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INTRODUÇÃO

Todos, em alguma ocasião, passam a fazer as grandes per-


guntas da vida: Quem sou eu? Por que estou aqui? – São pergun-
tas para as quais todo cristão encontra resposta. Pela fé, nossa
verdadeira identidade encontra-se “em Cristo”. Por meio do seu
sacrifício na cruz do Calvário, fomos reconciliados com Deus
e somos, agora, adotados na família de Deus. Nosso propósito,
sempre, é viver para o louvor da glória de Deus.
Entender e viver a vida cristã – aquilo que a Escritura men-
ciona sob o título de “santificação” – estava no cerne da pregação
de Jonathan Edwards. Sendo o caso, sua obra continua produzindo
impacto sobre crentes de todas as gerações. O desenvolvimento
prático das questões tem a base firme do entendimento teológico.
Em nossa geração, são poucas as coisas mais necessárias do que
compreender novamente a grande doutrina da santificação. Nos
três sermões contidos no presente volume, temos a união da ver-
dade com a aplicação responsável do teólogo e pastor, de maneira
a dar à obra uma qualidade que transpõe o tempo.
Por experiência própria, Edwards sabia que amar a Jesus
está no coração do modo como nossa obediência prática é desen-
volvida. Isso é o que transforma a vida cristã em vida de amor,
não simplesmente de dever. Edwards escreveu com eloquência
sobre isso em sua “Narrativa pessoal”:

A santidade, conforme escrevi em algumas de


minhas contemplações, pareceu-me de natureza doce,
agradável, serena, e calma. Parecia trazer-me pureza,
clareza, paz e deslumbramento de alma, tornando a
alma como um campo ou jardim de Deus, com toda

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espécie de flores agradáveis, tudo o que é prazeroso,


deleitoso e tranquilo, gozando doce calma e os amenos
raios vivificadores do sol. A alma do verdadeiro cristão,
conforme escrevi, então, em minhas meditações, pare-
cia uma pequena flor branca que vemos na primavera,
humilde e junto ao chão, abrindo seu botão para rece-
ber os raios agradáveis da glória do sol, regozijando-se
como em calmo enlevo, difundindo doce fragrância em
sua volta, parada pacificamente, com amor, em meio às
outras flores, que, de igual modo, abrem os seios para
sorver a luz do sol.
Nada havia, em nenhuma parte da santidade da
criatura, que eu, naquela ocasião e em outras ocasiões,
enxergasse com tão grande senso de beleza como a hu-
mildade, o quebrantamento de coração e a pobreza de
espírito: nada havia pelo que eu ansiasse mais. Meu co-
ração suspirava por isso: estar humilde diante de Deus,
no pó: que eu nada fosse e que Deus fosse tudo, que eu
me tornasse como uma criancinha.1

Em cada uma das obras incluídas neste terceiro volume da


série, vemos esclarecidas algumas verdades importantes sobre a
doutrina da santificação. Edwards nos lembra com clara acuidade
que a santificação prática é íntima e indispensavelmente depen-
dente da união do crente com Cristo. Assim como o apóstolo
Paulo, Edwards deixa claro que toda a nossa vida espiritual, tanto
sua origem quanto sua continuação, surge da união espiritual com
Jesus Cristo. Edwards escreveu em seu diário, no sábado, 22 de
dezembro de 1722: “Neste dia, reavivado pelo Espírito Santo de
Deus, tocado pelo senso da excelência da santidade, senti maior
exercício de amor a Cristo do que estava acostumado. Também
senti sensível arrependimento por meu pecado, por ter sido come-
tido contra um Deus de tal modo misericordioso e bom”.

1 Samuel Hopkins, The Life and Character of the Late Reverend Mr. Jonathan
Edwards (Boston, 1765), págs. 29-30.

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A gratidão pela vida em Cristo faz surgir no crente um desejo


de santidade, ao mesmo tempo em que cria um sadio ódio ao pe-
cado, que nos macula e desfigura a vida.
É por que Jesus Cristo viveu a vida que deveríamos ter vi-
vido – vida de obediência à lei de Deus – e porque ele morreu a
morte que nós merecíamos – por causa de nossa transgressão dos
mandamentos de Deus – é que somos aceitos por Deus. O tema
constante de toda a Escritura é o evangelho. A Escritura deixa
claro, também, que nossa fé não é uma obra. Nosso novo status
é totalmente baseado nos méritos de Cristo e não em nós mes-
mos. Conquanto um pincel possa ser a causa instrumental de uma
obra de arte, a causa real e eficiente é, claro, o pintor. Da mesma
forma, embora a fé seja a causa instrumental de nossa união com
Cristo – o que nos traz a salvação – a causa real ou eficiente – que
é, finalmente, responsável por nossa salvação – é Deus.
No sermão: “O caráter de Paulo como exemplo para os cris-
tãos”, Edwards mostra a importância de se buscar a salvação da
alma somente em Jesus Cristo. A urgência e intensidade com que
buscamos este alvo jamais obscurecem o fato de que é em Cristo,
não em nossos méritos ou esforços, que a salvação é assegurada.
De fato, Edwards insta-nos a seguir o exemplo de Paulo, não
olhando para nossas obras. Ser cristão exige uma mudança de
atitude não apenas quanto ao nosso pecado, mas também para
com nossa justiça. O evangelho, e somente ele, é nossa fonte de
vida e segurança. Como o grande apóstolo, devemos ser inflexí-
veis a qualquer mudança no evangelho, por menor que seja, pois
resultará em enormes distorções de compreensão e experiência
espiritual. Na verdade, qualquer “outro evangelho” não será, de
modo nenhum, evangelho. Edwards aponta para o cerne daquilo
em que cremos.
Edwards também deixa claro que o evangelho não é coisa
morta: ele é vivo e teremos de aplicá-lo à nossa vida em todo
tempo e ocasião. Tendo tal ênfase, ele nos ajuda a reconhecer e
evitar os perigos duplos do racionalismo e do misticismo. Muitos
cristãos facilmente se afastam de um relacionamento vivo com
Cristo para uma ênfase na preservação da verdade. Sem dúvida, o

