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GRUPO DE ESTUDOS:

FEMINISMO,
ANTIRRACISMO E
LUTA DE CLASSES

TEMA:
Violência contra as
Mulheres e Capitalismo
(COLETÂNEA DE TEXTOS)

IV Encontro
Violência contra as Mulheres e Violência
Doméstica
IV Encontro
Violência contra as Mulheres e Violência
Doméstica

Esta pequena coletânea é uma seleção de textos de Heleieth Saffioti.


Pretende-se nesse encontro apresentar sua trajetória pessoal, política e acadêmica até chegar à questão da violência
contra as mulheres na sociedade de classes.
Também, pretende-se apresentar como a Heleieth conceituou esta relação e a implicação de suas análises para o
enfrentamento à violência doméstica.

Boas leituras, bons debates!

Em maio de 2020

SUMÁRIO

01. O Feminismo Marxista de Heleieth Saffioti (Renata Gonçalves)


02. Violência contra a Mulher e Violência Doméstica (Heleieth I.B. Saffioti)

Sugestão de Filme:
a. Fonte das mulheres (Direção de Radu Mihaileanu 2h10min) Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=l5AWCT9VsFY
O FEMINISMO MARXISTA DE HELEIETH SAFFIOTI
(Renata Gonçalves1)
Resumo: Remando contra a corrente do pensamento acadêmico dos anos de 1960 no Brasil, Heleieth Saffioti
foi pioneira ao analisar a condição da mulher numa perspectiva de classes. Na contramão da maioria dos
estudos marxistas, suas pesquisas desnovelam o emaranhado que possibilita ao capitalismo se apropriar das
desigualdades entre os sexos para melhor se reproduzir.
Palavras-chave: Heleieth Saffioti. Trabalho feminino. Feminismo. Marxismo.

Na verdade, não existe um feminismo autônomo, desvinculado de uma perspectiva de classe.


(Heleieth Saffioti)

Escrever um texto sobre Heleieth Saffioti não é uma tarefa muito simples. Feminista, mas sempre atenta ao
antagonismo de classe exacerbado pelo sistema capitalista, não fez coro com o reformismo do movimento
feminista pequenoburguês que se contenta meramente com as conquistas de direitos formais para as mulheres.
Pois a solidariedade entre os sexos está subordinada à condição de classe de cada um. Marxista ciosa de seu
livre pensar feminista, destacou oslimites de algumas análises marxistas no que diz respeito à condição
feminina. Feminismo e marxismo ocupam o centro de sua obra que se tornou multidimensional, tanto no que
se refere à contribuição teórica que forneceu para ambos como no que diz respeito à grande importância que
suas idéias tiveram para a implementação de políticas de combate à violência contra a mulher nos lugares mais
longínquos dos grandes centros urbanos.
Não será difícil encontrar ao longo de sua trajetória acadêmica elementos que confirmem esta assertiva.
Também não haverá maiores dificuldades em identificar autores e/ou ativistas que explicitam o contrário. O
sociólogo francês Alain Touraine, por exemplo, mais especificamente no livro A palavra e o sangue – quase
uma bíblia dos intelectuais de uma esquerda em transição para o pós-marxismo –, reconheceu o pioneirismo
de Saffioti ao analisar a situação das mulheres como um “efeito” da sociedade de classes, mas afirmou,
inadvertidamente, que a influência da autora se restringiu ao plano meramente intelectual (1988: 101).
A obra de Heleieth Saffioti não surgiu pronta e acabada. Tampouco foi um processo linear de
desenvolvimento. É possível encontrar duas grandes fases em seus estudos: uma primeira, que vai de meados
dos anos 1960 ao final dos 1980 e foi marcada pela análise do trabalho feminino na sociedade capitalista; e
uma segunda fase, dedicada aos estudos sobre violência doméstica, momento que se estende do início dos
anos 1990 até o final do ano de 2010, quando a autora se foi. Obviamente não é possível encontrar uma
muralha da China entre estas duas fases e o que é transversal em seus múltiplos estudos é a análise da
imbricação entre as determinações de classe, de gênero e de raça/etnia. O que a conduzirá a lapidar e apresentar
nos anos de 1990 a ideia de um nó constituído pelas três contradições sociais básicas: gênero, raça/etnia e
classe social (1991, 1997). A sociedade, segundo a autora, se divide em classes sociais, mas também é
atravessada por estas outras contradições. Não se trata, contudo, de conceber três diferentes ordenamentos das
relações sociais correndo paralelamente. Ao contrário, estas três contradições entrelaçadas pelo nó sustentam
a manutenção do sistema capitalista.
O curto espaço deste artigo não nos permite abordar a totalidade de sua trajetória intelectual e, menos ainda,
elencar todos os desdobramentos de suas preocupações teórico-políticas sobre os, hoje, chamados estudos de
gênero2.
Neste texto, tentaremos detectar alguns momentos da primeira fase que consideramos fundamentais para o
conhecimento científico da condição feminina sob o capitalismo. Datam deste primeiro período suas pesquisas

1
* Profa da Unifesp-BS e profa. colaboradora do mestrado em Ciências Sociais da UEL. Sou grata a

Lúcio Flávio de Almeida pelo carinho e pela paciência de ler, reler, sugerir, o que tornou este texto

menos incompreensível. As limitações finais são de minha inteira responsabilidade.

End. eletrônico: rengon@terra.com.br

2
Acerca da imensa influência que Heleieth Saffioti exerceu direta ou indiretamente sobre as feministas brasileiras,
ver Pompeu (2007).
sobre o mito e a realidade da condição feminina nas sociedades de capitalismo avançado, nas subdesenvolvidas
(expressão adotada por Heleieth) e também nos países que compunham o bloco soviético. Encontramos
igualmente nesta fase suas investigações sobre a perseverança de uma atividade típica de formações pré-
capitalistas: o emprego doméstico e sua utilidade para o sistema capitalista. Foi também no início de sua
trajetória que viu, quando ninguém dizia que via – a não ser os que espertamente adiavam para o socialismo
qualquer luta contra a opressão da mulher –, que a emancipação feminina não poderá ocorrer no capitalismo,
pois este ou alija ou insere precariamente o contingente de mulheres de acordo com as necessidades que este
sistema tem para se reproduzir. Seus primeiros levantamentos empíricos, assim como a densidade de suas
formulações teóricas fazem de suas descobertas excelentes pontos de partida para a apreensão da realidade
capitalista contemporânea, especialmente no tocante à recomposição do proletariado neste início de século
XXI e, no interior deste, às reconfigurações do trabalho feminino.

Da trajetória de vida ao estudo da condição feminina sob o capitalismo


Filha de mãe costureira e de pai pedreiro, Heleieth nasceu sem fortuna, na pequena Ibirá, interior de São Paulo.
Começou a trabalhar aos 14 anos de idade e, por volta dos 18, já morando na capital do estado, chegou a ter
três empregos simultaneamente: “Pela manhã ia a um emprego; à tarde, a outro; à noite, estudava e, entre as
17 horas, quando deixava o trabalho, e às 19 horas, quando entrava na Escola Normal da Praça, dava aulas
particulares” (Mendes e Becker, 2011: 146).
Sua trajetória, marcada por inúmeros deslocamentos para morar com parentes que a acolhiam, fez com que
atentasse para a própria condição feminina. Por exemplo, o ideário de como uma menina deve se comportar
esteve presente quando, “devido” ao adoecimento da tia com quem morava, teve de coabitar com outros
parentes: “não ficava bem morar com o marido da tia”. Também em suas memórias encontramos as
experiências de falta de liberdade em função do duplo “destino” de classe e de gênero. Aos 13-14 anos, “por
ser a sobrinha sem posses, filha da costureira e do pedreiro, fez as vezes de Gata Borralheira responsável pelo
serviço doméstico” (Pompeu, 2007: 68). Fazia todo o trabalho da casa, estudava no período noturno e voltava
sozinha para casa após a meia noite. Sentiu na pele a agressão ao corpo feminino que, mais tarde se tornaria
objeto de suas pesquisas.
Tinha que descer uma ladeira, e quantas não foram as vezes em que a desci voando, porque me haviam
assediado no ônibus. Uma moça de 14 anos, embora de uniforme, era considerada uma menina sozinha. Então,
colocavam a mão na minha perna, simulavam esbarrar em meus seios. Era um “assédio sexual” bastante
ameaçador para quem enfrentava, pela primeira vez, a grande cidade. Alguns desses homens chegavam a
descer do ônibus e ir atrás de mim (Mendes e Becker, 2011: 144).
Seus estudos sobre a condição feminina propriamente dita iniciaram-se em 1963, quando, já professora do
curso de Ciências Sociais da Unesp de Araraquara, realizou uma pesquisa com as professoras primárias e as
operárias da indústria têxtil. Naquele momento, havia muito pouco material traduzido disponível sobre o
assunto e praticamente nada produzido no Brasil3
Entre o final de 1966 início de 1967, em apenas sessenta dias, redigiu o clássico A mulher na sociedade de
classes: mito e realidade, que deveria ter sido sua tese de doutorado.
O país estava recém-submetido à ditadura militar que duraria 21 longos anos. E Florestan Fernandes, seu
orientador, com arguta percepção política, intuiu o endurecimento do regime e as conseqüências para Heleieth
Saffioti, uma intelectual do sexo feminino, o que já causava estranhamento, sobretudo para a mentalidade
provinciana e conservadora do interior do estado de São Paulo; e ainda considerada comunista, o que
certamente não era visto com muito entusiasmo pelos acadêmicos que aderiram ao regime. O mestre sociólogo
não teve dúvida: sugeriu, aliás, exigiu que Saffioti transformasse o doutorado em tese de livre-docência
(Gonçalves e Branco, 2011: 75).
Deste momento em diante, Heleieth Saffioti se debruçou cada vez mais sobre os chamados estudos da
mulher e passou a ser uma referência no assunto, dentro e fora do país (Sorg, 1995: 156). Desde o início,
desconfiou das análises que, recorrendo à tradição, justificam desigualdades entre homens e mulheres, entre
brancos e negros.

