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A Nova Norma de Qualidade da Energia Elétrica Brasileira e um Medidor de


Baixo Custo

Conference Paper · August 2011

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4 authors:

Guilherme Colnago Jose Luiz Vieira


Universidade Federal de Sergipe Universidade Federal do Espírito Santo
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G.C.D. Sousa José Rubens Macedo Jr


Universidade Federal do Espírito Santo Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
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A Nova Norma de Qualidade da Energia Elétrica
Brasileira e um Medidor de Baixo Custo
Guilherme P. Colnago
Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), Departamento de Eletrotécnica, Av. Vitória, 1729, Jucutuquara, Vitória - ES

José L. F. Vieira e Gilberto C. D. Sousa


Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Departamento de Engenharia Elétrica, Av. Fernando Ferrarri, 514, Goiabeiras, Vitória - ES

José R. Macedo Jr.


Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Departamento de Engenharia Elétrica, Av. João Naves de Ávila, 2160, Uberlândia - MG

Resumo  Não havia regulamentação na a área de Qualidade passou por uma grande reestruturação. Os principais passos
da Energia Elétrica no Brasil, porém, finalmente a área recebeu foram: introdução da competição, “desverticalização” (divi-
uma norma. Este artigo apresenta uma visão geral sobre a são do sistema em segmentos de geração, transmissão e dis-
Norma e o desenvolvimento de um medidor de baixo custo, apto tribuição), regulação e criação de um sistema para compra e
a monitorar os principais indicadores de qualidade do forneci-
venda de energia (atacado) [4].
mento da tensão. Devido às enormes dimensões e complexidades
do sistema elétrico nacional, uma campanha nacional de medi-
O programa de privatização poderia ser considerado um dos
ção fará o levantamento dos índices de qualidade do sistema mais significativos do mundo, devido à sua complexidade.
elétrico. Em um mercado muito sensível ao custo, medidores de Para ilustrá-lo, em 1995 só 3% das distribuidoras não eram
baixo custo são necessários, pois permitirão um monitoramento estatais. Apenas 4 anos depois mais de 70% já haviam sido
amplo a um custo reduzido. privatizadas [3]. Por outro lado, a regulamentação e estrutura
legal que seriam a base para o novo sistema não estavam
Palavras-chaves  Qualidade da Energia Elétrica, Medidor, prontas. Alguns anos foram necessários para concluí-las.
Norma, Sistema de Monitoramento. Criada em 1996, a ANEEL tem o objetivo de regular o SE.
Em 1998 a ANEEL criou o Operador Nacional do Sistema
I. INTRODUÇÃO Elétrico (ONS) para coordenar e controlar a geração e trans-
missão de energia elétrica. Com a publicação do PRODIST, a
No final de 2008 a Agência de Energia Elétrica (ANEEL) ANEEL passou a regulamentar as redes de distribuição (até
publicou os Procedimentos de Distribuição (PRODIST), que 230kV), enquanto o ONS regulamenta a geração e as redes de
disciplina o relacionamento entre distribuidoras de energia transmissão (acima de 230kV) através dos “Procedimentos de
elétrica e os demais agentes. O Módulo 8 do PRODIST [1] Redes” [5]. A relação entre os agentes no sistema pode ser
regulamenta a área de Qualidade da Energia Elétrica (QEE). entendida com a ajuda do diagrama da Fig. 1.
Esta Norma define as metodologias de medição, indicadores,
limites e valores de referência – inexistentes até então. Devi-
do à carência de informações sobre as características do sis- Coordenação e regulação
tema, uma campanha de medição será realizada. O objetivo é Alta
Regulação Procedimen- Tensão
fazer um levantamento das características do sistema. tos de Rede ≥230kV
ONS
Como o mercado nacional é muito sensível ao custo, medi-
Concessionárias
dores de baixo custo para uso em larga escala são imprescin- Média e
díveis. Visando contribuir neste novo cenário, foi desenvol- ANEEL PRODIST Baixa
vido e implementado um medidor de QEE de baixo custo [2] Tensão
Regulação <230kV
– descrito neste trabalho.

