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A LITERATURA NA EDUCAÇÃO

Caminhos e percursos da literatura


no contexto escolar

Rodrigo Mutuca
O discurso alegórico
A última sílaba ainda soava quando Rosa finalmente
começou a compreender. Ela chegara ali, àquele rincão
isolado de tudo e de todos, por indicação de um amigo
muito sábio, Joaquim – ou Quim, como ela gostava de
chamá-lo. Rosa adorava conversar com esse amigo, vivia
lhe fazendo um sem número de perguntas, que Joaquim
tentava responder com muito gosto, e investia muito
tempo procurando respostas às perguntas que ela lhe
fazia. Ela sentia ter aprendido muito nos últimos meses.
- Mas, afinal, qual seria o sentido da vida, Quim?
Certamente ele já havia se indagado a respeito dessa
questão. E Joaquim, sabido como era, deveria ter uma
resposta muito valiosa, pensara a jovem Rosa.
Foi quando ele a instruiu a procurar no canto mais
silencioso do bosque a resposta. Lá, ela ouviria, sem
nenhuma interrupção, o precioso canto das cigarras.
Lá, ela procuraria cigarras moribundas e ouviria
atentamente seu canto. Ali estaria a resposta.
Rosa obedeceu às instruções de seu professor sem
questionar e ao bosque se dirigiu. A umidade, o frio, a
fome, nada disso a incomodou. Provavelmente deixou
de estudar para alguma prova, mas ela não se
importou. Lá estava ela no bosque, ouvindo o sábio
canto das cigarras moribundas. Canto misterioso,
indecifrável... Ficou minutos, horas talvez ouvindo
aquele barulhinho tranquilo e apaziguador, mas sem
entender exatamente o que deveria ser
compreendido.
Até que findada a última sílaba, do último canto, da última cigarra, Rosa entendeu! Mais
do que isso, ela compreendeu o que estava acontecendo. Finalmente poderia voltar para
casa – era melhor apressar o passo, pois estava quase escurecendo e ela precisava revisar
algumas matérias antes de dormir.
O que Rosa terá aprendido?
Quantas histórias há por trás dessa narrativa?
Quantas histórias há por trás dessa narrativa?
Quantas histórias há por trás dessa narrativa?
Quantas histórias há por trás dessa narrativa?

Ainda que morrendo


o canto das cigarras
nada revela.
Matsuo Bashō
(tradução de Olga Savary)
Quantas histórias há por trás dessa narrativa?
Quantas histórias há por trás dessa narrativa?
Quantas histórias há por trás dessa narrativa?
Quantas histórias há por trás dessa narrativa?
Quantas histórias há por trás dessa narrativa?
Quantas histórias há por trás dessa narrativa?
Quantas histórias há por trás dessa narrativa?
Como as narrativas nos marcam?
Rodrigo Russo
Muito provavelmente, como a maioria dos professores de português, o
primeiro contato com a literatura acaba sendo na escola, por meio de outros
professores de português [...]
As primeiras não tinham me atraído tanto, talvez por a história não ter me
cativado, algo como Amor de Perdição, Moreninha [...] mas a professora
então sugeriu a leitura de O Primo Basílio. E eu me encantei pela história,
pela forma como Eça de Queiroz descreve os personagens e apresenta toda
aquela situação de vingança, de chantagem, de mudança de poderes ali em
relação à empregada e sua patroa. [...]
Durante a leitura, eu me identificava muito com o que na época eram as
novelas, que era basicamente a diversão do momento, numa época em que
não havia tantas opções de séries seriados, Netflix e afins. [...]
Sandra Mancini
Preciso mencionar que guardo em minha memória o momento mágico e
significativo de decifrar as letras e sílabas que formam as palavras, recordo
com alegria o tão sonhado momento em que “aprendi” ler! Fui uma leitora
voraz, muitos clássicos para crianças e gibis fizeram parte da minha infância.
Em minha adolescência passei horas seguidas entre os clássicos da literatura
brasileira na biblioteca municipal de Santo André e também na biblioteca do
Sesi, as bibliotecas têm uma atmosfera especial para mim.
Foi em uma dessas visitas que me deparei pela primeira vez com a obra de
Jane Austin, escritora inglesa do século XIX. Orgulho e Preconceito é sem
dúvida uma leitura obrigatória para os amantes da literatura. Uma obra
questionadora atemporal e irônica sobre a convivência social, amor,
casamento, preconceito social e principalmente a posição limitada das
mulheres na sociedade da época. Todos esses temas são tratados de forma
envolvente e cativante onde o leitor se sente prisioneiro a cada capítulo [...]
Débora Mariano
Venho de uma família muito simples em que tive dois
tios que “conseguiram” se formar na faculdade.