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evangelho é doutrina profunda, mas é também a verdade sobre a


graça; é vivo e não pode ser confinado apenas ao âmbito intelec-
tual. O evangelho não é mero exercício no pensamento racional.
Outros crentes vão ao outro extremo, em que o relaciona-
mento com Jesus Cristo é entendido apenas em termos místicos
e a fé é divorciada do conteúdo e da ação, confinada apenas ao
âmbito da experiência. Neste sermão, Edwards nos mostra que o
evangelho é vivo. Não o aprendemos apenas quando nos conver-
temos para, então, movermo-nos daí. O exemplo fornecido por
Paulo aos filipenses, foi o do esforço de uma fé surgida do amor
por Cristo, uma fé que se manifesta em oração, louvor e conten-
tamento com os atos misteriosos da providência na vida. Edwards
nos mostra que o evangelho é necessidade contínua do crente. A
santificação trata da operação do evangelho na vida, experiência
e testemunho do crente. Ele demonstra a falácia de se restringir o
evangelho apenas à conversão. Contudo, hoje, há muitos que, na
prática, veem o evangelho como necessário para encontrar Cristo
e, depois disso, veem a vida cristã como um árduo trabalho de
obediência. Conquanto afirme claramente o lugar e o uso da lei
na vida do crente, Edwards jamais confunde justificação com
santificação, embora afirme a impossibilidade de separar a justi-
ficação da santificação. Ele demonstra como a santificação flui de
nossa justificação.
Nisto, Edwards faz uma advertência contra grande parte do
pensamento moderno, em que a justificação é enfatizada à custa
da santificação, levando ao antinomianismo, e a santificação en-
fatizada à custa da justificação, levando ao moralismo. O grande
Tertuliano escreveu: “Assim como Cristo foi crucificado entre
dois ladrões, a doutrina da justificação está, sempre, sendo cru-
cificada entre dois erros opostos”. Os erros a que Tertuliano se
refere, que roubam o evangelho da experiência do crente, são
o “legalismo” e o “antinomianismo”, ou, na descrição contem-
porânea, o “moralismo” e o “relativismo”. Ambos destroem a
vida cristã e ambos seduzem, cada um a seu modo. O moralista
tenderá a enfatizar a verdade sem a graça, sugerindo que tenha-
mos de obedecer à verdade a fim de sermos salvos. O relativista

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enfatizará a graça sem a verdade, sugerindo que seremos todos


aceitos por Deus, e argumentando que cada um tem que decidir
qual é a “verdade” certa para si mesmo. Edwards nos mostra que
a verdade sem a graça não é realmente verdade e a graça sem a
verdade não é realmente graça.
No segundo sermão aqui incluído, “Esperança e consolo
geralmente seguem humilhação e arrependimento genuínos”,
Edwards continua a desenvolver o tema, lembrando-nos da
grande realidade contra a qual lutamos: o pecado. Muitas pessoas
não estão cônscias da seriedade, profundidade e poder do pecado,
razão pela qual a ideia do sacrifício de Cristo e da graça gratuita
de Deus tem tão pouco efeito sobre elas. Edwards fornece uma
saudável dose de exposição da lei e uma poderosa visão da santi-
dade ofendida de Deus que servem para nos trazer à realidade do
convencimento do pecado. Para muitos de nós, que temos uma
visão demasiadamente altiva de nós mesmos, esse será um neces-
sário corretivo.
Outros, porém, têm um enorme senso de sua própria inca-
pacidade, vendo apenas os próprios fracassos. A esses, Edwards
traz a doçura da experiência cristã do conforto de Deus. Ele nos
lembra que, quando nos aproximamos do evangelho, há arrepen-
dimento e dependência de Cristo. O arrependimento bíblico a que
Edwards nos conduz é marcado por sua natureza compreensiva.
Arrependemo-nos não somente de nossos pecados, mas também
de nossas justiças, pois vemos que até mesmo nossas melhores
obras são inaceitáveis. Descansando em Cristo, vendo-nos como
sendo totalmente aceitos por ele, a sua obra torna-se nossa e
nossa obra se torna dele. Suas bênçãos, bem como a recompensa
de seu sacrifício, tornam-se nossas e nosso pecado é imputado
a ele. A consequência disso é uma intensa humildade em nossa
vida, e, com ela, uma bênção de consolo e senso de perdão. Pa-
radoxalmente, descobrimos que, quanto mais nos vemos pecado-
res, mais radical nos parece a natureza da graça de Deus e mais
doce o fruto do arrependimento em nossa vida. O arrependimento
autêntico ocorre não em função do medo das consequências do
pecado nem por causa do medo de rejeição, mas como ministério

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