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O Paganismo em nosso cristianismo 1

O PAGANISMO EM NOSSO CRISTIANISMO

Capítulo 1 A Necessidade de se Reescrever a Teologia Cristã


Capítulo 2 A Questão Relativa à Historicidade de Jesus
Capítulo 3 A Composição do Novo Testamento
Capítulo 4 O Parto da Virgem
Capítulo 5 Juventude e Ministério de Jesus
Capítulo 6 Ocorrências Milagrosas
Capítulo 7 A Crucificação e o Sacrifício de Barrabás
Capítulo 8 Outros Aspectos da Crucificação
Capítulo 9 A Ressurreição
Capítulo 10 Ascensão e Atividade Messiânica
Capítulo 11 A Influência de Adonis e de outros Deuses pagãos
Capítulo 12 A Influência de Osiris e Isis
Capítulo 13 A Influência de Mitra
Capítulo 14 A Origem da Eucaristia
Capítulo 15 A Origem da Idéia da Redenção
Capítulo 16 O Desenvolvimento da Doutrina da Redenção
Capítulo 17 A Divindade de Jesus
Capítulo 18 A Trindade
Capítulo 19 O Jesus Histórico
Capítulo 20 O Estabelecimento do Cristianismo como uma Religião de Estado
Capítulo 21 A Observância do Domingo
Capítulo 22 A Origem da Epifania
Capítulo 23 A Origem do Natal e de Outras Comemorações
Capítulo 24 O Mal Compreendido Cristianismo

Introdução Original

Levou três séculos após a morte de Jesus para o cristianismo se tornar


uma religião organizada no Concílio de Nicéia em 325 DC, durante este período
de formação foi difícil para o cristianismo competir e sobreviver com as várias
formas de paganismo e para ter sucesso e converter novas pessoas, um certo
número de crenças pagãs e idéias pagãs foram incorporadas à fé cristã. Hoje
nós não reconhecemos esses aspectos pagãos mas o autor garante que eles
existem e os indica muito bem nesse livro de pesquisa. Ele revela como este
paganismo foi trazido para dentro e exatamente como e por que ele não
pertence. Muitos festivais pagãos antigos e tradicionais foram incorporados e a
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eles foi dado significado - por exemplo o cristianismo aboliu o sabat Hebreu do
sábado e fez com que o domingo fosse seu dia de adoração parcialmente porque
ele foi o dia da Ressurreição mas muito mais porque ele era o festival semanal
do Sol do seu maior rival competidor o mitraísmo. Também 25 de dezembro era
o nascimento do Deus sol Mitra então esta data foi trazida para o cristianismo
e chamada de natal com completo conhecimento do fato de que Jesus não havia
nascido nesse dia. Estes são fatos. Muito mais estão nesse livro cobrindo tais
aspectos da influência dos Deuses pagãos, da Trindade, das ocorrências
milagrosas, da composição do Novo Testamento, da Ressurreição da doutrina de
redenção e muito mais. O autor acredita que o cristianismo deve ser o que o
nome infere baseado nos ensinamentos de Cristo e não derivado de outras
fontes. Esse livro deve ser lido por todos aqueles interessados no cristianismo
ou estudiosos da história das religiões

Capítulo 1 A necessidade de se reescrever a teologia cristã

parágrafo 1
O tumulto que recentemente agitou a Igreja da Inglaterra pela controvérsia
relacionada às alterações propostas no livro de orações reverberou através da
Cristandade; em ambos domínios britânicos e também nos círculos episcopais
dos Estados Unidos da América, o interesse nas questões apareceram, se não
tão intensas como na própria Inglaterra, é muito marcante. Na Inglaterra o
público leigo, o qual, em geral, estava muito indiferente às questões
eclesiásticas, de repente percebeu à luz dessas dissensões o quão amarga é a
guerra que está sendo travada entre a Igreja Baixa e a Igreja Alta ou entre os
protestantes e os Anglo-católicos como os dois grupos são geralmente
chamados; mas o leigo cristão não alinhado a um grupo, a menos que tenha tido
por hábito frequentar a Igreja, não encontrou ser uma matéria simples decidir
qual dos dois entrega o maior insulto à sua inteligência secular - os fanáticos
"fundamentalistas" Evangélicos ou os estranhos e subversivos
Sacramentalistas. Nesse dilema portanto, seu interesse foi direcionado ao
invés para a questão de manter a Igreja tão nacional quanto possível, no qual
empreendimento ele se encontrou engajado principalmente em atacar práticas
consideradas como de caráter católico romano; porque o Inglês médio foi
ensinado desde sua juventude, como disse o eminente Professor George
Santayana [ref 1] que qualquer jornada espiritual romanizante é equivalente a
uma renúncia da nacionalidade inglesa.
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parágrafo 2
A Igreja da Inglaterra é uma instituição do Estado apesar de grande parte da
nação ser não conformista, esta Igreja estabelecida supostamente deve
fornecer o tipo de serviços e ensinamentos mais adequados ao temperamento
inglês geral, permitindo, no entanto, um grau de latitude necessário no caso de
uma raça de origem tão mista e de mentalidade tão variada; e o desejo
dominante do inglês laico, como expressa no Parlamento e em outros locais, tem
sido evitar que essa instituição nacional passe para a influência de partidários
clericais não completamente representativos da opinião inglesa tradicional
desde a reforma. Ele se defrontou, obviamente, com a ameaça de que a
interferência dos laicos em assuntos eclesiásticos levará ao
desestabelecimento, quer dizer, à liberação dos cavalos clericais dos domínios
seculares; mas esta ameaça ele nunca considerou com muita ansiedade, porque é
óbvio que a separação da Igreja do estado contra os desejos do Parlamento,
pode apenas se efetivar pelo abandono do clero das antigas catedrais e Igrejas
no país e pela construção de novos locais de adoração, os prédios históricos
sendo monumentos nacionais pertencentes ao povo Inglês, são muito queridos
para serem entregues a uma facção secular minoritária.

parágrafo 3
Na Inglaterra, de fato, o homem leigo se encontra no controle da situação
eclesiástica; mas ao fazer o uso de seus poderes, ele está principalmente
preocupado com o aspecto do caráter nacional da Igreja do estado, e está
pouco inclinado a pensar sobre as questões intelectuais envolvidas. A luta toda,
no entanto, no seu aspecto doutrinário, é relativamente pouco importante,
porquê está obscurecida pelo fato muito mais sério da crescente indiferença
das pessoas educadas ao redor do mundo a irem à Igreja. Por todos os lados
escuta-se dizer que os dogmas do cristianismo não mais podem ser aceitos pela
mente moderna, sendo tal latido de insensatez emaranhado através da
distorção da crença cristã de que o homem mais inteligente precisa tecer sua
própria trama religiosa. Não simplesmente o livro de orações inglês na
Inglaterra, mas todo esquema da teologia cristã como ensinada ao redor do
mundo por vários grupos cristãos e Igrejas, está agora sob crítica; no entanto
estas questões que recentemente têm agitado tão violentamente a Igreja da
Inglaterra sejam de grande interesse aos ingleses frequentadores da Igreja e
àqueles que mesmo não frequentando a Igreja, estejam preocupados com os
seus feitos como instituição nacional, a questão realmente importante hoje não
é local nem de facções, e que está sendo perguntada ao redor de todo o mundo
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cristão em todas as suas denominações, a saber, é se o credo é ou não


completamente obsoleto. O medo de que o cristianismo vá colapsar perante o
tribunal assustador da racionalidade moderna é generalizado; e é talvez por
esta razão que o laico na Inglaterra evita investigar de perto os assuntos
teológicos envolvidos nesta disputa do grande livro de orações, e restringe-se,
digo eu, a uma oposição cega à reintrodução de quaisquer práticas estrangeiras
ejetadas na reforma.

parágrafo 4
Nestes capítulos eu quero trazer às claras aquele medo que espreita. Como
inglês eu escrevo, com certeza, com um foco mental principalmente direcionado
para a Igreja da Inglaterra e sua gêmea, a Igreja Episcopal dos Estados
Unidos, e devo confessar com algum grau de predisposição a seu favor devido
ao fato que, a justiça me compele a admitir, a saber, que eu sou filho adotivo,
neto, sobrinho e primo de vários clérigos ingleses. Mas apesar de a confusão
atual nos círculos Anglicanos esteja localizada em um país as discussões são
fruto do pensamento moderno em muitas terras e entre religiosos de muitas
denominações, e quero aqui trazer a teologia cristã de todos os tipos sob uma
crítica laica, de modo que a mente secular possa ser auxiliada a formar uma
opinião quanto a utilidade ou a inutilidade da Fé. A questão de se certas
práticas da Igreja da Inglaterra são romanas ou não, é apenas de interesse
local e momentâneo: é a questão de se a teologia cristã em geral pode ter ou
não a aprovação dos cérebros do século 20 que tem verdadeira importância.

parágrafo 5
Talvez seja bom, aqui e agora, declarar minha opinião sobre esse assunto de
modo que a linha do meu argumento fique evidente. A teologia cristã, acredito
eu, é em parte muito aceitável e em parte totalmente inaceitável pela mente
moderna: as suas doutrinas e crenças que possuem a autoria genuína do Jesus
Cristo histórico são incontestáveis e eternas, mas aquelas que são baseadas nas
interpretações dos primeiros cristãos sobre a natureza e a missão de Nosso
Senhor são completamente insustentáveis. Acredito que muito da doutrina
cristã geralmente aceita deriva de fontes pagãs e não de Jesus Cristo, uma
grande parte do cristianismo Eclesiástico sendo, de fato, tão definitivamente
paganismo redesenhado que pode-se quase falar dele como o último bastião dos
antigos Deuses pagãos. Acredito que a adoração desses deuses antigos nunca
morreu e que em locais atuais de adoração cristã nós ainda inadvertidamente a
mantemos, e solenemente exercitamos os mitos do paganismo. No entanto o
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Jesus da história, diferente do Jesus da teologia, permanece "o caminho, a


verdade e a vida"; estou convencido que somente se concentrar sobre a figura
histórica de Nosso Senhor e sobre seus ensinamentos pode inspirar neste
século 20 aquela aderência fervorosa ao serviço que em épocas pregressas
puderam ser obtidos do homem laico comum pela exposição de dogmas
teológicos, a ameaça do inferno, e a execução de ritos e cerimônias elaborados.
Dizendo isso eu posso ser acusado de estar tentando minar a fé daqueles que
acreditam, mas muito pelo contrário, meu objetivo é construir fé naqueles que
não acreditam.

parágrafo 6
A abrangente subcorrente de críticas não digeridas agora circulando por trás
dos aspectos externos do cristianismo é extremamente perigosa para vida
espiritual do mundo civilizado, e uma reformulação audaciosa e racional da
Teologia da Fé é uma demanda urgente. A presente controvérsia em relação ao
livro de orações Anglicano revelou o estado do pensamento religioso na
Inglaterra e apesar dessa disputa tocar apenas uma fase de um problema
maior, é instrutivo para compreender a situação que ela revela, que é a
seguinte. As Igrejas dos Evangélicos e Moderados, exceto quando o próprio
pregador é atrativo ou fornece aspectos religiosos atrativos, estão no geral,
paulatinamente se esvaziando; mas os Anglo-católicos estão conseguindo inserir
alguma vida nas suas cerimônias enfatizando os aspectos ritualísticos e
sacramentais da sua adoração, desta forma introduzindo aquele efeito geral de
cor, drama, mistério e fascínio, que está propositalmente ausente no serviço
protestante. Ao fazer isso, no entanto, eles estão trazendo de volta do Limbo
os princípios do paganismo, e estão ressuscitando crenças que podem apenas
temporariamente galvanizar fervor religioso, porque tais crenças não podem
suportar para sempre o ataque da crítica intelectual moderna. Tão bem
sucedida é a Igreja Anglo-católica em refrear a evasão da Igreja que as
reformas propostas no livro de orações têm sido esquadrinhadas com cuidado
particular para legalizar certos ritos e cerimônias, estabelecendo ao mesmo
tempo um limite para as tendências romanizantes deste rito cristão. Esta
licença, no entanto, tem criado a oposição dos protestantes, os quais, no
entanto, não têm nada surpreendente para oferecer ao laico como um incentivo
para que atendam aos seus serviços, e podem apenas depender das crenças e
práticas tradicionais da reforma, muitas das quais são bem inapropriados para a
mente moderna.
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parágrafo 7
Enquanto isso existe um corpo crescente de intelectuais clérigos e laicos que
sentem que a adesão à Igreja é conquistada ou pela manutenção de crenças
protestantes obsoletas ou pela introdução de doutrinas católicas e rituais, os
quais apesar de terem um apelo dramático, são de ortodoxia duvidosa, e que
podem ser percebidos por qualquer estudante sério como tendo origem no
paganismo; e estes homens percebem que independentemente de qual facção
seja bem sucedida na disputa presente, a vida futura da Igreja, e, certamente
do próprio cristianismo, depende de uma coisa e somente dela, a saber, a
remoção dos ensinamentos que não são de autoria genuína de Jesus Cristo e não
mostrar o raciocínio que o fez tão aceito naqueles dias passados.

parágrafo 8
É aqui que o problema local inglês se mescla com o assunto mais amplo. Se as
coisas que o cristianismo ao redor do mundo prega e as coisas que ele faz estão
de acordo com o pensamento moderno são críveis e aceitáveis pela mente
crítica atual, e possuem autoria do fundador da Fé, então tudo está bem, e a
religião cristã não precisa temer a extinção; mas se essas coisas não são
críveis, nem apelativas à razão moderna, nem encontram suporte nos
ensinamentos genuínos de Nosso Senhor, então todo ritualismo e
sacramentalismo por um lado, e todo fervor evangélico por outro, não vão parar
a gradual perda de fiéis das Igrejas, e o cristianismo, como tal, está condenado.

parágrafo 9
O cristão intelectualmente avançado do século 20 deseja ter o próprio credo
separado em peças e reescrito, e ele deseja ver removidos todos aqueles
aspectos que tornam sua fé aberta a críticas que é o paganismo reabilitado. Os
deuses antigos, expulsos por Jesus, voltaram rastejando, e puderam, por assim
dizer se estabelecer mais uma vez. Tendo seus templos destruídos e seus
altares esquecidos, eles vieram para Igreja; e lá você pode encontrá-los hoje,
recebendo, sob outros nomes, a adoração negada a eles nas suas formas
próprias e imemorias. Medidas drásticas são necessárias para resgatar a
sublime figura de Nosso Senhor da máquina dessa fábrica misturadora, e
liberar a doutrina original do estrangulamento de uma teologia e de um hábito
de pensamento religioso que podem ser traçados ao paganismo primitivo. Os
deuses antigos vieram para a Igreja; e a sua presença começou enfim a ser
detectada, o dia em breve chegará quando ou eles ou a congregação deverão
partir.
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Capítulo 2 A questão relativa ao Jesus histórico

parágrafo 1
Durante o exame honesto e não enviesado da teologia e dos costumes da
nossa fé que eu proponho fazer eu tenho que questionar certos dogmas e
crenças de verdade os quais serão ensinados pelos ortodoxos como sendo acima
de qualquer dúvida e para aqueles que não são familiares com as críticas
teológicas Pode parecer que estou fazendo uma tentativa de destruir toda
estrutura do cristianismo meu objetivo no entanto é como já disse
precisamente o contrário existe uma escola crítica bastante grande a qual ve
apenas os Deuses antigos agrupados em um altar Cristião pensa que Jesus nunca
existiu mas que sua vida foi um mito inventado durante o primeiro século após
sua morte e é contra essa poderosa escola que eu quero duelar.

parágrafo 2
É inútil defender uma posição insustentável e portanto a primeira coisa que
deve ser feita é abandonar o território que não pode ser mais sustentado mas o
que vai gradualmente se ver é que se livrando de certas crenças de longa data
meu propósito é apresentar uma fachada cristã que deve ser inexpugnável.
Deve ser estabelecido como um axioma que o tipo de evidência que era
requerida pelo homem do primeiro século para provar a divindade de Deus é o
mesmo tipo que tem o efeito oposto na mente do homem do século 20 e
portanto é um dever óbvio do estudioso cristão moderno deletar da história de
Nosso Senhor tudo que é inacreditável ou repugnante à inteligência moderna e
na medida do possível restaurar os fatos verdadeiros e a simplicidade da
crença que depende deles.

parágrafo 3
É essencial ao cristianismo estar numa posição para atingir as demandas mais
altas da intelectualidade dos tempos modernos e seria uma forma grosseira de
superstição evitar uma crítica livre por medo de estar ensinando coisas
blasfemicas ou heréticas. Uma verdade foi dita por um valente lutador pela fé
[ref 1] que o conhecimento religioso não é agora nem adquirido nem validado por
crença no supernatural e que enquanto os pensadores do primeiro século
colocavam seus pensamentos mais nobres expressos em termos do milagroso
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nós de hoje em dia nos encontramos mais facilmente expressos através do


natural e do racional.

parágrafo 4
Se os ensinamentos de Jesus Cristo, e eu creio que eles são, a única esperança
do mundo, devem ser trazidos para ajudar a espiritualidade dos homens e
mulheres modernos eles não devem estar presos no molde da visão de pessoas
de 1800 ou 1900 anos atrás, nós temos que libertar o Cristo histórico do
confinamento de uma interpretação teológica prematura. Porque Ele é eterno
ao passo que os dogmas da Igreja cristã não são. A revelação de Deus é gradual
e nenhum pensador inteligente atual pode aderir completamente à
interpretação colocada sobre a vida e morte de Jesus por aqueles que viveram
logo após o seu tempo, nos dias em que a tolice mais selvagem e mitológica era
candidamente aceita por todos como fato. Se nós devemos crer no testemunho
muito duvidoso do quarto evangelho onde Jesus próprio disse “Eu ainda tenho
muitas coisas para dizer a vocês, mas vocês não podem suportar no momento”,
no entanto quando Ele, o espírito da verdade, vier Ele deverá guiá-los em
direção a toda verdade [ref 1] e essas palavras podem muito bem carregar o
signficado de que a compreensão do Ele não era para o homem do seu próprio
tempo e talvez não seja também para nós, mas pelo menos nós podemos remover
o véu antigo dos nossos olhos e fazer uma tentativa de vê-Lo, - o ser eterno -
no seu aspecto presente como o senhor também do século 20.

parágrafo 5
Mas o Jesus constrito da teologia cristã não pertence aos tempos modernos:
Ele está ultrapassado; Ele é o produto dos primeiros séculos DC, quando o
homem acreditava em Olimpo e encharcava seus altares com o sangue de
vítimas sacrificiais. A Ele a mágica antiga atribuiu poderes como o controle
sobre relâmpagos, e o conceito primitivo de trovões supernaturais que
respondem aos seus comandos. Ele anda sobre as águas, ascende aos céus, é
obedecido pelas tempestades, transforma a água em vinho, seca a figueira,
multiplica os pães e peixes, revive os mortos. Seu nascimento foi anunciado por
sinais e maravilhas; uma estrela apareceu no oriente; multidões de anjos
cantaram nos céus; as nuvens se abriram no Seu batismo, e a voz de Deus ecoou
sobre o mundo; ao passo que na sua crucificação o escuridão encobriu o sol, a
terra tremeu, e os mortos saíram de suas covas. Todas essas maravilhas o
fizeram o Deus encarnado dos pensadores do primeiro século; todas essas
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maravilhas o transformaram num mito convencional para os pensadores do


século 20.

parágrafo 6
Muitos dos mais eruditos críticos estão convencidos que tal personagem nunca
viveu. Seu argumento é baseado primariamente no fato de que a mitologia
antiga está cheia de histórias de deuses encarnados que sofreram em nome da
humanidade, que morreram, foram enterrados, desceram ao inferno, e
ressurgiram dos mortos, e que pelo seu sangue redentor os crentes foram
salvos. Muitos dos incidentes da vida de Jesus, apontam eles, possuem paralelos
na mitologia pagã ou no judaísmo primitivo; e que a própria história da
crucificação parece ser derivada [ref 1] de registros anteriores da morte de
um certo Jesus ben Pandira que foi morto e enforcado em uma árvore na
véspera da páscoa no reino de Alexandre Janeu, que viveu cerca de 200 anos
AC.

parágrafo 7
Existe evidência sugerida de um culto de um Deus-sol chamado Joshua ou Jesus
em tempos primitivos, cujos 12 discípulos eram os 12 signos do zodíaco; e que
assim como Jesus Cristo com seus 12 apóstolos vieram à Jerusalém para comer
o cordeiro pascoal, então Joshua cruzou o Jordão com seus 12 ajudantes e
ofereceu aquele cordeiro no outro lado, e também o grego Jasão - um nome
idêntico - com seus 12 serviçais saíram em busca da lã dourada do cordeiro.

parágrafo 8
Foi indicado que não há nenhuma ou quase nenhuma referência a Jesus na
história com a exceção das epístolas genuínas de Paulo e Pedro, onde, no
entanto, sua vida na Terra é raramente mencionada, nem nada que o estabeleça
como um personagem histórico. Até Justus de Tiberias, um historiador nascido
na própria Galiléia apenas alguns anos após a morte de Jesus, e que escreveu a
Crônica dos reis Judeus dentre outros livros, não faz referência a Nosso
Senhor. Os trabalhos de Justus estão perdidos, mas eles foram lidos por Fócio,
Patriarca de Constantinopla, no século 9, o qual expressou [ref 1] a sua surpresa
ao não encontrar menção a Jesus. Plínio o ancião, no seu grande História
Naturalis, compilado 30 ou 40 anos após a suposta morte de Jesus, não faz
referência a nenhuma das Maravilhas descritas nos evangelhos; no entanto ele
adorava Maravilhas, e registrou todas as ocorrências do tipo que chegavam ao
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seu conhecimento ou as quais ele tenha lido nos dois mil volumes que ele
declarou ter consultado.

parágrafo 9
Tacitus, que escreveu antes do ano 115 DC, se refere [ref 2] a Nosso Senhor e
diz que ele foi condenado à morte por Poncio Pilatos no reino de Tiberius; mas a
autenticidade da passagem tem sido questionada. [ref 1] Josephus no seu
Antiguidades dos Judeus, [ref 2], concluído no ano 93 DC, se refere a Jesus
por duas vezes; mas os parágrafos foram indubitavelmente alterados, e muitos
críticos pensam que eles foram completamente forjados. Plínio o jovem, na sua
famosa carta a Trajano escrita em 112 DC se refere aos primeiros cristãos;
mas a autenticidade deste documento é também questionada. [ref 3] e
finalmente, Suetónio, escrevendo ao redor do ano 120 DC, por duas vezes
menciona a seita, [ref 4] e diz que eles foram instigados por um certo Cresto;
mas isso é ambíguo.

parágrafo 10
Os evangelhos, como eu irei explicar no próximo capítulo, não foram escritos
até o último quarto do primeiro século e o primeiro quarto do segundo século, e
portanto estão abertos à acusação de ser ficção. Pessoalmente, no entanto, eu
estou certo de que quando removidos os enfeites sobrenaturais, e quando
criticamente editados, eles nos colocam de frente, com autenticidade
absolutamente verdadeira, com a figura histórica do homem jovem, o filho de
um carpinteiro, que percorreu o campo pregando e curando os doentes, que foi
finalmente reconhecido por um pequeno grupo de discípulos como o Messias ou
Cristo, que foi crucificado como um impostor, e que, após ter sido retirado da
cruz como morto, foi visto vivo por muitas pessoas. Apesar do tempo de seu
ministério ter sido curto e de os relatos que chegam a nós serem escassos e
confusos, o caráter de Jesus se sobressai como o mais Divino da história,
enquanto seus ensinamentos, entregues no primeiro século DC, são tais que
satisfazem as demandas dos maiores intelectos e as aspirações das mentes
mais cultas do século 20.

parágrafo 11
Mas ao redor dessa figura histórica se juntou uma massa de lendas pagãs, e
cresceu uma grande estrutura teológica, até hoje estas ainda precisam ser
removidas, então nós devemos retornar ao Jesus real e crível. Nós temos que
encarar o fato de que as congregações da Igreja estão minguando porque as
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pessoas estão dizendo - e com razão - que muitos dos dogmas da Fé são
emprestados do paganismo e muitos dos detalhes da vida de Nosso Senhor são
altamente improváveis como para serem aceitos nos dias mais sóbrios de hoje.
Mas a Cristandade não precisa ficar consternada, por que por trás da estrutura
cambaleante da sua teologia salta a incontestável figura do Jesus real; e Ele é o
mesmo ontem, hoje, e para sempre - se tão somente pudermos alcançá-lo
passando através do anel de deuses antigos que o circundaram.

Capítulo 3 A composição do Novo Testamento

parágrafo 1
Nascidos e criados na fé cristã como a maior parte de nós foi, era usual no
passado para nós aceitarmos o Novo Testamento como a verdade básica da
religião, e considerá-lo como acima de crítica, sem pensar muito sobre o
assunto. Então quando é feita uma citação dos evangelhos nós assumimos que
ela seja autêntica, e desconsideramos o fato de que o evangelho mais antigo foi
compilado após, pelo menos, 70 anos do nascimento de Nosso Senhor, ao passo
que o Novo Testamento como um todo contém material escrito em várias épocas
num período talvez maior que 200 anos, e que, portanto, qualquer citação deve
primeiro ser datada e escrutinada textualmente antes de ser usada para
propósitos históricos. Nenhum estudioso contemporâneo de qualquer posição,
seja ele um clérigo, um ministro ou um leigo, aceita a totalidade do Novo
Testamento como autêntica; e todos admitem que muitos erros, incompreensões
e absurdos penetraram na história da vida de Cristo e dentro de outros
assuntos. De fato, é agora geralmente admitido entre os estudiosos que o
reconhecimento destes erros, longe de ser um ato de heresia, é tarefa
primordial do cristão inteligente.

parágrafo 2
O tempo em que podíamos aderir a crenças sem base histórica sólida já se
passou, e nos justificar dizendo que o Novo Testamento é a palavra de Deus
infalível; para a qual a resposta do crítico é simples: "Quem disse que é ?" - e
para a qual não existe resposta além da repetição da afirmação de que a
crença cristã é assim. As provas cristãs devem ser submetidas aos testes
críticos ordinários aplicados a outros assuntos, e de fato nenhuma fé deve valer
a pena a menos que possa ter os documentos base de sua fundação submetidos
de forma confiável à critica penetrante e cuidadosa dispensada a outros
escritos.
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parágrafo 3
Deixe-me portanto resumir rapidamente os resultados dos trabalhos dos
estudiosos modernos relacionados às datas nas quais os livros do Novo
Testamento foram escritos, de modo que o leitor possa julgar com isenção o
seu valor histórico ou a possibilidade de estarem errados pela consideração do
período de tempo que se passou entre os dias de Jesus e aqueles da sua
composição. [ref 1]

parágrafo 4
Os documentos cristãos mais antigos são as epístolas de Paulo que morreu, ao
que parece, ao redor do ano 64 DC e cuja primeira carta foi escrita pelo menos
12 anos antes dessa data, quer dizer, há uns 20 anos após a crucificação.
Algumas destas epístolas foram consideradas como não genuinamente Paulinas,
mas as visões extremadas de Bauer e outros sobre esse aspecto encontraram
pouco suporte, e agora acredita-se generalizadamente que a autenticidade de
Gálatas I e II, Coríntios e Romanos, é inquestionável, e que Filipenses e
Tessalonica I, são provavelmente Paulinos. Acredita-se que Colossenses,
Efésios, e Tessalonica II são se mais duvidosos, no entanto o grande crítico
Doutor Rashdall, Deão de Carlisle, os aceitou sem reservas. [ref 1].

parágrafo 5
Certos críticos consideram Tessalonica I como a epístola mais antiga e fazem
sua datação ao redor do ano 52 DC (Lightfoot) ou até mais cedo (Harnack). É
importante, no entanto, perceber que em nenhum lugar das epístolas há
referências de registros escritos sobre a vida de Jesus; e parece bem certo,
portanto, que nada como um evangelho existia na época - fato que não é
surpreendente, uma vez que acreditava-se que Seu segundo retorno e o fim do
mundo eram iminentes.

parágrafo 6
Papias, Bispo de Hierapolis, o qual escreveu ao redor do ano 140 DC, e que é
citado por Eusébio, [ref 2], diz que Marcos, o intérprete e seguidor de Pedro,
escreveu tudo que conseguiu lembrar das palavras e atos de Jesus como
relatados por Pedro, no entanto ele próprio não conheceu Jesus pessoalmente.
Diz-se [ref 3] que esse documento deve ter sido escrito logo após a morte de
Pedro, a qual se acredita ter ocorrido ao redor do ano 64 DC; mas este trabalho
hoje está perdido na sua forma original, e no entanto o evangelho de São
O Paganismo em nosso cristianismo 13

Marcos como o conhecemos hoje é baseado nele, e parece ter assumido a sua
presente forma mais ou menos entre os anos 70 DC e 100 DC sendo 90 DC a
data mais provável. Deve ser mencionado, no entanto, que acredita-se que os
últimos doze versos XVI 9-20 foram escritos alguns anos mais tarde para
substituir o final verdadeiro que havia se perdido.

parágrafo 7
Com exceção de uns 30 versos o evangelho completo de São Marcos está
contido no evangelho de São Lucas e São Mateus; mas esses dois últimos
também contêm materiais que se acredita terem sido obtidos de uma coleção
de falas e feitos do Nosso Senhor os quais não eram conhecidos pelos
compiladores do evangelho de São Marcos, e que hoje é referido pelos
estudiosos como "Q". Este trabalho perdido é provavelmente o que também foi
mencionado pelo Bispo Papias, o qual diz que Mateus escreveu na língua hebraica
alguns dizeres de Jesus os quais cada pregador interpretava da melhor forma
que podiam.

parágrafo 8
O evangelho de São Lucas como conhecemos hoje é geralmente considerado
como sendo o segundo mais antigo após o de São Marcos; mas se foi escrito por
Lucas, "o médico amado" e sucessor de São Paulo, não se sabe, uma vez que a
menção mais antiga a Lucas como sendo o autor aparece em uma frase feita por
Ireneu ao redor de 180 DC. Foi apontado que o autor deste evangelho parece
ter tido conhecimento do livro Antiguidade dos Judeus de Josephus, e neste
caso o livro não pode ser datado antes do ano 93 DC, mas se não for assim,
pode ser datado tão cedo quanto o ano 80 DC, apesar do que os críticos
geralmente o atribuírem ao redor do ano 100 DC. Seu prefácio menciona o fato
de que existiram muitos relatos escritos da vida e falas da existência do Nosso
Senhor; e que quando a esperança de uma segunda volta imediata começou a
minguar, houve a necessidade de se registrar seus ensinamentos relacionados
aos deveres dos homens na Terra. O evangelho de São Mateus como hoje
aparece no Novo Testamento é reconhecido como sendo posterior àquele de
São Lucas. O primeira fato conhecido que liga o nome de Mateus a ele ocorreu
em uma referência feita por Ireneu (ano 180 D); mas ele foi provavelmente
compilado anonimamente a partir do trabalho original perdido de Marcos e a
partir da coleção perdida de pronunciamentos feita por Mateus, junto com
outras fontes hoje desconhecidas. Adições posteriores parecem ter sido feitas
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ao longo do segundo século: mas, fora estas, é geralmente aceito que ele tenha
sido compilado entre o ano 100 DC e o ano 110 DC.

parágrafo 9
Estes três evangelhos, hoje conhecidos como sendo os de São Marcos, São
Lucas, e São Mateus, são chamados de evangelhos Sinóticos devido ao fato de
que eles apresentam uma visão geral ou sinopse do assunto. Mas em outra
categoria bem diferente se sobressai o belo trabalho hoje conhecido como
evangelho de São João. Sua datação é muito discutida: alguns críticos o colocam
tão cedo quanto 100 anos DC e alguns tão tarde quanto 160 DC, mas opinião
recente tende a uma data de cerca de 105 DC, entretanto o Bispo Papias,
escrevendo ao redor de 140 DC não o menciona, o que sabemos até agora de
Eusebius é que não existe indicação que Marcion, que também escreveu nessa
data, tinha conhecimento dele. Martir Justino o utiliza em seus escritos
datados de 163 DC a 167 DC; mas ele o fez com reservas, como se o trabalho
não fosse considerado fidedigno, e, de fato, existe outra evidência que mostra
que ele não foi aceito como autêntico antes do terceiro século. Seu autor
certamente não foi João, o discípulo de Jesus; mas se a sua datação mais
precoce for aceita, ele pode ter sido João o presbítero o qual morreu ao redor
do ano 100 DC.

parágrafo 10
Acredita-se que o trabalho intitulado os Atos dos Apóstolos tenha sido escrito
na sua forma original pelo autor do evangelho de São Lucas, o qual pode ter sido
o próprio Lucas; e sua datação pode ser tão antiga quanto 80 DC; entretanto
alguns críticos pensam que ele não foi publicado antes do ano 100.

parágrafo 11
Acredita-se que o livro conhecido como a Revelação de São João seja trabalho
de um estudante da mesma escola à qual o autor do evangelho de São João
pertenceu; mas é um livro mais antigo que o evangelho então foi provavelmente
escrito entre os anos 69 DC e 93 DC. Andreas de Cesarea afirma que o Bispo
Papias conheceu o trabalho, Martir Justino o aceitou como canônico; Marcion o
conheceu mas o rejeitou, Dionísio de Alexandria (255 DC) tinha dúvidas sobre
se o chamava de espúrio ou autêntico; Jerônimo, que morreu em 420 DC, o
rejeitou; mas outros escritores cristãos o aceitaram e gradualmente a opinião
generalizou-se para considerá-lo como canônico.
O Paganismo em nosso cristianismo 15

parágrafo 12
Finalmente, existem as epístolas não Paulinas. Dentre estas a primeira epístola
de São Pedro é geralmente reconhecida como sendo uma carta genuína de
Pedro, escrita entre os anos 59 DC e 64 DC; mas a segunda epístola de São
Pedro foi manuscrita posteriormente, provavelmente ao redor de 150 DC.
Acredita-se que as epístolas de São João tenham sido escritas entre 90 DC e
110 DC, as de São James entre 95 DC e 120 DC e as de São Judas entre 100 DC
e 150 DC.

parágrafo 13
Então os livros do Novo Testamento podem ser colocados na seguinte ordem:
As epístolas Paulinas genuínas, entre 52 e 64 DC; a primeira epístola de São
Pedro, entre 59 e 64 DC; a Revelação, entre 69 e 93 DC; o evangelho de São
Marcos, entre 70 e 100 DC; os Atos, entre 80 e 100 DC; as epístolas de São
João entre 90 e 110 DC; a epístola de são James, entre 95 e 120 DC; o
evangelho de São Lucas ao redor de 100 DC; o evangelho de São Mateus, entre
100 e 110 DC; a epístola de São Judas, entre 100 e 150 DC; o evangelho de São
João, entre 100 e 160 DC; e a segunda epístola de São Pedro, ao redor de 150
DC.

parágrafo 14
Neste século 20 é impressionante escutar pessoas cristãs declararem que a
Bíblia, e particularmente o Novo Testamento, diz isso e aquilo e portanto deve
ser verdade. Eles não compreendem que o Novo Testamento é uma coleção de
livros de credibilidade diversa reunidos e aceitos como canônicos apenas no
quarto século DC, por clérigos com a mentalidade limitada daquela época pouco
crítica ? Ao citar o Novo Testamento as datações acima mencionadas devem
sempre ser consideradas; com respeito aos evangelhos deve sempre ser
lembrado que São Mateus e São João são os menos confiáveis, pois com o
passar de muitos anos é maior a chance da introdução de erros. Todavia, quando
o elemento da Supernaturalidade incrível é removida, esses livros canônicos nos
provêm com uma literatura que é de importância Histórica de primeira linha.