Minha tia Rosa, hoje aposentada, era professora de


Geografia e História. Ama ler e passou isso para os
sobrinhos já que não teve filhos. Ela, todas as noites, lia um
trecho de uma história e deixava um gostinho de quero
mais para o outro dia. E assim foi até eu começar a ser
alfabetizada.
Ela me ajudou muito com minhas lições e quando me
viu apta me presenteou com este livrinho:
Débora Mariano
Minha tia me fazia ler pra ela e minha irmã um trecho
a cada noite. Pensa na felicidade da pessoa que leu seu
primeiro livro e descobriu a maravilha de outros mundos,
neste caso os de Conto de Fadas.

Dali para frente foi livro atrás de livro. E, como


educadora, [...]

***
E meu falecido tio João, que era da área de Educação
Artística, com quem aprendi a fazer meu famoso ratinho
no formato de feijão que fez parte de toda a minha vida
como professora, pois criei diversas histórias em que ele
era personagem.
Evando Virgulino
O cortiço, de Aluísio Azevedo, obra pertencente
ao Naturalismo. Período em que o homem era visto
como produto do meio social em que vivia. O
contexto histórico da época (Darwinismo,
Determinismo...) nos faz refletir e ter uma visão
crítica sobre nossa sociedade.

[...] me chama atenção por ser mostrar


realmente personagens dentro dessa visão
naturalista; por ter passagens cômicas que me
fazem lembrar o bairro que eu moro; mostra
também preconceitos raciais daquela época.
Evando Virgulino
O cortiço, de Aluísio Azevedo, obra pertencente
ao Naturalismo. Período em que o homem era visto
como produto do meio social em que vivia. O
contexto histórico da época (Darwinismo,
Determinismo...) nos faz refletir e ter uma visão
crítica sobre nossa sociedade.

