de raiz, a qual
ao tempo da venda tinha já arrendada, ou alugada a outrem, e entregue a posse della por tempo
que fosse menos de dez annos, naõ he o comprador obrigado manter o contracto de aluguer, ou_
arrendamento ao dito Rendeiro, ou alugador, mas pode-lo-ha demandar, e constranger, que lhe
deixe a dica cousa, sem embargo do .aluguer, ou arrendamento que lhe foi feiro, salvo se no
contracto de compra e venda foi acordado entre o comprador, e vendedor, que o comprador
cumpra ao alugador, ou Rendeiro o contracto de arrendamento, ou aluguer que lhe foi feito .pelo
dito vendedor, ou se o comprador depois da venda em algum tempo outorgou, O\,J por alguma
maneira consentio que fosse cwnprido ao Rendeiro, ou alugador seu contracto, que lhe foi feito
por o vendedor, ou se o vendedor no contracto de arrendamento, ou de aluguer obrigou geral, ou
746
Quando oJ que compraõ eJcravoJ, ou be1taJ 01 pockráõ engeitar por doençaJ, ou manqueiraJ.
Qualquer pessoa que comprar algum escravo doente de tal enfermidade, que lhe tolha
servir-se delle, o poderá engeicar a quem lho vendeo, provando que já era doente em seu poder
da tal enfermidade, com canto que cite ao vendedor dentro de seis mezes do dia que o escravo
lhe for entregue.
1 E sendo a doença de qualidade, ou em parte que facilmente se deixe conhecer, ou se o
vendedor a manifestar ao tempo da venda, e o comprador comprar o escravo sem embargo disso:
em caes casos naõ o poderá engeitar, nem pedir o que menos valia do preço que por elle deu por
causa da cal doença. Porém se a doença que o escravo tiver for taõ leve, que lhe naõ impida o
serviço, e o vendedor a calar ao tempo da venda, naõ poderá o comprador engeitar o escravo, nem
pedir o que menos vai por causa da tal doença.
2 Se o escravo tiver algum vicio do animo, naõ o poderá por isso o comprador engeitar,
salvo se for fugitivo, ou se o vendedor ao tempo da venda affirmasse que o escravo naõ tinha vício
algum certo, assi como se dissesse, que naõ era bebado, nem ladraõ, nem jugador, porque
achando-se que elle tinha tal vicio ao tempo da venda, o poderá engeícar o comprador. Porém
ainda que por o escravo cer qualquer vicio do animo (que naõ seja de fugitivo) e o vendedor o
calar, naõ possa o comprador engeítalo; poderá toda via pedir o que menos vai por causa do cal
vicio, pedindo-o dentro de hum anno, contado no modo acima dito.
3 Se o escravo tiver commetcido algum delicco, pelo qual sendo-lhe provado mereça
pena de morre, e ainda naõ for livre por sentença, e o vendedor ao cempo da venda o naõ declarar,
poderá o comprador engeitalo dentro de seis mezes contados da maneira que acima dissemos. E o
mesmo será se o escravo tivesse tentado matar-se por si mesmo com aborrecimento da vida, e
sabendo-o o vendedor o naõ declarasse.
4 Se o vendedor affirmar, que o escravo que vende sabe alguma arte, ou cem alguma
habilidade boa, assi como pintar, esgrimir, ou que he cozinheiro, e isto naõ sómente pelo louvar,
mas pelo vender por cal, e depois se achar que naõ sabia a tal ane, ou naõ tinha a tal habilidade,
poderá o comprador engeica-lo, porém, para que o naõ possa engeicar, bastará que o escravo saiba
da dica arte, ou renha a tal habilidade meamente. E naõ se requer se comsummado nella.
747
8 E o que dito he nos escravos de Guiné, haverá lugar nas compras, e vendas de todas as
bestas, que por quaesquer pessoas forem compradas, que se quizerem engeitar por manqueira, ou
doença. E ainda que os escravos se naõ podem engeitar por qualquer vicio, e fu.lta do animo como
atrás he declarado, as bestas se podem engeitar por os taes vicios, ou fu.ltas do animo, assi como se
sem causa, e naõ lhe sendo feito mal algum se espantarem, ou impinarem, ou rebellarem.
9 E todas as cousas acima ditas se poderáõ engeicar, naõ fomente quando faõ havidas por
titulo de compra, mas ainda se forem havidas por troca, ou escambo, ou dadas em pagamenco, ou
por qualquer outro titulo em que se traspasse o Senhorio: mas naõ se poderáõ engeitar quando
forem havidas po~ titulo de doaçaõ.
10 E as cousas que naõ saõ animadas, quer sejaõ moveis, quer de raiz, se poderáõ
engeitar por vicios, ou faltas que tenhaõ, assi como hum livro comprado no qual falta hum
caderno, ou folha em pane nocavel, ou que stá de maneira que se naõ possa ler, ou hum Pumar,
ou Horta que naturalmente sem industria dos homens produzem plantas, ou hervas peçonhencas.
Mas, actualmence, na prática esta lei e todas as outras leis e teorias sobre as fórmulas da
stipulatio são supérfluas, pois, mesmo que não haja acto escrito público ou privado, um acordo
feito dizend9 respeito a um conteúdo lícito e não proibido enrre pessoas capazes é tido como uma
stipulatio, podendo daí nascer uma acção eficaz... Não nos preocupamos com as palavras
pronunciadas ou com a maneira como o foram, de tal modo que os numerosos comentários
prolixos de muitos autores são supérfluos.
14. HUGO GROTIUS, De iure bello ac pacis, Prolegomena, 15-16, 1625 - os acordos
ligam as partes; a obrigação forma-se pelo simples consentimento.
15. Uma vez que é de direito natural que os acordos (pactos) sejam cumpridos (pois é
necessário que exista uma maneira de os homens se obrigarem e não se pode imaginar qualquer
outra), todo o direito positivo decorre daqui.
16. . .. pois a mãe do direito natural é a própria natureza humana que nos leva a tecer
relações sociais, mesmo que não nos falte nada. A mãe do direito positivo é precisamente a
obrigação que se forma pelo simples consentimento; e uma vez que esta obrigação tira a sua força
obrigatória do direito natural, a natureza pode ser chamada a avó deste direito.
15. DOMAT, Les lois civile.r dans leur ordre naturel (1689).
Todas as convenções, quer tenham quer não renham nome, têm sempre os seus efeitos e
obrigam àquilo que está convencionado.
pz, pois é acto de paz e concórdia ... [Bárcolo, Dig., Abade]. .. e, assim, falando duma forma
geral, qualquer contrato se diz pacto; no entanto, se tiver um nome específico não é designado
pelo seu género, mas pela sua espécie, pois quando tem um nome específico melhor é que se
designe pela sua espécie, como quando te vendo uma coisa minha se diz venda ...
• 18. PASCOAL DE MELO FREIRE, lnstitutiones iuris civilis lusitani, Ulyssipone 1789,
IV. De obligationibus et accionibus, Tit. II - os pactos como fonte das obrigações.
§ 1. Define-se pacto como o consenso de dois ou mais num mesmo acordo de dar ou
fazer alguma coisa ... Pois, na verdade, hoje apenas existe uma diferença de nome entre pactos e
contratos, de modo que a anterior definição tanto se aplica correctamente ao pacto nu e à simples
convenção como ao contrato. Pelo direito romano, o pacto em sentido estrito é a convenção sem
nome e sem causa, no que difere do contrato que cem um e outra.
§ 2. Antes de tudo, o que trataremos, é de fixar a seguinte regra: Tudo aquilo que os
Romanos tenham adoptado do direito natural e das gentes na doutrina dos pactos e das obrigações é
notável e tem muito uso; mas, pelo contrário, não tem uso entre nós e não foi recebido aquilo que
lhes foi próprio e que provém das subtilezas do direito romano. Thomasius, Not. ad tit. D. tÚ paa.
entre contratos reais, verbais, literais, consensuais, nominados e inominados, que tanto papel
ocupam, não tem hoje qualquer uso, pois a obrigação surge apenas do acordo ... 7) hoje não há
lugar ao arrependimento nem nos pactos nem nos concratos inominados; pois quem promete dar
ou fazer alguma coisa é obrigado a cumprir a sua palavra ...
B. - A RESPONSABILIDADE CIVIL
Entre as fontes das obrigações, o Code civil de 1804 (como o direito romano
bizantino) enumera os delitos e os quase delitos; o art. 0 1382.º, sede principal da
matéria, tem a seguinte redacção: «Qualquer acção humana que cause a outrem um
prejuízo obriga à reparação deste por parte daquele por cuja culpa tal acção aconteceu».
A obrigação de reparar o prejuízo causado a outrem resulca da responsabilidade daquele
que comete o acto culposo. Trata-se de urna responsabilidade individual, por oposição à
responsabilidade colectiva que caracteriza os direitos arcaicos.
A responsabilidade civil é geralmente chamada «responsabilidade» aquiliana,
porque se procura a sua origem na Lex Aqui/ia, da época romana. Na realidade, a noção
moderna desenvolveu-se entre o séc. XVI e o início do séc. XIX na base de uma
interpretação extensiva dada à Lex Aq11ilia no direito romano clássico e tardio.
751
1. Direito romano
A Lex Aqui/ia aparece provavelmenre por volta do séc. III a.C. para ·sancionar
como delito privado wn certo número de factos precisos que são agrupados sob a
designação de damnum iniuria datum (dano causado ilicitamence), como por exemplo, a
morte do escravo ou animal de outrem ou, dwna forma mais geral, qualquer destruição ou
deterioração de uma coisa, desde que o dano tenha sido causado corpore (pelo contacto do
corpo do delinquente) e corpori (por lesão material); a multa devida à pessoa lesada era
calculada a partir do valor mais elevado que a coisa tivesse cido durante, para certas
coisas, o ano, para outras, o mês precedente.
No decurso dos séculos seguintes, a jurisprudência deu wna larga extensão à lei
aquiliana; em lugar dos factos limitados visados pela lei, qualquer dano causado,
contrariamente ao direito ( in-iuria) aos bens de outrem podia dar lugar a uma sanção;
mas esta conserva um carácter misto: ao mesmo cempo, pena e reparação dos danos.
A doutrina romana clássica exigiu que, além da relação de causalidade entre o acco
ilícito. e o dano, houvesse culpa, que podia consistir canto nwna negligência ou
imprudência (enquanto que odolo implicava a vontade de prejudicar); mas esta teoria da
culpa continua ainda imprecisa, ainda que seja ela que vai dominar a concepção moderna
da responsabilidade civil.
