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Capítulo 1: O Diário (Parte 1)

Era a manhã depois do meu encontro com o homem que dizia ser o meu futuro
eu, e não tinha dormido nada. Minha mente não estava funcionando muito bem
neste momento, é claro, mas precisava decidir o que fazer.
Meu eu do futuro me deu alguns conselhos: “Consulte Nanahoshi”, “Escreva
uma carta para Eris” e “Duvide do Deus-Homem sem se opor a ele”.
Escrevi a carta para Eris na noite passada, mas não iria enviá-la até que tivesse
conversado sobre isso com Sylphie e Roxy. Dependendo de como essa
conversa for, talvez eu precise revisá-la significativamente.
A coisa sobre o Deus-Homem soou bem para mim. A próxima vez que ele
aparecesse em meus sonhos, eu o deixaria saber exatamente onde as coisas
estavam entre nós.
Quanto a falar com Nanahoshi… Fiquei tentado a ir vê-la imediatamente, mas
como explicar a situação? A coisa toda era uma loucura. Contudo, Nanahoshi
foi convocada aqui de um mundo paralelo, então minha história pode parecer
maluca, mas ela provavelmente não iria apenas rir dela.
Comecemos com as prioridades, no entanto. Precisava revisar o diário, aquele
que meu futuro eu trouxe de volta com ele. Não tinha ideia do que aquele livro
continha e, honestamente, estava com medo de descobrir, mas não poderia
simplesmente enfiá-lo em uma gaveta e esquecê-lo. Era o único registro do que
aquele velho desesperado tinha visto e feito.
O diário estava velho e desgastado. A capa estava arranhada e as primeiras
páginas amareladas pelo tempo. Ainda assim, as palavras eram pelo menos
compreensíveis.
Preparando-me, comecei a ler.
Decidi começar a manter um diário.
Tem sido um par de semanas agitadas, sabe?
Conheci Perugius e recebi algumas dicas sobre a condição de Zenith. E estarei
aprendendo mais sobre magia de invocação e teletransporte em breve. Há
muitas situações com as quais preciso lidar, então acho que vou tentar escrever
as coisas para ajudar a manter o controle de tudo.
Aisha estava bem deprimida esta manhã. Ela encontrou algum “rato esquisito”
morto, eu acho. Talvez ela não seja fã de roedores.
Aparentemente, alguém encontrou um gato com Síndrome de Petrificação na
vizinhança. Algo assustador. Vou ter que lembrar minha família de lavarem
bem as mãos e enxaguarem a boca com cuidado.
Acabamos de descobrir que Elinalise está grávida! Cliff parecia incrivelmente
nervoso, mas Elinalise tinha um grande sorriso no rosto. Fizemos uma festa
para eles, é claro. Você tem que apreciar os bons momentos enquanto eles estão
aqui.
No começo, pelo menos, parecia um diário relativamente mundano. Uma
passagem descrevia o estudo da magia de invocação com Perugius. Outra
mencionou sobre vagar pela fortaleza flutuante com Zanoba, olhando todas as
obras de arte. Havia também muitas notas laterais como “Encontrei uma nova
maneira de fazer Roxy gritar de prazer ontem à noite!” ou “Lucie parece um
anjo quando está dormindo. Aposto que ela será uma beldade quando crescer”.
Era o diário de alguém que estava claramente aproveitando sua vida.
As primeiras passagens estavam datadas, mas ele rapidamente parou de se
incomodar de fazer isso. Isso tornava impossível dizer exatamente quanto
tempo havia se passado. A julgar pela história do velho, porém, eu
provavelmente estava há cerca de duas semanas no futuro neste momento.
E foi aí que as coisas pioraram.
Roxy entrou em colapso hoje.
Ela não estava se sentindo bem por um tempo, mas agora ela desenvolveu uma
febre. Vou ter que dizer à Universidade que ela não vai trabalhar por um tempo.
Tentei de tudo, incluindo magia de desintoxicação avançada, mas não teve
nenhum efeito. Estou preocupado que possa ser algo sério. Vou pedir a Cliff
para dar uma olhada nela o mais rápido possível.
As pontas dos dedos dos pés de Roxy estão se transformando em algum tipo de
cristal roxo. Chamei Cliff imediatamente para dar uma olhada com seu Olho de
Identificação. Aparentemente, ela tem algo chamado Síndrome de Petrificação.
É uma doença horrível que só pode ser curada com um feitiço de
desintoxicação de nível Deus.
Vamos usar os círculos de teletransporte para visitar Millis e obter o
encantamento para o feitiço que precisamos. Cliff e Zanoba estão vindo
comigo. Sylphie queria ir também, mas pedi a ela para segurar as pontas por
aqui.
Bem, chegamos a Millishion. Aparentemente, a igreja mantém os
encantamentos de nível Deus armazenados nas profundezas da catedral daqui.
Cliff sabe onde eles estão, mas o lugar está fora dos limites para todos abaixo
do posto de arcebispo. Estamos planejando invadir durante a noite. Assim que
conseguirmos copiar o encantamento, podemos sair de fininho novamente.
Fizemos a parte da invasão muito bem, mas não esperávamos que o
encantamento fosse um livro grosso como uma enciclopédia. Era impossível
copiar a coisa toda no local. Tivemos que roubá-lo. E então eles nos viram na
saída. Estamos fugindo agora.
Fomos pegos em uma emboscada no círculo de teletransporte. O próprio
círculo foi danificado enquanto lutávamos. Não é mais utilizável. Cliff foi
envenenado durante a luta. Ele está inconsciente e parece sério.
…Eu matei um ser humano pela primeira vez. Ainda posso ouvir o som que
fez. Me faz mal ao estômago.
Droga. Droga!
Estamos indo para outro círculo de teletransporte.
Cliff ainda está inconsciente e parece que eles divulgaram nossos nomes e
descrições por todo o país. Agora somos criminosos procurados.
Me tornei um inimigo da Igreja de Millis para a vida toda.
Cliff morreu hoje.
Não quero escrever nada por um tempo.
Conseguimos chegar a outro círculo de teletransporte de alguma forma. Este
pesadelo está quase no fim.
Estávamos muito atrasados.
Não posso escrever nada hoje.
Acho que preciso escrever o que aconteceu ontem.
Encontramos Eris e Ghislaine na entrada da cidade. Eris começou a tagarelar
para mim, mas eu disse a ela que tinha duas esposas e uma família e não tinha
mais tempo para tomar conta dela. Ela se afastou, parecendo atordoada.
Ghislaine me lançou um olhar de desprezo antes de sair. Aquilo realmente me
irritou.
Quando voltei para casa, encontrei todos parecendo miseráveis. Roxy estava
morta. Metade de seu corpo se transformou em cristal no final. Toda a viagem a
Millis acabou sendo inútil.
Contei a Elinalise sobre a morte de Cliff. Ela me deu um tapa no rosto e saiu
correndo chorando.
Não suporto isso. É demais para mim.
Fizemos um funeral para Roxy.
Mal consigo me levantar da cama agora. Tudo que eu faço é chorar.
Não dou a mínima para mais nada.
Parece que Elinalise saiu da cidade sem contar a ninguém. Não tenho certeza se
uma mulher grávida deveria estar vagando sozinha, mas isso é problema dela,
eu acho.
Sylphie continua tentando me animar. Não está funcionando.
Roxy nunca mais vai voltar.
Ela era tão doce. Tão séria. Foi ela quem me tirou daquela casa. Quem me
confortou quando Paul morreu. Ela foi minha bússola por todos esses anos.
E agora se foi.
Eu não tenho feito nada além de ficar bêbado ultimamente. Quando estou
sóbrio, me lembro de Roxy. E então começo a soluçar.
Sylphie continua dizendo que não posso continuar assim, mas o que ela sabe?
Perdi a mulher que me ensinou tudo.
Lilia começou a me incomodar quando bebia em casa, então estou ficando
bêbado em tavernas.
Às vezes, Eris aparece para me assediar quando estou bebendo. Ela geralmente
grita um monte de insultos, então dá um soco em mim. Qual é o problema
dessa mulher? E por que Ghislaine não a impede?
Norn também não está falando comigo esses dias. Ela apenas olha para mim
como se eu fosse um pedaço de lixo.
Ninguém entende como me sinto.
Ultimamente, Sylphie tem vindo para mim de forma agressiva. Fica me
pedindo para dormir com ela e tentar esquecer Roxy. Ela foi tão persistente que
acabei gritando com ela.
Por que ela diria algo tão impensado? Por que ela pensou que isso funcionaria?
Não é só isso, eu acho. Se dormisse com Sylphie agora, provavelmente seria
muito duro com ela. Eu a trataria como uma substituta da Roxy. E descontaria
toda a minha dor e raiva nela. Isso não pode ser a coisa certa a se fazer.
Estraguei tudo.
Alguma prostituta começou a flertar comigo na taverna. Eu estava bêbado
como o inferno e acabei levando-a para um quarto no andar de cima. Ela era
ótima na cama, é claro. Uma verdadeira profissional, mas acho que todas as
mulheres com quem dormi até agora não tinham tanta experiência, realmente…
Ok, essa não é a parte importante.
Quando cambaleei para dentro de casa cheirando a outra mulher, Sylphie
começou a chorar. Ela me perguntou: “Eu não sou boa o suficiente para você?”
e então se trancou em seu quarto antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.
Lilia me deu uma verdadeira bronca e até Aisha fez uma cara feia para mim.
Ainda posso ouvir Sylphie soluçando em seu quarto. Ela não respondia quando
eu batia na porta.
Fiz tudo errado. Ela estava disposta a suportar qualquer coisa. Ela queria que eu
jogasse minha dor nela.
Amanhã, vou pedir desculpas.
Sylphie ainda não fala comigo. O que eu deveria fazer?
Deus, se ao menos Elinalise estivesse aqui…
Sylphie desapareceu.
Quando acordei esta manhã, encontrei o quarto dela vazio. Bem, quase vazio,
ela deixou para trás as roupas e outros presentes que comprei para ela ao longo
dos anos.
Lilia ordenou que eu a encontrasse imediatamente; mas nem sei se tenho esse
direito. Sylphie tem todos os motivos do mundo para se divorciar de mim.
Enquanto estava sentado tentando decidir o que fazer, Zenith se aproximou e
me deu um tapa no rosto. Ela não disse nada, apenas me deu um tapa uma e
outra vez. Acho que ela estava me dizendo para me recompor.
Decidi ir atrás de Sylphie.
Pelo que descobri perguntando pela cidade, parece que ela partiu para o
Reino Asura com Ariel e seus aliados. Ainda faltam alguns meses para a
formatura de Ariel, por que correr de volta agora? Não obtive uma resposta
satisfatória, mas acho que alguma coisa aconteceu em Asura. Eu mesmo terei
que me mover rapidamente.
Encontrei Eris novamente.
Aquela maluca começou a tagarelar sobre como ela ia me dar “uma última
chance” ou algo assim. E quando eu inevitavelmente a ignorei, ela começou a
me dar socos. Estava ficando muito cansado de toda essa insanidade dela, então
a derrubei com magia. Como reação ela puxou sua espada e veio atrás de mim,
eu fugi dela.
Qual é o problema dela, afinal? Ela me largou anos atrás!
Quem entra na chuva, deveria estar preparado para se molhar.
Sylphie já passou por esta área? Estou me sentindo mais ansioso a cada dia.
Hoje cheguei ao Reino Asura, mas eles me pararam na fronteira. Como sou
inimigo da Igreja Millis, aparentemente também sou considerado um criminoso
procurado em Asura. Tive que fugir antes que me prendessem. Preciso
encontrar uma maneira de atravessar a fronteira.
Consegui fazer um acordo com uma guilda de ladrões local. Ainda bem que o
crime organizado é tão difundido por aqui.
Aparentemente, sou uma espécie de celebridade para os ladrões do mundo. Eu
vi inveja na maneira como eles olhavam para mim. A notícia correu sobre o
meu roubo daquele encantamento do País Sagrado, eu acho.
Expliquei a situação e eles concordaram que uma ladra chamada Triss me
acompanhasse pela fronteira. Ela é uma mulher bastante voluptuosa. Estou
preocupado que Sylphie possa ter uma ideia errada se nos vir juntos.
Consegui entrar no Reino de Asura.
A guilda me disfarçou com uma máscara e capuz. A partir de hoje, meu nome é
Ludo Ronouma. Convenientemente, estou sofrendo de uma maldição que me
petrificará se alguém vir meu rosto. Este personagem “Ronouma” deveria ser
um mago de Basherant que veio a Asura para trabalhar, viajando com sua
prima Triss como guia.
A guilda realmente pensou em tudo, isso eu tenho que reconhecer.
Pelo que estamos ouvindo nas tavernas, o rei de Asura está em seu leito de
morte. Também há rumores de que os príncipes reais estão lutando pelo direito
de sucedê-lo. Isso explicaria o porquê de Ariel ter voltado para cá antes do
previsto.
Chegaremos à capital em breve.
Infelizmente, as únicas notícias que ouvimos sobre Ariel parecem bastante
duvidosas. As pessoas parecem pensar que ela está reunindo suas forças para
lançar algum tipo de golpe de estado. Ninguém acha que ela tem alguma
chance de conseguir isso, no entanto.
Ariel não é estúpida o suficiente para começar uma luta que ela não pode
vencer. É apenas um boato.
Chegamos a Ars hoje. Triss viu Eris em uma taverna enquanto coletava
informações. A garota me seguiu até aqui?
Não, não pode ser isso. Asura era sua terra natal, certo? Provavelmente
acabamos na mesma cidade por coincidência.
Ariel foi para o submundo, pelo que dizem os rumores. E, claro, Luke e Sylphie
foram com ela. Não sei por onde começar a procurá-los.
Não pudemos encontrá-los.
Triss parece pensar que eles já deixaram a capital, mas quem sabe para onde
eles foram?
A única coisa que vem à mente é… bem, talvez Ariel esteja unindo forças com
a família de Luke ou algo assim. Amanhã de manhã, sugeri que
prosseguíssemos para a região governada pelos Notos Greyrats.
Nós fizemos nosso caminho para a região de Milbotts, onde Pilemon Notos
Greyrat governa. No caminho para cá, ouvimos um boato de que Ariel está se
escondendo sob a proteção da família Notos no momento.
Agora tenho que descobrir como eu chego até Sylphie. Sinto que pode envolver
mais arrombamento e invasão.
Por alguma razão, Eris estava esperando por mim quando tentei invadir a
propriedade dos Notos. Ela me bateu bastante.
Depois que eles me trancaram no porão, aquele cara Pilemon apareceu e
abusou verbalmente de mim por um tempo. O rosto do homem se parece muito
com o de Paul, mas é aí que a semelhança termina.
Ele parecia ter a impressão de que eu vim para assumir o controle da família
Notos. Depois de anunciar que me executaria amanhã e enviaria minha cabeça
para a Igreja Millis, saiu da sala.
Consegui escapar com bastante facilidade… mas Ariel não estava em lugar
algum.
Eles deram um golpe na capital. Aquele boato sobre Ariel fugindo para
Milbotts era um monte de merda. Eles estavam à espreita em algum lugar de
Ars, esperando o momento de atacar.
Não sei se conseguirei voltar a tempo.
Estamos a cerca de um dia da capital agora. As pessoas estão dizendo que o
golpe terminou em fracasso.
Ariel havia tentado imprudentemente assassinar simultaneamente o primeiro e
o segundo príncipes, mas eles foram protegidos por dois poderosos mestres de
espadas, a Deus da Água e um Imperador do Norte, que foram trazidos para a
capital como convidados reais. O assassinato terminou em fracasso. As forças
de Ariel foram exterminadas e ela mesma foi capturada. Estão dizendo que ela
será executada em breve.
Entretanto, suas forças foram “eliminadas”?
Apagadas… completamente?
E quanto a Sylphie…?
…Não aguento mais isso.
Por que isso está acontecendo? Onde tudo deu tão errado?
Vou escrever sobre o que aconteceu há alguns dias.
Os corpos dos “co-conspiradores” de Ariel estavam em exibição nos campos de
execução do palácio real. Luke estava entre eles. E assim como Sylphie
também.
Um de seus braços tinha sido cortado e havia uma enorme laceração em seu
rosto. Uma pequena multidão estava jogando pedras nos cadáveres. Eles
estavam jogando pedras em Sylphie e a chamando de traidora do reino. Sempre
que atingiam os corpos, os corvos que bicavam sua carne batiam ruidosamente
no ar.
Eu não conseguia mais me controlar. Queimei seus corpos com magia. E então
queimei todos que tentaram me impedir também.
Para o inferno com este país. Todos eles merecem queimar.
Levantei-me rapidamente. Meu coração batia forte no meu peito e minha
cabeça estava girando. Ler isso foi incrivelmente doloroso. Eu não queria
continuar.
Eu realmente tinha que ler essa coisa? Não havia realmente outra escolha?
— Hurp…
Uma onda de náusea tomou conta de mim.
Esta era apenas uma história doentia que o velho tinha inventado, certo? Tinha
que ser isso. Não queria acreditar que um futuro como esse fosse possível. Era
horrível demais para sequer considerar…
—…
Não. Eu precisava ler tudo. Havia informações neste livro, informações
valiosas e cruciais.
No entanto, quando olhei para ele de novo, não consegui virar a página. O
pensamento de continuar me deixou enjoado. Que novos horrores estariam
esperando por mim na próxima passagem? Estava literalmente enjoado de
pavor.
— Ok, eu… eu preciso de uma pausa…
Saindo do quarto com as pernas instáveis, fui para o banheiro. E então vomitei
no banheiro.
Lágrimas escorreram pelo meu rosto. De certa forma, eu escrevi aquele diário,
e pude sentir, com uma clareza terrível, exatamente o que senti quando meu
mundo desabou ao meu redor. Podia sentir minha dor quando Roxy morreu,
podia sentir meu pânico e desesperança quando Sylphie me deixou. E pude
sentir minha dor devastadora quando encontrei o cadáver de Sylphie.
— Bleegh…
Enfiei meu rosto no vaso sanitário e vomitei até não sobrar nada para vomitar.
Meu estômago estava completamente vazio agora, mas eu não tinha apetite.
Provavelmente não conseguiria comer nada hoje.
Depois de enxaguar a boca com água, saí do banheiro. Sylphie estava parada no
corredor esperando por mim com um olhar preocupado em seu rosto.
— R-Rudy? O que tem de errado? Você está bem?
Ela estava vestindo suas roupas casuais e cotidianas. Seu cabelo prateado
estava solto em torno de seus ombros. Eu me peguei imaginando-a morta, seu
rosto marcado, seu braço faltando. Fria e sem vida. Pendurada para os corvos.
— Uau! O que é isso?
Sem uma palavra, joguei meus braços ao redor dela. Seu corpo estava tão
macio e quente como sempre.
— Você ainda está pensando naquela batalha com Atofe?
— …Sim.
— Mesmo? Aw… Pronto, pronto — murmurou Sylphie, esticando-se para me
dar um tapinha gentil nas costas. — Sabe, Rudy, estou sempre disponível se
você precisar de um pouco de conforto. Sei que você não é tão forte quanto
parece.
Estou sempre disponível se você precisar de um pouco de conforto. Meu eu do
futuro ignorou essas palavras e isso lhe custou caro.
— Sim… Desculpe, Sylphie…
— Ah, está tudo bem.
— Sabe, quando eu estou… realmente sofrendo, posso estragar as coisas…
posso dizer coisas estúpidas, maldosas, em vez de chorar no seu ombro…
— Huh? O que é isso, de repente?
— Mas, por favor, não fuja de mim…
— Uhm… bem, se isso acontecer, acho que ficaria chateada. Poderia dizer
algumas coisas duras também, então talvez tivéssemos uma briga… mas
sempre podemos fazer as pazes, certo?
— Sim. Claro. Claro que podemos…
Sylphie é tão legal. Como eu poderia ter traído uma coisinha doce como ela?
— Hum, Rudy? Você está apalpando minha bunda?
— …Você quer que eu pare?
— Quero dizer, acho que não é grande coisa, mas… Wah!
Agora que recebi sua permissão, peguei Sylphie em meus braços e fui para o
quarto. Eu não estava planejando fazer nada muito sexual. Só precisava de um
carinho particular no momento, para ser honesto. Parecia que eu tinha…
acabado de recuperar algo que perdi para sempre, sabe? Embora eu realmente
não a tivesse perdido ainda, então… sim. Não era fácil de explicar, mesmo para
mim mesmo.
Ler aquele diário me deixou triste e sentimental, eu acho. Não faria mal se valer
de um pouco de terapia com Sylphie.
Quando Roxy chegou do trabalho, não pude deixar de segui-la pela casa.
Quando ela se acomodou no sofá, me sentei bem ao lado dela e comecei a
brincar com as pontas de suas tranças.
— Qual é o problema, Rudy?
Parecia que minha inquietação constante tinha se tornado demais para ela.
— Uhm, bem… eu estava esperando que pudéssemos conversar um pouco.
— Hum? Conversamos o tempo todo, Rudy. Ah… há algo sério que
precisamos discutir?
— Não, não. Eu só queria um pouco, er, de um tempo íntimo, sabe?
— Uhhh… tudo bem então, mas não vamos fazer nada muito físico esta noite.
— Certo. Sim. Eu só quero, bem, abraçar um pouco. Se estiver tudo bem para
você.
— Tudo bem para mim, Rudy.
Com isso, Roxy se sentou no meu colo e se recostou em mim. Colocando uma
mão em volta de seu ombro, olhei para seu rosto, agora a apenas alguns
centímetros do meu.
Foi quando percebi que não tinha ideia do que queria falar.
— Uhm, então… como foi o seu dia?
— Ah, não foi muito agitado, realmente. No entanto, algum estudante travesso
fez a peruca do diretor voar em um determinado momento.
— Ah. Pena que perdi isso.
— Vamos ver, o que mais…
Roxy passou o dia inteiro no trabalho e estava claramente um pouco cansada.
Ainda assim, ela teve tempo para me agradar. Conversamos sobre coisas
triviais por um tempo, rindo das piadas um do outro. Acabei apalpando um
pouco sua bunda, o que me rendeu um tapa na mão, mas quando protestei que
estava apenas tentando abraçá-la, Roxy suspirou e me permitiu continuar.
Depois, fomos juntos para o banho, onde lavei suas costas e massageei seus
ombros. Basicamente, eu a adorava como um filho bajulando sua mãe.
— Você parece um pouco carente hoje, Rudy. Aconteceu alguma coisa ruim?
— Não, de jeito nenhum. Estava pensando em como estou muito feliz por tê-la
sã e salva, isso é tudo.
— É isso? Bem, tive um pequeno arranhão no Labirinto de Teletransporte,
suponho. Sinta-se à vontade para confirmar minha “saúde” para o conforto do
seu coração.
Nós dois estávamos na banheira agora. Mais uma vez, Roxy estava sentada no
meu colo. Enquanto gentilmente acariciava seus ombros esbeltos, deixei cair
uma pergunta tão casualmente quanto pude.
— Como está se sentindo, Roxy? Não está indisposta nem nada, certo?
Eu a impedi de pegar Síndrome de Petrificação eliminando aquele roedor.
Estava bastante confiante disso, mas não tinha cem por cento de certeza ainda.
Havia uma chance de meu eu do futuro ter tirado conclusões precipitadas,
afinal.
— O quê? Estou bem. Por que você pergunta?
— Ah, não sei… eu realmente quero que você viva uma vida longa e agradável,
eu acho.
— Dada a vida útil da minha raça, é bem provável que eu viva mais que você.
Espero que cuide bem de sua saúde, senhor.
— Você me pegou.
Quando disse essas palavras, o rosto de Roxy se iluminou com um grande
sorriso. Aparentemente, ela de fato estava bem.
Sylphie e Roxy ainda estavam vivas. As coisas não iam sair do jeito que
aconteceram naquele diário. Eu não ia deixar isso acontecer.
Com aquele pensamento reconfortante firmemente fixado em minha mente,
finalmente me senti pronto para enfrentar o resto daquelas páginas horríveis.
Não seria fácil, mas tinha que ser feito.
Capítulo 2: O Diário (Parte 2)

Na manhã seguinte, reabri o diário, pronto para continuar de onde parei. No


entanto, parecia que meu eu do futuro não tinha escrito nada por algum tempo
após a morte de Sylphie. Quando virei a página, descobri que o papel estava
visivelmente diferente.
Parecia que pelo menos um ou dois anos haviam se passado. Talvez mais… as
passagens eram vagas o suficiente para que pudesse ter sido uma década. Não
tinha como saber o que aconteceu naquele período não documentado, mas
quando as passagens foram retomadas, fiquei surpreso com o quão estúpidas e
juvenis pareciam. Falava-se muito das mulheres que vi nas ruas e do tamanho
de suas bundas. Uma passagem contava como seduzi uma garçonete em uma
taverna recém-inaugurada; outras descreviam minhas visitas a vários bordéis,
complementadas com comentários sobre sua qualidade. A linguagem às vezes
ficava chula. Era o diário de um canalha, para ser honesto. Em uma passagem,
até tirei um tempo para classificar todas as mulheres com quem já dormi.
Era difícil acreditar que era eu escrevendo essas coisas. Era isso que eu tinha
me tornado sem Roxy e Sylphie por perto?
De qualquer forma, evidentemente passei anos me entregando a esse estilo de
vida. Não estava claro onde esses eventos aconteceram, mas reconheci os
nomes de algumas tavernas aqui e ali. Parecia que eu ainda estava morando na
cidade de Sharia.
Alguns nomes se destacaram pela ausência, no entanto. Nunca mencionei
Aisha, Norn, Lilia, Zenith ou Lucie. De vez em quando, havia uma referência a
Zanoba ou Julie, mas algumas dessas passagens me deixavam enjoado. Meu eu
do futuro aparentemente estava de olho em Julie a essa altura. A garota tinha
sido minha aluna fiel desde criança, e agora eu queria tirar vantagem dela.
Não queria acreditar que eu era capaz de me afundar tanto.
Dito isto, tinha que admitir que não era totalmente implausível. Diante do
desespero esmagador, eu poderia imaginar a mim mesmo me abandonando à
busca de prazeres sem sentido… especialmente porque eu tinha a aparência e o
dinheiro para tornar esse estilo de vida fácil.
Eris aparecia com certa frequência nessas passagens, embora meu futuro eu
estivesse claramente fazendo o possível para evitá-la. Ela também morava em
Sharia e sempre que nos encontrávamos, me batia com uma carranca furiosa no
rosto.
— Gostaria de pegar aquela garota e dar uma lição nela — escrevi em uma
passagem, — mas não quero que ela jure vingança contra mim ou algo assim.
Provavelmente é melhor apenas manter distância. — Coisas bem patéticas.
Lendo nas entrelinhas, porém, tive a sensação de que meus sentimentos em
relação a Eris eram mais conflitantes do que deixei transparecer. Ainda havia
uma parte de mim que queria consertar nosso relacionamento de alguma
forma? Depois do que aconteceu com Sylphie e Roxy, talvez eu tivesse perdido
a capacidade de buscar um romance de verdade. Era difícil dizer com certeza,
mas, no mínimo, as palavras amargas que escrevi não se encaixavam
perfeitamente com algumas das ações que estava descrevendo.
Em outra nota… havia alguns eventos inquietantes misturados com toda a
depravação. Zanoba e eu tínhamos um prêmio por nossas cabeças, cortesia da
Igreja Millis e, às vezes, eu tinha que me defender de um assassino ou caçador
de recompensas. Isso não parecia um grande problema, no entanto. Estava
derrubando-os com facilidade até agora.
Virei a página depois de uma dessas passagens e encontrei outra transição
repentina no conteúdo do diário. Parecia que eu tinha saltado para o futuro pela
segunda vez. Mais uma vez, não houve resumo dos anos perdidos. Agora o tipo
de papel mudava a cada página e eu ainda não estava datando minhas
passagens claramente.
O livro ilustrado de Norn e as estatuetas de Ruijerd estão vendendo muito bem.
Também convenci a Universidade a integrar oficialmente minhas técnicas de
feitiços não cantados no currículo.
Parece que o País Sagrado enviou uma demanda através do Reino de Asura
para que Ranoa me entregasse, mas enquanto as Nações Mágicas me
considerarem útil, não posso ver isso acontecendo. Graças às Montanhas Wyrm
Vermelho, não é fácil invadir um país no Continente Central. Colocam o
agressor em uma desvantagem inerente.
Além disso, Asura não parece estar ciente de que fui eu quem queimou uma
boa parte de sua capital. Sabia que eles eram uma escória, mas suponho que
sejam imbecis também.
Zanoba está muito perto de completar seu autômato agora. Demorou mais do
que eu esperava, mas estamos quase lá. Não consigo sentir a mesma emoção
que sentia quando começamos, no entanto.
Por que estou mesmo fazendo isso? Qual é o ponto?
O primeiro autômato está completo.
Zanoba o fez à imagem de Sylphie. Ela tem vontade própria e age por iniciativa
própria.
Contudo, faz qualquer coisa que eu digo a ela sem questionar. Ela é obediente e
mansa, mas tem um lado ciumento. Ela realmente é a cara da mulher que eu
conhecia… em quase todos os sentidos.
Mas não é isso que eu queria. Não é isso que eu preciso…
Destruí o autômato Sylphie.
Esperava que Zanoba fosse ficar furioso, mas ele se desculpou em vez disso.
Isso só me fez sentir mais culpado. Devo a esse homem mais do que posso
pagar. No mínimo, ele ganhou minha lealdade até o dia em que eu morrer.
Fizemos um novo autômato que não é baseado em Sylphie ou Roxy.
Zanoba deu-lhe o nome de Quarenta. Aparentemente, é sua quadragésima
“obra-prima”, segundo ele.
Estamos produzindo as “irmãs” de Quarenta em massa agora e as Nações
Mágicas vão comprá-las de nós. É bom ter países como seus principais clientes.
Eles têm bolsos fundos.
Não sei até que ponto os “bonecos” seriam úteis em uma capacidade militar,
mas Zanoba e eu refinamos muito seu design ao longo dos anos. Estou supondo
que são mais fortes do que um cavaleiro ou aventureiro médio, pelo menos.
Agora que atingimos nosso objetivo, parece que não tenho mais o que fazer.
Vou ter que decidir qual será meu próximo projeto de pesquisa. Pela primeira
vez em algum tempo, estou realmente me sentindo um pouco motivado.
Hmm… então eventualmente nós completamos o projeto de boneca
automatizada de Zanoba, hein?
Essas passagens não deram nenhuma dica sobre como conseguimos isso,
infelizmente. Eu provavelmente mantive minhas notas de pesquisa separadas
deste diário. Isso era uma pena. Um pequeno conselho do futuro poderia ter
acelerado nosso progresso imensamente…
Não era grande coisa, no entanto. Zanoba estava gostando muito de sua
pesquisa, e dizem que a viagem é tão importante quanto o destino, certo?
Virei a página e me assustei com outra mudança repentina no tom do diário.
Esta folha de papel estava muito amassada. Eu estava claramente chorando na
página enquanto escrevia essas palavras.
O Deus-Homem apareceu em meus sonhos. Ainda posso sentir sua mão
descansando no meu ombro.
Eu o odeio. Eu o odeio tanto.
Tenho que ficar mais poderoso e rápido.
Preciso matar aquele bastardo. É o meu novo propósito de vida. Até o dia em
que ele morrer, Roxy e seu filho nunca descansarão em paz.
Nem eu, aliás.
Pensando bem, me pergunto como Lilia e os outros estão. Não os vejo desde
que saíram de casa.
Me pergunto como Lucie acabou. Aposto que ela é uma beldade, assim como
sua mãe. Espero que ela esteja indo bem com seus estudos. Espero que esteja
comendo o suficiente.
…Gostaria muito de não ter desmoronado assim depois que Sylphie morreu.
Aisha acabou voltando para cuidar de mim, mas… não consigo imaginar que os
outros tenham me perdoado. Enviar uma carta agora não faria nenhum bem.
Tenho tantos arrependimentos.
Como fico mais forte?
Trabalho na minha magia? Talvez encontrar alguém que possa lançar feitiços
de nível Rei ou Imperador?
Acho que não. Com base no que vi até agora, feitiços além do nível Santo
parecem que apenas aumentam em escala. Eles não são especialmente úteis em
combate.
Existem algumas exceções, como aquele feitiço elétrico que eu criei, mas no
geral, minhas capacidades ofensivas já são adequadas.
A questão principal é que sou um canhão de vidro com mobilidade medíocre.
Não consigo ampliar minhas capacidades físicas com Aura e isso me deixa em
grande desvantagem tanto em durabilidade quanto em velocidade.
Como compensar essas deficiências?
Encontrei algumas informações sobre o Deus-Lutador em um livro.
Diz a lenda que ele usava uma armadura dourada que aumentava muito sua
força, velocidade e resistência. Quando discuti isso com Zanoba, ele teve uma
ideia intrigante: e se fizéssemos uma prótese Zaliff que cobrisse todo o meu
corpo?
Não sei o porquê de não ter pensado nisso antes. Não posso me envolver em
Aura, é verdade, mas quando envio mana à minha mão artificial, posso
aumentar sua força exponencialmente. Se usar minha magia da Terra para criar
a carapaça mais resistente possível e depois retrabalhá-la em uma armadura de
corpo inteiro…
Sim. Acho que isso pode funcionar.
Com a ajuda de Zanoba, completei minha armadura pessoal.
A coisa tem mais de dois metros de altura e é volumosa para arrancar. É preciso
muita mana para controlar também. Na verdade, eu sou o único capaz de usar
isso e mesmo eu não seria capaz de alimentá-la por muitos dias seguidos. É
uma espécie de pedaço enorme de lixo, para ser honesto.
Se ao menos Cliff ainda estivesse vivo. Talvez pudéssemos ter feito algo mais
eficiente… Mas não adianta insistir nisso agora, eu acho.
De qualquer forma, peguei uma sugestão de algum videogame antigo e a
chamei de “A Armadura Mágica”.
A partir deste ponto, o diário passou a se concentrar em meus esforços para
ficar mais forte.
Aninhando-me dentro da Armadura Mágica, que em essência era uma versão
gigantesca da Prótese Zaliff, eu poderia aumentar minha velocidade, poder e
defesa física para igualar até mesmo os guerreiros mais poderosos do mundo.
Só conseguia manter esse nível de desempenho por meio dia de cada vez, mas
mesmo com 30% de produção eu era capaz de derrotar a maioria dos oponentes
que encontrava.
Nós claramente criamos algo especial, mas presumivelmente não fomos os
primeiros a ter a ideia, dadas as histórias sobre o Deus-Lutador.
Já estava ansioso para começar a minha própria versão, mas Zanoba e eu
seríamos capazes de projetar a Armadura Mágica neste estágio de nossa
pesquisa?
Bem… talvez estejamos prontos, talvez não. Ainda vou fazer acontecer.
Em uma nota menos positiva, parecia que minha família havia se mudado da
minha casa pouco depois da morte de Sylphie. Isso explicava o motivo de não
ter me referido muito a elas nas passagens anteriores.
Podia ver Norn ficando farta do meu mulherenguismo rápido o suficiente, mas
de alguma forma, consegui que até mesmo Lilia desistisse de mim. Quão mal
eu as tratei?
Então, novamente… não sabia os detalhes. Talvez eu as tivesse movido para
sua própria segurança. Eu tinha aqueles assassinos de Millis vindo atrás de mim
e tudo mais…
Sim, claro. Vamos com isso.
De repente, me vi querendo ganhar pontos com minha família.
Felizmente, aconteceu de hoje ser uma das noites regulares de Norn em casa.
Isso parecia uma excelente razão para levá-las para jantar. Um pouco de tempo
de qualidade não faria mal, certo?
— Irmão querido! — Veio uma voz atrás de mim. — O almoço está pronto!
Desça e coma com a gente!
Me levantei da minha cadeira e abri a porta para encontrar Aisha parada do
lado de fora em sua roupa usual de empregada. Havia um pouco de molho em
seu rosto; ela provavelmente estava fazendo um pequeno teste de sabor na
cozinha.
— Você tem algo no rosto, garotinha —, disse, pegando um lenço para limpá-
la.
— Mmph! Hehehe, obrigada.
Aisha sorriu alegremente para mim enquanto eu puxava minha mão.
Essa criança tinha sido dedicada o suficiente para cuidar de mim sozinha,
mesmo quando me transformei em um lixo inútil. O velho não a mencionou,
mas ela era efetivamente a única família que ele teve por anos. Deve ter
significado muito tê-la por perto.
— Ei, Aisha… há alguma coisa que você esteja querendo ultimamente?
— Huh? Por que a pergunta?
— Estava pensando em comprar um presente para você um dia desses. Só um
pequeno obrigado por todo o trabalho duro, sabe?
— O que?! Awww, você não deveria! Eu me sentiria mal por Norn! Hmm, mas
acho que vi um grampo de cabelo muito fofo na loja outro dia… Pisca, pisca.
Você não deveria dizer a parte do “pisca, pisca” em voz alta, sabia?! De quem
ela aprendeu esse tipo de sem-vergonhisse, afinal? De mim? Provavelmente de
mim.
— Tudo bem. Vou te levar para comprá-lo em breve. Vamos ter que manter
isso em segredo de Norn.
Aisha soltou um gritinho estranho quando pulou para trás e jogou as mãos para
cima em uma exibição exagerada de choque. — Você está realmente falando
sério, querido irmão?! O que você está planejando…? Suspiro! Será que você
está desejando um pouco de amor?! Devo aguardar sua chegada em meu quarto
esta noite, meu senhor? Tee-hee!
— Ok, chega de brincadeiras. Vamos comer antes que a comida esfrie, certo?
— Sim senhor!
Juntos, fomos para a sala de jantar. Roxy e Norn não estavam por perto no
momento, mas fizemos uma refeição em família com todas as outras da casa.
Para mim, pelo menos, a comida estava nitidamente melhor do que o normal.
Quando compartilhei esse pensamento com Lilia, consegui arrancar um
pequeno sorriso dela.
Depois do almoço, voltei ao diário.
Com sua Armadura Mágica completa, meu eu do futuro começou a viajar pelo
mundo, procurando uma maneira de chegar ao Deus-Homem. Conheci muitas
pessoas diferentes ao longo dessas jornadas, mas frequentemente ficava
angustiado com a pouca informação que conseguia encontrar sobre meu
inimigo.
Eventualmente, cheguei à teoria de que as pessoas que estavam vivas por muito
tempo eram mais propensas a saberem algo sobre o Deus-Homem e concentrei
minha atenção em localizar as pessoas mais velhas do mundo. Ao mesmo
tempo, continuei a treinar incansavelmente como mago e a desenvolver novos
feitiços, gradualmente ficando mais poderoso do que antes. Com o tempo,
dominei a magia de manipulação da gravidade, uma variedade de feitiços
elétricos e até mesmo um tipo de magia que manipulava a voz humana.
Também alcancei o nível Santo em Cura.
Em algum momento, cheguei à conclusão de que a magia em si era “super-
poderosa” e poderia ser usada para realizar qualquer coisa, desde que você
“pegasse o jeito”. Naturalmente, não havia explicação sobre o que diabos isso
deveria significar. Esta também era a seção do diário onde registrei minhas
teorias sobre como Roxy pegou a Síndrome de Petrificação daquele
camundongo e a potencial responsabilidade do Deus-Homem pela morte de
Sylphie.
À primeira vista, parecia que eu estava progredindo em muitas frentes, mas à
medida que o tempo passava sem nenhuma informação nova sobre o Deus-
Homem, meu eu do futuro começou a ficar cada vez mais amargo e cheio de
ódio.
Neste ponto da minha vida, me tornei uma pessoa genuinamente horrível.
Provocava brigas por onde passava, esmagando oponentes muito mais fracos
do que eu só para poder zombar deles. Agi por impulso e instinto, até mesmo
agredindo sexualmente mulheres aleatórias. Este com certeza não era o tipo de
homem que eu queria me tornar.
Eris fez aparições frequentes nessas passagens também. Ela continuava
aparecendo ao longo do meu caminho enquanto eu viajava ao redor do mundo.
Eris estava tão forte como sempre, e repetidamente me derrotou em batalha.
Não havia menção clara a isso no texto, mas ela poderia estar tentando me
mostrar meus erros.
Entretanto, o meu eu do futuro começou a pensar que ela poderia ser uma
agente do Deus-Homem. Afinal, ela estava “interferindo” no meu progresso,
logo, ela estava claramente sob seu controle e agindo para proteger seus
interesses. Com o tempo, passei a odiá-la por isso.
Fiquei espantado com a facilidade com que me convenci disso, apesar de não
ter qualquer evidência para apoiar essa teoria. Provavelmente era exatamente o
que eu queria acreditar.
Eventualmente, Eris parou de me derrotar tão facilmente, até que então não me
derrotou mais. Talvez eu tenha ficado mais forte, ou talvez ela tenha passado de
seu auge físico com a idade. Não consegui distinguir pelo texto.
Finalmente, as coisas chegaram a um clímax.
Fiz Eris chorar. Fazia muito tempo desde que eu a vi chorando assim.
Talvez eu tenha levado as coisas longe demais. Ela pode não estar ligada ao
Deus-Homem, afinal.
Não, isso não faz nenhum sentido. Essa mulher está me seguindo e me
atrapalhando desde que Sylphie morreu. O que mais poderia explicar isso? Ela
também continuou se recusando a dizer qualquer coisa durante o interrogatório.
Ela sabe alguma coisa. Ela tem que saber.
Eris escapou hoje.
Encontrei as algemas dela com marcas de mordida. Os dentes daquela mulher
são de aço?!
Que se foda tudo…
Tenho uma audiência com Atofe amanhã. É difícil imaginar que aquela cabeça
oca cheia de músculos me dará algo útil, mas como a maioria dos demônios
imortais, ela existe há muito tempo. Há uma boa chance de que saiba sobre o
Deus-Homem.
E irei arrancar isso dela, mesmo que tenha que espancá-la até virar uma polpa.
Eris está morta.
Ghislaine me culpou por tudo. Nada disso faz o menor sentido.
Vou tentar resumir o que aconteceu ontem.
Minha audiência com Atofe virou uma batalha. Eu estava contra ela e toda a
sua guarda pessoal.
Estava confiante de que poderia lidar com a Rei Demônio, mas Moore me
enganou completamente. Eu sabia que o homem era um mago poderoso e
mesmo assim deixei que ele me pegasse desprevenido. Estava muito focado na
própria Atofe.
Eles me deixaram contra as cordas quando Eris pulou do nada. Ela sofreu um
ataque destinado a mim e morreu para salvar minha vida.
Ghislaine me contou o porquê depois. Ela explicou tudo, voltando ao dia em
que Eris apareceu em Sharia.
Eris só queria ficar comigo. Eu tinha entendido tudo errado esse tempo todo.
Ela nunca deixou de me amar. Nunca.
Essa foi a razão pela qual ela me seguiu. Foi a única razão.
Eu ainda não consigo acreditar.
Não havia muitos detalhes nessas passagens, mas tudo combinava com o que o
velho tinha me dito.
…Talvez eu realmente precisasse me casar com Eris também. Ler tudo isso me
fez querer vê-la terminar feliz. Entretanto seria preciso muita coragem para dar
o primeiro passo. Eu tinha vagamente abordado o assunto com Sylphie, mas
ainda assim…
Bem, o verdadeiro primeiro passo tinha que ser falar sobre isso em detalhes. O
envio da carta viria depois disso.
Decidi tirar esse assunto da minha mente até que Roxy chegasse em casa hoje à
noite e voltei minha atenção para o diário.
Após a morte de Eris, houve uma série de passagens que não diziam nada
particularmente útil. Tinha escrito apenas breves descrições de viajar para
certos lugares, conhecer certas pessoas e lutar contra outras. Entre aqueles com
quem lutei, notei alguns oponentes realmente temíveis: um Imperador da Água
aqui, um Imperador do Norte ali, mas minhas vitórias não pareciam me trazer
nenhum prazer, pois nem me preocupei em registrar nenhum detalhe. A maioria
das passagens não passava de uma frase ou duas, como: “Hoje matei indivíduo
X e ele também não sabia nada sobre o Deus-Homem.”
Depois de um bom número de passagens como esta, parecia haver outro salto
no tempo.
A primeira passagem mais longa depois de um bom tempo era de natureza
muito diferente daquelas que a precederam.
Zanoba se foi.
Uma unidade de Cavaleiros Templários se infiltraram no Reino de Ranoa sem
que ninguém percebesse. Quando voltei correndo, já era tarde demais.
Queimaram a mansão até o chão.
Encontrei o corpo carbonizado de Zanoba na frente da porta do porão. Ginger,
Julie e Aisha estavam deitadas dentro dele, seus corpos cortados em pedaços.
Os Cavaleiros Templários ainda estavam em Ranoa, então os localizei e matei
todos, mas matá-los não teve nenhum significado, é claro.
Zanoba fez muito por mim. Se esforçou tanto para me ajudar e proteger minha
família, mas eu não estava lá para ele quando precisou de mim.
Qual é o sentido de ter todo esse poder, afinal?
Eu sou inútil.
Todo mundo está morto agora, eu acho.
Sou o único que ainda está de pé. Os outros já se foram. Não pude proteger
nenhum deles.
É tudo culpa do Deus-Homem.
Eu tenho que matar aquele bastardo, nem que seja a última coisa que eu faça…
Bem… isso foi deprimente.
Perder Zanoba e Aisha de uma maneira tão horrível deve ter sido esmagador.
Dito isto, fiquei um pouco curioso do porquê meu futuro eu não tentou localizar
o resto da minha família. Talvez eu tenha decidido que não tinha o direito de
me chamar de pai da Lucie. Ou talvez Lilia e os outros também tivessem
morrido e esses eventos simplesmente não foram registrados neste diário. O
nome de Norn não aparecia há muito tempo, o que não era exatamente
tranquilizador…
Ok, vamos parar de especular.
Se não estava no diário, não tinha acontecido. Era assim que eu precisava
abordar isso.
De qualquer forma… não parecia que a morte de Zanoba fosse necessariamente
obra do Deus-Homem, mas meu eu do futuro estava colocando toda a culpa
nele. Neste ponto da minha vida, claramente desenvolvi uma obstinada
obsessão pela vingança. Me joguei na busca do Deus-Homem ainda mais
intensamente do que antes, massacrando cruelmente qualquer um que estivesse
no meu caminho.
E, finalmente, encontrei uma pista.
Meu coração está disparado enquanto escrevo isso.
Atualmente estou em um canto remoto do Continente Begaritt. Dizia-se que
esta era uma região desabitada e inexplorada, mas descobri uma antiga ruína
aqui, remanescente da antiga civilização da Tribo dos Dragões. E em suas
paredes, encontrei murais forrados de escrita. Isto é o que eu li em um deles:
Este mundo é dividido em seis: o mundo dos dragões, o mundo dos homens, o
mundo dos demônios, o mundo das feras, o mundo dos oceanos e o mundo dos
céus.
Esses seis mundos estão dispostos como as faces de um grande cubo. O interior
deste cubo é um lugar conhecido como o mundo estéril. Atravessá-lo é a única
maneira de passar de uma face do cubo para outra; mas isso só é possível por
meio de um método muito específico.
Infelizmente, o mural desmoronou após esta seção, mas a última frase legível
dizia o seguinte:
“O Deus-Homem está no centro do mundo estéril.”
Finalmente encontrei o que procurava.
Estou planejando ficar aqui por algum tempo para analisar minuciosamente
tudo o que está escrito nestas paredes.
Os murais contêm um registro histórico das tentativas da Tribo dos Dragões de
encontrarem um caminho para o centro do mundo estéril.
A magia de invocação e de teletransporte foi aparentemente desenvolvida como
desdobramento de sua pesquisa em feitiços para viajar pelo mundo estéril para
alcançar os outros. Talvez eu precise focar minha pesquisa nessa direção.
Encontrei tudo o que há para encontrar nestas ruínas.
Parece que a antiga Tribo dos Dragões tentou criar algo que lhes permitisse
alcançar o centro do mundo estéril, mas não sei o que era. A seção das paredes
que o descrevem se desintegrou em pó. Ainda assim, o método deles era
claramente algo bastante semelhante à magia de Invocação ou de
Teletransporte.
Infelizmente, não tenho o conhecimento necessário para recriar o tipo de feitiço
que foi descrito.
Perugius poderia, no entanto. Não conheço ninguém mais familiarizado com
feitiços de Invocação. Talvez ele possa me apontar na direção certa.
Perugius não sabia de nada.
Ele nem mesmo sabe quem ou o que é o Deus-Homem, por falar nisso. A única
coisa que ele sabe é que Laplace ficou furioso com a mera menção dele.
Estou de volta à estaca zero mais uma vez. Laplace claramente conhecia o
Deus-Homem, mas ele não está mais entre os vivos…
Suponho que haja Orsted. Talvez ele saiba alguma coisa.
Não consigo encontrar sequer um boato sobre o paradeiro de Orsted. Acho que
nunca vou rastrear aquele homem, não importa o quanto eu tente.
Talvez seja melhor me concentrar em minha pesquisa sobre magia de
teletransporte. Depois de décadas de batalha constante, não consigo me mover
com a mesma agilidade de antes. Posso não ter muito tempo a perder.
Não… é muito cedo para jogar a toalha. Eu deveria tentar encontrar mais ruínas
da Tribo dos Dragões enquanto ainda sou capaz de viajar.
Huh. Então este mundo era como um cubo oco, com o Deus-Homem no
centro. Isso era um pouco perturbador. Isso também explicava o porquê do
teletransporte dar a sensação de estar sendo sugado para baixo da terra, já que
você estava sendo puxado para o mundo estéril e viajando por ele até o seu
destino.
Claro, isso não significava que poderia simplesmente começar a cavar no chão
para alcançar o Deus-Homem. A conexão entre os mundos provavelmente não
era tão literal.
O diário pareceu avançar no tempo novamente após essa passagem. Meu eu do
futuro realmente não tinha sido muito consistente com essa coisa.
Descobri uma segunda ruína da Tribo dos Dragões no alto das montanhas do
Continente Demônio. Gostaria de entender o motivo para eles construírem
essas coisas em lugares tão perigosos e bem escondidos. Toda esta área está
repleta de monstros poderosos.
Hum. Suponho que a fortaleza flutuante de Perugius também possa se
qualificar como uma ruína, em algum sentido da palavra. Talvez esta seja a
número três, então.
De qualquer forma, pretendo começar a explorá-la amanhã.
Meus esforços foram recompensados. Encontrei uma versão completa do mural
que estudei alguns anos atrás, incluindo a seção que descreve seu método para
chegar ao centro do mundo estéril.
A antiga Tribo dos Dragões criou cinco tesouros sagrados. Usar todos os cinco
enviaria você para o mundo estéril, em vez de simplesmente passar por ele.
Finalmente encontrei uma maneira de alcançar o Deus-Homem. Finalmente.
Contudo, agora estou com mais de sessenta anos e meu corpo está em péssimas
condições. Não sei se chegarei a tempo.
Fiz outra visita a Perugius. Desta vez, ele tinha informações para mim.
Os cinco tesouros sagrados criados pela antiga Tribo dos Dragões são mantidos
por seus cinco generais. Todos eles são necessários para abrir a porta para o
mundo estéril por meio da arte secreta do Deus Dragão. No entanto, um desses
generais já está morto e seu tesouro, perdido. O paradeiro de seu sucessor
também é desconhecido.
Perugius acredita que o general desaparecido aparecerá dentro de algumas
décadas. Algo na maneira como ele expressou isso me pareceu estranho, mas
não consigo me lembrar exatamente o porquê. Ultimamente, está ficando mais
difícil abrir o armário das minhas memórias.
Perugius ainda está escondendo algo de mim? É um pensamento irritante, mas
ele é a única pessoa com quem posso relembrar os melhores dias. Não quero
matá-lo.
Ele disse que Orsted pode saber alguma coisa sobre a arte secreta… mas
ninguém tem a menor ideia de onde Orsted está.
De qualquer forma, se vai demorar décadas até que o último General Dragão
apareça, não há mais esperanças para mim. Tenho certeza que não vou viver
tanto. Meu corpo já está à beira de quebrar, posso sentir a morte se
aproximando de mim.
O que devo fazer, droga? Estou correndo contra o tempo…
Não consigo pôr as mãos em todos os cinco tesouros dos Generais Dragão.
Acho que não sou capaz de criar minhas próprias imitações ou reproduzir a
própria arte secreta. Simplesmente não tenho o suficiente para continuar; Nem
saberia por onde começar.
Em outras palavras, não posso chegar ao mundo estéril.
Estou tão farto e cansado disso.
Quanto tempo eu tenho que continuar lutando sozinho? Para quem estou
fazendo isso mesmo? Até meu ódio pelo Deus-Homem está começando a
diminuir.
Estou apenas… tão malditamente cansado.
O fogo e a determinação das primeiras passagens davam lugar à resignação e à
amargura. Não havia muitas páginas restantes. Essas passagens provavelmente
eram de cerca de cinquenta anos no futuro, então.
Meu eu do futuro passou décadas lutando constantemente tendo poucos e
preciosos sucessos e nunca atingiu seu objetivo. Depois de um certo ponto,
qualquer um ficaria exausto demais para pensar direito. A pessoa que eu era
hoje provavelmente teria desistido muito antes.
Costumo manter minhas notas de pesquisa separadas deste diário, mas vou
adicionar uma passagem aqui sobre minha teoria mais recente.
Durante minha pesquisa sobre magia de teletransporte, cheguei a uma tese
interessante. Especificamente: combinando-a com a magia descrita nos murais
antigos e ajustando com a execução, pode ser possível viajar no tempo.
No entanto, se minha teoria estiver correta, pode exigir uma enorme quantidade
de mana para viajar alguns segundos para o passado. Quanto precisaria para
voltar anos, então?
Vou tentar viajar ao passado.
Eu ainda tenho este velho diário em minhas mãos. Usando-o como um ponto de
orientação, poderia voltar ao dia em que comecei a escrevê-lo… o dia em que o
Deus-Homem me enganou para libertar aquele rato e matar Roxy.
Não sei se vai funcionar.
Também não sei o que vai acontecer comigo se funcionar. Afinal, estou
familiarizado com o conceito de paradoxos temporais.
Gostaria de estar mais confiante de que isso funcionará.
É difícil até dizer se vou conseguir voltar no tempo como estou agora, ou
apenas voltarei ao meu eu mais jovem. Supondo que seja o primeiro, no
entanto, preciso rever o que vou dizer. No mínimo, preciso abordar sobre o
incidente da Síndrome de Petrificação, Eris e o Deus-Homem.
Não tenho certeza se serei capaz de explicar tudo. Não tenho certeza se meu eu
mais jovem vai acreditar em mim.
E se eu voltar a ser eu mesmo mais jovem ao invés disso… não sei como
poderei interagir com Sylphie e Roxy.
Quero vê-las novamente, é claro. Quero dizer a elas o quanto eu sinto muito,
mas a ideia de substituir a mente de um jovem feliz pela minha é…
honestamente, meio doentia.
Talvez eu devesse esperar mais para experimentar primeiro, mas devido aos
riscos potenciais de um paradoxo temporal, hesito em fazê-lo. Digamos que eu
voltasse vários dias no tempo. E se eu esquecer minhas memórias atuais no
processo? Eu estaria me prendendo em um loop sem fim e sem sentido, me
condenando a viver neste mundo miserável por toda a eternidade.
Do outro jeito, pelo menos eu veria Roxy e Sylphie novamente…
Tudo bem. Chega disso. Vou parar de pensar demais nas coisas.
Não é como se eu tivesse alguma coisa a perder de qualquer jeito. Não
consegui nada com a minha vida. Sou um desperdício de oxigênio. Talvez dê
errado e eu estrague tudo de novo, mas e daí? Por que eu deveria dar a mínima?
E se eu conseguir…
Bem, talvez possa dar ao Deus-Homem um gostinho de seu próprio remédio.
Assim que terminei de ler a última passagem, fechei o diário.
A contracapa estava arranhada e surrada, assim como a frente. Agora que li
tudo, pude ver o significado naqueles arranhões. Eles eram testemunhos dos
longos e dolorosos anos que passei carregando essa coisa.
Meu eu futuro deve ter voltado no tempo imediatamente depois de escrever
aquela passagem final, apenas para perceber que ele ficou sem mana no
processo.
Não conseguia entender os princípios por trás do uso da magia de teletransporte
para viajar no tempo. Dito isso, não tinha certeza do porquê ele voltou em um
grande salto. Com base no que escreveu no diário, poderia ter sido mais seguro
voltar no tempo de pouco a pouco para evitar esse problema da falta de mana.
Ele estava muito velho e cansado para perceber os benefícios dessa
abordagem?
Não… provavelmente nem lhe ocorreu que poderia não ter mana o suficiente
para isso. O homem devia ter absoluta confiança em sua capacidade de
lançar qualquer feitiço.
De qualquer forma, este diário simplesmente não continha todos os detalhes
que eu precisava sobre sua pesquisa. Também não havia garantia de que as
conclusões que ele havia tirado estivessem inteiramente corretas. Ele poderia
ter interpretado mal aqueles murais antigos, para começar.
Pensando bem, eu tinha visto um antigo mural nos níveis subterrâneos da
fortaleza de Perugius. Era esse o tipo de coisa de que estavam falando lá?
Aquilo não parecia ter nada a ver com magia de invocação… mas pelo que
parece, havia muitos outros de seu tipo escondidos em todo o mundo.
De qualquer maneira, por enquanto, eu tinha respostas para minhas perguntas
mais importantes. Agora precisava agir antes que as coisas acabassem indo pelo
mesmo caminho.
— Olá a todos — chamou uma voz do hall de entrada. — Estou em casa.
Roxy estava de volta do trabalho. No momento certo.
Primeiro o mais importante, então. Esta noite, precisava ter uma discussão séria
com minhas duas esposas. Elas precisavam saber sobre Eris… e o fato de que
estávamos todos em perigo.
Capítulo 3: Decisão