II. REESTRUTURAÇÃO DO SISTEMA ELÉTRICO NACIONAL Fig. 1. Relação (simplificada) entre os agentes e o sistema.

Até a década de 90, praticamente todo o Sistema Elétrico III. A NORMA DE QUALIDADE DA ENERGIA ELÉTRICA
nacional (SE) era estatal. O monopólio representava grandes
dificuldades, inclusive: “Nesse cenário, consumidores, espe- A área de QEE começou a crescer e se consolidar mundi-
cialmente aqueles fora dos grandes centros, dependiam da almente a partir da década de 90. Embora no Brasil já possu-
‘boa vontade’ das distribuidoras para obter um serviço elétri- ísse grupos pesquisando a área, não havia regulação para o
co apropriado” [3]. setor. Ela só seria criada com a publicação do PRODIST.
Em 1995 foi iniciado o programa de privatização e o SE A Norma de QEE é dividida em Qualidade do Produto (QP)
e Qualidade do Serviço (QS) [1]. A QS relaciona-se com
G. P. Colnago, gpcolnago@ifes.edu.br, Tel. +55-27-3331-2190; J. L. F. Interrupção de energia (Continuidade) e avalia o desempenho
Vieira, joseluiz@ele.ufes.br, G. C. D. Sousa, g.sousa@ele.ufes.br, Tel. +55-
27-4009-2644; J. R. Macedo Jr., jrubens.macedo@gmail.com, Tel. +55-34- da rede. A QP aborda fenômenos estacionários e transitórios
3239-4246. e é dividida em:
Este trabalho foi integralmente financiado pela EDP ESCELSA, através do  Tensão em Regime Permanente;
Projeto P&D ANEEL No. 0380-008/2006.
 Fator de Potência; apresenta as faixas para tensão nominal igual a 127V. Limites
 Harmônicos; para outras tensões são definidos em [1].
 Desequilíbrio de Tensão;
 Flutuação de Tensão;
 Variação de Tensão de Curta Duração; Crítica
140V
 Variação de Frequência. Precária
133V
Adequada
IV. METODOLOGIA DE MEDIÇÃO Tensão Nominal = 127V
Adequada
Os indicadores de regime permanente são registrados a ca- 116V
Precária
da intervalo de 10 minutos O período de medição é de 1.008 109V
intervalos (168h ou 1 semana). Entretanto, o período pode ser Crítica
estendido na ocorrência de eventos transitórios. Ocorrências
de Interrupção ou Variação de Tensão durante um ou mais Fig. 3. Faixas de conformidade de tensão elétrica (127V).
intervalos os invalidam. Intervalos inválidos são substituídos
por número igual de intervalos válidos subsequentes, de for- O número de intervalos classificados nas faixas precárias e
ma que o número total no final da medição seja 1.008. Desta críticas resultam, respectivamente, nos índices de Duração
forma, distúrbios transitórios não interferem na análise dos Relativa da transgressão para tensão Precária DRP (1) e Crí-
indicadores de regime permanente. tica DRC (2).
O processo de medição é ilustrado na Fig. 2. No exemplo
ocorre uma interrupção durante os intervalos 3 e 4 e ambos DRP = (nlp / 1.008) · 100 [%] (1)
são substituídos. A medição só é finalizada quando o número
válido de intervalos completa 1.008. Logo, devido aos inter- DRC = (nlc / 1.008) · 100 [%] (2)
valos inválidos, o total de intervalos medidos é 1010. No fim sendo nlp e nlc os números de intervalos precários e críticos.
desse período os índices de qualidade são calculados.
B. Fator de Potência
Início Interrupção 10 minutos Fim
O fator de potência FP relaciona o consumo de potência
1 2 3 4 5 … 1007 1008 1009 1010 ativa P com reativa Q (3). O método de cálculo do FP para as
… janelas é definido, mas o processamento do indicador não é.
1 2 x x 3 … 1005 1006 1007 1008
P
FP  (3)
Intervalos válidos
x = intervalos inválidos. P  Q2
2

Total de intervalos

Fig. 2. Medição: intervalos válidos (branco) e inválidos (cinza).


