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LENA VALENTI

AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Lena Valenti
Amos e Masmorras - Parte VI

O que seria capaz de entregar para recuperar a seu coração perdido?

PROJETO REVISORAS TRADUÇÃO

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LENA VALENTI
AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

CAPÍTULO 1

Bayou Goula

Seguindo a estrada da Louisiana que bordeava o rio em White Castle,


estava Bayou Goula, como um lugar espectral e perdido no mundo.
Era uma das menores igrejas que se conhecia. Era de madeira branca e
rodeada por casas antigas e vizinhas, um cemitério e várias plantações de
açúcar.
O telefone de Sophie estava desligado, assim Nick não pôde localizá-la
através do aplicativo do iPhone. Entretanto, anos atrás quando entrou no FBI e
se tornou amigo dos engenheiros de segurança de sistemas, conseguiu algo que
de algum modo assegurasse que Sophie estivesse protegida; algo que caso
desaparecesse, facilitasse a busca por ela.
Até então, não tinha precisado disso.
Era um adesivo minúsculo e transparente que se aderia a qualquer objeto.
Dispunha de um circuito localizador que dava um sinal ao celular, uma vez que
descarregado o correspondente aplicativo.
Na atualidade, era comercializado com o nome de Stick n´Go. Embora
nenhum fosse de tão longo alcance como o que o FBI tinha fornecido.
Graças a isso, Nick estava justo diante do edifício de que saía o sinal. Ela
não sabia, mas o adesivo estava colado permanentemente no interior da aliança
de Sophia. Ela ou seu anel estavam ali.
Por que?
Nick deu uma olhada à área do interior de seu carro. Naqueles primeiros
dias de setembro ainda fazia calor. De madrugada uma névoa diluída se
hospedava sobre os arbustos, o qual dava um aspecto gótico e fantasmagórico à
igreja abandonada.
Nick ligou para Cleo imediatamente. Não gostava de forma alguma
daquilo.

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— Ouça, Connelly.
— Nick? Sabe de algo?
— Preciso de reforços em White Castle. Estou em frente à igreja
abandonada de Bayou Goula.
— Como? O que faz aí? Encontrou-a? Encontrou Sophie?
— Sophia tinha um localizador na aliança. Continua usando-a, embora
tenhamos nos separado. — acrescentou um pouco confuso. — O sinal sai do
interior do edifício.
— Acha que está lá dentro?
Nick fixou seus olhos dourados na porta da pequena capela.
— Ou ela está ou o anel. E as duas possibilidades são igualmente
estranhas.
— Agora mesmo vamos aí. Avisarei Magnus e…
— Não, Cleo. Não quero nem a imprensa nem a polícia aqui.
Os Ciceroni odiavam escândalos. Queriam conduzir aquele assunto com
discrição, como ele. Sophie era a mãe de sua filha, Cindy, e a mulher pela qual
esteve perdidamente apaixonado. Não permitiria que tivesse que suportar
escândalo algum, nem que o que lhe aconteceu fosse exposto pelos telejornais.
— Mas, Nick… a denúncia está na delegacia de polícia… e é sua
jurisdição.
— Não me importa. Preciso de você ou de Lion. Ligue para sua irmã e para
o russo. Venham até aqui. Não sei que merda há lá dentro. A única coisa que sei
é que Sophia esteve lá. E talvez continue estando, e não por vontade própria.
— Entendido, Nick. Não faça nada sem nós, tudo bem? Vamos para lá.
— Espero vocês.
Mas não tinha nenhuma intenção de esperar ninguém.
Sophie podia estar lá dentro, droga. Nick já presenciara cenas muito
violentas para que sua mente pensasse que não aconteceria nada de ruim e que
ela estaria bem.
Sua ex-mulher não combinava nem um pouco com esse lugar perdido da
mão de Deus.
Sem perder de vista a porta branca de Bayou Goula, imaginando que
qualquer desorientação poderia acabar sendo fatal, colocou a mão sob o assento

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de couro preto do piloto e abriu um compartimento privado. Tirou sua HSK


prateada e com cabo preto. Carregou-a entre suas pernas.
Devia manter seus pensamentos no limite; do contrário o desespero faria
com que se distraísse, com que cometesse um erro. E qualquer erro poderia
seria fatal.
Meio agachado, acelerou o passo, tentando manter-se a uma altura abaixo
da janela para que não o descobrissem.
Apoiou as costas na parede ao lado da porta. Tinham forçado a fechadura.
Estendeu a mão e agarrou o trinco. Assim que o movesse, quem quer que fosse
que estivesse do outro lado veria que o descobriram. Ajustou a pontaria
vermelha de sua arma com silenciador.
Teria poucas oportunidades. Não havia margem de erro algum.
De repente uma imagem cruzou sua mente. Uma lembrança do que
Sophie e ele foram juntos. De suas brincadeiras e de sua cumplicidade. Como
quando brincavam de assustar um ao outro e se escondiam pela casa. Não a de
seus pais, mas a que consideravam que era deles, a de Washington. Dalton os
perseguia com curiosidade e expressão alegre. Sophie se escondia entre os
quartos e o jardim, e ele tinha que encontrá-la. E Nick sabia o quanto ficava
nervosa quando a espreitavam, tanto que até mordia essas unhas perfeitas que
sempre usava. Depois quando se encontravam, Dalton ladrava como um louco e
os dois riam, gargalhando um com o outro, entre beijos e abraços.
Nick sacudiu a cabeça e engoliu em seco: ele sentia falta disso. Mas desta
vez o jogo era muito diferente.
Pra começar, aquilo não tinha nada de lúdico, nada a ver com aqueles
joguinhos de apaixonados.
Seja o que for que tivesse acontecido a Sophia, encontraria a resposta,
embora fosse naquele lugar sagrado. Isso se tivessem machucado sua ex-
mulher… e esse Deus todo-poderoso ao que tinham consagraram aquele lugar
contemplou a cena sem fazer nada… então… não consideraria as razões.

***

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Sophie sentia uma dor surda no braço direito, assim como em parte do
ombro e das costas. Como se fosse uma lembrança formigante de uma
queimadura.
Mergulhada nas brumas de uma inconsciência parcial, tentava abrir os
olhos, mas as pálpebras pesavam muito.
Sentia a boca seca, tão, mas tão seca que tinha a sensação de que sua
língua era uma esponja usada. Diante dela, no que parecia um banco de
madeira escuro e velho como os muitos que havia, repousavam toalhinhas
brancas manchadas de sangue. De quem era esse sangue? Onde estava?
A única coisa que recordava era que logo ao sair do aeroporto da
Louisiana, sentiu uma agulhada no pescoço. Depois disso, a mais impenetrável
escuridão deixou lugar ao esquecimento.
Um som metálico, aborrecido e incessante, obstruiu seus ouvidos, como
se estivesse metido na sua cabeça e ricocheteasse de uma parede côncava e seca
a outra.
— Esse ruído… — murmurou com dificuldade, apoiando a cabeça de novo
sobre a superfície de madeira em que estava recostada e de barriga para baixo.
Chão. Chão de lâminas de madeira antiga, empoeirada e desgastada. — Faça
parar…
Mas o ruído não cessou.
Nem tampouco desapareceu a tontura e a lassidão de seu corpo. Nem
sequer tinha forças para mover os braços. Onde os tinha? Por que não os
sentia?
— Por favor… Há alguém aí? Me ajudem. — pediu quase sem forças —
Tenho uma filha…
Mas ninguém respondeu.
Não queria acreditar nisso. Não queria pensar de novo naquilo. Mas a
situação se parecia muito a quando a sequestraram nas Ilhas Virgens, quando
durante horas a prenderam contra sua vontade…
Seria tão desgraçada de viver o mesmo uma segunda vez?
E Nick? Ele se perguntaria onde estava quando já não soubesse nada
dela? Não, não é verdade? Porque já não a queria. Fazia duas semanas que não
ligava para ele. E ele tampouco entrou em contato com ela.

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Tinha explicado a ele o que acontecia com ela, o medo que sentia, a
sensação de que a estavam vigiando… mas ele riu dela. Não acreditou. Em meio
àquele limbo, tentou recordar a última vez que conversaram.
— Sim? — Nick sempre respondia igual. E isso porque sabia perfeitamente
quem estava do outro lado da linha.
— Olá, Nick.
— Ah, é você.
Um longo silêncio.
— Claro que sou eu. Sempre sou eu.
— Ah, sim? Não esteja tão segura, princesa.
Gostava de provocá-la e fazê-la acreditar que podia estar com outra
pessoa.
— Não estou.
— Como está minha filha?
— Dormiu faz um tempo. Não solta seu urso panda de pelúcia. Que você
deu de presente, lembra? Disse que o comprou no Japão. Mas suponho que era
mentira, porque nunca foi agente comercial, não foi? — disse, afetada.
— Agora não tenho tempo para falar, Sophia.
— Tem pesadelos? — perguntou de repente — Suponho que você não tem,
não é? Você estava acostumado a essas coisas… É agente do FBI.
— Princesa… ninguém está preparado para esse tipo de coisas, por mais
insígnias que tenha.
— Já não gosto de como me chama “princesa”, como se fosse algo
repulsivo e odioso para você.
— E o que esperava?
— Não sei… — respondeu ela, abatida. — Não sei, Nicholas. Pensei que
entrar no torneio ajudaria que voltasse a confiar em mim. Queria te demonstrar
que podia entrar em seu mundo e que queria…
— Ah, claro… Pode entrar em minha ficha de trabalho e eliminar a
denúncia de maus tratos? — espetou com aversão.
— Retirei-a, Nick. — respondeu ela, chorosa.
— E daí? Já não importa. A mancha está lá. Nunca se apagará.
— Nick, por favor, se tão somente me desse uma oportunidade de…

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— De que? Você me deu uma para me explicar? Privou-me da minha filha


durante seis meses. Seis! — gritou zangado — Perdi seus primeiros passos… e
como seus dentes cresciam. Perdi muito por sua estupidez.
— Não fui estúpida. Só estava assustada. — replicou ela mantendo a
calma. — Nick, você tampouco foi sincero comigo… Passamos sete anos casados
e durante todo esse tempo fingiu ser um maldito comerciante. No torneio me
sequestraram, bateram em mim, vi como degolavam Thelma e como a
espancavam… Me meti em uma boa confusão para te recuperar… e é assim
como reconhece meu esforço?
Ele ficou em silêncio durante uns instantes.
— Foi muito corajosa. — reconheceu a contragosto. — Mas muito tola e
inconsequente. Não volte a fazer isso.
— Voltaria a fazer.
— Típico de você. Não escuta. Enfim, Sophia… por que ligou? O que quer?
Ela não sabia por onde começar.
— Eu… Não sei a quem pedir ajuda.
— O que há? Precisa de algo? Dinheiro para Cindy?
— Fala sério? — perguntou ofendida. Nem ela nem sua filha precisavam
de dinheiro. Devolvera a ele cada dólar que o advogado de seu pai exigiu e que
ele depositava em sua conta como pensão alimentícia. — Nunca te pedi nada,
nem para mim nem para minha filha. Não seja ridículo.
— Ah, sim. A menina rica da Louisiana, esqueci. — replicou ele com
sarcasmo.
— Ganhei cada centavo que tenho agora. Sabe? Não gosto de como fala
comigo. Está sendo desagradável.
— Aceite. Você também foi bastante desagradável quando foi à polícia
dizendo que eu tinha tentado estuprá-la e que bati em você.
— Deus… sinto muito. Quantas vezes tenho que te pedir perdão?
— Quantas vezes? — Sorriu — Enfim, o que a princesinha quer? Ligou-me
para alguma coisa, suponho. — disse impaciente.
Sophia soltou o ar como se estivesse angustiada.
— Não posso dormir bem. Estou assustada. Recebo chamadas estranhas e
tenho a sensação de que me perseguem.

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Nick apertou os dentes com raiva. Estava claro que sofria estresse pós-
traumático.
— É normal, Sophia. Com o tempo esses sintomas passarão…
— Não, Nick! Não são sintomas. Não é minha imaginação. Falo sério.
Ele balançou a cabeça. Acontecia isso com muitas vítimas, principalmente
depois de experimentar algo realmente difícil de assimilar. Sentiam-se
inseguras, assediadas, perseguidas… entravam em uma pequena psicose.
— Me escute bem: a ansiedade passará. Vá ao médico da família e peça
uma receita de comprimidos.
— Odeio comprimidos. Eu… olha, ficaria melhor se viesse e ficasse aqui
conosco. Com você me sinto a salvo.
— Como diz? Agora se sente a salvo? De verdade?
— Não digo isso para te pressionar, nem é uma artimanha para que me
perdoe nem nada disso… mas estou muito assustada, Nick. Pode pegar um
avião e passar uns dias na Louisiana? Estou pedindo, por favor.
Sophia não tinha nem ideia de que ele estava lá para ajudar Leslie e
Markus. E melhor que não soubesse, senão ele não teria desculpa alguma para
se negar. Seus sogros ligaram para ele uma infinidade de vezes para desculpar-
se pela maneira de como o trataram depois da denúncia, mas ele nunca atendeu
seus telefonemas.
Não queria ter nada a ver com eles, com ninguém da família Ciceroni.
Embora não fosse culpado de nada, sentia vergonha de falar com eles de novo.
Depois de tudo o que aconteceu, não queria voltar a relacionar-se com eles nem
com ninguém que pudesse olhá-lo com compaixão ou arrependimento.
— Não posso, Sophia. Sinto muito. Estou de viagem. — mentiu. Nesse
preciso momento estava na Louisiana, em Tchoupitoulas Street, tentando
reconhecer um rosto mediante seu programa de identificação facial.
— Nick, suplico… Sabe que não te pediria nada se não fosse porque de
verdade acredito que algo não vai bem.
— Retornarei dentro de uma semana. — disse acelerando o processo de
identificação. — Passarei para vê-las então.
— Não pode vir antes?

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— Sophia, droga! — gritou, nervoso — Estou trabalhando! Compreende?!


Que você me peça coisas é inapropriado! Concedi o divórcio a você! Tome algo e
me deixe em paz! — acrescentou.
— Tudo bem. — respondeu ela no meio de um soluço.
Aquela era sua última lembrança amarga e desanimadora antes que seus
olhos se fechassem de novo.
Não sabia com quem estava nem quem a prendia. Mas fechou os olhos
com a convicção de que Nick não a recordaria com amor, com carinho. E isso
doía mais que todas as desgraças juntas, porque ela, embora tivesse errado
muito, não tinha deixado de amá-lo com loucura.

***

Três, dois, um… Nick tomou ar pelo nariz e abriu a porta da igreja com
um chute que quase a fez saltar pelos ares. Melhor entrar como um furacão que
arriscar-se a fazê-lo com cautela.
Com braços firmes e tensos, levantou a pistola e moveu a pontaria laser
pela nave central e pelo corredor de bancos até centrá-la no altar. Um som
parecido ao de um mosquito elétrico cessou de repente.
Nick entrecerrou os olhos e caminhou para a origem do som.
Em frente tinha o presbitério, o aparador, o púlpito branco e empoeirado,
a pia batismal e o santuário, escurecido e decomposto pelo passar do tempo.
Algo se movia atrás do altar e Nick estava decidido a averiguar o que era.
Com os dentes apertados e a mandíbula tensa, dirigiu o ponto de luz vermelho
para as cadeiras empoeiradas que formava a diocese. Havia uma bolsa de couro
preta aberta sobre a que estava no meio. Dela saía um cabo preto que
desaparecia atrás do altar.
— Estou avisando, filho da puta. Se a que estiver aí é minha esposa, vou
esquartejá-lo. — grunhiu Nick, fora de si. Que Sophie estivesse ali não seria um
bom sinal. — Saia e deixe o que estiver fazendo. Saia, maldito! — rugiu.
Então o altar caiu adiante. Um homem de cabelo negro e liso de olhos
negros puxados e uma máscara branca que cobria seu nariz e boca, apareceu

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agachado atrás dele e correu para o lado esquerdo para desaparecer pela porta
da sacristia.
Nick não pensou duas vezes e disparou. Não sabia se o tinha acertado,
mas foi atrás dele.
A igreja tinha uma saída nos fundos que levava até um campo mau
cuidado de arbustos e mato que rodeavam tumbas de pedra escurecidas e
cruzes, algumas torcidas e movidas pelos fortes temporais da Louisiana.
Esse indivíduo era rápido como uma gazela. Nick correu tanto que os
músculos das pernas ardiam, mas nem mesmo assim pôde alcançá-lo. Perdeu
sua pista rapidamente. Entretanto, ao abaixar o olhar, vislumbrou pequenos
círculos vermelhos: sangue.
Tinha-o acertado. Tinha que estar ferido gravemente.
Ouviu o som das rodas de um carro deslizar pelo pavimento: o captor de
Sophie escapou de suas mãos.
— Maldito canalha, bastardo… — murmurou observando o horizonte com
desespero.
Zangado consigo mesmo por ter bebido e estar mais lento, ligou para Cleo
imediatamente.
— Por onde vem?
— Nick! Estamos contornando a estrada do rio! Falta pouco para chegar!
— disse Cleo, angustiada.
— Tenham os olhos bem abertos. Um homem de cabelo comprido e negro,
olhos asiáticos, vestido com camiseta branca de manga curta acaba de fugir com
seu carro.
— Que carro?
— Não vi.
—De onde?
— Da porra da igreja, Cleo.
— Para onde ia?
— Não faço ideia. Não pude vê-lo. Custou-me seguir seu ritmo. Mas o
acertei. — Fixou a atenção no sangue do chão.
— Então a encontrou? — perguntou Lion Romano pelo bluetooth. —
Sophie está bem?

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— Não sei. Estejam atentos. Vou até ela. — Cortou a comunicação.


Virou-se e voltou para a capela para encontrar Sophie.
Quando entrou de novo pela sacristia e dirigiu seu olhar dourado para o
chão velho, seus olhos se abriram como pratos e se deteve em seco. A alma dele
congelou; temeu ficar assim para sempre.
Sophie estava ali.
Nua, exceto por uma calcinha preta. Estava de barriga para baixo com
parte da omoplata, do ombro e do braço direito manchado de sangue. Era um
sangue que saía das feridas produzidas por uma pistola de tatuar.
O chão cinzento tinha pintinhas vermelhas a seu redor como as que deixa
um grafiteiro ao pintar com spray na parede. Mas este era o sangue que
salpicava das feridas provocadas pela agulha sobre o corpo de sua ex-mulher.
Arrastou os pés como um zumbi. A primeira coisa que fez foi retirar seu
longo cabelo que cobria seu rosto. Ela tinha os olhos fechados; duas linhas
azuis de cansaço os rodeavam.
— Soph? — A voz dele tremeu. — Está me ouvindo?
Sobre um estojo de tecido preto completamente aberto, havia duas
injeções vazias de GHB, uma espécie de sonífero líquido. Grandes quantidades
poderiam provocar coma profundo. Tomou o pulso dela e respirou tranquilo ao
comprovar que seu coração bombeava com normalidade.
Centenas de ataduras brancas e algodões tingidos de sangue salpicavam a
superfície, dispersos em qualquer parte. A pistola de tatuar e as tintas pareciam
estar localizadas estrategicamente. Nick pegou uma gaze limpa do pacote que
estava aberto na maleta em cima da cadeira. Limpou o sangue que não deixava
ver a enorme tatuagem que lhe fizeram e que cobriria parte do braço e do ombro
de Sophie, rodeando-o como uma ombreira.
Era um dragão.
Um dragão verde que nascia desde sua omoplata, onde descansavam três
caveiras rodeadas de flores de cerejeira. As garras traseiras do dragão caíam
sobre seu ombro direito e seu corpo aparecia reclinando-se na parte dianteira
deste, até rodear como uma serpente parte do bíceps de Sophie.
Nick não gostava nada do que estava vendo. Não conseguia compreender.
Por que Sophie?

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Com o coração na garganta, virou-a para ver o rosto do dragão que


marcava seu corpo. Os seios pálidos de Sophie balançaram levemente de um
lado a outro quando a apoiou sobre seu torso e a segurou como Maria envolveu
Jesus depois de sua morte. Tendo em conta onde se encontravam, era uma
imagem que tinha seu ponto de sarcasmo.
Nick limpou seu braço do líquido escarlate. Empalideceu ao ver o rosto da
cabeça do dragão. Não era o de um dragão. Era um dragão com corpo de mulher
na parte superior, conhecida como Kiyo Hime na cultura japonesa. Simbolizava
as paixões, o ciúme, o despeito e o lado obscuro feminino, que faziam com que
se transformasse em um ser monstruoso. A lenda dizia que se apaixonou por
um monge budista e que este rechaçou seu amor. Kiyo enlouqueceu e sua fúria
a transformou em dragão. Nick conhecia muito bem o significado das tatuagens
da cultura oriental. Era um perito nisso, assim como em seu idioma, mas essa
tatuagem, em especial, não era muito comum.
Abraçou Sophie com força contra seu peito e procurou sua roupa.
Esperava que não a tivessem violentado, que não a tivessem tocado. Mas até que
a levasse ao hospital não poderiam ter saber com certeza se esse bastardo tinha
abusado dela.
— Não posso te levar ao hospital. As pessoas não podem saber… —
pensou em voz alta, balançando-a como um louco, dando o calor e a
compreensão que não deu a ela quando lhe contou o que acontecia. — Sou um
imbecil. — reprovou-se.
Acabavam de marcar Sophia com um desenho que ela odiaria pela vida
toda. Embora isso não importava. A única coisa que importava é que ela estava
viva.
A luz dos faróis de dois carros entraram através do espaço onde antes
estava o vidro e o cegaram parcialmente.
A cavalaria tinha chegado.
Nick carregou Sophie, sem se importar em ser manchado de sangue e
procurou não mostrá-la muito, para preservar sua nudez parcial.
Lion e Markus, seguidos de Leslie e Cleo que vigiavam o perímetro,
entraram na igreja.

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Markus enrugou as sobrancelhas. Lion se fixou no corpo seminu que seu


amigo carregava.
— Porra — murmurou Romano, balançando a cabeça —, me diga que está
viva, Nick.
— Está viva… — respondeu passando no meio deles —, preciso que
recolham todas as provas. Quero saber exatamente quem era esse cara e de
onde conseguiu toda esta merda. Há sangue no campo de arbustos atrás da
igreja pelo caminho do cemitério. — indicou — Peguem e enviem para analisá-lo
o quanto antes possível. Conhecem alguém que faça os testes sem relatório
pericial?
— Eu sim. — respondeu Lion, que se dirigiu em seguida para procurar as
provas de sangue. — Talvez consiga isso em quarenta e oito horas.
— Isso seria maravilhoso. — murmurou Nick — Tempo recorde. Temos
pressa.
Markus o deteve e estudou as tatuagens no corpo de Sophia.
— Nicholas — seus olhos, que eram uma estranha mistura de rubi e
ametista, estreitaram-se, conhecedor do que significava aquele desenho —, no
que Sophie esteve metida?
— Sophie? Em Amos e Masmorras. — esclareceu Nick — Uma fachada
perfeita para máfias, um disfarce para corruptos e o vício perfeito para um
grupo nada desdenhável de sádicos tarados. Isto é uma puta merda.
— Pois, para ser sincero com você, só há uma máfia que o russo teme
mais que as bratvas. — Markus estalou a língua e seguiu o contorno do dragão
do braço da mulher. — A máfia japonesa.
— Acredite em mim. Eu também a temo. — respondeu Nick caminhando
com pressa até o Evoque. — Ela não é consciente do que fez quando foi jogar no
torneio, nem de que isso mudou sua vida para sempre.
Cleo e Leslie ficaram imóveis ao ver Nick saindo da capela branca como
um anjo loiro e vingador, com sua ex-mulher seminua nos braços.
— Sophie! — gritou Cleo aturdida e foi correndo para ajudá-lo.
— Nala, me ajude. — pediu Nick, nervoso.
Leslie se fixou no rosto de Nick e soube que seu amigo se encarregaria de
tudo a partir desse momento.

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Estava com muita raiva.


— Precisa de algo? — perguntou Leslie.
— Preciso que procurem rastros e se apoderem de tudo o que há lá dentro.
São os instrumentos desse filho da grande puta. — grunhiu, abrindo a porta do
passageiro de seu carro. — Me ajudem a encontrá-lo, Les.
Ela assentiu, solene. Cleo e Leslie olharam uma à outra enquanto
acomodavam Sophie e a cobriam com uma manta térmica prateada que Nick
carregava no porta-malas para casos de emergências.
Os olhos cinzas e brilhantes de Leslie se fixaram no desenho e balançou a
cabeça, um pouco confusa.
— Temos que ir ao Japão, Nick?
Ele tinha pressa para levá-la à sua nova casa, ligar para seus pais para
que seu médico particular a examinasse com total discrição.
Teria que ver de novo Carlo e Maria… droga.
Antes de se sentar no interior de seu carro, respondeu para Leslie com voz
áspera:
— Não precisa. Desgraçadamente, o Japão veio até nós.

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CAPÍTULO 2

Conduziu o Evoque tentando se manter sereno, sem deixar de prestar


atenção a Sophie, que de vez em quando fazia esforços para despertar. Abria os
olhos e o olhava de frente. Então parecia relaxar, como se com ele se sentisse
segura.
Nick lembrava dela das vezes que o olhava assim, quando estando juntos,
saíram para viajar em seu antigo SUV. Sophie dormia e quando despertava,
assombrada por ter se desligado, olhava-o, sorria para ele e voltava a fechar os
olhos como se com isso lhe dissesse: “Se continua aí, então posso continuar
dormindo”.
Agarrou o volante com força, impotente ao ver o que fizeram com ela. Sua
linda esposa parecia diminuta no assento do passageiro. Tinha os pés descalços
e sujos, os joelhos manchados e o rosto sujo dos pingos de suas próprias
lágrimas, dos respingos de seu sangue e da poeira daquela maldita igreja.
Não era casualidade. Ligou para ele para dizer que tinha medo, que se
sentia indefesa… e poucos dias depois a sequestraram… Tudo estava
relacionado.
Nick torceu o pescoço para um lado e o fez estalar: um gesto para se
acalmar antes de explodir. Não se considerava alguém violento, vingativo… até
tocarem algo com o qual se importava. E embora sua relação com Sophie decaiu
muito nos últimos meses, até o ponto de não querer saber nada dela, sentia-se
furioso pelo que fizeram com ela.
Era melhor aquele misterioso tatuador esconder-se bem, porque moveria
céus e terras para encontrá-lo.
O rosto de Kiya Hime na parte da frente do braço de Sophie, a mulher
dragão, sorria para ele, gabando-se de sua miséria.
Quando despertasse, sua ex-mulher ia querer amputar o braço. A ferida
continuava supurando, mas não tanto como antes. Além disso, o sequestrador
encarregou-se de limpá-la com cuidado para que a tatuagem não se apagasse
nem se estragasse com a sujeira, a inflamação e uma mais que possível infecção

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cutânea. Esteve horas com ela até acabá-la. Um dia tatuando-a. Para que? O
que teria feito depois se ele não tivesse chegado a tempo?
Nick não queria nem pensar nisso, assim ligou a tela digital do carro,
teclou a opção de ligação por Bluetooth e procurou em sua agenda o telefone de
Carlo Ciceroni.
Cuidaria da filha dele, quisesse ou não. Esperava que colaborasse. Agora
não era um maldito agente comercial sem graça. Sua ex-família por parte de
casamento sabia que trabalhava no FBI. Embora o odiassem por isso, teriam
que obedecer suas ordens; a vida de sua única filha estava em jogo.
O alerta de chamada não durou nem dois toques.
— Nicholas? — A voz trêmula de Carlo irrompeu do outro lado da linha.
Escutar aquela fragilidade em um homem tão forte não lhe fez nada bem.
Seu ex-sogro estava apavorado, sintoma de que era humano e não um deus sem
misericórdia, como o fez acreditar.
— Senhor Ciceroni. — saudou-o.
— Sophia… desapareceu. Nós a esperávamos em Thibodaux às nove da
manhã. Não sabemos nada dela… fui à polícia e…
— Senhor Ciceroni. — Nick o interrompeu — Encontrei Sophie.
— Como diz?
— Tenho-a aqui comigo.
— O que? Pode falar?
— Não, agora não.
— Por Deus. — exclamou, misturando uma sensação de descanso e
alegria. — Me diga que está bem. Onde estava? O que aconteceu com ela?
— Agora não pode falar nada. Vou cuidar dela estes dias. — Sua voz não
permitia réplica de nenhum tipo, algo que Carlo pareceu captar, pois não pôs
objeção alguma.
— Entendo… — respondeu, submisso. — Sabia que não era normal que
ela não nos avisasse. Sophia é…
— Já sei como Sophia é, senhor Ciceroni. — “Se por acaso não lembra, foi
minha mulher durante sete anos e meio”. — Faz algumas horas que meus
companheiros me comunicaram seu desaparecimento.
— Ah, claro… fico feliz. Quem te avisou?

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— Meus amigos da delegacia de polícia. Agora fiquem tranquilos. Já a


encontrei. Por enquanto precisará descansar.
— Desconheço como fez isso, mas muito obrigado. — ele disse com
sinceridade.
“Ah, Carlo Ciceroni. Orgulhoso como é, quanto custou dizer isso a seu
repudiado ex-genro?”, disse a si mesmo.
— Nicholas… Por favor… Ela está bem? Só me diga o que aconteceu com
ela.
— É difícil explicar o que aconteceu por aqui. Fale com sua mulher e diga
que se tranquilize, que Sophia ficará bem. Só tem alguns arranhões e se
encontra sob os sintomas de um sonífero. — “E tem uma tatuagem que
certamente pessoas como vocês só viram em vasos chineses da dinastia Ming”.
— Se precisarem, venham até minha casa esta noite. Precisará de roupa… e
suas coisas…
— Em Washington? — perguntou sem compreendê-lo.
— Não, senhor. — Nick sorriu, conhecedor da surpresa que tomaria. —
Faz uns dias comprei uma propriedade em Audubon. Vivo lá desde então.
— Veio viver na Louisiana, Nicholas? — perguntou incrédulo. — Minha
filha não me disse nada.
— Sua filha não sabia. Fazia duas semanas que não me ligava…
— Sim. Sei tudo. — murmurou Carlo — Sei tudo o que é e estou a par do
acontecido nas Ilhas Virgens. Sophia me contou. Não podíamos imaginar que
fosse…
— Perfeito. Assim não terei que lhe dar detalhes escabrosos. — replicou,
interrompendo-o abruptamente com amargura e um pouco de sarcasmo. —
Enfim. Venham vê-la se desejarem. — Nick tentou concentrar-se para lhe expor
e comunicar o motivo real de sua chamada. — Senhor Ciceroni, entendo que são
muito zelosos de sua intimidade. A polícia não esteve envolvida no resgate de
Sophia. Fui eu e meus amigos que a encontramos. Deste modo a imprensa não
irá se meter, e vocês, ela e Cindy poderão viver com mais ou menos
normalidade. Então peço a vocês que, por enquanto, deixem tudo em nossas
mãos.
— Acha que isso é o melhor?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Por enquanto, sim.


— Bem… Tudo bem. Estou muito agradecido. É um grande favor,
Nicholas…
— Mas… sempre há um mas, senhor, e você sabe melhor do que ninguém.
— Nick fixou seus olhos na escuridão da noite daquela estrada interminável.
— Diga logo, rapaz.
— Preciso que me mandem o mais rápido possível seu médico particular.
Quero me assegurar de que ela está bem e de que lhe façam um exame
completo.
— Claro que sim. — aceitou ele, nervoso. — Agora mesmo vamos para lá.
O médico vive no bairro Francês. Não vai demorar muito em chegar à sua casa.
— Bem. Espero-os então. Quando chegarem explicarei o que aconteceu. —
Uma vez dado a eles o endereço, despediu-se com um educado e frio: — Vejo
vocês mais tarde.
A Nick não ocorreu nada melhor que comprar uma casinha no início da
longa e inacabável Tchoupitoulas Street, onde viviam seus amigos, aos que já
considerava parte de sua família.
O dinheiro que tinha conseguido deu a ele muita segurança econômica e
liberdade para viver como quisesse. Em Washington estava sozinho. Para
Chicago não ia voltar, pois embora amasse seus pais, preferia mais campo e
menos cidade. Na Louisiana encontrava satisfação a todas suas necessidades,
embora estas não enchessem seu coração.
Sua casa não era um castelo como a casa de Leslie, nem uma adorável
casinha como a de Cleo. Mas era um lar dividido entre uma coisa e outra,
limitando-se com o Zoológico Audubon. Da parte alta da casa que tinha três
andares, desfrutava da boa vista de suas instalações e da guarida dos leões e
dos tigres. Pensou que Cindy adoraria ver os animais e a comprou precisamente
pensando na pequena que não pôde ver durante os últimos meses. Também a
escolheu pela tranquilidade, por ser protegida com relação aos olhares alheios e
pelo bonito ambiente natural que a rodeava, parte desse entorno era
propriedade dos parques do zoológico.
Tinha uma garagem exterior onde cabiam três veículos, um jardim com
palmeiras que rodeava os quatro cantos da propriedade, e uma piscina com

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

catarata e dois ambientes. A casa tinha cento e setenta metros quadrados. Nick
sabia que era muito espaço, mas adorava dispor de quartos para hóspedes, no
caso de um dia receber surpresas inesperadas. Um escritório, uma academia
particular, uma biblioteca… Bom, bem observado, estava bem ocupada. Mas
vivia sozinho. Muitos metros somente para ele.
Estacionou o Evoque bem ao lado do SUV, que ainda conservava por
motivos sentimentais. Apoiou a cabeça no respaldo de couro do assento.
Guardou a pistola na cintura da calça e girou a cabeça para Sophie.
Devia acomodá-la, limpá-la e… protegê-la.
Isso era o mais importante.
Sophie foi vítima de um louco que fazia tatuagens japonesas e não um
qualquer. Estavam relacionados diretamente com a Yakuza, fato que piorava
tudo. Mas com quem?
Carregou-a, cuidando para que a manta térmica não deslizasse por
nenhum lado.
Não pesava muito. Tinha perdido alguns quilos. Já tinha notado quando a
viu nas Ilhas Virgens, mas aparentemente não tinha recuperado o peso nas
semanas seguintes.
Certamente era coisa dos nervosismo e da ansiedade. Não gostava que
estivesse passando mal.
E Cindy? Notaria o estresse pelo que sua mãe estava passando? Sophie
era carinhosa e atenta, e se entregava à pequena com afinco. O vínculo entre
mãe e filha era inquebrável e estreito. Seu amor era puro e incondicional. Mas
depois de tudo o que tinha passado… teria mudado algo entre elas?
Com esse pensamento, Nick introduziu o código de segurança. A porta
blindada se abriu e ambos entraram na moradia.
Sophie se encontraria desorientada quando abrisse os olhos sem o
sonífero correndo por seu sangue.
Que cara faria quando soubesse que vivia ali?
Não sabia o que aconteceria quando soubesse que duas semanas atrás,
quando ligou para ele, pediu que fosse passar uns dias com elas porque se
sentia insegura e ele rejeitou a proposta, na realidade acabava de comprar

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

aquela casa na Louisiana, justo onde o estado o proibiu de entrar mediante uma
ordem de afastamento.

***
O doutor Abster tinha o aspecto de um homem que não tinha trabalhado
com suas mãos em toda sua vida. No máximo teria carregado sua maleta preta
onde guardava todos os seus instrumentos para tratar seus pacientes.
Nick o estudava apoiado na porta do quarto de hóspedes sem perder nem
um só detalhe do que aquele jovem doutor com óculos retangulares e tão loiro e
pálido como um bebê fazia a Sophie.
Quando acabou seu exame, pigarreou incomodado e se levantou,
impressionado de ver Sophia Ciceroni em um estado tão vulnerável. Subindo os
óculos metálicos pela ponte do nariz, aproximou-se de Nick e disse:
— Quer que espere dom Carlo para que falemos sobre seu estado?
— Pode falar comigo. — Nick cruzou os braços, esperando as notícias.
— Está bem.
— Quero saber se a violentaram.
O doutor ergueu a cabeça com surpresa.
— Você é muito direto…
— É melhor eu saber do que o senhor Carlo.
Abster negou com a cabeça e levantou uma mão para tranquilizá-lo.
— Não. Não houve abuso sexual. Os testes dão negativo, embora se
desejar que façamos um exame exaustivo e Sophia decida fazer uma denúncia,
deveria-se levar ao laboratório de criminalística para que analisem mais a fundo
os resultados.
— Não precisa. Só quero que me assegure que não a forçaram.
— Não há restos de pelo púbico, nem sêmen, nem umidade, nem
avermelhamento… Nada que me indique que houve contato sexual.
Só então Nick relaxou os ombros e descruzou os braços. Costumava
cruzá-los como medida de proteção quando devia escutar algo que não desejava,
como se fosse um escudo onde ricocheteassem as palavras indesejadas.
Mas, graças a Deus, Sophie não tinha sofrido uma experiência desse tipo.
E menos mal, porque Nick não poderia viver com isso. Podia viver com essa

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tatuagem, mas não sabendo que alguém tinha abusado dela, e tudo por não ter
dado atenção a ela.
— Está sob o efeito de um potente sedativo. — continuou Abster. —
Quando despertar, pode lhe dar a metade de um comprimido de modafinila e a
outra metade oito horas depois. Isso fará com que desperte.
— Certo.
— Colhi sangue para comprovar que as agulhas com que fizeram esse
desenho — secou o suor da testa com um lenço branco que guardava no bolso
da frente de sua camisa azul clara — não a tenham contaminado com nenhuma
doença infecciosa, como a hepatite.
— Quero os resultados amanhã mesmo.
— E os terá. — assegurou fechando sua maleta diante de Nick. — Tenho
urgência em saber que Sophia esteja bem. Sou o clínico geral de sua família há
anos…
Nick piscou. Mais outro a quem Sophie tinha encantado e queria cuidar
da sua ex-mulher.
— Não se preocupe. Eu me assegurarei de que não lhe aconteça nada.
Cuidarei bem dela.
Abster assentiu e lançou um último olhar a Sophie como um cordeirinho
degolado.
— Há um creme muito especial para que cicatrize a tatuagem. Parece
muito limpo, mas é bom que umidifique constantemente com algo parecido à
vaselina, para que não se criem crostas. E deve lavar duas vezes ao dia com
água e sabão.
— Tudo bem.
— Outra coisa mais. A tatuagem é grande. Sophie continua dando de
mamar a Cindy. Não tem por que ser assim — especificou —, mas dizem que a
tinta pode passar ao sangue e isso seria ruim para a menina. Deverá tomar
cuidado na hora de amamentar sua filha. Talvez não deva fazê-lo até que
passem algumas semanas.
— Eu li que dependia se a tatuagem rodeava o peito. — esclareceu Nick.
Lera um manual de riscos e lendas urbanas para grávidas. O das tatuagens era
uma delas. — Esta rodeia o braço e parte do ombro… não é para tanto. Sophie

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precisa recuperar a normalidade, talvez não seja bom que a afaste do vínculo
com sua filha tão drasticamente, embora durante uns dias tenha que fazer isso
por outros motivos.
Abster deu de ombros.
— É meu trabalho informá-lo. Suponho que não haverá problema. Se
Cindy sofrer um pouco de diarreia, isso poderia ser uma explicação.
— Estaremos atentos. — disse — Doutor, já sabe que não deve abrir a
boca sobre nada do que viu, não é verdade?
— Sim, é óbvio. — Pigarreou, inseguro de novo. — É um segredo
profissional.
— Exato.
Nick se separou da porta para deixar Abster sair e acompanhá-lo até a
saída. Uma vez no jardim, o médico subiu na sua Mercedes cinza e disse ao
descer a janela:
— Eu a visitarei dentro de uma semana. Até então, espero que estejam
bem. Boa noite.
— Boa noite. — Nick cravou seus olhos amarelos na placa do Mercedes.
Que merda Sophie fazia com os homens para ter a todos revoando a seu redor
como se ela fosse um pote de mel e eles fossem besouros? Por que acreditavam
que tinham algum direito sobre ela?
Seria melhor não pensar muito nisso, não queria ficar de mau humor.
A segunda campainha da madrugada anunciou a chegada de Carlo e
Maria Ciceroni, que carregavam Cindy nos braços placidamente adormecida.
Dalton saiu disparado para saudá-los, o enorme golden os cheirara e não se
esqueceu deles.
Quando Nick abriu a porta e os viu, o rancor o sacudiu por dentro. Eles o
culparam e feriram sem saber a verdade; foram cúmplices das decisões de sua
ex-mulher ao afastar sua filha dele. Desprezaram-no. Riscaram-no de suas
vidas. Uma vida em que nunca se encaixou, por melhor que os tivesse tratado.
Maria, uma mulher bela, cheia de caráter e firmeza, tinha Cindy nos
braços. E Nick não esperara vê-la. Fazia meses que não a via. E com algo tão
puro e inocente sobre ela mergulhado em um doce sono, não podia transmitir a
frieza e o desdém que tinha preparado como recebimento.

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Cindy tinha crescido. E estava tão bonita! Nick só podia pensar nisso.
Usava um vestidinho rosa e umas sapatilhas de bebê da mesma cor com os
cordões brancos. Engoliu em seco, com angústia.
O peito apertou e sentiu uma imensa vontade de chorar, que reprimiu
diante de seus avós. Fazia tanto tempo que não a via! Mais de meio ano! Muito
para um pai devoto como ele.
Mas entre tudo, privaram-no de tantas coisas…
— Nicholas, olá.
Maria parecia sinceramente feliz ao vê-lo. Prendia seu cabelo negro com
vários grampos e estava um pouco despenteado no alto da cabeça. Não estava
maquiada e tinha mais rugas das que recordava.
Os Ciceroni se vestiam com roupa ainda de verão e de campo, e jamais
tiveram um aspecto tão sinceramente humilde como nesse momento.
— Olá, senhora Ciceroni. — respondeu com a educação que jamais
esqueceu.
— Nicholas… — saudou Carlo — Olá, Dalton, amigo! — Acariciou as
orelhas do cão.
Quando o pai de Sophia falou, todo aquele halo intimidador de
antigamente brilhou por sua ausência. Já não havia nada a ocultar, ninguém a
quem impressionar. Nick já não sentia respeito por eles, já não corria o risco de
que não o aceitassem. De fato, já o repudiaram. Era um risco que já não podia
experimentar de novo. Tudo perdido. Nada a perder.
Já não tinha medo deles. Já não queria impressioná-los.
Eram seus ex-sogros, os pais de sua ex-mulher. Ponto final.
— Podemos entrar? — perguntou um Carlo com olheiras, com a barba por
fazer e grisalha aparecendo em sua mandíbula.
— É óbvio, senhor Ciceroni. Sophia está no segundo andar. O primeiro
quarto à direita.
— Nós o seguimos, Nicholas. Depois de você. — disse Carlo,
educadamente.
A situação era um pouco tensa. Não se viam fazia quase nove meses.

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Antes Nick se esforçava em se comportar bem e em tentar agradá-los, em


fazer com que se sentissem orgulhosos de seu genro. Entretanto, nesse
momento já não o preocupava nem um pouco.
Era quem era, não tinha que se esconder. Depois que pensaram o pior
dele como pessoa e de que o pusessem à mesma altura que ao assassino de seu
próprio filho, qualquer afronta que pudessem lhe fazer não teria efeito algum
sobre seu amor próprio.
Já não poderiam machucá-lo.
Subiram as escadas de madeira e Nick os fez entrar no quarto confortável
em que Sophie dormia.
Não prestariam atenção aos detalhes que o decoravam nem às cores
marrons terrosas e dunas, nem a seu gosto requintado para os móveis brancos,
nem tampouco à lareira elétrica embutida na parede. O quarto, de fato todos os
da casa, eram próprios de uma rica princesa como Sophie. Não queria
reconhecer isso, mas os decorou com centenas de detalhes que a fariam se
sentir à vontade.
Sophie estava sepultada sob um lençol branco e uma colcha lilás, sobre
travesseiros macios e grandes onde podia repousar placidamente. Nick cobriu
sua tatuagem com plástico transparente, depois de colocar a vaselina que o
doutor tinha indicado.
Quando fez a sua, não teve tantos cuidados, mas não infeccionou.
— Meu Deus, minha menina… — disse Maria com um soluço. Entregou a
bebê para Nick sem pensar, como quem entrega um pacote e foi diretamente
sentar-se na cadeira que Nick tinha disposto junto à cama.
Nick cobriu Cindy entre seus braços, assombrado por aquele ato
espontâneo. Abriu os olhos, piscando, atônito e sufocado de emoção. Em meses
intermináveis não tinha visto sua filha, e de repente, tinha-a com ele. E era tão
bonita… e tão pequena… Uma menina linda que logo completaria dois aninhos.
Loira, de olhos castanhos como os de Sophie. E profundamente adormecida
como sua mãe.
Nick foi para um canto do quarto em que havia uma pequena estante de
livros e uma chaise longue fúcsia com motivos dourados. Atrás dela, oculto
como se morresse da vergonha, havia um berço largo e grande.