[...] me chama atenção por ser mostrar


realmente personagens dentro dessa visão
naturalista; por ter passagens cômicas que me
fazem lembrar o bairro que eu moro; mostra
também preconceitos raciais daquela época.
Rosamin
Marcou-me o Vidas Secas, pela representação de um tipo de dor e de uma
linguagem que me pareceram ao mesmo tempo tão alheias a mim e tão
significativas para o desenvolvimento de uma empatia social e humana.
Marcou-me o Grande sertão: veredas porque sua construção e sua
musicalidade me fazem ecoar uma espécie de alegria-encantamento.
Marcaram-me dois livros de Ted Chiang, o Expiração e o História da sua vida
e outros contos, porque me fizeram ver que é possível escrever sobre
universos estranhos e, simultaneamente, tratar de questões reais e
profundas. Marcou-me a série napolitana de Elena Ferrante, cujas
personagens femininas estiveram tão próximas de mim, apesar de distantes.
As marcas que vão em mim são muitas e não apenas causadas por obras
literárias. [...]
Rosamin
Para mim os livros são fontes de vida. Neles encontro beleza, encontro dor
- às vezes o horror, como em Atos humanos, de Han Kang -, encontro amor,
me questiono, reflito sobre o mundo, sobre a existência, sobre a sociedade,
sobre o que é ser humano. Às vezes encontro inspiração para a minha
própria escrita. E às vezes paraliso quando me deparo com realidades que
colocam em cheque a nossa humanidade.
Quais as lições pedagógicas por trás dessa
narrativa?
O discurso alegórico
A última sílaba ainda soava quando Rosa finalmente
começou a compreender. Ela chegara ali, àquele rincão
isolado de tudo e de todos, por indicação de um amigo
muito sábio, Joaquim – ou Quim, como ela gostava de
chamá-lo. Rosa adorava conversar com esse amigo, vivia
lhe fazendo um sem número de perguntas, que Joaquim
tentava responder com muito gosto, e investia muito
tempo procurando respostas às perguntas que ela lhe
fazia. Ela sentia ter aprendido muito nos últimos meses.
- Mas, afinal, qual seria o sentido da vida, Quim?
Certamente ele já havia se indagado a respeito dessa
questão. E Joaquim, sabido como era, deveria ter uma
resposta muito valiosa, pensara a jovem Rosa.
Foi quando ele a instruiu a procurar no canto mais
silencioso do bosque a resposta. Lá, ela ouviria, sem
nenhuma interrupção, o precioso canto das cigarras.
Lá, ela procuraria cigarras moribundas e ouviria
atentamente seu canto. Ali estaria a resposta.
Rosa obedeceu às instruções de seu professor sem
questionar e ao bosque se dirigiu. A umidade, o frio, a
fome, nada disso a incomodou. Provavelmente deixou
de estudar para alguma prova, mas ela não se
importou. Lá estava ela no bosque, ouvindo o sábio
canto das cigarras moribundas. Canto misterioso,
indecifrável... Ficou minutos, horas talvez ouvindo
aquele barulhinho tranquilo e apaziguador, mas sem
entender exatamente o que deveria ser
compreendido.
Até que findada a última sílaba, do último canto, da última cigarra, Rosa entendeu! Mais
do que isso, ela compreendeu o que estava acontecendo. Finalmente poderia voltar para
casa – era melhor apressar o passo, pois estava quase escurecendo e ela precisava revisar
algumas matérias antes de dormir.
O que há por trás desta conversa?
- Desenvolvimento da linguagem e habilidades de leitura ;

- Expansão do conhecimento e da compreensão;

- Desenvolvimento da empatia e compreensão humana;

- Estímulo à criatividade e imaginação.


- Desenvolvimento da linguagem e habilidades de leitura - e escrita;

- Expansão do conhecimento e da compreensão;

- Desenvolvimento da empatia e compreensão humana;

- Estímulo à criatividade e imaginação.


- Desenvolvimento da linguagem e habilidades de leitura - e escrita;

- Expansão do conhecimento e da compreensão - mas também de ignorâncias e


equívocos;

- Desenvolvimento da empatia e compreensão humana;

- Estímulo à criatividade e imaginação.


- Desenvolvimento da linguagem e habilidades de leitura - e escrita;

- Expansão do conhecimento e da compreensão - mas também de ignorâncias e


equívocos;

- Desenvolvimento da empatia e compreensão humana - mas também de


preconceitos;

- Estímulo à criatividade e imaginação.


- Desenvolvimento da linguagem e habilidades de leitura - e escrita;

- Expansão do conhecimento e da compreensão - mas também de ignorâncias e


equívocos;

- Desenvolvimento da empatia e compreensão humana - mas também de


preconceitos;

- Estímulo à criatividade e imaginação - e também ao conhecimento de modelos


textuais.
O que Rosa terá aprendido?
O que Rosa terá aprendido?
- Valorização da curiosidade;

- Incentivo ao esforço / à dedicação;

- Técnicas de aprendizagem (metacognição);

- As relações metonímicas do conhecimento;

- O potencial da amizade para o desenvolvimento individual;

- A apreciação do polissêmico canto silencioso;

- [...]
O que nós
temos
aprendido?
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A LITERATURA NA EDUCAÇÃO
Caminhos e percursos da literatura
no contexto escolar

Rodrigo Mutuca

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