2. Direitos germânicos
Os direitos germânicos, como a maior parte dos direitos arcaicos, mal conheciam a
responsabilidade individual; qualquer acto humano compromete todo o grupo (família,
clã, etc.) ao qual ele pertence; se alguém causou uma injustiça ou um dano a um homem
de um outro grupo, é todo o grupo lesado que se vingará em relação a qualquer membro
do grupo do autor do acco incriminado. Este sistema de vingança privada ifaida
germânica, vendetta, etc.) supõe a solidariedade activa e passiva do grupo familiar. Do
mesmo modo, os direitos germânicos não conhecem a distinção entre a obrigação delitual
e a obrigação contratual; o não cumprimento de qualquer obrigação, seja qual for a sua
fonte (delito ou contrato), origina os mesmos efeitos; no título De re pre1tita da Lei
Sálica, são descritas as medidas a tomar no caso de não reembolso de uma soma
emprestada; mas o processo é o mesmo do da restituição do objecto roubado. Também se
distingue mal entre Ó assassínio e o homicídio involuntário, desencadeando um e outro a
vingança privada m.
!7l P. W. A. IMMINK, La /iberti e/ la peine. Étudt rur la tranrformation dt la peine el rur le diveloppt111mt du droil pénal f!uhlic
"'Oaidtn1 avanl le XII.' riU!e, pref. de]. G!LISSEN, ~n 1973; A. COULIN, Die Wiúlung. Ein Beilrag z11rGtrchichtedt1 S1rafrerh1J
un/er beJonderf BeriJ<'klich1unfl. dtr tÍolJJchen unJ franwiiJchm Hnch-m11elalter•. Srmrgart 1915 e ZttlJ. Vny:/túh. Rt1:huwiIJ .• r. 32, p. 326 e ss.
752
3. Idade Média
Na época da monarquia franca, a vingança privada continua a ser dominante; os
esforços feitos, por exemplo, por Childebeno (edito de 596) e pelos carolíngios para
impor penas corporais aos autores de cenos delitos públicos (i.e, perseguidos pelas
autoridades), nomeadamente o assassínio, o rapto, o incêndio e o roubo, e para instaurar
uma responsabilidade penal individual permanecem sem grande efeito prático.
O sistema de responsabilidade colectiva e de vingança privada domina a Europa
ocidenta:I até aos séculos XII-XIII, para apenas desaparecer em seguida de modo muito
lento; permanecem sobrevivências até aos séculos XVI e XVII. No Hainaut, por
exemplo, no século XIV o chefe de fiunília ( kieftai11) tem a obrigação de propor e de
prosseguir a «guerra» se um mal foi feiro a um dos membros do seu grupo; a família da
vítima poderá resgatar a guerra pagando uma soma que será panilhada, ficando metade para
o kieftain e outra metade para os oucros membros do grupo familiar lesado.
A responsabilidade individual aparece no direito penal das cidades a panir do séc.
XII ou, duma forma mais geral, nos sécs. XIII e XIV; apenas o autor do delito é punido
(penas corporais ou multa). Começa-se também a aderir a uma cena noção, ainda muito
vaga, de culpa; assim, Beaumanoir admite que os loucos e as crianças não podem ser
punidos «porque não sabem o que fazem» <el.
4. Época moderna
Apesar do desenvolvimento da responsabilidade individual no domínio penal no
fim da Idade Média e na época moderna, a responsabilidade puramente civil não surge
senão no século XVIII. Até então, os redactores e comentadores dos costumes pouco
utilizam a palavra «responsável» (salvo no caso de «garante»); e poucas alusões se fazem à
Lex Aqui/ia. Os processos de indemnização por factos não delituais são muito raros. Loisel
dirá com razão: «Quem pode e não impede, peca», no sentido de que aquele que, podendo
impedir um mal, não o fez, cometeu um acto culposo, devendo indemnizar o lesado.
É sobretudo no século XVIII que a noção de responsabilidade civil se desenvolve,
em parte, de resto, sob a influência das ideias de liberdade individual. Domat parece ter
sido um dos primeiros a identificar os princípios que iremos encontrar no an. 0 1382. 0 -
do C. Civ. e mesmo, em pane, os termos aí empregues; nwn capítulo consagrado aos
<<danos causados por acros culposos que não constituem nem um crime nem um delito»,
ele precisa: «todos os prejuízos e danos que possam ocorrer por acção de qualquer pessoa,
18) f. CATIIER, Évolulion du dmit pénal gmTl4nique eri Hain11ul j111qu'au XV.' Ji«le, tese de di..,iro, Bruxelas 1893;
A. DELCOURT, La vengenance de la mmmune. L'arsin e/ /'ahattiI de maiwn eri Flandre ti eri Hainau1, Lille 1930; P. DUBOIS, Les
aJJturemtnll au XIII.' Jiide dam nos villu du Nord. R«herchu rur /e droil de vengea,,,e, rese, Paris 1900; Sr. KUTINER, K4noni11iscbe
Schuldlehre von Gra1ian.bi1 auf die Demtalen Gregorr IX, 193~. "'imp. 1961; A. LAINGUI, La rerpomabililé pénale danr /'ancieri dmil
( XVl.'-XVlll.' úede), Paris 1970.
753
seja por imprudência, negligência, ignorância daquilo que deve ser sabido, ou outros
actos culposos do mesmo género, por muito ligeiros que eles possam ser, devem ser
reparados por aquele sobre quem recai a imprudência ou outra culpa que lhes deu lugar» <9>.
C. - AS GARANTIAS
A. garantia é um reforço dado por uma pessoa a uma ou várias pessoas, em vista de
assegurar a execução de uma obrigação. Esta garantia pode ser:
- uma pessoa; neste caso, trata-se de uma garantia pessoal: um terceiro
constitui-se garante do devedor; a forma usual da garantia pessoal no direito moderno é a
fiança (C. civ. fr., art. 0 2011. º-2043. º);
- uma coisa; neste caso, trata-se de uma garantia real; uma coisa é entregue pelo
devedor ao credor como garantia, ou seja, como segurança da sua dívida. O contrato pelo
qual o devedor entrega a coisa ao seu credor chama-se, no direito francês, «nantiJsement»
( C. civ. /r., art. 0 2071. 0 ). O nantissement de uma coisa mobiliária chama-se penhor; o de
uma coisa imobiliária chama-se anticrese (C. civ. fr. 2072. 0 ). A hipoteca cons.titui um
outro tipo de garantia real imobiliária, mas sem perda da posse pelo devedor, conferindo
um direito real sobre os imóveis afectados ao cumprimento de uma obrigação.
O interesse prático das garantias é considerável, pois elas constituem o substrato
jurídico fundamental para o desenvolvimento do crédito. Por esta razão, não é de
estranhar que as garantias ocupem um lugar importante na teoria geral das obrigações,
no processo civil e, em menor medida, no processo penal.
O regime complexo das garantias, tal como o conhecemos actualmente, é o fruto de
<9> DOMAT. Ú1 loiJ ci11i/es, op. it., II, 8, 4, 1; RANJARD, La mpomabilité civile dam Domai, tese de direito, Paris 1943.
CIO> ir
R. SPILMAN, Se•u portk de l'évolution de la ro;omabiliti civile depuú 1804, Paris 19S~.
754
urna longa evolução histórica: os três tipos fundamentais de garantias (pessoal, mobiliária·e
imobiliária) coexistem nos sistemas jur~dicos desenvolvidos; nas sociedades arcaicas,
baseadas na solidariedade dos dãs, apenas a garantia pessoal desempenha um papel
considerável. A garantia mobiliária aparece muito mais cedo do que a garantia imobiliária.
c) Idade Média
Durante a Alta Idade Média, a fideiussio romana subsiste, mas ela perde a maior
parte das suas particularidades, sobretudo os benefícios da divisão e da excussão. A lei
Cl ll A Sociedade Jean Bodin pars a história comparada das instituições consagrou o seu colóquio de 1964, celebrado em
Viena, às •Garantias pessoais•; mais de ~O relatórios furam então apresenrados, ceado sido public:adoc; noo Rtn1tib tk la Sociélé, t. XXVIII a
XXX, 1969-1974; nomeadamente Ph. GODDCNG, •Les surecés personelles dans les Pays-Bas méridionaUJ< du XI.< au XVIII.• •.
e. XXIX, p. 263-264; P. C. TIMBAL, •les suretés pecsonelles dans la France cenrrale (moyen âge)., p. 35-55; F. T. VALIENTE,
•las fianzas en los derechos aragonés y casrellano•, p. 425-482; J. F. POUDRET, .Les suretés personelles d'apr~s les sources suisses
du moyen âge•, p. 483-652;). HÉMARD, •les sôretés pt'CSOnnellcs en Europe occidemale aux 19.• et 20.• siMcs~, 1. 30,p. 7-42;
J. GWIAZDOMORSKJ, •les suretés pecsonelles dans les droits d'Europe orientale à l'époque contemporaine•, p. 49-90; relatório
de slncese por J. Gilissen, •Esquisse d'une hiscoire comparée des siiretés., t. 28, p. 5-127.
755
sálica consagra um artigo àfides facta, à.fé dada, que é uma das formas pela qual a caução
se pode constituir.
Um termo e uma instituição nova aparecem nos sécs. X e XI: a plegiatio, em
francês plegerie ou plévine: aquele que se constitui como fiador chama-se plege. A plévine
apresenta-se inicialmente no quadro das instituições feudais, sob as formas de «plege-
-influent» e de <(plege-otage»; mais tarde aparece a forma de «plege-débiteur».
- o plege-influent é uma pessoa, geralmente o senhor, que se constitui garante das
obrigações de um dos seus subordinados, por exemplo de um seu vassalo ou servo.
O papel do senhor não será o de se substituir ao devedor inadimplenre, pois não pagará em
lugar do seu servo ou do seu vassalo; mas compromete-se a exercer sobre o devedor uma
pressão moral, económica ou material, levando este último a executar a sua obrigação.
Trata-se de um sistema que se encontra frequentemente nas sociedades modernas. De
notar, todavia, que o mecanismo da ((caução bancária», no nosso actual direito, se
inspira nesta ideia de pressão económica exercida pelo fiador sobre o devedor principal.