3
A este respeito, consultar, neste número 27 da revista Lutas Sociais, os textos de Branco e

Gonçalves (2011).
Pesquisar e escrever sobre um tema tão complexo era parte de uma ambição teórica que consistia em
examinar como a desigualdade entre os sexos opera na sociedade de classes de forma a alijar grandes
contingentes do sexo feminino. No seu primeiro livro, A mulher na sociedade de classes, a autora pretendia
fazer um estudo comparativo entre sociedades de capitalismo avançado e o Brasil, com capitalismo
“subdesenvolvido”, para descobrir como as determinações de sexo se inseriam concretamente no
funcionamento destas sociedades. Mas para isso, nos adverte a autora, “é preciso que se parta de formulações
teóricas capazes de permitir a apreensão do sentido que os fatos e as totalidades parciais ganham no todo
orgânico no qual estão inseridos e do movimento dialético que os anima” (Saffioti, 1969: 19). E, sem deixar
dúvida quanto ao seu referencial, enfatiza que a “dialética marxista revela-se, deste ângulo, um método de
grande valor heurístico, uma vez que possibilita não som ente a realização do teste comprobatório das
formulações clássicas, sobretudo de Marx, como também a incorporação crítica, através da dialetização de
conceitos, de formulações teóricas originadas em distintas concepções da história” (1969: 19).
O tema estava delimitado. O referencial teórico definido. Faltava a interlocução direta com autore(a)s
que dariam suporte para as problematizações. Este era um dos grandes desafios colocados a Heleieth Saffioti.
No momento em que A mulher na sociedade de classes foi redigido, havia pouquíssima literatura sobre a
mulher (Mendes e Becker, 2011: 150). A entrevista que nos foi concedida é significativa do deserto
bibliográfico na área:
E o que eu li? O que havia para ler no Brasil? Era um desastre. Havia Grandes damas do II Império e coisas
assim desse estilo. (...). No Brasil não havia nada de interessante. Eu li O Segundo Sexo, da Simone; li um
livro da Alva Myrdal e Viola Klein. Estes textos existiam ou em francês ou em inglês, em português nada. O
Segundo Sexo, sim. Mas o da Alva Myrdal e Viola Klein, não. E o outro de uma francesa que era sobre
operárias industriais, era em francês. O nome dela era Evelyne Sullerot. E havia aqueles textos clássicos da
Kollontai, que eu não gosto; da Clara Zetkin, que é um pouco melhor, mas a meu ver tem mais ideologia do
que ciência (Gonçalves e Branco, 2011: 75).
Também pouco se sabia a respeito da condição da mulher brasileira. Afora pequenos trabalhos
descritivos e interessados em aspectos bem restritos do universo feminino, Saffioti encontrou apenas dois
trabalhos: um sobre o magistério primário e outro sobre a mudança do papel ocupacional da mulher na cidade
de São Paulo. Como a própria autora observa, o primeiro não examina a relação entre o capitalismo e esta
ocupação predominantemente feminina; o segundo se limita a uma cidade. Ambos permanecem num universo
empírico restrito e não avançam teoricamente.
A autora percebe que a condição feminina sofrera “o impacto da ação do centro hegemônico do
capitalismo internacional, quer no sentido de confinar a mulher nos padrões domésticos de existência, quer
dando-lhe consciência, através do feminismo, da necessidade de emancipar-se economicamente” (Saffioti,
1969: 17). Mas por onde começar seus estudos? Com quais autores dialogar?
De acordo com Teles (2011), não havia no Brasil um acumulo teórico sobre os feminismos. Às vezes,
chegavam para os grupos de mulheres que se formavam papéis datilografados que continham as idéias das
feministas do exterior. Mas eram difíceis a reprodução, a circulação e o debate sobre estes poucos textos.
Além da escassez de teoria e de registros de pesquisas sobre a mulher no país, se constatava a carência
bibliográfica acerca de seu referencial teórico. Quase nada havia da obra de Marx publicada no Brasil. Aliás,
este não foi um caso exclusivamente brasileiro. Mesmo em países de forte tradição de luta operária, obras
importantes do autor alemão percorreram um longo e acidentado caminho antes de se tornarem referências de
luta (Hobsbawm, 1983).
No Brasil as condições de acesso ao material teórico produzido por Marx e Engels, e pelos marxistas
posteriores, eram bem piores. Talvez pela própria condição de país de capitalismo periférico, sem uma classe
operária consolidada e, portanto, com pouca tradição de luta neste campo. É provável que a ausência de
marxistas na academia também tenha contribuído para retardar a publicação da obra teórica de Marx. Ironia
das ironias, foi no início dos anos de chumbo da ditadura militar, mais precisamente em 1968, que teve lugar
a primeira edição brasileira de O Capital, lançada pela editora Civilização Brasileira
Para fundamentar suas análises, leu praticamente tudo que existia da literatura marxista e socialista,
desde os “utópicos”. Obras importantes de Engels, como A origem da família, da propriedade privada e do
Estado, leu em francês. Recorreu à edição mexicana da Fondo de Cultura Económica para consultar duas obras
fundamentais para seu estudo: El Capital e História crítica de la teoria de la plusvalia. Todo o restante da obra
de Marx leu em francês, especialmente o vasto acervo publicado pelas Éditions Sociales.

