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NoreN

Mr catt

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De todas as artes manifestas pela
natureza na terra, ela era a mais bela.
Não precisava conhecer todas as
meninas do mundo para saber sem
sombra de dúvida que ela era a mais
radiante. Pouco sorria, mas se o fizesse,
seu sorriso seria o mais belo que eu
veria em toda minha insignificante
existência...mas...

Sua beleza, extrema beleza, não


era a única coisa que me impressionava.
A rapariga possuía uma inteligência de
deuses, suas habilidades e força física
transcendiam a de qualquer outra
menina, apesar de sua fisionomia não
apresentar musculos nem traços
masculinos.

Misteriosa diria eu, essa era sua


característica mais notável. Ninguém
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sabia de onde era, onde vivia, nem com
quem vivia. Nada. Mesmo em toda
pequenice que era Welfwood, o lugar
no alto das montanhas de florestas
densas onde viviamos. Lugar este que
transparecia a sensação de Hogwarts, de
Harry Potter, ou Crepúsculo, o romance
vampiro, pelo ambiente. Em
Welfwood, todos conheciam todos,
todos sabiam tudo sobre todos, mas não
sobre ela.

Lembro-me como se fosse ontem


do seu primeiro dia na escola. Era
costume de todos os professores
apresentar os novos alunos à frente da
turma no seu primeiro dia, mas eu vi,
eu vi. A rapariga adentrara a sala, e
como se de uma comunicação visual se
tratasse, o professor da aula a mirou
num olhar vidrado, e a encaminhou
para o seu lugar. Nunca acontecera tal
coisa.

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Permanecia quieta em todas as
aulas, nenhum professor parecia notar
sua presença quando era chegada a hora
de fazer perguntas ou atribuir tarefas.
Além disso, tudo à sua volta parecia
acontecer num "timing" perfeito, todo e
qualquer acontecimento à sua volta era
assustadoramente sincrónico, de tal
maneira que parecia que as pessoas
faziam tudo que ela queria do nada.

Ao sair da sala, já alguém lhe tinha


aberto a porta, ao andar pelos
corredores, não se desviava de
ninguém, todo trajeto das pessoas
coincidia com o seu andar, de tal forma
que não era preciso que ela se desviasse
de ninguém.

Sei disso porque a segui, a segui


durante toda sua estadia em Welfwood,
a espionei.

Minha cega paixão pela rapariga

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de pele castanha e pálida, de cabelos
pretos cacheados, rosto angelical e
lindos olhos verdes, fez com que
dedicasse muitos dos meus dias a ela, a
descobrir mais sobre ela.

-Oi! - Em meio ao barulho da


escola, o som do toque, ao nervosismo
que sentia e a raiva que alimentava do
meu melhor amigo por me ter feito
passar por aquela vergonha, o som do
meu cumprimento soou abafado e foi
ignorado por ela. Ela continuou a
andar.

Nesse dia, já tinha diversas vezes


tentado falar com ela, mas, o medo de
uma rejeição me assolava. Não que
uma primeira rejeição não tivesse
acontecido, mas eu preferia atribuir a
culpa ao barulho, queria acreditar que o
som não tinha viajado o suficiente para
chegar aos seus ouvidos.

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-Não tem como! - Disse Marchel,
meu amigo de infância, na verdade,
meu amigo de agora, estou literalmente
vivendo minha infância. Há uma
década e cinco anos que meu organismo
se encontra funcional.

-É! - Resmunguei com meu braço


posto na mesa da minha carteira e meu
punho fechado por baixo da minha
bochecha, olhando o movimento da
sala. Alunos entravam, a aula
comecaria logo. - Culpa tua.

-Não! Você sabe que ela


provavelmente não ouviu por causa do
barulho. - Marchel me consolou com
falsas palavras. - Na saída será mais
fácil.

Professor Walimo entrou, o pior de


todos, parecia a encarnação do mal em
forma de professor. Despois que ele
entrasse, mais ninguém entrava, ainda

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que com o encarregado de educação
viesse. Fechou a porta, e meu coração
pulou, ela não estava na sala.

-Ela se atrasou! - Marchel falou


como se eu não tivesse notado.

Me afligi por ela. Quão angustiante


é ver alguem de quem se gosta passar
por uma situação que não esteja no
nosso controle. Não poder fazer nada
por quem se ama é como estar preso
num poço, sem poder ver a luz do dia.

A porta abriu, Marco, um colega,


adentrara a sala.

-Estás atrasado! - Disse professor


Walimo num to assustador. - SÁI! -
Completou ele.

Marco recuara, mas na pequena


fenda que criara com a porta aberta,
pude vê-la do lado de fora, parada,
segurando seus cadernos com os braços

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cruzados como sempre fazia.

A sala ficou em silêncio, se


ressentindo do grito de Walimo, mas o
que nos deixou boquiabertos não foi
isso, foi um facto muito, mas muito
mais aterrorizante que esse. Walimo
pôs-se a caminhar até a porta, logo
depois de ter gritado, a abriu e disse:

-Entrem!

Ninguém ia falar sobre aquilo, mas


todos nós sabiamos que queríamos
falar. Era impossível.

Enquanto todos os alunos


atrasados entravam, meus olhos a
procuravam sedentos. Mas o que
encontraram, foi bem mais estranho do
que tudo já parecia estar.

Os olhos do professor Walimo,


estavam estranhos, suas pupilas
estavam visivelmente dilatadas, e seus

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olhos vidrados em lágrimas, como se as
acumulasse por já algum tempo. O
semblante estampado em seu rosto era
bizarro, sem emoções, sem
sentimentos...nada.

Então a vi. Esbelta como sempre.


Dirigiu-se ao seu lugar e sentou-se.

-Abram o livro na pagina do TPC


que eu dei! - Disse Walimo como se
nada tivesse acontecido. - Vamos
corrigir o trabalho. - Completou ele
caminhando para a sua mesa.

De repente:

-Essa sala está muito cheia, não


estava assim quando entrei. - Disse ele
me deixando confuso. Ele mesmo tinha
deixado os alunos entrarem. Notei
depois que seu rosto e seus olhos já
estavam normais. Pensei que de início
de demência se tratasse, pois Miguel
Walimo, já era velho. Ignorei, assim
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como o resto da turma, pois ninguém,
nem mesmo Marchel, comentou sobre
isso depois.

Me visualizei perto dela, a


cumprimentando e dizento tudo que ela
me fazia sentir, ela dizia que sentia o
mesmo por mim, e eramos a inveja de
todos alunos da escola, num namoro
adolescente perfeito, apesar dela parecer
um pouco, muito "um pouco" mais
velha que eu.

A aula já tinha terminado e alguns


alunos começavam a abandonar a sala,
outros permaneciam nela conversando e
fazendo tempo.

Ela estava sentada em seu lugar,


mirando nada à frente dela, com o olhar
distante, como se estivesse meditando,

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ou perdida em algum pensamento,
sobrolhos franzidos eu via, mas mesmo
assim sua belezza não desaparecia.

Tinha tudo desenhado em minha


mente, mas antes que tomasse coragem
suficiente para me levantar e ir ter com
ela, gritous se ouviram.

-PORCARIA! - Era a voz de


Mirela. Uma patricinha extremamente
mimada e odiada por todos excepto seu
grupinho de seguidoras fanáticas.
Patético, típico cliché de séries
adolescentes.

Não sabia ao certo o que dera


início a gritaria, mas Mirela gritava com
Aninha, que por outro lado, era um
amor de pessoa, mas que naquela hora
chorava. Mirela tirava de sua imunda
boca palavras muito sujas, não só sobre
Aninha, mas também sobre sua família
e sua triste condição financeira.

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Alguns meses antes, a rica família
Abraham, a qual Aninha pertencia,
perdera grande parte de sua fortuna por
conta de um incêndio que consumiu
todo estabelecimento do pai, que era a
sua maior fonte de renda, passando a
viver de favores e de trabalhos
simplórios. Tornaram-se pobres.

Mirela precisava humilhar os


outros para poder se sentir bem, e se ela
não fosse uma menina, eu esmurraria
sua cara naquele exacto momento. Mas
aos olhos da sociedade, um rapaz levar
uma bofetada de uma menina é no
mínimo comum, mas o contrário, é
uma atrocidade, independentemente do
motivo...enfim direitos iguais.

Mirela parecia satisfeita com tudo


que dissera, aos gritos, deixando todos
os que ainda estavam na sala
boquiabertos. Pegou sua mochila e
bateu em retirada. Mas antes que ela
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saísse, algo muito estranho aconteceu.

O lápis de Aninha caiu no chão, e


Mirela parou. Seria real a imagem que
nossos olhos contemplavam? Mirela
voltara da porta, e apanhara o lápis de
Aninha.

-Desculpa! - Disse Mirela.

Aninha olhou atónita, tal como a


maioria de nós. E como se isso não
fosse estranho o suficiente. Mirela
deixou sua Mochila no chão, a abriu,
tirou seu rico lache, e deu a Aninha,
juntamente com seu dinheiro. E saiu.

O nível de orgulho de Mirela era


tanto que nem em perigo de morte ela
daria o braço a torcer. Mas aconteceu.

Ninguém falou mais nada, todos


estavamos muito assustados, tanto que
nem notei minha amada abandonar a
sala e me desfazer de sua radiante

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presença. Tinha perdido mais uma
chance.

De repente, me veio a mente o


momento em que professor Walimo
protagonizara também seu acto muito
peculiar, e seu olhar, era igual ao de
Mirela, vidrado, e sem sentimentos,
sem emoções, nada. Será que teria sido
eu o único a notar?

Nessa noite, já em casa, decidi


escrever os acontecimentos que se
davam na escola, talvez perguntasse a
alguém mais tarde se notara ou não.
Mas algo me chamou atencão, em todas
as situações descritas por mim, ela
estava por perto, mesmo que não muito,
estava, então, concluí algo: Ela também
tinha notado tudo que acontecera, eu já
tinha alguém com quem compartilhar,
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visto que quando tentei conversar sobre
isso com Marchel, ele riu-se e disse que
tudo estava na minha cabeça.

Nem mesmo o nome dela sabia,


mas já me imaginava numa vida com
ela. Na minha mente nós já tinhamos
feito tanta coisa, a despi, a vesti, de
preto e de branco, construímos uma
família juntos e um tanto de coisas
quanto se é possível imaginar com a
menina de quem se gosta.

"Rum'in an teh i lah"...uma frase


estranha ecoou na minha cabeça
enquanto escrevia, como se de uma
canção se tratasse. Me era familiar, mas
não conseguia me lembrar de onde,
estava tudo tão apagado. Ignorei.

Se eu quisesse fazer avanços com


ela, tinha que tomar medias drásticas
num único acto de extrema coragem.
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Me perdoe mãe, pelas rosas do seu
jardim.

Mais um dia, mais uma tentativa


de me aproximar do futuro amor da
minha vida.

Todos os olhos estavam voltados


para mim, e com razão. Nunca vira
ninguém realizar tal proeza. Segurava
em meus braços um buqué de rosas
montado com as flores do quintal da
minha mãe. Mas era um sacrifío
necessário se ela quissesse ter netos. Eu
sabia que provavelmente ela me
espancaria quando eu voltasse a casa,
isso se não acreditasse em mim na hora
que eu culpasse o cão da casa do
vizinho.

Já a tinha avistado, ia a todo vapor


até ela, para que não me acabsse a

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coragem do nada. Mas tudo foi por
água abaixo.

De repente, minha visão ficou


embassada, turva, como se o corredor
todo estivesse cheio de nevoeiro muito
denso. Parei de andar, e juro, contra
minha vontade, e virei-me para o que
parecia ser Aninha, não via com muita
clareza. Cedi as flores. Minha visão
voltou ao ouvir aplausos e gritos de
vários colegas enquanto eu me punha
agachado num joelho só, diante de
Aninha, como se de um pedido de
casamento aquilo tudo se tratasse. Não
sabia o que fazer, nem o que fizera, o
que estava acontecendo?

Procurei em volta, ela já não


estava, o alvo de minhas rosas
desparecera.

Minha mente estava tão cega, que


não consguia notar. mas finalmente

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percebi. Aninha gostava de mim.
Depois daquele espetáculo, nós
começamos a ser vistos como
namorados e ela gostava daquilo, nos
aproximamos. Mas estava bem claro
entre nós dois que nada se passava,
nada...