Capítulo 4 O parto da Virgem

parágrafo 1
O Paganismo em nosso cristianismo 16

O cristão ortodoxo é inclinado a enfatizar mais o aspecto teológico da sua


religião do que o aspecto ético; quer dizer, ele está mais interessado em adorar
Cristo como Deus do que em seguir Seu exemplo como homem. É mais
prazeiroso a ele pensar que Nosso Senhor nasceu de uma forma milagrosa, aos
sons dos brados do Senhor dos Céus, e como tendo vivido uma vida
espetacularmente gloriosa, realizando milagres e sendo guiado por anjos, ao
invés de considerá-lo como tendo sido, durante sua vida na Terra, simplesmente
um homem batalhando com as mesmas dificuldades às quais nós mesmos temos
que enfrentar.

parágrafo 2
Esta tendência de enfatizar sua divindade, de modo que Ele possa ser adorado,
ao invés de enfatizar Sua humanidade, de modo que Ele possa ser seguido
também era aparente nos dias cristãos primordiais; porque o desejo de se
curvar e adorar ao invés de ficar de pé e obedecer é a crônica da fraqueza
humana. Então aconteceu que, cerca de 60 anos após a crucificação, começou a
circular a estória de que Jesus tinha sido "concebido pelo Espírito Santo", e
que não teve pai humano poderia ter sido considerado que tal crença seria
depreciativa para o valor de Sua vida exemplar, porque ela implicava que aquela
vida gozava da vantagem de ser apenas meio mortal, e portanto, não era um
exemplo para os homens comuns, uma vez que Ele não herdou, como nós
herdamos, as características e as fraquezas de uma mãe e um pai humanos. Mas
este ponto passou despercebido; e, de fato, esse desejo de considerar Nosso
Senhor como tendo sido mais do que um mortal mesmo durante sua encarnação
como mortal tornou-se, com o passar dos séculos, tão forte que se supôs
necessário atribuir um tipo de divindade também à sua mãe terrena, de modo
que ele poderia ser considerado completamente não humano.

parágrafo 3
Em 1854 a doutrina da "Concepção Imaculada da Mãe de Deus" a qual vinha sido
vagamente pregada por muitos séculos, foi oficialmente adotada pela Igreja
Católica Romana como um princípio da fé, isso significando que a mãe de Jesus,
a partir do momento da sua concepção por seus pais, tornou-se milagrosamente
livre da mancha do pecado original, e portanto, permaneceu toda sua vida em um
estado humano (puro) não pecador. Este Dogma, somado ao fato de que a Igreja
já havia canonizado os pais dela como santos, implicava que Jesus não
estabelecia um exemplo a ser imitado pelo homem ordinário sobre como a vida
de um homem poderia ser vivida, pois Ele não herdou fraquezas paternais e não
O Paganismo em nosso cristianismo 17

tinha desvantagens com as quais nós mesmos temos que lidar.

parágrafo 4
Tudo isso é do gosto daqueles que estão predispostos à adoração, e que
portanto, como eu digo, preferem pensar em Nosso Senhor como Deus e não
como homem: mas para aqueles cujo maior apelo foi a Sua vida humana heróica
prefeririam pensar, como o fizeram os primeiros cristãos nos dias anteriores à
tomada (sequestro) da fé pela teologia, que na sua encarnação Ele foi
simplesmente o filho de um carpinteiro desconhecido, chamado José, e de sua
esposa, provavelmente chamada Maria. Digo "provavelmente", em primeiro lugar
porque não existe certeza de que o nome da mãe de Jesus era Maria, sendo a
referência mais antiga a ela com este nome uma possível interpolação de uma
passagem dos Atos, [ref 1], livro que foi escrito entre 50 e 70 anos após a
crucificação; e em segundo lugar, porque muitos deuses e heróis semi divinos
tinham mães cujos nomes eram variações de "Maria": Adonis, filho de Mirra;
Hermes, o Grego Logos, filho de Maia, Ciro, o filho de Mariana ou Mandane;
Moisés, o filho de Miriam, Joshua, de acordo com a crônica de Tabari, o filho
de Miriam; Buda o filho de Maya; Krishna, o filho de Maritala; e assim por
diante, até alguém começar a pensar que o nome da mãe de Nosso Senhor pode
ter sido esquecido e que lhe foi dado um nome de reposição.

parágrafo 5
Em relação ao parto virgem, é significativo que não há referência a isso nas
epístolas que formam os documentos cristãos mais antigos; mas, ao contrário,
São Paulo fala de Jesus como "feito da semente de Davi de acordo com a carne"
[ref 1] O que significa dizer, da semente de José, descendente de Davi. O
evangelho mais antigo, o de São Marcos, datado entre os anos 70 e 100 DC, não
menciona; nem o evangelho de São João, datado em algum período posterior ao
ano 100 DC. O livro da Revelação, escrito entre os anos 69 e 93 DC, não
menciona o assunto, no entanto se o parto virgem fosse um princípio importante
da Fé teria indubitavelmente figurado no simbolismo místico daquela
composição. A estória aparece pela primeira vez no evangelho de São Lucas, o
qual deve ter sido escrito tão tarde quanto o ano 100 DC: e lá conta-se que
Maria concebeu seu filho pelo Espírito Santo antes da consumação do seu
casamento com José, no entanto, fica implícito que ele acreditava que o bebê
era seu próprio filho, [ref 2] e que esta era a opinião geral. [ref 3]. No
evangelho de São Mateus, talvez 10 anos mais tarde, novamente o registro foi
feito. Diz-se agora que José estava consciente que a criança não era sua, e que
O Paganismo em nosso cristianismo 18

foi impedido de se divorciar de Maria por um anjo que veio a ele em um sonho e
disse que o bebê havia sido concebido pelo Espírito Santo.

parágrafo 6
Parece Claro, portanto, que a estória não era conhecida, ou não era aceita,
antes do ano 100 DC, o que significa dizer, que se passou um século inteiro
antes da data do registro do evento. Mas as genealogias de Nosso Senhor são
citadas em São Mateus e em São Lucas, com o propósito de mostrar que Jesus
descendia de Davi; pois o Messias prometido deveria ser da semente de Davi.
Estas genealogias, no entanto, são traçadas por meio de José; e se se pensa que
José não é o pai de Jesus é difícil entender o porque a descendência foi
explicitada, pois não existe nenhuma sugestão em nenhum lugar que Maria tinha
parentesco com José ou que também era descendente de Davi, e ela não figura
nas genealogias. A versão Siríaca dos evangelhos, descoberta em 1892, [ref 1]
joga mais luz sobre o assunto, pois existe, no fim da genealogia, a afirmação
definitiva de que "Jacó tinha um filho, José, ao qual foi comprometido a Virgem
Maria; e José teve um filho, Jesus, chamado o Cristo." Parece, de fato, que
temos que lidar com a contradição devida à última inserção na estória do parto
da virgem antes da estória da descendência de Jesus a partir de Davi por meio
de José; e, neste caso, devemos datar seu começo em algum período do século
2.

parágrafo 7
A aceitação de tal estória pode ser bem compreendida, pois contos de
nascimentos de deuses pagãos e Heróis da união de uma divindade com uma
noiva mortal eram comuns. Dizia-se que a famosa rainha egípcia, Hetshepsut,
era filha da União do Deus Amon com sua mãe mortal; e uma estória similar
relacionada ao nascimento de Amenófis III, totalmente ilustrado por
esculturas, era para ser lido e visto por qualquer viajante no Egito que
porventura visitasse o Templo de Amon em Tebas. Também dizia-se que o
grande Ciro era o filho de um Deus por união com uma noiva mortal, e os judeus
numa época pensavam que este Ciro era o Messias. [ref 1] O escritor egípcio,
Asclepíades, afirma que Júlio César foi miraculosamente concebido por Apolo
no ventre de sua mãe quando ela estava no templo daquele deus. O famoso
herói, Perseus, era filho do deus Zeus com uma princesa virgem chamada Danae,
fato que levou Martir Justino, um dos Pais do cristianismo no meio do século 2,
a escrever: "Quando escuto que Perseus nasceu de uma virgem eu compreendo
que a serpente enganadora (Satã) foi responsável por isso," [ref 2]
O Paganismo em nosso cristianismo 19

aparentemente para provocar dúvidas relacionadas à estória do parto virgem de


Jesus no qual se começava acreditar.

parágrafo 8
De acordo com uma lenda, o pai do filósofo Platão foi alertado em um sonho que
uma criança estava para nascer, sua esposa, que ainda era uma virgem, teria
sido divinamente fertilizada; [ref 3] Plutarco menciona a crença comum de que
mulheres podem conceber na proximidade de um espírito ou divindade. Dizia-se
que Apolônio de Tirana, contemporâneo de Jesus, tinha também nascido da
união de um deus com sua mãe, à qual, o nascimento vindouro foi anunciado de
forma similar que no conto cristão. Na China os filósofos Fohi e Lao-Kium
nasceram ambos de mães virgens; o Persa Zoroastro foi miraculosamente
concebido do mesmo modo. A mãe do Deus Átis, de acordo com uma lenda, foi a
virgem Nana; e a deusa egípcia Neith concebeu sem união com um macho, e deu
a luz à Ra. Heródoto nos conta que um raio de luz desceu sobre a vaca Sagrada
do Egito, que foi concebida e deu a luz ao deus Apis. Plutarco, em seu livro
sobre Ísis e Osiris, diz que tais concepções ocorrem através da orelha; e em
algumas pinturas medievais existe um raio de luz descendo de forma similar nas
orelhas de Maria. Tertuliano afirma [ref 2] que Nosso Senhor foi concebido por
um raio de luz que atingiu de cima para baixo a Virgem Maria.

parágrafo 9
A estória da Concepção milagrosa de Jesus ganhou credibilidade, parece que a
antiga profecia Hebraica em referência ao nascimento do Messias teve que ser
adaptada para comportá-la. Em São Mateus e em São Lucas as palavras
proféticas de Isaías são citadas como: “Contemplem uma virgem que deve
conceber e gestar um filho" [ref 1] e a palavra grega parthenos, geralmente
significando uma verdadeira virgem, é empregado. Mas Isaías, na verdade, usou
a palavra hebraica almah que não necessariamente significa uma virgem [ref 2]
e portanto a tradição original não requeria que o Messias fosse nascido de uma
virgem.

parágrafo 10
A despeito da circulação da estória do parto virgem ninguém prestou muita
atenção a ele nos tempos primordiais, e a visão mantida por São Paulo [ref 3] de
que Jesus era filho de José mas tinha sido declarado filho de Deus " por meio
do espírito da santidade" era geralmente aceita. Seu nascimento real não era
celebrado, mas o aniversário do Seu batismo era considerado como um evento
O Paganismo em nosso cristianismo 20

anual importante, porquê, como Crisóstomo diz: "ele se revelou a todos quando
foi batizado e não quando nasceu". Sua vida Divina começa apenas com Seu
batismo, e tão tarde quanto ao redor de 450 DC o Papa Leão [ref 1] teve que
corrigir alguns de seus bispos por pensarem que Jesus "nasceu do Espírito
Santo" no seu batismo; o que demonstra o quão irrelevante eram considerados o
nascimento real e as estórias relacionadas a ele.

parágrafo 11
Em vista desses fatos é uma pena que insistam que o parto virgem de Jesus
seja um artigo da crença. Algumas pessoas, é bem verdade, não têm nenhuma
dificuldade em aceitá-lo, uma vez que a partenogenese, a concepção sem
fertilização masculina, apesar de não ser conhecida nos humanos, é um fato
comum em animais mais simples. Mas algumas pessoas a princípio surpreendem-
se com ele: primeiro, porque ele diminui a amplitude da vitória de Nosso Senhor
sobre a carne ao supor que Ele era apenas metade humano; segundo, porque é
suficiente para idéia de sua divindade supor, como o fizeram os primeiros
cristãos, que o Espírito de Deus cobriu Sua personalidade pela primeira vez no
início do Seu ministério; terceiro, porque toda a evidência mostra que a estória
não era conhecida até 1 século após Seu nascimento; e por fim, porque naquela
época o mundo pagão tinha tantas lendas que era muito difícil os cristãos terem
escapado à sua influência.

Capítulo 5 Juventude e Ministério de Jesus

parágrafo 1
A tarefa de remover os eventos incríveis, ou que parecem ter sido emprestados
da mitologia contemporânea, do registro da Vida e do ministério de Nosso
Senhor, é uma que pode ser feita sem temor de consequências adversas sobre a
fé, mas ao contrário, com um senso de alegria e alívio. Alguns críticos
incomodados com esses incidentes inacreditáveis se moveram a um agnosticismo
geral, e outros os utilizaram com energia como argumentos para provar que
Jesus nunca existiu; é então portanto uma matéria de profunda satisfação
descobrir que tais lendas podem ser descartadas sem prejuízo do supremo
valor da história do evangelho.

parágrafo 2
O Paganismo em nosso cristianismo 21

Vamos considerar, então, quais partes dos relatos da vida de Nosso Senhor
podem ser tidas como históricas. Em primeiro lugar precisamos reconhecer que
nada sobre Seu nascimento, infância, adolescência e juventude adulta é
conhecido com certeza; pois o evangelho mais antigo, aquele de São Marcos,
começa no início do Seu ministério, e também é assim, no evangelho de São
João. A juventude é narrada apenas nos evangelhos de São Lucas e São Mateus,
nenhum dos quais datam antes do ano 100 DC; e, além disso, os dois relatos são
essencialmente diferentes.

parágrafo 3
Em São Mateus, os pais de Jesus vivem em Belém, [ref 1] que fica na Judéia,
cerca de 6 milhas ao sul de Jerusalém, mas migraram para Nazaré na Galiléia,
bem ao norte de Jerusalém, após seu retorno do Egito; [ref 2] mas em São
Lucas eles vivem em Nazaré, [ref 3] e vão para Belém apenas com o propósito
de serem listados na listagem do rescenceamento romano. [ref 4] O evangelho
de São Marcos, o mais confiável, fala do Jesus "de Nazaré", [ref 5] e não faz
menção ao de Belém. Agora, muitos críticos [ref 6] argumentam que não existia
tal lugar Nazaré, porque, fora a Bíblia, não há referência a esta vila antes da
era cristã nem nos primeiros três séculos DC, e eles sugerem que foi um nome
de lugar inventado, e depois conectado a uma vila verdadeira, para justificar a
origem perdida do título "Jesus de Nazaré", a real origem da qual, argumentam
eles, era a palavra raiz Hebraica NSR, que significa "proteger", "Jesus o
Protetor" sendo talvez o nome do antigo deus folclórico hebreu de muito antes
do tempo de Nosso Senhor. A opinião geral, no entanto, é a de que a presente
Vila de Nazaré na Galiléia era, de fato, o lar de Jesus; mas existe uma dúvida
igualmente geral sobre se ele nasceu em Belém na Judéia. Acredita-se que a
estória de Belém, foi introduzida de modo a fortalecer a idéia de que ele era o
Messias, da família de Davi, e de cuja semente o Messias deveria nascer, disso
brotou Belém na Judéia. Na verdade, entretanto, é mais provável que Jesus
tenha nascido em uma pequena aldeia ainda hoje chamada Belém, perto de
Nazaré na Galiléia. [ref 1] A estória de que a realização de um censo por ordem
de Augustus, induziu José e Maria a irem para Belém na Judéia, é com certeza
incorreta; pois não se conhece nenhum censo que possa ter sido feito em data
próxima à do nascimento de Jesus, se assumirmos que Ele estava ao redor dos
seus 30 anos no início de Seu ministério. É também obviamente impossível, que
cidadãos tenham sido obrigados a retornar ao seu local de nascimento para
serem contados, e de fato, é sabido que todos os censos romanos eram feitos
no local de residência dos cidadãos. Além disso, a Galiléia era governada
O Paganismo em nosso cristianismo 22

independentemente por Herodes Antipas no período quando Quirinius, ou


Cyrenius, [ref 1] foi taxar a Juréia.

parágrafo 4
Em São Mateus Jesus nasceu em uma casa; [ref 2] mas em São Lucas ele
nasceu em um estábulo, [ref 3] e em períodos posteriores esse estábulo é
geralmente apresentado como tendo estado em uma caverna, a origem
mitológica desta idéia, no entanto, é tão evidente que toda a estória deve ser
abandonada. Primeiro, em relação à caverna: a caverna mostrada em Belém como
o local de nascimento de Jesus era na verdade um templo rochoso no qual o
deus Tamuz ou Adonis era adorado, conforme nos conta o pioneiro pai cristão
Jerônimo, [ref 1]; e sua adoção como cena do nascimento de Nosso Senhor foi
um daqueles eventos frequentes da tomada pelos cristãos de um local sagrado
pagão. A justificativa desta apropriação aumentou pelo fato de que a adoração
de um deus em uma caverna era muito comum no paganismo: Apolo, Cibele,
Demeter, Héracles, Hermes, Mitra e Poseidon foram todos adorados em
cavernas, Hermes, o grego Logos, nasceu de Maia em uma caverna , [ref 2] e
Mitra nasceu de uma Rocha.

parágrafo 5
Com relação ao estábulo: São Lucas [ref 3] diz que quando a criança nasceu,
Maria a enrolou em faixa de tecido e o deitou em uma manjedoura (phatné), que
é um cocho rústico, como o Grego liknon, que é um tipo de cesto usado ou para
palha ou como um verdadeiro berço, semelhante à manjedoura representada no
quadro da Natividade de Botticelli. [ref 4] O autor do evangelho de São Lucas,
no entanto, estava elaborando com base na mitologia grega; porque o deus
Hermes foi enrolado em faixa de tecido quando nasceu e foi colocado em um
liknon, ou cesto-manjedoura. Também foi o deus Dionísio, [ref 1] o qual, em
Bítnia, deu seu nome ao mês que começa em nosso natal, e que, como será
indicado no Capítulo XXIII, era intimamente relacionado com a concepção
popular de Jesus. Na lenda do nascimento do divino Ion, o ancestral Místico dos
Jonios, novamente, o bebê é colocado em uma tal cesta em uma caverna. [ref 2]

parágrafo 6
No evangelho de São Mateus, e em nenhum outro lugar, nós temos a estória de
que José foi advertido em um sonho sobre a intenção de Herodes de matar a
criança, e que portanto ele a levou ao Egito; e que neste meio tempo Herodes
massacrou todas as crianças de Belém. [ref 3] Para começo de argumentação,
O Paganismo em nosso cristianismo 23

Herodes morreu no ano 4 AC, e Jesus parece não ter nascido até o ano 2 ou 1
(um paradoxo devido ao fato de que o Ano Domini esta defasado em um ou dois
anos); e sob qualquer aspecto, Josephus, o qual compilara todos os crimes de
Herodes, não faz menção deste massacre. Na verdade a estória parece ser um
eco de lendas judaicas antigas, tais como a de Nimrod, do qual se diz que tentou
destruir o bebê Abraão matando todas as crianças nos seus domínios; [ref 1] a
do faraó do Egito que desejou matar todos os primogênitos judeus; [ref 2] e
aquela de Joab que tentou matar a criança Haddad massacrando os homens de
Edom, [ref 3] Haddad escapou fugindo para o Egito. Existe também a história
do senado romano tentando com tal massacre matar o bebê Augustus. [ref 4]
Sob qualquer aspecto sua historicidade é tão duvidosa que a celebração do
massacre no calendário da Igreja, e a referência a ela nas orações Anglicanas
do dia, deveriam por bem serem canceladas.

parágrafo 7
Devo adicionar que o período do ano no qual Jesus nasceu é completamente
desconhecido, a data do nosso dia de natal, 25 de dezembro, foi adotado pela
Igreja somente no século 4 DC, sendo esta a data tradicional do nascimento do
deus-sol; vou falar mais sobre isso em um capítulo posterior. Nada de fato, é
conhecido historicamente sobre o nascimento ou a infância de Nosso Senhor.
Tudo que pode ser dito é que ele era filho de um carpinteiro chamado José e
que sua esposa, provavelmente chamada Maria, [ref 1] ao que parece vivam em
Nazaré ou numa aldeia vizinha chamada Belém. Este casal teve pelo menos sete
filhos, sendo cinco meninos - Jesus, James, Jose, Judas e Simão - e mais duas
filhas cujos nomes não são conhecidos; [ref 2] então podemos imaginar Nosso
Senhor crescendo junto com os seus irmãos e irmãs ao modo rústico de uma
vida caseira característica da classe média local, mas que gradualmente se
afastou deles a medida que sua consciência religiosa se desenvolvia.

parágrafo 8
Então, talvez ao redor do ano 28 ou 29 DC, apesar da data ser muito incerta,
Ele se lançou no seu ministério; daquele tempo até a sua prisão em abril do ano
30 DC, Os relatos das suas caminhadas é suficientemente grande para que
possamos construir um quadro claro do Mestre. Falarei no próximo capítulo dos
milagres e ocorrências miraculosas registradas nos evangelhos, a maior parte
dos quais pode ser descartada sem detrimento à estória: é necessário apontar
aqui que a personalidade histórica de Jesus, e a supremacia daquela
personalidade, recai sobre os seus dizeres suportados pelo registro do seu
O Paganismo em nosso cristianismo 24

comportamento como descrito nas crônicas dos evangelhos sinóticos. Os


dizeres devem ser considerados, na sua totalidade, autênticos, porque eles
derivam majoritariamente de duas coleções verdadeiras escritas por Marcos e
Mateus, conforme o Bispo Papias registrou. [ref 1].

parágrafo 9
Os críticos [ref 2] que sustentam que Jesus nunca viveu, enfrentam
dificuldades para mostrar que a maior parte das coisas que Ele falou foram
ditas antes: por exemplo, "Abençoados sejam os humildes, porque eles irão
herdar a Terra", [ref 3] é o mesmo que o Salmo "O humilde deve herdar a
terra"; [ref 4] "Se alguém o bater na face direita, ofereça para ele a outra
face também" [ref 5] é o mesmo que dito por Jeremias "Ele deu sua face
àquele que o atingiu" [ref 6] Isaías "Ofereço minhas faces a eles que
arrancaram o cabelo"; e assim por diante. Mas pode-se ir além disso, e pode ser
dito que a sabedoria de Jesus é a nata da sabedoria de todos os filósofos,
tanto judeus quanto pagãos; e ainda que não há nada nos evangelhos que sugira
que seus autores pudessem ter sido capazes de, pesquisando os livros do
mundo, coletarem essa sabedoria de uma figura imaginária.

parágrafo 10
Nem podem os autores dos evangelhos, que se deleitaram com os contos
de milagres e maravilhas incríveis, terem sido capazes de inventar uma figura
tão sublime como a do simples, abnegado, amoroso e galante Jesus como
revelado por suas estórias. Se já existiu uma personalidade autêntica na
história; esta foi a de Nosso Senhor; e a remoção do elemento miraculoso dos
evangelhos fará tão somente com que ele se sobressaia claramente como o mais
perfeito personagem que o mundo já conheceu.

parágrafo 11
O fato de que tão pouco nos é contado sobre a Sua juventude, e que em dois
dos evangelhos o relato começa apenas no Seu batismo por João, prova que os
autores desses livros não estavam romanceando. Se estivessem inventando a
estória eles teriam muito para dizer sobre as manifestações de Sua natureza
Divina durante a Sua juventude.

Capítulo 6 Ocorrências milagrosas

parágrafo 1
O Paganismo em nosso cristianismo 25

O evangelho mais antigo, aquele de São Marcos, assumiu a sua presente forma
entre 40 e 70 anos após a morte de Nosso Senhor, e os outros evangelhos são
ainda mais tardios; e seria absolutamente incrível se as histórias sobre Ele
tivessem permanecido sem serem exageradas ou aumentadas durante aquele
período. Contos sobre um herói popular invariavelmente aumentam; e no caso
daqueles relacionados a Jesus, que foi aceito por Seus seguidores pioneiros
inicialmente como o Messias enviado por Deus e depois como filho de Deus
encarnado na terra, é impossível crer que eles não seriam gradualmente
embelezados, e que alguns não se desenvolveriam ao redor de um núcleo
insignificante, ou inconscientemente emprestados de outras fontes, ou ainda
simplesmente inventados. O incrível não é que exista tantas, mas sim que
existam tão poucas estórias improváveis contadas sobre Ele, uma vez que Ele
era aceito como sendo Divino, e portanto presumia-se que realizava milagres e
que tenha sido causa de ocorrências milagrosas. Estórias muito mais incríveis
foram contadas sobre outras pessoas do que sobre Jesus.

parágrafo 2
Para citar um único exemplo: logo após Júlio César ter sido assassinado, todas
as portas e janelas de sua casa abriram violentamente, de repente e ao mesmo
tempo; estranhas luzes foram observadas no céu; ruídos estranhos foram
ouvidos; fantasmas brilhando vermelhos como o metal fundido quente foram
vistos lutando; e assim por diante. [ref 1] Esta, e outras centenas de estórias
similares relacionadas com outras pessoas, eram as narrativas do mundo no
momento da composição dos evangelhos. Todo mundo acreditava em eventos
miraculosos, em sinais e maravilhas; E assumiam sempre que personagens
divinos ou Santos mostravam seu poder realizando milagres. Diz-se que Plotino,
o filósofo, os realizava; Apolônio de Tirana é creditado com muitos milagres; e
aqueles dos primeiros Santos cristãos são de longe mais numerosos e de longe
mais extraordinários do que aqueles do fundador da Fé.

parágrafo 3
Mas, como Renan [ref 1] tão habilmente coloca: "se algum dia a humanidade
deixar de adorar Jesus, será justamente pelos relatos daqueles atos que
originariamente inspiraram a crença nele". Os tempos mudaram, e nós não mais
precisamos estórias miraculosas para suportar nossa aceitação da missão divina
de Nosso Senhor. Sua vida histórica e Seus ensinamentos formam a base de
nossas convicções em relação a Ele; e os contos de milagres ou eventos
miraculosos os quais sejam considerados contrários à natureza empurra em
O Paganismo em nosso cristianismo 26

direção ao descrédito ao invés da crença Nele.

parágrafo 4
Vamos primeiro considerar os eventos miraculosos. A história do parto virgem,
conforme apontei no capítulo IV, é derivado de fontes pagãs, e aparece
primeiramente no evangelho de São Lucas, datado de cerca de 100 anos após o
registro do evento. O evangelho mais antigo, o de São Marcos, não faz
referência ao Nascimento; nem o faz o evangelho de São João, o qual deve ter
sido escrito tão cedo quanto 100 DC; ambas as crônicas começam com o batismo
de Nosso Senhor por João, e é portanto praticamente certo que nada era
conhecido pelos autores sobre seu nascimento e juventude. Somente o
evangelho de São Lucas, escrito ao redor de 100 DC, conta a estória de anjos
aparecendo aos pastores; mas o evangelho de São Mateus, datado de cerca de
10 anos mais tarde, não menciona nada sobre essa lenda, e em seu lugar oferece
o conto da estrela do oriente e dos reis magos, cuja estória era desconhecida
para os outros.

parágrafo 5
A estória dos 40 dias no deserto e da da tentação por Satã é brevemente
registrada em São Marcos, o evangelho mais antigo. [ref 1] Não sabemos nada
além de que Jesus esteve no deserto por esse período de tempo, que Ele foi
tentado pelo diabo, e que anjos O guiaram: toda estória é entregue em um
verso, e não existe menção ao Seu jejum. O evangelho de São João
simplesmente não relata a estória. Somente São Lucas (100 DC) e São Mateus
(110 DC) fazem registro de como Jesus jejuou, de como Satã o levou até uma
montanha e para o pináculo do Templo, como ele o tentou, e como o malévolo foi
derrotado em argumentação.

parágrafo 6
O retiro no deserto pode muito bem ser um fato histórico, mas a estória da
tentação é uma óbvia alegoria que deve ser compreendida no sentido espiritual,
no entanto a fonte de alguns dos detalhes pode ser traçada. O Deus ungulado
Pan é o protótipo do Satã, e existe uma lenda pagã que relata como o jovem
Júpiter foi levado por Pan ao topo de uma montanha, da qual ele podia ver todas
as terras do mundo. [ref 1] Essa montanha era chamada de "Pilar do Paraíso", o
que talvez explique a introdução do pináculo do templo na estória. Zoroastro, o
fundador da religião Persa, entrou no deserto, e foi tentado pelo diabo; Buda o
fez também e foi tentado; Moisés e Elias ambos viveram no deserto, o primeiro
O Paganismo em nosso cristianismo 27

jejuou no Sinai por 40 dias, enquanto que o último jejuou 40 dias em Horeb;
Ezequiel teve que suportar a iniquidade da casa de Judah por 40 dias; a
destruição da humanidade no dilúvio durou 40 dias; existem 40 noites de
lamentação nos mistérios da pagã Proserpina; houve 40 dias de sacrifício no
antigo "Saudação a Mitra" da Pérsia" e assim por diante.

parágrafo 7
Com relação aos eventos miraculosos que aconteceram na morte de Jesus, o
evangelho de São João não os menciona, e aqueles de São Marcos e São Lucas
falam apenas do véu do templo se rasgando e da escuridão que cobriu os céus
por 3 horas. A estória do terremoto, do afloramento das rochas, das covas se
abrindo explosivamente, e da aparição dos mortos, é relatada somente no
evangelho de São Mateus, escrito aproximadamente 80 anos após o evento, e
não é portanto certamente autêntico. Com certeza não existe razão porque um
terremoto não poderia ter ocorrido naquele dia, mas se ele realmente tivesse
ocorrido é quase inconcebível que nenhum dos outros três evangelhos
anteriores não o tivessem mencionado.

parágrafo 8
Agora, com relação aos milagres realizados por Jesus. A conversão de água em
vinho em Canaã pode ter sido baseada em contos similares relacionados a
Dionísio, o qual era um dos deuses mais populares do tempo cristão primordial;
pois a Igreja fixou 6 de janeiro como aniversário do Milagre, e esta data
corresponde à do festival de Dionísio no qual acreditava-se que a
transformação de água em vinho se dava como um milagre anual em certos
centros de sua adoração. [ref 1] A multiplicação dos cinco pães e dois peixes
para alimentar uma multidão é praticamente o mesmo que o milagre feito por
Elisha, [ref 2] e a estória deve portanto ser considerada como sendo cópia
desta lenda anterior. A suavização da tempestade pode ser uma história que se
desenvolveu a partir de um incidente verdadeiro onde uma calmaria providencial
aconteceu logo após Jesus ter feito um pronunciamento repentino. A estória de
andar no mar, como simplesmente relatada no evangelho mais antigo, pode ter
se desenvolvido a partir de um mal entendimento das línguas, o Grego
permitindo a tradução "andando ao lado do mar" ao invés de "no mar". O
evangelho de São Lucas não menciona o incidente; e a versão mais elaborada da
estória, na qual Pedro também tenta andar na água e afunda, é, como de
costume, só encontrada no último evangelho compilado após a maior parte do
O Paganismo em nosso cristianismo 28

século ter se passado.

parágrafo 9
O levantar da morte do filho da viúva de Naim é mencionado somente em São
Lucas, e o retorno de Lázaro apenas em São João; e pode ser seguramente dito
que se esses dois impressionantes milagres realmente ocorreram, todos os
evangelhos o teriam registrado, pois teriam sido eles a maior demonstração de
poder jamais feita por Jesus. O lervantar da filha de Jairo, por outro lado, não
é um milagre: Jesus negou que a garota estava morta, mas corretamente
afirmou que ela estava em um estado cataléptico; e que suas palavras para ela
não foram as gentis: " Damsel, eu vos digo levante !" mas uma ordem de
comando, "Talitha! Cumi!" - "Garota! levante-se!" [ref 1].

parágrafo 10
Os milagres de cura, e da expulsão de demônios aos quais devemos hoje chamar
de tratamento bem sucedido de epiléticos, neurastênicos ou insanos, tais como
os que são realizados várias vezes pelo poder da mente sobre a matéria: são
perfeitamente críveis, e agora não são mais considerados pela ciência como
sobrenaturais. Jesus não considerava as suas curas como milagres, mas como
curas de fé ordinárias; e Ele costumava dizer: "vossa fé vos fez completo." [ref
1] Ele com frequência mostrava grande relutância ao usar os Seus poderes
indubitavelmente extraordinários. "porquê esta geração procura um sinal?"
perguntou ele "nenhum sinal deve ser dado a esta geração", ele se opunha à
idéia de que sua reivindicação Messiânica deveria ser suportada desta maneira;
e Ele disse que o que Ele fez não era mais do que qualquer homem poderia fazer
se tivesse adquirido um espírito elevado. [ref 2] Em sua própria casa, como Ele
tão francamente registrou, não existia fé suficiente Nele para que Ele fizesse
alguma cura perceptível. [ref 3]

parágrafo 11
Portanto, em se considerando os milagres e as ocorrências milagrosas, é
justificável crer somente nos que podem ser considerados verdadeiros; e em
relação a ambos podemos considerar que as estórias foram aumentadas entre o
período de vida de Nosso Senhor e a compilação dos evangelhos. Esta
aumentação de estórias é da própria natureza das coisas, e não pode ser
desprezada; e quando, além disso, lembramos que qualquer uma das lendas
impossíveis deste tipo poderiam ter sido contadas na época de Jesus com a
presunção de que, como Ele era o filho de Deus, seriam acreditadas, o fato de
O Paganismo em nosso cristianismo 29

que o número de estórias realmente incríveis são tão poucas é um atestado do


comedimento dos autores dos evangelhos.

parágrafo 12
O pensador moderno deve se resguardar cuidadosamente contra a idéia
falaciosa de que no tempo de Cristo por ter sido há muito tempo atrás as coisas
que aconteceram então não podem acontecer agora. Na verdade, a vida era
vivida naqueles dias sob precisamente as mesmas condições naturais de hoje; e,
de fato, 19 séculos não é um período de tempo muito grande. É facilmente
coberto por 50 gerações: O que significa dizer, que todos os nossos ancestrais
desde os dias de Nosso Senhor poderiam ser confortavelmente acomodadas em
um ônibus londrino ordinário. Ou, se pudermos contar em unidades de
expectativa de vida, podemos dizer que Jesus viveu não mais que 27 gerações
atrás. Portanto, qualquer coisa que se disse ter acontecido então pode ser
testado pelas mesmas regras da probabilidade que podem ser aplicadas nos
casos de estórias de eventos modernos.