Uma apreensão feminista de formulações marxistas


A própria Heleieth Saffioti afirma que, no início dos anos 1960, sabia muito pouco sobre Marx e o marxismo
e teve de se desdobrar para compreender este campo teórico-metodológico (Gonçalves e Branco, 2011). O
primeiro resultado publicamente conhecido deste esforço encontra-se no denso livro A mulher na sociedade
de classes, onde a autora apreende o modo de produção capitalista como “uma configuração concreta de vida
e cada tipo estrutural de sociedade capitalista como uma etapa de desenvolvimento da forma contraditória do
processo de produção social, que culmina com a realização plena da sociedade capitalista” (Saffioti, 1969: 33-
34). Mais tarde, em intenso debate com a corrente althusseriana, a autora é levada a imprimir maior
sofisticação às suas formulações sem que abandone posições básicas apresentadas em seu livro maior.
Apesar do alto nível de abstração do conceito de modo de produção, a autora não o entende como um
objeto sem vínculos com o real. A referência ao real, para ela, “pode ser detectada, quer predomine na análise
a perspectiva teórica, quer prevaleça a ótica histórica” (1976: 2). A apropriação privada dos meios de produção
e do produto do trabalho, presente nas formações sociais anteriores, é elevada ao máximo no modo de
produção capitalista. Os modos de produção historicamente anteriores são integrados à sociedade burguesa.
Perdem sua identidade originária sem que deixem de existir. O modo de produção capitalista, portanto, é
“entendido como a combinação histórica específica que resulta da autonomização relativa do processo
econômico, inaugurando formas inéditas de relações de produção nas quais se acham incorporadas e
redefinidas as antigas formas de relação de produção” (Saffioti, 1976: 2). Na formação social capitalista, os
modos de produção historicamente anteriores coexistem, mas não como um modo de produção propriamente
dito. O que permanece “são certas formas de organização do trabalho, previamente integradas em outros
modos de produção” (1976: 3).
É a partir desse entendimento de modo de produção, ou seja, como “uma configuração concreta de
vida” (1976:1), que a autora esboça suas formulações acerca da inserção da mulher na sociedade capitalista,
que, aliás, ocorreu em condições bastante adversas. Em seu primeiro livro, já percebeu que no capitalismo, as
mulheres têm uma dupla desvantagem: no plano “superestrutural”, uma subvalorização das capacidades
femininas; e no estrutural, uma inserção periférica ou marginal no sistema de produção. Recusando o
conformismo amplamente divulgado de que são as “debilidades” (físicas e mentais) femininas as obstrutoras
do desenvolvimento social (1969: 36), em uma rigorosa análise, afirmou que o modo de produção capitalista
potencializa a marginalização de certos setores da população do sistema produtivo. O sexo, fonte de
inferiorização social feminina, interfere de forma positiva para a reprodução da sociedade capitalista. Para
Saffiotti, a “elaboração social do fator natural sexo, enquanto determinação comum que é, assume, na nova
sociedade, uma feição inédita e determinada pelo sistema de produção social” (1969:35). O capitalismo coloca
fortes obstáculos à realização plena da mulher.
Na contramão dos que entendiam que o capitalismo abria portas para a emancipação feminina por
meio da entrada das mulheres no mercado de trabalho, Saffioti advertiu que era o contrário que ocorria. O
modo de produção capitalista alija força de trabalho do mercado, especialmente a feminina. Os caracteres
raciais e de sexo operam “como marcas sociais que permitem hierarquizar, segundo uma escala de valores, os
membros de uma sociedade historicamente dada” (1969:30).
Isto não significa que estes caracteres contêm em si mesmos a explicação da totalidade ou das determinações
de um sistema. São subalternos. E, como tais, “operam segundo as necessidades e conveniências do sistema
produtivo de bens e serviços, assumindo diferentes feições de acordo com a fase de desenvolvimento do tipo
estrutural da sociedade” (Saffioti, 1969: 30).
A autora reconhece em Marx as observações minuciosas acerca das péssimas condições de trabalho
das mulheres. Marx deplora as condições do trabalho feminino, mas a autora afirma que esta preocupação de
Marx se refere fundamentalmente às “conseqüências que a dura existência da mulher trabalhadora encerra
para a educação dos filhos, para a autoridade dos pais, para a moralidade da família” (1969: 73). Ele julgava
deletério para os filhos e para os pais “a destruição da família sem que uma nova forma de estrutura familial
venha substitui-la” (1969: 73). Todavia, nem Marx nem Engels teriam atentado para as funções que as
mulheres desempenham na família e, segundo a autora, por isto não conseguiram solucionar teoricamente o
problema feminino. Entre um sistema produtivo e a marginalização feminina encontra-se “a estrutura familiar
na qual a mulher desempenha suas funções naturais e mais a de trabalhadora doméstica e socializadora dos
filhos” (1969: 79).
Saffioti concorda com o autor de O Capital em que o problema da mulher não é algo isolado da
sociedade, e que é decorrência “de um regime de produção cujo sustentáculo é a opressão do homem pelo
homem; de um regime que aliena, que corrompe tanto o corpo quanto o espírito” (Saffioti, 1969: 75; 2011:
86). Também considera, com Marx e muitos marxistas, que superar a opressão feminina só será possível com
a destruição do regime capitalista e a implantação do socialismo. Todavia, para o fundador do socialismo
científico, a libertação da mulher é encarada simplesmente no interior do processo geral de humanização de
todo o gênero humano (Saffioti, 1969: 74).
Eis um dos nós do problema! O sexo, uma categoria de ordem natural, encobre o antagonismo de
classe. O domínio masculino sobre as mulheres, não diretamente atrelado à estrutura econômica da sociedade,
serve aos interesses daqueles que detêm o poder econômico. Segundo a autora, “os homens da classe dominada
funcionam, pois, como mediadores no processo de marginalização das mulheres de sua mesma classe da
estrutura ocupacional, facilitando a realização dos interesses daqueles que na estrutura de classes ocupam uma
posição oposta à sua” (1969: 78).
Apesar da tese difundida de que o desenvolvimento do capitalismo proporcionaria um novo tipo de
família, livre de preconceitos, que permitiria o trabalho feminino fora do lar, constata-se que “asfacilidades
da vida moderna” continuam mantendo a mulher trabalhadora presa ao lar (1969:79). É ilusório, segundo a
autora, “imaginar que a mera emancipação econômica da mulher fosse suficiente para libertá-la de todos os
preconceitos que a discrimina socialmente” (1969: 82). Suas análises do desenvolvimento do capitalismo,
assim como suas investigações sobre as tentativas de construção do socialismo, mostram que “certos padrões
culturais forjados em outras estruturas persistem na nova, num descompasso de mudanças que desafia a
validade de algumas teorias” (1969: 84). A projeção de que a igualdade na exploração da força de trabalho é
o primeiro dos direitos do capital não se realizou em nenhuma sociedade. A força de trabalho é diferenciada
em termos de sexo e raça/etnia.
O cruzamento da estrutura de classes com a diferença de sexo perturba o esquema marxista. As classes
sociais são atravessadas pelas contradições de gênero e de raça. É certo que entre mulheres e homens da
burguesia há uma solidariedade de classe, pois aquelas se beneficiam da apropriação por estes da mais-valia
criada pelos trabalhadores homens e mulheres. Porém, na classe trabalhadora, a solidariedade nem sempre é
tão nítida. Tanto a mulher proletária, como a dos estratos médios disputam “com os homens de sua mesma
posição social os postos que lhe possam garantir sustento” (1969: 86).
O capitalismo não criou a inferiorização social mulheres, mas se aproveita do imenso contingente
feminino, acirrando a disputa e, portanto, aprofundando desigualdade entre os sexos. Segundo Saffioti, as
desvantagenssociais de que gozavam os elementos do sexo feminino permitiam à sociedade capitalista em
formação arrancar das mulheres o máximo de mais-valia absoluta, através, simultaneamente, da intensificação
do trabalho, da extensão da jornada de trabalho e de salários mais baixos que os masculinos, uma vez que para
o processo de acumulação rápida de capital era insuficiente a mais-valia relativa obtida através do emprego
da tecnologia de então. A máquina já havia, sem dúvida, elevado a produtividade do trabalho humano; não,
entretanto, a ponto de saciar a sede de enriquecimento da classe burguesa (1969: 36).
Neste sentido, a autora avança na contramão de muitos e talentosos marxistas contemporâneos, como
Perry Anderson para quem “economicamente, os simples mecanismos do processo de valorização do capital,
e expansão da forma-mercadoria são cegos ao sexo”, uma vez que a “lógica do lucro é indiferente à diversidade
sexual” (1984: 105); ou Ellen Wood, que afirma a tendência positiva do capitalismo de solapar identidades,