- o plege-otage é uma pessoa que se compromete a constituir-se como refém ( obses)
do credor se o devedor não o executar. O plege-otage também não paga em lugar do
devedor, mas será levado a sofrer os vexames da detenção, aguardando e esperando que o
devedor cumpra a obrigação. Tratava-se, na maior parte dos casos, de vassalos, de servos,
ou ainda de membros do clã ou da família que eram constituídos em pleges-otages:
É característico deste fipo de plege que o credor deva pagar os alimentos dos plege-otages
detidos (v. doe. 1, pg. 761). Esta forma de plévine encontra-se nomeadamente em
matéria de tratados internacionais; assim, João II, rei de França, fez passar alguns anos na
Torre de Londres a 250 reféns para garantia de uma convenção internacional. Se esta
instituição é igualmente característica das sociedades de tipo feudal, ela sobreviveu, no
entanto, na ideia de tomar reféns nas guerras modernas.
- o plege-débiteur aparece no séc. XIII, na sequência do desenvolvimento do
comércio. Toma a seu cargo todas as obrigações do devedor, a um mesmo título que este.
Não se trata, no entanto, de uma novação, pois o devedor principal continua obrigado, a
par com o plege-débiteur. O credor terá, portanto, dois devedores, em lugar de ter apenas
um. Pode executar o seu crédito, à sua vontade, quer sobre o devedor principal, quer
sobre o plege. Os plege-débiteurs tinham evidentemente uma acção de regresso contra o
devedor principal no caso de serem executados em seu lugar. Este sistema está muito
próximo da fideiussio clássica romana, mas difere daquilo em que esta instituição se
tornou, posteriormente; o plege-débiteur não tinha nem o benefício da divisão, nem o
benefício da excussão (v. doe. 2, p. 761).
Uma particularidade do plege-inf/uent e do plege-otage era a intransmissibilidade aos
herdeiros. A obrigação de garantia extingue-se por morte do plege e não passa aos seus
herdeiros, o mesmo acontecendo com o plege-débiteur, pelo menos de início. Mas, entre o
séc. XIII e o séc. XV, vê-se progressivamente aparecer nos actos da prática a
transmissibilidade aos herdeiros do plege-débiteur.
756
2. As garantias reais
a) Direito romano
O direito romano conhecia o pignus e a hipoteca.
O pignus (penhor) é um contrato real, que se caracteriza pela entrega ao credor da
coisa dada em garantia. Se no termo do prazo o credor é pago, deve restituir o penhor;
consequentemente, ele tem o dever de velar pela sua conservação, como um bom pai de
família. Se ele não é pago no final do prazo, adquire o pleno direito de propriedade do
bem dado em penhor.
O direito romano também conheceu a hipoteca, se bem que esta instituição não
tenha nascido em Roma, sendo antes egípcia ou grega a sua origem. No direito grego, a
hipoteca consiste na alienação de uma coisa imóvel sob a condição suspensiva do não
pagamento tempestivo, ficando o devedor na posse da coisa dada em garantia (penhor
sem perda da posse). O que põe imediatamente o problema da publicidade, pois o
devedor aparece aos olhos de terceiros como continuando a ser o proprietário. Nas cidades
gregas e no Egipto, a publicidade hipotecária era assegurada graças à existência de livros
de registo fundiário e à inscrição das hipotecas nesses registos. Em Roma, não havia livros
destes, nem .assim, inscrição hipotecária. Quer isto dizer que o sistema era muito
imperfeito, pois deixava subsistir os riscos inerentes ao carácter oculto da constituição de
hipotecas. No termo do prazo de pagamento, em caso de inadimplemento, o credor
dispunha:
757
02) M. DECROIX, F.JJtJi 111r /e gtJge ronlrad11el dam l'hiJtoin d11 droit ro11t11mier ~la F/,.ndre, dtl HtJirwul et ~ l'Artois, tese
Lille 1914; H. PLANrrz; D1JS deuuche Gnmdp/,.ndmht, Weimar 1936;). DE MALAFOSSE, •Contribution à l'énide du crédit dan~
le Midi aux X.• et XI.• siecles: les sílretés réelles•, Anrwlu IÍll Midi, 1951,. 105-148.
758
romana, deve ter sido muito difundido nos sécs. XI e XII, resultando decen:o o seu favor
do facto de ele permitir iludir'as disposições canónicas que proibiam a usura. De resto, as
abadias não se privaram de o utilizar, tendo descoberto no mort-gage o meio de colocar
capitais, ao abrigo do risco, e de os fazer frutificar de forma significativa Oh). Nos finais do
séc. XII, esta prática tomou-se inadmissível aos olhos das autoridades da Igreja, tendo sido
proibida por um decreta! de Alexandre III (cerca de 1159-1181). Na sequência desta
proibição, o mort-gage desapareceu no concinence. Os Ingleses conservaram esta instituição
até aos nossos dias, concinuando a fazer parte do· commo11 law, sob uma forma que se
assemelha bastante à hipoteca. Com efeito, se no direito civil francês, o credor pode fazer
vender o imóvel e pagar-se pelo preço obtido, o direito inglês oferece-lhe, para além
desta possibilidade, a de se pagar em espécie pelo próprio imóvel. No concinence, o penhor
imobiliário (mort-gage ou vif-gage) transforma-se durante o séc. XIII. Considerado como
forma de colocação de capitais, será substituído pelo arrendamenco ou compra de rendas.
Como garantia real, dará lugar à obligatio bo11arum, de que surgirá a hipoteca no séc. XVI.
c) Obligatio bonorum
A obrigação geral sobre os bens aparece no séc. XIII, nomeadamente na Normandia,
na Flandres e na Alemanha. O devedor apresenta todos os seus bens como garantia da sua
obrigação, quer estes sejam móveis, quer imóveis, presentes ou futuros, concinuando no
entanto na posse dos bens. Lêem-se nos actos fórmulas como: «Obrigo-me, a mim e aos
meus herdeiros, e a todos os meus bens, presences ou futuros, móveis e herdades», ad
haec obligo me, et herede1 meo1, et omnia bona mea mobilia et immobilia. A obligatio bonorum
tinha por efeito permitir ao credor o apaderamento de qualquer bem e de ser pago pelo
produto do bem de que se apoderara. Assiste-se, neste momento, ao desenvolvimenco da
penhora judicial, tanto sobre bens móveis como imóveis; pois, até ao séc. XIII, os
imóveis, em virtude do seu carácter familiar, eram impenhoráveis. Vê-se aparecer,
igualmente, o princípio da transmissão das dívidas aos herdeiros; o herdeiro dos imóveis
torna-se responsável pelas dívidas daquele de que é sucessor. Nesta ordem de ideias, é
interessante notar que, em Inglaterra, até 1833, era necessária uma cláusula especial para
que o herdeiro dos imóveis fosse responsável pelas dívidas.
Mas a obligatio bonorum não comportava nem o direito de sequela (e, desde logo, o
devedor podia alienar os seus bens, sendo estas alienações oponíveis aos credores), nem o
direito de preferência. Apenas a prioridade da acção conferia preferência; na sua falta, o
pagamento tinha lugar por rateio entre os diferentes. credores.
0 2•) H. VAN WER VEKE, •Ú mort-gage ec son rôle économique en flandre ec en Locharingie (XII.< - XIII.• siêcles)•.
Rev. belg. phil. hisc.• 8 (1929) 53-91;cf. cambém F. VERCAUTEREN, Misc. VanderEssen, 1 (1947)217-227 erC. DERÉINE,
Rev. Nord., 51 (1969) 77-79.
759
d) A hipoteca <n>
Nos séculos XV e XVI, os juristas vão retomar a ideia de hipoteca romana, com o
direito de sequela e de preferência. Assiste-se ao desenvolvimento da obrigação especial,
que levará à actual hipoteca; o devedor afecta uma coisa determinada (geralmente,
imobiliária) como garantia da sua dívida; o seu compromisso comporta o direito de
sequela e de preferência sobre esta coisa especialmente obrigada.
Esta instituição, que se assemelha à hipoteca romana (de que toma, de resto, o nome
no séc. XVI), apresenta no entanto numerosas particularidades que a diferenciam dela:
- em Roma, a hipoteca podia ser constituída sobre móveis, ,enquanto que, em
França, a partir do séc. XV, a sua constituição apenas era possível sobre imóveis (salvo
nos países de droit écrit);
- em Roma, a hipoteca podia ser constituída por simples pacto; no fim da Idade
Média era necessário um acto formal, quer um documento notarial, quer a «oeuvre de
loi» (v. infra);
- o direito romano ignorava a purga da hipoteca. No fim da Idade Média,
muitos prédios estavam gravados com hipotecas; daí que os eventuais adquirentes
receassem que os prédios lhes fossem tirados. Os práticos conceberam então a ideia da
purga, espécie de penhora real simulada, cujo efeito era o de «limpar» o imóvel das
hipotecas que o gravavam: a pedido do penhorador, qualquer detentor de um direito
hipotecário sobre o bem devia manifestar-se dentro de um certo prazo fixado pelo
tribunal, sob pena de perder o seu direito;
- por fim, o domínio da publicidade das hipotecas. Dissemos que, em Roma,
não havia livros de registo fundiário. Do mesmo modo, também não existiram em França
até 1795. Em contrapartida, nos Países Baixos, na Bélgica e no norte da França, bem
como -na Alemanha - naquilo que se chama os «pays de nantissement » - havia registos
fundiários. Ora como a obrigação especial devia ser constituída por «oeuvres de loi >>, ou
seja, com a intervenção do dominus fundi por meio do processo de vest et deves!
(desapossamento e tomada de posse), como se se tratasse de uma venda, a publicidade
estava assegurada. Com efeito, o senhor tomava conhecimento da obrigação especial e
inscrevia-a no seu registo fundiário.
Nas cidades, era o escabino urbano que assegurava o papel do senhor da terra. Este
costume de nantissement subsistiu até ao final do Antigo Regime (1795); no nane da
França, ele foi derrogado por um édito de 1771, a fim de submeter o Norte ao regime
hipotecário em vigor nas outras regiões qa França. O processo de vest et devest tinha aí
desaparecido, mais ou menos completamente, nos sécs. XV-e XVI; mas não se lhe seguiu
imediatamente um regime de publicidade das hipotecas.
03) F. DESSOUDEIX, w origi11t1 ~ /'hypothequt dan1 nolre 4ncien droit, Bordeaux 1909; E. BLUM, ÚJ eJfr.1i1 de réformt
hypothéc4ire'º"' l'ancie11 régime, Paris 1913.