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Arrastou-o até o lado contrário da cama em que estava Maria, agarrando a


mão de sua filha com lágrimas nos olhos. Pensou em deixar Cindy ali, mas
queria desfrutar mais do calor de seu diminuto corpo e de seu aroma de bebê e
de limpo. Sorriu com ternura e inalou seu aroma.
Parecia mentira, mas juraria que só com isso o gelo de seu coração
rachou.
Carlo apoiou as mãos sobre os ombros de sua mulher, localizando-se
como uma estátua atrás dela e olhou para Nick, esperando que fizesse um
resumo do que tinha acontecido.
— O doutor Abster veio?
— Sim. — respondeu Nick, deixando Cindy no berço. Tirou suas
sapatilhas e a agasalhou com o lençol branco estampado com ursinhos rosa.
Depois se ergueu e os olhou de frente, disposto a ser sincero e direto como
nunca fora. — Até que desperte não saberemos a que altura do trajeto esse
indivíduo a sequestrou. — Maria abafou um soluço. — Não fique nervosa,
senhora Ciceroni. Sua filha está bem. Ninguém a violentou nem se aproveitaram
dela sexualmente. — “Outra vez”, pensou cínico, recordando com amargura que
eles acreditavam que ele a estuprou uma noite.
— E essa… tatuagem? — perguntou Carlo olhando-a como se fosse uma
abominação.
— É uma marca. Marcaram-na.
— Uma marca? Quem? Por que? — disse com estupor.
— Como e por que é algo que tenho que averiguar, e não tenham dúvida
de que o farei. O homem que encontrei em Bayou Goula tentou escapar e atirei
nele. Está ferido. Meus companheiros estão examinando as pistas que
encontramos no lugar. Nós o encontraremos em breve.
— Oh, Deus… — Maria cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar.
— Quem poderia querer fazer isso com Sophia? Por que querem nos fazer mal de
novo? — Entrelaçou os dedos com os do seu marido. — Eu não… não posso
voltar a passar por algo assim. Não posso…
— Maria, acalme-se, eu suplico. — rogou seu marido com suavidade. —
Sophie está aqui. Conosco. Já está a salvo…

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— A salvo de quem? Por que? Minha filha já sofreu muito… Já sofreu


muito com aquela história das Ilhas Virgens… retornou mudada. — assinalou
com tristeza e depois lhe dirigiu um olhar de recriminação velada. — Mataram a
sua amiga… a feriram… sabemos de tudo, Nicholas.
Ele se conteve. Sabiam de tudo. Pois então, outra rasura em seu histórico
familiar.
Nick apertou os dentes. No fundo ele se fazia as mesmas perguntas, para
as quais não tinha respostas. Quem? Por que? Tinha uma leve suspeita do que
podia estar acontecendo. E isso era quase pior que a ignorância. Mesmo assim,
perguntou a eles:
— Senhora Ciceroni, Sophie não lhes disse que tinha a sensação de que a
estavam vigiando?
Carlo e Maria levantaram a cabeça e o olharam estupefatos.
— Minha filha não nos disse nada absolutamente. Queria esquecer tudo e
começar de novo. Ela vive sozinha, sabe?
— Como? — Não continuava vivendo em Thibodaux, no abrigo e proteção
de seus pais com seu adorado Rob? Um momento. — Vive com Rob, não é?
— Não. — negou Maria. — Vive com sua filha. Nos últimos meses, muitas
coisas mudou. Deixou de trabalhar para a Azucaroni e montou seu novo
negócio.
Nick franziu o cenho, surpreso.
— Onde está vivendo?
— Em uma casa em Chalmette. Recorreu às suas economias e ao dinheiro
que herdou de seu avô.
“Sophie independente? Isso sim que era uma surpresa! Jamais teria
imaginado.”
— Sim. E além disso, já é proprietária de um restaurante de comida
italiana chamado Orleanini. — continuou Maria, que parecia desfrutar com a
expressão de Nick.
Isso já sabia. Intuiu depois de escutar a conversa de Darcy, a mãe de Cleo,
no dia em que sofreram o ataque das bratvas.
— Hoje pela manhã retornava de uma viagem a Chicago. — continuou
Maria — Quer abrir uma nova sucursal ali. Estava procurando locais. Sabe o

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

que? Saiu nas melhores revista de gastronomia do país. — explicou com orgulho
— Minha Sophia é uma excelente empresária que adora a cozinha de sua terra
e…
— Preciso do endereço de Chalmette. — cortou Nick — Seja quem for que
fez isso com ela, sabia onde tinha que ir procurá-la. Quero pôr câmaras de
vigilância lá.
— Pois é…
Mas antes que Maria o dissesse, Carlo a deteve com precaução.
— É Sophia quem deve lhe dar o endereço.
Nick cravou seus olhos dourados nos mais velhos e amadurecidos de
Carlo. Sorriu para ele sem vontade.
— Acredite que não vou permitir que aconteça nada de mal com sua filha.
Eu a vigiarei. Não vou ser uma ameaça para ela. Só me encarregarei da sua
proteção. Nada mais. E assim que ela estiver fora de perigo, voltaremos a ser o
casal fracassado que fomos. Eu, um agente do FBI com fama de abusador; ela, a
filha de uma família italiana da aristocracia da Louisiana que sente um medo
atroz pelos homens com distintivo. Talvez nunca deveríamos ter ficado juntos. —
Fez uma careta com a boca. — Foi um engano.
— Não quis dizer isso. — replicou Carlo, assombrado pela beligerância do
tom de Nicholas.
— Foi à sua procura. — interveio Maria, secando as lágrimas. — Ela foi à
sua procura, Nicholas. Minha filha não nos desafia por capricho. Só faz isso
quando acredita que segue o que seu coração diz. Como já fez uma vez. Ela quis
te recuperar…
— Muito tarde, senhora Ciceroni. Depois de tudo… há coisas que não
podem voltar a ser o mesmo.
— Não vou me colocar entre vocês.
— Não. Já fizeram muito no passado.
— Só queríamos o melhor para ela.
— E eu não era. Condicionaram minha vida com Sophie.
— Você a condicionou com sua mentira. — soltou Carlo, apesar de que
agora Nick era um importante e respeitado agente do FBI, nada a ver com o
inofensivo e educado comerciante que acreditaram que era.

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Ele preferiu não responder. Não ia enredar-se em uma discussão com eles.
Todos estavam nervosos. A única coisa importante era proteger Sophie e fazer
com que se recuperasse o quanto antes possível.
Depois as águas voltariam para seu leito.
Maria engoliu em seco, compungida, dominada pela situação. Abaixou a
cabeça e acariciou um a um os dedos da mão de sua filha.
— É muito difícil perder um filho, Nicholas. — disse — Somente
procuramos que nunca acontecesse nada a Sophie. E nem isso conseguimos,
por mais que a tenhamos protegido… só quero o melhor para ela. — Duas
grossas lágrimas caíram de seus olhos diretamente ao chão coberto por um
tapete branco de pelo suave. — Você é pai, logo compreenderá.
— Não me deixaram ser pai. Separaram-me de minha filha. — acusou-os
de novo, sem deixar de olhá-los fixamente.
Maria fechou os olhos cheia de apreensão, parecia arrependida por como
tinha agido.
Nick teve piedade dela. Era uma mulher, uma mãe destroçada por ver sua
única filha em uma situação como essa. Devia ter mais tato.
Carlo suspirou olhando para o teto, emocionado e afetado pelo estado de
sua mulher.
— Minha filha vive agora em Corinne Drive. No número dois mil. —
informou.
Nick assentiu, agradecido.
— Vou pedir a meus amigos que deem uma olhada e varram a área.
Sophie ficará aqui enquanto isso até pegarmos o canalha que fez isso com ela.
Vocês deveriam retornar a Thibodaux…
— E Cindy? — perguntou Maria com a atenção fixa em sua neta.
Nick ansiava passar um tempo com sua filha, mas aquele não era o
melhor momento até que tudo se esclarecesse. Markus sofreu muito mesmo com
Milenka e a menina esteve em perigo duas vezes. Morreria só de imaginar ficar
Cindy em uma situação perigosa.
— Pensei nisso desde que o doutor se foi e… por enquanto, é melhor que a
levem com vocês. Disse-me que Sophie ainda lhe dá o peito. — Sentia vergonha
de falar disso com eles. — Você dispõe de…?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Tenho leite de Sophie em mamadeiras. Ela extraiu e guardamos. É o


que dou a ela quando Sophie sai de viagem ou tem que trabalhar. O doutor nos
disse que é bom continuar lhe dando peito até pelo menos os dois anos. Depois
dependerá do que Cindy pedir… — explicou solícita, olhando-o entre
assombrada e divertida. Maria nunca tinha falado disso com um homem que
não fosse o médico. Nicholas pensava em tudo e gostou disso.
— Então cuidem de nossa filha até que isto se solucione. Por favor. —
acrescentou com educação.
— Não tem que nos pedir isso como um favor. — corrigiu-o Maria. —
Faremos encantados. É nossa neta.
E ele os agradecia. Cindy estaria bem com seus avós.
E ele se sentiria mais seguro se só tivesse que se preocupar com uma das
mulheres de sua vida.
Sophie e ele passariam um tempo a sós e juntos.
O que aconteceria após era algo que só o destino sabia.

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CAPÍTULO 3

Fixava o olhar no berço vazio que tinha ao lado e não compreendia. Esse
berço não era dela. Nem esse quarto era nenhum de sua casa. Piscou lutando
para encontrar sentido ao que estava vendo.
As cortinas de cor malva das janelas ondeavam pela suave brisa matutina.
O sol refulgia sobre o chão de parqué e em parte do tapete branco que o cobria
como um emplastro.
Cheirava a campo lá fora.
O ombro esquerdo ardia. Desviou seus olhos sonolentos para o foco da
dor, e em vez de ver carne, descobriu a face de uma mulher japonesa sorridente
com corpo de serpente ou de dragão…
Sophie franziu o cenho. Uma tatuagem. Uma tatuagem…
— Não pode ser. — sussurrou começando a suar, inalando pelo nariz e
tirando o ar pela boca. — O que é isto? — tirou o plástico e tentou apagar a tinta
com a mão, mas doía, deixava-o sensível e não, não se ia.
O coração disparou. Estava a ponto de ter outro ataque de ansiedade, e
teve alguns desde que se divorciou de Nick. Levantou-se e tocou com os pés o
tapete que era relaxante ao toque. Tão macio… seja quem for que vivia ali tinha
dinheiro, pois toda a decoração era de grife e aquele quarto estava decorada com
um gosto elegante.
Que fazia ali? E esse berço de quem era? Que horas eram?
— Cindy? — perguntou com voz rouca.
Levantou-se com dificuldade. Custou a se erguer. Tinha que escapar.
Tinha que fugir. Sua filha precisava dela…
Seus pais estariam muito preocupados com ela.
Vestia uma camiseta masculina sem mangas tão grande que chegava até
debaixo da coxa, até quase os joelhos.
Voltou a olhar a tatuagem, observando-a entre o horror e a estupefação, e
então escutou o som das solas de umas botas subir as escadas.
Agarrou o diminuto abajur do criado mudo e o arrancou da tomada.
Virou-se de repente e correu descalça para procurar um bom refúgio. Alguém

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

apareceria por essa porta a qualquer momento. Histérica, aproximou-se da


parede atrás da porta, desejando que a cobrisse e que depois pudesse pegar seu
sequestrador de surpresa.
A porta chiou ao abrir. Um homem enorme de cabelo loiro entrou no
quarto e se deteve ao ver que não havia ninguém na cama.
Sophie levantou o abajur sobre sua cabeça.
Mas então o sequestrador se agachou, virou-se e a agarrou pelo pulso com
força suficiente para deter o golpe.
Sophie gritou de impotência até que Nick a fez recuar, chamando-a por
seu nome e esmagando-a contra a parede, submetendo-a no tempo de um
suspiro.
— Nick? — perguntou com voz trêmula, sem deixar de brigar. Não se
rendia. Seu corpo não se rendia.
— Ssshhh, Sophie… Está bem. Está a salvo. Sou eu. Sophie, me olhe…
Sou eu. — Pegou-a pelo rosto a obrigando a prestar atenção nele.
Ela reagiu ao contemplar aqueles olhos dourados protetores, aquelas
feições marcadas e hercúleas.
— Está me vendo, Soph? — perguntou com doçura. — Eu te resgatei. Está
comigo. A salvo.
— De verdade? Nick? — Então Dalton entrou e começou a lamber suas
pernas nuas. Sophie piscou com as pupilas dilatadas pelo medo. O abajur
escorregou entre seus dedos e caiu ao chão. O queixo tremeu e baixou a cabeça,
como que se rendendo. — Nick… Dalton…
Vê-la assim partiu seu coração em mil pedaços. O grito de raiva que
ocultou desde que a resgatou ameaçou sair. Mas não queria parecer um
selvagem; nesse instante o mais importante era ela, não dar rédea solta a seus
instintos.
Sophie deu um passo para frente e apoiou a testa perolada de suor no
peito robusto de Nick. Os ombros dela estremeceram e se apertou mais contra
ele, procurando a proteção do único homem que tinha amado. Do único que
podia afastar seus pesadelos.
— Sei que não acha que eu mereço… mas… pode me abraçar, por favor?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Nick abaixou o olhar para ela, que não queria olhá-lo nos olhos, que não
queria enfrentar ninguém… Só precisava de um refúgio onde descansar, um
refúgio onde pudesse recuperar suas forças.
E esse refúgio era ele. Não podia deixar de atender ao rogo de uma mulher
e menos ainda ao de sua ex-esposa, por mais que a odiasse, por muito rancor
que sentisse por ela, por mais indignado que estivesse… precisava que a
consolassem.
E Nick a abraçou, embora acreditasse que nele já não restava nem um
pingo de compaixão. Rodeou-a, cobrindo-a por completo, até que apenas se via o
tronco superior da jovem, sepultada sob seus músculos.
Sophie chorou. Estava muito assustada pelo que aconteceu com ela, ainda
desorientada. Mas se sentia mais segura porque era Nick, seu Nick, quem a
tinha entre seus braços.
Ele não tentou acalmá-la. Permitiu que chorasse, que se expressasse.
Toda a angústia, todo o aturdimento… Tudo isso tinha que sair.
Sem saber muito bem como, Nick acabou sentado sobre a cama com
Sophie sobre suas pernas como se fosse uma criança necessitada de amor.
Esfregava-lhe as costas e acariciava seu cabelo, evocando épocas melhores entre
eles. Maldita melancolia.
Dalton apoiou a cabeça entre suas pernas, olhando-a com adoração.
Estava feliz de vê-la de novo.
— Dalton, querido. — murmurou Sophie — Tinha muita vontade de vê-lo.
— reconheceu.
Nick não disse nada. Só se limitou a abraçá-la.
— Como me encontrou? — perguntou Sophie absorvendo as lágrimas,
mais tranquila. Começava a recordar vagamente o que aconteceu.
— Seu anel.
Sophie olhou o anular e franziu o cenho. O anel de sua avó brilhava e
reluzia como se permanecesse inalterado pelo tempo, algo que não acontecia
com sua relação com Nick.
— O que há com meu anel?
— Coloquei nele um rastreador se por acaso…
De repente ela levantou a cabeça, dando um leve golpe no queixo dele.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Como diz? — tirou-o e deu uma olhada.


Nick sorriu ao ver a concentração com a qual olhava a aliança.
— Está por dentro. Colado ao aço…
— Pôs um rastreador em meu anel?
— Sim. — E não se envergonharia disso.
Sophie piscou incrédula.
— No anel de minha avó?
— Sim.
— Mas por quê?
— Para sua segurança. Veja… Graças a isso, pude te encontrar. Não sabia
que continuava usando-o…
A cor castanha de seus olhos se escureceu, salpicada de uma leve bruma
de ira.
— Uso-o há meses. Não como você.
— Como vê eu o tirei. — mentiu — Para que usá-lo?
— Droga, Nick. — Sophie pressionou a ponte do nariz. — Quantas vezes
olhou o rastreador e me controlou?
— Nenhuma. Esta é a primeira.
— E tenho que acreditar?
— Ah, não precisa. — replicou com sarcasmo. — Sempre pensa o que tem
vontade… e já sabemos aonde isso nos leva …
Ambos se dirigiram olhares cheios de rancor e de lembranças passadas,
cheios de recriminações e recriminações.
Nick a estava julgando. Sophie cedeu, pois estava esgotada. Ainda com
lágrimas nos olhos olhou ao seu redor, ainda sem compreender onde se
supunha que estava.
— Onde me encontrou?
— Em Bayou Goula.
— Na igreja abandonada?
— Sim.
— Que fazia ali?
— Sophie… acalme-se. Vejamos, qual é a última coisa que recorda?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— A última coisa que recordo… — repetiu débil. — Sair do aeroporto de


Nova Orleans e entrar no banheiro… Em algum momento senti uma espetada no
pescoço, entre o trajeto do banheiro ao táxi… — Levou a mão à nuca.
— Viu algo que possa me ajudar a identificar o seu sequestrador?
— Eu… Não sei. Agarrou-me pelas costas e…
— Nada estranho dias antes de viajar?
Ela o olhou como se fosse um muro de pedra.
— Refere-se ao que te disse que me sentia perseguida? Aliás, obrigada por
me ignorar com aquela frieza…
— Sophie, podia ter sido um transtorno devido ao que te aconteceu no
torneio. As vítimas…
— Tolices. Sou mais forte do que pensa, Summers. — espetou, um pouca
ressentida. — É óbvio que tinha medo, mas não tanto para imaginar algo. E já
vê que não estava equivocada.
— Acreditava que a vigiavam?
— Sim.
— No que se apoia para isso? Acaso viu algo que possa demonstrar que o
que diz é verdade?
— Um carro.
— Um carro?
— Um Jaguar dourado…
Isso despertou o interesse de Nick.
— Onde?
— Eu o vi mais de uma vez estacionado no bairro Francês. Justo perto dos
locais que eu frequentava. E uma vez mais em Chalmette, onde… onde agora
vivo. — assinalou, um tanto incômoda.
— Viu alguém dentro?
— Não. Tinha as janelas escuras.
— E não viu nada estranho, além disso?
— Não. Nada mais. Mas não gostava desse carro...
Nick não estivera disposto a dar credibilidade à teoria de perseguição de
Sophie, mas agora não restava outra saída que escutar qualquer detalhe que
sua ex-esposa oferecesse.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Tudo bem. Vou ver se Cleo e Lion me dão uma mão e me ajudam a
localizar esse maldito Jaguar…
Sophie assentiu sem saber o que mais dizer, um tanto insegura ante o
olhar de Nick.
— Encontra-se bem? — perguntou — Deve estar faminta. Trouxe seu café
da manhã… Menos mal que não pensei em entrar com ele; teria perdido tudo. —
Viu o abajur no chão e deu um meio sorriso.
— Estava assustada e perdida… Alguém avisou a meus pais? Eles estão
bem?
Nick assentiu, saiu do quarto e se agachou para recolher a bandeja com
comida.
— Passaram a noite aqui, com Cindy.
— Cindy… — Sophie cobriu a boca e voltou a se emocionar; tinha-a
apavorado a possibilidade de não voltar a ver sua filha. — Minha menina…
Onde está? Meus pais passaram a noite aqui? Onde pensam que estou? Por que
meus pais se foram?
— Partiram. É melhor que não fiquem aqui e compliquem a situação com
Cindy no meio. Só quero ter olhos para você.
Em outro tempo, em outro lugar, essa frase a teria deixado quente.
— Agora está na minha casa, em Tchoupitoulas Street. Justo ao lado do
Zoológico Audubon.
— O que? — Não podia acreditar que vivesse ali. — Desde quando?
Nick deu de ombros e apoiou a bandeja sobre a cama.
— Tem que relaxar e comer algo.
— Não, Nicholas, nem pensar. — Olhou-o de cima abaixo. — Desde
quando vive aqui? Já vivia aqui quando te liguei assustada?
— É possível.
Serviu-lhe o café da manhã com parcimônia. Verteu o suco de laranja no
copo de vidro e passou manteiga e creme de amendoim em uma torrada.
Recordava quanto gostava de creme de amendoim… Também gostava.
— Pedi que passasse uma temporada comigo e com Cindy… me disse que
não estava na Louisiana. — recriminou-o, tentando manter seu orgulho intacto.
Doía-lhe na alma que a tivesse ignorado daquele modo.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Não pensei que era sério. E não gostaria de ir à sua casa por nada. —
Sem olhá-la, colocou uma camada de geleia sobre a cobertura de manteiga e
acrescentou. — Além disso, já tem Rob. Se foi tão homem para te acompanhar
ao tribunal e protegê-la de mim, é igualmente homem para te fazer companhia e
vigiar suas costas, não acha, Sophia? — Sabia quanto odiava que a chamasse
assim.
— Fala muito de Rob …
— E a incomoda?
— A mim não. Mas a você, sim.
Nick deu um meio sorriso com frieza e sem nenhuma emoção em seus
olhos dourados.
— Pois claro que sim. Insultou-me. Um filho da puta que não me conhece
nem um pouco se atreveu a me chamar de abusador na minha cara. Não vou
perdoá-lo.
— E a mim? Vai perdoar a mim? — Não era justo colocá-lo entre a espada
e a parede. Acabava de salvar sua vida e ela já estava pressionando-o para
arrumar as coisas.
Nick relinchou como os cavalos e arqueou as sobrancelhas, olhando-a
como se estivesse de brincadeira.
— Estou vendo… parece um grande bloco de gelo, não é, Nick? —
Balançou a cabeça, perplexa diante de tanta indiferença. — Deve ter sido uma
tortura vir em minha busca e me encontrar. — aproximou-se da cama
caminhando como um zumbi, triste ao saber que ele a deixara de lado. E
observando bem, o que esperava? Tinha estragado sua vida.
— Coma e descanse, Sophia.
— Já estou bem. Só quero ver a Cindy. Quero ir. Passarei um tempo em
Thibodaux.
— Não compreende, porra.
— Preciso da minha roupa!
— Não vai embora daqui! — gritou — Pedi a seus pais que trouxessem
roupa. Surpreendentemente eles me ouviram.
— As coisas mudaram, Nicholas. Eles já sabem quem é. E o respeitam…

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Porra nenhuma, Sophia. Mas não estou nem aí. A única coisa que
conta é que agora está sob minha proteção, coloque isso na cabeça.
— Você vai me proteger? Mas se me odeia. Se não pode nem me olhar. —
sentenciou com amargura.
— Levo meu trabalho muito a sério. Não vou misturar minhas emoções
nisto. Vai ver.
— Pois é fantástico. Já era hora de conhecer o Nicholas policial, não?
Passou muitos anos me enganando, relacionando-se emocionalmente comigo,
sendo um marido muito compreensivo, muito bom… — acrescentou sarcástica.
Mordeu uma torrada e se deixou cair no colchão com desinteresse. — Pelo
menos agora poderei vê-lo em ação.
— Sim. E vai ter que me obedecer, porque isto não aparenta ser nada
bom. Está em perigo.
— Estou em perigo porque um otário com presunções de artista japonês
me tatuou? Porque te asseguro que ainda não tenho nem ideia do que é o que
me aconteceu e por que me fez isso.
— A senhorita Ciceroni dizendo palavrão? — Fingiu assombro.
— Já disse que as coisas mudaram.
— Agora é uma barraqueira. Estou vendo. Agora que trabalha, tem sua
rede de comida italiana e quer ser uma mulher empresária e empreendedora,
fala como alguém do Bronx.
— E você é um arrogante rancoroso. — Levantou o queixo ofendida.
— Sim. Talvez. — ele admitiu, que parecia divertido com aquela discussão.
Sophie tinha passado por algo traumático. Mas ali estava, respondendo a ele
sem deixar que a pisasse. — Mas que entre nessa cabecinha de sangue azul que
o que leva no corpo não é somente um desenho japonês. — Corrigiu-a com
seriedade. — Preciso me assegurar do que significa. Não sei o que teria feito se
eu não chegasse a tempo, compreende? Isto é muito sério. Tenho que chamar
um companheiro especialista em marcas.
— Um especialista? Ele também vendia brinquedos? O que vendia? O Bob
Esponja?
Nick sabia que Sophie estaria soltando farpas constantemente. Aquilo não
seria nada fácil.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Uma vez que tome o café da manhã pode dar uma olhada na casa se
quiser. — respondeu ignorando seu último comentário e se levantou da cama. —
Vou entrar em contato com meu companheiro. Preciso de sua ajuda. De
passagem, falarei com Cleo para que procure colaboração e varram Nova
Orleans em busca de seu Jaguar. Também tenho que ligar para Leslie para ver
se alguém pode passar para ela os resultados dos testes de DNA. Enquanto
isso… — fez uma reverência principesca na porta do quarto —, está na sua
casa.
Sophie ficou quieta olhando a porta fechada e o café da manhã.
Que brincadeira era essa? Ia ficar com o Nick ali? Na qualidade de que?
De refém ou de protegida?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

CAPÍTULO 4

Nick não queria subir para vê-la mais. Estava desejando que o tempo
passasse, encontrar o mal e devolver Sophie à tranquilidade e segurança da vida
de Chalmette ou de Thibodaux, tanto faz, contanto que estivesse longe dele e de
suas mãos.
O que não podia entender era como teve a brilhante ideia de abrigá-la em
sua casa quando mal podia controlar o efeito que provocavam seus grandiosos
olhos castanhos nele, ou seu corpo, tão elegante e de formas tão sutis, que lhe
parecia tão provocador… Ela sempre despertava em seu corpo a necessidade de
possuí-la. Mas agora que se sabia amo e que de submisso tinha o que tinha de
moreno, essa necessidade, esse instinto selvagem, lutava por sair e explodir ante
ela, que o tinha acusado de uma coisa que não era, envergonhando-o e o
fazendo se sentir como um miserável.
Não obstante, ser amo não era ser abusador e não sabia se Sophie o tinha
compreendido ou não… E o que importava? Estavam divorciados, não? Ela não
o queria. Não iria querer essa parte dele.
Assim, decidiu concentrar-se em seu trabalho. Ouvia Sophie rondar pela
casa, ainda com a insignificante camiseta que vestiu nela e que caía nela como
um vestido folgado de verão. Dalton a seguia para todos os lugares.
Ouviu-a suspirar enquanto ia à cozinha e abria a geladeira. Seu aroma
chegava até Nick por mais longe que estivesse…
Estava ficando louco. Só estava atento a ela. Sentado em uma poltrona de
braços de cor verde escura em frente à mesa baixa da sala, tentava procurar em
seu MacBook Pro os significados das tatuagens e a que máfia pertenciam. Não
havia nenhuma como a de Sophie, não desse modo…
Mas não se concentraria se Sophie não parasse de fazer barulho ou se
rebolava diante dele, olhando com tanta fascinação a decoração de sua nova
casa. Para ignorá-la, ligou para Cleo Connelly. Esperava que tivesse recebido a
mensagem de texto e que pedisse ajuda a Magnus para fazer o rastreamento do
carro que tinha levantado as suspeitas de Sophie.
— Nick — saudou-o Cleo ao telefone.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Nala.
— Magnus e sua equipe estão procurando o Jaguar. E Leslie pediu uma
análise de sangue para ver se coincide com alguma das que tem nos bancos de
dados genéticos de identificação criminal. Como está Sophie?
— Bem. Dando voltas pela casa. — respondeu lacônico.
— E isso é tudo?
— Sim.
— Ah.
— Que mais quer que te diga?
Cleo tinha uma incrível capacidade para ler entrelinhas.
— Hã… Como está você?
— De foder. — respondeu com ironia.
— Nick, cuide dela. — ordenou.
— Faço isso, porra.
— Tem uma grande oportunidade para solucionar as coisas.
— Não há nada a solucionar. Faz meses que nosso relacionamento está
destruído.
— Não acredito… Mas se isso faz com que fique mais tranquilo…
— Sim. Faz. — jurou entredentes. — Quando conseguirá os resultados?
— Dê vinte e quatro horas… Quarenta e oito no máximo.
— Amanhã já posso tê-los?
— Com certeza que sim. O que vai fazer enquanto isso?
— Espero Karen para que me dê uma mão com a tatuagem. Ela conhece
muito bem as máfias japonesas. Eu só estive em uma… e me interessa sua
opinião sobre o desenho. Quero saber o que enfrento.
— Karen? Que Karen?
— A que tinha que ser minha companheira na missão.
— A que tinha que te acompanhar como domina, mas me fez o favor de
quebrar um braço para que eu fosse em seu lugar?
— Sim, essa mesma.
— Puf. Agradeça a ela por mim.
— Farei isso.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Um momento, Tigrão… Não pode colocar sua companheira de jogos


obscenos em sua casa. Sophie vai se inteirar e não vai gostar nem um pouco.
— O que Sophie pensa não me importa nem um pouco. — Apertou o
telefone com força. — Já não é nada minha.
— Continua sendo a mãe de Cindy.
— Karen tem informação muito valiosa e preciso dela.
— Sua ex-mulher não é tola, Nick. Vai se dar conta… As mulheres têm
uma espécie de radar para essas coisas. Eu o chamo de radar antivadias.
— Karen não é uma vadia.
— Aposto que não, mas para Sophie vai se converter na puta de Satã se a
meter em sua casa e perceber que entre vocês houve mais do que palavras. Você
me entendeu?
— Só vai ser um dia e Sophie não vai esculhambar Karen. É muito
educada.
— Sei, mas no que diz respeito às mulheres, não vale isso de que quando
um não quer, dois não brigam. Asseguro que em uma briga de gatas, todo
mundo morre. Tome cuidado.
— Não vai acontecer nada. Não seja ridícula.
Cleo riu com vontade.
— Nem sequer é consciente do que vai provocar, não é? Parece que faz
isso de propósito.
Nick sorriu.
— Tigrão… Está sorrindo, não é verdade? É muito mau.
— Me deixe em paz, Connelly. Me avise assim que Magnus souber de algo.
— Direi a ele que ligue para você ou que passe para vê-lo.
— Tudo bem.
— Dê lembranças minhas a Sophie. Ciao.
— Adeus.
Desligou o telefone e passou as mãos enormes pelo cabelo despenteado e
loiro. Precisava da ajuda de sua ex-parceira porque era um imenso caudal de
informação. Talvez não fosse boa ideia que Sophie e ela se encontrassem, pois
não sabia nada de seu mundo nem do que fez para se preparar para Amos e

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Masmorras. Mas por que se importaria como se ela ia se sentir? “Ex” queria
dizer que era coisa do passado.
Talvez Cleo estivesse certa. Porque abriria a caixa de Pandora. Karen
chegaria de seu Texas natal à tarde e o ajudaria a resolver sua principal dúvida:
quem marcou Sophia e por que. Se decifrasse o simbolismo que se escondia por
trás daquela tatuagem já teria por onde começar a investigar.
— Quem é Karen? — perguntou Sophie plantada na frente dele com o
cabelo liso como no primeiro dia e os olhos castanhos transbordantes de
curiosidade e insegurança.
Cada passo que Sophie dava nessa casa era como uma punhalada
esmagadora em seu coração quebrado, um corte amargo que recordava o que
tinha feito a Nick.
Tinha decorado sua nova casa com os móveis que ela gostava, com as
cores que ela preferia, com todos os acessórios que desejava. Tudo… as
banheiras com hidromassagem, o ginásio, o jardim, cuja grama estava arada
para poder plantar novas árvores… tudo. O chão, o parqué, o tipo de janelas e
balcões… Tudo era do gosto de Sophie, uma casa como a que ela tinha esperado
ter junto com ele algum dia.
Mas esse dia não chegaria. Era como se Nick quisesse passar essa casa na
sua cara, esfregando sua estupidez, dizendo quão tola fora ao tratá-lo daquela
maneira e afastar o único homem que pensava nela como em seu verdadeiro lar.
Os sofás brancos, as chaise longue estofadas de arroxeado, a televisão
branca pendurada na parede, a lareira que ainda não foi acesa… O projeto e o
calor de um lar tradicional, tudo junto, como em uma boa mistura. A piscina de
fora era profunda o suficiente para que ela se afogasse.
E a cozinha era tão grande como um refeitório. Contava com todos os
utensílios, ilha, fornos, geladeiras, fogões, microondas e demais coisas que um
bom chef pudesse precisar. Era de madeira clara, de vidro azulado e aço
inoxidável, feita para ela.
Sob medida.
Limpou as lágrimas com as pontas dos dedos. Não queria fazer um drama
daquela situação. Mas fazia porque tinha as emoções completamente
disparadas.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Até que escutou o nome de uma mulher nos lábios de Nick. Um nome que,
por como ele disse, sabia que pertencia a alguém que Nick gostava e respeitava.
O ciúme e o amor que ainda sentia por ele a arrastaram a lhe pedir
explicações imediatamente, justo quando Nick desligou e finalizou a conversa
com Cleo.
— Cleo manda lembranças pra você. Alegra-se de que esteja melhor. —
levantou-se do sofá para escapar dela e manter distância. Sophie lhe dava curto
circuito.
— Quem é Karen, Nicholas? — ela perguntou passando a mão pela
camiseta na altura do ventre, alisando uma ruga inexistente.
— Uma parceira.
— Que parceira?
— Uma parceira de missão.
Foi à cozinha, colocando espaço entre os dois. Os mamilos de Sophie
estavam marcados por baixo da camiseta, e bem sabia Deus que sua calcinha
não suporia obstáculo algum se quisesse atirá-la contra a parede. Arrependido
por pensar assim, tolo por acreditar que ela aceitaria algo como isso sem fazer
outra acusação a ele, abriu a porta da geladeira dupla e extraiu uma garrafa de
dois litros com suco de laranja e cenoura. Começou a beber como um mineiro
ucraniano.
Sophie apoiou um quadril na bancada da cozinha, observando o
comportamento e as reações de Nick.
— Alguma vez vai me explicar algo sobre suas missões? Sobre seu
trabalho disfarçado durante tanto tempo? — perguntou — Nada sobre seus
companheiros… E quanto a Clint? Mal sei algo sobre ele. Ele também me
enganou, o grande cretino. — protestou franzindo o cenho.
Nick abaixou a garrafa de seus lábios. Exalou, satisfeito.
— Assassinaram Clint durante a missão de Amos e Masmorras. Está
morto. — Já podia dizer isso em voz alta sem desmoronar.
O rosto dela se nublou de tristeza e preocupação.
— Morto? Oh, Deus… Nicholas… — Estendeu a mão para ele como se
quisesse consolá-lo.
Clint foi o melhor amigo de Nick e o perdeu em uma missão.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Já passou. Isso faz bastante tempo. — afastou-se como se não quisesse


essa compaixão de sua parte.
Sophie fechou os dedos de sua mão e a afastou pouco a pouco.
— Sinto muito mesmo. — disse horrorizada ao pensar que Nick tinha
sofrido essa perda sozinho. — Não me disse nada…
— Não. Uma ordem de afastamento não ajuda muito nestas coisas, não
acha?
Ela fechou os olhos, consternada.
— Lamento tanto…
— E eu. — Fechou a geladeira — Mas a vida continua. — Passou ao seu
lado roçando braço com braço.
— E você?
— E eu o que?
— Não vai me perguntar nada sobre a Thelma? — disse um pouco
desprezada. Ela não passou por tudo o que Nick passou em sua profissão. Mas
nesse torneio onde se encontraram tudo veio abaixo. Thelma, sua ama e amiga,
tinha encontrado o final de seus dias sob a soga do Vingador. Não queria falar
com ela de nada? De nada que implicasse recriminações ou emoções, que
recordasse vagamente a confiança que uma vez teve? — Também a perdi nesse
maldito torneio… e se converteu em alguém importante para mim. Em uma boa
amiga, tanto como Clint pôde ser para você. E partiu. — A voz dela quebrou.
Nick se deteve, fazendo enormes sacrifícios para não se virar e consolá-la
de novo. Não acreditava naquilo que podia dizer: “Tudo vai se arrumar”. Eram
palavras vãs e falsas. Nada ia se arrumar, porra.
— Tem comida na geladeira. Só tem que esquentá-la. — disse.
— Não vai comer comigo? — abaixou a cabeça — Poderia tentar se sentar
a meu lado sem que tenha necessidade de fugir quase imediatamente, não
acha? Não vou te fazer nada…
— Não posso. Disse que cuidaria de você. — E em todo caso, não tinha
medo dela, mas sim do que poderia chegar a fazer com ela. — Quero me
preparar e ativar a segurança da casa… Há muito por fazer até Karen chegar.
— Posso te ajudar?
— Não quero que saia e que a vejam. É para o seu bem.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— E pelo seu, não? — soltou, ferida por aquela supérflua indolência. —


Parece que quer me proteger, mas sem ter que estar no mesmo cômodo que eu.
Me odeia tanto, Nicholas? Tudo está tão perdido?
Os olhos dourados de Nick se tornaram ameaçadores como se dissesse
que era melhor não continuar por esse caminho, pois não restava diplomacia
suficiente nem boa resposta a dar.
— Me faça um favor. — Olhou-a de cima abaixo — Troque de roupa e
coloque pomada na tatuagem…
— Por mim pode infectar e ter que amputar meu braço. Não a quero. É
horrorosa. — soluçou, com raiva dele.
— Não é. — replicou, admirando a tatuagem e a beleza da estrutura óssea
que havia debaixo. — Mas se não cuidar dela, apagará e ficará horrível. Faça o
que te digo, as coisas que despreza acabam se tornando horrendas.
Touché.
Sophie teve vontade de lhe lançar o açucareiro branco na cabeça, mas as
maravilhosas portas de trilhos foscas da mesma cor não tinham culpa de que
Nick se tornou feio e se danificasse por sua culpa.
Por culpa de não tê-lo cuidado.
Tal como aconteceria com sua tatuagem se não cuidasse dela.
Aparentemente, assim seria seu dia a dia com Nick até que se
solucionasse tudo e pegassem o sujeito que a sequestrou e marcou como se
fosse um porco vietnamita.
Não se falariam. Não se olhariam e procurariam não compartilhar
espaços. Era como se vivesse sozinha em um cárcere com mil olhos, pela
quantidade de microcâmeras que Nick estava colocando por toda a superfície e
todas as plantas. Não havia nenhum lugar que não estivesse enfocado por um
de seus visores de vidro diminuto. Aquela bela casa se converteu em um
pequeno Big Brother. Um que ela ia ganhar porque ninguém mais participaria, e
porque estava mais só que qualquer um.
Ignorou seu ex-marido/agente secreto do FBI.
Tirou a roupa da bolsa preta Mandarina Duck que seu pai trouxe de uma
viagem a Espanha, uma mala com calçados junto a uma nécessaire Mark
Jacobs que sempre deixava em Thibodaux.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Depois de uma ducha reconfortante, colocou-se em frente ao espelho.


Penteava o cabelo com a forma que já tinha: a franja úmida e reta, e o cabelo
liso bem estirado descansando nas costas. Por estar molhado parecia que tinha
o cabelo mais escuro, mas na realidade tinha um tom mel.
Estudou seu rosto com olheiras e sua tez pálida. Recordou tudo o que
Thelma ensinou.
Tinha-lhe ensinado muitas coisas. A amar a si mesma, a valorizar-se, a
sentir-se bonita por sua entrega e a respeitar-se tanto por dentro quanto por
fora. Sophie não era de se maquiar muito até que a conheceu.
Thelma foi uma mulher espetacular, loira, desafiante e tão provocadora
como um pôster de Sodoma e Gomorra na porta de uma igreja. E se sentia bem
com a provocação, cômoda em seu traje mais usado de trabalho e do dia a dia. E
era dominante até dizer chega, se é que se podia dizer chega a alguém a quem
gostava de dominar.
Adorava os desafios e sempre dizia a ela: “Nunca deixe que ninguém diga a
você que não pode. Se ama algo com tal intensidade para mostrar as garras por
isso, lute para conseguir sua total aceitação”.
— Ai, Thelma… — murmurou para o espelho, jogando outra olhada de
soslaio a sua nova tatuagem que levaria por toda sua vida. Tinha cores rosas,
fúcsias e amarelas pelas flores; verdes, pelo corpo da serpente dragão; branco e
preto, pelo rosto da japonesa… virou e viu que na base da tatuagem, de onde
emergia o corpo da mulher, havia três caveiras com desenhos nos olhos. Era
uma obra de arte que nunca teria comprado, muito menos estampado em seu
corpo. Mas agora já não podia fazer nada para evitá-la. Cuidaria dela para que
pelo menos parecesse bonita, tal como disse Nick. — Thelma. — virou-se,
agarrou o mármore da pia do banheiro e olhou diretamente para o espelho com
determinação. — Uma vez me disseram que as pessoas que morrem de maneira
violenta demoram muito a deixar este plano. — sussurrou. Tinha muito respeito
pelo mundo oculto. — Se ainda está por aqui, peço um último favor: me ajude a
recuperar Nick. Não quero me dar por vencida. — piscou emocionada e aflita por
sua situação. — Me ajude, estou rogando. Vou dar tudo o que tenho para
arrumar as coisas. Inclusive sabendo que isso pode significar minha total
destruição. Mas não me importa. Quero dar tudo por ele porque o amo mais do

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

que a mim mesma, e porque fui capaz de mudar por ele e me encontrar. Assim
— abriu o zíper da nécessaire — vou ser tão atrevida como me pediu para ser
longe da masmorra.
Thelma sempre tinha grandes lições para dar. Foi uma domina dura, mas
também uma amiga divertida, uma grande confidente e sua melhor assessora de
imagem. Tinha-a ensinado a tirar partido de si mesma.
E ia fazer isso.
Vestiu um jeans de cintura baixa muito justo, rasgado em partes
estratégicas e maquiavelicamente pensadas; e uma camiseta preta de alça com
as letras D&G na parte frontal, desenhadas com lantejoulas douradas. Sophie
não ia se esconder de nada nem de ninguém. Já não era a mesma, já não era a
menina rica e superprotegida dos Ciceroni. Agora era uma mulher trabalhadora,
uma mãe lutadora e sobrevivente cujas últimas experiências a fortaleceram e
tinham demonstrado que a vida era efêmera. E não a viveria com medo, apesar
de ter e muito. Porque viver com medo era viver como uma morta.
E continuava viva. E tinha que aproveitar.
Tinha noventa centímetros de peito, antes era oitenta. O leite os inchou. E
parecia uma roqueira do jet set.
Maquiou-se como Thelma a ensinou. Lembrou dela com um sorriso.
— Rosto natural, que ninguém nota que está maquiado. Vejamos, faça um
biquinho. — dizia enquanto ela mesma fazia o mesmo gesto. — Tem uma boca
muito sensual, Sophie. Tem que exibi-la. — Pintava seus lábios e depois lhe
dava um beijo na boca, nem úmido nem pervertido, mas sim bem na linha em
que se separa a amizade e o reconhecimento da beleza alheia. — Linda. Sim,
senhor. E estes olhos de cílios longos? Põe um pouco de rímel, Kohl preto e uma
sombra esfumada… e já terá a todos e a todas a seus pés.
E esse era seu estilo. Entre informal e elegante, mas com uma nota de
descaramento e provocação. Assegurou-se que seus armários não conservassem
nenhuma das peças conservadoras que costumava usar. Doou tudo. E mudou
profundamente.
A seus pais não foi difícil acertar com a roupa. Tudo o que havia nas
gavetas, cabides e sapateiras respondia a seus novos gostos.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Calçou os sapatos de grife e plataforma com correias de couro preto nos


tornozelos. Deu um último olhar à sua roupa.
— Vamos. — animou a si mesma. — Apaixonou-se por mim uma vez. Pode
voltar a se apaixonar.
Dispôs-se a descer ao andar de baixo justo quando soou a campainha da
casa.
A visita tinha chegado.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

CAPÍTULO 5

Qualquer mulher temeria Karen. Sophie estava convencida de que o medo


que as mulheres inseguras e ciumentas sentiam pelas colegas de trabalho de
seus maridos foi originado por aquela mulher de exuberante cabelo cacheado e
negro, olhos escuros e misteriosos, e um corpo de curvas voluptuosas.
E ainda por cima era policial. Isso deixaria todos os deuses excitados.
Karen sorria para Nick sob a moldura da porta branca depois de saudá-lo
com carinho. E em Sophie entraram os mil demônios da insegurança. Não teria
falhado jamais com ele, supôs. E Nick a apreciava o suficiente para lhe contar a
delicada situação em que se encontrava sua ex-mulher.
Então ela levantou o olhar com sincero interesse e o cravou em Sophie.
Esta entrecerrou os olhos, desejando soltar bufos como os gatos, mas não sabia,
assim não ia fazer papel de ridículo.
— Oh. — disse Karen com voz odiosamente feminina. — Fico feliz en ver
que Sophia tem tão bom aspecto, depois de tudo.
Sophie terminou de descer as escadas e se deteve na frente deles.
Nick se virou, pois não sabia do que estava falando. Olhou-a com
assombro, com esse olhar masculino, não com a admiração divertida com a qual
a observou Karen.
Nick franziu o cenho e engoliu em seco ao vê-la daquele jeito. Desde
quando Sophia se vestia daquele modo tão… sensual? Sempre foi muito
conservadora, inclusive com sua roupa. Nick achava bom que se vestisse como
sentisse vontade, mas reconhecia que essa roupa tão desafiadora e
elegantemente descontraída caía nela como uma luva.
— Sophia — disse Nick depois de pigarrear —, eu te apresento Karen
Robinson. Minha parceira do FBI. — Não ia dizer mais nada. Sophie não
precisava saber o que eles fizeram juntos durante a instrução.
— Olá, Karen. Encantada.
Apertarem as mãos educadamente, com um leve sorriso nos lábios que
indicava que nenhuma das duas tinha certeza disso.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Nick não compreendia esse “mundo mulheres”, mas esperava que Karen
contasse para ele depois. Ela sempre falava sem disfarces. Certamente explicaria
o que queria dizer esses olhares.
— Nick me pediu que analisasse a obra de arte que tem aí. — observou
seu braço com atenção.
— Vamos para a sala, por favor. — pediu Nick — Ficará para jantar? —
perguntou solícito — Vou encomendar comida japonesa.
Sophie o olhou como se tivesse soltado um piada.
— Muito adequado. — respondeu Karen sem afastar os olhos da
tatuagem.
Uma vez na sala, ambas se sentaram juntas no sofá de couro de três
lugares e pequenos pufes da mesma cor a seu redor. Sophie deu as costas a
Karen, e assim ela pôde afastar seu cabelo e parte da camiseta e observar com
atenção o desenho.
Nick permanecia de pé a seu lado esperando o veredicto de Karen, que
murmurava palavras em voz baixa cheias de descrédito.
— Nick… — disse Karen com prudência —, sabe o quanto são importantes
as tatuagens na Yakuza, não é verdade? Você tem o tigre, que significa
majestosidade. A força e o poder da energia interna.
— Sim. — disse ele.
— O clã da família Sumi fez isso.
— Sim.
Karen estava bem informada sobre isso, já que meses depois que Nick e
Clint deixaram o Japão, ela mesma teve que se infiltrar em uma missão
relacionada com um assunto de prostituição ilegal com estrangeiras em Tóquio.
Não a assustavam essas missões, enfrentar àquela gente que pouco tinha de
humana. Tinha visto tanto horror e tanta maldade que nada mais a pegava de
surpresa. Ninguém jamais a enganaria.
— Sim. O clã Sumi me fez isso como privilégio por pertencer a sua família
postiça.
Sophie não entendia nada de nada. A tatuagem de Nick não foi por uma
aposta? Como não?! Devia imaginar! Entretanto, essa tal Karen sabia de tudo. E

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ela, que foi sua mulher, não sabia nada… Mas não. Nick a tinha enganado,
tantas mentiras… foi tudo uma farsa? Inclusive seu casamento?
Indignada, levantou-se do sofá e encarou os dois.
— Me contem agora mesmo o que está acontecendo. — pediu — Quem
diabos me tatuou e por que? Japoneses? Yakuza? O que está acontecendo?
Karen olhou para Nick, esperando que desse permissão para que contasse
tudo o que sabia. Nick cruzou os braços, firmando-se como um armário e depois
disse:
— O que acha, Karen? Conhece a tatuagem?
— Sim, conheço sim… e não dou crédito. Não quero me precipitar, mas…
Estive quatro meses no Japão infiltrada no clã Yama, que se encarrega da maior
rede de prostituição em seu país…
— O clã Sumi também…
— Mas os Sumi se envolvem em tudo. — corrigiu-o Karen arqueando as
sobrancelhas. — Com drogas, lavagem de dinheiro, putas… — Karen falava
como um homem. — Os Yama só têm negócios de prostituição. Mandaram-me
ali para investigar se traficavam com norte-americanas e quais eram suas
estratégias para captá-las. Trabalhei em colaboração com membros da Interpol.
— Deus. — disse Sophie segurando a ponte do nariz com o indicador e o
polegar. — Não entendo nada…
— Conseguimos saquear parte de sua estrutura, mas já sabe o que
acontece no Japão com a Yakuza, Nick…
— O Japão é a Yakuza. Eles controlam o país. — assegurou Nick.
— Sim, virtualmente. Como a Rússia está dominada pelas bratvas e as
ruas da América Latina por uma quantidade enorme de gangues… As máfias
são muito poderosas.
— Sim. E o que quer me dizer com isso de que esteve com os Yama?
— Os Yama estão se confrontando com grande parte dos membros das
outras yakuzas. Tornaram-se agressivos e desafiantes. Quando têm desavenças
com as demais máfias, nunca se esquecem disso. Têm sua própria maneira de
se vingar delas. Sabe o que fazem?
— Não. — disseram Sophie e Nick ao mesmo tempo.
Karen segurou Sophie pelo pulso e a aproximou dela.