como as de gênero ou raça, “pois o capital luta para absorver as pessoas no mercado de trabalho e para reduzi-
las a unidades intercambiáveis de trabalho, privadas de toda identidade específica” (2003: 229).
O excesso de abstração de ambos os autores pode reintroduzir no marxismo o que há de mais
ideológico no universalismo da ilustração, sem faltar, inclusive, o ingrediente naturalizante das relações
sociais. Anderson por negar que se possa abolir a divisão entre os sexos, que é um fato da natureza, ao
contrário, da “divisão entre classes, um fato da história” (1984: 106); Wood por desconsiderar a tendência
estrutural do capitalismo à desigualdade de raça e de gênero. O nível de abstração destes autores deixa fora de
foco a questão de se existem e, no caso de existirem, como se constituem, imbricações de dominação
capitalista de classe e relações de gênero. Wood é ainda mais enfática: embora seja “capaz de tirar vantagens
do racismo e do sexismo, o capital não tem a tendência estrutural para a desigualdade racial ou opressão de
gênero”. Ao contrário, são eles que “escondem as realidades estruturais do sistema capitalista” e, além disso,
“dividem a classe trabalhadora” (2003: 229). Uma inversão do problema? Talvez. É desta forma que grande
parte dos teóricos marxistas abordou a questão. Como se correspondesse a uma fragmentação do proletariado
extrínseca ao capitalismo.
Ora, o que fragmenta a classe trabalhadora é o sistema capitalista ao, por exemplo, inverter a ordem
do problema. O capitalismo não é, nunca foi e dificilmente – para dizer o mínimo – será cego ao sexo (ou à
raça/etnia). É nesta exata medida que Saffioti enfatiza que o desenvolvimento do capitalismo não significa
melhor condição social para as mulheres.
Uma abordagem marxista de problemáticas feministas
A tese de que o desenvolvimento do capitalismo não representa avanço fundamental nas condições de
vida das mulheres também foi na contracorrente das principais tendências do expressivo movimento feminista
que ressurgiu no mundo ocidental nos anos de 1960-1970. Um ano após a publicação de A mulher na
sociedade de classes, Esther Boserup ficou mundialmente conhecida com o livro Woman’s Role In Economic
Development, de 1970. Desde então, os debates sobre mulher e desenvolvimento ganharam destaque. O livro
encontrou eco, não apenas entre as feministas, mas também na teoria da modernização que exerceu forte
fascínio sobre cientistas sociais americanos e latino-americanos. Boserup argumentava que as mulheres
trabalhadoras, sobretudo as camponesas, se encontravam marginalizadas em função de seus baixos
rendimentos e propunha políticas de desenvolvimento para reparar este problema. Saffioti, por sua vez,
observava a incompatibilidade desta ideia com um projeto de sociedade onde perdura um modo de produção
baseado na apropriação privada dos meios de produção.
O capitalismo, segundo Saffioti, pode até se revelar maleável e até mesmo permitir e estimular
mudanças. Todavia, isto não significa que este sistema ofereça plenas possibilidades de integração social
feminina. Para a autora, neste modo de produção, as características naturais (sexo e raça) se tornam
mecanismos que funcionam em desvantagem no processo competitivo e atuam de forma conveniente para a
conservação da estrutura de classes (Saffioti, 1969). Neste sentido, não reconhece no feminismo pequeno-
burguês, de onde advêm as teorias que atrelam a emancipação feminina ao desenvolvimento econômico, o
caminho para a superação da desigualdade de sexo. O feminismo pequeno-burguês, por mais progressista que
possa ser, não conseguiu “encarar a questão da igualdade entre os sexos em função de um tipo estrutural
negador desta igualdade” (1969: 129).
Dois de seus estudos, um sobre o emprego doméstico (1978) e outro sobre as operárias têxteis (1981),
demonstram como o capitalismo se alimenta da preservação tanto da organização arcaica de uma atividade,
como é o caso do emprego doméstico, como da apropriação redefinida de atributos femininos na indústria e,
neste sentido, impossibilita a igualdade almejada pelo feminismo pequeno-burguês.
O Brasil dos anos 1970 conheceu acelerado processo de industrialização, que impulsionou uma
mudança significativa na estrutura de redistribuição do produto social, permitindo o aparecimento de uma
classe média com renda elevada e com possibilidade de consumo. As mulheres trabalhadoras não ficaram fora
deste processo. Houve, no período, um incremento acentuado da expansão do trabalho feminino. Todavia, a
maior parte (89% !) foi absorvida pelo setor de serviços e com altíssima concentração nos empregos
domésticos. Ocupações de baixo prestígio e de remuneração reduzida constituíram o reduto da mão-de-obra
feminina. Ocorreu um incremento da procura de bens de consumo duráveis e, ao mesmo tempo, a expansão
do consumo de serviços pessoais, sobretudo o doméstico. A grande empresa não foi capaz de absorver toda a
força de trabalho disponível e “parcela considerável desta mão-de-obra [passou] a constituir-se como
trabalhadores autônomos” (Saffioti, 1978: 15). Neste processo, a mulher foi o elemento menos favorecido.
Segundo a autora, a modernização da economia, estando presentes fatores como alta concentração da renda
nacional, baixo grau de escolarização das camadas mais pobres, industrialização intensiva de capital, não
apenas não traz benefícios materiais às mulheres, como também impele-as a aceitar, a fim de sobreviver, o
desempenho de atividades mal remuneradas e pouco ou nada prestigiadas do ponto de vista social, sobretudo
no chamado baixo terciário (1978: 17-18).
O trabalho da empregada doméstica não pode ser considerado como trabalho produtivo. Embora haja
um contrato que regule a venda de sua força de trabalho a uma unidade familiar, não produz mercadoria para
ser trocada no mercado.
Aquilo que é produzido pela empregada doméstica é para o consumo imediato da família empregadora. No
entanto, “as atividades domésticas contribuem para a produção de uma mercadoria especial – a força de
trabalho – absolutamente imprescindível à reprodução do capital” (1978: 196). Esta contribuição cria
condições para a reprodução do sistema capitalista. São as empregadas domésticas que frequentemente
substituem na residência “a dona-de-casa, determinada como trabalhadora do sistema capitalista”. Assim, a
exploração da empregada doméstica é mediada pela exploração típica do modo de produção capitalista.
Apesar de sua exploração não se enraizar na produção de mais valia, como é o caso dos trabalhadores
produtivos do setor capitalista da economia, ela serve ao capitalismo e se integra a este na medida em que cria
as condições para a sua reprodução.
Suas pesquisas sobre as operárias têxteis revelam que, mesmo neste ramo que tradicionalmente
absorveu grande contingente de mulheres, a supremacia feminina não resistiu à modernização capitalista
brasileira, com alto grau de incremento tecnológico. A tecnologia poupou mão-de-obra e, ao fazê-lo,
impulsionou a de expulsão da mão-de-obra feminina. Em geral, as mulheres trabalhadoras foram empurradas
para as “ocupações desenvolvidas a domicílio ou nas funções sub-privilegiadas do baixo terciário”. Ficaram
à margem dos benefícios sociais prometidos pelo desenvolvimento capitalista e engrossaram os bolsões das
atividades mais precarizadas como “costureiras, bordadeiras, serzideiras, tricoteiras, crocheteiras, para nada
dizer sobre as demais ocupações desempenhadas em caráter autônomo, e de empregadas domésticas que,
somadas, atingiam, em 1970, mais de 50% da PEA feminina” (1981: 29).
Hoje, cinquenta e poucos anos depois, algumas feministas criticam a tese inicial de Saffioti: a de que
o capitalismo alija trabalho feminino. De fato, se observarmos os dados do relatório da Organização
Internacional do Trabalho, de 2008, constataremos que o número de mulheres que trabalham aumentou e
muito: quase 200 milhões ao longo do último decênio, atingindo 1,2 bilhão, em 2007, contra 1,8 bilhão de
homens. Todavia, a análise deste processo requer a superação de um enfoque meramente quantitativo. O
aumento da participação feminina no chamado mercado de trabalho não se deu igualmente em todos os setores,
em geral, cresceu para as atividades mais precárias dentro do sistema capitalista.
Neste sentido, impressiona a atualidade das análises feitas por Heleieth Saffioti. Como previu, o
capitalismo se renovou e se expandiu sem que houvesse um avanço qualitativo rumo à emancipação feminina.
As mulheres continuam duplamente aprisionadas. Em um sentido, são aprisionadas face à verdadeira
deterioração de suas condições de trabalho. Em outro, o aprisionamento advém da falta de uma redefinição de
papéis entre homens e mulheres na esfera doméstica.
A opressão das mulheres continua sendo para os capitalistas um instrumento que permite gerir o conjunto da
força de trabalho. Como observamos em outro artigo (Gonçalves, 2001), a dominação capitalista de classe se
efetiva produzindo e reproduzindo “diferenças” que reforçam desigualdades, inclusive de gênero.