760
e) O direito intermédio
Foi a Revolução Francesa que le".'ou a cabo a reforma de todo o sistema. A Convenção
adoptou uma longa lei (de 9 de Messidor do ano III; 27 de Junho de 1795) que
constituía, nos seus 279 artigos, um código completo da matéria das hipotecas. Esta lei
organizava, por fim, a publicidade das hipotecas. Em cada município, o conservador das
hipotecas mantinha um registo em que as constituições de hipotecas eram inscritas, e
passava ao credor um título chamado «cédula hipotecária». Esta cédula hipotecária podia
transmitir-se por via de endosso e constituía um título executório em benefício do credor.
A lei de 11 de Brumário do Ano VII ( 1 de Novembro de 1798) abandonou a ideia
de uma cédula hipotecária, mas manteve a publicidade que fortaleceu pelo princípio da
especialidade (como nos costumes de nantissement), princípio segundo o qual os bens
onerados deviam ser especialmente determinados. Por fim, o sistema estava dotado da
obrigação de transcrição de qualquer acco cranslatício de propriedade imobiliária.
o o «eode civil» francês de 1804
A matéria que nos ocupa deu lugar a vivas discussões no momento da elaboração
do Code civil. Houve quem quisesse voltar ao direito romano; outros queriam que se
mantivesse o sistema do Ano VII; outros, por fim, permaneciam fiéis às ideias do antigo
direito. No encanto, o princípio da publicidade e o da especialidade levaram a melhor.
Mas o sistema tinha defeitos: entre os mais graves, o facto de que as transmissões de
direitos reais deixa_vllfil de estar sujeitas à transcrição. Foi preciso esperar pelo ano de
1851, na Bélgica, e de 1855, em França, para que a transcrição fosse restabelecida.
Não existem estudos monográficos sobre o regime das garamias contratuais no direico português.
Para a época medieval, Gama Barros é o único que, nos tomos VI (ps. 219 ss.: penas convencionais; 247 ss.: arras) e,
sobrecudo, VII (17 ss.: hipotecas, fianças e dep6sitos; 23 ss.: prisão por dívidas), da sua Hi11ória da adminis1rarão ... fornece alguns
elementos. Mário Júlio de Almeida Costa prometia em 1961 um escudo sobre o penhor imobiliário (Raízel do cemo comignalivo. Para
a hütória do crédito medieval port11guêJ, Coimbra 1961, 14 n. li, onde reúne alguns dados de história europeia), mas, aré hoje, tal
promessa não foi infelizmente satisfeita. Para a época moderna, a falra de investigações continua a verificar-se, mas a evolução é mais
fácil de seguir, nomeadamence com recurso às indicações dadas pelos próprios juristas dogmáticos (antes de rodos, MELO FREIRE,
ln11it11tiontJ .. ., III, § 14; IV, III, S 28 ss.; M. A. COELHO DA ROCHA, lmtituiçõe,_ __ , li, SS 663 ss., 880 ss. e nora DD).
A primeira garantia do credor fui o próprio corpo. A prisão por dívidas foi conhecida no nosso mais antigo direito.
A solução provinha do direico romano, rendo passado as fontes jurídicas visigóticas (Brev. = Cod. Thtod., IV, 18, l; Cod-. ViJ.,
V,6,5). Aparece nos Foros de Castelo Bom (cranscritos em Gama Barros, História ... , cit., VII, 26), bem como em legisl;ição dos
meados do séc. XIII (regimenco da Casa real de 11.4.1258). Nos princípios do séc. XV escava já bem estabelecido que a prisão devia
ser precedida pela excussão dos bens do devedor, regime que é consagrado nas Ord. A/. (IV,67, pr. e ss.), onde se estabelece que a
prisão deve ser cambém precedida de condenação judicial passada em julgado e de execução· patrimonial. Mesmo no caso de
insuficiência de bens, o devedor pode livrar-se okrecendo aos credores todos os seus bens (esta faculdade apenas não valendo no caso de
dívidas à coroa). Assim, a prisão por dívidas apenas subsistia no caso de atitudes fraudulentas do devedor (v., também Ord. Fil.,
IV, 76). Um Assenro de 18.9.1774 confirma esca orientação. A concessão de moratórias ou -cartas de espaços~ era uma regalia,
frequentemente utilizada pelo rei (á. Ord. Fil., Ili, 37/38)_
Ourra garantia era o património do devedor. Garantia comwn, pelo que surgia a questão da p_referencia, no caso de
concurso de credores .. A primeira regra, contida em legislação de D. Dinis, estabelece o critério da prioridade da sentença de
condenação (Ord. A/., III, 97, pr.). As Ord. A/. (ihid., H 5/6) estabelecem a regra que, pela sua simplicidade, vem a prevalecer aré à
761
época da codificação - a da prioridade da cliecução (Ord. Ma11., Ili, 74; Ord. Fil., lll,91). Este re8ime só se aplicava, pottm, no caso
de concorrerem credores com iguais priviléBios (cf. M. A. COELHO DA ROCHA, lmlil11ifiies .•. , cit., li, S 656 ss.: alguns desvios,
mesmo no antigo direiro). No séc. XVIII, produzem-se algumas alterações ao regime dó concuno credirório. Por um lado, aparecem
cenos credores privilegiados - como o fisco, L. de 22.12. 1761: créditos provenienres de contmtoll e de am:ndameoto!, mas nio de
impostos; cf. já Ord. Fil ... , II, 52,5; ou Reg. Faz. de 17.10.1516, caps. 81, 83, 156, 159 e 196; ou os accionistas das diversas
companhias setecentistas (v. M.A. COELHO DA ROCHA, lr111il1úfiies •.. , cit. II, S 639); por outro lado, aparecem leis qlll:, por
influência do direito romano, estabelecem uma graduação dos credores em função, tanto da natureza do credito, como da do drulo
(LL. 22.12.1761, t. 3, S 13; 20.6.1774, S 30; cf. MELO FREIRE, /1111it11lio1W ... , cit., Ili, 14, § 12 ss.). É esta distinção dos
credores em graus - consoante dispõe ou não de privilégios creditórios - que será consagnda no Ccxl. civ. de 1867 (art. 0 1005. 0 ss.).
Formas especiais e mais fortes de gamntia eram a fiança (ou fiadoria) que aparece referida nos Cosrumes de Sanrmm e de
Cima Coa. Inicialmente, parece que o fiador não go:rava de privilégio de excussão, apenas rendo a faculdade de, pagando pelo devedor
principal, poder exigir deste o dobro do que pegara (costumes de Sanearem e de Cima· Coa; mas no foral de Évora, o devedor apenas
tinha que reembolsar o singelo). O benefício da excussão aparece em forais da Beira Baixa da primeira metade do séc. XIII. Numa lei
de D. Afonso III, do começo da segunda metade do mesmo século (Ord. Af., IV, 54, H pr. e 1) estabelece-se a obrigação de excurir o
património do devedor, mas só quanto aos móveis, em obediência, decerto, a uma ideia de salvaguarda, para a família, dos bens
imóveis. Mas as Ord. A/. estendem o benefício a todos os bens do devedor (ibid., S 3).
O penhor e a hiporeca são insriruições que se desenvolveram sobretudo a partir da recepção do direito comum.
O direito de sequela na hipoteca aparece estabelecido numa lei de D. Monso Ili, de 1274 ou 1275 (Ord. Af. lV,49). Tal
solução inspirava-se no direito canónico (DK. Gral., C. 16, qu.3, e.IS, H l e 3; Decretais, c.2, De pign. [III, 21], sendo
incorporado, a partir daí, no direito comum do reino (cf. Ord. Fil. IV,3). O resro da disciplina das hipotecas e do penhor era a do
direito romano (cf. MELO FREIRE, lm1il111iooo, .. , cir., Ili, r. 14). Assim, era admitida a hipoteca de coisas móveis. Apenas com a
introdução da obrigatoriedade do. registo (dec. 0 26. 10.1836), a hipoteca ficou restrita aos imóveis, pois só esres podiam ser
registados. A questão do registo das hipotecas foi matéria de larga controvérsia, entre nós, no início do séc. passado, pois ai confluíam
importantes razões de segurança do crédito (v. M.A. COELHO DA ROCHA, lmlituições .. . , 11, notas DD e EE).
Uma breve nora sobre a responsabilidade civil decorrente de acros ilícitos. Os costumes medievais estabelecem sistemas
tarifados de ressarcimenro do dano (coima), cometendo muitas vezes aos próprios ofendidos o seu ressarcimenro (•acoimar.). As
OrtknaçõeI, no liv. V, abordam algumas hipóteses de dano conexo com crimes (v.g., incendiários, daninhos, injúrias). Mas, em geral,
a doutrina recebeu o sistema romano, baseado nas miorit.J ex lege Aqui/ia (acção dirtda, utile e in /mum) - para danos causados por
homem livre-, na aclio no:xaliJ - para danos causados por escravos (cf. Ord. Fil. V, 86, 5)- e na mio de pauperie - para danos
causados por animais (cf. Ord. Fil., V, 87). N05 finais do séc. XVIII, a doutrina, baseada na razão natural, admire a regra de que o
daoo ilícito deve ser reparado de acordo com a sua grandeza e qualidade (v. MELO FREIRE, lmtitutionu iuriJ t:Timina/is, t. VII,
maxime S 9).
DOCUMENTOS
Tradução
E que nunca se vendam os bens do fiador antes de se venderem os bens do devedor.
presos nas audiencias ataa que paguem, posto que sejam honrados, e arreiguados na cerra em as
ditas somas: Praza aa Vossa Mercee de lhes defenderdes sob certa pena, que tal cousa nom façam.
A em~ artigo diz ElRey, que por effeitos civiis nom prendam nenhuü, se tever per honde
pagar, salvo se for por feitos maliciosos, em que per a Hordenaçom do Regno devam seer presos, e
pagar da Cadea: e este Corregedor, ou Juiz, que o contrairo fezer, pague por cada vez mil reis
brancos, dos quaaes a meetade seja pera quem ho acusar, e a outra ·meetade seja pera as obras do
Concelho daquelle lugar, honde esto acontecer.
2 E visto per Nós·o dito artigo com a reposta a elle dada, adendo e declarando em elle
Dizemos, que por a divida privada, que decenda de feito civil, assi como d'algüu concrauto ou casi
contrauto sem outra alguã malícia, nom deve alguü homem seer preso, ainda que nom tenha per
honde pagar, atee que seja condapnado per sentença, que passe em cousa. julgada; ca entom se
deve fazer eixecuçom em seus beês, e nom lhe achando tantos, que abastem pera a dita
condapnaçom, em tal caso deve seer preso o devedor ata;. que pague da cadea: pero dando lugar aos
bees em forma de direito, logo deve seer solto, segundo mais compridamente avemos ·dito no
Titulo, Dos quedam lugar aoJ beêl.
