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Eu demorei muito para conseguir pegar no sono aquela noite.

Fiquei três horas em estado de múmia deitada na cama. Virei para todos os lados, deitei em
todas as posições, estalei os dedos e até contei carneirinhos. Mas mesmo assim, permanecia
acordada.

Quando consegui dormir, de verdade, o despertador tocou.

Eu havia descansado um total de duas horas. E daquela vez, eu nem tinha madrugada
assistindo quadrinhos.

Levantei da cama e cumpri minhas obrigações no modo automático. Por algum milagre ou falha
na lei de Murphy, consegui sair de casa um pouco antes do horário habitual. O que me permitiu
passar na lanchonete que ficava perto da minha casa, aquela onde Clementine trabalhava, e
tomar um café da manhã decente.

Depois de pagar e sair, pus me a caminhar em direção ao colégio. Em 15 minutos eu já havia


chegado.

Assim que entrei, contemplei o mesmo cenário de todas as manhãs: Os corredores lotados de
alunos conversando.

Respirei fundo, aquilo estava começando a me cansar. Balancei a cabeça e fui em direção ao
banheiro.

Fui ao banheiro, escovei os dentes de maneira rápida e me direcionei para a sala.

Escolhi uma carteira da frente, me sentando nela logo em seguida.

Diferentemente dos outros dias, além dos fones apanhei também um dos livros que seria usado
em aula. Coloquei uma música aleatória e abri o livro em uma página escolhida pela dona
sorte.

Desde a minha chegada, pouquíssimos minutos havuam se passado, porém a sala já


começara a ser preenchida pela presença nada silenciosa e animadora dos alunos. Estranhei
aquelas faces tão desanimadas, até ver a professora de sociologia vindo logo atrás.

Realmente, não era atoa o desânimo dos meus colegas de sala. Nada contra a professora Lise,
mas as aulas dela eram muito entediantes.

Se eu não tivesse tanto medo de manchar meu currículo escolar intocado, era bem capaz de
acabar dormindo na aula dela. Eu não tinha tido uma boa noite de sono e, além do mais, suas
aulas eram um verdadeiro sonífero ambulante de cinquenta minutos que demoravam horrores
para passar.

Os alunos foram se sentando e a professora arrumou seu o material na mesa.

Professora: Bom dia alunos. - Cumprimentou nos.

Bom dia. - Poucos alunos responderam sem olharem para a professora.

Professora: Quanta animação para alunos que vão passar a aula inteira assistindo filme. - Essa
sua fala conseguiu atrair a atenção dos alunos.

-Sério prof? - Charlotte perguntou. - Nós vamos poder escolher o filme? - Perguntou
esperançosa.

Professora: Não dessa vez, Charlotte. - Respondeu, desanimando não somente ela quanto os
demais alunos. - Não façam essas carinhas de cachorros que caíram da mudança. Eu escolhi
um filme muito interessante. Vocês vão gostar.

Depois de arrumarem a tela de vídeos, a professora exibiu a capa do filme que veríamos e
voltou sua atenção à nós.

-Sobre o que é esse filme, prof? - Um aluno questionou.

Professora: Dorinha, obrigada por perguntar. - Sorriu genuinamente. - E então, pessoal? Sobre
o que vocês acham que esse filme retrata? Analisem a capa e me digam as opiniões de vocês.

Era uma imagem interessante. A capa era formada por um homem. Provavelmente o
protagonista. Seu rosto, apesar de negro, era iluminado por três cores diferentes. Uma era azul
e as outras duas pareciam dois tons distintos de violeta.

O titulo estava logo abaixo da ilustração: Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016).

Eu não tinha absoluta certeza, mas me parecia um típico filme que possuía como tema a
periferia e as dificuldades enfrentadas pela pessoas, em especial, a porcentagem negra,
habitantes dessas comunidades.

Eu estava com uma vontade tão grande de dizer o meu palpite sobre. Entretanto, me senti
totalmente ofuscada e intimidada por Charlotte, que levantou a mão antes que eu pudesse
sequer pensar ou criar o mínimo de coragem para fazer o mesmo.

Abaixei minha cabeça, meio triste e com raiva. A frequência com que aquilo me acontecia era
extremamente estressante.
Eu nem percebi o nível de minha irritação, só me dei conta disso quando quebrei o lápis que
estava em minha mão.

Charlotte: Esse filme fala sobre as dificuldades enfrentadas por quem vive em comunidades
periféricas, com destaque para a população negra? - A última linha saiu de forma hesitante.

Entendo aquela sua mudança de postura ao dizer a última frase. Charlotte era uma menina
branca, magra, loira, e, assim como a maioria dos alunos daquele colégio, provinha de, no
mínimo, uma família classe média. Eu tinha 90% de certeza que ela morava em um
condomínio.

Portanto, não era como se a mesma tivesse muita bagagem ou experiência pra falar sobre o
assunto.

A professora sorriu. Aparentemente orgulhosa de sua aluna por sua coragem em falar algo
que, muitos ali com certeza haviam entendido, mas fingido que não.

Professora: É quase isso, Lotte. - Disse. Trocando a imagem da capa por a de um texto curto.
A sinopse.

O filme retrata momentos da vida de um garoto negro que mora na periferia de Miami.
Ele sofre bullying na sua infância, passa por conflitos internos na adolescência e precisa
lidar com a tentação do mundo das drogas e do crime.

Após ler a sinopse, senti ainda mais raiva de mim por, estar certa em parte dela mas ter
permanecido calada.

Olhei para meus colegas e todos apresentavam cara de paisagem.

Eu, por outro lado, me incomodei um pouco por ser a única daquele ambiente que não
podia fingir total desapego ao assunto. Sendo a única aluna negra daquela sala, a
escolha daquele filme me incomodou de forma mais direta.

Não lhe digo que todos os meus colegas eram brancos. Mas negra, de verdade, eu era a
única.

Eu me sentia deslocada no meio daquelas pessoas. A unidade sem importância alguma.

A menina muito magra, muito alta, estranha e sozinha. O patinho feio daquele lugar.
Além de ser obrigada a fingir que nenhum desses fatos me atingia.

Era uma espécie de sensação que me fazia sentir que eu não pertencia aquele lugar e ao
mesmo tempo a lugar nenhum. Que nada se encaixava ou havia sido feito pensando em
mim ou pessoas como eu. É o que sinto. Claro que não o tempo todo, se não já teria
enlouquecido.

Totalmente absorta em meus pensamentos, só percebi que estavam todos me olhando


quando a voz da professora Dora soou pela sala. Me despertando.

Professora: Você tá bem, Mia? - Perguntou com uma expressão confusa e preocupada.

Am? Ah. Eu tô bem sim. Não se preocupe.

Professora: Tem certeza? É que estamos te chamando há algum tempo, mas você
parecia totalmente aérea.

Depois daquelas palavras, olhei para os alunos ao redor. A maioria deles prestava
atenção em mim.

Todos me encarando com seus olhos coloridos e cabelos lisos.

Clementine, que eu só havia percebido que estava numa carteira do meu lado quando
notei a mesma me olhando, perguntou sem emitir som algum se eu estava bem.

Morgan, estava ao lado de Thiago. Ambos também me olhavam.

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