C. Harmônicos

Cada intervalo é formado por um conjunto de “janelas” de A medição é feita entre fase-neutro e se deve monitorar os
tempo, que é o período base de processamento. Os indicado- componentes harmônicos maiores ou iguais ao 25º [1]. São
res têm formas específicas de processar as janelas definidas, processadas a Distorção harmônica Total de Tensão DTT (4)
porém vários deles não têm uma metodologia de processa- e Distorção Individual de Tensão de ordem “h” DITh (5).
mento final, i.e., processamento das janelas para obtenção do
25
indicador final de cada intervalo. O período de uma janela
pode ser definido como 12 ciclos da rede (0,2s). Portanto, V
h2
h
2

cada intervalo é composto de 3.000 janelas. DTT  100  [%] (4)


V1
Deve-se mencionar que [1] só especifica janelas para o in-
dicador de Tensão em Regime Permanente. Os outros indica- Vh
dores não têm janelas formalmente definidas. Porém, a apli- DITh  100  [%] (5)
cação do método aos outros indicadores é parece implícita. V1
sendo Vh o componente de ordem “h” e V1 o fundamental.
A. Tensão Eficaz em Regime Permanente
A Norma somente sugere valores de referência – definições
As especificações mínimas feitas são: resolução de 12bits, serão feitas em regulamentos específicos. Para redes de baixa
16amostras/ciclo e precisão de 1% [1]. tensão (<1kV) o máximo DTT é 10%. Já os valores máximos
Este indicador permite analisar a conformidade da tensão para as DITh são apresentados na Tabela I [1].
elétrica. A tensão eficaz de cada intervalo é classificada em Não há definição de como processar os indicadores finais.
um conjunto de faixas: Adequada, Precária e Crítica. A Fig. 3
TABELA I. NÍVEIS HARMÔNICOS DE REFERÊNCIA (Vh/V1) evento. O segundo é feito com base no tempo de duração e
Par Ímpar (x3) Ímpar (não x3) magnitude de cada evento. Não há valores de referência para
h 2 4 ≥6 3 9 ≥15 5 7 11 13 17 19, 23, 25 >25 este indicador.
% 2.5 1.5 1 6.5 2 1 7.5 6.5 4.5 4 2.5 2 1.5
TABELA III. CLASSIFICAÇÃO DAS VTCD
D. Desequilíbrio de Tensão Classe Duração Tipo Variação (RMS)
t ≤ 3s Interrupção V < 0,1pu
VTCD
Neste indicador é calculado o Fator de Desequilíbrio FD e Afundamento 0,1 ≤ V < 0,9pu
Momentânea 1ciclo ≤ t ≤ 3s
pode ser usado o método de CIGRÉ (6) e (7). Não há defini- Elevação V > 1,1pu
ção de cálculo do indicador final, nem valores de referência VTCD
Interrupção V < 0,1pu
para baixa tensão. 3s < t ≤ 3min Afundamento 0,1 ≤ V < 0,9pu
Temporária
Elevação V > 1,1pu

1 3  6 A Fig. 4 ilustra ocorrências de VTCD. Nos períodos T1, T2


FD   100[%] (6)
1  3  6 e T3 ocorrem, respectivamente, elevação, afundamento e
interrupção. Tais períodos não devem ultrapassar 3 minutos.
Vab4  Vbc4  Vca4
 (7)
(Vab2  Vbc2  Vca2 ) 2
sendo Vxy a tensão entre a fases “x”e “y”.

E. Flutuação de Tensão

A Norma especifica o uso da metodologia do Flickermeter


da IEC 61000-4-15 [6] para o processamento da flutuação de
tensão [1]. Primeiro, calcula-se os índices de severidade de
cintilação de curta (Pst) e longa duração (Plt). A cada dia de
medição (144 intervalos) calcula-se o percentil PstD95% –
valor que representa 5% maiores valores de Pst. No final de Fig. 4. Exemplo de ocorrência de VTCD e Interrupção.
uma semana se calcula os índices: o percentil PltS95% (valor
que representa os 5% maiores Plt) e o maior PstD95%. G. Variação de Frequência
Neste indicador o processamento final é completamente
definido. Também são estabelecidos valores de referência, Em regime permanente a frequência da rede deve operar na
conforme a Tabela II [1], que classifica a severidade da flutu- faixa de 60Hz ± 0,1Hz. Na ocorrência de desvios absolutos
ação em Adequada, Precária e Crítica. Os valores são corrigi- superiores a 0,5Hz, o sistema deve ser corrigido para a faixa
dos por um Fator de Transferência FT, que depende das ca- de 60Hz ± 0,5Hz em até 30s [1]. A Tabela IV [1] apresenta
racterísticas do barramento e da rede. Se desconhecido, pode- alguns limites. Não há especificação de como medir ou pro-
se usar FT = 1 para redes de baixa tensão [1]. cessar o valor final deste indicador.