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— Marcam as mulheres dos líderes dos clãs rivais. — Assinalou sua


tatuagem. — Marcam-na com seu símbolo. O símbolo do dragão. Mas não é um
dragão qualquer. É o hannya mais conhecido de todos, o hannya mulher: Kiyo
Hime, a despeitada.
— Que ironia… — murmurou Sophie.
— Desta maneira — prosseguiu Karen —, asseguram-se de ofender
profundamente a seus inimigos. As consequências para essas mulheres podem
ser fatais… Inclusive depois de forçá-las, de sequestrarem e marcarem contra
sua vontade, o clã não as admite de novo. Algumas acabam mortas; outras
terminam como concubinas dos membros do clã Yama. As que têm menos sorte
acabam fazendo parte de sua rede de prostituição e quase nunca se volta a vê-
las.
Sophie levou as mãos até a boca e arregalou os olhos.
— Está me dizendo que… pretendem que eu… trabalhe para eles?
— Você não vai trabalhar para ninguém. — interrompeu-a Nick. Não ia
permitir. — Ninguém vai te fazer nada.
— E por que a mim?! — gritou Sophie — Eu não pertenço a nenhum clã!
Por que esse maldito louco se fixou em mim?!
Karen se fazia a mesma pergunta, por isso esperou que Nick respondesse.
A Yakuza não agia sem que houvesse interesses no meio. Sophie, por algum
motivo que não descobriram ainda, era um prato desejado para os Yama.
— Karen — o rosto de Nick era imperturbável; sob o gelo dourado de seu
olhar se escondia uma férrea determinação, era como se acabasse de
compreender algo —, tem as senhas de acesso ao relatório completo do caso
Amos e Masmorras?
— Não.
— Terei que usar um decodificador… — murmurou pensativo.
— O que vai fazer? — perguntou Karen com um meio sorriso.
— Preciso me conectar ao sistema do FBI e acessar a informação sobre os
licitantes oficiais que se registraram na compra de submissas durante o torneio.
Quero saber de tudo: país de origem, endereços de IP…
— E por que isso? Acha que a licitação do final pode nos dar respostas ao
que aconteceu com ela?

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— Tenho uma maldita intuição.


Karen revirou os olhos.
— Então, salve-se quem puder… Conheço suas intuições como a palma da
minha mão. Vai precisar de um camuflador, Nick. A segurança aumentou desde
que Montgomery está no hospital e integrantes da corporação traíram o FBI no
caso de Yuri Vasiliev e o Mago. Mudou todo muito.
— Não me importa. Clint me ensinou muito bem.
— Clint ensinou muito bem a todos. — reconheceu Karen com um pouco
de tristeza em sua voz.
Sophie olhava de um para o outro se sentindo completamente inadequada.
Nessa equação, nessa troca entre parceiros e amigos, ela era uma completa
desconhecida. Sobrava. Não sabia do que falavam, não entendia o jargão, nem
podia chegar a imaginar o que ela tinha a ver com os japoneses. Mas a queriam.
— Fica para o jantar, Karen? Vou fazer pizza ao estilo Chicago e um queijo
provolone com chouriço crioulo. — disse como se fizesse apenas umas horas não
a tivessem sequestrado.
— Hã, é óbvio… — respondeu Karen, espantada.
Sophie surpresa com sua própria moderação, entrou na ampla cozinha,
sem querer refletir quão desolada estava por se sentir tão infeliz porque a
ignoraram. Em sua anterior inspeção já tinha comprovado que Nick tinha a
geladeira cheia. Sabia que caso a fome os atacasse, não teriam problema para
saciá-la.
Karen e Nick tinham uma química estranha entre eles. Uma dessas que
feria a terceira pessoa em discórdia. E acabava que ela era essa outra pessoa: a
outra.
Virou-se sem mediar mais palavra e desapareceu atrás das grandes portas
da geladeira prateada, procurando o que precisava.
Cozinhar.
Isso sempre a relaxava e fazia com que se sentisse mais segura.
Karen e Nick ficaram olhando Sophie em silêncio. Não a detiveram.
Ele franziu o cenho. E sua amiga insistiu com ele para que fosse atrás
dela com um gesto do queixo. Nick negou com a cabeça, sabendo que
necessitava daquilo como distração. Para sua ex-mulher, enfiar-se na cozinha

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seria terapêutico. Podia pensar sobre o que aconteceu com ela durante o dia e
encontrar respostas de como resolver os problemas que tivesse.
E essa Sophie… tão diferente e ao mesmo tempo tão a mesma de sempre,
desorientava-o e confundia. Sentia a necessidade de cuidar dela e de mimá-la,
mas ao mesmo tempo, a imperiosa urgência de demonstrar a ela que era ele
quem mandava ali, que a partir desse momento devia obedecê-lo em tudo.
Tinham que enfrentar um grande perigo. Tanto sua vida quanto a de
Sophie corria perigo.
Já não havia tempo para mentiras, para nenhum dos dois. Ou se
apressavam e encontravam o tatuador ou um novo inferno se abriria diante
deles. Um inferno cheio de kanjis, tigres e leões que não estava disposto a
experimentar outra vez.
— O que vai fazer? — perguntou Karen.
— Cleo Connelly é muito amiga do chefe de polícia de Nova Orleans.
Fizeram um retrato falado e uma foto de busca e captura do sujeito que levou
Sophie. Enviaram-na a todos os locais da redondeza. Há vigilância em todas as
estradas.
— Um retrato falado de um sujeito que nem sequer viram o rosto? —
perguntou admirada.
— Cabelo preto e comprido, pálido, ferido e de olhos puxados.
— Japonês?
— Estou convencido. Sophie diz que ultimamente tinha visto algumas
vezes um Jaguar dourado, que sentia que a seguiam.
— Não é um carro muito discreto. — opinou Karen deixando-se cair no
sofá. Vestia jeans, botas de cano alto e uma camiseta branca. Cruzou uma
perna sobre a outra e balançou a cabeça. — E se procurarem nas bases de
dados do aeroporto da Louisiana?
— Não estamos seguros de que o sujeito tenha chegado até aqui de avião.
Não sabemos nada. É como procurar uma agulha em um palheiro. Ou temos a
sorte de encontrá-lo aqui ou será muito difícil encontrá-lo. — sentou-se a seu
lado de maneira amistosa e Karen pôs uma mão sobre o ombro dele. Nesse
momento, na cozinha aberta, Sophie partia a abobrinha e a berinjela, olhando-

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os com tanta força que parecia que ia quebrar a tábua de cortar. — Muito
obrigado por vir, Karen. — Olhou-a e sorriu agradecido.
— Prr, não me agradeça. — bufou — Isso é o mínimo que posso fazer por
você depois de deixá-lo sozinho no caso de Amos. Quebrar o braço depois de cair
das escadas não estava nos meus planos, acredite.
Nick se pôs a rir e deu de ombros.
— Bom, não foi tão mal.
— Eu sei. Agora são uns putos heróis… e ainda por cima depois saem nos
noticiários caçando Mago e Yuri no parque de diversões abandonado de Nova
Orleans. Sempre perco o melhor. — lamentou.
Nick voltou a rir. Sophie cortava a verdura cada vez com mais força.
Karen olhou dissimuladamente para trás e depois estudou de soslaio seu
ex-parceiro.
— Ouça… as coisas entre você e ela…?
— Não há nada. — sentenciou Nick.
— Que não há nada? — repetiu Karen contendo uma gargalhada. — Você
está mal, companheiro. Não há nada em meu estômago vazio. Mas entre vocês…
— Não siga por aí, K. Estou com ela para protegê-la. É a mãe da minha
filha. Não posso permitir que lhe aconteça nada…
Calou-se assim que Sophie pousou uma garrafa de vinho tinto com muita
força sobre a bancada. Serviu-se de uma taça até em cima e começou a beber
como se fosse água. Ele a olhou por cima do ombro e se encontrou com os olhos
castanhos dela cravados em seu cangote, perfilados por sua franja que era
insultantemente comprida. Bebia como uma esponja, mas com elegância, se é
que de verdade as esponjas gozaram daquele prazer alguma vez.
Sophie saboreava o vinho porque para ela era um prazer. Mas bebê-lo
como se tratasse de tequila esteve a ponto de fazer Nick sorrir.
Karen estalou os dentes e sacudiu a cabeça, sem se conformar.
— Meu amigo, não quero me meter, mas se olhares matassem, você
estaria debaixo da terra.
Nesse momento soou a campainha da porta. Nick se levantou com
normalidade para ver quem era.

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— Nick. — disse Sophie assustada atrás da barra americana sem soltar a


faca de cozinha, disposta a lutar para defender sua vida.
— Não é nada. — tranquilizou-a ele. — Faz uns instantes Cleo me
escreveu para dizer que têm informação para nos dar. Vem com Lion.
— Oh. — Sophie olhou a faca de cozinha. Seu pulso tremia, assim deixou-
a sobre a tábua e se obrigou a se acalmar. Odiou o sorriso de empatia de Karen.
Não queria a simpatia dessa mulher. Não gostava do que esteve escutando.
E precisava de uma amiga. Ficava feliz em saber que Cleo os estava
ajudando. Ela se concentraria em fazer um bom jantar. Tentaria relaxar e não
pensar nas coisas que Nick escondeu dela. E mais ainda quando esses segredos
tinham a ver com a mulher tão sensual que tinha sentada em sua sala.
Os abraços de Cleo eram tão sinceros como seus olhos verdes eram claros.
Sophie agradecia essa demonstração de carinho, mais ainda quando ainda não
tinha recebido nem o abraço de seus pais nem os carinhos de Cindy depois que
Nick a resgatou. Nem sequer recebeu os carinhos de Nick, e só Deus sabia
quanto os necessitava.
Entretanto, ele estava ali por trabalho. Disse isso a Karen com total
clareza. Ela o ouviu perfeitamente; fizeram uma tatuagem nela, mas não ficou
surda. Ou acaso seu ex acreditava que não podia ouvi-lo? Pois estava
equivocado, tinha escutado tudo.
Disse que não havia nada entre eles, que só estava fazendo seu trabalho.
Lion a saudou com amabilidade e a chamou de sobrevivente. Sophie
sorriu sem dar muita importância a isso.
— Se Nicholas não tivesse me encontrado… agora não estaria aqui. — Era
isso que devia valorizar. A vida, não? Mas então, por que tudo parecia tão triste?
Lion lhe dedicou um sorriso deslumbrante, próprio de um paquerador que
deixava a todas loucas. E Cleo estava louca de amor por ele. E vice-versa.
“Alegre-se, não sinta inveja”, disse a si mesma enquanto preenchia os
calzones e depois preparava o provolone com chouriço.
Sem saber muito bem como, no final todos acabaram na cozinha a
rodeando, olhando hipnotizados como amassava e untava os calzones, como
temperava as saladas. Já tinha posto o provolone no forno para que derretesse.

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Sabia o que estavam fazendo. Não estavam só famintos. Todos olhavam a


tatuagem. Aquela terrível tatuagem com flores japonesas, dragões, mulheres
com quimonos estampados e caveiras com pétalas nos olhos…
— Vocês gostam da minha tatuagem? — perguntou com sarcasmo.
Ninguém respondeu.
— Eu tenho duas. — disse finalmente Cleo para quebrar o gelo. — E uma
delas me fizeram no torneio, contra minha vontade.
Lion sorriu. Nick, que estava pondo a mesa na sala de jantar, abafou uma
gargalhada.
— Não se queixe, ferinha. — disse Lion, levando um pedaço de pepino com
molho de iogurte à boca.
— Não toque nada ou cortarei seus dedos, Lion. — disse a ele, dirigindo-
lhe um olhar predador. — A comida se come na mesa.
Lion arqueou as sobrancelhas negras até que só se manteve erguida a que
tinha uma cicatriz.
— Que caráter…
— Merece isso por ser mal educado. — espetou Cleo. Depois sorriu para
Sophie. — Minha mãe disse que vai colaborar com ela e que vai vender suas
raspadinhas e sobremesas em sua rede Orleanini. Sabia que é nossa mãe?
Sophie fechou o forno. Para o provolone e ao chouriço restavam cinco
minutos. Então se virou surpresa, até que amarrou os pontos.
— Oh, Deus… Claro. Sua mãe é a senhora Darcy. — murmurou
assombrada. — Que mundo pequeno. É adorável, sabia?
— Sim. Sei. — respondeu ela, orgulhosa.
— Ouvi que aconteceu algo com eles nos campos de algodão de Darwini…
— Sophie olhou para Lion. — Você estava lá também?
— Todos estávamos lá. Meus pais, os de Cleo, elas... inclusive Nick. —
respondeu Romano. Ele nos ajudou muito com o caso do tráfico de drogas e dos
russos, não foi companheiro? — assegurou pegando outro pedaço de pepino. —
Foram as bratvas de Yuri e o Mago as que nos espreitaram… Mas por sorte, isso
já ficou para trás.
Sophie soprou a franja. Lion se pôs a rir ao reconhecer o gesto de Cleo
também nela.

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— Falo sério, Lion. Se voltar a pegar outro pedaço…


Lion elevou as mãos para dar uma de inocente.
— Não fui eu. Foi a Coisa. — E tocou a barriga como se tivesse algo em
seu interior que comesse por ele.
— Então… todos estavam lá. — assumiu Sophie com tristeza, dirigindo
um olhar cheio de recriminações a Nick. Todos menos ela. Não é que não se
alegrasse de não ter sofrido esse ataque, mas lamentava que ele a tivesse
mantido tão à margem de tudo. E como era óbvio e já imaginava: Nick estava na
Louisiana quando ela ligou para ele assustada. — Você também estava em
Darwini, Nick.
Aquele homem loiro de seus sonhos encontrou o olhar dela, e sem abaixá-
lo nem um instante, respondeu:
— Sim.
Cleo e Karen, puro instinto feminino, ficaram surpresas ao ouvir o tom
cheio de acusações da jovem ex-esposa de Summers. Inclusive Lion soube que
tinha metido os pés pelas mãos ao dizer o que quer que tenha dito. Por isso se
apressou em ir aproximando os pratos que preparava Sophie à mesa e animar a
todos para que se sentassem para jantar.
A última a se sentar foi Sophie, que trouxe uma panela de cerâmica
fumegante cheia de provolone fundido e chouriço com especiarias.
Durante o jantar Cleo explicou o que Magnus disse a ela.
— Por enquanto não há rastro do Jaguar dourado. Temos a área toda
controlada e continuam procurando-o.
— Deve estar escondido em alguma garagem. Não saiu dali.
— Há mais. — disse Cleo. Durante o verão há agências de turismo que
organizam viagens especiais por toda Nova Orleans. A agência de Jimmies fez
contrato para duas viagens organizadas para um grupo de quarenta japoneses.
Os vinte primeiros chegaram faz três semanas. Os seguintes estão aqui há uma.
Nick se interessou por essa informação, como Sophie, que não ousava
interromper nenhuma das palavras de sua amiga.
Nova Orleans era um lugar muito turístico nessa época. Não era estranho
ver gente de todas as nacionalidades passeando pelo bairro Francês ou fazendo
a longa caminhada pelo rio de Magnólias de Woldenberg Park.

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— Quero a lista das pessoas que formam esses dois grupos.


— Já a pedimos a Jim, o Gordo. — disse em referência ao proprietário do
Jimmies. — Ele nos enviará todas as fotocópias amanhã mesmo. Mas precisarei
de um tradutor de japonês.
— Oh, não precisa, não é verdade Nicholas? — disse Sophie amargamente.
Karen sorriu e olhou para outro lado. Gostava da atitude de Sophie. Se ela
fosse ama de vocação, divertiria-se muito a submetendo.
Nick era um. Mas aparentemente faltava muita comunicação entre eles.
— Falo japonês perfeitamente. — respondeu olhando para Sophie.
— E é um excelente comprador de ursos pandas de pelúcia… — soltou ela
com aridez.
— Todo um prodígio, este Nick. — Lion piscou um olho para ela, divertido
com aquele jogo que traziam entre as mãos. — Já estão analisando o DNA
encontrado em Bayou Goula. Precisam de mais vinte e quatro horas para ter
toda a informação.
— Perfeito. Assim que tenham os resultados vou entrar em todos os
bancos de sangue do Japão. E não vou descansar até encontrar o que procuro.
— Hackear é ilegal, Summers. — Lion sorriu com sarcasmo. — Mas posso
te ajudar se quiser. — Ergueu sua taça de vinho.
Cleo revirou os olhos.
— Perfeito. Desde que deixamos nossos distintivos de lado, andamos
contra a lei.
— Não é isso. — protestou Lion — Mas temos nossos próprios meios para
burlar os sistemas. Vamos nos aproveitar disso. Ninguém nos ajudou com o
caso de Yuri. Suspeitavam de nós e de Lebedev. É justo que usemos nossos
conhecimentos.
— Tenho amigos da Interpol trabalhando ali. — interveio Karen. —
Quando tiver os resultados do DNA, podemos contatá-los para que nos ajudem a
nos colocar nos bancos e comprovarmos as semelhanças.
— Isso é genial, Karen. — agradeceu Nick com um sorriso sincero. — É de
grande ajuda.

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Sophie teve vontade de arrebentar a garrafa de vinho na cabeça de Karen.


E depois cravar a ponta quebrada no coração de Nick. Malditos. Se estavam
pensando que não se deu conta do que acontecia, é por que eram imbecis.
— Quero saber onde se hospedam. — disse Nick com o olhar fixo em sua
taça de vinho. Devia se concentrar em proteger Sophie e averiguar o quanto
antes possível quem a queria e por que. Colocou, sem estar consciente disso, o
braço por cima do respaldo da cadeira de Karen. — Quero um calendário de
todas suas atividades programadas…
Sophie ficou olhando esse braço como se pertencesse ao próprio Satã.
Karen pigarreou, incomodada por aquele olhar furioso.
— Amanhã terá tudo isso. — Cleo se serviu de um pouco de provolone e
também pôs uma porção para Lion, que observava tudo o que acontecia nessa
mesa com grande atenção.
— Terá que ir a casas de compras de carros de segunda mão e às de
aluguéis. Vamos ver se há alguma denúncia de roubo de um Jaguar. Esse
sujeito teve que tirar o carro de algum lugar. Não é dele. — assumiu Nick,
besuntando o bastão de ervas finas no queijo e levando pelo caminho um pedaço
de chouriço.
— Sophie — Karen falou com voz conciliadora, agradecida —, tudo está
delicioso. É uma excelente cozinheira.
Ela sorriu levemente, mas não lhe respondeu.
— Sophie é proprietária da rede de comida italiana e crioula Orleanini. —
informou Cleo com orgulho. — Suas pizzas, suas massas, seus sabores e tudo o
que faz têm muita popularidade em Nova Orleans. É um luxo que tenha
cozinhado para nós.
— Obrigada pelo cumprimento, Cleo. É o mínimo que posso fazer para
agradecê-los por sua ajuda e proteção. Sinto-me muito protegida, muito
obrigada. — confessou educadamente. Brincou com a ponta dos guardanapos
entre seus dedos, pois seu estômago tinha fechado. Umedeceu os lábios. —
Agora eu adoraria que não fossem condescendentes comigo e me dissessem a
verdade.
Todos emudeceram, incomodados pelo tom imperativo de Sophie.
— O que quer saber? — perguntou Cleo, franzindo o cenho.

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A jovem piscou com seriedade. Seus olhos castanhos refulgiram feridos.


Olhou de frente a cada um dos comensais.
— Meu ex-marido me escondeu durante anos que era agente do FBI. —
Sorriu sem vontade. — Ele me ocultou isso porque acreditava que se me
dissesse eu o abandonaria.
— Sophie… — sussurrou Nick.
— Não quero que me esconda nada mais. Estou cansada de estar à
margem, e nada mais me surpreende nem me assusta. Sendo assim, eu gostaria
de saber até onde chegou sua instrução.
— Sophie. — interrompeu-a Nick com um tom mais grave.
— Porque está claro que Nick e Karen têm muita intimidade. — continuou
ela com olhos lacrimejantes. — Também dormiram uns com outros na missão
de Amos e Masmorras?

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CAPÍTULO 6

Lion não sabia como reagir. Cleo avermelhou até a raiz de seu cabelo.
Karen pigarreou incomodada. E Nick… Nick apertou os dedos contra suas
palmas, esticando os punhos. Sophie tinha razão, mas estava equivocada em
uma coisa: Karen e ele jamais dormiram juntos. Praticaram juntos para as
domesticações. No princípio ele como amo, e depois como submisso.
Exercitavam o uso dos floggers, sua correta manipulação, o uso das cordas, das
algemas, das pinças… Precisavam conhecer aquelas ferramentas e,
principalmente, compreender o perfil psicológico de alguém acostumado a
mandar e de alguém que adorava se submeter.
Em Amos e Masmorras aprendeu muito. Mas nunca se tornou íntimo de
Karen até esse nível. Jamais.
— Meu trabalho exige uma série de sacrifícios. Me instruir e me colocar na
pele de um personagem… as domesticações eram parte do trabalho.
— Domesticações? Você fazia domesticações com ela? — Sophie se
levantou da mesa acusadoramente. Atirou o guardanapo com força sobre o
prato já vazio.
— As domesticações não têm por que ser… — tentou explicar Nick. Nem
sequer sabia por que tinha que lhe dar explicações. Já não eram um casal.
— Sei perfeitamente como é uma domesticação, Nicholas. — Apontou um
dedo para ele. — E não porque você me ensinou isso. Aprendi sozinha!
— Bem. Então saberá que muitas vezes… é somente trabalho. —
respondeu ele.
— Para Cleo e Lion também foi somente trabalho? Olhe para eles! Estão
apaixonados!
O casal se olhou com assombro e um pouco de vergonha, até que Lion
passou o braço por cima de Cleo e plantou um beijo em cheio na sua boca.
— Reconheça, ruiva. Está apaixonada por mim. — disse a ela em voz
baixa.
— Lion, não brinque… Isto é sério. Acredito que deveríamos ir. —
acrescentou incomodada ao ver Sophie tão à beira do choro.

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— É minha profissão. — continuou Nick levantando-se da cadeira como


Sophie. — A mesma que você tanto teme. A mesma que sua família negou para
sua filha. A mesma que faz com que hoje possa estar aqui te protegendo. Sou
agente do FBI, é meu trabalho, porra.
— Claro, Nicholas. — respondeu dando a ele razão como aos loucos. — E
os atores não deixam de ser profissionais enquanto trabalham, mas isso não os
impede de se apalparem e acariciarem centenas de vezes, cena após cena, até
que obtêm a perfeição.
— Nick é um cavalheiro e um ótimo profissional. Nossa boa relação é
somente de trabalho. Só somos amigos. — assegurou Karen, que não sabia onde
se enfiar.
Sophie desviou a atenção para Karen.
— Você não se meta. Não tenho nada contra você. Exceto o fato de que
meu marido jogou com você sexualmente quando ainda estávamos casados.
— Isso não foi assim. — disseram os dois ao mesmo tempo.
— Mais mentiras? — perguntou-lhes de frente.
— Bom… Isto começa a ficar muito incômodo. — murmurou Karen
levantando-se da cadeira com um sorriso de desculpa. Compreendia que Sophie
se sentisse com ciúmes e enganada, e que nada do que ela dissesse a faria
mudar de opinião. Pensaria o que quisesse dela e dele, até que Nick a
convencesse do contrário. — Tudo estava delicioso. Muito obrigada, Sophia.
— De nada. Um prazer conhecer a ama de meu ex-marido.
Karen se desculpou com Nick por partir tão rápido. Cleo e Lion fizeram o
mesmo. Ela abraçou Sophie para agradecê-la pelo jantar, tentando lhe
transmitir um pouco de energia positiva.
— Sophie… — disse ao ouvido dela. — Entre Nick e ela não há nada. Lion
e eu somos um caso à parte. Como minha irmã e Markus. — Aquilo só avivou
mais o fogo.
— Agora sim, que você consertou tudo. — disse Sophie apertando os
dentes, despeitada e furiosa. — Markus e sua irmã também se amam? — sentia-
se traída e nem sequer encontrava palavras para justificar adequadamente sua
indignação.
— Amanhã ligo para você e conversaremos.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Sophie assentiu fazendo bico quando Cleo a beijou na bochecha. Karen


passou ao seu lado e pareceu querer lhe dizer algo mais, mas não era o
momento. Lion e seus incríveis olhos azuis se detiveram na frente dela. Deu-lhe
um beijo na testa muito paternal e disse em voz baixa:
— Vamos embora para que façam as pazes. Mas saiba que se eu estivesse
na pele de Nick, não teria clemência com você.
— Vá embora. — grunhiu Sophie.
Lion foi o último a sair e fechar a porta às suas costas, deixando-os
sozinhos na sala de jantar. Entre eles se abriu um vazio que não demoraria a
ser preenchido com acusações de todos os tipos.
A mesa continuava posta. Um a cada extremo desta. Ela estava a ponto de
começar a chorar como uma criança. Controlou-se diante de todos, dos amigos
de Nick, aqueles que quase tinha convidado a partir com sua pouca educação.
Mas agora a represa transbordante de ira de seu interior ameaçava transbordar.
Já quase não restava orgulho. Foi-se ao montar aquele espetáculo.
Mas nesse momento, na frente do homem que amava e que a traiu… era
capaz de incendiar a casa.
— Você me surpreende. Nunca foi tão mal educada. — repreendeu-a Nick.
— Nunca me trouxeram a amante de meu ex-marido para jantar em casa.
Nick deu um passo ao lado; Sophie ao contrário.
— Karen não é minha amante. Jamais a toquei.
— Vá à merda, Nick. Oito anos da minha vida! Oito! Vivendo na pobreza
contigo! Maldito covarde mentiroso!
— Não me insulte, Sophie. — ameaçou.
— A ela você ensinou bem? Karen não fugiu de você na primeira noite?
Aquilo o feriu em seu amor próprio. Jamais quis assustá-la. Mas Sophie
se descontrolou, tomou as coisas pelo que não eram e tudo foi para o espaço. E
por isso… agora estavam assim.
— Sabe o que? Fico feliz de fazer o que fiz. — Sophie secou as lágrimas
com um antebraço.
— Alegra-se de ter me denunciado e ter estragado minha vida? Porque é
isso justamente o que fez.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Graças a isso descobri o que faz, quem é e do que você gosta. Do


contrário, teria vivido enganada o resto da minha vida. Assim deixa de se fazer
de ofendido porque você me decepcionou ainda mais do que eu o decepcionei.
— Acha isso? Que minha mulher me denuncie depois de mostrar a ela
meu lado dominante, acha que não é decepcionar?! Você me humilhou, Sophia!
— exclamou furioso — Você me privou da minha filha! Envergonhou-me perante
os meus!
— Tinha medo! — replicou ela.
— Você me colocou à altura do assassino de seu irmão! — gritou ele sem
poder controlar suas emoções.
Sophie não disse nada.
Nick deu outro passo para o lado e Sophie fez o mesmo. Os dois
começaram a caminhar ao redor da mesa, como hienas que perseguiam a sua
presa.
— Podia dormir tranquilo? Não sentia a consciência pesada por mentir
para mim com tanto descaramento dia após dia?! — Pegou uma taça de vinho,
um brilho ameaçador cruzou suas pupilas e a lançou com todas as forças.
Ricocheteou contra o peito de Nick e caiu ao chão, onde se quebrou em mil
pedaços. — Estava grávida de sua filha e jogava de amo e submissa com a
Karen! Porco!
A camiseta cinza de Nick ficou estampada de manchas vermelhas.
Inclusive de seu rosto jorrava o vinho da uva roxa. Uma enorme gota deslizava
através de seu queixo pétreo.
— Se voltar a me lançar algo, vou te pegar, Sophia, e te darei seu castigo.
Vou prendê-la no quarto escuro e vou deixar suas nádegas da cor das maçãs
vermelhas.
Nunca tinha imaginado que Sophie fosse tão ciumenta, tão possessiva.
Mas estava divertindo-o como uma escrava divertia seu amo para que jogasse
com ela.
— Olhe como estou tremendo. — ela respondeu agarrando um pãozinho
ainda tenro. Zás! Lançou e o acertou na bochecha esquerda. — Não me dá
nenhum medo, Nick. Nenhum. Não tenho medo de nada! — Abriu os braços e
olhou a tatuagem japonesa que parecia se exibir com orgulho. — Saí de Amos e

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Masmorras viva… Saí viva do maldito sequestro relâmpago com o japonês. Já


não sou a mesma ingênua e mimada que conheceu. Eu mudei.
— Não é imortal. Ainda corre perigo. — ele disse, preocupado por sua
segurança.
— Já sei, estúpido. Mas não vai me assustar que agora você venha me
perseguir e me ameaçar com seus joguinhos de segunda.
Nick sorriu de um jeito matreiro, jurando vingança por aquilo.
— Estúpido? Joguinhos de segunda? Você nem sequer imagina o que
posso fazer com você, Sophie.
Ela respirou com tranquilidade. Satisfeita por não sentir dúvida nem
terror perante o gigante loiro e hercúleo em que se converteu Nick. Não
suportava imaginar Nick tocando a outra que não fosse ela daquele modo,
exasperava-a.
Sentia ciúmes, mas não continha a vontade de conseguir que ele a tocasse
do modo que o proibiu uma vez. Queria demonstrar a ele e a si mesma que ela, e
não Karen, era sua verdadeira companheira de jogos. Que era sua esposa e que
continuava sendo de coração, embora o divórcio legal dissesse o contrário.
Continuava amando-o. Inclusive com mais força que antigamente.
— Não tem a tenacidade de Karen. — provocou ele. — Choraria como uma
galinha e depois me denunciaria outra vez. Não vou cair em seu jogo.
— Não é um jogo.
— Você me enganaria.
— Você também sabe disso, Nicholas… Oito anos fingindo ser um simples
comerciante… Não sei você, mas de onde vim isso é ser um mestre na mentira.
— Está zangada comigo. Se a dominar, ficará ofendida e voltará a me
julgar. Vamos deixar a discussão aqui. Mas que fique claro que nunca tive nada
com Karen. Tudo foi estritamente profissional.
— Não, Nick. Não. — Negou com a cabeça e engoliu em seco, querendo
demonstrar que falava muito a sério. — Me teste. — pediu — Você me deve isso.
— Devo isso a você? Por quê? — perguntou, ofendido.
— Por me enganar. Por me fazer acreditar que me casei com o homem que
não era. Dê-me a oportunidade de conhecer o que é de verdade. Talvez eu ainda
possa gostar desse homem. Ou inclusive ele possa gostar de mim.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Nick a olhou entrecerrando os olhos. Querendo acreditar nela, mas ao


mesmo tempo temia. Sentia-se como um esquizofrênico.
E Sophie sabia muito bem ao que estava jogando. Só esperava que seus
desafios surtissem efeito nele. Queria voltar a sentir Nick, embora fosse desse
modo. Queria que se apaixonasse por ela de novo. Demonstrar que também
gostava desses jogos, uma vez que os tinha assumido.
— Não. Diz isso agora e depois iria correndo para seus pais para…
— Droga, Nick! Fui ao torneio procurá-lo! — Começou a lhe lançar tudo o
que encontrava por cima da mesa. “Escute-me, tolo. Me dê a oportunidade de
me colocar em suas mãos e demonstrar quanto confio em você e quanto o amo”.
— Que mais tinha a te demonstrar?! Coloquei-me ali por você! Dê-me esta
oportunidade! Não me dê as costas agora! E se amanhã me matarem?!
— Não diga tolices.
— E se amanhã me sequestrarem de novo?! E se não tiver a sorte de
sobreviver outra vez?! Como se lembrará de mim?! Como a covarde que o
denunciou e o afastou de tudo que era importante?!
— Enquanto estiver comigo não vai te acontecer nada. Agora relaxe e
suba ao seu quarto para descansar.
Ela não se intimidava, desesperada por provocá-lo e chamar sua atenção.
Apertou os punhos com raiva e gritou com toda sua impotência:
— Thelma tinha mais coragem que você! Ela sim me ensinou! Você não!
Você se limitou a se render e a me deixar de lado e continuar jogando com a
Karen! Não me deu a…!
E em um instante, sem saber muito bem como nem quando, encontrou-se
carregada sobre o ombro de Nick como um saco de batatas. Mas ele não subiu
as escadas para levá-la ao seu quarto e prendê-la ali.
Não foi isso o que fez, mas sim abriu com chave uma porta branca que
Sophie não tinha aberto em sua inspeção porque estava fechada. E o que ela
imaginou ser uma porta falsa ou um sótão interno acabou sendo, nem mais
nem menos, o quarto da dor e do prazer.
Uma masmorra.
— Agora vai se calar, Sophia.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Nick a manipulava como se não pesasse nada. Deixou-a de pé no meio de


uma sala em que havia um trono de amo, onde certamente faria spankings…
— Acha que me rendi? Hã? — Tirou a camiseta dela por cima da cabeça,
com cuidado de não machucar a área da tatuagem. Já tinha deixado de supurar
e Sophie o lavava e o curava muito bem. Gostava dessa tatuagem. — Você me
afastou! Pôs a lei no meio.
Sua voz de aço retumbava em seus ouvidos e em seu coração.
— E agora quer me recompensar? Quer jogar comigo? Acha que posso
esquecer o que me fez? Esquecer insultos, ordens de afastamento e a vergonha
que me provocou que me apontassem como um abusador? Durante anos lutei
por você, anulei uma parte de mim mesmo só para conseguir sua aprovação, a
segurança de que não me deixaria, assim como o respeito de seus pais, que não
me queriam para você. Procurava sempre sua felicidade por isso tentava tê-los
contentes, como um cão que procurava carinho…
— Nicholas, mentiu para mim. E eu me equivoquei… nós dois cometemos
erros.
— Cale-se. Quem te deu permissão para falar? — Fixou seu olhar em seu
sutiã preto. Sim, tinha os seios inchados e maiores. A amamentação os
aumentara.
E então todas as objeções que tinha sobre mostrar a Sophie de novo seu
lado dominante desapareceram diante da possibilidade de vê-la assim. Gostava
tanto do corpo de Sophie…
E pronto. Ali estava. A dominação em cada célula de seu corpo, em seu
profundo olhar dourado, em seus lábios duros e em seu cenho um pouco
franzido.
Sophie engoliu em seco e seu corpo, devidamente adestrado por quem
tinha sido sua Mestra, reagiu ante o olhar quente daquele homem que agora era
seu amo com todas as letras.
Jamais teria imaginado que gostaria das ordens sexuais. Sempre se
considerou conservadora nesse âmbito, mas agora sabia que não era, que
sempre quis e necessitou mais, por muito que o tivesse ignorado.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Nick levou seus dedos ao botão da frente do seu jeans e o abriu com
ímpeto. Depois desceu a calça de um puxão, deixando-a só com a calcinha preta
transparente.
— Devo estar louco por fazer isto de novo. — disse a si mesmo, centrando
toda sua atenção na silhueta de sua ex-esposa. — Mas se quer fugir enquanto
pode…
— Já disse que não vou fugir…
— Silêncio. — Seu olhar convertia em pedra ao mais valente. — Acaso
Thelma não te ensinou a obedecer?
Sophie ergueu o queixo. Seus olhos amendoados lançaram um brilho
doloroso.
— Sim, senhor. Foi uma domina maravilhosa. E não quero que fale dela.
Não é justo. Ela morreu e era minha amiga. Como você perdeu Clint.
— Clint não está aqui. E você vai ter que esquecer a Thelma, porque aqui
no meu quarto eu sou seu amo.
Sophie se calou ipso facto. Conhecia seu papel. A submissão. Ele desejava
que ela se comportasse de maneira desobediente para castigá-la. Porque Nick
estava furioso. Estava fazia quase dez meses. Talvez tomasse a revanche desse
modo. Uma das normas do jogo era que o amo nunca realizasse uma
domesticação zangado emocionalmente com a submissa. Nick seria capaz de
feri-la?
— Tem o olhar de uma gazelinha assustada. — Nick se agachou e
desabotoou os sapatos dela. Sophie tinha uns pés muito bonitos e sempre muito
cuidados. — O mesmo que me dirigiu depois do role play que arruinou nosso
casamento. — ergueu-se e descobriu que a altura dos sapatos era fictícia. Ela
continuava sendo muito pequena a seu lado. — Se quer fugir, Sophia, tem a
porta aberta. Mas se me afastar outra vez, não a protegerei. Não sei quem está
atrás de você ainda. Mas se decidir me denunciar de novo, esqueça de contar
comigo para averiguar isso. Pode me insultar uma vez, mas não duas.
Introduziu os polegares pelas tiras da tanga e em vez de deslizá-la, como
fez com toda sua roupa, puxou o cordão fino e o rasgou para deixá-la
completamente nua. Podia escutar o coração frenético de Sophie de onde estava.
Medo ou excitação? Seja o que for, ela estava permitindo.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

A sala tinha correntes que penduravam de uma parede vermelha.


