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GUIA DIDÁTICO – HISTÓRIA

DA TEOLOGIA

MAXWELL FARJADO
Sumário

CAPÍTULO 1 - PAIS APOSTÓLICOS E A IDADE ANTIGA ............................... 0


1.1 Introdução..................................................................................................... 0
1.2 Pais Apostólicos e Idade Antiga ................................................................... 2
1.3 Clemente de Roma (35 a 100 d.C) .............................................................. 3
1.4 – Inácio de Antioquia (35 a 107 d.C.)........................................................... 5
1.5 Pais Apostólicos Apologistas ........................................................................ 8
1.6 Justino Mártir (100 a 165 d.C.) ..................................................................... 8
1.7 Atanásio de Alexandria (296 a 373 d.C.) ...................................................... 9
1.8 Agostinho de Hipona (354 a 430) ............................................................... 11
1.9 Credos e Confissões de Fé ........................................................................ 15
CAPÍTULO 2 - IDADE MEDIEVAL .................................................................... 18
2.1 A Alta Idade Média ..................................................................................... 19
2.2 Principais Movimentos da Alta Idade Média ............................................... 19
2.3 Principais Personagens da Alta Idade Média ............................................. 21
2.4 A Baixa Idade Média................................................................................... 24
CAPÍTULO 3 - A MODERNIDADE E A REFORMA PROTESTANTE ............... 32
3.1 Introdução................................................................................................... 32
3.2 O Renascentismo ....................................................................................... 33
3.3 A Imprensa ................................................................................................. 34
3.4 Martinho Lutero (1483 a 1546 d.C.) ........................................................... 36
3.5 João Calvino (1509 a 1564 d.C.) ................................................................ 39
3.6 A Contrarreforma ........................................................................................ 43
CAPÍTULO 4 - TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA .............................................. 44
4.1 Introdução................................................................................................... 45
4.2 O Iluminismo............................................................................................... 45
4.3 O Liberalismo ............................................................................................. 46
4.4 O Fundamentalismo ................................................................................... 49
4.5 A Neo-ortodoxia .......................................................................................... 51
4.6 Karl Barth.................................................................................................... 52
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 56
CAPÍTULO 1 - PAIS APOSTÓLICOS E A IDADE
ANTIGA

1.1 Introdução

“Quem não conhece seu passado, é pobre no


presente e sem perspectivas no futuro.”

Em minha opinião, é quase impossível exagerar a importância da História.


Estudar história, entender história, valorizar história é o mesmo que saber quem
nós somos, portanto, é compreender nossa própria identidade. O estudo
científico, sistemático e metodológico da história procura compreender a vida da
humanidade ao longo dos tempos. Objetiva, não sem obstáculos, investigar o
que caracteriza o ser humano e os processos que influenciaram tudo o que
fizemos, deixamos de fazer, pensamos, sentimos, construímos, destruímos,
acertamos e erramos. Nessa direção, bastante positivista, o conhecimento da
história nos auxilia na compreensão dos momentos e eventos que nos
construíram civilizatoriamente, lançando luz sobreo presente e nos ajudando a
construir o futuro.

Isso também é verdade quando estudamos a “História da Teologia”. Não


deveria ser apenas uma certa curiosidade sobre o passado, embora isso seja
útil, nossa motivação para estudar a “História da Teologia”. Os cristãos deveriam
valorizar a compreensão deste importante capítulo da Teologia, lembrando que
nosso passado é a história registrada da soberania de Deus conduzindo Seu
povo ao longo dos tempos. Portanto, estudar história não deve ser
equivocadamente pensado como “aquilo que passou”, mas olhar para os
acontecimentos, períodos, movimentos e personagens da história da Igreja como
nosso patrimônio cultural e, especialmente herança de fé, ou seja, histórianão é
apenas “aquilo que já passou”, mas é, principalmente, “aquilo que é”, no sentido
de servir como fonte de inspiração e segurança para fazermos o melhor hoje,
abençoando nosso amanhã.
Sendo assim, Suana (2019, p. 15), apontou muito apropriadamente que:

Como cristãos, nosso interesse deve focalizar-se na história da


Igreja, uma vez que os fundamentos da fétambém estão firmados
na história... Esse é também um assunto de grande importância
para queentendamos nossa herança espiritual, aprendamos com
os bons exemplos do passado e procuremos evitar erros que a
Igreja tenha cometido.

A história é o palco da soberania de Deus na humanidade. Portanto,


convidamos o leitor a dedicar-se na compreensão da “História da Teologia”,
estudando com dedicação e aprendendo como Deus conduziu soberana e
graciosamente Sua Igreja até aqui, lembrando-se sempre que a boa teologia
alimenta a boa espiritualidade.