Capítulo 7 A Crucificação e o Sacrifício de Barrabás

parágrafo 1
A charada mais estranha e complexa que o estudo das religiões antigas nos
fornece é aquela da relação entre a história da crucificação de Nosso Senhor
no evangelho e os rituais antigos de sacrifício humano. A primeira vista o relato
da crucificação parece ser bem direto, descreve uma regular punição Romana
de morte na cruz: o que significa dizer que Jesus parece ter sido morto pelo
método usual aplicado pelos romanos aos criminosos da classe baixa; mas quando
olhamos mais de perto encontramos que algumas das ocorrências do relato do
evangelho possuem paralelos nestes rituais de sacrifício humano praticado pelos
antigos. De fato, pode se dizer que um escritor cosmopolita daquele perído, com
conhecimento geral, e que houvesse se empenhado em inventar a história da
morte sacrificial de um deus encarnado o qual se pensava ter morrido para a
remissão dos pecados, poderia ter produzido uma lenda mais ou menos como a
que está nos evangelhos.

parágrafo 2
Este fato surpreendente levou um bom número de críticos a considerar toda a
história da crucificação como um mito, ao passo que outros têm a visão de que
apesar do relato da execução de Jesus ser correta em relação ao fato
O Paganismo em nosso cristianismo 30

principal, a saber, que ele sofreu a penalidade de morte Romana da crucificação


- os detalhes são adições fictícias derivadas do conhecimento de
procedimentos usuais de ritos de sacrifícios humanos como ainda eram
praticados naquela época em algumas partes do império romano. Em outras
palavras, de acordo com esses críticos, os autores dos evangelhos desejaram
mostrar que a tarefa terrena de Jesus tinha culminado no seu próprio
sacrifício a Deus, e consequentemente armaram a história a qual não
corresponde a uma crucificação ordinária de um criminoso, mas sim a de um
sacrifício humano.

parágrafo 3
Na verdade, é impossível evitar a conclusão de que não foi uma crucificação
Romana ordinária a que está narrada nos evangelhos: existem algumas
características peculiares sobre ela que a distingue da execução usual na cruz.
Cinco destas peculiaridades vão aqui ser mencionadas. Primeiro, esta morte por
crucificação foi infligida um homem cujo crime era blasfêmia e heresia, mas a
punição para tal crime era a morte por decapitação ou apedrejamento. Segundo,
a execução foi realizada na véspera da páscoa; uma vez que a crucificação era
uma tortura lenta, geralmente durando vários dias antes que a morte liberasse
o sofredor, uma crucificação ordinária deveria ser adiada até o fim da
festividade. Terceiro, apesar de ter sido o dia antes da páscoa, dois
malfeitores foram também crucificados. Quarto, a vítima neste caso era
vestida como um rei, com uma coroa falsa colocada na sua cabeça, e um falso
cetro na sua mão; e com a inscrição afixada na cruz Ele foi descrito como "O
rei dos Judeus". E finalmente, a execução de Jesus precedeu a liberação de um
criminoso condenado chamado Barrabás.

parágrafo 4
É o último destes pontos o qual, na minha opinião, fornece a pista para
solucionar o enigma. Acredito que a crucificação de Jesus foi considerada pelos
judeus como um tipo de sacrifício humano, e que consequentemente a
similaridade do procedimento descrito nos evangelhos ao ritual sacrificial
antigo, longe de fornecer evidências de que a história foi inventada, indica que
o relato é história autêntica. Mas para provar meu argumento é necessário
mostrar primeiro que os judeus daqueles dias praticavam algum tipo de
sacrifício humano anual por crucificação na véspera da páscoa e, segundo, que
Jesus foi a sua vítima escolhida para a cerimônia sacrificial daquele ano. O
assunto é de imensa importância, porque se eu estiver certo o argumento
O Paganismo em nosso cristianismo 31

principal apresentado por aquela poderosa escola de críticos que considera


Jesus como uma figura mítica colapsa completamente, ou melhor, se torna uma
demonstração da sua historicidade.

parágrafo 5
Nos dias primitivos era costume em muitas terras um rei ou regente colocar
seu próprio filho a morte como sacrifício ao deus tribal. Filo de Biblos [ref 1] no
seu livro sobre os judeus diz que era costume para o rei doar seu amado filho
para morrer pela nação como um resgate oferecido aos demônios vingativos, e
que as vítimas eram sacrificadas com rituais místicos. Porfírio nos diz [ref 1]
que a história Fenícia está cheia de tais sacrifícios, e nós sabemos que entre os
Cananeus não apenas reis mas pessoas comuns sacrificavam seus filhos. Dentre
os vários exemplos desse costume nos registros, menciono os seguintes casos
bem conhecidos. Existe a estória chocante [ref 2] de como Abraão, por
motivações religiosas, tentou sacrificar seu filho Isaque; e existe lenda ainda
mais assustadora do esforço do rei Davi para terminar com a praga da fome
sacrificando 7 príncipes da casa real, os filhos do rei Saul, que foram
enforcados perante o Senhor. [ref 3] A Bíblia também nos conta como o rei
Mesa de Moabe sacrificou seu filho mais velho; [ref 4] como o rei Hiel
sacrificou seus filhos na Fundação de Jericó; [ref 5] e como os reis Acaz e
Manassés consignaram seus filhos ao fogo sacrificial; [ref 6] e existe uma
lenda árabe onde Ishmael, como Isaque, quase foi sacrificado pelo seu pai. [ref
1]. Os cartagineses, originários da Síria, também tinham esse costume: Amílcar
sacrificou seu filho durante o cerco de Agrigento; e Maleus, um general
cartaginense, crucificou seu filho como um sacrifício a Baal. [ref 3] As palavras
do profeta Miquéias são também dignas de nota: "Devo eu oferecer meu
primogênito por minha transgressão, o fruto do meu corpo pelo pecado da minha
alma?"[ref 4]

parágrafo 6
O rei era, em tempos primitivos, geralmente considerado como uma
personificação do deus tribal, e portanto como o pai divino do seu povo, e seu
filho sacrificado era então chamado "O filho do pai", e esta frase em Hebreu é
Bar Abbas. Mas, na medida que as idéias civilizadas se desenvolviam, os reis
foram gradualmente dispensados dessa tarefa terrível, e em várias terras um
criminoso condenado à morte substituia o príncipe real. Então na Sacæa
Babilônica um criminoso era vestido em roupas reais para representar um
príncipe, uma coroa sendo colocada em sua cabeça, ele era chicoteado e depois
O Paganismo em nosso cristianismo 32

crucificado ou enforcado; [ref 1] e similarmente em Rodes um criminoso era


sacrificado no festival de Cronos [ref 2] em comemoração, obviamente, do
sacrifício de Cronos do seu nobre filho Ieoud. É bem possível, portanto, que na
Palestina antiga existisse um costume similar, e que um criminoso fosse
sacrificado no estilo primitivo do nobre "filho do pai", ou Bar Abbas.

parágrafo 7
Agora, o sacrifício de um cordeiro ou de uma criança no grande festival judeu
da páscoa indubitavelmente teve sua origem no sacrifício humano, a páscoa
sendo na verdade um festival da primavera muito mais antigo do que os dias do
êxodo; pois na estória de Abraão e Isaque, lembro aqui, Isaque é descrito como
desempenhando o papel do cordeiro sacrificial, e finalmente uma ovelha o
substitui: uma tradição que deve ter sido instituída por decreto da autoridade
para que se substituísse um animal pela vítima humana, sendo esta substituição
do primogênito por um cordeiro definitivamente afirmada na lei de Moisés. [ref
3] O sacrifício acima mencionado dos filhos de Saul, também pode ter sido
conectado com a páscoa primitiva, pois a Bíblia diz que eles eram sacrificados
no início da colheita da cevada, e esta colheita começava, nas planícies de
Jericó e no Vale do Jordão, aproximadamente na época da páscoa. Existe
também o registro de um certo Jesus Ben Pandira que foi apedrejado até a
morte e enforcado em uma árvore na véspera da páscoa no reino de Alexandre
Janeu ao redor de 100 AC.

parágrafo 8
Portanto, existem boas razões para se supor que, ao passo que o sacrifício
humano primitivo deste grande festival de primavera se transformava no
sacrifício de um cordeiro, o costume mais antigo também sobrevivia em uma
forma modificada, onde a execução de um criminoso condenado servia como um
tipo de sacrifício humano realizado anualmente na época da páscoa; e uma vez
que em tempos primitivos o sacrifício mais eficaz era aquele de um nobre
príncipe pelo seu pai o rei, este criminoso era obrigado a desempenhar o papel
do personagem nobre, como na Sacæa Babilônia, sendo designado o Bar Abbas
do ano. Isto explicaria o papel atribuído a Caifás, [ref 2] de que era
conveniente, presumivelmente no tempo da páscoa, [ref 1] que um homem
devesse ser sacrificado pelo bem da nação; e também explicaria a curiosa
história de Barrabás nos evangelhos.
O Paganismo em nosso cristianismo 33

parágrafo 9
Frazer pontuou que [ref 2] "Barrabás" certamente não era o nome próprio de
nenhum criminoso, mas sim o nome tradicional da vítima anual do sacrifício
humano, ou melhor na execução na qual o sacrifício se deteriorou; e existe
evidência de que o uso deste nome sobreviveu mesmo depois do tempo de
Cristo, pois Fílon de Alexandria, [ref 3] escrevendo nos dias de Agrippa, ao
redor de 40 DC, nos dizia que a multidão em Alexandria vestia um homem velho
e louco, colocando uma coroa de mentira na sua cabeça, um Cetro na sua mão, e
uma veste púrpura sobre o seu corpo, e o saudando como Karabbas, óbvio erro
de transliteração de Bar Abbas, e como Maris, a palavra Síria para um
personagem nobre.

parágrafo 10
Na estória do evangelho parece que os judeus pediram a Pilatos que os
entregassem o criminoso condenado escolhido para ser o Barrabás daquele ano-
neste caso o líder de uma revolta esquecida; então o significado do incidente
não parece ter sido bem compreendido na época em que foi escrito, a inferência
é a de que Jesus deveria tomar o lugar deste homem como o Barrabás daquele
ano. Agora, nestas execuções de Barrabás a vítima sempre era, ao que parece,
coroada e vestida como um personagem nobre, como no acima mencionado caso
citado por Fílon de Alexandria. Na lenda de Cronos, Ieoud era vestido em
vestes reais antes de ser sacrificado; na Sacæa Babilônica a vítima era
similarmente vestida e coroada; E o cartaginense Maleus similarmente vestiu
seu filho como um personagem real antes de crucificá-lo. A significância de
vestirem Nosso Senhor como um rei e da inscrição o "rei dos Judeus" torna-se
evidente.

parágrafo 11
As vítimas destes sacrifícios humanos eram geralmente crucificadas, ou ainda
mortas e deixadas "enforcadas em uma árvore" até o fim do dia, como nos
vários enforcamentos antes de Nosso Senhor mencionados na Bíblia, [ref 1] A
este respeito é interessante notar que nos Atos [ref 1] o autor erroneamente
fala de Jesus como tendo sido chicoteado e depois enforcado em uma árvore,
como se isso fosse uma frase comum que veio rapidamente à sua mente; e a
palavra "enforcado" é frequentemente usada em Grego para denotar
crucificação. [ref 2] Nos bosques sagrados de Upsala homens eram sacrificados
por enforcamento nas árvores sagradas; [ref 3] os antigos Gauleses
crucificavam humanos como sacrifício a seus deuses; [ref 4] a vítima na Sacæa
O Paganismo em nosso cristianismo 34

Babilônica era crucificada; o cartaginense Maleus sacrificou seu filho por


crucificação; Jesus Ben Pandira foi enforcado em uma árvore; e assim por
diante. No entanto somente um homem representou o verdadeiro Bar Abbas;
deve ter sido usual sacrificar outros com ele; pois era costume nos dias
primitivos pessoas serem sacrificados na ocasião de uma morte importante, de
modo que seus espíritos devessem auxiliar seu príncipe no próximo mundo. [ref
5] Então dois homens foram crucificados com Jesus, e os evangelhos dizem
explicitamente que um foi colocado à sua direita e o outro à sua esquerda, como
se fossem serviçais. Além disso, em um fragmento de Ctesias, está registrado
que o usurpador egípcio Inarus foi crucificado por Artaxerxes I entre dois
ladrões; e diz-se que um santo persa, Hitzibouzit, em período desconhecido, foi
"oferecido como sacrifício entre dois malfeitores no topo de uma montanha de
frente para o sol". [ref 1]

parágrafo 12
Sumarizando então, se esta teoria for aceita, o fato de que Nosso Senhor foi
condenado à morte por crucificação e não como no caso de João Batista, por
decapitação, está explicado; a razão pela qual ele foi executado na véspera da
páscoa torna-se evidente; o propósito de vesti-lo em roupas nobres está
demonstrado; a significância da liberação do Barrabás torna-se clara; e é
justificada a presença dos dois malfeitores. Deste modo o argumento crítico de
que a estória da crucificação no evangelho é muito similar a um relato de um
sacrifício humano para ser acreditada é descartada. Foi um sacrifício humano.

Capítulo 8 Outros aspectos da Crucificação

parágrafo 1
No capítulo anterior tentei mostrar que a história do evangelho da
crucificação relata certos detalhes que podem ser interpretados com a
suposição de que Jesus foi crucificado ao estilo do sacrifício de Bar Abbas.
Mas, uma vez que a vítima Barrabás parecia naquele tempo ser sempre um
criminoso condenado, a desgraça da execução não era mitigada, nem era o
caráter sacrificial de sua morte, a princípio, um conforto para os discípulos. A
crucificação dos malfeitores, precedida do chicoteamento, era, na época de
Cristo, a forma de execução Romana usual no caso de escravos ou criminosos
particularmente perigosos; essa infâmia deve ter sido amargamente sentida, a
despeito do fato de que os judeus a conferiram este aspecto sacrificial. Mas
O Paganismo em nosso cristianismo 35

gradualmente os crentes começaram a atribuir um significado simbólico a estes


eventos; e esta interpretação pertence a um período de alguns anos
posteriores, e foi influenciada tanto por pensamentos pagão como por
pensamentos judeus, uma menção será feita aqui sobre os aspectos da execução
que abriram caminho para a especulação religiosa.

parágrafo 2
Em primeiro lugar existe o fato de que Jesus foi posto a morrer por exposição
em uma cruz, ou, como a frase era, preso em uma árvore; pois muito antes da
era cristã uma cruz era amplamente usada como objeto de adoração. Tal qual no
Egito o obelisco não era apenas o símbolo do deus sol, mas era também um deus,
com ou sem galhos, era sagrada para vários deuses, e, no caso da adoração de
Átis, a imagem de deus era presa em um pinheiro sagrado na comemoração da
sua morte; e aprendemos que o o próprio tronco da árvore era coberto com
tecido de linho e tratado como um objeto de adoração, [ref 1] Também era a
árvore sagrada para Osiris vestida em linho e colocada no templo, [ref 2] seu
corpo sendo tradicionalmente afixado em seus galhos.

parágrafo 3
Uma situação clara de adoração da cruz, ou árvore, como um próprio deus é
encontrada no poema meio pagão, meio cristão inscrito na cruz Anglo-saxônica
antiga de Ruthwell em Dumfriesshire, [ref 1] neste poema a cruz fala: "Eu
levantei o grande Senhor dos céus, e eles nos ofenderam a ambos, eu, manchada
com sangue derramado da lateral do homem Cristo o qual estava na cruz, vieram
então nobres de luto a Ele; e eu, que a tudo presenciei, estava tomada por
tristeza." De fato, nos primeiros crucifixos da Igreja Jesus é representado
não como um homem moribundo e desnudo, mas com uma divindade glorificada,
vivo e vestido com uma túnica: sugerindo que, através da persistência da
tradição pagã, ele era de algum modo identificado com a divindade antiga da
cruz ou árvore.

parágrafo 4
No capítulo anterior foi mostrado que a crucificação era praticada em várias
terras em uma cerimônia sagrada de sacrifício humano, como se ela tivesse um
significado religioso especial; e às situações lá citadas eu devo adicionar a de
Ciro, o qual em uma época os judeus pensavam que era o Messias, e que, de
acordo com o relato, foi crucificado. [ref 1] Prometeus, também, cuja lendária
história, a situação mais famosa de um deus pagão que sofreu pela humanidade,
O Paganismo em nosso cristianismo 36

tendo dito Lucan que foi crucificado. [ref 2] De fato, tão disseminada era a
compreensão da crucificação como significando uma sagrada sustentação de
sofrimento, não como punição mas como sacrifício, que a palavra era usada,
muito antes do tempo de Cristo, em relação a todos os tipos de tristezas e
aflições das quais não havia sugestão de desonra. Então, quando São Paulo fala
da "pregação da cruz" ele se refere à pregação da doutrina da dor e do
sofrimento religioso tal qual a que a vítima sacrificial suportava; e ele deve ter
usado a expressão ciente de que seria perfeitamente inteligível às mentes
pagãs, crucificação sendo um conceito teológico comum. E quando ele escreveu:
"Ó insensatos gálatas! quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, a
vós, perante os olhos de quem Jesus Cristo foi evidenciado, crucificado, entre
vós? Gálatas 3:1” [ref 1] ele quis dizer "Porque vocês não capturam a verdade
quando vêm que Jesus Cristo suportou aquele rito tradicional de sofrimento
sacrificial por crucificação o qual vocês sabem que toda religião demanda?"

parágrafo 5
Neste próximo assunto discutimos a quebra das pernas dos dois malfeitores, e
a proposta de se quebrar as de Jesus, que foi abandonada porque Ele já estava
morto. A quebra das pernas na crucificação de criminosos ordinários era um
meio para encurtar a vida da vítima. A crucificação consistia em prender um
homem a uma cruz ou árvore de modo que ele morresse de exposição e
estiramento, geralmente após muitos dias, suas mãos eram amarradas, e às
vezes também pregadas, à travessa da cruz ou barra, e seus pés ficavam sobre
uma projeção do poste ou tronco; e, enquanto as pernas estivessem
suficientemente fortes para suportar o corpo, nenhuma causa direta de morte
estava presente, mas, se as pernas fossem quebradas, todo o peso do corpo iria
recair sobre os braços, e a ação do coração em breve pararia, sendo então a
morte causada sem derramamento de sangue o que ocorreria se uma perfuração
mortal fosse infligida.

paragrafo 6
Agora, o fato de que Jesus tenha sofrido na véspera da páscoa, considerado
junto com o fato de que tendo morrido tão rapidamente na cruz Ele tenha
escapado de ter suas pernas quebradas, deve ter dado margem para uma cadeia
de excitadas especulações; pois a coincidência O identificou com o cordeiro
Pascoal, tradicionalmente morto na véspera da páscoa para a remissão dos
pecados, os ossos do qual não era permitido serem quebrados. Eu já aprontei
que na época primitiva uma vítima humana era provavelmente sacrificada, sendo
O Paganismo em nosso cristianismo 37

mais tarde substituída por um cordeiro; e era um costume disseminado nos


sacrifícios humanos se quebrar os membros da vítima de modo que ela não
pudesse se debater contra a morte, mas deveria parecer morrer
voluntariamente, sendo considerado como essencial que "as vítimas sacrificiais
o deveriam ser por desejo próprio." [ref 1] Quando um animal desavisado
substituia um ser humano aterrorizado, no entanto, não havia necessidade de se
prevenir uma debelação contra a morte; e portanto a lei decretou que os
membros não deveriam ser quebrados. Jesus então parece que foi o sacrifício
Pascoal voluntário por excelência, oferecido para redenção do homem, sem
oferecer resistência e sem ter os ossos quebrados; e tudo denotava
misticamente que o sacrifício voluntário se aplicou a Ele.

parágrafo 7
Então, novamente, existe o fato de que a lateral de Jesus tenha sido perfurada
por uma lança. Na verdade o que aconteceu foi que um soldado espetou sua
lateral para garantir que ele estava morto, bem ao modo como Panteu espetou
os corpos de Cleômenes e de seus companheiros para verificar se estavam sem
vida. [ref 1] Deve ser lembrado que foi muito marcante o fato de que Jesus
morreu tão rápido: as vítimas de crucificação geralmente agonizavam por dias,
e existe o registro de um certo Mansur al-Hallaj, um sufi do século 9 DC, o qual
ficou pregado à cruz por 4 dias, e depois, tendo sido perdoado, foi derrubado
não piorando muito a sua experiência. O soldado muito naturalmente, por
consequência, espetou Jesus com sua lança para se certificar de que Ele não
estava vivo.

parágrafo 8
Mas os seguidores pagãos de Nosso Senhor devem ter visto neste incidente
uma outra indicação de que Ele foi realmente um sacrifício místico; pois a
inflicção de tal ferida em uma vítima sacrificial era um costume disseminado.
Strabo nos diz [ref 1] que os albaneses primitivos costumavam sacrificar um
ser humano para a deusa lua perfurando sua lateral com uma espada sagrada; e
no sacrifício primaveril em Salamina a vítima humana era, de forma similar,
perfurada por uma lança. [ref 2] E também, nos sacrifícios humanos a Odin as
vítimas eram amarradas na árvore sagrada, e, quando mortas, eram perfuradas
por uma lança; [ref 3] e na adoração a Mitra, o touro, o qual era identificado
com o próprio Mitra, era perfurado na lateral, como pode ser visto nas bem
conhecidas esculturas Mitraicas. [ref 4]
O Paganismo em nosso cristianismo 38

parágrafo 9
De modo que o leitor compreenda claramente o argumento daqueles que
acreditam que Jesus nunca viveu, deixe-me sumarizar esses aspectos da
história da crucificação (discutidas neste capítulo e no anterior) que se
conectam com o sacrifício humano e os quais, portanto, pareceu indicar aos
críticos que todo o relato foi uma invenção desenhada pelo conhecimento dos
escritores do procedimento sacrificial. Estes aspectos são (1) a morte pela
crucificação, (2) na véspera da páscoa, (3) com duas outras vítimas, uma em
cada lado, (4) após usar vestes reais, e (5) após a liberação de um prisioneiro
chamado Barrabás; e também (6) a proposta de se quebrar as pernas da vítima,
e (7) a perfuração da lateral com uma lança. Todos esses aspectos são tão bem
conhecidos nos ritos de sacrifício humano que, a atitude destes críticos, não é
surpreendente. Mas a minha discordância é que os cinco primeiros eram
aspectos do sacrifício de uma vítima Bar Abbas; e que os outros dois eram
ocorrências ordinárias as quais, por coincidência, correspondiam a costumes
sacrificiais.

parágrafo 10
Sob qualquer aspecto não pode restar dúvida de que os primeiros cristãos,
mesmo antes do tempo de São Paulo, [ref 1] pensavam na crucificação como
sendo um sacrifício, e de fato, que a pregação do "Cristo crucificado" era um
dos aspectos principais da nova Fé. Judaísmo e paganismo implantaram
igualmente nas mentes dos homens um senso de veneração da cruz como um
antigo aspecto divino, e os familiarizaram com a idéia de uma divindade
crucificada sacrificialmente; e gradualmente o Jesus crucificado tomou o lugar
do Jesus pregador como o centro da religião.

parágrafo 11
Hoje em dia, no entanto o homem leigo pensador está menos concentrado no
Deus encarnado sacramentalmente sacrificado, e se volta mais e mais para o
homem Jesus, o professor das verdades divinas, o supremo exemplo de vida
perfeita que enfrentou a própria morte para o crescimento da humanidade; e
sua crucificação, a qual a teologia considera como um propósito sacramental e
objetivo da Sua encarnação, está começando a ser definida simplesmente como
o resultado inevitável da sua galante oposição contra a religião convencional, e o
evento que coroou o seu heroísmo. Aqueles que então olham para a vida do
Mestre como exemplo a ser seguido ao invés de olharem Sua morte como
perdão pelo pecado, estão tendendo a ver algo como uma regressão mental na
O Paganismo em nosso cristianismo 39

santificação crescente atribuída ao símbolo da cruz na Igreja. A adoração do


crucifixo, a exemplo da concomitante adoração da árvore, é de fato, muito
intimamente relacionado ao paganismo para ser aceito pelos padrões
intelectuais demandados por uma religião moderna.

Capítulo 9 A Ressurreição

parágrafo 1
Qualquer estudioso que compreende a mentalidade dos homens do primeiro
século vai perceber que os cristãos originais acreditavam que Jesus era o filho
de Deus encarnado principalmente porque eles estavam convencidos que, após
ser crucificado sacrificialmente, Seu corpo morto voltou à vida. Enquanto Ele
estava com seus discípulos que acreditavam que Ele era o filho de Deus no
sentido de que Ele era o Messias ou Cristo enviado por Deus; mas quando Ele
apareceu em carne e osso após eles O terem visto morrer na cruz, eles foram
agitados com uma certeza entusiástica de que, apesar de ser diferente de
Deus, Ele era divino, uma vez que em muitas religiões contemporâneas se
supunha que o deus encarnado morria e voltava à vida em meio a regozijos
generalizados.

parágrafo 2
Hoje em dia, quase dois mil anos depois, o ponto de vista mudou. Nós
consideramos Jesus Cristo como divino por causa da perfeição de sua vida e
ensinamentos; enquanto a crença de que seu retorno espiritual a Deus é
essencial para o credo, a questão quanto a se seu corpo - como distinto da
entidade espiritual - realmente voltou à vida após ter sido morto, não é uma
matéria de tremenda consequência. Ninguém nesse sentido agora acredita que
Jesus ascendeu aos céus "em seu corpo, com carne, osso e com todas as coisas
pertencentes à perfeição da natureza humana", como o obsoleto quarto artigo
da religião no livro Anglicano de orações diz. cristãos modernos acreditam em
uma ascensão espiritual, mas não em uma extensão do corpo; e portanto a
ressurreição corporal de Nosso Senhor se torna relativamente pouco
importante, porque na sua ascensão espiritual seu corpo deveria de qualquer
forma ter morrido ou ter sido deixado de lado.

parágrafo 3
O Paganismo em nosso cristianismo 40

A crença cristã ortodoxa de hoje em dia é a de que Jesus sofreu uma morte
temporária na cruz na sexta-feira e foi colocado na tumba no entardecer do
mesmo dia; e que antes do amanhecer do domingo Ele voltou à vida e deixou a
tumba; e que durante os próximos 40 dias [ref 1] Ele foi visto vivo em carne e
osso; e que Ele então ascendeu espiritualmente aos céus, seu corpo mortal
desintegrando- se ou sendo descartado.

parágrafo 4
Os judeus pensam que seu corpo foi roubado da tumba, e que as estórias de sua
aparição subsequente são fictícias; Tertuliano [ref 1] (nascido ao redor de 160
DC) registrou a estória de que o corpo foi removido pelo homem encarregado do
jardim no qual o sepulcro estava situado, de modo que visitantes da tumba não
viessem a destruir suas alfaces. Os maometanos acreditam que um homem
parecido com Ele foi crucificado como um substituto, e que Jesus sobreviveu,
sendo esta doutrina registrada no Alcorão, [ref 2] e sendo derivada
aparentemente dos Basilidianos, que costumavam dizer definitivamente que
Simão de Cirene foi o homem substituto. Mas existe um anel de verdade na
maior parte dos detalhes da estória como contada nos evangelhos, e um crítico
imparcial dificilmente deixaria de acreditar que Jesus apareceu vivo, em carne
e osso, após a crucificação. Vamos percorrer o relato destes eventos como o
temos no Novo Testamento.

parágrafo 5
Pilatos não queria condenar Jesus, e o centurião encarregado dos arranjos
também era simpático a Ele, após Jesus ter ficado um tempo na cruz algo lhe
foi dado para beber, e quase imediatamente Ele expirou. José de Arimatéia, um
discípulo secreto, prontamente foi a Pilatos e pediu permissão para descê-lo da
cruz: mas Pilatos ficou surpreso ao ouvir que ele morreu tão cedo, pois, como já
foi dito, as vítimas de crucificação geralmente duravam vários dias. Ele
portanto questionou o centurião, o qual respondeu que Jesus estava realmente
morto, após o que ele autorizou José a descer o corpo.

parágrafo 6
José, de acordo com o evangelho, ajudado por Nicodemos, outro discípulo
secreto, enrolou Jesus em linho e O deitou temporariamente em uma nova
tumba cavada em uma rocha dentro de um jardim privado; e ele e seus homens
rolaram uma grande pedra fechando a entrada. As mulheres que seguiam Nosso
Senhor, tendo visto onde Ele foi deitado, foram para casa e prepararam o
O Paganismo em nosso cristianismo 41

sabão e as fragrâncias geralmente empregadas para lavar os mortos, com o


intuito de enterrar o corpo apropriadamente imediatamente após o sabat
(sábado). Enquanto isso, de acordo com o evangelho de São Mateus, que é o
último dos sinóticos, um grupo de soldados foi designado para guardar a tumba,
por medo de que os discípulos roubassem o corpo; mas esse detalhe, omitido
dos relatos anteriores, pode não ser autêntico.

parágrafo 7
Antes do amanhecer de domingo as duas Marias e alguns outros vieram à tumba
lavar o corpo, e encontraram a cova aberta com a pedra rolada para o lado. No
evangelho mais antigo, o de São Marcos, elas viram "um homem jovem sentado
na direita, usando uma veste longa e branca"; no evangelho de São João este
homem se tornou duas figuras angelicais em branco; o de São Lucas disse que
essas duas figuras estavam vestindo túnicas brilhantes; e no evangelho sinótico
mais tardio, o de São Mateus, escrito cerca de 70 ou 80 anos depois do evento,
o homem se transformou em um verdadeiro anjo com aparência como um
relâmpago, e suas vestes eram brancas como a neve. De acordo com o relato de
São Marcos estas palavras foram então dirigidas às mulheres assustadas: "Não
tenham medo", disse ele. "Vocês estão procurando Jesus, o Nazareno, que foi
crucificado. Ele ressuscitou! Não está aqui. Vejam o lugar onde o haviam posto.
Vão e digam aos discípulos dele e a Pedro: Ele está indo adiante de vocês para a
Galiléia. Lá vocês o verão, como ele disse." (Marcos 16-6, 16-7) [ref 1]

parágrafo 8
São Marcos diz que as mulheres então correram, e não ousaram dizer a ninguém
o que elas haviam visto, e que mais tarde naquele dia Maria Madalena realmente
viu Jesus, no entanto ela disse aos discípulos que eles não iriam acreditar nela.
O evangelho de São Lucas também diz que as mulheres contaram aos incrédulos
discípulos, mas que Pedro então foi à tumba, e viu lá as roupas de linho, e o
lenço, o qual havia coberto a face, dobrado e colocado separadamente. Ao
retornar, Maria viu então duas figuras angélicas, após o que, ao virar-se, ela viu
um homem o qual pensou ser o jardineiro, e disse à ele, "Se você o levou
embora, me diga aonde você o colocou." O suposto jardineiro, no entanto,
provou ser o próprio Jesus, vestido em roupas de trabalhador.

parágrafo 9
Agora muitos críticos consideraram estas estórias como inteiramente fictícias;
mas para mim elas parecem palpavelmente autênticas. Elas mostram, no
O Paganismo em nosso cristianismo 42

entanto, que Jesus não sucumbiu na cruz, mas que, mergulhado em uma condição
indistinguível da morte, ele foi carregado até o sepulcro, onde foi recuperado, e
talvez lhe foram dadas roupas de outrem para vestir, o que o levou a ser
confundido com o jardineiro. Neste caso as supostas figuras angélicas vistas
pelas duas Marias teriam sido homens mortais que ajudaram Nosso Senhor
durante a noite. Em suporte a esta teoria deve ser observado que Ele não foi
muito machucado ao ser crucificado. Não era costume de se atravessar pregos
através dos pés por que a vítima geralmente ficava em pé sobre um bloco que se
projetava da cruz; e o evangelho de São João fala de suas mãos tendo sido
machucadas mas não seus pés. Os braços da vítima eram geralmente amarrados
à travessa, e se as mãos fossem pregadas não era uma ferida significativa,
sendo um pequeno prego atravessado na pele de cada mão, entre os dedos, sem
causar um dano sério. Um soldado espetou a lateral de Nosso Senhor para ver
se Ele estava morto, mas esta ferida, deve também ter sido pequena; e sob
estes aspectos ele deveria estar relativamente bem devido à curta exposição
na cruz.

parágrafo 10
Esta teoria não é tão herética como parece, e apesar de o cristão ordinário
protestar que a ressurreição dos mortos de Nosso Senhor é a própria fundação
da Fé, um cuidadoso pensamento mostrará que na verdade nenhuma fé deve
valer consideração se basear-se meramente no aparente retorno à vida de um
corpo morto. Para a mente religiosa moderna, de fato, existirá pouca diferença
em dizer, como o fazem os ortodoxos, que Jesus esteve temporariamente
morto, mas que após algumas horas voltou novamente a vida, ou dizer, como o
fazem os críticos, que ele entrou em uma condição indistinguível da morte, e
depois retornou à vida. Isso deixa inafetada a idéia de seu heróico e supremo
sacrifício, pois ele certamente esperava a morte; nem afeta a interpretação
mais mística da Paixão, porque a ciência moderna não consegue definir a
diferença entre a morte e uma condição como a morte antes da mortificação se
consumar.

parágrafo 11
As estórias do evangelho nos contam como Ele apareceu aos discípulos; e elas
enfatizam que Ele estava vivo e que não era meramente um espírito. O
evangelho de São Marcos diz que Ele foi visto por dois homens que estavam
caminhando no campo, e depois pelos 11 sentados a jantar. O evangelho de São
João nos conta como Ele apareceu aos 11, e como o fez de novo após oito dias.
O Paganismo em nosso cristianismo 43

São Lucas conta a estória de Sua caminhada com dois homens em direção a
Emaús, e da Sua ida ao encontro dos discípulos no jantar. Este relato revela o
fato de que Ele tentou convencê-los que Ele estava vivo, dizendo: "Toquem Me,
e vejam; porque um espírito não tem carne e osso como vocês vêem que Eu
tenho." [ref 1] Ele então os perguntou, a exemplo do que faria um fora-da-lei
faminto; se tinham algo para Ele comer; e eles O deram peixe e mel, e após
comer Ele os levou até Bethânia, a duas milhas de Jerusalém, e depois partiu.

parágrafo 12
O evangelho de São Mateus diz que Ele combinou um encontro nas colinas da
Galiléia, e lá os encontrou; e os Atos nos contam que Ele pregou a eles e
permaneceu em contato com eles por cerca de 40 dias; enquanto São Paulo diz
que numa ocasião Ele foi visto por 500 pessoas. [ref 2] mas que a última
aparição a ser descrita em detalhes é a que está registrada no evangelho de
São João, quando, cedo pela manhã, os discípulos que estavam pescando no lago
de Tiberíades (mar da Galiléia) o viram na praia, e Ele os pediu comida.
Obviamente não era um espírito: era um homem em fuga; e a última descrição
que temos dele O mostra cozinhando peixe sobre uma fogueira ao ar livre sob a
luz cinza do entardecer.

parágrafo 13
Estas são as circunstâncias históricas tais como nos apresentadas nos
evangelhos com o propósito de provar que Ele estava vivo. Isto está provado, na
minha opinião; mas o que aconteceu após isso é um profundo mistério. A Igreja
cristã ortodoxa afirma que sua parte divina espiritual imediatamente ascendeu
a Deus; mas tanto faz se isso ocorreu de uma só vez ou não, no final seu corpo
deve ter morrido e retornado ao pó. É para Sua ascensão e ressurreição
espiritual que nós agora olhamos, na fé de que na terra e nos céus Seu ser
divino é eterno.