Rudy Rudy estava agindo de forma estranha ultimamente. Ele passou dias
inteiros enfurnado em seu escritório. Quando saia, aparentava estar pálido e
ansioso.
O que exatamente ele estava fazendo lá? Eu estava ficando preocupada, mas ele
não me deu uma resposta direta quando o questionei sobre isso. Minha última
tentativa terminou com ele evitando a pergunta e me puxando para a cama. Mas
eu tinha certeza de que algo estava deixando-o inquieto… e isso me
incomodava.
Fui até Roxy para pedir conselhos e descobri que ela pensava o mesmo:
— Então você também notou, Sylphie? Receio que Rudy tende a manter seus
problemas para si mesmo. Vamos tentar estar prontas para caso ele precise do
nosso apoio.
Decidi que, se as coisas continuassem assim por muito mais tempo, talvez
precisássemos pressioná-lo para obter algumas respostas. Mas então, logo após
o jantar, Rudy finalmente quebrou o silêncio.
— Uh, Sylphie, Roxy? Posso pedir a vocês que venham ao meu quarto esta
noite?
Seu tom de voz estava um pouco estranho, mas isso não era muito incomum.
Era apenas o jeito que costumava falar quando queria dormir com nós duas ao
mesmo tempo. Eu nunca entendi o porquê de ele se sentir tão hesitante sobre
essas coisas. Não era como se houvesse algo para se sentir culpado.
De qualquer forma, Roxy e eu fizemos nossos preparativos habituais naquela
noite. Tomamos banho juntas e nos lavamos bem, depois passamos o perfume
que reservávamos para essas ocasiões especiais. Vesti uma calcinha que
comprei recentemente e escolhi uma camisola para combinar. Rudy parecia
preferir uma roupa simples a uma mais reveladora, então optei por algo
relativamente modesto.
Olhei para mim mesma e considerei desabotoar dois dos botões da frente para
expor um pouco mais de pele. Eu não era tão peituda, então provavelmente não
seria tão atraente…, mas eu queria chamar o máximo possível de sua atenção.
E se ele achar que estou desesperada? Não, é sobre Rudy que estamos
falando… Está tudo bem, né? Vai ficar tudo bem.
No outro dia, eu o peguei olhando para debaixo da minha camisa quando deixei
alguns botões desabotoados. Acho que ele quis ser sutil, mas estava muito na
cara. No entanto, parecia estar se divertindo, então fingi não notar. Um pouco
depois, ele me levou para a cama.
Roxy estava vestindo sua camisola simples e habitual. Porém, não parecia estar
usando nada por baixo. Ela era bastante agressiva do seu próprio jeito.
De qualquer forma, nós duas estávamos prontas. Respiramos fundo algumas
vezes e fomos para o quarto do Rudy.
Ele estava sentado em sua cadeira, calmamente esperando por nós. Roxy e eu
nos sentamos na cama uma ao lado da outra. Sentei-me à direita e Roxy à
esquerda. Nós nunca tínhamos decidido nossos lugares de antemão, mas agora
já havia se tornado um hábito.
Rudy normalmente viria em nossa direção com um sorriso malicioso…, mas
hoje, ele parecia um pouco diferente. Havia uma expressão séria em seu rosto, e
ele ainda não havia se levantado da cadeira.
Depois de um bom tempo, Rudy pigarreou e se virou para Roxy.
— Uh, Roxy?
— Sim?
— Como está sendo o desempenho escolar da Norn?
“Desempenho escolar”? Sério? Que estranha escolha de palavras. Roxy parecia
ter achado isso engraçado, também.
— Por que pergunta? A Norn já não te contou?
— Bem, eu estava esperando obter algumas impressões sinceras de você. Como
educadora.
Por quanto tempo ele continuaria falando assim? Estava ficando cada vez mais
difícil não rir…
— Uh… Tudo bem, então. O desempenho acadêmico dela é mediano e sua
esgrima está progredindo muito lentamente. No entanto, estou impressionada
com seus esforços no conselho estudantil. Com destaque ao seu trabalho
disciplinar que está lhe rendendo algum reconhecimento. A Universidade tem
alguns alunos bagunceiros, mas todos se aquietam quando ela os repreende.
Tenho certeza de que tem algo a ver com o fato de você ser o irmão dela, mas
ela também conquistou bastante apreço de alguns alunos mais velhos. De
qualquer forma, a Norn tem muitos amigos e ninguém tenta puxar briga com
ela. Acho que você não tem nada com que se preocupar.
— Hmm, entendo. Muito obrigado.
A Roxy não exagerou. A Norn realmente estava dando o seu melhor. Pelo que
os membros do conselho estudantil me disseram, ela provavelmente era a
pessoa mais trabalhadora que tinham. Às vezes, eu desejava ser mais uma
“irmã mais velha” para ela.
— E você, Roxy?
— O que quer dizer?
— Alguma coisa tem te incomodado? Não sei… Talvez esteja ficando com
muita fome? Pegando muitos lanches da cozinha?
— Uh, não. Na verdade, você tem feito eu comer tanto ultimamente que estou
um pouco preocupada que possa engordar.
— Então, como estão indo as coisas na escola?
— … Oh, estão indo bem. Suponho que alguns alunos zombam de mim por ser
tão baixinha, ou se recusam a prestar atenção nas minhas aulas. Mas isso quase
nunca acontece.
— O quê? Eles não estão focados nas suas aulas?! Que bando de ingratos! Que
tal eu ensiná-los uma lição de boas maneiras, Roxy? Vou garantir que rastejem
aos seus pés na próxima vez que a virem!
— Hã? N-Não, eu não acho que seja necessário. São só os ossos do ofício. Mas
de qualquer forma, agradeço a oferta.
Roxy inclinou a cabeça para Rudy, parecendo um pouco exasperada…, mas
também um pouco tímida. Percebi que ela estava brincando com as pontas de
suas tranças. Eu sabia como ela se sentia. Às vezes, me dava um pouco de
inveja vendo o quanto Rudy a respeitava.
— De qualquer forma — Roxy continuou —, há algo mais que me preocupa…
— Se não se importa que eu pergunte, o que seria?
Roxy fez uma pausa, e então balançou a cabeça.
— Prefiro te contar só depois de eu confirmar uma coisa.
— … Sendo assim, vou esperar ansiosamente.
Ooh. Acho que sei do que se trata.
Parando para pensar, Roxy mencionou estar se sentindo um pouco estranha
ultimamente. Talvez eu tenha que organizar uma pequena comemoração? Ou
aquilo ainda está muito prematuro? Não tínhamos como ter certeza.
— Tudo bem, então. Sylphie?
— Sim, Rudy?
Quando a conversa mudou para mim, inclinei a cabeça para o lado e tentei
parecer o mais charmosa possível. Os olhos do Rudy desceram do meu rosto
para a parte superior do meu corpo. Pelo que parece, minha estratégia foi um
sucesso.
— Como, uhm… como você acha que a Lucie está indo?
— Bem, você está cuidando dela, não? Ela é um bebê feliz e saudável.
— Você não a ouviu murmurando “No céu acima e na terra abaixo, eu sou o
mais honrado”, não é?
— Do que diabos você está falando? Uhm… acho que em pouco tempo ela vai
conseguir engatinhar sozinha.
— Hmm.
Graças à ajuda da Lilia, as coisas estavam indo muito bem com Lucie. A
Princesa Ariel parecia achar que as crianças eram melhor criadas por
empregadas, em vez de suas mães. Mas a vovó Elinalise me disse que eu
deveria tentar cuidar pessoalmente da minha filha o máximo possível e dá-la
todo o amor do mundo. Eu tendia a concordar com Elinalise, e Rudy parecia
querer que nós dois estivéssemos envolvidos na criação da Lucie, então eu
estava investindo muito tempo e esforço nisso.
— Você notou algo estranho ultimamente, Sylphie? — perguntou Rudy. —
Algo que está te incomodando?
— Nada demais. Na verdade, acho que estou me perguntando o motivo do meu
marido estar escondendo coisas de mim, mas é só isso.
As palavras saíram sozinhas. Eu não tinha a intenção de ser tão dura com ele,
porém…
— Uh… certo — disse Rudy, desviando o olhar nervosamente. — Me
desculpe.
Então havia algo acontecendo. Será que ele iria nos contar?
Depois de um momento, Rudy olhou de volta para mim. Desta vez, seu olhar
estava firme e determinado. Sempre que tinha esse olhar em seu rosto, Rudy
mostrava o seu melhor lado.
— Na verdade, esta é exatamente a razão pela qual eu pedi a vocês duas que
viessem aqui.
Com estas palavras, sentei-me de forma mais ereta e abotoei a minha camisola.
Roxy também se endireitou, embora sua expressão fosse um pouco difícil de
decifrar.
— O problema é que não sei como explicar… acho que vou começar do início.
Alguns dias atrás, conheci um indivíduo.
— Você poderia ser mais específico?
— Certo. Ele era… algo como uma Criança Abençoada, eu acho. Uma com o
poder de prever o futuro.
Rudy começou a descrever sua conversa com essa pessoa. Os detalhes eram
alarmantes, para dizer o mínimo. Em suma, havia alguém lá fora que queria
fazer mal a ele e a sua família. Coisas terríveis poderiam acontecer conosco se
esse misterioso inimigo conseguisse o que queria. E, para nos manter seguros,
Rudy talvez teria que fazer algumas coisas que pareceriam muito estranhas de
vez em quando.
Sendo honesta, eu queria acreditar que ele estava levando isso à sério demais.
Mas eu podia dizer que Rudy estava convencido de que era a mais pura
verdade. Percebi que estava guardando alguns detalhes para si mesmo,
provavelmente havia partes dessa história que ele achava melhor não sabermos.
Isso definitivamente não era bom. Ainda assim, podia entender a razão de ele
querer ser tão cauteloso ao nos contar essas coisas.
— Ok, então — eu disse. — Há algo que possamos fazer para ajudar?
— Tenho certeza de que terá. Porém, sendo sincero, prefiro não colocar vocês
duas em muito perigo.
E lá vai ele de novo…
Rudy estava fazendo muito isso ultimamente. Acho que começou logo após a
morte de seu pai. Era bom saber que se importava tanto conosco, mas às vezes
ele podia ser um pouco superprotetor. Eu não era mais uma criança indefesa.
Hoje em dia, consigo carregar alguns dos seus fardos…
— Isso não significa que você estaria se colocando em perigo sem a nossa
ajuda?
— Não posso confirmar ainda, mas é bem provável que sim.
— Bem, eu não gosto de como isso soa…
Aquela batalha contra Atofe já tinha sido ruim o suficiente. Rudy era um mago
poderoso, mas nunca quis lutar com ninguém. No entanto, sempre pulava de
uma missão a outra e quase morria no processo… Eu deveria apenas ficar
sentada, esperando para animá-lo quando ele voltasse mancando para casa?
Não suporto mais isso. Eu queria ir com ele, pelo menos. Talvez eu possa
ajudar de alguma forma.
Enfim, só não quero mais ficar sentada torcendo por ele.
— Tudo bem — disse uma voz calma ao meu lado. — Eu entendo.
Roxy tinha falado pela primeira vez em algum tempo. Mexendo no cabelo, ela
olhou para o Rudy nos olhos e sorriu.
— Enquanto você estiver fora de casa — ela continuou —, manterei Norn e
Aisha em segurança.
Sua voz estava clara e confiante. Ela parecia ter genuinamente aceitado isso
como seu papel a desempenhar.
— Você realmente está satisfeita com isso, Roxy? — perguntei.
Não pude deixar de pensar que havia uma parte dela que também queria
acompanhá-lo. Mas Roxy apenas assentiu.
— Eu sei que Rudy prefere se colocar em risco do que ver sua família em
perigo.
— Sim, mas…
Pensando bem, Roxy estava com Rudy quando o seu pai morreu. Era difícil
para eu imaginar o quão devastado ele ficou com aquela tragédia, mas pelo que
parece, ele se afundou em uma depressão muito profunda. No mínimo, foi um
choque tão grande que fez com que quebrasse sua promessa comigo…
Ugh. Pare com isso, Sylphie. Você está sendo tão infantil. Rudy voltou para
mim no final. Era isso que importava, não é?
— Mas, Sylphie… eu não tenho a menor intenção de apenas ficar sentada sem
fazer nada enquanto Rudy coloca a sua vida em risco por nós.
O que ela quis dizer com isso? Ela não tinha prometido ficar em casa?
— A gente pode ficar de olho nele — Roxy continuou. — E se decidirmos que
ele realmente precisa da nossa ajuda, nós o seguiremos, mesmo se ele não
quiser.
Ah… sim, isso realmente faz muito sentido…
Não precisávamos da permissão do Rudy para ajudá-lo. Nós poderíamos tomar
nossas próprias decisões. Contanto que as coisas acabassem bem, ele não teria
do que reclamar.
— … Sim, acho que você está certa.
Rudy ouviu tudo isso com um sorriso sincero no rosto. Eu meio que esperava
que ele tentasse nos repreender, mas em vez disso apenas ouviu – com algo que
parecia confiança em seus olhos.
— Vá e faça o que quiser, Rudy — Roxy continuou, sorrindo de volta para ele.
— Não se preocupe com as coisas aqui – vamos manter todos sãos e salvos.
— Tudo bem. — ele finalmente respondeu. — É bom saber que terei vocês
duas cuidando de mim caso as coisas fiquem feias.
Havia algum alívio genuíno por trás desse sorriso. E talvez fosse apenas minha
imaginação, mas pensei que seus olhos estavam brilhando levemente. Eu tinha
que admitir, fiquei impressionada com a facilidade com que Roxy lidou com
isso. Havia uma razão pela qual Rudy a respeitava tanto.
De qualquer forma, o mais importante era que ele pudesse enfrentar esse
desafio com a mente tranquila. E se ele se meter em problemas, eu sempre
posso ir ajudá-lo. Eu seria uma esposa boa e leal na maioria das vezes, mas
quando as coisas ficassem feias, eu cavalgaria para o resgate. Sim. Esse era o
tipo de relacionamento que eu queria.
— Uhm, continuando. Na verdade… há outra coisa que preciso falar.
Eu estava ficando entusiasmada, mas a conversa ainda não havia terminado.
Por alguma razão, a voz do Rudy soou extremamente mansa, de repente. Sua
linguagem corporal também parecia um pouco diferente. Ele estava escolhendo
as palavras com cuidado o tempo todo, mas agora parecia que estava relutante
em dizer qualquer coisa.
— … Sendo honesto, não sei como falar sobre isso.
— É um problema complicado? — Roxy disse gentilmente, tentando fazê-lo
continuar.
Rudy assentiu em resposta.
— Muito complicado. Não é uma coisa fácil a dizer para vocês duas.
Bem, agora ele me deixou ansiosa. Isso poderia ter algo a ver com o quão
abatido parecia estar ultimamente? Espero que não tenha pegado nenhuma
doença que magia não possa curar.
— Eu acho, uh, há uma chance de que… mais um membro seja adicionado à
família.
—…
Hmph. Ele está falando de uma mulher? Sim, tem que ser.
Eu realmente não tinha motivos para reclamar. Ele deu algumas dicas sobre
isso antes, e eu não fiz objeções ou o desencorajei. No entanto, não significava
que eu estava pronta para dar minha aprovação a qualquer uma. Meus
sentimentos não eram tão simples.
— Quem é ela? É a Nanahoshi?
Tentei manter minha voz o mais normal possível. Eu senti que tinha
conseguido. Não parecia zangada, pelo menos.
Porém, se fosse a Nanahoshi, isso pareceria um pouco errado a meu ver. Não
acho que ela realmente ame o Rudy do jeito que nós amamos. Seus sentimentos
eram algo mais como gratidão. Ela provavelmente não o recusaria se ele a
pressionasse para um relacionamento, mas isso não significava que seria bem-
vinda…
— Não, não é a Nanahoshi.
Bem, isso era um alívio. Porém, por alguma razão, Rudy parecia ainda mais
culpado do que antes.
— É uma mulher chamada Eris.
— Eris…?
Quem era essa mesmo? Eu já tinha ouvido o nome antes, mas não era alguém
que eu conhecia da Universidade.
— Não é aquela garota que você foi professor durante a sua estadia na região
de Fittoa, Rudy? — Roxy perguntou.
Foi o suficiente para refrescar minha memória.
— … Não foi ela quem te causou aquela condição?
— Ah, sim. Acho que foi.
Rudy já havia esquecido de como estava deprimido quando chegou à
Universidade? Eu não tinha percebido na época, mas depois de ver a forma
como ele foi transformado pelo nosso casamento, percebi que estava sofrendo
de uma séria falta de autoconfiança. Para ele, aquela “condição” não era motivo
de risada. Foi difícil para eu entender completamente seus sentimentos, mas eu
sabia que ele estava sofrendo. Também foi um choque quando descobri.
— Você ainda a ama, mesmo depois do que ela fez com você?
— Não tanto quanto amo vocês duas — respondeu Rudy, olhando-me
diretamente nos olhos. — Isso é uma coisa que posso dizer com certeza.
Corei ao ouvir essas palavras. Quando queria, Rudy podia ser um perigo para
as mulheres. Foi difícil suprimir a vontade de dar um gritinho. Quase quis me
gabar para a Linia e Pursena sobre isso. Era uma pena que não estavam mais
por perto…
Gah. Pare com isso, Sylphie! Foco! Estamos falando da Eris. Não deixe que ele
te distraia.
— Certo, então… é ela quem quer fazer as pazes com você? Mesmo que tenha
sido a responsável pelo término do relacionamento?
— Não exatamente. Talvez eu tenha me enganado sobre ela ter me largado.
Parece que seus sentimentos nunca mudaram.
— … Talvez, mas ela ainda partiu o seu coração, certo?
— Sim, é verdade.
Teoricamente, eu não tinha nenhuma objeção a Rudy ter uma terceira esposa.
Eu tinha chegado a um acordo em relação ao nosso relacionamento. Não que eu
não quisesse tê-lo só para mim, é claro…, mas Rudy não era adepto a Igreja de
Millis, e eu sabia que não era forte o suficiente para apoiá-lo sozinho. Contanto
que fosse alguém que o amasse e que ele ama, eu não iria me opor. Já tinha
decidido isso há algum tempo. Mas estávamos falando de alguém que o
machucou profundamente no passado. Isso tornava as coisas muito mais
complicadas.
— Sabe, Rudy, ainda me lembro de como você estava triste e desesperado.
— Sim. Naquela época, não conseguiria perdoar a Eris. Apenas o pensamento
de vê-la de novo provavelmente teria me aterrorizado.
Então, por que as coisas eram diferentes agora? Talvez tivesse algo a ver com
aquela Criança Abençoada que ele encontrou no outro dia. Devem ter feito
alguma previsão envolvendo-a.
No entanto, isso não parecia uma razão boa o suficiente para mim. Quero dizer,
se alguém tivesse me dito “Você vai se casar com um homem chamado Rudeus
e terá cinco filhos com ele”, provavelmente teria sido muito emocionante.
Porém, eu não teria ido me casar com o primeiro cara chamado Rudeus que
encontrasse. O Rudy realmente via sentido em se casar com essa mulher
mesmo não tendo certeza de que ela o ama?
— Se você se opõe firmemente à ideia, não vou me casar com ela. Mas, pelo
menos, acho que preciso vê-la para explicar as coisas.
Rudy fez uma pausa e franziu a testa, como se tivesse se tocado de algo.
— Sabe, o ponto é que… a Eris vem treinando em um lugar chamado Santuário
da Espada há anos, e parece que ela esteve fazendo isso por mim.
—…
— Não seria meio cruel eu apenas rejeitá-la quando ela finalmente conseguir
voltar para mim?
— Bem, acho que sim..
Eu podia imaginar o quão doloroso seria ter o seu tapete puxado assim depois
de anos de trabalho duro. Eu me esforcei muito na Vila Buena para tentar
chegar no nível do Rudy.
— Eu realmente não estou dizendo que sou contra ou algo assim…
E se o Incidente de Deslocamento nunca tivesse acontecido, e Rudy nunca
tivesse se dado o trabalho de voltar para a Vila Buena? E se eu o tivesse
rastreado, apenas para encontrá-lo casado com outra mulher? Isso teria sido um
grande choque.
— É que… eu não sei. Nunca conheci essa pessoa…
Esse era o cerne da questão, na verdade. Eu não conhecia a Eris. Até o
momento, sempre pensei nela como uma pessoa cruel que maltratava o Rudy.
No entanto, tudo parecia se tratar de um mal-entendido. Ela não queria
machucá-lo, certo?
— Posso dar a minha opinião? — disse Roxy, interrompendo minha linha de
raciocínio. — A meu ver, precisamos conhecer a Eris primeiro para só depois
tomarmos uma decisão.
— Acha melhor?
— Sim. Por um lado, tenho a impressão de que você ainda não tem certeza dos
seus próprios sentimentos, Rudy. Quando você a vir novamente, tenho certeza
de que será muito mais fácil decidir.
Como a própria Roxy se sentia sobre tudo isso? A última vez que discutimos
sobre o Rudy tendo outra esposa, ela parecia ter aceitado a ideia. Mas agora,
era difícil dizer o que estava pensando.
— E de qualquer forma — ela continuou —, a Sylphie já pediu isso de você.
Eu pisquei confusa. Não tinha mais certeza do que ela estava falando.
— Não se lembra, Sylphie? Acho que suas palavras foram “Apenas certifique-
se de trazê-la para mim primeiro para eu conhecê-la.”
Ah! Verdade. Eu disse isso, não é?
— Traga Eris aqui e a apresente para nós, Rudy. Vamos conversar e nos
conhecer. Mas se eu sentir que não vai dar certo… também terei que me opor à
ideia.
Quanto mais eu pensava sobre isso, mais a ideia parecia razoável. Não nos
comprometeríamos com nada, mas ainda ficaríamos abertos à ideia. A Roxy
com certeza era muito inteligente. Vê-la em ação me fez sentir um pouco
inadequada como esposa.
— Claro, imagino que também teremos que discutir essa ideia com várias
outras pessoas… E pode não valer de muita coisa, Rudy, mas você tem o meu
apoio e a minha confiança.
— Obrigado, Roxy. Isso significa muito.
— Tudo o que peço é que tente não me esquecer, independentemente de
quantas garotas acabe se casando.
— Pode ficar tranquila, eu não conseguiria te esquecer nem se tentasse.
— Posso considerar isso uma promessa, então?
— Com certeza.
Ela era inteligente e atenciosa, e Rudy confiava plenamente nela. Às vezes me
dava ciúmes…
Não, não. Essa era a maneira errada de pensar sobre isso. Eu só teria que fazer
o meu melhor para seguir seus passos.
Eu posso ser uma adulta, também! Vou mostrar para todos! Hmph.
— Está de acordo, Sylphie? — Rudy disse hesitante, virando-se para mim. —
Sinto muito por tudo isso.
— Está tudo bem. Desculpe por ter sido tão difícil de lidar hoje. Não foi muito
justo da minha parte, depois de todas aquelas coisas que eu disse da última vez.
Rudy e eu acabamos pedindo desculpas um ao outro por algum motivo. Eu
podia ouvir Roxy rindo baixinho.
Chegamos a uma conclusão muito boa. Me senti totalmente confortável neste
quarto. Era algo que não conseguiria em nenhum outro lugar, nem mesmo com
a Princesa Ariel e com o Luke.
Mas agora outra pessoa pode ser adicionada à equação. Isso me deixou um
pouco ansiosa.
Essa garota não ia roubar o Rudy de nós, certo?

Rudeus

Após a nossa conversa nós três dormimos lado a lado na minha cama. Eu não
fui insensível ao ponto de tentar começar um ménage depois de uma discussão
tão pesada. Além disso, o rosto de Eris continuava aparecendo em minha
mente, o que não era bom para o meu estado emocional. Eu pensei que já tinha
superado, mas quanto mais pensava nela, mais podia sentir aquela antiga
sensação de dúvida e ansiedade que borbulhava do fundo do meu intestino.
Assim como Roxy apontou, eu não tinha muita certeza de como me sentia em
relação a Eris, no momento. E tudo que sabia sobre seus sentimentos era com
base no que foi me dito por outra pessoa.
De um jeito ou de outro, eu tinha que acertar as coisas entre nós.
Porém, para ser honesto, a ideia de vê-la novamente era assustadora. Com
certeza haveria alguns socos envolvidos. Pelo que parece, Eris ficou
incrivelmente forte nos últimos anos. Não havia como ela não reagir caso eu a
encontrasse com Sylphie e Roxy ao meu lado. O diário não a mencionou
atacando a Sylphie ou algo assim, mas… não havia garantia de que essas
passagens fossem totalmente precisas, e eu obviamente deixei muitos detalhes
de fora. Além disso, algumas escolhas erradas de palavras facilmente podem
tornar a situação perigosa.
Eu tinha um bom motivo para estar preocupado. Era difícil adivinhar o que
aconteceria quando eu me encontrasse com a Eris mais uma vez.
Com tanta coisa em minha mente, demorou um pouco antes que eu conseguisse
dormir.
Naquela noite, o Deus-Homem me fez uma visita.
Me encontrei em um lugar familiar, um espaço totalmente branco. Como
sempre, voltei a ser o homem que era na minha vida passada. De acordo com
meu eu do futuro, este era um mundo estéril – uma espécie de espaço
quadrimensional, situado no centro de um cubo composto por seis outros
mundos. Quando se usa magia de Teletransporte, você viaja por este plano de
realidade. Mas com base na pesquisa do velho, não havia uma maneira fácil de
chegar até lá.
Porém, aqui estava eu, de pé em seu centro. O que isso significava,
exatamente? Dada a mudança em minha aparência… talvez fosse um tipo de
convocação que só afetava a mente, ou a alma?
—…
O Deus-Homem estava aqui, como sempre, com seu habitual…
Espere, não. Pela primeira vez, ele não estava sorrindo.
Na verdade, sua linguagem corporal sugeria que ele claramente estava de mau
humor. Embora fosse difícil dizer com certeza, devido a todo o embaçamento.
— Isso não é nada divertido.
É. Parece que está irritado.
— Teve que ir e estragar tudo…
O tom de sua voz era baixo e hostil. Sua habitual atitude hospitalar e
despreocupada havia desaparecido completamente.
— Voltar no tempo para se avisar? Vamos lá, isso não é justo. Tudo estava
indo tão bem.
Ok, eu já entendi. Você não está feliz. O que significa que o velho estava me
dizendo a verdade? Você esteve me fazendo de trouxa esse tempo todo? Você
matou a Roxy e a Sylphie? Acho que isso significa que o plano dele funcionou.
Ele acabou de te dar um gostinho do seu próprio remédio?
— Perguntas, perguntas, perguntas. Sempre com as perguntas. Quem sabe?
Quem liga? Parece que seu eu do futuro esteve trabalhando com alguns
equívocos, só para você saber.
É, ele está brincando comigo de novo, mas não parece que está se esforçando
em fazer isso. Preciso tentar manter a calma. Preciso continuar essa conversa.
— Ooh, ele precisa continuar a conversa! Quer parar de fingir ser algum tipo de
estrategista? Você ainda não percebeu que é um idiota?
Ah, cale a boca. Eu posso ser um idiota, mas ainda vou tentar o meu melhor.
De qualquer forma, se importa de me dizer uma coisa? Por que você faria isso
comigo? Por que tentaria machucar a minha família?
— Hum, por que eu faria isso? Talvez eu só quisesse matá-los para poder ver
você surtar? Ou algo parecido.
Uau. Ele nem está se esforçando hoje. É quase como se estivesse frustrado,
como se tivesse montado uma grande e complexa armadilha em um jogo, mas
então alguém estragou tudo ao vagar na direção errada, e agora ele nem quer
mais jogar…
— É, mais ou menos isso. Você estragou com tudo, seu retardado burro,
estúpido!
… Você pode me dizer o que está acontecendo aqui? Não ligo para o seu
objetivo final. Não estou interessado em ficar no seu caminho. Meu eu do
futuro me disse que não posso te matar, de qualquer maneira. Ele me disse para
te bajular, não te desafiar, e eu particularmente estou bem com isso. Afinal, as
coisas estavam indo bem entre a gente até agora… mesmo que você só
estivesse armando para me trair, ainda me ajudou muitas vezes. Pode me usar
se quiser. Não é como se eu tivesse algum motivo para te desobedecer. Tudo o
que estou pedindo é que não vá atrás da minha família.
— Ora, veja só quem está disposto a ajudar.
Quero dizer, o que quer que tenha feito com aquele velho, ainda não conseguiu
me prejudicar. Até onde sei, pelo menos. Você tentou matar a Roxy e o seu
bebê, mas ambos saíram ilesos. Já que estão bem, acho que posso fingir que
isso nunca aconteceu. Ainda posso controlar minhas emoções. Quero encontrar
uma maneira de coexistir com você antes que as coisas cruzem um ponto sem
volta.
— Hmmm…
O Deus-Homem parou por um momento, aparentemente considerando algo que
acabara de pensar.
— E se eu te disser que o meu objetivo é a paz mundial? Acreditaria nisso?
Paz mundial, né? Parece bom. Estou dentro. Paz e amor é o meu lema pessoal.
Nada melhor do que um dia tranquilo rolando na cama, não é mesmo?
— Vamos deixar a coisa do sexo de fora por enquanto.
Beleza.
— Se lembra daquele cara, o Deus Dragão? Seu velho amigo, Orsted? Então,
seu objetivo final é destruir o mundo.
Espera, quê? Ele não parecia ter essas intenções, não.
— Ele está se escondendo nas sombras há muito tempo, elaborando todos os
tipos de planos malignos. Entenda uma coisa: se eu morrer, este mundo vai se
quebrar em um milhão de pedaços e desaparecer completamente. Então, Orsted
está procurando uma forma de me matar.
Tem certeza que não fez algo horrível e o irritou? Não sei, talvez matar a sua
família sem motivo aparente?
— Não se lembra do que eu te disse antes? Não posso fazer nada contra Orsted.
Até onde sei, ele não tem motivos para me odiar.
Tudo bem, então. Prossiga.
— Orsted é muito poderoso, mas também está sozinho. Sua maldição o mantém
assim. E enquanto estiver isolado, nunca será capaz de me machucar.
Por que você simplesmente não o ignora?
— Esse era o plano… até você aparecer.
E o que eu tenho a ver com isso?
— É que você não é o problema, exatamente. Mas parece que você e seus
descendentes são imunes aos efeitos da maldição de Orsted. Em algum
momento no futuro, esses descendentes irão unir forças com ele, e juntos vão
me matar.
Ah, entendi agora… Então é por isso que você foi atrás de Roxy quando ela
engravidou? O velho achou que você tinha manipulado o Luke para fazer a
Sylphie morrer, também…, mas não disse nada sobre você mirar em Lucie.
Acho que é o meu segundo ou terceiro filho que vai ser o problema, né?
Espera. Você não poderia ter me matado anos atrás ou algo assim? Por que
deixou as coisas se estenderem tanto?
— Bem, quando te notei pela primeira vez durante o Incidente de
Deslocamento, tentei algumas coisas só para ver o que ia acontecer. No
entanto, receio que você tenha um destino muito forte. Nunca funcionou do
jeito que eu queria.
Um destino forte? O que quer dizer com isso, afinal?
— Hum, como posso explicar? Eu consigo ver uma série de rotas amplas que o
futuro pode seguir se ramificando à minha frente, e posso alterar o curso dos
eventos até certo ponto. Mas quando tento manipular eventos que envolvem
pessoas com destinos fortes, raramente dá certo no final. Você sobreviveu à
luta contra Orsted, por exemplo. E mesmo que eu tentasse te manter longe da
Roxy, você acabou se encontrando com ela, se casou e teve um filho.
Oh, é por causa do “princípio de causalidade”? Como quando você viaja ao
passado para reescrever a história, mas as coisas acabam se desenrolando da
mesma maneira por algum motivo?
— Algo assim, eu acho.
… Hum. Ok. Então a Roxy e eu estávamos destinados a nos casar? Isso me
deixa meio feliz.
— Não posso dizer que sinto o mesmo.
Sim, tá certo. Me desculpe. Mas de qualquer forma, por que decidiu ir atrás dos
meus filhos em particular? Quero dizer, imagino que esses descendentes de que
estamos falando são de algumas gerações no futuro. Você não poderia só lidar
com eles antes que unam forças com Orsted?
— Os responsáveis pela minha morte também nascerão com destinos
extremamente fortes. A propósito, não é só você – Sylphie, Eris e Roxy
também são fortes, assim como seus filhos. Dito isto, as mulheres têm
momentos em sua vida em que seu destino fica um pouco… vago.
Hã? Espera, você quer dizer…
— Isso mesmo. É quando estão grávidas.
Eu tive que lutar contra o desejo intenso e repentino de socar a cara do ser em
minha frente. A única coisa que me parou foi o pressentimento de que eu não
poderia vencê-lo em uma luta, não aqui, não nesta forma.
— Claro, eu ainda consegui fracassar de algum jeito.
… Então por que você matou a Sylphie? Ela não estava grávida na época e já
tinha me concebido uma filha.
— Quê? Estamos falando do diário agora? Difícil saber, acho que foi porque
quis me precaver. Por outro lado, talvez apenas fosse o destino de Sylphie
morrer caso ela te deixasse naquele momento.
Acho que é possível… Meu deus, isso é deprimente.
— Sabe, eu realmente achei que meu plano era perfeito. Quando percebi que o
seu destino era forte, comecei a agir com calma. Guiei você, passo a passo…
tudo para que eu pudesse te atacar da maneira mais eficiente, no momento em
que estivesse mais vulnerável.
Ele está tentando me irritar agora? Mas não posso deixá-lo me abalar. Preciso
me acalmar… A Roxy e a Sylphie estão bem. Está tudo certo…
— Não sei o porquê está tentando se convencer disso. Acha mesmo que
ganhou? Só para você saber, o destino de seus filhos, esposas e descendentes
não são tão fortes quanto o seu. Também não pretendo desistir. Afinal, não
quero morrer.
É, eu sei que você não vai parar. Mas não há nenhuma maneira de nós dois
sairmos ganhando? Estou disposto a fazer qualquer coisa para salvar a minha
família. Talvez eu pudesse começar uma tradição familiar de ensinar a cada
nova geração a não confiar em Orsted. Podemos contar aos nossos filhos sobre
o quão maravilhoso o Deus-Homem é, e o quão malvado é aquele desagradável
Deus-Dragão.
— Desculpe. Não vai funcionar. Não é tão fácil alterar o destino.
Não dá para pensar mais um pouco, por favor? Eu tenho um destino forte, não
é? Deve ter algo que eu possa fazer.
— … Oh.
Que foi? Pensou em algo?
— Bem, não tenho certeza se é possível…, mas certamente há uma chance…
hmm. Você disse que faria qualquer coisa, certo?
… Uh, sim.
— Tudo bem, então…
Parando por apenas um momento, o Deus-Homem sorriu para mim como uma
criança travessa.
— Mate Orsted por mim.
— Rudy! Isso dói… Rudy!
Quando acordei, estava apertando Sylphie com força em meus braços. Minha
garganta estava seca, e meu corpo estranhamente frio.
— Oh… Desculpe, Sylphie.
Soltei meu punho de ferro, deixando minha pobre esposa livre para respirar.
Toquei meu rosto e notei minha testa coberta de suor.
— Você está bem, Rudy? — Disse uma voz calma atrás de mim.
Eu me virei e descobri que Roxy tinha me abraçado.
— Eu sinto muito…
Sentei-me na cama. Pelo jeito, ainda era o meio da noite. Tinha sido apenas um
sonho? Não, não foi só um sonho. Era o Deus-Homem, sem dúvida.
— Cof, cof… Qual é o problema, Rudy? Você está bem?
Sylphie também se sentou e começou a enxugar o meu suor com a manga.
Roxy ainda estava me segurando por trás, esfregando suavemente as minhas
costas com uma mão.
— Estou bem. Acabei de ter, uh… um sonho estranho, só isso.
Mate Orsted por mim.
Não tenho dúvida, foi isso que me disse. Ele estava falando sério? Qual era o
seu objetivo?
Acalme-se. Acalma-se, porra. Preciso organizar os pensamentos.
Orsted era um inimigo declarado do Deus-Homem. Isso era um fato. No
entanto, Orsted estava sozinho. Ele não poderia derrotá-lo por conta própria.
Algo que também parecia ser uma certeza.
Era difícil para eu entender o motivo de alguém tão poderoso precisar de ajuda,
mas era assim que as coisas eram. Em algum momento no futuro, meus
descendentes acabariam se tornando seus aliados. Juntos, iriam até o Deus-
Homem e o derrotariam.
Por essa razão, o Deus-Homem tentou impedi-los de existir, matando Roxy e
Sylphie. Ele não queria que elas tivessem filhos. Sem a minha família em cena,
Orsted nunca chegaria ao mundo estéril, e o Deus-Homem sairia vitorioso.
Mas hoje, o Deus-Homem percebeu que não poderia matar a minha família.
Deve ser por isso que me ordenou a matar Orsted. Tanto Orsted quanto meus
descendentes precisavam estar vivos para derrotá-lo. Contanto que um estivesse
fora de cena, o Deus-Homem estaria seguro.
A questão era se eu conseguiria derrotar Orsted. Pelo que parecia, o meu
destino era muito forte. Mas isso certamente se aplicava a Orsted, também.
Afinal, ele ainda estava vivo, apesar de travar uma guerra contra o Deus-
Homem por tantos anos.
Como diabos eu deveria matá-lo, afinal? Ele era incrivelmente poderoso. Eu
não tinha como feri-lo…
Ou tinha?
Esse diário abrangia uma descrição detalhada de algo que meu eu do futuro
havia usado em batalha – algo que amplificou o seu poder significativamente.
Talvez eu pudesse fazer a minha própria versão da Armadura Mágica.
Não parecia impossível, e eu tinha a sensação de que seria extremamente eficaz
em combate.
Meu eu do futuro também usou uma ampla gama de magias, incluindo
Manipulação da Gravidade, Teletransporte e ataques elétricos. No entanto, ele
não se preocupou em me contar como havia dominado esses feitiços… Não
acho que eu vá descobrir os mais estranhos tão cedo.
Dito isso… na minha primeira luta contra Orsted, consegui causá-lo uma
quantidade pequena de dano com um Canhão de Pedra. E o meu feitiço Elétrico
havia ferido Atofe. Em outras palavras, eu tinha meios para machucá-lo. Desde
que eu conseguisse permanecer vivo por tempo suficiente para usá-los, talvez
houvesse alguma chance de sair vitorioso.
… Merda. É de Orsted que estamos falando! Por que estou levando isso à
sério?!
— Rudy, por favor… me diga se há algo errado. Não tente lidar com tudo
sozinho…
Sylphie parecia estar prestes a chorar. Com a mão direita, puxei sua cabeça
contra o meu peito. Estendi a mão esquerda para trás para agarrar a mão de
Roxy.
Que pergunta idiota. É porque tenho que protegê-las.
— Parece que vou ter que matar alguém.
— … O quê?
— Rudy… do que você está falando?
Sem responder à pergunta da Roxy, me afastei e saí da cama. O calor deu lugar
ao frio ar noturno.
— Me desculpem.
Com isso, saí da sala.
Meus passos eram instáveis, e a minha cabeça estava girando.
Eu estava indo estudar; queria entender o quanto antes aquele diário por
completo – para ter uma noção, por mais vaga que fosse, da maneira como
aquele velho havia travado as suas batalhas.
Eu ia matar Orsted. Era a única forma de proteger a minha família. Eu faria
isso, de um jeito ou de outro. Mesmo que custasse a minha vida.
— … Oh.
Quando entrei no escritório, meus olhos se encontraram com a carta que eu
planejava enviar amanhã, se não houvesse imprevistos.
—…
Risquei algumas das últimas linhas.
… No fim, talvez eu não consiga ver a Eris novamente.
Capítulo 4: Hipótese da
Nanahoshi

“Duvide do Deus-Homem sem se opor a ele.”