Uma cruz de Santo André colada à outra.
Um potro atrás do trono dourado e vermelho onde ele se sentou.
E muitos instrumentos de prazer tortuoso e dor extasiante.
Sophie ia prová-lo de verdade, pela primeira vez sem máscaras, sem
cuidados.
Estavam preparados para a primeira prova de fogo?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

CAPÍTULO 7

Aquilo era como uma perda de virgindade com toda pompa. Um casal
rompido teria relações completamente diferentes às que tiveram quando eram
felizes.
Sophie o amava muito. Nick, em troca, tinha suas desconfianças para com
ela. Não confiava nela.
Mas tanto um quanto o outro se desejavam com uma força distinta a que
sentiram quando se conheceram. Estavam mais amadurecidos. Mais fortes.
Sabiam o que queriam. Tinham uma filha em comum. E o tempo e a vida os
endureceram.
Talvez Sophie tivesse destruído o amor que Nick sentia por ela. Ou talvez
Nick tivesse decepcionado Sophia com suas mentiras.
Mas quem podia contra o poder das lembranças e da atração?
Nick a segurou pelo queixo e pouco a pouco introduziu um polegar em sua
boca.
— Vire-se, Sophia. — ordenou ele — Dirija-se à parede da frente para as
correntes.
Ela virou a cabeça. As correntes negras e metálicas, inquebráveis,
repousavam penduradas de sua amarração, descansando contra a parede.
Rindo dela. Tudo ali cheirava a novo e a limpo. Não o estreou ainda? Todas as
ferramentas eram virgens?
Caminhou até seu destino, descalça e vulnerável, sem nada que pudesse
cobri-la da inspeção daquele homem.
Nick a seguia colado a ela como um predador à sua nudez.
Quando chegou ele a pôs de frente à parede. E uma a uma, começou a
encadear seus membros.
As pernas bem abertas e os braços igual, por cima da cabeça.
Nick se recreou em como se curvavam as costas de Sophie, inclusive os
tons de sua tatuagem lhe pareceram bonitos. O cabelo liso e comprido chegava
até a metade da coluna… E seu traseiro alto, forte e arrebitado, atraiu-o como a
luz às traças.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Tocou-o com a mão aberta e depois agarrou a nádega direita pressionando


com força.
— Tanta beleza… — sussurrou ele em meio de um lamento. — Você me
proibiu isto, justo quando tinha mais vontade de te tocar. — Uniu seu torso às
suas costas e colou os lábios ao seu ouvido. — Meus dedos ardiam para te
acariciar… e agora ardem para castigá-la.
Plaft! Plaft!
Deu dois tapas fortes e secos, que não demoraram para avermelhar a
nádega da jovem. Sophie apertou os dentes e tomou ar.
Mãe de Deus! Nick tinha umas mãos enormes! Nada tinham a ver com as
de Thelma.
— Vai me denunciar por isso? — perguntou ele acariciando a pele quente.
Plaft! Plaft! Mais dois tapas na outra nádega. Sophie ficou nas pontas dos pés
para aguentar aquela ardência tão prazerosa. Imediatamente Nick esfregou a
pele e a acariciou. — Responda.
— Não, senhor.
— Está segura? Porque isto só acaba de começar…
— Não volte a me perguntar isso, por favor. Já disse que não.
— Compreenderá, princesa, que o que quero é me assegurar de que o que
fazemos é consensual e que não a obrigo a nada. — Afundou os dedos no cabelo
e grudou sua bochecha à dela. — Tem uma palavra de segurança, sabe?
— Não preciso dela, senhor.
— Sua palavra é “traidora”.
“E a sua é mentiroso”, pensou. Nick estava sendo chato e um pouco
mesquinho. Mas Sophie estava disposta a redimir-se como fosse.
— Sim, senhor.
— Se você ver que não pode aguentar mais, só tem que dizer. Quando se
assustar diga a palavra e pronto.
Sophie não ia se amedrontar. Thelma foi uma domina cruel. As mulheres
podiam ser mais violentas que os homens na hora da dominação.
Mas Nick era mais poderoso e intimidante. Não fez spanking só uma vez.
Repetiu o procedimento dez vezes e cumpriu sua palavra. Deixou seu traseiro
como a cor das maçãs vermelhas partidas.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Quando se deteve, Sophie pressionava os lábios e fechava os olhos com


força. E quando ele parou de dar tapas e começou a acariciá-la com tanta
dedicação, as lágrimas saltaram.
— O que se diz? — perguntou ele.
— Obri… obrigada, senhor.
Nick não queria ser clemente. Seu papel com ela seria duro porque
precisava disso. Precisava se comportar assim e desabafar por todo seu
sofrimento. Mas ao ver suas lágrimas, pareceu abrandar.
— Chora porque tem medo? — ele perguntou girando a cabeça dela para
que o olhasse nos olhos.
— Não, senhor. Choro porque adoro que me toque assim…
Nick franziu o cenho, desconcertado por sua resposta. Adorava ver Sophie
desse modo, longe de todo temor. E ao mesmo tempo, temia o que ela pensasse
dele ao experimentar seu toque em sua masmorra, ao se mostrar tal qual era na
intimidade, no sexo.
Não trouxe nenhuma mulher ali.
Sophie era a primeira.
A primeira mulher por quem se apaixonou. Sua primeira esposa. A
primeira que partiu seu coração. E a que estreava sua masmorra, o lugar mais
íntimo para ele, ali onde tirariam as máscaras para sempre.
— Sophia… — murmurou rodeando a estreita cintura com as mãos. —
Quer mais dor ou mais prazer?
Ela tinha aprendido a relacionar as duas coisas. E gostava de ambos. Mas
o que desejava de verdade era que Nick fizesse com ela o que tivesse vontade.
Sem medos. Sem remorsos. Não pensava queixar-se. Sabia que não podia
estar mais segura que com ele.
— O que desejar, senhor.
Ele sorriu, e sem estar consciente do que fazia, beijou sua cabeça como
agradecimento.
— E se o que desejo é possuí-la até que me diga chega? E se o que desejo
é marcá-la e entrar até o mais profundo de você, inclusive quando já não puder
mais?
— O que você quer, senhor?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Quero fodê-la como um animal. Isso incomoda a uma princesa como


você?
Ela estremeceu e mordeu o lábio inferior. Queria poder fechar as pernas
para sentir o quanto estava inchada, mas as correntes impediam. Mesmo assim
teve que morder a língua para não lhe responder acidamente.
— Tente, senhor. Talvez o surpreenda o pouco que me incomoda.
Mas no seu íntimo tinha muitas dúvidas, medos que flutuavam em seu
poço de insegurança, que como águas estancadas inundavam seu coração.
Nick nunca penetrou por completo.
Thelma a ensinou a jogar com os dildos e a trabalhar os músculos
vaginais para que fossem mais elásticos e para que sua estreiteza se alargasse;
do contrário Nicholas não poderia se aprofundar em suas investidas. Antes ele
sempre fazia amor deixando metade do pênis do lado de fora e a outra metade
dentro. Mas sempre ficavam uns cinco dedos para meter nela.
Nick esfregou o lóbulo de sua orelha com seu nariz enquanto descia o
zíper da calça.
Com uma mão tirou sua ereção pesada. Estava dura e quente, e apontava
diretamente para as nádegas de Sophie. Apoiou seu membro entre ambas,
movendo-o para cima e para baixo.
— Recorda como fazíamos antes? Já não vai ser assim.
— Eu sei, senhor — Sophie agarrou as correntes entre os dedos,
preparando-se para o que estava por vir — nem você nem eu somos os mesmos.
— Exato… e eu me tornei muito exigente e caprichoso. Quero tudo e não
descanso até que consigo.
De repente se separou dela. Sophie sentiu o frio nas costas. O medo de ser
abandonada a açoitou.
— Nick?
— Quem é Nick? — perguntou de longe, revolvendo um móvel de objetos
sexuais.
— Senhor? — corrigiu-se — O que faz?
— Ssshhh. Já vai ver.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Um som elétrico e vibrante retumbou na masmorra silenciosa. Sophie


olhou por cima do ombro para ver o que era. Mas não conseguiu. Embora o som
parecesse familiar… Tinha que ser um vibrador em forma de microfone.
— Olhe pra frente.
Sophie assentiu submissa e obedeceu sua ordem.
— Mantenha as pernas abertas. Não faça força, não se afaste.
— Não, senhor.
A verdade era que Nick assim a intimidava e excitava mais do que estava
permitido. Levaria uma grande surpresa quando a tocasse e…
Nick a segurou com uma mão pelo quadril e aproximou sua pesada ereção
à sua entrada. Introduziu-a fazendo força para frente, desfrutando da natural
lubrificação do corpo de sua ex-esposa que gemia e gemia, ficando nas pontas
dos pés.
— Sophia… Está muito molhada. — disse com um fio de voz.
Implacável, continuou avançando e corrigiu sua posição para que entrasse
por completo, deslizando-se por seu útero até o fundo.
— Senhor…
Nick lhe deu um tapa na nádega. Isso fez com que os músculos internos o
apertassem, sentissem-no e depois relaxassem. Nesse instante ele voltou a
apertar e a esticá-la por dentro, até que de um empurrão se meteu inteiro.
Zás! Dor e prazer. Céu e inferno.
O que nunca tinha conseguido com ela por medo de machucá-la, agora
conseguia possuindo-a como os cavalos, acorrentada a uma parede…
dominando-a.
E maldição… Sophie estava desfrutando.
Nick apertou os dentes. Estava a ponto de gozar de tão apertada que a
sentia. Olhou para baixo e não viu o que sempre via. Seu pau estava
completamente dentro; só os pelos loiros de seu sexo descansavam entre as
nádegas de sua submissa; os testículos estavam sobre seus clitóris.
Sophie mordia o lábio para não se queixar. Ele era como um vibrador
muito grande com os quais ela nunca conseguiu jogar por completo. Era como
estar trespassada por algo enorme à altura do estômago e entre as pernas.
Ardia. Ardia… era tão bom!

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Está preparada? — perguntou ele no seu ouvido.


Sophie negou com a cabeça e engoliu em seco, insegura. Isso ia doer. Mas
estava esperando isso com ânsia. Esperava a posse, o êxtase, a fúria e a
selvageria incompreendida de Nick. E ela o queria.
Mas então ele se apertou ainda mais, entrando até onde parecia
impossível, e colocou a parte do microfone negro e algo suave sobre seu clitóris.
Aquilo era um vibrador descomunal. Algo que a destruiria em questão de
segundos, morta de prazer. Apertava os músculos e via que não podia se
estimular mais porque tinha o membro de Nick agasalhado bem lá no fundo.
— Oh, por favor… — Sophie deixou cair a cabeça pra frente e tentou
curvar as costas.
Nick sorriu. Imobilizou-a com uma mão e começou a penetrá-la a um
ritmo hipnotizante com a força exata.
— É assim que eu gosto de fazer isso. Que não haja um centímetro de
você que não me sinta, que não haja um espaço em seu interior que não me
abrigue… — grunhiu.
Os testículos golpeavam pela frente a pérola vibradora, que estava
superestimulando o clitóris, inchado como nunca.
— Nick…
Ele a agarrou pelo cabelo, sabendo que ela também gostaria disso. Sophie
era uma submissa surpreendente. Desconhecia o que Thelma a ensinou para
que desfrutasse tanto… para que aprendesse a relaxar e a tomá-lo assim,
pedindo mais, absorvendo-o.
Mas a agradecia. E ao mesmo tempo o enfurecia, porque isso era ele quem
devia ter ensinado.
— Quem sou?
— Meu amo… — sussurrou ela, fechando os olhos pelo prazer.
— Por que diabos não me teme, Sophie? — Imprimiu mais velocidade a
seus quadris sem retirar a pérola vibradora.
— Isso já não vai mais acontecer, senhor… — murmurou querendo ceder
ao prazer. — Eu não o temo.
— Faz um tempo não era assim.
— Faz um tempo, senhor, você me surpreendeu e… Oh, Deus! Não pare…

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Ah, não, não… — deu outro tapa na nádega dela. — Gozará quando eu
disser. Nunca antes. Se fizer isso eu a castigarei.
Sophie sabia reter seu orgasmo, mas aquilo era tão bom que não queria
atrasá-lo. Embora Nick pedisse e ela quisesse agradá-lo. Desejava lhe mostrar
sua verdade. Seu arrependimento. Sua aceitação. E seu amor. Um amor que
nunca desapareceu, que só se turvou por medos absurdos.
— Sim, senhor.
“Sim, senhor… Mas já estou a ponto”.
Nicholas se deteve, tomando ar e fechando os olhos a meio caminho entre
o agradecimento e a estupefação. Isso estava acontecendo de verdade?
Olhou a seu redor e à mulher submissa e acorrentada a quem possuía
como se fosse um sonho. Era Sophie. Sophie Ciceroni. Sua ex-mulher.
E estava ali se entregando a ele.
Alguém a estava perseguindo e a tinha marcado, e Nick estava disposto a
descobrir quem era e matá-lo. Matá-lo, nada de levá-lo perante a lei. Os vírus e
as pragas deviam ser aniquilados. Nick, pelo que viu com o FBI, só acreditava
em sua lei e na de seus amigos.
Entretanto, inclusive sendo consciente do perigo que a rodeava, estava
dominando Sophie em sua masmorra. Estava fazendo amor com ela como se
fosse uma terapia para quebrar o gelo e afastar os temores e a tensão.
A adrenalina acumulada desde o dia anterior tinha que sair por algum
lado.
— À merda. — disse Nick sacudindo a cabeça, decidido a procurar o
prazer no corpo de Sophie. Ele merecia. Merecia por tudo o que teve que
suportar. E ela também merecia para que visse o que tinha deixado escapar.
Nick a saqueou por dentro, roubou-a deixando-a completamente nua. A
posse foi tão dura e esteve tanto tempo nela que sabia que quando acabasse
estaria irritada.
Sophie gozou uma vez, gritando e chorando de prazer. Quando pensou
que a penetração cessaria e que ele sairia, Nick não retirou nem o vibrador nem
tampouco seu pênis, que continuava movendo-se inclemente, atormentando-a.
— Nick… por favor…
— Por favor o que?

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Não ia escutá-la. Não sabia o que aconteceria no futuro, mas sua alma só
descansaria se marcasse Sophie à sua maneira, se demonstrasse a ela que o
sexo com ele poderia ter sido todo um mundo cheio de possibilidades.
Um corpo de gladiador como o seu foi feito para lutar e para dar prazer,
desafiando a sua mulher, pondo-a em guarda e possuindo-a como um animal. E
sabia que fazendo assim desataria as paixões mais obscuras e secretas da
educada e reprimida Sophie, nunca do outro modo, no espaço seguro, entre a
linha do decoro e do baunilha. Não. Sophie não se detonava assim. Uma mulher
tão dada à proteção e ao controle só podia voar livre com alguém que a
desafiasse e empurrasse ao abismo.
E esse alguém era ele.
De novo a levava a esse abismo de cores e fogos de atifício, a esse lugar de
um prazer tão mágico e divino que não parecia nem terrestre.
O segundo orgasmo foi inclusive melhor e mais doloroso que o primeiro.
Sophie estava tão molhada e tão bem lubrificada, ainda estando inchada, que o
som do sexo era inclusive afrodisíaco para eles.
— Assim, princesa… — escapou dele.
Não queria falar com ela com tanto carinho. Mas tampouco se importou
em chamá-la desse modo quando Sophie estava tão entregue e exposta. Era
linda. Seu cabelo liso solto por suas costas, a tatuagem em seu ombro e seu
braço… suas nádegas vermelhas pelo spanking. Nick endureceu ainda mais,
dobrou os joelhos e aproveitou a posição para penetrá-la mais intensamente. E
no meio do terceiro e fulminante orgasmo de Sophie ele se deixou levar, gozando
em seu interior, querendo lhe dar mais que somente isso… mas sem se atrever.
Quando as lembranças espasmódicas do êxtase desapareceram, Nick
desmoronou sobre as costas de Sophie, desejando que ela segurasse a ambos. O
silêncio se fez pesado. As palavras que nenhum dos dois se atrevia a dizer
brilhavam por sua ausência. Embora, nesse momento, nem um nem outro fosse
capaz de somar dois mais dois.
Nick deteve o vibrador e o deixou cair ao chão com um golpe seco. Sophie
ainda palpitava ao seu redor, como ele. E mantinha os olhos fechados e o rosto
coberto por seu próprio cabelo.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Levou a mão ao bolso da calça e tirou as chaves para abrir as algemas das
correntes.
Nick a liberou, mas não saiu de seu interior. Reacomodou-a sobre seu
peito e rodeou seu ventre plano com suas mãos.
— O que vai acontecer quando te soltar? — perguntou inseguro. Estava
preparado para outra nova grosseria, para novas acusações e novas denúncias.
Mas de nada serviriam, pois desta vez tudo estava gravado. — Faça o que fizer,
Sophia, não vai te servir de nada diante de um juiz.
— Droga, Nicholas… — murmurou lastimosa. — Eu te disse que não ia
fazer nada. Você não me dá medo. Não me assusta. Confio em você e…
— Bem, porque se me denunciasse de novo ficaria em evidência. Está
tudo gravado.
Sophie enrijeceu como pôde, pois ele ainda a mantinha presa em seu
interior, bem agarrada em seu pênis.
— Me solte. — disse ela indignada. — Não fala sério.
— Sim, falo. Olha ali e ali. — Apontou os cantos. — Há duas câmaras que
gravam tudo. Pode dar um tchau se quiser…
Nick deslizou para fora e saiu por completo, mas não a soltou, ainda a
rodeava com os braços.
— E o que fará com isso? Vai enviar a meus pais?
— Não sou tão mesquinho. Embora seria bom que entendessem como sua
filha é na realidade.
— Eles não precisam saber como sou para perceber que já não sou a
mesma. É imbecil, Nick.
— Sou precavido.
— Não. Está cego.
— Zanga-se porque quero me proteger?
— Zango-me porque não sei o que quer… Não sei o que precisa de mim. —
esfregou os pulsos. — Não sei o que fazer para te demonstrar que não sou a
mesma e que eu gostaria que me desse outra oportunidade.
Sophie se livrou de seu aperto e o encarou com lágrimas nos olhos.
Lágrimas desenfreadas pelos orgasmos e por sua falta de confiança. Olhou-o de

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

cima abaixo. O que viu a ofendeu mais do que todo o resto. Piscou atônita e o
olhou como se fosse um estranho.
— Usou uma camisinha?
Nick levantou uma sobrancelha loira e deu de ombros.
— É óbvio.
— É óbvio? — repetiu ela, um pouco perdida. O que pensava que era isso?
Uma reconciliação. Caramba, estava muito longe de se redimir. Nick transou
com proteção como se fosse uma estranha.
— Não sei com quantos homens esteve, Sophia… Rob está sadio?
Sophie franziu os lábios estudando Nick como se fosse um ditador,
alguém cruel e desconhecido para ela.
— Gostaria de bater na sua cara agora mesmo. Você está bem da cabeça?
— grunhiu, aflita. — Quantas vezes tenho que dizer que não há nada entre eu e
Rob?
— Quantas sejam necessárias, Sophia. — respondeu sério. — Quantas
sejam necessárias. Esse sujeito sabe mais da minha filha do que eu. Não
acredito que esteja exagerando. Durante meses ele fez o meu papel. Talvez
também o tenha feito na sua cama.
— E talvez acabe te matando esse rancor que guarda em seu interior.
Acaba de fazer amor comigo acorrentada em sua masmorra… Que mais precisa
que eu faça?
— Estou morto há meses, linda. Terá que fazer mais para me devolver à
vida, não acha? O que lhe parecem dez meses de agonia?
Sophie procurou uma saída da masmorra. Não gostava de estar nua e
vulnerável diante desse Nick. Principalmente porque o que dizia lhe parecia
lógico. Mas ela nunca teve nada com Rob. Não gostava dele como homem. De
fato, o único homem que amava e que a deixava louca era o gladiador
inclemente, suado e meio excitado que tinha diante de si. E não podia domá-lo.
Nunca se poderia domar a um domador.
— Só houve um homem na minha vida. E esse é você. Pode dizer o
mesmo? — ela o provocou.
— Posso. — afirmou ele — Mas isso não muda nada.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

O que mudava ou não que nenhum dos dois tivesse tido outro parceiro
não sabiam.
Mas estavam juntos nisso.
Agora, a única coisa que importava era mantê-la a salvo. Embora para
Sophie a maior ameaça fosse Nick.
Depois de uma sessão tão intensa ele esperava cuidar de sua submissa,
não discutir com ela. Além disso, Sophie devia apreciar completamente. O
melhor era sempre as atenções, os cuidados e os carinhos depois de uma
domesticação. E ele era muito carinhoso.
— Vamos fazer uma trégua. Vamos dar um tempo, tudo bem? — Ofereceu
sua mão. O cabelo loiro e despenteado colava-se ao suor da testa. Olhou-a com
inconscientes olhos suplicantes, esperando que ela aceitasse ir com ele. —
Chega de conversa, Sophia. Vamos dormir. Amanhã nos espera um dia muito
longo.
Ela observou sua mão e negou com a cabeça.
— Minhas pernas tremem. Não sei nem como me mantenho de pé. Não
posso caminhar.
Em um suspiro, Nick a pegou nos braços e carregou para sair da
masmorra.
— Então eu a levo.
Tirou a camisinha com uma mão e a jogou no cesto de papéis metálico
que havia ao lado das escadas.
Sophie olhou sem que ele percebesse. O saco de lixo estava limpo, preto e
sem lixo.
— Nicholas…
— O que? — ele perguntou subindo as escadas de madeira.
— Não usou nenhum objeto da masmorra com ninguém.
Ele não a olhou. Abriu a porta e saíram ao corredor que dava para a sala,
para subir de novo as escadas que os levariam aos quartos.
— Não. — respondeu ele.
Não. Essa masmorra foi estreada por ela, pensou satisfeita.
E saber disso, estar tão segura disso, deu-lhe um novo raio de esperança.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Nick a esteve esperando, agarrando-se à esperança de que algum dia ela


retornaria. Foi viver na Louisiana e a casa era bem ao lado do zoológico porque
Cindy e ela adoravam animais.
Não era uma mera coincidência. Tudo tinha seu propósito.
Embora o amo orgulhoso não quisesse revelar de novo seu coração, ela o
conseguiria.
Porque o ódio só se destruía com amor.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

CAPÍTULO 8

Sophie despertou aquela noite no meio de um pesadelo. Primeiro via


homens mascarados em uma tela de televisão apontando para ela e leiloando-
a… Depois um tiroteio em um navio. E em seguida alguém cobria sua boca e a
levava a uma igreja a qual não podia escapar. Sentia cortes nas costas que
nunca antes experimentou; um medo atroz não a deixava nem respirar.
Sophie lutava, mas nem sequer sabia contra quem. Quem era seu captor?
Por que fazia isso?
Em seu desespero, só podia chorar por Cindy e pedir o auxílio de Nick…
Talvez ele a salvasse, talvez tentasse superar todo o ódio que sentia por ela pelo
amor que uma vez lhe professou… E isso o animaria a ir procurá-la.
Mas então o sujeito lhe disse algo em japonês que ela não conseguiu
compreender. Mas uma palavra soava acima da outra… Kotei.
— Nick! — gritou ela entre as brumas da inconsciência.
Nick não tinha dormido com ela.
Depois da sessão, levou-a ao seu quarto onde pôs bálsamo calmante nas
nádegas dela, massageou-as até que desapareceu a vermelhidão, e logo também
limpou e massageou sua virilha. Cuidou dela e o fez com dedicação. Sophie
dormiu sob seus cuidados, e ele aproveitou para deixá-la descansar e ir dormir
em seu quarto no andar de cima.
Entretanto, ao ouvir seus soluços se assustou e desceu para ver o que lhe
acontecia. Devia ter imaginado que teria pesadelos.
Agarrou-a e a abraçou, colando-se às suas costas, tranquilizando-a como
pôde, pois Sophie ainda brigava com raiva, esperneando, dando bofetadas ao ar,
tentando proteger-se de seus pesadelos.
— Ssshhh, Sophie… Calma. — Acalmou-a com carícias, falando
suavemente ao seu ouvido.
Odiava tanto vê-la assim… Quanto tempo fazia que não dormia bem?
Sophie abriu os olhos desorientada. Quando viu que voltava a estar na
casa de Nick, no quarto que tinha preparado para ela e que era o calor dele o
que sentia atrás de suas costas, pôs-se a chorar como uma criança indefesa,

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

afundando o rosto no colchão, surpreendida por ele descobrir a angústia que


significava dormir ou descansar.
— Sophie… — disse com doçura. — Está a salvo, lembra? Eu a tirei de
lá…
Mas ela demorou a se acalmar até que os espasmos e os tremores
desapareceram. Tranquilizou-se embalada pelas suaves carícias de Nick, sobre
seus braços.
— Um pesadelo? — perguntou com interesse.
Ela bufou e sorriu sem vontade.
— Sim.
— Acontece frequentemente?
— O que você acha? Todas as noites, Nick.
— Entendo.
Sophie tentou levantar-se, mas ele não a deixou.
— O que sonhou?
— Uma mistura de tudo. O que aconteceu nas Ilhas Virgens, na igreja…
Com ele. Com a dor… — Olhou para ele por cima do ombro. — Como pode ser
que sinta essa dor se não a experimentei?
— Estava drogada, mas a pele tem memória. Seu cérebro registrou a
agulha, embora nesse momento não estivesse consciente… E agora é o que
recorda.
Ela balançou a cabeça, incrédula.
— Agora, ainda por cima tenho que recordar algo que me fizeram
drogada… Nem as drogas servem.
Nick se colou a ela, cobrindo-a com seu corpo enorme.
— Que mais recorda?
— Não muito mais... bem, sim… Uma palavra que me dizia
frequentemente e que tampouco recordava até agora.
— Qual? — Cravou o olhar na luz noturna que entrava através da janela.
— Kotei.
— Kotei? — ergueu-se sobre um cotovelo. — Dizia isso? — Seu rosto
continuava imperturbável.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Sim. — Sophie não queria olhá-lo, nem queria que ele se movesse.
Precisava senti-lo assim. Com ela. — O que foi? — Agarrou-o pelo braço e o
obrigou a rodeá-la de novo. — O que é Kotei?
— Significa “imperador”.
Nick fez gesto de se levantar. Tinha que falar urgentemente com Karen,
que teria acesso aos relatórios do FBI sobre o caso Amos e Masmorras, aos
nomes dos compradores, os IP’s… Precisavam identificar aquele sujeito e só o
fariam através dos contatos de Karen na Interpol. Quem era o Imperador?
— Nick, por favor, não vá. — ela suplicou envergonhada, sem olhá-lo.
Ele se deteve para observá-la com atenção. Sophie o surpreendeu. Era tão
valente e forte… depois do que sofreu nas Ilhas Virgens, qualquer um teria ido
viver com seus pais por medo de estar sozinha. Mas Sophie não. Ela voltou para
sua casa, para sua vida independente com sua filha, e seguiu adiante com seus
negócios. Como não? Não era uma mulher normal e comum. Era diferente.
Uma onda de honesta admiração percorreu o centro de seu peito.
— Antes, quando me deixou aqui e me massageou… dormi.
— Era essa a ideia.
— Sim, imagino… — disse pensando o contrário. — Mas… fazia tanto
tempo que não dormia assim…
Nick se reacomodou no travesseiro e começou a acariciar o cabelo dela
como sabia que gostava.
— Por que, Soph? — perguntou com um tom íntimo, de confidente. — Por
que não dormia bem? Tinha medo? Tinha pesadelos?
Ela limpou uma lágrima rebelde do canto de um olho.
— Não, não… Os pesadelos são o de menos. Parecem-me normais.
Claro que Sophie seria racional a respeito e consideraria o estresse como
algo que devia superar.
— Não posso dormir bem há dez meses… desde que o deixei. — concluiu
ela. — Me custa fechar os olhos e não te sentir. Sinto falta de que me acaricie o
cabelo, que me diga o quanto sou bonita… Sinto falta de quando me amava.
Cindy também sente sua falta… e eu tenho saudades dela. Quero vê-la! —
Começou a chorar de novo com tanto sentimento que ameaçava alagar o quarto.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Nick ficou em silêncio, paralisado. Não duvidava de que Sophie estivesse


sofrendo. Mas é que o acusou, tratou-o tão mal, como se jamais o tivesse
amado…
“Eu também senti sua falta. E ninguém me consolou”, pensou Nick com
amargura.
— Cindy ficará bem com seus pais. Agora deve estar afastada de nós. Eu
não gostaria que a puséssemos em perigo.
— Eu tampouco quero — fungou —, mas é que… é que… ela me dá tanta
energia. Ela se parece tanto com você…
— Cindy? Cindy não se parece comigo. É como você.
— Não é verdade. — refutou com um meio sorriso. — É tão loira, e tem
seus gestos e suas feições…
Nick a imaginou rindo e segurando-a nos braços, como fazia quando era
menor… Um beliscão de angústia voltou a estremecer seu coração e a turvar
seus pensamentos. Às vezes, Nick só podia pensar em sua dor e no que fizeram
com ele, em vez de ficar na pele de Sophie e compreender que para ela também
foi duro.
E nesse momento venceu a dor.
— Tem que dormir, Sophia… Amanhã será um dia duro. Dalton ficará
dormindo com você. Ele será seu protetor.
O golden estava deitado aos pés da cama tão profundamente adormecido
que parecia que nada o despertaria.
Sophie assentiu obediente e fechou os olhos. Nick não queria falar de
nada disso com ela. Entendia-o, mas doía do mesmo jeito ele rejeitar suas
tentativas de tentar conversar e solucionar seus problemas. Onde ficaram os
tempos de falar de algo?
— Nick?
— Hmm? — Cravou os olhos amarelados e um pouco avermelhados no
teto. Adorava tocar Sophie enquanto dormia; há um tempo foi sua fonte de
felicidade.
— Eu adoro Dalton. Mas não me deixe. Durma comigo, Nick.
— Sophie, tem que relaxar. Não vai acontecer nada com você. Aqui está
mais do que segura… Não pense se durmo com você ou não.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Mas se dormir comigo e eu voltar a ter um pesadelo, sei que entrará no


meu sonho para matar os dragões. — Fechou os olhos, esperando que essa frase
recordasse os primeiros meses da relação. Quando lhe dizia que dormisse
tranquila porque ele a protegeria nos sonhos.
E as palavras surtiram efeito.
Nick continuou acariciando seu cabelo, sentindo falta do que tinha
sentido no passado. Tinha nos braços a mulher valente por quem se apaixonou
anos atrás.
Mas agora tudo era diferente, viviam uma realidade cruel e instável. Tão
instável quanto seus sentimentos.

A manhã seguinte

Suas mãos e sua pele cheiravam a ela. Inclusive depois de ter tomado
banho. A essência das pessoas se podia gravar na pele quando se amava tanto
como Nick a amou.
Inclusive depois do divórcio continuava sentindo o cheiro dela nele. Em
sua roupa, nas poucas coisas que deixou na casa de Washington.
E agora estava em frente a seu computador, concentrando-se em protegê-
la em vez de possuí-la tal como tinha feito na noite anterior.
A dominação era viciante. E se Sophie apreciou tanto quanto ele, sem ter
em conta a tensão logo depois, certamente também recordaria todos os
orgasmos que a presenteou.
E iria querer mais. Porque se havia algo que não desaparecia jamais entre
um amo e sua submissa era a tensão sexual.
Quando seu telefone soou estava atento à tela do computador, tentando
procurar informação sobre os clãs japoneses a respeito de algum conflito atual
no Japão. Precisava compreender por que Sophie estava marcada por uma
gangue yakuza. Mas não encontrou nada.
Quem ligava era Leslie.
— Fale, Connelly.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Summers. Markus e eu estamos no estacionamento central da rua


Chartres, perto da casa do Vudu.
— Sim, conheço. O que fazem aí?
— É o terceiro estacionamento de Nova Orleans que revistamos
procurando o carro que Sophie diz que viu tão frequentemente.
— E encontrou algo?
— Petróleo, amigo. Na terceira tentativa. Há um Jaguar dourado
estacionado aqui. Pesquisamos a placa: é um carro com mais de dez anos de
idade, comprado à vista na concessionária de carros usados do velho Jeff, uma
semana atrás. Ligamos para ele e nos disse que o pagaram à vista; vendeu para
um norte americano de ascendência asiática. A data da venda coincide com a
chegada dos grupos de japoneses a Nova Orleans, esses que devem visitar a
cidade com as viagens organizadas do Jimmy. Tinha dois grupos de dez pessoas.
Jimmy nos disse que em um dos grupos houve uma baixa de última hora. Uma
pessoa que viajou com o grupo desde Tóquio, mas que ao chegar na Louisiana,
separou-se do resto e desapareceu.
— Tem que ser ele.
— Sim. Passou-nos sua foto.
— Parece-se com a descrição que te dei?
— Uns trinta, cabelo comprido, liso, negro, olhos puxados… Sim. —
sentenciou Leslie.
— Passem os dados a Karen para que os dê aos membros da Interpol e
possam verificar sua identidade.
— Já fizemos isso. — disse Markus ao telefone. — Eu também tenho
contatos na Interpol. E me deram os resultados.
— E aí?
— Nada. O sujeito falsificou a identidade de um homem de noventa anos
que morreu faz três no Japão.
— A porra de um fantasma. — grunhiu Nick golpeando a mesa com o
punho. — Então precisamos dos resultados de DNA. É a única coisa que nos
dará sua autêntica identidade.
— Quando acha que vai tê-los? — perguntou a ele.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Espero que esta tarde. — Nick fechou a tela do notebook. — Karen está
com isso. A que hora chegou o carro ao estacionamento?
— O chefe do estacionamento não pode nos dizer desde quando está aqui
porque não pode dar informação sem a permissão do dono. Agora vamos falar
com ele. Se o deixaram por aqui recentemente, saberemos que o sujeito está
ainda em Nova Orleans. E já saberemos por onde procurar. Com a foto que nos
forneceu Jimmy, temos mais possibilidades de encontrá-lo.
Nick se levantou da mesa do escritório com o telefone colado à orelha.
— Minha irmã e Lion vêm para cá. — informou pelo Bluetooth. — Dispõem
de informação sobre o material de tatuagem que esse indivíduo utilizou. Além
disso, Lion conhece o dono do estacionamento e será mais fácil que colabore
conosco se ele estiver aqui.
— Tudo bem. Avisarei Sophie para que se prepare. Agora mesmo nos
vemos lá.
— Bem. Até mais.
Nick desligou o telefone e o guardou no bolso de trás da sua calça.
— Filho da puta escorregadio. — sussurrou passando os dedos pelo
cabelo. — Vou pegá-lo, rato sarnento.
— Nick?
Ele levantou o olhar e o cravou na porta aberta do escritório.
Sophie estava lá, deliciosamente acordada com o rosto um pouco
ruborizado depois de uma boa ducha de água quente, já preparada para o novo
dia.
Usava calça curta de cor bege, sandálias de tiras negras de couro e uma
camiseta folgada e escura com flores violetas que deslizava para um lado e
mostrava, de novo e sem pudor, o ombro tatuado.
Parecia que Sophie gostava dela. Exibia-a como uma marca de
sobrevivência.
Nick desejou ir para ela e comer sua boca lentamente até exigir tudo o que
necessitava dela e mais. Mas tocá-la nesse momento, por mais vício e desejo que
a domesticação tivesse despertado, não era nem de longe uma boa ideia. Isso
não faria outra coisa que atrasá-los e, além disso, complicaria sua decisão de
deixar de lado as emoções.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Bom dia, Sophia. — disse o mais sério que pôde.


— Bom dia, Nicholas. — respondeu ela franzindo o cenho, um pouco
surpresa por sua diplomacia.
Parecia que se negava a aceitar o que tinha acontecido durante a noite.
Estava louco se acreditava que ela esqueceria, que não ia recordar. Já fazia
vários meses que tinha deixado de ser tão recatada. Desde que sua vida se
converteu em uma merda de infelicidade cheia de riscos. Só tinha duas fontes
de alegria: o bebê que agora não podia ver e o único homem que a odiava e em
cujos braços e correntes encontrou na noite anterior o significado da verdadeira
liberdade.
— Preparei o café da manhã para você. — disse Nick olhando-a de cima
abaixo. — Coma alguma coisa. Dentro de meia hora sairemos.
— Ouvi. — respondeu esperando que dissesse algo mais. Como por
exemplo: “Como está? Irritada?” — Encontrou meu sequestrador?
— Não. Mas encontraram o Jaguar.
Ela assentiu com a cabeça, afastou a franja dos olhos nervosa e
perguntou:
— Acha que encontraremos o sujeito que me fez… isto? — olhou a
tatuagem.
— Não descansarei até encontrá-lo. Não duvide.
Os castanhos olhos de Sophie sorriram, agradecida.
— Café da manhã comigo?
— Não. Já tomei o café da manhã cedo.
— Cedo? — surpreendeu-se e olhou seu relógio. — Nick, são oito da
manhã.
— Sei.
— A que horas se levanta? Por que tão cedo?
— Não pude dormir mais de uma hora. Estou acostumado a me levantar
às cinco da manhã.
— Às cinco? Mas se a essa hora ainda é de noite.
— Sim. Eu sei. Mas meus horários trocaram há meses e…
Ela piscou e inclinou a cabeça para um lado, tentando ler aquilo que não
lhe dizia.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Também custa dormir, Nicholas? Também sente falta de mim tanto


quanto eu de você? — De que valia a eles continuar escondendo seus
sentimentos? Viveram muito tempo escondendo coisas para fazê-lo inclusive
nesse momento quando viviam sozinhos, com medo que acontecesse algo a
algum dos dois. — Sinto tantas saudades sua… — Levou a mão ao coração. —
Tanta, Nick… Nada é o mesmo, sabe? — disse com tristeza, caminhando
lentamente para ele.
Nick fechou os olhos para não ser muito duro com ela pelo que ia dizer,
embora Sophie merecia saber a verdade.
— Não. — negou ele terminante. — Não é isso, Sophia.
— Ah, não? Vai mentir para mim de novo? — perguntou decepcionada,
detendo-se incrédula por sua negação.
— Cindy despertava às cinco e meia, sempre. Todos os dias — explicou
ele com frieza —, lembra disso? — Sophie ficou calada de repente, prestando
toda sua atenção. — Eu queria que dormisse a noite toda, que descansasse. Por
isso me levantava para lhe dar as mamadeiras que deixava preparadas na
cozinha. Depois disso, como se minha mente não pudesse esquecer, acordo a
essa hora como um relógio. — destacou a têmpora com raiva e a voz meio
entrecortada, um pouco envergonhado por ser tão fraco diante da melhor
lembrança de sua vida passada. — Às vezes, inclusive, acredito que a ouço
choramingar esperando que a pegue… Cada dia. Tento dormir um pouco mais,
mas não posso. Não posso. — Com gesto derrotado e o rancor ardendo em seu
interior, Nick passou ao lado de Sophie, bem erguido. — Não é de você de quem
senti falta. Você me expulsou, recorda? Mas foi Cindy a quem me arrebatou sem
que ela pudesse decidir. Minha dor, minha insônia e minha desgraça… Tudo
isso é por minha filha.
Para Sophie, aquela confissão fez tanto dano que não pôde nem se mover
do lugar até que ele abandonou o escritório.
Sentia-se envergonhada de si mesma. Reprovava-se por ter agido assim,
por ter afastado Nick de sua filha, ter partido seu coração… e era humilhante
pensar que Nick sentia falta dela quando só tinha saudades de sua filha. Era
patética até dizer chega.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

A bofetada foi incrível. E tão clara e devastadoramente honesta que


desabou todos seus castelos no ar, aqueles que ergueu para acalmar sua culpa.
Dissera a si mesma coisas como: “Agora serei sua submissa e ele me
aceitará… Se dará conta de tudo o que arrisquei por ele e me aceitará…
Retirarei a denúncia e ele me aceitará”.
Foi tudo tolice.
Pela primeira vez na solidão daquele escritório, gelada por suas palavras,
deu-se conta de que cabia a possibilidade de que Nick não a perdoasse, de que
não quisesse lhe dar outra oportunidade. E não podia reprová-lo nem um pouco.
Porque acabava de lhe demonstrar com essas simples palavras que escondiam
verdades terríveis, tão sangrentas como punhaladas, que havia coisas
imperdoáveis.
Podia humilhar um homem, como fizera com Nick, empurrada por seus
medos, por seus traumas. Porém se arrebatasse um filho de um pai, mudava-o
para sempre. Foi isso o que aconteceu com seu próprio pai quando seu irmão
morreu.
E ela, sem se dar conta, fez o mesmo dano a Nick utilizando Cindy,
tirando dele o direito de cuidar dela, de vê-la e de amá-la.
Cobriu o rosto com as mãos, arrasada ao descobrir que talvez não
houvesse luz em seu túnel escuro. Talvez fosse o momento de viver de suas
cores cinzas e de absorver qualquer faísca luminosa para gravá-lo em sua
memória.
Se quando acabasse tudo Nick não retornasse ao seu lado, só poderia
abrir mão desses brilhos para se levantar a cada dia.
E se isso fosse assim… aguentaria somente por Cindy, porque na
realidade sabia que sem Nick sua vida não teria sentido.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

CAPÍTULO 9

No Evoque reinava o silêncio. Sophie parecia tão insegura como uma


adolescente, embora cobrisse os olhos culpados com seus óculos de sol, pois
não queria mostrar quão doloroso foi escutar a verdade. Durante meses, nada
tinha ficado tão claro como a dor e a raiva de Nick ao lhe dar aquela resposta.
“Senti falta da minha filha”. Essas palavras ressoavam em sua cabeça
como se jogassem em um paredão dentro de sua mente.
Nick não havia tornado a abrir a boca. Enquanto Sophie tomava o café da
manhã como uma ratinha sem fome, ele se preparava para o que pudesse
acontecer naquela manhã.
Vestiu-se com jeans e uma camiseta cinza um pouco folgada. Por baixo
carregava o coldre das costas com sua pistola.
No Evoque, só Be Careful de Jason Derulo ocupava aquele vazio de
vergonha e ressentimento.
— Colocou a pomada? — perguntou Nick, também com seus óculos
aviador com lentes efeito espelhado.
— Sim. — respondeu sucintamente Sophie.
— Bem.
Não diriam nada mais, até que ela entendeu que devia sair de seu
intumescimento. Devia reativar-se, retomar as rédeas de sua vida.
— Sei que enquanto não pegarmos o sujeito que me persegue não posso
fazer muito. Mas… preciso ver Cindy. E fazer o balanço do faturamento da
Orleanini. Estamos no final de mês e…
— Pode controlar as contas de um computador, não é?
— Sim, mas preciso comprovar que vai tudo bem. Sou a proprietária. —
replicou orgulhosa.
— Não pode se deixar ver, Sophie. Nem pode se aproximar de Cindy nem
de seus pais. Ligaremos de outro telefone e falaremos com eles. — deteve-se em
um semáforo, prestando atenção aos transeuntes. — Mas não vamos expô-los…
— E não pensou que talvez já saibam tudo de mim? Não pensou que já
sabem quem são meus pais, quem é minha filha e quem é meu ex-marido? Eu

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

acredito… acredito que alguém que age assim tem em mente mil maneiras de me
machucar.
Nick sabia. É óbvio que sabia que esse sujeito sabia muitas coisas sobre
Sophie. O que não sabia era que se meteu com a mulher que não devia. Porque
nem todas contavam com a ajuda de um autêntico rastreador frio e metódico
como ele. Até agora não se deixou levar pela ira nem os nervos. Mas quando o
encontrasse… mataria-o.
— Sophia, entendo que se sinta insegura. — reconheceu — Mas quero que
algo fique claro. — Girou a cabeça para ela e a segurou pelo queixo, para
assegurar-se de que captava a mensagem. — Não está desprotegida. Estou
contigo. E meus amigos também. Nunca deixamos ninguém para trás.
Ela lambeu os lábios e assentiu com angústia. Sentia-se agradecida por
ter tanta gente tentando ajudá-la.
— É só que… sinto falta de Cindy. É duro estar longe dela… Quero
abraçá-la.
— Acredite em mim que a entendo. Mas são só uns dias. — Insinuou com
um pouco de aversão. — Uns dias sem vê-la não são nada. Aceite.
Ela afastou o queixo e abaixou a janela do carro, mas Nick negou com a
cabeça e a levantou de novo.
— Ninguém pode vê-la. Lembre-se. Ou prefere que ponha um pôster
luminoso que diga que Sophia Ciceroni está aqui? — repreendeu-a.
— Vai me deixar respirar em algum momento, Nicholas? Porque ou mata o
que me persegue ou acredite que este carro cheio de despeito acabará comigo. E
prefiro um tiro ou seja o que for que possa me fazer esse japonês, a esta morte
lenta a que me castiga com sua hostilidade disfarçada de fria educação. Não
suporto isso.
Nick levantou o canto de seu lábio e arqueou as sobrancelhas, que se
levantaram por cima da armação de seus óculos.
— Pois tem que fazê-lo, princesa. Porque este é meu trabalho e é a única
coisa que sei fazer bem. E asseguro que não quero que minha filha fique órfã de
mãe.

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LENA VALENTI
AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Em uma coisa estamos de acordo. — replicou zangada. — Porque eu


tampouco quero deixar Cindy sozinha com um pai que não tem nem ideia do
que é a indulgência.
— Uma coisa é ser indulgente, mas outra é ser Deus. Ele é o único que faz
milagres, caso exista. Agora me escute e não procure discussões comigo, porque
caminho sobre uma corda muito bamba contigo.
“Mais claro que a água”, pensou Sophie devastada.
Ambos se desafiaram, olhando-se através dos espelhos, demonstrando
que cada um tinha sua opinião a respeito.
— Odeia-me, Nick? Já não há nada do que você e eu sentíamos antes um
pelo outro? Porque ontem à noite não parecia isso…
— O sexo fica na masmorra, entendido? Se não quiser que as coisas sejam
assim e há algo do que possa se queixar da noite anterior, então não volte a se
colocar na bandeja diante de mim. Porque não vou mudar.
— Não falo da masmorra… falo de como é fora dela comigo.
— Lamento, Sophia. Agora só posso te dar isto. — deu de ombros — E já
te disse que se não quer voltar a ter intimidades comigo, só tem que dizer.
— E se for à polícia? Porque me fere que me trate assim. Prefiro que me
proteja algum guarda-costas que não esteja tão vinculado emocionalmente
comigo como você. — exclamou — Aposto que pode fazer o que você faz
igualmente bem…
— Falamos de foder ou de te proteger? Porque o primeiro é impossível e o
segundo é uma utopia.
— Não o suporto. É presunçoso, odioso, cruel…
— Estou vendo. Sou tudo isso? Então… já se rende? — Nick apertou um
músculo no queixo e moveu a cabeça como se não estivesse surpreso. — Já quer
partir?
— Mas… por acaso está me testando para ver quanta resistência tenho?
Sua raiva não é sadia! Esse despeito não vai acabar apenas comigo, Nick! —
gritou — Também o destruirá! E se não vê isso é por que está cego! Eu te
perdoei os anos que me enganou com respeito a seu trabalho! Não estou nem aí
que esteja no FBI! Já não me importa! E sabe o que mais? — Riu com tristeza.
— Depois da primeira noite que passamos juntos no campus, oito anos atrás, se

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tivesse me dito que ia entrar no FBI, não teria acontecido nada porque já tinha
me apaixonado por você perdidamente. Teria me importado da mesma forma se
fosse lixeiro, limpador de chaminés ou Superman, porque eu queria o homem
que era, não no que trabalhava. Nick… — segurou-o pelo queixo, rogando que a
compreendesse. — Nick… me escute, por favor…
— Não. Me escute você. Se não quer que a toque, não o farei. Mas há algo
que é inegociável. Ninguém vai cuidar de você. Só eu.
Estavam chegando ao estacionamento onde Leslie e Markus esperavam.
Acabavam de passar ao lado do Sylvain, um restaurante onde foram comer
juntos em alguns Mardi Grass; repetiram ano após ano, como uma tradição.
Ambos recordaram aqueles tempos ao ver o local e o ódio deixou espaço à
melancolia.
Por que não podia ser tudo como antes?
Em Sophie, o vazio que sentiu ao recordar esses momentos felizes a
deixou tão tocada que se calou de repente.
Tinha vontade de conhecer Leslie, a irmã de Cleo. E a esse russo perigoso
do qual todos falavam.
E o russo era tal como recordava, e isso que só o tinha visto de soslaio no
cruzeiro onde a levaram à força junto com outras garotas.
Todos os homens do FBI eram assim, saídos de fábrica? Grandes,
corpulentos e… tão comestíveis?
Os olhos ametistas de Markus e seu moicano vermelho a intimidavam
muito. Vestia-se todo de preto e uma tatuagem que chegava ao pescoço emergia
dentre sua camisa estreita. Mas então, Leslie Connelly, uma morena de cabelo
comprido e liso e com os olhos prateados de bruxa, apoiou-se em seu ombro
para lhe dizer algo ao ouvido enquanto os via chegar e ele sorriu para ela,
olhando-a com uma adoração que roçava a sonho e a veneração.
Sophie queria revirar os olhos porque diante dela havia outro casal
apaixonado que tinha participado de Amos e Masmorras. Aparentemente os
únicos desgraçados, os piores indecisos das Ilhas Virgens foram eles dois.
Leslie e Cleo se pareciam, mas cada uma tinha sua personalidade. Leslie
inspirava mais respeito que Cleo, parecia mais séria, mas Sophie intuía que o

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senso de humor de Leslie era muito fino e que era muito mais direta que sua
irmã caçula.
— Como está, loira? — perguntou Markus a Nick carinhosamente. Tinham
uma relação de camaradagem bastante especial.
Sophie franziu o cenho.
— Bem, soviética bêbada. — ele respondeu apertando sua mão com
energia.
Markus sorriu e se fixou em Sophie.
Ela não soube nem o que lhe dizer, só queria ocultar-se atrás de Nick e
esconder-se desse homem que parecia um assassino da KGB. Em troca, Markus
disse algo que a desconcertou.
— Ainda não é das minhas.
— Como? — perguntou Sophie, perdida.
— Essa tatuagem que leva no ombro. — Assinalou-a sem interesse. Sophie
a olhou como se a tinta tivesse descolorido. — Não está mal. É bonita. Mas…
ainda resta muito para entrar na máfia russa. — Sorriu para ela e piscou um
olho.
Sophie bateu os cílios a ponto de tropeçar diante de tal amostra de
virilidade sensual.
— Está brincando? — perguntou Sophie, ainda um pouco desorientada.
Leslie se pôs a rir e assentiu com a cabeça.
— Desculpe-o. É russo. Tem um senso de humor um pouco estranho…
estou incentivando-o a se abrir e interagir. E suas tentativas são… já viu. —
disse Leslie divertida.
— Ah… pois achei graça. — Sophie recuperou as rédeas e aceitou a mão
que Leslie oferecia. — É a irmã de Cleo, não é? Leslie.
— Sim. Eu mesma. Prazer em conhecê-la formalmente, Sophie.
— Digo o mesmo.
— É esse o carro que a perseguia? — Leslie apontou o Jaguar dourado
estacionado no número 333.
Sophie olhou para ele e se aproximou lentamente. Não havia dúvida. Era o
mesmo veículo.
— Sim. É esse.