Bibliografia
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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA


(Heleieth I.B. Saffioti)
Inicia-se por uma pergunta: são estas duas expressões-título excludentes? À primeira vista, sim. Exame mais
dedito, porém, conduz à conclusão oposta. Há enorme sobreposição dos dois recortes. Efetivamente, violência
contra a mulher envolve não apenas aquela cujos perpetradores são parentes ou conhecidos vivendo sem
nenhuma relação estabelecida com a vítima. Assim, a violência contra a mulher constitui fenômeno, de certo
ângulo, mais amplo que o da violência doméstica. Isso não significa que esta última esteja confinada ao
domicílio ou à família. Embora ocorra predominantemente na residência, também acontece fora dela. Quanto
ao fato de seus perpetradores serem ou não familiares da vítima, a questão é um pouco mais complexa. Ainda
que não importe a relação biológica, quase todo domicílio tem um pater famílias, cujo poder se estende sobre
os demais moradores. Obviamente, não se está falando de inquilinos de cômodos da casa, mas do grupo
domiciliar quase família.
Trata-se de afilhadas(os), empregadas(os) domésticas(os), agregadas(os), etc. O estabelecimento e a
consolidação do domínio do pater famílias, embora estejam, via de regra, vinculados à consanguinidade,
rigorosamente independem dela.
Enquanto a mulher, para gozar do estatuto social de mãe, precisa ter filho(s), biológico(s) ou adotivo(s), o
patriarca institui, ele próprio, sua paternidade. Obviamente, esse ato de instituir paternidade conta com a
autorização, e até mesmo com o incentivo da sociedade em seu conjunto, aí inclusos os próprios membros do
grupo domiciliar. Em outros termos, o poder, assim como todo e qualquer fenômeno social, não é processo de
mão única, mas fruto da interação social. Isso não é difícil de entender na medida em que o patriarca não
somente domina-explora, como também protege sua “cria” de agressores alheios àquele território do
domicílioparentela. Na verdade, não se trata meramente de um território geográfico; trata-se, sim, de um
território simbólico. Esse caráter simbólico dos laços que permitem a exploração-dominação exercida pelo
patriarca extrapola o território da família/grupo domiciliar e se ancora em todos os domínios da sociedade.
Como afirma Kaufmann, “Toda escolha pessoal tem um efeito de enfraquecimento ou de reforço das normas
sociais que, em seguida, se impõem à condutas: os movimentos do privado não permanecem jamais
exclusivamente do domínio privado. (...)
O coração do privado, o funcionamento conjugal, é intrinsecamente uma formidável máquina de,
cotidianamente, produzir contraste. Ora, no domínio das tarefas domésticas, toda construção identitária que
acentua a polaridade masculino/feminino tem, mais cedo ou mais tarde, consequências desigualitárias.
Unicamente a determinação consciente dos dois cônjuges permite controlar os efeitos desta força de
diferenciação que vem do interior, às vezes mesmo avançar no sentido de uma repartição menos desigualitária,
malgrado as pressões internas e externas.” (1995, p. 203-4)
Isso equivale a dizer que todo ser humano capaz de interagir é sujeito e objeto, jamais exclusivamente objeto.
Sobre esse fato assenta-se a práxis social (Saffioti, 1997). Por mais reificado que um sujeito seja por outro,
não se transforma em puro objeto, continua sujeito. Sujeitos tanto podem ser algozes como vítimas e
certamente sempre, ou quase, desempenham os dois papéis. Logo, não se pode identificar os homens com os
primeiros e as mulheres como as últimas. Raramente, uma mulher mede forças com um homem, mas solapa
suas ações, vinga-se, enfim, reage. Além disso, aprende a ser prepotente em relação aos que detêm menores
fatias de poder diante dela. É o caso sobretudo de crianças, mas também de idosos, que sofrem a dominação-
exploração e muitas vezes a violências das mulheres.
Quando se adota a expressão-título violência contra a mulher ganha-se um espaço para além da violência
doméstica, mas se perde grande parte da violência de gênero contida especificamente nas violações dos
direitos de crianças e adolescentes, assim como de idosos, por parte, sobretudo, de agressoras. Com efeito, a
expressão não deixa margem para a concepção e a análise de conduta de mulheres violentas.
Ou seja, prejudica a aproximação do real, pois as mulheres são grandes espancadoras de crianças. Não se está
afirmado que mulheres, mormente mães que convivem cotidianamente com seus filhos, sejam os maiores
inimigos das crianças. É raríssimo uma mulher praticar violência sexual contra crianças. As estatísticas
internacionais estimam entre 1% e 3% a proporção de agressoras sexuais. Assim, na quase totalidade dos
casos, o agressor é homem. Isso não é difícil de compreender, pois faz parte da lógica patriarcal de gênero: o
patriarca detém o “direito” à posse, inclusive sexual, de sua prole, especialmente da feminina, o que conta na
defesa do uso da expressão violência contra a mulher. Como, entretanto, o fenômeno do abuso sexual é pouco
conhecido e muito negado, não constitui argumento maior das(os) defensoras(es) dessa postura. Na verdade,
contam dados, pois é mínimo o percentual de mulheres que espancam seus maridos.
Na pesquisa, ora em fase final, “Violência doméstica: questão de polícia e da sociedade”, de âmbito nacional,
fica extremamente claro o vetor da violência doméstica entre adultos, isso é, cônjuges, pois as mulheres
comparecem com cerca de apenas 1% do total de agressores4. Acrescente-se a isto o fato de que mulheres
agressoras de crianças perpetram, em geral, crimes de pequeno potencial ofensivo, enquanto homens
produzem consequências muitas vezes graves em suas vítimas.
Não se sustenta o argumento de que o machismo conduz à subenumeração de violência praticada por mulheres
contra homens, já que existe enorme subnotificação da violência masculina contra mulheres. É impossível
saber qual é, percentualmente, a maior, quando se tomam atos que, aparentemente, não representam violência.
Dados apurados em pesquisas, porém, revelam que as mulheres estão em desvantagem.
Sua menor força física responde por boa parcela dessa situação. Contudo, o maior peso reside, seguramente,
na lógica patriarcal que, embora não mais de jure, mas de facto, continua permitindo que a categoria homens
assegure, inclusive por meio de violência, sua supremacia.
Aliás, a lógica da ordem patriarcal de gênero só é passível de entendimento por meio da análise das relações
entre categorias homens e mulheres. Singularmente, muitas relações podem chegar a bom termo por terem
sido construídas com menos desigualdades. Podem mesmo não chegar a abrigar qualquer sorte de violência.
Em termos de categorias sem pauta, contudo, os homens têm autonomia, enquanto que as mulheres só
conhecem heteronomia. Recorre-se, aqui, a uma caracterização de Johnson (1997), segundo a qual, “Grupos
dominantes são geralmente autônomos no sentido de que eles não são responsáveis por aqueles que lhes estão
abaixo e não precisam pedir permissão para fazer aquilo que desejam” (p.147). Isso não significa que homens
não dependam de mulheres e vice-versa. Independência e autonomia são, de acordo com o auto em pauta,
fenômenos diferentes. Quer se queira, quer não, todos os humanos dependem uns dos outros. Desse ângulo,
são todos iguais.
Ressalta-se a dependência dos grupos dominantes em relação aos dominados.
Homens em geral são muito dependentes de suas mulheres, embora tal fenômeno permaneça encoberto,
aparecendo apenas a dependência das mulheres em relação a seus maridos.
Ademais, como as categorias/grupos sociais dominantes têm muito maior possibilidade de definir como a
realidade será percebida, é-lhes relativamente fácil mascarar as situações de modo a que elas próprias sejam
apreendidas como protetoras ao invés de como dependentes. O senhor depende do escravo, embora a categoria
dos senhores seja autônoma. Autonomia diz respeito a capacidade de controlar o destino de outros, além, é
claro, da capacidade socialmente dada de realizar seus próprios desejos. Enquanto a
dependência/independência pertence à ordem do individual, a autonomia/heteronomia prende-se à ordem
coletiva. Ainda que haja inegavelmente uma íntima interação entre o singular e o coletivo, a presente ordem
de gênero só se alterará quando as categorias de sexo forem igualmente autônomas. Medidas de equidade,
visando ao estabelecimento da igualdade, não podem perder de vista exatamente a construção da autonomia.
O conceito de autonomia tem sido entendido também como cidadania plena.
Nesse sentido, a pesquisa “Violência doméstica: questão de polícia e sociedade” contém um caso
extremamente interessante. Uma mulher foi espancada por seu marido durante anos a fio. Suportava os maus-
tratos sempre na expectativa de que o marido mudasse de conduta. Na verdade, sua expectativa era de
conseguir mudar o marido. Ao cabo de muitos anos de onipotência, convenceu-se de sua impotência e separou-
se, na tentativa de se livrar do sofrimento. Ledo engano, pois o ex-marido perseguia-a, importunava-a,
assediava-a. Ela, então, tomou uma decisão: entrou na Academia de Polícia e se transformou em policial
militar. Revólver no coldre e cassetete na mão, foi para a rua fazer patrulhamento. Não demorou a ser
novamente importunada pelo ex-marido. Com a diferença de que, agora, era autoridade, podendo dar voz de
prisão a quem perturbasse a ordem, molestando alguém, por exemplo.
Verbalizada com energia sua competência legal, o ex-marido, amedrontado, desapareceu para sempre.
Homens poderosos diante de suas mulheres revelam-se, via de regra, extremamente medrosos diante de uma
autoridade, ainda que feminina.
Essa foi uma forma individual, encontrada por esta mulher, de se empoderar.
Para ela, pessoalmente, o problema foi resolvido. A ordem patriarcal de gênero, contudo, permanece inalterada
no curto prazo. Mas não significa que, ao longo prazo, sua atitude não conte, somada e enlaçada com outras,
para a transformação social.