Essas foram as palavras do meu eu do futuro.
A meu ver, muito do que o Deus-Homem disse era questionável, especialmente
a parte sobre Orsted querer destruir o mundo, ou o mundo acabar caso ele
morra. Eu não tinha como saber onde a verdade terminava e as mentiras
começavam. Não tenho dúvida de que ele não foi completamente honesto
comigo.
Ainda assim, não podia assumir que as partes que queria que fossem falsas
eram mentiras. Se eu tirasse conclusões precipitadas, seria cobrado por isso em
algum momento no futuro. No entanto, tinha a sensação de que a irritação do
Deus-Homem havia sido real. Aparentemente, a intervenção do meu eu do
futuro o pegou desprevenido.
Porém, isso também quase o fez classificar-me como seu inimigo. Nesse ponto,
não tinha muita escolha a não ser fazer o que ele me disse. Opor-se ao Deus-
Homem simplesmente não era uma opção. Ele poderia me atacar de todas as
formas com total segurança. Nessas circunstâncias, não tinha como proteger
todos que eram importantes para mim.
Então, é melhor me tornar seu peão.
Eu não suportava o cara e não confiava nem um pouco em suas promessas, mas
sabia o porquê de estar atrás da gente, e havia uma chance de ele nos deixar em
paz quando não estivesse mais em perigo.
O Deus-Homem havia me ordenado a matar Orsted. Colocando os detalhes
específicos de lado, achei sua história sobre meus descendentes unindo forças
com o Deus-Dragão para matá-lo relativamente plausível. Seu objetivo seria
atingido desde que eu ou Orsted morrêssemos. Esta era a nossa única saída.
Eu tinha que proteger a minha família. O Deus-Homem os queria mortos, mas
não havia como alcançá-lo. Ele poderia só ficar sentado em seu grande vazio
branco, nos forçando a enfrentar situações perigosas interminavelmente
Orsted, por outro lado, existia em algum lugar deste mundo. Era difícil
imaginar eu matando-o e, sendo sincero, nem queria tentar. Mas pelo que o
Deus-Homem disse, havia ao menos chance de isso dar certo. De um jeito ou
de outro, não queria ver ninguém morrer porque tomei decisões erradas.
No dia seguinte ao meu encontro com o Deus-Homem, passei pela Guilda dos
Aventureiros com Sylphie e enviei minha carta para Eris.
Com isso resolvido, fomos direto para a fortaleza flutuante de Perugius. Ao
chegarmos na estrada, seguimos caminhos diferentes, e eu fui até o quarto de
Nanahoshi.
Após receber ordens para matar Orsted, tirei algum tempo para pensar em
quem poderia recorrer para obter ajuda e conselhos. Ela foi a primeira pessoa
que me veio em mente.
Em parte, foi por causa das palavras do meu eu do futuro: “Consulte
Nanahoshi”. Porém, também tive a sensação de que ela poderia saber onde
encontrar o cara. Claro, eu eventualmente discutiria a situação com Sylphie e
Roxy… Precisava que elas entendessem que nada disso era um fardo para mim.
Só não tinha certeza de como convencê-las, honestamente.
— Eaí.
— Oh? Você voltou mais cedo do que eu esperava.
Fazia alguns dias desde a nossa última conversa, mas Nanahoshi ainda não
havia se recuperado totalmente. Por enquanto, ainda estava acamada, mas suas
bochechas estavam mais rosadas do que antes.
— Aqui está, Nanahoshi — disse, colocando uma cesta de frutas em sua mesa.
— Só um pequeno presente pela sua recuperação.
— Obrigada. Parecem estar uma delícia.
Nessa época do ano, frutas frescas não eram baratas no mercado local, mas eu
estava prestes a pedir sua ajuda. Ter boas maneiras não faria mal algum,
independentemente do quão comercial nosso relacionamento possa ser.
— Por que está tão sério? Aconteceu alguma coisa?
Nanahoshi estava me analisando com ansiedade em seus olhos.
Era tão óbvio? Bem, acho que sim. Não duvido que meu rosto esteja ainda mais
pálido do que o dela no momento.
— Vou direto ao ponto. Quero cobrar o favor que me deve.
— Ok. O que quer de mim?
— Primeiro, deixe-me dizer o que aconteceu. Já te adianto que é uma história
muito doida, mas prometo que é verdadeira.
— Tudo bem.
Atento aos detalhes, contei esmiuçadamente sobre a visita do meu eu do futuro.
Repassei o que ele me disse e resumi o que li no diário. Então, falei sobre a
visita do Deus-Homem, sua clara irritação e sua afirmação de que meus
descendentes uniriam forças com Orsted para matá-lo. Por fim, disse que ele
havia me ordenado a matar Orsted.
Em outras palavras, contei tudo. Não tinha deixado nada de fora.
—…
Quando terminei, Nanahoshi ficou em silêncio por um momento, pressionando
os dedos sob a testa.
— Desculpe, preciso de um minuto para processar tudo isso… Viagem
temporal? Sério?
— Sim. Ele disse que veio do futuro.
— Há alguma evidência concreta disso?
— Havia comentários em japonês por todo o diário. Além disso, ele sabia o
meu nome da minha vida passada.
— Qual era?
— Não quero dizer.
— Ah. Certo… De qualquer forma, tem certeza de que esse homem estava
falando a verdade?
— Sobre o quê?
— Comecemos com sua identidade. Mesmo que ele fosse um viajante do
tempo, talvez estivesse apenas se passando por você.
— O diário dele era idêntico ao que eu tinha acabado de criar, e a primeira
passagem era exatamente o que eu estava planejando escrever para aquele dia.
— Isso não prova nada. Ele pode ter copiado do diário real enquanto você
dormia.
Ela não estava errada, mas isso não nos levaria a lugar nenhum.
— Posso não ter certeza, mas acho que ele era exatamente quem dizia ser.
— Entendo. Claro, é possível que o Deus-Homem tenha escolhido alguém que
você acharia crível para o papel.
— E daí? Acha que todo o diário foi inventado, também? E que ele só estava
fingindo estar irritado naquele sonho?
— Não é para tanto. Só estou me perguntando se você realmente acha que o
Deus-Homem é confiável.
— Nem um pouco.
— Ainda assim, está planejando seguir suas ordens.
— Que escolha eu tenho, Nanahoshi?
Ela suspirou baixinho. E então, com algo como resignação em seus olhos,
mudou um pouco de assunto.
— Sendo honesta, Rudeus, o Orsted me contou um pouco sobre o Deus-
Homem.
— Sério?
— Sim. Foi logo depois de ele quase te matar.
— Oh. Certo…
— Ele não me deu nenhum detalhe, mas disse que ia matar o Deus-Homem
custe o que custasse. Também mencionou que não era possível no momento…
Então Orsted realmente estava atrás do Deus-Homem, e sabia que ainda não era
capaz de matá-lo. Ele estava esperando que meus descendentes nascessem? Ou
talvez pelo aparecimento do quinto e último General Dragão? De qualquer
forma, o Deus-Homem queria detê-lo antes que fosse tarde demais. Tudo isso
parecia fazer sentido.
Quanto mais eu pensava sobre, mais as palavras do Deus-Homem pareciam ser
plausíveis. Ele realmente poderia ter inventado mentiras tão convincentes de
última hora? Apesar de sua irritação? Era possível que tenha planejado tudo de
antemão e simplesmente fingido sua raiva. Porém, mesmo que fosse o caso,
não conseguiria descobrir quais de suas alegações eram falsas.
Mas seus reais objetivos realmente importavam? Não agora. Não para mim.
— De qualquer forma — Nanahoshi continuou —, por que me contou tudo
isso? Não teria sido melhor ir atrás de outras pessoas primeiro? Não é como se
eu pudesse fazer alguma coisa para ajudá-lo…
— Meu eu do futuro me disse para te consultar.
— Entendo… O que ele disse sobre mim, exatamente?
Fiquei sem palavras. Devo mesmo responder a esta pergunta? Dizê-la que pode
fracassar no final, e se entregar ao desespero? O diário não abrangia nenhum
detalhe, e meu eu do futuro tinha sido vago na melhor das hipóteses…
No entanto, talvez fosse melhor ser honesto. Se ela soubesse que havia uma boa
chance de sua pesquisa falhar, poderia se preparar para esse resultado com
antecedência e procurar maneiras de evitá-lo.
— Ele disse que você… provavelmente vai falhar no último estágio da sua
pesquisa.
Os olhos de Nanahoshi se arregalaram de surpresa. Logo em seguida, mordeu
os lábios com força e balançou a cabeça.
— Não foi isso que perguntei. Eu queria saber se ele explicou o porquê deveria
me consultar.
— Uh, bem… Acho que você morreu em algum momento, então ele não pôde
te perguntar…, mas o velho achou que você poderia saber a localização de
Orsted. Também disse que você passa muito tempo pensando nas coisas, então
conseguiria elaborar outro plano…
— Coisas? Como o quê?
— Não sei… os verdadeiros objetivos do Deus-Homem, provavelmente?
Embora eu já soubesse quais eram. Aquele lance de paz mundial com certeza
era uma grande besteira, mas acredito que ele falou a verdade quanto a evitar
sua própria morte. Claro, havia uma possibilidade de que era apenas mais uma
mentira bem arquitetada.
— Você se importaria de me deixar dar uma olhada neste diário?
— Não, pode olhar.
Entreguei o velho livro amassado. Nanahoshi folheou as primeiras páginas e
fez uma careta.
— Isso vai demorar um pouco. A sua caligrafia é horrível…
— Sim. Demorei dois dias para ler tudo.
— Certo. Poderia me emprestar por um dia, então?
— Acha que consegue terminar em tão pouco tempo?
— Eu leio rápido, então até esta noite já terei terminado.
Fiquei tentado a mostrá-la apenas as partes mais importantes, mas havia uma
chance de ela perceber algo crucial nas passagens menos relevantes.
Provavelmente era melhor ser paciente.
— Sendo assim, vou descansar um pouco. Não tenho dormido muito
ultimamente.
— Certo. Volte à noite ou antes, se quiser.
— Obrigado, Nanahoshi.
Me levantei e saí do quarto. Assim que cheguei ao outro cômodo, senti um peso
sendo retirado dos meus ombros. Eu estava experimentando um alívio genuíno.
Achei isso um pouco estranho. Sempre confiei tanto em Nanahoshi?
Não, não era exatamente isso. Ela era a única pessoa com quem eu podia
conversar sobre tudo, até mesmo em relação às coisas que não podia contar
para Sylphie ou Roxy. Não me importava tanto com Nanahoshi a ponto de que
não senti necessidade de esconder verdades duras e dolorosas dela. Talvez
tenha sido isso que me permitia recorrer a sua ajuda para resolver problemas
como este.
Eu era uma pessoa bem fria às vezes, não é?
—…
Olhei pela janela do corredor e notei Ariel, Zanoba, Cliff, Sylphie e Perugius
discutindo sobre algo no pátio. Luke estava a uma distância respeitosa deles.
Sylphie se posicionou na frente de Ariel e estava falando com Perugis com a
cabeça erguida. Era difícil acreditar que um dia ela já foi aquela garotinha
tímida e intimidada da Vila Buena.
Ainda assim… de acordo com meu eu do futuro, Ariel não conseguiria obter
apoio de Perugis antes de voltar para seu lar em Asura, onde seria derrotada.
Sylphie a acompanharia… e todos morreriam. Acho que eu precisava ajudá-los.
Aceitei essa responsabilidade quando me casei com Sylphie.
Porém, deixaria isso para depois. No momento, minha maior prioridade era
lidar com o Deus-Homem.
Afastei-me da janela e voltei para o quarto que me deram, esperando poder
dormir algumas horas.
Ao acordar, notei que Sylphie estava deitada ao meu lado. Seu rosto sempre
ficava adorável quando dormia, e estava a apenas alguns centímetros do meu.
Isso fez meu coração bater forte.
Eu não me lembrava de ter ido para a cama com Sylphie. Ela deve ter entrado
em algum momento depois de eu já ter caído no sono. Talvez ela tenha tentado
me acordar. Talvez quisesse pedir meu conselho sobre como lidar com Perugis.
Me senti um pouco culpado por não estar disponível.
Levantei gentilmente o braço dela da minha cintura, dei um tapinha em sua
cabeça, e então saí da cama.
— Hmm… Rudy… me dê um beijo…
Às vezes, essa garota dizia coisas fofas enquanto dormia. Normalmente, isso
teria me deixado no clima para uma pequena diversão noturna, porém, estava
muito preocupado com pensamentos menos agradáveis no momento. Arrumei
minha cabeceira e saí do quarto o mais silenciosamente que pude.
As janelas do corredor revelavam um céu estrelado. Percebi que tinha dormido
até de noite. Enquanto caminhava pelo corredor, me perguntei futilmente se a
presença daquelas estrelas significava que este universo era parecido com o
meu antigo na escala cósmica.
— Posso saber aonde vai a esta hora?
— Gah!
Um homem mascarado me surpreendeu quando virei um cruzamento.
— … Uh, oi, Arumanfi.
— Como sabe, está bem tarde, então deixe-me repetir: para onde está indo a
esta hora?
— Eu ia ver Nanahoshi. Ela ainda está acordada?
— Creio que sim. Ela me pediu caneta e papel agora há pouco.
— Ah. Ótimo, obrigado…
Continuei meu caminho, meu coração estava batendo mais rápido do que o
normal. Os espíritos nunca dormiam, ou o quê? Eles não eram humanos, então
talvez não precisassem. Deve ser bom ter seguranças ativos vinte e quatro horas
por dia.
Uh, isso me lembra… Eles ouvem todas as conversas que acontecem neste
castelo, certo?
Então, presume-se que Perugis já saiba de tudo que discuti com Nanahoshi esta
tarde. Como ele não apareceu para discutir isso comigo, posso pressupor que
estava deliberadamente ficando fora disso por enquanto.
Porém, ele não era o único a me monitorar. O Deus-Homem também devia
estar assistindo.
Sentindo-me cada vez mais enervado, fiz meu caminho pelos silenciosos
corredores até o quarto de Nanahoshi. A luz escapava pelas frestas da porta,
então ela ainda estava acordada. Só por educação, bati antes de entrar.
— Quem está aí?
— Sou eu, Rudeus.
— Por que veio tão tarde? Sua esposa pode ter a ideia errada.
— Quer que eu volte amanhã, então?
— Não, não me importo com essas coisas. Entre.
Abri a porta e entrei. Nanahoshi ainda estava deitada na cama, mas havia folhas
de papel espalhadas por toda a parte.
— Nossa. Está um pouco bagunçado aqui.
— Bem, estou tentando interligar os fatos.
— Descobriu algo? — perguntei, pegando um pedaço de papel aleatório
enquanto me sentava na cadeira ao lado de sua cama.
— Não sou das mais otimistas, mas com base neste diário e no que você me
disse antes, consegui chegar a uma hipótese.
— Oh? Que tipo de hipótese?
— Há muitos anos, venho me perguntando o porquê de ter sido trazida aqui –
para este universo, este lugar e tempo em específico.
Isso tem algo a ver com o que estávamos discutindo? Não conseguia ver a
ligação, mas não faria mal ouvi-la.
— No começo, achava que não era só eu. Pensei que meu amigo tinha sido
trazido para cá, também.
—…
Eu deveria estar me perguntando o motivo de ela ter assumido isso? No
entanto, com base nas minhas lembranças da minha vida passada, já tinha uma
ideia. Na tentativa de salvar três estudantes do ensino médio que estavam
prestes a ser atropelados por um caminhão, empurrei um deles para um local
seguro, perdendo minha vida no processo. Nanahoshi e seu amigo não foram
mortos, mas ela ainda foi trazida para este mundo. Era entendível o porquê
pensou que seu amigo também poderia estar aqui. Eles estavam muito
próximos um do outro na hora do acontecimento.
— Mas não importava o quanto eu o procurava neste mundo, não consegui
encontrá-lo em lugar algum.
— Talvez ele tenha morrido logo após a chegada?
— Pensei nisso, mas por que ele teria morrido sendo que eu sobrevivi?
Foi por isso que viajou junto de Orsted? Ela esperava encontrar seu amigo?
Provavelmente tinha mais história por trás.
— Sim, acho que você está certa. Nada aconteceu comigo, também.
— Tem certeza disso?
— Hum…?
Agora fiquei confuso. Não me lembrava de estar em perigo quando criança. Na
Vila Buena, Paul e Zenith cuidavam de mim, e as coisas geralmente eram
pacíficas.
— Escute. Quando você me disse que seu eu do futuro chegou no passado sem
seus órgãos internos, me ocorreu que eu também poderia ter vindo do futuro.
— Espere, quê? Então, você acha que este é o mesmo universo em que
estávamos antes, e este é apenas o passado distante?
— Não, não estou dizendo nada disso. Desculpe, não sei como explicar…
Hmm. Lembra que a causa do Incidente de Deslocamento ainda não foi
descoberta?
— Não foi devido a um efeito colateral da sua chegada?
— Certo. Porém, teoricamente falando, o ato de teletransportar alguém para um
campo não deveria ter causado um desastre como aquele.
É verdade, mas ela foi trazida para cá de um mundo diferente. Esse fator deve
ter influenciado em algo, não?
— Não sei, Nanahoshi. Quando meu eu do futuro viajou de volta para cá, não
teve nenhum efeito colateral como esse.
— Na verdade, teve.
— O quê? Sério?
— Caso tenha esquecido, metade dos órgãos internos do cara estava faltando.
— Uh, sim…, mas… espere um segundo…
Então, de acordo com ela, o que havia “sumido” com os órgãos dele, também
causou o desaparecimento de todas aquelas pessoas durante o Incidente de
Deslocamento?
— Viajar cinquenta anos no tempo esgotou o suprimento de mana do seu eu do
futuro.
— Não completamente. Ele ainda era capaz de usar alguns feitiços.
— Mas ele ficava mais fraco toda vez que fazia isso, certo? Embora fosse um
mago incrivelmente poderoso, não se deu ao trabalho de curar suas feridas.
Nanahoshi deu um tapinha na capa do desgastado diário para enfatizar seu
ponto de vista.
— Agora, vamos supor que eu tenha sido trazida para cá de cem anos no
futuro. Presumivelmente, teria exigido ao menos o dobro de mana que você
possui.
Por alguma razão, Nanahoshi parecia muito convencida disso. Tive a sensação
de que ela poderia saber um pouco mais do que estava dizendo.
— Viajar cinquenta anos no tempo lhe custou parte do seu corpo. Para onde
foram estes órgãos, exatamente? Só foram deixados para trás no futuro?
Consideremos um retrocesso de cem anos. Nesse caso, você certamente não
sairia perdendo apenas alguns órgãos, então seu corpo inteiro ficaria para trás
em vez disso?
— Uh…
— Não parece certo, né? Imagino que você acabaria em outro local. No mesmo
lugar para onde esses órgãos desapareceram.
— E onde seria isso?
— Não faço ideia, estou frustrada por não saber. Porém, acho que tudo que
acontece faz parte de uma espécie de processo de equilíbrio. Afinal, a “mana”
deste mundo obedece à lei de conservação de energia.
Sério? Isso é novidade para mim…
— Não tenho evidências para apoiar minha hipótese…, mas imagino que
muitas pessoas desapareceram no Incidente de Deslocamento. Talvez milhares
ou até mesmo dezenas de milhares.
—…
— Agora me diga uma coisa. Logo após esse incidente, você notou algo de
errado com seu corpo? Talvez estivesse com pouca mana sem motivo aparente?
Após esse incidente, Eris e eu conhecemos Ruijerd, e fomos parar na cidade de
Rikarisu, onde trabalhamos como aventureiros. Não me lembrava de nada fora
do normal… Não, espere. Não me senti estranhamente lento naqueles primeiros
dias, enquanto caminhávamos para Rikarisu? Eu também estava me cansando
muito facilmente. Era uma sensação semelhante à perda de mana…
— Um segundo, Nanahoshi. Se está tão certa sobre isso, por que algumas
pessoas desapareceram e outras não?
— Com base no que o Deus-Homem lhe disse, eu especularia que tinha algo a
ver com… a força de seus destinos, ou algo do tipo. As leis da causalidade
podem ter protegido algumas pessoas mais do que outras.
— Quê? Agora você só está especulando?
— Toda essa teoria é especulativa. Eu disse que era apenas uma hipótese,
esqueceu?
Meu destino era forte, assim como o das mulheres da minha vida. Foi por isso
que Sylphie e Eris saíram do incidente sãs e salvas. Talvez valesse para a
minha família, também – isso explicaria o porquê da supervivência dos meus
pais e irmãs.
… Ou talvez eu só estivesse procurando explicações convenientes para uma
série de eventos aleatórios.
— Ok, então qual é o principal fator? Que você veio do futuro?
— Essa não é a questão. É mais que… Argh. Como posso explicar isso?
No momento, Nanahoshi estava praticamente arrancando os cabelos de
frustração. Ela parecia estar tendo muita dificuldade em transformar suas ideias
em palavras.
— Acho que, em algum momento no futuro, algo provocou… uma cadeia de
causalidade que levou à queda do Deus-Homem.
— Uma cadeia de causalidade?
— Sim, e para evitar que esse futuro se concretizasse, o Deus-Homem começou
a se intrometer em sua vida.
— Hum.
— Pense um pouco, por favor. Quando foi a primeira vez que o encontrou?
O primeiro sonho ocorreu logo após o Incidente de Deslocamento. Porém, na
época, o Deus-Homem disse que já estava de olho em mim há algum tempo,
mas ontem ele alegou que só havia me notado durante aquele desastre. Era tão
difícil descobrir a verdade dentre todas as suas mentiras…
— Se lembra de ter visto algo estranho no período anterior ao Incidente de
Deslocamento?
Antes do incidente? Uh… acho que sim, na verdade. Eu tinha visto aquele
estranha gema vermelha flutuando no céu do lado de fora da torre de sexo de
Sauros em Fittoa…
— Parece que pensou em algo. Consegue se lembrar de quando essa esquisitice
surgiu pela primeira vez?
Como eu deveria saber?
Não, espere… Sauros não disse algo sobre isso na época?
Vamos, vamos… você consegue… este corpo tem uma memória boa, não é?
Ele disse… “Encontrei isso há três anos”. É, suponho que tenha sido assim…
— Acho que foi quando eu tinha cinco anos. Talvez mais.
— Aconteceu alguma coisa com você nessa idade? Conheceu alguém
importante?
— Bem, acho que foi quando conheci Sylphie, mas é a única coisa que me vem
à mente…
De repente, algumas peças do quebra-cabeça se encaixaram.
Aos cinco anos, conheci Sylphie e nós nos aproximamos. Como resultado, Paul
me mandou para Fittoa, onde conheci Eris. No meu décimo aniversário, Eris e
eu éramos quase íntimos, e no dia seguinte ocorreu o Incidente de
Deslocamento. Logo após isso, o Deus-Homem entrou em contato comigo.
Foi nesse momento exato em que um futuro em que ele morreu foi criado?
— Originalmente, você não deveria existir neste mundo. Correto?
— Sim.
— Então, por que acha que reencarnou nele?
— E eu lá vou saber?
— Pessoalmente, acho que aconteceu por um motivo.
— Uh… que motivo?
— Alguém nos mandou para cá, Rudeus. Nós dois. Nos enviaram para esta era
como um meio de mudar o futuro.
— Quem faria isso?
— Alguém do futuro que queria muito ver o Deus-Homem morrer.
Isso estava começando a me dar dores de cabeça. Ela estava insinuando que
éramos todos marionetes, manipuladas por alguém que ainda nem
tinha nascido?
— Não vejo lógica nisso, Nanahoshi. O que está querendo dizer?
— Acho que eu e você somos elementos indispensáveis para a existência de um
mundo em que o Deus-Homem morre.
Bem, isso não esclareceu nada…
— É possível que esses seus descendentes tenham me invocado para criar
alguma arma ou ferramenta que precisavam para matar o Deus-Homem. E até
que eu faça minha parte, não posso retornar ao meu antigo mundo,
independentemente do quanto tente.
— Como isso faz algum sentido?
— Fui trazida para cá porque tenho que construir essa ferramenta algum dia.
Essencialmente, sou um paradoxo temporal ambulante.
Tudo bem. Vamos ver se consigo entender o que ela está querendo dizer.
O Deus-Homem ia morrer nas mãos de Orsted e meus descendentes, que
uniriam forças no futuro. Para que isso acontecesse, eu precisava ter filhos.
Desde o momento em que conheci Sylphie quando criança, nós estávamos
destinados a nos casar e ter um bebê. Provavelmente o mesmo valia para Roxy,
a julgar pelo interesse do Deus-Homem nela. Talvez até se aplicasse a Eris, já
que o Incidente de Deslocamento ocorreu logo depois de quase fazermos
algumas coisas indecentes.
No futuro em que minha família foi exterminada, o Deus-Homem saiu
vitorioso. Porém, também não era o suficiente para que meus descendentes se
unissem a Orsted. Eles provavelmente precisavam de algo a mais – algo que
Nanahoshi criaria algum dia. Foi por esse motivo que ela foi invocada para cá,
dez anos depois de mim.
Em outras palavras, não fomos apenas invocados, mas também enviados de
volta no tempo.
Talvez alguém tivesse feito isso intencionalmente. Talvez fosse algum estranho
subproduto dos princípios da causalidade. Não tínhamos como saber. Porém,
caso a hipótese de Nanahoshi estivesse correta, chegamos a este mundo como
resultado das ações tomadas por alguém no futuro.
Isso significava que esses eventos aconteceram antes de virmos para cá? O
futuro vem antes do passado? A galinha veio antes do ovo? Ah, que seja.
— Tudo bem. Acho que entendi sua hipótese.
— Fico feliz. Desculpe, não sou muito boa em explicar essas coisas.
Era uma teoria interessante, sem dúvida. Porém, não muito reconfortante.
— Ou seja, o Deus-Homem provavelmente estava dizendo a verdade. Meus
descendentes realmente se unirão a Orsted para matá-lo algum dia.
— A meu ver, sim.
— Tudo bem, então. Vamos voltar ao assunto principal.
— E qual seria?
— Como vou matar Orsted.
— Oh…
Nanahoshi franziu a testa e ficou em silêncio.
— Mesmo que sua teoria esteja correta, o Deus-Homem está tentando evitar
esse futuro, e ele conseguiu pelo menos uma vez. O “destino” pode ser um
fator, mas o futuro ainda pode mudar.
— Eu só não acho que essa seja uma boa ideia, Rudeus. Seria melhor conversar
com Orsted e tentar encontrar algum…
— Pare, Nanahoshi. Pelo que sei, o Deus-Homem pode estar ouvindo esta
conversa agora.
Mordendo os lábios, Nanahoshi olhou para o teto.
Desculpe, direção errada. O mundo estéril está abaixo de nós.
— Esse lance de destino é um conceito abstrato. Não posso vê-lo, nem contar
com ele. Meu destino pode ser forte, mas isso não protegeu meu pai e minha
mãe. Não estou dizendo que o Deus-Homem fará alguma coisa contra mim
neste instante, mas ele pode ver o futuro. Se perceber que vou traí-lo, posso
voltar para casa e encontrar Aisha morta, ou ele poderia armar alguma tragédia
para acontecer daqui alguns anos.
— Mas o Deus-Homem não pode manipular a todos, certo?
— Eu não teria tanta certeza sobre isso se fosse você. Quem sabe exatamente
do que ele é capaz? Não me surpreenderia caso estivesse limitando seus
próprios poderes.
— Acho que você está certo.
— E de qualquer forma, não é como se Orsted tivesse chance de vencê-lo, no
momento. Assumindo que o Deus-Homem não está mentindo, ele precisa dos
meus descendentes para ajudá-lo, caso contrário, falhará.
— Sim, é verdade. Presumindo que o Deus-Homem não esteja mentindo.
— Tenho que proteger a minha família. O Deus-Homem é quem está tentando
matá-los, mas não tenho como lutar contra ele. Pelo menos, Orsted está em
algum lugar deste planeta. Não sei onde, mas há ao menos uma chance de
encontrá-lo.
— Não há garantia de que o Deus-Homem cumprirá com sua palavra.
— Orsted é o Deus-Dragão. Com base no meu diário, ele provavelmente é o
único que conhece a arte secreta para chegar no mundo estéril. Se eu o matar,
esse conhecimento será perdido. O Deus-Homem não terá nenhuma razão para
vir atrás da minha família.
— Sabe, mesmo que Orsted morra, há uma chance de seus descendentes
encontrarem um caminho para lá por conta própria…
— O que diabos devo fazer, então?
Minhas palavras saíram mais alto do que eu esperava. Não queria gritar com
ela. Nanashi se encolheu, mas continuou com seu argumento de qualquer
maneira.
— Como eu disse, fale com Orsted. Ele pode ser capaz de ajudá-lo a sair dessa.
— Acha que não pensei nisso?! Entenda, se eu unisse forças com Orsted,
estaria me tornando um inimigo jurado do Deus-Homem. Você sabe o que
acontecerá caso eu tente lutar contra ele sozinho? Olhe para esse diário! Não
tenho chance. Desta vez eu teria Orsted ao meu lado, mas o que isso muda? Ele
também não pode vencer! A única razão pela qual ele teve uma chance foi por
causa de mim que baguncei a ordem das coisas, certo? Esse era o motivo pelo
qual o Deus-Homem está vindo atrás de mim! Orsted está lutando uma batalha
perdida – acha que ele terá tempo e disposição para ajudar a proteger toda a
minha família? Ele é tão poderoso assim? Quer que eu me torne um inimigo do
Deus-Homem antes mesmo de saber…
— Mas…, mas Orsted é mais confiável do que o Deus Homem.
— Como posso ter certeza disso? Aparentemente, ele está tentando destruir o
mundo. Quero dizer, não estou dizendo que acredito completamente nisso…,
mas veja, o Deus-Homem estava me enganando. Fingiu estar me ajudando por
anos e anos, e se Orsted fez o mesmo com você?
— Bem… não posso negar que é possível.
Fiz uma pausa para analisar o rosto de Nanahoshi. Havia uma pitada de medo
em seus olhos.
— Não confio no Deus-Homem — eu disse calmamente. — Mas também não
posso confiar em Orsted.
Tinha ciência do quão impotente eu realmente era. Acreditava no que meu eu
do futuro havia me dito – que não tinha chance contra o Deus-Homem. Eu
podia me imaginar, em detalhes vívidos, seguindo os passos daquele velho.
Podia me ver perdendo tudo que me importava e tendo uma morte miserável.
Também foi difícil para mim ser otimista em relação à luta contra Orsted. O
único resultado que conseguia imaginar era uma derrota feia e brutal. Porém, o
Deus-Homem disse que meu destino era forte. Talvez ele tenha visto um futuro
no qual eu poderia vencer essa luta, de alguma forma.
Essa era a minha última fagulha de esperança.
— Ouça, Nanahoshi. Meu eu do futuro me disse para te consultar. Acho que
isso significa que você conhece alguma maneira de entrar em contato com
Orsted.
— Sim…
— Me ajude, por favor. Preciso matá-lo.
— Mas… eu… ele fez tanto por mim…
Os olhos de Nanahoshi se desviaram dos meus. Ela claramente estava
perturbada. Orsted foi a primeira pessoa que conheceu após sua chegada a este
mundo. Ele provavelmente salvou sua vida várias vezes, assim como Ruijerd
me salvou quando eu estava preso no Continente Demônio. Era difícil trair
alguém a quem você devia tanto. Eu provavelmente também não teria feito
isso. Não trairia Ruijerd, mesmo que custasse minha vida.
Eu sabia o que Nanahoshi estava sentindo e, normalmente, não a pediria isso
pelo bem do nosso relacionamento. Porém, não ia recuar desta vez.
Simplesmente não era uma opção.
— Ouça-me por um minuto, Nanahoshi Shizuka.
—…
— Antes de vir para este mundo, eu era um completo desperdício de oxigênio.
Não sei qual a sua visão de mim hoje em dia…, mas na minha vida anterior, eu
era alguém que você teria desprezado, e com razão.
—…
— Porém, eu reencarnei neste mundo e fiz um novo começo. Errei muitas
vezes, e isso às vezes me custou caro, mas aprendi com essas experiências.
Agora, tenho uma família que significa tudo para mim.
— Eu só quero mantê-los seguros.
Saí do meu lugar. Pedir algo sentado em uma cadeira não era o jeito certo de
implorar a alguém. Havia uma maneira adequada de fazer esse tipo de coisa.
Fiquei de joelhos e coloquei as mãos no chão. Pressionei minha testa contra o
solo e me curvei o máximo possível.
— Por favor, estou te implorando. Me ajude.
Os pisos da fortaleza flutuante eram frios e duros.
— Até onde sei, o Deus-Homem pode mudar de ideia amanhã. Não quero
perder tempo. Não quero voltar para casa um dia e encontrar a minha família
morta no chão…
— O que está fazendo? Pare com isso!
— Não quero perder nenhum deles. Por favor.
Nanahoshi se levantou da cama, agarrou meu ombro e puxou com força minha
cabeça do chão.
— Certo… certo, eu vou te ajudar. Só pare… de fazer isso.
Exaustão e tristeza estavam estampados em seu rosto. Senti uma pequena
pontada de culpa. Porém, ao mesmo tempo, uma parte dentro de mim estava
dançando de alegria. Às vezes, eu meio que me odeio.
— Obrigado. Muito obrigado mesmo.
Talvez eu estivesse cometendo um grande erro.
Mas honestamente, que escolha eu tinha?
Capítulo 5: Uma Carta de Longe

O Santuário da Espada, no extremo oeste dos Territórios do Norte, era um lugar


onde o ar ressoava com fervorosos gritos de guerra e o som de espadas de
madeira. Mesmo nas ruas, a maioria das pessoas usava uniformes de artes
marciais ou algo semelhante, e carregavam espadas de treino e toalhas de mão.
Às vezes, era possível ver um visitante com roupas de espadachim, mas aqueles
que optavam por ficar por um período prolongado geralmente adotavam roupas
feitas especificamente para treinamento.
Na parte de trás desta pequena cidade havia um vasto campo nevado que levava
a um grande salão de treinamento. Hoje, uma mulher com roupas de
espadachim estava naquele campo, perto da entrada daquele salão. Sua camisa
simples e calça preta foram claramente escolhidas para maior mobilidade. Por
cima destes, usava um sobretudo tradicional, concedido aos Santos Da Espada
do Estilo Deus da Espada. Havia duas espadas em sua cintura; mesmo à
distância, a mais longa delas era distinguível como a obra de um verdadeiro
mestre.
Apenas pela qualidade de sua arma, era evidente que era uma aluna de alto
nível do Estilo Deus da Espada, e uma das poucas que alcançaram o rank de
Rei da Espada. Sua aparência intimidante, combinada com seus longos e
brilhantes cabelos ruivos, lembrava um leão. Nove em cada dez pessoas que a
viam na rua teriam imediatamente saído de seu caminho por instinto.
Ela era a Rei da Espada Berseker, e seu nome era Eris Greyrat.
Porém, no momento, estava olhando para sua roupa imponente com uma
expressão um pouco ansiosa.
— Ei, Nina… tem certeza de que pareço bem?
— Sim, sim. Você está mais do que bem, está maravilhosa. Confia em mim.
De pé em frente a esse leão de juba vermelha, estava uma jovem vestida com
um uniforme de artes marciais, de cabelo preso e de cor azul escuro. Seu nome
era Nina Falion, e pelo tom de sua voz, estava começando a ficar um pouco
exasperada com sua rival.
— Estou falando sério, Eris, a roupa é perfeita. Você é a imagem ideal de um
Rei da Espada.
— Mas o Rudeus costumava dizer que preferia minhas roupas com babados.
— Ah, pelo amor de Deus…
Sem paciência, Nina soltou um suspiro e continuou a conversa da melhor
maneira que pôde.
— Eris, como exatamente espera que eu saiba dos gostos do seu namorado?
— Oh. Verdade, acho que você não…
— Poderia, por favor, parar de me olhar com pena? Sabe, o Gino e eu… Ugh,
esquece!
Com um aceno firme de cabeça, Nina apontou o dedo para Eris.
— Olha, não é como se você fosse encontrar roupas elegantes por aqui. Se
lembra de onde estamos, não é? Se realmente quer uma roupa com babados,
basta comprar uma na cidade.
— Acho que está certa. — disse Eris, acenando um pouco com a cabeça.
Aparentemente, o assunto havia sido resolvido. Porém, esta era a quinta vez
hoje que tiveram basicamente essa mesma conversa.
— De qualquer forma, não sei o porquê de estar tão obcecada com sua roupa
agora. Não importa o quão rápido viaje, será um bom mês na estrada antes de
chegar à Sharia.
—…
— Eu me preocuparia menos com as roupas e mais em garantir que esteja
limpa e apresentável quando o vir. Certifique-se de tomar um banho, pentear o
cabelo e passar um pouco de perfume… Uh, você sabe que os homens não
gostam de mulheres fedorentas, né?
— O Rudeus gosta. Ele parecia nunca se importar quando eu ficava toda suada.
— Bem, acho que a pessoa tem que ser muito compreensiva para te
achar atraente…
— Na verdade, até o vi cheirando minha calcinha velha e suada algumas vezes.
Ele parecia estar gostando.
— Quê? O cara é um pervertido!
Eris franziu ligeiramente a testa para esta observação.
— Rudeus não é um pervertido. Ele só é um pouco… indecente.
— Ele estava gozando com o seu odor corporal, Eris! Essa é a definição de um
pervertido!
—…
Eris levou o nariz até a axila e cheirou para checar a situação. Suas roupas eram
novas e ela tomou um banho em preparação para a viagem. Tudo o que podia
sentir era o cheiro fraco de sabão.
— Ele não é um pervertido.
— Se você diz… Desculpe, acho que exagerei.
As duas ficaram em silêncio por um tempo. De vez em quando, o vento frio do
campo tranquilo e nevado soprava em seus cabelos.
— Ghislaine está demorando — murmurou Eris.
— Acho que os alunos devem estar brigando entre si para decidir quem vai vir.
Eris assentiu vagamente.
— Talvez.
— Sabe, Eris, de vez em quando ouço alguns rumores do seu namorado.
— Que tipo de rumores?
— Dizem que Rudeus Greyrat pode esbugalhar os olhos voluntariamente.
— Não duvido nada!
— Além disso, parece que ele gosta de garotas sem peito.
Nina olhou para Eris enquanto falava essas palavras. Eris olhou para si mesma,
também. Era raro a palavra “voluptuosa” ser aplicada a uma espadachim, mas
em seu caso, não podia ser mais adequada.
— Isso não será problema.
A voz de Eris soava confiante, mas seu rosto parecia um pouco mais pálido do
que antes.
— Vamos ver, o que mais…? Dizem que ele conquistou um labirinto lendário,
derrotou um Rei Demônio Imortal e lutou bravamente contra um dos Sete
Grandes Poderes.
— Tá falando sério? Esse é o Rudeus que conheço. Não esperaria menos.
Ao ouvir isso, suas bochechas voltaram à cor rosada natural. Eris ficou feliz em
saber que Rudeus estava se esforçando para ficar mais forte, assim como ela.
— O cara é ridiculamente forte, tenho que admitir. Normalmente, eu não teria
acreditado em nem uma palavra desses rumores.
Eris se encheu de orgulho e disse com confiança:
— Eu sei! Ele é incrível!
— Porém, também há alguns… rumores mais obscuros por aí.
— Como assim?
— Dizem que ele é um playboy notório que sai com uma garota diferente a
cada dois dias.
Com essas palavras, o sorriso de Eris enrijeceu de repente.
— Ah, e parece que abusa de sua própria força para conseguir o que quer…
—…
— Olha, Eris, isso é apenas uma possibilidade — Nina fez uma pausa, e então
continuou com a voz baixa. — Mas talvez ele nem se lembre mais de você?
Assim que essas palavras saíram de seus lábios, Nina levantou a mão esquerda
para proteger o rosto e, após uma fração de segundo, o punho de Eris bateu em
sua palma.
—…
Embora tenha conseguido bloquear o soco, a fúria do olhar de Eris era demais
para Nina suportar, que desviou os olhos sem jeito.
— É só um rumor.
Eris abaixou o punho e cruzou os braços. Endireitou a postura e estufou o peito,
fez um sorriso distorcido e, zangada, virou a cabeça.
—…
— Ei, olha. Ghislaine finalmente chegou.
Quatro cavalos estavam se aproximando lentamente da direção em que Eris
havia olhado. Uma mulher Besta os conduzia. Esta era a Rei da Espada
Ghislaine Dedoldia. Embora tivesse quase quarenta anos de idade, seu corpo
estava tão definido e musculoso como sempre.
Ghislaine conduzia dois dos cavalos pelas rédeas. Um pouco atrás estava uma
bela e jovem mulher que liderava as outras duas. Enquanto usava roupas
simples de viajantes, seus longos cabelos sedosos e rosto bem torneado eram
mais do que o suficiente para encantar todos que a viam. Esta era a Rei da
Água, Isolde Cluel. A Deusa da Água, Reida Lia, estava montada em um dos
cavalos que conduzia.
— Desculpe a demora — Ghislaine entregou a Eris as rédeas de um cavalo
carregado de bagagens. — Vocês duas estavam brigando de novo?
— Foi culpa da Nina — Eris respondeu mal-humorada e fazendo beicinho.
Nina só deu de ombros.
— Entendo — Ghislaine murmurou, com um sorriso sincero estampado em seu
rosto.
— Não parece uma despedida — veio uma voz de cima. — Gall nem se deu ao
trabalho de sair da cama?
A velha a cavalo, facilmente a pessoa mais formidável deste imponente grupo,
olhava para trás na direção do salão com uma expressão irritada.
— Eu não assumiria nada disso, Mestra Reida. Receio que o Deus da Espada
seja um pouco fraco com bebidas.
— O quê? Acha que ele está de ressaca da noite passada? Minha nossa. O
homem deveria conhecer os limites de sua idade… Sabe, Nina, essa pode ser
uma oportunidade de ouro. Por que não o desafia para um duelo?
Nina sorriu sem jeito com a provocação da velha.
— Acho que vou ter que me abster. Pretendo me tornar a Deus da Espada de
uma maneira um pouco mais esportiva.
— Ah, você é uma coisinha tão séria. Não se preocupe, querida, você vai
superar esse velho rabugento em pouco tempo. Apenas continue fazendo o que
está fazendo! Embora talvez queira ficar de olho naqueles abaixo de ti.
— Abaixo de mim? Bem, em todo caso, me esforçarei ao máximo para fazer
bom uso de tudo que me ensinou.
Nina inclinou a cabeça respeitosamente para Reida, então se virou para Isolde.
— Posso perguntar para onde planejam ir? Vocês acompanharão Eris durante
parte do caminho, certo?
— Isso mesmo — respondeu Isolde. — Estamos voltando ao Reino de Asura.
Fui convidada para ser a instrutora de esgrima do palácio real.
— Ah, entendo. Vai ficar um pouco solitário por aqui sem você…
Isolde sorriu gentilmente com as palavras de Nina.
— Não se esqueça de me fazer uma visita caso chegue no reino. Vou lhe
mostrar a capital.
— Não, obrigada — disse Nina, coçando o nariz timidamente. — Se uma
garota do interior como eu fosse para Asura, tenho certeza que todos os
habitantes chiques da cidade apenas apontariam e ririam de mim.
Eris bufou com desdém.
— Hmph. Se alguém rir de nós, podemos cortá-lo ao meio.
Por mais alarmantes que essas palavras fossem, graças a elas Nina riu baixinho
ao se lembrar da identidade das três em sua frente. Tirar sarro de uma Santo da
Espada, de uma Rei da Espada ou uma Rei da Água, realmente não era a
melhor das ideias. Para tal, a pessoa teria que ser um combatente
verdadeiramente formidável, ou um tolo completo e sem limites.
— Tudo bem, então. Eris, vamos indo?
— Sim! Vamos lá!
Isolde sorriu com a resposta energética de Eris e subiu em seu cavalo. Eris fez o
mesmo, montando tão rudemente em seu animal, que fez com que ele se
sacudisse em desagrado. Ela deu um tapa em seu pescoço, rapidamente
acalmando-o.
— Boa sorte a todos — Nina desejou, surpresa ao descobrir que havia lágrimas
em seus olhos.
Desde a chegada de Eris aqui, seus pensamentos mudaram bastante conforme o
passar dos anos. O primeiro encontro delas foi horrível. Nina foi humilhada, e
Eris a submeteu a muitos outros constrangimentos um seguido do outro. Porém,
a frustração desses fracassos levou Nina a melhorar. E quando Isolde chegou,
suas palavras gentis e conselhos sensatos também foram de grande ajuda. Se
não fosse por elas, Nina sem dúvida ainda estaria estagnada no rank de Santo
da Espada. Poderia nunca ter ascendido ao reino dos Reis da Espada. Em outras
palavras, ela lhes devia…
— Ei, povo! Tenho uma entrega para vocês! Se importariam de assinar?
As reflexões melodramáticas de Nina foram abruptamente interrompidas por
uma voz alegre e despreocupada. Tentando conter sua irritação, ela se virou em
sua direção.
Um homem de aparência meio estúpida com um casaco grosso de inverno
estava parado na neve, próximo a elas, soprando nuvens brancas de vapor a
cada respiração. Parecia que ele não tinha absolutamente nenhuma ideia de
quem elas eram. Em vez de esperar que respondessem, ele enfiou a mão na
bolsa e pegou o envelope.
— Oh, céus… É de quem?
— Err… Parece que está endereçado à senhorita Eris Boreas Greyrat.
Eris franziu a testa desconfiada, mas as próximas palavras do homem fizeram
seus olhos se arregalarem.
— É de um Senhor Rudeus Greyrat.
— Rudeus?!
Eris instantaneamente pulou do cavalo e arrancou o envelope da mão do
homem. No entanto, quando estava prestes a rasgá-lo, ele agarrou-a
apressadamente pelo ombro.
— Ei, espere um segundo aí. Preciso que você assine, ou não me pagarão pela
entrega…
— Tá! Onde eu assino?
— Ah, claro. Espere só um momento, por favor…
O homem enfiou a mão na bolsa e tirou uma caneta e algum tipo de formulário,
e entregou-os para Eris. Ela parou por alguns segundos, claramente tentando
lembrar as letras de seu nome, então escreveu-as na forma de um rabisco quase
incompreensível.
O homem analisou esses caracteres por um longo momento e acabou
conseguindo identificar a palavra Eris.
— Certo. Muito obrigado… Cara, queria muito que todos os trabalhos
pagassem esse tanto…
Ele colocou o recibo de volta em sua bolsa e fez seu caminho de volta em alto
astral. Eris mal olhou para ele enquanto mexia no envelope. Ela estava prestes a
rasgá-lo, mas então viu as palavras “Senhorita Eris Boreas Greyrat” na frente,
no que era claramente a caligrafia de Rudeus.
Heh. Ele devia estar com muita pressa! Não uso o nome Boreas há anos… Oh,
espere. Talvez ele não saiba disso?
Ela virou o envelope e leu o nome escrito no verso: “Rudeus Greyrat. Sua
caligrafia não mudou nada. As letras eram cuidadosamente moldadas, mas
sempre pareciam um pouco tortas. Há muito tempo, ela passava horas todos os
dias olhando para essa caligrafia enquanto Rudeus tentava ensiná-la a ler. A
lembrança a fez sorrir.
Para preservar o envelope da melhor forma possível, Eris decidiu abri-lo pela
parte superior com as unhas. Sua primeira tentativa falhou. Assim como a
segunda. Depois de sua terceira tentativa, ela pegou uma das espadas em sua
cintura. Jogou a carta no ar e desembainhou sua lâmina.
— Hah!
De alguma forma, em vez de partir o envelope ao meio, sua espada cortou uma
pequena lasca da parte de cima. Eris pegou os dois pedaços quando caíram,
jogou fora o menor e finalmente tirou a carta. Com um olhar ansioso em seu
rosto, começou a lê-la. Rapidamente, sua expressão animada deu lugar a uma
profunda irritação.
— Uhh, Eris? — Nina perguntou com cuidado. — O que está escrito?
Eris não respondeu. Ela ainda estava olhando ferozmente para o pedaço de
papel em suas mãos.
— Eris? Está me ouvindo?
— Ah, cale a boca! Eu não reconheço algumas dessas palavras, tá? Por isso
estou demorando um pouco para ler!
— Ah. Entendo…
— Leia para mim, Nina!
— Quê? Uh, eu não sei ler.
— Sério?! Isso vai te causar problemas no futuro.
— E quem você pensa que é para me dar sermão sobre isso? Você também não
sabe ler!
Quando as duas começaram a brigar, Isolde suspirou e desceu do cavalo.
— Acalmem-se, vocês duas. Deixa que eu leio.
— Ah, tudo bem — disse Eris, entregando a carta. — Obrigada.
Isolde começou a lê-la devagar e com atenção. No início, sua expressão era
neutra, mas com o passar do tempo, tornava-se cada vez mais tempestuosa. E
quando terminou, gritou com uma voz cheia de raiva.
— Qual é o problema desse cara?!
— Hã? — disse Eris nervosamente. — O quê? O que está escrito?
— Oh, Eris… Você esteve treinando tão duro todos esses anos por ele? Que
pobre coitada. Santo Millis, tenha pena dessa garota…
Isolde cruzou as mãos e olhou suplicante aos céus por um momento, então
olhou cheia de simpatia para Eris.
— Eris, você realmente deveria esquecer tudo sobre esse homem. Por que não
vem comigo para Asura, em vez disso? Seria um desperdício te entregar a um
canalha como este.
— Dá para me dizer o que está escrito na carta?! — sibilou Eris, pegando a
espada em sua cintura. — Ou quer que eu te corte ao meio?!
— Muito bem, então. Aqui vou eu.
Limpando a garganta, Isolde começou a ler a carta com uma voz que soava
clara indignação.
“Querida Senhorita Eris…
Já faz um tempo, não? Aqui é Rudeus Greyrat.
De alguma forma, parece que cinco anos se passaram desde que nos separamos.
Ainda se lembra de mim? Espero que sim. Sei que eu não te esqueci, ou o
tempo que passamos na companhia um do outro.
Durante nossa primeira noite juntos, jurei a mim mesmo que ficaria com você
para todo o sempre. Pretendia ficar ao seu lado pelos restos dos meus dias, te
apoiando contra todas as adversidades.
Mas quando acordei de manhã, encontrei-me sozinho na cama. Você já tinha
partido.
Devastado pelo seu desaparecimento, mergulhei em uma profunda depressão.
Os próximos três anos da minha vida foram amargos e solitários. Nada do que
eu fazia parecia significativo. Senti como se estivesse vagando por um denso
nevoeiro.
Claro, não te culpo por nada disso agora. Porém, espero que possa entender o
quão miserável estava naquela época. Quanto ao motivo pelo qual estou lhe
escrevendo essa carta, bem… digamos que alguém recentemente me falou
sobre você.
Até agora, estava convencido de que havia me abandonado para viajar pelo
mundo sozinha. No entanto, esse indivíduo alegou que eu tinha entendido mal
seus sentimentos – que você nunca parou de se importar comigo ou pensar em
mim.
Tenho duas esposas agora.
Ambas me resgataram do desespero em momentos em que poderia ter me
perdido completamente. Embora possa ter interpretado mal suas ações, isso não
amenizou minha dor. E elas estavam lá para mim quando eu mais precisava.
Porém, se é verdade que seu coração permanece inalterado – se realmente quer
se reunir comigo e passar sua vida comigo – estou pronto para aceitar seus
sentimentos. Não tenho intenção de me separar das minhas duas esposas, então
você se tornaria a minha terceira.
Entendo que possa achar a proposta inaceitável, ou talvez até mesmo
revoltante. Se for assim, você tem todo o direito de me socar para se sentir
melhor. No entanto, agradeceria se desse apenas dois ou três golpes.
Claro, torço para que não chegue a isso. Mesmo que não esteja disposta a se
juntar à minha família, espero que possamos pelo menos nos tornar bons
amigos.
Com toda a sinceridade,
Rudeus Greyrat.”
—…
Eris não estava dizendo nada. Também não estava se mexendo. Aos olhos de
todos, ela havia se transformado em uma pedra.
Isolde deu uma olhada nela e prontamente retomou seu discurso anterior.
— Bem, aí está. Ele não é horrível? Ter duas esposas já é ruim o suficiente, e
agora ele está casualmente oferecendo torná-la a número três! O homem
claramente não tem nenhum respeito pelas mulheres!
— Não sei — disse Nina, olhando para a carta com uma expressão pensativa.
— Parecia que ele estava se esforçando muito para ser atencioso…
— Atencioso?! É a primeira carta que ele escreve para ela há anos, e não se deu
ao trabalho de dizer eu te amo! Parece pensar que estaria fazendo um favor
permitindo-a que se casasse com ele! Não, me desculpe. Não gosto nem um
pouco desse Rudeus Greyrat!
— Olha, ele pensou que a Eris tinha rompido a relação, certo? E passou três
anos inteiros deprimido por causa disso! Não é parcialmente culpa dela por sair
desse jeito?
— Oh, por favor! Ele provavelmente inventou tudo isso para fazê-la se sentir
culpada. Ele só a quer porque ela é uma mestra espadachim com um belo
corpo!
— Uhhh… eu não teria tanta certeza sobre isso. Você realmente arriscaria
manter Eris por perto apenas para ter uma guarda-costas sexy…?
Nina estava pensando seriamente no assunto. Isolde estava gritando
loucamente. Eris, por sua vez, com os braços ainda cruzados, estava olhando
para os céus, mas ao mesmo tempo, não via nada. O céu acima era azul, mas
sua mente se tornou um vazio puramente branco.
— Huh? Ah, tem mais um pedaço de papel aqui…
Foi nesse momento que Isolde percebeu que ainda não havia lido a carta inteira.
Recuperando a última folha de papel, ela começou a ler.
— Vamos ver… Ahem.
P.S:
Enquanto escrevo estas palavras, estou me preparando para lutar contra o Deus
Dragão Orsted até a morte. Não faço ideia se conseguirei ganhar. É possível
que eu nem esteja vivo quando esta carta chegar até você. Mas se eu conseguir
voltar vivo, vamos conversar sobre as coisas.
Quando terminou de ler essas palavras, o rosto de Isolde estava visivelmente
rígido, assim como o de Nina. Sua expressão era de medo e admiração. A mera
ideia de desafiar o Deus Dragão para um duelo tinha arrepiado sua espinha.
Porém, no rosto de Eris, e somente no dela, havia um sorriso. Seus olhos
estavam vivos novamente – queimando de paixão e determinação.
— Certo! — ela gritou, pulando de volta em seu cavalo. — Temos que nos
apressar para chegar lá a tempo! Vamos indo, Ghislaine!
Após dizer isso, partiu com seu cavalo; a corrida dele pela planície levantava
um pouco de neve a cada passo e Ghislaine logo apressou o seu para fazer o
mesmo. Em questão de segundos, já haviam atropelado o mensageiro, jogando-
o para o lado, e desaparecido no horizonte.
Nina e Isolde ficaram paradas olhando para elas, atordoadas demais para sequer
piscar.
Capítulo 6: Preparações