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Nick caminhou junto a ela e se enfiou pela janela do piloto. No assento


havia bolinhas mais escuras e respingos que deslizavam até descansar no
capacho.
— É sangue. É seu carro. — Nick levantou a cabeça e procurou a cabine
do chefe do estacionamento.
Nesse momento Lion e Cleo chegaram em seu SUV. Estacionaram e
desceram do carro.
— O dono chegou? — perguntou Lion a Markus após saudar a todos.
— Não. Ainda não.
Lion assentiu com seriedade e depois se dirigiu a Nick com a segurança de
uma pessoa acostumada a estar no comando.
— Nick, os instrumentos que usaram para tatuar Sophie é de uma marca
chamada Cheyenne Hawk. Olhamos o número de série da pistola e consultamos
a loja onde a compraram. Foi na Downtown Tattoo na rua Frenchman. Não está
muito longe daqui. Nesta mesma manhã fomos lá perguntar acompanhados da
foto que nos deu a agência de Jim. E adivinha o que?
— Reconheceram o indivíduo.
— Exato. É o mesmo. É nosso homem. — assegurou — Utiliza cartões
falsos. O Master Card com que compra tampouco é dele.
— Porra… — Nick ficou pensativo. — Este estacionamento tem câmaras
de segurança. — Olhou para os cantos. — Talvez o dono nos permita analisá-
las.
Lion cravou os olhos azuis na cabine onde estava o empregado que
administrava as transações pelo dono. Estava falando com alguém.
Lion sorriu e lhe disse:
— Deixe-me cuidar disso. Conheço dono. — Pôs a mão no ombro dele e se
adiantou para contatar o homem misterioso.
Quando Nick virou se encontrou com o olhar de Cleo, que o agarrou pelo
braço e o separou da inspeção e inclusive dos olhares conspiradores de Sophie.
— Ouça você.
— O que?
— Que diabos está fazendo?
— Com quem? — perguntou sabendo perfeitamente ao que se referia.

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— Pensa que sou tola, Nick?


— Absolutamente, Nala.
— Então… por que Sophie parece tão infeliz?
— Porra, Nala… Alguém a está perseguindo e a sequestraram duas vezes.
— Pôs cara de pôquer. — É isso o que há com ela.
— Não. — Cleo o agarrou pela camiseta e puxou. — Não foi isso o que você
e eu combinamos, recorda? — disse enfatizando cada palavra. — Combinamos
que cuidaria dela, que a trataria bem.
— Cleo, sério, não me dê sermões.
— Essa cara é de angústia. Por que, se a ama tanto…?
Nick deu um passo adiante e a obrigou a abaixar a voz.
— Connelly — chamou-a por seu sobrenome para que soubesse que já
não estava de brincadeira —, não se meta.
— Não vou me meter. — respondeu indignada. — Mas deixe-me te dizer
que é um completo idiota.
— Como?
— O que ouviu. Vai fazer com que eu goste mais de Sophie do que de você,
apesar do que te fez.
Dito isto, Cleo se dirigiu a Sophie com um sorriso e foi se interessar por
seu estado, deixando Nick falando sozinho.
Quando Lion entrou no escritório do chefe do estacionamento já sabia o
que ia encontrar.
Prince Steelman era o proprietário dos três estacionamentos daquela área
turística de Nova Orleans. Steelman era outro dos sobrenomes ricos da
Louisiana. Faziam fortuna com os cassinos do lugar. Não é que fossem muitos,
mas obtinham grandes benefícios.
Dominic decidiu continuar com o legado familiar: continuou criando áreas
lúdicas e de jogo para adultos. Mas Prince viu nos estacionamentos um grande
negócio e o certo é que tinha acertado totalmente. Quando Lion se inteirou de
que iam ao complexo de estacionamentos que estava em frente ao Sylvain,
compreendeu que esse dia veria Prince de novo. Fazia muito tempo que não o
via. Concretamente, desde a briga nas Ilhas Virgens depois da etapa da
masmorra.

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Prince controlava bem seu entorno, por isso quereria saber por que
alguém com distintivo pedia para ver os vídeos de sua garagem e analisar o
interior de um carro abandonado. Insistiria em estar presente em todo aquele
procedimento.
E Lion não estava equivocado, do mesmo modo que sabia que Prince não
ficaria satisfeito ao vê-lo.
Aquele amo criatura muito alto olhou para ele com aborrecimento ao vê-lo
entrar no escritório.
Prince tinha o cabelo preto preso em um coque. Vestia uma camisa branca
com as mangas arregaçadas que deixavam à mostra a enorme chave tatuada
que descansava no interior de seu antebraço, e jeans azul escuro. Colocou os
óculos na gola da camisa e usava um Tagheuer em seu pulso que brilhava de
maneira insultante.
— Romano, o que faz aqui?
— Steelman. — saudou-o com seriedade, mostrando o distintivo. —
Precisamos de sua permissão para abrir um carro estacionado na vaga 333. E
analisar os vídeos das câmaras de segurança.
Prince ficou olhando o distintivo sem fazer um só gesto depreciativo.
— Por quê? — perguntou.
Lion olhou o subordinado de Prince, mas este não foi embora até que
Prince não o ordenou.
Uma vez sozinhos, os dois amos, frente a frente, puderam falar com mais
liberdade.
— Lembra-se do Tigrão? — perguntou Lion.
— Porra, claro que sim. Ganhou o torneio de Dragões e Masmorras DS. O
torneio foi todo um desatino. — murmurou em desacordo. — Quem ia imaginar
que aconteceria tudo o que aconteceu?
— Sim, bom… Sua mulher se meteu no torneio sem que ele soubesse. Foi
uma das submissas que os vilões da Old Guard sequestraram para vendê-la
logo no iate onde se celebrou a final…
— Sim, sim… — cortou-o levantando a mão para que poupasse essa parte.
— Estou a par de tudo.

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— Bem. Faz dois dias alguém voltou a sequestrá-la. Nick a encontrou. No


momento, está a salvo. Estamos protegendo-a. E acreditam que o proprietário
desse carro é quem a raptou. Precisamos nos assegurar quem é ele e averiguar a
hora em que o veículo entrou no estacionamento. Você nos dá sua permissão
para analisá-lo e colocarmos mãos à obra?
— Eu pensava que para isto necessitava uma ordem judicial…
Lion apertou os dentes, irritado. Devia imaginar que Prince colocaria
empecilhos, tendo em conta o muito que o odiava. E o quanto estava equivocado
por isso.
— Não cai bem pedir uma ordem agora. Pensava recorrer diretamente de
nossa antiga camaradagem.
Prince franziu o cenho e sorriu com cinismo.
— É do FBI. Como vou te dizer não? — Seu tom acusador dava a entender
que inclusive o ofendeu descobrir a verdade. — Faça o que precisar. Lady Nala
está lá fora, não é? Como riu de todos… Eu já sabia que não era BDSMeira,
mas… policial?
Lion ficou alerta, disposto a marcar território.
— Fez seu trabalho. Como todos. — desculpou-a ele.
— Seja como for… com distintivo ou sem ele, continua sendo um bocado
mais que apetecível, não é King?
— Prince… tome cuidado. — advertiu Lion — Desta vez Sharon não está
na frente para me deter se quiser partir sua cara. — Lion saiu do escritório e
com um gesto de cabeça indicou a seus companheiros que abrissem o Jaguar.
Depois voltou a entrar e olhou Prince de frente. — Preciso do arquivo das
gravações…
— Não precisa. — grunhiu o moreno de cabelo comprido. — Meu sistema
faz fotografias das placas de todos os carros que entram. Só vai ter que
introduzi-la para que reconheça o momento exato em que chegou e pegou o
ticket de entrada. — sentou-se à mesa diante do computador e abriu o programa
de segurança interna, apertando com fluidez o teclado. — Aqui está. Vê? —
Assinalou a tela do computador. — Este carro está aqui desde anteontem de
madrugada. Às cinco entrou nas imediações. E se seguirmos a gravação…

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No monitor se podia ver como o Jaguar estacionava na vaga 333. O


condutor fazia uma chamada e ficava quieto, com os olhos fechados. Prince
avançou a imagem rápido até que uma hora depois um homem calvo de uns
cinquenta anos de idade e de traços japoneses o tirava do carro e o levava ferido,
apoiado nele.
— Porra. — murmurou Lion, concentrado. — Pode segui-lo com outra
câmara?
— Sim. — respondeu Prince e lhe deu mais imagens em movimento.
O desconhecido o metia em uma caminhonete branca Dodge e o levava.
— Nós o pegamos. — disse Lion saindo para informar a Nick e aos outros.
— Ele foi embora acompanhado de outro homem que conduzia uma Dodge 4X4
de cor branca!
— Temos a placa? — perguntou Nick ansioso.
Lion assentiu e a deu.
— Temos. Me dá só um momento e averiguaremos o nome e o endereço do
titular.
Enquanto Nick entrava no Evoque precipitadamente para abrir seu
computador de bordo e deixar tudo a cargo de sua magia de Hacker, Lion
retornou de novo à cabine. Prince olhava tudo com interesse.
— E pensar que vi as bolas de todos. — sussurrou, rindo da situação. —
Deve ser divertido se fazer passar por outra pessoa que não é, verdade?
Lion conhecia Prince perfeitamente e sabia para onde a conversa se
encaminhava. Era o rei da insinuação.
— Necessita-se talento para isso.
— E você tem de sobra, não é verdade, King? — Olhou-o de esguelha
enquanto brincava desapaixonadamente com um par de moedas entre os dedos.
— Um dia era como um irmão para mim e no outro… no outro fodia com
Sharon.
Lion fechou a porta às suas costas e encarou Prince.
— Seu problema é que não vê a realidade, e sabe que alguma coisa do que
viu naquele dia não encaixava. Eu sim, sei o que aconteceu. E Sharon, é óbvio.
E até que esteja disposto a escutar a verdade, continuará acreditando na sua
própria mentira. E é uma pena, Prince. Ela e você faziam um casal incrível…

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Não me fale como se não soubesse! — levantou-se da cadeira como um


vendaval e chocou Lion contra a parede, agarrando-o pela gola da camiseta. —
Sei quem era Sharon para mim! Mas aparentemente eu não era nada para ela.
— Isso é mentira.
— Então me conte a verdade!
— A única verdade é que se alguém saiu ferido naquela noite, foi ela. Mas
acredito que isso é algo que já começa a compreender, não é?
— Conte-me o que aconteceu.
Lion negou com a cabeça e obrigou Prince a soltá-lo com um empurrão
que o desequilibrou.
— Não, cara. Não sou eu quem deve contar isso. Não é em mim a quem
deve acreditar. Ela tentou explicar, mas você não deixou. Agora já não tem
vontade de falar… Mas se eu continuar amando-a — abriu a porta do escritório
— como acredito que você o faz, insistiria dia após dia. Toma. — Deu a imagem
da foto do japonês que procuravam. — Se o ver me ligue, por favor. É perigoso.
Fechou a porta atrás de si e deixou o amo criatura, o Príncipe das Trevas,
o que fora um de seus melhores amigos, pensativo e vítima de seus próprios
remorsos.
Os demônios da dúvida jamais o abandonariam.

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CAPÍTULO 10

Reuniram-se na casa de Leslie e Markus. Nick estava verificando junto


com Lion o percurso da placa do carro branco que pegou o tatuador e que o
tirou do estacionamento de Prince.
E enquanto isso, Sophie ajudava Leslie na cozinha. Cleo brincava com
Rambo, o cachorrinho bulldog francês que sua irmã adotou.
Era uma estranha cena familiar no meio do caos em que se converteu a
vida de Sophie.
Embebeu-se de todos os detalhes daquele adorável castelo que unia
comodidade, luxo e romantismo a torrentes. Pensou que já não merecia esse
tipo de felicidade parcial. Com toda a tristeza de seu coração, sentiu uma inveja
saudável.
— Rambo tem saudades de Milenka. — disse Cleo com o cachorro nos
braços, fazendo todo tipo de bajulações para ele.
— Quem é Milenka? — perguntou Sophie enquanto cortava a abobrinha e
a cenoura em cubos exatos e simétricos.
— É a filha de Markus. — respondeu Leslie limpando as mãos no pano de
prato. Abaixou a temperatura do fogo a olhou de esguelha. — E também é
minha filha.
Sophie deixou a faca suspensa no ar e arqueou as delineadas
sobrancelhas castanhas.
— Como diz? Você também tinha uma filha em comum como Nick e eu?
— Nick não te contou a história de Markus? — Leslie estava sinceramente
surpresa. — Não te falou da minha pequena rebelde com olhos adoráveis de
diabo?
— Nick? — repetiu Sophie indignada, concentrando-se em cortar de novo
os vegetais. — Está de brincadeira? Nick esteve mentindo para mim durante oito
longos anos… Nunca me contou nada sobre sua verdadeira vida profissional. Ele
jamais… Enfim, não sei nem por que estou dizendo isso. Certamente já sabem
de tudo. Sabem muito mais dele do que eu.

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Leslie e Cleo se olharam sem saber muito bem onde se meter. Conheciam
os problemas daquele casal, e sua função era a de tirar a importância do
assunto para que Nick voltasse a sorrir e os olhos de Sophie brilhassem de novo.
— Bom, se te serve de consolo — argumentou Leslie —, Markus tinha sua
filha em segredo. Era um agente duplo, o que eu soube depois. Em uma missão
em Londres juntos, ele forçou seu desaparecimento… antes de fingir sua morte,
entregou-me um pacote que tive que ir pegar. Tratava-se de sua filha Milenka…
Veja só isso, deixou ela para mim, para que cuidasse dela. Obviamente — disse
abrindo o forno para ver se a lasanha de carne estava pronta —, Milenka e eu
nos apaixonamos imediatamente uma pela outra. — deu de ombros — Foi uma
flechada.
— Brinca. — espetou, Sophie.
— Não, claro que não. Apaixonei-me pela criança. Como por seu pai. Mas
a seu pai custou sangue, suor e lágrimas reconhecer isso, perceber que estava
louco por mim. — Quando comprovou que o queijo fundido ainda não estava
suficientemente dourado, voltou a fechar a porta. — Agora vivemos os três
juntos. E parece que estamos indo bem. Exceto por essa estranha mania que
tem de deixar por toda a casa os pacotes dessas benditas balas russas…
Sophie meneou a cabeça assombrada enquanto jogava todos os cubinhos
de verduras na frigideira com o refogado e o molho picante.
— Os três vivem aqui? Por isso há bolas de plástico das Bratz no jardim e
uma bicicleta rosa?
Cleo se pôs a rir e deixou Rambo no chão de parqué. O cachorro correu
para cheirar as pernas de Sophie.
— Claro. Não pensou que isso era meu, não? — disse Leslie apontando
para ela com a espátula da cozinha. — Cuidado com o cachorro, que tem mais
incontinência que um ônibus de aposentados. E se não, que Markus conte o que
ele fez assim que o viu…
— E onde está Milenka agora? — perguntou admirada.
— Está com seus avós. Minha mãe insiste em chamá-la de Milkybar e a
levam a todos os lados como se fosse um chaveiro. Adoram-na. O certo é que
agradeço muito tê-los perto porque Markus e eu também precisamos de nosso
tempo… Já sabe.

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Sophie mordeu o lábio inferior, contrariada. Não devia se surpreender que


um casal gozasse de uma vida sexual sadia, embora ela e Nick já não
desfrutassem de algo assim com normalidade. Porque a domesticação da noite
anterior não entraria no que poderiam chamar de relações conjugais… não?
— Sim, já imagino. — Tentou mudar de assunto enquanto mexia no que
havia na frigideira. O aroma da comida era algo maravilhoso, que além disso
trocava dependendo do estado anímico com o que se cozinhava. O refogado de
verduras tinha aroma de frustração. — Sua mãe é uma mulher maravilhosa,
Leslie. Estou muito contente de colaborar com ela…
Leslie ergueu o queixo com orgulho e sorriu de orelha a orelha.
— É. E não conhece meu pai em pessoa, mas…
— Oh, sei quem é. Foi um herói nacional. — Assentiu com seriedade. —
Sua mãe me recordou isso. Felicito-a por eles. Espero voltar a falar com ela em
breve. Quando se solucionar tudo sobre meu perseguidor…
— Seus pais também devem ser pessoas excepcionais, Sophie. Não é fácil
levantar uma empresa como a Azucaroni nos Estados Unidos… — disse Cleo —
E além disso, educaram a uma mulher incrivelmente corajosa como você.
— Fizeram o melhor que puderam. — Sophie deu de ombros com voz
apagada. Não se sentia bem rodeada pela admiração dessas mulheres e da
compaixão que ocultavam. — Havia coisas boas e coisas más. E eu decidi me
deixar influenciar por todas… Agora penso que talvez se tivesse sido mais
seletiva com suas lições, teria acertado mais com minha vida… Desde o começo,
faria tudo o que eu considerava apropriado sem pensar se os ofendia ou não. E
com Nick… Não sei. Não sei se com ele teria sido diferente. Já não sei de nada.
Leslie se aproximou dela e cravou seus olhos de névoa nos seus
amendoados. Sophie pensou que as Connelly eram belas e honestas.
— As coisas são como são… Mas tem tempo para arrumar as que
deixaram de sair bem, não acha?
— Nick é um amor com as crianças. — disse Cleo, que se sentou sobre a
ilha da cozinha e comia um pão doce quente da terrina dos pãozinhos. —
Milenka é louca por ele e o russo morre de ciúme. — riu — Estes homens
cometem muitos equívocos, e às vezes podem ser brutos — foi franca tentando
fazê-la ver que sempre havia um raio de esperança —, mas têm um coração

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enorme para amar e para perdoar, Sophie. Nick certamente é um pai maravi…
— deteve-se ao notar que o olhar prateado de sua irmã lhe ordenava que se
calasse.
Porque Sophie já não escutava. Sua mente vagava perdida, imaginando
seu muito bonito ex-marido desfrutando da doçura de uma menina que não era
a sua, e tudo porque ela o tinha proibido. Porque o proibiu tudo e muito mais.
Por mais que com o tempo tivesse tentado arrumar as coisas, parecia que já não
podia remendar o que foi rasgado.
— Denunciei meu marido por maus tratos. Estraguei sua vida. — Olhou-
as no rosto, encarando-as com valentia, assumindo sua parte de culpa com um
franzir de lábios que parecia anunciar o pranto. O arrependimento era muito
pesado para se liberar com uma confissão em voz alta. — Puseram contra ele
uma ordem de afastamento. E arrebatei a custódia de Cindy. Acham que há
redenção para mim? De verdade acham que Nick tem o coração tão grande para
esquecer? Porque, sinceramente — levou a mão ao coração —, eu acredito que
não.
Nesse instante, Nick entrou na cozinha com o celular na mão. No seu
rosto puderam ver uma repentina angústia.
Sophie mudou o semblante assim que o viu.
— O que aconteceu? — perguntou-lhe.
A situação já era por si só delicada, mas por seu gesto compreendeu que
tinha acontecido algo ainda mais grave.
Nick hesitou um momento, engasgando com suas palavras até que disse:
— Internaram Cindy.

***

Sua pequena tinha a garganta inflamada e sufocava. Nick corria com o


carro como se o motor rugisse do próprio Inferno, como se os aros deslizassem
sobre uma borda de gelo.
Sophie enrugava o lenço úmido por suas lágrimas contra sua boca,
cobrindo-a amargamente para não mostrar caretas perante Nick. Escutava

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Maria ao telefone com atenção. Sua mãe, nervosa, estava contando o que
acontecia.
— Agora está estável. — disse — Eu te juro, querida que… não
imaginava…
— Calma, mamãe. Não podia saber.
Maria ficou calada, soluçando sem controle.
— Tiveram que pôr um tubo nela… um tubo pela boca para que pudesse
respirar! — gritou desesperada. — Pobrezinha, minha pequena!
— Mamãe, por favor, acalme-se… Agora vamos para lá. — Sophie tentava
manter uma voz serena que inspirasse confiança em sua mãe, mas a pobre não
escutava ninguém. — Chegaremos em meia hora. Me avise se houver mudanças.
Dirigiam-se ao hospital regional de Thibodaux. Ali tinham bons médicos
que os atenderiam e que se assegurariam que Cindy se recuperasse.
Nick estava suando. Permanecia impassível enquanto conduzia com frieza,
incapaz de falar com ela ou acalmá-la quando mais precisava dele.
— Nicholas — esfregou a testa, cansada de tantos problemas —, se
pararmos em frente a alguma farmácia preciso comprar uma bomba para tirar
leite. Já faz cinco dias que não dou de mamar a Cindy — explicou um pouco
envergonhada —, e meus seios doem muito… Como não posso tocar nenhum
cartão de crédito, precisarei que você compre.
Nick se ergueu e deu de ombros, sem saber muito bem o que responder,
nem com o humor apropriado para falar, nem de leite nem de nada.
— Sei que está zangado, mas…
— Uma intoxicação… — sussurrou, um pouco incrédulo. — Como é
possível que seus pais não soubessem que Cindy era alérgica a isso?
— Não podiam saber disso. — ela os defendeu. — Saíram para dar uma
volta com uns amigos e com a Cindy. E a manhã se estendeu. Chegou a hora de
comer, e minha mãe comprou uns potinhos de papa de frutas e cereais como os
que eu lhe dou às vezes… Aparentemente esa papa tinha um pouco de soja e foi
isso o que ocasionou a… anafilaxia. — Sua voz se quebrou.
Nick apertou o volante com força. Imaginava a sua pequena doente e
sufocando e sentia vontade até de vomitar.

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— Deixei Cindy para que a protegessem. Eu cuidaria da filha deles. E eles


da minha. Era um trato justo.
— Sei que odeia meus país. — sentenciou Sophie — Mas não vai culpá-los
de algo assim! Eles já estão destroçados o suficiente para que os faça sentir pior.
Assim suplico, Nick, não seja duro com eles. — Engoliu em seco. O Kohl dos
olhos tinha borrado e já não tinha batom nos lábios que cobrisse sua boca
frondosa.
Nick a olhou através das lentes dos óculos de sol. Sua expressão de
tornou severa.
— Creio, Sophie, que estou sendo muito indulgente e misericordioso com
todos, não acha?
Ela não duvidava. Protegê-la depois de tudo o que fez com ele, e não só a
ela, mas sim também permitir que seus pais cuidassem da filha que o proibiram
de ver, era uma grande delicadeza de sua parte.
Mas Sophie não queria delicadezas. Queria o Nick de antigamente, aquele
homem que tinha um coração enorme. Compreendia que nada voltaria a ser
como antes. Mas é que ela já não queria voltar para o passado. Queria que o
Nick de agora, amo, duro e agente do FBI, amasse-a com o mesmo coração de
antes, embora este tenha ficado escuro.
— Sim, Nick. — replicou ela, aborrecida. Estava farta disso. — Mas
recordo que não é obrigado a arcar comigo. Não o obriguei a me proteger,
lembra? Foi você quem se nomeou meu amo e senhor. Foi você quem ordenou a
meus pais para que ficassem com a Cindy. Eu não te pedi que estivesse aqui. Se
vê tudo tão mal, então me deixe aqui nesta estrada. Já me encarregarei de
sobreviver como puder.
— Sabe que não vou fazer isso. Pede-me tolices.
— Tolices? — Sophie se inclinou para ele com os nervos destroçados e
morta de medo. — A única coisa que te pedi é que me perdoe. E isso é o que não
está disposto a fazer.
Depois disso, Sophie decidiu que não queria falar mais com um homem
que em um momento como aquele era incapaz de se comportar com empatia,
assim ligou o rádio e deixou que a música a abstraísse de como miserável se
sentia.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Entretanto, a canção Pick upt he pieces de Jason Derulo não a afastou de


sua dor, mas sim a mergulhou mais profundamente nela porque dizia verdades
imensas.
O amor é frágil, e os corações se quebram com facilidade.

Hospital Regional de Thibodaux

Não foi um momento fácil encontrar-se de novo com Carlo e Maria


abatidos, sentados na sala de espera. Mas muito mais amargo para Nick foi
comprovar que Rob estava ali com eles, acompanhando-os. Como imaginava que
tinha que ser educado com eles se reuniam em uma só sala todas as pessoas
que o acusaram com tanta crueldade?
Nick não entrou, nem tampouco os saudou. Esperou pacientemente e se
manteve afastado dos abraços de amor e carinho que se prodigalizavam uns aos
outros. Cada vez que o mauricinho do Rob falava com Sophie e perguntava por
seu estado, Nick tinha que engolir a raiva e a vontade de arrancar seus cabelos
como faziam os índios no Oeste Selvagem.
Sentia-se inadequado. E nesses momentos as dúvidas sempre o
consumiam. Talvez se tivesse sido sincero desde o começo, Sophie lhe teria dito
adeus e ela certamente teria sido mais feliz com alguém como Rob. Eram iguais,
porra. Ambos eram ricos e bonitos, e trabalhavam nas plantações de açúcar.
Mas Sophie parecia mais mulher do que Rob era como homem. Mais valente,
mais forte e mais decidida que ele.
Rob era um merda acomodado que o tinha prejulgado por puro interesse.
Certamente morria de vontade de dormir com Sophie e de herdar toda sua
fortuna.
Nick devia ter se afastado deles desde o começo porque sua vida e sua
vocação não tinham nada em comum com os Ciceroni.
Mas foi egoísta. Diziam que o amor misericordioso mudava as pessoas.
Mas Nick duvidava. Ele quis tudo de Sophie, até que de tão avaro, ela acabou
deixando-o sem nada.
— Oh, querida. — Maria, que estava elegantemente vestida, segurou
Sophie pelo rosto e a beijou nas bochechas. Chorava fora de si e a abraçava

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

como se não quisesse deixá-la nunca mais ir. — Tinha tanta vontade de falar
contigo… Sinto tanto sobre Cindy. Já diminuiu a inflamação, graças aos anti-
histamínicos, e tiraram o tubo… dentro de pouco tempo despertará. Como
lamento!
— Vamos, mamãe. — Sophie tentou acalmá-la. — Não foi nada. Não a
culpo. O importante é que ela está bem.
Carlo também se uniu ao abraço, embora de vez em quando olhava para
Nick com uma expressão que ele não soube decifrar. Parecia uma desculpa.
Parecia envergonhado por algo.
Quando acabaram os abraços, Rob, que parecia ter se convertido no
melhor amigo da vida inteira de Sophie, pôs o braço por cima dela, retendo-a
para que não se afastasse.
Nick, quem jamais teve úlceras, sentiu uma acidez e um ardor na boca do
estômago. E era inevitável: Sophie era sua e odiava que um cara de bunda
magra como esse, com pinta de garoto de praia metido a empresário, vestido
com roupa cara, polo verde escura e calças plissadas se acreditasse não só
melhor que ele, mas o melhor homem para ela.
— Por que não sei nada de você desde que retornou de Chicago? — Rob a
aproximou de seu corpo de maneira carinhosa.
“Muito, canalha” pensou Nick, cruzando os braços sem afastar o olhar
deles.
— Você tampouco ligou. Além disso, estive muito ocupada. — respondeu.
Rob não podia saber o que tinha acontecido. Nem ele nem ninguém. Só os
amigos de Nick e seus pais.
Ele olhou por cima do ombro para Nick, como se fosse uma figura
estranha fora desse quadro Ciceroni.
— O que ele faz aqui? — perguntou Rob um pouco carrancudo. — Por que
voltou a falar com ele? E essa horrível tatuagem que usa?
— Rob — Carlo o repreendeu e balançou a cabeça —, agora não é o
momento.
— Como não? — repetiu Rob, completamente perdido. — Se precisava de
alguma coisa, Sophia, podia ter recorrido a mim. — Olhou-a decepcionado. —

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Não tem por que ver mais esse sujeito. Não a entendo. Ou por acaso esqueceu o
que…?
— Senhor Ciceroni — Nick, que precisava sair dali para não esmagar a
cara de Rob contra a parede, afastou-se da entrada e chamou o seu ex-sogro —,
disseram qual vai ser o quarto da minha filha?
Carlo assentiu e caminhou até Nick, decidido.
— Sim. Vamos, acompanho você.
Sophie estudou Nick por cima do ombro. Ao ver aquela expressão tão
pétrea e tensa, afastou o braço que a agarrava e se afastou de Rob sem
responder a sua aberta proposta.
— Sei me cuidar sozinha, Rob. Tenho minha própria vida. Não se meta.
Estava acostumado que Sophia o rejeitasse, mas aquele último exemplo
na frente de Carlo e Maria o envergonhou.
— E quanto a mim? — perguntou a ela. — Eu me preocupo com você. —
bateu no peito, agindo com exagero. — Não pode ser que se veja outra vez com
este orangotango que fez o que fez…
— Rob. — murmurou Nick com voz assassina, afastando-se com Carlo.
Melhor dizendo, Carlo o agarrou pelo braço e o arrastou para levá-lo com ele e
evitar um assassinato. — Acredito que não é bom que use Sophie dessa maneira
para tomar conta da Azucaroni. — Sabia. Rob era uma fraude. Soube desde o
primeiro momento. Essa simpatia de puxa-saco só podia significar uma coisa:
queria a empresa. — Se é isso o que quer, assegure-se de se meter na cama
adequada. E não é a de Sophia. É a de Carlo.
— Filho da puta. — grunhiu Rob, indo para ele.
As duas mulheres o detiveram.
Sophie ficou com a boca aberta ante as palavras de Nick. Sabia que Rob
jamais lhe caiu bem, e mais ainda depois da atitude superprotetora e um pouco
cínica que tomou quando pediu que a acompanhasse no dia do divórcio. Com o
tempo, ela mesma tinha começado a ver Rob de outra maneira. Nem sequer era
um bom amigo. Depois de sair da Azucaroni, ele não ligava pra ela para
perguntar como estava nem fazia favores com a Cindy, pois não tinha jeito com
crianças… Rob só falava com ela e fingia preocupar-se quando estavam na
frente dos seus, em suas visitas. Queria ganhar pontos como futuro genro, sem

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cair na conta de que era a ela a quem devia fazer apaixonar. E isso era
impossível porque Sophie se apaixonou uma vez por Nick. E continuava
apaixonada por ele, embora ele a odiasse.
— Rob — disse Maria tentando acalmá-lo —, acredito que deve ir. Nick é o
pai de Cindy e seus comentários não são apropriados.
— Mas todos enlouqueceram? Esse sujeito é um abusador. — assinalou,
aborrecido.
— Agradeço que tenha vindo se interessar por nós — continuou Maria —,
mas vamos ficar bem. Diga a seus pais que está tudo sob controle.
— Senhora Ciceroni — disse ruborizado, inclusive seus óculos tinham
torcido —, como podem permitir que Sophia se veja de novo com esse bastardo?
Ela ia saltar em sua defesa, mas assombrada comprovou que sua própria
mãe cravava Rob em seu lugar com um olhar feroz daqueles olhos escuros.
— Não permito que fale assim dele. Nicholas está cuidando de… —
obrigou-se a calar, pois ninguém devia saber o que estava acontecendo na
realidade. — As coisas nunca são o que parecem. Ele tem todo o meu respeito.
Por favor, agora vá. Agradeço seu interesse, Rob. — concluiu com educação.
Rob franzia o cenho, olhando de uma para outra.
— Basta de numerozinhos, Rob. Escute minha mãe. Adeus. — Sophie
rodeou Maria pelos ombros e seguiu seu pai que, acertadamente, levou Nick.
Um confronto a socos entre Nick e Rob era igual a um entre Hércules e
Harry Potter.
Não tinha comparação.
No elevador Nick tomava ar pelo nariz, tentando tranquilizar-se para não
descer de novo e amassar Rob, que era um bebezão provocador e puxa-saco.
— Nicholas, saimos com os pais de Rob para almoçar. Eles nos
convidaram faz um tempo e temos boa relação. Por isso ele soube do acontecido
e veio para cá. Nem eu nem minha mulher o chamamos. — esclareceu nervoso.
— Sabemos que Rob não ia dar nada certo aqui… mas não pudemos evitar.
Lamento.
— Perfeito, então. Almoço entre futuros sogros. — acrescentou sarcástico.
Separou-se de Carlo e arrumou a camiseta. — Fico feliz por vocês. Rob não lhes
dará problemas.

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Carlo entrecerrou os olhos, lamentando que não pudessem se relacionar


melhor. Nick tinha mentido para eles, mas era honesto e forte. Todo um
protetor, como demonstrava uma vez que seu disfarce se foi por água abaixo. E
embora Carlo ainda estivesse assimilando tudo o que Sophie lhe contou sobre
sua missão, seu cargo no FBI e tudo o mais relacionado com o torneio de
dominação, estava disposto a retomar a relação e aceitar suas más ações a
respeito de Nick. Era um pai superprotetor e lamentava as consequências que
isso tinha nos que rodeavam Sophie.
— Penso o mesmo que você sobre Rob. E não o quero para Sophie.
— O que isso me lembra?
Carlo apertou os lábios com gesto frustrado.
— Nicholas… acredito que conhecemos pouco um do outro…
— Eu sei tudo sobre você. Mas você não sabe nada sobre mim. —
trocaram o olhar com rancor.
— E de quem é a culpa? Podia ter nos contado a verdade.
— Para que? — replicou — Já tinham me crucificado assim que me viram.
Para que ia jogar mais lenha na fogueira?
O elevador se deteve no terceiro andar. Carlo e Nick saíram ao corredor em
que limitavam todos os quartos dos pacientes.
— Talvez não entenda minha desconfiança com os policiais… — continuou
Carlo caminhando atrás dele.
Nick se deteve e deu a volta.
— Oh, acredite que o entendo. Perder Rick deve ter sido um choque. A dor
de perder um filho deve ser dilacerante e desanimadora. — disse — Não imagino
a dor… Olhe para mim, estou tremendo para ver Cindy; somente a ideia de que
algo posso acontecer com ela me mata. Mas em sua missão para proteger
Sophia de todo mal estiveram a ponto de perdê-la em vida. — Nick revirou os
olhos. — Tantas proibições, tanto controle, tantos “deveria” e “seria
conveniente”… Tinham que tê-la deixado viver. Eu não sou o inimigo de Sophia.
Jamais fui. — explicou ferido. — Era o único que cuidava dela e que a amava
pelo que era. Eu queria fazê-la feliz, inclusive se isso supunha anular minha
verdadeira identidade para sempre. E apesar do maldito episódio da denúncia…
continuo sendo o único que a protege de verdade.

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— Eu sei. Não tem que me dar explicações sobre aquela noite.


— Ah, dom Carlo. Claro que não penso em dar. — espetou com aversão.
— Entendo sua atitude com respeito a nós, inclusive para Sophie. Sei que
vai ser difícil que nos dê a oportunidade de agir com você como uns segundos
pais. E talvez não mereçamos isso. Para nós, o que aconteceu contigo foi toda
uma cura de humildade, Nicholas. Mas Sophie agora quer viver sua vida. Fez
muito para desvincular-se de tudo o que nós lhe demos. Não queremos perdê-la
mais.
— Então não o façam.
— Não. Não o faremos. — assumiu — Mas é minha responsabilidade te
dizer que embora Sophie se desvinculou de tudo, não pôde fazer isso com você.
E passa meses tentando conectar-se de novo à sua vida. Mas você a nega
porque talvez também tenha medo de sofrer outra vez. E isso não te faz diferente
de nós, embora há uma diferença sim: eu perdi meu filho. — Sua voz se quebrou
e teve que esperar vários segundos para se recuperar. — Mas Sophie continua
viva, Cindy também, e o amam…
— Chega. Agora não preciso disto. — Bufou dando meia volta a ponto de
começar a chorar.
— Não quero pressioná-lo. Só quero que saiba que agradeço
profundamente o que está fazendo por minha filha. Depois de tudo o que lhe
fizemos e depois de tudo o que aconteceu, das vezes que a salvou, que ainda
continue cuidando dela me diz muito do homem que é. E eu embora não sei
muito bem como estão as coisas com relação a seu perseguidor, estarei em
dívida com você para sempre.
Nick assentiu passando as mãos pelo rosto sem querer olhá-lo de novo.
— Só espero que o tempo permita que volte a fazer parte da minha família,
Nicholas. — reconheceu Carlo. — Digo isso de coração.
Ele aceitou as desculpas de Carlo porque não restava outra coisa. Além
disso, ele falar com tanta franqueza o fazia sentir-se incômodo e nu.
Levantou o olhar e viu Sophie saindo com Cindy nos braços envolta em
um lençol branco. Balançava-a com os olhos cheios de lágrimas que se
derramavam sobre o rostinho cheio de manchinhas vermelhas da criança.
Sophie levantou os olhos, lambeu os lábios e sorriu levemente.

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— Subiram come la de andar. Já está fora de perigo, mas vão mantê-la em


observação.
Quando as viu juntas no corredor do hospital, veio à sua mente a
quantidade de vezes que espiava suas duas mulherzinhas, uma nos braços da
outra, enquanto Sophie a balançava com a canção A Rainha do Meu Coração.
E o mundo tão cruel onde estava a tantos meses mergulhado, abriu-se
para que um raio de luz e esperança penetrasse através dessa fresta, oprimindo
seu coração. E sentiu falta de todas as vezes que perdeu esse momento durante
sua separação.

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CAPÍTULO 11

— Como é linda … — dizia Nick a Cindy. Estava sentado na cadeira do


quarto do hospital com ela nos braços. A pequena, que despertou bem embora
com um pouco de inflamação nos olhos e na boca, não se separava do urso
panda, que como tinha explicado Sophie, levava a todos os lugares.
Cindy sorria para Nick, feliz de voltar a vê-lo, reconhecendo-o como se a
magia existisse de verdade, como se a memória de uma menina se forjasse
através do tato e do coração.
Maria e Carlo diziam coisas à pequena enquanto Nick a levantava e a
aclamava. Cindy gargalhava sem parar agarrando os cabelos dele e tocando seu
rosto sempre que podia.
Em um canto do quarto, Sophie sentada na cama observava o momento
quase sem acreditar, mas era real.
Ver Nick junto à Cindy a cativava. Nick era tão masculino… Nada a ver
com Rob ou com o doutor Abster, que também tinha tentado flertar com ela
uma vez ou outra… Rob e Abster eram uns Romeus bem arrumados, cuja
educação resultava pomposa e afeminada em alguns casos.
Nick não. Nick era um gladiador bondoso. Um protetor com corpo de
espartano. E era o único que havia tocado as teclas de seu desejo, o único que
tinha despertado sua luxúria.
E parecia mentira que agora o desejasse mais do que anos atrás. E o
amava ainda mais do que quando se apaixonou por ele.
O amor cegava e não permitia que se vissem os defeitos.
Mas o amor tão intenso e necessitado de agora era capaz de reconhecer
falhas próprias e alheias. Tinha visto o bom e o mau, e o amava por completo,
com sinceridade.
Seus pais pareciam querer aproximar-se de Nick de verdade, longe de
convenções. Sabia que agiam de coração. Certamente Nick não apreciaria a
diferença, mas ela sim.
Carlo e Maria se arrependiam de muitas coisas. Como ela.

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E só poderiam se redimir se Nick abrisse a porta para eles… o quanto


tudo era difícil.
A enfermeira entrou para auscultar Cindy. Depois de examiná-la e ver que
a alergia diminuía, e que as manchas e inflamação desapareciam, Sophie se
aproximou dela e perguntou:
— Quando poderemos levá-la?
— Deve estar em observação umas vinte e quatro horas, senhora. Passará
a noite aqui.
Sophie abaixou a cabeça com pesar. Então a levantou de repente e
perguntou com certo desespero:
— Posso dar o peito a ela?
— É conveniente que a menina continue com o soro que lhe
administramos. Ainda tem a garganta irritada pelo tubo de respiração. A partir
de manhã, poderá dar de novo. — explicou com paciência.
“Mas amanhã não estarei aqui. Quem sabe quando poderei fazer isso de
novo? É que estão me perseguindo, sabe?
— Traremos o leite que nos deixou, Sophie… — Maria tentou tranquilizá-
la. — Até que seu caso se solucione, nós cuidaremos de Cindy o melhor que
pudermos. Sei que isto que aconteceu foi muito grave… foi um terrível equívoco.
Mas me assegurarei de não lhe dar nada que contenha soja…
Sophie sorriu para sua mãe tentando transmitir que confiava plenamente
nela.
— Mamãe, por favor, não se atormente…
— Cindy não pode estar melhor cuidada. — respondeu Nick com sua
eterna bondade e tato por diante. Não tinha esquecido de como ser atencioso. —
Além disso, assim descobrimos que não pode comer soja, não é Sophia? —
Ergueu o olhar dourado para sua ex-mulher.
Os olhos de ambos brilharam, os dela com agradecimento e os dele
sabendo que Maria apreciaria aquele gesto, pois a pobre mulher não podia tirar
da cabeça que pôs em risco a vida de sua própria neta.
Sophie lhe devolveu um sorriso de orelha a orelha. Devia-lhe uma.
— Sim. Nick tem razão. Cindy está muito bem aqui com vocês. E aqui
ficará até que Nick pegue os maus, não é verdade, Nick?

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Ele assentiu com tranquilidade e entregou Cindy a Maria.


— Sophie e eu iremos tranquilos se vocês ficarem com ela. Quando tudo
acabar, avisaremos.
— E quanto resta para isso, Nicholas? — Carlo parecia realmente inquieto.
— Estamos nos aproximando. Já localizamos o sujeito que fez isso com
Sophie. Não pode sair daqui. Estamos vigiando-o. Sabemos que está em Nova
Orleans e que se encontra ferido… Assim espero encontrá-lo em um ou dois
dias.
— E tem ideia de por que quiseram machucar minha filha?
Aquela era a grande incógnita. Por que? Todas as respostas o assustavam,
mas estava decidido a chegar ao fundo da questão.
Nick negou com a cabeça.
— Não, senhor. Ainda não.
Carlo tentou assimilar sua resposta.
— Pois não demore para encontrá-lo, Nick. Confiamos que o encontrará
logo.
Algo parecido ao orgulho se aninhou no peito de Nick. Carlo Ciceroni
parecia confiar nele, pela primeira vez o chamava por seu nome de batismo e
isso era mais do que tinha demonstrado nos oito anos nos quais foi seu sogro.
— Não se preocupe, Carlo. Farei isso.
O pai de Sophie se aproximou de Maria e passou um braço pelos ombros
dela. Depois, como se precisasse de sua força para acrescentar as últimas
palavras, espetou com aversão:
— E quando pegar esse canalha, filho, quero que extirpe seus ovos.
Porque eu não posso fazê-lo. Mas estou convencido de que lhe dará seu castigo.
— Papai! — protestou Sophie.
— Cale-se, filha. Já perdemos um filho por culpa dessa gente indesejável
que anda à vontade por aí afora. — Maria entrelaçou a mão com a de Carlo. —
Sei que Nick não permitirá que lhe façam mais nada, não é, Nick?
— Não. É óbvio que não, senhora.
— Tanto meu marido quanto eu estamos em dívida com você. Obrigada
pelo que está fazendo por nós.
Nick ruborizou, mais perdido por essas palavras que em um tiroteio.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Eu não quero que faça nada com ele. — finalizou Maria — Só quero
justiça. A que Rick não teve. Eu… — Levantou o queixo segura de sua seguinte
sentença. — Eu só quero o que qualquer mãe quer cuja filha feriram: quero que
o pegue e que arranque sua pele em tiras.
— Mamãe!