Capítulo 10 Ascensão e atividade Messiânica

parágrafo 1
Os primeiros cristãos têm uma história para contar sobre o seu Mestre a qual,
removidas a coloração e os embelezamentos adicionados no fervor de seu amor
e excitação, era aproximadamente como segue. O adorado e reverenciado Jesus
saiu pelo país pregando e curando os doentes de um modo quase divino, e por
fim ele admitiu que era o Messias prometido. Ele foi aclamado por seus
O Paganismo em nosso cristianismo 44

seguidores como salvador da nação, mas, para seu amargo desapontamento, sua
entrada em Jerusalém não impressionou a maioria do povo; e Ele foi preso e
crucificado na véspera da páscoa, consequentemente transformando suas
esperanças em desespero e perplexidade. Eles o viram morrer na cruz na tarde
daquela sexta-feira; mas no terceiro dia, na manhã de domingo, a tumba na qual
Ele foi deixado foi encontrada aberta, e logo depois Ele apareceu em frente a
eles, vivo. Depois Ele foi visto por eles em várias ocasiões, e conversou com
eles, explicando como as antigas profecias requeriam que o Messias fosse
rejeitado e executado; e, após seus olhos terem sido abertos, sua tristeza se
transformou em alegria, pois Ele era de fato o Cristo. Mais tarde,
aparentemente na Galiléia, centenas de pessoas O viram; mas por fim Ele os
deixou, apesar de dois mensageiros dele tenham vindo a eles, contando que Ele
retornaria, [ref 1], Ele nunca voltou.

parágrafo 2
Então esta foi a estória básica e histórica sobre a qual a fé foi fundada; e
existem dois pontos os quais precisam agora serem considerados - a ascensão e
o cumprimento das profecias messiânicas. A Ascensão não é mencionada nos
primeiros escritos cristãos, a saber, as epístolas; nem aparentemente foi
referida no evangelho mais antigo, o de São Marcos, pois as palavras, "Ele foi
recebido nos céus" [ref 1] são muito vagas e fazem parte daqueles últimos 12
versos do livro os quais são agora reconhecidos por praticamente todos os
estudiosos da Bíblia como uma adição bem posterior. [ref 2] Os evangelhos de
São Mateus e São João não mencionam a ascensão. Ela é registrada apenas nas
escrituras atribuídas a São Lucas, a saber, o evangelho e os Atos, ambos
datados de aproximadamente 100 DC: no evangelho é relatado que Jesus
abençoou seus discípulos e "se separou deles", e foi adicionado, talvez como
uma presunção, de que ele foi levado aos céus; [ref 3] mas nos Atos é
definitivamente dito que ele foi levado na presença de seus seguidores,
ascendendo até que uma nuvem o cobrisse, e os deixou olhando para o céu. [ref
4]

parágrafo 3
Agora, o fato de que existe apenas um registro claro da ascensão, sendo este
um trabalho escrito cerca de 50 a 70 anos após o suposto evento, deve nos
deixar com receio de aceitar a estória; e nossas dúvidas aumentam quando
percebemos que tal ascensão ao céus era o final usual das lendas místicas das
vidas de deuses pagãos, tal qual foi para a própria vida lendária de Elias. [ref 1]
O Paganismo em nosso cristianismo 45

Pensava-se que o Deus Adonis, cuja adoração floresceu nas terras nas quais o
cristianismo cresceu, havia ascendido aos céus na presença dos seus seguidores
após sua ressurreição; [ref 2] e de forma similar, Dionísio, Héracles, Jacinto,
Krishna, Mitra, dentre outras divindades subiram aos céus.

parágrafo 4
Mas se Jesus Cristo não ascendeu aos céus em um momento específico, qual foi
o seu fim ? Alguns críticos supõe que Ele viveu em retiro, e que Ele foi
verdadeiramente visto por São Paulo na experiência que em geral se pensa ter
sido apenas uma visão, a qual pode ter ocorrido tão cedo quanto dois ou três
anos após a crucificação. Em suporte a esta teoria deve ser notado que
estórias, relatadas nos Atos (80 a 100 DC), [ref 3] de uma visão acompanhada
de uma luz ofuscante não concordam uma com a outra, e parecem portanto
serem parcialmente fictícias; enquanto, por outro lado, o próprio São Paulo,
escrevendo uma geração anterior (52 a 64 DC), diz que "viu Cristo em carne e
osso", [ref 1] e compara a aparição a ele com aquelas aos primeiros discípulos,
[ref 2] declarando além disso, que ele havia recebido suas instruções
diretamente de Jesus. [ref 3] Além disso, Suetónio afirma [ref 4] que no reino
de Claudius, o qual começou em 41 DC, alguns judeus foram expulsos de Roma
por causarem um distúrbio ao instigarem um certo Cresto. Esta palavra Cresto
se supõe ser uma escrita errada de Cristo; e é bem possível que o significado
era de que a pessoa considerada como Cristo ou Messias estava em Roma, e que
aquela pessoa era o próprio Jesus, tendo isto ocorrido 11 anos após a
crucificação.

parágrafo 5
É de longe mais provável, no entanto, que a experiência de São Paulo foi uma
visão, e que a última aparição registrada de Jesus em carne e osso foi algumas
poucas semanas após sua crucificação; como eu disse no capítulo anterior, o
cristão de hoje em dia pode declarar que Nosso Senhor deixou esta vida,
contudo ninguém pode dizer quando ou de que modo Sua morte ocorreu. As
palavras "ascendeu aos céus", usadas no Credo dos Apóstolos, no entanto, não
foram bem escolhidas; pois elas implicam que os céus são um tipo de Olimpo
suspenso no ar sobre a Terra plana, uma idéia pagã antiga a qual nós certamente
já superamos.

parágrafo 6
O Paganismo em nosso cristianismo 46

Abordarei agora as profecias messiânicas. A palavra Messias, a qual os gregos


traduziram como Christos e que nós conhecemos como Cristo, significa "O
Ungido". No passado a cerimônia Sagrada da unção de um rei tinha o efeito de
torná-lo sacrossanto; e os reis de Israel, por exemplo Eron, eram comumente
citados como os "Ungidos pelo Senhor", significando um governante santificado
com relação próxima com Yahweh (Jeová). O Messias judeu foi então
originalmente concebido como um rei divino ou um rei ideal enviado por Deus;
mas a idéia de tal rei, que é Deus encarnado ou enviado por Deus, para salvar a
nação, é encontrada em muitas religiões, e não somente na judaica. Por exemplo,
o babilônio Marduque (Merodaque) era esperado para vir à terra como um
Salvador; [ref 1] a religião Masdeísta pregava a vinda do salvador Saoshyant,
para terminar com o domínio do mal [ref 2]; Krishna é descrito como tendo se
encarnado com o mesmo propósito; [ref 3] e no Egito existia uma profecia,
datada de cerca de 2200 AC, a qual previa a vinda de um salvador do qual se
dizia: "Ele deve ser o pastor de seu povo, e nele não deve haver pecado; quando
seu rebanho se dispersar ele irá reuni-lo." [ref 4]

parágrafo 7
A idéia perpassa as escrituras hebraicas, e é inicialmente claramente
desenvolvida no livro de Enoque [ref 5], uma compilação que data do segundo e
primeiro séculos AC, no qual o Messias é descrito como o pré-existente Filho do
Homem que está sentado no trono de Deus e que deverá julgar as nações do
mundo, introduzindo um novo Paraíso e uma nova Terra. Também, nos salmos de
Salomão, datado entre 70 e 40 AC, o Messias é claramente descrito como o rei
da casa de Davi enviado por Deus, Ungido por Deus, que deve expulsar os
estrangeiros de Jerusalém, que deve unir sua sagrada nação, liderando-os ao
triunfo, de modo que o mundo observe sua glória [ref 1]. Este trabalho é
dirigido contra os últimos Asmonitas (ie Macabeus) pelos Fariseus; mas no
tempo de Jesus se esperava que o Messias liberasse os judeus do jugo romano,
e a medida que a luta contra Roma se tornava mais e mais iminente a esperança
pela chegada deste Salvador nacional crescia com mais fervor e paixão, até que
todas as sinagogas pregassem isso e que todos os círculos familiares
discutissem isso. De fato, Josefo [ref 2] diz que a ruptura final com Roma foi
diretamente causada pela crença na chegada imediata deste Salvador.

parágrafo 8
O Messias era popularmente imaginado como um conquistador triunfante, que
deveria ser da linhagem do sangue de Davi, e que deveria nascer em Belém; [ref
O Paganismo em nosso cristianismo 47

1] O judeu ordinário do tempo de Jesus pensava que o Messias seria um


libertador da opressão estrangeira e um rei vitorioso de Israel, que deveria
estabelecer uma nova repartição (de domínios) onde os judeus seriam os líderes
da humanidade. Mas, bem longe deste conceito de um Messias triunfante,
existia outra idéia de um Salvador que era pregada pelos grandes profetas do
século 8 AC, mas que ficou fora de moda e relegada à obscuridade. Esta era a
idéia de um servente de Yahweh, rejeitado e detestado, e que por seus
sofrimentos deveria redimir o mundo, e deveria fundar o reino de Deus num
sentido espiritual: enraizou-se na mentalidade judaica no tempo em que as
misérias da nação eram quase insuportáveis, e quando o único modo de encará-
las com equanimidade era acreditar que estas calamidades eram parte do plano
de Deus para a redenção de seu povo. No grande Capítulo LIII de Isaías, o
Profeta descreve a figura simbólica de um Servo Sofredor, Israel
personificado, sofrendo pelas transgressões da humanidade; e parece provável
que este conceito foi o resultado do desejo de se explicar as misérias da nação
relacionando-as à crença disseminada da eficácia do sofrimento.

parágrafo 8
A adoração de deuses sofredores era encontrada por todos os lados, e a crença
na tortura de vítimas nos rituais de sacrifício humano para redenção do pecado
era muito generalizada. Os deuses Osiris, Átis, Adonis, Dioniso, Héracles,
Prometeus e outros, todos sofreram pela humanidade; e o servente de Yahweh
foi também concebido como tendo sido ferido pelas transgressões dos homens.
Mas como eu disse, este conceito estava esquecido nos dias de Jesus; e quando
Nosso Senhor foi crucificado ninguém, nem mesmo os discípulos, pensou a
princípio que Seus sofrimentos eram a prova de que Ele era o Messias: elas
pareciam prova de que Ele não era o Messias, e por consequência o impacto foi
surpreendente.

parágrafo 10
Mas o próprio Jesus, desde que ele se deu conta de que sua missão certamente
o levaria à morte, parece ter percebido que a figura sofredora era o conceito
apropriado do Messias; e que quando Ele reviu Seus discípulos após a
crucificação Ele apresentou esta interpretação nas escrituras, [ref 1] e
consequentemente os trouxe do desespero para um alegre entusiasmo. E nos
anos seguintes eles se deleitaram ao provarem a si mesmos que Ele cumpriu as
profecias, e eles divulgaram este fato de todas as maneiras possíveis de se
fazer e de se falar: o fato de que ele entrou em Jerusalém cavalgando em um
O Paganismo em nosso cristianismo 48

jumento era o cumprimento da profecia de Zacarias [ref 2]; a repartição das


suas vestimentas na sua crucificação, o que era um costume usual, foi prevista
nos Salmos [ref 3]; a bebida dada a Ele na cruz, novamente um costume usual,
que foi profetizado [ref 4]; e assim por diante.

parágrafo 11
Mas no livro de Enoque e em outras fontes foi dito que o Messias iria julgar as
nações da terra; com base nisso os discípulos desenvolveram a idéia de que
Jesus iria retornar em Glória, pois, quando Ele os deixou, Ele enviou dois
mensageiros para informá-los que Ele voltaria. Então eles construíram a estória
da segunda volta majestosa que traria um fim ao estado das coisas existentes;
e na fervorosa crença de que o evento glorioso era iminente eles se prepararam
para o evento supremo, esperando hora após hora, desejando esperançosamente
que hoje ou que na próxima manhã ele aconteceria, mirando os céus a procura
de um sinal que nunca veio, e procurando nas escrituras e nas suas lembranças
das palavras do Mestre por alguma profecia que os diria quanto mais tempo eles
deveriam esperar.

Capítulo 11 A influência de Adonis e de outros Deuses


pagãos

parágrafo 1
O reconhecimento de que Jesus tinha sido o Messias, e que o Messias não era o
conquistador triunfal da crença popular, mas a figura sofredora das profecias
de Isaías, fez com que os discípulos vissem a crucificação, que aconteceu na
véspera da páscoa, como um sacrifício supremo para remissão dos pecados como
exemplificado no sacrifício pascoal anual do cordeiro naquele dia. Jesus se
tornando para eles o cordeiro de Deus sacrificado por meio de cujo sangue suas
transgressões foram lavadas: ele se ofereceu pelos pecados da humanidade, e
todas as crenças místicas relacionadas a sacrifícios de filhos pelos pais foi
pontuada nas suas novas compreensões da morte do Mestre na cruz e seu
retorno à vida como vitorioso sobre a morte. Mas no processo de
desenvolvimento desta interpretação é muito natural que as mentes destes
primeiros cristãos tenham sido influenciadas pelas crenças religiosas que eram
então aceitas nas cidades e países onde eles residiam ou nas de onde vieram
alguns dos novos membros da sua Fé.

parágrafo 2
O Paganismo em nosso cristianismo 49

Um dos primeiros assentamentos do cristianismo foi Antioquia; mas naquela


cidade existia uma celebração a cada ano [ref 1] da morte e ressurreição do
deus Tamuz ou Adonis, este último nome significando simplesmente "o Senhor".
Esta fé sempre exerceu sua influência no pensamento judeu, e de fato, o
profeta Ezequiel [ref 2] julgou necessário repreender mulheres em Jerusalém
que choravam pela morte de Tamuz na entrada do próprio templo; enquanto que,
por fim, o local em Belém selecionado pelos primeiros cristãos como cena do
nascimento de Jesus (que ao melhor do conhecimento era onde o evento tinha
realmente ocorrido) era nada menos que um templo anterior deste deus pagão,
como São Jerônimo ficou horrorizado ao descobrir [ref 3] - um fato que
mostra que Tamuz ou Adonis finalmente se confundiu nas mentes dos homens
com Jesus Cristo.

parágrafo 3
Acreditava-se que este Deus tinha sofrido uma morte cruel, que havia descido
ao inferno ou Hades, tinha se levantado novamente, e tinha ascendido aos céus;
e em seu festival, celebrado em várias regiões, sua morte era lastimada, e uma
efígie de seu corpo morto era preparada para ser sepultada após lavagem com
água e depois unção, e no próximo dia, sua ressurreição era comemorada com
grandes regozijos, sendo as palavras "O Senhor se levantou" tendo sido
provavelmente pronunciadas. A celebração da sua ascensão na vista de seus
adoradores era o ato final do festival. [ref 1]

parágrafo 4
Estas cerimônias eram realizadas em alguns países no verão, mas na vizinhança
da Palestina parecia que elas eram realizadas ao redor da mesma época da
páscoa, pois Adonis era, em certos aspectos, um deus da vegetação, e sua
ressurreição denotava o reavivamento da natureza na primavera. Em Antioquia,
como Frazer sugeriu, [ref 2] o festival parecia ter sido ajustado para coincidir
com o aparecimento da estrela da manhã, o planeta Vênus. Todo festival, de
fato, correspondendo tão proximamente com o da morte e ressurreição de
Jesus que a coincidência dificilmente teria passado desapercebida pelos
primeiros cristãos; em certas partes da Cristandade as cerimônias da sexta-
feira da Paixão e da páscoa ainda hoje parecem conduzir os rituais de Adonis,
como por exemplo, na Sicília e em partes da Grécia, onde uma efígie do Cristo
morto é preparada para sepultamento ao som da lamentação do povo, que
continua até a meia-noite do sábado, quando o Bispo anuncia que o senhor se
O Paganismo em nosso cristianismo 50

levantou, e as massas disparam a gritar palavras de alegria.

parágrafo 5
Esta coincidência levou, certamente, muitos críticos a supor que a estória do
sepultamento e ressurreição de Jesus é simplesmente um mito emprestado
desta religião pagã; mas nos capítulos anteriores eu tentei mostrar que a
estória do evangelho é, sem dúvida, histórica. A crucificação de Jesus está
relacionada por ter acontecido na época da páscoa, quer dizer, na época dos
festivais da primavera que ocorriam mundo afora, não porque a estória foi
trazida do paganismo, mas porque Ele foi posto a morte naquele tempo nos
moldes do sacrifício Bar Abbas, o qual provavelmente acontecia naquela data; e
Sua ressurreição é registrada como tendo acontecido logo após, não porque se
supunha que Adonis e outros Deuses retornaram à vida daquela maneira, mas
porque Ele reviveu e saiu da tumba vivo. Eu penso que, foi devido a esta grande
coincidência que a fé cristã atraiu tão extensa atenção. Tivesse Nosso Senhor
terminado o seu ministério de uma maneira diferente das idéias geralmente
aceitas de como uma divindade encarnada deveria morrer, a crença de que Ele
era divino poderia não ter sido tão rapidamente ou tão extensamente aceita.

parágrafo 6
Mas existe um aspecto da estória do evangelho que parece ter sido realmente
emprestada da religião de Adonis, e de fato, também de outras religiões pagãs,
a saber, a descida ao inferno. O Credo dos Apóstolos e o Credo Atanasiano diz
que entre a noite de sexta-feira e a manhã do domingo Jesus esteve no inferno
ou Hades; mas isto está omitido no Credo Niceno, e o bispo Pearson [ref 1]
mostrou o quão frequentemente isto era omitido em outras declarações antigas
da Fé, enquanto o Bispo Goodwin [ref 2] expressa que o artigo "deve ser posto
de lado". Não existe fundação nas escrituras exceto nas ambíguas palavras da
primeira epístola de Pedro; [ref 3] e não aparece na Igreja como um
pressuposto do cristianismo até o final do quarto século; [ref 4] e sua origem
pagã é mostrada por sua presença não apenas na lenda de Adonis, mas nas de
Heracles, Dionísio, Orfeu, Osíris, Hermes, Krishna, Balder, dentre outras
divindades. No caso de Orfeu pode-se observar sua conexão com Jesus nas
mentes dos primeiros cristãos pela frequência da sua aparição nas pinturas das
Catacumbas.

parágrafo 7
O Paganismo em nosso cristianismo 51

Heródoto [ref 5] descreve um festival anual no Egito no qual era comemorada a


descida ao inferno de certo deus ou rei não identificado chamado
Rhampsinitius, e seu retorno à Terra. Neste festival, que parecia estar
conectado com Osiris, os sacerdotes enfaixavam um homem em um sudário e o
levavam ao templo de Ísis fora da cidade, onde eles o deixavam, ele sendo
conduzido posteriormente por dois sacerdotes desempenhando o papel de dois
guias divinos dos mortos. O aspecto significante deste relato é que o homem, no
seu retorno, trazia um lenço que se supunha ter sido usado como roupa de
baixo; isso nos remete então à estória, que só aparece no último evangelho de
São João, de como aqueles que vieram à tumba de Jesus viram o lenço estando
em um lugar e o Sudário em outro, e observaram duas figuras celestiais. Este
incidente egípcio tem o efeito de levantar uma dúvida em relação à estória do
lenço em São João; mas talvez seja apenas importante por ressaltar que deve-
se examinar os relatos dos evangelhos com precaução.

parágrafo 8
Além da adoração de Adonis havia outras crenças pagãs as quais, devido à sua
similaridade, devem ter influenciado as mentes dos pagãos a se converterem ao
cristianismo. Existia por exemplo, a adoração de Dionísio, mas desta eu vou
falar no capítulo XXII, outra religião que teve sua influência no cristianismo
foi a adoração do deus Espartano, e herói divino, Jacinto, que foi morto por
uma pancada acidental. Seu festival de 3 dias [ref 1] tomava lugar na primavera
ou no início do verão: no primeiro dia se enlutava sua morte; no segundo dia sua
ressurreição era celebrada com grandes regozijos; e no terceiro dia parece que
sua ascensão era comemorada, as esculturas em sua tumba o mostravam
ascendendo aos céus, com sua irmã virgem, na companhia de anjos ou deusas.

parágrafo 9
E novamente, havia a adoração de Átis, uma religião muito popular que deve ter
influenciado os primeiros cristãos. Átis era o deus pastor, filho de Cibele, a
Grande Mãe, ou alternativamente, a Virgem Nana, que o concebeu sem união
com um homem mortal, como na história da Virgem Maria; mas no início de sua
vida adulta ele se mutilou e sangrou até a morte aos pés de seu pinheiro
sagrado. Em Roma o festival da sua morte e ressurreição [ref 1] acontecia
anualmente entre 22 e 25 de Março; e a conexão desta religião com o
cristianismo é mostrada pelo fato de que na Frígia, Gália, Itália, e em outros
países onde a adoração a Átis era poderosa, os cristãos adotaram a data, 25 de
O Paganismo em nosso cristianismo 52

Março, como aniversário da Paixão de Nosso Senhor. [ref 2]

parágrafo 10
E neste festival de Átis um pinheiro era derrubado em 22 de Março e uma
efígie do deus era presa no tronco, Átis então sendo "morto e preso em uma
árvore" como na frase bíblica. [ref 3] (Atos 5-30) Esta efígie era
posteriormente sepultada em uma tumba. O dia 24 de Março era o dia do
sangue, no qual o sumo sacerdote, que personificava Átis, derramava sangue do
seu próprio braço e oferecia em substituição ao sangue de um sacrifício
humano, como se estivesse desta forma se sacrificando, um fato que nos
relembra as palavras na epístola dos Hebreus: "Cristo se tornando um alto
sacerdote... não pelo sangue de cabras ou bezerros, mas pelo seu próprio
sangue... obtendo redenção eterna para nós.[ref 4] Naquela noite os sacerdotes
foram até a tumba e a encontraram iluminada por dentro, e foi assim que
descobriram que ela estava vazia, o deus tendo levantado dos mortos no
terceiro dia; e no dia 25 a ressurreição era celebrada com grandes regozijos,
uma refeição sacramental de algum tipo era oferecida, e os iniciantes eram
batizados com sangue, no qual seus pecados eram lavados e se dizia que eles
"nasceram de novo".

parágrafo 11
Não há dúvida de que estas cerimônias e crenças coloriram profundamente a
interpretação colocada pelos primeiros cristãos sobre os fatos históricos da
crucificação, sepultamento, e retorno à vida de Jesus; e certamente, o
sincretismo da adoração de Átis com a de Jesus se efetivou quase sem
interrupção, pois estas cerimônias pagãs eram representadas em um santuário
no morro do Vaticano, o qual posteriormente foi tomado pelos cristãos, e a mãe
Igreja de São Pedro hoje está erguida na mesma posição. [ref 1]

Capítulo 12 A influência de Osiris e Isis

parágrafo 1
A religião popular e disseminada de Osiris e Isis exercitou considerável
influência sobre o cristianismo primitivo, pois estas duas grandes divindades
egípcias, cuja adoração perpassou para a Europa, eram reverenciados em Roma
e em diversos outros centros onde as comunidades cristãs estavam crescendo.
Osiris e Isis, como reza a lenda, [ref 1] eram irmão e irmã e depois também
marido e mulher; mas Osíris foi morto, seu corpo foi colocado num caixão e
O Paganismo em nosso cristianismo 53

jogado no Nilo, pouco depois Isis, viúva e exilada, deu a luz a um filho, Horus. O
caixão, enquanto isso, encalhou na costa da Síria, e alojou-se miraculosamente
no tronco de uma árvore, de modo que Osiris, a exemplo de outros deuses
sacrificados, pode ser descrito como tendo sido "morto e preso em uma
árvore". Esta árvore foi cortada e transformada em um pilar no palácio de
Biblos, e Isis terminou por encontrá-la. Ela removeu o caixão e se enlutou sobre
ele; e ela enfaixou a árvore ou pilar com linho e a colocou no templo, como o foi
a sagrada a árvore de Átis. Ela então levou o corpo de Osíris de volta ao Egito,
onde ele foi encontrado pelos poderes malévolos, que o despedaçaram; mas suas
partes foram novamente reunidas, e o deus se levantou dos mortos. [ref 1]
Após o que, no entanto, ele retornou ao outro mundo para reinar para sempre
como o rei dos Mortos; enquanto isso Horus, tendo crescido a idade adulta,
reinava na terra, se tornando mais tarde a terceira pessoa desta grande
trindade egípcia.

parágrafo 2
Heródoto [ref 2] afirma que o festival da morte e ressurreição de Osíris
ocorria no Egito a cada ano, mas ele não revela em qual data; e ele disse que o
povo se enlutava pelo deus morto, no início da noite acendiam lanternas fora de
suas casas que queimavam durante toda a noite. Plutarco também registra o
festival osiriano anual, e diz que durava 4 dias, dando a data do décimo sétimo
dia do mês egípcio Hathor; o qual de acordo com o calendário Alexandrino usado
por ele, correspondia ao dia 13 de novembro. [ref 1] Hoje sabemos a partir de
registros egípcios antigos [ref 2] que a festa em honra de todos os mortos,
quando tais lanternas eram acesas, acontecia no décimo oitavo dia do primeiro
mês do ano; e como o ano começava originalmente ao redor de 21 de outubro
esta festa teria a princípio caído ao redor de 8 de novembro, e portanto,
fazendo um ajuste do calendário, pode ser idêntica à descrita por Heródoto.

parágrafo 3
Em outras palavras, o festival de Osíris tinha nos tempos antigos sido
identificado com a festa das lanternas comemorando os mortos em geral,
ocorrendo no início de novembro. [ref 4] Mas a festa cristã de todas as almas,
em honra aos mortos, igualmente cai no início de novembro; e em muitos países
lanternas e velas são queimadas durante toda a noite naquela ocasião. Este
festival foi inicialmente reconhecido pela Igreja no ano 998 DC; mas Frazer
[ref 1] mostrou que com este reconhecimento o clero estava simplesmente
regularizando um costume pagão imemorial e disseminado que eles não
O Paganismo em nosso cristianismo 54

conseguiram suprimir, e parece haver pouca dúvida de que este costume era
idêntico com o festival egípcio. Na reforma a celebração foi abolida na Igreja
da Inglaterra, no entanto ela tem sido revivida pelos Anglo-católicos; mas o
festival de todos os santos; que é comemorado um dia antes daquele do de
todas as almas, foi inicialmente reconhecido pela Igreja no ano 835 DC, tem
origem indubitavelmente idêntica. Este ainda consta como um festival no
calendário Eclesiástico; e portanto os cristãos inconscientemente perpetuam a
adoração de Osiris e a comemoração de todos os seus súditos no reino dos
Mortos.

parágrafo 4
O pai cristão, Fírmico Materno, [ref 2] escrevendo no quarto século DC,
descreve como os adoradores de Osíris se enlutavam por seu deus morto
durante um certo número de dias, e depois regozijavam-se dizendo: " Nós o
encontramos". Na comemoração do sepultamento do deus, diz o mesmo escritor,
o costume era fazer uma imagem de Osiris e colocá-la em um pinheiro que tinha
sido cortado para este propósito; e então, como no caso do deus Átis,
novamente temos o deus "morto e preso em uma árvore".

parágrafo 5
Mas enquanto a estória da morte e ressurreição de Osíris pode ter influenciado
o pensamento dos primeiros cristãos em relação à morte e ressurreição de
Nosso Senhor, não há dúvida de que os mitos de Isis tiveram uma relação direta
com a elevação de Maria, a mãe de Jesus, à sua posição celestial na teologia
católica Romana. [ref 1] A adoração de Isis foi introduzida em Roma no
primeiro século AC, e ao redor de 80 AC Sulla fundou um colégio de Isis naquela
cidade. Logo após apareceram templos para ela em Pompéia, Benevento,
Malcesina no Lago Garda, e em muitos outros lugares; e do tempo de Vespasiano
para frente sua adoração se espalhou por toda Europa ocidental, algumas terras
estando "cheias da Loucura de Isis" como declarou um cristão primitivo, [ref 1]
existindo um templo de Isis até em Southwark, Londres. Em Roma o último
festival registrado em sua honra ocorreu em 394 DC, mas sua adoração
sobreviveu até o quinto século DC, sendo uma das últimas crenças pagãs a
persistir contra o cristianismo.

parágrafo 6
Existem dois aspectos de Isis que se remetem particularmente aos seus
adoradores: primeiro, aquele da Senhora das Tristezas, chorando por Osiris
O Paganismo em nosso cristianismo 55

morto, segundo, aquele da divina mãe, cuidando de seu filho bebê, Horus. Na
primeira característica ela foi identificada com a grande deusa Mãe, Demeter,
cujo enlutamento por Perséfone foi a principal característica dos mistérios
Eleusinos; e ela estava também proximamente relacionada com outra Mater
Dolorosa, a Mãe Deusa Cibele, cujo enlutamento por seu filho morto Átis era
comemorado anualmente em Roma, e cujo templo ficava no morro do Vaticano
onde hoje está o de São Pedro, o centro da Igreja que adora a "Mãe de Deus"
exatamente por esta característica.

parágrafo 7
No aspecto de mãe de Hórus, Isis era representada em dezenas de milhares de
estatuetas e pinturas, segurando a divina criança em seus braços; e quando o
cristianismo triunfou estas pinturas e figuras tornaram-se as da Madona com a
Criança sem nenhuma quebra de continuidade; nenhum arqueólogo, de fato, pode
hoje dizer se alguns destes objetos representam uma ou outra.

parágrafo 8
O título "Mãe de Deus" foi inicialmente aplicado a Maria, a mãe de Jesus, pelos
teólogos de Alexandria, o grande centro egípcio de adoração de Isis, perto do
fim do terceiro século; e no quarto século, quando o cristianismo estava
rapidamente triunfando sobre o paganismo, Maria passa a ser referida com
aquele título com frequência crescente. Pouco antes do ano 400 DC, Epifânio
denunciou as mulheres da Trácia, da Arábia, e de outros locais, por adorarem
Maria como uma verdadeira deusa, oferecendo bolos em seu templo. Ao redor
do ano 430 DC, no entanto, o teólogo cristão Proclo pregou um sermão
saudando-a como um tipo de divindade, chamando-a de Mãe de Deus e
mediadora entre Deus e o homem; [ref 1] mas Nestório, outro cristão
dignatário, objetou contra isso, preferindo considerá-la como os primeiros
cristãos o fizeram, quer dizer, como um veículo escolhido mas completamente
mortal. Em 431 DC Cirilo de Alexandria pregou um sermão decisivo em Éfeso,
usando termos para se referir a Maria que poder-se-ia considera-la como tendo
assumido o lugar nas afeições humanas deixado vago pelo gradual
desaparecimento de Isis e de sua contraparte, Diana ou Artemis, que tinha sido
a grande deusa dos Efésios. Como resultado deste sermão, Nestório foi
deposto, para grande deleite do povo; e daí para frente Maria foi a rainha
suprema dos céus.

parágrafo 9
O Paganismo em nosso cristianismo 56

Ao redor deste tempo uma estória, atribuída a Melitão, Bispo de Sardes no


segundo século, mas provavelmente de origem bem posterior, começou a
espalhar que Maria tinha sido miraculosamente carregada aos céus por Jesus e
seus anjos; e no sexto século o Festival da Assunção, que celebra este evento,
foi reconhecido pela Igreja, [ref 1] e hoje é uma das grandes festas do
catolicismo romano, no entanto ele foi abandonado pela Igreja da Inglaterra na
reforma, e só agora está gradualmente retornando sob os auspícios dos Anglo-
católicos. É celebrado no dia 13 de agosto; sendo esta a data do grande festival
de Diana ou Artemis, com as quais Isis era identificada, e pode-se ver,
portanto, como Maria gradualmente tomou lugar da deusa.

parágrafo 10
Artemis era, em um aspecto, identificada com Selene, a deusa-Lua, identificada
com o símbolo da lua crescente; e Isis, similarmente, era identificada com a lua.
Isto explica a presença da lua crescente em tantas pinturas da Virgem Maria.
Isis era também identificada com Vênus ou Afrodite; e o enlutamento de Isis
pela morte de Osíris foi então assimilado ao enlutamento de Vênus pela morte
de Adonis. Mas Afrodite nasceu da espuma do mar, e portanto Isis
gradualmente tornou-se a deusa patrona do mar, e dos marinheiros; e quando a
Madona tomou o lugar de Isis ela também tomou o título de Stella Maris,
"Estrela do Mar", nome pelo qual ela é tão frequentemente chamada em países
católicos romanos. A este respeito é interessante saber que a figura de Isis,
navio na mão, está esculpida em um painel de marfim dos tempos pagãos, o qual,
sem nenhum senso de incongruência, foi inserido na idade média ao lado do
púlpito da Catedral de Aix, onde pode ser visto hoje. [ref 1] Posso mencionar
que na Igreja de Santa Úrsula em Colônia uma estátua de Isis foi adaptada na
idade média para servir como um dos capitéis dos pilares. [ref 2]

parágrafo 11
Isis foi também identificada com a deusa Astarte, ou Ashtoreh (de Ashtaroth
na Bíblia), rainha dos céus; e como aprendemos de Jeremias [ref 3] as mulheres
hebraicas faziam oferendas a ela, e indo diretamente aos tempos modernos em
Pafos no Chipre, as mulheres fazem oferendas à Virgem Maria como Rainha dos
céus nas ruínas do antigo templo de Astarte.

parágrafo 12
O Festival da Anunciação da abençoada Virgem é celebrado nas Igrejas romana
e Anglicana em 25 de Março, uma data marcada pelo fato de que corresponde a
O Paganismo em nosso cristianismo 57

exatos nove meses de embriogenia antes do dia 25 de dezembro, data adotada


pela Igreja como sendo o aniversário do nascimento de Jesus. Mas, como eu
mostrarei em outro capítulo, o dia 25 de dezembro era na verdade a data, não
do nascimento de Jesus, mas a do deus-sol, Mitra. Horus, filho de Isis, no
entanto, era em tempos anteriores identificado com Ra, o deus-sol egípcio, [ref
1] e portanto com Mitra; e então o festival cristão comemora a Anunciação de
Isis, não a de Maria.

Capítulo 13 A influência de Mitra

parágrafo 1
Durante os primeiros três séculos e meio DC o mais poderoso rival do
cristianismo era a religião conhecida como mitraismo, quer dizer, a adoração do
Deus solar Mitra ou Mitras que foi introduzido em Roma por marinheiros
Cilicianos ao redor de 68 AC, e posteriormente espalhado por todo o mundo
romano, até pouco antes do triunfo final do cristianismo, era a mais poderosa
fé pagã no império. Ela foi suprimida pelos cristãos nos anos 376 e 377 DC; mas
seu colapso parece ter ocorrido mais pelo fato de que naquele tempo muitas das
suas doutrinas e cerimônias foram adaptadas pela Igreja, de modo que ela foi
praticamente absorvida por sua rival, Jesus Cristo suplantando Mitra nas
adorações dos homens sem a necessidade de nenhuma reviravolta.

parágrafo 2
Originalmente Mitra era um dos deuses menores do antigo panteão Persa, mas
ele passou a ser considerado como o Sol espiritual, a luz dos céus, o chefe e a
personificação dos sete espíritos divinos da bondade; e já no tempo de Cristo
ele havia se tornado igual a, apesar de ter sido criado por, Ormuzd (Ahura-
Mazda), o ser supremo, [ref 1] e mediador entre ele e o homem. [ref 2] Parece
que ele viveu uma vida encarnada na terra, e que de alguma forma desconhecida
ele sofreu uma morte para o bem da humanidade, uma imagem simbolizando sua
ressurreição sendo empregada em suas cerimônias. [ref 3] Tarso, o lar de São
Paulo, foi um dos grandes centros de sua adoração, sendo a cidade capital dos
Cilicianos; e como aparece no presente, existe decididamente uma coloração de
mitraismo nas epístolas e evangelhos. Então as designações de Nosso Senhor
como a luz do dia da primavera das alturas,[ref 4] a luz,[ref 5] o sol da
correção,[ref 6] dentre outras expressões similares, são relacionadas ou
emprestadas da fraseologia mitraica.
O Paganismo em nosso cristianismo 58

parágrafo 3
Mitra nasceu de uma rocha, [ref 1] como é mostrado nas esculturas mitraicas,
sendo às vezes chamado de "o deus que saiu da rocha", e sua adoração foi
sempre conduzida em uma caverna; e a crença geral da Igreja primitiva de que
Jesus nasceu numa caverna é um exemplo direto da apropriação das idéias
mitraicas. As palavras de São Paulo, "eles beberam daquela Rocha espiritual... e
aquela Rocha era Cristo" [ref 2] são emprestadas das escrituras mitraicas; pois
não apenas Mitra era "a rocha", mas um de seus atos mitológicos, que também
aparece nos atos de Moisés, era bater na rocha para produzir água, a qual seus
seguidores bebiam com entusiasmo. Mártir Justino [ref 3] reclama que as
palavras proféticas no livro de Daniel [ref 4] referentes à uma pedra que foi
cortada da Rocha sem as mãos, foram também usadas no ritual mitraico; e é
evidente a grande importância dada pela Igreja Primitiva às supostas palavras
de Jesus direcionadas a Pedro - "sobre esta Rocha eu construirei minha Igreja"
- que foram devidas à sua aproximação com a idéia mitraica do Theos ek Petras,
o "Deus da Rocha". Pode ser que a razão de o morro do Vaticano em Roma ter
sido considerado como sagrado por Pedro, a "Rocha" cristã, foi porque ele já
era sagrado para Mitra, pois vestígios mitraicos foram encontrados lá.

parágrafo 4
O incidente mais importante da vida de Mitra foi sua luta com um touro
simbólico, que ele subjugou e sacrificou, e do sangue do sacrifício veio a paz
mundial e a fartura, representada por espigas de milho. Parece que o touro
significa a terra ou a humanidade, e a implicação é a de que Mitra, assim como
Cristo, superou o mundo; mas em escritos Persas primitivos Mitra era o próprio
touro, [ref 2] o deus que se sacrifica, o que é próximo da idéia cristã. Em
tempos posteriores o touro é substituído por um carneiro; mas o carneiro
zodiacal, Aries, que é associado com Mitra, foi substituído por um cordeiro no
zodíaco Persa, [ref 1] de modo que é um cordeiro que é sacrificado, [ref 2]
como no conceito Pascoal de Jesus. A idéia de que este sacrifício tinha
originalmente uma vítima humana, e que posteriormente envolveu a idéia da
morte sacramental de um ser humano, fica clara a partir do fato de que
Sócrates, o historiador da Igreja, acreditava que vítimas humanas ainda eram
sacrificadas nos mistérios mitraicos até algum período antes de 360 DC. [ref 3]

parágrafo 5
Então a suprema idéia cristã do sacrifício do cordeiro de Deus era familiar aos
adoradores de Mitra; e da mesma forma que Mitra era uma personificação dos
O Paganismo em nosso cristianismo 59

sete espíritos de Deus, também o cordeiro sacrificado no livro da Revelação


tem sete chifres e sete olhos" que são os sete espíritos de Deus." Escritores
primitivos dizem que o cordeiro era consagrado, morto, e comido na Igreja
como um ritual de páscoa; mas a páscoa era um festival mitraico, [ref 5]
presumivelmente o da ressurreição do seu deus, e o paralelo fica então
completo, em relação ao qual deve ser notado que no século 7 a Igreja tentou
sem sucesso suprimir a visualização de Cristo como um cordeiro, devido ao
paganismo envolvido na idéia. [ref 1]

parágrafo 6
As cerimônias de purificação pelo borrifamomento ou ensopamento do iniciado
com sangue de touros ou carneiros era disseminado, e eram encontrados nos
rituais de Mitra. Por meio desta purificação um homem "nascia novamente", [ref
2] e a expressão cristã "lavado no sangue do cordeiro" é indubitavelmente uma
imagem espelhada desta idéia, a referência fica muito clara nas palavras da
epístola aos Hebreus: "Não é possível que o sangue de touros ou de cabras deva
remover os pecados." nesta passagem o escritor continua dizendo: "Portanto,
irmãos, temos plena confiança para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de
Jesus, por um novo e vivo caminho que ele nos abriu por meio do véu, isto é, do
seu corpo...Sendo assim, aproximemo-nos de Deus com um coração sincero e
com plena convicção de fé, tendo os corações aspergidos para nos purificar de
uma consciência culpada e tendo os nossos corpos lavados com água pura. [ref
3] (Hebreus 10: 19-21) está claro que o autor da epístola estava pensando
naqueles ritos mitraicos com os quais todos daquele tempo deveriam estar
muito bem familiarizados.

parágrafo 7
Outra cerimônia na religião de Mitra era cruzar andando um canal de água, com
as mãos emaranhadas nas entranhas de um pássaro, significando o pecado, e ser
"libertado" no outro lado; e isso parece ter sido referido por São Paulo quando
ele diz: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam
firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão. [ref 1]
(Gálatas 5:1)

parágrafo 8
Tertuliano [ref 2] afirma que os adoradores de Mitra praticavam batismo pela
água, através do qual se pensava redimir os pecados, e que o sacerdote fazia um
sinal na testa da pessoa batizada; mas como este também é um ritual cristão,
O Paganismo em nosso cristianismo 60

Tertuliano declara que o diabo deve ter efetivado esta coincidência para suas
finalidades perversas. "O diabo", ele também escreve, "imita até as partes
principais de nossos mistérios divinos", e "aplicou a adoração de Ídolos às
próprias coisas que consistem a administração dos sacramentos de Cristo."

parágrafo 9
Nesta passagem ele deve estar se referindo ao rito batismal e também à
eucaristia mitraica, dos quais o Mártir Justino [ref 1] já tinha reclamado
quando declarou que foi Satã quem plagiou a cerimônia, fazendo com que os
adoradores de Mitra recebessem o pão consagrado e o cálice com água. A
cerimônia de comer o corpo de um Deus encarnado e beber seu sangue é, com
certeza, muito antiga, e originalmente canibalistica, e existem várias fontes das
quais o ritual cristão pode ter derivado se, como a maioria dos críticos pensam,
ele não foi instituído como uma cerimônia verdadeira por Jesus; sendo a sua
conexão com o ritual mitraico a mais aparente.