Um mês se passou desde minha conversa com o Deus-Homem. Passei todos os


dias seguintes trabalhando em meus preparativos para a batalha com Orsted.
Matá-lo não seria fácil, para dizer o mínimo. Ele era a pessoa mais forte do
mundo, o que significava, é claro, que era muito mais poderoso do que figuras
formidáveis como Atofe, Perugius e Ruijerd. E não consegui derrotar nenhum
desses três. Em uma luta justa, minhas chances contra Orsted eram menores
que zero.
Com isso em mente, elaborei três prioridades.
Primeira: precisava criar a Armadura Mágica.
Segunda: queria garantir alguns aliados.
Terceira: tinha que encontrar uma estratégia que pudesse funcionar.
Em primeiro lugar estava o projeto da Armadura Mágica.
Baseado no que li naquele diário, uma vez que a tivesse, poderia exercer poder
físico comparável ao dos Sete Grandes Poderes. Meu eu do futuro ficou
ridiculamente mais forte depois de criá-la. Parecia algo essencial.
A primeira coisa que fiz foi comprar uma pequena cabana nos arredores da
cidade de Sharia. Inicialmente esperava construir a coisa na fortaleza flutuante
de Perugius, mas ele não permitiu. (Vou explicar o porquê mais tarde.)
Recorri a Cliff e Zanoba para obter ajuda com o projeto. Os dois imediatamente
concordaram em ajudar sem me pressionar por uma explicação detalhada. Eu
queria que Cliff criasse um sistema de controle baseado na Prótese Zaliff e que
Zanoba projetasse o escudo blindado e seus mecanismos de propulsão. Quando
expliquei o conceito geral da Armadura Mágica, os olhos de ambos brilharam
de excitação. Não demorou muito para entenderem o que eu tinha em mente.
Trajes de combate não eram grande coisa por aqui, mas acho que garotos são
garotos em qualquer lugar que você vá.
Uma vez que Cliff e Zanoba estavam a bordo, pedi ajuda a Sylphie e Roxy
também. Roxy atuou como diretora geral e supervisora do projeto. Poderia ter
desempenhado esse papel sozinho, mas eu era a única pessoa capaz de criar e
modificar as placas ultra-duras de rocha que serviriam como a real armadura
daquela coisa. Era um trabalho que demandava muito tempo e mana. Não tinha
tempo para me preocupar com mais do que isso.
Sylphie era capaz de lançar feitiços sem canto de magia de Terra. Além disso,
sua pesquisa sobre o Incidente de Deslocamento a deixou com um
conhecimento incomum sobre círculos mágicos. A garota era muito inteligente
e talentosa no geral, por falar nisso. Como ela podia lidar com quase qualquer
tarefa, eu a queria como assistente de Roxy, correndo para ajudar onde fosse
mais necessária.
Quando pedi ajuda, ela disse: “Claro! Estou nessa!” com um grande sorriso no
rosto. Parecia a primeira vez em muito tempo que a via tão feliz, na verdade.
Ela provavelmente estava mantendo alguns pensamentos nada felizes para si
mesma recentemente e isso me fez sentir mais do que um pouco culpado.
Uma vez que o projeto da Armadura Mágica começou, comecei a gastar algum
tempo na segunda prioridade: encontrar aliados.
Meu plano inicial era enfrentar Orsted sozinho, mas sabia o quão impotente eu
era comparado a ele. Não tinha os longos anos de experiência em combate do
meu eu do futuro, nem seu conhecimento de magia.
Infelizmente, não rastreei ninguém que parecesse capaz de igualar as
probabilidades. Badigadi estava longe de ser encontrado, assim como Ruijerd.
Perugius, sem surpresa, recusou. Suas razões para isso também não eram
exatamente reconfortantes…
— Existem três pessoas neste mundo que você nunca deve tentar lutar: o Deus
da Técnica, o Deus Lutador e o Deus Dragão. Mesmo entre esses três, Orsted é
particularmente poderoso e implacável. Sua determinação em proteger sua
família é admirável e eu adoraria fazer algumas perguntas a ele sobre o Deus-
Homem… mas ficarei fora disso. Prefiro não morrer antes que Laplace retorne,
entende?!
Eu estava otimista sobre minhas chances de convencê-lo a ajudar, mas
simplesmente não funcionou dessa maneira. Pelo menos ele também não estava
ativamente tentando me impedir. Teria que tomar isso como uma vitória.
Além de Perugius, não consegui localizar mais ninguém que parecesse capaz de
enfrentar Orsted. Zanoba era incrivelmente forte e altamente resistente a danos
físicos, então considerei brevemente trazê-lo… mas Atofe foi capaz de
danificá-lo com seus ataques, apesar de sua “bênção”. Tive de assumir que o
mesmo valeria para Orsted. A última coisa que queria era matar Zanoba. Ele
era meu melhor amigo.
Claro, também não queria ver Cliff ou Elinalise morrerem. Quanto mais
pensava sobre isso, menos queria arrastar mais alguém para essa luta.
Considerei Eris por um momento, no entanto era difícil adivinhar exatamente
quando ela chegaria aqui. Com base nesse diário, ela provavelmente era ainda
mais poderosa do que eu com a Armadura Mágica completa. Havia alguma
chance de ela se juntar a mim na luta contra Orsted?
Não era nem mesmo uma pergunta justa, na verdade. Antes de começar a
arrastá-la para minhas batalhas, precisaríamos resolver nosso passado e as
coisas que estavam entre nós. Não tinha o direito de esperar sua ajuda até que
isso acontecesse.
Com minha busca por aliados em um impasse, redirecionei minha atenção para
a terceira prioridade da minha lista: elaborar minha estratégia para a batalha. Eu
precisava repassar essa luta com cuidado de antemão.
Estaria lutando sozinho e era indiscutível que precisava matar meu oponente.
Dadas essas duas premissas, eu realmente tinha um grande número de opções
disponíveis para mim.
Se não houvesse aliados por perto e eu mantivesse distância do meu inimigo,
poderia facilmente fazer uso de feitiços poderosos com uma ampla área de
efeito. Quanto maior o feitiço, mais difícil seria para ele escapar. Algo como
Relâmpago, que concentrava todo o seu poder em uma área menor, poderia ser
mais eficaz em causar dano, mas tinha a sensação de que Orsted simplesmente
esquivaria.
Considerando tudo, bombardeá-lo com amplos ataques em área de uma grande
distância parecia a abordagem mais inteligente. O dano se acumularia
eventualmente. E se eu ficasse longe o suficiente para não ser percebido, ele
não seria capaz de me interromper com Atrapalhar Magia.
Também havia a possibilidade de pegá-lo desprevenido e quebrar suas defesas
quando sua guarda estivesse baixa. Montar uma armadilha pode não ser uma
má ideia. Eu poderia atraí-lo para uma área deserta, onde ele encontraria algo
que chamaria sua atenção… algo que explodiria no momento em que pegasse.
Poderia usar isso como meu sinal para disparar magia nele à distância.
Quanto mais pensava sobre isso, mais parecia a abordagem certa. A questão
era: como farei para atraí-lo a este local? Talvez pudesse tomar Nanahoshi
como “refém”, ou enviar-lhe uma mensagem do Deus-Homem. Ambos
pareciam viáveis.
Dito isso, não estava otimista o suficiente para pensar que meus ataques iniciais
de longo alcance seriam o suficiente para derrubá-lo. Havia a chance de
funcionar, mas precisava assumir o contrário. Uma vez que ele encontrasse seu
caminho até mim, tudo se resumiria a uma luta de curto alcance na minha
Armadura Mágica. Não tinha certeza do quão bem minha mente conseguiria
acompanhar uma batalha em ultra velocidade… mas não havia motivos para
me preocupar com isso até que realmente pegasse a Armadura Mágica para dar
uma volta.
Enquanto pensava em tudo isso, me peguei lembrando da minha infância neste
mundo. Teve uma época que passei muito tempo trabalhando em um plano para
vencer Paul em uma luta. Esperava superá-lo enquanto ele ainda estava no
auge. No final, porém, nunca o derrotei, nem uma única vez.
Ainda assim, as táticas que tinha trabalhado naquela época estavam
profundamente enraizadas em minha mente. Sabia como usar minha magia em
coordenação com os movimentos do meu corpo, do mesmo modo que também
sabia como me mover em três dimensões. Não importa o quão esmagador meu
oponente pudesse ser, minha abordagem básica não mudaria, precisaria mantê-
lo à distância, explodindo-o com ataques enquanto ele tentava me pegar,
manter a pressão e forçá-lo a tomar decisões desvantajosas.
Era assim que eu lutava quando estava no meu auge.
Claro, Orsted tinha Atrapalhar Magia e seus Portais Wyrm. Sem dúvida, havia
outros truques na manga também. Parecia seguro dizer que isso nunca sairia
conforme o planejado. A armadilha e a emboscada eram um bom começo. O
que mais eu precisava para vencê-lo? Era crucial para mim realmente pensar
nisso. Tive que considerar todas as possibilidades e então focar nas ideias mais
promissoras.
Sendo bem honesto, sabia que minha mente não estava funcionando muito bem
agora. Estava impaciente, assustado e cada vez mais obcecado com a minha
tarefa. Provavelmente teria sido mais sensato ir mais devagar e testar algumas
das minhas ideias em uma base experimental.
O melhor plano provavelmente envolveria encurralar Orsted de uma forma
gradual e metódica, durante um período de cerca de dez anos, mas se eu fosse
tão indiferente sobre isso, o Deus-Homem poderia mudar de ideia e eu poderia
voltar para casa e descobrir que perdi alguém que amava. Mais do que qualquer
outra coisa, estava com medo disso.
E uma noite, enquanto meus preparativos continuavam, ele veio até mim
novamente.
Me encontrei em um espaço branco. Presumivelmente, estava no centro do
mundo estéril.
— Ei! Parece que as coisas estão indo bem, hein?
Sim. Vou lutar contra Orsted, como você me pediu.
— Ei, calma lá, não pedi para você lutar com ele. Pedi para você matá-lo!
Você com certeza parece estar de bom humor hoje. Está tão feliz de me ter
dançando em suas cordas?
— Qual é, isso é uma coisa excitante! Nem eu sei o que vai acontecer a seguir!
Que bom que está se divertindo. Não esperava vê-lo novamente tão cedo, no
entanto. Isso significa que conseguiu inventar aquela coisa sobre alinhamento
de comprimentos de onda ou algo assim?
— Ah sim. É tudo bobagem.
Você poderia pelo menos fingir sentir um pouco de vergonha… Então posso
supor que a parte: “Eu só posso aparecer para certas pessoas” era uma mentira
também?
— Sim, pura ficção. Mas ei, deve ter sido ótimo para o seu ego ouvir que você
era o escolhido, não é?
Tch… Bem, tanto faz. Nos próximos dias, direi a Sylphie e Roxy que estou
planejando lutar contra Orsted. Se ele acabar me matando, meus filhos vão
crescer sabendo que ele é o homem que assassinou o pai deles. Isso deve ser
motivo suficiente para eles o odiarem, então…
— Desculpe, mas isso não será o suficiente para tirar o destino dos trilhos.
Você precisa matá-lo, ou vou apagar seus descendentes, não importa quanto
tempo leve.
Ugh. Você precisa falar assim? Bem, que seja. De qualquer forma, vou demorar
um pouco para completar a Armadura Mágica. Estamos abrindo novos
caminhos aqui e Cliff está lutando com algumas das teorias envolvidas. Estou
tentando fazer as coisas o mais rápido que posso, mas acho que vai levar mais
uns seis meses ou mais…
— Cliff já deve ser capaz de desenhar círculos mágicos para fortalecer as
rochas. Você deve se concentrar apenas em fazer as juntas e a carapaça externa,
pois isso precisa ser o mais resistente possível. Além disso, quando estiver
projetando os círculos mágicos para o torso, certifique-se de usar o Método
Alastair em vez do Sistema de Vento. Isso deve ajudá-lo a superar as partes
difíceis.
Uh… é sério?
— Diga a Zanoba que você quer que a coisa seja um pouco mais volumosa
também. Queimará mais mana dessa maneira, mas te permitirá colocar mais
círculos mágicos embaixo dos círculos principais. Desenhe-os na camada
inferior para reparar os mais importantes, caso sejam danificados. Isso deve
permitir que continue se movendo, mesmo que a coisa esteja meio destruída.
Huh? Espera. Não sabia que você era especialista nessas coisas.
— Bem, eu sou o Deus-Homem, sabe?! Estou familiarizado o suficiente com a
armadura do Deus Lutador para lhe dar algumas dicas.
Sabe, isso me lembra… As pessoas do mundo o chamam de Deus dos Homens,
não é? Há algum significado nisso?
— Deus dos Homens é algo como um apelido meu, suponho. Por algum motivo
ele só pegou, acho! Deus-Homem é meu nome próprio.
Por que sinto que está mentindo para mim mais uma vez? Não que realmente
me importe muito com o seu nome… Mais importante, acha que posso vencer?
Digamos que eu construa a Armadura Mágica, monte uma armadilha e lance
um ataque furtivo. Tenho uma chance?
— Ooh, boa pergunta… quero dizer, você tem tanta mana quanto Laplace para
trabalhar, certo? Se for com tudo, aposto que vai dar uma boa luta.
Isso não é super reconfortante. Importa-se de ser menos vago? Não me
importaria se me desse mais algumas dicas sobre estratégia…
— Tudo bem então. Arranje alguns implementos mágicos, do tipo que
disparam um feitiço ofensivo quando os alimenta com mana. Não deve ser
muito difícil encontrá-los em Sharia, certo? Eles são projetados para consumir
pouco, a fim de que pessoas comuns também possam usá-los, mas é fácil
modificá-los para que usem mais mana… assim como aquela sua prótese Zaliff.
Faça alguns realmente poderosos, do tipo que só você poderia usar. Assim terá
alguns novos ataques para o seu arsenal e uma maneira de contornar o
Atrapalhar Magia.
Ah. Uau. Tenho que admitir, você está me dando alguns conselhos realmente
detalhados para variar.
— Bem, você está se jogando nisso com mais entusiasmo do que eu esperava.
Por que não ajudaria? Realmente quero Orsted morto, sabe?!
Não consigo afastar a sensação de que há mais do que isso. Até onde sei, se eu
projetar a Armadura Mágica de acordo com suas instruções, ela explodirá no
momento em que tentar ativá-la.
— A vida de quem gostaria de apostar nessa teoria intrigante? Vá em frente,
escolha: Aisha, Norn, Lilia ou Zenith?
Tch…
— Como já te disse, não consigo ver o futuro de Orsted. Isso significa que
também não posso ver o resultado de sua batalha. Não sei o que vai acontecer
com você.
Ok. E isso significa que não tem certeza se vou perder, certo?
— Exatamente.
A propósito… se não consegue ver o futuro de Orsted, como sabe que ele vai
unir forças com meus descendentes no futuro?
— Não consigo ver o próprio homem, mas certamente consigo ver
meu próprio futuro. Envolve seus descendentes, algum homem que não
reconheço e Orsted me cercando.
Você pode ver qualquer coisa que vá experimentar pessoalmente, hein? Então,
o que acontece depois que eles aparecem? Eles apenas bateram em você ou o
quê?
— Sim. Eles me matam brutalmente. Não sou muito bom em luta.
Hmm… Escuta, por que Orsted está atrás de você, afinal? Tem certeza de que
não fez nada indescritivelmente cruel com ele?
— Ah, quem sabe. Não me lembro de ter feito nada com ele especificamente,
pelo menos.
Ou você não quer me dizer, ou realmente não sabe. Acho que não importa qual
das duas. Não é como se eu pudesse confiar em qualquer coisa que você me
diga, de qualquer maneira. Você mente constantemente.
— Isso é um pouco injusto. A única mentira maliciosa que já te contei foi
aquela mentirinha sobre o porão, sabe?
Todos os seus conselhos até então estavam apenas preparando as bases para
aquele momento, certo?
— Sim, verdade! Mas sabe, se você não tivesse engravidado Roxy, eu
não precisaria fazer isso.
Por que diabos não me disse para não ter um filho com ela, então?! Por que
teve que fazer isso tão complicado?!
— Não teria funcionado. Não importa o que eu dissesse, você a teria
engravidado. Era assim que tinha que ser, eu acho. Não importa quantas vezes
ajustei e cutuquei o futuro, ele simplesmente não queria mudar…
Talvez sim, mas poderia ter pelo menos… Agh. Deixa pra lá. Desculpe por
gritar com você. No final, me casei com Roxy e a engravidei. Agora que penso
nisso, algumas das coisas que fiz para acabar aqui me pareceram um pouco
estranhas. Fora do normal, até. Acho que é assim que essa coisa do destino
funciona, até entendo a razão de querer mudar isso.
Farei o que você quiser, Deus-Homem. Seguirei suas ordens e matarei Orsted,
mas antes de fazer isso, há algo que preciso dizer a você.
— O que é?
Quando Orsted estiver morto, quero que me deixe em paz pelo resto da vida.
Não se meta com a minha família também. Por favor, quero que me prometa
isso.
— Como é? Hmm. E eu aqui pensando que você não confiava mais nas minhas
promessas.
Não confio. É claro que não… mas tenho de acreditar que você não está
mentindo sobre isso. Se não vai me deixar em paz, não importa o que aconteça,
talvez eu me junte a Orsted e comece a trabalhar contra você.
— Ah, vá em frente. Não posso te matar, é claro, e também não posso matar
ele, mas você não vai querer ver o que posso fazer. Descobrirá exatamente o
que significa fazer de mim um inimigo.
Você pode estar blefando agora. Talvez me ameaçar seja o melhor que você
tem. Quero dizer, teve que me manipular por anos antes que pudesse me fazer
cometer um pequeno erro… Pelo que sei, pode estar bancando o durão por estar
apavorado de me ter como inimigo.
— Por favor. Você tem um destino muito forte, então estava apenas tentando
cortar o mal pela raiz o mais sutilmente possível… Ah, esqueça. Não é como se
você fosse acreditar em qualquer coisa que eu dissesse, não é? Vá em frente,
me subestime o quanto quiser. Tchau! Pode viver para se arrepender disso.
Ah não. Me desculpe. Retiro o que eu disse. Me dê um tempo aqui. Olha, tudo
que eu quero é uma garantia. Você diz que vai matar minha família se eu perder
para Orsted, mas mesmo se eu vencer, parece bem possível que você volte atrás
e os mate de qualquer maneira. Isso não é muito bom para minha motivação,
sabe? Preciso saber se há algum benefício em fazer isso.
— Suspiro. Suponho que esteja certo. Aqui vai, então: Em nome do Deus-
Homem, juro honrar minha promessa. Depois de derrotar Orsted, não terei nada
para me preocupar, o que significa que não precisarei incomodá-lo nunca mais.
Não vou falar, assediar ou tentar prejudicar você, suas esposas, sua mãe, suas
irmãs, seus descendentes ou seus animais de estimação.
Você realmente pretende jurar isso, certo? Vou confiar em você.
— Certo. Se quiser, estou até disposto a oferecer um pequeno conselho útil se
sua família se encontrar em uma crise.
Já tive o suficiente de seus conselhos para uma vida inteira, obrigado.
— Ah é? Bem, boa sorte com Orsted.
Com aquelas palavras finais ecoando em meus ouvidos, me senti afundar na
inconsciência.
Mais um mês voou.
A construção da Armadura Mágica estava indo bem. Seguindo a recomendação
do Deus-Homem, nós a tornamos maior do que eu pretendia originalmente. A
coisa tinha uns bons três metros de altura… cerca da metade do tamanho de um
Aura Battle,pensando bem. A Armadura Mágica descrita no diário do meu eu
do futuro era mais como uma armadura volumosa padrão. Esta versão seria
significativamente maior. Aumentar seu tamanho nos levou a várias
descobertas: além de ser mais fácil projetar dessa maneira, também poderíamos
aumentar sua durabilidade.
O conselho do Deus-Homem tinha sido completamente útil, em outras palavras.
Quando transmiti suas outras sugestões a Cliff, seus olhos brilharam de
compreensão e imediatamente se lançou ao trabalho com o vigor redobrado.
Em pouco tempo, ele resolveu os problemas mais difíceis com os quais estava
lutando. Esperava que o projeto levasse pelo menos meio ano, mas nosso
progresso foi acelerado significativamente.
Nesse ritmo, terminaríamos em cerca de mais um mês. Ao todo, o trabalho
duraria apenas três meses depois de termos começado. Sob quaisquer outras
circunstâncias, eu poderia estar imensamente grato ao Deus-Homem.
Era irônico, de certa forma. Meu eu do futuro havia criado a Armadura Mágica
para matá-lo, mas agora foi ele quem nos ajudou a criá-la… Quando pensei
nisso dessa forma, não pude deixar de me perguntar se ele realmente estava
tramando algo desonesto aqui, mas Cliff e Zanoba foram os que realmente
fizeram a coisa. Confiei neles completamente.
Também tinha caçado os implementos mágicos que o Deus-Homem tinha
mencionado. Roxy me ajudou com isso.
Encontramos o que procurávamos bem rápido. Os implementos em questão
eram pequenas varinhas, ativadas pela palavra “Fogo”, que lançavam feitiços
ofensivos de nível Iniciante em seu alvo. Eram um produto bem popular e
acessível e não eram realmente poderosas. Às vezes encontraria Ladrões sem
outros ataques à distância carregando-as.
Em suma, o Deus-Homem disse que se modificássemos isso para que elas
pudessem suportar minha produção de mana, seria possível fazê-las disparar
um tipo do feitiço Canhão de Pedra que eu costumava usar em batalha.
Enquanto considerava isso, uma ideia interessante surgiu em minha mente.
Enquanto modificávamos o poder delas, e se também fizéssemos ajustes para
que elas pudessem disparar um fluxo contínuo de feitiços enquanto
continuassem a receber mana? E se eu juntar dez ou mais delas juntas? Teria
uma espécie de metralhadora, capaz de bombear um fluxo constante de
projéteis mortais.
Quando mencionei a ideia para Roxy, ela assentiu com uma expressão neutra
no rosto.
— Seus feitiços são muito potentes, mas você só pode disparar um de cada vez.
Esta pode ser uma maneira de contornar essa limitação. Felizmente, encontrei
recentemente um excelente criador de implementos mágicos. Vamos ver se eles
aceitam o trabalho.
Nesse mesmo dia, Roxy marcou um encontro com seu conhecido. Fiquei um
pouco surpreso quando ela se revelou uma elfa. Não havia muitos de sua raça
em Sharia. Elfos têm rostos bonitos como regra geral, mas o dela estava
coberto de fuligem e suas unhas estavam pretas de sujeira. Ela era claramente
dedicada ao seu trabalho.
Quando expliquei minha ideia, seus olhos se arregalaram de surpresa. — Ah,
tem certeza disso? Se eu fizer essa coisa como você descreveu, cada tiro vai
consumir muita mana. Pode drenar você até a morte se não for cuidadoso.
Nem tinha considerado a ideia. Era isso que o Deus-Homem tinha em mente
quando sugeriu isso? Canhão de Pedra não consumia muita mana, mas essa
coisa seria capaz de disparar dezenas de milhares deles em um único dia…
Não poderia me preocupar muito com isso, no entanto. Se eu ficasse sem mana
antes de matar Orsted, estaria morto de qualquer maneira. E precisava me
esforçar até o limite se quisesse ter uma chance contra ele.
— Isso não será um problema. Por favor, faça exatamente como descrevi.
A elfa deu de ombros, mas aceitou o trabalho mesmo assim. Eu teria minha
arma de curto alcance. Agora só tinha que rezar para que fosse capaz de causar
danos em Orsted.
— Rudy…
No caminho de volta da oficina, Roxy puxou conversa.
Ela disse: — Não sei com quem você está planejando lutar, mas realmente
precisa de uma arma como essa para derrotá-lo?
— Não não. Tenho certeza de que ficarei bem de qualquer maneira.
Só estava tentando ser reconfortante, é claro. Não funcionou. Roxy estreitou os
olhos e fez beicinho em desagrado. — Você costumava ser um garoto tão
honesto e doce, Rudy, mas ultimamente tudo que tem feito é mentir e esconder
coisas de mim.
As palavras doeram bastante. Entretanto, para ser justo, também menti e iludi
muitas vezes, mesmo quando era criança.
— Desculpa, Roxy…
— Ah, tudo bem. Também estou escondendo algo de você, afinal. No entanto,
Rudy… pelo menos estou discutindo esse assunto com pessoas em quem posso
confiar. Não estou dizendo que precisa ser eu, mas espero que esteja confiando
em alguém. Não está tentando enfrentar isso sozinho, está?
— Não. Não se preocupe. Eu ficarei bem.
Tinha uma boa ideia de qual era o segredo de Roxy. Ultimamente, ela não
estava me deixando fazer nada muito… ativo no quarto. Foi, em partes, porque
eu não estava pedindo, mas notei que ela estava me afastando ativamente da
sugestão. Tendo em vista o que li no diário, ela provavelmente estava
começando a suspeitar que estava grávida. Ainda não estava com enjoos
matinais, pelo que sabia, mas notei que seu paladar parecia estar mudando.
Quando ela estava planejando dar a notícia? Talvez estivesse esperando pelo
segundo trimestre… ou talvez planejasse ficar quieta até que eu lidasse com
minha missão atual.
De qualquer forma, não pude deixar de torcer para que me contasse antes da
minha luta contra Orsted. Dessa forma, poderíamos ter uma grande festa para
comemorar.
Pode ser minha última chance de ter uma.
No dia seguinte, fiz uma visita a Nanahoshi.
Meio que esperava ser impedido de entrar na fortaleza flutuante, mas me
deixaram entrar com uma facilidade surpreendente. Dado o quanto ele estava
com medo de Orsted, Perugius estava sendo bastante tolerante comigo.
Acabei perguntando a Sylvaril sobre isso e recebi uma resposta imediata.
— Meio que pensei que não me deixariam entrar depois da última vez, sabe?
— Lorde Perugius sempre mostra grande compaixão por aqueles que vão para a
morte. Ele não tem nenhuma objeção a você se despedir da Srta. Nanahoshi.
Aparentemente, eles já estavam convencidos de que eu iria perder. E também
morrer. Estava sendo autorizado a entrar no castelo como um ato de caridade.
Não estava reclamando, é claro. Era melhor do que ser barrado na porta.
Encontrei Nanahoshi muito mais animada do que antes. Alguém trouxe alguns
de seus pertences da Universidade para cá, então seu quarto estava um pouco
menos vazio também. A estatueta de Ruijerd sentada no parapeito da janela foi
presumivelmente um presente de Zanoba e a pequena cruz decorativa ao lado
deve ter vindo de Cliff. Isso foi atencioso da parte dele. Nunca é demais ter
algo para orar quando você está lutando. Nunca tive muito interesse em deuses
ou relíquias em minha vida anterior, mas minhas opiniões sobre o assunto…
evoluíram um pouco.
— Então, basicamente, meus preparativos estão indo muito bem. Acho que é
hora de falar sobre como vamos atraí-lo para mim.
— Tudo bem, mas primeiro, como tenho certeza que já sabe, Orsted é
extremamente poderoso.
— Eu sei.
— Ele também é implacável. Não tenho certeza de como escolhe seus alvos,
mas quando ele pretende matar alguém, não hesita.
—…
— Passei vários anos viajando com ele e nunca o vi suar em batalha. Ele mata
dragões gigantes em um único…
— Poderia parar de tentar me assustar, Nanahoshi?
— Sinto muito, mas, sendo bem honesta, quero que reconsidere isso. É loucura,
pura e simplesmente…
— Veja…
— Eu sei, eu sei. Sinto muito.
Bem, agora ela me fez sentir ainda mais ansioso do que antes. Eu realmente
tinha uma chance de ganhar aqui?
— O que estou tentando dizer é: não recomendo enfrentá-lo de frente.
— Certo. Claro. Não consigo me ver vencendo ele em uma luta justa, não
importa o quanto eu aumente minha força e velocidade.
— Se eu fosse você, o atrairia para um local específico e depois o atacaria com
sua magia à distância… enquanto me mantenho escondida, é claro.
— Hmm. Mais alguma coisa vem à mente?
— Vamos ver… Ah.
— O quê? Você pensou em alguma coisa?
— Quase prefiro não dizer… mas decidi ajudá-lo, eu suponho.
— Certo…
Nanahoshi engoliu em seco antes de continuar. — Envenená-lo também pode
funcionar.
Veneno, hein…
A magia de desintoxicação poderia lidar com uma ampla gama de toxinas, mas
havia certas doenças e venenos que nenhum feitiço conhecido poderia
neutralizar. Era difícil saber o quão eficaz a maioria deles seria contra um
monstro como Orsted, é claro… mas tinha que haver algo lá fora que pudesse
prejudicá-lo. Talvez Ariel pudesse me arranjar algo adequado. Tinha a sensação
de que todos na família real Asurana eram bem versados nesse tipo de coisa.
— Ok. Então armo uma armadilha, o enveneno e depois ataco a distância…
Ah, certo. Nanahoshi, posso te usar como refém?
— Uma refém…? Suponho que sim. No entanto, não tenho certeza do quão
preocupado Orsted estaria com minha segurança.
— Sim, esse é um bom ponto… Também não queremos que ele descubra que
está trabalhando comigo. Não há razão para colocar seu pescoço na corda
também…
— A-ah. Certo. Nem tinha pensado nisso.
Hum, sim. Não vamos fazer a coisa dos reféns.
O Deus-Homem estava usando minha família como reféns no momento. Eu
sabia que era uma maneira altamente eficaz de manipular alguém, mas também
era uma ótima maneira de deixá-los furiosos e altamente motivados. Isso
poderia seriamente sair pela culatra contra você na batalha.
— Alguma outra ideia, Nanahoshi?
— Hmm, eu não sei… Você leu muito mangá no Japão? Havia muitos inimigos
poderosos neles, certo?
— Não acho que essas estratégias serão muito úteis aqui…
Nós dois conversamos por mais algum tempo, tentando pensar em algumas
ideias um tanto promissoras. Todas, sem exceção, eram truques sorrateiros e
dissimulados. Era difícil imaginá-los fazendo alguma coisa contra alguém tão
formidável quanto Orsted.
Por outro lado, mesmo as técnicas mais mortais são apenas uma combinação de
pequenas manobras tortuosas. Precisava acreditar que
conseguiria alguns resultados com tudo isso.
— Bem, uhm… boa sorte, Rudeus.
— Obrigado.
— Tente voltar vivo, sim? Acho que nunca vou chegar em casa sem a sua
ajuda.
Quando saí do quarto de Nanahoshi, tínhamos elaborado nosso plano para atrair
Orsted para mim.
Em seguida, fui até a Ariel para obter ajuda.
Quando expliquei que queria venenos que nenhum feitiço pudesse neutralizar,
ela fez uma careta abertamente, mas mesmo assim, me apresentou a uma
organização do submundo local com a qual ela estava em boas relações.
Esse grupo era maior e mais sofisticado do que um bando típico de bandidos;
havia se tornado algo mais parecido com uma gangue ou uma família mafiosa.
O contrabando de drogas era seu principal negócio, mas também fabricavam e
vendiam uma variedade de venenos.
Quando entrei em contato, me encaminharam para uma casa em ruínas em um
canto tranquilo de Sharia, onde fui escoltado para uma sala específica no porão.
O ar estava espesso com a fumaça perfumada.
Meu contato, um homem caolho, já me esperava lá dentro.
— Olá, Sr. Greyrat. Prazer em conhecê-lo.
Não tinha me apresentado, mas o homem claramente sabia quem eu era. Com
um sorriso grande e grosseiro, ele foi direto ao assunto.
— Então me diga, o que posso fazer por você hoje? Quer fazê-los realmente
sofrer por um tempo, ou apenas desmaiarem de imediato? Talvez algo para
fazer as pernas ficarem dormentes ou inchar a língua de algum mago? Tenho
uma poção que pode deixar qualquer mulher louca também. Perfeito para
quando as coisas começam a ficar um pouco frias!
Com base nesse discurso, seu inventário variou de venenos a anestésicos e
afrodisíacos. Isso me servia perfeitamente.
— Vou levar tudo o que você tem.
— Ah, tudo? Bem, não estou reclamando, mas isso vai ficar um pouco caro…
— Por mim, tudo bem.
— Uau. Está bem então! Acho que você realmente quer alguém morto… Ah, e
aquele afrodisíaco? Quer esse também?
— Bem…
Um pensamento passou pela minha mente: E se Orsted for imune a venenos?
Matá-lo com um veneno que nenhum feitiço poderia curar era uma ideia
bastante simples. Qualquer um poderia ter pensado nisso. E Orsted foi
amaldiçoado a ser odiado por todos que encontrou. Parecia provável que tivesse
algumas contramedidas contra esse tipo de coisa. Talvez ele fosse naturalmente
resistente… ou talvez tivesse algum tipo de poção milagrosa que pudesse
purgar quaisquer toxinas de seu organismo.
— Sim, vou levar isso também.
— Hehehehehe! Muito bem. Quer ver aquela sua belezinha fria e recatada
derreter em uma poça, hein?
— Minha esposa é doce como uma gatinha na cama, na verdade.
— É sério? Estamos falando de Fitz Silencioso, certo? Sendo sincero é meio
difícil de acreditar!
Não tinha nenhuma razão real para acreditar que um afrodisíaco funcionaria em
Orsted se o veneno não funcionasse, mas não faria mal tentar. Qualquer coisa
que pudesse afetá-lo ou distraí-lo valia a pena empreender.
Com esse pensamento em mente, comprei tudo o que o homem tinha a
oferecer.
Entre todos os meus outros preparativos, também reservei um tempo para
explorar campos de batalha em potencial.
Pretendia lutar com ele sozinho, sem mais ninguém por perto. Isso significava
sair da cidade, é claro. Tinha que ser um local fora dos muros de Sharia, onde
provavelmente ninguém iria e que oferecia oportunidades para montar
armadilhas. Fiz algumas pesquisas sobre potenciais candidatos na Guilda dos
Aventureiros; e quando encontrei um lugar que parecia adequado, saí para
estudá-lo pessoalmente.
Também pedi a Elinalise que me apresentasse a um aventureiro conhecido dela,
que me deu palestras detalhadas sobre como montar e criar armadilhas. O
aventureiro em questão era aparentemente um ex-assassino, com conhecimento
de muitas técnicas diferentes para atrair pessoas para a morte. Muitas dessas
armadilhas exploravam as fraquezas da psicologia humana de maneiras
diabolicamente inteligentes. Tenho alguma experiência prática com alguns
exemplos. Mesmo sabendo o que esperar, ainda assim acabei tropeçando nelas.
Pessoalmente, não estava convencido de que Orsted cairia em nenhuma delas,
mas elas ainda me dariam alguma vantagem.
Em uma nota diferente, Elinalise me deu algumas lições pessoais sobre
combate a curta distância. Ela era uma especialista em lutar na linha de frente
de um grupo e mesmo que eu não dissesse que ela era tão forte em um duelo
mano a mano, ela estava viva por muitos anos e tinha uma riqueza de
experiência prática. Em seu tempo como aventureira enfrentou oponentes mais
poderosos do que ela em várias ocasiões. E apesar de suas capacidades físicas
relativamente medianas, saiu viva em todas as vezes. Isso tornava seu
conhecimento valioso.
Nesse sentido, era uma pena eu não ter ideia de onde encontrar Ruijerd,
considerando tudo o que ele passou… mas não havia sentido em insistir nisso,
realmente. Perugius também não ajudaria. Eu só teria que administrar.
Ao longo dessas lições e sessões de estratégia, tentei ao máximo visualizar
como me movimentaria e lutaria dentro da Armadura Mágica.
Meu método básico de ataque seria uma enxurrada constante de feitiços de
Canhão de Pedra, disparados dos numerosos implementos mágicos montados
em minha armadura. Eu provavelmente gostaria de estar me movendo para trás,
na maior parte do tempo. Mantendo uma barragem constante de tiros, também
poderia desacelerar Orsted com feitiços como Atoleiro e Névoa Profunda. E se
ele eventualmente escorregasse, estaria pronto para me aproveitar disso.
Isso parecia bastante simples. Simples era bom.
Finalmente, deslacrei o porão e rezei em meu altar pela vitória na próxima
batalha.
Dois meses se passaram desde que matei aquele camundongo doente. Se as
palavras do meu eu do futuro pudessem ser confiáveis, o vírus ou germe que
causou a Síndrome de Petrificação estaria morto há muito tempo. Ainda assim,
pedi a Roxy que não entrasse no porão por enquanto, e exigi que qualquer um
que o fizesse lavasse as mãos e enxaguasse a boca imediatamente depois. Foi
mais para minha própria paz de espírito do que qualquer outra coisa.
Como eu já estava aqui, decidi dar uma olhada e ver se encontrava alguma
coisa que pudesse ser útil contra Orsted.
Os itens mágicos no porão eram principalmente lixo. Eles também foram
congelados pelo meu Nova Congelante há dois meses, mas isso aparentemente
não os danificou. Todos pareciam funcionar como antes. Tínhamos um chapéu
que jogava água em sua cabeça quando tentava tirá-lo; um capacete com uma
gema montada na frente que brilhava como uma lanterna quando o colocava;
uma caixinha que soltava nuvens de fumaça quando a abria; uma espada curta
com uma lâmina que se transformava em borracha quando tentasse esfaquear
alguma coisa; um par de sapatos que exalava um odor fétido toda vez que
pisasse neles… etc., etc.
Os joguei no porão por via das dúvidas, mas não via como qualquer um deles
poderia ser útil, a não ser como adereços para algum tipo de performance de
rua. Talvez aquela caixinha pudesse fornecer uma cortina de fumaça, pelo
menos. Teoricamente. Seria bom substituir de alguma forma todos os
equipamentos de Orsted por essas coisas estúpidas, mas não conseguia ver
como conseguiria fazer isso. Além disso, ele provavelmente os tiraria.
De toda forma, peguei alguns deles aleatoriamente. Nunca se sabe o que
poderia vir a ser útil.
Antes de sair do porão, voltei ao meu altar e fiz outra oração silenciosa pela
vitória na batalha.
É sempre melhor pedir duas vezes para as coisas realmente importantes.
Todos os meus preparativos estavam se encaixando. E, no entanto, a sensação
persistente de ansiedade no fundo da minha mente nunca desapareceu
completamente. Nem por um momento.
Capítulo 7: Preparando para a
Batalha

O tempo passou, indiferente às minhas preocupações; e logo outro mês se


passou.
A Armadura Mágica Mark 1 agora estava completa.
De alguma forma, terminamos o projeto em apenas três meses. Gastei muito
dinheiro perto do fim contratando trabalhadores adicionais para cobrirem as
tarefas mais monótonas, o que definitivamente acelerou as coisas.
Assim como tinha previsto, a coisa acabou ficando com cerca de três metros de
altura. No entanto, toda a sua estrutura estava coberta de placas espessas e
grosseiras de armadura que eu criei, o que lhe deu uma aparência
surpreendentemente atarracada e robusta. Não era exatamente elegante, em
outras palavras.
Você entrava pela parte de trás. Havia um buraco em suas costas no formato de
um humano, no qual você basicamente só entrava. Uma vez que a alimentava
com mana, ela agiria como uma extensão do seu próprio corpo, então poderia
fechar manualmente a traseira da armadura. Essa seção também continha um
círculo mágico especial que o ejetaria automaticamente pelas costas se falasse o
comando correto.
Montamos a “Metralhadora” no braço direito, o Implemento Mágico
modificado agora disparava automaticamente feitiços de Canhão de Pedra
sempre que eu quisesse. Quando o alimentei com o máximo de mana que pude,
foi capaz de disparar meu Canhão de Pedra mais mortal dez vezes por segundo.
Isso reduziria a maioria dos monstros a uma névoa sangrenta em um piscar de
olhos.
Este era meu plano principal para lidar com Atrapalhar Magia de Orsted.
Na mão esquerda, montamos uma Pedra de Absorção. Na maioria das vezes,
estava planejando afastar os feitiços de Orsted com Atrapalhar Magia, mas era
possível que não tivesse tempo se as coisas ficassem muito agitadas. Esta pedra
poderia dissipar a magia que já havia sido completamente formada. Isso me
deixaria lidar com quaisquer feitiços que eu não fosse rápido o suficiente para
parar preventivamente. Tive a sensação de que poderia ser útil.
Nós também lhe demos um escudo que poderia servir como uma espécie de
arma corpo a corpo. Eu mesmo não era ruim com uma espada, mas sabia que
não poderia competir com Orsted nessa questão. Concluí que seria melhor focar
na defesa à curta distância. E honestamente, bater nele com uma placa de pedra
gigante e pesada pode causar mais danos de qualquer maneira. O melhor ataque
era uma boa defesa. Era o mesmo conceito de um tanque, basicamente.
No entanto, também montei uma das velhas armas de Paul na ponta do escudo.
Era a espada mágica que tinha dado a Aisha, ao invés da que Norn agora
possuía. Não sabia se sua capacidade de ignorar a defesa do inimigo
funcionaria em Orsted, mas valia a pena tentar tudo que eu podia.
O resultado final não foi exatamente majestoso.
A Armadura Mágica foi pintada em um padrão de camuflagem, que parecia
quase tão fora de lugar aqui quanto a volumosa Metralhadora em seu braço. O
escudo enorme e desajeitado com uma lâmina na ponta também não tinha
muito valor estético.
No momento, a coisa estava de bruços no chão em um campo nos arredores de
Sharia. Era tão incrivelmente pesada que eu teria que entrar e alimentá-la com
mana só para ficar de pé.
— Ah! Agora sim, isso é uma armadura temível!
— De fato, de fato. Seu tamanho é bastante imponente.
— Uh, não sei. Poderia ter escolhido algo um pouco mais elegante…
— Concordo, mas para ser perfeitamente honesta, acho que parece absurda.
— É como uma espécie de monstro, Rudy. Não poderia ter escolhido uma cor
diferente?
Cliff e Zanoba assentiram com satisfação enquanto examinavam o produto
acabado, mas as mulheres reagiram muito menos favoravelmente. Talvez esse
tipo de coisa atraísse mais os garotos.
Por outro lado, Julie estava estudando com uma expressão bastante satisfeita
em seu rosto, então isso claramente não se aplicava a todas. Se voltasse inteiro,
teria que ver o que Aisha e Norn pensavam.
Bem, tanto faz. Não havíamos projetado essa coisa para ser bonita.
— Certo, todo mundo — disse, virando-me para o grupo. — Acho que é hora
de começar o teste final.
Sylphie, Roxy, Zanoba, Cliff e Elinalise vieram assistir. Julie e Ginger também
vieram. Nanahoshi não estava aqui. Ela concordou em ajudar a atrair Orsted
para mim, mas seu objetivo principal ainda era retornar ao seu próprio mundo.
Como precaução para sua segurança, estávamos fingindo que eu a tinha
coagido a cooperar comigo. Por essa razão, ela não poderia ser vista conosco
agora. Ela provavelmente estava estudando magia de invocação com Perugius
na fortaleza flutuante neste momento.
Claro, havia uma chance de que Orsted acabasse matando-a de qualquer
maneira, mas quando mencionei isso, ela assentiu enjoada e aceitou o risco.
— Tudo bem, acho que vou assistir de uma distância segura, então.
Com essas palavras, Roxy foi até as cadeiras que arrumamos para nossos
espectadores, levando Julie com ela. Sua barriga ainda não era visível, mas
você poderia vê-la se observasse com atenção. Ela provavelmente não seria
capaz de esconder isso por muito mais tempo. Esperançosamente ela faria o
grande anúncio em breve.
Pensando bem, ir para a batalha com uma esposa grávida esperando por você
em casa era uma maneira clássica de conseguir uma morte trágica…
Ok, não! Nem pense nisso. Quanto mais ansioso você ficar, mais difícil ficará
se concentrar.
Eu iria vencer essa luta. Minha esposa teria seu filho e eu daria nome a ele. E
então começaria a fazer o bebê número três. Era assim que meu futuro se
parecia! É isso!
— Ok, vou entrar nela agora. Sylphie, Zanoba e Elinalise, quero que vocês três
venham até mim de uma vez só. Cliff, mantenha seu Olho de Identificação
ativo e me avise se notar alguma coisa.
— Claro, Rudy.
— Certamente, Mestre.
Sylphie e Zanoba avançaram imediatamente, mas, para minha surpresa,
Elinalise ergueu as mãos no ar e se afastou.
— Desculpe, Rudeus, mas acho que estarei apenas assistindo hoje. Prefiro não
me machucar.
Pensando bem, aquele diário dizia que Elinalise havia engravidado em algum
momento. Quando estudei seu físico cuidadosamente, pensei que poderia
distinguir o início de uma protuberância. Tinha sido um pouco impensado
convidá-la para lutar comigo.
— Ah, certo. Não gostaria que nada acontecesse com o bebê. Por que você não
vai se sentar com Roxy?
— O quê?! — gritou Cliff. — Bebê?! — Girando, ele olhou para a barriga de
Elinalise intensamente. — Elinalise… você está grávida?
— Bem, minha maldição está inativa há algum tempo… então sim,
provavelmente estou.
— Sua maldição está inativa?! Mas nós temos, er, continuado como de
costume!
— Isso nós temos.
— Espere, de quem… é… não é o bebê de Rudeus, é?
— Você está tentando me irritar, Cliff?
— M-mas, quero dizer…
— Se é tão difícil de acreditar, por que você mesmo não dá uma olhada? Talvez
esse seu Olho lhe diga alguma coisa.
— O-ok.
Cliff puxou o tapa-olho de lado e se aproximou de Elinalise… e depois mais
perto ainda. Ele acabou com o rosto a cerca de cinco centímetros de seu
abdômen inferior. Apesar das aparências, ele estava tentando olhar diretamente
para seu útero. No entanto, este exame de perto não parecia ser o suficiente,
então ele estendeu a mão e começou a subi-la lentamente pela saia.
— Oh nossa. Sabe que estamos em público, querido?
— Poderia ficar quieta por um minuto? — Sibilou Cliff intensamente. — Por
favor?
— Tudo bem, tudo bem — respondeu Elinalise, com um pequeno encolher de
ombros.
Para ser justo, parecia mais do que um pouco obsceno o jeito que ele estava
rastejando sob aquela saia longa dela. Talvez pudesse tentar algo assim com
uma das minhas esposas mais tarde… Hmm. Sylphie definitivamente ficaria
bem em uma dessas.
Isso provavelmente não é algo em que eu deveria gastar meus recursos mentais
agora.
— É verdade…
Cliff ressurgiu sob a saia de sua esposa, seu rosto pálido como um lençol.
Aparentemente, o Olho de Identificação poderia servir como um pseudo-ultra-
som. Talvez a palavra Grávida tenha aparecido em sua visão ou algo assim.
— A-agora o quê? O que nós fazemos?!
— Ah, nada em particular.
— Mas isso… não é um processo fácil, é? E há todos os tipos de…
— Cliff, já passei por isso muitas vezes. Vou ficar bem, apenas me deixe lidar
com essas coisas e eu darei à luz a um bebê saudável.
— C-certo…
O rosto de Cliff não estava ficando menos pálido. Ele parecia chocado com a
rapidez de tudo.
— De qualquer forma, não foi muito delicado da sua parte, Rudeus — disse
Elinalise, olhando em minha direção. — Roxy deu com a língua nos dentes?
— Não, ela não disse nada. Só tive um palpite, eu acho.
— Entendo. Bem, espero que possa entender o motivo de não preferir me
envolver em nenhuma luta no momento.
— Claro. Me desculpe por isso.
Elinalise, esvoaçando uma mão no ar, caminhou em direção à área de
espectadores, onde se sentou ao lado de Roxy. As duas imediatamente
iniciaram uma conversa. Tinha uma boa ideia de qual poderia ser o assunto,
considerando que Roxy estava esfregando a mão na própria barriga. As duas
devem ter engravidado quase exatamente ao mesmo tempo.
Por mais importante que tudo isso tenha sido, no entanto, tínhamos outras
coisas nas quais precisávamos nos concentrar no momento.
— Certo, pessoal, de volta ao trabalho. Vamos começar este teste.
Sylphie e Zanoba assentiram, seus rostos ficando sérios.
Uma hora depois, declarei o teste como completo.
A Armadura Mágica teve um desempenho estupendo. Minha velocidade
máxima parecia algo como duzentos quilômetros por hora, podia pular vários
metros no ar com facilidade e meus socos bateram forte o suficiente para
deixarem uma cratera de impacto no chão. Sylphie lutou para lançar um único
feitiço em mim, mas qualquer magia que me atingia apenas rebatia. Nem
mesmo consegui sentir os temíveis socos de Zanoba. Na verdade, ele acabou
quebrando a mão na minha armadura e gritando de dor.
O projeto foi um sucesso. Era capaz de causar dano físico a uma Criança
Abençoada como Zanoba, o que significava que seria capaz de machucar
Orsted também. Pela primeira vez, parecia que consegui atingir meu objetivo
completamente, sem estragar nada nenhuma vez ao longo do caminho. Isso era
bom.
Pensando melhor, não poderia levar todo o crédito aqui. Zanoba e Cliff
tornaram o projeto possível.
Talvez isso fosse algo parecido com o que era lutar sob a proteção da Aura de
Batalha. Esse tipo de poder era inebriante. Estava começando a entender o
porquê de gente como Perugius e Atofe terem se tornado tão arrogantes ao
longo dos anos.
Será que igualei o nível da batalha o suficiente? Tinha uma chance agora?
Sim. Poderia funcionar… Posso fazer isso.
De uma forma ou de outra, meus preparativos estavam completos.
Naquela mesma noite, Roxy finalmente fez o grande anúncio.
— Acho que é hora de contar a vocês, pessoal. Parece que estou grávida.
Ela falou um pouco antes do jantar. Norn também estava em casa naquela
noite, então toda a família estava presente.
— Parabéns! Que emocionante!
Lilia foi a primeira a reagir. Embora geralmente mantivesse suas emoções um
pouco escondidas, havia um grande sorriso em seu rosto agora e parecia
completamente genuíno. Por um momento, pensei que poderia ter algo a ver
com seus sentimentos sobre a posição de sua própria filha na família… mas
parecia mais provável que Roxy a tivesse consultado com antecedência. Isso
também explicaria o motivo da refeição em nossa mesa de jantar estar um
pouco mais chique do que o normal.
— Parabéns, Roxy.
A reação de Sylphie foi semelhante. Ou Roxy tinha ido até ela para pedir
conselhos, ou tinha um palpite de que isso aconteceria. Ela aceitou a notícia
facilmente, com um sorriso caloroso no rosto.
Por alguma razão, a visão daquele sorriso me atingiu com um flash de déjà vu.
De certa forma, isso foi semelhante ao dia em que Lilia revelou sua gravidez.
Havia muitas diferenças, é claro. Zenith e Lilia estavam aqui e eu não estava
exatamente traindo Sylphie com Roxy. Bem… pode ter começado assim, mas
pelo menos conversamos como uma família e resolvemos. Sylphie aceitou
Roxy. Ao contrário do meu velho, não ia levar um tapa na cara da minha
esposa furiosa, ou ver minha “amante” cair em lágrimas. Tínhamos pulado
direto para a parte do final feliz.
— Uhm… Rudy? Você não tem nada a dizer?
Evidentemente um pouco enervada pelo meu silêncio, Roxy se virou para mim
com um olhar apreensivo em seu rosto.
Só havia uma coisa a dizer, é claro.
— Estou incrivelmente feliz. Obrigado, Roxy.
— Hã? Uh… pelo que você está me agradecendo, exatamente?
Roxy inclinou a cabeça para o lado com um sorriso meio confuso. Não pareceu
entender minha reação, mas também não parecia chateada.
— Aí está você de novo, Rudy — disse Sylphie com uma risada. — Ele disse a
mesma coisa para mim quando lhe contei sobre Lucie, sabe?
Eu disse? Sim, talvez tenha dito. Por que essa seria minha resposta padrão, no
entanto? Hmm…
— Bem… estou feliz que você esteja grávida do meu bebê e estou feliz que se
sentiu à vontade para me contar sobre isso. Parece uma prova de que você
realmente me aceitou, eu acho.
— Pensei que tinha provado isso para você há algum tempo, mas… Wah!
Inclinei-me para frente, peguei Roxy e a puxei para o meu colo. Normalmente
tentava não ficar muito carinhoso com ela na frente de Sylphie, mas hoje seria
uma exceção.
— Você me deu todos os tipos de presentes, me ensinou todo tipo de coisa e
me ajudou muitas, muitas vezes. E agora, para completar, vai ter um bebê
comigo… Não sei o que dizer além de obrigado. Estou muito grato por ter
conhecido você, Mestre Roxy.
— Deuses. Já faz um tempo desde que você me chamou assim…
Gentilmente, passei minha mão sobre a barriga de Roxy. Ela provavelmente
estava no terceiro mês de gravidez agora; pude sentir um chute. Já tinha
passado por isso uma vez com Sylphie, mas ainda parecia meio surreal.
— Ouça, Rudy. Você é meu marido agora e eu queria ter um bebê com você.
Se sentir a necessidade de me elogiar, acho que algo como “muito bem” ou
“bom trabalho” seria mais apropriado.
— Isso não soaria meio arrogante?
— Vamos lá. Por favor? Não pode me deixar fazer do meu jeito de vez em
quando?
— Bem, tudo bem então… B-Bom trabalho, Roxy.
— Hehehe. Oh, não foi nada, realmente.
Enquanto ela falava essas palavras, Roxy pressionou a cabeça contra o meu
peito e se aconchegou. Ela com certeza parecia estar levando isso com calma.
Senti como se Sylphie estivesse um pouco mais nervosa.
Por outro lado, parecia que Elinalise e Lilia sabiam da gravidez de Roxy com
antecedência. Talvez ela tenha se tranquilizado falando com muitas pessoas
diferentes sobre sua situação.
Talvez tenha se voltado para elas por causa do quão ocupado estive
ultimamente.
A ideia me fez sentir culpado. Estava me transformando em um daqueles pais
ausentes, ocupado demais para prestar atenção em sua família… Embora não
fosse como se estivesse subindo a escada corporativa ou algo assim.
Apertei Roxy com força em meus braços, pressionei meu rosto na parte de trás
de sua cabeça e enterrei meu nariz em seu cabelo. Seu cheiro estava tão
maravilhoso como sempre. Realmente deixou meu coração tranquilo.
— Ugh! Rudeus! — gritou Norn, batendo as mãos contra a mesa para dar
ênfase. — Você pode tentar se conter? Vou perder o apetite!
Quando olhei, vi seu rosto vermelho como um tomate.
— Qual é, dê uma folga para eles — repreendeu Aisha. — Roxy é sempre
tão atenciosa, sabe? Ela merece um pouco de carinho esta noite.
Por alguma razão, ela estava inclinada sobre a mesa com o queixo na mão e um
sorriso no rosto.
— Você só está mal-humorada porque Rudeus não está te dando atenção
ultimamente, certo?
— O-o quê?! Não! — gritou Norn. — Eu não estou! Olha, quero dizer, as
coisas são um pouco complicadas, certo? Pense em como Sylphie e Lucie
devem se sentir! Só acho que eles deveriam manter esse tipo de coisa a portas
fechadas!
— Ah, você não está me enganando. Sabe, querido irmão, você realmente
deveria reservar um tempo para conversar com Norn. Ela está muito popular na
escola ultimamente. Ainda outro dia, um menino passou em casa para deixar
uma carta para ela.
— Aisha! Quem disse que você poderia contar a ele sobre isso?!
Ah, então Norn atraiu seu primeiro enxame de admiradores? Bem,
ela era adorável e esforçada também. Os meninos tinham bom gosto, eu tinha
de admitir.
Algum dia, ela provavelmente arrumaria um namorado, se casaria e sairia de
casa para sempre. Queria ser solidário, é claro… mas se ela se apaixonasse por
algum playboy ruim, seria difícil não intervir. Tentei imaginar Norn trazendo
para casa um garoto com cabelos loiros descoloridos, orelhas furadas e uma
tatuagem de lágrima sob um olho…
Sua irmãzinha está me ensinando o que é o verdadeiro amor, cara. Podemos,
tipo, ter sua benção?
Hmm. Não parecia muito plausível, felizmente, mas se as coisas acabassem
assim, teria que tentar sorrir educadamente antes de surtar.
— Você já tem alguém de quem goste, Norn?
— A-alguém de quem eu… goste? — Enquanto outro rubor se espalhava
lentamente por seu rosto, Norn se afastou de mim e fez beicinho. — C-claro
que não.
Então tinha alguém aí, né? Nada de incomum nisso. Ela estava chegando a essa
idade, afinal. Quem quer que fosse, era um garoto de sorte.
— Certo, entendi. Se as coisas começarem a ficar sérias, certifique-se de trazê-
lo para conhecer a família.
— Você está me ouvindo?!
Uma vez que ela trouxesse o menino para casa, teria que avaliá-lo
cuidadosamente no lugar de Paul. Isso, e distribuir algumas ameaças paternais.
As palavras “Você só vai levar minha garotinha sobre o meu
cadáver!” iriam ser berradas em algum momento.
— De qualquer forma, e você, Aisha? Está sempre tagarelando sobre como
Rudeus ficará feliz quando mostrar a ele aquele arroz do jardim!
— Heeey! — gritou Aisha, pulando da cadeira. — Eu ia fazer um grande
anúncio sobre isso mais tarde! Você é horrível, Norn!
— Hum! Estamos quites! — disse Norn, virando-se mal-humorada.
Espera espera. Ela acabou de dizer o que pensei que ela disse?
— Espere, Aisha. Você… colheu o arroz do jardim?!
— Uh… bem, sim. Acho que tem estado um pouco frio demais, então não
consegui muito, mas se eu replantar agora, no outono devemos…
— Replantar?! Isso significa que você colheu sementes de arroz também?!
Significa, não é?!
— S-Sim, colhi. Uh, você está… agindo um pouco estranho, Rudeus. Qual é o
problema?
— Estou agindo perfeitamente normal, lhe garanto! E no próximo ano?!
Teremos outra safra ano que vem?!
— B-Bem, contanto que você faça mais dessa terra com sua magia, claro…
Gentilmente peguei Roxy e a sentei no chão ao meu lado. Então me levantei,
me movi para o lado da mesa e me ajoelhei a três passos da cadeira de Aisha
com os braços abertos.
— Muito bem, Aisha!
— Hã? Uh, eu deveria estar… pulando em seus braços agora, ou algo assim?
Aisha caminhou lentamente em minha direção enquanto olhava repetidamente
na direção de Roxy, então pulou cautelosamente em meu abraço. Agarrei-a de
ambos os lados, ergui-a no ar e comecei a girá-la.
— Uau! É arroz, Aisha! Aaarrooz!
— Uau!
Finalmente poderei comer arroz de novo. Era uma coisa pequena em
comparação à gravidez de Roxy, mas eu amava arroz de verdade. Nada poderia
se comparar a um monte grande e gordinho de perfeição branca e fofa.
Especialmente quando combinado com um bom peixe grelhado. Em breve,
poderia tornar esse sonho feliz em realidade.
Enquanto girava Aisha, uma nova onda de alegria se espalhou pelo meu corpo.
Roxy e eu teríamos um bebê. Lucie ia ter um irmão ou irmã mais novo, cerca
de dois anos mais novo que ela. A criança seria metade Migurd, é claro…
espero que ela não sofra bullying nem nada. Qual seria a cor do cabelo dela?
Lucie seria uma boa irmã mais velha? Esperançosamente, eles se dariam bem
com Norn e Aisha também…
Mal posso esperar. Como devemos nomear… Ah, certo. Há um tabu sobre isso,
não há…
Um monte de outros pensamentos rodopiaram pela minha cabeça em rápida
sucessão, até que não conseguia mais acompanhá-los.
Após o anúncio de Roxy, tivemos uma pequena comemoração modesta. A
comida estava melhor do que de costume e a conversa ao redor da mesa era
alegre e enérgica. Norn nos contou histórias de suas atividades no conselho
estudantil. Aisha relatou alegremente que as pessoas no mercado da cidade
estavam começando a aprender seu nome. Lucie começou a chorar com todo o
barulho e Sylphie a confortou habilmente. Lilia serviu a comida
tranquilamente, com um sorriso gentil no rosto. Zenith comia em silêncio, mas
estava claramente de bom humor. Roxy estava de mau humor depois da minha
reação exagerada às notícias de Aisha, então tive que trabalhar duro para
acalmá-la.
Um dos pratos daquela noite consistia em bolinhos de arroz salgados. Aisha
tinha feito isso pessoalmente. Quando lhe perguntei o porquê de ter escolhido
bolinhos de arroz em particular, explicou que Nanahoshi havia lhe ensinado
como fazê-los algum tempo atrás. Tive que assumir que era a única “receita”
que ela sabia de cabeça… a garota claramente não tinha passado muito tempo
numa cozinha. Por outro lado, as únicas receitas que consegui lembrar no calor
do momento foram para coisas igualmente básicas, como mingau de arroz e
variações simples de bolinho de arroz.
De qualquer forma, a primeira tentativa de Aisha em fazer bolinhos de arroz
feitos à mão terminou com eles redondos e pequenos. O primeiro plantio foi
mais um experimento do que qualquer outra coisa, então não havia colhido
tanto arroz.
Ainda assim, havia o suficiente para todos experimentarem um pouco.
Ninguém mais ao redor da mesa parecia particularmente impressionado com o
sabor, mas eu saboreei o meu com alegria. Aisha trabalhou muito duro para
colher aquele arroz e o apertou em uma bola com suas próprias mãozinhas.
Como o resultado poderia ser qualquer outra coisa senão delicioso? Lágrimas
escorriam pelo meu rosto, lentamente mastiguei e engoli cada mordida.
A experiência foi um sucesso. Significava que poderíamos esperar uma colheita
maior da próxima vez. Aisha iria plantar mais arroz do que antes, então os
próximos bolinhos de arroz que fizesse seriam maiores.
No entanto… Não havia garantia de que eu estaria por perto para comê-los.
— Tenho algo que preciso dizer a vocês, pessoal.
Uma vez que todos terminaram sua refeição, finalmente falei, então parei para
olhar ao redor da mesa. Minhas irmãs e minhas mães pareciam assustadas.
Minhas esposas pareciam estar se preparando. Aproveitei para olhar todas elas
nos olhos, uma por uma.
— Muito em breve, estarei lutando com alguém. Alguém que é incrivelmente
poderoso.
Decidi de antemão não dizer o nome de Orsted explicitamente.
— Tenho certeza que notaram que tenho agido de forma bastante estranha nos
últimos dois meses. Obrigado por não me pressionarem por uma explicação.
Sei que não foi fácil para vocês e lamento não poder explicar em detalhes.
—…
— Há uma boa chance de eu não ganhar essa luta.
Quando falei essas palavras, surpresa e ansiedade passaram pelos rostos de
minha família. Prossegui assim mesmo.
— Esta pode ser minha última refeição nesta mesa de jantar, em outras
palavras.
— V-você tem que lutar contra essa pessoa? — disse Norn, claramente abalada.
— Não há outra opção?
— Não. Nenhuma que eu conheça, pelo menos.
O Deus-Homem não apareceu mais desde que me aconselhou sobre como
construir a Armadura Mágica. Conhecendo-o, no entanto, tinha que assumir
que estava de olho em mim todo esse tempo.
— Mas você disse que poderia não ganhar, certo? O que… Por que faria algo
assim? Isso não…
— Norn, escute.
Norn era a pessoa mais perturbada e confusa da sala. Isso era perfeitamente
compreensível. Aisha e Lilia ainda viviam sob o mesmo teto que eu, então
provavelmente perceberam que algo estava acontecendo. Suas expressões eram
graves, mas não pareciam especialmente surpresas.
— Se eu não voltar, quero que entre no meu quarto e…
— Se você não voltar?! Por que diria isso?!
Ela tinha um ponto. Eu tinha trabalhado em uma boa linha dramática como algo
saído de uma história, mas por que se preocupar com o ato do herói
condenado? Poderia muito bem manter uma atitude positiva.
— Está bem então. Quando eu voltar, vamos tomar um banho juntos ou algo
assim.
— Eu não quero. Tome um sozinho.
Haha, ai! Um clássico da Norn!
— Aisha.
— Sim?
— Se eu não voltar, quero que leve alguns daqueles bolinhos de arroz que fez
para Nanahoshi também.
— Oh…
— Ela vai chorar de alegria, garanto. Uma vez que você der a ela alguns desses,
ela fará qualquer coisa que você pedir.
— Eu realmente não quero conquistar a Srta. Nanahoshi — murmurou Aisha,
sua cabeça ligeiramente inclinada. — Prefiro fazer você me mimar, Rudeus.
Ah, ela é tão doce. Que criança adorável. Terei que comprar um belo presente
para ela se voltar vivo. Acho que ela merecia uma grande bolsa ou um anel de
diamante.
— Lilia…
— Sim, Mestre Rudeus?
— Cuide da minha mãe, por favor.
— Certamente irei. No entanto…
— Sim?
— Estarei esperando seu retorno, Mestre Rudeus. Não importa quanto tempo
demore.
A voz de Lilia era suave, mas firme. Nós nos conhecíamos há muito tempo,
mas ela nunca conseguiu ser menos formal comigo. Aisha definitivamente era
minha irmãzinha, mas parecia que Lilia não se considerava minha mãe.
— Ei mãe. Você ouviu tudo?
—…
— Tenho que ir em breve, mas estarei de volta.
—…
Achei que podia ver uma pitada de tristeza no rosto de Zenith, mas era difícil
dizer. Tinha de esperar que ela conseguisse expressar suas emoções com mais
clareza algum dia.
— Sylphie…
— Sim?
— Cuide de Lucie.
— Certo. Uhm, Rudy… eu…
— Diga. O que é?
— É… não é nada. Me desculpe.
Havia algo na ponta da língua de Sylphie, mas não conseguia adivinhar
exatamente o que era. Eu a amava muito, é claro, mas ela não era fácil de se ler
e isso me deixava ansioso às vezes.
Estendi a mão debaixo da mesa e peguei a mão dela com a minha. E então,
levando minha boca ao ouvido dela, falei em um sussurro.
— Uh, Sylphie?
— Sim?
— Honestamente isso pode te irritar um pouco…
— Ok.
— Mas se eu conseguir voltar, vamos ficar muito ocupados.
A cabeça de Sylphie foi para frente com isso. Talvez eu tenha tomado a
abordagem errada aqui?
— Minha nossa! Por que você é sempre tão travesso, Rudy? — sussurrou ela,
me batendo levemente no ombro.
Aproveitei a oportunidade para pegar sua mão e puxá-la para perto.
— Ah!
Foi um beijo repentino e relativamente forte. Sylphie endureceu em surpresa,
mas não se afastou. Ela estava tão fofa hoje. Não que ela não fosse fofa em
outros momentos. Sylphie era fofa por definição. Eu ia voltar para casa, para
ela. Quando disse isso para mim mesmo, começou a parecer verdade.
— Vamos, Rudy… todo mundo está assistindo… Hyaah!
Só para garantir, levei algum tempo para lamber uma de suas orelhas longas e
pontudas, parando para mordiscar suavemente. No momento em que a soltei,
havia marcas de mordida visíveis nela.
— Não se preocupe, eu vou voltar. Apenas seja paciente, certo?
— Certo— murmurou Sylphie, seu rosto vermelho brilhante. — Vou tentar o
meu melhor.
Com isso, me virei para a última pessoa na mesa.
— Roxy…
— Sim, Rudy?
— Vamos… dormir juntos esta noite, ok?
— Mas o bebê… Bem, tudo bem.
Ela hesitou brevemente a minha oferta, mas acabou concordando com a cabeça.
Naquela noite, Roxy e eu tomamos nosso banho e fomos para o meu quarto
juntos, de mãos dadas. No ano passado, esse tipo de coisa era o suficiente para
me deixar excitado e ansioso para fazermos, mas sob essas circunstâncias,
bem… não havia como eu entrar no clima.
— Tudo bem então. Contanto que você seja gentil, eu…
— Tudo bem, Roxy. Acho que devemos pular isso hoje à noite.
Roxy já tinha começado a tirar a camisola, mas levantei a mão para impedi-la.
Ela fez uma pausa, com as mãos ainda na manga, e inclinando a cabeça
interrogativamente.
— Vamos. Sente-se.
Apontei para a cama. Assim que Roxy se sentou, sentei na minha cadeira, em
vez de me juntar a ela.
— Quero dar os detalhes da situação… e explicar o que pode acontecer se eu
perder.
— …Por que só eu? E quanto a Sylphie?
—…
— Você está disposto a confiar em mim e em Nanahoshi, mas não nela?
— Como você sabe que eu tenho falado com Nanahoshi?
— É uma teoria de Sylphie, não minha. Estamos conversando sobre a situação
há algum tempo… Existe algum motivo para você não querer que Sylphie saiba
todos os detalhes?
— Essa é… uma boa pergunta, na verdade.
Por que estava fazendo isso? Não tinha certeza, mas por alguma razão, não
queria contar tudo a Sylphie. Talvez não quisesse preocupá-la?
Não, não era isso, mas por que, então? Sério, por quê?
Isso era aquela coisa do destino em ação de novo?
— Estou feliz que esteja disposto a me contar, é claro, mas me sinto muito mal
por ela neste momento.
— Sim… você está certa, Roxy. Vou buscá-la agora.
— Fico feliz em ouvir isso.
Roxy estava sempre certa, não estava? Eu tinha tanta sorte de tê-la por perto.
Deixei Roxy no meu quarto por um momento e fui até o quarto de Sylphie.
Quando minha mão encontrou a maçaneta, porém, hesitei por um momento.
Agora que pensei sobre isso, nunca tinha visto Sylphie em uma “noite da
Roxy” antes. E se ela estivesse chorando até dormir ou algo assim? Sylphie
sempre disse que estava tudo bem comigo me apaixonando por outras
mulheres. Ela acolheu Roxy na família calorosamente e até aceitou a
possibilidade de Eris se juntar a nós também, mas era possível que se sentisse
bem diferente lá no fundo.
E se ela estivesse chorando agora?
Ou se estivesse martelando pequenos pregos em um boneco de vodu? Ou
mordendo um lenço rendado, sussurrando “Aquela vadiazinha!” para si
mesma?
Hmm… Não, vai ficar tudo bem. Certamente minha pequena e doce Sylphie
não seria capaz disso.
— Uhm, Sylphie? Você poderia vir ao meu quarto para…
— Ele apenas mordeu minha orelha, assim! Oh, você deveria ter ouvido o jeito
que ele murmurou Vamos ficar muito ocupados! Eee! O que ele
vai fazer comigo? Aposto que vai ser como naquela primeira noite de novo…
O que eu faço, Lucie? Você pode ter um irmãozinho ou irmãzinha a caminho
em breve!
Quando abri a porta, encontrei Sylphie rolando em sua cama com os braços em
volta de um travesseiro, chutando as pernas em excitação feminina. Ela estava
falando bem baixinho, mas uma vez que a porta estava aberta, podia ouvir cada
palavra claramente.
Era um pouco difícil acreditar que essa garota já era mãe de uma criança. Por
outro lado, era uma visão extremamente adorável. Fiquei muito tentado a atacá-
la. Felizmente, Lucie não estava no quarto, pois dormia no quarto de Lilia.
Contudo, é preciso ressaltar, este quarto não era à prova de som…
Gah. Controle-se! Roxy está esperando por você, lembra?
— Ah.
Nossos olhos se encontraram. Sylphie parou no meio do rolamento com as
costas na cama, a bunda contra a parede e as pernas esticadas em direção ao
teto. Um grande e assustador sorriso estava congelado em seu rosto.
—…
Num gesto de compaixão, fechei a porta sem dizer uma palavra. Todo mundo
faz coisas que não gostaria que ninguém visse, certo?
— Ei! Não, Rudy! Espera! Você entendeu tudo errado! Não vá!
Movendo-se com velocidade impressionante, Sylphie saltou de sua cama e
correu para frente, pegando a porta pouco antes de fechar completamente.
— Bem, eu não ia a lugar nenhum. Apenas pensei que poderíamos tentar de
novo do início.
— O quê? Você não tem que fazer isso. Precisa de alguma coisa? É a noite de
Roxy, não é? Oh, talvez seja um daqueles dias? Você quer que eu me troque?
A garota claramente não estava pensando direito no momento. Parecia pensar
que a menstruação de Roxy tinha começado de repente, apesar de ela estar
grávida. Você não a via assim todos os dias, nem muito frequentemente, na
verdade.
No entanto, por mais encantador que fosse, já era hora de colocar as coisas de
volta nos trilhos.
— Queria falar sobre a pessoa com quem vou lutar e o que pode acontecer
depois. Você pode vir ao meu quarto?
Sylphie ficou em silêncio por alguns segundos, então assentiu rapidamente com
uma expressão séria no rosto. Pensei ter visto uma pitada de felicidade em seus
olhos também.
Me senti um pouco aliviado, por algum motivo.
A explicação em si não demorou muito.
Sylphie e Roxy ouviram em silêncio enquanto lhes dizia que meu oponente era
o Deus-Dragão Orsted e que tinha recebido ordens de lutar com ele por alguém
chamado Deus-Homem, que me visitava em meus sonhos. Expliquei que, se eu
morresse, elas precisariam fazer algumas coisas: primeiro, considerar Orsted
um inimigo, mas nunca desafiá-lo diretamente; segundo, nunca confiar em
nenhum conselho dado pelo Deus-Homem; e terceiro, transmitir ambas as
instruções para as futuras gerações de nossa família.
Também mencionei que, após minha morte, elas deveriam contar ao resto da
família tudo o que eu disse a elas e tentar pensar em maneiras de manter uns
aos outros seguros. Fiz o meu melhor para transmitir a gravidade da situação.
Nós três começamos sentados na cama, mas enquanto a conversa continuava,
me encontrei deitado com Roxy e Sylphie aninhadas em cada lado meu.
— Se eu acabar perdendo, há uma chance de que algo horrível aconteça com
Roxy durante a gravidez. Ou para Lucie, por falar nisso.
— Algo horrível? Uhm, basicamente… você está dizendo que este Deus-
Homem pode fazer algo conosco?
— Sim.
— Ah… agora entendi. Então é por isso que ficou nos dizendo para ficarmos
de olho na casa ultimamente…
Sylphie assentiu para si mesma, parecendo que tinha acabado de resolver um
quebra-cabeça. Tinha a sensação de que ela estava entendendo um pouco mal
meus motivos. Isso foi conveniente, de certa forma, mas talvez precisasse dizer
alguma coisa.
— Certo, eu entendo — continuou Sylphie. — Mas sabe, Rudy, posso cuidar
de mim mesma! E você também não precisa me pedir para proteger minha
filha. Eu daria minha vida por ela num piscar de olhos.
— Não se preocupe comigo também — acrescentou Roxy. — Eu me mantive
viva por muitos anos e não pretendo ser descuidada agora. Posso ser mais fraca
que você, mas, por favor, não pense que sou indefesa.
Pensando bem, não conseguia ver uma razão para dizer algo. Ambas estavam
um pouco animadas e isso era bom.
— De qualquer forma, Orsted dos Sete Grandes Poderes é… um grande
oponente — continuou Roxy. — Acha que pode vencer?
— Não tenho certeza — respondi honestamente. — Só lutei com ele uma vez
antes.
— E o que aconteceu?
— Ele me superou. Facilmente.
Mesmo depois de todo esse tempo, lembrar daquele primeiro encontro com o
Deus-Dragão fez minhas pernas tremerem. Ele derrotou Ruijerd em um
instante, facilmente tirou Eris da luta… e enfiou sua mão profundamente em
meu corpo.
O homem era aterrorizante.
— Rudy, tem certeza que não devemos ir todos juntos?
— Nah, vou fazer isso sozinho. Acho que isso me dá a melhor chance de
ganhar. Vou disparar vários feitiços enormes e destruir suas defesas à distância.
— Isso faz sentido… mas você está tremendo, sabia?!
— Sim.
— Ei! O que… Tire as mãos, Rudy! Pare de tentar me distrair!
Em minha defesa, não comecei a tocar em Sylphie porque queria distraí-la, só
queria senti-la. Se Orsted me matasse, não teria outra chance de tocar nisto, ou
nisto aqui também, ou naquilo… ou nisso, aliás…
— Ah! Vamos. Estamos tendo uma conversa séria aqui, certo?
— Sim.
— Você sabia, Rudy? Lucie está rastejando por todo o lugar agora. Ela pode
chegar onde quiser.
— Hmm…
— Lilia disse que ela a lembra do jeito que você era quando bebê.
—…
— Além disso, ela está pegando muitas palavras novas. Nesse ritmo, aposto
que ela estará andando por aí em menos de um ano.
Não estava ajudando muito com a criação de Lucie. Estava deixando isso
inteiramente para Lilia e Sylphie. Ainda assim… sabia o quão incrivelmente
fofa ela era, pelo menos.
— Estou realmente ansiosa por isso, Rudy.
— Eu também.
— Se parecer que vai perder, certifique-se de fugir, certo?
— Sim. Não sei se vou conseguir me livrar dele, mas vou tentar.
Lucie já tinha idade suficiente para entender o que estava acontecendo ao seu
redor? Se eu morresse nesta batalha, ela provavelmente nem se lembraria do
rosto de seu próprio pai quando crescesse. Qual seria a sensação? Era difícil
imaginar, mas talvez pudesse encontrar uma maneira diplomática de perguntar
a Aisha…
— Rudy…
Roxy tinha falado da minha esquerda. Estendi a mão para apalpar seu peito
também, mas ela agarrou meu braço antes que eu pudesse.
Ooh, isso é uma força de aperto impressionante! Ai. Desculpe. Eu sei, eu sei…
estamos tendo uma conversa séria.
— Uhm… estou feliz por ter conhecido você, Rudy. Estou feliz por me casar
com você e ter um filho com você. Nunca estive mais feliz em toda a minha
vida do que estou agora. Para ser honesta, nunca pensei que encontraria esse
tipo de felicidade.
— Certo…
— Mas há uma desvantagem, suponho. Se você sair e se matar, vai me deixar
mais triste do que nunca.
— Certo…
— Uhm, é um pouco embaraçoso dizer esse tipo de coisa, mas…
Roxy parou por um momento, respirou fundo e então terminou sua frase.
— Por favor, me faça feliz, Rudy.
Não tinha tomado a decisão errada, afinal. Iria lutar por Roxy e por Sylphie.
Precisava lutar por essas duas e depois voltar para casa e para minha família.
Todas as minhas dúvidas tinham finalmente evaporado.
Alguns dias depois, com todos os meus preparativos finalmente completos,
parti da Cidade Mágica de Sharia.
Estava completamente sozinho.
Capítulo 8: Atoleiro vs. Deus
Dragão