***

No carro de volta ao Tchoupitoulas, Sophie ainda não acreditava que seus


pais tivessem falado aquelas palavras em voz alta, tão dominados pela raiva.
Perderam a compostura. De repente se revelaram ante Nick, perdendo a
educação e as boas maneiras.
E Nick… enfim, Nicholas tinha se comportado como sempre foi: para ela, o
melhor homem do mundo.
Soava uma canção que se chamava Fight For You.
— Você gosta de Jason Derulo? — perguntou Sophie.
— Sim. Comprei o último disco. Tem canções muito boas.
— Estou vendo. Cada vez que subo no seu carro soa uma dele.
Nick meio que sorriu, como se não pudesse evitar.
— Eu… — Sophie brincou com a barra de sua camiseta. — Não sei como
posso te agradecer pelo que…
— Não tem que me dizer nada disso, Sophie. É o que tenho que fazer.
— Ha, ha… Faz isso porque sou a mãe de sua filha e é o que tem que
fazer, não é verdade? — respondeu com amargura, excedida pelo susto que
tomaram com Cindy, mas principalmente pela maneira de abaixar a cabeça com
arrependimento que seus pais tiveram para Nick. — Mas mesmo assim,
agradeço. Não sei o que posso fazer para te devolver todos os favores.
Lamentava que tivessem feito as coisas tão mal entre eles durante tantos
anos. Sentia por eles. Sentia por ela. E sentia por ele.
Nick apertou os dentes e a olhou de esguelha.
— De verdade quer me agradecer que esteja aqui por você?

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Sophie franziu o cenho e girou a cabeça para ele. Não imaginava que
tivesse que fazer algo para demonstrar o muito que devia a ele por tudo o que
fazia por ela. Mas seja lá o que for, o que quer que pedisse, faria.
— Claro, Nick.
— Perfeito.
Desviou-se da estrada e tomou um atalho de caminho de terra que o levou
a um beco sem saída, em meio de uma área de bosque.
— Nick? O que faz?
Deixou o carro estacionado sob uma árvore e tomou ar pelo nariz, olhando
à frente.
— Há algo que sempre quis fazer.
— O que?
— Seus seios doem?
Sophie assentiu sem mover um só músculo de seu corpo.
Nick desafivelou o cinto de segurança e desafivelou o dela. Tirou os óculos
de sol e os deixou sobre o painel do Evoque.
— Tenho em mente o que me disse sobre a bomba de leite. Não pude tirar
isso da cabeça desde que mencionou.
— Como? Pois então… vamos comprá-lo em alguma farmácia.
— Não.
Sophie engoliu em seco e repetiu:
— Não?
Nick negou com a cabeça e girou o corpo para ela, colocando um braço
por cima do encosto do assento.
— Desde que começou a dar o peito a Cindy sempre quis tirar de você.
Primeiro me enternecia vê-la alimentando a minha filha, mas depois ficava
excitado. Pensava que depois que desse a ela, eu também queria te sugar e
desfrutar de você. Ficava louco pensando no prazer que podia te dar, no sensível
que teria os mamilos e no frenética que ficaria se lambesse seu seio e o
esvaziasse para diminuir o inchaço e acalmar a dor.
— Nick… — sussurrou Sophie.
— Mas nunca fiz isso porque você estava um tanto arisca comigo e não
queria fazer sexo. Eu a compreendia. Li muito para entender o que acontecia

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

com seu corpo e suas emoções, sabe? — Engoliu em seco, fixando seus olhos
aos dela sem piscar, hipnotizando-a. — E quando decidi tocá-la, aconteceu o
que aconteceu e perdi a oportunidade de fazer o que desejava com você e…
Nick ficou calado assim que viu que Sophie, com total decisão e sem
pigarrear, tirava a camiseta por cima da cabeça e ficava vestida somente com
aquele sutiã preto.
Ele cravou seu olhar dourado em seus seios. Justo quando Sophie ia
desabotoar seu sutiã pela frente, ele a deteve com uma mão.
Isso a fez sentir-se insegura e avermelhar.
— Não… quer?
— Tire a calça também. — ele ordenou.
Ela assentiu, levantou a cintura para desabotoar a calça curta e descê-la
por suas pernas torneadas. Usava a calcinha combinando, preta. Deixou a calça
amontoada sobre a camiseta e o olhou um pouco submissa. Nick a desejava
assim e ela adorava que lhe desse ordens. Estava esperando a seguinte,
impaciente e com o coração descontrolado.
Ele grunhiu, puxou-a pela cintura e a sentou de pernas abertas sobre sua
pélvis. Seus seios ficaram à altura de seu rosto e afundou seu rosto neles.
Sophie fechou os olhos e desfrutou desse momento de entrega sincera.
Sim, aparentemente Nick desejava isso de verdade. E isso era a única coisa boa
entre eles. Que o desejo não morria e que agora, com seus novos papéis, parecia
aumentar como nas labaredas da paixão mais visceral.
Let them cool, We both know They don’t wanna see us together Don’t
wanna lose, What I live for I’m willing to do whatever Cause I don’t wanna see
you cry Give it another try.
Ele levantou as mãos e as dirigiu ao fecho da frente, que abriu com um
leve jogo de dedos.
Seus seios, inchados e com dois tamanhos a mais que antigamente,
emergiram do nada como duas montanhas nevadas.
Nick não podia articular uma palavra. Não os tocou na noite anterior, não
podia fazê-lo ou do contrário perderia a atitude dominante que queria imprimir
à domesticação. Porque não havia nada mais belo que os seios de Sophie, que
alimentavam a sua filha, que resguardavam seu coração e que refletiam tanta

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feminilidade. Jean Cazalet já dizia que os seios, como os trenzinhos elétricos,


foram feitos para as crianças, mas eram os homens os que brincavam com eles.
E Nick não podia tirar sua razão.
— Quero que se agarre ao respaldo de meu assento.
— Sim. — respondeu ela, obedecendo.
— Cheira a leite. — murmurou contra sua pele suave. Deslizou as palmas
enormes de suas mãos para o traseiro de Sophie, ao tato quente por trás da
calcinha.
Ela se moveu incômoda e mordeu seu lábio inferior com um pouco de
vergonha.
Nick observou suas reações através de seus espessos cílios loiros. O rubor
dessa mulher ia do pescoço às suas bochechas. Era tão adorável. Continuava
sendo tão tímida como no primeiro dia.
Esfregou seu nariz contra os seios dela, acariciando-os com as bochechas
ásperas da barba crescente.
— Senhor… — sussurrou Nick, perdendo-se naquele berço cheio de
proteção para ele e sua alma machucada.
Ela estremeceu ao sentir o desejo sexual de Nick, que colocou os dedos
por debaixo de sua calcinha; com suas pontas experientes começou a acariciá-la
entre as dobras de seu sexo, liso e suave como a pele de um bebê.
— Sinto-a diferente. Eu gosto que esteja assim. — reconheceu, deslizando
dois dedos para cima e para baixo. Sophie estava úmida e era maravilhoso
senti-la assim.
— Sim. — respondeu ela, tentando se balançar contra sua mão.
Nick desceu sua calcinha e a deixou pelas coxas. Então deu uma bofetada
nela com a mão aberta.
Sophie se deteve e deixou a cabeça cair para frente, sabendo que não
devia ter feito isso. Era Nick quem mandava, não ela.
— Sinto muito.
Nick sorriu e voltou a acariciá-la, enquanto abria a boca e levava um
mamilo a seu interior, passando a língua por sua auréola.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Ah, por favor. — suplicou ela entre tremores. A única boca que havia
sentido aí desde que deu a luz foi a de sua menina. Mas Nick tinha uma boca
completamente diferente: vinil, forte e sedutora.
— Quer que mame, Sophie? — Arqueou as sobrancelhas sem deixar de
lambê-la.
Ela só podia pensar que se o sexo era um modo de se religar, de voltar a
amar, de se aproximar, usaria-o e o utilizaria com empenho.
Assentiu com a cabeça.
Nick engoliu o mamilo e começou a absorver.
O leite de Sophie, quente e doce, emanou até sua garganta e ele começou
a engolir. Ela gemeu com força, cravando as unhas no couro do assento,
desfrutando do tato de seus dedos em seu sexo, em seu interior, e da suavidade
e da dureza de sua língua contra seu seio.
— Que deliciosa está, Sophie. — disse ele indo pelo mesmo mamilo,
vermelho, endurecido e um pouco marcado pelos dentes.
Ela não podia nem pensar. Os dedos obravam sua magia. Estava tão
inchada e escorregadia que ia manchar a calça de Nick. Mas então ele desceu o
zíper da calça e tirou sua ereção para que tomasse ar.
— Quer que seja melhor?
— Sim, sim… — respondeu ela.
— Então se quiser que seja melhor, quero que o introduza em você por
completo, Sophie.
Ela se deteve um momento e o olhou de frente. Seus cílios oscilaram,
desafiantes. Ergueu o queixo e abriu as pernas para introduzir sua mão entre
elas e agarrá-lo com segurança. Nick estava tão duro e quente que parecia
queimar.
— Vamos, me coloque. — animou ele, ereto como um mastro.
Quando Sophie sentiu o prepúcio estirando e alargando sua entrada,
agarrou-se com a mão livre ao cabelo de Nick como se ela fosse a dominante. Ele
nem se alterou, mas seu semblante mudou a um de puro prazer quando
experimentou a mão ardente que era o útero e a vagina estreita de Sophie.
— Ah. — queixou-se ela, permitindo que ele entrasse até bem fundo e que
continuasse.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Nick a apertou contra ele, pressionando sua nádega e levantando os


quadris.
— Deixa que entre, Sophie… — pediu, chegando até a útero e empurrando
em seu interior.
O hálito de Nick cheirava a seu leite. Aquilo encheu seu coração de calor e
de amor por ele. Puxou seu cabelo e se empalou por completo.
Sophie deixou cair a cabeça para trás. E nesse momento Nick foi ao
ataque em seu outro seio. Mamar e sugar como com o primeiro.
Sophie fez aquela canção dela. Sua letra dizia: “vai ser preciso muita coisa
para me afastar de você. Não há nada que cem homens ou mais possam fazer.
Assim como a chuva na África, vai levar um tempo, mas vale a pena lutar. Lutar
por você.”
— Nick… — choramingou.
Mas ele bebia e a possuía por completo. Balançando os quadris a um
ritmo calculado e cheio de força controlada.
Sophie o agarrou pelos cabelos com força. Nick apertou seu mamilo com
força para absorver um novo jorro de leite.
E justo nesse instante, entre essas espetadas intensas de prazer e de
submissão, Sophie compreendeu que não podia deixar esse homem jamais. Que
não podia permitir que a abandonasse porque o amava.
Era seu marido, o amor de sua vida, o pai de sua filha.
E quando havia algo tão forte e novo entre eles, como esse tipo de paixão
desmedida, como podiam se render?
— Nick… — Juntou sua testa à dele.
— Cale-se. — ordenou, olhando-a fixamente, movendo-se como um pistão
em seu interior, marcando-a a fogo.
Mas Sophie não queria calar-se. Não tinha vontade. Ela estava mais velha,
mais madura, toda uma sobrevivente que sabia o que queria e o que necessitava
para ser feliz.
E amava Cindy com todo seu coração de mãe. Mas sem Nick a seu lado,
sua alma gêmea, jamais poderia se sentir nem completa nem feliz.
— Nick… — repetiu.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Ele continuava fazendo ouvidos surdos à sua necessidade de falar e de


olhá-lo. Agarrou-a pelo cabelo e puxou sua cabeça para trás lentamente.
— Assim, Sophie… Recorda quando não podia me colocar inteiro em você?
Porque não queria machucá-la… Porque pensava que não podia…
Ela meneou a cabeça tentando libertar-se, então se aproximou mais dele e
colou sua nudez a seu torso, ainda coberta com a camiseta.
— Mas já não sou a mesma… e Nick… se continua acreditando que sou
assim, que sou capaz de feri-lo de novo, então já não poderá me ver… E se eu
continuo acreditando que… vai mentir outra vez para mim, tampouco poderei
vê-lo… Assim, Nick. — Puxou seu cabelo e insistiu que a olhasse, avermelhada,
entregue, desvairada pelo prazer, aceitando cada centímetro de seu corpo e cada
espaço escuro de seu espírito. — Olhe para mim. Me aceite tal como sou agora.
Sou Sophie… e quero que me dê outra oportunidade.
O desejo era tão forte e vassalador que Sophie começou a gozar assim que
ele voltou a sugá-la com abandono.
Era impossível que parasse. Impossível.
Nick se deixou levar e ejaculou em seu interior sem poder, nem querer
evitar. Rugiu como um selvagem, ancorando-a sobre sua pélvis enquanto ele
deixava escapar até a última gota de sua essência.
Sophie apoiou a bochecha na cabeça de Nick e acariciou seu cabelo sem
ser muito consciente do que fazia.
— Não termine comigo, Nicholas. Me ame outra vez, por favor. —
sussurrou chorando em silêncio, molhando o topo da cabeça de Nick com suas
lágrimas.
Depois de um longo e incômodo silêncio, ele a afastou de cima dele e a
sentou no lugar do carona. Sophie tinha o cabelo no rosto. Afastou-o para poder
olhá-lo interrogativamente.
Nick tinha a cabeça encurvada. Guardou o pênis úmido e semi-inchado.
— Temos que ir. — disse.
Sophie fez uma careta, mas se vestiu com gestos duros e secos, até que
vestiu toda a roupa.
Nick lhe colocou o cinto de segurança e se separou dela. Sophie, que tinha
lágrimas nos olhos, olhava para o outro lado, envergonhada de olhá-lo de novo.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Ele engoliu em seco, aflito por sua sinceridade. Segurou-a pelo queixo e
passou o polegar por seu lábio inferior com infinita doçura.
— O que se diz, Sophie?
Uma pergunta que esperava uma resposta. Era uma reivindicação do que
ele era, daquilo no que se converteu por puro prazer, por sua própria vontade.
Nick era seu amo e senhor. Ela era dele.
— Obrigada, senhor. — respondeu Sophie com um brilho ainda mais
desafiante que antes nos olhos.
Deu-lhe um beijo fugaz na bochecha e deu partida no Evoque, de novo
para Tchoupitoulas.
Ali os esperavam novas e suculentas notícias.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

CAPÍTULO 12

Estavam indo de novo para a casa de Leslie e Markus, mas uma chamada
de Lion os desviou de seu caminho e os dirigiu à rua Decatur, perto do bairro
Francês. Romano assegurava que o proprietário do carro que tinha tirado o
japonês do estacionamento, cujo nome era Eita Makoto, vivia em cima de um
local que era uma espécie de centro de massagens de ambiente com final feliz. O
local se chamava Onegay. E Eita era o dono.
A fachada do local tinha motivos orientais, luz com lanterninhas
vermelhas e era revestido de madeira escura e vermelho escuro.
O entardecer caía sobre Nova Orleans e tingia o céu de nuvens carregadas
de tempestade que não pressagiavam nada bom.
Quando estacionaram, Lion tocou a janela de Sophie com a palma. Ela
deu um salto, assustada.
Pensavam que iam intervir nesse centro de massagens?
Começava a chover com força. Romano estava completamente ensopado.
Seus olhos azuis olhavam Nick de frente. Assinalou com o indicador a fachada
que ficava às suas costas.
— É aqui. O cara não está em casa. Tentaremos no local. Desça rápido do
carro e entre conosco.
— Nick — deteve-o Sophie pelo braço —, o que vai fazer?
— Você fica na parte de trás e não saia.
— Não, não… Não pode me deixar aqui.
Nick saiu do carro rapidamente e o fechou, deixando Sophie ali, que ainda
estava tirando o cinto de segurança.
Ao ouvir o som das travas e ao se ver presa, ela entrecerrou os olhos e
fulminou Nick com o olhar.
— Não pode me deixar à margem disto! — gritou batendo no vidro com os
punhos.
— Claro que posso. — respondeu do outro lado. — Cleo está te vigiando do
Wrangler prateado que há ali em frente. — disse apontando para ela.

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Sophie seguiu seu indicador e encontrou uma Cleo sorridente atrás do


volante. Saudava-a com a mão aberta.
Aquilo era o cúmulo. Ali presa não podia ajudar ninguém. E ela queria
contribuir com algo!
— Me tire daqui, Nicholas!
— Nicholas? — repetiu Lion caminhando a seu lado e assobiou. —
Nossa... Parece com raiva.
— Está. — respondeu Nick, que levou a mão a HSK que tinha nas costas.
— Como vamos proceder?
Lion deu de ombros e saudou Markus, que os esperava na porta da
entrada.
— O de sempre. Entrar. Gritar. E arrasar.
— E se a polícia vier? — perguntou Nick um pouco preocupado.
— Magnus e Tim estão do nosso lado. Já o informamos a respeito. Eles
nos deram carta branca contanto que não tenha mortos.
— Pois não posso assegurar nada disso. — Nick estalou as juntas dos
dedos. — Porque se esse puto tatuador estiver aí, vou ter que me carregar dele.
Prometi aos pais de Sophie.
Markus assentiu com uma meio sorriso enquanto entrava atrás deles,
analisando tudo com seu olhar ametista.
— É um motivo de peso. Não se pode quebrar a palavra que deu à família,
loira.
— Obrigado, russa. — respondeu Nick.
A recepcionista era uma japonesa com um sotaque americano invejável.
Vestia um lindo quimono vermelho estampado com dragões. Tinha aberturas
por toda parte, que mostravam estrategicamente uns pedaços de carne que
poriam em guarda ao mais viril.
Mas saudou-os com uma voz de homem um tanto aguda e forçada. Era
um transexual.
— Meu nome é Nami. O que desejam uns vigorosos homens como vocês?
Nick deu um passo à frente e respondeu em nome dos três.
— Estamos procurando o senhor Eita Makoto. Está aqui?

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A mulher piscou com fingida naturalidade e sorriu de maneira submissa.


Virou-se e caminhou com passinhos curtos de gueixa até a recepção, onde outra
mulher escutava com atenção.
Nick aguçou o ouvido e escutou perfeitamente como falavam entre elas em
japonês. Nami lhe indicou que avisasse o senhor Eito; uns homens estranhos
estavam perguntando por ele. A recepcionista, com um telefone vermelho antigo,
pareceu chamar Eito. Respondia ao que ele dizia.
— Sim, senhor… Sinto muito. Estão aqui embaixo. Então digo a eles que
não está. Não, senhor… Não parece que carregam distintivos. Não… Sim,
senhor… Sem uma permissão não os deixaremos entrar. Direi a eles que não
está, que saiu em viagem. Sim. Certo, senhor.
A mulher, também uma transexual muito bonita, sorriu para Nami,
interpretando seu papel.
— O senhor Eito não quer visitas. — disse — Agora está no quarto da
Névoa, em meio de uma massagem com Hotaru. Não quer interrupções.
Nami assentiu com a cabeça e com um andar experiente, dirigiu-se a eles
para comunicar a mensagem exata que a recepcionista tinha dado.
— O senhor Eito não está…
Nick não pensou duas vezes e agarrou Nami pelo cabelo. Em seguida,
mirou-lhe seu queixo com a pistola e disse em um japonês perfeito.
— Guie-me até o quarto da Névoa ou não haverá final feliz para você.
A recepcionista ia chamar a segurança, mas Markus desligou o telefone e
arrancou o cabo.
— Nem pense em avisar a alguém. — ameaçou mostrando a arma que
guardava na cintura da calça.
Nami subiu as escadas de madeira com os tamancos japoneses, em cuja
sola havia diminutos saltos de madeira. Os tamancos ressoavam por aquele
local silencioso ambientado com música oriental.
Lion subiu com eles, caso precisassem de reforços.
Depois de um longo corredor com aroma de incenso e vapor onde havia
vários painéis que dividiam salas de massagens, Nami se deteve diante da porta
do final.

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Nick sabia que seja quem for que estivesse no outro lado veria sua enorme
silhueta e saberia que Nami subia acompanhada, assim não hesitou. Empurrou
Nami ao interior da sala e esta caiu ao chão.
Na frente dele, um homem vestido de gueixa com um corpo afeminado,
pálido e nada musculoso, caminhava sobre as costas nua de Eito, que tinha o
rosto levantado e olhava para Nick completamente imóvel pelo medo.
A massagista desceu de cima de seu paciente com um salto ágil. Lion
apontou sua pistola para ele e recomendou que calasse e não se movesse.
Nick sorriu com frieza e agarrou Eito pela garganta. Levantou-o com uma
força bruta da maca coberta com um lençol branco, cheio de suor e essência de
óleo e canela. Todo um afrodisíaco.
Eito gostava dos homens.
Nick o intimidou com seu corpo, pois parecia ter o dobro do tamanho dele.
Falou em japonês.
— Onde está o sujeito que você levou do estacionamento ontem à tarde?
Onde?! — gritou colocando o canhão da pistola debaixo do queixo dele.
Eito suava profusamente. Tinha ficado pálido.
— Como vocês sabem? Como…?
— Não me irrite, Eito. Diga onde está o sujeito que levou. Está aqui?! —
Nick o sacudiu e esmagou sua cabeça contra a maca, depois apoiou o canhão da
pistola em sua têmpora.
— Não… Não… não está aqui.
— Como se chama?
— Não sei…
— Não sabe? — Nick deu um murro no seu rim. O homem gritou como
uma mulher, juntando as mãos como se rogasse que o deixasse em paz. — Um
sujeito que não conhece liga para você e passa para pegá-lo? Agora me
responda…
— Não o conheço. Ju… juro. — continuou ele — Eu… Minha família tem
uma dívida com um clã do Japão. Me… Eles nos ajudaram a montar este… este
negócio… Esse homem é desse clã.
— Que clã?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Yama. O clã Yama. Têm meu contato, se por acaso alguma vez
precisarem da minha ajuda… e ontem me ligou. Ele me ligou porque precisava
de mim… sou médico.
— Faz parte do clã Yamaguchi?
— Sim. Eu… o peguei e tratei. Tratei sua perna. Disse-me que esta noite
passariam para pegá-lo em algum lugar… Espera umas pessoas.
— Onde? Onde presume que vão pegá-lo?
— Não sei… Esta noite… ouvi algo de uma rota na rua Bourbon. Um
encontro especial no Cat´s Meow.
— Um encontro?
— Sim. Há uma festa estranha ali… não sei o que é. Mas escutei que ia
ali.
Nick apertou os dentes e retirou a trava da pistola.
— Se estiver mentindo…
— Juro que não! Não! Não minto! — Começou a chorar. — Por favor, não
me mate! Não me mate!
Nick o deixou cair ao chão como se fosse gelatina. Eito desmaiou com
lágrimas nos olhos.
— Lion… Conhece o Cat´s Meow? — perguntou a ele.
Lion olhou para Nick consternado com a sobrancelha partida arqueada e
uma expressão de surpresa em seus olhos.
— Porra. Sim.
— Este cara diz que nosso homem vai estar lá esta noite.
— E que merda ele fará lá?
Desta vez foi Nick quem devolveu seu olhar, preocupado.
— Por acaso sabe o que acontece ali esta noite?
— Diabos, BDSM falso. E você não sabe?
— Do que fala?
— Uma vez por mês os praticantes de BDSM de Nova Orleans se reúnen
no Cat´sMeow.
— Ali? Para jogar?
— Não. — Lion coçou o queixo com o canhão de sua pistola. — O jogo está
sempre ali entre nós. Trata-se do miado do gato, sabe o que é?

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— Não.
— Cantar e se divertir. É um karaoke.
Magnus e Tim se asseguraram de silenciar os membros que havia no
Onegay. Tinham que vigiá-lo durante vinte e quatro horas, e cortar a luz e a
energia para que dali não saísse informação alguma que pudesse alertar ao
tatuador sobre uma possível ação policial. Nem chamadas. Nem computadores.
Nem mensagens. Pegaram todos os celulares e os desligaram, e os deixaram
incomunicáveis e com vigilância.
Enquanto isso, Nick e Sophie chegaram à sua casa. Ela estava muito
irritada e ele tentava aguentar o aguaceiro.
— Sophie, esta noite também vai ficar aqui em vigilância… — Fechou a
porta atrás dele e olhou para ela, esperando que lançasse alguma coisa na sua
cabeça.
Ela se virou decidida a enfrentá-lo e a massacrá-lo a insultos.
— Não pode me deixar presa esperando sua volta! Não pode me prender
em seu maldito carro e pensar que vou me sentir lisonjeada por que se preocupa
comigo! Faz com que me sinta impotente!
— Pois mais impotente vai se sentir porque esta noite ficará aqui. Vou
atrás do desgraçado que te fez isso e acabar com isto de uma vez por todas. Não
vou colocá-la em perigo só porque você quer. Isto não é um jogo. Já se meteu no
meio do torneio de Dragões e Masmorras DS. — explicou com calma. Cruzou os
braços e se apoiou na porta.
— Não pode jogar isso na minha cara quando eu nem sequer sabia o que
acontecia ali! Fui até lá por você! Isto é diferente. — Empurrou-o com todas suas
forças e seu corpo enorme impactou de novo na porta. Depois levantou o
indicador e apontou para ele. — Não vou permitir que me deixe aqui presa
quando todos estão arriscando a pele para me proteger.
— Sim, vai fazer isso. — Nick se agachou rapidamente e a agarrou pelos
braços, carregando-a sobre um ombro.
— O que faz, Nick?! Desça-me! — Esperneou e golpeou com força a parte
baixa de suas costas, mas esse homem era duro como uma rocha.
— Vou prendê-la no quarto do pânico no andar de baixo. Eu te prendo,
soluciono a situação esta noite e depois a tiro.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Bastardo! Não pode me tratar assim! — Tentou agarrar a pistola que


tinha às costas. — Não pode…!
Bip, bip. Magnus estava ligando. Nick pegou o telefone com Sophie nas
costas. Talvez tivesse acontecido algo em Onegay.
— Fala, Magnus.
— Nick, me solte agora mesmo, cretino!
— Lamento te ligar neste momento. — desculpou-se o chefe de polícia de
Nova Orleans, futuro delegado, depois do êxito obtido depois da detenção de
Yuri e a intercepção de um contêiner cheio de droga no porto de Nova Orleans.
— Não se preocupe, não é nada. — disse Nick. — Fala. Aconteceu algo no
centro de massagens?
— Não, não. Aqui está tudo controlado.
— Então?
— Aconteceu algo em Chalmette. Os agentes que vigiavam a casa de
Sophie acabaram feridos. Explodiram a propriedade.
Nick se deteve. Sophie, de barriga para baixo, com todo o cabelo caindo ao
chão como uma cascata marrom, paralisou ao sentir a tensão de Nick. Algo
ruim tinha acontecido.
— Nick? — perguntou ela.
Ele engoliu em seco. Cercavam-na. E cada vez estreitavam mais o cerco.
Foram atrás de Sophie. Não iam deixá-la em paz.
— Os agentes estão bem?
— Algumas farpas e queimaduras. Foram pela parte de trás. Entraram
sem que os vissem. Ativaram-na… Os agentes os viram correr e fugir da casa.
Viram eles pegarem o carro e derrapar com muita velocidade para sair dali.
Quando voltavam para seu veículo, a bomba detonou.
— Estou vendo.
— Nick? O que foi? — insistia Sophie.
— Obrigado por informar.
— Vamos reforçar a segurança com relação a sua mulher, certo?
— Sophie não é…
— Bom, sua ex-mulher.
— Muito obrigado, Magnus. Se acontecer algo mais, avise-me.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Não se preocupe. Sorte esta noite no Cat´S.


— Obrigado.
Quando Nick desligou, sentiu um enorme pesar estrangulando seu peito e
sua garganta. A casa de Sophie, da que estava tão orgulhosa, em que se tornou
independente, tinha voado pelos ares. Completamente destroçada. Como ia
explicar a ela?
— Nick, diga o que aconteceu. Está tão tenso que parece que vai quebrar.
Não são boas notícias.
— Não. Não são. — reconheceu ele.
— Desça-me, por favor.
Ding dong.
Ele olhou por cima de seu ombro. Quem seria agora?
— Nick! Abra! É Karen! — anunciou a voz de sua parceira do outro lado da
porta.
Nick não sabia que Karen os visitaria. E se sua amiga estava ali, era
porque tinha notícias. Seriam tão más como as de Magnus?
— Olha! Era quem faltava! Abra para sua parceira de jogos. — espetou
Sophie irascível.
Nick evitou o sarcasmo. Desceu Sophie ao chão, pois também estava
espectante ante essa visita. Foram abrir.
Karen trazia um envelope branco nas mãos. Aqueles olhos negros e
estilizados pareciam levar más notícias.
Assim que a viu, como a conhecia bem, Nick soube que o que escutaria
não gostaria nem um pouco. Sim, eram notícias tão más como as do Magnus.
— Não vai gostar nem um pouco disto. — anunciou negativamente.
Nick a deixou entrar.
O desgosto começava a surtir efeito no centro de seu peito. Assim que
fechou a porta, guiou-a à sala e lhe disse:
— Cospe. O que está acontecendo?
Karen lambeu os lábios, olhou para Sophie e para Nick alternativamente e
fez uma careta de desconforto.
— Tenho a identificação do sujeito graças ao DNA que encontrou em
Bayou Goula. Meus amigos da Interpol ficaram com isso em seguida, uma vez

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

que encontraram os resultados dos laboratórios. Compararam os dados com o


banco de sangue do Japão.
Nick as levou até a cozinha, onde abriu a geladeira e serviu umas cervejas.
Sentaram-se ao redor da barra americana.
— E aí?
— Antes de dizer quem é, deixe-me te explicar como estão as relações
entre as yakuzas do Japão. Já te disse que os Yama são os mais violentos. A
tatuagem de Sophie é de um yama: utilizam o dragão e a Kiyo Hime para marcar
as mulheres de outros clãs, certo?
— Sim. — disse Sophie assumindo a história. Tinha ficado gravada na sua
memória.
Karen abriu a garrafa de cerveja com os dentes, igual a Nick. Sophie
revirou os olhos como se não pudesse acreditar que uma mulher pudesse fazer
isso. Se ela tentasse, apostava que um dente da frente saltaria. Não ia tentar,
pois não queria ficar em evidência.
— Bem. Faz seis meses, no Japão se produziu um grande conflito com os
clãs entre os Yama e os Sumi. Ambos os clãs lutam por ficar com o controle
total da área de entretenimento do Roppongi em que há cassinos, discotecas,
pubs e bordéis. O líder dos Yama morreu no tiroteio. E agora é seu filho quem
lidera o clã. O novo chefe se chama Yamaguchi Daichi. É conhecido como o
Imperador.
— Kotei. — falaram Nick e Sophie ao mesmo tempo.
— Exato. — disse Karen, que deu um longo gole em sua cerveja. — O teste
de DNA nos diz que o tatuador é Yamaguchi Daisuki. O irmão caçula do
Imperador.
Nick, frustrado e assustado pelas notícias, arrebentou a cerveja na pia da
cozinha e se apoiou nela, concentrado em seus pensamentos e nas possíveis
consequências que o líder dos Yama marcasse Sophie como uma ameaça.
— Porra! — gritou impotente. — Não posso compreender que relação há
com Sophie.
— Nick? — perguntou Sophie, assustada. Necessitava respostas. Aquilo
parecia ser muito pior do que imaginou. — Tudo isso é ruim?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Sim, Soph. — Inspirou e a olhou com determinação. — Mas não vai


acontecer nada com você. Eu estou contigo.
Olharam-se assustados diante do que se aproximava deles.
— Daisuki, pelo que me disseram — continuou Karen —, está a um tempo
fora do Japão. Acreditam que está fazendo uma prova de fé para os Yama.
— Uma prova de fé?
— Sim: a iniciação para ser um yakuza adulto. — explicou Karen para
Sophie.
— Sophie é sua prova de fé. Maldito filho da puta. — disse Nick com os
dentes apertados.
— É o que parece. — admitiu Karen.
— Mas continuo sem compreender que relação tem Sophie para que a
marquem como uma afronta. Uma afronta para quem?
— Isso não é tudo. Meus amigos da Interpol, que seguem os movimentos
dos membros das yakuzas, perderam a pista de Daisuki. Surpreenderam-se
muito ao ver que estava nos Estados Unidos. Decidiram intervir no caso.
Nick fechou os olhos, consternado.
— Ninguém pode tomar conta de Sophie. Só eu. Ninguém pode protegê-la
melhor do que eu. Não podem se meter. — repetiu como um mantra.
— Não duvido, Nick. Mas, porra… — Sorriu como se já não tivesse outra
saída. — São yakuzas. São os Yama. Se querem algo, terão.
— Se Daisuki se pôs em contato com alguém para pedir ajuda, cedo ou
tarde um grupo maior de yamas aparecerão para ajudá-lo. — destacou Nick,
procurando soluções. — Entre os japoneses, o mais importante é a honra. Por
isso Daisuki não pode sair daqui sem a prova de fé completada. Seu irmão o
rejeitaria como yakuza.
— E no que consiste a prova de fé? — Sophie tinha os olhos cheios de
lágrimas. — No que?! — Começou a tremer. — Em me matar?! Em acabar
comigo ou com minha filha? Ou com você? — Olhou para Nick, destroçada. —
Não tiveram suficiente me tatuando?!
— Oh, Soph… — Nick foi correndo abraçá-la. Sentou-se no tamborete e a
sentou sobre suas pernas, dando a ela a tranquilidade e o amparo que
precisava. Tudo aquilo era muito. Sophie era sua mulher e não podia estar

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

relacionada com yakuzas. Não podia compreender isso, por mais que se
esforçasse nisso. — Calma, princesa. — sussurrou carinhosamente. — Não vou
deixá-la sozinha.
Sophie sabia, mas isso não impedia que se sentisse frágil e insignificante;
uma vida a menos que um grupo de pessoas decidia pôr fim, sem importar se
tinha filha, marido ou família…
— Eu não fiz nada. A única loucura que cometi foi participar do maldito
torneio. E você, Nick? — Afundou o rosto, ensopando seu pescoço de lágrimas,
acalmando-se com seu contato. Como sempre.
Nick olhou para Karen, que piscava com seriedade esperando uma
resposta que limpasse aquelas interrogações.
— Quando estive no Japão, não deixei contas pendentes com ninguém. —
assegurou — Clint e eu completamos a missão e partimos.
Karen deu de ombros. Não entendia.
— Pôde entrar nos dados dos licitantes das submissas do torneio?
Nick negou.
— O programa ainda está decodificando os dados. Estou dentro dos
arquivos do FBI, mas vou com um camuflador. Isso faz com que abrir o material
cifrado seja um processo mais lento. Eu o tenho em funcionamento desde
ontem. Ainda falta vinte por cento.
— Talvez a chave que nos falta esteja nesses dados. Seja como for… com a
Yakuza só se pode negociar, Tigrão. E só se pode sobreviver a ela se tiver outro
clã te apoiando. Precisa de ajuda, Nick. Do contrário, jamais estarão a salvo. —
concluiu.
Nick sabia bem, conhecia as leis do Japão. De todas as máfias temíveis, a
japonesa era a mais cruel e persistente. Precisava de ajuda para negociar. E
para negociar, o principal era pegar Daisuki com vida. Esperava encontrá-lo
essa mesma noite no Cat´s Meow. Se interrogasse o irmão mais novo do
Imperador, talvez tivesse uma oportunidade de sair com vida de tudo aquilo.
Porque uma coisa estava clara, por mais diferenças que pudesse ter com
Sophie, se lhe acontecesse algo, ele iria com ela.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Bem. — Nick beijou a cabeça de Sophie. — Vamos nos preparar para ir


ao miado do gato. Tudo pode se resolver ali. Se encontrar o irmão do Imperador.
Acompanha-nos, Karen? — perguntou solícito. — Qualquer ajuda é boa.
— É óbvio. — respondeu ela com um sorriso. — Gosto de um pouco de
ação. E nada melhor que fazer cócegas a um grupo de yakuzas inofensivos, não
é verdade?
Sophie a olhou surpresa e murmurou:
— Quer dizer que não vai?
Nick se pôs a rir e disse:
— Isso é que vai se colocar de cabeça e meter o pau.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

CAPÍTULO 13

Sophie e Karen comprovaram que embora tivessem tamanhos diferentes


de seios e de quadris, a roupa ficava igualmente bem.
Karen era muito exuberante.
Sophie era mais elegante e esguia, mas ambas eram esculturas cheias de
feminilidade, cada uma em seu estilo.
O cabelo encaracolado e transbordante de cachos de Karen contrastava
com o macio, liso e pesado de Sophie.
Esta tinha um rosto que transmitia doçura e sedução. Karen era muito
atraente e chamativa, mais alta que Sophie.
Ambas estavam se trocando na frente da penteadeira do quarto. Karen
acabava de subir as botas de salto de Sophie pelos joelhos ante o atento olhar
da jovem, que já estava completamente arrumada.
Duas dominatrix.
Karen de couro, com espartilho, saia e botas.
Sophie com leggin de couro muito estreita, sapato plataforma e uma
camiseta preta e brilhante que deixava entrever seu sutiã preto.
Amava penteados com coques altos, desafiantes, e ao mesmo tempo com
olhos e boca muito expostos. Diziam que os coques altos só ficavam bem em
mulheres com rosto bonito. E elas o tinham.
Sophie mostrava a tatuagem do braço. Não ia escondê-la. Se Daysuki
estivesse por lá, iria querer acabar o que não pôde. Iria atrás dela de novo. E
assim que fizesse algum movimento, Nick e seus amigos sairiam em sua defesa.
— Está assustada, Sophie? — perguntou Karen olhando o resultado de
sua produção no espelho de corpo inteiro.
— Não sei. Não sei nem o que sinto.
— Sabe que Nick não vai permitir que nada te aconteça?
Sophie queria acreditar nisso, mas não conhecia a força e a convicção do
Nick agente. E tampouco podia se concentrar nisso, tendo a parceira de jogos de
seu ex-marido junto a ela.

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— Karen, posso te perguntar uma coisa e esperar que me responda com


toda sinceridade?
Ela sorriu ao reflexo do espelho e disse:
— Pode tentar.
— Que grau de intimidade você e Nick tiveram durante o adestramento?
Karen tornou a arrumar os seios dentro do espartilho.
— Grau de intimidade? Isso era somente trabalho.
— Não me refiro a isso. Ele a tocava? Acariciava você? Alguma vez…? —
tomou ar — Tiveram relações sexuais?
Karen se virou e a encarou. Tinha as mãos na cintura e as sobrancelhas
erguidas com incredulidade.
— Nick não me tocou nenhuma só vez com desejo, Sophie. Esse homem
vivia por e para você. Quando descobriu que gostava do BDSM, ele nos
confessou isso. Só pensava em como te ensinar a jogar com ele. Era a única
coisa que o preocupava. Dizer a você que gostava da dominação era sua
inquietação máxima. Não sabia como te explicar que descobriu isso na instrução
de um caso. Como não sabia que era agente do FBI… — Franziu os lábios —
Inclusive depois que o denunciou, Nick decidiu não me fazer domesticações
nunca mais. E trocamos os papeis. Eu fazia o de ama; ele de submisso. Mas
jamais houve sexo entre nós. Nunca houve penetração, se é isso o que a
preocupa.
Sophie engoliu em seco e olhou para o chão, consternada. Não tinha por
que acreditar nas palavras dessa beleza de mulher, mas de algum modo
acreditava. Porque a dor e a mágoa de Nick eram profundas. E isso acontecia
quando decepcionava alguém que te amava e te respeitava com todo o coração.
— E beijos? Houve beijos?
“Beijos como esses dilaceradores que me absorviam a alma, que
embotavam minha cabeça de promessas e de para sempre. Houve beijos,
Karen?”, perguntou-se esperando uma resposta negativa.
— Beijos? — repetiu Karen, mais séria e um pouco decepcionada. — O
que acredita que é estar no FBI, Sophie? Como acha que são nossas instruções?
Acha que são encontros às cegas? — replicou com dureza — Nós nos
preparamos o melhor que sabemos para que não nos descubram. Embora essa

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

missão tivesse conotações sexuais, todos sabíamos quem éramos e qual o nosso
papel. Não havia tempo para beijos quando tinham vidas em jogo. Nossos
parceiros perderam a vida, sabe? E acha que Nick esteve trocando beijos
comigo?
Sophie sentiu vergonha por ter perguntado uma coisa dessas. Mas o
ciúme e a insegurança a consumiam. Dominava-a o arrependimento e o medo
de que Nick não a acolhesse de novo em seu coração. Dominava-a o desespero
de ter se equivocado tanto.
Karen, que tinha um sexto sentido para ler o que as pessoas sentiam,
aproximou-se dela, compreensiva.
— Sophie, um dia estamos aqui e no outro não. Não perca a
oportunidade de dizer a Nick quanto o ama. Agora que ambos estão aqui, não
perca tempo em recriminações e medos. Porque de um momento para o outro
ele pode voltar a te corresponder. Ou de um momento para o outro ele pode
desaparecer para sempre. — Penteou sua franja com os dedos. — É uma mulher
incrivelmente forte e corajosa. E Nick sabe disso. Quanto mais vezes disser que
o ama, mais lembrará que ele também a ama. Certo?
Sophie assentiu e fungou.
— Não vá chorar ou sua maquiagem vai escorrer.
— Tem razão, sinto muito.
— Esta noite, não esqueça — colocou bem nela o colar de couro que
levava ao pescoço — que terá muitos pares de olhos em cima de você. Todos
estamos aqui por Nick, porque o amamos muito e sempre esteve lá para nos
ajudar. Foi muito duro para ele o que aconteceu com vocês, mas se esqueceu de
sua dor para dar uma mão aos outros.
— É um grande homem.
— É. Por isso não o desobedeça. Ele vai estar contigo em todos os
momentos e nós cobriremos todo o local. Escute-o, entendido?
— Sim, Karen. — Exalou mais relaxada e levantou o olhar para a agente.
— Obrigada.
Karen piscou um olho para ela.
— Não há de quê.

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Cat´s Meow
Bourbon Street

Negro e vermelho.
Ambiente um pouco gótico e secreto.
Homens e mulheres em couro e látex.
Palmadas, sons de chicotes que fluíam no ar, música que ressoava em
cada canto secreto do local.
Gemidos. Gargalhadas. Súplicas.
E miados de gatos e gatas.
O mundo do BDSM em estado puro se reunia uma vez poro mês no Cat´s
Meow. Para Nick, que jamais tinha assistido a uma dessas noitadas em Nova
Orleans, aquele ambiente o afligia.
Muitos pareciam se conhecer, outros só eram convidados, e os mais
curiosos pagaram para entrar e ver essa noite especial e comprovar o que se
fazia ali.
Em outro momento, em outra situação, Nick apreciaria ver as expressões
de Sophie e de jogar com ela em um quarto privado. Mas naquela noite, tanto
ele como seus companheiros, corretamente caracterizados com máscaras e
capuzes, estavam ali a trabalho. Porque queriam proteger Sophie de qualquer
perigo. E Nick, companheiro de seus parceiros, não sabia como agradecê-los.
— Loira — disse Markus através do comunicador — a saída do local está
coberta. Leslie e eu cuidamos dela.
Nick sorriu para si mesmo e respondeu olhando para Sophie, como se
falasse com ela.
— Perfeito, russa. E Romano?
— No jardim. — respondeu Lion — Habilitaram umas barracas privadas
com tecido preto. Nós nos encarregaremos de checar os grupos que passarem
por aqui.
E ali, entre homens que adoravam mandar e mulheres que adoravam
obedecer, estavam Nick e Sophie, não para dominar um ao outro, mas sim para
protegê-la e conseguir salvar sua pele diante de sua maior ameaça: a Yakuza.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Nesse momento, uma loira espetacular e de beleza intimidante subiu ao


palco central onde havia um microfone solitário iluminado por um foco potente,
que era o único que sabia que algo grande ia acontecer.
Sharon, a Rainha das Aranhas, não tinha nem pudor nem vergonha para
apresentar-se, e ser talvez a primeira a demonstrar seus dotes de cantora. O
Cat´s era, principalmente, um karaokê.
A domina, que vestia leggings de couro hiperjustos, uma camiseta de
alça prateada com um decote criminoso e saltos que pareciam um primeiro
andar e exibia purpurina branca que recordava o pó das fadas das neves,
lambeu os lábios carmim e sorriu como uma gata brincalhona.
— Bem-vindos à noite temática do Cat´s Meow. — anunciou. Seus olhos
azuis, emoldurados por sombras esfumaçadas, brilhavam como dois faróis na
escuridão. — Hoje é uma noite de jogo para os do BDSM. Uma noite em que a
traição e a travessura serão pecados capitais. — jogou o longo cabelo dourado
para trás — E aqui todos somos pecadores, não é verdade?
As pessoas aclamaram. O local estava cheio até o topo.
Supunha-se que aqueles eventos eram para minorias já iniciadas, seletas
e devidamente escolhidas. Mas, aparentemente, também podiam assistir grupos
curiosos e libidinosos de turistas, que por um módico preço, ainda sem se
revelarem, assistiriam como voyeurs privilegiados ao espetáculo.
Sophie sentia uma natural admiração por essa mulher de esplendorosa
beleza e ousadia quase insultante. No torneio de Dragões e Masmorras DS a
deixava sem fala cada vez que fazia sua ação em cena. Tanta segurança, tanta
consciência de seu corpo e de sua capacidade para influenciar os outros… Isso
devia ser penalizado com uma multa ou algo parecido. Mas quem seria capaz de
deter alguém como Sharon?
Sua voz, sua presença, seu senso de humor e a lábia que tinha podiam
ser também motivo de inveja. Mas só alguém inseguro e miserável seria capaz de
odiar ou de menosprezar a uma mulher assim.
Sharon exigia respeito, e com só um olhar o conseguia. Por isso, nem
Sophie, nem Nick, nem ninguém tinham a coragem de afastar o olhar dela.
— Só quero dar um conselho aos que vieram aqui para ver um
espetáculo sexual. — advertiu — Esta é a nossa noite, a noite da diversão para

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amos e submissos. Não se aceitam fotos, não permitiremos que ninguém toque o
que não deve tocar. Podem desfrutar da experiência de ver um modo de amar e
acariciar que nunca viram antes, porque não nos envergonhamos nem de
nossos corpos nem do que fazemos com eles, mas nem pensem que isto é uma
orgia ou um clube de prostituição. Aqui nos divertimos, respeitamo-nos. E se
alguém se exceder… — tirou um chicote que tinha pendurado na parte traseira
da calça —, eu o cortarei. — Sharon desceu do palco e moveu o chicote de cima
para baixo em ziguezague.
Os homens assobiaram, aplaudindo-a por seu discurso.
— Ei, Rainha! — gritou um homem enorme de cabelo comprido negro e
barba perfeitamente raspada. — E o que faço sem mão?
Ela o olhou por cima do ombro e sorriu, embora fosse mais alta que ele.
— Quem disse, Tom, que me referi à mão?
Todos riram ante sua geniosidade, também Nick e Sophie. Assim que se
deram conta de que ela se aproximava, instintivamente ele tomou a mão de
Sophie entre as suas. Conhecia as artimanhas e os jogos daquela deusa da
dominação e não deixaria que os pusesse em um compromisso.
Sharon, com seus andar de predadora, deteve-se ante eles e arqueou
uma de suas sobrancelhas loiras, tão altiva e inalcançável quanto ela.
— Não sei se devo me alegrar ou não de que Sophiestication e Tigrão
estejam aqui. — murmurou analisando-os de cima abaixo com o olhar.
— E por que não deveria se alegrar, Rainha? — perguntou Nick.
— Porque, se não me falha a vista, o Wrangler de Lion Romano está
estacionado na rua, e juraria que vi o russo e a irmã de Nala revoando pela
parte dos fundos deste local. E quando estão juntos sempre acontecem coisas
um tanto… alarmantes… e sempre me pegam no meio. — Pegou uma taça de
champanhe para tomar um gole.
Nick franziu o cenho. Sharon era tão observadora como vivos eram seus
olhos. Muito. Uma mulher qualquer não repararia nesse tipo de detalhes, mas
uma domina — e não uma qualquer, mas sim a mais popular de todas —
controlava inclusive as vezes que ele piscava.
— Nick queria que eu comparecesse esta noite ao Cat´s Meow. —
assegurou Sophie controlando sua voz perfeitamente.