parágrafo 10
Os Adoradores de Mitra eram chamados de"Soldados de Mitra", que é
provavelmente a origem do termo "soldados de Cristo" e da exortação aos
cristãos para "colocarem a armadura da Luz", [ref 1] sendo Mitra o Deus da
Luz. Assim como no cristianismo, eles não reconheciam distinções sociais, ricos
e pobres, livres e escravos, eram igualmente admitidos no exército do Senhor.
O mitraísmo tinha suas austeridades, tipificadas nos rituais severos de
iniciação suportados por um "soldado de Mitra": e a epístola a Timóteo,
similarmente, exorta os cristãos para "suportarem as dificuldades como um
bom soldado de Jesus Cristo." [ref 2] Também havia freiras e homens
celibatários; [ref 3] e um dos seus principais pressupostos era o controle da
carne e a repudiação do mundo material, isto sendo simbolizado na cerimônia de
iniciação, na qual uma coroa era oferecida ao iniciante, que deveria rejeitá-la,
dizendo, como o faziam os cristãos, que era por uma coroa dos céus a qual eles
procuravam. Nós escutamos também, hinos que poderiam ser usados com mesma
propriedade por cristãos e mitraistas. [ref 4]

parágrafo 11
A adoração mitraica sempre ocorria em cavernas, fossem elas naturais ou
artificiais. Os primeiros cristãos abertamente e sem motivações de segurança
ou segredo, empregaram aquelas câmaras rochosas conhecidas como
catacumbas tanto para seus sepultamentos como para suas adorações públicas.
O Paganismo em nosso cristianismo 61

Assim como nas cavernas mitraicas, estas catacumbas eram decoradas com
pinturas, dentre as quais se observava com freqüência a representação de
Moisés batendo na rocha, a qual como eu disse antes, possui um paralelo
mitraico. O tema mais frequente é o de Cristo como o bom pastor; e apesar de
haver uma concordância generalizada de que a figura de Jesus carregando o
cordeiro é tirada das estátuas de Hermes Kriophoros, [ref 1] o Deus que
carrega uma criança, Mitra é algumas vezes mostrado carregando um touro
sobre seus ombros, e Apolo, que tanto no seu aspecto solar quanto como
patrono das rochas, [ref 2] identificado com Mitra, é frequentemente
chamado "o Bom Pastor." No Nascimento de Mitra a criança foi adorada por
pastores, que trouxeram presentes para ele. [ref 3]

parágrafo 12
O sabat hebreu foi abolido pelos cristãos e a Igreja tornou sagrado o dia de
domingo, parcialmente porque era o dia da ressurreição, mas principalmente
porque era o festival semanal do Sol; pois era uma política cristã definida a de
se apropriar dos festivais pagãos tradicionais queridos pelo povo. Mas como um
festival solar, o domingo era o dia sagrado de Mitra; e é interessante notar que
uma vez que Mitra era referido como Dominus, "Senhor", o domingo deve ter
sido "o dia do Senhor" muito antes dos tempos cristãos. Eu devo novamente
mencionar aqui de passagem, um assunto do qual eu já comentei e vou retornar a
ele em um capítulo posterior, a saber, o da origem de nosso natal. O dia 25 de
dezembro era o aniversário do Deus sol, particularmente de Mitra, e foi
apropriado pelo cristianismo, apenas no quarto século, como sendo o nascimento
de Jesus, cujo verdadeiro aniversário era desconhecido.

parágrafo 13
O líder da Fé mitraica era chamado Pater Patrum, "O pai dos Pais", e ficava
sentado em Roma; e similarmente o líder da Igreja era o Papa, ou "Pai", o qual
também estava sentado em Roma. A Coroa do Papa é chamada de tiara, mas a
tiara é Persa, e portanto talvez fosse um adorno mitraico. A antiga cadeira
preservada no Vaticano que se supõe ter sido o trono pontífice usado por São
Pedro é na realidade de origem pagã e pode ser mitraica também, pois carrega
sobre ela certos entalhes pagãos os quais se pensa estarem conectadas com
Mitra. [ref 1]

Capítulo 14 A origem da eucaristia


O Paganismo em nosso cristianismo 62

parágrafo 1
No capítulo anterior eu apontei que a eucaristia sacramental era uma
característica dos ritos do mitraismo; e o leitor deve lembrar que os elementos
eram pão e água, não pão e vinho. Eu quero agora mostrar que no primeiro século
a celebração cristã era simplesmente uma cerimônia de lembrança formando
parte de uma refeição real, o segundo elemento naqueles dias era o vinho; mas
no segundo século a cerimônia se tornou um sacramento, e ao mesmo tempo a
água tomou o lugar do vinho, o que parece mostrar a influência do rito mitraico
sobre o cristão.

parágrafo 2
A referência à cerimônia cristã mais antiga que se conhece é a da primeira
epístola de São Paulo aos Coríntios, [ref 1] escrita há cerca de 25 anos após a
crucificação. Ela nos conta que os crentes estavam acostumados a se encontrar
e a celebrar a ceia do senhor comendo uma refeição juntos, aparentemente a
partir de mantimentos de uma despensa comum, mas parece que isso degenerou
em um evento desconcertante no qual alguns comiam e bebiam muito ou muito
rapidamente em detrimento de outros. São Paulo portanto impôs a eles que se
contivessem e que esperassem uns pelos outros, adicionando que uma vez que
esta era uma refeição Sagrada, na qual o corpo de Jesus seria percebido,
aqueles muito famintos deveriam comer algo em casa antes de vir. Ele então os
lembra da origem da cerimônia, a qual ele relata: " Porque eu recebi do Senhor
o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído,
tomou o pão; E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu
corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim.” [ref] [Coríntios-
11: 23-24]

parágrafo 3
Em outra parte da mesma epístola [ref 1] (1 Coríntios 10:16) ele diz:”Não é
verdade que o cálice da bênção que abençoamos é uma participação no sangue
de Cristo, e que o pão que partimos é uma participação no corpo de Cristo?” e
ele alerta aos Coríntios contra a participação em cerimônias similares em honra
de Deuses pagãos, os quais ele descreve como "demônios": "Vocês não podem
beber do cálice do Senhor e do cálice dos demônios; não podem participar da
mesa do Senhor e da mesa dos demônios. Porventura provocaremos o ciúme do
Senhor? Somos mais fortes do que ele? " ref (Coríntios 1-10:21,22) a refeição,
então, era um ritual sagrado, semelhante a certos rituais sagrados em outras
O Paganismo em nosso cristianismo 63

religiões, e talvez copiado em alguma parte do Kiddush, a refeição religiosa


partilhada pelos judeus na tarde do sabat, no qual o pão e o cálice eram
solenemente abençoados; e enquanto existe uma indicação [ref 1] de que todos
os presentes partilharam os fragmentos de apenas uma bisnaga de pão sagrado,
e de que a refeição terminava [ref 2] após uma rodada de um cálice especial de
vinho, o caráter geral da cerimônia era o de uma refeição comunitária. Assim
permaneceu até tão tarde quanto 112 DC, quando, na famosa carta escrita por
Plínio, [ref 1] a refeição é descrita como sendo igualada com aquelas de outras
sociedades (ou associações comerciais), e como sendo bem ordinária e inocente.
Provavelmente era muito parecida com as festas sagradas realizadas no templo
de Sérapis em Alexandria, as quais, de acordo com Aristides, estabelecia uma
comunhão real com o Deus. Um convite para uma destas festas de Serapis foi
encontrada nos tempos modernos no Egito. [ref 2]

parágrafo 4
No Didaqué, [ref 3] ou Ensinamento dos Apóstolos, um documento datado de
algum tempo logo após o ano 90 DC, são dadas instruções em relação a esta
refeição a qual se realizava aos domingos. Os procedimentos eram iniciados por
uma rodada do cálice, o conteúdo do qual era descrito simplesmente como "o
sangue sagrado de Davi", nenhuma referência sendo feita ao Sangue de Cristo;
e então o pão repartido era distribuído, sendo descrito como simbolizando "a
vida e o conhecimento nos revelado através de Jesus." Na sequência o grupo
comia entusiasticamente das provisões comuns, e, "após estarem satisfeitos"
agradeciam pela comida e bebida verdadeiras dadas por Deus para a alegria dos
homens, e também pela comida e bebida espirituais e pela vida eterna revelada
através de Jesus. No evangelho de São Marcos, [ref 1] datado
aproximadamente do mesmo tempo, o relato do incidente na vida de Jesus
sobre o qual a cerimônia foi fundada é dado em palavras muito parecidas com as
de São Paulo, mas com a diferença de que em relação ao cálice Ele diz: "Este é
meu sangue do novo compromisso, que é abrigo para muitos." No próximo
evangelho, o de São Lucas, [ref 2] o relato é muito similar.

parágrafo 5
A partir destas duas estórias Evangélicas o incidente pode ser reconstruído.
Foi no entardecer de quinta-feira, a data verdadeira talvez sendo 6 de Abril,
ano 30 DC; [ref 3] que o grupo estava reunido para comer a refeição tradicional
da páscoa. Jesus sabia que ele era passível de ser preso a qualquer momento, e
que sua execução iria acontecer na sequência; e portanto quando, na condição
O Paganismo em nosso cristianismo 64

usual de um anfitrião, ele circulou os pedaços de pão para serem mergulhados


no molho do cordeiro cozido, Ele fez o triste pronunciamento que deste mesmo
modo Seu corpo seria partido. E mais tarde, após a refeição, quando como de
costume, Ele circulou um cálice com vinho, Ele comparou com seu sangue que
estava para ser derramado, e pediu a seus amigos para não se esquecerem do
sacrifício que ele estava fazendo, e para se lembrarem da sua morte sempre
que eles repartissem o pão ou bebessem o vinho.

parágrafo 6
Não há nenhuma evidência autêntica de que Jesus tencionava estabelecer uma
Igreja ou criar regras para futuros ritos eclesiásticos. Ele se opunha a formas
e cerimônias, o reino dos céus como pregado por ele estando no coração dos
homens; e portanto não é surpreendente descobrir que os cristãos do primeiro
século comemoravam o incidente somente na maneira descrita acima. Mas uma
mudança ocorreu na cerimônia. No evangelho de São João (talvez ao redor de
105 DC) o evento da Última Ceia é deliberadamente omitido, como se ela não
fosse uma fundação suficiente para o novo sacramentalismo o qual estava se
ligando ao ritual, e ao invés disso, uma longa passagem [ref 1] é colocada
pretendendo dar as palavras de Jesus. Supõe-se que ele diz que é o pão da vida,
o pão vivente; que sua carne é na verdade alimento, e que seu sangue é na
verdade bebida; e que a menos que os homens comam sua carne e bebam o seu
sangue eles não terão a vida eterna. Este evangelho, que de fato não foi
reconhecido como fidedigno pela Igreja primitiva, é o único no qual Jesus fala
de "pão" ou "água". Então vem o último evangelho sinótico, aquele de São
Mateus [ref 3] (100-110 DC), no qual, após as palavras "este é meu sangue do
novo compromisso o qual é abrigo para muitos, " alguém adicionou "para a
remissão dos pecados", uma reconhecida interpolação, dando uma interpretação
sacrificial à passagem.

parágrafo 7
Acerca do mesmo tempo em que a refeição comunitária e a “cerimônia da
lembrança” se transformou em um rito sacramental, a água foi substituída por
vinho; e o Mártir Justino, [ref 3] escrevendo ao redor de 140 DC, descreve
como os crentes agora recebem o pão e a água [ref 1] distribuída pelos
diáconos, e como estes elementos são considerados como a carne e o sangue de
Jesus. Ele então adiciona que o pão e a água são também usados na eucaristia
dos adoradores de Mitra, um fato que ele atribui às maquinações de Satã; e em
relação ao pão é significante pontuar que ele era produzido na forma de
O Paganismo em nosso cristianismo 65

hóstias, cada uma marcada com a cruz, como pode ser visto em um baixo relevo,
descoberto nos tempos modernos, representando a comunhão mitraica. [ref 2]
Por alguns anos a água foi usada ao invés de vinho em muitas comunidades
cristãs, mas Ireneu (ao redor de 180 DC) fala de água misturada com vinho, e
este costume levou a uma interpolação no evangelho de São João que afirma que
uma mistura de sangue e água fluiram da ferida lateral de Jesus. [ref 3] Água
pura, no entanto, ainda foi usada até 250 DC; mas no período de supressão do
paganismo no fim do quarto século foi proibido por lei - mais uma indicação de
que seu uso tinha sido emprestado dos ritos pagãos. Devo adicionar que alguns
críticos supõem que a eucaristia mitraica comemorava a última ceia de Mitra
quando ele comeu a refeição com Helios antes de ascender aos céus. [ref 1]

parágrafo 8
Estes fatos mostram claramente, penso eu, que a ceia de Nosso Senhor foi
transformada de uma refeição verdadeira em um rito sacramental com
influências mitraicas dentre outras pagãs antigas; e portanto nós devemos
procurar a origem do seu novo caráter sacrificial em outras religiões. Nos dias
primitivos o canibalismo era largamente praticado com o propósito de se
adquirir as virtudes da pessoa morta comendo sua carne e bebendo seu sangue.
Era costumeiro comer a carne de uma vítima sacrificial, humana ou animal, e nos
casos nos quais as vítimas eram identificadas com a divindade para a qual elas
eram oferecidas, a carne era comida e o sangue era bebido de modo a efetivar
a comunhão com a divindade. O canibalismo ainda ocorria no mundo civilizado no
primeiro século DC, e ritos que eram uma substituição palpável para ele eram
praticadas por todos os lados, e como no caso dos mistérios de Dionísio, no qual
era comido um pão com a imagem de uma ciança, e nos de Apollo em Lárissa, nos
quais o oráculo era pronunciado por uma sacerdotisa que usava beber o sangue
do cordeiro sacrificado e então se tornava possuída pelo deus. Tertuliano,
escrevendo ao redor de 200 DC, diz que sangue humano ainda era bebido na
adoração do Latiarian Jove. [ref 1] Os primeiros cristãos, deve ter estado
muito familiarizados com a idéia de comer sacramentalmente o corpo de um
Deus; e de fato, pode-se dizer que tais frases como "Exceto você come a carne
do filho do homem e bebe seu sangue..." poderiam somente ter sido escritas por
alguém que cresceu dentre os ritos baseados no canibalismo imemorial e a quem
a idéia de devorar seu deus era perfeitamente normal.

parágrafo 9
O Paganismo em nosso cristianismo 66

Uma vez tendo se paganizado desta maneira o ritual cristão tomou um caráter
definitivamente canibalístico; e a idéia de transubstanciação, pelo qual se
pensava que o pão e o vinho se tornavam o verdadeiro corpo e sangue de Jesus,
desenvolveu-se rapidadamente. Tertuliano diz que os sacerdotes tomavam
muito cuidado para não deixarem que algum farelo do pão ou gota d’água
caissem no chão, para não machucar o corpo de Jesus. Logo tornou-se
costumeiro em certas comunidades cristãs fazer o pão na forma de um homem,
de modo que um comungante pudesse comer a orelha de Cristo, outro o seu
olho, um terceiro o seu dedo, e assim por diante, de acordo com seu status
social, isto tendo sido finalmente proibido pelo Papa Pelagius I. No ano 818
Paschasius estava muito incomodado pelo pensamento de que o corpo de Cristo,
tendo sido comido, se transformaria em excremento; e na Idade Média
existiam discussões sérias sobre o que deveria ser feito se uma pessoa
vomitasse após receber o sacramento, ou se por azar um cão ou rato comesse o
corpo de Deus. [ref 1] No século 19 Hincmar de Reims afirmou que a única razão
pela qual o pão sacramental ainda tinha aparência de pão após ter se tornado
misticamente na carne de Jesus, era que deus havia percebido o quão horrível
seria para o comungante se a carne verdadeira, crua e sangrenta, se tornasse
visível.

parágrafo 10
Na bula de Pio IV, publicada após o Concílio de Trento, o dogma católico romano
em relação a transubstanciação era assim descrito: "No sacramento da
eucaristia existe verdadeiramente, realmente, e em substância o corpo e o
sangue, juntos com a alma e a divindade, do Nosso Senhor Jesus Cristo; e lá
acontece a conversão completa da substância do pão no corpo e a conversão
completa da substância do vinho no sangue; [ref 1] e na Confissão Helvética
[ref 2] de 1566 é dito que na eucaristia "existe uma mascação sacramental do
corpo do Senhor." Mas na reforma a Igreja inglesa adotou a visão de que " O
corpo de Cristo é comido apenas de um modo espiritual", e rejeita a
transubstanciação classificando-a como idolatria, e sancionou medidas
restritivas em relação à preservação do Sacramento caso ele fosse adorado ao
modo romano como o corpo verdadeiro de Nosso Senhor. [ref 1]

parágrafo 11
A idéia pagã antiga, no entanto, como mostrada acima, entrou na Igreja no
século 2, e está gradualmente retornando ao rito Anglicano; pois os deuses
antigos morrem lentamente, e os instintos canibais da raça humana ainda estão
O Paganismo em nosso cristianismo 67

latentes no seu misticismo. Mas os protestantes na sua luta com os Anglo-


católicos em relação a esta matéria acreditam que estão se opondo às práticas
Papais: eles não parecem perceber que na verdade estão defendendo um tipo de
racionalismo do século 20 contra as tradições imemoriais de todo mundo antigo
pagão.

Capítulo 15 A origem da idéia da Redenção

parágrafo 1
A doutrina da redenção tem sido considerada há tanto tempo como o próprio
centro da fé cristã que a tendência de se reconsiderar sua significância, que
hoje aparece nos círculos intelectuais cristãos, chega como um impacto aos
conservadores. No entanto ela não aparece verdadeiramente como um dogma no
"Credo dos Apóstolos" exceto no que está envolvido nas palavras "o perdão dos
pecados"; e no "Credo Atanasiano", recitado na Igreja da Inglaterra em certas
festividades, as palavras "Cristo, que sofreu para nossa salvação" são as únicas
referências a ela. Nos 39 artigos da Fé Anglicana que são frequentemente
lidos, no entanto, as palavras são definitivas: "Cristo sofreu para reconciliar seu
pai conosco, como um sacrifício, não apenas pelo pecado original, mas também
por todos os pecados dos homens;" e "a oferta de Cristo uma vez feita é de
redenção perfeita, perdão, e satisfação para todos os pecados do mundo
inteiro, tanto original quanto atual, e não há nenhuma outra satisfação para o
pecado, além daquela".

parágrafo 2
A doutrina como ela é compreendida por cristãos conservadores é simplesmente
assim: devido à desobediência de Adão ao comer a maçã simbólica que Deus
havia proibido a ele, o pecado e a morte entraram no mundo, todo ser humano
passou daí em diante a nascer sob uma maldição e privado da benção dos céus,
exceto em certos casos privilegiados. Deus no entanto, desejando terminar com
esta situação e restaurar as relações normais com a humanidade, enviou seu
filho ao mundo para que Ele pudesse sofrer uma morte sacrificial que poderia
ser considerada pelo criador como uma satisfação completa pelo crime de Adão;
e o resultado foi que o cristão não está mais impedido pelo pecado original de
entrar nos céus. Esta restauração das relações normais entre Deus e o homem
é a redenção, a grande reconciliação, e foi trazido como valor de perdão dos
sofrimentos pela morte de Jesus.
O Paganismo em nosso cristianismo 68

parágrafo 3
Deve ser explicado que nos dias de hoje, quando o reconhecimento da
descendência do homem de formas mais simples de vida eliminou Adão e Eva da
história, e os relegou à província da lenda mitológica, nossas idéias do pecado
original tiveram de ser ajustadas. Por esta razão o cristão agora interpreta
como a tendência de todo homem em direção ao pecado, devido à sua natureza
animal ou inferior. Este ajuste, no entanto, é muito facilmente feito; e nenhum
homem, não importa quão risível ele pense que a lenda absurda do Jardim do
Éden seja, negará que entra na vida com uma carga malévola potencial sobre
seus ombros que muito ajustadamente pode ser descrita como pecado original.

parágrafo 4
Neste respeito o pensamento moderno não colide com as idéias cristãs
primitivas; mas em relação ao perdão por estas inclinações malévolas o caso é
diferente. Não podemos mais aceitar a doutrina teológica espantosa de que por
alguma razão mística um sacrifício por perdão era necessário. Ela afronta a
nossa concepção de Deus como todo poderoso ou nossa concepção dele como
sendo amoroso. O famoso Dr Cruden [ref 1] acreditava que pelo propósito do
seu sacrifício "Cristo sofreu dores terríveis infligidas por Deus" ; e isto com
certeza, é um ponto de vista que dá náuseas à mente moderna, e que pode ser
chamada de uma doutrina hedionda, conectada com as tendências sadistas da
natureza humana primitiva.

parágrafo 5
Na verdade, ela tem origem pagã, sendo talvez a relíquia mais óbvia do
paganismo na fé; e como irei mostrar no próximo capítulo, não é suportada por
nada que se conhece ter sido dito pelo próprio Jesus. No mundo antigo existia
uma crença disseminada nos sofrimentos e mortes de deuses como sendo
benéficas ao homem. Adonis, Átis, Dionísio, Heracles, Mitra, Osíris, dentre
outras divindades, eram todos Deuses salvadores cujas mortes eram
consideradas como sacrifícios feitos pelo bem da humanidade; e em quase todos
os casos existe uma evidência clara de que o Deus se sacrificou por si mesmo.

parágrafo 6
Em geral esta idéia de um Deus morrendo pelo benefício da humanidade, e se
levantando novamente, tinha sua origem no fato de que a natureza parecia
morrer no inverno e reviver na primavera, este fenômeno levando à suposição
de que a morte era necessária à vida e que portanto que o Deus preocupado
O Paganismo em nosso cristianismo 69

precisa morrer para garantir seu renascimento no crescimento das plantações.


Sacrifícios humanos eram uma característica de muitas religiões primitivas, há
muitas evidências que mostram que a pessoa morta era considerada, para todos
os propósitos, como idêntica ao Deus para o qual ela estava sendo sacrificada:
por exemplo, o executor era algumas vezes formalmente expulso ou abusado
ritualmente após matar a vítima, o que mostra que a vítima era considerada
como sagrada. Além disso, nestes sacrifícios humanos frequentemente havia
uma elaborada e grotesca presunção de que a vítima, em sua forma divina,
estava se oferecendo de livre vontade, e para evitar que se debatesse era
drogada ou tinha suas pernas e braços quebrados.

parágrafo 7
A idéia central na adoração de Adonis era a morte e a ressurreição deste Deus.
Ele foi morto por um javali, mas o javali era uma encarnação de si mesmo, e
portanto o Deus era o executor e a vítima, uma idéia apresentada na epístola
aos Hebreus, [ref 1] onde Cristo é descrito como o sumo sacerdote que, para
remover os pecados, se sacrificou. Similarmente Mitra sacrificou um touro, mas
este touro era ele mesmo, uma cabra e um touro eram sacrificados para
Dionísio, mas eles mesmos eram aspectos daquele Deus; um urso era sacrificado
para Artemis, mas este urso, igualmente, era a própria Artemis; e assim por
diante. No Hávamál uma runa mágica é pronunciada, referindo-se ao sacrifício
do deus Odin, lendo-se: "Eu sei que fiquei preso na árvore dos ventos por sete
noites completas, ferido com a lança, dedicado a Odin, eu a mim mesmo." [ref 2]
Átis se mutilou e morreu; mas ele era o Deus Pai e o filho sacrificado.

parágrafo 8
Então a idéia de um Deus se redimindo dos pecados da humanidade pelo seu
próprio sacrifício era largamente disseminada; e sacrifícios humanos em geral,
direta ou indiretamente simbolizando as mortes benevolentes dos deuses, eram
assuntos de pensamentos e conversas ordinárias. Tertuliano disse que crianças
eram sacrificadas a Saturno até o período em que Tibério foi pro-consul, [ref
1] Dion Cassius fala do sacrifício de dois soldados a Marte no tempo de Júlio
César; [ref 2] e outros exemplos podem ser citados que mostram o quão geral
era a crença na eficácia do sacrifício humano no tempo de Cristo. A idéia não
era repugnante aos judeus: a história bárbara de como Abraão esteve a ponto
de sacrificar seu próprio filho não causou tremores; os vários enforcamentos
perante o senhor, tais como aqueles dos 7 príncipes no tempo da colheita da
cevada, [ref 7] eram vistos como ocorrências perfeitamente normais; e o
O Paganismo em nosso cristianismo 70

sacrifício Bar Abbas, discutido no Capítulo 7, parece ter sido um costume


aceito.

parágrafo 9
No famoso quinquagésimo terceiro capítulo do Profeta Isaías foi desenvolvida a
idéia de uma figura nacional, distinta do Messias, cujo sofrimento e morte,
deveria redimir os pecados da nação; e no judaísmo posterior muita ênfase foi
colocada na idéia de que Israel se redimiu de suas iniquidades pelo sangue dos
justos. Nenhum judeu ortodoxo, com certeza, pensou que o Messias prometido
teria que sofrer: ele deveria ser um herói conquistador e um líder divino; mas
era opinião comum a de que os sofrimentos da nação e as mortes de seus santos
inocentes eram perdão para os pecados, de fato, que um povo justo deveria por
conseguinte ser um povo que sofre.

parágrafo 10
As visões imemoriais dos judeus em relação às ofertas por pecados eram
firmemente mantidas no tempo de Cristo: o sacrifício de um cordeiro, bode, ou
de algum outro animal pela remissão dos pecados era um costume regular, e o
bode expiatório, que carregando todos os pecados da nação, era levado ao
deserto para ser devorado por bestas predadoras, era empregado como uma
variante desta prática. "A vida da carne está no sangue," diziam as tementes
palavras antigas da lei, [ref 1] "eu a dei a vocês sobre o altar para fazer uma
redenção para suas almas, pois este é o sangue que faz redenção para a alma."
No mesmo tempo quando Jesus pregava sua mensagem de amor e gentileza, não
apenas as mentes judaicas estavam cheias destes pensamentos de carnificina
sacrificial, mas por todos os lugares se supunha que os deuses pagãos tinham
sofrido e sangrado pela humanidade, enquanto seus altares recendiam com o
cheiro do sangue de vítimas humanas e animais torturadas e sacrificadas pela
remissão dos pecados. Então os primeiros cristãos estavam com a mente aberta
para aceitar tal explicação da morte de Jesus, e em breve eles perceberam que
Ele era o próprio Messias que deveria sofrer tortura e morte como um
sacrifício de perdão pelo pecado sendo a degradação calamitosa, a qual havia
tomado o Mestre, transformada em um triunfo sacramental.

parágrafo 11
Este era o cordeiro de Deus, cujo sangue há de tirar os pecados do mundo; este
era o maior de todos os sacrifícios tradicionais dos filhos nobres por seus pais
nobres; este era o exemplo supremo da divindade na terra se sacrificando por
O Paganismo em nosso cristianismo 71

seus parceiros nos céus! O fato de que Jesus tenha sido crucificado no período
da páscoa fechou a questão: ele era para os Judeus convertidos a oferta
Pascoal sem mácula. E para os prosélitos pagãos Ele era o eternamente jovem
Adonis, morto pelo javali que era Ele mesmo; Ele era o touro de Mitra morto
pelo Deus que era Ele mesmo; Ele era Héracles se oferecendo para o fogo
sacrificial; Ele era Prometeus preso à rocha; Ele era Átis mutilando seu próprio
corpo; Ele era o sumo sacerdote se sacrificando para o Deus do qual Ele
emanou, por uma oferta de remissão de Pecado; Ele era o filho sacrificado pelo
Pai pela redenção nacional dos demônios vingadores. [ref 1]

parágrafo 12
A natureza sacrificial da crucificação, o valor sacramental da Paixão, torna-se
surpreendentemente simples; mas esta interpretação não teria se tornando
imediatamente aparente caso não existissem estas crenças pré-históricas para
preparar a mente para a revelação. Jesus não apenas cumpriu as escrituras
judaicas, mas também cumpriu aquelas do mundo pagão; assentando portanto o
grande apelo do cristianismo primitivo. Em Jesus uma dúzia de Deuses sombrios
se condensaram em uma realidade próxima; e na sua crucificação as histórias
antigas de seus medonhos sofrimentos redentores e mortes sacrificiais se
tornaram verdadeiras, e a eles foi dado um significado direto.

parágrafo 13
Não é de se admirar portanto que a doutrina obscura e selvagem da redenção
se tornou o dogma central da Nova Fé: é apenas matéria de perplexidade
constatar que ela ainda seja pregada no século 20.

Capítulo 16 O desenvolvimento da doutrina da Redenção

parágrafo 1
No capítulo anterior eu mostrei que a idéia de um sacrifício por perdão como
explicação do escândalo da crucificação se assimilou às mentes dos primeiros
cristãos devido ao fato de que tanto no judaísmo quanto em várias crenças
pagãs tal idéia já era bem conhecida. Os sofrimentos sacrificiais e mortes de
deuses em benefício da humanidade, permitam-me repetir, eram lugares comuns
na teologia pagã; e apesar de os judeus nunca terem pensado que o Messias
deveria sofrer, eles acreditavam que os sofrimentos de representantes de
Israel em redenção por pecado eram demandados pelas escrituras. Portanto
como eu disse antes, assim que os seguidores judeus de Jesus Cristo
O Paganismo em nosso cristianismo 72

compreenderam que a morte desonrosa de seu Mestre estava de acordo com as


profecias messiânicas e que tinha levado a cabo a idéia tradicional de um
sacrifício redentor, a crença em Sua divindade foi gloriosamente confirmada; e
uma vez que tal redenção era tão bem compreendida também por pagãos, os
pagãos convertidos encontraram nela o fator mais convincente de todo
argumento.

parágrafo 2
O próprio Jesus nunca disse nada, que poderia ser interpretado com certeza,
significando que o perdão do pecado original ou atual, e que uma grande
reconciliação entre Deus e o homem, deveriam ser consequências de sua morte;
ele nunca disse que sua morte deveria ser considerada uma redenção sacrificial.
As palavras "O filho do homem veio... para dar sua vida em resgate de muitos"
são evidentemente um comentário do autor do evangelho, e não as palavras de
Jesus; e mesmo que tivessem sido faladas por Jesus elas significariam tão
somente que da mesma forma que Ele viveu para trazer alegria a outros, Ele
também estava preparado para morrer sozinho por sua causa sem implicar seus
seguidores.

parágrafo 3
Supõe-se que as palavras usadas por Ele na Última Ceia indicam a natureza
sacrificial e redentora de sua morte; mas isto é uma interpretação errada. No
evangelho de São Marcos Jesus diz: "Este é meu sangue do novo compromisso o
qual é abrigo para muitos", e em São Lucas ele diz "este cálice é o novo
compromisso em meu sangue, o qual é abrigo para vós"; e é apenas no evangelho
mais tardio de São Mateus que as palavras "para a remissão dos pecados" são
adicionadas. "O crítico mais conservador," escreve o falecido Deão de Carlisle,
"não hesitará em tratar esta adição como um polimento explicativo do autor do
evangelho". [ref 1] E as outras palavras podem simplesmente significar que ele
estava prestes a entregar sua vida por seus amigos e a morrer pela causa.

parágrafo 4
O Jesus histórico e real nunca se incomodou com os mistérios da teologia: sua
vida foi de uma simplicidade transparente, e a base de seus ensinamentos era a
de que Deus era um pai amoroso que perdoaria os pecados com a simples
condição de arrependimento verdadeiro. Pode-se supor que ele teria se
espantado com a sugestão de que deus não era amoroso em relação aos homens,
mas que mostrava raiva implacável contra eles a qual poderia apenas ser
O Paganismo em nosso cristianismo 73

modificada pela tortura e a execução desonrosa do Messias. Mas São Paulo


tinha uma mente teológica, e sendo convencido por aqueles dos quais ele
aprendeu a fé, [ref 1] de que Jesus morreu para redimir sacrificialmente as
perversidades humanas, ele desenvolveu a idéia com entusiasmo.

parágrafo 5
Ele não pregou a doutrina de que a morte de uma vítima inocente afastou a ira
de deus, ao invés ele apresenta a visão de que "Deus estava em Cristo
reconciliando o mundo com ele mesmo" [ref 2] - uma afirmação diametralmente
oposta àquela dos 39 artigos Anglicanos, onde está dito que "Cristo sofreu para
reconciliar seu Pai conosco." No entanto a idéia do sacrifício estava certamente
em sua mente, pois ele escreve: "Deus enviou seu filho como uma oferta pelo
pecado"; "Nossa páscoa também foi sacrificada, inclusive Cristo" ; "nós estamos
justificados (perdoados) por seu sangue"; e assim por diante. É questionado se
a epístola aos Efésios é uma carta Paulina genuína, mas nós temos lá a doutrina
definitiva de que Jesus Cristo "se doou por nós, uma oferta e um sacrifício a
Deus por um odor de cheiro doce." [ref 1]

parágrafo 6
A epístola aos Hebreus, que foi escrita por um autor desconhecido e não por
São Paulo, enfatiza a natureza sacrificial da paixão. Diz-se que Jesus removeu
os pecados pelo próprio sacrifício: ele é o sumo sacerdote se sacrificando,
porque a lei dizia que sem o derramamento de sangue não poderia haver
remissão de pecados, e que, para a expiação final, a vítima mais preciosa de
todas era requerida. Ele tinha que "provar a morte em benefício de todo
homem"; Ele tinha que obter "perdão pelos pecados do povo"; Ele tinha "que
remover o pecado pelo próprio sacrifício"; Ele tinha "que obter redenção eterna
para nós não pelo sangue de cabras e bezerros, mas por seu próprio sangue".

parágrafo 7
A primeira epístola de São Pedro coloca grande ênfase nos sofrimentos
envolvidos no sacrifício, e na eficácia do sangue. Os cristãos são eleitos "na
obediência e no borrifamento do sangue de Jesus Cristo," e eles são "redimidos
com o precioso Sangue de Cristo, como o de um cordeiro sem mácula", "que
carrega nossos pecados em seu próprio corpo na árvore". [ref 1]

parágrafo 8
O Paganismo em nosso cristianismo 74

No entanto, em completo contraste aos escritos de Pedro e Paulo, na epístola


de São James, que faz mais citações ou alusões aos ensinamentos de Jesus do
que qualquer outra das epístolas, e que respira o verdadeiro espírito do Mestre.
Nenhuma referência é feita ao sacrifício da Sua crucificação; e por esta razão
aqueles que acreditam fortemente na redenção devem considerar isso como um
descrédito: Lutero, de fato, a chamava de "epístola de palha".
parágrafo 9
O livro da Revelação, está repleto da idéia sacrificial. Cristo "nos libertou de
nossos pecados por seu sangue", e "comprou para Deus com seu próprio sangue
os homens de todas as nações"; e o louvor ao Cordeiro sacrificado soa através
de toda a tremenda composição. E no evangelho de São João que pertence à
mesma escola de pensamento, Jesus é chamado de "o cordeiro de Deus que
tirou os pecados do mundo" .

parágrafo 10
Em todos os livros do novo testamento é assumido que a morte de Jesus era
uma necessidade, mas em nenhum lugar diz como esta necessidade apareceu ou
de qual maneira sua morte operou em benefício dos pecadores; pois a afirmação
de que Seu sacrifício reconciliou o homem com Deus, e pagou o preço do pecado,
deixa na mente as perguntas porquê? e como?. Os vários autores dos livros
canônicos, eram tão acostumados às idéias pré-cristãs de um sacrifício
expiatório e redentor que eles as aceitaram sem ir à raiz da questão. Mas esta
imprecisão não era do gosto dos Pais cristãos primitivos. No segundo século DC
Ireneu, e após ele outros escritores, explicaram a doutrina que eles chamaram
de "teoria do Resgate", que estabelece que o diabo era o senhor governante da
humanidade devido à falha de Adão, e que Deus, sendo incapaz de pela justiça
de tirar os súditos de Satã sem pagar um resgate por eles, ofereceu seu
próprio filho encarnado em troca. Satã então trouxe a morte na cruz, apenas
para descobrir que Deus lhe aplicou um truque; pois Cristo era tmortal e voou
de volta aos céus.[ref 1]

parágrafo 11
Esta permaneceu como a explicação ortodoxa da morte de Jesus Cristo por
cerca de mil anos, até que Anselm, Arcebispo de Canterbury (1093), e Abelard,
alguns anos mais tarde, tiveram a coragem de negar que Satã algum dia teve
algum direito legal sobre a humanidade o qual Deus estava obrigado a respeitar.
Abelard pagou por esta temeridade sendo condenado à prisão perpétua; no
entanto seus ensinamentos prevaleceram, e a teoria da barganha com o diabo, e
O Paganismo em nosso cristianismo 75

do truque que Deus aplicou nele, saíram de moda.

parágrafo 12
Isto jogou a Igreja de volta na teoria Agostiniana de que todos os homens
estavam condenados por Deus a tormentas eternas, mas que Jesus Cristo pediu
a seu pai para deixá-lo morrer em seu lugar, sobre o que Deus aceitou esta
morte como sendo mais do que equivalente em valor do que as de toda
humanidade, e os exonerou do anteriormente inevitável destino da danação
eterna. As visões dos católicos romanos e protestantes permaneceram muito
similares em relação à matéria; mas Lutero e alguns dos reformistas eram
muito enfáticos sobre tudo isso, e declararam que Cristo "realmente e
verdadeiramente se ofereceu ao pai por punição eterna em nosso benefício."
Hoje em dia os ensinamentos do Exército da Salvação é talvez o mais evidente
nesta interpretação da paixão como um sacrifício de perdão; e a idéia de
pecadores sendo borrifados ou lavados no sangue da vítima sacrificada, e sendo
consequentemente purgados de seus pecados, ainda leva a muito frenesi
emocional como o fazia no caso do Taurobolium, onde os adoradores de Cibele
eram lavados no sangue do touro sacrificado, que então "nasciam novamente",
ou no caso dos ritos de Mitra, onde um banho de sangue similar era
característico da cerimônia de iniciação.

parágrafo 13
Os pensadores cristãos avançados consideram a crucificação de Nosso Senhor
como o sacrifício supremo feito por Ele em nome dos princípios de Seus
ensinamentos. Foi a coroação da Sua vida heroica, e ela contém um sublime
exemplo para a humanidade e que a meditação sobre ela produz uma condição
de reconciliação com a fonte de toda bondade. A tendência é repudiar a
doutrina primitiva da redenção sacrificial por ser tão obviamente conectada
com as crenças bárbaras e pré-históricas; mas o gosto humano por sangue e por
mistérios sacrificiais é muito persistente, e pode-se temer que a doutrina
da redenção ainda será pregada por muitos anos. Ela é parte e parcela da
teologia cristã, e por esta mesma razão ela não tem nada a ver com o Jesus
histórico.