[... J
4 E se a divida fosse Nossa, ainda 9ue decenda de feico civil, assi como contrauto, ou casi
contrauto, em tal caso pode o devedor geeralmence seer preso por essa divida, ataa que pague da
cadea, porque.esto he assi outorgado aos Reix per seu privilegio especial, e nom poderá em cal
caso seer solto, por dar lugar aos beês.
Da Fiadcria tk muito!.
ElRey Dom Affonso o Terceiro de louvada e famosa memoria em seu tempo fez Lei em esta
forma, que se segue.
1 Em outra parte he escabelicido, que quando dous homees, ou mais som fiadores, cada
hum por todo, que huns sem os outros nom sejam constrangidos aa fiadoria, mais todos
juntamente, e igualmente sejam costrangidos a esse aver, que ham de peirar em essa fiadoria, e
todos igualmente a peitem; e se algum destes fiadores nom ouver por honde pague, que os outros
paguem por si, e por elle. E Mandamos que primeiramente se pague esta divida pelo movei do
devedor quanto comprir.
2 E vista per Nós a dita Lei, adendo e declarando em ella Dizemos ...
3 E declarando ácerca da segunda parte da dica Lei, que falia em como se deve haver a
dita divida primeiramente pelos bens do devedor, &e. Dizemos, que nom deve seer demandado o
fiador em nenhum caso, ataa que o principal devedor nom seja primeiramente demandado, e
condapnado, e feita a eixecuçom em seus bees assi moviis, como de raiz; e feita assi a dita
eixecuçom, em aquello, que se nom póde aver polos bees do principal devedor, poderá seer
demandado o fiad~r. E esto que dito he averá lugar no caso, quando o devedor principal for
presente, a saber, na Villa, honde for morador, ou em seu termo; e seendo elle ausente do termo,
ou da Villa, hu for morador, em cal caso poderá seer demandado, e condapnado sem o
primeiramente seer o principal devedor ...
764
EIRey Dom Affonso o Terceiro de grande memoria em seu tempo fez lei em esta fórma,
que se segue.
1 Dom Affonso, &e. A vós Alquaides, e Alguazis da Villa de Santarem, saude. Sabede,
que a Cumunidade dos Judeus me mandou dizer, que elles emprestam a vossos vizinhos dinheiros
per prazos, e per Cartas, e per Estormentos, e obrigam a eJles por essas dividas seus herdamencos,
e suas possissooés, que as nom possam elles vender, nem enalhear, nem emprazar, senom pe-ra
pagar a elles suas dividas, assi como em esses Estormencos he concheudo: e segundo a Mim he dico
esses vossos vizinhos vendem, e enalheam as dicas possissooés, e herdamencos, que a esses Judeus
so·m obrigados por suas dividas. E Eu avendo Conselho sobre esco, achei per direito, que aquellas
possissooês e herdamentos, que a esses Judeus som obrigados por suas dividas, nom se podem
vender, nem enalhear, ataa que paguem a elles essas dividas, polas quaaes lhe som obrigados: e
semelhavelmence aquelles vossos vizinhos, que caaes herdamencos, ou possissooes compram, ou
filham a penhor, ou as querem aver per outra maneira, se nam podem escusar que nom sejam
theudos por estas dividas, ou leixem esses herdamentos, ou possissooes a aqueJles, a que som
obrigados, assy como suso dito he: e al nom façades. Dance em Lixboa a • quatorze (a) • dias de
Março Era de mil trezentos e • treze ( b) • annos.
2 E vista per Nós a dica Lei, adendo e declarando em ella dizemos, que vendendo, ou
enalheando o devedor a cousa sua, que havia a outrem obriguada, porque essa cousa assi obrigada
sempre passa com seu encarrego da obrigaçom, poderá o Creedor demandar o possuidor deJla, que
ou lhe pague a divida, por que lhe foi obrigada, ou lhe dê e entregue a dita cousa, pera aver per
ella pagamento de sua divida.
( ... ]
D. - O EMPRÉSTIMO
1. Definições e distinções
O empréstimo é um contrato pelo qual uma pessoa confia uma coisa a outra
pessoa, com a condição de esta a restituir no final de um ceno prazo.
Distinguem-se duas espécies de empréstimos, tanto no direito acrual (C. civ. fr.
1804. , art. 0 1874. º)como no direito antigo e no direito romano:
0
uma Capitular de 789 proíbe sem restrição todo o empréstimo a juros: Omnino omnibus
interdictum est ad usuram aliquid dare (é proibido a todos dar qualquer coisa em usura); a
palavra usura adquiriu o senrido de todo o juro, seja ele qual for: Usura est ubi amplius
requiritur quam datur (a usura consiste em exigir de volta mais do que se deu).
A proibição do juro é baseada em textos do Antigo e do Novo Testamento; no
Êxodo, o empréstimo a juros é proibido entre Hebreus; São Lucas (VI, 35) diz pela boca
de Cristo no seu «Sermão na Montanha»: Õavd~e:-:e: fLY;ÔÉv àne:À7t(~ov-:e:ç, o que se traduziu
por: Mutuum dare nihil inde sperantes (emprestai sem esperar algo em troca), quer dizer,
sem esperar nenhum juro. Os teólogos e canonistas utilizaram um grande número de
outros textos antigos para justificar a sua posição; até uma passagem de Aristóteles:
Nummus nummum non parit (Política, 1, 3), dinheiro não engendra dinheiro.
Nos séculos XI a XIV, a proibição do juro é geral; a Igreja mostra-se
intransigente. Graciano reúne todos os textos para mostrar que a usura(= o juro) é um
roubo, e que o usurário deve ser excomungado se não restitui. Os Concílios do Latrão
( 1139 e 1179) proclamam a proibição da usura como lei universal da Igreja, conforme ao
direito natural.
Os Romanistas submetem-se às normas canónicas, particularmente Azon e
Bártolo; outros (Acúrcio) são mais reticentes, perante a legislação de Justiniano,
imperador cristão (supra).
Os direitos consuetudinários e as ordonnances reais francesas (São Luís) proíbem
igualmente todo o empréstimo a juros; o conde da Flandres proíbe-o por uma ordonnance
de 1199 (doe. n. 0 2, p. 770). A sanção é civil (nulidade de contrato) e penal canónica
(excomunhão) e laica (confisco em benefício do senhor) o4>.
04l ). FAVRE, Lt prit à intérêl dam /'andmne frana, Paris 1900; G. LE BRAS, V. 0 Usure, in Dkt. Th.,,/ogie canonique,
t. XV, 2, p. 2306-2372; 8. SCHNAPPER, •LI répression de I'usure et l'évolution économique (12.•-!6.• siecle)•, TijdJ. voor
RechtsgeJCh., t. 37, 1969, p. 47-75;N. NELSON, Theldeao/Usury, l..ondres 1949;). T. NOONAN, TheScholaJticAnalysúo/Usury,
Cambridge (Mass.) 1957.
OS> G. BIGWOOD, u rigimej11ridique el konomiq11e du rommerct tÚ l'argmt dam la Belgique au rnoym qge, 2 vol., Bruxelas
1921-1922; J. LAMEERE •Un chapitre de l'hisroire du pdt d'intérêt daru le droit belge•, Buli. Acad., 1920, p. 77-104; V.
BRANTS, La ltmeconlre l'usure dam /e droit moderne, Paris 1907 (importante resumo histórico).
768
1361); assim conseguiram por vezes ser protegidos pelos príncipes contra as .reacções
populares antijudaicas.
Os próprios cristãos imaginaram numerosos processos para contornar a proibição
do juro. A Igreja interveio por vezes expressamente para os denunciar e os proibir, sem
todavia conseguir impedir o seu desenvolvimento, sobretudo a panir da renovação
económica do século XIII. Vários destes processos técnicos estão na origem de
instituições actualmente muito desenvolvidas. Delas, faremos apenas uma breve citação,
sem analisar o seu funcionamento e a sua evolução.
a) A venda com retrovenda, quer dizer a venda com a possibilidade de comprar de
novo: A vende um bem a B mediante um preço X, com a faculdade de A poder comprar
de novo o bem após um prazo fixado, a um preço de X mais Y; com efeito, B empresta
assim o dinheiro a A· que lho restitui após o prazo fixado, acrescido da soma Y que
constitui o juro. A instiniição aparece desde a época franca; a Igreja combateu-a,
impondo a teoria do justo preço (not. decretai de 1176): a venda era nula se o preço fosse
manifestamente desproporcionado relativamente ao valor do bem alienado.
b) O mort-gage: os frutos da garantia (gage) constituem o juro do crédito (ver
Jupra, p. 757). Proibido no fim do século XII, desapareceu no continente, mas
sobreviveu em Inglaterra.
c) A venda de renda de propriedades: A, detentor de um bem imobiliário (alodial,
terra enfeudada, etc.), vende a B, mediante o pagamento de uma soma, urna renda
estabelecida sobre esse bem (cemuJ comignativuI, censo consignativo, censo constituído;
donde «constituição de renda», que subsiste no Código Civil Francês, an. 0 1909. 0 ).
A obtém assim uma soma de dinheiro, mas .o seu bem fica agravado com uma renda; B cede
(= empresta) um capital a A em troca duma renda ( = juro) estabelecida sobre o bem de
A. Este processo de rendas (e outros) conheceu um grande desenvolvimento na Baixa
Idade Média; a Igreja não soube (talvez não tenha querido) impedir o seu desenvolvimento.
O Papa Maninho V, em 1425, admite a sua legitimidade mediante cenas condições,
designadamente que a renda seja resgatável pelo agravado e que ela não represente senão
7 a 10% do preço de compra. As cidades legislaram muito, desde o século XIV, no
domínio do resgate das rendas 06>.
d) OI juros moratórios: o· devedor obriga-se a pagar determinada quantia por um
certo período de atraso, se não cumprir uma dada obrigação (p. ex., reembolsar uma
soma de dinheiro emprestada) na data fixada; bastaria fixar um prazo de reembolso muito
curto para obrigar a pagar ((juros de mora» (mora). Os canonistas admitiram a
legitimidade dos juros de mora se fossem compensatórios de um prejuízo ( damnum)
06) Ph. GODDING, Le Jrait foncier à 8T11xt//tJ, op. ât., p. 222 ss.; B. SCHAPPER, La,..,,,., au XVI.' li«lt. Hiftoire J'un
instrument ek crédit, P'!fiS 19'7; M.J.B. de ALMEIDA COSTA, Raízts Jo c~nso consignativo. l'ara a his16ria Jo mdito mtdiwal fJortuguiJ,
Coimbra 1961.