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Sharon concentrou toda sua atenção nela até que reparou em sua
tatuagem com corpo de dragão e mulher.
— Não combina nada com você. Mas é muito sexy. — disse olhando ao
redor como se esperasse que a qualquer momento alguém aparecesse.
— Obrigada.
— De nada. — Exalou com elegância. — Bom, estou esperando que me
digam o que está acontecendo. Sei tudo sobre vocês. Estão divorciados e agora
os vejo juntos aqui… Sei que se encontraram no torneio, mas então você —
Sharon se aproximou dela e acariciou seu queixo com o chicote — era a
submissa da minha amiga Thelma. — Por um momento, aqueles olhos tão
claros escureceram com pesar. Mas logo reagiu. — E Nick fez um trio com vocês.
Naquele momento não sabia quem era ninguém de seu grupo. Agora já sei tudo
e o que vejo me deixa nervosa, porque suspeito que tanta gente com distintivo
não comparece a uma noite de BDSM só por acaso. E já aconteceram muitas
coisas em Nova Orleans para não me preocupar.
Nick levantou o canto do lábio e sorriu sem poder evitar.
— Domina não só de título, não é?
— Simplesmente não quero que a merda respingue na gente outra vez.
Meu mundo deve ser respeitado. Está cheio de pessoas boas. Não posso permitir
outro escândalo. Vamos lá, Tigrão, vamos deixar de tolices e me diga o que
fazem aqui.
Nick sopesou se devia lhe dizer a verdade. Sharon conhecia todo mundo,
era uma relações públicas muito competente. Cairia bem um par de olhos de
águia como os dessa mulher. Não lhe escapava um detalhe. Assim, para sua
consternação, acompanharam Sharon a um pequeno local privado onde Nick
pediu sua ajuda.
— Procuramos um japonês. — mostrou a imagem da foto que tinham de
busca e captura. — É um sujeito perigoso e temos que pegá-lo hoje mesmo. —
Não ia perder mais tempo.
— Um japonês? — Sharon sorriu incrédula ao olhar sua foto, estudando-
a e gravando-a em sua mente como faria o visor de uma câmara. — Sabe a
quantidade de grupos de chineses e japoneses que visitam os clubes, os locais,

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

os cemitérios e as casas abandonadas de Nova Orleans? E são quase todos


iguais… — murmurou desconcertada.
A música do local começou a soar com força. As pessoas chegavam sem
demora. Muitos deles vestidos todo de preto ou de preto e vermelho, as cores
predominantes no BDSM. Alguns traziam consigo uma pequena máscara preta
de papel que forneciam na entrada aos que quisessem um pouco de intimidade e
não desejavam que os reconhecessem.
— Este sujeito está um pouco coxo. O Cat´s vai se encher de gente,
muitos mal poderão ver os espetáculos que preparou, mas este indivíduo está
coxo. Tem uma ferida na perna. Se o vir, avise-me e interviremos
imediatamente.
Sharon assentiu. Teria que ajudá-los para evitar qualquer problema em
seu reino.
— De acordo, Tigrão. Vão participar de algum jogo?
— Não. — respondeu Nick.
— Sim. — disse Sophie pensativa.
— Nem pensar. — negou ele, olhando-a recriminatoriamente.
Sophie girou a cabeça para ele, cravando-o no lugar.
— Se me reconhecer, é possível que venha até mim. Se estiver visível e
chamar a atenção, não ficará quieto.
— Não vou expô-la assim. — grunhiu — E você tampouco vai fazer isso.
Temos reforços suficientes para controlar o que acontecer aqui. Não vou deixar
que se coloque em perigo. Você me entendeu?
Sophie arqueou as sobrancelhas castanhas:
— Claro.
— Não. Claro, não. — Nick a segurou pelo braço e aproximou-a dele
apertando os dentes brancos e retos que cintilavam, desafiando-a. — Diga que
compreendeu de verdade.
As pálpebras de Sophie tremeram. Lambeu os lábios e disse:
— Sim, senhor.
Mas Sharon, que contemplava a cena como espectadora, captou
perfeitamente que nem o tom nem a resposta de Sophiestication eram de total
submissão. Ali havia uma provocação a toda regra e uma ameaça de rebeldia.

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A domina sorriu ante o visível relaxamento de Nick.


Ela mentia. Só uma mulher que captasse as emoções de outra podia dar-
se conta do engano.

***

Nick não sabia o que fazer nem aonde olhar.


Tinha assistido a algumas festas noturnas de BDSM. Como infiltrado,
devia conhecer a noite. Mas a do Cat´s Meow não tinha nada a ver com a
exibição. Era uma celebração da vida e do amor livre.
Ali todos se conheciam. E Nick conhecia muitos, do torneio e dos clubes.
Era estranho reencontrá-los ali, ver como se comportavam, mais relaxados,
falando com suas companheiras e com as dos outros, com alegria e
cumplicidade. Pareciam uma grande família.
Mas Nick sabia que muitos dos ali presentes que não tinham
companheiro fixo jogavam com mais pessoas, dominavam com mais gente… Mas
ele, que se considerava um escravo mais que um amo de Sophie, sabia que
nunca poderia jogar em grupo com ela. Sabia por que estava muito apaixonado
por sua mulher. O sentimento de posse podia mais que excitar. Que outros
tocassem ou fodessem Sophie o mataria. Não poderia viver tranquilo com essa
imagem na cabeça. Respeitava aos que o faziam e podiam viver com isso, estava
claro. Mas quando o sexo e o amor se uniam, de verdade as pessoas eram
capazes de entregar-se a outro diante da pessoa amada? Não tinha nenhum
sentido.
Sophie continuava a seu lado tomando um mojito de morango, rindo
diante da atitude de alguns amos e submissos que não paravam de dançar.
Utilizando as diferentes plataformas colocados como mini palcos por todo o
salão. As pessoas também saíram aos reservados do jardim. Alguns já jogavam
com seus companheiros… Em algumas ocasiões a música parava e alguém
agarrava um microfone e entoava uma canção.
Nick engoliu em seco ao ver como Sophie lambia o lábio inferior. E a cada
sorriso, a cada gesto, a cada gole… Nick voltava a cair naquela fossa de amor e
se afundava mais e mais.

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Ter que proteger a mulher que tinha virado sua cabeça não era do agrado
de ninguém. O medo que algo acontecesse com ela não o deixava em paz. E mais
agora, quando Sophie parecia compreendê-lo melhor do que nunca, agora que
estava se esforçando tanto para que a perdoasse.
Amava-o de verdade? Não se assustaria com ele nenhuma vez mais?
Antes teria apostado a vida pelo amor da Sophie. Mas um erro jogou tudo por
terra e isso o fez se sentir frágil e miserável.
E nunca mais queria voltar a sentir-se tão infeliz e tão pouco
correspondido.
— Dança comigo, Nick? — perguntou Sophie, olhando-o de soslaio. Seus
olhos amendoados cintilavam pelas luzes do pub. Mas aquele olhar dizia mais
do que parecia.
— Não podemos aqui. Aqui não. — disse como um tolo, engolindo em
seco, nervoso e assustado pelo amor que crescia em seu interior como se
ressuscitasse entre os mortos. Mas nunca tinha morrido. Quando as pessoas
amavam tanto como ele, nada podia morrer para sempre.
Sophie assentiu concordando, embora os quadris e os ombros se
movessem sozinhos.
— Não gosto de me esconder. — reconheceu Sophie com honestidade. —
Eu não gosto de pensar na ideia de que alguém pode me apagar do mapa a
qualquer momento e que vivo minhas últimas horas escondida de tudo,
assustada, sem um sorriso nos lábios. Lembra-se? — Olhou-o com uma risada
melancólica e emocionada. — Sempre dizíamos que morreríamos um ao lado do
outro, velhinhos. Sentados em uma varanda, agradecidos pela vida e por ter nos
encontrado. — calou-se um momento e afastou o olhar. — Sei que isso já não
vai acontecer… Não acredito que possa me aceitar de novo. Mas tampouco quero
viver como se estivesse morta. E passo muito tempo assim.
Nick a segurou pelo queixo e aproximou seu rosto do dela, olhando seus
lábios com desejo e ternura, sabendo que se a beijasse perderia o norte por
completo. Nesse beijo, sua decisão de continuar sendo duro e forte ficaria em
nada.
— Me escute bem. Não vai acontecer nada com você. Não permitirei.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Sophie sorriu com tristeza, afastou o queixo, deixou o mojito no balcão e


abraçou-se como se não soubesse como lutar com sua tristeza.
— Sei. Faz muito bem seu trabalho, não é?
Sophie esperava que nesse momento, nesse lugar onde Nick era ele
mesmo, agente e amo, fosse sincero e corajoso o suficiente para admitir que
ainda a amava, se é que isso era verdade. Ou para reconhecer que se
preocupava com ela, não por que Cindy ficaria sem mãe, nem por que era o que
seu dever exigia.
Mas Nick não disse nada. E seu silêncio nessas circunstâncias dizia mais
do que ele imaginava.
— O japonês pagará pelo que te fez, Sophie. — respondeu finalmente —
Não voltará a tocá-la. Prometo.
Mas ela não esperava esse tipo de promessa. Só desejou que conservasse
e continuasse com a promessa que lhe fez oito anos atrás, bêbado na frente do
Elvis e um padre que aceitou como alianças umas caveiras: a de amá-la para
sempre.
E se Nick não dizia isso em uma situação assim, quando o faria?
Deprimida por sua atitude, manteve-se em silêncio e decidiu que não
havia nada mais a dizer.
Ela não pensava viver assim por mais tempo, mas confiaria em que ele a
mantivesse com vida até o final.
— Nick. — disse Lion pelo fone de ouvido.
Ele o apertou contra a orelha e respondeu dissimuladamente.
— Estou aqui.
— Um grupo de cinco japoneses acaba de entrar no banheiro dos
homens. Estão cobertos com uma máscara preta de papel.
— Algum deles coxeia?
— Não sei. Só os ouvi falar ao sair para os lavabos. Fico aqui na entrada
e te espero.
— De acordo. Vou agora. Quero escutar o que dizem.
Nick olhou para Sophie. Estavam protegidos por vários amos e
submissos que observavam as danças de seus companheiros e riam e dançavam
ao mesmo tempo.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Pode ir. Aqui ninguém me fará nada. — assinalou a seu redor.


Nick, que não estava de acordo, procurou alguém entre a multidão que
cuidasse de Sophie um momento. Seus olhos divisaram o longo cabelo loiro e o
andar inconfundível de Sharon. Estendeu o braço e a arrastou da multidão até
onde eles se encontravam.
— O que faz? — perguntou Sharon, assombrada por sua maneira de
tratá-la.
— Preciso que cuide de Sophie um momento.
Sharon franziu as sobrancelhas e desviou o olhar de um para o outro.
— Não sou uma maldita guarda-costas. O que pensa?
— É somente um instante. Não demoro nem cinco minutos. — ele
esclareceu — Além disso, Sharon, não sei de quem está fugindo, mas vi que tem
três gorilas cuidando de você e que a seguem a todas as partes. Parecem amos,
mas não são. Só alguém que trabalha nisso reconhece os infiltrados. Se
aproximarem-se de você ou virem algo estranho, não duvidarão em intervir.
Sharon piscou um pouco confusa. Como tinha se dado conta? Inspirou e
no final, cedeu. Sabia o que estava acontecendo.
— Vá. Eu fico com ela.
Nick sorriu de orelha a orelha. Assentiu e lançou uma advertência à
Sophie enquanto se afastava dali:
— Volto logo. Comporte-se bem.
Nick se afastava entre a multidão quando Sharon pegou o mojito de
Sophie do balcão e começou a bebê-lo como se fosse água.
— É muito controlador.
— Sim. — admitiu Sophie, decidida a não ficar de braços cruzados sem
fazer nada.
— E não sei por que tenho a intuição de que não está disposta a ouvi-lo.
— Você tampouco permite que ninguém a submeta, Rainha.
Arrebatou o mojito de suas mãos e bebeu o resto, olhando-a por cima do
vidro da taça. Quando acabou a deixou sobre o balcão, pegou a mão de Sharon
e a puxou até que a massa de gente a engoliu.

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CAPÍTULO 14

Os primeiros compassos de Te amo, de Rihanna, fizeram com que as


pessoas aclamassem e que as mulheres dançassem entre elas, seduzindo a seus
companheiros, divertindo-se com carinhos e carícias.
Até que Sophie subiu à plataforma central que tinha se convertido em
um palco. Então todos fizeram um círculo para a Rainha das Aranhas, que
subia com ela um tanto estupefata e também divertida pelo atrevimento da
mulher a que se supunha que tinha que proteger, não lhe pôr um alvo no
traseiro.
— Que diabos acha que está fazendo? — espetou-lhe Sharon sorrindo,
fingindo que ela estava sobre o palco por decisão própria. — O que quer? Que
esse sujeito a veja?
— Me ajude, Sharon. — aproximou-se dela para falar quase sobre sua
boca, sem tocá-la. As pessoas pensariam que iam fazer um número e isso era
justo o que queria conseguir: chamar atenção. Porque nada atraía mais às
pessoas desse mundo que ver a própria Rainha em ação.
Sharon levantou uma sobrancelha e depois entrecerrou os olhos,
cobertos uma sombra azul escura que provocava um efeito máscara.
— Não posso me esconder eternamente. Ele tem que me ver. Assim sairá
de sua toca. Se estiver aqui, não poderá resistir ver mais de perto sua tatuagem.
Mova-se comigo e faça com que cada uma das pessoas que estão aqui prestem
atenção em nós.
— Sua tatuagem? — repetiu ela.
— É uma história muito longa. — Sophie sorriu, caminhando lentamente
e ao som da música. — Dance comigo.
Sharon deixou escapar um sorriso sedutor, cheia de admiração. Com o
canto do olho controlou seus guarda-costas que já estavam em guarda,
procurando que ninguém subisse ali de repente. Ao ver que tudo estava mais ou
menos sob controle, relaxou e cravou em Sophie aqueles olhos transparentes,
nada a ver com sua alma. E se concentrou no espetáculo que tinham que dar.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Está muito louca. — colou-se a ela cintura com cintura, peito com
peito, tomando-a pelos quadris e lhe disse. — E eu adoro.
Sophie engoliu em seco e sorriu.
As pessoas ficaram surpresas ao ver como uma desconhecida era a que
provocava a Rainha para que fizesse algo, e que ela, depois de negar-se em um
primeiro momento, aceitava de bom grado.
A canção falava de duas mulheres que se amavam e de quão triste era
descobrir que um velho amor já não era correspondido.
E para o prazer de todos, Sharon e Sophie se converteram nessas duas
mulheres.
Poucas coisas como a música faziam com que Sophie se desinibisse
desse modo. Por isso, nesse palco moveu ombros, pernas e quadris como melhor
sabia, como se fosse a última vez.
Nada chamava mais atenção que duas mulheres belas e cúmplices
dançando juntas sem se importar com nada mais, embora no fundo de seus
corações, muitas coisas lhes tirassem o sonho e a paz.

«Te amo, te amo», she says to me I hear the pain in her voice Then we danced
underneath the candelabra, she takes the lead That’s when I saw it in her eyes, it’s over.

Sharon segurava seus quadris e os movia como os dela, como se fizessem


amor, dançando a dança mais antiga de todas. Depois virou Sophie e puxou seu
longo rabo de cavalo, sorrindo e olhando para o público que, histérico e eufórico,
não deixava de aplaudir e de animá-las para que continuassem com seu número
e chegassem mais longe. A loira passou os lábios pela lateral do pescoço de
Sophie, que entrelaçou os dedos com os de suas mãos que subiam até quase
abranger seus seios. Atrás delas, na tela plana pendurada parede, Laetitia Casta
e Rihanna faziam o mesmo, mas com mais sutileza.

Then she said «te amo». Then she put her hand around my waist I told her
no, she cried «te amo». I told her I’m not gonna run away, but let me go.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Sharon mordeu seu lóbulo da orelha e Sophie estremeceu pelo prazer e a


surpresa. Ambas se olharam como se estivessem de acordo em tudo o que
fizessem. A Rainha a virou para ficarem cara a cara. Introduziu uma coxa entre
as dela e dançou assim ao som da música, rebolando como se as notas
movessem seu corpo.
Enquanto isso, dissimuladamente, Sophie procurou entre a multidão o
seu perseguidor. Estava segura de que o reconheceria. Sua intuição não poderia
falhar. Esteve em suas mãos, sentiria sua presença.
Mas então, olhando rostos mascarados, cabelos e calvas, rostos de
homens e mulheres desconhecidos em vez dos olhos de seu perseguidor,
deparou com os olhos frios e cruéis de seu suposto protetor.
Sophie se ergueu. Estava avaliando-a como se quisesse dar seu castigo
por desobedecê-lo.
Mas não se importava. Queria ficar na mira do seu perseguidor, do seu
tatuador, do seu futuro assassino… Já não importava. Estava fazendo a vida
dela impossível. Estava farta. Tão farta como Nick, que embora a protegesse,
fazia sua vida impossível com seu rancor e sua ira.
Tinha Kiyo Hime tatuada em sua pele. E parecia surrealista e acertado,
porque se sentia tão despeitada como a mulher dragão. Mas e Nick? O que
deviam tatuar em Nick? A figura do castigador?
Por isso, sob seu controle exagerado e cruel, continuou dançando com
Sharon, sabendo que não só alimentava as chamas de sua raiva e sua decepção.
Nick estaria muito zangado com ela e ela queria que se zangasse ainda mais. E
sabia que nada o irritava mais que continuar desejando-a, que sentir esse fogo.
E ela podia avivar essas piras ardentes, tanto nela quanto nele.

My soul is awry, without asking why I said, “te amo, wish somebody’d tell me
what she said» Don’t it mean «I love you”? Think it means “I love you”.

Nick não podia compreender por que se expor, por que se colocar ainda
mais em perigo.
Era sua insensatez? Não se dava conta do que estava fazendo? Por acaso
era seu medo?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Jamais saberia. Mas conhecia perfeitamente as emoções que o


convertiam em um autêntico filho da puta.
E nesse momento, depois de sair do banheiro e descobrir que os
japoneses só faziam parte de um grupo de turistas curiosos da noite de Nova
Orleans, estava tão aceso e com raiva dela por tê-lo desobedecido que não sabia
o que era capaz de lhe fazer. Não importava o quanto parecesse incrivelmente
bela ali, nem os olhares de desejo de homens e mulheres para elas.
Ninguém devia olhar para ela. Não tinha que se fazer notar.
E ali estava. Decepcionando-o de novo.
Avançou a tropeções entre as pessoas. Não poderia ser amável com ela.
Sophie ia se deparar com sua face mais cruel. Desceria-a do palco arrastando.
Então justo quando estava a alguns metros do palco, algo que ia
igualmente rápido e veloz quanto ele se moveu por seu lado direito.
O sujeito tinha o cabelo negro como carvão preso em um coque baixo.
Usava máscara preta de papel nacarado, uma camiseta vermelha de manga
longa e uma calça escura. E se sua vista não falhasse, suava profusamente e
seu corpo balançava muito ao caminhar.
Era ele. Estava coxeando.
Nick saiu disparado para caçá-lo. Não o deixaria escapar.
Sophie observou a cena em câmera lenta.
O sujeito de coque não deixava de olhar para ela. Deu-se conta do
momento exato em que percebeu a presença de Nick e em como se virou para
afastar-se do palco e sair dali.
Sharon, que era como Deus e também via tudo, percebeu os movimentos
de Nick e do desconhecido. Saudou as pessoas com dissimulação, tomou Sophie
pela mão e a puxou do palco para continuar com a festa, mas com elas à parte,
sem ser o centro da atenção.
Nick estava a ponto de caçá-lo. Apertou o comunicador contra a orelha e
pediu reforços:
— Sai pela porta principal!
— Estou no reservado, no pátio interior! — informou Lion — Eu te sigo!
— Estamos na saída dos fundos! — exclamou Markus — Agora vamos.

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LENA VALENTI
AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Ninguém ia poder barrar o caminho do japonês, mas Nick corria mais


rápido e o alcançaria. O sujeito desapareceu pela saída com o celular na mão.
Nick pensou o pior. E se ligasse e alguém o pegasse de carro? E se não pudesse
pegá-lo a tempo?
Então quando Nick saiu pela porta, deparou-se com uma imagem que
jamais tinha esperado encontrar.
O indivíduo estava no chão.
Um dos amos criaturas do torneio se sentava em cima dele e o
imobilizava com as mãos nas costas.
Seu cabelo negro ondeou quando levantou a cabeça e fixou seu olhar
duro em Nick. Era alto, estilizado. Tinha feições marcadas e estrutura óssea
muito grande e corpulenta. Sua jaqueta de couro, suas botas e seu jeans gasto
lhe davam um ar de anjo do inferno.
Quando Lion e Markus chegaram até onde estavam, Romano se deteve
diante do homem que tinha detido o japonês e lhe disse:
— Que diabos fez, Prince?
— De nada. — respondeu o moreno se afastando para que Nick levasse a
sua presa inconsciente. — Eu o vi correr coxo, percebi que era japonês… e tive
sorte. Dei-lhe um golpe no pescoço. — explicou limpando a calça e ajeitando
bem a jaqueta de couro.
Nick deu a volta e o olhou.
— Porra, espero que esteja vivo.
— Claro que está. — Prince o assinalou e entortou os olhos. — Somente
está um pouco aturdido.
Nick lhe agradeceu o gesto enquanto levava Daisuki a outro lugar. Lion
disse que se o encontrassem o levariam ao Clube das Laffitte, que ficava perto
de Cat´s Meow.
Nesse momento, Sharon e Sophie saíram do local para ver o que tinha
acontecido. Ambas ficaram impressionadas ao ver a situação.
Nick ficou olhando-a com raiva, mas a única coisa que fez foi procurar
Cleo, Karen e Leslie, que vigiavam os arredores para não chamar atenção:
— Levem Sophie a um lugar seguro. Irei em seguida.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Sophie piscou contrita, mas não estava tão arrependida para não lhe
devolver o olhar.
Lion e Markus seguiram Nick ao Clube das Laffitte.
Cleo e Leslie olharam para Sophie e Sharon.
— Que diabos fez? — perguntaram as duas ao mesmo tempo.
Sharon bufou e moveu a mão como se ela não tivesse nada a ver com o
acontecido. Mas tinha e muito. Entretanto, era Sophie a responsável por tudo.
— Não foi nada.
Sophie se despediu de Sharon com seriedade, mas a outra segurou sua
mão e passou o polegar pelo dorso em um gesto surpreendentemente carinhoso.
— Ninguém tem que te dominar se não quiser. Ninguém deve te obrigar a
ser quem não é, Sophie. Ninguém deve te obrigar a amar como você não ama. É
livre para ser quem você quiser, não para ser o que os outros querem que seja.
Não esqueça.
Sophie sorriu entristecida.
— Eu já sei quem sou, Rainha. — respondeu sem hesitar. — O problema
é que entreguei o coração a alguém que já não me enxerga. Como você. —
Segurou seu pulso e roçou o cadeado em forma de coração com o indicador. —
Quem tem a chave deste coração? Um homem que te faz livre ou um carcereiro
que já não te deixa voar?
As palavras de Sophie deixaram Sharon, que sempre tinha resposta para
tudo, sem saber o que dizer.
E ao mesmo tempo a deixaram sozinha diante do homem pelo qual se
marcou, enquanto as Connelly se encarregavam de Sophie e a acompanhavam
ao Wrangler.
Uma vez dentro, sentada na parte de trás junto à Karen, Cleo olhou para
Sophie através do retrovisor com seus inteligentes e claros olhos verdes.
— Está bem? — perguntou — Nick já tem seu homem… Agora tenta
relaxar, Sophie. Já está fora de perigo.
Sophie duvidava. Angustiada como estava, apoiou a cabeça no respaldo
do assento, e com aborrecimento tomou ar pela boca.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Hoje foi um dia duro. — murmurou Leslie dando partida no carro. —


Deveria tentar dormir… Iremos para minha casa, tudo bem? Lá estaremos
seguras. Minha casa é como um forte.
— Eu gostaria de ir para Chalmette. — disse Sophie com um suspiro.
Karen negou com a cabeça.
— Não tem por que se torturar vendo sua casa agora. Já não se pode
fazer nada. A única coisa que tem a fazer é nos deixar cuidar de você e…
— Do que está falando, Karen?
Cleo franziu o cenho através do retrovisor e estudou o rosto pálido de
Sophie.
— Está louca se pensa que vou deixar que desmaie mais ao ver sua casa.
Voou pelos ares, Soph. Não se pôde salvar quase nada e…
— Oh, porra… — murmurou Karen, incrédula — Acredito que Nick não
disse nada a ela.
— Meu Deus! Não! — Sophie cobriu o rosto com as mãos e começou a
chorar desconsolada, rasgada pela notícia.
Não sabia nada.

***

Sharon ficou quieta ali de pé em frente a Prince. O amo a olhou de cima


abaixo sem dizer nenhuma palavra.
— O que está fazendo aqui? — perguntou ela com frieza — Faz muito
tempo que não passa pelo Cat´s Meow.
— Ah, bom… — suspirou — Somente queria recordar os velhos tempos.
— Olhou-a de cima abaixo. — Há algo novo e interessante para ver?
— Não. Nada. — Sharon se virou disposta a afastar-se dele. Os três
orangotangos a resguardavam.
— Leva a estes de segurança porque tem medo de mim? — perguntou
Prince em voz alta.
Sharon o ignorou completamente e entrou de novo no local, onde se
sentiu completamente inadequada e mais só que nunca.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Quando poderia ver Prince sem que seu coração e estômago


encolhessem?
Aturdida por vê-lo outra vez, deixou para trás os guarda-costas e se
enfiou no banheiro das senhoras. Deixava-o louco, sabia muito bem, mas
precisava fugir e se sentia realmente mal por sentir-se como se sentia sempre
que se encontrava com ele. Mais ainda depois de seu último encontro em
Temptations.
Encontrava Prince em quase todas as partes, como se ele se
multiplicasse.
Não havia ninguém no banheiro das mulheres, assim se apoiou na pia e
esperou que os batimentos acelerados de seu coração diminuíssem. Devia
recordar como se concentrar, como frear a ansiedade e a vergonha dos
julgamentos abertos de Prince porque ele não hesitaria em voltar a acusá-la e a
menosprezá-la assim que tivesse oportunidade.
A porta do banheiro se abriu. Prince entrou como um vendaval, fechou a
porta atrás dele, agarrou Sharon pelo pulso e a puxou até fazê-la entrar em um
dos compartimentos.
— O que faz, animal? — recriminou.
Prince fechou o trinco. Quando a encarou, um brilho febril e
tempestuoso salpicava seu olhar ônix. A fúria se acendia com uma faísca. Mas
era o desejo o que abrasava mais à frente do ódio e do rancor.
Sharon o empurrou para que a deixasse sair, mas ele, duro como pedra,
não se moveu.
— Por que tem três gorilas com você se nem sequer veem quando um
homem entra no banheiro das senhoras?
— Deixe-me sair agora mesmo ou vou começar a gritar. — ameaçou.
— Não me engana nem me intimida, Rainha. — espetou — Você e eu
sabemos que não fará nada que a coloque em evidência.
— Tem razão. — sorriu falsamente — Assim me deixe sair ou fica sem
ovos.
Prince a pressionou contra a parede de madeira do banheiro e se colou a
ela.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Pode fingir tudo o que quiser. Pode se encontrar comigo e fazer como
se eu não existisse, pode mudar de calçada quando cruzar comigo, inclusive
pode fazer ouvidos surdos a meu nome, Sharon. Mas você e eu sabemos que o
que aconteceu em Temptations…
— Não fale disso, maldito! — Tentou mover-se contra ele, mas não pôde.
— Você sabe que quem a fodeu durante horas fui eu. Quem a dominou
fui eu. Quem te possuiu fui eu. E fiz sem camisinha. — recordou a ela — Não te
dá o que pensar? E se espera meu filho?
— Má sorte. — levantou o queixo com desdém — Minha amiga, a
Vermelha, já me acompanha… e está louco se pensa que seguiria adiante com
uma gravidez como essa. Jamais teria um filho com você. Agora, se me
desculpar... — Fez um gesto esperando que Prince a soltasse.
— Não dê uma de dura comigo, Sharon. Não finja. Nós nos conhecemos.
Não se importou em fingir no Temptations, não é? Não se importou em fingir
que não sabia quem era nem se importou em se entregar a mim… Seiscentos
mil dólares é muito dinheiro, não? Conheço muitas que fazem quase o mesmo,
mas cobram tarifas de cinquenta dólares.
Sharon estendeu uma mão inesperadamente e deu-lhe uma bofetada
descomunal que marcou o rosto dele e também a memória.
— É a última vez que me chama de puta. A última. — Apontou um dedo
para ele. Movida pela vergonha e a impotência que Prince lhe provocava,
começou a brigar com ele. — Não se atreva a jogar na minha cara o que faço,
quando você faz o mesmo! Você faz dominação e cobra por isso! Jogou no
torneio e se jogou ao que quis! E também o pagaram, cretino! Eu tive uma razão!
Qual é a sua? Cada vez que abre a boca, cospe uma nota das grandes, tem
dinheiro e vem de uma família rica. Mas igualmente cobra pelas domesticações.
Assim não me venha com joguinhos de dupla moral. Hipócrita!
— Para que quer esse dinheiro? — pressionou-a, ignorando seus
insultos. — Deve ser para algo importante, para ter aceitado transar comigo de
novo.
— Faça o favor de me deixar em paz! — sussurrou ela com a veia do
pescoço inchada e os dentes brancos apertados.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Não sei para que é, mas se quiser podemos repetir outra noite e te
darei mais seiscentos mil. Sem nada de beijos na boca, justo como você e Julia
Roberts em Uma Linda Mulher pedem. — Sorriu com maldade.
Sharon ficou olhando para Prince como se estivesse diante do próprio
diabo. Era tão lindo, tão bonito, tão perfeito, mas… tão cruel e estava tão cego
que nesse mesmo instante lhe deu pena. E sentiu pena por ela mesma também,
porque inclusive conhecendo todos os defeitos de Prince não podia deixar de
lado aqueles sentimentos tão contraditórios que tinha por ele, tão insuportável
como uma liga de metais.
Colocou a máscara de rainha do BDSM e sorriu, olhando-o como se toda
sua altura não tivesse importância alguma, porque para ela era um pigmeu.
— Seiscentos mil, diz? — Sharon se separou dele pondo em prática sua
atitude de “não chega nem à sola dos meus sapatos”. — Recorda que era uma
festa para arrecadar fundos? Coloquei um preço em mim, mas a verdade é que
nem você nem ninguém pode me pagar para que durma com ele. Considere-se
com sorte porque por um punhado de moedas pôde desfrutar de mim. Foi todo
um presente real, não acha? No final das contas, você é um príncipe e eu sou a
rainha.
Um músculo de impotência palpitou no queixo de Prince. Afundou a mão
no cabelo de Sharon e jogou sua cabeça para trás. Ele tentou beijá-la para
castigá-la, mas ela o afastou e retirou o rosto.
Nesse momento, duas mulheres entraram no banheiro. Sharon
aproveitou a distração para empurrar Prince com força, afastá-lo dela e abrir a
porta do lavabo.
Saiu de um salto, com rapidez e agilidade, ajeitando a roupa e colocando
o longo cabelo loiro por cima de um ombro.
Não olhou para trás.
Não pôde ver a cara de espanto e aborrecimento que Prince colocou
depois de escutar suas duras palavras.
Nem tampouco os olhos de um homem que desejava, como um
condenado, o próprio beijo da deusa Luxúria.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

CAPÍTULO 15

O bairro Francês tinha quatorze ruas. Em uma delas, Bourbon Street,


encontrava-se a Loja Laffite Blacksmith. Bem ao lado estava o clube clandestino
de BDSM mais famoso de Nova Orleans. Embora famoso só para os do BDSM.
Dirigia-o uma família crioula de Nova Orleans. Todos os seus membros
eram mulheres, amigas de Lion Romano.
A proprietária se chamava Nina. Era uma mulher negra esbelta com o
cabelo leonino, lentes de contato azuis e uma boca frondosa e chamativa
pintada de vermelho sado.
Para entrar e usar as instalações do clube, devia apertar um botão
prateado (sempre o adequado) e dizer a senha: “trago uma bota de cano longo”.
Foi pensada em honra do famoso pirata Laffite.
Lion tinha pronunciado as palavras mágicas. Subiram ao andar superior.
Nina lhes deu a chave de uma das masmorras, localizada no andar subterrâneo
do edifício.
Nick, Markus e Lion se dispunham a interrogar o japonês, ao que Nick
acabava de lançar um balde de água para que despertasse.
Não sabia como, mas Prince o acertou justo em um ponto que o tinha
nocauteado.
Tinha prendido Daisuki em uma cadeira. A única luminária da sala se
movia de um lado para o outro e o iluminava de cima abaixo, criando todo tipo
de sombras em seu rosto.
É obvio que era um yama. Tinha o torso e as costas completamente
tatuadas com motivos de dragões, hannya e símbolos de morte.
Daisuki abriu os olhos de repente e tomou ar pela boca como se estivesse
se afogando. Centrou o olhar perdido, sem reconhecer aquele lugar escuro.
Imóvel, começou a soltar todo tipo de impropérios em japonês.
— Me soltem, filhos da puta! Matarei a todos! Não sabem quem sou! —
gritava fora de si.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Lion e Markus esperavam de braços cruzados, apoiados na espartana e


fria parede de cimento que Nick iniciasse seu interrogatório.
— Como vai a ferida de sua perna? Tenho boa pontaria, não acha?
O japonês cuspiu nele. Nick levantou as sobrancelhas, impressionado.
Então, com aversão, cravou os dedos na ferida da coxa dele.
Daisuki gritou como um louco até que Nick deteve a tortura.
— Daisuki, é melhor me dizer agora mesmo por que foi atrás da minha
mulher.
Nick falava um japonês perfeito. Daisuki ergueu a cabeça, impressionado
que soubesse como se chamava e que falasse seu idioma tão bem, sem fissuras
e sem mudanças de entonação. Para acabar de impressioná-lo, Markus se
aproximou dele e lhe deu dois tasers com os quais poder jogar e torturá-lo.
Nesse sentido, não seguiam muito o protocolo. Durante anos tinham
seguido as normas do FBI e da SVR, mas agora só eram fiéis às suas. Eles
decidiam o que era o correto e que não o era.
E para Nick, o que Daisuki fez com Sophie era tão injusto quanto alguém
bater em um animal.
O agente juntou as duas cabeças metálicas do taser. Delas emergiu uma
faísca azul elétrica muito potente.
O japonês estava em dúvida. Não era tolo. Engoliu em seco e ficou a
tremer como um covarde.
— Daisuki, já não me resta nem um grama de compaixão na alma. —
explicou Nick, que se agachou diante dele e mostrou os dois tasers. — Está
molhado e isto que tenho nas mãos provoca descargas elétricas. Quero que me
diga exatamente o que e por que decidiu marcar Sophie, e que merda tem
influência aqui seu irmão, o Imperador. Dou cinco segundos para começar a
falar. — disse — Um…
— Não, não, espera… Por favor.
— Dois… — Nick ligava e desligava os tasers.
— Eu só obedeço ordens…
— Três.
— Se eu te contar, vão me matar! — exclamou com o corpo pra frente. —
Não posso quebrar minha promessa… Por favor!

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Quatro… — Nick não ia escutar nenhuma súplica desse bastardo.


Daisuki respirava pela boca rapidamente. Então, em meio ao que parecia
um ataque de ansiedade e demonstrando que era um mandado covarde que se
dobrava perante a força, começou a cantar como um galinha.
— É para devolver a afronta aos Sumi! — gritou.
Nick parou às suas costas e observou a cabeleira negra de Daisuki.
— Que afronta têm que devolver aos Sumi em relação a Sophie?
— Tudo tem a ver com um torneio nas Ilhas Virgens.
— Dragões e Masmorras DS? — perguntou atônito.
Daisuki o olhou por cima do ombro e assentiu.
— Vários líderes yakuzas solicitaram algumas dessas submissas. Meu
irmão, o Imperador, estava entre eles, como Sumichaji Kai, o líder do clã Sumi.
Nick não entendia… Se Sophie não o tivesse seguido até ali estaria a
salvo, nunca lhe teria acontecido nada.
— Continue. — Deu-lhe uma bofetada.
— Sim, sim. — soluçou Daisuki — Daichi e Sumichaji Kai solicitavam a
mesma submissa.
— Para que a queriam?
— Para… seus negócios de prostituição. Para… usá-las.
Nick, em um arrebatamento de fúria, levantou as tasers para eletrocutá-
lo na cabeça. Mas Lion se apressou a detê-lo.
— Porra, Nick! — Romano o segurou como pôde, mas sentia uma
vontade incontrolável de matar aquele sujeito. Markus também teve que intervir
para segurá-lo.
— Não! Não! — gritou Daisuki, encolhendo-se como um tatuzinho de
jardim.
O russo o cravou em seu lugar e olhou diretamente nos olhos dele, para
fazê-lo tomar juízo.
— Não entendo nenhuma palavra do que ele está dizendo. Mas se ainda
não acabou o interrogatório, é melhor que acabe antes de fritá-lo ou vamos ficar
sem informação.
— Nick, acalme-se. — ordenou Romano.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Livrou-se deles como pôde. Assentiu tomando ar pelo nariz, tentando


controlar sua respiração e os impulsos de sua ira.
Quando viram que tomava de novo o controle, afastaram-se e permitiram
que continuasse com o interrogatório.
— Então queriam Sophie para prostituí-la, não é verdade?
— Sim… sim… — respondeu o japonês, que tremia e batia os dentes. —
As ocidentais estão muito em alta no mercado japonês. Mas foi meu irmão quem
solicitou mais… Quando o FBI fez a batida e bloqueou a única conta da
licitação, tanto Kai como Daichi perderam muito dinheiro com a submissa, mas
a luta ficou como uma derrota para Kai Sumichaji, que se sentiu ofendido por
não poder consegui-la. Ficaram sem dinheiro e sem submissa. Mas Daichi não
ia deixar que as coisas ficassem assim. Os Sumi mataram meu pai faz seis
meses.
Nick, que escutava cada palavra com atenção, recordou o que Karen
tinha contado.
— O confronto para controlar Roppongi e a área de cassino, bordéis e
discotecas?
— S… sim… — Os olhos escuros de Daisuki avermelharam pelas
lágrimas. — Meu pai morreu pelas mãos de Ryu, o único filho de Kai. E agora,
meu irmão e eu procuramos nos vingar dos Sumi. Kai Sumichaji procura a
submissa, mas nos adiantamos e a encontramos antes. Para marcá-la e matá-la
tal como ele matou nosso pai.
Nick balançava a cabeça. Tratavam Sophie como um mero produto, uma
moeda de troca entre yakuzas assassinos e cruéis. Se a queriam viva era para
machucá-la e obrigá-la a prostituir-se. O incrível era que ele estava marcado
como os Sumi, como um membro mais por sua etapa no Japão. E que voltava a
encontrar-se com Ryu e com Kai. Saberiam quem era ele? Ou o destino, muito
brincalhão e ousado, ainda lhe guardava certo respeito, e se fixarem em Sophie
foi fruto do inconsciente magnetismo que tinha como mulher e não tinha nada a
ver com sua história com ele.
Seja como for, tinha uma peça chave com Daisuki.
— Assim veio aqui para marcar Sophie como propriedade dos Yama.
— Sim. — respondeu sério.

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LENA VALENTI
AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Só queria fazer isso com ela?


Daisuki ficou calado, sabendo que seu temor mereceria castigo.
— Meu plano era marcá-la completamente. — disse finalmente — A
tatuagem devia ocupar as costas toda, como a minha. Depois tinha que matá-la
e enviar as fotos para Ryu para que as mandasse ao clã Yumi como aviso. Mais
tarde ia deixá-la em sua casa de Chalmette de novo, onde a queimaria.
— Você provocou a explosão?
— Sim. Antes de levá-lo do aeroporto de Nova Orleans já tinha deixado o
explosivo em sua casa.
Nick se agachou de novo na frente dele com lentidão e fixou seus olhos
dourados nos negros e vazios de Daisuki. Precisava saber de tudo. Depois
pensaria no que fazer com ele.
— Como a encontrou?
— Me… mediante fotos e reconhecimentos faciais. — Levantou o rosto e
sorriu como um cínico. — Não sabe que a Yakuza é o Japão? Temos todas as
agências de inteligência à nossa disposição.
Nick olhou para ele sem piscar, atravessando-o com o fogo de seus olhos.
— Queriam matar Sophie?
— Sim. — respondeu sem compaixão, enfentando-o. — Sou o irmão
caçula do Imperador. Tenho que ganhar o respeito do clã. Decidi emprestar a
mim mesmo para procurar a submissa. Isso faria com que meu irmão e o clã me
valorizassem. Ele deixaria de me proteger. Sou um homem de honra.
— E que honra encontra um homem em drogar uma mulher, tatuá-la
durante horas e depois matá-la? Que honra há no mal?
Daisuki inclinou a cabeça para um lado. Apesar da situação, olhou-o
como se Nick fosse um mosquito e não valesse nada.
— Por acaso não sabe?
— O que tenho que saber?
— O mal está em todas as partes. E eu não estou sozinho… Ryu vem
para cá. Disse a ele que estaria em Cat´s Meow com outros grupos de turistas
japoneses que fazem a rota do bairro Francês. Vem me buscar.
— Entrou em contato com ele?
Daisuki riu alto.

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LENA VALENTI
AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— É óbvio. Enviei-lhe a localização. Meu irmão virá e me tirará daqui e


de onde quer que eu esteja. — respondeu com desdém. — Vai me encontrar. E
acredite em mim que vai terminar o que eu não pude. A submissa deve morrer.
Nick se levantou com a cabeça encurvada. Procurou seu telefone nos
bolsos da calça do japonês. Quando encontrou Smartphone HTC, entregou-o a
Markus para que o guardasse.
— Nós vamos ficar com isto. — disse sem olhá-los.
Markus e Lion ficaram olhando enquanto ele enfrentava de novo Daisuki.
Parecia alucinado e estava decidido a fazer o que fosse necessário, sem
que lhe importassem as consequências.
— E me responda uma coisa, Daisuki Yamaguchi. — Levantou a cabeça
e sorriu com maldade. — Acha que seu irmão vai tirá-lo do buraco onde vou
colocá-lo?! — Nick levantou os tasers e ligou-os, disposto a eletrocutá-lo.