-Desistes muito fácil! - Comentou


Marchel enquanto comíamos no
refeitório dias depois do "acidente das
flores". - Assim não vais tentar mais
nada?

-Não! - Respondi. - A escola toda


me viu fazer aquilo, se eu continuar a
tentar vou parecer mulherengo, rabo de
saia, galinha.

-E tu és? - Perguntou Marchel.

-Idiota! É claro que não, só não


quero ser mal visto.

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-Desistindo do amor por causa de
uma reputação que você nem tem. -
Marchel comia enquanto falava. -
Deixa eu te mostrar como se faz. - Disse
ele olhando para a fila que estava no
balcão, ela estava lá.

-O que queres fazer? - Perguntei. -


Marchel! Marchel! - Eu o chamava, mas
ele ignorava e ia em sua direcção a
passos largos.

Ela olhou pra ele, e parecendo


prever sua intenção, abanou a cabeça
no sentido de negação. Bom pelo menos
ele conseguiu isso. Eu por outro lado,
em semanas, não consegui nem um
"abano de cabeça".

Marchel mudou sua trajetória,


repentinamente, e furou a fila, foi parar
bem na cara da senhora do balcão, que
deu uma bofetada extremamente
potente no rosto de Marchel, com

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aquelas mãos gordas e cheias de calos.
Até eu senti.

Não aconteceu o que era suposto


acontecer. Ninguém riu, ninguém falou
nada, apesar da bofetada ter ecoado por
todo refeitório e ter sido visísel de todos
os cantos. Tudo continuou como se
nada tivesse acontecido. Tudo normal.
Ela era a única que olhava para
Marchel, que se recentia de dor no
chão.

Voltou ao lugar sem entender


nada, pegando sua bochecha, que por
sinal estava vermelha, muito vermelha e
inchada. Podiam-se até mesmo
contemplar saliências em forma de
dedos em seu rosto. É pena que não
pudera ouvir o zumbido que ele
provavelmente ouviu, mas acredito
freneticamente que estava lá, se fazendo
sentir em seu ouvido.

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Meus olhos viraram e bateram com
os dela, meu coração pulou, estávamos
tracando olhares. Na verdade,
estávamos mais nos encarando do que
trocando olhares. E ela pareceu-me
zangada. Seu semblante era como quem
dizia: "Se afastem de mim". Era como
se ela soubesse das minhas intenções.
Mas não disse uma só palavra. Queria
eu acreditar que tudo era coisa da
minha cabeça, mas para piorar, o
próprio Marchel não se lembrava da
bofetada que levara da senhora da
cantina, e por algum motivo fingia que
não via marcas de dedos em sua
bochecha. Finalmente percebi o que
estava acontecendo.

Eu estava paranóico.

Sem mesmo contar para Marchel,


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naquele dia, decidi segui-la. Queria
saber pelo menos onde ela morava.
Minha paixão estava a tomar
proporções elevadas. Paixão? Obsessão!

A escola onde estudávamos era


meio isolada, mas perto da pequena
cidade de Welfwood. O caminho que
ligava a escola a cidade era único, e ela
não estava a segui-lo como faziam os
restantes alunos. Ela ia na direção
oposta, e ninguém parecia notar.

Andei pelo que pareceram ser


horas no bosque a seguindo. Tenho a
certeza que foram só alguns minutos,
mas para um rapaz que mal faz uma
corrida pra manter a forma, aquilo era
tortura, eu vivia bem perto da escola.

Em todo trajecto, ela não olhara


para trás. Andava linearmente pelo
caminho aberto no bosque de árvores
frondozas e chão gélido.

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Incansavelmente.

Nossa região era nas montanhas,


por isso, era comum passarem nuvens
de vez em quando, até, era muito
frequente. E a nuvem da puta que pariu
decidiu aparecer justamente na hora
que parecia estar a aparecer ao longe
uma casa. Devia ser a casa dela, parecia
uma casa.

Mas a casa foi desaparecendo em


meio ao nevoeiro, juntamente com ela.
No fim, só sua silhueta me era visível, e
depois...nada. Ou pelo menos foi o que
eu pensei...

A escola, o nevoeiro foi lentamente


se esvaindo revelando a escola. Era
como se eu tivesse dado uma volra
enorme até voltar para a escola. Mas de
uma coisa eu tinha mais que certeza, eu
tinha andado em linha reta o caminho
todo. Como seria possível que eu tivesse

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voltado para escola. "Acontece, posso
ter me perdido no nevoeiro e
voltado"...era no que eu queria
acreditar, mas não tinha como. Isso
porque as pessoas que eu vi indo
embora quando comecei a segui-la,
estavam exatamente onde estavam
quando fui atrás dela, era como se
tempo nenhum tivesse passado, mas eu
estive caminhando por muitos minutos.

Olhei para tudo a minha volta,


estava tudo a acontecer como tinha
acontecido minutos antes, minha mente
estava prestes a enlouquecer, quando
me lembrei do fenómeno chamado
"dejavu", em que as coisas parecem se
repetir exatamente como em algum
momento no passado. Mas não era o
caso.

E depois? O que seria dalí pra


frente? Ficaria seguindo ela pra vida
toda sem nunca obter uma resposta ou a
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amizade dela?

Desatei a correr na direção que ela


tinha seguido, Corri como nunca, com
medo de a perder e não saber onde era
sua casa. De novo vi, a escola. Eu não
tinha parado de correr, e não tinha feito
nenhuma curva, corri sempre em frente
mas voltei para a escola. Minha mente
não conseguia encontrar uma
explicação lógica para aquele
aconteciemnto, continuei a correr. A
escola. E de vovo. E de novo. E de
novo. A escola. Era como se eu
estivesse em uma longa estrada, e ao
longo dela tivessem várias escolas
iguais. E o pior, era que o último
momento sempre se repetia, as mesmas
pessoas, nos mesmos lugares, a fazerem
exatamente a mesma coisa, como se
fosse um "loop" temporal.

Tropecei, e caí.

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-Hey! - Ouvi a voz de Marchel. -
Estás bem?

-Estou. - Respondi, apesar de ter


esfolado um pouco o joelho.

-Para onde ias nessa direção? A


cidade é para o outro lado sabias? -
Disse Marchel.

-Sei! - Minha voz soou


desesperada! - Vem Marchel! - Levantei
rapidamente e peguei em sua mão, o
puxando para a direção que eu seguia, a
que a rapariga tomara.

Mesmo sem entender, Marchel não


largou minha mão, não contestou, nada
perguntou.

Dessa vez, a escola não aparecia,


continuávamos a correr e era só mato,
bosque, folhas, árvores, arbustos e
nevoeiro.

-Hey! - Marchel parou, e fiz o


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mesmo. - O que se passa? - Ele parecia
confuso, e com razão.

Tive que pensar rápido numa


resposata que fizesse sentio, ninguém
acreditaria se eu contasse, nem mesmo
ele. Até...nem eu acreditava no que
vira. Teria sido real?

-Nada! - Sorri envergonhado. -


Ginástica com meu melhor amigo, mais
nada!

-Mas agora? - Marchel estranhou. -


Me chama num fim de semana e eu te
ajudo a ficar em forma pra ela. -
Marchel disse sorridente e optimista.
Meu melhor amigo era muito
descontraído e incrível, não passei
vergonha. - Mas não pode ser numa
mata densa dessas, lá embaixo na
cidade será melhor...e mais seguro.
Vamos!

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Como todas as noites, escrevi tudo.
TUDO.

E foi relatando todos os


acontecimentos no meu "diário" azul
com uma borboleta na capa que tive
uma ideia brilhante: Ir ao Google e
escrever "Nevoeiro temporal". Era o
que fazia mais sentido na minha cabeça.
Mas nenhum resultado me foi
satisfatório. Até que acrescentei à frase:
"Welfwood".

Pensei que os resultados da


pesquisa me levariam a descobrir uma
civilização secreta escondida em nossa
cidade, ou uma seita que habitava
nossos bosques. Mas nada disso
apareceu, nem algo parecido, só uma

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única coisa...uma canção...chamada
"Rum'in an teh i lah".

Uma antiga lenda em forma de


canção passada de geração em geração
em Welfwood. Finalmente me
lembrava de onde ouvira essa canção,
minha mãe cantava sempre na hora de
dormir. Eu só ouvia, mas nunca soube
do que falava, nem que lenda era.

Digitei o nome da música no


tradutor a fim de encontrar a língua
originária e seu significado, mas
nenhuma língua foi identificada.

Comecei a canta-la a fim de tentar


recordar de algo, qualquer coisa que
meu cérbro conseguisse puxar, qualquer
coisa...

Abri meus olhos, tinha adormecido


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com meu laptop ao colo, o dia já se
fazia claro e já era muito tarde. Eu
estava atrasado para a escola.

Desci do quarto para a cozinha,


onde em dias comuns, minha mãe
estaria preparando alguma refeição,
mas ela não estava, nem ela nem Nany,
minha irmãzinha. Estranho. Desespero
começou a tomar conta de mim quando
revisei seus quartos e nenhuma delas
estava. Nínguém estava em casa, e
minha mãe não me tinha acordado para
ir para a escola.

-Mãe? - Comecei a chamar. Calmo


por fora, em profundo desespero por
dentro. - Nany?

-Aqui atrás filho! No jardim! - A


voz dela respondeu a minha sem
demora.

Minha mãe e Nany estavam no


jardim, Nany brincando e minha mãe
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arranjando as flores que eu estragara
pela minha amada. Bom, eu já tinha
pagado as favas pelas flores.

-Vem ajudar! - Disse minha mãe. -


Deves até. - Ela sorriu.

-Eu não devia estar na escola? -


Perguntei confuso.

- Hoje é sábado amor. - Minha mãe


respondeu quebrando minha confusão
mental. Milhares de pensamentos já se
tinham formado em minha cabeça. -
Marchel esteve aqui pra te levar pra
ginástica, mas estavas a dormir que nem
uma pedra, não consegui te acordar.

-Obrigado! Vou ter com ele!

-Só depois de me ajudares com


isso! Pra da próxima plantares tuas
próprias flores pras amiguinhas.

Nany perseguia uma borboleta


azul que voava no jardim, pousando de
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flor em flor. Nanica, há meia década
que seu organismo estava em
funcionamento. Só meia década, e
nesse tempo, já tinha consquistado meu
coração. Eu amava muito minha irmã.

Despendi toda manhã ajudando


minha mãe com as flores. Desfrutei
cada segundo com elas...antes que
elas...

O céu estava estrelado, lindo,


fazendo parecer que nossos olhos eram
telescópios por sí só. Eu e Marchel
estávamos deitados na relva de sua
casa, de costas, encarando o céu,
maravilhoso, conversando. Tive
imansas oportunidades de contar tudo
que ocorrera nos últimos dias, mas eu
realmente considerava a possibilidade
de eu estar paranóico, pois mais
ninguém parecia notar aqueles

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acontecimentos estranhos, ninguém.

-Já pensaste se seremos os únicos


seres a habitar este vasto universo? -
Perguntou Marchel, pude perceber pelo
seu tom que estava apaixonado pelo
céu.

-Se há mais por aí, de certeza que


eles não estão no espaço, estão
aqui...algures escondidos na imensidão
desde planeta. É nisso que acredito. -
Respondi. Ela estava na minha cabeça.

-Nah! - Se eles estivessem, de


certeza que já teriam se manifestado. -
Marchel comentou. - Mas estando lá
encima, eles podem não ter como. É
nisso que eu acredito.

-Vai acreditar se eu te contar? -


Perguntei sem pensar.

-Quê? - Marchel virou a cabeça.


Destava vez, olhava pra mim.

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-Você vai me achar maluco? -
Perguntei ainda olhando para o céu.

-A lua não está totó! Só as estrelas


vão ouvir, as estrelas e eu, e nós
consideramos tudo, não te vamos achar
louco. Conta. - Marchel me confortou,
eu acho, com palavras que até hoje não
entendo muito bem.

-É sobre ela! - Falei.

-Eu já sei! - Meu coração acelerou


quando ouvi essas palavras saírem de
sua boca.