769
suportado pelo credor; distinguem desde então a usura e o interesse, admitido em caso de
damnum (donde a expressão moderna: dommages-intérêts - perdas e danos).
e) O empréstimo com risco (ou empréstimo marítimo), a juros relativamente
elevados, por causa dos riscos da navegação, sobretudo a partir do século VIII (guerras
constantes entre Cristãos e Muçulmanos), foi sempre admitido como excepção à
proibição geral, ainda que a decretal Naviganti o tenha proibido, aliás em vão ml.
(171 De entre o srande número de outros processos que permiriram iludir a proibiçãn da usura, citemos o depósito
bancário, a letra de câmbio, o contrato fictício, a cláusula penal, etc.
Sobre a letra de câmbio: G. DES MAREZ, Contrihution à l'éturk fÚJ papim rk nidit: lo lettre rk foirt à Ypru ou Xlll.' Jiecle,
Bruxelas 1900; H. LÉVY-BRUHL, HiJtoirt rkla lettrerk changeen Fronce aux XVII.' ti XVIII.' Jik/tJ, Paris 1933; R. DE ROOVER,
L'évolution de la lettre rk change (XIV.'-XVlll.'' ), Paris 1953; do mesmo, The Br11gt1 Monty M<1rke1 ,;iround 1400, Bruxelas 1968.
770
NOTA OOTRADUTOR
Sobre o emprtstimo, v. as anteriores notBS h secções A, B e C dcsre capírulo; sobre a usura, em paniculat, v. a nora à secção A.
DOCUMENTOS
1. ANTIGO TESTAMENTO
XXIII, 20: Não exigirás de teu irmão nenhum juro, nem por dinheiro, nem por víveres,
nem por alguma coisa que se e,mpresta a juros. Tu podes exigir juros a um estranho, mas nada
tirarás de teu irmão, para que Jeová, teu Deus, te abençoe ...
Ego Bald(11ni11s). Flandrie et Hainonie come.J, omnib11s q11ib11s litteras istas videre contigerit,
sa/11tem in Domino.
Quoniam ex usura multa et infinita seaturiunt mala, videlicet ecclesiar11m destructiones, mobilium et
ignobilium principum et magna/um exheredationes, pauperum pupillorum et viduarum desolationeI, e/ qtlÍa
nemini fetore peccati huiuscemodi quo inquinato regnum celorum intrare permittitur, etc.... habito comilio
cum viris religiosis e/ eum hominibw TlUÍS sapientioribus et di1cretiorib11s pestem istam tam execrabilem,
peccatum istud Deo et omnib111 sanctís eius odibile, a finíb11s terre et potestatis 1'Ue mihi a Deo commisse
penit11s eradicare et ex1tirpare decrevi. lnhibeo itaque cum summa districtione, ne quis in terra mea pecuniam
suam det ad us11ram, et q11i hoc fecerit inimims TlUUS erit ...
771
Tradução
Dado que muitos males nascem da usura, a saber, a destruição das igrejas, o
empobrecimento dos nobres príncipes e magnatas, a desolação dos pobres órf.ios e viúvas., e
porque não é permitido a alguém que tenha cometido graves pecados entrar no reino dos céus ...
Após ter-me aconselhado com os ·eclesiásticos e com os ineus homens mais sábios, decretei
exterminar esta peste das minhas terras. É por isso que proíbo com a maior sevetidade que quem
quer que seja dê dinheiro em usura; aquele que o fizer será meu inimigo ...
Art. 1. O juro convencional não poderá exceder, em matéria civil, cinco por cento, nem
em matéria de comércio, seis por cento, sem reserva.
Art. 2. O juro legal será, em matéria civil, de cinco porcento; eem matéria de comércio, de
seis por cento, também sem reembolso.
Art. 4. Tod.o o indivíduo que for acusado de se entregar habitualmente à prática da
usura, terá de comparecer perante o tribunal correcional, e, em caso de condenação, sentenciado a
uma multa que não poderá exceder a metade dos capitais que ele tenha emprestado em usura.
E. - A SOCIEDADE
1. Definição e tipos
A sociedade é definida, pelo artigo 1832 do Código Civil de 1804, como «um
contrato pelo qual duas ou mais pessoas acordam pôr em comum qualquer coisa, com
vista a partilhar o benefício que daí poderá resultar». Mas, para além das sociedades
civis, regidas pelo Código Civil - e que são na realidade pouco numerosas - existem no
772
2. Histórioa
As sociedades civis e comerciais que acabámos de descrever, só têm um papel
importante na vida económica desde há alguns séculos, e sobretudo desde meados do
século XIX. O tipo de sociedade que domina actualmente a vida económica da Europa
Ocidental é a sociedade anónima (ou sociedade por acções, Aktiengesellschaft) cujas origens
remontam apenas ao fim da Idade Média; fixar-nos-emos para já sobretudo na evolução
deste tipo de sociedade.
O contrato de sociedade não era tod.avia desconhecido na Babilónia, na Grécia, em
Roma. Mas a sociedade romana é uma associação mais ou menos momentânea de pessoas
mais do que urna empresa comercial; extingue-se pela morte de um dos associados; não
tem personalidade moral (salvo algumas sociedades importantes de trabalhos públicos ou
de abastecimento).
Na Idade Média, como nas civilizações arcaicas, as comunidades têm um papel
considerável na vida social: comunidades de família, de clã, de aldeia, de cidade, de
ofício, de corporações, de mercadores (guildas mercantis), de estudantes e professores
(universidades), etc. As relações entre cônjuges quanto aos seus bens são geralmente
regidas por sistemas de comunidades (universal ou reduzida) (supra). A vida política e
773
3. Sociedade em comandita
Este tipo de sociedade surgiu a partir dos séculos X-XI no quadro de comércio
marítimo, no Mediterrâneo. Deriva do empréstimo marítimo (ou empréstimo de grande
risco), no qual um financiador empresta dinheiro a um capitão de nav.io por uma ou
várias viagens determinadas. Na commenda (de commendare = confiar, emprestar)', o
financiador (comandicário) associa-se ao capitão de navio (comanditado); partilha com ele
os lucros, mas não suporta as perdas senão até ao limite do seu contributo em capital.
Este tipo de contrato permitia escapar mais facilmente à proibição do juro que o
empréstimo marítimo; a procura de meios para fazer frutificar os capitais, não obstante a
proibição canónica, contribuiu para o nascer da ideia duma responsabilidade limitada ao
capital investido.
As sociedades em comandita tiveram um papel importante no desenvolvimento do
comércio mediterrânico, depois, mais tarde, atlântico e do mesmo modo, no desenvol-
vimento de pequenas empresas industriais. Para evitar certos abusos, a ordonnance
francesa de 1673 (Colbert) exigiu que a escritura de sociedade fosse tornada pública.
Elas conheceram ainda, em França, um certo desenvolvimento durante a primeira
metade do século XIX, sobretudo pelo desenvolvimento da comandita por acções, à qual
o código de 1807 não consagra, aliás, senão algumas linhas; a sua construção jurídica
repousava sobretudo na prática e nos usos. Mas a partir de 1856, as intervenções do
legislador multiplicam-se na regulamentação da constituição das sociedades em comandita
08) G. SICARD, l\ux origine< rnáetéJ anonyme<: /., moulim de Toulouu au Moym áge, tçse de direito de Toulouse
tÍtJ
19~.~. H. LÉVY-BRUHL, HiJtoire iuridique deI Jociôh dt
<U11lfTlem m Frana au XVII et XV/11 riic/a, Paris 1938; C. DUPOUY, ú droit du
e-.
faillitu en Fra"'11 ava111 le Codt dt Paris 1960, G. LANDWEHR, ·Die Verfassung der Akriengesellschalten. Rechtsverhaltnis..e im
Preussen vom Anfang des 19. Jahrhundens bis zwn}ahre 1870•, Zeiu. Savir.11yS1i/1ung. Germ., r. 99, 1982, p. 1-112.
774
e na missão das acções. Desde então, o número de sociedades em comandita por acções
diminui. As de comandita simples tendem a desaparecer a partir de 1925, em
consequência do desenvolvimento das sociedades com responsabilidade limitada o9i,
4. Sociedade anónima
Esta instituição teve um papel considerável na evolução económica do mundo
contemporâneo; ela permitiu a concentração de importantes capitais para realizar vastas
empresas tais como fábricas, bancos, seguradoras, comércios internacionais, erc. Pela
mobilidade dos capitais representados pelas acções negociáveis, ela assegurou progressivamente
nos séculos XIX-XX, a predominância da riqueza mobiliária sobre a riqueza imobiliária.
Este tipo de sociedade não existe na Antiguidade. Aparece em Itália e no Sul de
França nos séculos XII-XIII, desenvolve-se através do grande comércio das Índias a partir
do século XVI, mas só conhece a sua plena expressão a partir da segunda metade do
século XIX, graças ao regime da liberdade económica.
Os antecedentes da sociedade anónima poderiam ser procurados num grupo de
associados (socii, «pariers») para a exploração dum moinho em Toulouse, mencionado
desde 1138; possuem fracções do capital, chamadas «uchaux», que são livremente
negociáveis. Outros antecedentes poderiam ser os comerciantes de Génova, os
«maones», que praticavam como associados o comércio a grande distância desde o século
XII, mas sobretudo o Banco de Saint-Georges, que existiu em Génova de 1407 a 1799 e
cujo capital era representado por títulos transmissíveis.
No final do século XVI e sobretudo no século XVII a maior parte das grandes
empresas que fazem o comércio com as Índias Orientais (Ásia) e Ocidentais (América) são
constituídas na Inglaterra, nas Províncias Unidas, em França, sob a forma de sociedades
por acções: East-lndian C()Tllpany, Companhia da Nova França (Madagáscar, cerca de
1610), Companhia do Cabo Verde, Companhia das Índias Orientais (1664), etc ..