Capítulo 17 A divindade de Jesus

parágrafo 1
O Paganismo em nosso cristianismo 76

Foi no Concílio de Nicéia no ano 325, cerca de três séculos após a crucificação,
que Jesus foi pela primeira vez reconhecido oficialmente como Deus pela
Igreja. Antes disso ele não tinha sido considerado em geral pelos cristãos como
uma divindade real. É bem verdade que a idéia estava implícita na teoria antiga
de seu sacrifício redentor, na qual ele havia se oferecido a si mesmo,
conectando com o Ser Supremo em uma união inseparável; mas o pensamento
não foi desenvolvido, e a mentalidade cristã parou por aí antes da doutrina
revolucionária de que Jesus era Deus.

parágrafo 2
Este fato virá como uma surpresa para o cristão comum, pois temos o hábito de
ler no Novo Testamento a interpretação da natureza de Nosso Senhor que se
estabeleceu somente depois de cerca de dois séculos terem se passado desde a
escritura do último dos seus livros. Será bom portanto, voltarmos aos primeiros
documentos, e estudarmos o crescimento da crença de que Jesus é Deus.

parágrafo 3
As epístolas de São Paulo, escritas entre 52 e 64 DC, são os mais antigos
textos fidedignos; e nestes Jesus é considerado como o Christos, apontado por,
mas muito distinto de, Deus o ser supremo. "Eu agradeço meu Deus," escreve
São Paulo, "através de Jesus Cristo, para vocês"; [ref 1] ou ele fala de "Deus
nosso pai, e o senhor Jesus Cristo, [ref 2] ou "o Deus de Nosso Senhor Jesus
Cristo." [ref 3] "Para nós", escreve ele, "existe um Deus o pai, do qual são todas
as coisas"; e ele fala das profecias "de Deus, referindo-se a seu filho Jesus
Cristo ou Senhor, que foi feito da semente de David de acordo com a carne, e
declarado como sendo filho de Deus de acordo com o espírito da santidade."
[ref 5]

parágrafo 4
O fato de que São Paulo considerava Jesus Cristo como filho de Deus não
implica, como nós podemos descuidadamente nos inclinar a supor, que ele
pensava que Jesus era Deus. O Messias era chamado de filho de Deus, mas
nenhum judeu nunca pensou nele como um Deus verdadeiro; até Adão podia ser
chamado de filho de Deus, [ref 1] enquanto todos os crentes eram computados
como sendo filhos de Deus. [ref 2] Deve ser lembrado que nos dias dos
primeiros cristãos a idéia prevalente era a de que Deuses tinham o hábito de
gerar filhos da terra; Perseus era o Filho de Zeus com uma mulher mortal;
Hércules era o Filho de Zeus com a senhora Alcmena; alguns pensavam que
O Paganismo em nosso cristianismo 77

Platão era filho de Apolo; Pitágoras era o filho de um Deus; Apolônio de Tiana,
um contemporâneo de Jesus, era o filho do Deus Proteus; e assim por diante.
Isto era uma concepção mental muito lógica em vista do fato de que se
acreditava que os próprios Deuses eram seres humanos engrandecidos: Zeus, o
Júpiter, era um homem grande e barbado; Apolo era um jovem afeitado, e até
Javé (Deus dos judeus) podia caminhar em um jardim para aproveitar o frio da
noite. [ref 3] Estas divindades antigas, apesar de imortais, viveram e morreram
na terra, então eram muito parecidos com os homens; a tumba de Zeus podia
ser vista em Creta, as tumbas de Dionísio e Apolo eram em Delfos; a tumba de
Cronos era na Sicília, a de Hermes em Hermópolis, a de Afrodite no Chipre, e
assim por diante. Os deuses eram apenas super-homens, e portanto poderiam
ter filhos. Mas no pensamento pagão o filho de um Deus não era
necessariamente uma divindade, mas somente em uma limitada extensão.
Contudo, São Paulo acreditava que o Christos, apesar de não ser Deus, era um
agente interno de Deus, que existia antes da criação, o qual "não pensava ser
um crime se equivaler a Deus," no entanto não idêntico a ele.

parágrafo 5
No próximo livro do Novo Testamento, o livro da Revelação, Jesus ainda é o
Cristo, o filho de Deus, mas não o próprio Deus; e nos Atos o caso é o mesmo,
como nós podemos ver, por exemplo, nas palavras: "Da semente deste homem
(Davi) Deus criou um Salvador, Jesus, e através deste homem é pregado o
perdão dos pecados," [ref 2] ou ainda: "Ele (Deus) irá julgar o mundo com
retidão pelo homem ordenado por ele." Nos evangelhos sinóticos, também,
Jesus é distinto de Deus, e parece definitivamente repudiar a idéia de que ele
é idêntico a Deus. Pois ele diz: "Porque vós me chamais de bom? -existe
somente uma bondade, que é Deus"; [ref 2] e "Mas, o assentar-se à minha
direita, ou à minha esquerda, não me pertence a mim concedê-lo, mas isso é
para aqueles a quem está reservado. (ref Marcos 10:40) [ref 3] Seu grito na
cruz, "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes ?" não é o grito de quem
acredita ser o próprio Deus; nem seriam registradas todas essas expressões se
os autores dos evangelhos estivessem tentando colocar Jesus perante o leitor
como indistinguível de Deus.

parágrafo 6
Nestes evangelhos Ele geralmente fala de si mesmo como " filho do homem",
que em aramaico, é o termo comum para ser humano, mas em hebreu, soa
messiânico devido ao seu emprego no livro de Daniel, [ref 4] e pode quase ser
O Paganismo em nosso cristianismo 78

parafraseado por "O homem do destino". O profeta Ezequiel se referia a Javé


como "Filho do Homem", [ref 1] o que se ajusta ao caso da divindade falando a
um mortal: era de fato, uma designação implicando que foi comissionado por
Deus mas negando qualquer tipo de reivindicação de divindade. Ao longo do
primeiro século, ninguém teria sonhado considerar Jesus como Deus: ele era
Cristo, o salvador enviado por Deus, o filho de Deus, o mediador entre Deus e o
homem, e que de alguma maneira misteriosa Ele sempre existiu na mão direita
de Deus, mesmo antes de sua encarnação. Mas ele não devia ser confundido com
o ser supremo.

parágrafo 7
No evangelho de São João, no entanto, escrito no segundo século mas não
amplamente aceito a princípio, existe um desenvolvimento: Jesus é agora
chamado de "o único filho gerado por Deus," [ref 2] um termo que não é usado
em nenhum outro local exceto na primeira epístola de São João; [ref 3] mas
mesmo assim, Jesus ainda era distinto do Pai. Ele era agora o Logos encarnado,
ou "Palavra", que era a " dinâmica divina," agência ativa pela qual Deus se
revelava, ainda que não o próprio Deus, então frases tais como "o mundo era
com Deus, e a Palavra era Deus" podiam ser usadas, [ref 1] Tomé podia chamar
Jesus "Meu Senhor e Meu Deus," [ref 2] poder-se-ia supor também que Jesus
fala de si mesmo: "Ele que me viu, viu o Pai". [ref 3] Neste evangelho Jesus fala
com Deus: "vós me amastes antes das fundações do mundo"; [ref 4] mas a
distinção pode ainda ser observada em suas palavras: "E a vida eterna é esta:
que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem
enviaste.. [ref 5] (João 17-3) "Eu ascendo ao meu Deus e ao seu Deus," [ref 6] e
"Eu mesmo não posso fazer nada." [ref 7]

parágrafo 8
A aceitação gradual da teoria do Logos, que havia sido adotada pelo autor do
evangelho de São João da filosofia de Fílon, um judeu helenizado do Egito,
passou por um longo caminho em direção ao estabelecimento da identificação de
Jesus Cristo com Deus, e certamente afastou a definição da natureza de Nosso
Senhor daquela dos cristãos do primeiro século. O pensamento pagão de fato,
estava agora tendo sua influência sobre o cristianismo, e certamente a própria
idéia de Logos era pagã, apesar de ter sido introduzida em tempos antigos no
judaísmo. Existe uma indicação considerável dela no mitraismo, sendo Mitra
considerado como o poder que o sol tinha, ao invés de ser o próprio sol, uma
O Paganismo em nosso cristianismo 79

idéia que já aparecia na adoração de Aton no Egito no quarto século AC. [ref 1]

parágrafo 9
Mitra era considerado como tendo sido gerado por e equivalente a Ormuzd, o
criador. Adonis que morreu e levantou dos mortos, era ele próprio "Deus"; Átis
que também morreu e levantou, era em um aspecto "Deus o pai": [ref 2] Osíris
que, também, morreu e levantou, era um "Deus Pai"; e daí em diante. Era apenas
natural, portanto, que o cristianismo devia identificar também seu fundador
com Deus; apesar de a idéia ter passado pelas mentes de escritores cristãos do
segundo e terceiro séculos ela foi amplamente contrariada. No início do quarto
século Lactâncio, [ref 1] um Pai cristão, declarou que Jesus era chefe dos
Anjos, e que nunca fingiu ser Deus, mas simplesmente o mensageiro de Deus; e
tão tarde quanto 330 DC Afraates, [ref 2] outro Pai cristão, declara que Jesus
não era Deus. Foi o problema com os Arianos que trouxe a adoção geral pelos
Atanasianos vitoriosos da doutrina do Cristo divino. O credo dos Apóstolos, que
não declara que Jesus é Deus, mas diz "Creio em Deus Pai todo poderoso,
criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo seu único filho", foi suplantado
pelo Credo Niceno: "acredito em um Deus o pai todo poderoso... e em um senhor
Jesus Cristo, gerado por seu pai antes de todas as palavras, Deus dos Deuses...
sendo da mesma substância do Pai".

parágrafo 10
Isto novamente foi seguido pelo Credo Atanasiano, do qual irei falar mais tarde,
onde a Trindade de equivalentes é definitivamente introduzida pela primeira
vez, e afirma-se que Jesus Cristo é um e equivalente a Deus o Pai. Neste Credo,
por sinal, as famosas, ou melhor, as infames cláusulas da danação aparecem,
proclamando a perdição para todos aqueles que não aceitam seus preceitos: tais
cláusulas, como vimos aqui, teriam um efeito de relegar os próprios apóstolos à
danação eterna, pois todos os cristãos do primeiro século e a maioria daqueles
do segundo século teriam considerado uma completa blasfêmia dizer que Jesus
era um com Deus o pai, enquanto aqueles do terceiro século teriam hesitado
sobre tal definição, mesmo com o suporte da teoria do Logos.

parágrafo 11
Apesar destes credos oficiais, no entanto, a mente ordinária encontrou uma
distinção entre a divindade de Jesus e a divindade do Pai; e no sétimo século o
bem informado Profeta Maomé entendeu que o cristianismo tinha dois Deuses,
não um. No Alcorão supõe-se que o todo poderoso se dirige a Jesus com as
O Paganismo em nosso cristianismo 80

palavras "vós dissestes à humanidade 'considero-me como Deus além de Deus'?


ao que Jesus responde: "Não cabe a mim dizer aquilo que sei não ser a
verdade". [ref 1] Então até o dia de hoje os 200 milhões de muçulmanos no
mundo reverenciam Jesus como "o espírito de Deus", mas declaram, como os
unitaristas, que a divindade existe apenas no ser supremo.

parágrafo 12
O cristão ortodoxo de hoje em dia, no entanto, está compelido a crer que Jesus
foi a única encarnação de uma personalidade eterna ou aspecto do divino que
não teve começo mas que foi sempre Deus o filho, sempre foi em todos os
aspectos um e equivalente a Deus o pai. Pessoalmente eu prefiro evitar uma
definição tão precisa, pois a matéria é avaliada pelas intuições mais facilmente
do que é expressa em palavras. Os ensinamentos do Jesus histórico, o
funcionamento de sua mente, certamente completam, ética e espiritualmente,
nossa mais alta concepção da mente de Deus, e consequentemente Nosso
Senhor pode ser considerado neste sentido como mentalmente divino. Além
disso, se o cérebro humano pode conceber um Deus, ele deve conceber um
aspecto de Deus direcionado, por assim dizer, particularmente aos humanos, tal
aspecto pode ser descrito como o Logos, ou a Divina atividade; e portanto a
mente Divina de Jesus pode muito bem ser considerada como uma manifestação
terrena e finita da sua divina dinâmica potencial eterna e infinita. Mas isto não
exclui o aparecimento deste princípio em outros seres neste ou em outro
planeta; e tudo que pode ser dito sobre isso é que a história humana não
registra outra manifestação tão completa como a de Jesus. No mundo espiritual
não pode existir o tempo; e passado e futuro devem se misturar em um
presente contínuo, como indicado pelas palavras: "Disse-lhes Jesus: Em
verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou.” [ref 1]
portanto, não apenas o Logos é eterno, mas Jesus Cristo, sua encarnação, é
espiritualmente perpétuo, e está tão perto de nós como Jesus estava dos seus
seguidores terrenos. Jesus é Nosso Senhor no século 20 da mesma forma que
ele o era no primeiro; mas termos tais como "o único filho gerado por Deus",
"Deus, da substância do pai, e homem da substância de sua mãe," "O qual desceu
dos céus", "Que está sentado à direita de Deus", são tão grosseiramente e tão
obviamente emprestados do pensamento pagão, para serem aceitos pela mente
moderna. Sua divindade, a qual nós vimos, foi diferentemente definida durante
os primeiros três séculos DC, e deve ser redefinida novamente para se ajustar
às necessidades da intelectualidade de hoje; e a nova definição deve ser muito
menos categórica.
O Paganismo em nosso cristianismo 81

Capítulo 18 A Trindade

parágrafo 1
O espiritual deve sempre ficar fora do escopo da investigação precisa, e além
das formas ordinárias de expressão. É por exemplo, muito inútil para qualquer
homem tentar provar por lógica que existe um Deus; pois se o assunto for
expresso por meio das palavras ele irá adquirir uma materialidade, uma textura
a qual na verdade não possui. E se nós postulamos que existe um Deus, a mesma
dificuldade se apresenta em definir sua natureza. Alguém iria simplesmente rir
se um grupo de selvagens aborígenes parasse por um tempo de batucar seus
bumbos para discutir a música de Wagner; existe algo ainda mais ridículo no
espetáculo do Concílio dos bispos do cristianismo primitivo de muito limitada
visão ao discutir a natureza do próprio Deus todo poderoso -admitidamente
incompreensível- e ter chegando a conclusões rígidas as quais se espera que nós
as aceitemos ainda hoje.

parágrafo 2
Hoje como cristãos, nós reconhecemos a Trindade, quer dizer, três pessoas em
um Deus; mas para a moderna mente crítica esta definição não é mais do que
uma conveniência. Deus certamente não é uma pessoa nem três pessoas no
sentido no qual nós estamos acostumados a entender a palavra "pessoa"; pois
Deus é um espírito sem forma e ilimitado. Deus não tem posição nem lugar no
espaço ou tempo; pois Deus é Alfa e Ômega, o início e o fim, essência
permeando todas as coisas em todos os tempos. Se você supuser que Deus é
uma força enorme que segura o mundo, você irá encontrar dificuldades em não
introduzir qualidades puramente materiais no seu conceito mental, tais como
tamanho e gravidade, pode-se até dizer milhagem e carga excessiva. Deus não é
um rei nem governante em nenhum sentido no qual nós possamos compreender,
pois a idéia de um indivíduo governando outros indivíduos é um conceito peculiar
à vida humana e animal, e provavelmente não existe no mundo espiritual. Nossos
sentidos humanos e nossa escala de pensamento não conseguem conceber uma
idéia da completa incorporação de tudo que consiste Deus. É então depreciativo
tratar o ser Divino como "Ele"; Pois existe aí uma indicação de gênero na
palavra, e na esfera espiritual não existe tal coisa.

parágrafo 3
O Paganismo em nosso cristianismo 82

Deus, de fato, como dizem as escrituras, é onipresente, onipotente, a tudo


percebe, completamente incompreensível à mera razão, mas em algum grau é
inteligível ao pensamento espiritual que se separa dos conceitos materiais. É
realmente sem sentido, exercitar a mente para concluir se Deus é Três em Um,
ou Muitos em Um, ou simplesmente Um. Deus transcende números, escapa as
divisões ou unificações intelectuais, está muito acima das definições aplicadas
ao politeísmo ou monoteísmo da mesma forma que o infinito está acima do
finito. No sentido espiritual Deus é tudo, Deus é o inteiro; e portanto ele não
pode ser mais que Um, e não menos que todas as possíveis frações de Um. Deus
tem uma pessoalidade na medida que ele permeia cada um de nós. Estando além
das idéias humanas da matéria, e fora do nosso conceito de posição
tridimensional, pode-se muito bem dizer que Deus está contido no menor ponto
do espaço bem como na maior largura; pois a grandeza e a pequenez não têm
significado no pensamento espiritual. Tudo o que os críticos se dignam a dizer,
de fato, é que Deus é atemporal, sem forma, ilimitado por espaço, posição,
tamanho, quantidade ou qualquer outra consideração material; e que Deus é ao
mesmo tempo o Todo e todas as frações, aspectos e partes daquele Todo.

parágrafo 4
A idéia da Trindade de equivalentes, no entanto, oferece um meio razoável de
expressar o inexpressável; mas não deve ser esquecido que Jesus Cristo nunca
mencionou tal fenômeno, e que a palavra Trindade não aparece em nenhum lugar
no Novo Testamento. A idéia só foi adotada pela Igreja 300 anos após a morte
de Nosso Senhor; e a origem do conceito é completamente pagã.

parágrafo 5
No quarto século AC Aristóteles escreveu: "todas as coisas são três, e o triplo
é tudo: e vamos usar este número na adoração a Deuses; pois, como dizem os
pitagóricos, tudo e todas as coisas são compostas por três, pois o fim, o meio, e
o início têm este número em tudo, e estes compõem o número da Trindade."
[ref 1] Os egípcios antigos, cuja influência no pensamento religioso antigo foi
profunda, geralmente organizavam seus deuses ou deusas em trindades: existia
a Trindade de Osíris, Isis e Horus, a Trindade de Amem, Mur e Khonsu, a
trindade de Khnum, Satis e Anukis, e assim por diante. A Trindade de Brahma
Shiva e Vishnu é outro dentre os muitos e disseminados exemplos deste
conceito teológico.

parágrafo 6
O Paganismo em nosso cristianismo 83

Os primeiros cristãos, no entanto, a princípio não pensaram em aplicar a idéia à


sua própria fé. Eles prestavam suas devoções a Deus o pai e a Jesus Cristo, o
filho de Deus, e eles reconheciam a existência misteriosa e indefinida do
Espírito Santo; mas não pensavam nestes três como sendo uma verdadeira
Trindade, equivalente e unida em Uma só, e o credo dos Apóstolos, que é o
primeiro dos artigos formulados da fé cristã, não a menciona.

parágrafo 7
A aplicação deste conceito pagão antigo de Trindade à teologia cristã tornou-se
possível com o reconhecimento do Espírito Santo como a requerida terceira
"Pessoa", equivalente com as outras "Pessoas". A idéia de Espírito Santo, como
sendo uma emanação de Deus, era conhecida pelos judeus desde os tempos
primitivos; mas a palavra em hebreu que era usada era ruach, que significa
literalmente "vento" ou "respiração", isto sendo traduzido ao Grego como
pneuma, que tem precisamente aquele significado, ação do Espirito sendo então
descrita teologicamente como "pneumática." Deste modo, no livro do Gênesis,
onde está relatado que Deus soprou nas narinas de Adão o sopro da vida, a
referência é a este Espírito, que também "moveu sobre a face das águas " no
primeiro ato da criação; e Jó [ref 1] fala do Espírito de Deus como estando em
suas narinas, e diz: "O Espírito de Deus me fez; e o sopro do Todo-Poderoso me
deu vida."

parágrafo 8
Esse conceito do Espírito Santo como vento, o sopro de vida, é encontrado em
outras religiões antigas, e é claramente revelado na oração ao Deus Áton
escrita no sarcófago do faraó egípcio Aquenáton (1370 AC), o qual se lê: "Eu
respiro o sopro doce que vem de tua boca.... é meu desejo que eu escute tua
doce voz, o vento, que meus membros se rejuvenescam com vida através do teu
amor. Estenda a mim tuas mãos segurando teu espírito (Ka), de modo que eu o
receba e possa viver por meio dele." [ref 1]

parágrafo 9
Os evangelhos são unânimes ao atribuir a Jesus várias referências ao Espírito
Santo; mas é apenas no evangelho de São João, o qual nos tempos antigos não
era considerado como fidedigno, que Nosso Senhor atribui um tipo de
pessoalidade a este Espírito falando do Confortador que virá para os Seus
discípulos. O conceito, no entanto, era familiar aos primeiros cristãos, pois São
Paulo fala do Espírito Santo que "procura todas as coisas, até as profundezas
O Paganismo em nosso cristianismo 84

de Deus"; [ref 2] e ele recomenda seus leitores para "a graça do Senhor Jesus
Cristo, o amor de Deus, e a comunhão com o Espírito Santo." [ref 3] O batismo
de cristãos em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo parece ter sido
usual também em tempos primevos; mas a estória da chegada do Espírito Santo
no primeiro Pentecostes (o festival judeu 50 dias após a páscoa) reverte ao
conceito anterior do Espírito como "vento" ou "sopro", pois é descrito como
chegando como um "vento poderoso e violento."

parágrafo 10
Contudo, se era compreendido como sendo o divino "sopro de vida, " ou como um
agente pessoal de Deus, distinto do Logos, a idéia do Espírito sendo equivalente
a Deus não era geralmente reconhecida até a segunda metade do quarto século
DC. A escola de Arius mantinha a visão de que o filho foi criado pelo Pai mas não
tinha sempre sido equivalente a Ele; e isso levou a parte oponente a não apenas
enfatizar a equivalência de pai e filho (assim como Mitra na grande religião
rival, o mitraísmo, era ao mesmo tempo filho de Ormuzd, o criador, e
equivalente a ele), mas também enfatizava a equivalência do Espírito Santo com
o pai e o filho.

parágrafo 11
No ano 381 o Concílio de Constantinopla adicionou ao Credo Niceno a descrição
do Espírito Santo como "o senhor, doador de vida, que provêm do pai, que
juntamente com o pai e o filho é adorado e glorificado." Mas o grande oponente
dos Arianos era Atanásio, Bispo de Alexandria no Egito; e como foi dito antes, a
religião egípcia, a qual ainda não havia morrido, era permeada com a idéia das
trindades. Então o credo Atanasiano, que é uma composição posterior mas que
reflete as concepções gerais de Atanásio e sua escola, formulou o conceito da
Trindade de equivalentes na qual o Espírito Santo era a terceira "Pessoa";
então foi feito um dogma da Fé, e acreditar nos 3 em 1 e 1 em 3 tornou-se uma
doutrina do cristianismo, não sem terríveis rebeliões e derramamentos de
sangue.

parágrafo 12
No Credo de Constantinopla dizia-se que o Espírito Santo provinha do pai, mas
no Sínodo de Toledo em 589 a famosa cláusula filioque foi adicionada, e a
sentença ficou: "o qual procede do pai e do filho" do modo que a Igreja da
Inglaterra o tem escrito no serviço da comunhão no livro de orações de hoje em
dia. Mas isso levantou uma tempestade furiosa, e tornou-se uma das razões
O Paganismo em nosso cristianismo 85

principais da cisma entre as Igrejas do Oeste e do Leste, a última acreditando


que o Espírito emanava apenas do pai.

parágrafo 13
A mente moderna superou esta divisão; e à medida que o conceito de divindade
se expande e se desenvolve, o desejo de definir a divindade mingua. O Pensador
cristão de hoje reconhece os três aspectos da divindade - o pai, o filho ou
Logos, e o Espírito Santo, e não encontra motivo para repudiar a idéia da
Trindade; mas ao mesmo tempo ele não quer ser preciso sobre isso, mais
especificamente porque a definição é obviamente de origem pagã e não foi
aceita pela Igreja até uns 300 anos após Cristo.

Capítulo 19 O Jesus histórico

parágrafo 1
Nos Capítulos anteriores foi feita uma tentativa de desemaranhar a figura
Histórica de Jesus da teia de especulação teológica e dos contos lendários que
cresceram ao seu redor; para o protestantismo deve ser mais do que "um
retorno ao cristianismo primitivo," ou como é as vezes definido: deve ser um
retorno ao Jesus da história. Vamos fazer uma pausa, e nos perguntar quanto
realmente conhecemos da história sobre o caráter de Nosso Senhor e qual é a
base de nossa crença nele.

parágrafo 2
Em primeiro lugar, qual é a evidência documental? Existe apenas um documento
que pode reivindicar como tendo sido escrito por um homem que
verdadeiramente conheceu Jesus, a saber, a primeira epístola Geral de Pedro.
A evidência de que esta carta foi escrita pelo próprio Pedro é muito conclusiva.
Qualquer um que lê esta epístola trágica logo verá que foi composta num tempo
onde a perseguição de um pequeno bando disperso de cristãos estava
começando a acontecer; e o autor implora aos leitores para não ficarem
assustados, ou pensarem que o novo ódio ao qual eles foram sujeitados era algo
estranho e horrível que recaiu sobre eles, [ref 1] mas para perceber que, como
o próprio Jesus, eles foram chamados a sofrer pela verdade. Monnsen e outros
sustentaram que a perseguição aos cristãos começou no tempo de Nero (54-68
DC), particularmente depois do grande incêndio em Roma no ano 64 DC, apesar
de as afirmações de Tacitus terem alguns questionamentos. [ref 2] Tertuliano
definitivamente registra a tradição primitiva de que Pedro foi martirizado sob
O Paganismo em nosso cristianismo 86

Nero. Certos críticos, tais como Holtzmann e Weizsacker, é bem verdade,


tentaram mostrar que estas perseguições só se tornaram muito sérias após o
ano 100 DC, e que portanto esta epístola deve pertencer àquela data, e que
então pode não ter sido escrita por Pedro; mas certamente tão cedo quanto no
tempo de Ireneu (180 DC), acreditava-se que Pedro era o autor, e nenhum
crítico negou da possibilidade dessa autoria, e a opinião da grande maioria, é a
de que o documento é realmente das mãos de Pedro ou de seu secretário, e que
foi escrito pouco antes de seu martírio, provavelmente no ano 64 DC.

parágrafo 3
Pedro, então, o único autor que conheceu Jesus pessoalmente, o descreve como
o que "sofreu por nós, e nos deixou um exemplo...: o que não cometeu pecado,
nem tinha malícia na sua boca: o qual, quando era ofendido, não ofendia de volta;
quando ele sofria, ele não ameaçava, mas se submetia a Deus que julgava com
retidão: o qual suportou nossos pecados no seu próprio corpo na árvore...: por
cujas chicotadas nós fomos curados." [ref 1] ele menciona que ele próprio foi
uma testemunha destes sofrimentos, [ref 2] contudo seus leitores em Ponto,
Galácia, Capadócia, Bitínia e em outros lugares não tinham verdadeiramente
visto Jesus como ele viu. [ref 3] Ele conta como Jesus foi posto à morte na
carne, mas foi trazido de volta à vida, [ref 4] e como Ele foi ao céus, [ref 5]
mas que iria em breve retornar. [ref 1] De modo a seguir o exemplo de Jesus,
ele apela aos seus seguidores que amem uns aos outros, que sejam compassivos,
piedosos, corteses; não convertendo o mal em maldade, mas retribuindo insultos
com bênçãos; para serem caridosos, hospitaleiros, humildes, fazer o bem, evitar
o mal, e procurar a paz; abster-se da luxúria da carne, evitar a malícia, a inveja,
e o mal falar; submeter-se à autoridade, temer a Deus e honrar o rei; aceitar
repreensões em nome da retidão; e acima de tudo, receber a fé como
criancinhas, acreditando na misericórdia de Deus.

parágrafo 4
Esta é a revelação mais antiga que possuímos do caráter excessivamente bonito
de Jesus, e é também a evidência mais antiga de Sua historicidade, escrita,
quase sem dúvida, por alguém que O conheceu. As epístolas de Paulo é o próximo
documento com importância histórica, apesar de Paulo não ter estado com
Jesus durante o Seu ministério, ele aprendeu sobre Ele com aqueles que o
conheceram. [ref 2] As epístolas que são inquestionavelmente da mão de Paulo,
e que foram escritas cerca de 23 anos após a crucificação, são: Romanos
Gálatas e Coríntios; outras epístolas são muito provavelmente datadas deste
O Paganismo em nosso cristianismo 87

mesmo período, mas uma vez que é possível que elas tenham sido escritas
posteriormente elas não devem ser citadas aqui.

parágrafo 5
Paulo assim como Pedro, fala de Jesus, nesses documentos inquestionáveis,
como estando prestes a retornar em glória para julgar a humanidade; [ref 1]
esta fervorosa crença de que o segundo retorno era iminente mostra
claramente que a partida de Jesus deve ter sido recente, e que para ele era um
fato estabelecido. Além disso, ele disse que conheceu Pedro e encontrou
James, o irmão de Jesus; [ref 2] e ele falou de outras pessoas ainda vivas as
quais haviam conhecido Jesus; [ref 3] ele falou do parentesco de Jesus; [ref 4]
ele escreveu da última ceia como um evento real; [ref 5] e da estória da
crucificação [ref 6] e do retorno dos mortos que é a base da sua fé. [ref 7]
Mais ainda ele escreveu em um tempo tão próximo ao qual esses eventos
ocorreram que é impossível se supor que ele tenha sido completamente
enganado em relação às suas veracidades. Ele deve ter conhecido também muito
da vida e do ensinamento de Jesus, pois afirma que ele tem Suas instruções em
um assunto mas não em outro, [ref 1] e diz: "Sejam vocês imitadores de mim, da
mesma forma que eu sou de Cristo." [ref 2]

parágrafo 6
Ele fala da humildade e da gentileza de Jesus, e da Sua simplicidade; e disse
que Ele era rico mas que ficou pobre em nosso benefício; e que Ele não Se
mimava. Seguindo os ensinamentos de Nosso Senhor, Ele pregava caridade,
amor, alegria, paz, sofrimento, gentileza, bondade, humildade, moderação e fé.
Ele diz que a lei deve ser interpretada com um novo espírito, e não literalmente,
e que tudo está contido em uma só frase: "Ame ao seu próximo como a si
mesmo." Ele diz aos seus leitores para amarem uns aos outros, para serem
pacientes, condescendentes com as pessoas pobres, para viverem
amigavelmente, para superarem o mal com o bem; e apela a eles para
obedecerem a lei e respeitarem as autoridades.

parágrafo 7
Então, a partir destas primeiras epístolas nós obtemos evidências suficientes
para estabelecer a historicidade de Jesus e para revelar também em alguma
extensão o seu caráter. A beleza de sua vida foi tal que Pedro, que O conheceu,
e Paulo, que conhecer o Seu irmão, podiam considerá-Lo um homem sem pecado,
e que para eles Jesus era obviamente o filho de Deus. Não consigo recuperar da
O Paganismo em nosso cristianismo 88

história um exemplo tão bem autenticado, como este, de um líder que inspirou
seus seguidores próximos com tão grande adoração.

parágrafo 8
Assim é o Jesus, revelado por esses primeiros documentos; mas além das
epístolas nós temos os evangelhos sinóticos, nos quais uma base clara de fatos é
observada sob o aspecto lendário. O caráter de Jesus como aparece nesses
livros pode ser tido como autêntico, na íntegra, porque como já expliquei em um
capítulo anterior, o Bispo Papias, escrevendo ao redor de 140 DC, nos diz que
Mateus fez uma coletânea de dizeres de Nosso Senhor, que foi muito
certamente usada na composição dos evangelhos, e que Marcos, pupilo de Pedro,
coletou notas de Seus dizeres e atos, que foram similarmente usados; e que a
imagem Dele criada na mente pelos evangelhos corresponde exatamente à
derivada das primeiras epístolas. Quando os eventos incríveis são deletados da
história, nós descobrimos uma figura que não pode ser considerada mística
mesmo pela imaginação mais fértil: uma figura que, cerca de 2.000 anos mais
tarde, ainda permanece como um ideal de homem perfeito o qual a mente
moderna pode aceitar como guia, mestre e Senhor.

parágrafo 9
O que nós sabemos da sua vida real? Não sabemos nada da sua juventude que
possa ser chamado de autêntico: Ele aparece para nós apenas no Seu batismo
por João, no ano 28 ou 29 DC, quando, como filho de um carpinteiro de vilarejo,
Ele sai de seu lar para pregar o reino dos céus, fazendo inicialmente um retiro,
por um curto período de tempo desconhecido, no deserto para meditar e rezar.
Reuniu alguns discípulos, e começou seu ministério itinerante, curando doentes
com Seus poderes excepcionais de modo que em pouco tempo todos os tipos de
estórias fantásticas eram contadas sobre Ele neste particular, e Sua fama se
espalhou em distância e extensão. Ele eletrizava seus ouvintes por onde quer
que passasse, e circulava o rumor de que o grande profeta veio da Galiléia, e
como resultado uma oposição articulada começou a aparecer entre aqueles para
os quais suas visões eram contrárias. Em mais de uma ocasião ele esteve em
perigo de ser apedrejado até a morte, mas nada amedrontava seu espírito
galante.

parágrafo 10
O Paganismo em nosso cristianismo 89

Gradualmente Ele se conscientiza de que é o Messias, e por um breve momento


parece que Ele estava prestes a causar um levante em todo país. Ele entra em
Jerusalém cercado por uma multidão excitada; mas a demonstração, a qual Ele
nunca tomou parte da organização, foi um total fracasso, e, ao anoitecer Ele sai
da cidade. No próximo dia Ele entra nela novamente, e acontece mais comoção;
mas agora as autoridades foram despertadas, e arranjos são feitos para Sua
prisão. Dois dias antes da páscoa, provavelmente em 6 de Abril, do ano 30 DC,
Ele come sua última refeição com Seus discípulos; mas agora Ele sabe que a
morte O espera a menos que Ele fuja. No entanto, ao invés de abandonar a Sua
missão, Ele decide ser fiel à verdade que está Nele, mesmo que ela O leve à
cova. Ele agora sabe que o Seu reino, o reino do Messias, não é neste mundo.

parágrafo 11
Naquela noite Ele é detido, e na próxima manhã Ele é julgado. A execução de um
criminoso aos moldes do Bar Abbas anual está para acontecer; mas as massas
freneticamente demandam às autoridades que crucifiquem Jesus no lugar da
vítima escolhida, e então Ele é obrigado a desempenhar o papel deste
"sacrifício" Pascoal anual. Os rituais imemoriais são realizados: Ele é flagelado,
indumentado em vestes nobres, zombado, e "preso perante o senhor" na
tradicional árvore ou cruz; mas antes do anoitecer uma condição indistinguível
da morte descende sobre Ele como por milagre, e Seus sofrimentos, os quais
não arrancaram protestos irados de Seus lábios, chegaram a um fim. Seus
amigos O descem da cruz, e O deitam em uma tumba, planejando enterrá-Lo ao
nascer do dia após a páscoa; mas antes daquela hora chegar Ele havia retornado
à vida. Ele tenta dizer a seus discípulos que Ele está vivo, mas eles não
acreditam Nele; Ele retorna à Galiléia, e lá conversa com eles; mas a seus olhos
Ele é um espírito que levantou dos mortos. Finalmente Ele os deixa, dizendo que
irá retornar; mas nunca volta, e este é o fim da Sua história registrada.

parágrafo 12
Esta é a história do caráter sublime heroicamente encarando a morte por seus
princípios, impelido adiante pelo conhecimento revelado a Ele no Seu estudo dos
Profetas, que mesmo o Messias deve sofrer pelo bem do mundo. Após isso,
pensando sobre estes eventos, seus discípulos não podiam lembrar uma única
falha Nele: Ele era o homem perfeito, e como tal Ele é descrito nos primeiros
documentos que nós possuímos, bem como nos evangelhos posteriores e outros
livros. Suas ações são marcadas por completo altruísmo e heroísmo supremo;
Seu poder é demonstrado por Suas várias curas de doentes, e pela adoração
O Paganismo em nosso cristianismo 90

permanente que Ele incitava; e a perfeição do Seu pensamento é exposta em


Seus ensinamentos e dizeres os quais, apesar de terem muitos paralelos
isolados nos melhores sábios do mundo, nunca foram igualados na totalidade
como produto de um só cérebro.