-Como assim? - Perguntei.

-Eu já sei que desististe dela!


Entendo, eu também faria o mesmo, ela
é muito difícil. - Disse Marchel
voltando a olhar para o céu, que agora
começava a apresnetar algumas nuvens.
Nuvens? Não. Estava mais para um
nevoeiro se formando.

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-Hafff! - Suspirei desistindo
realmente de lhe contar a verdade, seria
melhor deixar as coisas como estavam.

-Eles estão de olho em ti! Para de


lhes seguir! - Marchel sussurrou.

Um súbito medo invadiu meu ser.


Do que Marchel estaria falando.

-Acha mesmo que se ignora uma


bofetada daquelas? Dói até agora. -
Marchel continou.

-Então estão todos a fingir? -


Perguntei.

-Não! Só eu... - Marchel soava


sério. - ...parece que mais ninguém
notou nada. Eu fingi não estar a
perceber por medo.

-Medo? - Indaguei.

-"Rum'in an teh i lah", já ouviu

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isso? - Perguntou Marchel.

-S..sim! - Gaguejei com medo do


significado que ele obviamente diria a
seguir.

-É uma lenda contada cá em


Welfwood. - Ele falava baixo dessa vez,
muito mais baixo. - Sobre... - Marchel
foi interrompido pela voz da mãe o
chamando para entrar:

-Maaaarrs! Banhoooo!

-Nos vemos amanhã na escola


totó! Te conto todo o resto lá. Não faças
nada estúpido. - Aquelas palavras me
puseram a lembrar do dia em dia
persegui a rapariga em corridas
incontáveis. Já não teria eu feito algo
estúpido?

Noite mal dormida, é assim que


descrevo aquela noite. A ansiedade de
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saber o que Marchel tinha a dizer sobre
tudo aquilo, não me deixou dormir.

No dia seguinde, ao chegar a


escola, procrurei por Marchel mas ele
não aparecera. Passei o dia sozinho, ele
era minha única companhia na escola.
Por momentos, até me esquecia dela,
que parecia também não ter aparecido.
O dia foi vazio. Nunca fiquem ansiosos.

Na saída, antes de descer para a


cidade, olhei para o caminho que ela
seguira da última vez, e por momenttos,
me vieram flashbacks de tudo que
acontecera, mas não cedi a tentação de
tentar mais uma vez. Fui para casa.

Por incrível que pareça, as coisas


só tendiam a piorar. Ao chegar a casa,
vi uma carro de polícia parado do lado
de fora com as sirenes ligadas, mas
silênciadas. Minha mãe estava na porta
conversando com um homem fardado,

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que anotava algumas coisas que ela
dizia.

-Mãe? Está tudo bem? - Perguntei


já começando a lacrimejar mesmo sem
saber o que se passava. Sou sensível.

-Filho! - Minha mãe veio ao meu


encontro e me abraçou. Ela estava...
chorando. - Desculpa amor! - Disse ela.

-Obrigado senhora! - Disse o


polícia indo-se embora. - Mais tarde
precisaremos falar com o miúdo
também. - Completou ele olhando pra
mim. diretamente no olho.

-Mãe? - Perguntei perdendo forças.

-Marchel! - Disse ela o nome dele


se debulhando em lágrimas. - Marchel
filho. - Logo percebi o que se passava.
Não quis perguntar para não confirmar,
mas sabia o que ela estava tentando
dizer. Comecei a chorar.

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Essa fase da minha vida foi o que
chamo de "de repente". Sem motivo
aparente, o corpo de Marchel foi
encontrado dilacerado no meio da
mata, sem pistas, nada...foi o que
minha mãe dissera.

Na conversa comigo, a polícia não


perguntou nada de diferente do que
pergunta nos filmes, a diferença era que
dessa vez...era na vida real. Marchel
estava morto. Queria sentir revolta,
mas, contra quem seria? Quem?

Sem sono, sem apetite, sem ânimo.


Naqueles dias minha mãe me deixou
faltar a escola. E não era como se
Welfwood não soubesse o que tinha
acontecido, todos já sabiam que um
menino chamado Marchel tinha
morrido. A dor de tê-lo perdido não me
deixava pensar nas suas últimas

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palavras, mas a curiosidade de as saber
as forçava a entrar na minha mente. O
que ele diria sobre a música? A lenda?

Comecei a chorar. Depois de ter


perdido meu melhor amido, tudo que
eu conseguia pensar era no que ele
tinha para me dizer. Miserável sou.

Todos os momentos que tivemos


juntos me vinham a cabeça enquanto
jazia angustiado em meu quarto,
escuro...então, comecei a cantar
"Rum'in an teh i lah". Estava tão triste
que no momento nem notei que a letra
fluía em minha língua como se eu
cantasse a música todos os dias e tivesse
decorado a letra.

No dia seguinte seria a mesma


coisa, ficar pelos cantos, deprimido,
lamentando, até que todas as fases de
luto se concretizassem, ou não. Eu
tinha que obter respostas. E eu sabia

40
exatamente onde as encontrar, ou pelo
menos, era o que eu achava.

Marchel estava vivo em mim,


posso afrimar com certeza. Sem sobra
de dúvida. Porque sua coragem
encarnou em mim quando pulei da
janela ainda de madrugada e fui para a
escola, no escuro, sozinho. Trazia
comigo uma mochila e uma lanterna,
dentro dela, nada muito importante,
coisas que um adolescente comum
acharia interessante levar para um
acampamento na floresta.

A escola estava vazia obviamente,


mas o que me assustava era o facto de
nunca antes ter visto ela vazia e escura,
com cheiro de morte. Mas esses
pensamentos foram logos afastados e
meu coração preenchido por outros
quando vi finalmente, o que procurava.
O camingo da rapariga.

41
Se eu parasse para pensar, nunca
avançaria. Embora sem correr, e com
medo, adentrei o bosque no caminho
que me fizera dar "loops" teporais da
última vez.

Minha lanterna iluminava bem o


caminho, não havia sinal de nenhum
animal perigoso. E se houvesse um
assassino em série que mata crianças? E
eu estava alí.

O medo de acabar como Marchel


se afastara por momentos quando
finalmente vi uma estrutura aparecer ao
longe a medida que eu avançava, e não
era a escola, era realmente uma casa.

Seu design fazia lembrar as casas


de terror dos filmes, era tal e qual as
tais. Apenas uma janela mosntrava que
a casa estava habitada, mas não parecia
ser luz elétrica, eram velas.

Eu queria tanto encontrar algo, e


42
agora que tinha encontrado, desejei que
fosse apanhado novamente pelo "loop"
temporal e aparecesse novamente na
escola.

Eu queria encontrar a casa, e a


tinha encontrado, mas o medo foi mais
forte que eu, e desatei a correr para
casa. No entanto, meu desejo, virou
minha maldição, o que mais temia, me
adveio. Corria sem parar, e sempre ia
dar novamente a casa, sempre em linha
recta, mas era a casa, a casa, a casa e a
casa novamente. Morreria eu como
Marchel?

Vi a luz de vela que se notava pela


janela da casa se mover, de uma das
janelas de cima para as de baixo, e
então para perto da porta. Haviam
escadas no interior da casa.

Meus olhos brilharam e meu


coração parou quando vi sair de dentro

43
da casa a silhueta de Marchel segurando
um candeeiro, fazendo sinal para que
eu entrasse.

Não sabia como reagir. Eu tinha


visto seu rosto pálido e sem vida no
caixão no dia do seu velório. Minha
testa gelou, um suor frio tomou conta
do meu corpo, pude sentir vividamente
adrenalina subir ao meu cérebro e
preparando meus músculos para correr,
e o fiz.

Desatei a correr como nunca,


mesmo sabendo que muito
provavelmente o "loop" aconteceria
outra vez, e outra, e outra, e outra vez.
E foi exatamnete o que se sucedeu. Mas
eu não me rendia, não parava de correr,
estava tomado pelo desespero.

Estava escuro e frio, e em plena


madrugada eu estava vivenciando puro
terror. E o pior era que aquilo tudo não

44
era um sonho.

Cansado, comecei a abrandar. Meu


coração doía de tanto correr. A silhueta
de Marchel ainda estava na porta da
casa fazendo sinal para que eu entrasse.
Era Marchel, tinha que ser, eu não
conseguia ver claramente seu rosto, era
apenas uma silhueta, mas eu o
reconhecia.

Cedi ao seu chamado.

Meu cansaço venceu meu medo, e


se fosse ele, no mínimo seria um
fantasma, que mal poderia acontecer?

A medida que me aproximava, seu


rosto ia se tornando mais visível, mas
não pude ver, pois a figura adentrou a
casa enquanto eu me aproximava. Não
parei. Mas antes que eu também
entrasse por vontade própria, uma mão
me puxou violentamente pelo braço.

45
Era mão de menina.

Quando finalmente estava dentro


da casa, meus olhos brilharam. O que
mais desejava, me advinha. Era ela...

-Vem! - Era a primeira vez que eu


ouvia sua voz, e tal como sua radiante
beleza, era assustadoramente linda. Sua
voz se destacaria em meio a centenas de
vozes num coral de anjos. - Anda! -
Disse ela me puxando escadas acima.

Enquanto subíamos as escadas,


notei a casa. Era velha e cheia de
poeira, típica casa de terror,
abandonada. Não havia mais ninguém
na casa, pelo menos era o que parecia.

Levou-me para um quarto, e


fechou a porta.

-Seu amigo se foi! - Sua voz soava


doce, mesmo que suas palavras
pesassem - Você pode ser o proximo.

46
Eles sabem!

Aquelas palavras causaram em


mim uma mistura de emoções, meu
corpo tremia, centenas de perguntas me
vinham a mente, mas sem nenhuma
resposta. Logo lembrei-me das últimas
palavras de Marchel.

Quem eram "ELES"?

-Eles quem? O que está


acontecendo? - Perguntei temendo por
minha vida.

-Se eu te contar, você também


morrerá. - Seu olhar batia diretamente
no meu. - Seu amigo sabia de algo que
não devia, por isso morreu.

-E você sabe? - Perguntei? - Porquê


não te mataram? - Completei.

-Eu estou protegida, vocês não! -


Cada palavra que ela tirava de sua linda
boca me deixava ainda mais confuso do
47
que já estava. - Amanhã, quando chegar
na escola, vai para algum canto onde
possa ficar sozinho, e cante "Rum'in an
teh ih lah". - Não questionei, não estava
em posição de o fazer, eu não sabia do
que se tratava e não queria morrer.
Obedeceria.

Ao sair da casa, o "loop" não


acontecia, e consegui ir-me embora.

No dia seguinte, fiz tal como ela


dissera. Num dos intervalos, tranquei-
me numa cabine da casa de banho e
cantei a música.

Nada aconteceu. "Seria aquilo uma


brincadeira?", pensei. Mas a resposta a
essa pergunta me foi dada no momento
em que pretendia sair dali. Ela estava
na cabine comigo, mas eu tinha entrado

48
sozinho, e em momento algum a porta
tinha sido aberta.

A cada acontecimento que se


sucedia, mais perguntas se aglutinavam
na minha mente, mas sabia que não
devia perguntar, poderia não gostar das
respostas.

-Toma! - Disse ela mostrando um


colar de prata que segurava uma pedra
de cristal verde. - Coloca isto, vai te
proteger.

Peguei no colar e o coloquei, e ao


fazê-lo, pude notar que ela usava um
colar quase igual, a única diferença era
o tamanho da pedra, o dela era maior,
era como se o meu fosse um pedaço do
dela.

Meus pensamentos foram


interrompidos quando de repente,
minha visão mudou. Do nada tudo
ficara a preto e branco, tudo exceto os
49
colares e os lindos olhos verdes dela,
que agora pareciam estar a brilhar.

-Esse é o preço a se pagar pela


proteção da pedra! - Ela explicava. - De
agora em diante só podrás ver cores nos
olhos de outros usuários do amuleto
de... - A porta principal da casa de
banho abriu-se e ela calou-se. Era um
aluno. Rezamos para que ele não
tivesse ouvido a voz de uma menina, e
ele realmente não se manifestou. Fez
suas necessidades e saiu.

De repente, ela já não estava ali.