TABELA II. NÍVEIS DE FLUTUAÇÃO DE REFERÊNCIA (PU) TABELA IV. LIMITES DE DESVIOS DE FREQUÊNCIA
Referência PstD95% PltS95%
Faixa Duração (s)
Adequada Pst < 1/TF Plt < 0,8/TF
Precária 1/TF < Pst ≤ 2/TF 0,8/TF < Plt ≤ 1,6/TF f < 56,5Hz ou f > 66Hz Não permitido
Crítica Pst > 2/TF Plt > 1,6/TF f < 57,5Hz 5s
f < 58,5Hz ou f > 63,5Hz 10s
F. Variação de Tensão de Curta Duração f > 62Hz 30s

A Variação de Tensão de Curta Duração (VTCD) é um H. Interrupção (Continuidade do Serviço)


fenômeno transitório no qual há uma variação significativa
do valor eficaz de tensão momentaneamente. Tal evento inva- Este indicador resulta em diversos índices de Continuidade
lida intervalos. As VTCD podem ser classificadas conforme a (DIC, DEC, FIC, etc.), que são calculados a partir de dados
Tabela III [1], em função do seu tipo (afundamento, elevação estatísticos sobre o número, frequência e duração das ocor-
ou interrupção) e sua duração (temporária ou momentânea). rências das interrupções. Como já havia regulamentação ante-
A Norma não menciona o tamanho da janela para monitorar riormente, a Norma é bem precisa neste indicador.
as VTCD, mas como pode ser observado na Tabela III, o As Interrupções são definidas quando um evento perdura
monitoramento deve ser, no mínimo, de ciclo a ciclo. por mais de 3 minutos. Se na Fig. 4 o período T3 for superior
O indicador de VTCD é usado para avaliar o desempenho a 3 minutos, uma Interrupção será determinada (em vez de
da rede e pode ser computado de duas formas: agregação de uma VTCD). Este evento invalida intervalos.
tempo ou agregação de fase. O primeiro agrega eventos ocor-
ridos em um intervalo de 3 minutos, produzindo um único
V. COMENTÁRIOS SOBRE A NORMA dem ser prejudiciais, permitindo negligência por parte das
concessionárias durante o período e afetar os consumidores.
Em primeiro lugar, deve ser observado que, efetivamente, a
Norma preocupa-se com a Qualidade da Tensão. O termo VI. SISTEMA DE MONITORAMENTO DE QEE
QEE é amplo e abrange tanto tensão quanto corrente. Apesar
do monitoramento de corrente ser simples, diferentemente da Como destacado, a tamanho do SE brasileiro e o mercado
tensão, a característica da corrente está fortemente ligada às sensível ao custo implicam na necessidade de medidores eco-
cargas, sendo difícil controlar sua qualidade. Tentar “regular” nomicamente viáveis. Um Sistema de Monitoramento foi
o comportamento dos consumidores (cargas) é uma tarefa desenvolvido baseado em um medidor de baixo custo [2]. O
complexa. Portanto, atualmente, o principal objetivo da Nor- aparelho foi projetado com firmware e hardware otimizados
ma é supervisionar a qualidade da tensão fornecida pelas para reduzir custos, realizar o pesado processamento de sinais
concessionárias. [14][15] e atender a Norma.
Em relação à tensão, deve-se notar que a Norma aborda A Fig. 5 apresenta uma visão geral do sistema. Os diversos
todos os níveis de tensão. Entretanto, na prática, níveis supe- dispositivos medidores (DM), através da rede GPRS e da
riores a 230kV são regulados pelos Procedimentos de Rede, Internet, se comunicam com um Servidor Remoto. Ele é res-
da ONS, que determina as especificações para geração e ponsável por gerenciar os aparelhos e armazenar as medições
transmissão de energia elétrica [5]. realizadas, disponibilizadas à Concessionária. Uma vez insta-
Deve-se mencionar o grande interesse manifestado (literal- lados, os medidores podem ser operados remotamente, dis-
mente) pela Norma em relação aos indicadores de Harmôni- pensando mão-de-obra e reduzindo os custos.
cos, Desequilíbrio, Flutuação e VTCD. Esses fenômenos
nunca foram amplamente monitorados no país, havendo pou-
cas informações sobre eles. DM 1
Internet
Um ponto importante a ser considerado é o fato de vários
indicadores não terem uma metodologia de cálculo completa. DM 2
GPRS …
Qual seria a seria a razão para isso, visto que diversas normas Servidor
internacionais [7]-[10] sugerem métodos? A resposta pode Remoto DM n
