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Caso alguém venha a ler isso, é só um registro de acontecimentos que decidi

anotar pra me lembrar desses dias, o meu nome é Alan, vivo em uma pequena vila
agropecuária e eu NÃO ESTOU FICANDO LOUCO!!! Tudo aqui escrito são fatos, acredite
se quiser.
Pois bem, vou começar com um dia nublado, os Whillver me pediram para
consertar o cercadinho deles e iniciei o serviço logo cedo, modéstia a parte, eu
sou muito bom em reparar coisas, deve ser por isso que sempre me pedem esse tipo de
serviço, a propósito, eu sou filho do chefe de vila e e sei fazer de tudo um pouco,
mas estamos passando por um problema, está ocorrendo de forma intermitente, alguns
ataques ás nossas fazendas e ranchos, e nesse tempo, nosso palpite estava em
coiotes. Assim que terminei o serviço, a senhora Whillver me chamou para entrar,
afinal já estava começando a chover e ela havia terminado o jantar, sei que meu pai
não gosta que eu dê problema pros outros mas a comida dela é tão boa... e ela
ofereçeu, seria um terrível desfeita... bem, estou perdendo o foco aqui. Depois de
comer, a chuva já estava intensa, estava na janela enquanto discutia com o senhor
Whillver sobre esse tempo estranho que tem passado, quando vi uma mancha preta no
meio do mundo cinzento lá fora, demorei um pouco para perceber, mas era alguém
vindo andando, e é claro, eu fui lá pra resgatar essa pessoa, na verdade, o gatilho
final foi o pedido da senhora Whillver, disse pra traze-la para dentro. Foi assim
que conheci Arabella, uma viajante solitária que veste um robe preto enorme, sua
pele é pálida e seus cabelos longos e pretos como a noite, sinceramente tomei um
susto quando vi de perto, achei que era um fantasma ou algo assim, mas fui
surpreendido por uma voz doce me perguntando o motivo de eu estar andando na chuva,
oras, não é óbvio? eu fui resgatá-la!
Levei-a para dentro e demos o que sobrou do almoço enquanto fazíamos algumas
perguntas, ela é visivelmente jovem mas não sabe do paradeiro dos pais, não sabe há
quantos dias está viajando, não sabe de onde veio e nem para onde está indo, minhas
suspeitas sobre ela já estar morta teriam voltado se não fosse seu jeito de falar e
agir, sabe, acho que fantasmas não ficam com vergonha em conversas completamente
normais, e bem, o jeito dela é até que bem humano, ela claramente não tem muita
experiência em comunicação mas é atenciosa e preocupada em parecer legal, embora
seja muito tímida, enfim, não é um fantasma, só me preocupava com uma coisa àquela
altura, ela carrega um escudo e uma espada, será que sabe usar? será que são dela?
porquê uma garota andaria com armas sozinha na floresta?.
Mesmo com a falta de informações decidimos aloja-la por um tempo, saímos
quando a chuva passou e a apresentei para o pessoal e ela se deu bem com todo
mundo... bem, na medida do possível, o fato dela não ter resposta para aquelas
perguntas simples intriga a todos, tirando algumas risadas e tiradas. Nossa vila
não possui um comercio como das outras, estamos em um lugar super mal localizado
então aparecem pessoas novas a cada eclipse, mas mesmo assim temos nossa estalagem
e as coisas custam dinheiro, já era final da tarde quando comentei isso com ela e
parecia uma surpresa, ela tirou de sua grande mochila, um saco com algumas peças de
ouro e me entregou, me perguntando se aquilo podia lhe sustentar por um tempo e
pedindo ajuda com isso, foi engraçado imaginar que ela confiaria cegamente em
alguém que acabou de acontecer mas ela logo se recolheu, murmurando algumas coisas,
parecia pedir desculpas por não ter pensado direito e mais umas coisas
incompreensíveis, mas desistiu da ideia de me dar seu dinheiro sem mais nem menos,
bem, eu ainda assim a ajudei, fiz o acordo com a dona da estalagem e no dia
seguinte já tinha uma lista de coisas que ela poderia fazer na vila, se quisesse
ficar por mais tempo.
A primeira semana foi até que tranquila, mas Arabella não conseguiu se
encaixar em nenhuma atividade que ela poderia exercer para se manter e acho que não
foi por falta de esforço, já disse mas vou reforçar, ela é bem desajeitada, chega a
ser cômico, sai andando com o corpo e os cabelos balançando, seu robe enorme cobre
suas mãos então todo trabalho manual é atrapalhado, seus cabelos enormes cobriam
seus olhos e parece que ela não enxerga nada muito bem, eu até cheguei a comentar
que se ela tirasse essas coisas do caminho talvez a ajudasse, mas não obtive uma
resposta, bem, acho que por minha própria culpa, nessa hora, quando falei sobre os
cabelos, tirei a franja dela do caminho e vi diretamente seus grandes olhos de íris
preta, e ela ficou com muita vergonha, seu rosto de cor pálida tornou-se vermelho
como um tomate e isso só porque vi seu rosto diretamente, ela se calou e voltou a
tentar costurar um pano de prato rasgado, que no final... ficou bem feio.