Sem o nome do amuleto, que


provavelmente me levaria a descobrir
alguma coisa, e sem o seu nome.

Vários dias se passaram desde


aquele dia. Minha vida voltara a ser o
50
que era antes. Mas desta vez, sem
Marchel.

Meus dias eram vazios. Saía de


casa para a escola, e de escola para casa.
Com ninguém conversava e com
ninguém interagia se não com os
professores quando me fizessem
perguntas durante as aulas. E ao chegar
a casa, subia direto para o meu quarto,
onde jazia pelo resto do dia sem nada
fazer. Era assim todos os dias.

Nunca mais vira a menina, ela


parara de vir a escola. De vez em
quando, parava e contemplava o
caminho que ela seguia quando ainda
andava na escola, o caminho que me
fizera correr vezes sem conta. Uma
estranha vontade de o percorrer me
invadia, mas eu não cedia. Meu medo
não desaparecia, o facto de não poder
mais ver cores me relembrava de tudo

51
vividamente.

Antes de sumir, ela dissera que eu


só veria cores nos olhos de outros
usuários do amuleto. Mas nunca
avistara nenhum. Até quando eu viveria
assim? Tendo a necessidade de ser
"protegido" de algo que nem se quer
conhecia. Sentindo dor por Marchel,
meu único amigo.

Quando pensei que minha vida


tivesse estagnado, e nada mais mudaira,
ela me surpreendeu. Minha irmãzinha
adoeceu. Os dias da minha família
viram-se amaldiçoados quando o seu
maior pilar foi abalado.

Nany era a alegria da casa. O


motivo de eu e minha mãe não termos
sucumbido depois que meu pai
desaparecera no meio da floresta anos

52
atrás. Do nada.

É engraçado como as pessoas se


preocupam em prestar condolências
mesmo nunca tendo dado apoio quando
a pessoa estava em vida. Isso acontece
pura e simplesmente porque "Não fica
bem". As pessoas prestam condolências
por causa de sua própria imagem, para
não serem tidos como insensíveis. Por
isso muitas pessoas estavam em seu
funeral. Haviam até mesmo tios que
nem sabiam da existência de uma
sobrinha Nany.

Minha mãe estava inconsolável.


Primeiro seu marido, depois sua filha.
Uma mistura de sentimentos me
invadiu quando ví minha mãe tentar
entrar na cova onde ficaria enterrada
minha irmã. Temia a variante dos
acontecimentos que se teriam sucedido

53
se não fossem os homens que a
impediram de realizar tal feito. Senti-me
impotente.

Mas a coisa mais estranha que


acontecera naquele dia, vai além de
minha mãe ter tentado entrar na cova
com minha irmã. Muito além...

Ví ao longe, no meio do nevoeiro


que nos cercava na manhã do velório,
um homem de capa e chapéu. Não
conseguia destinguir muito bem seu
rosto mas, parecia...

...meu pai.

Podia ter chamado a atenção de


minha mãe para a figura, mas nas
condições em que ela se encontrava me
fora impossível. Subitamente, o homem
desapareceu.

Nos dias que se sucederam, minha


54
dieta se baseou em leite e cereais, papa
instantânea e frutas secas, pois minha
mãe parara de cozinhar. Não só não
cozinhava como também tinha parado
de realizar todas tarefas domésticas de
que uma casa necessita. Tudo ficou a
cargo de mim. Nenhum rosto dos que
estavam no velório de Nany aparecera
para ajudar com coisa alguma, e
provavelmente nunca mais os veríamos,
pelos menos não até alguma outra
morte.

No intuito de ajudar minha mãe,


parei de ir a escola. E não sendo
surpresa alguma, ninguém viera me
visitar nem saber o porquê da minha
ausência.

Já não reconhecia aquela figura.


Convivia agora com uma criatura
55
esquelética e melancólica que outrora
chamara de mãe. Por algum motivo ela
já não falava e já não ouvia. Ficava
dando voltas pela casa pronunciando
palavras que eu mal compreendia,
pareciam até ser de um outro idioma.
Minha mãe ficara demente, doente.

Eu não aguentaria mais. Como a


vida de alguém pode ir por água abaixo
assim do nada. Não queria mais. Não
podia mais.

A beira da ravina eu estava, ao


meu lado ninguém se encontrava. Pude
ouvir o abismo chamar meu nome. Meu
coração já não suportava tanta dor.
Meus pés hesitavam mas minha mente
dizia que era o certo a se fazer. Minha
mãe jazia em casa desmaiada, e talvez
morta, eu não sabia. Ouvi um barulho
na sala, como se de um saco caindo se

56
tratasse, e ao descer para ver o que tinha
acontecido, pude avistar minha mãe
estatelada no chão. Não sabia o que
fazer, e não tinha a quem recorrer.
Corri. E ali me encontrava. Minha vida
tiraria.

Quando finalmente tomara


coragem de me mexer, e meu pé
decidira mover. Pude ouvir, e dessa vez,
não vindo do abismo para o qual me
atirava, meu nome.

Ao virar minha cabeça para a


origem da voz, meu cérebro não
acreditara no que meus olhos viam. Era
meu pai. Meu pai, que se encontrava
desaparecido há anos, estava em carne e
osso à minha frente.

Em condições normais, o teria


odiado por nos ter abandonado, e só
voltar quando tudo já estava perdido.
Mas não o fiz. Eu precisava de um

57
abraço, de qualquer pessoa que fosse.
Corri em sua direcção e o abracei.

Seu calor, seu abraço, seu toque,


eram tudo que eu precisava. Me
apertava como se de um peluche me
tratasse, e era perfeitamente
compreensível. Eu não estava mais
sozinho.

-SE AFASTE DELE! - Ouvi uma


voz familiar gritar. Era ela.

-O que é que...? - Minha voz se


calou quando de repente meu pai sacou
uma faca, e num movimento
extremamente rápido me segurou como
se eu fosse seu refém.

Ela estava há alguns metros à


frente de nós, e nós, de costas para a
ravia de onde eu pretendia me atirar,
mas longe o suficiente para que não
caíssemos em cinco passos.

58
-Saia daqui bruxa! - Era a primeira
vez que ouvia a voz de meu pai em
anos, e estava diferente.

-Não! Ele não tem nada a ver com


isso. - Ela gritara em prantos. Lágrimas
escorriam de seus lindos olhos verdes.

-Não tinha! Tu o contaminaste. -


Meu pai dizia com ira na voz.

-Há outra forma de resolver isso.


Ele é seu filho, não faça isso.

-Mesmo que seja meu filho. Estou


disposto a sacrificá-lo pelo bem da
minha família. - Meu pai soou
desesperado, como se minha morte
realmente fosse trazer algo bom. Mas,
que família? Nós eramos sua família, e
já estávamos acabados.

-Se não pararmos esse ciclo tudo


vai acontecer de novo, e de novo
Nolan. - Ela sabia o nome do meu pai.

59
Como?

Meu pai deu um berro. Presumi


que fosse esse o momento em que ele
mergulharia a faca em algum lugar do
meu corpo. Fechei meus olhos, mas
depois de instantes, nada senti.

Quando descortinei minha vista


levantando minhas pálpebras, eu estáva
longe, bem longe dos dois, caído no
chão.

Ela estáva agarrada às costas de


meu pai, pendurada e apertando seu
pescoço por trás enquanto ele a tentava
acertar como a faca.

-CORRE! - Gritou ela.

Corri...

Enquanto corria, percebi que, se


havia algo que em minha vida eu nunca
mais teria, era paz. Mas porquê. Como?
Quando? Quando é que as coisas
60
começaram a mudar? Em que
momento?

Ela.

Todos os acontecimentos estranhos


se sucederam depois de sua chegada.
Recordei-me. Era ela, tudo ela. A
mudança repentida de comportamento
do professor, de Mirela, meu corpo se
mexendo sem vontada própria no dia
das flores, o nevoeiro, a bofetada que
Marchel levara, e a ignorância com que
todos encaravam tudo aquilo. Era tudo
ela. Estaria eu cego para não ter notado
antes? Enfeitiçado? Meu pai a chamara
de bruxa.

Olhei para o colar que ela me dera,


era mesmo coisa de bruxaria. Tinha que
me desfazer daquilo de imediato. Puxei
o colar com força, o arrancando do meu
pescoço, e no mesmo momento, um
extremo arrependimento tomara conta

61
de mim.

Ao tirar o colar, minha visão


voltara ao normal, mas com algo a
mais. Para além das cores de tudo terem
voltado, haviam na floresta pessoas,
pessoas muito estranhas. Pareciam mais
vultos, sombras de pé. Era como se o
colar me impedisse de ver tais criaturas.
Parei.

Tentei colocar o colar de volta mas


o fecho estava danificado. Temi por
minha vida, aquilo era puro terror.
Ajoelhei-me e comecei a chorar. Mas
antes que começasse a prantear ela
apareceu e me puxou pelo braço, me
arrastando floresta a dentro.

-Não para de correr! - Disse ela. -


Olha pra baixo, e não para de correr,
confia em mim. Não para de correr.
Ignora a floresta, ignora. Por favor
ignora. - Ela começava a chorar.

62
Um minúsculo pensamento passou
pela minha cabeça naquele momento:
Teria sido meu pai o assassino de
Marchel?

Já não podia me calar, assim que


parássemos eu faria todas as perguntas
que me eram de direito. Parecia que eu
estava muito mais envolvido como tudo
aquilo do que parecia.

Depois de alguns instantes de


corrida, adentramos uma pequena
gruta, e no processo, adquiri uma ferida
na testa, pois o orifício pelo qual
adentraramos era pequeno.

Ela sentou-se ofegante. Suas


nádegas tocavam o chão gelado da
gruta enquanto seus braços abraçavam
seus joelhos, estava sentada com as
pernas dobradas e joelhos próximos ao
peito.

63
Sentei-me.

Esperava que dela começassem a


sair explicações da merda que se
passava. Mas: "Aqui estaremos
seguros." foi tudo que saira de sua boca.

- O QUE SE PASSA! - Eu estava


assustado, e com muito medo. Gritava
não por raiva, mas por medo, o pior
medo de todos, o medo do
desconhecido.

- Calma! - Ela levantou-se


rapidamente como se quisesse me
impedir de gritar para não chamar
atenção dos perigos que estavam lá fora,
mas o que ela fez fora ainda mais
assustador. Seus lábios tocaram os meus
num longo e calmo beijo. Não percebi
nada. - E agora? - Perguntou ela.

-E..E..Ag...agora? - Gaguejei.

-Merda! - Era suposto o beijo te

64
trazer as memórias de volta. - Ela
começava a aparentar desespero. - Onde
está o teu colar? Porra. A merda do
beijo só ia funcionar se estivesses com o
colar posto. - Disse ela nervosa ao olhar
para o meu peito e ver que eu não mais
usava o colar. - Todas tuas memórias
estão presas nele.

-Aqui! - Rapidamente mostrei o


colar em minhas mãos. Mas ao fazê-lo,
surpreendi-me. Em minha posse estava
uma corda de arrame oxidado atado a
uma pedrinha, não era o colar.

-Ele roubou! - Ela pegara na cabeça


e mandara o cabelo para tras. - Olha, eu
não precisarei de te explicar nada se te
der o beijo enquanto estiveres a usar o
colar. Te explicar como tudo chegou a
esse ponto levará tempo, e tempo é algo
que não temos. - Ela andava às voltas.

Comecei a fazer uma retrospectiva

65
da minha vida até aquele momento, e
não conseguia me lembrar de nada que
me relacionasse a ela, nem um
momento que as memórias da minha
vida me parecessem perdidas ou
confusas. Lembrava-me de cada marco
da minha vida desde que me entendia
por gente até aquele momento. O que
ela dizia não fazia o menor sentido.
Meu pai a chamara de bruxa, o que era
mais que suficiente para me fazer não
confiar nela, mas ele tentara me matar e
ela me salvara, o que igualava a
equação para os dois lados.

Mais e mais perguntas se


formavam em minha mente mas
nenhuma resposta vinha desde que tudo
isso começara. Maldito o dia em que
me interessei por ela. MALDIÇÃO.

-Por enquanto, esperamos! - Disse


ela se sentando numa pedra que havia
no lugar. - Já se faz tarde e o orvalho
66
tornou o chão escorregadio e a visão
difícil. Amanhã te faremos um colar
novo.