A dois dias ao norte a nordeste da cidade de Sharia, havia uma aldeia


abandonada que tinha sido engolida pela floresta.
Há cerca de quarenta anos, uma catástrofe mágica fez com que a floresta local
se expandisse rapidamente. A aldeia foi rapidamente invadida, forçando seus
habitantes a se mudarem. Nas décadas seguintes, os únicos visitantes deste
lugar foram os monstros que percorriam a floresta e aventureiros ocasionais
que vinham caçá-los.
Hoje, no entanto, um homem estava indo em direção a essa aldeia – um homem
com cabelos prateados e olhos dourados, que usava um casaco de couro branco.
O homem monitorou seus arredores em alerta enquanto se aproximava de seu
destino. Ele não estava a cavalo ou montado em uma carruagem; ele estava
simplesmente caminhando, andando calmamente pela floresta. Às vezes, seus
olhos afiados e intensos olhavam para um objeto semelhante a uma bússola em
sua mão esquerda.
Nenhum monstro se aventurou a atacá-lo. Muitos olhos brilhantes o espiaram
das profundezas da floresta, mas quando ele se aproximou, até as criaturas mais
ferozes fugiram como esquilos assustados.
— É isso?
Ao chegar nos arredores da aldeia abandonada para onde sua bússola apontava,
o homem fez uma pausa e a estudou em silêncio por um momento.
— Por que ela me chamaria para um lugar como este…?
Lentamente e cautelosamente pôs os pés na cidade em ruínas. Suas ruas outrora
limpas estavam cobertas de ervas daninhas e seus campos agora eram matagais.
Grandes árvores subiam pelos telhados de casas vazias; outras estavam tão
cobertas de trepadeiras que se assemelhavam a grandes montes verdes de
vegetação.
Logo, o homem parou mais uma vez. Ele chegou ao centro da cidade, onde um
poço presumivelmente teria sido localizado, porém uma estrutura distinta
estava lá: um edifício alto e amarelo em formato cilíndrico, e era a única coisa
em toda a cidade que não tinha nenhum vestígio de vegetação nele. Pela
condição de suas paredes de pedra e sua porta da frente, claramente havia sido
construída recentemente.
O homem olhou para a bússola em sua mão esquerda e confirmou que sua
agulha apontava diretamente para esta torre. Ele estendeu a mão para a
maçaneta com certa cautela.
— Nanahoshi, você está aí?
O interior da torre era extremamente simples. Não havia janelas ou corredores.
O chão estava estranhamente escorregadio, como se estivesse coberto de algum
tipo de óleo. Alguém havia deixado uma série de sacos de estopa protuberantes
e algo como um queimador de incenso contra a parede. O cheiro estranho no ar
parecia indicar que o queimador estava em uso ativo.
— Que lugar é este?
Olhando ao redor da sala, o homem avistou outra porta na parede em frente a
ele. Com cautela, mas sem hesitar, caminhou até ela e alcançou a maçaneta. Ao
fazer isso, sentiu uma pequena pontada de dor. Quando ele examinou a palma
da mão, no entanto, não havia nem uma mancha de sangue.
— Hm…? Estou imaginando coisas?
Ele entrou pela porta e se viu em uma sala com um layout idêntico ao primeiro.
Dado que estava sentado em uma encosta, parecia que uma parte deste edifício
era realmente subterrânea.
O homem estava cada vez mais desconfiado, mas mesmo assim avançou.
Placas com mensagens como “Por favor, remova seu calçado aqui” e “Todos os
hóspedes, por favor, coloquem este chapéu” foram postados nas paredes;
naturalmente, ele ignorou suas instruções e continuou com mais cautela do que
antes.
Algumas das portas estavam equipadas com armadilhas tão pequenas que
poderiam ter sido destinadas a ratos. Evitando-as cuidadosamente, continuou,
passando por um cômodo após o outro.
Eventualmente, chegou a uma sala muito estranha. Era alta, circular e não tinha
teto algum. Quando olhou para cima, podia ver uma fatia do céu acima dele.
Parecia que ele estava parado no fundo de uma chaminé.
— O que está havendo aqui?
Duvidoso, o homem franziu a testa, mas a agulha de sua bússola apontava para
o centro da sala. Uma pequena caixa estava ali com uma única folha de papel
embaixo dela. Ele se aproximou cautelosamente e olhou para o papel. Havia
duas palavras escritas nele:
Deus-Homem.
Ele rapidamente pegou a caixinha e a abriu.
— Hã?!
Grandes nuvens de fumaça imediatamente saíram dela.
Quando ele a deixou cair e assumiu uma postura defensiva, o homem ouviu um
pequeno tilintar metálico. Um anel de prata havia caído no chão ao lado da
caixinha, que de alguma forma ainda soltava fumaça com uma intensidade
notável.
O anel provavelmente havia saído da caixa quando bateu no chão. Por alguma
razão, piscou com uma luz vermelha fraca – e a agulha de sua bússola apontou
diretamente para ela.
— Nanahoshi?
O homem estendeu a mão para pegar o anel.
Uma fração de segundo depois, houve um grande clarão no céu.
— Guh!
O homem imediatamente se impulsionou, tentando pular para o lado. Mas o
piso escorregadio se recusou a cooperar. As solas de suas botas perderam
completamente o controle.
Um enorme raio atingiu o Deus-Dragão Orsted.
A partir do meu acampamento acima da aldeia abandonada, olhei atentamente
para o local que atraí Orsted. No exato instante em que vi aquela fumaça
subindo no ar, disparei um relâmpago no local do alvo com todo o poder que
pude reunir.
Estava confiante de que tinha o acertado. Pratiquei muitas vezes em preparação
para este dia, e revesti o chão com óleo vegetal para que ele não pudesse
escapar do meu feitiço no último momento.
Mas, claro, um golpe não seria suficiente para derrubá-lo. Ninguém tão frágil
poderia ter ganhado uma reputação como o mais forte do mundo – não com
monstros como Atofe por perto.
Enfiei meu cajado no chão, alimentei-o com uma onda de mana e visualizei
uma enorme nuvem de trovão – uma supercélula escura e turbulenta. Este era o
feitiço Classe Santo de Água, Cumulonimbus. Em um instante, o céu estava
coberto por uma grande nuvem negra. Fortes chuvas começaram a cair,
acompanhadas de relâmpagos.
Coloquei mais energia em meu cajado. Podia sentir que isso arrastava a mana
para fora de mim de algum lugar profundo dentro do meu corpo, e deixei isso
ocorrer livremente.
Desta vez, imaginei gelo. Visualizei parando os movimentos de cada molécula
no centro da cidade, baixando a temperatura rapidamente.
Nova Congelante.
Era um feitiço que já usei muitas vezes, mas nunca com tanto poder, ou em
uma área tão ampla. Uma após a outra, as gotas de chuva caindo sobre a aldeia
congelaram. Camadas sobre camadas de gelo se formaram rapidamente,
consolidando-se em um único objeto gigante. Finalmente, quando atingiu o
tamanho de um iceberg, parei meu feitiço.
Ainda não tinha acabado. Canalizei mais mana para o meu cajado e criei uma
rocha no céu acima da aldeia. Ignorando o custo de mana, expandi
constantemente seu tamanho até que fosse grande demais para escapar – depois
a lancei direto para baixo, com toda a velocidade que pude transmitir.
A rocha caiu em uma fração de segundo. O chão tremeu sob meus pés. Um
instante depois, um grande estrondo atingiu meus ouvidos, seguido por ventos
ferozes e uma onda de choque.
Protegi meus olhos com meu braço e olhei para minha obra. O iceberg havia
sido quebrado e dois terços da grande rocha estavam incrustados na terra.
Parecia impossível que algo pudesse ter sobrevivido a tal impacto.
— Eu o peguei?
Não houve nenhum movimento na aldeia. Parecia possível que isso realmente
tivesse acabado. Eu certamente esperava que sim.
Mas um instante depois, a grande rocha se quebrou.
— Ei!
De alguma forma, pude sentir a raiva assassina do homem, mesmo a esta
distância.
Um arrepio percorreu minha espinha. Minhas pernas tremiam fracamente e
lágrimas se formaram em meus olhos.
Assim que pude me mover, pulei na Armadura Mágica, que estava pronta ao
meu lado. Assim como pratiquei centenas de vezes, dei energia a todos os seus
componentes individuais, assumi o controle de seus membros e estendi a mão
para agarrar meu cajado. Não demorou nada, mas, de alguma forma, a raiva já
estava se aproximando.
Com a rotina de inicialização concluída, voltei meu foco para o próximo
ataque.
Mana saiu de mim, através da minha armadura, e entrou no cajado na minha
mão direita. Estimulei a torrente, com toda a intenção de me secar.
Estava visualizando uma explosão nuclear.
Apontando meu cajado na direção do meu inimigo, soltei o feitiço com toda a
ferocidade que pude reunir.
Houve um clarão intenso no centro da aldeia, e uma onda de calor e luz varreu
o chão. Pelo canto do olho, vi árvores incineradas em um instante, reduzidas a
sombras carbonizadas de si mesmas. Uma poderosa onda de choque seguiu um
momento depois.
A Armadura Mágica que usava pesava várias toneladas. Ela suportou o calor e
a onda de choque sem ao menos tremer.
Uma vez que a onda de devastação passou completamente por mim, olhei para
baixo em direção à aldeia. Uma enorme nuvem de cogumelo estava subindo
sobre ela. Não conseguia ver o chão claramente sob toda a fumaça e poeira,
mas alimentei aquele feitiço com mana suficiente para destruir tudo em seu
raio. Foi provavelmente o ataque mais poderoso que já usei na minha vida.
—…
E ainda assim, não conseguia parar de tremer de medo.
Ainda podia sentir aquela raiva, e estava muito, muito mais perto agora. Ele
estava se aproximando de mim a uma velocidade feroz. Estávamos tão distantes
no início, mas agora ele estava quase em mim.
Apertei minha mandíbula para impedir que meus dentes tremessem, apertei
minhas mãos trêmulas com força e depositei meu cajado no suporte nas minhas
costas. Então coloquei minha Metralhadora no meu braço direito, e peguei meu
escudo com a minha esquerda.
— Hoo… Haa… Aah…
Quando parei para respirar fundo, percebi que até minha garganta tremia.
Suprimindo à força o medo e a ansiedade que se erguiam dentro de mim,
apontei minha Metralhadora em direção à nuvem de poeira que se aproximava
rapidamente da minha posição.
— Hoo! Haa!
Eu precisava manter a iniciativa. Se o deixasse controlar o ritmo, estava
acabado.
Causei algum dano a ele? Os venenos na porta, ou o queimador de incenso
afrodisíaco, ou qualquer uma das outras armadilhas tiveram algum efeito?
Coloquei todo o poder que pude naqueles quatro feitiços com os quais acabei
de atingi-lo. Se eles o tivessem deixado totalmente ileso, era difícil imaginar
que essa pseudo-Metralhadora o arranharia. Mas, por falar nisso, meus feitiços
chegaram a acertar? Certamente ele não poderia ter evitado eles. Sua área de
efeito tinha sido enorme; eu os tornei tão enormes e mortais quanto possível. E
os disparei de tão longe que não poderia tê-los visto chegando, mesmo com um
Olho da Previsão. Não importa que tipo de Olho Demoníaco possua, a essa
distância…
Uma silhueta humana se aproxima.
— Atiraaaaaar!
Gritando a palavra de comando, ativei a Metralhadora na minha mão direita.
Quando a mana fluiu para dentro dela, imediatamente começou a disparar
Canhões de Pedra a uma velocidade feroz. Tantas ‘balas’ cortaram o ar que o
som de seus assobios se transformou em algo como um grito.
Os pedaços de rocha que se moviam rapidamente atingiram seu alvo, soprando
a nuvem de poeira que o cercava e revelando um homem de cabelos prateados
em uma capa surrada com seu rosto coberto de fuligem.
Ele se machucou? Meus feitiços fizeram alguma coisa?
Sim. Podia ver sangue escorrendo de seu queixo, e algo como uma queimadura
na base de seu pescoço. O dano foi pequeno até agora, mas consegui machucá-
lo.
— Guh!
Nossos olhos se encontraram. Seu olhar afiado, como um falcão, estava fixo em
mim agora. Ele tinha a aparência de um caçador que finalmente encontrou sua
presa.
Ele se esquivava na tentativa de escapar do bombardeio de pedras.
Mantendo meu Olho da Previsão totalmente ativado, concentrei-me em
antecipar os movimentos do Orsted. O homem era incrivelmente rápido, então
eu estava vendo uma série de possibilidades borradas e sobrepostas. Ainda
assim, tentei ajustar minha mira para cortar suas tentativas de evitar meu
ataque.
O tempo de viagem para cada projétil individual atingir seu alvo era
praticamente inexistente. Mas de alguma forma, Orsted os evitou como se os
visse chegando, gradualmente se aproximando de mim no processo.
Um passo aqui. Dois passos lá.
Olhando para mim tão ferozmente quanto uma ave de rapina, ele estava vindo
lentamente, mas firmemente fechando a distância entre nós. De vez em quando,
um Canhão de Pedra o roçava, e ele fazia uma leve careta, mas era só isso. Ele
parecia convencido de que mesmo um golpe direto não seria fatal; aparentava
não ter medo.
Ao que tudo indica, meus ataques não eram nada de especial para ele. De todas
as aparências, ele lutava contra pessoas como eu regularmente.
Me senti muito diferente. Sua calma e foco parecidas como um zumbi eram
aterrorizantes de testemunhar. Tinha uma sensação crescente de que nenhum
dos meus ataques funcionaria nele, e era uma luta de não ceder ao desespero.
Ainda assim, estava mantendo a vantagem por enquanto.
Tentando muito me convencer disso, comecei a me mover em resposta a
Orsted. Quando ele deu um passo à frente e à direita, me movi para trás, para a
esquerda. Quando ele ziguezagueou para a esquerda, recuei para a direita.
Aonde quer que ele tentasse ir, eu o encontrava com uma saraivada de pedras.
Enquanto pudesse continuar com isso, ele nunca se aproximaria. Eu tinha a
vantagem. Estava indo exatamente como tinha visualizado.
Em uma tentativa de aumentar a pressão, usei minha mão esquerda para lançar
um feitiço. Meu alvo era o chão sob nossos pés, e a magia que eu tinha em
mente era Atoleiro.
Moldando rapidamente o feitiço familiar, levantei a mão para ativá-lo, mas
naquele mesmo instante, Orsted também levantou a mão esquerda para mim.
— Interromper Magia!
Minha magia totalmente formada foi reduzida a um emaranhado caótico por
uma súbita onda de poder externo. O feitiço começou a desaparecer em uma
nuvem sem sentido de mana.
— Argh!
Mas eu a refiz forçadamente, puxando os fios de volta ao seu devido lugar.
Eu era capaz disso agora. Finalmente aprendi a fazer isso. Enquanto ensinava
Sylphie a usar Interromper Magia, também estava me treinando para neutralizá-
la: completar um feitiço, mesmo depois de ter sido arruinado. Todas aquelas
horas de prática valeram a pena por este momento.
Os olhos de Orsted se arregalaram de surpresa. Foi a primeira vez que ele viu
seu Interromper Magia falhar…
Uau.
No instante em que meu Atoleiro tornou o chão sob seus pés em lama, Orsted
usou um feitiço próprio para sobrescrevê-lo. Ele cobriu meu pântano
completamente com uma placa de barro.
E agora, sua mão direita estava apontando diretamente para mim. Eu respondi
rapidamente com meu próprio Interromper Magia.
Uma luz brilhante apagou o mundo.
Um choque de medo correu através de mim. Pausando meu bombardeio da
Metralhadora por um instante, pulei para o lado com todas as minhas forças.
Posso ver o mundo de novo.
Agora havia uma cratera profunda e considerável no local onde Orsted estava
mirando. Eu nem tinha visto o ataque em si. Foi algum feitiço de Fogo? Ou
talvez algo mais estranho, como magia de Gravidade?
Aquela luz que eu tinha visto agora era a morte?
Não havia tempo para pensar. Orsted estava correndo para mim com uma mão
estendida. O Interromper Magia não funcionaria; ele podia neutralizá-lo, assim
como eu.
Apontei as duas mãos para ele, canalizando mana através delas
simultaneamente. Minha intenção era parar o avanço do Orsted com a
Metralhadora, enquanto também cancelava sua magia com a Pedra da
Absorção, mas assim que coloquei esse plano em ação, percebi meu erro.
O feitiço do Orsted se dissipou. Mas, ao mesmo tempo, meus projéteis de
pedra também se dissolveram em nuvens de areia quando deixaram minha
arma.
Aproveitando esta breve janela de oportunidade, Orsted se aproximou
rapidamente. Com a mão direita ainda estendida em minha direção, puxou o
braço esquerdo de volta para a cintura, depois o balançou violentamente em
direção ao meu coração.
— Argh…!
Por puro instinto, tomei medidas evasivas. Usando as duas pernas ao mesmo
tempo, me lancei diretamente para trás com toda a força e velocidade que pude
reunir.
— Guh!
Não fui rápido o suficiente.
O punho do Orsted bateu no meu peitoral. Um som de assobio encheu o ar, e eu
o vi encurtar a distância a uma velocidade feroz. Logo o assobio deu lugar a um
estrondo, mastigando ruídos atrás de mim, e o mundo estava cheio de árvores
dançantes.
Ah. Então é assim que se sente ao ser acertado com tanta força.
Assim que esse pensamento passou pela minha mente, bati em uma árvore
enorme, interrompendo meu voo. A desaceleração repentina me atingiu como
um martelo; parecia que todos os meus órgãos internos haviam sido esmagados.
Minha visão começou a escurecer, mas me recuperei rapidamente. Os círculos
mágicos que Cliff havia esculpido no interior da minha armadura curaram
minhas feridas automaticamente.
Quando olhei para o meu peito, no entanto, descobri que meu peitoral estava
muito amassado e quase rachado ao meio. A rachadura estava se reparando
gradualmente, mas o processo era dolorosamente lento.
Ainda assim, pelo menos me protegeu de um golpe. Foi uma coisa boa eu ter
tirado um tempo para fazer essa peça da armadura particularmente grossa e
forte.
Aquela raiva assassina familiar já estava me dominando novamente. Orsted
estava correndo direto para mim, tentando dar um golpe final. Ativando
rapidamente minha Metralhadora, disparei uma saraivada de pedras mortais em
sua direção. Ele se esquivou agilmente e estendeu a mão direita para mim mais
uma vez.
Nesse ritmo, as coisas iam se desenrolar como da última vez. É um grande
problema. Minha armadura foi severamente danificada por um único golpe – se
ele acertasse mais em mim, acabaria por dar um soco direto nela.
Quais eram minhas opções? Duelar com ele usando magia não ia funcionar.
Poderia cancelar seu Interromper Magia, mas o homem claramente tinha alguns
meios de resistir a danos mágicos, assim como Moore. E eu nem sabia que tipo
de feitiços ele estava jogando em mim.
Eu estava em desvantagem em uma luta à distância. Isso significava que eu
teria que tentar a minha sorte a uma distância mais próxima. Era a única opção
que me restava.
Tive que confiar no poder da Armadura Mágica. Tinha que derrubá-lo com
minha força bruta.
Disparei outro bombardeio da minha Metralhadora para manter Orsted preso e
avancei, soltando um grito de batalha silencioso.
— Raaaaaah!
— Ngh!
Orsted puxou a mão direita para trás para se preparar para o meu ataque.
Conduzindo com o escudo no meu braço esquerdo, me endireitei com as duas
pernas. Minha intenção era bater nele como um aríete.
Orsted assume uma postura Estilo Deus da Água.
No instante em que vi isso com meu Olho da Previsão, balancei meu escudo
para frente, atacando em sua direção com a lâmina montada em sua ponta. Esta
era uma espada que causava mais dano aos inimigos com defesas poderosas.
Talvez funcionasse.
Meu corpo bateu em Orsted com um estrondo alto e metálico. Parecia que tinha
batido contra uma parede. Mas o impacto o fez voar para trás; e havia sangue
jorrando de seu braço. Seus olhos, ainda fixos em mim, estavam ardendo de
ódio e raiva.
Esta era a minha chance. Colocando minha Metralhadora em posição,
rapidamente disparei um bombardeio de pedras. Elas bateram nele no ar,
rasgando o que restava de suas roupas e revelando um corpo machucado e
espancado por baixo. Havia queimaduras, cortes e arranhões por todo o corpo.
Meus canhões de pedra atingiram sua pele exposta repetidamente, enviando
jatos frescos de sangue para o ar.
Finalmente, Orsted bateu no chão com um forte estrondo.
Eu poderia fazer isso. Eu poderia matá-lo. Contanto que pudesse acertar golpes
diretos, meus feitiços poderiam causar muitos danos. Sim, as pedras
ricochetearam nele, mas rasgaram sua pele e o deixaram sangrando.
Eventualmente, isso seria o suficiente para matá-lo. Se eu pudesse machucá-lo
o suficiente agora, antes que ele…
— Parece que não tenho escolha.
De alguma forma, o ouvi dizer essas palavras. Mesmo à distância. Mesmo
enquanto minhas pedras gritavam no ar.
Naquele instante, o ar esfriou. Meu corpo estremeceu incontrolavelmente,
como se de repente tivesse pisado em uma tundra gelada. E então meu Olho da
Previsão parou de ver Orsted, embora ele fosse claramente visível para o meu
outro olho.
Antes que eu pudesse entender o que isso significava, ele desapareceu
completamente.
— Ei!
Atingido por um súbito e intenso choque de terror, dei um salto para a direita.
Naquele momento, houve um estrondo agudo do meu lado esquerdo.
Quando olhei, vi Orsted parado ao meu lado com uma espada parecida com
uma katana nas mãos. Sob todos os aspectos, ele tinha acabado de balançá-la.
Eu também vi a mão esquerda da minha armadura, cortada de forma limpa de
seu braço, cair no chão com um baque pesado.
— Graaaaaaaaaaahhh!
Antes que eu pudesse reagir, Orsted soltou um grito assustador e ensurdecedor.
A força do grito deixou meu corpo atordoado e entorpecido. Esta era a magia
vocal, a especialidade do povo-fera.
Por um instante, vacilei à beira da inconsciência. Mas no último momento,
consegui me recompor e pular para o lado.
Impulsionando o chão com tanta força que deixou uma cratera em seu rastro,
Orsted saltou atrás de mim em perseguição.
Virei minha Metralhadora para ele. Mas assim que eu estava ativando, ele
balançou a espada pela segunda vez, cortando-a ao meio. Pedaços quebrados
dos implementos mágicos caíram inutilmente no chão.
Eu ainda tinha meu braço direito, pelo menos. Havia uma ranhura longa e
profunda na superfície de sua armadura, mas ele não estava perto o suficiente
para cortá-la completamente.
Orsted estava bem na minha frente agora com sua espada ainda baixa de seu
ataque. Imediatamente canalizei mana na minha mão direita. No mesmo
momento em que disparei minha versão mais forte do feitiço Elétrico, balancei
meu punho blindado implacavelmente em seu rosto.
Mas, em vez de acertar com um estalo, senti meu
golpe deslizar inofensivamente para longe de seu alvo.
De alguma forma, a espada do Orsted estava pressionada contra meu braço. E
atrás dele, a eletricidade explodiu ruidosamente pela floresta, incendiando a
vegetação rasteira e quebrando grandes árvores.
Ele redirecionou meu feitiço e meu soco.
No momento em que finalmente entendi isso, sua espada se moveu
ligeiramente.
— Gaaaagh!
O braço direito da minha armadura caiu no chão com meu braço real ainda
dentro dela.
A dor era esmagadora, mas eu nem tive tempo de fazer careta. Mesmo
enquanto ele seguia em seu ataque, Orsted continuava pressionando o ataque
novamente.
Não pude responder. Não pude nem me preparar.
Seu chute me acertou bem no estômago. Um grito metálico horrível soou em
meus ouvidos. Fui levantado brevemente do chão. Toda a força de seu ataque
havia passado direto através da armadura para o meu corpo.
— Bleeergh!
O golpe no meu estômago enviou sucos gástricos pela minha garganta e pela
minha boca. Minha visão estava turva de lágrimas. Mas quando caí
pesadamente de costas, apontei o cotoco do meu braço direito para Orsted e
disparei uma onda de choque nele.
Orsted balançou a espada no ar. Ouvi um estrondo enquanto ele fazia isso, mas
essa foi sua única reação ao meu ataque. Quando percebi que ele havia cortado
a onda de choque, seu pé havia esmagado meu rosto. Meu pescoço rangeu
ameaçadoramente, e um choque de dor intensa correu da minha cabeça até
meus ombros.
—Nh…?!
Sem nem perceber, caí no chão. Depois de me levantar apressadamente para
uma posição sentada, consegui me levantar – apenas para ver Orsted parado
bem na minha frente com sua espada erguida.
Eu ia morrer.
— Expurgar!
Por puro reflexo, consegui gritar a palavra de comando. Os painéis traseiros da
Armadura Mágica saltaram instantaneamente, puxando-me junto com eles.
Uma fração de segundo depois, Orsted cortou a armadura vazio ao meio.
Bati no chão com força e meu corpo caiu por algum tempo antes de finalmente
parar.
Não conseguia ver o que Orsted estava fazendo. Eu estava sem opções. Estava
tudo acabado.
— Ai!… caaagh…
Meu corpo inteiro estava cheio de dor. O homem só me chutou algumas
vezes através da minha armadura, mas parecia mais que eu tinha sido
espancado com um bastão por horas. Meu peito dói. Meu estômago dói. Meu
braço direito dói. Meu pescoço dói. Minhas costas doem. Era doloroso apenas
respirar. Por alguma razão, mal conseguia me mover. Me senti mais exausto do
que nunca em toda a minha vida.
Oh. É assim… que se sente… quando sua mana acaba?
— Aah… haah…
Os olhos de Orsted se voltaram para mim.
Me encolhi de medo. Minha armadura se foi. Tinha que correr, ou ele me
mataria aqui e agora…
Espera. Meu braço direito. Onde está meu braço direito?
— Guhhh…
O chute acertou antes mesmo de eu vê-lo se mexer. Caí para trás com meu
corpo gritando em agonia.
Caí de bruços na terra. Lutando para respirar, virei de costas – e um pé bateu no
meu peito.
— Nrrgh…
Um gemido de dor saiu da minha garganta.
Meu corpo parecia estar queimando. Mas havia algo frio pressionado contra
minha garganta. Olhando para cima, vi que era a espada do Orsted.
Droga. Eu realmente vou morrer. Tudo isso, e ainda não foi o suficiente…
— Então é você, Rudeus Greyrat. Da última vez que soube, você tinha
sossegado e começado uma família. Por que viria atrás da minha cabeça?
Parecia que Orsted não pretendia me matar imediatamente. Talvez fosse porque
ele já havia poupado minha vida uma vez. Ou talvez soubesse que eu não era
capaz de continuar a luta.
— O Deus-Homem… disse…
— Hmph. Então você é um dos discípulos dele, afinal. Morra, então.
Ele tirou o pé do meu peito e ergueu a espada.
— Ele disse… que você está tentando destruir o mundo, e meus descendentes
vão ajudá-lo a te matar um dia…
Orsted fez uma pausa ao ouvir isso.
— O quê?
— O Deus-Homem me disse… ele está lutando contra você porque quer
proteger o mundo.
—…
— Ele disse que se eu te matasse, não machucaria meus filhos… ou minha
família…
Virei-me de barriga para baixo e estendi a mão em direção ao pé do Orsted.
Agarrando-me a ele, esfregando meu rosto contra ele, comecei a implorar com
uma voz alta e desesperada.
Isso era a única coisa que eu podia fazer agora.
— Por favor… não destrua o mundo. Você pode me matar, não me importo. Só
não leve meus filhos… Não tire o futuro deles! Por favor, isso… Esta é a
primeira vez que eu… fui tão feliz. Por favor, deixe o Deus-Homem em paz.
Eu te imploro!
Lágrimas escorreram pelo meu rosto. Eu era um fracasso impotente, e agora até
perdi minha dignidade.
Patético. Apenas patético. O que há de errado comigo, droga?
— Não posso fazer isso, estou com medo.
No momento em que ouvi essas palavras, mordi ferozmente o pé do Orsted.
— Fgaaaaaah!
Ao mesmo tempo, levantei o coto sangrando do meu braço direito do chão,
canalizei toda a minha mana restante para ele e ordenei que explodisse.
Se eu tivesse que morrer, pelo menos eu levaria esse desgraçado comigo.
— Interromper Magia!
Um chute forte me fez voar. Com meu foco quebrado, a mana que reuni se
dissipou inutilmente. Era uma luta apenas para ficar acordado agora. Se eu
usasse mais mana neste momento, poderia dizer que ficaria instantaneamente
inconsciente.
— Você pode possuir o Fator de Laplace e a enorme quantidade de mana que
vem com ele. Mas lançar tantos feitiços poderosos em rápida sucessão ainda o
drenará.
Enquanto falava, Orsted se abaixou e estendeu a mão para mim.
Eu vou morrer. Ele vai me matar. Mas se eu morrer, ele não morrerá.
E se ele não morrer… então Lucie morrerá. E Roxy. E Sylphie. Não posso
deixar isso acontecer. Não posso deixá-lo me vencer. Eu preciso ganhar!
Mas meu corpo não se mexe. E estou sem mana.
O sangue pulsava constantemente para fora do meu braço cortado. Meus
pensamentos estavam ficando vagos e lentos. O mundo parecia estar ficando
mais escuro.
A mão do Orsted se aproximou até ser tudo o que pude ver.
Droga. Droga.
Dane-se…
Eu deveria ter escolhido um nome, pelo menos.
— Hrm?!
De repente, Orsted saltou para longe de mim.
— Mm…?
Olhando para cima, descobri que outra pessoa tinha ficado entre nós. Era uma
mulher alta de calças escuras e uma jaqueta elegante. Em sua mão, segurava
uma espada de uma mão com uma lâmina prateada. Mas ela estava de costas
para mim, então eu não podia ver seu rosto.
Ah, espera. Reconheço esse cabelo…
Estava ondulado, descia até a cintura dela – e era um tom vibrante e ardente de
carmesim.
— Desculpe o atraso, Rudeus.
Eris Greyrat estava na minha frente.
Capítulo 9: Rei Berserker da
Espada vs. Deus Dragão

Vários dias antes desses eventos, duas mulheres apareceram nos portões da
Cidade Mágica de Sharia. Uma delas era uma mulher-fera de cabelos grisalhos
e músculos impressionantes. A outra era uma humana com uma magnífica juba
de cabelo carmesim. A mulher-fera era uma cabeça mais alta que sua
companheira, mas ambas usavam casacos idênticos e carregavam espadas na
cintura.
Eris Greyrat e Ghislaine Dedoldia finalmente chegaram ao seu destino, após
uma longa jornada partindo do Santuário da Espada.
A viagem não foi fácil, para dizer o mínimo. Eris estava com tanta pressa para
ver Rudeus depois de tanto tempo que escolheu um atalho através de uma
floresta, onde elas rapidamente se perderam e foram parar em um ninho de
monstros, que levou um tempo para matar. Quando finalmente conseguiram
sair da floresta e chegaram à cidade mais próxima, um grupo de bandidos locais
imprudentemente provocou Eris, levando a uma grande briga, que as tornou
inimigas de um monte de gente, o que levou a outra grande briga, que levou a
problemas na fronteira, os quais as duas resolveram com violência mais uma
vez. Honestamente, em grande parte foi culpa de Eris, mas elas acabariam
levando algum tempo para chegar em Sharia, de qualquer forma.
Ainda assim, tanto Ghislaine quanto Eris já foram aventureiras. No decorrer da
jornada, eventualmente pegaram o jeito das coisas e, após entrarem no Reino de
Ranoa, o trajeto para a cidade foi relativamente tranquilo.
Quando chegaram em Sharia, também agiram de forma eficiente. Ajudou
bastante o fato de que muitas pessoas na Guilda de Aventureiros local
soubessem exatamente onde era a residência de Rudeus Greyrat. Pelo que
parecia, todos nesta cidade conheciam o nome de Rudeus. Um cidadão
prestativo até as explicou que poderiam encontrar sua casa ao procurar por uma
criatura incomum e escamosa oriunda de Begaritt em seu quintal – ou por seu
companheiro, um Ente de aparência peculiar supostamente cultivado no
Continente Demônio.
Na verdade, o lugar provou ser fácil de encontrar.
A residência de Rudeus não se comparava à enorme mansão em que Eris viveu
quando criança, é claro, mas era grande o suficiente para facilmente se passar
como algum tipo de pousada. O quintal também era espaçoso e parecia servir
muito bem como um campo de treinamento.
Enquanto discutia suas impressões com Ghislaine, Eris, ao contrário do que
normalmente faria, estava hesitante em passar pelo portão. Em vez disso, ficou
bem defronte a ele com os braços cruzados.
Por um tempo, o silêncio reinou. Ghislaine não disse nada, assim como sua
companheira. Com o queixo erguido, Eris simplesmente olhava para o prédio
em sua frente. Pelo que parecia, estava convicta de que Rudeus de alguma
forma sentiria sua presença e emergiria de dentro a qualquer momento.
Os pensamentos que surgiam em sua mente eram relacionados aos diversos
rumores que ouviu sobre Rudeus ao decorrer de sua jornada.
Era dito que Rudeus “Atoleiro” Greyrat matou um dragão e derrotou um Rei
Demônio. Como o mago mais poderoso da Universidade de Magia de Ranoa,
causava medo e admiração; mas apesar de sua arrogância e ousadia, era amigo
dos fracos, e havia muitas histórias cômicas sobre seu estranho comportamento.
Em outras palavras, ele era uma figura relativamente popular.
Aqueles que o viram em ação tinham dificuldades para descrever a extensão de
seus poderes. Ouvir os louvores a ele sempre fazia Eris sorrir, quase como se a
estivessem elogiando. Porém, entre os muitos rumores que tinha ouvido até
agora, foram algumas anedotas “cômicas” que realmente chamaram sua
atenção.
Por exemplo: O cara é louco por sua esposa. Eles sempre fazem compras juntos
no caminho de volta da Universidade.
Ou: Eu o vi agarrar a bunda da esposa no mercado. Ela ficou toda corada!
Ou: Ele se casou com uma mulher que parece ser uma criança, juro.
Ou: Ele já tem duas esposas, e quem sabe quantas mais vão entrar no harém.
Com certeza não é um cara muito religioso.
Em outras palavras, eram os rumores envolvendo suas esposas. Toda vez que se
lembrava dessas histórias, Eris franzia a testa profundamente.
Logo após cruzar a fronteira com Ranoa, descobriu seus nomes: Sylphiette
Greyrat e Roxy M. Greyrat. Eris não tinha noção do que deveria dizer quando
realmente as conhecesse. Tudo o que sabia sobre as esposas de Rudeus era
baseado na carta que ele a enviou. Embora tenha ouvido rumores sobre elas em
sua jornada e passado muito tempo pensando nelas… mas no fim, Eris
simplesmente não sabia como obter os resultados que desejava.
Por consequência, ficou parada como uma estátua em frente ao portão.
Felizmente, o impasse acabou sendo quebrado por uma jovem e atenciosa
empregada.
Quando Eris apareceu no portão, Aisha se perguntou: É a Eris? Deve ser, né? E
começou a preparar as coisas. Ela queria estar pronta para mostrar a
hospitalidade perfeita a Eris no momento em que batesse na porta.
No entanto, depois de quase uma hora de espera, ela finalmente decidiu tomar a
iniciativa.
Aisha sentiu que tinha uma grande dívida com Eris. Embora não a respeitasse
tão profundamente quanto seu irmão, era um fato que havia desempenhado um
papel vital em salvá-la de seu cativeiro em Shirone. Lilia sempre lhe ensinou a
pagar suas dívidas em dobro. Então, quando ouviu sobre a possibilidade de
Rudeus tomá-la como sua terceira esposa, decidiu ajudar silenciosamente a
fazer isso acontecer – presumindo que ela realmente amasse o seu irmão, é
claro.
Graças à ajuda da pequena empregada, Eris finalmente conseguiu entrar na
casa. Uma vez lá dentro, foi calorosamente recebida por Aisha e Lilia.
Enquanto Aisha corria para a Universidade a fim de chamar Sylphie e Roxy,
Lilia a informava sobre a situação atual de forma mais detalhada.
Eris ficou surpresa quando a apresentaram Lucie. Embora seu sorriso fosse um
pouco estranho, seus sentimentos não eram particularmente negativos. Afinal,
sempre poderia ter seu próprio bebê – e o seu poderia ser um menino.
Dado o quão incerta estava no início, essa foi uma atitude surpreendentemente
confiante. A saudação amigável de Aisha e Lilia ajudou muito a acalmar seus
nervos. Mesmo quando Sylphie, Roxy e Norn chegaram, a conversa
permaneceu calma e pacífica. As duas esposas de Rudeus talvez ficaram um
pouco chocadas ao se depararem com o corpo esbelto de Eris, mas estavam
longe de serem hostis em relação a ela.
Claro que o fato de Aisha e Lilia terem deixado o clima mais tranquilo também
ajudou, mas o mais importante foi que Sylphie e Roxy já haviam discutido
sobre o assunto ao longo de várias conversas particulares.
Como esperado, a expressão de Norn sugeria que não estava muito feliz com a
situação. Porém, como o problema estava essencialmente resolvido, não
demonstrou abertamente nenhuma oposição. Norn sabia que Sylphie, Roxy e
Rudeus estavam dispostos a aceitar Eris, e ela estava tentando levar a vontade
deles em consideração. Além disso, em poucos minutos ficou óbvio que Eris
estava apaixonada por Rudeus e o respeitava profundamente. Era um pouco
embaraçoso apenas ouvi-la, mas todo mundo gosta de escutar elogios de outra
pessoa direcionados a alguém que tem apreço.
No entanto, esse clima de paz não durou muito. Eris finalmente perguntou onde
Rudeus estava, e as coisas tomaram um rumo turbulento. Quando soube que ele
tinha ido lutar contra Orsted, Eris ficou extremamente zangada com suas
esposas. No que lhe dizia respeito, era responsabilidade delas acompanhá-lo em
batalha.
— Por que o deixaram ir sozinho? Estão tentando matá-lo?
— Nós tentamos ir junto, mas ele nos disse para ficarmos para trás! Disse que
só atrapalharíamos! — Sylphie protestou em lágrimas.
Surpresa com essa reação, Eris parou para pensar por um momento – tempo o
suficiente para se lembrar que havia treinado por anos a fio para poder lutar ao
lado de Rudeus de igual para igual. Ocorreu-lhe que essas mulheres estiveram
lá para ele durante o período que estava ausente. De acordo com sua carta, elas
o ajudaram muitas vezes ao longo dos anos. Eris acabou sentindo ciúmes e uma
leve sensação de superioridade.
Ela não seria um fardo; poderia ajudar Rudeus em sua luta contra Orsted.
Com essas palavras firmes e confiantes, convenceu Roxy, Sylphie e Ghislaine a
acompanhá-la no resgate de Rudeus.
Desta forma, Eris chegou em cima da hora.
O grupo correu para a área da emboscada, mas acabou indo um pouco longe
demais. Assustados com a grande explosão atrás deles, foram em direção aos
sons do combate; Eris correu pela floresta, procurando desesperadamente por
Rudeus.
Finalmente, o encontrou à beira da morte e saltou em sua frente para defendê-
lo.
Por conseguinte, ficou cara a cara com Orsted.
Eris fixou os olhos em Orsted e ergueu a arma bem acima da cabeça. Esta não
era uma espada comum. Seu nome era Espada do Dragão Fênix, e era uma das
Sete Lâminas do Deus da Espada.
— Ghislaine! Me dê cobertura!
Orsted, em contraste, não assumiu nenhuma postura. Simplesmente olhou para
Eris com uma expressão desconfiada no rosto. Não, não era só ela que tinha sua
atenção. Também observava Rudeus, que estava caído, e as duas mulheres que
correram para prestá-lo socorro.
Eris, por sua vez, começou a analisar cuidadosamente Orsted.
Ele estava nu da cintura para cima, parecia letárgico e sangrava de uma centena
de ferimentos, inclusive de sua cabeça. A ponta de seus cabelos estava
chamuscada, e havia um grande hematoma perto de seu ombro. Ele sofreu
danos significativos. No entanto, também havia uma espada longa e curva em
sua mão direita.
Eris nunca tinha visto a lâmina de Orsted antes. Embora não fosse uma
especialista em avaliar armas, podia dizer que havia algo de muito especial
nela. Sua espada era um tesouro do Estilo Deus da Espada, mas nem mesmo
seu poder se comparava ao que estava escondido naquela coisa.
Na última vez que se enfrentaram, Orsted não havia usado nada do tipo. Não
foi necessário, é claro. Ele havia os esmagado com as próprias mãos. Rudeus
não apenas feriu o Deus Dragão significativamente, como também forçou o
homem a desembainhar sua espada. Esse fato liberou adrenalina por todo o
corpo de Eris.
Agora é a minha vez de mostrar do que sou capaz…, mas não posso ser
impaciente. Tenho que ganhar algum tempo primeiro…
Com esforço, Eris conseguiu suprimir sua excitação. Ela não conseguiria
derrotar Orsted. Percebeu isso instintivamente no momento em que ficou cara a
cara com ele, e aceitou essa realidade com bastante facilidade.
Quando criança, a diferença de poder era tão grande que nem conseguia medi-
la com precisão. Era como olhar para uma torre centenas de vezes mais alta que
você: tudo o que realmente consegue dizer é que aquela coisa é muito alta. Eris
acreditava que poderia escalar até o topo daquela torre.
Porém, as coisas eram diferentes agora. Ela havia crescido e podia ver a
verdadeira altura de Orsted. Eris estava muito mais alta do que antes. No
entanto, Orsted ainda era mais alto. Muito mais alto. Olhar para ele era quase
estonteante.
Não era uma altura que ela poderia ter esperanças de escalar.
— Eris Boreas Greyrat… Rudeus é tão precioso para você? E Luke?
— Luke?
— O homem que estava destinado a se tornar seu marido.
— Isso é novidade para mim.
Eris desconsiderou as palavras de Orsted com bastante facilidade. Não sabia
quem era esse Luke, mas o único homem que era “precioso” em sua vida, era
Rudeus. Ela não desejava mais ninguém, e nunca iria.
— Não me surpreende.
Orsted ainda não havia assumido uma postura de combate. Ele só estava
assistindo enquanto as outras curavam os ferimentos de Rudeus. Pelo que
parecia, havia baixado a guarda completamente. Porém, Eris sabia que era
exatamente isso que o homem queria que pensasse. Ele se deixou vulnerável,
esperando que ela atacasse.
—…
Eris se recordou de seu último encontro com o Deus da Espada.
Após mostrar seu quarto para Eris, o Deus da Espada Gall Falion colocou três
espadas em sua frente e fez uma pergunta simples.
— Qual será?
Eris pegou as espadas em sua mão e as examinou uma por vez. Por um lado,
queria dizer que a espada que ganhou no Continente Demônio muito tempo
atrás era tudo que precisava. Porém, à medida que crescia, a arma começou a
parecer pequena demais. Ela honestamente queria algo mais longo. Além disso,
suspeitava que sua lâmina não seria capaz de ferir Orsted.
Um Santo da Espada poderia ter objetado que apoiar-se no poder de sua arma
refletia a falta de orgulho em suas próprias habilidades. Porém, Eris sabia que
orgulho não servia de porra nenhuma em uma luta até a morte.
— Esta.
A espada que Eris escolheu era a mais simples das três. Sua lâmina era fina e
apenas ligeiramente curvada. Não havia nada de ameaçador ou intimidador
nela; na verdade, sua superfície limpa e polida era uma visão muito agradável.
— É a Espada do Dragão Fênix.
A arma que escolheu foi um presente para o primeiro Deus da Espada do
lendário artesão conhecido como Imperador Dragão. Era uma espada feita para
os Deuses da Espada, projetada para maximizar o potencial de seu Estilo
ofensivo.
— Boa escolha, criança.
— Importaria de me dizer o motivo?
— Esta é uma Espada Mágica. À primeira vista, não parece ter nenhuma
habilidade especial, mas há pequenos canais de mana correndo por toda a
lâmina. Eles basicamente neutralizam a Aura de Batalha do seu oponente. A
Aura do Deus Dragão é insanamente forte, então a espada não vai anulá-la
completamente…, mas vai enfraquecê-la um pouco.
Em outras palavras, pode ser possível perfurar suas defesas com isso.
— Nunca gostei dela, mas aposto que você vai usá-la bem.
Aliás, a razão pela qual Gall só mostrou a Eris três das Sete Lâminas do Deus
da Espada foi porque as outras quatro já tinham dono. Ele carregava uma,
assim como os dois Imperadores da Espada e a Rei da Espada Ghislaine. As
outras duas, sem dúvida, acabariam nas mãos dos dois jovens e promissores
Santos da Espada deste Estilo, uma vez que tivessem progredido um pouco
mais em seu treinamento.
— Agora, vamos ao que interessa. Primeira regra para lutar contra Orsted…
O Deus da Espada fez uma pausa para dar ênfase, olhando Eris nos olhos.
— Nunca ataque primeiro.
Eris não perguntou o porquê. Ela mesma já sabia muito bem a resposta.
— O Estilo do Deus da Água dele é de nível divino. Ele vai te matar em um
único contragolpe.
Uma lembrança amarga passou pela mente de Eris; na qual saiu voando com
um único soco.
— Faça-o vir até você. Esse é o primeiro passo.
Os praticantes do Estilo Deus da Espada sempre buscam acertar o primeiro
golpe. Para derrotá-los, é necessário só esperar e contra-atacar. De acordo com
o Deus da Espada, essa estratégia simples era a essência da técnica inigualável
de Orsted.
Então, Eris não se moveu. Não podia arriscar atacar primeiro um mestre
praticante do Estilo Deus da Água. O Estilo do Deus da Espada era
inerentemente agressivo, e o Estilo do Deus da Água defensivo. Isso a colocou
em grande desvantagem. Os contra-ataques do Estilo Deus da Água não
falham. A menos que o estudante do Estilo do Deus da Espada
fosse superior até certo ponto, o Estilo Deus da Água sairia vitorioso.
Eris tinha aprendido essa lição muito bem, graças ao seu treinamento com a Rei
da Água Isolde. E, portanto, não cometeria o erro de atacar primeiro.
Naturalmente, ficar parada não era fácil para a notoriamente agressiva “Cão
Louco”. Porém, ela faria isso de qualquer maneira.
— Hmm…? Não vai atacar?
Enquanto Eris estava ali, apenas mantendo sua postura, Orsted estreitou os
olhos em perplexidade. O Estilo Deus da Espada sempre busca acertar o
primeiro golpe. Era a base de todas as suas técnicas. No entanto, ela não estava
fazendo absolutamente nada.
— Tudo o que preciso fazer é esperar. — Eris respondeu calmamente. —
Quando Rudeus se recuperar, podemos atacá-lo juntos.
— Bem, isto é uma surpresa. Eris Boreas Greyrat falando em lutar ao lado de
aliados? Outra mudança, ao que parece. Achei possível que pudesse se tornar
diferente, se aprendesse a esfriar a cabeça e treinasse com o mestre certo…
Acho que eu não estava enganado.
— Não sou mais uma Boreas. É apenas Eris Greyrat.
— Uma mulher diferente da Eris que conheço, então…
Movendo-se de forma lenta e deliberada, Orsted finalmente assumiu uma
postura.
Com a mão esquerda ainda pendendo frouxamente, levantou o braço direito
para mirar a ponta de sua lâmina em direção a Eris.
— Muito bem. Sendo assim, irei até você.
Embora nenhum dos dois tenha feito nenhum movimento até então, agora a
batalha estava entrando em seu segundo estágio.
Mais uma vez, Eris se recordou de sua conversa com o Deus da Espada.
Com a mão nua, Orsted pode usar sua Espada de Luz como uma lâmina.
Porém, depois de todo o seu treinamento com Nina, acho que sabe como lidar
com esse movimento. Basta cortar seu punho antes que atinja a velocidade
máxima.
Dito isto, não há como dizer se ele usará a mão esquerda ou direita. Se erguer
as duas, você terá que adivinhar. Ele também pode atacar por cima ou por
baixo. Então, escolha direita ou esquerda, cima ou baixo – esse é o passo dois.
Essas foram as palavras exatas de Gall Falion.
Eris não pôde evitar de fazer uma pequena careta. Orsted já havia sacado sua
espada. Com sua própria mão, ele estaria usando a verdadeira Espada de Luz,
não uma imitação dela. A questão era se Eris seria capaz de contra-atacar.
Ela chegou à conclusão de que era possível. Orsted não era invencível. Ele
estava respirando com alguma dificuldade e estava coberto de feridas. Mesmo
agora, sangue escorria do braço que segurava a espada.
Além disso… ele estava estendendo apenas o braço direito, e sua espada estava
baixa, assim como ela esperava. Apesar de seus ferimentos, Orsted ainda estava
segurando sua arma com uma única mão.
Ele realmente acha que não sou nada demais…
A Eris de sempre teria ficado furiosa, mas desta vez não se deixou abalar e
permaneceu calma. A seu ver, parecia até estranho, considerando os anos
conturbados que passou exigindo medo e respeito do mundo, mas hoje, estava
agradecida por ser subestimada.
— Estilo do Deus da Espada – Espada de Luz.
A mão de Orsted cortou o ar em uma velocidade assustadora. Porém,
simultaneamente…
— Estilo do Deus da Espada – Lâmina Reflexiva.
Eris também balançou sua espada para baixo.
Era um movimento que havia praticado milhares e milhares de vezes, bem
como a melhor maneira de neutralizar a Espada de Luz. Com sua espada na
velocidade máxima, mira-se no punho mais lento de seu oponente e o corta
antes que consiga completar seu golpe.
A espada de Orsted saiu voando – junto com a sua mão direita.
Peguei ele!
Por um momento, Eris pensou que a luta havia acabado. Porém, antes que
pudesse continuar, Orsted respondeu de forma surpreendente. Estendendo a
mão para cima, pegou o membro decepado, pressionou-o contra o punho e o
realocou instantaneamente. Em seguida, aproveitou do movimento que havia
realizado para executar um chute giratório.
Eris conseguiu desviar este ataque bizarro dando meio passo para trás, mas só
porque o Deus da Espada a advertiu que havia uma possibilidade de que ele
tentasse algo do tipo.
— …!