Após a primeira semana o pessoal começou a ficar preocupado com ela então
decidi que ela trabalharia comigo fazendo todas as coisas que me pedissem, e dessa
forma ela acabou se dando melhor, nosso primeiro serviço foi arrumar outra cerca
destruída e assim passamos mais uma semana. Dessa vez mais perto, tive a chance de
observar mais de perto, e tirei algumas conclusões interessantes, passei todos os
parágrafos descrevendo sobre sua falta de habilidades sociais, manuais e algumas
intelectuiais, mas Arabella demonstrava algumas coisas incríveis, ela percebia e me
avisava sobre a aproximação das pessoas, sempre acertava quem era mesmo antes de eu
ouvir seus passos, ela lembra do nome de todo mundo e lembra de diversos detalhes
que ela percebeu e ouviu sobre as tais, e em determinado momento, ela me perguntou
o motivo de eu não ter-lhe dito sobre a grande criatura que tem feito os ataques,
eu perguntei, ninguém havia dito pra ela, eu disse que achava que eram coiotes e
ela me apresentou ótimos argumentos e mostrou provas pra me convencer de que uma
grande criatura sabia exatamente onde quebrar pra conseguir o que queria, e desde
que sabia sobre o monstro a solta, ela não saiu mais do meu lado, pediu para que eu
andasse com ela pra que consiga investigar, e sinceramente, achei adorável, era uma
graça quando estávamos sozinhos e eu podia prestar mais atenção nas coisas que ela
dizia, tinha minhas dúvidas desde antes, mas passar tanto tempo sozinho e no
silêncio com ela me fez ter certeza, ela murmura poesias e poemas, tem eles
decorados, aparentemente faz isso a qualquer momento, murmurando bem baixinho.
Passamos uns quatro dias andando, conversando e investigando, ela me contou
que eventualmente recita alguns poemas e poesias pois isso lhe deixa mais calma
quando ela sente medo e insegurança, mas a única coisa que descobri sobre suas
armas é que ela não confia no próprio manuseio que ela tem sobre as tais, mas não
me contou quem a ensinou, só argumentou que deveria ter algo para protege-la
enquanto viaja. Nesse tempo avançamos bastante em nosso relacionamento mas não
darei detalhe algum aqui, o ponto é que no quarto dia, ela me acordou no meio da
noite, me levou até um dos ranchos onde havia montado uma armadilha no chão, me deu
um nome e pediu ajuda, eu achei que ela estava ficando louca, acusando o ferreiro
de se transformar em um lobisomen e fazer os ataques, me disse que era um lobo
bípede bem grande e forte, cujo sua forma original é um humano normal mas que se
transforma eventualmente, e eu não acreditei, mas ela queria mesmo que eu ficasse
lá com ela, e bem, não achava que ela poderia se defender nem de um grupo de
coiotes então decidi ficar.
Arabella estava certa, ela acertou sobre a criatura e sobre onde ela
apareceria, aquele lobo enorme partiu pra cima da garota e eu fui com tudo para
defende-la. Minhas pernas se moveram sozinhas e eu acabei me machucando feio, foi
aí que tive uma visão que me surpreendeu mais do que aquele lobo enorme, Arabella,
enquanto murmurava uma de suas poesias, ficou envolta por sombras, e coisas
fantasmagóricas, vi imagens de alguns braços em volta dela, pareciam espíritos
arrumando as roupas e os cabelos dela, enquanto a mesma fazia gestos, no fim, ouvi
o som de um sino agúdo. E então aquela criatura não estava mais em cima de mim, ela
o machucou mesmo estando uns três metros de distância, e então olhei seu rosto mais
uma vez, mesmo envolta daquelas coisas ela estava com medo, muito medo, seus olhos
estavam estranhos, quero dizer, acho que não vi nenhuma parte branca neles, mas
podia ouvir vozes lhe dando comandos, vozes que nunca ouvi antes. Talvez por sorte,
ela conseguiu levar aquela criatura até sua armadílha, e a trancou em alguns metros
abaixo da terra, nos dando tranquilidade, eu estava com um rasgo no peito e o
efeito da adrenalina já estava passando e eu estava começando a sentir aquela dor
absurda, foi quando Arabella se aproximou, puxou a manga daquele robe enorme e
encostou a mão no meu peito, ela fechou os cortes no meu peito enquanto pedia
desculpas, mas eu não fui muito compreensivo, mais uma vez tirei a franja dela da
frente dos olhos e pude ver, eles eram como uma janela, uma janela pra um céu a
noite, sem íris nem nada, era apenas preto com algumas cores opacas, eu cortei
seus dizeres preocupados perguntando-lhe: "O quê você é?".
É, eu sei, eu fui péssimo, e ela não conseguiu esconder o quão chateada
ficou, ela se afastou e pediu para que eu lhe entregasse minha camisa rasgada
enquanto eu a julgava e fazia perguntas terríveis, tudo porque fiquei apavorado com
ela. Entreguei aqueles trapos á distância, enquanto continuei sendo rude, ela
agarrou o pano e sentou no chão, Arabella me disse que ela era assombrada por
espíritos que a protegem e ajudam, disse que ela pode dar ordens e eles seguem se
estiverem de bom humor, me disse que eles quase nunca param de falar e esse é o
motivo dela conversar "sozinha", e que ela não sabe o motivo de tudo isso mas que
talvez o fato dela sempre estar sozinha desde quando nasceu pode ter algo a ver com
isso, ela me pediu desculpas por esconder mas argumentou que ninguém a aceitava
daquela forma, e eu... fiquei paralizado, ela me entregou de volta a camiseta, ela
estava completamente reparada, sem nenhum rasgo, ela se retirou de forma triste e
eu nunca mais a vi, a pior parte de tudo, é que amanheceu e aquela criatura se
transformou no velho ferreiro da cidade.

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