Capítulo 20 O estabelecimento do cristianismo como uma


religião de Estado

parágrafo 1
A característica surpreendente do ensinamento de Jesus era a sua
simplicidade. Ele reduziu a religião a quase dois princípios; - o amor a Deus e a
irmandade do homem; e com frequência ele dizia que toda doutrina era capaz de
ser compreendida por uma criança, e de fato, era necessário segundo a sua
compreensão que o iniciante devesse se tornar uma criança novamente,
significando dizer que ele deveria recuperar aquele olhar transparente da
infância que existia antes da sua visão se tornar enviesada pelas perplexidades
dos sacerdotalismo aceito. A completa teologia de Jesus pode ser somada em
quatro sentenças: Deus era o pai amoroso da humanidade, e sob Sua vista todos
os homens eram iguais; e Deus derramou Sua bondade através do Espírito
Santo; que Deus prometeu enviar um delegado, ou "o Ungido", para liderar as
nações a Ele e estabelecer o reino dos céus na terra; e que a recompensa da
bondade e do amor fraterno era a vida eterna, e a penalidade era a aniquilação
pelo mal.

parágrafo 2
Na luta de Nosso Senhor por uma fé simples contra as complexidades
esmagadoras da tradição religiosa, Ele denunciou vigorosamente as
formalidades rígidas e cerimônias do judaísmo, e deliberadamente quebrou suas
leis. Ele se recusou a observar o sabat; [ref 1] Ele chocou os ortodoxos ao dizer
que não era necessário realizar a cerimônia da lavagem de mãos antes de comer:
[ref 2] Ele denunciou as rezas exibicionistas; [ref 3] Ele associou-se com
publicanos (coletores de taxas) contra os quais havia um tipo de tabu religioso;
[ref 4] Ele não fazia os jejuns com meticulosidade; [ref 5] Ele disse: "Deixem
os mortos enterrarem os seus mortos," significando com isso que o ritual
prolongado da lamentação convencional conectado com o funeral público era um
exercício apenas para os que já estavam com a mente morta; e em geral, Ele
ensinava que da mesma maneira que vinho novo não deve ser posto em garrafas
O Paganismo em nosso cristianismo 91

velhas, [ref 1] também Sua nova doutrina não podia ficar presa nas convenções
antigas.

parágrafo 3
É um assunto para reflexão séria que estes ensinamentos de Jesus, os quais
eram tão veementemente direcionados contra as formalidades da religião,
foram eles mesmos transformados em uma religião formal, que alguns séculos
após Seu ministério o cristianismo se desenvolveu em uma fé altamente
complexa, ritualística e convencional. Mas este é o destino da maior parte das
reformas religiosas, desde a de Buda até a de Mrs Eddy (NT - Mary Baker
Eddy criadora da Ciência cristã em 1866) cada reformador ataca as convenções
vazias e as complicações da Igreja existente, propõe uma doutrina livre da
formalidade religiosa, e após alguns anos, transforma-se em um fundador
reverenciado cerimonialmente de uma igualmente formal e intricada religião.
Jesus não tentou estabelecer uma Igreja, pois tais palavras que sugerem tal
instituição parecem ser invenções ou interpolações, como por exemplo: "Sobre
esta rocha eu irei construir minha Igreja." [ref 1] no entanto dentro de poucas
décadas o cristianismo desenvolveu uma teologia extensa e complexa além do
alcance de uma criança; e dentro de alguns séculos ela se tornou uma religião
ritualística perigosamente suscetível às formalidades vazias que seu fundador
denunciou. Quando o leigo pensador contempla a figura simples de Jesus, o
pregador das verdades puras, e depois presta atenção no canto cerimonial do
Credo Atanasiano, ele provavelmente irá se desanimar; e deve ocorrer a ele que
uma vez que o cristão deve ser um com Cristo, se interessando pelas coisas que
interessavam a Cristo, uma coisa que enfaticamente não O interessava era o
ritual e a doutrina eclesiástica, existe pouco benefício espiritual a ser retirado
da participação de um ritual sacerdotal.

Parágrafo 4
Algum tipo de religião organizada, no entanto, é necessária, e algum tipo de
adoração formal é requerida, nem que seja apenas para verificar a exuberância
do indivíduo; e uma vez que seus dogmas e seu ritual sejam mantidos tão simples
e naturais quanto possíveis, uma Igreja formalizada deve estar próxima da
aprovação do Nosso Senhor. Mas nunca deve ser esquecido que o
sacerdotalismo, os ritos sacerdotais, as formalidades e cerimônias, e toda
encenação elaborada de adoração pública, excitava Jesus a ter acessos de
indignação um dos quais parece estar autenticamente registrado em Seu
ministério. Ele veio para ensinar aos homens sobre como cada homem deve
O Paganismo em nosso cristianismo 92

comandar a sua vida, e como seguir a luz da chama divina que queima em cada
coração humano, sem receio das consequências, sem medo da oposição do
convencional, tradicional ou costumeiro. Sua influência é a de um rebelde eterno
contra o farisaísmo da sociedade. Ele pregou a fé mais simples que já foi
proposta; mas vejamos o que a Igreja, fundada em seu nome, acabou fazendo.

parágrafo 5
Seus primeiros seguidores leram na estória de Sua crucificação todas as
crenças judaicas complicadas relacionadas com derramamento de sangue pela
remissão dos pecados, e fez Dele o sacrifício Pascoal imemorial, torturado para
aplacar a ira de Deus. Os pagãos convertidos adicionaram a esta interpretação
as suas tradições antigas relacionadas aos sofrimentos sacramentais, morte e
ressurreição de Adonis, Jacinto, Átis, Osíris Mitra e todos os outros Deuses
que morreram pelos pecados do homem; encontrando a nova fé deficiente no
elemento da divindade feminina, eles começaram a elevar a mãe de Jesus à
posição deixada vaga em seus corações pela rejeição de: Isis, Cibele, Demeter,
Diana dos Efésios, e de outras grandes deusas maternais. Para seus
sacramentos eles pegaram o antigo batismo judaico pela água, adicionaram a ele
os mistérios do rito mitraico; e da adoração de Mitra e eles também pegaram a
comunhão do pão e do cálice derivada de uma longa linhagem de cerimônias
esquecidas de canibalismo.

parágrafo 6
Repetidamente eles se apresentaram ao mundo pagão, em nome de Cristo, como
uma fé pagã das mais complexas; e após sofrer perseguição sob Nero em 64 DC,
e sob Marco Aurélio em 166 e 177 DC, sob Decius em 250 e 251 DC, e sob
Diocleciano em 303 DC, como seguidores de uma "superstição odiosa", [ref 1]
eles foram finalmente tolerados por Galerius em 311DC. Constantino foi
batizado na fé cristã em seu leito de morte em 377 DC, e Juliano, que reinou de
361 a 363 DC, juntou-se a eles para fazer perseguições, as quais, por sua vez,
estavam agora sendo infligidas sobre as outras crenças. Seu poder, no entanto,
era neste tempo tremendamente grande para ser derrubado, e em 391 DC
Teodosius o grande estabeleceu o cristianismo como a única religião do Estado.

parágrafo 7
A doutrina cristã tinha agora se definido, não sem rebeliões e derramamento
de sangue, ao longo das linhas do Credo Atanasiano que é uma composição
extraordinária que infelizmente ainda hoje tem lugar no livro de orações
O Paganismo em nosso cristianismo 93

Anglicanas. Este Credo é atribuído ao bispo Atanásio de Alexandria, no Egito,


293-373 DC, mas apesar de expressar em palavras exatamente as suas visões,
é provavelmente um trabalho europeu do século 5. Neste credo aparece que a
fé se desenvolveu no reconhecimento de três pessoas em um Deus, a primeira
destas pessoas sendo Deus o pai, no passado implacavelmente hostil ao homem,
mas que se reconciliou pelo sacrifício humano delegado à segunda pessoa, Deus
o filho, e a terceira pessoa sendo Deus o Espírito Santo. A crença nesta
Trindade, idéia que foi emprestada principalmente do Egito pagão, se tornou
condição necessária para a salvação, e o credo estabelecia que aqueles que não
aderiam à ele deveriam padecer eternamente - palavras pertencentes à idade
das Trevas e não adequadas para a apresentação moderna. Na primeira metade
do século 5 a desconhecida e modesta Maria se tornou a grande Rainha dos
céus, de modo que o Profeta Maomé no século 7 pode supor que os cristãos
eram politeístas, tendo, além de Deus, uma deusa Maria e seu filho, ainda um
outro Deus. [ref 1]

parágrafo 8
O cristianismo pegou inconscientemente da mitologia pagã muitas histórias
maravilhosas e as incorporou na vida de Jesus: do mitraismo o conto do
nascimento na caverna e a adoração feita pelos pastores; da adoração de
Adonis o conto da estrela do oriente; da adoração de Dionísio o conto da
transformação de água em vinho; e por aí em diante. Do mitraismo veio o uso do
sino, da vela e da água benta; [ref 1] o emprego das catacumbas; a seleção do
morro do Vaticano como local sagrado; dentre muitos outros. A idéia de ser
lavado no sangue do cordeiro veio do mitraismo e de outras crenças pagãs; e a
expressão sendo "nascido de novo" foi emprestada destes e da adoração de
Isis, existindo um registro de um homem que foi iniciado nos mistérios de Isis,
e que então "Nasceu de novo". [ref 2]

parágrafo 9
Na liturgia e no ritual gradualmente construídos pela Nova Igreja estado, a
influência pagã se revela no cortejamento cerimonial dedicado a Deus, o que é
totalmente contrário aos princípios cristãos. Por nenhuma vez, ao melhor de
nosso conhecimento, Jesus falou de Deus ou se dirigiu a Deus como rei
poderoso, nem por uma vez ele chamou a Deus de "todo poderoso"; apesar Dele
assim o acreditar, Ele geralmente evitava se referir à onipotência e à
majestade do Pai. O fim da oração do Senhor - "Para Ti é o reino, o poder e a
glória" - é dado apenas no evangelho de São Lucas, e é indubitavelmente uma
O Paganismo em nosso cristianismo 94

adição posterior ao texto. Era o amor de Deus, e não o seu poder de rei, o qual
Jesus desejava enfatizar; mas o paganismo considerava seus Deuses como
potentados, e a Igreja seguiu este exemplo, seu ritual sendo baseado na
tradição antiga do comportamento na presença de um rei terreno, e os
sacerdotes se aproximando do trono de Deus com lisonjeios em seus lábios.
"Grande e poderoso Rei dos Reis," ele ainda é chamado assim no livro de
orações Anglicano, "Senhor dos Senhores, o único governante de Príncipes,"
"Comandante soberano de todo o mundo". "Nós magnificamos Teu glorioso
nome," "Nós Te glorificamos, nós damos graças a Ti por Tua grande glória," "Oh
Deus o mais poderoso": desta maneira o clero ainda hoje tenciona agradar com
suas adulações a um Deus que nos seus corações eles devem saber que está
infinitamente acima deste tipo de coisa.

parágrafo 10
Passo a passo o ritual foi sendo elaborado, e entre os séculos 6 e 9 as roupas
simples do clero se desenvolveram em vestimentas ricas e nobres. O Amito e a
Alva, o Cíngulo e a Túnica, a Dalmática e a Estola, a Casula e o Manípulo se
tornaram moda; e no século 9 as luvas pontífices fizeram sua aparição. No
século 10 chegou a mitra dos bispos; e o século 11 viu a chegada de meias e
sapatos especiais para os dignitários da Igreja. Na reforma estas coisas foram
descartadas pela Igreja Anglicana, apenas o sobrepeliz e o barrete foram
permitidos; mas no século 19 as vestes voltaram a ser usadas, e apesar de
terem sido pronunciadas ilegais em 1870, a objeção a elas tem sido
gradualmente suplantada na Inglaterra, até hoje os membros do grupo Anglo-
católica se adornam, como o fazem os católicos romanos e outros, com muita
elegância realmente maravilhosa de se ver. Estas vestimentas são agradáveis
aos olhos, e historicamente tiveram grande interesse, mas sua história não nos
carrega além da idade das trevas, sendo que o hábito de se vestir
especialmente para adoração divina pode ser encontrado até na idade da pedra.
Eu suponho que nenhum crítico tenha dificuldade de dizer que a face de Jesus
não é representada por este tipo de exibição; e ainda... bom isto é dramático,
que o instinto dramático também é desesperançadamente confundido com o
instinto religioso para que seja algum dia desemaranhado, exceto por pessoas
com naturezas realmente espirituais.

parágrafo 11
Enquanto isso muitos dos outros Deuses pagãos foram trazidos para a Igreja
como santos. Castor e Pollux se transformaram em São Cosme e São Damião;
O Paganismo em nosso cristianismo 95

Dionísio, do qual muitos atributos foram adicionados à São João Batista, ainda
mantém seu lugar em Saint Denis em Paris; Diana Ilítia agora é Saint Yllis de
Dôle; a Dia Victoria é adorada nos Basses Alpes como Saint Victoire; e assim
por diante. Por todos os domínios da Cristandade, locais sagrados pagãos foram
perpetuados pela ereção de capelas e Igrejas cristãs nos mesmos lugares; e
existem centenas de templos dedicados à Madona em terreno uma vez sagrado
para ninfas ou deusas, enquanto que as nascentes ou poços sagrados do
paganismo são agora poços sagrados da Igreja. As estátuas de Júpiter e Apolo
tornaram-se nas de São Pedro e São Paulo; e as figuras de Isis tornaram-se nas
da Virgem Maria, enquanto que os lírios da Madona são as mesmas antigas
flores de lótus sagradas de Isis e Astarte. E aos lotes costumes pagãos antigos
foram sancionados pelos cristãos, como por exemplo, o caso de comer peixe na
sexta-feira, sendo sexta-feira o dia dedicado em muitas religiões pagãs às
Deusas-mãe que eram patronas das pescarias; ou no caso da celebração
contínua de festivais pagãos, dos quais irei falar nos próximos capítulos.

parágrafo 12
Assim é então a teologia, e assim é a Igreja, que cresceu em nome do filho do
carpinteiro, que confidenciou suas simples verdades a um pequeno número de
camponeses e pescadores maltrapilhos. O cristianismo é em grande parte uma
fé pagã; mas que por trás de sua pompa e vaidades e por baixo de suas absurdas
complexidades, ainda está por ser descoberto o Jesus da história, e em seus
ensinamentos e exemplos está a salvação do mundo. Se nós simplesmente
pudéssemos voltar a Ele...
.
Capítulo 21 A observância do domingo

parágrafo 1
Na Igreja cristã primitiva não existiam festivais, dias santos, ou sabats, pois
como Crisóstomo diz, "para os cristãos o festival dura o tempo todo, por causa
da excelência das coisas boas que foram dadas"; ou como Orígenes o coloca,
"para o cristão perfeito todos os dias são dias do Senhor." [ref 1] Sócrates, o
historiador eclesiástico, também nos conta "os apóstolos não pensam em
escolher dias festivos, mas apenas promover uma vida de piedade e sem
culpabilidade. "Quando a Igreja se tornou uma instituição do Estado, no
entanto, a necessidade de dias sagrados e festivais começou a ser sentida, e de
fato, era necessário dar um significado cristão aos festivais de origem pagã os
quais não se podia suprimir. O clero, por exemplo, não pôde impedir as pessoas
O Paganismo em nosso cristianismo 96

em vários países de celebrarem um grande feriado de páscoa em honra da


ressurreição de Átis ou de outros deuses; e eles eram obrigados, por
conseguinte, a consentir a perpetuação deste velho costume dando a ele uma
interpretação cristã, assim como Sócrates nos conta. Sócrates afirma também
que muitos outros costumes pagãos se estabeleceram na Igreja de modo
semelhante; e Bede preservou uma carta escrita pelo Papa Gregório no ano 601,
onde ele estabelece que a política da Igreja é adaptar estes antigos dias
sagrados pagãos às idéias cristãs ao invés de suprimi-los. [ref 1]

parágrafo 2
A Igreja era muito franca em relação às suas apropriações; mas o tempo
estendeu seu véu sobre estes assuntos, e agora aparece como uma surpresa
desconcertante para muitos cristãos saber que os festivais os quais ele chama
de natal e páscoa são de origem pagã e não cristã, e que o mesmo pode ser dito
de outras grandes festas da Igreja, tais como a da Assunção, a de São João
Batista, a de São Jorge, e daí por diante, enquanto o jejum da Quaresma é
também pagão. Eu já mencionei que o domingo também era um dia sagrado
pagão; e neste capítulo eu proponho discutir a origem desse costume de manter
um dia da semana como o sabat, ou "dia do descanso", e mostrar que Jesus se
opunha fortemente a esta prática.

parágrafo 3
A origem da semana de sete dias, que era usada pelos judeus dentre outros
povos, e mais tarde pelos gregos e romanos, deve ser buscada na adoração
primitiva da Lua, porque o costume de guardar o dia da lua nova e o dia da lua
cheia como festivais, os quais eram muito comuns na antiguidade, implica no
reconhecimento de um ciclo de cerca de 14 dias, onde uma semana de é a
metade disso, a duração real de uma semana assim determinada é de 7 e 3/8
dia. Os babilônios adotaram a semana de 7 dias, e seus calendários continham
orientações para abstinência de certos atos seculares em dias estabelecidos os
quais pareciam corresponder aos sétimos dias, e eram chamados"sabats"; e
apesar do sabat judeu não poder ser diretamente derivado do uso babilônico, a
sua instituição é obviamente derivada da adoração da Lua e do reconhecimento
concomitante do número 7 como sendo um dia sagrado no calendário. Os judeus
atribuíam uma santidade ao sétimo dia pois se supunha que Deus havia
descansado naquele dia, após os seis dias anteriores de trabalhos criativos; mas
esta era uma lenda derivada da mitologia babilônica, e não era a razão original
do porque o sétimo dia era um dia de descanso.
O Paganismo em nosso cristianismo 97

Parágrafo 4
Acontece que existiam sete corpos celestes conhecidos na astronomia antiga -
o Sol, a Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus e Saturno; e como havia em uso
uma semana de 7 dias é razoável supor que cada um desses dias foi dedicado a
cada um desses corpos celestes. O primeiro dia da semana era dedicado ao Sol,
que era o mais importante dos corpos celestes, o último dia da semana, o sétimo
dia, era dedicado a Saturno, o planeta mais distante do Sol. Mas este planeta
era identificado nas religiões orientais antigas com um deus de mau agouro,
então o sétimo dia gradualmente se tornou nos tempos primitivos um dia de má
sorte, sob a influência do qual nenhum trabalho poderia ser realizado com
sucesso. Por esta razão ele se tornou um dia de descanso e depois a lenda da
criação foi adaptada para explicar o motivo.

parágrafo 5
Os israelitas desenvolveram a idéia deste sétimo dia como sendo de descanso, e
já no tempo de Moisés as leis sobre o assunto eram tão estritas que um homem
era posto a morte por recolher lenha no sabat, [ref 1] e até acender uma
fogueira era proibido naquele dia sobre pena de morte [ref 2] - a tais
extensões de loucura pode a superstição carregar a mente humana. No tempo
de Nosso Senhor o sabat era mantido pelos judeus ortodoxos com quase a
mesma restrição; mas Jesus definitivamente se opunha a esta observância, de
acordo com o evangelho de São João, [ref 3] arriscou sua vida ao tentar
emancipar seus seguidores da submissão ao costume pela quebra deliberada das
leis do sabat. Deve ter existido uma tradição clara e tremendamente forte
entre os primeiros cristãos de que Jesus os libertou completamente da
observância do sabat, pois nos evangelhos registra-se que Jesus omitiu o quarto
mandamento - "Mantenha sagrado o dia do sabat" - de sua lista [ref 1] de
ordenamentos; enquanto São Paulo também o omite, [ref 2] e ataca os Gálatas
pela observação de qualquer dia especial como sagrado, [ref 3] sua atitude
sendo confirmada na epístola aos Colossenses, onde está dito que nem o sabat
nem outro dia deve ser observado como sagrado. [ref 4] Ireneu, um dos Pais
cristãos do segundo século, definitivamente diz [ref 5] que Jesus cancelou a
observância do sabat; Tertuliano, no terceiro século, escreve [ref 6] que "para
os cristãos os sabats são desconhecidos"; Victorinus, no quarto século, repete
que Jesus aboliu "a observância de qualquer sabat" [ref 7]; e Justino,
Clemente, Orígenes, Eusébio, Epifânio, Ciro, Jeremias e outros "Pais”, todos
dizem a mesma coisa nos termos mais enfáticos.
O Paganismo em nosso cristianismo 98

parágrafo 6
Mas enquanto o sabat do Sábado dos judeus foi abolido pelos primeiros
cristãos, e não se permitia que nenhum outro dia tomasse seu lugar como um
sabat, já havia se tornado um costume, no primeiro século, considerar o
domingo, o primeiro dia da semana, como um dia especialmente apropriado para
o encontro dos crentes, principalmente porque Jesus levantou dos mortos
naquele dia. Então nós lemos [ref 1] que os primeiros discípulos em Trôade se
encontravam semanalmente aos domingos para exortação e repartição do pão; e
no Didaqué, ou Ensinamentos dos Apóstolos, [ref 2] os cristãos são instruídos
para se reunir no "dia do Senhor", e nós sabemos de Mártir Justino e
Tertuliano que o termo "dia do Senhor" significava domingo o dia da
Ressurreição do Senhor. Tertuliano é enfático em dizer que qualquer adoração
especial no dia do Senhor é contra a lei [ref 3]; mas Inácio diz que os cristãos
observam aquele dia, [ref 4] e Dionísio de Corinto fala dele como sagrado, [ref
5] enquanto Ireneu e Tertuliano se estendem ao dizerem que o domingo deve
ser considerado um dia no qual os crentes devem descansar dos seus trabalhos
usuais. Plínio, escrevendo em 112 DC, diz que os cristãos estavam acostumados a
se encontrar antes do anoitecer e cantar um hino em um certo dia da semana
-ao qual ele indubitavelmente se referia ao domingo- e mais tarde para comer
uma refeição comunal juntos. [ref 1]

parágrafo 7
Em geral, no entanto, a evidência é a de que os primeiros cristãos
absolutamente refutaram a observância de qualquer sabat, mas que
gradualmente o domingo começou a ser reconhecido como o dia do encontro
semanal, e mais tarde, em algum grau, como o dia de descanso, contudo qualquer
sugestão de que ele era um substituto real para o velho sabat, ou de que ele
deveria ser observado estritamente, era repudiada com veemência. O domingo,
sendo dedicado ao sol, tinha sido por muito tempo o dia sagrado nas religiões
solares pagãs. E era o dia especialmente reverenciado pelos adoradores de
Mitra, [ref 2] sendo provavelmente chamado por eles também de "dia do
Senhor". Então o fato de Jesus ter saído da tumba no domingo não parece ter
sido a razão real pela qual aquele dia foi particularmente reverenciado pelos
primeiros cristãos, pois eles poderiam ter escolhido a sexta feira como o dia
semanal da comemoração do descanso, sendo aquele o dia da Sua morte. Parece
mais provável que eles foram influenciados aqui, como em tantas outras
matérias, pelo costume pagão, e que o domingo passou a ser celebrado porque os
O Paganismo em nosso cristianismo 99

mitraistas e outros adoradores do Sol o consideravam um feriado sagrado, e o


hábito não pôde ser suprimido.

parágrafo 8
No ano 321 o Imperador Constantino, que ainda não era considerado cristão,
mas que titubeava entre paganismo e cristianismo, promulgou um decreto
tornando o domingo um dia de descanso compulsório; mas o fato de que ele se
refere ao domingo como "o dia de veneração do Sol" mostra que ele estava
pensando no domingo como um festival solar tradicional ao mesmo tempo que ele
o pensava como um dia sagrado cristão. Este decreto no entanto, não era
popular, e foi anulado pelo Imperador Léo no século 9. Mas no Oeste, Carlos
Magno proibiu o trabalho de qualquer tipo nos domingos; e na Inglaterra as leis
dos reis Anglo-saxões, Ina, Athelstan e AEthelred, proibiram o comércio e
certos tipos de trabalho e esportes naquele dia. Mais tarde no entanto o
domingo passou a ser observado ao redor da Europa e ainda hoje é observado
pelos católicos romanos, a saber, como um dia no qual, a exemplo do natal, as
pessoas iam à Igreja pela manhã e depois descansavam, faziam esportes ou
desfrutavam. Esta é sem dúvida a melhor aproximação do modo pelo qual os
primeiros cristãos observavam o domingo.

parágrafo 9
Na reforma Lutero denunciou enfaticamente aqueles que observavam o domingo
como particularmente sagrado, orientou aos seus seguidores a festejar e
dançar naquele dia de modo a se opor à sua observância sagrada. [ref 1] Zwingli,
o reformador suíço, disse: "a lei permite que no dia do Senhor após o serviço
divino qualquer homem possa executar seus trabalhos"; e mesmo John Knox,
referindo-se aos sabat, disse que "os cristãos não deve ter nada a ver com a
supersticiosa observação dos dias". Os Puritanos do século 17 na Inglaterra, no
entanto, reverteram à idéia judia contra a qual Jesus tinha se oposto; e isso
irritou o rei James a ponto de ele publicar um Livro de Esportes para os
domingos, instigando seus súditos a jogarem naquele dia. Mas após aquele
período vários atos legais foram publicados sob influência Puritana; a opinião
pública tornou-se tão afastada do ensinamento autêntico de Jesus Cristo que
apoiou a observância estrita do domingo como um sabat.

parágrafo 10
Hoje no entanto, as pessoas estão recomeçando a fazer um feriado aos
domingos; e o estão fazendo sem pedir permissão aos seus pastores religiosos,
O Paganismo em nosso cristianismo 100

e já que entraram na matéria eles deveriam justificar sua atitude citando


capítulo e versículo que suportam a sua posição, devem desafiar o estudante
bíblico a fornecer uma única palavra da escritura que justifique a aprovação do
cristianismo ao mandamento de Moisés, "Mantenha sagrado o dia do sabat" ou a
sua ressuscitação do limbo ao qual Nosso Senhor tão definitivamente o
consignou. A recusa de certas pessoas a trabalhar ou a jogar aos domingos
devido a escrúpulos religiosos é evidência de uma atitude anti-cristã e de uma
superstição tão grosseira que a mente do homem pensante fica estarrecida com
ela; e é impressionante descobrir que o mandamento de Moisés de evitar todo o
tipo de trabalho naquele dia é ainda solenemente lido pelos ministros daquele
mesmo Jesus Cristo que ousou aboli-lo.

Capítulo 22 A origem da epifania

parágrafo 1
A data de nascimento de Nosso Senhor é desconhecida. Aniversários de
nascimento no oriente geralmente passavam sem celebração, pois os pais, a
menos que fossem muito bem posicionados, raramente se lembravam dos dias
exatos nos quais seus filhos nasceram; mesmo a idade aproximada de um
oriental era às vezes esquecida. Não existe evidência de que Jesus sabia em
que dia Ele nasceu, e certamente seus discípulos não sabiam: até sua mãe
parece ter esquecido, pois apesar de ela ter vivido com os discípulos após a
crucificação, [ref 1] ela evidentemente foi incapaz de lhes dar uma data para
comemorar o evento, e nosso natal atual, 25 de dezembro, como eu irei explicar
no próximo capítulo, nunca foi pensado pela Igreja como tendo sido a real data.
Nem o costume inspirou os discípulos com o desejo de fazer o aniversário da
natividade, e de fato, Orígeno, escrevendo cerca do ano 245, diz que é muito
impróprio guardar o nascimento De Jesus Cristo, como se Ele fosse um mero rei
ou faraó. O sentimento geral em tempos primitivos era que Sua vida divina
começou apenas no seu batismo por João nas águas sagradas do Rio Jordão; mas
aqui, novamente, a data era desconhecida, e quando no segundo século, os
cristãos começaram a desejar comemorar Seu batismo, eles tiveram que
considerar qual data seria escolhida. Finalmente eles selecionaram, em parte
deliberadamente e em parte sob a influência de costumes antigos, a data de 6
de janeiro porque este era o dia no qual as águas sagradas eram abençoadas nas
religiões de Osiris e de Dionísio.

parágrafo 2
O Paganismo em nosso cristianismo 101

Eu já mostrei que a adoração de Osíris deve ter feito sua influência ser sentida
na mente do cristão primitivo, pois sua morte e ressurreição eram amplamente
celebradas; mas nós devemos agora considerar a influência da adoração de
Dionísio, que era identificado pelos gregos como Osíris.

parágrafo 3
Dionísio, cujo pai, como na história cristã, era "Deus" mas cuja mãe era uma
mulher mortal, [ref 1] era representado no Oriente como um homem jovem
barbado de aparência digna, que não apenas ensinou a humanidade a usar a
videira, mas também foi um legislador, promovendo as artes da civilização,
pregando a alegria e encorajando a paz. Ele, como Jesus, sofreu uma morte
violenta, e desceu ao inferno, mas que foi sucedida por sua ressurreição e
ascensão; e estas eram comemoradas em seus ritos sagrados. De acordo com
uma lenda ele havia se transformado em um touro, e nesta forma ele foi
cortado em pedaços por seus inimigos; e de acordo com outra lenda ele foi
transformado em um carneiro. Seus adoradores estavam acostumados a cortar
um touro ou um cabrito em pedaços para devorar a carne crua, desta forma
comendo a carne e bebendo o sangue de seu deus em uma eucaristia frenética.
Vários animais eram sagrados para ele, dentre os quais o carneiro e o jumento;
em relação a este último existia uma história de que ele tinha uma vez
cavalgado sobre dois jumentos que depois se transformaram em constelações
celestiais, em tal lenda nós talvez possamos vê-lo como um deus solar e
conectá-lo com o signo zodiacal de câncer o qual, no zodíaco babilônico, eram o
jumento e seu filhote, o qual marcava o zênite do poder solar no início de seu
declínio em direção ao inverno.

Parágrafo 4
O ministério de Jesus culminou com sua entrada em Jerusalém, após o que os
eventos o levaram rapidamente para baixo da tumba; e naquela ocasião ele é
descrito, como Dionísio, sobre dois jumentos, melhor dizendo "sobre um
jumento e seu filhote" [ref 1] o que sugere que o segundo jumento pode ter
sido adicionado à estória sobre a influência da crença astrológica. Os gnósticos
indubitavelmente identificavam Jesus com este signo, pois uma gema gnóstica
foi encontrada, na qual um jumento e seu filhote são mostrados juntos com o
caranguejo (cancer), e uma inscrição abreviada em Latim dá as palavras: "nosso
senhor Jesus Cristo, o filho de Deus." [ref 2] É uma lei reconhecida da
mitologia que um Deus é idêntico com a espécie de animal sagrado para ele; e da
mesma forma que Dionísio é um jumento, em um de seus aspectos, também
O Paganismo em nosso cristianismo 102

Jesus, que foi confundido com Dionísio nas mentes pagãs ignorantes, parece ter
sido identificado com aquele animal, pois um desenho foi encontrado sobre uma
parede do Domus Gelotiana (casa Gelociana) no monte Palatino, [ref 1] no qual
Jesus é mostrado preso à cruz mas tendo a cabeça de um jumento. Novamente
o jumento é associado com a videira, o principal símbolo de Dionísio, pois o
Mártir Justino [ref 2] fala de um jumento amarrado a uma videira; e Jesus
novamente, é identificado com a videira nas palavras do evangelho de São João,
"eu sou a videira verdadeira," o que para ouvidos pagãos, era equivalente a dizer
"Eu sou Dionísio", e no Didaqué, onde os conteúdos do cálice Eucarístico são
descritos como "a videira sagrada de Davi", [ref 4] o que significa não apenas
que o vinho era considerado simbolicamente como o sangue de Jesus, mas que
Jesus era considerado simbolicamente como vinho.

parágrafo 5
O grande festival de Dionísio era amplamente celebrado em 6 de janeiro. Mas
Dionísio, como foi dito, era identificado com o deus Egípcio Osiris, e parecia
que no Egito havia um festival antigo do Nilo na mesma época do ano, o qual os
cristãos Coptas celebram até hoje como o Îd el-Ghitâs, ou "Festival da
imersão", no qual o rio é abençoado, e água sagrada é derramada dentro dele,
após o que as pessoas mergulham na corrente. A data deste festival é o 11 o dia
do mês Tobi, o que em tempos antigos correspondia a 6 de janeiro. Mas o deus
Osíris era, em um de seus aspectos, a divindade do Nilo; [ref 1] e então este
festival do Nilo era provavelmente um festival de Osíris, e portanto o festival
de Dionísio deve ter sido idêntico a ele, como pressuposto pela coincidência das
datas.

parágrafo 6
Aristides Rhetor, escrevendo ao redor de 160 DC, diz que neste festival
egípcio água do nilo era retirada e guardada em jarras de vinho, pois nesta
estação ela era considerada como estando com alta pureza; e ele observa que
com o passar do tempo ela se torna mais doce, da mesma forma que o vinho
matura; e Epifânio, escrevendo cerca de dois séculos depois, diz que os egípcios
e outras raças retiravam a água na ocasião deste festival e a armazenavam, e
que em certos lugares ela realmente se transformava em vinho. Esta crença
corresponde exatamente às estórias relatadas do festival de Dionísio, no qual,
em certas localidades, de forma semelhante a água se transformava em vinho;
[ref 1] a conexão de Jesus com Dionísio nas mentes dos homens é mostrada
pela introdução na estória do evangelho do incidente da transformação de água
O Paganismo em nosso cristianismo 103

em vinho na festa de casamento em Canaã, cujo milagre é comemorado pela


Igreja todos os anos em 6 de janeiro, a mesma data do festival de Dionísio.

parágrafo 7
Clemente de Alexandria, escrevendo ao redor do ano 194, diz que os
Basilidianos, que eram gnósticos de uma seita semi-cristã do Egito, celebravam
esta data e banqueteavam nela; e gradualmente nós encontramos os cristãos da
Síria e de outros lugares adotando este dia, 6 de janeiro, como sendo o
aniversário do batismo de Jesus no Jordão. No quarto século o costume estava
disseminado, e na Antioquia no ano 386 os dois grandes festivais cristãos eram
a páscoa e a epifania, a última em 6 de janeiro, e sendo celebrada com a benção
de todos os rios e nascentes, e pela remoção de água para ser usada em
batismos ao longo do ano. Esta palavra "epifania" significa em grego a
"Aparição" ou a "Manifestação" de uma divindade, pois se acreditava que Cristo
havia se manifestado primeiro no seu batismo no Jordão; mas uma vez que foi
dito que havia feito em Canaã o mesmo milagre da transformação de água em
vinho que era feito anualmente por Dionísio nesta data, e uma vez que esta foi a
primeira manifestação de seus poderes milagrosos, a palavra "epifania"
gradualmente passou a se referir também ao milagre de Canaã, o qual era
igualmente comemorado neste grande dia.

parágrafo 8
Então o festival cristão da epifania, enquanto comemorava o batismo, e o
milagre da transformação de água em vinho, simplesmente perpetuava o festival
de Dionísio, com quem Jesus tinha muito em comum sob os olhos pagãos, e o
correspondente festival do Nilo de Osíris. Mas existia uma outra
"manifestação" a qual gradualmente veio a ser celebrada nesta mesma festa, a
saber a manifestação feita aos reis Magos por meio da estrela de Belém no
tempo da natividade de Jesus; e é este aspecto do festival que sobreviveu até
o presente dia, e é agora aceita como a razão de ser da epifania.

parágrafo 9
A História dos Magos é encontrada apenas no último dos evangelhos sinóticos, o
de São Mateus, onde é dito que homens sábios -sem especificar quantos- foram
guiados a Belém por uma estrela miraculosa; mas uma vez que o conto não
aparece em outros evangelhos, nem existe referência em outro livro do Novo
Testamento, deve ser considerada como uma lenda. Sua origem, no entanto, é
completamente obscura, contudo o fato de os homens sábios serem
O Paganismo em nosso cristianismo 104

identificados como sendo magos, o mesmo que dizer, sacerdotes persas, sugere
que a origem da história pode ter sido algum incidente registrado nas
escrituras hoje perdidas do deus persa Mitra, cuja adoração era a grande rival
do cristianismo. Após nascer, o bebê Mitra foi adorado por pastores, que
trouxeram presentes a ele, tal incidente parece ter sido a origem do conto dos
pastores adorando o infante Jesus dada em São Lucas; [ref 1] e portanto não
há razão do porquê a estória dos magos não possa também ter sido emprestada
do mitraismo. O aniversário de Mitra era sempre celebrado em 25 de
dezembro, a data que posteriormente foi adotada como aniversário de
nascimento de Jesus ; e se a lenda de dos magos for mitraica, é possível que se
dizia que estes homens sábios chegaram ao berço de Mitra doze dias após o
nascimento, quer dizer, dia 6 de janeiro. Mas isto é uma suposição, sendo muito
obscura a razão pela qual a chegada destes Magos tenha sido atribuída a este
dia.

parágrafo 10
De qualquer modo a epifania cristã veio a se conectar com este evento
certamente tão cedo quanto o século 4; e logo a lenda se desenvolveu, de modo
que os"homens sábios" de São Mateus se tornaram três reis chamados
Baltazar, Melquior e Gaspar, em honra dos quais os três primeiros dias após o
ano novo são santificados no calendário católico romano, e cujos supostos ossos
são hoje preservados como relíquias na Catedral de Colônia! Pode ser dito de
passagem que a perpetuação desta lenda obscura no livro Anglicano de orações
para coleta e evangelho indicada para ser lida na epifania é quase um ultraje no
século vinte. Não pode-se esperar que um homem educado ainda considere
sagrado o dia deste festival pagão de Dionísio e que se refira em suas rezas à
bondade de Deus em revelar o nascimento de seu filho a esses reis fantasiosos
por meio de uma perfeitamente inacreditável estrela de mentira.

parágrafo 11
Cassiano (360?-435) diz [ref 1] que em seu tempo todas as províncias egípcias
consideravam a epifania como comemorando também o verdadeiro nascimento
de Jesus, a data 25 de dezembro ainda não era reconhecida; existe evidência
que mostra que 6 de janeiro era amplamente considerada no Oriente como o
aniversário de Sua natividade. E isso talvez tenha sido devido ao fato de que se
pensava que Nosso Senhor tinha exatos 30 anos na idade de Seu batismo,
contudo o evangelho de São Lucas não é tão preciso, [ref 2] e então aquela
mesma data cobria os dois eventos. Era costume da casa real do Egito celebrar
O Paganismo em nosso cristianismo 105

o que era chamado festival Sed quando se completava um período de exatos 30


anos na data do calendário, qualquer que ela fosse, na qual o faraó, antes de ser
coroado, era escolhido ou apontado por seu pai como futuro soberano. Esta
palavra Sed significando "abrir" ou "expor", ou talvez "manifestar-se", e era o
nome de um deus mais tarde identificado com o deus Wepwet, "O abridor de
caminhos", ou "Guia", que figurava conspicuamente nas cerimônias. Neste
festival o faraó se manifestava como uma encarnação de Osíris, e portanto
deveria existir alguma tradição de que Osiris era encarnado ou escolhido para
ser Senhor da humanidade exatamente 30 anos antes dele possuir seu trono
terreno como faraó. Como Osiris e Dionísio eram identificados um com o outro,
a idéia talvez passou então para as mentes cristãs de que a manifestação de
Jesus ocorreu no Seu batismo, da mesma forma que o festival Sed do faraó,
após exatos 30 anos de sua indicação divina, neste caso seu nascimento, que dá
motivo à afirmação de Orígenes, referenciado acima, de que Jesus não era um
mero faraó para ter seu aniversário de nascimento celebrado. A este respeito
deve ser notado também que, diz-se que Zoroastro, o antigo legislador Persa,
tinha sido inspirado pelo espírito de deus, que descendeu sobre ele na idade de
30.

parágrafo 12
Sendo assim, 6 de janeiro, a epifania, foi por muitas gerações a data aceita
para o aniversário da natividade, ao mesmo tempo que era o aniversário do
batismo, do milagre em Canaã, e da vinda dos Magos; e no próximo capítulo eu
irei mostrar como a data foi abandonado em favor de 25 de dezembro.

