METODOLOGIA DO
ENSINO DE
HISTÓRIA
Introdução
Do ponto de vista jurídico, todos são iguais perante a lei, com respeito às
diferenças. Mas será que na prática é isso que acontece? Você já deve ter
falado muitas vezes as palavras "cidadania" e "cidadão", mas você conhece
a história desses conceitos e suas definições contemporâneas? Para além
de conhecê-las, a pergunta mais importante a ser formulada em um país
multicultural e pluriétnico como o Brasil seria: quem é cidadão no Brasil?
Neste capítulo, você vai conhecer algumas definições para o conceito
de cidadania e também vai acompanhar um breve histórico do termo
até o século XXI. Você vai aprender que a cidadania foi uma conquista
de povos e sociedades a partir de muitas lutas contra a desigualdade, a
opressão e as injustiças históricas. Por fim, você vai ver como o ensino
de história pode, por meio de uma série de metodologias, fomentar o
exercício da cidadania aliado aos princípios da diversidade cultural.
O que é cidadania?
Os termos “cidadão” e “cidadania” possuem diferentes sentidos. Tais sentidos
mudam continuamente, sendo concebidos e vivenciados de maneiras distintas
nos diferentes tempos, espaços e culturas. Assim, não se pode pensar o con-
2 Cidadania, diversidade cultural e ensino de história
ceito de cidadania como estanque (PINSKY; PINSKY, 2005), pois ele está em
contínua interação com práticas desenvolvidas em sociedade. Esse conceito
remete à Antiguidade Clássica, período em que a categoria de cidadão era
conferida apenas a alguns sujeitos. Na modernidade e, posteriormente, por meio
da filosofia iluminista, o termo foi incorporado definitivamente à experiência
política (BOTELHO; SCHWARCZ, 2012).
Aqui, você vai ver algumas definições mais gerais, passando pela análise
do sociólogo Carvalho (2016) e, a seguir, pela definição de Botelho e Schwarcz
(2012). Esta última abarca pressupostos culturais e identitários importantes para
você compreender a relação entre cidadania e diversidade cultural. Se você
buscar uma definição do que é cidadania ou do que é ser cidadão, vai encon-
trar referências a um sujeito com direitos dos mais diversos: civis, políticos e
sociais. O cidadão também é encarado como um cumpridor de deveres, pois
faz parte de um todo maior, que geralmente é identificado como uma nação,
um Estado ou outra forma de comunidade política específica.
Essa, no entanto, é uma conceituação insatisfatória, pois nada fala sobre
quem é esse sujeito — ainda que, por pressuposto, todos os cidadãos devessem
ser iguais perante a lei. Além disso, não menciona quais foram os processos
que resultaram na conquista desses direitos, muito menos quais se encontram
assegurados ou ameaçados. Por isso, é inevitável relacionar esses conceitos aos
diferentes momentos históricos. Assim, veja a definição do sociólogo Carvalho
(2016), explicitada em sua obra Cidadania no Brasil: o longo caminho:
[...] a cidadania inclui várias dimensões e [...] algumas podem estar presentes
sem as outras. Uma cidadania plena, que combine liberdade, participação e
igualdade para todos, é um ideal desenvolvido no Ocidente e talvez inatingível.
Mas ele tem servido de parâmetro para o julgamento da qualidade da cida-
dania em cada país e em cada momento histórico. (CARVALHO, 2016, p. 9).
O cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos. Cidadãos
incompletos seriam os que possuíssem apenas alguns dos direitos. Os que
não se beneficiassem de nenhum dos direitos seriam não cidadãos. Esclareço
os conceitos. Direitos civis são os direitos fundamentais à vida, à liberdade,
à propriedade, à igualdade perante a lei. [...] [Direitos políticos] se referem à
participação do cidadão no governo da sociedade. Seu exercício é limitado
a parcela da população e consiste na capacidade de fazer demonstrações
políticas, de organizar partidos, de votar, de ser votado. [...] Se os direitos
civis garantem a vida em sociedade, se os direitos políticos garantem a parti-
cipação no governo da sociedade, os direitos sociais garantem a participação
na riqueza coletiva. Eles incluem o direito à educação, ao trabalho, ao salário
justo, à saúde, à aposentadoria. (CARVALHO, 2016, p. 9-10).
O livro Sobrevivendo nas redes — Guia do Cidadão (SORJ, 2018) traz uma série de con-
selhos sobre uma das mais graves ameaças à cidadania do século XXI: as fake news.
Veja a seguir algumas dicas para se manter imune a elas:
desconfie das informações que confirmam sua visão de mundo;
não divulgue uma informação se não tem certeza de que é verdadeira;
saiba que, se a informação é importante, urgente e fundamentada, em poucos
minutos estará em vários veículos — se isso não ocorrer, desconfie;
lembre-se de que devem constar na notícia pelo menos a data e o autor, além das
fontes das informações veiculadas;
conheça o histórico dos veículos;
verifique o nome dos sites;
confira as datas;
leia as seções “Ver histórico” e “Discussão” quando consultar a Wikipedia;
confira a relação da manchete com o texto das matérias que você lê na internet.
Há inúmeros exemplos que podem ser citados das conquistas no âmbito dos direitos
pelos movimentos sociais. Aqui, você vai aprender mais sobre a participação dos
trabalhadores.