Provedora de telefonia móvel
estar no próprio sistema. O SE brasileiro tem dimensões con-
tinentais e grande complexidade e diversidade; opera em di- Fig. 5. Diagrama de blocos geral do Sistema de Monitoramento.
versos tipos de topologias e climas; está submetido a diferen-
tes tipos de demandas e agentes, cada um com características A. Medidor de QEE
intrínsecas. A isso se junte a carência de dados sobre os fe-
nômenos de QEE no sistema e o resultado será a prudência na A análise das versões preliminares da Norma e do mercado
definição de metodologias e limites. brasileiro de medidores de QEE permitiu identificar três tipos
A tarefa de regular um sistema sem amplo conhecimento de básicos de aparelhos [2]: os de “baixo custo”, que não atende-
suas características deve ser feita de forma cuidadosa. Caso riam a Norma por questões técnicas, e os de “médio” e “alto”
contrário, limites severos ou inadequados, por exemplo, po- custo, que atenderiam a Norma, mas seriam onerosos se usa-
dem ser criados e se tornarem impraticáveis – o que produ- dos em larga escala. Nesse cenário, a Concessionária propôs
ziria um grande problema. Um exemplo real é o caso da Áfri- um projeto de P&D para o desenvolvimento de um DM de
ca do Sul. Pioneira na área de QEE, em 1996 o país publicou baixo custo.
a primeira versão de sua norma de QEE, a NRS 048 [11]. O O DM teve dois propósitos: atender os principais pontos da
indicador de Afundamentos de Tensão (Dip) recebeu uma Norma e ter um custo baixo, viabilizando seu uso em larga
regulação tão severa que se tornou impraticável. A norma escala e reduzindo o impacto econômico das ações de moni-
sofreu alterações significativas, sendo republicada em 2003. toramento. O DM proposto foi produzido a um custo de al-
A revisão apresentava uma norma mais “compreensiva” [12]. gumas centenas de dólares, enquanto outros aparelhos teriam
A seção sobre Afundamento, reescrita, passou a destacar o um custo superior a mil dólares [2].
impacto do meio na ocorrência dos afundamentos e a com- As funcionalidades do DM foram planejadas considerando
plexidade de definir limites apropriados para esse fenômeno. os indicadores de maior interesse da Norma: harmônicos,
A revisão sugere valores de referência e que contratos sejam desequilíbrio, flutuação e VTCD. Com o objetivo de redução
firmados para especificação de limites, contratando-se um de custo, os indicadores de Variação de Frequência e de Fator
“desempenho” para rede [13]. de Potência não foram incluídos por serem bem controlados e
Baseando-se no caso sul-africano, pode-se dizer que a monitorados. Sem ambos, o custo (carga) de processamento é
ANEEL está sendo cuidadosa com as especificações da Nor- reduzido. Na verdade, no caso do Fator de Potência, a razão
ma de QEE – a campanha nacional de medição é uma prova. mais forte recaiu no alto custo do hardware necessário. Este
A definição incompleta de algumas metodologias permitirá tipo de monitoramento necessita da medição de corrente, que
uma maior “flexibilidade” durante a campanha, de forma de implica no uso de transformadores de corrente de alta preci-
métodos diversificados possam ser testados e os melhores são. Tais dispositivos têm alto custo. Para ilustrar o caso, o
escolhidos. Por outro lado, essa liberdade pode produzir re- preço de um medidor foi avaliado com e sem os transforma-
sultados discrepantes e atrasar a definição de regras e limites dores. Com os dispositivos, o preço do medidor dobra [2].
apropriados. Limites brandos (ou inexistentes) também po- Logo, houve uma redução significativa no custo do DM e se
manteve o monitoramento dos principais indicadores. A Fig. Flickermeter [6], entretanto tal sistema é analógico. Foi ne-
6 apresenta uma fotografia do DM desenvolvido. Pode-se ter cessário digitalizá-lo [18][19]. O diagrama de blocos do sis-
uma visão geral do DM em [16]. tema digitalizado é apresentado na Fig. 8, com os filtros e as
operações matemáticas digitalizadas – detalhes em [20].