Capítulo 23 A origem do natal e de outras comemorações

parágrafo 1
No capítulo anterior eu pontuei que o dia que Jesus nasceu era desconhecido, e
que os cristãos por fim selecionaram 6 de janeiro como uma data adequada para
a celebração de Seu nascimento, este dia tendo sido escolhido anteriormente
como aniversário de Seu batismo, o sentimento geral era de que a natividade e
o batismo demandavam uma comemoração idêntica. Havia outras datas, no
entanto, que se pensava por alguns como também marcando o Seu nascimento:
Clemente de Alexandria, por exemplo, escrevendo no final do século 2, diz que
ele pensa que Jesus tinha nascido em novembro, enquanto outros cronologistas
no Egito davam a data como o dia 25 do mês Pachons, correspondendo a um dia
de Maio, outros ainda preferiam o dia 24 ou 25 do Pharmuthi, que seria um dia
O Paganismo em nosso cristianismo 106

de Abril. Outro cronologista, ao redor do ano 243, colocou o nascimento em 28


de Março. Ainda assim apesar destas opiniões diferentes, o dia 6 de Janeiro,
era como eu disse, a data geralmente aceita.

parágrafo 2
Mas no final do quarto século a Igreja começou a sentir a necessidade de
celebrar um festival particular de nascimento separado da comemoração do
batismo, com o propósito de contra-atacar a influência da heresia maniqueísta
que declarava que Jesus tinha sido um fantasma e que nunca havia nascido de
verdade; e enquanto o aniversário do nascimento espiritual ou "manifestação"
era deixada em 6 de janeiro, em concordância com o provérbio de Crisóstomo e
de outros de que a vida divina de Jesus havia começado somente no batismo, o
aniversário da natividade, que era cuidadosamente distinguido como o
nascimento "após o da carne", foi mudado para uma nova data, 25 de dezembro.

parágrafo 3
Esta nova data no entanto, mal teria conseguido ser convincente a princípio,
pois era óbvio que havia sido escolhida completamente por influência pagã,
sendo que 25 de dezembro era o nascimento do Sol desde tempos imemoriais, e
era celebrado como tal com grandes regozijos em muitas terras. A escolha, de
fato, parece ter sido forçada sobre os cristãos devido à impossibilidade de
suprimir um costume tão antigo ou à impossibilidade de impedir as pessoas de
identificarem o nascimento de Jesus com o nascimento do Sol; e foi necessário,
portanto, recorrer ao artifício tão frequentemente empregado e tão
abertamente admitido pela Igreja, a saber, de dar um significado cristão a um
rito pagão irreprimível. Um escritor cristão sírio dos tempos antigos [ref 1]
definitivamente disse que "a razão pela qual os pais transferiram a celebração
de 6 de janeiro para 25 de dezembro foi que era um costume pagão celebrar
neste mesmo 25 de dezembro o nascimento do Sol, no qual eles acendiam luzes
como um símbolo de celebração, e que nestes ritos e festividades os cristãos
também participavam. Consequentemente quando os doutores da Igreja
perceberam que os cristãos gostavam deste festival, eles resolveram que a
verdadeira natividade deveria ser comemorada naquele dia."

Parágrafo 4
Os antigos consideraram erroneamente por muito tempo o dia 25 de dezembro
como o solstício de inverno, ao invés de 21 de dezembro que é a data correta; e
mesmo no calendário Juliano este erro foi perpetuado, [ref 1] sendo o dia 25
O Paganismo em nosso cristianismo 107

chamado do dia da natividade do Sol, quer dizer, o ponto de virada anual a


partir do qual os dias passarão a aumentar. Mas durante os séculos 3 e 4 o
mitraísmo gradualmente se tornou a religião solar mais importante do império
romano, o deus Mitra sendo comumente intitulado de "inconquistável Sol"; [ref
2] e nós encontramos que no calendário de Philocalus, datado de 336 DC, o dia
25 de dezembro está marcado N. Invicti, o que significa Dies natalis Solis
Invicti, "o nascimento do inconquistável sol", a referência indubitavelmente
sendo a Mitra.

parágrafo 5
A primeira referência conhecida de 25 de dezembro como sendo o nascimento
de Jesus ocorre em um trabalho Latino de cerca do ano 354; [ref 3] mas nele
nenhum festival é mencionado, e a data é apenas registrada como uma peça de
suposição histórica. O imperador Honório, no entanto, que reinou no ocidente de
395 a 423, fala desta data sendo comemorada em Roma como um novo festival;
e um rescrito imperial de cerca do ano 400 a inclui como uma das três grandes
festas da Igreja na qual os teatros deviam ser fechados, as outras duas sendo
a epifania e a páscoa. Sua instituição, ao que parece, era de origem ocidental,
sendo a adoração a Mitra mais poderosa no ocidente; e gradualmente sua
observância se moveu em direção ao Oriente. As Igrejas da Síria e da Armênia,
no entanto, ficaram horrorizadas com a escolha de tal data, pois ela era a data
reconhecida do nascimento de vários deuses solares pagãos; elas acusaram
fortemente a Igreja ocidental de adoração solar e idolatria, mantendo 6 de
janeiro como a data mais apropriada - aparentemente esquecendo que 6 de
janeiro era ela própria a festa pagã de Dionísio e Osiris. Eles sabiam que Jesus
era frequentemente referido como "o sol," [ref 1] e que ele era muito
próximamente identificado nas mentes pagãs com Mitra; e eles sentiam que a
adoção do nascimento do Sol como nascimento de Jesus era uma admissão
injustificável do poder do paganismo. Agostinho, também, pede aos seus
companheiros cristãos para não considerar a nova data como sagrada por causa
da sua conexão com o sol, mas para atribuir à Jesus a criação do sol. [ref 1]
Entretanto, as Igrejas orientais foram ao fim forçadas a aceitar, e então 25 de
dezembro se tornou o dia de natal. Ele só se tornou um feriado oficial de Roma
a partir do ano 534.

parágrafo 6
O solstício de inverno, que marca o começo do aumento do poder do Sol, era um
evento mais importante e alegre nos países mais frios do que nos países mais
O Paganismo em nosso cristianismo 108

quentes, portanto 25 de dezembro tinha sido sempre celebrado entre os


germânicos e outras raças do norte com muito mais entusiasmo do que o era no
sul e no ocidente, onde o declínio da força do Sol era mais aprazível do que o
seu aumento. Portanto nada mostra tão claramente que o natal era um festival
solar quanto o fato de que as raças do norte até hoje fazem dele um feriado
mais comemorado do que os povos do sul. Para nós ele ainda é a virada do ano,
após o qual nós começamos a pensar na chegada da primavera e no alargamento
dos dias.

parágrafo 7
O venerável Bede, [ref 1] escrevendo na primeira parte do século 8, diz que "o
antigo povo da nação Anglia", pelo qual ele se refere aos ingleses pagãos antes
de seu assentamento na Britânia em cerca de 500 DC, "começavam o ano em 25
de dezembro, quando nós hoje celebramos o nascimento de Nosso Senhor"; e
ele nos conta que na noite de 24 para 25 de dezembro "que é hoje a noite tão
sagrada para nós, era chamada em sua língua Modranecht, significando, A noite
das Mães, devido às cerimônias de vigília que duravam toda a noite." Ele não
menciona o que é que essas cerimônias eram, mas está claro que elas tinham
conecção com o nascimento do deus sol. No tempo quando os ingleses foram
convertidos ao cristianismo nos séculos 6 e 7 o festival da natividade em 25 de
dezembro já havia se estabelecido em Roma há muito tempo como uma
celebração solene; mas na Inglaterra a sua identificação com o alegre Yule
pagão - uma palavra aparentemente significado alegramento - deu a ele um
caráter alegre que não possuía no sul. Este caráter sobreviveu, e está em
contraste com sua natureza entre as raças latinas, para as quais os costumes
dos povos do norte de banquetear e dar presentes de natal era desconhecido
até anos recentes.

parágrafo 8
O antigo escritor sírio referenciado acima afirma que existia um costume pagão
antigo de fazer fogueiras em 25 de dezembro, e que após a separação do natal
da epifania estas fogueiras eram mantidas acesas desde o natal até o dia do
outro festival, 6 de janeiro. Estas iluminações sobreviveram na queima do
tronco Yule, e em velas na árvore de natal; e mesmo no presente é considerado
correto remover todas as decorações de natal até 6 de janeiro (a décima
segunda noite). Possivelmente a própria árvore de natal é derivada da árvore
com brinquedos pendurados mencionada por Virgil como um aspecto da
O Paganismo em nosso cristianismo 109

Saturnália, a grande diversão Romana que acontecia em 17 de dezembro, mas


que não parece ter nenhuma conexão clara com a festividade de natal.

parágrafo 9
Nosso natal, então não é, e nos tempos antigos nunca foi pensado ser, o
aniversário de nascimento de Nosso Senhor: é o nascimento do sol, e de Mitra
em particular, quase tudo sobre ele é puramente pagão. Mas uma vez que o
nascimento de Jesus deve ser considerado como o mais importante evento da
história mundial, e uma vez que a data verdadeira é desconhecida, é apropriado
que sua comemoração deva perpetuar um festival alegre de antiguidade
imemorial; e nós devemos concordar cordialmente com o Papa Gregório o qual,
em 601, escreveu para Mellitus, seu missionário na Inglaterra, dizendo a ele
para não parar das festividades pagãs, mas para adaptá-las aos ritos da Igreja,
apenas mudando a razão deles de um impulso pagão a um cristão. [ref 1] Os
Puritanos, é bem verdade, tentaram em 1644 impedir por um ato do parlamento
inglês todo tipo de diversão no dia de natal, e eles conseguiram matar o festival
na Escócia; mas na Inglaterra o ato foi vetado por Charles II, e a alegria
tradicional do dia foi restaurada.

parágrafo 10
Com relação à páscoa, eu já pontuei que uma vez que nosso Senhor se levantou
da tumba no domingo após a páscoa, e uma vez que a páscoa era originalmente
um festival de primavera, a data da celebração cristã do evento coincidiu com a
data da ressurreição de deuses pagãos tais como Atis, que eram originalmente
deuses da vegetação, na ocasião do equinócio vernal. Entre os Anglo-saxões o
mês de abril era dedicado a Eostre ou Ostara, a deusa da primavera; e sua
grande festa deu o nome à Pascoa de Easter (NT- nos países de língua inglesa).
Aqui novamente a Igreja foi muito franca sobre isso, e Bede afirma que a festa
na Inglaterra era simplesmente "o velho festival observado com a alegria de
uma nova solenidade", [ref 1] enquanto o historiador eclesiástico Sócrates [ref
2] diz que era uma perpetuação geral de um costume antigo, "de forma similar a
que muitos outros costumes tinham se estabelecido".

parágrafo 11
O festival de São Jorge, celebrado pela Igreja em 23 de Abril, de acordo com
Fraser [ref 1] substituiu o festival pagão da Parilia, o "Nascimento de Roma" e
devo adicionar que próprio São Jorge era ninguém mais que o deus Egípcio
Hórus que com sua lança perfurou e matou o monstro Set que tipificava uma
O Paganismo em nosso cristianismo 110

divindade malévola. O festival de São João Batista em 24 de junho substituiu o


festival das águas do meio do verão em honra de certos deuses como Adonis
[ref 2] pois a Igreja, sendo incapaz de impedir que as pessoas se rolassem no
sereno da manhã ou que se banhassem nas nascentes e rios naquele dia como
uma salvaguarda contra infortúnios futuros, colocou a ocasião sobre o
patronado de seu santo das águas, desta forma permitindo a continuidade do
costume, perpetuado em muitos países até hoje. O Festival da Assunção da
Virgem Maria, celebrado pela Igreja Romana em 13 de agosto, e como eu já
disse antes, nada mais é que o festival de Diana. Lammas, em 1 de agosto no
calendário da Igreja, é o Hlafmoesse Anglo-Saxão, a "cerimônia do pão," um
festival pagão antigo de ação de graças pela maturação do milho. O festival de
todas as almas é a festa das lâmpadas do Egito antigo. O jejum da quaresma
talvez perpetue as 40 noites de lamentação nos mistérios de Proserpina e
outros períodos de 40 dias de enlutamento das religiões primitivas; contudo
deve ser notado que a quaresma de 40 dias data apenas de cerca de 600 DC. A
quaresma em Inglês é escrita como Lent significando Primavera, e não pode
haver dúvida de que era em sua origem primitiva um período de propiciação
antes do período do florescimento e da renovação do verde no equinócio vernal
que era tão amplamente considerado no paganismo como sendo a temporada
anual da ressurreição dos deuses.

Capítulo 24 O Mal Compreendido Cristianismo

parágrafo 1
A compreensão do cristianismo, um fato que deve ficar claro para aqueles que
leram os capítulos anteriores, é que o cristianismo se desenvolveu em uma
religião num ambiente pagão extravagante que não poderia deixar de ter sua
influência sobre a nova fé. As mentes dos seus teólogos indubitavelmente
estavam saturadas com as idéias do paganismo e as doutrinas e ritos
formulados por eles mostram claramente duas coisas, as cores vívidas dos
carnavais sagrados da antiguidade remota e as manchas daquela confusão
medrosa e escura da superstição primitiva no seio da qual a nova religião foi
nutrida. O vinho e o sangue dos sacramentos antigos estão esparramados na
própria face da teologia cristã e seus dogmas carregam até hoje as marcas
indeléveis da sua concepção entre os esplendores barbáricos e as terríveis
bobagens de uma idade esquecida. Alegria e terror misturam-se na liturgia da
Igreja, o grito triunfal dos deuses antigos ecoa nos seus festivais, e o gemido
O Paganismo em nosso cristianismo 111

de incontáveis divindades encarnadas premindo pela remissão dos pecados é


ouvido como um sussurro nas suas orações e nas suas cantigas.

parágrafo 2
Então o pensador cristão do século 20 está sentindo a necessidade da
separação do elemento pagão das verdades básicas da fé, deve sentir que
nenhuma brincadeira, tal qual a que está sendo conduzida na Inglaterra
relativamente ao livro das orações, pode ser de grande utilidade. Deve existir
um movimento sincero em busca do Jesus verdadeiro e de seus ensinamentos de
modo que o cristianismo possa ser compreendido como consistindo não na
adoração de um crucifixo mítico mas na obediência franca ao Mestre histórico
e servir a Deus segundo as linhas sedimentadas por Ele, na medida que
possamos traçar estas linhas nas partes da literatura existente que pareçam
genuínas. Deve ser tranquilamente reconhecido que a interpretação antiga do
cristianismo está errada e da mesma maneira que nossos antepassados
descartaram algumas doutrinas tais como a teoria do resgate devemos nós
estar preparados para abandonar outros dogmas inúteis para nossa era a
despeito de, por costume, estarem profundamente enraizados que os fez
parecer parte do credo ortodoxo.

parágrafo 3
Um dos mais óbvios fatos relacionados com Jesus histórico é o de que Ele tinha
extremamente pouco a dizer sobre o próximo mundo, praticamente todos os
seus ensinamentos estavam relacionados com condições desta vida. Era a
correção do pensamento da humanidade e a consequente felicidade, era o
estado ideal da sociedade na terra desenvolvendo à luz do amor de Deus com os
quais Ele estava preocupado e nós devemos nos lembrar que era a melhoria das
condições deste mundo e não as do outro mundo que estavam mais presentes em
Sua mente. Ele postulou certos princípios espirituais, certas regras de conduta,
pela observação das quais, o coração humano deve se preparar para receber
aqui e agora as bençãos dos céus. “Venham a mim todos que trabalham e
carregam um fardo pesado”, Ele disse, “e Eu lhes darei descanso, coloquem
minha canga sobre seus ombros e aprendam comigo e vós descobrireis descanso
em suas almas, porque minha canga é suave e minha carga é leve.”

parágrafo 4
Ele não fez dissertações sobre a natureza de Deus, ou sobre a composição da
Santíssima Trindade, ou sobre o delegado sacrifício necessário para redenção,
O Paganismo em nosso cristianismo 112

ou sobre a dependência da salvação de certos sacramentos, também não falou


muito sobre rituais, cerimônias e observâncias exceto o que ele disse a seus
seguidores para não transformar o sabat num dia sagrado estúpido, não se
preocupar com formas exteriores e não transformar suas rezas em um show.
Para Ele o ritual não tinha significado e não havia dogmas teológicos para serem
recitados, Ele não conhecia a teologia além do fato de que Deus é amor e que o
reino de Deus nos corações dos homens pode e será estabelecido nesta terra
pela obediência às regras que Ele nos deu por exemplo e preceito. As coisas que
Ele ensinou foram pregadas, em uma parte ou outra, por grandes pensadores de
nações e épocas muito distantes mas nunca elas foram tão claramente e
forçosamente colocadas como por Ele, nunca elas foram tão bem costuradas
para constituir um guia pronto para o homem comum, nunca elas foram
embasadas num fino exemplo de como um indivíduo galante pode viver pelo bem
dos outros, nunca elas foram tão livres da teologia e da escatologia próprias de
um pregador.

parágrafo 5
Mas o homem é uma criatura covarde, na melhor das hipóteses, e nos tempos
primitivos era afligido por medos assombrosos do desconhecido, ele estava mais
receptivo para escutar os sussurros das suas superstições herdadas e buscar
fazer paz com os céus irados por meio de ritos e cerimônias do que para seguir
um exemplo tão simples de confiança na bondade de Deus como expresso por
Jesus. Então em geral os escritos cristãos antigos e em particular o livro das
orações, ainda em uso na Inglaterra, palpita com uma inquietude nervosa por
assim dizer, "Livrai-nos, bom senhor, e não fique com raiva eterna de nós",
geme a ladainha, "e nos livre de vossa Ira e da eterna danação, bom Deus." O
antigo mito assustador do dilúvio é introduzido nas orações Anglicanas pedindo
por tempo bom, um dos quais começa com as ridículas palavras "Ó Deus, que por
causa do pecado do homem uma vez afogou todo mundo exceto 8 pessoas ..." e
uma reza para o período da doença lê-se assim: "Ó Deus que em vossa ira enviou
uma praga sobre o povo da terra e também matou com a praga da pestilência 10
mil mais 5 dúzias, tenha piedade de nós, e comandais o Anjo destruidor para
cessar a punição e por favor afaste de nós esta praga.” A reza por tempo bom
começa “Ó Deus que de forma justa nos humilhou com a última praga da chuva
excessiva..." e a oração por chuva fala "a seca que nós agora sofremos
justamente por causa da nossa imoralidade".

parágrafo 6
O Paganismo em nosso cristianismo 113

Este é o instinto pagão antigo entre nós que blasfema, imputando ao Deus do
amor as motivações de um duende vingativo. No festival dos Inocentes
celebrado pela Igreja em 28 de dezembro em memória de um massacre que
quase certamente nunca ocorreu, Deus é chamado de autor da suposta chacina;
"Ó Deus que fez crianças glorificá-lo por meio de suas mortes" No serviço da
comunhão Anglicana nós somos solicitados a comer o corpo e beber o sangue de
Jesus com sentimentos apropriados de Piedade, por medo de "acendermos a Ira
de Deus contra nós e o provocarmos a nos enviar pragas de variadas doenças e
diferentes tipos de mortes." E ao longo do livro soa um choro assustado "Poupe-
nos, bom Deus, poupe-nos, pecadores miseráveis!" enquanto ventila palavras de
adulação e elogio derramados na esperança de agradar o Ser irado.

parágrafo 7
Estas, e outras similares, são relíquias do paganismo que precisam ser
removidas da liturgia cristã de modo que a religião seja movida na direção a
qual Nosso Senhor queria, a saber, rumo ao reino do paraíso na terra, e longe
das supostas ameaças dos céus. O cristianismo de Jesus não enfatiza a ira de
Deus ou sua inflicção de punição, vê principalmente Seu amor e Sua capacidade
ilimitada de perdoar a fragilidade humana. As supostas referências diretas ao
fogo do inferno de Nosso Senhor estão todas contidas no evangelho de São
Mateus, o último e o menos confiável dos sinóticos, e não são corroboradas
pelos registros anteriores de Suas falas enquanto que a ira de Deus é
mencionada apenas em um evidente polimento editorial do último evangelho de
São João. [ref 2]. De fato todas as idéias de um local de tormento, onde os
malvados devem ser punidos com dor física, e de um Deus irado que é um tipo
misto de policial, magistrado, carcereiro e executor não podem ser associadas
aos pensamentos de Jesus, mas pertencem a uma era primitiva, e são
totalmente indignas da nossa inteligência moderna. A bondade é a sua própria
recompensa e o pecado é a sua própria punição, um é vida, porque leva a uma
condição onde o contato com Deus é estabelecido e o outro é a morte, porque
leva uma condição onde Deus é excluído. O inferno, na medida em que se pode
interpretar os ensinamentos de Jesus, era simplesmente a escuridão exterior,
a exclusão do reino de Deus, um estado mental onde aquele verme, a
consciência, nunca tranquilizou e onde as chamas do remorso nunca se
apagaram. Ele reconheceu o mundo espiritual, pois Pedro, que O conheceu e
escutou Seus ensinamentos, acreditava que durante aquelas horas entre Seu
colapso na cruz, na tarde de sexta-feira, e Sua aparição, vivo, na manhã de
domingo, Ele havia pregado aos espíritos dos mortos e devemos presumir que
O Paganismo em nosso cristianismo 114

esta crença foi baseada em algo que Jesus disse a respeito. Não há lugar na
escatologia de Nosso Senhor para a idéia da tortura eterna como punição de
maus feitos, também não é possível para a mente moderna conceber que um
Deus todo poderoso e amoroso seja ao mesmo tempo um monstro malévolo
indiferente aos gritos por piedade dos Condenados.

parágrafo 8
O fogo eterno do inferno presidido por Satã é uma crença pagã que foi presa ao
cristianismo algum tempo antes da composição do evangelho de Mateus, quer
dizer depois do ano 100 DC. As referências de Jesus a Satã são tão raras e
tão vagas que pode-se supor que ele não teve crença em um demônio pessoal,
apesar Dele certamente ter acreditado nos poderes do mal. A idéia cristã do
príncipe da escuridão parece ter entrado na fé por meio do mitraísmo uma vez
que Mitra era a personificação da luz, então o mal era a escuridão, e Satã é
simplesmente o antigo Ahriman persa, o inimigo eterno de Ormuzd, e o antigo
Set egípcio, o oponente de Osíris. Na sua forma de Mefistofeles ele pode ser
traçado ao uma vez muito amado deus Pan, e como Belzebub ele é Zeus
Myiagros, "Dispersor das moscas", o qual para os Filisteus de Ekron era Ba'al-
z-'bub, "Senhor das moscas" um deus benevolente, patrono das revoadas.

parágrafo 9
O cristianismo se preocupou tanto com este diabo místico, com a fornalha
flamejante, e com a fuga do homem dela por meio do sacrifício reparatório de
Jesus Cristo na cruz, e tem advogado tão continuamente a adoração a Jesus
como Deus e Salvador que desviou atenção de seus membros do fato de que a
missão da Fé deve realmente ser o fomento do reino de Deus na terra, o
estabelecimento das condições corretas entre os homens viventes.
O trabalho do cristão é trabalhar neste mundo sem medo dos terrores do
próximo. Não há tempo para gastar ajoelhado com medo diante de uma
divindade raivosa, em dizer a Deuis o quão esplêndido Ele é, em implorar a Ele
para não nos fazer mal agora ou depois, em realizar inúmeros rituais em Seus
altares clamando por nossa segurança: o clérigo tem coisa melhor para fazer na
Igreja, a saber, rezar para ter forças para obedecer Cristo ao invés de
simplesmente adorá-lo. É uma atividade do cristão por seus pensamentos e
ações no dia-a-dia, implementar as melhorias das condições sociais, de modo
que aquele estado ideal de sociedade pregado por Jesus, deva no seu devido
tempo ser trazido à existência. Mas esta não é a visão da ortodoxia: na sua
opinião o objetivo principal do cristão é a salvação da sua própria alma pela
O Paganismo em nosso cristianismo 115

prática de certos rituais e cerimônias, e pela fidelidade e a repetição da crença


nos seus dogmas. É a água batismal que marca a redenção do pecado; ou é o
comer a carne e beber o sangue de Jesus que estabelece a comunhão com ele;
ou ainda; é a prática do credo que é a defesa certa contra o fogo do inferno; e
assim por diante. Nunca se declara que nossa única esperança não resta em
ritual, nem em sacramento, nem em adoração, mas na colocação em prática do
ensinamento de Jesus Cristo - aquele ensinamento que clama pela confiança no
amor de Deus, na afeição e consideração de uns pelos outros, na amizade pelos
inamistosos, na coragem das convicções próprias, na falta de medo das
consequências de se fazer o que se acredita ser correto, no perdão aos
insultos, na benevolência em relação aos inimigos, na recusa em julgar os outros,
na modéstia, na recusa de desejar ser bem visto pelos outros, no controle da
língua, na observância da lei e da ordem, na ausência de desconfianca, e em
todos os outros preceitos que concorrem pela paz aqui na terra.

parágafo 10
A atitude equivocada do cristianismo é em grande parte culpa de São Paulo,
cuja figura, como uma nuvem, intervém entre o Jesus histórico e o Jesus
cristão. Paulo não estava muito interessado em Cristo o professor, ele estava
mais preocupado com Cristo o sacrifício-humano divino. "Os gregos procuram
sabedoria" disse ele com desprezo, "mas nós pregamos o Cristo crucificado".
Ele não queria pensar em Jesus o homem: ele preferia o quadro extático do
Cristo divino. "Entretanto nós conhecemos Cristo por meio da carne", declarou
ele, mas de agora em diante não o conhecemos mais. [ref 2]. Ele até repudiou a
idéia de que havia aprendido os ensinamentos genuínos de Jesus relatados pelos
discípulos, porque ele disse: "Eu não recebi o evangelho do homem nem ele me
foi ensinado, exceto pela revelação de Jesus Cristo" o que significa dizer que a
revelação do cordeiro sacrificial de Deus, morto para a remissão dos pecados,
era muito mais importante do que a observância das regras estabelecidas no
Ministério de Nosso Senhor. Mas neste século 20, homens pensadores, como os
gregos do passado, procuram sabedoria - aquela sabedoria que deve promover o
estabelecimento na terra do reino de Deus; e a tendência entre os homens
leigos é a de se voltar mais e mais em direção ao Jesus Cristo histórico e
verdadeiro que agora pode somente ser alcançado se embrenhando, como tentei
fazer nestas páginas, entre a multidão fantasmagórica de deuses antigos
selvagens e manchados de sangue que entraram na Igreja, e que por direito
imemorial, têm demandado adoração regular do homem religioso.
O Paganismo em nosso cristianismo 116

FIM DO LIVRO

Introdução dos Tradutores

Arthur Weigall escreveu este livro há 90 anos atrás mas seu conteúdo, da
forma com que foi reunido, é bastante raro de se encontrar. O que motivou a
tradução foi o interesse dos tradutores no conhecimento histórico sobre como
o cristianismo absorveu o Paganismo no seu processo de formação teológica até
culminar com o Concílio de Nicéia e a posterior cristianização de diversos
povos da Europa e do Oriente. O autor usa um estilo literário erudito e se
dirigiu aos clérigos e leigos cristãos da Inglaterra o que trouxe um grande
desafio para traduzir para o Português contemporâneo de 2018. Como o leitor
verá, do capítulo 2 em diante, a temática abordada tem um alcance muito mais
amplo no espaço e no tempo do que apenas os cristãos Ingleses de 1928. Após
90 anos algumas das previsões do autor se confirmaram, hoje cerca de 25% dos
europeus ocidentais se consideram sem religião [ref] e esta percentagem
aumenta ainda mais entre os pensadores, cientistas, filósofos e estudiosos. A
reformulação radical da teologia cristã, clamada pelo autor, foi feita de forma
parcial em alguns grupos. No catolicismo hoje se procura dar mais ênfase nos
serviços às mensagens de Jesus que apelam ao amor, à justiça entre os homens,
à busca por uma melhor vida na terra, à honestidade e à compaixão. Vários
grupos cristãos aumentaram sua presença junto às comunidades mais carentes
do mundo e criaram ações concretas para aliviar seu sofrimento e lhes trazer
felicidade e esperança. No entanto os católicos e os cristãos ortodoxos ainda
mantiveram seus ritos sacerdotais, suas vestes opulentas, seus feriados de
origem pagã e os mitos pagãos incoporados. Também a Bíblia e muitas das
orações cristãs permanecem as mesmas que se usavam em 1928. O autor
apresenta o embasamento histórico das religiões anteriores e contemporâneas
à formação do cristianismo e mostra como diferentes credos cristãos se
debelaram até a consolidação da teologia que hoje é dominante. O objetivo
principal do autor foi filtrar todas as influências do Paganismo para descobrir a
verdadeira mensagem de Jesus, a qual, segundo ele, foi distorcida e alterada
pela teologia cristã. A leitura é interessante tanto para cristãos, ex-cristãos,
não cristãos, religiosos de outras denominações e ateus que possuam interesse
em história e teologia.
O Paganismo em nosso cristianismo 117

REFERÊNCIAS - Ainda falta copiar

APÊNDICES

Tabela 1- Datação de eventos relacionados ao cristianismo

evento data imperador romano data


morte de Herodes 4 AC Claudius 41-xx DC
nascimento de Jesus 2-1AC Nero 54-68
batismo de Jeus 28-29 DC Tacitus <115 DC
ministério de Jesus 30-x perseguição forte ~100-311
os cristãos
morte de Jesus x Marcus Aurelius 166-177
Livros do Novo Testamento 52-160 Decius 250-251
perseguiu cristãos
As epístolas Paulinas genuínas 52-64 DC Diocleciano 303
perseguiu cristãos
primeira epístola de São Pedro 59-64 DC Galerius 311
tolerou cristãos
Revelação 69-93 DC Juliano perseguiu 361-363
anti-cristãos
evangelho de São Marcos 70-100 DC Constantino 377
foi batizado
Atos dos Apóstolos 80-100 DC Teodosius decretou 391
a Igreja Estado
epístolas de São João 90-110 DC
epístola de são James 95-120 DC
evangelho de São Lucas ~100 DC
evangelho de São Mateus 100-110 DC
epístola de São Judas 100-150 DC
evangelho de São João 100-160 DC
segunda epístola de São Pedro ~150 DC
O Paganismo em nosso cristianismo 118

Concílio de Nicea 325 AC 325 DC


Afraates, pai cristão 260-
275/345 DC
Batismo de Jesus 28-29 DC
Bispo Papias 140 DC
Credo Atanasiano século 5
Bispo Atanásio 293-373 DC
Orígeno 245 DC
Clemente de Alexandria ~194
Cassiano 360?-435
DC
Aristides Rhetor ~160 DC
Lactâncio, Pai cristão 250-235
Jerônimo, Pai cristão 347-420
25 de dezembro torna-se 534 DC
feriado oficial da Igreja de
Roma
execução de Pedro 64 DC
Plínio 112 DC
Igreja reconhece festival de 998 DC
todas as almas
Igreja reconhece festival de 835 DC
todos os santos
Alexandre Janeu ~200-100 AC
Fócio século 9
início da quaresma cristã 600 DC
Antiguidades dos Judeus de 93 DC
Josephus
Carta de Plínio a Trajano 112 DC
Suetónio ~120 DC
Tessalonica I ~52 DC
O Paganismo em nosso cristianismo 119

Ireneu ~180 DC
Mártir Justino ~140-167
Dionísio de Alexandria 255 Dc
Jerônimo, morte 420 DC
Fílon de Alexandria ~40 DC
Tertuliano, nascimento 160 DC
calendário de Philocalus 336 DC
último festival de Isis 394 DC
comemorado em Roma
Epifânio tentou proibir a <400 DC
adoração de Maria como deusa
sermão de Cirilo em Éfeso 431 DC
defendendo a idéia de Maria
como Deusa
supressão do mitraísmo romano 376-377 DC
pelos cristãos
Didaqué - ensinamentos dos 90 DC
apóstolos
substituição obrigatória de água 250 DC
pelo vinho no sacramento

vestimentas católicas:
Amice, Amito
Alb, Alva
Cincture,
Tunicle, Túnica
Dalmatic, Dalmática
Stole, Estola
Chasuble, Casula
Maniple, Manípulo
surplice, Sobrepeliz
chapéu quadrado, barrete

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