Sem perder tempo, Orsted desferiu um golpe cortante com a mão nua, mas Eris
bloqueou-o com a espada.
Nenhum desses ataques apressados tinha sido uma Espada de Luz. Como
resultado, a investida de Eris não feriu Orsted. Sua lâmina atingiu o alvo com
um tinido, redirecionando com sucesso a mão dele, mas não deixou um
arranhão sequer em sua pele.
Logo em seguida, a espada de Orsted bateu com a lâmina no chão atrás dele.
Pelo que parecia, a mão direita do homem estava novinha em folha. Os
ferimentos que Rudeus lhe infligiu também foram curados. Em um piscar de
olhos, se restaurou completamente com uma variedade incrivelmente poderosa
de magia de cura.
Que monstro, Eris pensou calmamente.
Seu último ataque pode não ter sido uma Espada de Luz, mas a velocidade e
poder foram consideráveis. No entanto, foi ricocheteado pelo homem. A
Espada de Luz era seu único meio de cortar a Aura do Dragão Sagrado, mesmo
com a Espada do Dragão Fênix.
— Vejo a astúcia do Deus da Espada em suas táticas. Você deve ter sido uma
aluna altamente favorecida, Eris Greyrat.
Eris havia reposicionado sua espada para cima da cabeça. Sua mente estava
clara, e suas emoções firmes.
Porém, em vez de balançar sua lâmina, Orsted decidiu atacar de um modo
diferente.
— Gall Falion contou histórias de suas façanhas enquanto você estava deitada
na cama dele?
Considerando tudo que o Deus da Espada fez por ela, Eris o respeitava
profundamente. Ao longo dos últimos anos, Gall Fallion se dedicou
inteiramente a treiná-la e confiou-a seu sonho. O relacionamento deles tinha
sido puramente platônico. Se resumia a uma relação de mestre e discípula. Ele
a treinou porque seus interesses estavam alinhados.
Normalmente, Eris teria ficado furiosa com o comentário grosseiro de Orsted…
Sobretudo porque ele falou de modo que as outras três mulheres e Rudeus
pudessem ouvir. Porém, seu mestre havia dado um aviso claro: se as coisas
começarem a correr bem, Orsted pode tentar te fazer perder a calma. Você não
vai cair nessa, entendeu?
O Deus da Espada havia antecipado a tentativa de provocação de Orsted.
Consequentemente, não teve nenhum efeito sobre Eris. Ela não tinha motivos
para ficar com raiva. Orsted estava provando que Gall Falion o conhecia como
a palma da mão.
— Hmph.
— Entendo. Você realmente ficou mais forte…
Enquanto Eris reprimia sua provocação com um bufo, Orsted murmurou estas
palavras em um tom quase melancólico, e lentamente levantou ambas as mãos.
Ao ver isso, Eris se lembrou do último conselho que o Deus da Espada lhe deu.
Por qualquer motivo que seja, Orsted não pode ir com tudo. Ele é um mestre na
magia e esgrima, mas tentará finalizar o combate só com sua Aura e artes
marciais… Começa com chutes e socos, depois usa magia apenas se for
realmente necessário. Porém, quando está enfrentando algo novo, por alguma
razão, tende a recuar e estudar as técnicas que está vendo pela primeira vez.
Isso tem que ser seu ponto fraco.
No momento, Orsted não estava atacando para matar. Ele parecia estar
brincando lentamente com ela, como um gato batendo cruelmente em um rato
exausto.
Eris rangeu os dentes audivelmente, largou a Espada do Dragão Fênix e, com a
mão esquerda, pegou a lâmina que recebeu na vila Migurd.
Sua mão direita segurava a Espada do Dragão Fênix acima de sua cabeça,
enquanto a esquerda segurava a espada sem nome, ainda embainhada atrás de
sua cintura.
Era uma postura estranha. Ainda mais porque o Estilo do Deus da Espada não
tinha o conceito de empunhadura dupla. Usar duas espadas ao mesmo tempo
era uma técnica do Estilo Deus do Norte.
Mais importante – enquanto Eris segurava a espada, que era uma arma mágica
mortal, acima de sua cabeça, não era capaz de usar a Espada de Luz com uma
única mão. E como havia técnicas de saque rápido de espada, sua empunhadura
invertida nunca seria a melhor escolha.
Sua postura, em outras palavras, era irracional. Não fazia nenhum sentido. Não
era o tipo de erro que uma Rei da Espada, e uma mestra do Estilo do Deus da
Espada, sob nenhuma circunstância, cometeria…
— Hum…?
Por isso mesmo, Orsted parou de se mover.
Com as mãos ainda no ar, ele a estudou minuciosamente. Seus olhos estavam
focados apenas em Eris – com exceção de Rudeus, que estava sendo curado
atrás dela.
Ela tinha toda a sua atenção no momento, mas não podia ficar na defensiva. A
menos que tomasse alguma atitude, Orsted daria um passo à frente para atacar.
Felizmente, Eris havia improvisado um certo movimento para uma situação
como esta. Era baseado em uma técnica que aprendeu com o Imperador do
Norte Auber… embora só tenha visto uma vez. Ela treinou para que pudesse
executar esse movimento com uma única mão, em velocidade máxima, no
mesmo instante em que desembainhava sua espada. Era uma técnica imperfeita,
mesmo assim, altamente letal.
Quando estiver contra a parede, um estudante do Estilo Deus do Norte jogará
sua espada.
A mão esquerda de Eris se moveu grosseiramente, mas com confiança.
Seus dedos agarraram o punho da espada, puxando-o para trás, e no mesmo
movimento, enquanto seu braço se lançava para frente, arremessou a arma em
Orsted. A espada sem nome que a acompanhou por tantas provações e
tribulações cortou o ar com precisão, com a ponta assestada para seu inimigo.
O impulso do arremesso levou a mão esquerda de Eris para cima – para a
espada que ainda segurava no alto. Assim, pegou a Espada do Dragão Fênix o
mais rápido que pôde e, sem um momento de hesitação, balançou-a para baixo
com ambas as mãos, executando uma Espada de Luz impecável.
— …!
Seu temível ataque passou direto pela espada de Orsted, cortando o topo da
cabeça do homem ao longo da mais curta trajetória, na maior velocidade
possível.
Houve um tinido agudo.
— Tch…
Segurando sua espada e continuando o golpe até o final, Eris estalou a língua
em irritação. Orsted havia agarrado sua lâmina entre as mãos. E a espada sem
nome que atingiu o corpo dele, foi desviada pela Aura do Dragão Sagrado, e
voou para trás dela.
— Você superou minhas expectativas, mas acho que agora é o fim.
— Não!
Com a lâmina ainda travada nas mãos de Orsted, Eris gritou sua resposta
enquanto se virava para onde a espada sem nome havia caído.
Rudeus estava ali. As outras terminaram de curá-lo.
— Estamos apenas começando!
Levou um instante para Eris processar o que seus olhos estavam vendo. Era
Rudeus, claro, e ele estava de pé. Porém, havia círculos escuros sob seus olhos,
e seu cabelo castanho claro ficou branco. Suas pernas tremiam fracamente, seu
rosto estava mortalmente pálido e seus lábios roxos. Roxy e Sylphie o
apoiavam em ambos os lados.
—…
— Começando… com o quê, exatamente?
Rudeus não estava em condições de lutar, para dizer o mínimo. Sua mana havia
se exaurido, seu vigor se foi e até mesmo sua força de vontade fraquejava. Ele
estava acabado tanto fisicamente quanto emocionalmente.
— Você verá em breve.
A visão dele foi o suficiente para fortalecer a determinação de Eris.
Ela inalou profundamente e exalou três vezes. Quando o ar preencheu seus
pulmões, agarrou sua espada com mais firmeza, consciente de cada gota de
suor em suas palmas. Rangendo os dentes de trás com força por um instante,
lambeu os lábios.
Por fim, retesou os músculos do estômago e rugiu o mais alto que pôde.
— Vocês três, tirem Rudeus daqui! Agora!
A voz de Eris trovejou pelo ar.
— Vou segurar Orsted, mesmo que eu morra!
Ela quis dizer isso literalmente.
Sylphie sentiu a força de sua determinação. Ela sentiu a mesma coisa de seus
companheiros na jornada desesperada para Ranoa com a princesa Ariel. Eris
estava preparada para morrer.
— E-Espere! Eu também vou lutar!
As pernas de Sylphie estavam tremendo, mas gritou as palavras mesmo assim.
Orsted era aterrorizante além da conta. Este era o primeiro encontro deles, mas
ela sabia que ficar contra o homem significaria a morte. Ainda assim, a escolha
não foi difícil. Não com a vida de Rudeus em jogo. No fundo, estava cheia de
arrependimento por ter deixado o homem que amava partir sozinho para lutar
contra um monstro como este. As palavras “Você está tentando matá-
lo?” Ainda soava em seus ouvidos.
Essa nunca tinha sido sua intenção. Ela viu Rudeus recuperar sua energia e foco
habituais, apesar de seus medos, e assumiu que tudo daria certo. Afinal, ele era
um mago incrivelmente poderoso, e sempre dava um jeito de voltar para casa.
Além disso, a Armadura Mágica parecia onipotente. Ela se convenceu de que
nada, nem ninguém, poderia derrotar aquela coisa.
Foi apenas sua confiança em Rudeus que a fez decidir ficar para trás.
Eris olhou silenciosamente nos olhos de Sylphie por um momento, e então
assentiu.
— Tudo bem. Cuide da retaguarda! Ghislaine, tire Rudeus e Roxy daqui!
— Eris! Meu trabalho é protegê-la!
Agora foi a vez da Rei da Espada do Povo Fera protestar.
Ghislaine tinha visto Eris lutar durante toda a vida. Assistiu seu treino focado e
obstinado. E, por essa razão, ficou recuada e assistiu o desenrolar da batalha,
sem interferir ou objetar. Ela viu isso como uma maneira de retribuir o falecido
avô de Eris, Sauros, a quem devia tanto.
— Quê?! Não vai me ouvir?! Estou te dizendo para proteger as pessoas que são
importantes para mim!
— Não vou fazer isso! Eu nunca poderia encarar o Lorde Sauros ou Philip se
deixasse você morrer aqui!
Mas agora, a garota planejava seguir um caminho que terminaria em morte
certa, e Ghislaine não podia permitir isso. Sua recusa foi mais reflexiva do que
racional. Ela não era muito boa em pensar e evitava pôr o cérebro para
trabalhar, quando possível.
— Parem com isso! Todos nós precisamos fugir!
Dada a gravidez, Roxy sabia que não seria muito útil em combate. Ela veio
para cá sabendo que só seria um fardo caso chegasse a essa situação. Seu plano
era arrastar Rudeus até os cavalos que esperavam do lado de fora da floresta e
fugir o mais rápido possível. Havia uma chance de que um movimento muito
extenuante pudesse causar um aborto espontâneo, mas ajudar Rudeus a escapar
era prioridade. Sinceramente, ela não tinha pensado muito no que fazer depois
disso. Por ora, acreditava que tinham que correr e se reagrupar em um lugar
seguro.
Eris e Ghislaine discutiam; Sylphie e Roxy se preparavam para agir. E
enquanto via tudo isso com o canto dos olhos, Orsted soltou um suspiro longo e
alto.
Todos, exceto Rudeus, ficaram em guarda. Quatro pares de olhos olharam
ferozmente para Orsted. Indiferente a isso, o Deus Dragão aumentou o tom de
voz para um berro.
— Rudeus Greyrat!
Rudeus estremeceu visivelmente ao som de seu nome.
— Enquanto servir ao Deus-Homem, não permitirei que escape. Mesmo que
isso signifique matar todos aqui, e todos os outros esperando por você na
cidade, vou te caçar e tirar sua vida!
Rudeus estava trêmulo agora, de maneira ainda mais clara do que antes. Com
seus joelhos tremendo incontrolavelmente, olhou para o chão em sua frente.
— Embora eu não confie nas palavras do Deus-Homem… dado o que ele te
disse, também sequestrarei seus filhos quando você estiver morto!
Com essas palavras, a tremedeira parou.
Os olhos de Rudeus acenderam em chamas novamente. Socando as pernas
trêmulas com a mão esquerda, entendeu a mão direita para pegar seu cajado de
Roxy, esquecendo que havia perdido aquela mesma mão há pouco tempo.
Desequilibrado, poderia ter caído no chão se Roxy não o tivesse segurado
rapidamente. Porém, mesmo quando se apoiou contra ela, seus olhos estavam
olhando ferozmente para Orsted. Havia sede de sangue em seu olhar.
— No entanto, sua imitação da Armadura do Deus Lutador, a mana abundante
concedida a você pelo Fator Laplace, e sua imunidade à minha maldição ainda
podem ser úteis!
— …?
Com essas palavras, a raiva nos olhos de Rudeus vacilou um pouco. E enquanto
olhava com uma expressão dúbia e cautelosa, o Deus Dragão continuou a falar.
— Traia o Deus-Homem e junte-se a mim!
Duas pessoas reagiram instantaneamente a essas palavras.
— Você só pode estar brincando!
— Rudy, não dê ouvidos a ele!
Eris e Sylphie estavam convencidas de que Orsted estava mentindo. Elas não
acreditariam no homem, a não ser que tivessem uma razão clara para isso.
Ghislaine e Roxy ficaram em silêncio, mas também sentiram que Orsted estava
tramando alguma coisa – que alguma armadilha estava escondida em suas
palavras.
— Se aceitar minha oferta, vou ignorar esta emboscada irracional e restaurar
seu braço ferido à condição original.
—…
Mas Rudeus foi uma exceção.
Ele havia notado algo no tom de voz de Orsted. Percebeu que a garganta do
homem estava tremendo levemente, e esse fato o intrigava.
— Eu sou o Deus-Dragão. Uma vez que esteja sob minha proteção, o Deus-
Homem não achará tão fácil te tocar!
Dúvida e tentação se misturaram nos olhos de Rudeus.
— Não se preocupe, ele não pode ouvir o que estamos falando neste exato
momento!
—…
— Se sua lealdade ao Deus-Homem não for real, eu acharia essa oferta muito
atraente!
—…
— Escolha agora, Rudeus Greyrat! Ficará do lado do Deus-Homem e perderá
tudo em minhas mãos? Ou se juntará a mim e lutará contra ele?! Você é imune
à minha maldição! Esta é uma escolha que é capaz de fazer!
O olhar de Rudeus encontrou o de Orsted.
Primeiro, exalou lentamente. E então, estudou o rosto do Deus Dragão, como se
procurasse uma resposta nele. Rudeus estava tentando ver o que estava
escondido por trás da expressão pétrea do homem. Porém, obviamente seus
olhos não revelavam nada disso.
O silêncio se estendeu por vários segundos.
— Rudy?
Por fim, Rudeus cambaleou para longe dos braços de Roxy e começou a andar
lentamente para frente. A cada passo, corria o risco de cair de cara. Tropeçou
para o lado e se apoiou no ombro de Ghislaine. Quando perdeu o equilíbrio, se
agarrou em Sylphie, que correu para pegá-lo. Eventualmente, passou por Eris.
E então, caiu de joelhos aos pés de Orsted.
Ele não fez nenhum movimento para se levantar. Em vez disso, olhou para o
homem em sua frente e falou.
— Realmente há… uma maneira de proteger a minha família do Deus-
Homem…?
— Sim! Ele possui grande conhecimento do futuro, mas não é onisciente, muito
menos onipotente!
— Tem… absoluta… certeza disso…?
— Não, não tenho certeza absoluta. Eu não fingiria conhecer toda a amplitude
de seus poderes.
Orsted não fez nenhuma promessa definitiva. Nem mesmo ofereceu palavras
tranquilizadoras. No entanto, Rudeus olhou para ele com os olhos de um
homem em busca de salvação. Havia lágrimas nos cantos de seus olhos, embora
fosse difícil dizer o que havia as inspirado.
De um jeito ou de outro, havia tomado sua decisão.
— Eu vou te servir. Então, me ajude, por favor.
E foi assim que, deste dia em diante, Rudeus Greyrat se tornou aliado do Deus
Dragão.
Capítulo 10: Eris Greyrat (Parte 1)

Acordei cedo e acompanhei Norn para uma corrida seguida de um pouco de


treino com espada; voltei a tempo de abraçar Sylphie enquanto ela cuidava de
Lucie; disse bom dia para Lilia e Aisha na sala de estar; penteei e trancei o
cabelo de Roxy que lutava para acordar; encontrei Zenith no jardim observando
silenciosamente nosso animal de estimação, Ente, e avisei que o café da manhã
estava pronto; então fiz uma grande refeição com toda a família.
Em outras palavras, estava de volta à minha velha e pacífica rotina.
Claro, não era como se nada tivesse acontecido. Eu realmente tentei matar o
Deus Dragão Orsted, e fui totalmente derrotado…, mas, de alguma forma,
consegui sair vivo.
Olhei para as minhas mãos; elas eram uma prova desse fato. Quando as fechei,
pude sentir meus dedos pressionando contra minha palma – tanto a direita,
quanto a esquerda.
Naquele dia, depois que me curvei a Orsted e jurei minha lealdade, ele cumpriu
sua promessa de usar magia de cura em mim. Meu braço direito decepado foi
regenerado em instantes, junto com um bônus: a mão esquerda que a hidra tirou
de mim há algum tempo.
Orsted não parou por aí e lançou outro feitiço em mim, me entregou um
bracelete que estava usando em seu braço e partiu com estas exatas palavras:
“Entrarei em contato assim que recuperar sua mana”.
Mesmo agora, estava usando a pulseira em questão no meu braço esquerdo. No
entanto, não sabia sobre sua função. Talvez acelerasse minha regeneração de
mana, ou de alguma forma impedisse o Deus-Homem de me espionar.
A última opção parecia plausível. Dez dias se passaram desde a batalha, mas o
Deus-Homem ainda não apareceu em meus sonhos. Orsted também disse algo
sobre me proteger da influência dele.
Então, até onde sabia, era simplesmente algo que ele dava a qualquer um sob
seu comando, como algum tipo de distintivo oficial do Deus Dragão.
De qualquer forma… Orsted me derrotou, e agora eu era seu subordinado. Traí
o Deus-Homem e uni forças com seu inimigo. Provavelmente usaria essa
pulseira pelo resto da minha vida, mas não me arrependi da escolha que fiz.
Para ser honesto, foi bom ter traído aquele bastardo sem rosto. No momento,
estava mais aliviado do que ansioso.
Não tinha como voltar atrás agora. Mesmo que Orsted tivesse mentido para
mim, não poderia traí-lo. A sorte foi lançada. Sempre há a possibilidade de eu
apenas estar fazendo exatamente o que o Deus-Homem quer…, mas era tarde
demais para me preocupar com isso.
Porém, sendo sincero, tinha um pressentimento de que Orsted provaria ser mais
confiável do que o Deus-Homem. De certa forma, algo sobre ele me lembrou
Ruijerd. Ele não tinha o orgulho inabalável de Ruijerd, ou sua afeição por
crianças. No entanto, ao contrário do Deus-Homem, que apenas observava os
eventos passivamente à distância, ele parecia ser do tipo que tentava resolver
seus problemas com as próprias mãos.
De um jeito ou de outro, um grande peso foi retirado dos meus ombros. Nos
últimos dias, estava respirando muito mais facilmente do que em meses. A
estrada à frente com certeza seria esburacada, mas não se compararia a
montanha íngreme que atravessei.
Aliás, falei com Roxy e Sylphie depois que Orsted foi embora. Sylphie estava
soluçando sem parar, e Roxy me repreendeu severamente. Ambas insistiram
que teriam me parado se eu tivesse sido mais honesto sobre o quão perigoso
Orsted era, e expressaram seus medos sobre minha nova aliança. No entanto,
justifiquei que era a única opção que tinha a curto prazo, e elas aceitaram de má
vontade esse argumento.
Depois disso, voltamos direto para casa, onde disse à minha família que estava
bem e fui para a cama logo em seguida. Por estar fisicamente exausto e sem um
pingo de mana, acabei dormindo por um dia inteiro.
Quando finalmente acordei, visitei todos os meus amigos e aliados para que
soubessem que havia perdido para Orsted e me unido a ele. Dentre os que me
encontrei, Perugius parecia o mais aliviado. O que era compreensível, afinal,
mesmo com uma fortaleza flutuante, ninguém gostaria de fazer daquele cara
um inimigo.
A propósito, todos pareciam meio chocados quando me viram. Eventualmente
descobri que era porque meu cabelo tinha ficado branco. De acordo com
Perugius, este era um efeito colateral comum de usar uma enorme quantidade
de mana em um curto período de tempo. Nunca entendi o porquê do cabelo de
Sylphie ter mudado de cor após o Incidente de Deslocamento, mas imagino que
esta seja a resposta. No entanto, já estava vendo um pouco de marrom nas
raízes de meu cabelo. Ao contrário de Sylphie, minha mudança provavelmente
seria temporária. Não que realmente me importasse de qualquer forma, já que
estávamos com um visual combinando no momento…
Era impossível dizer como o Deus-Homem responderia à minha traição, então,
de início, fiquei conturbado. Porém, até agora, nada fora do comum havia
acontecido, e estava me sentindo bem. Meu corpo estava se recuperando, e eu
podia sentir meu suprimento de mana gradualmente se reabastecendo.
Falando nisso, parecia que Orsted sabia o segredo por trás do meu reservatório
de mana incomumente grande. Mencionou algo chamado Fator Laplace, ou
algo assim…
Bem, ele me contaria mais se fosse importante. Só teria que ser paciente por
enquanto.
Deixando tudo isso de lado… tinha uma coisa na minha rotina diária que havia
mudado consideravelmente.
— Mais, por favor!
— Desculpe, Eris. Acabou a sopa.
— Sério? Não tinha muito!
Havia um rosto novo em nossa mesa de jantar: uma mulher alta, ruiva e com
apetite. Naturalmente, a partir destas descrições, quero dizer Eris Greyrat. Ela
nos seguiu de volta à Sharia, ocupou nosso quarto de hóspedes por iniciativa
própria e começou a morar conosco.
Aliás, Ghislaine estava hospedada em uma pousada próxima. Eu não tinha
certeza do porquê. Talvez ver Zenith em seu estado atual tenha sido um choque
grande demais para ela, ou talvez estivesse tentando nos dar algum espaço. Seja
o que for, apenas Eris se mudou.
Eris sumia de vez em quando, mas, em geral, passava a maior parte do tempo
vagando pela casa. Assistia Sylphie cozinhar, Roxy se preparar para suas aulas,
ou Aisha e Lilia realizar trabalhos domésticos; às vezes, até olhava para Zenith
e Lucie sem motivo aparente. Quando não estava fora de casa, observar os
membros da família parecia ser seu hobby.
Não deixei de notar que ela geralmente tinha uma expressão sutil e perturbada
quando observava, em particular, Sylphie e Roxy.
Eris mudou muito desde a última vez que a vi. Não sei como explicar, mas…
tinha uma presença imponente agora. Era alta para uma mulher e se portava
com confiança.
Seu estilo também combinava com ela. Usava o mesmo tipo de jaqueta de
couro que Ghislaine, calças pretas e um top branco sobre uma camiseta escura
– era uma roupa com a qual poderia lutar, e que ainda ressaltava o quão em
forma estava. No entanto, isso não quer dizer que tinha apenas músculos. Seu
corpo, sem dúvida, era magro e flexível.
Para ser honesto, quando começava a olhá-la, era um verdadeiro desafio parar.
Seus seios grandes, cintura fina e bunda curvilínea já eram um problema.
Porém, nos últimos cinco anos, seu rosto outrora infantil também adquiriu uma
beleza nítida e marcante. Em todos os aspectos, havia se tornado uma mulher, e
não era mais a garota que eu conhecia.
Talvez fosse por isso que estava achando tão difícil iniciar uma conversa com
ela. Após o fim da batalha teria sido mais fácil, mas perdi essa oportunidade
enquanto andava pela cidade contando a todos sobre a situação.
Contudo, o maior problema era que meu coração disparava toda vez que olhava
para Eris por muito tempo.
Dizia a mim mesmo uma dúzia de vezes que precisava falar com ela. Porém,
por algum motivo, simplesmente não conseguia encontrar o momento certo.
Sempre que começava a dizer qualquer coisa, aquele olhar intenso se fixava em
mim, meu coração batia mais rápido e eu acabava desviando os olhos. Depois
disso, precisava de um tempo para me acalmar.
Que fenômeno misterioso. Será que era terror o que estava sentido?
Tá, vou parar de brincar. Eu sabia o que estava acontecendo.
Tinha me apaixonado por Eris – pela segunda vez, eu acho.
Ela me conquistou bem rápido, hein? Mas em minha defesa, ela correu para me
salvar quando pensei que não havia mais esperança, segurou o próprio Deus
Dragão Orsted e arriscou sua vida para proteger a minha. Além de parecer foda
enquanto fazia tudo isso. Em suma, não tinha como me culpar.
Agora, eu era basicamente uma colegial apaixonada. Não era mais Rudeus –
era Wooed-eus.
Considerando a forma como me sentia em relação a Eris, o próximo passo
estava claro. Sylphie e Roxy já me deram sua aprovação. Não havia motivo que
me impedisse de simplesmente pedi-la em casamento.
Mas… talvez não fosse tão fácil assim.
Só entendi o motivo quando voltei para casa e Aisha me explicou. Eris passou
os últimos anos sob um rígido regime de treinamento no Santuário da Espada
apenas para que pudesse lutar contra Orsted ao meu lado. Nossa batalha contra
ele na Mandíbula Superior do Wyrm Vermelho a marcou profundamente, e
quando me viu praticando o feitiço Atrapalhar Magia, assumiu que eu estava
planejando derrotá-lo algum dia no futuro.
Pessoalmente, achava que Eris e eu éramos muito parecidos naquela época.
Mas ela decidiu que não era forte o suficiente para ficar ao meu lado de igual
para igual e foi treinar com os melhores da arte da espada.
Da perspectiva dela, eu basicamente a traí. Ela saiu em uma longa “viagem de
negócios ao exterior” e depois voltou para encontrar seu namorado infiel e
babaca com outras duas mulheres.
Houve muitos mal-entendidos envolvidos, é claro, e expliquei tudo o que
aconteceu em minha carta. Nunca se sabe ao certo com Eris, mas presumi que
ela entendia a situação. Ainda assim, não significava que estava pronta
para aceitar. Considerando sua personalidade, meio que esperava que me
atacasse com uma faca de cozinha qualquer dia desses. De qualquer maneira,
dadas as circunstâncias, parecia um pouco errado só… pedi-la para se casar
comigo.
Além disso, ela estava se comportando de maneira um pouco estranha no geral.
Para ser honesto, não conseguia descobrir o que estava pensando. Sem querer
julgar, mas a Eris que conhecia era uma pirralha teimosa e desobediente, que
costumava agir antes de pensar nas consequências. Meio que esperava algo
assim: “Eu te amo, Rudeus! Isso significa que você pode se casar comigo!
Venha para o meu quarto – vamos fazer amor a noite toda! Ficou bem claro a
todos? Rudeus é meu! Tire essas outras mulheres daqui!”
Porém, para a minha surpresa, não disse nada do tipo. Na verdade, não
estava… exigindo nada. Nunca a vi tão quieta e submissa.
Eu tinha uma teoria que explicava o motivo.
Duas semanas atrás, Eris arriscou sua vida para me proteger de Orsted. Porém,
naquele momento, ainda estava iludida com algumas fantasias irreais sobre
mim. Até aquele dia, provavelmente achava que eu havia passado os últimos
cinco anos treinando rigorosamente como ela. Claro, isso não estava nem perto
de ser verdade. Fiz algum esforço para ficar mais forte, mas nada comparado ao
seu empenho. Orsted me derrotou impiedosamente, e Eris chegou bem a tempo
de me ver rastejando pateticamente pelo chão. E como se não fosse o bastante,
também me casei com outras duas mulheres, e havia alguns rumores nada
lisonjeiros sobre mim circulando pela cidade. Não seria surpreendente se
sentisse um pouco desiludida. Talvez não estivesse dizendo nada porque
planejava partir em breve.
Quanto mais pensava nessa possibilidade, mais nervoso ficava em começar
uma conversa. Sendo sincero, estava com medo de ser rejeitado. E se ela me
olhasse firmemente nos olhos e dissesse: “Não dou a mínima para você!” ou
algo do tipo? Só de pensar nisso já ficava deprimido. De certa forma, era o que
eu provavelmente merecia, mas ainda seria como um soco no estômago.
Mas se ela quisesse dizer isso, não teria dito antes?
Sim, mas…. Hmm. Não sei… Argggh…
De um jeito ou de outro, obviamente precisávamos conversar. Eu tinha que
criar coragem e perguntá-la quais eram seus planos. Foi o que fiquei repetindo
para mim mesmo…, mas simplesmente não pude encontrar o momento certo.
Não consegui dizer nada, e Eris também estava calada. E assim, os dias foram
se passando sem nenhum progresso em nossa relação.
Se possível, queria esclarecer as coisas entre nós antes que Orsted entrasse em
contato comigo. Mas não sabia como fazer isso. Estava começando a parecer
que nós dois iríamos só… continuar vivendo separados na mesma casa sem
nunca nos entendermos.
Como eu estava preocupado com esses pensamentos, Roxy veio até mim e fez
uma pergunta inesperada.
— Então, quando planeja organizar a festa do seu casamento com Eris?
— A… festa de casamento?
— Sim. Quero dizer, você fez uma comigo, então presumo que fará o mesmo
com ela. Vou tirar o dia de folga para ajudar, então esperava que pudesse me
falar a data…
Fiquei sem palavras.
Depois de uma pausa estranha, Roxy me olhou nos olhos e franziu a testa.
— Não me diga que ainda nem falou com Eris? Discutimos sobre isso muito
antes de ela aparecer, se lembra?
A expressão no meu rosto provavelmente era… uma que demonstrava
desconforto, para dizer o mínimo.
Roxy estava certa, é claro. Eu já tinha resolvido o assunto com a minha família;
todos estavam prontos para aceitar Eris. Aisha estava disposta desde o início,
mas até Norn estava tratando-a como parte da família agora. Na verdade, vi ela
e Eris conversando alegremente sobre Ruijerd algumas vezes. Elas pareciam
estar se dando bem, muito mais do que o esperado.
Ninguém era contra este casamento. O único impeditivo era a minha covardia.
— Rudy, você não pode adiar isso para sempre — disse Roxy apontando o
dedo para o nada em sua melhor pose de “irmã mais velha responsável”. — E
não deveria deixar Eris esperando por mais tempo.
— Deixar esperando…?
— Claro. Ela está esperando que diga “Pule em meus braços!” ou algo do tipo.
Só para enfatizar seu argumento, Roxy abriu os braços para mim. Foi muito
fofo.
— Hmm. Realmente acha que Eris quer ouvir isso de mim? Tem certeza de não
é apenas uma de suas fantasias?
— Quê…?! Pare com isso, não me provoque! Você precisa levar isso a sério,
Rudy!
Roxy cruzou os braços e estufou as bochechas irritada.
Eu a provoquei por reflexo, mas precisava pensar um pouco nisso. Eris
realmente estava esperando que eu desse o primeiro passo? Isso não parecia ser
de seu feitio…
Se bem que Roxy nunca esteve errada antes. Ela era o tipo de deus cujos
conselhos eram sempre confiáveis. Agora que estava me incentivando, não
tinha nenhuma razão justificável para hesitar. Era hora de mostrar um pouco de
coragem. Eu me aproximarei de Eris, a direi como me sinto e verei o que ela
tem a dizer sobre isso. Se risse na minha cara, teria que fazer com que Sylphie e
Roxy me animassem.
No entanto, prioridades em primeiro lugar. Abrindo meus braços, declarei:
— Pule em meus braços, Roxy! — no tom mais entusiasmado que consegui.
— Você nem está ouvindo, está…
A voz de Roxy sumiu no final da frase. Ela me olhou no rosto, e então checou
com cuidado os arredores, confirmando que não havia ninguém por perto. Logo
em seguida, abaixou as mãos até a cintura e deu um pulinho adorável em meus
braços. Podia sentir sua barriga ligeiramente conspícua pressionando contra
meu estômago.
— Calma aí, princesa. Cuidado com o bebê.
— Não se preocupe — Roxy murmurou baixinho em meu ouvido. — Eles
precisam se exercitar de vez em quando se quiserem ficar em forma.
Era realmente assim que funcionava? Bem, se a especialista disse, quem sou eu
para duvidar?
Decidindo que esta era uma boa oportunidade para passar algum tempo íntimo
com minha esposa, me sentei em uma cadeira e pus Roxy no meu colo. Porém,
ao fazer isso… tive a estranha sensação de que estava sendo observado.
— Hum…?
Havia alguém à espreita na porta, meia escondida, abaixada como uma
empregada bisbilhoteira. Alguém com olhos que brilhavam como os de um
tigre furioso.
Era Eris.
— Gya!
— Q-Qual o problema, Rudy?!
Enquanto eu gritava e apertava Roxy com força em meus braços, Eris desviou
os olhos dos meus e desapareceu nas sombras do corredor. Ela não disse uma
palavra, mas ainda conseguia me aterrorizar horrores.
O-Ok, talvez eu fale com ela amanhã…
No dia seguinte, perambulei pela casa em busca de Eris, esperando finalmente
ter a conversa que vinha adiando há muito tempo.
Não demorou muito para encontrá-la. Ela estava no quintal, treinando
movimentos de espada. Por alguma razão, Norn também estava praticando ao
lado dela. A menina não deveria estar na escola? Hmm. De vez em quando,
Eris fazia uma pausa para dizer algo como “não, não. Faça isso deste jeito”.
Parecia que estava tentando ajudar minha irmãzinha com sua postura.
— Já te falei, não está certo! Por que não está conseguindo?
— Isso não me ajuda muito. O que exatamente estou fazendo de errado?
— O que exatamente? Uh…
Eris nunca foi muito boa em colocar essas coisas em palavras, então eu estava
um pouco cético que Norn iria aprender algo com essa lição. Algumas pessoas
com muito talento natural nem entendem por completo como fazem as coisas
instintivamente.
Mas para a minha surpresa…
— Bem, você não está usando tanto a sua mão esquerda quanto deveria. Se
balançar sua espada usando apenas o braço direito, a lâmina não vai acertar o
alvo.
Hã? Espere, estou ouvindo coisas?
— Tente se concentrar nos movimentos da sua mão esquerda… finja que está
usando só esse braço. Isso deve tornar seus balanços de espada mais suaves.
Espere, realmente é a Eris falando? Talvez esteja apenas gesticulando e
Ghislaine dublando?
— Oh, certo. Acho que agora entendi!
— Ótimo, ótimo. Assim espero.
Sorrindo uma para a outra, as duas voltaram para o treino de espada. E a
postura de Norn parecia um pouco melhor do que antes…
Bem, acho que ela é uma Rei da Espada agora.
Ghislaine me disse uma vez que não dá para alcançar esse nível apenas com
instinto ou talento. Eris deve ter aprendido a pensar logicamente sobre sua
técnica enquanto se aprimorava.
De qualquer forma… Os balanços de espada de Eris eram bem rápidos. Eu não
conseguia nem ver um borrão além da base de sua lâmina.
Seus movimentos também eram muito… lindos. Sua lâmina era erguida aos
poucos, e cortava silenciosamente o ar quando abaixada. Só quando parava,
bem no fim de seu balanço, que dava para ouvir um suave assobio.
Era uma visão fascinante. Vê-la em ação me fez querer suspirar de admiração.
Cara, aquele olhar totalmente concentrado em seu rosto… as gotas de suor em
sua testa… seu corpo esguio e bem definido… seus músculos se contraindo
com o esforço…
Oh! Oh, meu deus. Como pude ter esquecido isso?
Cada vez que Eris balançava sua espada para baixo, uma certa parte flexível de
sua anatomia estremecia ligeiramente. Não estavam realizando movimentos
bruscos. Para ser exato, estavam oscilando de maneira bastante sutil.
Provavelmente porque seus golpes de espada eram tão eficientes que a parte
superior do corpo nem estava se mexendo muito. Aquela camiseta que estava
vestindo parecia fornecer algum apoio, mas, examinando mais de perto, tive a
sensação de que não estava usando nenhuma “armadura peitoral” por baixo. A
cada balanço, meus olhos ficavam um pouco mais vidrados nesse esplêndido
fenômeno. Eu não conseguia escapar de seu campo gravitacional!
— Hum…?
De repente, os seios de Eris pararam de se mexer… ou seja, ela parou de
balançar a espada.
Olhei para cima e descobri que estava olhando na minha direção. Suas pernas
estavam abertas na largura dos ombros, seu queixo ereto, e uma expressão séria
estampada no rosto. Tudo o que precisava fazer era cruzar os braços que sua
pose intimidadora de antigamente ressurgia.
Assim que esse pensamento me ocorreu, notei o que ela estava segurando:
aquela espada super afiada que usou contra Orsted.
Decidi fazer uma retirada tática imediata.
Ninguém gostaria de iniciar uma discussão importante com uma pessoa
carregando uma arma mortal, certo? Não seria educado!
Duas horas depois, quando percebi que seu regime de treinamento deveria ter
acabado, fui procurar Eris mais uma vez.
Ela não estava mais no jardim. Porém, quando verifiquei a entrada do nosso
banheiro, vi apenas as roupas de Norn dobradas no vestiário. Naturalmente, não
dei uma de bisbilhoteiro.
No entanto, depois de procurar pela casa inteira, não consegui encontrar Eris
em lugar nenhum. Talvez ela tivesse trocado de roupa na hora e saído em
alguma missão? Esperar seu retorno sempre era uma opção, é claro…, mas não
havia motivo para falarmos sobre isso dentro de casa. Se ela saiu, eu deveria
tentar alcançá-la.
Com esse pensamento em mente, fui ao banheiro para me aliviar antes de
partir.
Contudo, quando estava prestes a encostar na maçaneta, a porta foi aberta
rapidamente por dentro.
— Ah!
— Buh!
De repente, me encontrei a poucos centímetros de uma Eris muito assustada. À
queima-roupa, suas características faciais marcantes eram ainda mais bonitas.
Suas ondas de cabelo vermelho vivo, levemente úmido, fluíam sobre seus
ombros e desciam em direção ao busto. Sua camiseta encharcada de suor
grudava em seu corpo, oferecendo uma excelente visão de seu decote. Aquele
vale profundo e escuro atraiu meu olhar com toda a força de um buraco negro.
Como todos os vales, era ladeado por um par de colinas. E que colinas! Sua
camisa suada revelava por completo seus belos contornos, até os pontinhos
afiados em seus cumes.
Parecia que meus olhos tinham morrido e ido para o céu dos globos oculares.
— E-Está olhando o quê?
O olhar de Eris tornou-se incerto. Foi muito fofo. Por reflexo, estendi a mão e
toquei os grandes montes diante de mim, explorando suas suaves encostas e
picos um pouco mais duros.
Ooh. Que anjo macio…
Uma fração de segundos depois, o ombro de Eris fez um movimento e eu fiquei
inconsciente.
Quando acordei, a parte de trás da minha cabeça estava apoiada em algo
ligeiramente firme. Era mais duro do que meu travesseiro habitual, mas tinha
um calor agradável, e parecia meio… flexível. Além disso, alguém parecia
estar me acariciando na cabeça.
Por fim, percebi que esta era uma situação de “travesseiro de colo”.
Infelizmente, ainda estava meio grogue neste momento.
— Hm… nom, nom… não consigo comer mais nada…
Fingindo estar completamente adormecido, me virei para enterrar meu rosto no
espaço triangular onde as pernas do meu travesseiro humano encontravam seu
corpo. Então, respirei fundo e comecei a apalpar sua bunda.
— Hyaaa!
Hmm? Esta não é a bunda de Sylphie. A dela é bem menor… quase do
tamanho da palma da mão.
Também não parece ser da Roxy. A dela tem um cheiro agradável e
reconfortante, mas este está um pouco suado… e por algum motivo, estava me
deixando com um péssimo pressentimento….
Mas não é ruim. Me faz sentir um pouco nostálgico…
Neste exato momento, acordei por completo. Abri lentamente os olhos e virei-
me a fim de olhar para a mulher em que estava deitado. Do outro lado de duas
montanhas bem torneadas, um par de olhos intensos olhavam para mim. Eris se
abaixou e agarrou firmemente minha cabeça com a mão.
Oh, Deus, este é o meu fim! Ela vai quebrar meu pescoço! Adeus, Sylphie!
Adeus, Roxy! Desculpem-me por deixá-las tão cedo…
Porém, para minha surpresa, Eris não me matou. Em vez disso, começou a
acariciar meu cabelo com movimentos fortes, mas suaves. Me encolhendo o
máximo possível, a estudei cuidadosamente. Ela estava fazendo beicinho, seu
rosto estava vermelho e não me olhava nos olhos. Mas não parecia estar muito
brava.
— Uhm… Senhorita Eris?
— É apenas Eris.
— Certo… me desculpe, Eris.
Assim que me desculpei, seu aperto em minha cabeça ficou evidentemente
mais forte. Adeus, minha amada família… nos encontraremos de novo algum
dia…
— Está tudo bem — Eris disse depois de um momento. — Também sinto
muito.
— Ah… Tudo bem então.
— Eu li sua carta e tudo mais. Não foi fácil para você depois que parti, não é?
Minha cabeça ainda estava sob o aperto firme de Eris, mesmo assim consegui
assentir balançando-a. Eu não era maduro o suficiente para acrescentar “nada
disso foi culpa sua”. Nós dois tínhamos nos entendido mal naquela época; eu
estava magoado, e agora ela estava passando por algo semelhante.
— Ei, Rudeus…
— O que foi?
—…
Eris ficou em silêncio por um longo momento. Ela parecia insegura sobre como
completar sua frase. Sabíamos que havia muito que precisava ser dito, mas não
conseguíamos encontrar as palavras certas. Os cinco anos que passamos
separados foram muito longos – para nós dois.
— Você, uhm… ama aquelas duas, não é?
— Sim, eu as amo.
Com minha clara e rápida resposta, o aperto de Eris na minha cabeça ficou um
pouco mais firme.
— Você gosta mais delas do que de mim, certo?
— Sim.
O rosto de Eris se contorceu em tristeza.
Merda. Queria não ter dito isso. Não posso compará-las entre si. Eu amava
muito Sylphie e Roxy, mas também me apaixonei por Eris. Não havia nenhum
sentido em negar isso neste momento.
— Você me odeia?
— Claro que não! É que… faz muito tempo desde que nos vimos… Às vezes
me sinto um pouco estranho perto de você, só isso…
— Sabe, ainda gosto muito de você, Rudeus. E quero que me ame, também.
O rosto de Eris ficou tão vermelho quanto seu cabelo.
Eu estava ouvindo coisas, ou ela acabou de confessar seu amor por mim? Sim.
Certamente não havia outra maneira de interpretar isso…
A questão era como responder. Eu sabia qual era minha resposta final…, mas
antes que pudesse dá-la, precisava ter certeza de que ela realmente entendia no
que estava se metendo.
— Você sabe que já tenho duas esposas, certo?
—…
Carrancuda, Eris se levantou abruptamente. Rudemente expulso de seu colo,
cai de cara no chão de madeira.
Parecia que estávamos na sala de estar. Não havia mais ninguém por perto.
Sylphie e Norn estavam ambas em casa, mas talvez estivessem tentando nos
dar algum espaço no momento.
Enquanto rastejava sobre minhas mãos e joelhos, Eris olhou para mim de cima.
Seus braços estavam cruzados, suas pernas abertas na largura dos ombros e seu
queixo ereto. Era exatamente a mesma pose que usou na primeira vez que nos
conhecemos.
— Vamos para fora, Rudeus! Quero um duelo!
— Hã?! — gritei, me levantando enquanto limpava a poeira das minhas roupas.
— Um duelo?!
— Isso mesmo! Se você ganhar, vou embora de vez! Mas se eu ganhar… —
Eris fez uma pausa para apontar um dedo direto para o meu rosto. — Se eu
ganhar, então você terá que me amar também!
As coisas tinham tomado um rumo estranho. Como resposta, só consegui
assentir balançando a cabeça.
Capítulo 11: Eris Greyrat (Parte 2)

De alguma forma, me encontrei enfrentando Eris do outro lado dos muros da


cidade.
Não havia multidão para testemunhar nosso duelo, mas Ghislaine estava por
perto. Eris a arrastou para isso em nosso caminho para fora de Sharia.
Considerando que ela trouxe um árbitro, provavelmente não estava planejando
me matar, certo?
—…
Eris não estava dizendo nada. Apenas me observava com a mão na
empunhadura da espada. Ao olhar mais atentamente, percebi que ela estava
tremendo um pouco…, mas, conhecendo-a, era apenas de excitação.
O que devo fazer?
Levar a luta a sério?
Para ser honesto, estava bem em perder. Na verdade, era preferível.
Eu tinha me apaixonado por Eris. Claro, tinha acabado de dizer a ela que
gostava mais de Sylphie e Roxy, mas isso foi mais uma resposta reflexiva do
que qualquer outra coisa. Não conseguiria realmente classificar meus
sentimentos por elas. Sylphie, Roxy e Eris eram todas mulheres maravilhosas e
adoráveis à sua maneira. Pode parecer muita indecisão da minha parte, mas era
esse o tipo de vagabundo inútil que eu era — um que tinha desejo sexual
hiperativo e uma total incapacidade de permanecer leal a uma única pessoa.
Honestamente, uma parte de mim já estava babando com a ideia de pular na
cama com essa nova e sensual versão da Eris. Se ela queria que eu a amasse,
ficaria mais do que feliz em obedecer. Não era como se fosse “traição” neste
momento, certo? Quero dizer, eu a amava, e não há nada de errado com isso! O
que poderia ser mais natural do que querer ficar com uma mulher tão atraente?
E se esses idiotas da Igreja Millis acharem ruim, que venham até mim! Vou me
casar com quantas pessoas quiser!
De qualquer forma, a ideia era muito boa, mas a questão era como Eris reagiria
se eu perdesse este duelo. E se ela tomasse isso como algum tipo de insulto
humilhante? E se decidisse que eu era apenas um covarde? Eris se tornou uma
mestra espadachim para que pudesse me proteger de Orsted. Talvez fosse
preciso demonstrá-la minha força e provar que também fiquei mais forte.
Se bem que, na realidade, eu não tinha treinado tão duro quanto ela, mas esse
não era o ponto.
Eris provavelmente queria que eu levasse isso à sério e lutasse sem me segurar.
De qualquer maneira, se eu perdesse, não teria problema; se ganhasse, sempre
poderia pedi-la em casamento. Talvez pudesse falar: “Certo, você é minha
agora. Venha, vamos para casa” ou algo do tipo.
É… gostei da ideia.
Claro, as partes quebradas da minha Armadura Mágica ainda estavam naquela
floresta, e Eris era uma Rei da Espada que lutou contra o próprio Orsted no
corpo a corpo. Eu não tinha nenhuma perspectiva de vitória, a menos que
começássemos a um quilômetro de distância um do outro…
Não que isso importasse, de qualquer forma. Se eu perdesse, também não seria
ruim.
— Rudeus.
Porém, assim que cheguei a esta conclusão, Ghislaine gritou meu nome.
— Sim?
Fazia tempo que não a via, mas ela não havia mudado muito, só aparentava
estar um pouco mais velha. Nos cumprimentamos e tivemos algumas conversas
desde sua chegada à cidade, mas ela não entrou em muitos detalhes em relação
à Eris. O que não era uma surpresa, afinal nunca fomos muito próximos.
— A senhorita Eris não mudou quase nada. Você precisa mostrar a ela seus
verdadeiros sentimentos.
Sua voz era calma, mas firme, assim como me lembrava. E a implicação de
suas palavras me fez hesitar.
Lutar contra Eris realmente era a escolha certa?
Ao olhar para ela, percebi que tinha assumido sua postura usual de braços
cruzados enquanto esperava eu terminar de me preparar. Porém, em contraste
àquela pose tão familiar, Eris parecia estar muito diferente. Ela ficou mais alta,
seu corpo se desenvolveu, tornando-se semelhante à de um predador elegante,
mas mortal.
Cinco anos se passaram. Sem dúvidas eu mudei desde aquela época, mas
Ghislaine parecia pensar que Eris continuava a mesma.
Certo. Como lidei com Eris quando a conheci? Como respondi às suas birras?
Como devo responder a esta?
— Preparados? Comecem!
Ghislaine gritou sinalizando o início do duelo, mas eu não levantei o cajado.
Eris também ficou parada com os braços cruzados.
Após um tempo, desembainhou a espada de sua cintura e começou a andar
lentamente em minha direção, balançando frouxamente a lâmina ao seu lado.
Era a mesma linda e prateada arma que usou contra Orsted. Aparentemente, era
uma das famosas Sete Lâminas do Deus da Espada, que o próprio Gall Falion
havia dado a ela.
Eris parou a alguns passos de distância e fixou seu olhar intenso em mim.
—…
—…
Em seguida, ergueu a espada em minha direção.
— Não vai lutar?
— Se eu ganhar, você vai partir, não é? Prefiro perder, então.
Eris franziu a testa e não disse nada.
— Me escute, por favor… Perdi a chance de dizer isso antes, mas… eu te amo,
Eris.
Sua reação à minha resposta fez com que se parecesse com um gato arrepiado.
Ah, droga. A irritei de novo? Eu deveria ter levado isso a sério e lutado com
ela?
Antes que pudesse chegar a uma resposta, Eris balançou bruscamente sua
lâmina para baixo.
— …!
Fechei meus olhos por reflexo e, após fazer isso, senti um pouco de dor no topo
da minha cabeça. Eris tinha acabado de me bater com o punho da espada.
Quando abri meus olhos novamente, seu rosto estava a apenas alguns
centímetros do meu.
— Não consigo cozinhar como a Sylphie.
— Sim, eu sei.
— Não sou inteligente como a Roxy.
— Eu sei.
— E não sou tão fofa quanto elas.
— Você é linda e foda, então isso não importa nem um pouco.
— Mas você prefere, hum… mulheres pequenas e fofinhas, não?
— Ei, isso não é verdade. Estou completamente apaixonado por você.
Eris embainhou a espada. Nervosa, lentamente esticou os braços em volta da
minha cintura, pressionando seus seios contra mim. E então, de repente,
começou a me apertar com muita força.
Seu leve cheiro de suor não havia mudado em nada.
Como resposta, envolvi meus braços ao redor de seu corpo. Seus músculos
estavam mais desenvolvidos do que antes, mas também não eram exatamente
hipertrofiados. Abraçá-la era bom. Senti como se fosse a coisa certa a se fazer.
— A vitória é minha, então?
— Sim.
— Sabe, Rudeus… se realmente não me quiser… posso desistir de você.
A voz de Eris tremia enquanto falava essas palavras. De alguma forma, tive a
sensação de que ela poderia ter perdido o propósito caso eu tivesse decidido
lutar.
— Não precisa se preocupar com isso.
— Então… vou poder fazer parte da sua família?
— Sim. Contanto que não tenha problemas em me dividir com Sylphie e Roxy
às vezes…
Fiz uma pausa para respirar. Essas palavras podem ter soado falsas vindo de
mim, mas precisava dizê-las de qualquer maneira.
— Quero que se case comigo, Eris.
Seus olhos se arregalaram, seus cílios tremeram e sua boca se abriu um pouco.
Porém, se conteve, controlou sua expressão e jogou a cabeça para o lado.
— H-Hmph! Já que você me quer tanto assim… acho que vou aceitar!
E com isso, Eris Greyrat se tornou minha esposa.