Eu podia ver claramente o seu


colar em seu peito. Porque é que ela
não extraia um pedaço do dela como
parecia ter feito da outra vez? Bom.
Talvez esse processo não fosse tão
simples quanto parecesse. Teria que
esperar.

Nas manhãs, os pássaros não


cantávam em Welfwood, em vez disso,
eram sapos fazendo sei-lá o que eles
fazem e rãs por todo o lado. Isso por
causa do clima e da temperatura fria da
região montanhosa em que nos
encontrávamos.

67
Ela não estava na gruta, mas pude
vê-la pelo buraco por onde tinhamos
entrado. Saí.

O sol já se fazia sentir, ainda que


timidamente.

-Já estás de pé! - Disse ela ao me


ver. - Temos que ir. - Pôs-se a andar.

-Enquanto caminhamos, poderia ir


me explicando o que se passa? -
Perguntei. - O porquê disso tudo?

-Não preciso te explicar, você já


sabe tudo! - Disse ela sem olhar pra
mim, continuando a andar. - Só se
esqueceu.

Parei.

-Que foi? - Perguntou ela ao notar


que eu já não a seguia.

-Eu não vou continuar enquanto

68
não começar a falar. - Respondi.

-Bem que disseste que és teimoso. -


Disse ela. - Volte a andar que eu falo.

Avancei.

-Você acredita em magia? -


Perguntou ela.

-Eu acho que existe! - Respondi.

-Você sabe o que é poder?

-O que um presidente exerce sobre


uma nação? - Respondi.

-Magia...é poder! - Ela disse num


tom que me era impossível não notar
que enfatizava o facto de que quem
tivesse magia, tinha poder. - Há muito
tempo...Welfwood era habitada por
magos.

-Poder...suficeiente é pouco, e
quem tem muito quer sempre mais! -

69
Falei.

-Então, um certo alguém matou


todos os magos de Welfwood e apagou
as memórias dos demais habitantes.
Bom, matou quase todos, a linhagem da
qual eu descendo sobreviveu. - Ela
olhava parabaixo enquanto falava,
parecia que lembranças lhe vinham a
mente. - Uma canção de proteção foi
forjada com o poder da pedra de onde
se veio toda a magia, parece que minha
família tinha um pedaço da pedra. Eu
não sei da história completa...

-A canção é "Rum'in an teh ih


lah"? - Perguntei, mas ela continuou
falando como se não tivesse me ouvido.

-A canção foi criada para esconder


a presença dos magos da minha ligem.
Magos têm energia dentro deles, e pode
ser sentida por outros magos. E essas
energias têm assinatura, ou seja, são

70
energias diferentes, podendo-se assim
destinguir quem é "amigo" e quem é
"inimigo".

Ainda não fazia muito sentido pra


mim.

-Sempre que a canção fosse


entoada por alguém, qualquer pessoa
que fosse, a invisibilidade da minha
linhagem se tornaria mais forte, e nunca
seríamos descobertos. Era só questão de
se passar a música de geração em
geração sem nunca revelar o verdadeiro
significado da música. - Ela
continuava. - Mas ao longo dos anos, os
pais deixaram de ensinar a música aos
seus filhos, a canção deixou de ser
entoada. Foi esquecida. Nossa
invisibilidade está morrendo aos
poucos, e os que estão sendo
descobertos estão sendo mortos. Não só
pelos magos da outra linhagem, mas

71
também por caçadores, como...

-Nolan! - Completei. Meu pai era


um caçador de bruxos.

-Durante todo esse tempo vivemos


escondidos, mas nossa proteção está a
falhar. E o pior é que há pessoas que
estão condenadas só por serem
descendentes de magos, mas nunca
praticaram, nem conhecem a magia,
nem mesmo a história.

-Inocentes! - Lembrei-me de
Marchel. - E eu...? Onde eu entro nisso?
Sou mago? Pratico magia? - Perguntei
levando em conta o facto de que minhas
memórias estavam supostamente
perdidas.

Pude sentir um olhar estranho


vindo dela antes que me respondesse:

-Sem ti estariamos perdidos! -


Respondeu ela. - Neste momento, estou

72
seguindo um plano que você mesmo
elaborou. Mesmo achando que apagar
suas próprias memórias e escondê-las
num beijo meu para não atrapalhar
tenha sido estupidez.

Será que Marchel já sabia de tudo


aquilo?

-Chegamos! - Disse ela parando de


repente. Sem notar, já tinhamos andado
um bom pedaço.

-Não tem nada aqui, ainda estamos


no meio da floresta.

-Olhe bem! - Disse ela.

Foi só prestar um pouco mais de


atenção. Vi, uma árvore enorme. Não
muito larga, mas muito, muito, muito
alta. Era impossível nunca tê-la visto,
pois pelo tamanho, até mesmo quem
estivesse a milhares de quilómetros
veria. Olhei para a rapariga depois de

73
ter contemplado a árvore.

-Magiaaaa! - Sussurrou ela


entusiasmada e arregalando os olhos.
Linda.

Ela esticou sua mão em direcção a


árvore, e do nada, ela abriu-se. Haviam
duas enormes portas nela.

Entramos.

Nunca vira tamanha beleza, nem


mesmo em meus sonhos. Mente
humana nenhuma seria capaz de recriar
o que meus olhos viam.

Era uma gruta enorme, seus limites


excediam os limites da árvore, só magia
podia explicar tal fenómeno, estava
repleta de cristais verdes. Arrisco-me a
dizer que eram esmeraldas. Não haviam
velas nem lâmpadas no seu interior,
mas estáva bem ilumidado...pelos
cristais. O facto dos cristais não se

74
limitarem à um mesmo tom, mas serem
todos de uma variendade de tons de
verde, do mais claro ao mais escuro,
tornava tudo mais belo. Além de
estarem dispostos nos mais variados
tamanhos. Era lindo.

-Essa é a pedra da magia, ou pelo


menos, uma parte dela. - Disse ela. Suas
pupilas brilhavam num tom verde, e sua
pele aparentava ter brilhantinas verdes.

-Que foi? - Disse ela sorridente ao


ver meu semblante espantado. - Seus
olhos também.

Olhei para um dos enormes cristais


que ali havia, a fim de ver meu reflexo.
E o resultado disso foi de espantar.
Minhas pupilas brilhavam num tom cor
de mel, e era como se minha pele
estivesse toda coberta de brilhantinas
douradas.

-Naaaãoo! - Pronunciei devagar.


75
Eu estava incrédulo.

-Aqui não precisamos de colar! -


Disse ela com um olhar atrevido.
Parecia que ela queria muito mais que
um simples beijo.

Aproximou-se.

-Toque num cristal. - Disse ela,


mas como se me mandasse tirar a
roupa. Toquei.

Me beijou.

Milhares de flashbacks me vieram


a mente, causando dor e arrancando de
mim um grito que ecoou por toda gruta.

Ela afastou-se de mim.

Tudo, tudo voltara. Eu me


lembrava de tudo. Era tal como ela
tinha dito, ela não precisava me contar
nada. Eu já sabia de tudo, tudo. Minha
história com ela não começara ali. Nós

76
vínhamos de longe. O seu primeiro dia
de escola não fora o dia que eu a vira
pela primeira vez. Ela era minha.

Ela olhou pra mim sorridente. Veio


até mim com muito entusiasmo, e me
abraçou fortemente.

Pude ouvir sair de meus próprios


lábios seu nome, o nome da menina
pela qual me apaixonara mesmo não
me lembrando que já era apaixonado.

-N...!

Noren, era seu nome.

77
78
os Nevoeiros do
teMpo

-Senti tua falta! - Disse Noren


ainda me abraçando.

-E eu...nem tinha como sentir. -


Dei um leve riso. - Noren! - Pronunciei
seu lindo nome. - Foste muito corajosa.
Obrigado!

-Tudo por ti. - Respondeu ela. -


Além disso, tu é que nos vais salvar. -
Completou se desgrudando de mim.

79
-Os outros? - Perguntei.

-Estão exatamente onde disseste


que deviam estar a esta altura. - Ela
parecia esperançosa.

-Em breve tudo voltará ao normal.


Já estou cansado deste corpo de criança.

Agora tudo estava claro. Claro


como água.

Welfwood já fora um lugar


normal, um lugar comum, há muito
mutio tempo. Até que um dia fora
descoberta "A Pedra", um mineral verde
com propriedades de cura. Mas ao
longo dos tempos foi se descobrindo
que suas capacidades iam muito além
de somente curar. E os habitantes destas
terras começaram a usar A Pedra para
executar feitos que seriam impossíveis
para humanos comuns, nascendo assim,
a magia. Poder, magia é poder.
Suficiente é pouco, e quem tem quer
80
sempre mais.

A fim de manter a ordem, acordou-


se que a magia estaria disponível a
todos, porém, gerida por dois líderes e
suas respectivas famílias. A posse da
Pedra fora separada em duas famílias: A
Tricolor, liderada por Ulicis e a dinastia
Catharina liderada por Helsa. As
famílias detentoras da pedra seriam
como sacerdotes do povo, só eles teriam
permissão para usar o poder da pedra. E
os demais, os que pertenciam a famílias
que não usavam magia, eram chamados
"comuns".

Mas um dia, para a condenação de


todos, um maldito descobriu que o
poder da Pedra era ilimitado, e sua
força dependia da quantidade usada. E
com isso, guerra surgiu. Cada uma das
duas famílias detentoras da pedra queria
maior parte para sí, para poder estar no
topo. Ter mais poder. Mas o que
81
ninguém sabia, era que havia uma
terceira espada na batalha.

Malcus, um comum, que começara


a estudar o mineral por conta própria,
aprendera de alguma maneira a alterar
as propriedades naturais da pedra,
camuflando sua energia, a tornando
indetectável. Usando esse poder,
roubou mais do que sua sanidade podia
aguentar, e tornou-se vil. Eliminou
todos os integrantes das duas famílias
principais, deixando somente os que
não possuíam magia, os comuns, e
escolheu novos magos para o ajudarem.
No entanto, alguns membros da
Tricolor sobreviveram, e usando a
camuflagem que o próprio Malcus
criara, se esconderam durante milénios,
por gerações, forjando uma canção que
os camuflava...Mas a paz, foi
perturbada. É isso que sabemos, mas há
quem diga que essa história começa

82
muito antes do surgimento da pedra, e o
que se sabe é apenas o topo do iceberg.

-Vamos então? - Perguntou Noren.

-Sim!

Saímos da caverna, e do lado de


fora, ela voltara a aparentar ser uma
árvore. E depois, a árvore desaparecera,
magia.

Dessa vez, eu não estava perdido.


Sabia o que se passava, e o que devia
fazer.

-Será que chegaremos a tempo? -


Noren Perguntou preocupada enquanto
corriamos pela floresta.

-Eu realmente espero que sim. -


Respondi preocupado.

-E se...!

83
-Não pense no pior! - Eu a
interrompi. - Vamos conseguir! Só
espero que meu pai tenha mordido a
isca.

Corriamos à todo vapor para


Sallut, a casa abandonada onde eu
conversara com Noren pela primeira
vez antes de recuperar minhas
memórias.

-Marchel! - Murmurei ao
passarmos da escola.

Finalmente chegamos ao caminho


que dava a casa, e começamos a
percorre-lo.

Enquanto andávamos, Noren


esticou seu braço para frente, e o
nevoeiro que alí havia se desfez,
revelando a casa Sallut.

-Não tens ideia de como sofri com


essa barreira de proteção - Falei

84
lembrando das minhas infinitas
corridas.

-Tenho sim. - Noren sorriu. - E tive


muita pena, mas não podia fazer nada.

A fim de nos protegermos de


visitantes indesejados, criamos uma
barreira a volta da Sallut. O nevoeiro
fazia com que qualquer um que tentasse
entrar na área voltasse segundos no
tempo, ao momento em que entrara
nele. E o mesmo acontecia com quem
estivesse do lado de dentro. A barreira
do nevoeiro era impenetrável.

-Não! - Noren soou desesperada. -


Não, não, não... - Ela começara a correr
em direcção a casa.