O capital, muitas vezes considerável, é constituído por partes transmissíveis. às quais se
deu na Holanda em 1602 pela primeira vez o nome de aktie (donde mais tarde: acção); a
responsabilidade dos accionistas era limitada à sua quota, a companhia obtinha em geral
a personalidade moral por uma autorização do Rei (companhia por alvará, chartered
company) que por privilégio a reconhecia como um corpus, uma universitas; algumas
companhias adquirem mesmo o direito de cunhar moeda, promulgar leis, manter uma
armada nos seus estabelecimentos além-mar.
As sociedades por acções multiplicam-se no século XVIII, mesmo fora do
comércio das Índias, mas continuam todavia pouco numerosas e não têm nenhum papel
importante na economia.
09l J. HIJ.AIREem VlANDIER, HII..AIRE, MERI.EeSERBAT, LaSocie1émro111mal1tÍi1ep.,,amom, Paris, 1983 (cf. artigo
de R. BESNIER in Rev. hút. dr.fr.; 1984, p. 53-58).
775
NOTA DO TRADUTOR:
A sociedade (•Companhia») aparece pela primeira vez regulada, no plano do direito nacional, nas Ord. Fil. [ 1604], IV, 44.
São aí previstos três tipos de sociedade: a sociedade universal - cujos exemplos mais comuns se encontrariam no âmbito das
sociedad~ famili:ues (entre irmãos ou entre herdeiros) ou das ~iedades de cultivo (v.g., entre enfiteutas ou arrendatários de um
único prédio), a sociedade parcicular (IV,44,2), para certa empresa ou negócio (que ainda podia ser de duração determinada ou
indeterminada), que constitui o modelo típico das sociedades comerciais, e a sociedade em comandita (IV ,44,9), de que um exemplo
típico é o da parceria agrícola, de resto expressamente prevista num outro passo das Ordm(lfõtJ (IV,45). O rekrido tit. das Ord.
permite ainda distinguir a sociedade constituída para arrendamento de rendas públicas, coin um regime que g:uante os interesses da
coroa (v .g., quanto à subsistência da .sociedade com os herdeiros dos sócios ou, segundo a doutrina dominante, quanto à
responsabilidade solidária dos s6cios). As Ord. estabeleciam a regra da limiração da responsabilidade (IV,4, 10), mas não eram
explícitas quanto ao carácter conjunto ou solidário da responsabilidade dos sócios; a doutrina estabelecia a regra da conjunção
(responsabilidade limitada à quora no capital - pro tl;ta), embora esta regra tivesse muitas excepções: quanto o costume do lugar
fosse em contrário, quanto o sócio contratasse montantes superiores à sua quota, no caso de vendas de animais ou de escravos, no caso
de sociedade de armadores que não exercessem eles mesmos a npitania do navio, quando os s6cios exercessem a actividade em
localidades distintas, nas relações com o fisco, etc.; ANTÓNIO CARDOSO DO AMARAL, Liber 11tilissim111 ... , v. •societas•). No
domlnio comercial - a que pertencem muiras das anteriores excepções - , entender-se-á mais tarde, por generalização, que a
responsabilidade é solidária, principio que virá a ser expressamente consagrado no art. 0 664. 0 do Cdd. Com. ~ 1833. Muitos dos casos
típicos de sociedade comercial caíam neste domínio, embora a plena consumação do principio da limitação da responsabilidade às
forças da quota de cada um só tenha vindo a realiz:ar-se com o advento das sociedades por quotas, permitidas por f.,i de 11.4. 1901.
Quando às sociedades por acções (.companhias de comércio.), elas importavam derrogações muito importantes do regime comum
das sociedades (responsabilidade limitada ao valor das participações, carácter impessoal), pelo que só podiam ser constituídas por
privilégio (i.e., por •lei particular.); entre nós, t3.I é o caso das Companhias da Índia (reg. 0 27.8.1628; extinta em 1633), do Brasil
(aprovação: 10.3.1649; extinção em l.2.1720), de Cabo Verde e Cacheu (4. l.1690), da Guiné e das Índias (19.7.1704), de Maca;,.
(21. l.1710), da Companhia para a introdução dos negros nas Índias de Espanha (15.2.1693), da Companhia para o resgate dos
escravos da Costa de África (17.7.1752), das conhecidas companhias pombalinas (Grão Pará, 7.6.1755; Geral de Agriculcura,
10.9.1756; Pernambuco e Paraíba, 13.8.1759) e de muitas outras, marianas, joaninas ou já liberais, entre as quais as de seguros
(Tranquilidade recíproca, 22.2.1797; lndemnidade, 21.8.1804) ou as bancárias (v.g., Banco de Lisboa, 3 l.12.1821) (sobre isto
v. os artigos •Bancos• e •Sociedades anónimas•, do Dic. hiu. Port., dir. JOEL SERRAOl.
O liberalismo (já prenunciado pelo direito iluminista) trouxe ao direito das sociedades algumas modificações. Por um lado,
estabelecendo a primazia do principio da autonomia da vontade, agora liberto de antigos "ntraves (v.g., relativos à possibilidade de
continuação da sociedade com os herdeiros dos sócios, cf. lei 17 .6. 1766, coonestando prática anterior) e erigido em princípio
fundamental (•Este contraro regula-se pela convenção das partes, e pelas leis particulares do commercio. O Direito civil propriamente
ditto, so lhe é applicavd na fulta das leis, e usos do commercio... Sim, a convenção das partes é a lei das obrigaçoens em geral; mas
em commercio é a primeira lei commercial•, JOSÉ FERREIRA BORGES, Dicâonario j11ridico-rommm:ial, Lisboa 1839, 471-472).
Por outro lado, permitindo limitar os riscos da participação, ao criar um novo tipo de sociedade pessoal em que a responsabilidade
está, em princípio, limitada às IOrças da quota); é o que acontece com a lei das sociedades por quotas, d" 11.4.1901). Ao mesmo
tempo, as sociedades universais, que tinham deixado de corresponder a interesses sociais relevantes, são encaradas com desfavor
(extintas pelo A.L.R. prussiano, arr. 0 176. 0 e restringidas pelo Code civil, arr. 0 1837. 0 , na esteira dos quais segue a nossa doutrina
oirocenrista, v.g., M.A. COELHO DA ROCHA, lwli111ifÕ<I ... , cit., li, S 862).
Bibliografia:
LUÍS MOLINA, Dt iwtitia e1 tk iure, cit., disp. 411; AMARO LUÍS DE LIMA, C01T1111e1114ria ad Ordinatiomi regni Port11galilu,
Olissipone 1761, ad IV ,44; MANUEL A. MONTEIRO DE CAMPOS COELHO DA COSTA FRANCO, Traaadb J>rtitim j11ridim, e civel ...
na pritruira se trata do mntrato tk 1ociedatk, e rompanhias ... , wboa 1768, 1-114; PASCOAL]. MELO FREIRE, l111ti111tio11tJ iuri1 civilis .. .,
cir., IV, III, § 20; M.A. COELHO DA ROCHA, l111tit11ifiie1 ... , cit., 74 ss.; JOSÉ FERREIRA BORGES, ]11rirflt'Utknâa do
contrato-~canlil ~ Joâedade ... , Londres 1830; Dirrionario ... , cit., v. •Acção•, •Companhia•, ·Soci..dade•; NUNO E. GOMES DA
SILVA, «Breve história da cláusula de continuação da sociedade com os herdeiros dos sócios•, Rev. Fac. Dir. Lhboa, 1~ (1963).
777
DOCUMENTOS
TÍTULO IX: § 1 Da sociedade de comércio ou companhia e até que ponto os companheiros ficam
mutuamente obrigados.
1. É permitido a todas as pessoas capazes de formar entre elas tal sociedade ou
companhia de comércio, e em tais condições que lhes pareça bem desde que as ditas condições não
sejam proibidas pelo direito comum escrito ou por qualquer outro modo.
4. Aqueles que se estabelecem em conjunto numa sociedade de comércio, sem que tenha
sido dado mandato a qualquer um em particular para obrigar os seus co-associados ou a sociedade,
são considerados como tendo mutuamente dado mandato para este efeito, e ficam, por
consequência, solidariamente obrigados pelos compromissos contraídos pelos seus co-associados,
e podem ser accionados por este motivo cada um pelo todo, se tiver sido feito uso do nome da
companhia; a não ser que o accionado tenha regresso contra a sua companhia ou seus co-associados.
8. Aquele que não é membro de uma sociedade, e não é conhecido como tal no contrato,
mas que vem somente participar no comércio social, em razão de uma soma que ele emprestou à
companhia, para ser empregue em seu proveito no seu comércio e ter de dar os lucros e as perdas,
não pode ser pessoalmente accionado pelas dívidas da companhia, e não fica sujeito a mais do que
poder perder o seu financiamento durante tanto tempo quanto aí o deixar.
Contracto de companhia he o que duas pessoas, ou mais fazem entre si, ajuntando todos os
seus bens, ou parte delles para melhor negocio, e maior ganho. E algumas vezes se faz até certo
tempo, outras vezes simplesmente sem limitaçaõ delle, mas ainda que se faça sem limitaçaõ de
tempo, morrendo qualquer dos companheiros, logo acabará o contracto da companhia, e naõ
passará a seus herdeiros posto que no contracto se declare, que passe a elles, salvo se a companhia
fosse de alguma renda nossa, ou da Republica, que algumas pessoas houvessem tomado
junta.mente, porque nestes casos, ainda que algum dos companheiros na renda falleça, passará o
tal arrendamento a seus herdeiros pelo tempo que elle durar, se assi foi no dito contracto
declarado, e o herdeiro he pessoa diligente, e idonea para perseverar na dita companhia.
2 E quando o contracto da companhia naõ for de todos os bens, mas de parte delles, assi
como de certo tracto, ou negocio, aquillo sómente se communicará entre os comparÍheiros, que
cada um delles houver por seu trabalho, ou industria no mesmo tracto, ou negocio, e naõ aquillo
que cada hum delles houver por outro modo fóra da companhia por respeito de sua pessoa, ou por
beneficio particular, que de alguem recebeo, assi como huma herança, ou legado, doaçaõ, ou
outra cousa semelhante.
[ ... ]
778
8 E posto que antes do tempo da companhia ser acabado nenhwn dos companheiros se
possa afastar della, todavia em certos casos o poderá fazer. Asi como se algwn dos companheiros
for de condiçaõ taõ aspera, e forte, que com elle se naõ possaõ haver. Ou se o que se afasca da
companhia allegar que he inviado por Nós, ou pela Republica aügwn negocio. Ou que lhe naõ he
cumprida algunia condiçaõ, com a qual entrou na companhia. Ou se lhe foi tomada; ou
embargada a cousa em que a companhia he feita.