***

Na mesa de jantar naquela mesma noite, anunciei oficialmente que Eris havia
concordado em se casar comigo. Ao contrário de quando foi com Roxy,
preparei as bases com antecedência, então não houve explosões de raiva para
lidar. Na verdade, ninguém sequer reclamou. Esperava um ou dois comentários
sarcásticos de Norn, se não uma oposição aberta, mas ela aceitou a notícia em
silêncio. Talvez ela tivesse perdido toda esperança de me devolver ao caminho
correto.
De sua parte, Roxy e Sylphie deram seus parabéns.
— Bem-vinda à família, Eris!
— Não se preocupe, podemos elaborar as regras básicas um pouco mais tarde.
Parecendo mais desconfortável do que eu jamais tinha visto, Eris conseguiu
gaguejar as palavras “Muito obrigada por me receberem” em resposta. De
alguma forma, essa não parecia a frase certa para usar nesta situação, mas tanto
faz.
Era raro Eris ficar tão nervosa com qualquer coisa, mas eu poderia dizer que ela
realmente queria ganhar a aprovação delas. Isso parecia um bom sinal. Eu
realmente esperava que as três aprendessem a se dar bem e evitassem brigas
feias, mas não tinha o direito de expressar esse pensamento em voz alta.
Depois do jantar, as três decidiram tomar banho juntas. Sylphie e Roxy dariam
uma palestra para Eris sobre a maneira correta de usar nossas instalações, e
depois teriam um pequeno tempo a sós na banheira. Estava morrendo de
vontade de acompanhá-las e ajudá-las a se lavarem com minhas próprias mãos,
mas desta vez consegui me conter para não pedir.
Minhas três esposas saíram da sala, deixando eu, Lilia, Zenith, minhas
irmãzinhas… e Ghislaine Dedoldia.
—…
No momento em que Eris saiu da sala, Zenith começou a me socar
silenciosamente na cabeça. Lilia murmurou: — Senhorita, acho que você já
deixou clara sua opinião —, mas não havia sinal de que o ataque pararia
mesmo depois de algum tempo.
Zenith era uma devota da Igreja Millis. Ela tolerou eu ter uma segunda esposa,
mas parecia extremamente descontente por uma terceira ter sido acrescentada.
— Ai! Ai! Isso dói, mãe! Desculpe, ok? Não vou fazer isso de novo!
Uma vez que expressei meu remorso, Zenith puxou os punhos para trás e
voltou para sua cadeira. Minhas irmãzinhas, que por acaso estavam sentadas
bem ao lado dela, agora me olhavam com reprovação.
— Não foi isso que você disse quando trouxe Roxy para casa, querido irmão?
— disse Aisha. — Sua palavra claramente não vale muito. Suspiro… Já espero
você arrastando outra garota de volta com você em breve. Ah, vai
ter tanta roupa para lavar…
Não havia muito que eu pudesse dizer sobre isso. Essa decisão claramente me
fez perder alguns pontos de afeição com minhas irmãs.
Ah bem. Acho que posso viver com isso.
Aisha tinha algumas queixas legítimas, mas sua voz estava totalmente
monótona. Ela provavelmente estava apenas me dando uma bronca, na maior
parte.
— Rudeus…
Neste ponto, no entanto, minha outra irmã falou. E a voz parecia muito séria. O
que quer que ela fosse dizer, precisava levar a sério.
— Sim, Norn? O que posso fazer por você?
— Uhm… como membro da Igreja Millis, realmente não posso aprovar seu
comportamento.
— Compreensível.
— Dito isso, posso dizer o quanto a senhorita Eris ama você, então não vou me
opor desta vez. Você pode não gostar muito dela ainda, mas espero que a dê
muito carinho de qualquer maneira. Isso é tudo que eu tinha a dizer.
— Entendo. Prometo fazer o meu melhor nesse sentido.
Norn parecia gostar até que bastante de Eris, na verdade. Pelo que ouvi, foi ela
quem pediu aquelas aulas de espada. Senti que Norn ficou muito mais
extrovertida em geral nos últimos anos. Talvez isso tivesse algo a ver com o
trabalho dela no conselho estudantil? De qualquer forma, era definitivamente
uma coisa boa.
— Mestre Rudeus.
Aparentemente, Lilia queria dizer sua parte agora. Sua voz estava um pouco
mais baixa que o normal.
— Sim, Lilia?
— Agora que você adicionou a senhorita Eris à família, esta casa vai ficar um
pouco apertada. Estou disposta a alugar um quarto próximo e morar lá com a
senhorita Zenith, para…
— Não. Isso não vai acontecer — interrompi rapidamente. —
Olha, quero cuidar de vocês duas. Er, bem… na verdade é você quem ainda
está cuidando de mim, mas você sabe o que quero dizer.
— Não posso dizer que concordo com essa avaliação, mestre Rudeus, mas vou
respeitar seus desejos neste assunto.
Se eu fosse e expulsasse minhas próprias mães da minha casa porque tinha
muitas esposas, meu pai provavelmente se transformaria em algum tipo de
espírito vingativo. Um bom garoto cuida de seus pais quando eles são mais
velhos. Na verdade, tínhamos ficado sem quartos de hóspedes agora que Eris se
juntou à família, mas isso não era um grande problema. Poderíamos pensar em
alguma coisa se precisássemos.
— Rudeus…
Finalmente, foi a vez de Ghislaine se dirigir a mim.
— Sim, senhorita Ghislaine?
— Apenas Ghislaine, garoto.
Estudei a temível espadachim por um momento. Ela devia ter cerca de quarenta
agora, mas seu corpo ainda era musculoso. Ficou claro que não estava
negligenciando seu treinamento.
— Posso deixar a pequena senhorita em suas mãos agora, certo?
— Sim. Cuidarei bem dela, eu juro.
— Ah vai? — Ghislaine fez uma pausa, depois sorriu um pouco. — Você
cresceu um pouco, eu vejo. Tem o mesmo olhar que Paul tinha nos olhos
quando decidiu se casar com Zenith.
Isso era para ser um elogio? Hmm. Bem, teria que entender isso como um.
Então puxei meu pai esses dias, hein? Que bom ouvir isso. Talvez
eu tenha crescido um pouco em maturidade…
Espere um segundo. Ghislaine só conhecia o Paul de antigamente, certo?
Quando ele era um total canalha?
Eu… realmente poderia tomar isso como um elogio?
— O que está planejando fazer a partir de agora, Ghislaine? Algum plano de se
estabelecer na cidade?
— Não. Agora que confiei a senhorita Eris a você, meu trabalho aqui está feito.
Acho que vou voltar para Asura.
— Asura? Planejando ajudar na reconstrução da região de Fittoa ou algo assim?
Os olhos de Ghislaine brilharam de emoção. — Não exatamente. Encontrarei
aqueles que executaram o Senhor Sauros e depois vou matá-los.
Parecia que a temperatura na sala havia caído significativamente. Não esperava
uma resposta tão… sinistra, mas podia entender seus sentimentos. Até então,
Ghislaine estava focada apenas em cuidar de Eris. Agora que a “pequena
senhorita” foi deixada em segurança comigo, seu trabalho estava completo. A
única coisa que restava a fazer era se vingar daqueles que derrubaram o homem
a quem ela serviu tão lealmente.
— Isso significa que você ainda não sabe quem eles são, certo? Parece que sua
morte foi parte de uma complicada teia de intrigas, então suponho que muitas
pessoas participaram disso.
— Vou cortar todos os antigos inimigos da família Boreas, um por um. Simples
assim.
Isso me pareceu um pouco simples demais. Essa é a clássica Ghislaine.
Hmm… como eu poderia impedi-la, no entanto? Nesse ritmo, iria atacar a
capital do reino sozinha e acabaria sendo morta.
Infelizmente, senti como se nada do que eu dissesse fosse fazê-la mudar de
ideia. Era de Ghislaine que estávamos falando, afinal. Nesse caso, talvez a
melhor coisa que pudesse fazer fosse ajudá-la a encontrar uma maneira melhor
de fazer isso…
De repente me peguei lembrando de algo daquele diário. Quando Ariel lançou
um golpe de estado em Asura, foi a Deus da Água e um Imperador do Norte
que a derrotou.
— Ghislaine, há algo que você deveria saber. Ouvi de uma fonte bastante
confiável que o Reino de Asura atualmente tem tanto a Deus da Água quanto
um Imperador do Norte trabalhando para eles.
— Ah. Aqueles dois.
— Você já os conhece?
— Sim, eu os conheço bem. O mesmo vale para a senhorita Eris, por falar
nisso. E o que tem isso?
— Bem, você pode acabar tendo que enfrentá-los. Sei o quão forte você é, mas
não acho que sairia disso viva.
— É verdade. Eu não poderia lidar com os dois sozinha. — Com um pequeno
aceno de cabeça, Ghislaine me olhou nos olhos e ficou em silêncio. Ela estava
esperando para ouvir o que mais eu tinha a dizer sobre isso.
— Por coincidência, conheço uma pessoa que foi pega na mesma confusão que
custou a vida de Lorde Sauros. É possível que ela estivesse trabalhando contra
a família Boreas na época, então você pode considerá-la uma inimiga, mas se
unir forças com ela, acho que terá a chance de matar as pessoas que quer
mortas — e uma justificativa legítima para isso.
— Quem é?
— Ariel Anemoi Asura.
As orelhas de Ghislaine se contraíram. Aquilo enviou um pequeno choque de
nostalgia através do meu sistema. Quando eu a ensinava, ela sempre fazia isso
quando via um problema que não conseguia resolver.
De qualquer forma… se ela não reconhecesse o nome, muito melhor.
— Ela é a segunda princesa do Reino de Asura.
— É?
Parei por um momento para me perguntar se isso era realmente uma boa ideia.
Ariel provavelmente iniciaria uma tentativa de golpe imprudente em Asura
num futuro próximo. Eu estava apenas enviando Ghislaine para a morte?
Não. O futuro pode mudar totalmente.
Por um lado, li aquele diário, então poderia oferecer a Ariel pelo menos um
pequeno conselho. Poderíamos transformar essa tentativa de golpe imprudente
em uma que teria sucesso. Era muito possível que o Deus-Homem estivesse
puxando as cordas por trás desses eventos. E como agora eu era subordinado de
Orsted, meu envolvimento poderia mudar um pouco as coisas.
Supondo que eu acabasse encontrando alguma maneira de Ariel sair triunfante,
seria melhor para todos nós ter uma espadachim como Ghislaine ao seu lado.
Eu tinha toda a intenção de ajudar pessoalmente, mas primeiro precisava
consultar Orsted.
— Acho que você deveria pelo menos ter uma conversa com ela e ver o que
acha.
— Tudo bem. Se você diz, eu vou.
Ghislaine aceitou meu conselho prontamente. Por enquanto, pelo menos,
parecia que eu a tinha convencido a não fazer nada muito precipitado.
— Uau…
Olhei por cima da mesa e encontrei Norn e Aisha olhando para mim com os
olhos arregalados. — Posso ajudá-las, pessoal?
— Ah, não é nada… Uhm, você realmente era o tutor de uma Rei da Espada,
hein?
— O que, você achou que eu tinha inventado isso?
— Quero dizer, não realmente… só não esperava que a senhorita Ghislaine
levasse seu conselho tão a sério.
Intrigada, Ghislaine e eu trocamos olhares. Houve algo tão estranho em nossa
conversa?
— Hum, Rudeus? — Norn interveio. — Conheço um estudante mais velho da
Universidade que quer ser um aventureiro e eles estavam me contando outro
dia sobre como essa “Rei da Espada realmente assustadora” havia chegado à
cidade. Até as pessoas mais duronas da cidade ficaram um pouco intimidadas
por ela, sabe? É meio impressionante vê-la falando com você de igual para
igual.
Ghislaine sorriu com isso. — Rudeus é muito mais assustador do que eu jamais
serei, garota. Quero dizer, ele ganhou o respeito do Deus Dragão.
— Uau…
Norn parecia genuinamente impressionada com isso. Talvez eu tenha
recuperado alguns daqueles pontos de afeição. Ou talvez fossem apenas pontos
de respeito? Eu não conseguia ver a opinião dela sobre minha vida amorosa
melhorando muito…
De qualquer forma, o elogio de Ghislaine me trouxe de volta um pouco de
dignidade, no mínimo. Sorte a minha!
Naquela noite, depois que Ghislaine voltou para sua pousada, Eris se juntou a
Sylphie e Roxy para algum tipo de reunião privada.
Estava extremamente curioso sobre o que estavam discutindo, mas
presumivelmente não fui convidado por um motivo. Consegui conter a vontade
de ouvir. De relance, o clima parecia bastante amigável e Eris estava ouvindo
as outras duas atentamente, então provavelmente não havia nada para se
preocupar. Afinal, aquela garota tinha percorrido um longo caminho desde seus
anos mais selvagens de infância.
Acabei ensinando Norn um pouco no meu estudo. E uma vez que ela se deitou
para dormir, adicionei uma passagem ao meu diário. Este foi definitivamente
um dia digno de comemoração.
Quando meus pensamentos se voltaram para nosso futuro como família e meu
novo papel sob o comando de Orsted, me senti um pouco ansioso, mas
passamos por uma grande e turbulenta tempestade juntos. Isso era algo digno
de comemoração.
Quando saí do meu escritório, a casa estava completamente silenciosa. A
reunião deve ter terminado há algum tempo. Talvez as três estivessem
dormindo no mesmo quarto esta noite? Ou esperando por mim no meu quarto,
aliás…
Ok, não é provável.
De qualquer forma, quando o lugar estava tão silencioso, podia ser meio
perturbador. Pensando bem sobre isso, a visita do meu eu do futuro ocorreu em
uma noite tranquila como esta. Eu estava prestes a ter outra surpresa dramática?
Talvez algum carinha assustador com seu corpo inteiro escondido por uma
confusão borrada de pixels fosse aparecer das sombras para mim.
Vamos lá, agora você está apenas sendo ridículo…
Tinha chegado ao meu quarto agora. Não havia luz vindo de dentro, então
parecia que eu estaria sozinho esta noite…
Assim que estava pegando a maçaneta, a porta se abriu por dentro e fui
arrastado violentamente para dentro do quarto.
— Gaaaa!
Reflexivamente joguei a mão no meu agressor e comecei a canalizar mana
através dele, mas meu pulso foi agarrado e pressionado contra a porta, me
prendendo no lugar.
Por uma fração de segundo, pensei que estava acabado. Então notei quem eu
estava enfrentando.
— Ah. É só você, Eris.
Minha mais nova esposa, tendo colocado uma camisola casual, aparentemente
decidiu me emboscar.
— U-uhm, Rudeus…
Por alguma razão, seus olhos estavam extremamente vermelhos. Além disso,
seu rosto estava corado e ela respirava com dificuldade. Ela parecia
absolutamente furiosa. Eu já tinha feito algo para irritá-la? Precisava escolher
minhas palavras com muito cuidado.
— N-nós somos marido e mulher agora, certo? Oficialmente?
— Bem, sim. Oh, você quer ter uma cerimônia formal, talvez? Poderíamos
chamar um monte de gente e…
— Ah, não, eu nem me lembro mais como dançar… Olha, não é disso que
estou falando. Eu quero fazer aquilo.
Hmm. Fazer o quê, exatamente?
Contudo, antes que eu pudesse dar muito ao assunto, Eris jogou o braço em
volta dos meus ombros e me puxou para um beijo violento. Seus dentes
bateram contra os meus com força o suficiente para enviar uma pontada de dor
pela minha mandíbula. Tentei recuar, mas a porta atrás de mim tornou isso
impossível. Eris continuou esfregando sua testa contra a minha com
entusiasmo.
— Puah…
Quando finalmente consegui respirar, Eris moveu seu braço até minha cintura e
começou basicamente a me arrastar pelo chão. Em segundos, ela me trouxe
para cima da cama.
Espera. O que diabos está acontecendo aqui? Caralho. Você está indo muito
rápido, senhorita!
— Ah, Eris? Acho que devemos desacelerar um pouco. Você sabe, nós temos
que conversar sobre as coisas com Sylphie e Roxy primeiro…
— Eu já fiz isso. Sylphie disse que esta noite pode ser a minha vez.
— E quanto a Roxy? Ela pode querer que esperemos enquanto ela está
grávida…
— Ela estava bem com isso, na verdade.
Em algum momento durante essa conversa, Eris me jogou na cama. Ela estava
me segurando com tanta força que não conseguiria me libertar nem mesmo se
tentasse.
— Ei… eu quero que o primeiro filho seja um menino, ok?
A mulher ainda respirava com dificuldade pelo nariz. Ela não estava com raiva,
estava com tesão. Tinha que admitir, não esperava esse nível de entusiasmo
dela. Quero dizer, eu definitivamente não estava reclamando, era encantador
ver o quanto ela me queria. E meu corpo também não estava exatamente se
opondo aos avanços dela, se é que você entende o que quero dizer.
Mas, uh… não era para ser eu quem bancaria o dominador?
— Eu te amo, Rudeus. Você não iria me recusar, certo?
— Bem, c-claro que não. Mas tente se acalmar um pouco. Por que não
tomamos algum tempo para criar um clima primeiro? Podemos tomar algumas
bebidas, colocar em dia os últimos cinco anos e começar quando as coisas
estiverem agradáveis e românticas…
— Argh! Que se dane isso! Você sabe quanto tempo estive esperando para
fazer isso de novo?!
Mesmo enquanto falava essas palavras, Eris estava subindo na cama e se
posicionando em cima de mim. Suas pernas poderosas prenderam as minhas no
lugar e suas mãos pressionaram as minhas contra a cama; ela se inclinou,
empurrou o nariz contra a parte superior do meu peito e começou a cheirar
ruidosamente.
O que ela é, um cachorro? Espero não estar muito fedorento esta noite…
— Haah… haah… Rudeus… estamos casados agora, certo? Isso significa que
você é meu, certo?
— Huh?! Quero dizer, não exatamente… Estava esperando que você pudesse
me dividir com as outras duas, na verdade. Vamos todos nos dar bem…
— Mas é minha vez esta noite. Então você é meu agora.
Parecia que havia apenas uma resposta com a qual ela ficaria satisfeita.
— Bem, sim.
O aperto de Eris em meus pulsos ficou visivelmente mais forte.
Ai. Ai! Você está quebrando meus pulsos, garota! Nesse ritmo, vou ter que
pedir outro favor a Orsted!
— I-isso significa… que posso fazer o que eu quiser, certo?!
Hmm. O que ela estava planejando fazer, exatamente? O que seria de mim?
Bem, claramente ia envolver sexo. Eu era contra isso? Não. Então minha
resposta tinha que ser…
— C-claro, eu acho.
Assim que eu disse essas palavras, Eris se transformou em uma fera.

***

Na manhã seguinte, acordei com o som de pardais cantando.


A primeira coisa que fiz foi procurar Eris, mas não demorou muito. Aquele
rosto marcante estava bem ali ao meu lado. A mulher era linda dormindo.
— Ufa…
Com um pequeno suspiro de alívio, pensei nos acontecimentos da noite
anterior. Eris e eu nos divertimos muito… especialmente Eris.
Acho que é seguro dizer que minha técnica era superior à dela. Comecei na
liderança, pelo menos. Não queria deixá-la tirar o melhor de mim, então dei
tudo que eu tinha.
Infelizmente, as coisas mudaram no meio do jogo. A mulher apenas tinha muito
mais resistência do que eu. E muito semelhante à nossa primeira vez, ela
simplesmente continuou…
Bem, para encurtar a história, não consegui a vitória. Eris acabou se divertindo
por um bom tempo enquanto eu estava ali deitado e sem resistência.
Nunca tinha sido tão completamente dominado em minha vida. Estamos
falando de um daqueles cenários: “desculpe querida, mas eu pertenço
ao mestre agora”. Perdi minha inocência para sempre…
Mas apesar de minha derrota, olhar para Eris dormindo ao meu lado com
aquela expressão satisfeita em seu rosto estava me enchendo de sentimentos
calorosos e ternos. Ela tinha sido como um lobo furioso na noite passada, mas
agora parecia quase angelical. Colocou um verdadeiro sorriso no meu rosto.
Talvez fosse assim que Sylphie se sentia quando me observava dormindo.
— Hmm… Isso com certeza parece diferente, no entanto…
Aliás, minha cabeça estava descansando no braço de Eris. Até agora, eu nunca
tinha recebido essa manobra, então parecia estranhamente revigorante. Meu
travesseiro era um pouco fino, mas também muito sólido — por alguma razão,
me fez sentir como se estivesse totalmente seguro.
Parando para pensar… cinco anos se passaram desde que nos vimos pela última
vez. Eris cresceu muito nesse tempo, mas eu ainda não tinha certeza do
quão musculosa ela tinha ficado. O quarto estava escuro demais para eu dar
uma boa olhada na noite passada, embora tudo que pudesse ver fosse muito
atraente.
Contorcendo-me um pouco, estendi a mão para tocar a barriga de Eris.
— Oooh, que esplêndido…
Na superfície, não havia muito em termos de gomos abdominais claramente
definidos. Na verdade, ela tinha uma quantidade decente de gordura sobre ela,
mas logo abaixo disso, havia uma camada de músculos notavelmente densos.
Quando empurrei meus dedos contra sua pele, um pacote compacto de seis se
revelou.
Meu abdômen também não estava ruim, mas isso… isso estava realmente em
outro nível. Como era possível ter um corpo assim sem ficar todo volumoso?
Era um milagre sua cintura ainda ser tão fina. Ela deve ter treinado todos os
seus oblíquos e músculos do quadril em perfeito equilíbrio entre si.
Mas sério, o que havia nos músculos de uma mulher que os tornavam tão
incrivelmente sexys? Não queria nunca mais tirar minhas mãos dessas coisas.
No entanto… eles não eram meu único alvo no momento.
Lentamente movi minha mão para cima, na direção dos dois grandes montes
claramente visíveis sob o cobertor.
Ontem à noite, eu passei muito tempo com minhas mãos presas em um aperto,
então não tive muitas chances de tocá-los… mas nós estamos casados agora,
certo? Eu basicamente tenho permissão, não é?
— Uau…
Caramba, que base sólida!
Eris tinha peitorais, e eles eram tão firmes e compactos quanto seu abdômen.
Coisas realmente esplêndidas. E em cima desses pratos bonitos e sólidos…
tínhamos nossa sobremesa.
Penso que a vida tem tudo a ver com encontrar um equilíbrio entre as coisas
duras e as suaves. Desta forma, é hora de ficar um pouco mais livre, leve e
solto na safadeza!
Uau. Ok. Essas coisas são como… melões.
Sylphie e Roxy não tinham nada parecido com esses bebês. Gostava muito dos
delas, mas o tipo maior definitivamente tinha seu próprio charme especial. E a
partir de agora, poderei sentir isso sempre que quiser? Eu realmente devia
algumas palavras de gratidão a Deus. Obrigado, Roxy! Obrigado, Sylphie!
Minha grande busca estava no fim. Eu havia escalado as Montanhas Eris e um
novo dia havia raiado para toda a humanidade!
— Hohohoh.
De repente, um velho familiar de cabelos brancos apareceu em minha mente.
Ora ora, se não é o Velho Sábio Eremita! Quanto tempo sem te ver, amigo! Dê
uma olhada nessas frutas frescas e gloriosas! Verdadeiramente, a terra nos
abençoou com sua abundância!
— Hohohoh! Parece que não tenho mais nada para te ensinar, jovem… Que seu
caminho te leve à iluminação!
O quê?! Não! Volte, Velho Sábio Eremita! Volte! Eu ainda tenho grande
necessidade de sua sabedoria!
—…
— Gah.
Meu solitário show foi interrompido bruscamente quando fiz contato visual
com Eris. Ela acordou em algum momento e estava me observando. Essa era a
parte em que eu levava um soco? Quero dizer, eu meio que merecia, depois de
apalpá-la assim…
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, a mão de Eris virou e agarrou meu
pulso. Parecia que ela estava, de fato, um pouco chateada.
— Vamos conversar sobre isso, querida! Mais conversas, menos socos! Que tal
uma boa conversa de travesseiro? Lembra daquela vez em que começamos a
fazer abdominais juntos, quando éramos crianças? E eu não pude deixar de
tocar seu abdômen? Ah, que canalha eu fui…
—…
Eris não soltou minha mão. Em vez disso, ela se virou para se sentar em cima
de mim, enrolando seus membros ao redor dos meus.
Isso não era raiva queimando em seus olhos. Era luxúria. Acordar e me
encontrar apalpando seu peito deve tê-la excitado de novo.
Quero dizer, é compreensível, certo? Eu sei que ficaria excitado se acordasse e
encontrasse alguém brincando com meu corpo. Acho que assumi que
geralmente as mulheres poderiam ver essa situação muito menos
favoravelmente do que um homem… mas talvez Eris fosse uma exceção.
Bem, tudo bem então. Venha até mim! Desta vez, vou te ensinar uma lição que
você nunca vai esquecer!
— E-espere! Gentilmente, delicadamente! Você poderia desacelerar um pouco,
querida? Passamos a noite toda… Eek!
Enquanto eu gritava como uma colegial tímida, Eris começou a me violentar
pela segunda vez.

***

Quando finalmente me levantei de vez naquela tarde, estava sozinho no quarto


e Eris não estava em lugar nenhum. Seu lado da cama já estava frio. Entretanto,
desta vez não me senti ansioso ou abandonado, apenas… drenado. E satisfeito.
Dei um tapa na minha cintura trêmula, me levantei e caminhei até a janela. O
sol estava particularmente amarelo hoje; meu rosto provavelmente estava um
pouco amarelo também.
Avistei Eris no quintal. Estava fazendo seus balanços de treino habituais com
um grande sorriso feliz no rosto. Depois de todo aquele exercício que ela nos
fez passar, fiquei surpreso que ainda tivesse energia. Aquela mulher realmente
tinha a estamina de um cavalo.
Quero dizer… com certeza não estava reclamando, veja bem. Sylphie e Roxy
não tinham tanto poder de permanência quanto eu, então elas tendiam a se
desgastar primeiro. Esta foi a primeira vez que eu realmente fui espremido
assim. Se o estilo de Sylphie era um pouco submisso e Roxy era mais técnica,
então Eris era do tipo totalmente agressivo. Mais ou menos como Tokugawa,
Toyotomi e Oda, respectivamente.
Isso fez de mim o poder secreto por trás do trono? De fato. Foi só graças a mim
sendo derrotado por Orsted que Eris se tornou uma poderosa Rei da Espada!
Estou brincando. Se eu ficasse muito cheio de mim mesmo, poderia acabar
decapitado um dia desses. Não gostaria de fazer minha querida Hideyoshi
buscar vingança em meu nome.
De qualquer forma… eu realmente queria ter uma pequena conversa de
travesseiro da próxima vez. Sinceramente, estava ansioso para passar uma boa
e preguiçosa hora na cama com Eris esta manhã. Queria ouvir mais sobre como
ela passou os últimos cinco anos de sua vida e as pessoas que ela conheceu ao
longo do caminho.
Por enquanto, fui ao banho para me limpar. Feito isso, fui até o porão e fiz uma
oração ao meu altar. Parecia que era hora de adicionar uma terceira relíquia a
este pequeno santuário. A deusa da sabedoria e a deusa do amor tinham
acabado de se juntar a uma deusa da guerra… talvez uma espada de madeira
fosse apropriada?
Ponderei sobre o assunto e voltei para a sala de estar, onde Aisha estava
ocupada limpando o chão. Ela apareceu logo ao me ver.
— Bom dia, querido irmão! Você recebeu uma carta. Não diz de quem é, mas
há algum tipo de símbolo no envelope. Você o reconhece?
Quando peguei a carta de Aisha, congelei na hora.
Eu estava muito familiarizado com o brasão naquele envelope. Era o emblema
do Deus Dragão.
Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Ieyasu Tokugawa são considerados os
três unificadores do Japão Feudal.
Capítulo 12: A Convocação

Caro Rudeus Greyrat,


Espero que esta carta o encontre recuperado e com sua mana regenerada.
Quero discutir nossos próximos passos. Estarei esperando por você em sua
cabana nos arredores de Sharia.
Devido a certas circunstâncias, seria preferível que viesse sozinho.
— Orsted.

Depois de ler esta breve carta, pedi a Aisha que me preparasse o café da manhã
imediatamente.
Comi uma boa e sólida refeição, depois voltei ao meu quarto para me vestir.
Tentei escolher minhas roupas mais bonitas, checando com Aisha várias vezes
para ter certeza de que estava bem.
E então, com Aqua Heartia em uma mão e meu diário do futuro na outra, saí de
casa.
Zenith estava no quintal brincando com nosso animal de estimação Ente, então
gritei: “Volto logo, mãe”, ao sair. Ela acenou vagamente com a mão para mim
em resposta; quase parecia um gesto de até logo. Ao lado dela, Ente também
balançava seus galhos.
Eu não disse uma palavra para Sylphie ou os outros. Eu sabia que eles iriam
querer vir junto. Mas a carta me dizia para ir sozinho, então era exatamente isso
que eu ia fazer. Não é como se estivesse indo para a batalha desta vez, de
qualquer maneira.
Eu não poderia dizer que confiava completamente em Orsted. Ainda não, de
qualquer maneira. Mas sua carta mostrou alguma preocupação com meu bem-
estar, e seu tom não era hostil. Além disso, Nanahoshi parecia pensar que ele
era um cara decente, já que ela se opôs ao meu plano de lutar com ele em um
nível emocional. No mínimo, ele parecia mais confiável do que o Deus-
Homem. Isso era definitivamente o que eu queria acreditar.
— Ainda estou meio nervoso, no entanto — murmurei para mim mesmo
enquanto caminhava por uma rua tranquila em Sharia. Toda vez que passava
por uma poça de água na estrada, não podia deixar de parar para examinar meu
reflexo e me certificar de que estava bem. Decidi trabalhar para Orsted, em
outras palavras, ele era meu novo chefe. E quando seu chefe o chama para uma
reunião, você quer estar no seu melhor.
— Me pergunto se eu deveria ter colocado um pouco de colônia ou algo
assim…
Eu tinha tomado banho esta manhã, mas depois da noite que passei com Eris,
era bem provável que houvesse alguns cheiros infelizes em meu corpo. O que
exatamente o chefe pensaria se eu entrasse em seu escritório fedendo a sexo?
Não acho que me demitiria na hora, mas isso poderia deixar uma má impressão.
Era a última coisa que queria agora.
Orsted… era a única pessoa que tinha a chance de encontrar e derrotar o Deus-
Homem. E supostamente, ele faria isso acontecer algum dia, com a ajuda de
meus descendentes. É uma merda ser o Deus-Homem. Mas foi ele quem traiu
minha confiança primeiro, então tanto faz. Não estava disposto a simpatizar
com um cara que mataria Roxy e Sylphie para se proteger.
Eu era o cachorro de estimação de Orsted agora. Abanar meu rabo para ele e
mostrar minhas presas para seus inimigos. Essa é a única maneira que eu
poderia proteger minha família.
— Beleza…
Reconfirmada minha determinação, dirigi-me para os arredores da cidade com
passos mais rápidos e confiantes, evitando cuidadosamente a água barrenta
salpicada pelas carruagens que passavam.
Cheguei à minha cabana fora dos muros da cidade para achar algo diferente de
alguma forma. É difícil explicar em palavras, mas havia… algo estranho no ar
ao redor. Se isso fosse um mangá, a cabana definitivamente teria uma aura
ameaçadora rabiscada em torno dela. De relance, ficou óbvio que Orsted já
estava esperando por mim lá dentro.
Respirei fundo algumas vezes, então bati bruscamente na porta.
— Sou Rudeus Greyrat, senhor! Estou aqui conforme solicitado!
— Ah. Isso não demorou muito.
Mesmo sabendo que estava lá, tremi um pouco ao som de sua voz.
Definitivamente havia uma parte de mim que ainda estava com medo dele. —
Tenho sua permissão para entrar?
— Por que está me pedindo permissão? Você não é o dono desta cabana?
— Sim, senhor! Entrando, senhor!
Quando abri a porta e entrei na cabine, encontrei Orsted sentado em uma das
cadeiras, me encarando com raiva.
Bem… talvez ele não estivesse me encarando. Seu rosto era apenas assustador
por natureza.
Fechei a porta atrás de mim e caminhei o mais rápido que pude. Parei bem ao
lado da cadeira em frente a Orsted e fiquei em posição de sentido. Ele olhou
para mim com uma expressão ligeiramente desconfiada no rosto.
— Hmm. Eu meio que esperava que você viesse aqui com todos os seus amigos
unidos… mas vejo que há apenas dois de vocês.
— Sim, senhor! Eu vim sozi… Peraí, dois de nós?
Fiquei um pouco desconcertado com isso. A menos que os olhos de Orsted
estivessem ficando tão ruins que ele estivesse enxergando em dobro, o
comentário não parecia fazer muito sentido.
— Eris Greyrat! — gritou Orsted. — Você pode entrar também!
Um instante depois, a porta da cabine se abriu ruidosamente. Eris estava do
lado de fora. Sua espada já estava pendurada em sua mão, e havia morte em
seus olhos.
— Orsted! — ela gritou, balançando sua lâmina até apontar para ele. — Se
encostar um dedo em Rudeus, vou te cortar na hora!
A força e a fúria de sua voz teriam feito um homem inferior fazer xixi nas
calças, mas Orsted estava totalmente inabalável. — Não tenho intenção de
machucá-lo.
— Bem, eu não confio em você!
— Suponho que não.
Sem mais, Eris caminhou até um canto da cabine e cruzou os braços
ameaçadoramente.
Ainda um pouco atordoado por esta entrada dramática, olhei de Orsted para
Eris e de volta para ele. Deveria estar dando minhas desculpas agora?
Explicando que não a trouxe comigo? Insistindo que não o via como um
inimigo? O problema era que não podia dar desculpas para a espada que ela
estava segurando. O que deveria fazer aqui?
Enquanto eu hesitava, Orsted falou. — Qual é o problema, Rudeus Greyrat?
Sente-se. Nós precisamos conversar.
— Er, certo. Perdão. — Sentei-me, claro. Mas minha mente ainda estava em
Eris e sua arma desembainhada. — Uhm, sobre Eris…
— Sua reação deixou claro o suficiente. Ela o seguiu até aqui sem seu
conhecimento, imagino.
— Bem, sim. Acho que sim… Se importaria se eu tivesse uma palavrinha com
ela antes de começarmos?
— À vontade.
Pelo menos parecia que ele não estava muito chateado. Virando-me na cadeira,
rapidamente chamei Eris com minha mão.
— O que é isso, Rudeus?
— Eris, por que você me seguiu?
— Te vi todo bem vestido. Só queria saber para onde estava indo.
Todo bem vestido? Bem, hum. Eu tinha escolhido minhas melhores roupas e
mexi no meu cabelo por um tempo. Talvez ela tenha pensado que eu estava
saindo em um encontro secreto ou algo assim…
— Entende que estou trabalhando para Orsted agora, não?
— Sim. Mas é Orsted, Rudeus… Ele está obviamente planejando algo, certo?
Estou preocupada que ele possa estar enganando você de alguma forma.
— Isso é possível, mas é muito cedo para dizer com certeza. Por enquanto,
você acha que pode manter a calma e apenas nos deixar conversar?
“…”
— Nós podemos lutar contra ele juntos se eu descobrir que ele está me
enganando. Estou contando com você, Eris.
— Oh. Aí sim! Entendi.
Aparentemente satisfeita com isso, Eris embainhou sua espada e se sentou ao
meu lado. Era bom que sua mente funcionasse de maneira tão simples.
— Sinto muito por isso.
— Tudo bem.
— Parece que Eris tem muita dificuldade em confiar em você, Senhor Orsted…
Mas suponho que seja apenas a maldição em ação.
Os olhos de Orsted pareceram brilhar com isso. — Quem te contou sobre
minha maldição em primeiro lugar?
— O Deus-Homem. Ele contou que você sofre de várias delas, na verdade.
Respondi honestamente e sem hesitação. Me preparei para contar a Orsted tudo
sobre minhas conversas com seu inimigo.
— Entendo…
Orsted levou a mão ao queixo e virou o olhar para cima por um momento. O
teto da minha cabine não era muito para se olhar, então provavelmente estava
apenas pensando nas coisas.
— Prioridades antes. Deixe-me cumprir a promessa que fiz a você.
— Huh?
— Por que você parece tão surpreso? Não sou como seu mestre anterior.
Mantenho minha palavra.
Isso é bom de ouvir, mas eu só estou me perguntando sobre o que ele está
falando… ele me prometeu alguma coisa em algum momento?
— Falo de meu método para proteger sua família do Deus-Homem.
Oh. Ohhh! Mas é claro. Como pude esquecer de algo assim?
Acho que não tinha pensado em todo aquele acordo como uma promessa,
exatamente. Parecia mais um contrato. Você sabe, do tipo que você usa para
vender sua alma ao diabo. Mas, novamente, as cláusulas de um contrato são
basicamente apenas um monte de promessas, não é? Certo.
— Tem certeza? Na verdade, ainda não fiz nada em seu nome.
— Sim, mas imagino que não conseguirá se concentrar em nenhuma tarefa se
estiver constantemente preocupado com a segurança de sua família.
— Bem, sim. É uma verdade irrefutável.
Huh. Ele estava realmente sendo meio atencioso aqui, não estava? Não
esperava um tratamento tão amigável logo de cara, para ser honesto. Esperava
que me mandasse severamente. O homem tinha um rosto assustador, mas
parecia um chefe surpreendentemente bom. Não conseguia entender o porquê
de Eris ainda estar olhando tão ferozmente para ele.
— De qualquer forma, que método específico você tem em mente para protegê-
los?
— Não é nada muito complexo. Basta invocar uma fera guardiã com um
destino forte e a ordenar que os mantenha seguros.
— Entendo. Infelizmente, ainda não sei como usar magia de Invocação.
— Muito bem. Desenharei o círculo mágico. Apenas canalize a mana através
dele.
— Oh. Isso funciona, então. Desculpe o incômodo.
Hmm. Uma fera guardiã com um destino forte, hein? Em outras palavras,
teríamos um cão de guarda protegido pelas leis da causalidade…
— Isso será realmente suficiente para mantê-los seguros, no entanto?
— O Deus-Homem não tem influência sobre nada além dos humanos. Além
disso, não pode manipular muitos indivíduos a qualquer momento; enquanto
estivermos agindo, ele deve estar ocupado tentando nos impedir. Dada a
personalidade dele, isso deve ser mais do que suficiente para proteger seus
entes queridos.
Ótimo, agora estávamos psicanalisando o cara.
Essa parte sobre ele não ser capaz de influenciar muitas pessoas ao mesmo
tempo foi interessante, no entanto. Isso implicava que ele poderia controlar
pelo menos alguns simultaneamente. Ele estava se intrometendo na vida de
outras pessoas enquanto brincava comigo?
— No entanto, não deve baixar a guarda. O Deus-Homem é tortuoso e
imprevisível. Não deixe tudo para a fera guardiã, certifique-se de estar lá para
eles também.
Para ser honesto, essas palavras soaram meio erradas saindo da boca de Orsted.
Ele simplesmente não parecia o tipo de cara que lembraria você de passar
tempo com sua família. Não se pode julgar um livro pela capa e tudo, mas
sério…
De qualquer forma, já que ele estava disposto a preparar essa invocação para
mim, eu aceitaria com prazer.
Agora era hora de começar a trabalhar. Havia todo tipo de coisa que eu queria
perguntar a Orsted, é claro, mas também precisava cumprir minha parte nessa
barganha. Não faria mal perguntar proativamente quais eram minhas ordens.
— Tudo bem então. O que você gostaria que eu fizesse por você a partir de
agora?
— Não tem outras perguntas a fazer?
Hum. Não esperava que ele reagisse assim… — Claro que sim. Muitas, aliás.
— Por que não as está fazendo, neste caso?
— Bem, não queria incomodar muito, acho.
Orsted soltou um suspiro e balançou a cabeça. — Você é meu aliado agora. Em
outras palavras…
— Sou seu subordinado, Senhor Orsted. Acho que devemos manter a cadeia de
comando agradável e clara.
O homem tinha me espancado completamente. E agora pensava em maneiras
de proteger minha família. Mesmo eu não era sem vergonha o suficiente para
fingir que éramos iguais neste relacionamento.
— Muito bem, se é assim que prefere… Mas independentemente disso, nós
dois estaremos trabalhando juntos para derrotar o Deus-Homem. É importante
que você aprenda tudo o que precisa saber.
— Certo, mas e se eu fosse o espião do Deus-Homem ou algo assim? Por tudo
que você sabe, eu poderia começar a fornecer informações a ele todas as noites.
— Eu confio em você, Rudeus Greyrat — disse Orsted, olhando-me
firmemente nos olhos. — Você arriscou sua vida pelo bem de sua família, e
isso lhe rendeu meu respeito.
Uau, vai acabar me fazendo corar!
Quero dizer… acho que eu estava bem desesperado naquela época, claro. E se
isso era bom o suficiente para fazê-lo confiar em mim, certamente não estava
reclamando. Poderia muito bem aceitar sua oferta.
O que eu deveria perguntar a ele?
Várias coisas vieram à minha mente. Por que ele estava tão obcecado com o
Deus-Homem? O que era o tal Fator Laplace que ele havia mencionado? O que
ele sabia sobre o Incidente do Deslocamento? E ele poderia explicar um pouco
mais claramente sobre esse tal “destino”?
Eram as grandes perguntas do momento.
— Tudo bem então. Vou citar questão por questão, sendo assim.
Parecia melhor começar com sua rixa contra o Deus-Homem… ou a natureza
de seu relacionamento, na verdade. Hmm. Então, provavelmente precisava
ouvir mais sobre o próprio Orsted antes que eu pudesse chegar a isso.
— Poderia me contar mais sobre você, Senhor Orsted?
— Gostaria de ouvir a minha história?
— Isso. Se não se importar.
— O que o Deus-Homem lhe disse sobre mim? Parece que ele mencionou
minhas maldições, ao menos.
— Uhhhm…
Fazia cinco anos desde aquele encontro em particular, então foi um desafio
lembrar exatamente o que ele disse. Concentrei-me atentamente, tentando tirar
as palavras da minha memória.
— Contou-me que você possui quatro diferentes tipos de maldição,
especificamente.
— Siga em frente…
— A primeira maldição faz com que tudo que vive neste mundo o odeie ou o
tema. A segunda impede que o Deus-Homem o veja. A terceira impede que dê
tudo de si. E ele não sabia qual é a quarta.
— Entendo — disse Orsted com um pequeno aceno de cabeça. — Comecemos
com a primeira maldição, então. Desde o dia em que nasci, de fato fui odiado
por tudo que vive neste mundo.
— Eu particularmente não o odeio, no entanto…
— Algumas exceções assim existem. Como Nanahoshi e você.
— Certo então.
Então há exceções. O fato de Nanahoshi e eu termos vindo de um mundo
diferente provavelmente era relevante nisso. Devo aproveitar esta oportunidade
para revelar a verdade sobre mim mesmo? Com Eris ao meu lado, estava um
pouco relutante em fazê-lo. Mas manter segredos de Orsted não me parecia
uma ideia sábia neste momento.
— Eu não estava tentando esconder isso de você nem nada, mas… eu era
originalmente do mesmo mundo de onde Nanahoshi veio. Talvez tenha algo a
ver com isso?
— Então… Rudeus Greyrat não é seu verdadeiro nome?
— É uma longa história, mas não sou exatamente como Nanahoshi. Meio que,
uhm… acordei aqui no corpo de um bebê chamado Rudeus Greyrat, eu acho…
não sei como explicar, na verdade.
— Ah. Então você reencarnou.
Pisquei de surpresa. Não esperava que essa palavra saísse da boca de Orsted tão
suavemente. Agora que pensava sobre isso, porém… senti como se tivesse
visto algumas notas no diário sobre a Tribo dos Dragões possuindo algum meio
de reencarnação. Algo sobre como eles poderiam voltar em um novo corpo
algumas décadas depois de morrerem. Talvez fosse um conceito bastante
comum para eles.
— Muito provavelmente, a razão pela qual você não me teme está ligada à sua
reencarnação.
— Há outros que não o temem?
— Além de um punhado de exceções, apenas aqueles descendentes da antiga
Tribo dos Dragões.
Então Perugius, por exemplo… embora ele parecesse aterrorizado com Orsted,
na verdade. Talvez isso não tivesse nada a ver com a maldição. Às vezes você
tem razões perfeitamente boas para ter medo de alguém.
— Quanto à segunda maldição, que me mantém longe da vista do Deus-
Homem… isso não é maldição, na verdade.
— O que é, então?
Orsted parou por um momento para pensar, depois me olhou nos olhos mais
uma vez. — Uma espécie de arte secreta, criada pelo primeiro Deus Dragão
como uma ferramenta para usar contra o Deus-Homem. Isso me permite ver o
fluxo do destino e garante que certas… leis deste mundo não se apliquem a
mim.
— Hmm…
— O Deus-Homem possui grande conhecimento do futuro, e seus olhos
enxergam longe. Mas eles estão cegos para aqueles fora da jurisdição do
mundo.
Interessante. Não tinha ideia do que “fora da jurisdição do mundo” significava,
mas ser totalmente invisível para o Deus-Homem soava como algo realmente
atraente.
— Você poderia explicar essa parte sobre ver o fluxo do destino?
— Hm. Vejamos…
Em silêncio, Orsted assumiu sua pose contemplativa novamente. Tinha que
esperar que isso não significasse que ele estava pensando em uma mentira para
o momento.
— Quando olho para alguém, posso ver os grandes contornos da história de sua
vida.
Bem, isso é meio vago… — Isso significa que você também tem o poder de
prever?”
— Não… eu não vejo o futuro. Eu vejo a história como ela é ordenada pelo
destino.
Hmm? Agora ele parecia um filósofo ou algo assim. Não entendi bem a
diferença entre esse poder e a previsão real. No momento, parecia mais fácil
pensar nisso como uma versão de nível inferior da habilidade do Deus-Homem.
— Você poderia usar essa arte secreta em mim também?
— Isso seria imprudente.
— Por que diz isso?
Eu não tinha certeza de ver o destino das pessoas, mas seria muito bom me
esconder do Deus-Homem. Eu queria saber o motivo real por trás de sua
recusa.
— A arte tem o efeito colateral de diminuir drasticamente sua taxa de
regeneração de mana.
— Quão drasticamente?
— Você regenerou seu suprimento de mana completamente em dez dias, sim?
Sob a influência da arte, isso levaria cerca de mil vezes mais.
Mil vezes mais? Isso seria, algo como… trinta anos mais ou menos?
— Como resultado disso, não posso usar magia livremente. E essa é a razão
pela qual eu raramente luto com todas as minhas forças.
Aha. Basicamente, sua mana se regenerava tão lentamente que ele não podia
usá-la com muita frequência. Eu não sabia o quão grande era seu suprimento de
mana, mas supondo que levasse anos para reabastecer, ele teria que ter muito
cuidado com a conservação de energia.
— Embora eu não possa usar a arte secreta em você, o bracelete que lhe dei
fornece um efeito semelhante.
Olhei para o bracelete no meu pulso esquerdo. Aparentemente era uma espécie
de dispositivo de interferência ao Deus-Homem. — Então isso não tem nenhum
efeito colateral? Talvez se o produzíssemos em massa…
— Eu já teria feito isso, se fosse possível. E removido minha maldição também.
Certo. Uma pergunta meio imbecil.
— Usei uma quantia considerável de mana na minha batalha contra você —
Orsted continuou. — Serei incapaz de lutar com todas as minhas forças por um
tempo.
— Huh? Espere, realmente? Mas você me derrotou instantaneamente.
— Fui forçado a resistir a golpes diretos de sua magia muitas vezes e,
finalmente, a desenhar a Lâmina Divina — disse Orsted, seu tom de voz
distintamente amargo. — Me custou muito esforço.
Hum. Do meu ponto de vista, ele me jogou no chão sem suar a camisa… mas
aparentemente eu lutei melhor do que imaginava. Um esforço sólido, se assim
posso dizer. Hoh hoh hoh.
— De qualquer forma, meu suprimento de mana está bem baixo no momento.
Assim, precisarei que tome uma atitude em meu lugar.
— Certo… farei o que puder.
Então eu estava trabalhando no custo do dano que fiz, basicamente. Isso parecia
bastante justo.
— Sobre outro assunto, Senhor Orsted… poderia contar-me a razão de sua luta
contra o Deus-Homem?
— Ah… sim, há isso…
Orsted olhou de lado, olhando para o nada, seu tom um tanto relutante. Eu tinha
notado muitas dessas pausas pensativas nesta conversa. Afinal, o homem estava
mentindo para mim? Eu não queria pensar assim, especialmente depois de
ouvir que ele confiava em mim… mas, novamente, seria estranho se ele
confiasse em mim completamente neste momento. Havia uma boa chance de
que ele estivesse me alimentando com algumas falsidades simples por enquanto
e reservando seu julgamento final até que eu provasse ser confiável.
— O Deus-Homem… causou a morte de meu pai.
— Oh?
Vingança, hein? Definitivamente um motivo clássico. A mesma coisa que
motivou meu futuro eu a tentar matar o Deus-Homem. Seria fácil para mim
zombar de tais desejos no momento, já que ninguém que eu amava realmente
havia sido tirado de mim ainda. Mas aquele diário deixou bem claro que eu
acabei vivendo por vingança naquela linha do tempo.
— Além disso, sua destruição era o maior desejo da antiga Tribo dos Dragões.
Todos os Deuses Dragões existiram apenas para perseguir esse objetivo.
Certo, então havia algum senso cultural de dever envolvido também…
Espere, todos os Deuses Dragões?
— Uhm, quantos Deuses Dragões existiram?
— Eu sou o centésimo, parece. E todos os noventa e nove que vieram antes de
mim dedicaram suas vidas para derrubar o Deus-Homem.
— Uau. Entendo.
— No entanto, apenas um Deus Dragão de grande força e sangue puro
realmente tem uma chance de ter sucesso nesta tarefa. — Os olhos afiados e
brilhantes de Orsted fixaram-se nos meus; depois de um momento, ele
continuou com uma voz calma e firme. — Foi por essa razão que meu pai, o
primeiro dos Deuses Dragões, me reencarnou no futuro.
Capítulo 13: Explicações

Eu precisava recuar um pouco e rever tudo isso.