***

Sophie tinha o olhar cravado no teto de um dos quartos do lindo castelo


que Leslie Connelly possuía na rua Tchoupitoulas. Era uma suíte confortável e
bonita. Leslie lhe contou que o comprou com o dinheiro que ganharam no
torneio. Não devolveramo prêmio, que pertencia a eles por terem arriscado suas
vidas e tê-lo feito tão bem. Os ganhadores foram Nick e Thelma, mas como a
domina tinha morrido, seu ex-marido decidiu reparti-lo entre Lion Romano,
Cleo, Leslie e ele. Quinhentos mil por cabeça.
Nick era bom até nisso. Nada ambicioso, nada avarento… Sempre
disposto a ajudar.
As irmãs perguntavam a todo instante se precisava de algo. Karen entrou
uma vez para conversar, mas Sophie não a ouviu muito, entretida como estava
no baralho do torneio de Dragões e Masmorras DS entre suas mãos, recordando
o que tinha vivido ali para não sentir-se tão morta como se sentia.
Já não sabia o que era, o que queria nem o que precisava. Já não tinha
casa. Todo o esforço por construir seu próprio lar se foi pelo ralo em um
instante.

168 | P R T
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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Mas nem sequer dava importância a isso. Só queria recuperar parte de


sua vida junto a Nick e que aquele pesadelo acabasse de uma vez por todas. E
queria.
Amava-o com todo seu coração desprezado, mas já não sabia como
demonstrar a ele. Parecia que para Nick nada era suficiente.
Quando o veria de novo? Estaria bem? As Connelly sabiam de algo e não
disseram ainda?
Tinha os nervos à flor da pele.
A porta do quarto se abriu de par em par. O homem que ocupava cem
por cem de seus pensamentos, que roubou seu coração, apareceu na moldura
da porta contraluz, sua silhueta recortada e escura iluminada pela luz do
patamar do andar superior.
Sophie se ergueu na cama, assustada por aquela irrupção um pouco
brusca, mas feliz de vê-lo bem, embora parecia mais que preocupado.
Nick fechou a porta e se apoiou nela, olhando para Sophie por entre seus
longos cílios loiros, tanto quanto seu cabelo. O brinco em forma de serpente
resplandeceu em sua orelha.
Nick nunca tinha usado brinco, mas não ficava mal. Fazia-o parecer
mais selvagem do que já era, com seu espetacular porte de gladiador, com
certeza.
— Nick? — perguntou com um sussurro — Fico tão feliz em vê-lo…
— Peguei-o. — Desviou o olhar às cartas tão familiares de Dragões e
Masmorras DS que jaziam de barriga para cima sobre a cama.
— Foi tudo bem? Levaram-no à delegacia de polícia?
— Não. Isto ainda não acabou. Dentro de uma hora volto a sair. Tenho
um encontro com alguns japoneses que estarão bastante irritados comigo e com
você. Talvez não saia vivo desta. — deu de ombros.
— Não diga isso, Nick… Podemos ir embora daqui e pegar o primeiro
avião para bem longe. — sugeriu desesperada. — Se não pudermos levar Cindy
ainda — acrescentou, olhando-o fixamente —, nós nos sacrificaremos deixando-
a com meus pais até podermos vir buscá-la.

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LENA VALENTI
AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Não diga tolices, Sophie. Ninguém pode fugir da Yakuza. Ninguém. Ou


acabamos com eles ou eles acabarão conosco. Só tenho esta noite para mudar
tudo. Ou eles ou eu.
— Não… Não, Nick. Não entendo muito bem o que está acontecendo nem
tampouco as decisões que deve tomar… Mas — ergueu-se pouco a pouco —
talvez não precise ser tão radical, não acha? Devemos chamar a polícia e deixar
que eles cuidem disso. — Sophie não tinha tirado a roupa. Só se descalçou para
deitar-se na cama que nem sequer tinha desfeito.
Nick não respondeu. Manteve-se em silêncio como um animal a ponto de
saltar sobre sua comida, observando-a. E por estar na penumbra, nem sequer
Sophie podia adivinhar sua expressão.
— Sabe o que é que não precisamos, Sophie?
— Não… Não sei.
Deu um passo à frente, e outro e outro mais, até abater-se sobre a cama
em que descansava.
— O que não precisamos é que se exponha ao perigo quando não deve! O
que não precisamos é que faça as loucuras que às vezes faz! Porque se expõe,
põe um alvo nessa sua bunda! O que achou que ia acontecer quando dançasse
com Sharon naquele maldito palco com centenas de olhos cravados em vocês?
Nick se sentia frustrado e completamente perdido. Sophie foi buscá-lo,
colocou-se no mundo BDSM por ele, porque o queria e desejava lhe demonstrar
que estava disposta a tudo para recuperá-lo… E por isso agora estava em perigo,
e se ele não acabasse o trabalho nessa mesma noite, suas vidas se converteriam
em um autêntico pesadelo. A Yakuza iria atrás deles. E Nick só tinha uma
oportunidade: jogar tudo ou nada.
— Vai conseguir que a matem! Conseguirá que matem aos dois!
Sophie, afetada por suas palavras, ficou de joelhos sobre o colchão. Seu
queixo tremia, os lábios faziam caretas incontroláveis que indicavam que estava
a ponto de começar a chorar.
— Ao menos, ao dançar com a Sharon, meu perseguidor saiu de sua
toca! — disse — Conte-me o que… aconteceu?!

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LENA VALENTI
AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Sabe de onde a conhecem? Sabe por que estão atrás de você?! —


exclamou, segurando-a pela parte superior dos braços, sacudindo-a sem
compaixão.
— Não! — gritou assustada.
— Por sua brilhante ideia de ir atrás de mim e participar do torneio!
— Como? — repetiu sem compreender.
— Gostaram de você. Eles a compraram, Sophie! Com tanto azar que
alguns chefes da Yakuza queriam seus serviços para seus prostíbulos
emergentes. — espetou furioso, rodeando suas bochechas com uma só mão. —
Pagam muito bem pelos rostinhos ocidentais tão bonitos como o seu! E agora
querem usá-la para se afrontarem, por pura vingança! É o que pode ganhar!
Porra, Sophia! Olhe onde a meteu sua maldita cabeça de menina mimada e
caprichosa!
Compreendia a raiva de Nick, o desespero que sentia por se verem
envolvidos em uma trama de tais características. Mas ele não compreendia algo
sobre ela, que não agia assim por capricho nem rebeldia, mas tinha feito tudo
aquilo por amor. Um amor que ele se negava a redimir.
Sophie afastou sua mão com um tapa e o enfrentou como nunca. De
joelhos, o colchão a colocava na mesma altura dele, mediam-se quase de igual
para igual, embora Nick a passasse dois corpos e meio de largura.
— Não estou assim por minha cabeça ruim! Isto é culpa de seus
segredos! De suas mentiras! — Empurrou-o até desequilibrá-lo um pouco. —
Estou em perigo desde que me meti em seu mundo! Desde que me atrevi a te
recuperar! E sabe o que?! — Agarrou uma almofada da cama e bateu na cara
dele com ela, com força. — Que apesar de que perdi muito e que explodiram
minha casa de Chalmette pelos ares, voltaria a me colocar em tudo o que me
coloquei somente para conhecer o homem com o qual me casei e que era um
completo desconhecido para mim! Sim! Sei sobre minha casa! Cleo me contou!
Também ia me esconder isso? — Nick entrecerrou os olhos controlando seu
caráter explosivo tudo o que podia e mais. — Mas não me importa! Você que me
importa! Assim, se têm que me matar por isso, Nicholas, que me matem, porque
me colocar em seu mundo é o melhor que fiz na minha vida! E saber quem é não

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

provoca rejeição em mim, mas sim fez com que voltasse a me apaixonar por você
de um modo mais forte que da primeira vez!
— Mente. — sussurrou ele.
Como ia se apaixonar pelo que era e o que fazia? Essa noite se
converteria em um assassino por ela e mataria, venderia sua alma para que
deixassem em paz a mulher de sua vida. Deixaria para trás códigos morais e leis
para converter-se em um vingador, em um assassino. Eram os ossos do ofício,
mas ele já não estava a serviço do FBI… Era uma pessoa com contatos, meios e
armas para fazer de sua vontade a lei. E conseguiria. Por ela, era capaz de
deixar de ser humano, se assim conseguisse mantê-la a salvo.
— Não minto, estúpido ressentido! Estou assim porque nunca deixei de
te amar, embora não acredite nisso! — Agarrou-o pela camiseta e o aproximou
dela para beijá-lo, mas Nick não respondeu ao beijo, esquivo e mal-humorado
como estava. — Veio aqui só para brigar comigo?! — provocou-o — Hein, enorme
resmungão teimoso! Diz que esta noite vai arriscar tudo?! E aproveita o tempo
que resta para isto? Para me castigar? — Sophie tentou beijá-lo de novo, mas
Nick voltou a afastar o rosto. — Nick… — sussurrou — Nick… olhe para mim,
eu te imploro… — Voltou a beijá-lo até que pôde capturar seus duros lábios
para não soltá-los.
Uma dor surda aprisionou o peito de Nick, suas emoções, como um
cárcere que presa de seus incríveis sentimentos, explodiriam pela pressão como
uma bomba.
Sophie derramou duas enormes lágrimas.
— Nick… meu amor. — Encostou sua testa à dele. — Vai pensando no
que fiz de errado? Não quero que vá assim. Está me defendendo… está me
protegendo. Quero que vá sabendo que aceito cada uma de suas máscaras, cada
canto escuro de seu coração. É o homem da minha vida, e o que fizer estará
bem. Por mim estaria bem ficar aqui e esperar que arrebatem nossa vida
juntos… ou fugir e escapar da morte, mas fazê-lo um ao lado do outro… por que
não quero viver mais tempo afastada de você.
— Cale-se.
Ela negou com a cabeça.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Não quero me calar. Amo você Nick, e se vai lutar em meu nome,
quero que o faça sabendo que de nada servirá o que está nos acontecendo se
não retornar com vida para o meu lado.
— Maldita seja. — grunhiu ele, emocionado.
Sentia a adrenalina correr. Iria dentro de poucos instantes, tinha
esboçado um plano para afastá-los da Yakuza, mas não seria fácil. Ou
conseguia ou morreria tentando.
Markus, Karen e Lion o ajudariam: eram companheiros com todas as
letras, arriscariam tudo por ele.
Nick não podia acreditar como sua vida tinha mudado em tão pouco
tempo… Entretanto, o que não tinha mudado absolutamente, apesar do rancor,
era o amor e o sentimento tão grande que tinha por essa mulher que o
destroçou, mas que também o fez reviver.
— Imagine que é nossa última noite. — disse ela, iluminada pelo
resplendor da noite que entrava no quarto através dos vidros do balcão. —
Utiliza essa frustração e canaliza-a comigo… Sei que está zangado. — Acariciou
seu rosto. — Está bem… — tentou tranquilizá-lo — Estará bem o que decidir
fazer comigo.
As narinas de Nick estremeceram, como seus olhos, que pareciam mais
escuros. E então a impotência, a raiva e a decepção consigo mesmo por ter
levado as coisas tão longe, por acreditar que uma mentira era melhor que uma
verdade, explodiram em seu interior, enrolando-o e convertendo-o em uma
massa de paixão de alta voltagem.
Ela era a pessoa mais importante de sua vida. Era seu amor e sua
companheira. Nunca devia ter negado isso. Nunca devia ter ocultado o homem
que era.
Empurrou-o a necessidade louca por deixar livre a tensão que fervia nele
e que ameaçava matá-lo. Por isso, abraçou Sophie como se quisesse se fundir
com ela, levantou-a até colocá-la de pé na cama. As cartas espalharam por cima
e começou a tirar a roupa dela com pressa e mãos trêmulas.
— Nick?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Abaixou suas calças com um puxão. Já tinha tirado sua camiseta e o


sutiã. Estava de calcinha, com aquele rabo de cavalo alto e a maquiagem que
não tirou do rosto.
Nick se banhou daquela imagem e a gravou profundamente em sua
cabeça. Voltaria da morte contanto que a visse assim de novo, para poder vê-la
junto à sua filha…
Atraiu-a para ele, e dobrando um pouco os joelhos começou a saborear
seus mamilos e a beijá-los com intensidade, bebendo deles.
— Deus, Nick… você os deixou muito sensíveis. Não tão forte…
Mas ele não falava, só queria tocá-la, comê-la, saber que essa noite a
imagem que levaria dela era a de carne e osso. A real. Sua Sophie, tão linda, tão
feminina e elegante que o deixava sempre sem argumentos.
Ela o abraçava com força pela cabeça e permitia que ele a sugasse
daquele modo tão forte e ao mesmo tempo tão sensível.
Soltou-a para tirar sua calcinha e descê-la pelas pernas. E quando esteve
completamente nua, Nick levou uma de suas pernas ao ombro e, aberta como
estava, exposta ante ele, introduziu a língua em seu interior e fez amor com ela
com a boca.
Sophie gritou e se agarrou a seu cabelo loiro, puxando-o.
Movia-a de cima abaixo, torturando seus clitóris. Lambia-a como se
jamais tivesse suficiente, e a penetrava com sua língua úmida e larga até a
loucura, a alienação.
Depois quando estava inchada e pronta, introduziu três dedos de
repente, sem deixar de sugá-la com a boca. Ela gemeu e mordeu o lábio inferior.
— Vou gozar daqui a pouco se me fizer isso… — murmurou ela com
olhos frágeis.
Ele continuou com sua tortura durante uns longos e agonizantes
minutos. Quando ela palpitava a seu redor a ponto de gozar, Nick lhe dava um
açoite na nádega para dispersar o sangue que se amontoava em seu ponto de
excitação, para que mais tarde retornasse com força suficiente para que os
joelhos não a sustentassem. E o prazer e a dor se alongaram até que Sophie não
sabia se queria chegar ao orgasmo ou desfrutar daquela mortal e lenta agonia.

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Mas ele já tinha decidido por ela, pelos dois. Essa noite ele seria o
responsável por arrumar suas vidas, e nesse momento também decidia e
dominava o corpo de sua mulher. Separou-se dela e tirou os dedos de sua
vagina. Desabotoou a calça e permitiu que sua ereção se liberasse. Estava
inchado e grande até dizer chega. Pensava possui-la e marcá-la para sempre.
Segurou-a pela cintura e a levantou agarrando-a nos braços, obrigando-a
a abrir-se e rodear seus quadris com as pernas. Tomou suas nádegas e começou
a jogar com o diminuto orifício traseiro de prazer, ao mesmo tempo em que sem
mediar palavra, penetrou-a pela frente com sua vara muito dura.
Sophie abriu os olhos de par em par pela sensação. Nick a estava
possuindo pela frente e cutucava seu ânus com o polegar.
Movia os quadris com mestria, roçando toda sua parte da frente e seu
clitóris ao mesmo tempo em que se introduzia até o fundo de seu corpo. Pouco a
pouco pressionava seu polegar para se meter também, como se a penetrasse por
dois lados de uma vez.
Nick tinha os lábios entreabertos, os dentes brancos desenhavam uma
linha perfeita e tensa; seus olhos transmitiam um prazer tempestuoso que
Sophie queria combater como fosse.
Nick não tinha que sofrer mais. Devia desfrutar dela e amá-la como ela o
amava.
— Me acolha. Abra-se mais. — ordenou Nick, entrando e esticando-a até
um limite doloroso. Os testículos golpeavam seu polegar, que não deixava de
mover-se e imitar os movimentos da posse. — Vou enchê-la. — grunhiu abrindo
a boca e levando um mamilo aos dentes. Mordeu-o duramente.
E Sophie gritou presa pelo prazer e pela luxúria, movendo-se sobre ele,
exigindo mais de sua entrega e entregando-se ao mesmo tempo.
Nick caminhou com ela até a parede mais próxima. Apoiou-a para
continuar sacudindo-a ao ritmo de uma britadeira, empurrando seu colo até o
ponto de entrar nela.
E nesse momento, o prazer percorreu suas nádegas e sua espinha
dorsal, e retornou a seu testículo… onde explodiu, enchendo-o de luz e de
liberação.

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Sophie gozou ao mesmo tempo quando sentiu que a preenchia com sua
semente. Gozou pelos dois lados de uma vez, pois o dedo continuava movendo-
se igual a seu pênis.
Nenhum dos dois disse nada, não lhes saíamm as palavras, colados pelo
suor e unidos por seus sexos.
Quando tudo acabou Nick saiu pouco a pouco de seu interior, deixou-a
no chão e a virou contra a parede.
Sophie se sustentou com as mãos, encostando o rosto no bonito papel de
parede que cobria o quarto. Olhou-o de maneira interrogativa.
— Se só resta este tempo — ofegou em sua orelha —, vou aproveitá-lo
bem. — Voltava a estar inchado. Tomou sua ereção e a guiou a seu ânus,
pressionando e obrigando-a a aceitá-lo. — Assim nunca me esquecerá…
Sophie sorriu com tristeza. Tomou a mão de Nick e a guiou a sua parte
da frente para que a acariciasse enquanto ele a possuía pelo outro lado.
— Tem que voltar. — disse ela — E se me deixou grávida de novo? —
provocou-o — A maneira como transou comigo estas últimas vezes sem
camisinha… Não pode me deixar sozinha. Nunca poderia me esquecer de você.
Amo você. Retorne para mim, Tigre.
Nick não lhe prometeu nada. Enquanto fazia amor com ela de uma
maneira em que nunca tinham feito, pensou nela grávida de novo. O rosto se
suavizou.
Ele não queria morrer. Queria viver junto a ela. Ambos arriscaram muito
para ser quem eram nesse momento. Tinham direito de desfrutar de suas vidas
e desse amor que parecia indelével, por muita dor que tivessem sofrido.
Sairia vencedor essa noite ou perderia tudo? Não sabia.
Mas até que não se fosse, encarregaria-se de deixar uma marca indelével
no corpo de Sophie. Não haveria lugar nem curva que ele não possuiria como o
que era: o amo e o escravo de sua mulher.

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CAPÍTULO 16

Vida ou morte. A Yakuza e sua honra implicavam chegar à continuidade


da primeira ou acabar o caminho na segunda.
Nick lia as mensagens que o Imperador e Daisuki trocavam pelo celular.
Nelas Daisuki dizia que o feriram e que precisava de ajuda. Que não sabia onde
estava a nee san ocidental (era assim como chamavam as mulheres marcadas
pela Yakuza). Não obstante, insistia em que a encontraria porque tinha
prometido a seu Imperador.
Nick duvidava que Daichi se apresentasse nos Estados Unidos, pois os
líderes da Yakuza davam suas ordens de seus palácios e nunca manchavam as
mãos nem se faziam visíveis. Mas se assim fosse e ele aparecesse, não ia
desperdiçar a oportunidade de se vingar.
Agora era Nick quem tinha seu telefone, assim poderia manipulá-lo
conforme seu desejo.
Quando na masmorra das irmãs Laffite recebeu a mensagem do clã Yama
que dizia que foram ao Cat´s Meow, mas que não o encontraram e pediam uma
nova localização, Nick desligou o telefone imediatamente.
Os japas estariam buscando-o pelo bairro Francês, mas Daisuki já não
estava lá. Viajava no porta-malas do Evoque a caminho do cemitério de
Lafayette.
Eram três da madrugada.
Nick ia se fazer passar por Daisuki e marcaria o encontro com seu clã no
famoso cemitério que se encontrava dentro de Nova Orleans, no Garden District,
em um cenário perfeito sobre a plantação Livaudais.
Chamavam-na a cidade da morte. A maioria das tumbas pertencia às
famílias ricas de Nova Orleans, que em um detalhe ostentoso, ergueram incríveis
obras de arte de mármore e figuras cheias de expressividade e tortura em um
lugar onde tantas lágrimas se derramaram.
E ainda faltavam derramar mais algumas. E teria que ver se seriam
lágrimas ocidentais ou orientais.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Nick ligou o telefone uma vez que chegou ao cemitério. E enviou uma
mensagem em perfeito japonês aos amigos de Daisuki:
Encontrei a nee san. Por fim acabei com sua vida. Mas a polícia está atrás
de meus passos e tive que fugir de onde me encontrava. Me peguem no cemitério
Lafayette. Espero-os no obelisco, no outro lado do cemitério. Pertence aos
Osgood. É muito visível. Apressem-se, estou ferido.
Anexou umas fotos de Sophie… nua, com a garganta rasgada e com uma
poça de sangue rubi a seu redor.
Depois de ter feito amor e possui-la, Nick tinha injetado nela um sonífero
muito potente que surtiu efeito imediatamente.
Por isso tinha necessitado vê-la antes de ir ao cemitério. Precisava dessa
imagem, mas Sophie o atrasou além da conta com sua declaração de amor, e ele
não pôde se negar a prová-la uma vez mais antes de levar a cabo seu último
trabalho.
Tinha pouco tempo para maquiá-la e fazê-la passar por um cadáver para
que os Yama acreditassem que Daisuki tinha completado sua prova de honra.
Nick pediu ajuda às garotas para montar o cenário de um crime onde Sophie era
a vítima. Depois mandou as fotos como prova de que Daisuki tinha completado
sua missão para que ninguém se preocupasse se Sophie continuava ou não com
vida.
Para todos devia estar morta. Assassinada pelas mãos da Yakuza.
Mas Nick não pensava deixar as coisas assim. Necessitava que os
membros dos Yama aparecessem nesse cemitério para dar uma mensagem alta
e clara.
Junto a Nick, ocultos nos labirintos e curvas do cemitério, estavam o resto
de seus companheiros. Karen se encarregaria de avisar da chegada dos
membros do clã Yama; Lion agiria como franco atirador, igual a Markus.
Nick colocou Daisuki na base do obelisco da família Osgood. Deixou-o
sentado como se estivesse repousando no mármore, como se meditasse sobre a
vida e a morte, sobre os erros cometidos. E eram tantos que Nick não duvidava
de que passaria séculos no Purgatório.
Quando teve tudo preparado, ocultou-se em uma das tumbas que
rodeavam o obelisco. E esperou.

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Esperou para fazer justiça.


— Nick — disse Karen através do intercomunicador —, chegou um Range
Rover negro ao cemitério. Quatro homens desceram dele. Vão para sua posição.
Ao mesmo tempo Nick recebeu uma mensagem no celular de Daisuki:
“Estamos no cemitério. Não se mova de onde está”.
— Sim, são eles. Perfeito. — sussurrou Nick que olhou do outro lado, onde
Karen e Markus estavam preparados para disparar. — Quero que os massacrem
quando lhes der a ordem.
— Entendido, loira. — respondeu Markus com voz firme. — Sabe? Eu sou
mais de corpo a corpo. Prefiro as brigas.
Nick sorriu com indulgência enquanto sentava e se apoiava na pedra onde
tinham escrito um epitáfio que não queria ler.
— Você gosta dos massacres e o faz sem nenhum tipo de elegância… Não
me interessa deixar nenhum cabo solto. As melhores batalhas são ganhas sem
confronto. Alguma vez tinha ouvido isso?
Markus bufou.
— Você é um maricas e todos sabemos disso, loira.
Lion e Karen se puseram a rir. Nick também.
— E você, russa, está apaixonada por mim. Por isso me ajuda. Meninos,
não sei se já disse isso… mas… obrigado.
— Não há de quê, cara. — disse Lion — Você me deixou rico. Devo-lhe
isso.
— E eu te devo por ter te deixado sozinho no torneio. — reconheceu Karen
— Mas te dando uma mão com isto estaremos em paz, não acha?
— Porra nenhuma. — respondeu Nick sorrindo enquanto carregava sua
Glock de nove milímetros. — O seu não teve perdão, Karen.
— Ah, deixe disso… — respondeu ela — Comigo não teria ganhado o
torneio. Nunca assumiu a mudança de papel e tinha muita confiança comigo.
Acredito que foi bem sem mim.
Durante sua carreira como agente, sua última opção sempre foi disparar e
matar. O objetivo era obter a declaração dos delinquentes, detê-los. Ali, diante
da lei, julgaria-os adequadamente.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Entretanto, os Estados Unidos não tinha nem ideia de como proceder com
membros da Yakuza. Nick, que esteve em um de seus clãs, sabia perfeitamente
que nunca se devia deixar um yama ou a um sumi com vida, porque nesse caso,
sempre retornariam para vingar-se.
E o certo era que não pensava perdoar que tivessem tocado em Sophie.
Essa guerra acabaria à sua maneira.
Agachou atrás da tumba de pedra. Assim que os visse aparecer, daria a
ordem para que Karen e Nick disparassem contra eles. Se algum se livrasse, ele
se encarregaria de acabar o trabalho.
Longos minutos depois ouviu os passos ágeis e decididos dos quatro
Yama. Aproximavam-se do obelisco, onde Daisuki os esperava.
Eram altos e magros, muito pálidos, de olhos escuros muito puxados e
quase entrecerrados. Nick tinha se fartado de ver caras japonesas quando esteve
na missão junto a Clint. Vê-los de novo recordou a ele do seu amigo, que tanto
sofreu por culpa de Ryu Sumichaji, o filho favorito do líder do clã Sumi.
Agora tinha a oportunidade de se vingar de todos.
E não ia desperdiçá-la.
— Markus. Lion. — sussurrou.
— Aqui estamos.
— À minha ordem.
Os quatro membros do clã rodearam o obelisco chamando Daisuki.
A noite estava úmida, mas o suor pelo nervosismo impregnava sua pele e
sua camiseta. Nick sorriu ao ver as expressões daqueles sujeitos quando se
deram conta de que Daisuki jazia sem vida degolado, como se tivesse sido vítima
de um ajuste de contas.
Sim, manchou as mãos de sangue, mas aquelas pessoas não importavam
porque não eram humanas, eram assassinos, tinham tentado matar Sophie.
Depois das expressões de horror e estupefação, vieram as de alerta e
ficaram em guarda. Levaram as mãos às jaquetas e tiraram as pistolas.
— Agora. — ordenou Nick.
De suas posições, Lion e Markus dispararam nas quatro cabeças. Dois
caíram imediatamente.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Um terceiro recebeu um disparo na garganta; depois, enquanto agonizava


no chão denso de verde e arenoso, Markus o arrematou com um tiro na cabeça.
O quarto homem se pôs a correr passando, para sua desgraça, pela tumba
em que Nick o esperava.
E quando o agente deteve o descabelado e esbranquiçado membro da
Yama, decidiu guardar sua arma e seu pulso não tremeu para rodeá-lo pela
garganta com ambos os braços e colocar o joelho na parte baixa das costas dele
e fazer alavanca. Nunca se acreditou juiz nem carrasco de ninguém, mas não ia
ter piedade de homens como aqueles.
Tinha visto muito no Japão, no torneio de Amos e Masmorras DS e
também ali em Nova Orleans. Homens assim não mereciam segundas
oportunidades porque nunca se reciclavam, nunca repensavam, não tinham
consciência.
Pouco a pouco o sujeito ia se asfixiando, ia ficando sem vida. Nick o
notava em sua maneira de tomar ar, no modo em que seu corpo fazia espasmos
para continuar vivo… mas não. Não haveria vida para ele.
Quando morreu, Nick não se sentiu nem bem nem mal. Só liberto.
Libertado por saber que ninguém faria mal a Sophie e que ela poderia
viver em paz.
Em paz porque ele o tinha impedido.
Agora restava a outra parte do trabalho.
Nick arrastou o cadáver junto aos de seus amigos. Markus e Lion os
estavam recolhendo, envolvendo-os em plástico e juntando-os no obelisco.
— Nós os colocamos assim Nick? — perguntou Lion.
— Sim. Daisuki vai no meio. — ordenou Nick, colocando ao que ele tinha
matado em outra ponta. — Karen, vem? — perguntou pelo comunicador.
— Sim.
— Traz as litografias?
— Sim, aqui as tenho… Porra, já os vejo. — Assobiou impressionada pela
imagem de morte que havia na base do obelisco.
A agente morena e de cabelo cacheadíssimo se aproximava a passos
largos. Trazia consigo uns papéis de formato A3 com uma tatuagem de um tigre
estampado neles.

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Era o símbolo do clã Sumi. O da tatuagem que levava Nick em sua nádega
e em sua coxa.
Pegou as litografias e as colou nos peitos dos cinco cadáveres.
— Lion — Nick tomou o telefone do Daisuki e o ofereceu —, me grave.
O loiro levou a mão ao bolso traseiro da calça e tirou duas tirinhas que
colou nos extremos dos olhos para elevá-los e puxá-los como os de um chinês.
Depois colocou um capuz negro que guardava no bolso dianteiro da mesma
calça. Çolocou-o pela cabeça e cobriu seu rosto completamente, exceto os olhos,
puxados como os de um autêntico japonês. Com as sombras e a pouca luz do
cemitério, seus olhos brilhantes e dourados pareceriam escuros.
Colocou-se diante dos cinco cadáveres e olhou diretamente à câmara.
— Silêncio, todos. — ordenou.
Karen e Markus se calaram imediatamente.
— Dê sua mensagem, Nick. Começo a gravar. — disse Lion.
Nick olhou diretamente à câmara como se falasse em frente a um televisor
e se dispôs a pronunciar seu discurso em japonês. Sabia o que isso provocaria,
as consequências que traria para os dois clãs líderes da Yakuza do Japão. Faria-
se passar por Ryo, o filho do líder dos Sumi. Enviando essa mensagem, o Kotei
dos Yama morreria de raiva e dor pela morte de seu irmão. Os Yama iriam atrás
dos Sumi até matar, sobretudo por Ryo, seu assassino. Ele seria o primeiro a
cair. E isso era o que Nick queria como vingança por tudo o que Clint tinha
sofrido.
Não havia nada melhor que o mal se matasse entre eles. Nick provocaria
uma guerra a que era alheio.
— Esta é uma mensagem para o clã Yamaguchi. — começou —
Especialmente para o Kotei. Sou Ryo Sumichaji, filho de Kai. Faz seis meses
matei seu pai no Japão. Não se tocam as nee san dos Sumi. Seu irmão matou a
mulher que meu pai comprou nas Ilhas Virgens. É justo que eu tenha matado
seu irmão agora. Ajustaremos contas em Tóquio.
Quando acabou a gravação, enviaram a mensagem imediatamente. Depois
tiraram a bateria do telefone, que jogaram em um container de um descampado,
justo onde levaram os cinco yakuzas que tentaram matar Sophie Ciceroni. Ali os
fundiram em ácido. Não deixaram pista. Jamais os encontrariam.

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Lion, Markus e Karen nunca falariam do que tinha acontecido. Nick


confiava neles. Além disso, todos estavam envolvidos nisso.
Karen retornou a Washington porque tinha trabalho a fazer para o FBI.
Magnus fazia vista grossa a tudo que tivesse relação com Lion, Markus,
Cleo e Nick. Por isso, no dia seguinte depois de sair da casa de massagem, não
lhes perguntou nada sobre a perseguição.
Graças a eles tinha conseguido sua promoção e uma importante
recompensa econômica. Devia muito a eles. Em sua opinião, se o que faziam era
bom para Nova Orleans, então que continuassem fazendo. Nunca estava de mais
que alguém mais se envolvesse em limpar o lixo de sua cidade, sobretudo
quando era gente de fora que a sujava.

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CAPÍTULO 17

Sophie se sentia devastada. Não podia acreditar no que tinha acontecido


no dia anterior. Não entendia nada. Depois de pedir a Nick que retornasse,
depois de fazerem amor como se fosse a primeira e a última vez, drogou-a.
Cravou algo na sua nuca, sentiu a agulhada e o frio do líquido fluir e
fechou os olhos para dormir durante a noite toda.
Pela manhã, Cleo a aproximou de Thibodaux seguindo as ordens de Nick,
para que se sentisse mais protegida e por fim pudesse estar com a Cindy.
Cleo disse que tudo tinha saído bem, que não tinha que se preocupar
mais por sua segurança e a deixou ali aos cuidados de seus pais, que não
cabiam em si de gozo e de alegria ao ver que tudo tinha acabado.
Carlo e Maria a cobriram de beijos e Sophie chorou com Cindy nos braços
durante mais de meia hora, sem poder se conter, ensopando a cabecinha de sua
filha com suas lágrimas de alegria, descarregando todo o medo passado, toda a
agonia. Cindy já estava recuperada de sua alergia, que era a melhor das
notícias.
Mas embora tudo tivesse acabado ela não era feliz. Porque depois de tudo,
Nick não foi atrás dela.
Considerava que não queria vê-la nenhuma vez mais?
De verdade estava tudo acabado entre eles?
Não podia ser! Deu tudo por ele! Mas estava claro que ele já não sentia
nada por ela, senão teria ido procurá-la assim que deixou tudo por igual.
Sentada na chaise longue que dava a seu terraço, pensava naquilo. A
noite começava a esfriar sobre os campos de açúcar. Sophie contemplava como
a chuva banhava todo o horizonte, como os trovões retumbavam na distância,
avisando-a de que cedo ou tarde chegariam até onde ela estava.
Cindy tinha dormido fazia uma hora. Seu bebê descansava em seu berço,
no mesmo quarto que ela.
Entretanto, Sophie não podia dormir. Estava escutando Yesterday de Toni
Braxton como se não fosse tortura suficiente sentir-se como se sentia.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Seu pai disse a ela que era decisão de Nick retornar e lhes dar a
oportunidade de amá-lo como a um filho. Trataram a ele mal, ela também. Que
direito tinha de exigir algo?
Nenhum. Nenhum direito.
A tempestade já não a assustava. Nick tirou seus medos e seus traumas a
base de noites de amor e paixão quando ainda estavam casados. Mas se a
abandonasse o medo retornaria.
Afundou seu rosto entre os joelhos e segurou a xícara de leite quente com
chá e canela entre as mãos, esperando receber um calor que não impregnava em
seus ossos. Chorava abatida, igual ao céu.
Nick não tinha prometido nada, mas juraria que na noite anterior, fundo
como estava em seu corpo, tinha-a perdoado. Tinha parecido que queria lhe
entregar de novo seu coração.
Mas não. Supôs que imaginou isso, que só foi sua vontade.
Levantou-se da chaise longue estampada decidida a se enfiar na cama
para limpar suas lágrimas no travesseiro.
Então ouviu o latido de um cachorro. E não de um qualquer. Era Dalton.
Sophie se deteve, impressionada por suas próprias alucinações.
Mas um ruído às suas costas a alertou e se virou.
Ali na frente dela viu Nick, vestido com jeans azul claro e uma polo preta
que delineava seu peito como nenhum outro. O cabelo molhado colava-se ao
crânio, estava completamente ensopado pela chuva.
Nick a olhou de cima abaixo. Inclusive quando ia dormir com uns
farrapos, com aquela camiseta comprida de flanela preta dois tamanhos maior,
Sophie era elegante e única. Tinha o cabelo liso perfeitamente penteado, a franja
cobria aqueles olhos lacrimejantes e infantis que oito anos atrás roubaram seu
coração assim que a viu, mas agora era mais mulher do que anos atrás e ainda
o deixava mais louco.
Porque sim. Estava louco por amá-la como a amava, apesar de tudo o que
passaram.
Sophie deixou sobre o criado mudo a xícara negra e o encarou trêmula de
novo. Esperando que fosse ele o primeiro a falar.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Nick se aproximou, molhando o piso do quarto a cada passo que dava com
seus tênis Vans brancos.
— Vai pensar que sou tolo. — Engoliu em seco inseguro e caminhou com
lentidão para ela, procurando não assustá-la. — Mas tenho pânico com as
tempestades.
Sophie cobriu a boca com a mão em que usava a aliança de ouro de sua
avó e seus ombros estremeceram pelo pranto.
— Morro se estiver sozinho. — continuou ele com voz rouca — Você…
poderia passar o braço por cima de mim?
Sophie não podia acreditar. Nick estava repetindo as palavras que disse a
ele na primeira noite que passaram juntos. Piscou para limpar os olhos, mas
não foi capaz de dizer nada. Tinha a garganta obstruída com uma bola de
angústia, arrependimento e alegria.
— Eu… quis odiá-la, Soph. — murmurou Nick, que colocou uma mão sob
seu queixo para levantá-lo com cuidado. — Quis odiá-la com todas as minhas
forças. Mas… não soube. Não… não soube fazer. Como se pode odiar quando se
amou tanto? — perguntou de frente — Jamais tirei a aliança. Fundi-a. —
mostrou a orelha onde usava aquele brinco de serpente de ouro. — E a levei
sempre comigo, apesar de parecer um ordinário eternamente. — sorriu contrito.
— Nick… — sussurrou ela, perdidamente apaixonada.
— Sei que cometi erros. Lamento muito não ter dito o que era… Mas
estava tão apaixonado por você que tinha medo que me deixasse. — deu de
ombros pedindo que o desculpasse. — Depois conheci sua família e soube que
jamais poderia te contar isso. Mas meu amor por você era real, Soph. Sempre
foi. — Acariciou sua bochecha com o polegar. — Por isso, quando aconteceu o
que aconteceu… quando me denunciou… quebrou-me por dentro, destroçou-
me… — Nick se angustiou e se deteve porque mal podia falar. — E eu apenas
quis me afastar de você. Mas nem mesmo assim pude te tirar da minha cabeça.
— Juntou sua testa com a dela, abaixando a cabeça. — Foi a única mulher com
quem estive em todos estes anos. Não dormi com nenhuma outra, juro.
— Nick… nem eu. Não pude. Não poderia estar com mais ninguém. —
murmurou com o queixo tremendo. — Estou tão arrependida pelo que fiz.
Morria ao pensar que não poderia te recuperar ou que não poderia estar com

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

Cindy por minha culpa. — Enquanto o olhava nos olhos, não podia deixar de
chorar. — Mas morria porque tinha afastado de mim o homem que amava. O
meu amigo, o meu companheiro… o amor da minha vida!
Nick a abraçou com todas as suas forças. Sophie se agarrou às suas
costas e a sua polo molhada como se fosse seu salva-vidas.
— Amo você, Nick. Amo muito… Por favor, volta para mim e te farei o
homem mais feliz do mundo. — murmurou contra seu peito sem deixar de
soluçar nem de chorar.
Nick sorriu enternecido, acariciou sua cabeça e a beijou no topo. Essa
mulher continuava cheirando tão bem… A ele. A ela. A sua filha. Aos três
juntos.
— Então o correto é que eu te peça que me permita voltar para seu lado,
Sophie. Permite-me isso?
— Sim, claro que sim…
— Temos muito que nos perdoar. E talvez — levou a mão ao bolso da calça
e tirou as duas alianças de caveira com as que se casaram em Las Vegas —
possamos começar esta noite. — ajoelhou-se na frente dela, que emocionada
não pensou que merecesse tanto e tão cedo, mas não ia dizer não, jamais. —
Sophie Ciceroni, empresária de sucesso, cozinheira maravilhosa e a melhor filha
e mãe do mundo, quer voltar a casar comigo e se converter em minha esposa?
— Por Deus...
— Eu… — olhou-a como se ela fosse um anjo da manhã e o banhasse de
luz. — Sou agente do FBI, Hacker, falo três idiomas, apropriei-me de um
dinheiro que não era meu, matei pessoas e sou um amo. Mas estou louco por
você e morro de vontade que Cindy saiba que sou seu pai, e que seus pais me
amem.
Sophie tomou o rosto dele entre as mãos, agachou-se, ajoelhou-se na
frente dele e o beijou nos lábios com toda sua alma e seu coração.
Foi um beijo de paixão e de alegria. Um beijo de promessas, um “eu te
amo” misturado com lágrimas e perdões.
Deu-lhe o melhor beijo de todos; aquele que dizia que o aceitava tal como
era.
E quando parou de beijá-lo, foi só para dizer:

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Sim, quero. Quero estar contigo para sempre, Nick Summers, amo,
agente, assassino ou o que for… Tsuneni.
— Tsuneni. — repetiu Nick chorando com ela, abraçados e ajoelhados
sobre o piso.
Um provérbio japonês dizia: “Encontrar-se é o começo da separação”. Nick
e Sophie queriam demonstrar que depois dos erros e do perdão sempre havia
oportunidade para os inícios.
E que, no seu caso, a separação era o começo de se encontrar.

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EPÍLOGO

Sharon sabia que ele viria. Cedo ou tarde, durante a noite ele apareceria
porque não podia suportar não vê-la, como ela não poderia suportar jamais não
vê-lo.
Chorava por ele cada maldita noite. Enrolava-se entre os lençóis
imaginando que o tecido frio eram os braços duros como granito de seu
companheiro. Recordava seu contato, seu aroma, suas carícias... O modo como
falava com ela, às vezes que durante o dia a fazia sorrir...
Mas essa noite, como todas, ele viria por ela e monopolizaria suas
necessidades. Porque era incapaz de subsistir sem sua droga. A mesma droga
que ela necessitava para viver.
O corpo dele. O corpo dela.
Escutou seus passos batendo com segurança a escada de madeira que o
levaria a seu quarto. Sharon já o cheirava. Inspirava profundamente desejando
a violência, o sexo que criava um elo tão potente entre eles, uma simbiose tão
mística que às vezes parecia irreal.
Ela fechou os olhos e se ergueu na cama. Seu longo cabelo loiro caía por
cima de seus ombros e a camisola de seda transparente mostrava mais que
escondia.
— Aí está... — sussurrou ela.
A porta se abriu de um chute e as janelas de madeira branca golpearam a
parede, sacudidas pelo repentino vento de Nova Orleans, uma terra de furacões
e tornados.
E eles eram o mais potente de todos os furacões existentes e por existir.
Não destruiriam povos nem matariam pessoas. Mas o que juntos criavam era
apoteótico, um amor tão duro e violento que podia arrasar quartos de hotéis e
cidades inteiras, deixando a esteira da paixão e o sexo atrás deles.
E não seria a primeira vez.
Sharon lambeu os lábios com a ponta da língua e olhou para ele. Para
Prince, que sob a moldura da porta era a viva imagem do demônio disposto a
estragar a inocência de uma virgem.

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Mas tanto ele quanto ela sabiam que entre os dois não haveria nem
virgens, nem santas, nem demônios. Só a lascívia aberta e a honestidade de
duas pessoas que viveriam de corpo e alma um para o outro, dispostos a sugar
até a última gota de poder que albergavam.
Prince tinha o cabelo preto preso em um rabo de cavalo, embora lhe caísse
umas mechas por seu rosto arrebatador.
Agora vinham os segundos de suspense, e depois ele tirava a camiseta
negra e a atirava ao chão, mostrando seu torso descoberto só para ela, para seu
júbilo e seu deleite.
Sharon esperava com ânsia os movimentos seguintes. O Príncipe, sem
mais demora, tirava a calça e ficava completamente nu diante dela. Nunca sabia
como desapareciam suas botas e sua cueca, mas ficava sem elas em um abrir e
fechar de olhos.
E estava tão ereto... Sharon sentia como ela mesma palpitava entre as
pernas, preparando-se para sua invasão.
Prince se acariciou sem nenhum pudor diante dela. Pra cima e pra baixo,
sem titubear.
— Você me quer? — perguntou sem um pingo de vergonha. — Quer isto?
Sharon o olhou fixamente e não respondeu. Malditas perguntas. Para que
perguntava se já sabia qual era a resposta? Maldito controlador. Como adorava
estar no comando!
Mas ela também. Por essa razão nunca respondia.
Prince se aproximava dela sem mudar a expressão de seu rosto, com os
olhos tão negros como a noite e escurecidos como sua relação. Ajoelhou-se sobre
o colchão e sorriu sem vestígio de calor ou carinho.
— Abra as pernas, Sharon. Vou comê-la. — anunciou Prince.
— Sim, isso, come-a. — disse outra voz dentro do quarto.
Sharon deu um salto e olhou para Prince, que continuava sorrindo para
ela.
— O que? Você se incomoda que ele esteja conosco? — perguntou Prince
olhando-a de cima abaixo, avaliando-a como a uma prostituta.
Sharon negou, disposta a acabar com o jogo e a sair desse quarto.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE VI

— Se fodeu com o Lion, foderá com meu irmão e comigo também! — gritou
com ela.
— Não! Prince! — protestou Sharon saltando por cima da cama, disposta a
alcançar a janela e fugir dali apesar da altura.
Dominic a seguia. O irmão de Prince, tão parecido com ele, tão alto,
moreno e bonito, tinha de belo tudo o que tinha de falso. Pôs-se a correr atrás
dela com um grunhido de hiena mesquinha.
— Não é verdade! — defendeu-se Sharon.
— Como que não? — agora Dom a agarrava pelo cabelo e a plantava
diante de Prince, colocando-a de joelhos perante ambos. — Diga a verdade a
meu irmão, vagabunda!
— Me diga a verdade, puta! — exigia Prince, atirando-a ao chão e
colocando-se em cima dela para submetê-la.
Mas então o rosto de Prince era uma horrível careta de desprezo e lascívia,
que se tornou gradualmente o rosto de Dominic. E ambos se converteram em
um.
E começava o terror, o medo, a tortura.
E a vergonha.
Sharon despertou de repente, suando como se acabasse de correr vinte
quilômetros, com as lágrimas derramando-se por suas bochechas úmidas e seus
olhos claros avermelhados pelo pânico e o pavor.
Sim. Sharon se encontrava com Prince a cada maldita noite desde que se
separaram. Era como se não pudesse viver sem sua lembrança.
Ele vinha a ela em sonhos. E suas sensações se deslizavam com loucura
como pelos trilhos de uma montanha russa.
Passava do desejo à ansiedade, do medo à aflição.
E não sabia como tratar seu terror que tão em claro a mantinha.
Os pesadelos se pronunciaram, tornando-se mais vívidos desde que
aceitou dormir com Prince no Temptations.
O maldito a deixou ardida e inflamada durante dias. E após isso, desse
contato tão intenso, havia tornado a abrir a caixa de Pandora.

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Uma caixa cuja fechadura era um coração, impenetrável como um forte. E


ela tinha cometido o erro imperdoável de deixar que se aproximasse o único
possuidor de sua chave.
Prince.
O que ia fazer?

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