Fig. 6. Fotografia do medidor desenvolvido.


Fig. 7. Curva ITI (ITIC) com ocorrências de VTCD.
B. Metodologias e Medição
3) Resultados: para aferir o desempenho do DM foram uti-
As metodologias utilizadas estão de acordo com a Norma. lizados medidores com alta precisão, como o Power Sentinel
Nas questões sem definição, como as computações finais dos GPS-Synchronized 1133A, da Arbiter System.
indicadores nos intervalos, estabeleceram-se metodologias
temporárias. Caso as futuras revisões da Norma especifiquem
as metodologias, atualizações do firmware serão feitas.
1) Especificações Técnicas:o DM foi desenvolvido para ser
operado em sistemas trifásicos do tipo estrela aterrada, com
127V de tensão de fase. Entretanto, é possível operá-lo em
sistemas bifásicos ou monofásicos. Tensões superiores são
permitidas (adaptam-se transformadores). São possíveis me-
dições com intervalos de 1, 5, 10 e 15 minutos, assim como
1,3 e 7 dias de leitura.
No DM usa-se um microcontrolador de baixo custo, o
dsPIC33f, da Microchip. A taxa de amostragem fundamental
é de 128 amostras/ciclo (7,68kHz), que permite monitorar o
25º harmônico de tensão. Os outros indicadores são proces-
sados com taxas menores – é realizada uma subamostragem
digital, o que reduz a carga de processamento sem prejudicar
os resultados.
2) Indicadores: Tensão em Regime Permanente, VTCD e
Interrupções são processados conforme a Norma. Não há
referências para a VTCD na Norma, entretanto, o sistema
utiliza a curva ITI para medir a severidade dos eventos [17].
A Fig. 7 apresenta um exemplo: ocorrências dentro da curva
são toleráveis, fora dela não (ocorrências severas).
No indicador de Desequilíbrio não há definição da forma de
computação final. Definiu-se o cálculo do FD médio e máxi-
Fig. 8. Diagrama de blocos do Flickermeter digitalizado.
mo para cada intervalo, além do FDD95% e FDS95% (calcu-
lados de forma similar aos indicadores de flutuação).
Vários ensaios foram realizados. Embora o DM seja sim-
O indicador de Harmônicos tem a mesma indefinição.
ples se comparado a aparelhos similares do mercado, seus
Normas internacionais [9] sugerem o processamento do valor
resultados apresentam desempenho adequado [2]. Para apre-
eficaz dos harmônicos, seguido do cálculo do percentil diário.
sentá-los, escolheu-se resultados de Cintilação instantânea Sf,
Entretanto, considerando os fins da campanha de medição,
parâmetro usado no cálculo do Pst, no indicador de flutuação,
optou-se por se armazenar os maiores DTT e DITh. Dessa
notoriamente um indicador complexo de implementar-se
forma, os piores casos de distorção serão registrados.
[18]. A Fig. 9 apresenta o resultado. Foram geradas flutua-
O indicador de Flutuação obedece às especificações, porém
ções de tensão que produzissem Sf próximos de 1pu para
sofreu adaptações. A Norma indica o uso metodologia do
Fig. 9. Comparação de Sf entre aferidor 1133A e DM.