Eu também pude sentir, ou


melhor, não sentia nada. Era suposto
sentirmos a energia mágica da nossa
família, mas não sentíamos nada.
Segundo o combinado, eles deveriam
85
estar alí.

Ao adentrarmos a casa, minha


testa gelou. Medo tomara conta do meu
ser.

Todos estávam mortos, degolados.


Suas cabeças formavam um monte não
muito longe de seus corpos. Haviam alí
homens, mulheres, e crianças, sem suas
cabeças.

Noren, não chorava, não gritava,


nada falava. Estava em choque.

Aproximei-me dela e coloquei


minha mão em seu ombro. Lágrimas
começaram a jorrar de seus olhos,
contaminando os meus.

-Foram vocês que causaram isso! -


Passos vinham de algum lugar da casa,
bem devagar. Aquela voz...

Noren começara a chorar.

86
-Pra quê lutar? - A voz soava cada
vez mais perto. - Se não podem
vencer. - Pude reconhecê-la.

-Pai! - Falei.

-Não descansarei enquanto ainda


houver mago nestas terras. Devolverei a
paz a Welfwood. - Disse ele fialmente
mostrando seu rosto.

-Miserável! - Disse Noren. Pude


sentir sua energia mágica aumentar.

-Não precisa chorar princesa. -


Disse meu pai em deboche. - Logo você
também estará como eles. - Completou
ele sacando sua faca. Dessa vez, pude
notar. Não era uma faca comum. Era
encurvada, em forma de lua, e
brilhante. Parecia feita de cristal verde.

-MISERÁVEEEL! - Noren gritou e


meu pai foi arremessado para longe.
Seu corpo atravessou a parede atrás de

87
sí e caiu a muitos metros da casa.

Noren já não estáva ao meu lado.

-Noren! - Comecei a preocupar-


me. - O que vais fazer? Ele é muito
poderoso, vais morrer! - Eu começava a
correr atrás dela.

Do lado de fora, um miraculosa


luta era travada por Noren e Nolan,
meu pai.

Os dedos de Noren tinham se


tornado verdes, cristais. E disferia
golpes com as mãos esticadas, como se
de facas se tratassem. Golpes estes que
Nolan defendia facilmente com sua
faca.

Os golpes que eles trocavam eram


tão fortes que faíscas eram soltas.

Não podia deixar Noren lutar


sozinha. Ela certamente morreria.

88
Juntei-me a batalha.

Juntei minhas mãos como se fosse


rezar, e fechei meus olhos. Senti minha
energia mágica aumentar.

Ao abrir meus olhos, pude vê-los


moverem-se em câmera lenta. Na
verdade, eu é que estava rápido.

Corri em direcção a eles, e com


muita facilidade, desferi um golpe bem
na boca do estômago de Nolan, o
arremessando para longe. Mas na
minha percepção, ele flutuava no ar
ainda, indo devagar para trás. O que me
deu a oportunidade de afundar mais
socos em seu estômago.

A velocidade das coisas à minha


volta voltara ao normal. Nolan voava
como se uma explosão o tivesse atirado.
Magia? Não, ciência. Se a força é igual
à massa multiplicada pela aceleração,
então, variando minha velocidade,
89
gerando certa aceleração, e me
movendo mais rápido. Meus golpes se
tornariam muito mais fortes.

-Haaaa tu evoluíste miúdo! - Disse


meu pai se contorcendo de dor no
chão. - Mesmo nesse corpo de criança.
Não estou em posição de lutar
convosco. - Completou ele batendo com
a mão no chão, causando uma explosão
que o consumira. Era teletransporte.

Noren me abraçara de repente.

-Meus pais! - Ela chorava em meu


ombro. - Meus irmãos. Minha família.

Os magos inimigos ainda nem


tinham lançado seu ataque e já
estávamos sendo dizimados por Nolan,
um mero caçador.

-Amor! - Falei segurando o rosto


de Noren com as duas mãos, a olhando
nos olhos. - Ainda tenho energia para

90
mais uma viagem.

-Mas e o plano? - Ela perguntou.

-Plano? O plano não servirá de


nada se no fim nossa família não
sobreviver. - Respondi. - Farei mais
uma viagem, mas dessa vez, temos que
mudar de estratégia.

-Tá! - Ela ainda chorava.

Era um feitiço proibido. Usado


antigamente pelos magos para espionar,
e mudar o curso de eventos passados.
Viagem no tempo através da
consciência.

O viajante revivia seus dias


passados podendo alterar o curso dos
eventos. E eu já tinha feito isso uma
vez, por isso estava no meu corpo de
criança, assim como Noren e meu pai
em seu corpo mais jovem. Ele não
91
desaparecera há anos, o Nolan do
futuro enviara sua consciência para o
Nolan daquele tempo, e começara a
usar o corpo do meu pai, que era ele
mesmo. Começara a usar seu corpo do
passado. Eu porém, para evitar alterar
demais as coisas, apaguei minhas
memórias e ordenei a Noren que me
devolvesse somente quando fosse a hora
certa. Porque se eu sobesse que
Marchel, Nany e minha mãe
morreriam, eu os teria salvado. E isso
poderia trazer complicações no futuro,
as memórias deveriam me ser
devolvidas assim que os três morressem.

-Estás pronto? - Perguntou Noren.

-Estou! - Respondi.

Dessa vez, eu voltaria para o


momento em que meu pai tentara me
matar, mas com todas as minha
92
memórias. Mataria meu pai, salvaria
nossa família e continuaríamos com o
plano.

Fechei meus olhos. Precisava me


concentrar.

-Isso consome muita energia


mágica! - Disse Noren.

-Sei. - Falei calmamente enquanto


iniciava a viagem. Minha consciência
seria transferida para o meu corpo de
momentos antes, quando tentava me
matar pulando da ravina. Ou pelo
menos, era o que deveria ter acontecido.

Abri meus olhos. Estava no jardim


de minha mãe. Nany brincava e minha
mãe cuidava das flores que eu estragara
no dia em que...eu lembrava bem desse
dia.

-Marchel esteve aqui para te buscar


para uma corrida. - Minha mãe falou.

93
Olhei em volta. Havia algo de
errado.

-Estás bem? - Minha mãe


perguntou ao ver meu semblante.

Nany brincava com uma borboleta.


Aquela borboleta...foi ela. Antes não
pude sentir, a falta de minhas memórias
deve ter feito com que não fosse capaz
de sentir energia mágica. Mas dessa
vez, pude sentir na borboleta. Ela era
venenosa. Eu conhecia aquela magia. E
pareceu que ela também percebera
minha presença, pois no mesmo
momento, tentou picar Nany. Foi quase
imperceptível, mas eu vi.

Então foi assim. Nany adoecera


por causa da picada daquela borboleta.
Quem a enviara?

Juntei minhas mãos como se fosse


rezar, e fechei meus olhos. Quando os
abri, tudo estáva parado. Eu estáva
94
muito, muito rápido.

Avancei em direcção à borboleta


com a mão esticada e a envolvi em
meus dedos. A esmaguei. Pude sentir
uma onda de choque emanar dela por
conta da energia mágica que ela
possuía.

Nany estáva salva. Nany não


morreria. Mudaria isso algo significante
no futuro?

-O que foi que fizeste? - Minha


mãe carregava Nany ao colo. Não
notara minha velocidade.

-Tinha um insecto aqui! Podia


picá-la.

-Hmm. - Ela baloiçava Nany de


um lado para o outro para que ela
calasse, pois o que eu fizera a assustara.

-Vou ter com Marchel, até logo! -


Falei já correndo para que ela não me
95
mandasse a ajudar com as flores.

Eu estava desnorteado, assustado.


O plano não incluía salvar Nany nem
Marchel, mas eu o faria. Não podia
deixar os que amo morrerem. Então
lembrei...fora isso que me levou a
apagar minhas memórias. Mas mesmo
sabendo disso, eu não poderia assistir
eles morrerem.

Ao chegar a casa de Marchel, senti


a mesma energia que emanara da
borboleta. Alguém tinha enviado algo
ou alguém para matar Marchel. Mas
não seria naquele momento, seria de
madrugada, porque ainda naquela
noite, eu conversaria com Marchel. A
não ser que a coisa também notasse
minha presença e acelerasse o processo.

Meus pensamentos foram


quebrados quando ouvi gritos saírem de
dentro da casa.

96
Ao adentrar a casa, pude ver
caos...mobília e sangue espalhados por
todo lado. Mãe de Marchel jazia no
chão sem um de seus braços, e seu filho
não estava na casa. Segui o rastro de
magia que a coisa deixara, o que me
levou ao meio da floresta.

Era impossível não reconhecer


aquela figura, rosto pálido e magro,
barba mal feita e olhos azuis profundos.
Era meu pai.

-Vieste salvar o teu amigo é? -


Disse ele olhando para mim enquanto
Marchel estava deitado no chão ao lado
dele.

-Ele não tem nada a ver com isso e


tu sabes muito bem! - Gritei. Estávamos
há alguns metros distantes um do outro.

-Aa não? - Soou irónico. - Não tens


falado muito com ele lá no futuro não?

97
-O que queres dizer com isso? -
Perguntei confuso. - Marchel ficou no
futuro para nos proteger de qualquer
mudança, e avisaria caso as coisas
tomassem um rumo indesejado.

-Sim, sim! - Meu pai sorria. - Por


isso mesmo que o ia matar. Mas
adivinha quem está aí?

-Marchel? - Eu finalmente
começava a perceber o que se passava.
Era Marchel quem estava alí, não o
menino, mas o Marchel adulto que
estava no seu corpo do passado. O que
significava que algo no futuro tinha
mudado.

-Mataste-nos a todos! - Disse


Marchel sem forças no chão. Meu pai já
o tinha espancado bastante.

-Marchel não! Meu pai? Meu pai


matou a todos? - Perguntei desesperado.

98
Não queria acreditar no óbvio.

-TU!

Mudei o futuro.

-Como assim? - Perguntei.

-Nan...! - Marchel ia falar algo


quando Nolan cortou sua garganta de
repente.

-NAAAAÃO! - Gritei.

-Olha filho! - Disse ele limpando


sua faca com um pano que tirara de um
dos bolsos de sua capa. - Já não preciso
fazer nada aqui. Vocês magos são tão
estúpidos que cavaram sua própria
cova.

Nolan começou a arder em


chamas, era na verdade teletransporte.
Ele voltaria ao futuro, mas algo queria
fazer antes disso. E eu não fazia ideia

99
do que era.

Tudo estava perdido.

Caí de joelhos, não sabia o que


fazer. Nem para onde ir. Mas a vontade
de seguir Nolan me dera ideias.

No futuro, Noren fora a solução de


todos nossos problemas. Se eu fosse ele,
seria ela quem eu mataria. Mesmo eu já
tendo mudado as coisas. Noren estáva
em perigo.

Corria como nunca para Sallut.


Mas algo me preocupava, eu não sentia
energia mágica de nada nem ninguém.
Sentia um vazio. Ou estariam todos
camuflados, ou mortos.

Mas, o que ter salvado Nany teria


a ver com a mudança? Nany não era

100
importante, não nesse sentido.

Não havia nevoeiro nenhum, era


possível ver a casa Sallut a partir da
escola. A barreira tinha sido quebrada, e
a casa estava em chamas. Juntei minhas
mãos, e fechei meus olhos, tudo parou.
Tinha que ser rápido. A cada passo que
dava, meu coração tremia, podia já ser
tarde demais.

Ao chegar a casa, não encontrei


ninguém. Era só fogo por todo lado.
Nem Noren nem nossa famílias
estavam lá. Mas o pior, fora a faca de
Nolan no chão manchada de sangue,
indicadora de que ele tinha estado ali.
Temi.

Não sabia o que fazer, nem para


onde ir. Não conseguia sentir nenhuma
magia, nem de Noren, nem de
ninguém. Será que o simples facto de
101
ter salvado Nany causara isso tudo?
Pensei.

Nany.

Depois de ter esmagado a


borboleta que a mataria, fui directo ter
com Marchel, e acabei seguindo Nolan
até a floresta, e depois vim parar aqui.
Nany...eu devia voltar.

Não tinha tempo a perder. Juntei


minhas mão e pus-me a correr. Se eu
pudesse me ver do ponto de vista de
quem não estava usando minha magia
da velocidade, diria que viajava a
velocidade da luz. Tudo à minha volta
estáva completamente estático, parado.