4
¹ Saffitoi, H.I.B., Violência doméstica: questão de polícia e da sociedade, levantamento realizado em
quase todo o país, ainda não publicado. A parte quantitativa foi feita com bases nos boletins de
ocorrência das delegacias de mulher e das convencionais, tendo sido a dimensão qualitativa realizada
por meio de 290 entrevistas gravadas.
De outra parte, vale a pena verificar de que forma se empoderou essa mulher: transformando-se num agente
de braço armado do Estado, ou seja, reforçou o lado público de uma instituição bifronte, que é a família. As
fronteiras entre o público e o privado são extremamente voláteis. No caso da violência contra a mulher e da
violência doméstica, há uma forte demanda de feministas no sentido de que o Estado se faça presente, coibindo
trais procedimentos e punindo seus autores. Da parte das vítimas propriamente ditas, a reivindicação não é
uníssona. Há vozes que se alinham com as aspirações feministas, mas há também uma imensa demanda de
que o Estado desempenhe o papel de mediador, visando à recomposição do grupo familiar, precipuamente, e,
em segundo lugar, do grupo domiciliar. O caráter público da violência contra a mulher não assume exatamente
o mesmo aspecto nos dois casos.
No primeiro, ele é exemplar e definitivo; no segundo, é episódico e fugidio. Cabem, a esse respeito, duas
interpretações. Uma concerne ao caráter corretivo penal, levando a pensar numa transformação da ordem de
gênero. Outra, pode tratar o papel mediador do Estado como mero paliativo. A rigor, ambas padecem do
mesmo vício: são parciais e, portanto, insuficientes. Como lembra MacKinnon (1989), a sociedade só pune a
violência cometida por homens contra mulheres quando ela extrapola os limites do exercício da dominação-
exploração socialmente aceitos para assegurar a continuidade do caráter androcêntrico da presente ordem de
gênero.
Isso representa uma autorização do poder constituído para que os homens espanquem sem provocar graves
lesões, da mesma forma como podem ter seus desejos sexuais satisfeitos cometendo ameaças, mas não
violências, enfim, fazendose obedecer sem deixar marcas profundas. Logo, apenas aparentemente constitui
uma via mais direta para a transformação da ordem patriarcal de gênero. A mediação do Estado contradiz a
legislação criminal, na medida em que toma por assente que o crime é passível de negociação. É exatamente
o caso da lei n° 9.099/95, que criou Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Presidida por um espírito
conciliador, tentar compor interesses entre os cônjuges, sem levar em conta que a composição de interesses
só é possível na ausência da contradição de categorias de sexo, o que não é o caso. Ademais, no plano
individual, cada caso é ímpar, merecendo, portanto, tratamento específico.
A questão parece mais bem encaminhada se se pensar numa combinação nas duas medidas: a punição do
criminoso, cuja função é coibir condutas antissociais, e mediação do Estado, não no sentido de composição
imediata de interesses, mas da reeducação das partes. É óbvio que esta ressocialização deve ser realizada em
grupos, primeiramente separando-se homens e mulheres e, num segundo momento, colocando-os juntos. Por
que haveria necessidade de um momento de reeducação de homens separados de mulheres? Aqui entra a
segunda expressão-título violência doméstica. Pesa contra ela o fato de considerar iguais, do ponto de vista do
desfrute do poder e, por conseguinte, da capacidade de praticar violência, todos os que convivem num mesmo
domicílio. Diferentemente da expressão violência contra a mulher, a outra, violência doméstica, não diferencia
os co-partícipes da situação de violência. E tem razão Gordon (1989)
“Tem sido necessário mostrar que violência familiar não é a expressão unilateral do temperamento violento
de uma pessoa,mas é produzida conjuntamente – embora não igualmente – por vários indivíduos na
convivência da família. Não há objetos, apenas sujeitos...” (p.291 – grifos meus).
Não importa que a autora se refira especificamente á violência familiar, um pouco mais restrita que a violência
doméstica. Sua afirmação é válida para ambas. O importante a frisar consiste na participação diferenciada de
cada membro da família ou grupo domiciliar. Isso não se assemelha à posição de vitimista. Esta caracteriza
vítimas que usufruem dessa condição, na medida em que as situações de abuso costumam beneficiar
secundários, render dividendos. Elas encarnam a figura de vítima, sentem-se confortáveis nela e não desejam
abandoná-la. Só um profundo trabalho de reeducação pode transformar tal quadro. Também caracteriza
feministas que vêm as vítimas como passivas, como coisas, incapazes de reagir. Sói acompanhar essa posição
o olhar culpabilizador em relação aos homens, tomados individualmente. Contrariamente ao que pensa a
maioria das feministas e ao expresso por Delphy (1998), quando considera que o patriarcado é o sistema
sociopolítico que organiza a opressão das mulheres, a postura vitimista tende a ver os homens individuais
como inimigos. Essa posição, além de extremamente hostil, não é correta, tendo angariado, com razão, a
antipatia de muitos homens e também de mulheres. Cada homem e cada mulher são socializados segundo o
código da ordem patriarcal de gênero. É, portanto, esse código sexual, essa gramática sexual que modela as
categorias de gênero. Ou melhor, isso é gênero.
Obviamente, nem todos os homens e nem todas das mulheres se adéquam à matriz dominante de suas
respectivas categorias de gênero. Ainda que não se considere o contato heterossexual, há diferentes formas de
se conduzir como homem, da mesma maneira como há distintos modos de se comportar como mulher. Em
outros termos, há diferentes matrizes de inteligibilidade cultural do gênero (Butler,1990). É verdade que Butler
define muito estreitamente o conceito: “Gêneros ‘inteligíveis’ são os que, em algum sentido, instituem e
mantêm relações de coerência e continuidade entre o sexo, gênero, prática sexual e desejo” (p. 17). Este
excerto revela que a autora se ancora em um contrato sexual – seja qual for – para caracterizar a inteligibilidade
cultural do gênero. Ou seja, cada contrato sexual teria sua matriz correspondente de inteligibilidade cultural
do gênero. Assim definindo, o conceito pode ser considerado como verdadeira camisa-de-força, embora na
página 8 do mesmo livro a autoras manifeste contra as concepções de gênero que substituem a anatomia pela
cultura como destino.
Considera-se que há uma multiplicidade de matrizes de inteligibilidade cultural do gênero no seio de cada
contrato sexual. Ademais, não se entendem como fixas e únicas a coerência e a continuidade entre sexo,
gênero, prática sexual e desejo. Uma pessoa pode ter genitália de macho, pertencer ao gênero masculino,
praticar sexo com mulheres e desejar homens. Outras combinações são possíveis, mostrando a vulnerabilidade
das pretensas coerência e continuidade. Atualmente, os contratos sexuais já não dão conta de explicar tanta
diversidade. É muito provável que tenha sido assim também no passado, embora a scholarship feminista não
tenha percebido a situação, ou ela sequer existisse, em certos momentos históricos. O fato é que, desatrelando
as matrizes dos contratos sexuais e admitindo que cada pessoa pode circular por várias matrizes de gênero,
tem-se um quadro muito mais flexível e rico, mais capaz, por conseguinte, de se aproximar da realidade
empírica. Num mesmo ambiente, interagindo com diferentes pessoas, um homem ou uma mulher pode
transitar, a todo momento, por diferentes matrizes de gênero, sem nenhuma necessidade de abdicar do
pertencimento a sua já estabelecida categoria de gênero.
Por outro lado, nada o impeça que o faça. A situação descrita parece anômica. Entretanto, não o é, pois estão
presentes as regras que normatizam a interação da pessoa em pauta com todas as demais presentes no contexto.
A postura aqui assumida é a de que não há, em nenhuma matriz, desordem de gênero, como quer Butler (1990,
p.17). Seu deslize advém certamente da vinculação entre matriz de inteligibilidade cultural de gênero
entendida rigidamente e contrato sexual.
Rigorosamente, pode-se amenizar a crítica, citando a própria autora: “Não há identidade de gênero por trás
das expressões de gênero; esta identidade é constituída, do ângulo da perfomance, pelas mesmas ‘expressões’
consideradas seus resultados” (p.25).
Tudo isso é válido também para situações de violência. Um homem pode ser dócil com sua esposa e abusar
sexualmente de sua filha. Pode ser um espancador de sua mulher e um bom pai. Traduz-se, de certa forma,
ideia de Gordon presente em seu estudo sobre violência familiar: “não há objetos, só sujeitos”. Um prisma de
compreensão dessa assertiva consiste no poder, para o que Butler apresenta uma contribuição importante:
“Poder, mas do que lei, engloba ambas as funções: a jurídica (proibitiva e reguladora) e a produtiva
(desatentamente geradora) de relações diferenciais. Portanto, a sexualidade que emerge dentro da matriz das
relações de poder não é uma simples réplica ou cópia da própria lei, uma repetição uniforme de uma
masculinista economia da identidade. As produções desviam-se dos propósitos originais e irrefletidamente
mobilizam possibilidades de ‘sujeitos’, que não meramente excedem os limites da inteligibilidade cultural,
mas que, com efeito, expandem os limites do que é , de fato, inteligível do ângulo da cultura.” (p.29)
Este excerto deixa clara a vinculação de Butler com Foucault, não apenas no que concerne ao entendimento
do fenômeno do poder, como também no que tange ao caráter histórico da sexualidade. Abre-se uma porta
para a mudança para além dos limites do culturalmente inteligível. E isso é muito importante. As múltiplas
matrizes de gênero que se concebem no presente artigo apontam fortemente para uma ruptura dos limites da