9 Naõ se declarando no contracto da companhia, quanta parte do ganho, ou perda
haverá cada hum dos companheiros, entender-se-ha, que cada hwn haverá assi do ganho, como da
perda iguaes panes. Naõ tolhemos porém, que os companheiros logo no tempo do contracto
possaõ repartir entre si a perda, e o ganho doutra maneira, .porque poderá muitas vezes a
industria, a saber de algwn delles ser de mór valía, e proveito para a mesma companhia, que o
cabedal que os outros metterem, e assi será justo, que este tal tenha mà.is no ganho, e menos na
perda, naõ poderáõ porém os companheiros pôr tal pacto, e condiçaõ, que hwn companheiro leve
o ganho todo, e na perda naõ renha parte, por quanto tal concerto como este, he illicito, e
reprovado.
10 As dividas que se fizerem por respeito da companhia, e sociedade, della mesma se haõ
de pagar, postq que a esse tempo seja já acabada. E da mesma maneira se ha de tirar da companhia
a perda, e danno que houve nas cousas ôella, ou que aconteceo a qualquer dos companheiros nas
suas cousas proprias por causa da tal companhia. Assi como se sendo manda.do hwn delles a certo
negocio tocante á companhia, o roubarem os ladrões no caminho, ou lhe matarem o cavallo em
que for, ou o escravo que levar.
11 E pelo mesmo modo, toda a despesa, e gasto que se fizer em beneficio da companhia,
se ha de pagar deJla. Porém o que algwn dos companheiros gastou fóra da companhia, ainda que
fosse em algum acontecimento que tivesse origem por occasiaõ da companhia, naõ se tirará, nem
pagará delta. Assi como se trazendo hwn companheiro a seu cargo escravos da companhia, fosse
ferido por algum delles, por lhe querer tolher que naõ fugisse, porque em tal caso o que gastar em
se curar, naõ o haverá pela companhia, mas ficará por sua conta, e despesa particular.
1. Certos mercadores desta cidade de Lisboa contraíram entre si uma sociedade, juntando
algumas cláusulas e condições, especialmente que com o dinheiro do capital comprariam certas
mercadorias que se~iam leva.das para a Índia e que, do preço obtido, comprariam outras que
transportariam da India para esta cidade. E que, uma vez deduzido o capital e as despesas
decorrentes desta sociedade, dividiriam os lucros igualmente. Depois de contraída a sociedade,
aconteceu que, por causa da guerra da Espanha, França e Mauritânia, para onde as mercadorias que
vêm da India costumam ser enviadas, isto não pôde ser feito. Do mesmo modo, levantaram-se na
Índia grandes guerras entre o rei de Camba.ia e os reis vizinhos, tendo-se também revoltado o reino
de Bengala, eximindo-se à nossa obediência e comércio, pelo que na cidade de Goa não se
encontravam mercadorias à venda e as que se encontravam eram vendidas caro. Para além disto, as
779
nossas mercadorias eram oferecidas por baixos preços pois não se encontravam aí tantos
compradores quantas as mercadorias. Pelo que um dos dois sócios recusou entregar a sua parte no
preço destinado a comprar as mercadorias, tentando assim dissolver a sociedade. ou, na
impossibilidade, a suspendê-la. Pergunta-se se, em face do direito, o pode fazer?
2. (sic]. Respondo que a sociedade constituída por certo tempo não pode ser dissolvida
antes do tempo[ ... ], a não ser pelo consenso de ambos os sócios[ ... ].
3. A favor da resolução adianto, no entanto, que há certos casos em que um sócio pode
disso] ver a sociedade [ ... ] .
[ ... ].
4. Suposto isto, resta então ver se no nosso caso militam certas cirrunstâncias em vista
das quais a sociedade possa ser dissolvida, ainda que de forma intempestiva. E digo que militam
duas circunstâncias que não se verificavam ao tempo do contrato de sociedade. O primeiro é o que
consta dos autos, ou seja, que não se pode fruir aquilo em vista do qual a sociedade foi
constituída. Na verdade, esta sociedade ou qualquer outra sempre se constitui em vista de obter
lucros. É esta a intenção dos contraentes, mesmo quando possa sobrevir dano[ ... ]. Se, porém, no
tempo do contrato era provável a expectativa de lucro e depois por causas urgentes sobreveio uma
expectativa provável de dano, de tal modo que o dano seja mais certo do que o lucro, dizemos estar
perante caso em que não se pode fruir a causa em vista da qual se fez o negócio ou sociedade [ ... ].
Prova-se plenamente que as mercadorias que se exporta, deste reino para as partes da Índia se
vendem aí, por um preço mais do que aquele por que se vendiam. Do mesmo modo, as mercadorias
que vêm da Índia ao nosso reino se vendem aqui por preço baixo e muito menor do que corria nos
anos anteriores, o que se prova pelas testeinício da sociedade, mas apenas depois do facto
superveniente da eclosão das guerras da Espanha, França e Mauritânia, para as quais partes, as
mercadorias que provêm da Índia costumam ser transportadas; o que agora não pode ser feiro, em
vista das guerras ou do ambiente de guerra[ ... ]. Pelo que parece ser wna solução mais justa que se
possa renunciar à sociedade segundo o arbítrio de homem bom, tanto mais que os réus não dizem
querer dissolver a sociedade no rodo, mas apenas não querem desembolsar os duzentos mil reis que
deveriam desembolsar, dizendo que seria suficiente entrar por ora com os sessenta mil que
desembolsaram no ano passado ou mesmo setenta e tal mil, esperando anos melhores e não tão
perturbados como o presente.
[ ... ]
15. [ ... ]E por estes fundamentos me lembro ter sido julgado.
1. Bibliografias gerais
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Contém a lista das revistas e das colecções de ·monografias e de edições de fontes, publicadas pelos
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Não há nenhuma síntese recente da história das fontes do direito.e da história do direito privado na
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785
13. Revistas
A. O Egipto .................................................................................. 52
804
1. Evolução geral..................................................................... 52
2. Direito do Ancigo Império....................................................... 54
3. Evolução para o regime senhorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4. Segundo e cerceiro período de evolução do direico egípcio..................... 55
Documentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
B. Os direitos cunei/017TUS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
1. Evolução geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
2. Os grandes -.códigos» dos direicos cuneiformes . ............................... 60
3. O direito da época de Hammucabi............................................... 63
Documentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
e. o direito hebraico......................................................................... 66
1. lntrcxlução histórica............................................................... 66
2. Caracteres . . . . . . .. . . . .. . . .. . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
3. Fontes de direito .. . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . 67
Quadro comparativo das fontes........................................................ 70
ocumentoJ .............................................................................. . 71
O
1
E direito romano ......................................................................... .
1ntrod uçao
- h'1stonca
, . .............................................................. ·.
80
80
l·.. / ....
2. O antigo d1re1co romano ......................................................... . 84
3. O direito clássico ................................................................. . 87
4. O direico do Baixo Império ...................................................... . 91
5. O direito bizantino ............................................................... . 92
Nota do tradutor - O direito romano na Península ................................. . 93
;f cumentoJ .............................................................................. . 93
eA · 4 _Lo·1re1tos
· europeus medº1evais· e mo d ernos... .... . . .. .. . . .. . ........ .... ... . 12 7
INTRODUÇÃO..................................................... .................................. 23 7
CAPÍTULO 1 - Baixa idade média e época moderna (séçulos XIII a XVIII) . . . . . . . . . . . 239
B. LegiJlação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 417
1. A lei, principal fome de direito da época contemporânea...................... 417
2. As constituições - o poder legislativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 418
3. Os códigos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 448
Nota do tradutor - a codificação em Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 461
4. Estatísticas legislativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 462
5. Tendências da actividade legislativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 465
6. Direito comunitário europeu .. :.:................................................ 470
Documentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 71
e. o costume................................................................................. 485
1. Papel do costume nos séculos XIX e XX........................................ 485
2. Direito escrito não aplicado: costume contra legem . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 487
3. Costumes secundum legem .................. , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 488
4. CosrumesprtUter legem.... ....... ... .. . . . . . . . . . ... . . . . . . . .. . . ... . . . .. . .. . . . . . . . .. . . 489
Documentos ................................................................. .,............ 492
INTRODUÇÃO. . . . . . . .. . . . . . . . . .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 535
1. Plano............................................................................... 535
2. A evolução desde o Code Napoléon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 36
3. Tírulo preliminar do Code civil: teoria geral das leis........................... 538
Nota do tradutor - evolução mais recente do direito privado em Portugal........ 540
Documtnto1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 542
CAPÍTULO 2 - As coisas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 3
B. Apropriedade............................................................................. 635
811
1. Tipologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 635
2. Direitos germânicos... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 7
3. Direitos romano................................................................... 638
4. Direito da monarquia franca...................................................... 640
5. Da época feudal ao fim do Antigo Regime...................................... 641
6. Revolução francesa e Code civil.................................................... 645
7. A propriedade nos direitos socialistas de tendência comunista . . . . . . .. . . . . . . . . 647
Nota do tradutor - as situações reais na história do direito português . . . . . . . . . . . . . 648
Doa1mento1.................. ... ... .. . ............ .. ........ ............ .. . . . . ............. 652
B. O te1tame11to . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . .. . . . . . . . . . . . . . . . . 689
1. Direito romano.................................................................... 689
2. Direitos germânicos e direitos da alta idade média............................. 690
3. Baixa idade média e época moderna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 691
4. Os séculos XIX e XX ........... , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . . 693
Nota do tradutor - O direito sucessório em Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 694
Doc11mento1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 697
D. O empréstimo.............................................................................. 765
1. Definições e distinções............................................................ 765
2. O empréstimo a juros na Antiguidade. . . . . . .. .. . .. . . .. .. .. .. .. .. . .. .. .. .. .. . .. .. 766
3. A proibição do juro no direito canónico ........... :............................. 766
4. Meios utilizados para contornar a proibição..................................... 767
5. Desaparecimento da proibição do juro........................................... 769
Doc11mentoJ....................... .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 770
E. A Jociedade........ ..... . .... .... . ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. . .. ...... .... ... . .......... 771
1. Definição e tipos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 771
2. História............................................................................ 772
3. Sociedades em comandita... ........ .. . ................. .......... .... .... ........ 773
4. Sociedades anónima............................................................... 774
5. Sociedades de pessoas de responsabilidade limitada (sociedades por quotas) 775
813