Ao chegar em minha casa, vi


minha mãe sentada no sofá desmaiada.
Não parecia ferida. Por mais que Nolan
tivesse mudado, nunca seria capaz de
magoar nem a ela nem a Nany. Eu por
outro lado, já tive muitas desavenças
102
com ele no futuro, ele seria capaz de me
matar sem hesitar.

Revirei a casa toda, mas nem sinal


de Nany. E não conseguia sentir
nenhum pingo de magia se quer. Estaria
eu enfeitiçado? Pensei. Foi então que
lembrei de algo: A Cegueira. Um feitiço
que tornava o alvo cego para a magia,
não conseguia sentir nada. Era outra
forma de camuflagem... camuflagem
reversa.

Depois de muito pensar, sentei-me


no meio da sala. Tinha que tentar
executar o feitiço de quebra. Se eu
estivesse enfeitiçado, voltaria a sentir
magia. Se não, pelo menos teria
tentado.

Entrelaçei meus dedos com minhas


palmas viradas para cima e fechei meus
olhos.

"Anth-ah-ech-meh Ihdt-ah-ech-
103
teh" - Pronunciei. Tudo a minha volta
começara a flutuar. Móveis e utencílios
domésticos pairavam no ar. Fui
envolvido por uma aura dourada que
depois de alguns segundos se expandiu
numa onda de choque, arremessando
tudo para longe.

Eu estava certo. Estáva bloqueado.


Finalmente podia sentir magia, mas
havia muito mais do que eu esperava
sentir.

Noren. Conseguia sentir sua


energia. Sem hesitar, segui seu rastro.

Enquanto corria, mas desta vez


sem usar minha velocidade, pois estava
fraco, pensava em como as coisas
tinham tomado um rumo muito
diferente do que estava planejado. Por
minha causa. E eu não sabia o desfecho
dessa variante da história.

104
Meus olhos arregalaram-se quando
notei para onde o rastro me tinha
guiado. A grande caverna, onde tinha
recuperado minhas memórias. Podia
sentir não só a energia de Noren, mas
também de Nolan, e uma nova.
Estávam três pessoas dentro dela.
Estiquei minha mão, e as portas
abriram-se, revelando em seu interior
tenebrosa vista.

Nolan estava de pé, de frente para


a entrada, onde eu me encontrava.
Noren e Nany estavam ao lado dele,
uma de cada lado para ser mais preciso.
Atadas a dois cristais.

-És persistente amigo! - Disse


Nolan antes mesmo das portas
terminarem de abrir. - Devo confessar.
Estou impressionado. Não desistes
nunca.

105
Como assim Nany? Nany tinha
energia mágica? Como? Eu conseguia
sentir. O que ele queria com ela?

Não queria dialogar, estava sem


forças. Queria resgatar Noren e Nany, e
me livrar de meu pai de uma vez por
todas.

Respirei bem fundo e juntei


minhas mãos.

-De novo esse truque? - Nolan


sorriu. Ignorei e fechei meus olhos.

Abri, e mesmo que não tivesse


nada em movimento ao meu redor
como indicador que eu estava usando a
magia da velocidade, eu sabia que
estáva muito rápido.

Comecei a correr em direcção a


Nolan, preparando um potente soco
para sua desprezível cara, a fim de
quebrar todos os seus malditos dentes e

106
esmagar seu crânio. Quando de repente,
ele se desviou. Como?

Senti seu punho afundar em meu


abdomem. Seus olhos brilhavam. Eu
reconhecia aquilo, era magia da
velocidade. De alguma forma ele
aprendera a usar.

Me vi de repente no chão me
contorcendo de dor enquanto ele me
olhava sorridente.

-O que achas? - Disse ele. - Incrível


não?

-MERDAAA! - Gritei. Aquele


parasita não desgrudava de mim.

-Magos de merda! - Disse meu pai


com ódio na voz. - Pela vossa própria
espada morrerão. MISERÁVEEIIS! -
Ele corria em minha direcção.
Correntes de aço saiam de suas mangas.

"Esqueça ele...Esqueça. A
107
prioridade aqui é Noren e Nany. Tenho
que as resgatar.", dizia para comigo
mesmo.

Usar a magia da velocidade seria


inútil. E ele ceramente venceria numa
luta corpo a corpo, pois eu estáva no
meu corpo de criança. O factor sorte
que me ajudara da outra vez não estava
mais presente.

Bati com a palma da mão no chão


antes que ele me atingisse com suas
correntes. Chamas tomaram conta do
meu corpo me consumindo. Mas não
sentia dor, pois eram apenas chamas de
teletransporte.

Minha visão de Nolan e dos


cristais fora substituída por folhas e
árvores. Tinha me teletransportado para
fora da caverna. Noren e Nany estavam
comigo.

-Com que então consegues fazer


108
isso! - Disse ele de longe, ainda dentro
da caverna, a porta se tinha mantido
aberta desde o momento que eu
adentrara. Eram poucos os magos que
conseguiam teletransportar outras
pessoas à distância, e eu era um desses
poucos.

-No..no...lan! - Eu estava fraco.


Usara muita magia, e o golpe de Nolan
não tinha sido um tapinha nas costas. -
Vai se FODER! - Terminei minha fala
esticando minha mão em direção à
caverna. Pretendia criar uma bareira de
nevoeiro que o deixasse em loop sempre
que ele tentasse sair da caverna, tal
como acontecera comigo na Sallut, a
casa abandonada. E dessa vez, ele não
conseguiria quebrar.

Acumulei toda energia que me


restava num só feitiço. Tinha que me
livrar dele de uma vez por todas.

109
-O que vais fazer? Ham? - Ele
zombava de mim. - Estás muito fraco
para conjurar qualquer coisa que seja.
Desiste!

Ele mal perdia por esperar.

Um nevoeiro extremamente denso


começou a se formar bem devagar ao
meu redor, apesar da minha mão estar
conjurando o nevoeiro, ele não saída
directamente dela, aparecia do nada. Eu
mantinha minha mão esticada na
direcção de Nolan, que ainda estava
dentro da caverna. Ele estava confiante
demais e não se movia.

Minha própria visão começou a


falhar, a cacimba tinha se tornado tão
forte que mal conseguia ver minha
própria mão. Tudo estava branco. Alvo
como a neve. Mas mesmo assim não
parei. Queria certificar-me de que
aquele parasita de merda nunca mais

110
sairia daquele buraco. NUNCA MAIS.
Nolan apodreceria dentro daquela
caverna. Depois daquele feito, eu não
conseguiria me mexer, pois teria
gastado muita energia, então tinha que
me certificar que faria um bom
trabalho.

Mesmo depois de tudo estar


coberdo de nevoeiro extremamente
denso, não parei. Continuei conjurando
o loop temporal até perder
forças...desmaiei.

Abri meus olhos. Estava deitado


no chão. Sentia em minhas costas o que
pareciam ser galhos e folhas. Minha
visão tardou a adaptar-se ao ambiente,
mas quando o fez, pude notar que

111
estava numa gruta, reconhecia aquela
gruta. Era onde eu e Noren nos
tínhamos abrigado da outra vez,
quando meu pai tentara me matar antes
de eu recuperar minhas memórias.

-Ele acordou! - Ouvi a doce voz de


Noren soar perto de mim.

-Nolan? - Perguntei resgatando


minha última visão, Nolan dentro da
caverna.

-Ele... - Noren parecia triste. -


Desapareceu. - Seu semblante me
preocupava.

-Finalmente! - Suspirei aliviado.


Me sentia satisfeito. Nolan nunca mais
nos perturbaria. - E porquê não estámos
na Sallut? - Perguntei confuso. Se Nolan
já não era mais motivo de preocupação,
então poderíamos ter ido para Sallut em
paz, e continuar com o plano mestre.

112
-É que...! - Disse Noren quebrando
todo meu alívio.

-É que?! - Perguntei assustado.

-Bom...Sallut está...! - Noren


hesitava. - Terás que ver com os teus
próprios olhos.

Tentei levantar-me, mas ainda


estava muito fraco. Estaria Sallut
destruída? E se estivesse? Porquê?

-Leva-me até lá. - Falei


desesperado enquanto falhava na tarefa
de tentar me levantar.

Olhei em volta, Nany estava


sentada numa pedra olhando para nós,
calada.

-Nany! - Sorri. Ela estava bem.


Viva.

-Vem! - Disse Noren me ajudando

113
a levantar.

Percebi que as duas estavam


estranhas, principalmente Nany. Calada
e com medo estampado em seu rosto.
Era suposto eu a abraçar por vê-la viva
em bem, e queria, mas não o fiz.

Num processo muito moroso,


Noren levou-me a Sallut. Caminhava
apoiado em seus ombros e Nany vinha
atrás de nós.

Welfwood estava difente. Ao


passarmos do local onde a escola
deveria estar, vi somente um edifício
ainda em construção, tinha quase a
mesma arquitectura da escola, mas não
era, pelo menos, não parecia ser.

-O que aconteceu com a esc...! - Ia


perguntar sobre a escola quando minha
visão interrompeu minha fala. Vi Sallut,
ao longe, estava linda. A casa outrora
abandonada, suja e velha, estava agora
114
espantosamente adornada, rosa com
partes brancas, uma pintura linda, já
não era cinza e descascada.

Antes que nos pudéssemos


aproximar mais, vi sairem da casa
crianças correndo. Não pude acreditar
no que vi, Sallut estava habitada, e o
pior era que eu reconhecia uma
daquelas crianças.

Olhei para Noren, e sem nem


precisar falar, ela entendeu meu pedido.
Levou-me até minha casa.

Nunca sentira tamanho pavor em


toda minha vida. Comecei a entrar em
pánico quando de longe vi Marchel e eu
brincando no jardim de casa, muito
mais novos.

-Não sei o que fizeste mas, toda


Welfwood voltou no tempo! - Disse
Noren. Parecia triste, não assustada.

115
-Então aquela menina na
Sallut...?! - Perguntei ao lembrar-me que
uma das crianças que saira da Sallut
correndo era negrinha, com cabelos
cacheados e olhos verdes.

-Sim, era eu! - Respondeu Noren.

A escola ainda estava em


construção, Sallut estáva habitada, e
nós tinhamos avistado nós mesmos em
versões mais novas. Welfwood tinha
realmente voltado no tempo.

-Como isso aconteceu? - Perguntei.


Voltaramos para a gruta, pois não
tinhamos literalmente nenhum lugar
para onde ir.

-Diz-me tu! - Noren parecia


chateada.

-Só me lembro de ter conjurado um


nevoeiro para manter Nolan preso na
caverna. - Falei.

116
-Quando acordei, estavas
desmaiado e havia nevoeiro por todo
lado, não só a volta da caverna. Tu
causaste isso tudo. - Noren dizia
visivelmente zangada.

-Desculpa!

-Desculpa? O que vamos fazer


agora? - Noren começava a lacrimejar. -
Desculpa não vai resolver nada. Não
vai mudar o futuro, desculpa não vai
trazer minha família de volta, que
morreu duas vezes sem podermos fazer
nada. Vi todoss eles serem torrados
vivos nas chamas de Nolan até já não
sobrarem cinzas. Estivemos a brincar! -
Noren já chorava. - Viemos do futuro
para salvar a todos e impedir que
Neron... - Calou-se ao pronunciar
aquele nome, que tinha um tremendo
significado para nós.

-Mas...que culpa tenho Noren?

117
Tudo que eu fiz foi para nos...! - Ela
interrompeu-me.

-Estragaste tudo quando a salvaste,


porquê tinhas que salvar Nany? - Seria
mesmo Noren tirando aquelas palavras?
A Noren que conhecera nunca diria tais
coisas, considerei então a possibilidade
do susto do momento lhe ter subido a
cabeça.

Nany olhava para nós sem falar


nada.

Fitei um olhar em Noren como


quem dizia "Falaste isso na frente
dela?". Noren saiu da gruta a passos
largos. Meus olhos brilharam numa luz
dourada, folhas ao meu redor
começaram a se juntar e formar uma
bengala, tornando-se de seguida em
cristal cor de mel. Apoiando-me na
bengala, devagar a segui, deixando
Nany sentada na gruta com o olhar

118
distante.