Embora as relações de trabalho no Brasil existam desde o período colonial, por meio
de trabalhadores livres assalariados e indígenas e negros escravizados, foi no final do
século XIX que começaram a se configurar as “modernas” relações de trabalho no Brasil.
Elas possuíam algumas características, como a longa jornada de trabalho, a presença
de crianças nas fábricas e condições insalubres de emprego.
Naquela época, as relações entre os assalariados e os donos dos meios de produção
eram resolvidas no âmbito privado, sem a intermediação ou a regulação do Estado.
Nesse sentido, as agremiações, os clubes e os sindicatos foram importantíssimos para
que os trabalhadores se questionassem sobre sua situação e passassem a reivindicar
direitos para trabalhar com mais dignidade. Em 1943, ocorreu a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), que garantiu uma forma de regulação das relações trabalhistas pelo
Estado, bem como a proteção dos trabalhadores contra a exploração do mercado.
Durante a ditadura civil-militar, criou-se o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS) em função da perda de estabilidade na iniciativa privada, algo a que os traba-
lhadores tinham direito após um tempo de serviço. Foi nesse período, também, que,
mesmo com a repressão do regime, os trabalhadores realizaram inúmeras greves para
reivindicar melhores salários e melhores condições de trabalho.
indivíduo moderno, e é por ele reivindicada, uma vez que não se quer mais
ser apenas “súdito”, ou seja, simples sujeito de deveres e destinatário passivo
de comandos. Por outro lado, a longa experiência social da escravidão, que
modelou a sociedade e, na prática, negava os direitos mais básicos de liberdade
e igualdade, e seu legado persistente na sociedade brasileira representam
sem dúvida limites cruciais à cidadania. A sorte dos homens livres pobres,
a maioria da população, também não foi muito diferente a esse respeito:
imersos em estruturas de dominação tradicional, como o mandonismo, o
coronelismo e outros, dependiam das relações de favor com os poderosos para
sobreviverem — e o favor, segundo se sabe, é pessoal, representando por isso
a mais clara negação dos direitos cuja universalização fica comprometida.
[...] Coube à República, proclamada em 1889, dar início ao longo processo
de incutir e cultivar sentimentos de pertencimento e de identidade nacionais
entre os brasileiros, que deixavam de ser súditos do imperador e se tornavam
formalmente cidadãos. Processo marcado por paradoxos fortes, a Primeira
República Brasileira colocou na mesma cena nacionais e imigrantes estran-
geiros; políticas de inclusão social e de exclusão; liberalismo combinado com
racismo científico; campo e cidade; cidadania e barbárie; uma urbanidade
veloz com os distantes sertões, modernidade e atraso. Diferentes lados da
mesma moeda, a Primeira República nada teve de “Velha”, visto que ges-
tou projetos incipientes de cidadania, modelos de institucionalização e uma
agenda carregada de mobilizações sociais de todo tipo. Com o Estado Novo
(1937–45), o Brasil entra na gramática moderna da cidadania, porém de um
modo que também cobraria seu preço. Afinal, se tratava de uma ditadura que
não reconhecia, ou reconhecia limitadamente, direitos civis e políticos. Assim,
o reconhecimento dos direitos sociais por meio da legislação trabalhista então
implantada se dava em detrimento do reconhecimento e exercício de outros
direitos básicos. Os anos de Juscelino Kubitschek, nosso “Presidente Bossa
Nova”, se trouxeram a miríade de uma nova era, da integração sem limites,
também não trataram de alterar os imensos gaps sociais que marcam nosso
processo nacional. Uma nova ditadura, dessa vez militar, instaurada com o
golpe de 1964 fecharia mais uma vez o exercício dos direitos, debilitando
ainda mais a cidadania. Com a transição democrática no final dos anos 1970
é que teria início, enfim, um novo momento da história da cidadania nacional,
com o reconhecimento e o exercício pleno de direitos de todas as ordens,
garantidos pela Constituição de 1988, não por acaso denominada de “cidadã”.
(BOTELHO; SCHWARCZ, 2012, p. 19-21).
Ensino de história
Permite a identificação
e a compreensão dos
problemas existentes
em uma sociedade
Diversidade cultural
Prática cidadã
Por meio da identificação
dos problemas e do A identificação e a
exercício da cidadania, compreensão dos
garantem-se direitos problemas possibilitam a
que assegurem a orientação de ações
diversidade cultural de exercício da cidadania
http://www.palmares.gov.br/
Leituras recomendadas
BENEVIDES, M. V. M. Cidadania e democracia. Lua Nova, São Paulo, n. 33, p. 5-16, ago. 1994.
CAMPOS, D. A. O ensino de história e a construção da cidadania. BIBLOS, Rio Grande,
v. 12, p. 83-88, 2000.
CERQUIER-MAZINI, M. L. O que é cidadania? São Paulo: Brasiliense, 2010.
FURMANN, I. Cidadania e educação histórica: perspectivas de alunos e professores do
município de Araucária – PR. 2006. 279 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Curso
de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006.
GENTILI, P. Qual educação para qual cidadania? Reflexões sobre a formação do sujeito
democrático. In: AZEVEDO, J C. Utopia e democracia na educação cidadã. Porto Alegre:
Editora da Universidade, 2000.
SORJ, B. et. al. Sobrevivendo nas redes: guia do cidadão. São Paulo: Plataforma Demo-
crática, 2018.
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