inteligibilidade cultural. A mudança que se restringe à inteligibilidade da cultura não é, de rigor,
transformação. Cai no plus ça change, plus c’ est lamême chose.
Tal rupture, entretanto, não siginifica, como quer Butler, desordem de gênero. O conceito de desordem supõe
o de ordem, apontando para o binarismo. Prefere-se conceber limites fluidos de matrizes normatizadas de
gênero. Condutas episódicas, não-repetitivas, não-normatizadas convivem com aquelas dominantes e mais
aceitas, podendo ou não obter este estatuto. O que importa é a concepção da fluidez dos limites entre matrizes
dominantes e subalternas, assim como entre estas e os comportamentos não-normatizados.
Essa aproximação da fluidez do real torna menos difícil a compreensão do fenômeno de violência contra a
mulher e da violência doméstica. Tome-se, por exemplo, a questão da mobilidade da fronteira entre o público
e o privado quando se trata da família. O Estado invade a família no que tange o planejamento familiar,
praticamente determinando quantos filhos o casal deve ter. O Estado penetra, pois, na intimidade da família.
O Estado-Providência alterou bastante as fronteiras entre o público e o privado da instituição família.
Rigorosamente, como afirma Kaufmaan (1995),
“O Estado é a garantia de dois princípios contraditórios: a autonomia do privado e a igualdade entre homens
e mulheres. Se ele não deve se imiscuir nos assuntos pessoas dos cidadãos, influir sobre os modelos de
definição de identidades, ele deve tanto implementar uma resoluta política de intervenções públicas a favor
das mulheres quanto aos mundos privados reconstituem cotidiana e secretamente desigualdade.” (p.205-4)
Assim, as próprias políticas de intervenção na família são sexuadas. Os programas de planejamento familiar
são infalivelmente dirigidos às mulheres, enquanto os projetos de requalificação de força de trabalho são, em
sua grande maioria, concebidos para homens. Embora o Banco Mundial exija recorte de gênero nos projetos
que financia, os Estados Nacionais contam com uma verdadeira Penélope: o que eles constroem durante o dia,
a sociedade se encarrega de desmanchar durante a noite. Isso ocorre na melhor das hipóteses, porquanto, com
frequência, as políticas de discriminação positiva não são levadas a bom termo. No Brasil, sequer os arremedos
de políticas públicas dirigidas a mulheres obtêm bons resultados, para não se mencionar medidas diretas ou
indiretamente discriminatórias contra as mulheres. O mero cruzar de braços já representa uma discriminação
contra as categorias socialmente mais frágeis.
Quando se trata violência intrafamiliar ou doméstica, o Estado faz coro, frequentemente, com o refrão popular:
“em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Não raro, assistem-se cenas de violência do marido
contra a mulher na rua, sem que a polícia, também plateia, interfira. Quando intervém, atualmente, depois que
a queixa à autoridade policial foi encaminhada ao Juizado Especial Criminal (JECrim), por meio da lei
9.099/95, fá-lo inferiorizando a mulher e reforçando a autorização social para a prática da violência por parte
dos homens.
No que concerne a este artigo, cabe trazer à baila o dispositivo legal que incide especificamente sobre as
“infrações penais de menor potencial ofensivo”, ou seja, “as contravenções penais e os crimes a que a lei
comine pena máxima não superior a um ano” (art. 61). À lesão corporal dolosa (LCD), crime responsável por
cerca de três quartos da violência doméstica denunciada perpetrada contra a esposa/companheira, a lei comina
pensa de privação de liberdade de três meses a um ano. Logo, o crime mais frequente no seio da violência
doméstica, e que pode tornar a vítima temporária ou definitivamente inválida, é considerado “de menor
potencial ofensivo”. Isso para não mencionar o fato de que a violência doméstica desenvolve-se em espiral,
podendo o espancamento evoluir facilmente para o feminicídio. Considerar esse crime “de menor poder
ofensivo”, conhecendo-se sua alta incidência sobre mulheres cônjuges, representa, primeiro, uma gravíssima
discriminação contra a mulher e , segundo, uma redução da importância de um tipo muito sério de violência,
na medida que recai sempre sobre a mesma vítima. A reiteração da violência, que deveria contar para reforçar
a punição do criminoso, acaba por banalizar um fenômeno cruel e altamente prejudicial à saúde de grande
parcela da população e ao desenvolvimento do país.
Desaparece a pena de privação de liberdade, sendo substituída por penas alternativas, geralmente a entrega de
uma cesta básica ou o pagamento de R$ 60,00. Já ao deixar o JCrim, mas ainda dentro dele, o autor da infração
ameaça sua mulher de novo espancamento; agora duplo, corresponde a duas cestas básicas. Na galhofa, o que
não representa pouca discriminação, a mulher passa a ser equivalente de cesta básica. A abolição da pena de
detenção poderia significar um avanço desde que as penas alternativas apresentassem caráter pedagógico. O
Canadá instituiu a psicoterapia obrigatória para os homens perpetradores de violência doméstica. Essa medida
jamais funcionou: primeiro, porque tratamento psicológico precisa estar ancorado em um forte desejo de
mudança interna da pessoa; segundo, porque o poder judiciário não dispõe de mecanismos para controlar a
presença dos condenados às sessões de psicoterapias.
Pensa-se que uma das formas mais eficazes de promover mudanças na conduta de homens violentos consiste
em oferecer um serviço conduzido por equipe multidisciplinar, com domínio sobre as relações de gênero, para
discutir com essa clientelada especial as razões da prática de agressões. Sólida formação em direitos humanos
é, obviamente requerida. Welzer-Lang (1988) trabalha com a hipótese de que “a violência é o primeiro modo
de regulação das relações sociais entre os sexos na sociedade francesa contemporânea”(p.23).
Considerando-se todas as modalidades de violência, desde a verbal, passando para a psicológica e atingindo a
física e a sexual, que certamente estão implícitas em sua hipótese, cabe, com toda a certeza, para a sociedade
brasileira e outras. Far-se-ia apenas um pequeno reparo: a violência contra mulheres não faz parte intrínseca
da organização social de gênero, mas de uma fase histórica específica dessa organização, ou seja, da ordem
patriarcal de gênero. A hipótese, ou constatação, não é apenas plausível para o fenômeno de gênero, mas
também para o de classes sociais e de etnia. Efetivamente, essas categorias sociais têm um projeto de
dominação-exploração, cuja imposição se faz a qualquer custo. Portanto, a violência nele está necessariamente
presente. Entende-se que a violência de gênero em geral e a doméstica em especial sejam fenômenos de
múltiplas causas. Gênero, classe e etnia combinam-se para determinar formas distintas de se perpetrar
violência. É até possível que nas camadas mais pobres, com grande número de excluídos de toda sorte, o
estresse provocado pelas precárias condições de existência responda por uma maior incidência de violência
familiar,como afirma Gelles (1993). As diferenças etnias podem também apresentar especificidades.
Mais do que isso, os três projetos de exploração-dominação mesclam-se no ato de determinar a violência
doméstica. Como os negros sofrem muitas discriminações no Brasil, seu comparecimento percentual dentre
os excluídos é muito maior que o de brancos. Dentre os pobres, as mulheres são as mais miseráveis. O estresse
causado por este fato as induziria também a cometer mais violência? Se se considerar a violência contra
homens, a resposta é negativa. Há que se atentar para o fato, todavia, de que as mulheres mais pobres vivem,
em grande parte dos casos, sós com seus filhos. Caberia, então, pesquisar se essas mulheres perpetraram mais
violência contra seus filhos que as pertencentes a camadas médias e abastadas.
Embora se admita a causação multifatorial da violência doméstica, frisa-se que a ordem patriarcal de gênero
tem um peso extraordinariamente grande. Vale lembrar que ela contamina todas as instituições e condutas.
Não se está afirmando que as classes sociais e as etnias em presença não tenham importância. Ao nascer, a
pessoa já se encontra no seio de uma classe social, vestindo-se, alimentando-se, enfim, vivendo segundo ela,
o mesmo se passando com a etnia e o gênero. Talvez a grande diferença resida no fato de que se pode mudar
com mais facilidade de classe social e de identidade étnica do que de gênero. Em suma, sem querer afirmar
categoricamente a impossibilidade de se mudar de gênero, levanta-se a hipótese de a ordem patriarcal de
gênero modela mais profundamente as subjetividades das pessoas. Bastar lembrar um achado, aparentemente
muito simples, mas profundo de Welzer-Lang (1991), quando da investigação por ele realizada no Centro para
Homens Violentos de Lyon.
Questionando sobre a razão de haver espancado sua mulher, um frequentador do Centro declarou ter sido o
favor dela o haver desobedecido. Em outras palavras, sua mulher foi espancada por não haver se conduzido
segundo a lógica patriarcal do gênero. Evidentemente, o contexto de espancamento incluía poderosos
elementos de classe social dos cônjuges, assim como de sua etnia. No entanto, na relação conjugal, prevalece
a ordem patriarcal de gênero. Isso não significa isolar o gênero para além da estrutura social.
O gênero é consubstancial à estrutura de classes, como também às relações interétnicas. Desta sorte, a
violência doméstica é tão estrutural quanto a de classe e a interétnica. Ou seja, a sociedade não é dividida em
fatias. Ao contrário, é uma totalidade orgânica. Por conseguinte, não cabe classificar a chamada violência
urbana de estrutural e a violência doméstica de intersubjetiva, interpessoal. A estruturação da sociedade
realiza-se a partir, simultaneamente, dos três eixos mencionados gênero, etnia, classe. Insiste-se nisso, ainda