-Noren! - Pronunciei seu lindo


nome enquanto me aproximava dela
por trás.

-Desculpa, não queria dizer


aquilo. - Disse ela.

-Eu sei. - Toquei em seu ombro. -


Olha, eu não sei como viemos aqui para
mas...prometo que vamos sair dessa,
vamos salvar sua família e nosso... -
Um ligeiro pensamento me invadiu a
mente interrompendo meu discurso. -
Como viemos cá parar!

-Ham? - Noren.

-Noren, Welfwood não voltou no


tempo? - Hipóteses já começavam a se
formar na minha mente. - Nós é que
voltamos ao passado. O nevoeiro, era
até então usado por nós somente para
criar um pequeno loop temporal que

119
mantinha a pessoa presa se o tentasse
atravessar.

-E? - Noren parecia desligada da


ideia ainda.

-E, talvez a quantidade de energia


mágica que usei ao conjurar aquele
nevoeiro tenha sido demais, que acabou
fazendo com que ao em vez de criar um
pequeno loop para Nolan, nos levasse
para muito, muito, muito atrás no
tempo, e não só alguns segundos. Eu
acho que a quantidade de energia
mágica usada num loop influencia em
quanto tempo no passado voltámos.

-Faz sentido! - Ela não parecia


espantada.

-A única forma conhecida de viajar


no tempo até agora era através da
consciência. Talvez tenhamos
descoberto outra. E assim, podemos
transportar no tempo muitas pessoas de
120
uma vez, mesmo quem não consegue
tranferir a consciência.

-E consegues voltar ao futuro? -


Noren estava a ficar rabugenta, e isso
começava a irritar-me. Mas continuei
minha tese mesmo assim.

-Talvez se tranferirmos nossa


consciência para o passado, poderemos
usar os corpos das nossas versões
criancinhas, porque nós já estamos no
passado, os nossos "eus" do passado
estão aqui, então estaríamos
simplesmente a trocar de corpos. -
Parecia algo brilhante.

-E isso vai ajudar em quê? - Noren


me olhava nos olhos, ela estava realente
zangada comigo.

-Sei-la! Tirar iforma...! - Ela


abandonara minha presença enquanto
eu ainda falava, e adentrara a gruta.

121
Permaneci mais alguns minutos do
lado de fora, não queria deixá-la
desconfortável.

Eu não sabia como isso ajudaria,


mas eu o faria. No entanto, havia um
pequeno problema. Meu corpo, digo, o
corpo do futuro, de onde veio minha
consciência, está no futuro, vazio,
"hibernando", até eu voltar. Mas este
corpo de 15 anos, tem a consciaência do
seu tempo, que eu estou oprimindo. Se
eu o abandonar, o menino eu de 15
anos vai voltar ao controle e isso não
será bom.

A noite caíra. Noren e Nany


dormiam. Sentia imensa fome. As duas
não tinham reclamado ainda mas eu
tinha a certeza que também sentiam.
Pretexto perfeito para controlar o meu
"eu" mais novo, roubar comida.

122
Saí da gruta silenciosamente e em
uma árvora no meio da floresta,
imobilzei meu corpo para que o "eu"
dono do corpo não saísse por aí. Fechei
meu olhos...

O tecto do meu quarto, lindo,


minha caminha aconchegante e casa
quentinha. Eu estava no meu corpo
mais novo. Sabia que devia levantar-
me, ir a cozinha e roubar alguma coisa
para Nany e Noren mas estava tão bom
reviver aquele momento, literalmente.
No entanto, vi-me obrigado a sair
quando ouvi passos na casa. Não era
comum de meu pai e minha mãe
passearem pela casa à noite naquele
tempo.

Ao descer, vi meu pai, Nolan, abrir


a porta e sair. Naquele momento,
queria tanto poder chamá-lo e abraçá-
lo, pois ainda não tinha se tornado vil
como viria a ser. Ainda era ele, meu
123
pai. Se bem me lembrava, fora por esse
tempo que ele desaparecera. O segui,
indo parar no meio da floresta em plena
noite.

O seguia lentamente, pretendendo


ver onde ele ia a alta hora. Talvez, se
encontrar com uma outra mulher,
confesso que desconfiei, mas não
mudaria nada, eu acho.

Meus passos cessaram quando ele


parou. Não havia nada nem ninguém
ali. A luz da lua era a única coisa que
iluminava o lugar.

-Acha mesmo que pode se livrar de


mim tão fácil filho? - Nunca frase
alguma me deixara mais tenso que
aquela. - Somos pai e filho, nossa
ligação nunca será quebrada.

Permaneci escondido atrás da


árvore em que estava, não sabia ao

124
certo se falava comigo ou não.

-Não precisa se esconder, vim aqui


exatamente por você! - Disse ele. -
Você, Noren e Nany. Que engraçado,
Nany ainda nem nasceu nessa época,
mas ironicamnete está aqui, posso lhe
chamar de filha. Mas sua mãe já está
grávida - Sorriu.

Já não havia dúvida, ele falava


comigo.

-Como tu...?! - Eu me revelava em


meio a luz da lua, emergindo dentre a
escuridão da mata.

-Achou mesmo que deixar-me


preso num loop resolveria seus
problemas? - Nolan dizia, e não Nolan
do passado, o do futuro. - Eu nunca
conseguiria quebrar aquela coisa, eu
não sei o que você fez, nem que merda
era aquela, mai foi muito forte miúdo.

125
Queria que eu estivesse errado,
mas...O dia em que meu pai
desaparecera, deu-se assim, aquele era o
momento em que Nolan começara a
usar o seu corpo do passado. Fora tudo
por minha causa. Fora nesse dia que
meu pai desaparecera. Como não
conseguia quebrar a barreira, voltou ao
passado para usar o seu corpo dessa
época. Embora eu não fizesse ideia de
como ele soube que estávamos
exatamente nesse tempo, devo
consefessar que ele fora bem esperto.
Tudo que eu mais queria era me livrar
daquele verme de merda.

-Olha filho! - Ele falava sério dessa


vez. - Não te vou magoar agora porque
estás nesse corpinho de bebé. Mas
escuta! - Ele falava ainda me dando
costas, não chegara a se virar quando
parara. - Eu devo, eu tenho que, eu
preciso matar Noren, antes que seja

126
tarde demais.

-Noren? Isso tudo é sobre Noren? -


Perguntei.

-Você não entende agora, e nem


vai, bom...talvez um dia. - Pela firmeza
com a qual ele pronunciava aquelas
palavras, ele sabia bem do que estava a
falar. - E eu vou matar qualquer um que
se meter no meu caminho, até mesmo
você, então não tente me impedir, não
tente protegê-la. Filho!

Nolan continuou a andar, se


embrenhando na floresta e
desaparecerendo na escuridão que a luz
da lua não conseguia iluminar.

"Preciso matar Noren"...minha


mente tentava procurar um significado
para aquela fala, mas nada encontrava.
127
Noren? Porquê?

NoreN

-Onde estiveste? - Perguntou Noren


me vendo chegar na entrada da caverna
a passos lentos. Deixara o meu corpo de
rapzinho na cama, onde o encontrara, e
voltara ao corpo de 15 anos.

-Preciso te contar algo! - Pretendia


contar-lhe que meu pai pretendia matá-
la...

-Eu também! - Disse ela num tom


assustador, me petrificando por dentro.

Será que ela já sabia?

128
De repente, o ar atrás de Noren
começou a tomar forma e cores, eu
reconhecia bem aquilo. Era Nolan
saindo do seu estado de camuflagem.

-Naaaaão! - Gritei.

Nolan segurou Noren pelo


pescoço, por trás, e em uma de suas
mãos, segurava uma lâmina verde
brilhante em forma de lua, feita de aço e
esmeralda.

Podia jurar que naquele momento,


tudo ficaram em câmera lenta. As
folhas das árvores se estagnaram no ar,
o canto dos pássaros cessou. Minha
magia da velocidade.

Seus lindos olhos verdes me


encaravam, mas dessa vez, sem seu
brilho. Seu macio cabelo preto
compartilhava o mesmo chão que as
folhas secas das árvores. Sangue no
rosto de Nolan, mas não era dele. A
129
cabeça de Noren rolara chão abaixo.
Seu corpo decapitado permanecia em
pé diante de Nolan, que olhava pra
mim isento de sentimentos.

-NAAAAAÃO!! - Gritei correndo


em sua direção.

Nolan ardeu em chamas e


desapareceu, me deixando prostrado
aos pés de Noren e de sua cabeça.

Nunca antes tinha eu me


debulhado em lágrimas como naquele
dia. De tudo que falei para o seu
cadáver enquanto chorava, "Desculpa",
fora a unica palavra que me lembro de
ter proferido, enquanto segurava sua
cabeça e beijava seus lábios frios. Noren
estáva morta. E magia nenhuma a
podia trazer de volta. Ela estava morta.
Morta!

130
131
Abri meus olhos, estava deitada
numa cama, de barriga para cima. Eu
reconhecia aquela casa, aquele quarto.
E era como se despertasse de um longo
sono, e um terrível sonho. Lembrava-
me dele olhando para alguém atrás de
mim. E depois disso, pude sentir uma
lâmina atravessando minha garganta.
Mas eu sabia bem que não tinha sido
um sonho.

No fim, a ideia de trocar de corpo


com os nossos passados tinha servido
para alguma coisa, se eu não tivesse
tranferido minha consciência para o
meu corpo de menininha, estaria morta.

Levantei-me e fui correndo para a


132
caverna onde estávamos. Muito
provavelmente ele estaria lutando
contra Nolan, vingando minha morte.

Corria como nunca, mesmo com


meus pezinhos de criança.

Ao chegar, meu coração


tremeu...vi de longe minha cabeça
jogada no chão, e meu corpo deitado ao
lado dela. Mas isso não era o pior.
Nolan e ele estavam abraçados, como se
estivessem se consolando. Teria tudo
isso sido de propósito? Estariam eles
trabalhando juntos?

Primeiro, ele deixara minha


família morrer nas mãos do maldito pai,
depois, salvara a sua família em vez da
minha, e para terminar, me deixara
morrer nas mão do pai. Finalmente
começava a ligar os pontos, e tudo fazia
sentido. Já estavam claras quais eram as
suas intenções desde o início.

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Mas eu não deixaria nada barato.
Ele pagaria, pagaria por tudo, ele e
todos os seus, todos os que ele ama e
todos os que o amam pagariam.

Uma névoa extremamente densa


invadiu o ar. Eu a invocara. Voltaria ao
passado, para qualquer momento em
que ele estivesse dormindo, qualquer
momento em que ele estivesse
vulnerável e o mataria sem hesitar, pois
todo amor que antes sentia,
tranformara-se em puro ódio.

Pude ver suas cabeças se


remexendo ao perceberem a névoa, até
que me avistaram. Mas já era tarde. A
névoa já estava tão densa que seria
impossível ver até a palma da minha
mão se esticasse o braço para frente

Fechei meus olhos, e ao abrir...

Pude ver um homem trajado em


vestes muito, muito antigas, como se
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estivesse preparado para uma peça
teatral. Eu estava muito...muito, mutio
longe. Voltara muito mais que alguns
minutos, muito mais que alguns dias,
muito mais que alguns meses, muito
mais que algumas décadas, mutio mais
que alguns séculos...Eu estáva mílenios
no passado.

-Heck ce bera!?- Pareceu-me uma


pergunta. Mas eu não entendia uma só
palavra do que ele dizia. Conjurei
imediatamente o feitiço de tradução.

-Como te chamas criança? - Dessa


vez pude percebê-lo! - Estás perdida?

Acenei com a cabeça.

-Que roupas estranhas são essas? -


Ele olhava pra mim como se eu fosse de
outro planeta. - Chamo-me Malcus.
Sabe onde estão seus pais?

-Não! - Respondi!

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-Vem comigo! - Disse ele
estendendo a mão.

Hesitei, até que...veio à minha


mente...Malcus...o nome do homem a
quem devemos muito do que se sabe
sobre "A Pedra", seria ele o homem da
lenda? Estendi minha mão, e fui com
ele. Se eu estiver nas origens da história
de Welfwood...Terei muito mais do que
simples vingança.

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