Primeiro de tudo, Orsted era um membro da antiga raça Povo Dragão, trazida
para esta era do passado distante por um método especial de reencarnação.
Havia duas outras coisas incomuns sobre ele: ele foi amaldiçoado e estava sob
a influência de uma “arte secreta”. A maldição fez todos no mundo o
desprezarem. A arte secreta fez com que sua mana se regenerasse muito
lentamente, mas o escondeu dos olhos do Deus-Homem e também o deixou ver
o futuro em traços amplos e gerais.
Por que ele veio aqui do passado, maldição e tudo?
Começou quando o Deus-Homem assassinou o primeiro Deus Dragão. Todos
os muitos Deuses Dragão seguintes viveram apenas para buscar vingança;
destruir o Deus-Homem era um objetivo compartilhado por todo o Povo
Dragão. Como filho do primeiro Deus Dragão, Orsted viajou para o futuro a
fim de realizar esse sonho.
— É isso mesmo?
— Sim. Você certamente entendeu tudo isso rapidamente.
— A propósito, há quanto tempo você reencarnou?
— Ah… foi há cerca de dois mil anos, eu acredito.
Dois mil anos? Ele vive neste corpo há tanto tempo? Nossa.
De qualquer forma… sua história era coerente o suficiente, mas algo sobre isso
parecia um pouco estranho de alguma forma. De onde exatamente vinha esse
sentimento? Talvez a parte sobre ele não regenerar mana? Perugius tinha um
feitiço de invocação que poderia drenar mana de seus oponentes, e eu tinha que
presumir que Orsted também poderia usar isso. Isso não resolveria o problema
por si só?
Hmm. Não, deve haver alguma razão para não funcionar. Talvez você não
pudesse armazenar essa mana permanentemente dentro de si mesmo.
Bem, e quanto ao intenso ódio do Orsted pelo Deus-Homem? O fato de o Deus-
Homem ter matado seu pai era uma explicação sólida no papel, mas, de alguma
forma, sua animosidade parecia muito intensa para que essa fosse
sua única causa. Não tive a sensação de que Orsted estava tão obcecado com a
memória do pai, na verdade.
— Tenho a sensação de que você tem um forte ódio pessoal pelo Deus-
Homem, Orsted. Há alguma razão para isso que você ainda não mencionou?
— Quem não desprezaria aquele pedaço de imundície?
— Faz sentido.
Ao longo de dois mil anos, o Deus-Homem provavelmente havia feito todos os
tipos de coisas horríveis a Orsted. Mesmo que ele não pudesse falar com Orsted
diretamente, ainda poderia enviar mensagens para ele por meio dos outros.
Hmm… talvez a condição atual de Orsted tenha algo a ver com o conflito entre
seu pai e o Deus-Homem, também?
Enfim! Havia algumas coisas que eu ainda não entendia completamente, mas
provavelmente sabia o que precisava sobre o passado do Orsted neste
momento. Seja o que for, ele definitivamente tinha algo que o motivava a lutar
contra o Deus-Homem. Isso fez dele o inimigo do meu inimigo.
Havia muitas outras perguntas que eu precisava fazer também. Por exemplo…
— Durante nossa batalha anterior, você mencionou que eu possuo algo
chamado Fator de Laplace. Você poderia explicar o que é isso?
— O quanto você sabe sobre Laplace?
— Bem, eu sei que ele causou uma grande guerra quatrocentos anos atrás, na
qual a humanidade quase foi derrotada. As pessoas dizem que ele tinha uma
imensa quantidade de mana, mas era incapaz de usar a Aura de Batalha.
Hum… embora ele fosse muito poderoso, Lorde Perugius finalmente o selou
com a ajuda de dois companheiros… Ah, e ele traiu os Superd.
Eu tinha ouvido um monte de outros rumores sobre o homem, mas aqueles
pareciam ser os pontos mais importantes.
— Isso é tudo?
— Ah, é mesmo. Ouvi dizer que ele supostamente será ressuscitado em breve.
— Você sabia que essa ‘ressurreição’ será realizada por meio da técnica de
reencarnação do Povo Dragão?
— Huuum… não, acho que isso é novidade para mim… Espera. O Deus-
Homem pode ter mencionado isso, na verdade.
Minha memória estava um pouco confusa nesse ponto. De qualquer forma, a
palavra reencarnação, com certeza, surgiu muito nesta conversa…
— Hmph. Depois vou querer ouvir tudo o que aquela criatura discutiu com
você… ou tentou fazer você acreditar.
— Claro.
— Por enquanto, no entanto, vamos discutir Laplace.
Eu podia sentir Eris irradiando irritação do assento ao meu lado com a mera
menção desse nome. Eu entendia. Nós dois éramos bons amigos de Ruijerd, e
Laplace era seu inimigo mortal. Isso fazia de Laplace nosso inimigo também.
Ainda assim, eu precisava ter certeza de manter a calma aqui, não importa o
que Orsted dissesse a seguir. Ficar brava era o trabalho da Eris, e acalmá-la era
o meu.
— O Deus Demônio Laplace, como você deve conhecê-lo, é de fato a concha
lamentável de um homem outrora conhecido como o Rei Dragão Demoníaco
—, Orsted continuou em um tom prático.
— O… Rei Dragão Demoníaco?
— De fato. Ele era do antigo Povo Dragão.
Espera, o quê? Ele não era o Deus Demônio? Isso significa que ele tem que ser
um demônio, certo?
— O Rei Dragão Demoníaco Laplace estava entre a primeira geração dos
Cinco Generais Dragão.
Ok, eu já tinha ouvido falar desses caras antes. Eles já estiveram sob o
comando do Deus Dragão, mas acabaram traindo ele… e supostamente, sua
batalha terminou sem ninguém ficasse de pé.
— Laplace escapou da destruição do mundo dos dragões e vagou por este na
busca de uma missão singular. Naquela época, ele era conhecido como o
segundo Deus Dragão.
Então o cara era um Rei Dragão, um Deus Dragão e um Deus Demônio? Eram
títulos demais. Estava começando a ter dor de cabeça.
— Ele trabalhou febrilmente para desenvolver alguns meios de destruir o Deus-
Homem. Chamando-se de Deus Dragão, reuniu seguidores talentosos para ele,
ensinando-lhes todas as artes que conhecia; e ao longo de muitos anos,
desenvolveu suas técnicas ainda mais. Tudo para que eu, o mais forte do Povo
Dragão, pudesse herdar seu legado quando renascesse no futuro distante.
Uau! O mais forte? E tão modesto também!
— Mas, na Segunda Guerra Humano-Demônio, Laplace enfrentou o Deus
Lutador, um apóstolo do Deus-Homem. E naquela batalha, sua alma foi
dividida em duas.
Esta era outra história que eu tinha ouvido em algum momento. No final
daquela guerra, o Cavaleiro Dourado Aldebaran supostamente enfrentou o
Grande Imperador do Mundo Demoníaco. Kishirika mais tarde me disse que
era realmente uma batalha entre o Deus Dragão e o Deus Lutador… então, se
Laplace era o Deus Dragão naquela época, aquele cara, Aldebaran, deve ter
sido o Deus Lutador.
Hmm. Isso não significaria que Laplace estava lutando ao lado dos Demônios?
— Assim dividido, Laplace perdeu suas memórias. Metade dele se tornou o
Deus Demônio, que odiava a humanidade além de toda a razão. E o outro se
tornou o Deus da Técnica, que buscou a força para destruir deuses.
Oh, agora o Deus Demônio finalmente apareceu. Junto com o Deus da Técnica.
Eu parecia me lembrar que ele era o maior dos Sete Grandes Poderes…
— Hã? Espere, então o Deus da Técnica também é Laplace?
— Sim.
Uh, isso pareceu uma grande revelação. Estava tudo bem se Orsted me contasse
tudo isso? Gah! Isso era muita informação de uma só vez. Nem consegui
processar tudo. Orsted era o filho do primeiro Deus Dragão, mas Laplace era o
segundo Deus Dragão?
Vamos ver se consigo entender isso…
Primeiro de tudo, o Deus Dragão original enviou Orsted ao futuro para matar o
Deus-Homem.
Laplace era um dos Cinco Generais Dragões neste momento, mas ele
permaneceu leal ao Deus Dragão ou se juntou a ele depois de perceber que o
Deus Homem não era bom. Ele sobreviveu à morte do Deus Dragão e à
destruição de seu mundo, e fugiu para este.
Uma vez que ele estava aqui, Laplace começou a vagar pelo mundo, ensinando
as gerações de Deuses Dragão seus segredos e aperfeiçoando suas técnicas para
que ele pudesse acabar com o Deus-Homem algum dia no futuro. Então o
Deus-Homem colocou o Deus Lutador contra ele e pôs um fim nisso. Mas
Laplace teve sorte… ou talvez usou alguma técnica de última hora para se
salvar. Embora estivesse dividido ao meio e perdesse a memória, ele conseguiu
viver como dois indivíduos separados…
Essa era a ideia geral, certo? Provavelmente? Eu não estava muito confiante de
que tinha acertado todos os detalhes.
— Hmph!
Olhei para Eris, que estava de cara feia e irritada. Eu reconheci como seu
padrão de: Eu não entendi uma única palavra disso! Foi um alívio saber que eu
não era a pessoa mais confusa da sala.
Orsted ainda não havia terminado de falar.
— O Deus Demônio Laplace, despojado de sua essência dracônica, reteve duas
coisas: a crença de que seu propósito era matar todos os humanos e seu enorme
conhecimento das artes mágicas. E assim, ele uniu os Demônios para erradicar
a humanidade.
— O Deus da Técnica Laplace, despojado de seus poderes mágicos, em vez
disso, manteve seu vasto tesouro de habilidades — e uma vaga, mas poderosa,
compulsão de transmitir seu conhecimento aos outros. Consequentemente, ele
criou os Sete Grandes Poderes e se dedicou ao refinamento de suas técnicas.
O Deus da Técnica criou os Sete Grandes Poderes… sim, acho que já ouvi falar
disso antes. Fez algum sentido, já que ele era o número um da lista.
Espere um segundo, no entanto. A Segunda Guerra Humano-Demônio não
foi… há cinco mil anos ou algo assim?
— Como sabe de tudo isso, Senhor Orsted? Quando você reencarnou há dois
mil anos, a Segunda Guerra Humano-Demônio havia terminado há muito
tempo. Laplace já havia perdido as memórias, certo? Quem poderia ter lhe
contado sua história?
— Descobri os escritos pessoais de Laplace em uma antiga ruína do Povo
Dragão.
— Ah. Entendi…
Laplace deve ter mantido bons registros antes de perder a memória. Pena que
nenhum de seus eus atuais se deparou com eles…
— Agora, então, devemos voltar ao assunto de seu suprimento abundante de
mana?
— Como queira.
— O primeiro Deus Dragão criou algo conhecido como a Arte da
Reencarnação. É um meio de enviar sua alma para o futuro e assumir o corpo
de outro ser, como uma forma de renascimento.
“…”
A maneira como ele formulou isso pareceu… um pouco perturbadora.
— No entanto, o corpo e a alma são normalmente quase indivisíveis. Uma alma
estrangeira seria rejeitada pelo corpo instantaneamente, fazendo com que a Arte
falhasse. Foi por essa razão que o primeiro Deus Dragão injetou elementos de
si mesmo em vários indivíduos. Os filhos daquelas pessoas herdaram
esses aspectos dele, e foram ligeiramente alterados por eles. Seu plano era
produzir um recipiente ideal para sua alma, mesmo que levasse centenas ou
milhares de anos de mudanças lentas e constantes.
“…”
— A própria reencarnação ocorre quando um corpo perfeitamente adequado à
sua alma é concebido. Você então toma o lugar da alma que de outra forma
teria nascido e emerge um recém-nascido. Vários do Povo Dragão chegaram a
esta era por meio desta mesma técnica. Perugius está entre eles, embora não se
lembre de nada de sua última vida, pois a deixou enquanto ainda era criança.
Então, a reencarnação… envolvia roubar o corpo de um bebê, basicamente.
Sobrepondo sua alma.
Encarei as mãos. Eu mesmo fui reencarnado. Isso significava que eu tinha
roubado esta vida do verdadeiro Rudeus Greyrat?
— Está me escutando?
— Hã? Ah. Sim. Claro.
Quando olhei para cima, descobri que Orsted estava estudando meu rosto de
perto.
— Voltemos à história de Laplace. O Deus Demônio perdeu sua sanidade no
momento de sua fragmentação, mas parece que ele se lembrou dos detalhes da
Arte da Reencarnação, ou talvez tenha encontrado algum registro disso. Depois
que Perugius o derrotou, mas antes que seu corpo fosse selado, ele liberou
muitos aspectos de si mesmo no mundo — e enviou sua alma para o futuro.
“…”
— Nos dias de hoje, os indivíduos que carregam esses Aspectos e
compartilham certos traços com ele estão aparecendo em número crescente.
Alguns possuem grandes suprimentos de mana e uma grande proficiência em
magia; outros nascem com cabelos verdes, ou mesmo possuindo Olhos
Demoníacos.
Conheci alguém que preencheu muitos desses critérios. Cabelo verde, muita
mana e um talento para magia… isso era tudo, exceto o Olho Demoníaco.
— Isso significa que Sylphie tem um Aspecto?
— Sim, Sylphiette é uma daqueles a que me referia. Embora seu cabelo pareça
ter ficado branco agora, por algum motivo…
— Mas ela não é realmente a reencarnação de Laplace, certo?
— Claro que não. Ele não poderia renascer como uma mulher.
Foi um alívio ouvir isso. Mas agora que pensei nisso… havia um candidato
mais provável do que Sylphie para considerar.
— Você acha que eu também tenho um Aspecto, certo?
— Quase certamente. Um corpo capaz de conter tanta mana não poderia ter
surgido de outra forma.
— Sabe, eu sempre pensei que aumentava minha capacidade de mana treinando
muito quando criança.
— Isso é verdade, claro. Seu corpo simplesmente tinha o potencial de conter
grandes quantidades de mana. Se você não tivesse praticado magia desde cedo,
provavelmente teria acabado com apenas um pouco mais do que uma pessoa
comum, muito parecido com Sylphiette. Sua enorme capacidade de mana é o
resultado de seu próprio trabalho árduo, e você tem todo o direito de se
orgulhar disso.
Isso foi um elogio? Talvez eu devesse estufar meu peito um pouco…
— Hum, só para ser claro. Eu também não sou a reencarnação de Laplace, sou?
— Não. Levará décadas até que ele renasça, eu espero.
Bem, é bom ao menos perguntar. E fiquei aliviado por finalmente ter uma
resposta clara sobre por que eu tinha tanta magia para usar.
Eu me senti um pouco culpado pelo fato de estar basicamente tomando
emprestado os poderes de Laplace, considerando minha amizade com
Ruijerd… mas ei, é tudo sobre como você o usa, certo?
Para ser honesto, havia outra coisa que estava me incomodando mais.
—…
Orsted me observou em silêncio por um tempo, depois soltou um pequeno
suspiro.
— Não há necessidade de se sentir culpado. Eu sei que você é um reencarnado,
mas nenhum Rudeus Greyrat existe em minhas memórias.
— Você poderia elaborar um pouco?
— Aqueles que herdam um Aspecto de Laplace geralmente possuem um
grande potencial mágico mesmo quando crianças. E seu corpo é capaz de
conter uma quantidade particularmente grande de mana. Não seria nenhuma
surpresa se uma alma recém-nascida frágil não tolerasse tal hospedeiro.
— Desculpe, o que isso significa, exatamente?
— A criança provavelmente teria nascido morta, se você não tivesse assumido
seu corpo.
Ah.
Bem… tudo bem então. Desde que eu não tenha assassinado o verdadeiro
Rudeus. Não queria pensar que tinha roubado uma vida com tanta felicidade,
sabe? Mas se a alternativa à minha chegada fosse Paul e Zenith chorando por
seu primeiro filho, então foi melhor. Era hora de deixar essa linha de
pensamento deprimente para trás. Eu era filho de Paul e Zenith — o único
Rudeus Greyrat.
Com esse assunto resolvido, decidi passar para a minha próxima pergunta
ardente.
— Hum, ouvi dizer que o Incidente de Deslocamento aconteceu como resultado
da invocação de Nanahoshi. Você acha que poderia explicar com mais
detalhes?
— Há muito sobre esses eventos que ainda não entendo. Isso nunca aconteceu
antes.
— Bem, eu sou um reencarnado, e eu estava perto do epicentro do desastre
quando aconteceu. Sinto que há alguma chance de eu ter causado isso, de
alguma forma…
— O quê…?
De repente, Eris estendeu a mão para debaixo da mesa e agarrou minha coxa.
Quando olhei, a encontrei olhando para mim e balançando sutilmente a cabeça.
Em uma tentativa de tranquilizá-la, cheguei atrás dela com minha mão… e
comecei a acariciar sua bunda. Seu traseiro, ao mesmo tempo
macio e musculoso, oferecia um toque requintado. Ai, ai, merda, minha coxa!
Não belisque! Não belisqueeee!
— Não posso negar a possibilidade, admito. Você, Nanahoshi e o Incidente de
Deslocamento são todos… novos acréscimos à história.
Deus, eu pensei que ela ia arrancar um centímetro de músculo da minha
perna…
Olhei para o rosto da Eris. Ela estava olhando para mim com uma expressão
que dizia: Esta é uma conversa séria, lembra?! Em letras grandes e nítidas. Foi
bom ver que ela aprendeu um pouco a ler a sala.
De qualquer forma, parecia que Orsted também não sabia muito sobre o
Incidente de Deslocamento. Nanahoshi tinha surgido com algumas teorias
estranhas por conta própria, mas… não havia necessidade de entrar nisso agora.
Na verdade, senti como se tivesse feito perguntas suficientes para um dia.
Minha cabeça estava prestes a explodir com novas informações. Se eu
mantivesse essa conversa por muito mais tempo, não tinha certeza se seria
capaz de entender qualquer coisa que Orsted me dissesse. Melhor continuar de
onde parei em outra hora.
— Não sei se será útil, mas tenho algumas informações do futuro que gostaria
de mostrar a você.
— Você tem?
— Hum… sim, eu acho. Olha isso aqui.
Entreguei o diário do futuro a Orsted. Ele o abriu e rapidamente folheou as
primeiras páginas; mas depois de alguns momentos, ergueu os olhos com a
testa franzida.
— Levará algum tempo para eu ler tudo isso. A caligrafia é bastante pobre.
— Bem, não tem problema…
Minha caligrafia era tão ruim assim? Nanahoshi disse exatamente a mesma
coisa. De qualquer forma, não era justo esperar uma ótima caligrafia de um
diário. Mas eu teria que levar as coisas bem devagar da próxima vez que
escrevesse uma carta para alguém.
— Ah, é mesmo. Antes de entrarmos nisso, posso perguntar outra coisa?
— O que é?
Parei por um momento. Era uma boa ideia trazer isso à tona? Orsted me tratou
muito melhor do que eu esperava até agora… mas senti que estava prestes a
abusar da sorte.
— Sabe, uh, senhor…
— Não há necessidade dessas formalidades.
— Bem, Orsted… Senhor… Serei seu subordinado de agora em diante.
Correto?
— Sim. Contanto que você aceite esse papel.
— Certo. Então, hum… isso é muito estranho, realmente, mas… — Olhei para
Eris e continuei. — Podemos discutir os termos do meu emprego?
— Seu… emprego?
— Sim. Eu tenho uma família agora, como você sabe… e se possível, bem…
eu gostaria de ter algum tempo de folga. Para passar com eles. De vez em
quando, pelo menos.
Não me entenda mal. Eu estava pronto e disposto a trabalhar duro por esse
homem. Dito isso… às vezes você precisa de uma pausa para se lembrar para o
que está trabalhando, certo? Eu queria tempo para ver Lucie, ensinar minhas
irmãs mais novas, apreciar a comida da Lilia, aproveitar o sol com Zenith, dar
amassos na cama com Sylphie, Roxy e Eris. Isso era pedir demais?
— Isso pode depender do seu desempenho, Rudeus Greyrat.
— Ah. Certo. Claro.
Besteira. Talvez fosse.
Desculpe, Lucie! Papai vai trabalhar longe de casa! Voltarei assim que
salvarmos o mundo do Deus-Homem, está bem? Adeus por enquanto!
Certifique-se de comer todos os seus vegetais!
— No entanto, não sou como Atofe. Nunca foi minha intenção afastá-lo da
família que você arriscou tudo para proteger. E não tenho nenhum plano de te
arrastar comigo por anos a fio… atualmente, pelo menos.
— Espera, sério? É um alívio ouvir isso.
Ufa. Pelo som das coisas, vou ter alguns dias de folga, afinal. Estar separado
das pessoas que eu amo teria sido… desafiador, para dizer o mínimo. Mantê-las
seguras era minha principal prioridade, mas também queria estar perto delas.
— Há mais alguma coisa que você queira de mim?
Os olhos do Orsted estavam fixos em mim em algo que parecia muito com
uma encarada. Eu poderia realmente dizer sim a essa pergunta? E se ele ficar
com raiva de mim?
Não, não. Eu precisava ganhar coragem. Esta era minha única janela de
oportunidade. Nós não tínhamos um contrato ou qualquer coisa, por isso, era
crucial resolver essas coisas com antecedência.
— Hum, tudo bem se eu perguntar mais?
— Farei o meu melhor para atender às suas necessidades.
Ooh, isso soou promissor. Hmm. Pedir um salário seria ir longe demais?
Quero dizer, não era tão irracional. Se você quer que alguém faça um
trabalho com responsabilidade, você paga por isso. Ao pegar seu dinheiro, eles
aceitam a responsabilidade pelo trabalho. Qualquer um que trabalhe de graça o
fará de forma irresponsável… ou algo assim que eu li em algum mangá uma
vez.
Naturalmente, eu queria ser um subordinado responsável do Orsted. E
certamente tirar algum dinheiro dele seria a maneira perfeita de demonstrar
isso.
— Hum, então… já que vou ficar muito tempo fora de casa, minha família vai
perder uma de suas rendas. Eu não levava muito para casa para começar, e…
bem, na verdade, tive algumas despesas, uh, me preparando para a nossa
batalha no outro dia. Ainda temos algumas economias por enquanto, mas posso
vê-las acabando qualquer dia desses. Se eu não estiver trabalhando,
provavelmente teremos que reduzir um pouco o cardápio do jantar. E temos um
monte de crianças em crescimento…
— Você quer dinheiro, então?
— Bem, claro, se você quiser ser franco sobre isso! Heheh.
Enquanto eu ria maldosamente por puro constrangimento, Orsted enfiou a mão
no casaco e tirou algo que ele então jogou casualmente na mesa à minha frente.
Era uma adaga… não, uma espada curta… em uma bainha lindamente
ornamentada.
— Esta é uma das 48 espadas mágicas criadas a partir dos ossos do Rei Dragão
Kajakut pelo famoso Demônio ferreiro Julian Harisco. Seu nome é Eminência,
e pode ser vendida por 100.000 moedas de ouro Asurano ou mais. Isso deve
durar por um tempo.
— U-Uau!
Ele acabou de dizer cem mil? Uma moeda de ouro Asurano vale o que… algo
como cem mil ienes, certo? Então isso seria… dez bilhões de ienes?! Um cara
poderia viver com isso tudo de dinheiro pelo resto de sua vida! Inferno, você
provavelmente poderia construir um castelo!
— Você precisa de mais?
— N-Não, claro que não.
Caralho. O que esse cara espera que eu faça em troca de algo tão valioso? Oh,
certo… ele quer que eu lute contra o Deus-Homem. Acho que isso me tornou
um mercenário. Mas, por alguma razão, receber tanto para fazer o trabalho fez
parecer um pouco mais assustador.
Havia uma espécie de questão prática aqui, no entanto. Como eu ia transformar
essa coisa em dinheiro? Quem diabos iria realmente gastar tanto dinheiro em
uma única espada? Parecia o tipo de coisa que a família real Asurana poderia
fazer. Talvez eu devesse tirar um pouco da riqueza dos irmãos da Ariel?
— É só que, b-bem… Acho que pode ser difícil encontrar alguém que possa
pagar um preço justo por essa espada por aqui…
— Hm… Entendi. Tem razão. Talvez isso seja preferível, então.
Desta vez, Orsted pegou uma pequena bolsa de couro. Quando ele a deixou cair
descuidadamente na mesa, ela estalou como pedregulhos em uma lata. Peguei e
olhei para dentro. Estava cheio de pedras transparentes em todos os tipos de
cores vivas.
— Essas são… joias?
— São pedras mágicas. Escolhi um número de pequenas com cores
particularmente vívidas. Venda-as a qualquer Guilda dos Magos e você sairá
com uma quantia considerável.
Eram todas pedras mágicas coloridas? Essas coisas não eram muito raras? Ao
contrário daquela espada lendária, estas não eram tão valiosas, mas eu
provavelmente poderia financiar uma boa década de vida decadente com isso.
Eu estava começando a me sentir um pouco nervoso sobre aceitar tudo isso.
Não pude deixar de lançar um olhar incerto em direção a Orsted.
— Você precisa de mais? — ele perguntou calmamente.
O quê?! Você ainda tem mais dinheiro?
Não, não. Qualquer outra coisa seria… assustadora neste momento.
— Não. Isso deve estar bom por enquanto, obrigado…
Eu cuidadosamente escondi a espada curta e as pedras mágicas. Parecia
meio desconfortável apenas tê-las em minhas roupas… quase como se eu
estivesse carregando explosivos ou algo assim. Talvez eu pudesse pedir a Eris
para pegar a espada, pelo menos…
— Muito bem então, – disse Orsted com um aceno de cabeça. — vou começar
a ler este diário. O que você pretende fazer nesse meio tempo?
— Eu poderia esperar você terminar.
— Acredito que vou levar um dia inteiro para terminar isso.
— Hmm, certo. Bem, eu não sei. Ainda é muito cedo… talvez devêssemos
continuar nossa conversa por enquanto?
— Parece que você considera esse diário importante, então eu prefiro lê-lo
primeiro.
Era difícil dizer o quão importante era realmente neste momento. Mas achei
que valia a pena tê-lo dando uma olhada nisso, pelo menos. Orsted tinha a
capacidade de ver o futuro, mas apenas de uma maneira vaga. Ao comparar seu
conhecimento com os detalhes naquele diário, havia uma chance de ele
descobrir algo valioso.
— Tudo bem então. Acho que vou voltar para casa por enquanto e voltar
amanhã.
— Muito bem.
— Aliás, você planeja passar a noite aqui?
— Sim, eu vou.
— Certo. Sem problemas.
Com um aceno respeitoso para Orsted, saí da cabine e me virei para a cidade de
Sharia.
Sob a luz quente da tarde, fiz meu caminho ao longo da estrada de volta para
casa, ficando apenas alguns passos atrás de Eris. Graças a todas as coisas
complicadas que discuti hoje, minha cabeça estava mais pesada do que o
normal. A única coisa que meu cérebro cansado era capaz de se concentrar era
no par de nádegas bem torneadas na minha frente.
A bunda da Eris era incrível. Eu nunca tinha visto uma síntese tão perfeita de
músculo e gordura. De alguma forma, era compacta e rechonchuda. A garota
tinha curvas, certamente. Isso era provavelmente o que as pessoas queriam
dizer quando falavam sobre “apelo sexual”.
Aliás, as calças da Eris eram bem apertadas ao redor de sua bunda, o que
enfatizava sua forma de uma maneira agradável. Elas deixaram bem claro o
quanto de volume ela tinha lá. Como exatamente você chamaria essas coisas,
afinal? Meia-calça? Legging? Não era um estilo que você via muito por aqui…
Hmm. Elas eram feitas de algum tipo de couro? Não, pareciam muito flexíveis
para isso… talvez fosse tecido em vez disso?
Senti que tocá-las seria a maneira mais rápida de verificar. Sim, pareceu uma
excelente ideia. Eu poderia perder a consciência por um tempo, mas esse era
um pequeno preço a pagar por resolver um mistério tão profundo.
Tudo bem, Eris… Você pode evitar minha nova técnica, a Apalpada de Luz?
— Rudeus…
Eris de repente se virou e eu apressadamente olhei para cima, a fim de
encontrar seu olhar.
— Você ainda é o Rudeus, certo?
Como sempre, havia uma irritação enigmática em seu rosto. Pelo tom dela, no
entanto, eu sabia que ela devia estar falando sobre todo aquele negócio de
reencarnação que discutimos anteriormente.
— Sim. Parece que eu tenho aquela coisa do Fator de Laplace misturado dentro
de mim em algum lugar, mas ainda sou a mesma pessoa que era ontem.
— Então, nada está realmente diferente agora, certo?
— Sim. Aprendi algumas coisas novas sobre mim, só isso. Não mudei nem um
pouco.
Mantive minhas respostas simples e diretas, sem desculpas ou justificativas.
Para ser honesto, não tinha certeza se Eris estava acompanhando minha
conversa com Orsted. O homem parecia sentir que a reencarnação era um
fenômeno perfeitamente comum e cotidiano. Já li ficção científica suficiente na
minha vida anterior para dar sentido às suas explicações. Mas sem esse tipo de
conhecimento prévio, poderia ter sido quase incompreensível.
Então, de novo… Eris tinha cerca de vinte anos agora. Ela tinha ultrapassado a
idade em que se podia viver sem pensar por si mesmo. Havia uma parte de mim
que queria que ela ficasse sem noção para sempre, mas isso era apenas um
sonho estúpido e egoísta.
— Hmm… Eris assentiu com minhas palavras, embora fosse difícil dizer se ela
realmente as entendia. — Você quer que eu mantenha isso em segredo de
Sylphie e Roxy?
— Se não se importar, sim. Prefiro dizer a elas eu mesmo, quando for a hora
certa.
Em resposta, Eris deu três passos rápidos à frente, então parou abruptamente.
O sol poente estava atrás dela agora, desenhando sua silhueta contra o céu
noturno; seu cabelo brilhava como rubis enquanto a luz passava por ele.
Mesmo na sombra, seus traços faciais marcantes e olhar intenso eram
hipnotizantes.
Droga. Ela é realmente linda.
— Tudo bem — disse ela. — Você tem que segurar minha mão, então.
Eris estendeu a mão e eu a peguei sem falar nada. Era tão adorável de se olhar
quanto o resto dela. Era calejada e um pouco dura no lado. Muito diferente das
mãos da Sylphie ou da Roxy.
Quente e forte, aquela mão se enrolou em torno da minha. Eu a apertei
firmemente de volta e comecei a andar.
Esta era a primeira vez em eras que eu andei lado a lado com Eris. Por alguma
razão, foi o suficiente para me fazer muito feliz.
E quando meus pensamentos se voltaram para o novo capítulo da minha vida
que começaria amanhã, meu coração latejou ligeiramente — de emoção.
Capítulo Extra: Uma Lâmina
Selvagem Encontra sua Bainha

— NGHAH?!
Os olhos de Eris se abriram violentamente. Ela acordou com um ganido um
tanto indigno.
— Hmm…?
Ela se sentou na cama e coçou o cabelo desgrenhado, olhando sonolenta ao
redor ainda confusa. Estava em uma cama desconhecida num quarto
desconhecido. A janela e o armário eram novos para ela também.
No entanto, ela reconheceu as duas espadas encostadas na cama — e as roupas
espalhadas descuidadamente pelo chão. Ficou claro que ela veio dormir aqui
por iniciativa própria na noite passada.
— Ah, certo…
Uma vez que tinha processado tudo isso, suas memórias da noite anterior
voltaram para ela com bastante facilidade.
Ela se lembrou de salvar a vida de Rudeus e lutar contra Orsted para protegê-lo.
Em seus anos no Santuário da Espada, sonhou em lutar contra Orsted em
muitas ocasiões. Nos dias em que ela se esforçava ao máximo em seu
treinamento e adormecia no momento em que sua cabeça batia no travesseiro,
quase sempre acontecia. Os sonhos mudaram um pouco à medida que ela
crescia e ficava mais forte, mas sempre envolvia ela lutando contra o Deus
Dragão ao lado de Rudeus, e ela sempre acordava antes que o duelo fosse
concluído.
Ontem, no entanto, sua batalha tinha chegado ao fim. Algo que nunca havia
acontecido antes. E o resultado não foi nada como ela havia imaginado. Parecia
estranho demais para ser real. Ela assumiu que deveria ter sido outro sonho.
Mas a julgar por onde ela se encontrou nesta manhã…
— Acho que aquilo realmente aconteceu — Eris murmurou pensativa.
No dia seguinte à batalha com Orsted, ela acordou na casa da família Greyrat.
Eris Greyrat estava começando a se sentir desconfortável.
Por muitos anos, seu sonho era lutar contra Orsted ao lado de Rudeus. Foi toda
a razão pela qual ela viajou para o Santuário da Espada. Agora havia cumprido
esse objetivo; as coisas não tinham saído exatamente como tinha imaginado,
mas ela se manteve firme contra o Deus Dragão.
Claro, ela havia pensado um pouco no que viria depois disso. Seu plano era
viver feliz para sempre com Rudeus. Nunca foi muito clara sobre como isso se
daria exatamente, mas ainda era sua intenção fazer isso acontecer.
No entanto, apesar de como ela se sentia sobre o assunto, nos dias depois de
chegar a esta casa, se viu incapaz de manter uma conversa com Rudeus.
Eris murmurou enquanto lavava o rosto. — Eu não entendo.
Este banheiro tinha um grande espelho sobre a pia, oferecendo-a uma boa visão
de si mesma. Ela estudou seu rosto por um momento: cabelo ruivo
despenteado, olhos arregalados e uma boca que parecia carrancuda toda vez
que a fechava. Ela conseguiu lavar a baba seca de sua bochecha, mas não
ajudou muito.
A palavra fofa definitivamente não se aplicava a ela. Quando considerou o
significado desse termo, dois rostos imediatamente apareceram em sua mente.
As feições de Sylphie e Roxy eram diferentes, mas ambas poderiam ser
descritas como adoráveis. Elas não tinham os olhos afiados e arrebitados de
Eris ou sua juba de cabelo bagunçado, e não pareciam zangadas quando
fechavam a boca. Suas figuras eram muito diferentes das dela também. Seus
corpos não eram tão… femininos, mas Rudeus parecia preferir as coisas assim.
Claro, Eris não poderia magicamente mudar sua aparência da noite para o dia,
então desistiu de competir com elas neste aspecto. Contudo
havia outros aspectos problemáticos a serem considerados também. Sylphie era
o tipo de mulher que cuidava bem de sua família e de sua casa. Não só podia
cuidar das tarefas ou cozinhar uma refeição decente — ela também era gentil e
atenciosa com todos. Não importa o quão estupidamente Eris pudesse se
comportar, Sylphie nunca iria rir dela pelas costas. E acima de tudo, era óbvio
que ela amava muito Rudeus. Qualquer um que pudesse reconhecer o quão
incrível Rudeus era, ganharia alguns pontos com Eris.
Quanto a Roxy, bem… ela era alguém que até Rudeus respeitava
profundamente. Tinha um lado um pouco desajeitado, mas parecia uma pessoa
calma e inteligente, com uma visão sábia da vida. E, além disso, tinha um bom
emprego na universidade, o que a tornava a que tinha o maior salário na casa.
Rudeus havia contado a Eris como ela era maravilhosa em suas viagens juntos.
No que dizia respeito a Eris, qualquer um que Rudeus respeitasse era alguém
digno de respeito também.
Assim, em comparação, onde isso deixava a própria Eris?
Ela não era muito boa em trabalhos domésticos ou cozinhar. Quando se tratava
de ganhar dinheiro, trabalhar como aventureira era a única coisa que ela sabia
fazer… e era difícil dizer o quão bem ela conseguiria isso sem Rudeus
cuidando de todos os detalhes complicados.
Para deixar claro: Eris tinha toda a intenção de ficar com Rudeus a partir de
agora. Algumas coisas não funcionaram bem como ela esperava, mas esses
eram todos apenas pequenos detalhes em sua mente. Claro, havia uma parte
dela que o queria só para ela, e tinha alguns sentimentos contraditórios sobre se
tornar a esposa número três, mas ela aceitou tudo isso algum tempo atrás.
Rudeus passou por um período muito difícil por causa dela, além disso, ela viu
muitos homens com várias esposas em Asura. Não havia nada de estranho nisso
para ela.
Dito isso, agora que realmente conheceu suas outras esposas, ela estava
começando a se sentir meio inadequada.
Eris não era mais uma criança. Sabia que a vida não era simples ou fácil. Ela
ainda não tinha uma grande noção de quão complicada poderia ser, mas estava
bem ciente de que não poderia passar por isso apenas com suas habilidades
com a espada.
Antigamente, ela nunca se preocupou com todas essas outras coisas. Em sua
mente, Rudeus poderia cuidar de tudo, e isso significava que ela não precisava
se preocupar, mas depois de ver Sylphie e Roxy em ação, não se sentia mais
assim. A razão pela qual fugiu para o Santuário da Espada em primeiro lugar
foi para se tornar igual a Rudeus. Ela queria se tornar mais forte a fim de não
ser mais um fardo para ele.
E ela com certeza havia alcançado esse objetivo, mas agora que estava de volta,
Rudeus já tinha duas mulheres o apoiando. Ambas tinham todos os tipos de
habilidades valiosas para a vida diária que usavam ativamente para ajudá-lo de
centenas de maneiras diferentes.
Talvez ela não tivesse as qualificações para ser sua esposa, afinal. Talvez fosse
por isso que ele continuava lançando olhares estranhos para seu rosto, em vez
de trazer à tona sua proposta de casamento.
Era um pensamento angustiante que não conseguia se livrar.
Em circunstâncias normais, Eris poderia ter deixado todas as suas preocupações
de lado e atacado Rudeus de frente, mas essas não eram circunstâncias normais,
e seus sentimentos de dúvida ficaram tão fortes que ela não conseguia começar
a conversa.
— Tudo bem!
No entanto, Eris naturalmente não era capaz de pensar muito. E não era a
jovem mimada que tinha sido uma vez, incapaz de agir por conta própria. Ela
era uma mestre espadachim que estudou no próprio Santuário da Espada,
ganhando o prestigioso posto de Rei da Espada.
Durante o caminho de sua ascensão, Eris aprendeu exatamente o que fazer
quando sentia dúvida. Quando lhe faltavam as qualificações necessárias, era
apenas uma questão de obtê-las.
Depois de se lavar e terminar seus treinos diários, Eris rapidamente enxugou o
suor e então foi direto para a cozinha onde Sylphie, Aisha e Lilia já estavam
agitadas.
Apenas alguns dias se passaram desde a batalha com Orsted, que foi uma
experiência estressante e cansativa para todos, mas com três cozinheiras
competentes na cozinha trabalhando em um número bastante pequeno de
pratos, as coisas pareciam estar indo bem o suficiente.
Mesmo assim, Eris gritou: — Deixem-me ajudar também! O que devo fazer
primeiro?!
— Você apenas espera pacientemente até que a comida esteja pronta, Eris! —
Aisha respondeu instantaneamente.
A mensagem implícita aqui era “não há nada para você ajudar”. Aisha era uma
garota alegre e doce por natureza e não tinha nada além de carinho e respeito
por sua nova irmã mais velha, mas também sabia que Eris não sabia cozinhar
nem se fosse para não morrer de fome. Além disso, elas tinham a situação sob
controle como estava.
Infelizmente, Eris também não era muito boa em ler nas entrelinhas.
— Não posso ficar sentada para sempre! Serei a esposa de Rudeus também!
Aisha de alguma forma resistiu ao desejo de suspirar de exasperação e olhou
para Sylphie, que estava sorrindo sem jeito. Sylphie era a responsável aqui,
então a decisão final cabia a ela.
— Uhm… você sabe cozinhar, Eris? — Sylphie perguntou, sua voz gentil.
— Posso ajudar, pelo menos! — Eris respondeu, estufando o peito com
confiança.
— Bem, tudo bem… Você poderia cortar esses vegetais para mim, então?
Vamos usá-los em um ensopado, mas eles são sempre um pouco difíceis de
cortar.
Sylphie entregou a Eris uma faca de cozinha e a apontou na direção certa. Eris
olhou para os legumes recém-descascados que pareciam abóboras diante dela,
transbordando de excitação.
— Eu só preciso cortar isso, certo?
— Sim, mas eles são bem duros. Acha que pode cuidar disso?
— Claro. Sou muito boa com uma espada.
— Uhm, mas isso é uma faca de cozinha…
Eris basicamente não tinha feito nada exceto praticar com a espada por anos,
mas em seus dias de aventureira, Ruijerd a ensinou como tirar a pele de um
monstro morto, e ela também preparou carne algumas vezes. Não era como se
não tivesse nenhuma experiência com culinária, em outras palavras.
Infelizmente, os preparativos para o café da manhã da família Greyrat não
envolviam a dissecação de monstros venenosos, mas Eris estava convencida de
que poderia cortar alguns vegetais com bastante facilidade.
— Huh?
No entanto, a abóbora provou ser muito mais dura do que Eris havia previsto e
sua faca parou no meio dela. Ela era muito boa em acertar alvos em movimento
rápido, mas esta era a primeira vez que enfrentava um objeto imóvel em uma
tábua de corte. Talvez fosse algo que você precisasse praticar.
No entanto, Eris era uma Rei da Espada agora; sabia como lidar com uma
lâmina. E sabia como cortar as coisas, mesmo que fossem um pouco duras.
— Uhm, Eris? Você quer cortar isso em mais de um…
— Hmph!
Assim que Sylphie estava prestes a ensinar-lhe o truque para isso, Eris exalou
bruscamente, levantou sua faca muito rápido para os olhos seguirem, e
balançou violentamente de volta para baixo.
Sylphie não viu nem um borrão. Ela acabou de ouvir o pedaço da lâmina
atingindo o alvo e viu a abóbora dividida ao meio… junto com a tábua de corte
embaixo dela. A tábua de corte que Rudeus comprara para ela quando se
casaram e ela vinha usando desde então.
— Gostou disso? — disse Eris orgulhosamente.
As bochechas de Sylphie se contraíram levemente, mas ela conseguiu se
controlar. Ela gostava daquela tábua de corte, sim, mas era um objeto prático e
acabaria se desgastando de qualquer forma. Eles sempre poderiam comprar
outra.
— Aaaah! Essa é a tábua de corte que Rudeus comprou para Sylphie como
presente de casamento! — Aisha gritou no lugar de Sylphie. Pegando as duas
metades da tábua quebrada, ela olhou para Eris com reprovação. — Eris, você
é terrível!
— Uhm…
Lenta e ansiosamente, Eris olhou para Sylphie. As bochechas da mulher ainda
estavam se contorcendo, mas de alguma forma ela conseguiu manter um sorriso
no rosto.
— Ah, e-está tudo bem. Não é como se ela tivesse feito isso de propósito,
certo?
— D-desculpe por isso.
O pedido de desculpas de Eris foi genuíno. Se alguém tivesse cortado um
presente que Rudeus lhe deu ao meio, ela sabia que teria surtado com eles.
— Acho que vamos deixar outra pessoa lidar com o corte dos legumes hoje, no
entanto.
Nos minutos seguintes, Sylphie fez um esforço para encontrar pequenas tarefas
nas quais Eris pudesse ajudar. Infelizmente, ela se mostrou muito mais
desajeitada do que o esperado. Quando tentou aquecer alguma coisa, quase
causou um incêndio; quando lavava uma panela que tinham acabado de usar,
ela de alguma forma dobrava o cabo; e quando levava comida para a mesa,
acabava derrubando tudo no chão. Normalmente, ela poderia ter lidado bem
com essas tarefas, mas estava fazendo tudo com um pouco de vigor em
excesso hoje.
Quando você está se esforçando muito, é fácil cometer erros que não cometeria
normalmente.
Por fim, Eris acabou a tarefa de afiar as facas de cozinha que estavam ficando
cegas. Enquanto a maior parte do que ela praticou recentemente dizia respeito a
como usar sua espada, ela também aprendeu como mantê-la. Ruijerd havia a
ensinado o básico e ela tinha uma extensa prática no Santuário da Espada
também. Havia boas razões para isso. Para os praticantes do Estilo Deus da
Espada, que procuravam derrubar seus oponentes em um único golpe, era
crucial manter sua espada afiada.
Uma faca de cozinha não era uma espada, obviamente, mas ainda era uma
lâmina. Não havia muita diferença em como você a mantinha. No final daquela
manhã, todas as facas na cozinha da família Greyrat pareciam afiadas o
suficiente para cortar aço; essa conquista rendeu a Eris uma boa quantidade de
elogios de Sylphie e das outras.
Claro, ela estava plenamente consciente do fato de que este não era bem o tipo
de trabalho doméstico que ela esperava ajudar.
Eris tinha estragado tudo na cozinha. Ainda assim, não estava disposta a
desistir. Parecia que cozinhar não era o seu forte, mas ela ainda podia encontrar
uma maneira de ganhar seu sustento, pelo menos. Com esse pensamento em
mente, partiu para a Universidade de Magia de Ranoa, onde Roxy trabalhava
como professora. O plano era explicar a situação e ver se Roxy sabia algum
trabalho para o qual ela pudesse ser adequada.
— Uhh… Você quer saber se há alguma coisa em que possa ajudar?
Eris chegou assim que Roxy estava começando seu almoço — distraindo-a do
mistério do porquê do conteúdo de sua lancheira estar levemente carbonizado
hoje.
— Sim! Todo mundo diz que é uma grande ajuda ter você trazendo para casa
aquele bom salário regular. Serei a esposa de Rudeus também, então realmente
deveria ganhar algum dinheiro.
— Ah, entendi. Bem, eu certamente posso fazer meu melhor para ajudá-la a
encontrar um emprego, nesse caso.
— Obrigada, Roxy!
— Primeiro de tudo, você pode me dizer quais são suas habilidades?
A mente de Eris imediatamente saltou para as coisas que Rudeus a havia
ensinado muitos anos atrás. Este lugar era uma escola, então parecia ser o
conhecimento mais relevante que possuía.
— Eu sei ler, escrever e fazer aritmética! Ah, e também conheço um pouco de
magia básica!
Claro, Eris não era especialmente boa em nenhuma dessas coisas, mas ainda
deu sua resposta com confiança.
Roxy ficou em silêncio e tentou pensar sobre isso.
Eris era uma Rei da Espada. Naturalmente, a melhor opção era encontrar um
emprego para ela em que esse título fosse relevante. Embora não estivesse claro
se ela tinha a capacidade de ensinar aos outros suas habilidades, encontrar para
ela um cargo como instrutora de esgrima parecia a opção ideal. Ela ainda não
tinha as qualificações necessárias para se tornar um membro formal do corpo
docente, mas poderia ser contratada como instrutora assistente imediatamente.
Felizmente, a Universidade de Magia oferecia aulas de esgrima a seus alunos e
a recomendação de Roxy contaria para algo aqui.
O atual instrutor de esgrima da Universidade era do nível Avançado em seu
estilo, o que o tornava inferior a Eris. Havia uma chance de que aceitar um
assistente tão poderoso fosse demais para seu orgulho tolerar… mas enquanto
considerava isso, Roxy se lembrou de ver o homem falando animadamente
sobre a chegada de duas Reis da Espada em Ranoa no outro dia. Ele até
mencionou algo sobre o quanto ele queria conhecê-las, e talvez até aprender
uma coisa ou duas sob sua instrução. Neste exato momento, o homem parecia
estar lançando olhares ciumentos em sua direção do outro lado da sala dos
professores. Roxy teve a sensação de que ele poderia endossar essa ideia com
entusiasmo se ela o chamasse.
No entanto… Eris não mencionou sua esgrima em resposta à pergunta de Roxy
sobre suas habilidades. Por que será?
Roxy era uma mulher inteligente. Não demorou muito para ela chegar a uma
resposta.
Eris era uma Rei da Espada, um nível acima até mesmo dos Cavaleiros da
Espada. Somente os verdadeiramente talentosos e poderosos ganharam esse
título. Entre os magos que subiram para o nível equivalente, havia muitos que
só aceitavam alunos específicos que consideravam promissores. Com toda a
probabilidade, Eris também não estava disposta a ensinar suas habilidades a
qualquer um. Nesse caso, sugerir que ela aceite um emprego como instrutora
assistente de esgrima seria muito imprudente. Ela pode até tomar isso como um
insulto.
Claro, tudo isso era apenas Roxy pensando demais nas coisas, mas mesmo
assim, ela optou por uma sugestão diferente.
— Tudo bem então. Que tal um emprego como segurança?
— Uma segurança? Isso soa meio chato.
— Bem, a maioria dos empregos é um pouco monótona, receio.
— Hmm… Sim, acho que até mesmo se aventurar era um pouco chato às
vezes. Está bem então.
Em poucos minutos, a recomendação de Roxy garantiu a Eris um teste como
guarda de segurança da Universidade de Magia de Ranoa.
Uma vez que as formalidades foram cumpridas, Roxy levou Eris para a entrada
principal da Universidade de Magia. Como Eris ainda não tinha uma boa noção
do layout do campus, guardar o portão da frente era o único trabalho que ela
podia fazer no momento. A ideia era que ela fizesse um turno naquela tarde,
após o qual seria oficialmente contratada pela Universidade.
— Tudo bem então. Tenho uma aula para dar, então preciso ir agora. Passarei
para buscá-la à noite.
Com essas palavras, Roxy deixou Eris nas mãos do guarda veterano no portão e
voltou para o prédio principal da escola.
O guarda examinou Eris por um momento, então coçou a parte de trás de sua
cabeça incerto.
— Uh, vamos ver. Quero dizer, o serviço de portão é bem simples,
honestamente. Você apenas precisa parar qualquer um que pareça suspeito ou
perigoso, pede a eles que provem sua identidade e os expulsa quando
necessário.
— Isso parece fácil!
— Sim, com certeza é. Não é como se tivéssemos tantas pessoas suspeitas
vagando por aí, sabe? Mas ei, deixe-me mostrar como é feito de qualquer
maneira.
Com isso, o guarda se posicionou ao lado do portão e começou a ficar de olho
em todos que passavam por ele.
No entanto, a Universidade de Magia tinha uma grande variedade de
instalações e lojas no campus, então era bastante raro que estudantes ou
professores saíssem do local na hora do almoço. Isso significava que não havia
muito tráfego de pedestres além de um punhado de pessoas que pareciam ser
homens da manutenção ou vendedores trazendo suprimentos. O guarda chamou
um cliente de aparência durona com uma grande cicatriz na bochecha, apenas
para descobrir que ele era guarda-costas de algum estudante nobre que morava
nos dormitórios. Assim como ele disse, o campus não parecia receber muitos
visitantes de aparência suspeita.
— Então é isso. O tráfego de pedestres diminuirá ainda mais no início da tarde.
Por que você não tenta por um tempo?
— Entendi!
Em alto astral, Eris se posicionou ao lado do portão, onde assumiu sua pose
assinatura: braços cruzados, pernas abertas e queixo no ar.
Seu olhar era intenso. Muito intenso, na verdade. Ninguém parecia olhá-la nos
olhos; aqueles que passavam pelo portão o fizeram olhando para o chão, em um
esforço para não encontrar seus olhos. Não havia suspeitos à vista. Qualquer
um que estivesse considerando algum comportamento ilícito teria pensado duas
vezes depois de um bom olhar de Eris.
No entanto, entre todos os acovardados e encolhidos, havia um homem que
nem se mexeu. Indiferente à presença de Eris, ele caminhou pelo campus como
se fosse o dono do lugar. A expressão em seu rosto era calma e confiante. Não
havia nada de incomum em sua postura, mas, dadas as pessoas trêmulas ao seu
redor, ele se destacava como um polegar dolorido.
E assim, Eris tomou uma decisão rápida: há algo estranho com aquele cara!
— Pare bem aí!
O homem parou em seu caminho e olhou para Eris duvidosamente. — Posso
ajudar?
Seu tom era educado o suficiente, mas o olhar em seu rosto dizia: “Sou um
homem ocupado. Podemos acabar com isso logo?”
Claro, essa atitude só deixou Eris mais desconfiada.
— Há algo suspeito em você!
— Passo por este portão há mais de vinte anos e esta é a primeira vez que
ouço isso. Você parece meio… suspeita para mim. Não reconheço seu rosto…
Há quanto tempo você trabalha aqui?
— Comecei hoje!
— Entendi. Bem, suponho que não posso culpá-la, então…
O homem enfiou a mão no bolso para pegar seu crachá oficial de identificação
da universidade, mas naquele momento, uma rajada de vento forte e fora de
época passou, e sua mão pulou reflexivamente do bolso em direção à cabeça.
Eris reagiu instantaneamente a este movimento altamente suspeito. Dando um
passo à frente em um piscar de olhos, ela agarrou seu pulso com firmeza em
sua mão.
— O que você está escondendo aí?
— Guh…!
Diante dos olhos de Eris, o vento… carregou o cabelo do homem. Todo ele. De
uma vez só.
Tudo o que restou foi uma careca lindamente brilhante.
—…
Eris congelou. Ela reconheceu que o homem estava tentando
esconder algo, mas não tinha imaginado que era… isso.
Com a mão que Eris não estava agarrando, o homem enfiou a mão no bolso do
peito mais uma vez e tirou seu distintivo da Universidade.
— Meu nome é Georg. Sou o diretor da Universidade de Magia de Ranoa.
Enquanto falava, seu rosto estava vermelho de vergonha e fúria.
Para ir direto ao ponto, Eris foi demitida no local.
Bem… não era tecnicamente uma demissão, já que ela ainda nem tinha sido
contratada, mas a Universidade se recusou formalmente a contratá-la como
guarda de segurança.
— Suspiro…
Compreensivelmente, isso deixou Eris se sentindo um pouco deprimida. Ela
não era boa em tarefas domésticas e também não conseguia lidar com um
emprego. A crescente sensação de sua própria inutilidade havia sido
dolorosamente reforçada pelos acontecimentos de hoje. Poderia ter sido
diferente se ela pelo menos conseguisse tropeçar em algo que ela decidiu, mas
depois de dois desastres seguidos, sua autoconfiança estava atingindo fundos
do poço cada vez mais profundos.
No momento, Eris estava deitada em cima de um galpão no canto do quintal
Greyrat e olhando para o céu, como costumava fazer quando morava na cidade
de Roa. Em sua mente, estava repetindo uma conversa com Rudeus de muitos
anos no passado.
— Qual é o sentido de fazer algo que eu nem sou boa?!
A resposta de Rudeus foi bastante simples.
— Quanto pior você é em alguma coisa, mais satisfatório é quando finalmente
pega o jeito.
Em certo sentido, o trabalho doméstico e o emprego não eram diferentes da
dança com a qual ela lutava naquela época. Ela pegaria o jeito deles
eventualmente, contanto que continuasse tentando, apesar de seus fracassos.
Ao mesmo tempo, algo parecia um pouco estranho nesse plano. Provavelmente
seria satisfatório ter sucesso, mas mesmo assim… algo parecia errado.
Infelizmente, Eris não conseguia descobrir o porquê disso acontecer.
— Me deixe ir!
Nesse momento, o vento levou uma voz até ela. Foi uma que ela reconheceu.
Eris sentou-se no telhado do galpão e se virou na direção de onde a voz vinha.
Ao que parecia, havia uma discussão acontecendo perto da porta da frente da
casa da família Greyrat.
— Quero saber o que está acontecendo…
Ela pulou de seu poleiro e deu a volta ao redor da casa, onde viu a irmã de
Rudeus, Norn, com um menino da idade dela.
O menino estava ricamente vestido. Seu uniforme tinha o mesmo desenho do
de Norn, mas dava para ver de relance que o dele era feito com tecidos finos e
botões caros.
Não eram apenas suas roupas que se destacavam; ele tinha cabelos loiros
longos e ondulados, sobrancelhas bem cuidadas e uma pele que claramente
recebia muito cuidado. Os dois guardas em posição de sentido atrás dele
deixaram óbvio que era um nobre.
No momento, ele estava segurando a mão de Norn — aparentemente para a
impedir de entrar na casa.
— Vamos, Norn — disse o menino, passando a mão livre pelo cabelo em um
gesto detestavelmente vistoso. — Se você simplesmente vier comigo, estará
ajudando aquele seu querido irmão e sua amada princesa Ariel.
— Do que você está falando?! A princesa Ariel e Rudeus nem estão por perto
agora!
— Muito melhor! Se eles voltarem e descobrirem que tomamos medidas úteis
em seu nome, certamente nos elogiarão por nossa visão e iniciativa. Será um
passo valioso para ganhar a confiança deles.
— Eles só ficariam bravos comigo por agir sem permissão, na verdade.
Aparentemente, Norn não queria nada mais do que soltar sua mão, mas esse
garoto era um nobre e parecia ter alguma influência real; ela provavelmente não
queria correr o risco de irritá-lo.
— Oh, eles não ficarão chateados, eu garanto. Dê uma olhada nesses dois atrás
de mim. Eles são lutadores de elite que recrutamos de um dos melhores bandos
de mercenários de todo o Território do Norte. Seu irmão tem passado muito
tempo fora de casa ultimamente, não é? Permita-me protegê-la em seu lugar.
— Isso não é necessário. Temos Sylphie e Roxy para cuidar de nós.
— Nada além de mulheres, em outras palavras?
— Z-Zanoba e Cliff vêm o tempo todo!
— Mas eles não estão aqui agora, estão?
Diante da pressão implacável do menino, os protestos de Norn foram ficando
mais breves e menos firmes. Nesse ritmo, havia uma boa chance dele acabar
impedindo seu caminho para dentro da casa. Franzindo o cenho, Eris se
aproximou.
— Ela não está interessada. Tire suas mãos dela.
O menino franziu a testa com essa interrupção repentina. — Perdão? E quem
você deveria ser, afinal? Não sabe quem eu sou?
— Não.
— Eu vou te dizer, então. Sou Richard Moanarius, herdeiro da honrosa casa de
Moanar…
— Eu não poderia me importar menos. Você não me ouviu da primeira vez?
Tire suas mãos dela.
Quando Eris interrompeu sua tentativa de se apresentar, a expressão confiante
do menino Richard mudou para uma mal-humorada. — Você é uma mulher
notavelmente rude e ignorante! Olhe aqui, se eu quisesse, poderia demolir esta
sua casinha em um intan… Hm?
Richard parou no meio da frase, percebendo que suas pernas estavam
estranhamente frias de repente. Quando ele olhou para baixo, ele encontrou sua
calça caída em torno de seus tornozelos, deixando sua cueca totalmente
exposta. Com um pequeno guincho, o menino rapidamente puxou as calças
para cima — apenas para descobrir que seu cinto havia sido cortado ao meio,
forçando-o a segurá-las com as mãos.
Por um momento, ele não tinha ideia do que havia acontecido com ele. Então
ouviu um pequeno tilintar da espada na cintura de Eris… e ele olhou para cima
para encontrá-la olhando para ele com desdém frio em seus olhos.
— Da próxima vez, vou cortar esse braço em vez disso.
— Ei!
Richard era famoso por seu comportamento sem vergonha e às vezes era
chamado de uma falha como nobre, mas quaisquer que fossem suas falhas
morais, possuía um senso de autopreservação perfeitamente funcional.
Ele sabia que Eris não estava fazendo uma ameaça vazia. Imediatamente soltou
a mão de Norn e deu um passo rápido para trás.
— B-bem. Bom! Estarei indo por enquanto, então.
Com essas palavras, Eris desembainhou sua espada novamente. De alguma
forma, a espada deixou sua bainha sem fazer nenhum som. Algo sobre isso
parecia incrivelmente ameaçador.
— O-o quê?! Eu já disse que vou embora por hoje!
— Não volte amanhã também. Ou no dia seguinte.
As pernas de Richard começaram a tremer com a pura intensidade do olhar de
Eris. Ele não podia olhar nos olhos dela, é claro; mas podia senti-los o
perfurando. Ainda assim, ele tinha seu orgulho de nobre em jogo. Ele não podia
deixar essa plebeia grosseira fazer dele um completo idiota.
— Você se atreve a ameaçar…
No entanto, assim que abriu a boca para falar, um de seus guarda-costas o
agarrou pelo ombro e o puxou firmemente para trás.
— Desculpe, sua senhoria, mas é melhor sairmos daqui. Aposto um bom
dinheiro que aquela garota é a Rei da Espada Berserker de quem as pessoas
estão falando. Ela não está blefando sobre isso, entende? Não há conversa com
uma mulher que treinou no Santuário da Espada.
Normalmente, esses homens seguiam seu jovem mestre mesmo em suas
escapadas mais idiotas, limpando de forma eficiente sua bagunça com um
suspiro silencioso, mas foi precisamente suas habilidades e competência que
lhes permitiu perceber o quão perigosa Eris de fato era.
— Droga! Não me esquecerei disso!
Com essa tentativa inerte de um tiro de despedida, Richard começou a se virar,
mas antes que pudesse se mover uma polegada, Eris o chamou bruscamente.
— Não me esquecerei de você também. E se mexer com essa garota de novo,
eu te mato. Isso é uma promessa, ok? Vou me lembrar do seu rosto.
Essas palavras foram o golpe final. O conhecimento de que esta mulher
aterrorizante iria ficar de olho nele deixou o corpo de Richard tremendo de
medo.
— Guh…
Aterrorizado em silêncio, o menino de repente pálido virou-se e se afastou
rapidamente.
Eris continuou olhando para Richard e seus guarda-costas até que eles
desaparecessem completamente de vista. Só então ela finalmente relaxou.
— Hmph.
Claro, ela não quis dizer nada disso a sério. Eris podia ser um pouco violenta às
vezes, mas não saía por aí matando pirralhos detestáveis. Tinha sido apenas um
blefe. Honestamente, ela não pretendia lembrar o nome do menino, muito
menos de seu rosto. Lembrar das coisas nunca foi seu forte. Ainda assim, a
força de sua hostilidade muito genuína foi o suficiente para dar peso às suas
palavras.
— Ufa…
Com um pequeno suspiro, Eris se virou e voltou para dentro da casa.
Norn apenas a observou ir, sem conseguir dizer “obrigado”, mas suas mãos
estavam apertadas contra o peito e admiração brilhava em seus olhos.
Assustar aquele garoto tinha sido muito bom, sendo bem honesta, mas Eris já
estava se perguntando se havia estragado tudo de novo. Norn parecia infeliz
com a situação, mas a discussão deles parecia meio complicada. Talvez o
pirralho fosse realmente importante de alguma forma. Parecia que ela poderia
ser repreendida de novo mais tarde.
Assim que ela entrou na casa, Sylphie e Roxy colocaram suas cabeças para fora
da sala e acenaram para ela. Elas claramente estavam assistindo aquela pequena
cena se desenrolar à distância.
Preparando-se para uma conversa, Eris foi se juntar a elas…
— Obrigada, Eris!
— Bem feito.
…e se viu piscando surpresa com suas palavras repentinas de gratidão.
— Huh?
— Nós vimos aquilo! Você ajudou Norn, certo?
— Aquele garoto não ouviu uma palavra do que tínhamos a dizer, mas parece
que ele não vai incomodá-la novamente.
Havia grandes sorrisos em ambos os rostos, mas Eris franziu a testa incerta.
— Você tem certeza que eu deveria ter feito aquilo? Ele tem conexões, certo?
— Hmm. Bem, seu pai está contribuindo para a causa da princesa Ariel e ele
tem alguma influência na Universidade…
Isso era exatamente o que Eris temia. Sylphie explicou que Richard era filho de
um poderoso nobre de Ranoa. Este nobre não era apenas um dos principais
financiadores da princesa Ariel, ele também fazia grandes doações para a
Universidade regularmente e tinha uma influência considerável com seus
administradores. Para colocar as coisas sem rodeios, uma porcentagem decente
do pagamento de Sylphie e Roxy vinham do dinheiro que ele fornecia.
Claro, seu filho Richard não tinha nada a ver com nenhum desses assuntos.
Mesmo se ele corresse de volta para casa e choramingasse com seu pai por
horas a fio, era improvável que houvesse consequências para Sylphie ou Roxy,
muito menos para a princesa Ariel. No entanto, Richard havia se convencido de
que as contribuições de seu pai lhe davam o direito de se pavonear como se
fosse o dono do lugar. Não importa quantas vezes Sylphie e Roxy o
repreendessem, ele simplesmente as ignorava.
— Estávamos prestes a sair e enxotá-lo quando você apareceu, Eris —
acrescentou Roxy, seu nariz queimando de entusiasmo. — Fiquei um pouco
preocupada por um minuto, mas meu Deus! Foi gratificante assistir!
Sylphie riu um pouco, mas então se virou com uma expressão séria no rosto.
— Ei, Eris?
— O-o que foi?
Sylphie estendeu a mão e pegou as mãos de Eris nas suas. E então, como Eris
hesitou incerta, começou a falar.
— Às vezes tenho a sensação de que você pensa que não é… boa o suficiente
do jeito que é, mas isso definitivamente não é verdade, ok? Tente ter alguma
confiança.
Eris franziu a testa um pouco. Isso quase parecia uma rejeição de seus esforços
para melhorar. — De onde veio isso?
— Bem, você tem se preocupado muito ultimamente, não é? Acho que meio
que entendo como você se sente. Sempre que vejo Rudy trabalhando, sinto que
tenho que aprender todo tipo de coisas novas.
—…
Assustada pela perspicácia de Sylphie, Eris se viu sem palavras, mas Sylphie
ainda não havia terminado. — Sabe, Eris… nós somos muito boas em vigiar as
costas de Rudy, se você entende o que quero dizer. Estamos atentas às coisas
nos bastidores. Você definitivamente nos ajudou hoje, mas normalmente,
estamos a par desses tipos de problemas.
Sylphie parou por um momento e seu aperto nas mãos de Eris aumentou
visivelmente.
— Mas quando vi como Orsted, Rudy e você lutaram… bem, percebi uma
coisa. Quando Rudy está enfrentando algo realmente perigoso, não somos
fortes o suficiente para ficar na frente dele como você fez.
Ela estava olhando Eris diretamente em seus olhos agora. A força neles era
absolutamente intimidante, mas ela não vacilou ou desviou o olhar. Na verdade,
ela olhou de volta com todo o poder que podia reunir.
— Você treinou por anos para ser forte o suficiente para fazer isso. Acho que
isso é algo que você deve se orgulhar.
Com isso, Sylphie soltou as mãos de Eris e sorriu para ela.
— Isso é tudo que eu queria dizer, realmente. Além de… estou feliz por você
estar aqui, Eris.
Eris vagou pelo corredor meio atordoada. Que clichê. Depois de tanta
preocupação, ela acabou chegando à conclusão de que estava bem do jeito que
estava.
Entretanto, quanto mais pensava sobre isso, mais isso soava certo. Rudeus era o
mago e ela a espadachim. Era o que ela tinha em mente desde o dia em que o
deixou para treinar. Parecia natural que ambos desempenhassem os papéis para
os quais eram mais adequados.
Apesar disso, Rudeus não poderia lidar com todo o resto além de lançar
feitiços. Ele cresceu um pouco e aprendeu muitas coisas novas, mas isso não o
tornava sobre-humano. Havia algumas coisas com as quais ele não conseguia
lidar sozinho. E era aí que Sylphie e Roxy poderiam intervir para ajudar.
Claro, a própria linha de pensamento de Eris não era tão clara ou coerente…
mas ela se sentiu feliz e aliviada. Afinal, ela não tinha estragado tudo. Seus
esforços não foram em vão. Apenas sabendo que isso significava o mundo para
ela.
— Oh.
Os movimentos sem rumo de Eris pela casa a trouxeram para um quartinho
silencioso. E lá, ela encontrou uma mulher sentada que estava olhando pela
janela com uma expressão distraída.
Era Zenith Greyrat. Eris já tinha ouvido falar de sua situação; sabia que um
longo cativeiro nas profundezas de um labirinto havia deixado sua mente em
pedaços.
No entanto, para surpresa de Eris, Zenith virou-se para ela, como se sentisse
seu olhar. Os olhos da mulher estavam claramente focados nela. Eris endireitou
a coluna reflexivamente. Independentemente de sua condição, esta era a mãe de
Rudeus. Ela tinha que mostrar o melhor de si aqui.
Com passos lentos e cautelosos, ela caminhou até Zenith.
Eris definitivamente precisava dizer alguma coisa, mas não tinha certeza do que
deveria ser. Ela hesitou por um longo momento, desejando cruzar os braços,
mas se recusando a fazê-lo.
Ugh. Agora eu gostaria de ter prestado mais atenção naquelas estúpidas aulas
de etiqueta…
Por um momento, ela flertou com a ideia de sair da sala e voltar depois de
decidir o que dizer, mas Zenith estava olhando para ela pacientemente, como se
esperasse ela falar.
Curvando-se sob a pressão, Eris finalmente soltou a primeira coisa que lhe veio
à mente.
— Eu sou… ainda sou bastante inexperiente, mas… farei meu milhor.
Milhor? Meu milhor?!
Eris franziu a testa irritada por seu próprio erro, mas então notou a mudança de
expressão de Zenith também.
Ela estava sorrindo.
Eris sempre odiou quando as pessoas sorriam para seus erros, contudo, este não
parecia um sorriso de zombaria. Se fosse alguma coisa, estaria mais para
uma resposta. Zenith não disse uma única palavra, mas por alguma razão, Eris
pensou que podia ouvir sua voz.
— Tente dizer isso para Rudy ao invés de mim. Não faz sentido ser tão formal
para comigo.
—…
Sem dizer mais nada, Eris baixou a cabeça para Zenith. E, ao fazê-lo, renovou a
promessa para si mesma: vou me casar com Rudeus, aconteça o que acontecer.

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