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Narração

Márcia Fernandes

Professora licenciada em Letras


Narração ou texto narrativo é o relato feito por alguém de algo, de uma
sequência de acontecimentos. Essa sucessão de acontecimentos é chamada de
enredo, e considera um período de tempo e de espaço (quando e onde
acontece).

Quem assume o papel de narrar, contar ou relatar algo é chamado de narrador.


O narrador relata os acontecimentos vividos pelos personagens.

Tipos de narrativa
Dentre os tipos de narrativa, citamos:

 Conto: narrativa curta que gira em torno de um acontecimento real ou fictício.


 Crônica: narrativa informal que tem como tema o cotidiano.
 Fábula: narrativa que transmite mensagem de cunho moral.
 Novela: narrativa longa que se desenvolve em torno de um personagem
principal.
 Romance: narrativa longa que envolve várias tramas.

Leia Novelas de Cavalaria.

Estrutura da narrativa
A narração segue a seguinte estrutura:

 Apresentação: é parte introdutória, em que as principais características do


contexto são apresentadas, tais como as personagens, o lugar e o período de
tempo.
 Desenvolvimento: é a parte que apresenta a sucessão de acontecimentos.
 Clímax: é a parte mais emocionante em virtude de ser o momento em que
algo é revelado.
 Desfecho: é parte conclusiva, a partir de quando são tomados os rumos finais
da narração.

Elementos da narrativa
Narrador

Há três tipos de narrador. É esse elemento que determina o foco narrativo, ou


seja, a perspectiva da história.

1. Narrador Personagem: ele faz parte da história contada. Nesse caso, a


narração é feita na 1ª pessoa do singular (eu) ou do plural (nós).
2. Narrador Observador: ele não faz parte da história, apenas a observa. A
narração é feita na 3ª pessoa do singular (ele) ou do plural (eles).
3. Narrador Onisciente: ele conhece todos os detalhes da narração: o presente, o
passado e o futuro da história, além do que os personagens e os seus
pensamentos. Na maior parte das vezes a narração é feita na 3ª pessoa, por
vezes, na 1ª.

Personagens
Conforme a sua importância, os personagens são classificados em principais e
secundários.

Os principais são chamados de protagonistas, enquanto os secundários são


coadjuvantes.

Exemplos de narração
Narrador personagem:

"No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num
sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para
meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu
voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve
a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando,
que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí:
guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam
mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei
pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria
era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com
um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não
estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais
tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com
meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido,
enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a
adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas,
adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja
precisando danadamente que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes
ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de
manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a
olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e
silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a
aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a
nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco
elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar
entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com
enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem
quis ler!"

(Trecho do conto Felicidade clandestina, de Clarice Lispector)

Narrador observador:

"A cachorra baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pelo caíra-lhe em
vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras
supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação
dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.

Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e
amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas
baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no
mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas murchas,
agitando a cauda pelada e curta, grossa na base, cheia de roscas, semelhante a
uma cauda de cascavel.

Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a,


limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não
sofrer muito.

Sinhá Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que


adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta:

— Vão bulir com a Baleia?


Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho, os modos de Fabiano afligiam-nos,
davam-lhes a suspeita de que Baleia corria perigo.

Ela era uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se
diferençavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo,
ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras."

(Trecho do conto Baleia, de Graciliano Ramos)

Narrador Onisciente

"No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E
isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num
destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O
homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram
filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma
doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também
sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes
invisíveis, que viviam como quem trabalha — com persistência, continuidade,
alegria. O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu
alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundira com
felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de
adulto. Assim ela o quisera e o escolhera.

Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a


casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família
distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se
apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que
sentisse ternura pelo seu espanto — ela o abafava com a mesma habilidade que
as lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar
objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando
voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim
chegaria a noite, com sua tranqüila vibração. De manhã acordaria aureolada
pelos calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos,
como se voltassem arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente
parte das raízes negras e suaves do mundo. E alimentava anonimamente a vida.
Estava bom assim. Assim ela o quisera e escolhera."

(Trecho do conto Amor, de Clarice Lispector)

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