diversas frequência de modulação. As barras apresentam os [5] Procedimentos de Rede - Submódulo 25.6 - Indicadores de qualidade
de energia elétrica - freqüência e tensão, Ver. 1.1, ONS, Brasil, 2010.
resultados dos medidores (conforme legenda). O erro relativo
[6] IEC Testing and measurement techniques: Flickermeter, IEC Standard
entre o valor medido pelo MD e o aferidor é grafado com 61000-4-15, Ed. 1.1, 2003.
uma linha. O Eixo esquerdo apresenta os valores de Sf, em [7] IEC Testing and measurement techniques - Power quality measurement
pu. O eixo direito o erro, em %. Os erros não ultrapassam methods, IEC Standard 61000-4-30, Ed. 2.0, 2008.
[8] IEC Testing and measurement techniques - General guide on harmon-
±5%, o que significa um bom desempenho.
ics and interharmonics measurements and instrumentation, for power
supply systems and equipment connected thereto, IEC Standard 61000-
VII. CONCLUSÕES 4-7, Ed. 2.0, 2002.
[9] IEEE Recommended Practices and Requirements for Harmonic Con-
trol in Electric Power Systems, IEEE Standard 519 (unapproved) Draft
Neste artigo abordou-se o desenvolvimento de um medidor
Version 3, 2008.
de QEE de baixo custo e vários aspectos da Norma brasileira. [10] IEEE Recommended Practices for Monitoring Electric Power Quality,
Com desempenho adequado e excelente relação custo- IEEE Standard 1159, 2009.
benefício, o MD atende às necessidades da concessionária [11] Electricity Supply - Quality of Supply - Part 1: Minimum standards,
NRS 048-2, Ed. 1, South Africa, 1996.
perante a Norma e permite um monitoramento amplo a custos
[12] R. G. Koch, P. Balgobind, and E. Tshwele, “New developments in the
reduzidos, propiciando uma contribuição significativa no management of power quality performance in a regulated environ-
levantamento dos índices de qualidade da rede elétrica e, ment,” in 6th IEEE Africon Conference in Africa, 2002, vol. 2, pp.
consequentemente, na melhoria dos mesmos. 835-840.
[13] Electricity Supply - Quality of Supply - Part 2: Voltage characteristics,
Um conjunto de 30 medidores foi fabricado para avaliação.
compatibility leves, limits and assessment methods, NRS 048-2, Ed. 2,
Para pesquisas futuras são propostos: otimização do fir- South Africa, 2003.
mware, ampliação da capacidade de processamento e simpli- [14] M. H. J. Bollen and I. Y. H. Gu, Signal Processing Of Power Quality
ficações do hardware, visando redução dos custos. Disturbances. New York: John Wiley & Sons., 2006.
[15] A. V. Oppenheim, A. S. Willsky, and S. H. Nawab, Signals and Sys-
tems, Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1996.
VIII. AGRADECIMENTOS [16] G. P. Colnago, J. L. F. Vieira, G. C. D. Sousa, E. Trarbach, J. R. Mace-
do, and L. B. B. Macieira, “Development and Implementation of a
Os autores agradecem à ANEEL e à EDP ESCELSA, que Voltage Real-Time Monitor System of Electrical Network with Remote
Access,” in ICREPQ’10 - International Conference on Renewable En-
financiou integralmente o projeto.
ergies and Power Quality, Spain, 2010, paper 299.
[17] CBEMA, “ITI (CBEMA) Curve Application Note,” CBEMA, Tech.
REFERÊNCIAS Committee 3 (TC3) of the ITI Council, 2000.
[18] M. Piekarz, M. Szlosek, Z. Hanzelka, A. Bien, A. Stankiewicz, and M.
[1] PRODIST - Módulo 8 - Qualidade da Energia Elétrica, Revisão 2, Hartman, “Comparative Tests of Flickermeters,” in 10 th International
ANEEL, Brasil, 2011. Conference on Harmonics and Quality of Power, 2002, vol. 1, pp. 220-
[2] G. P. Colnago, “Desenvolvimento e Implementação de um Sistema de 227, Rio de Janeiro, Brazil.
Monitoramento em Tempo Real da Tensão da Rede com Acesso Re- [19] J. Ruiz, A. Lazkano, E. Aramendi, and L. A. Leturiondo, “Analysis of
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