que essa ideia tenha perpassado a trajetória intelectual da autora deste artigo, porque é corrente, na literatura
nacional, a separação entre o estrutural e o interpessoal não apenas quando se lida com violência, mas também
quando se analise classe e gênero. Considera-se esse procedimento um sério erro metodológico. O fato de
gênero, etnia e classe serem fenômenos coextensivos chama a atenção do estudioso para o efeito de Penélope.
O Estado, contudo, dado seu caráter tão androcêntrico quanto o de qualquer outra instituição social, não
contém dispositivos de detecção desse efeito.
Basta retomar a lei 9.099, a fim de se confirmar a falta de compreensão da violência doméstica e de
preocupação com sua erradicação. Desaparece também – e isso é grave – a perda da primariedade em situações
especificas. O autor de crimes de violência doméstica pode reincidir e, mesmo assim, continuar réu primário,
contando com os benefícios de legislação especifica. Dependendo das circunstâncias, o acusado permanece
sem antecedentes criminais.
O crime de LCD era de ação pública incondicionada, ou seja, podia ser denunciado por qualquer um do povo,
independentemente do assentimento da vítima.
Segundo o disposto na lei 9.099, passou a ser condicionado à representação da vítima. Esse aspecto tem sido
considerado positivo por muitas feministas, porquanto levaria as mulheres a tomar posição conscientemente
diante do fenômeno da violência doméstica. Entretanto, por si só, não provoca nenhuma mudança. Para surtir
efeito, esse dispositivo legal deveria ser acompanhado de uma política de reeducação de gênero. Sem ele, as
mulheres continuam despreparadas para comparar as vantagens e as desvantagens de representar ou de deixar
de representar. Assim, não há caráter positivo nesse item, como, de hábito, não são positivas as medidas
isoladas, sobretudo considerando-se o efeito Penélope. Mas há mais. Muitos juízes perguntam à vítima de se
ela deseja representar, sem explicar o significado jurídico do termo representação. Intimidada pela presença
de operadores do Direito e do agressor e sem compreender o sentido da palavra representação, a mulher opta
pela negativa, sem saber que isso provocará a cessação dos procedimentos jurídicos sobre o caso.
Procede dessa forma, ignorando suas consequências. O mesmo ocorre quando se homologa o acordo entre as
partes, pois a vítima desconhece o dispositivo de que “o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de
queixa ou representação” (art. 74, parágrafo único).
Como a lei em pauta é regida pelo espírito da conciliação, cabem duas perguntas:
1) como se conciliam interesses tão díspares e até mesmo contraditórios?
2) a conciliação não presume discernimento de ambas as partes?
Na verdade, trata-se de um arremedo de conciliação, pois a mulher volta para a convivência com seu agressor
numa condição certamente mais subalterna que a anterior. As audiências são situações de humilhação, o que
agrava muito o estado de espírito da agredida. Nas 290 entrevistas realizadas em “Violência doméstica:
questão de polícia e da sociedade”, uma enorme quantidade de vítimas apontou a humilhação como pior que
a pancada. Afirmam ser muito mais fácil se refazer de uma bofetada, de um soco, de um pontapé do que uma
agressão verbal/psicológica, envolvendo rebaixamento. As verbalizações das agredidas apontam uma redução
maior da autoestima em consequência deste último tipo de violência.
Como já se deixou claro, a maioria esmagadora das vitimas situa-se na matriz dominante de gênero, isto PE,
a da obediência ao macho. Ou seja, pelo menos perante seu homem, encarnam a lógica patriarcal de gênero,
não tendo parâmetros para discernir sobre seus atributos e os de seu companheiro. Tendem, via de regra, a
diminuir suas próprias qualidades, exaltando as do companheiro. É frequente que digam que seus maridos as
espancam quando bêbados, mas que são excelentes pessoas em estado sóbrio. Nada garante que os alcoólatras
violentos não o seriam se não fossem viciados em álcool. Ademais, mulheres alcoólatras não são, em geral,
violentas. Ou melhor, alcoolismo em mulheres não lhes aumenta a incidência de prática de violência.
O álcool constitui um redutor de censura. Neste sentido, pode permitir uma vivência mais profunda do
sentimento de impotência, momento propício à percepção de violência. A partir da leitura de May (1972) – “a
violência ocorre quando uma pessoa não pode vivenciar de maneira normal suas necessidades de poder” (p.96)
–, a autora deste artigo pensou que a incapacidade de vivenciar a impotência responde amplamente pela prática
da violência em geral e da doméstica em especial. Essa ideia foi expressa em Saffioti e Almeida (1995). Hoje,
pode-se ampliar esse pensamento. As mulheres oscilam da onipotência à impotência da mesma forma que os
homens.
Enquanto esses sentimentos são generalizados nos homens, que os vivem com maior ou menor intensidade
em todos os setores da vida, as mulheres os experimentam em situações muito especificas. São onipotentes
como mães, pois acreditam poder transformar os filhos nas pessoas por elas idealizadas. Também vivenciam,
de certo modo, onipotência, quando se creem capazes de mudar seus maridos. Aliás, este não é um mero
detalhe. Trata-se de fator importante na permanência da mulher na relação violenta: ela desejar continuar
pondo em prática sua onipotência, sem se aperceber de que ninguém é capaz de operar transformações em
outro ser humano. É a relação que deve ser alterada a para isso devem contribuir os dois parceiros. Se o desejo
de mudar não estiver presente em cada um, não haverá transformação nem pessoal nem na relação. A
impotência na mulher é um sentimento específico de gênero. Ela pode desfrutar de muito poder em outros
setores da vida, mas, face a face com os homens em geral, e especialmente com o seu, ela convive no dia-a-
dia com a impotência.
Como o gênero atravessa toda a vida social, pode-se afirmar que as mulheres, enquanto tais, vivenciam
cotidianamente a impotência, o que, contudo, não as impede de entrar em síndrome do pequeno poder (Saffioti,
1989); são mais capazes, porque mais treinadas, de conviver com a impotência. Os homens enfrentam maiores
dificuldades de manter o equilíbrio emocional quando vivenciam a impotência.
Obviamente, a autorização social para converter a agressividade em agressão corrobora a prática de violência
por homens que se sentem impotentes.
Ainda inspirada em May, mas utilizando o conceito de autonomia de Johnson, é possível afirmar que o ser
humano impotente não pode ser autônomo. Com efeito, “A cólera é a dinâmica que me torna autônomo,
independente de meus pais. Se não me enfureço, não tenho força”, relata um jovem paciente de May (May,
1972, p.112). Ao que de pode acrescentar uma observação de May sobre o mesmo jovem: “o desespero é
vizinho da violência” (p.110). Muitas situações podem provocar desespero. Dentre elas está a impotência. Por
outro lado, “a reabilitação dos toxicômanos depende de sua ‘energia colérica’ ”, assevera May (p.112). Assim
parece que a cólera e a impotência são duas dimensões do mesmo fenômeno e o exercício do poder envolve
ambas. Ademais, na relação violenta, estabelece-se a codependência. Efetivamente, todos os membros do
grupo domiciliar, especialmente o cônjuge, se se tratar de violência conjugal, tornam-se dependentes dessa
compulsão.
Como afirma Giddens:
“Uma pessoa co-dependente é alguém que, para manter uma sensação de segurança ontológica, requer outro
indivíduo, ou um conjunto de indivíduos, para definir as suas carências; ela ou ele não pode sentir
autoconfiança sem estar dedicado às necessidades dos outros. Um relacionamento co-dependente é aquele em
que um indivíduo está ligado psicologicamente a um parceiro cujas atividades são dirigidas por algum tipo de
compulsividade. Chamarei de relacionamento fixado aquele em que o próprio relacionamento é o objeto do
vício. (...) Um relacionamento fixado é construído mais em torno da dependência compulsiva que da co-
dependência. Nenhum dos participantes é realmente um viciado, mas ambos são dependentes de um elo que
é uma questão de obrigação de rotina ou é realmente destrutivo para as partes interessadas. Os relacionamentos
fixados em geral presumem uma divisão de papéis. Cada pessoa depende de uma ‘alteridade’ proporcionada
pelo parceiro, mas nenhum dos dois é inteiramente capaz de reconhecer a natureza de sua dependência do
outro, ou de com ela chegar a um acordo.” (Giddens, 1993, p.101-2)
Assim, as mulheres vítimas de violência não são cúmplices de seus agressores. Entre cônjuges firma-se um
contrato de desiguais, o que impede o consentimento (Mathieu, 1985), pedra angular do contrato legítimo,
entre iguais.
Detendo parcelas inferiores de poder, as mulheres não têm sequer condições de barganha. As mulheres cedem
quase sempre, inclusive quando o assunto é violência.
A rigor, o contrato de casamento é legal, mas inteiramente ilegítimo. “A liberdade civil não é universal – é
um atributo masculino e depende do poder patriarcal. (...) O contrato está longe de se contrapor ao patriarcado;
ele é o meio pelo qual se constitui o patriarcado moderno” (Pateman, 1993, p.17). Acredita-se que muitas
mulheres sejam co-dependentes de vício da violência. Muitas outras são dele dependentes compulsivas. É
evidente que seus companheiros são parceiros também na relação compulsivamente violenta. Os co-partícipes
não são iguais nem desempenham o mesmo papel na relação; complementam-se. Dependem dessa relação
violenta da mesma forma que a nutrem. Eis porque só uma intervenção externa pode produzir mudanças
profundas nos co-partícipes das relações de violência, assim como na própria natureza dessas relações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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