1.2 Pais Apostólicos e Idade Antiga

Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande


nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo o peso e do
pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com
perseverança, a carreia que nos está proposta (Hebreus 12.1).

O período chamado de “Pais Apostólicos” ou “Patrística”, que tem sua


origem na palavra grega “pater”, “pai”, abrange desde os fins do I até o início do
IV século da era cristã. A igreja cristã do I século havia testemunhado, conforme
o livro de Atos dos Apóstolos, um crescimento numérico e geográfico
exponencial através do ministério dos apóstolos, saindo da cidade de Jerusalém
e alcançado a cidade de Roma, cumprindo sua missão de levar o evangelho por
várias regiões “até aos confins da terra.”

O cristianismo do final do I século, após a morte dos Apóstolos, continuou


crescendo e alcançando muitos povos e, embora tenha tido grande adesão das
classes mais pobres, alguns nobres, cultos e personagens de destaque na
sociedade, a maioria da qual havia conhecido ou convivido muito de perto com
os Apóstolos ou do círculo apostólico, aderiram firmemente a fé, dando

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prosseguimento à obra missionária e de fundamentação doutrinária das igrejas
daquele período. Tais cristãos, compõem a segunda e terceira geração de e, por
causa disso, a esses á atribuído o título de “Pais da Igreja”, “Pais Apostólicos”
ou “Patrística”.

O período patrístico representa um dos mais empolgantes e


criativos da história do pensamento cristão. Comente essa
característica é suficiente para assegurar que, ainda por muitos
anos, ele continuará a ser estudado. Esse período também é
importante por motivos teológicos. Todos os principais ramos da
igreja cristã – incluindo as igrejas anglicanas, ortodoxa oriental,
luterana, reformada e católica romana – consideram o período
patrístico como um marco decisivo na evolução da doutrina cristã.”
(MCGRATH, 2005, p. 42)

1.3 Clemente de Roma (35 a 100 d.C)

Clemente de Roma foi um dos mais destacados pais da igreja. Filho de


uma família judia com forte formação da fé dos hebreus, converteu-se ainda
jovem à fé evangélica.

Segundo a tradição, foi convertido e batizado pelo próprio apóstolo Pedro,


tendo sido condenado a trabalhos forçados por manter pública a sua fé mesmo
no período de perseguição. Ainda na prisão, recusou-se a negar a Cristo e,
principalmente, desobedeceu a ordem de deixar de pregar a fé no Senhor. Em
face disto, sua pena foi agravada para a pena capital, ocasionado seu martírio
no ano 100 d.C.

Embora falte uma fundamentação mais aprofundada, muitos entendem


que Clemente de Roma é o mesmo Clemente citado por Paulo em Filipenses
4.2-3:

Rogo a Evódia e rogo a Síntique pensem concordemente no


Senhor. A ti fiel companheiro de jugo, também peço que as auxilies,
pois juntas se esforçaram comigo no evangelho, também com
Clemente e com os demais cooperadores meus,cujos nomes se
encontram no livro da Vida.

Destacaremos duas importantes contribuições de Clemente de Roma:


1.3.1 Suas cartas

A principal contribuição de Clemente de Roma para a igreja nascente


foram suas cartas com profundo caráter pastoral e doutrinário. A “Primeira
Epístola de Clemente aos Coríntios” é o documento não canônico mais antigo
da igreja cristã, que data do ano 95 d.C. A Igreja de Corinto nos é bastante
familiar por causa das cartas do apóstolo Paulo. Ao que tudo indica, novamente
os irmãos da igreja estavam envolvidos por problemas de divisão e sectarismo,
bem como a falta de consideração com seus pastores e presbíteros.Infelizmente
os problemas de relacionamento e insubordinação sempre foram presentes na
história do cristianismo.

Com o propósito de exortar e dirigir, Clemente apela pastoralmente com


muita firmeza contra os vícios da alma que dão ocasião à carne, fazendo um
forte apelo à unidade cristã, fruto do caráter de Cristo nos crentes. Recorre ao
Antigo Testamento com bastante frequência, fazendo aplicações de caráter
espiritual de maneira bastante enfática no tocante a humildade e obediência dos
patriarcas:

Abraão foi chamado amigo de Deus, provou fielmente naquilo que


obedeceu às palavras de Deus. Pois ele partiu obedientemente de
sua terra e da casa de seu pai, de forma que, deixando uma
pequena terra, um clã fraco e uma pequena família,ele se tornou o
herdeiro da promessa de Deus (GONZALES, 2004, p. 61).

É interessante destacar, também, que sua orientação para a harmonia na


vida diária da igreja seja baseada na criação, pois a harmonia e beleza sempre
concordante da natureza torna-se exemplo para que também vivamos em
harmonia.

1.3.2 Suas orientações para a liderança

Os problemas de divisão na igreja de Corinto eram, certamente,


agravados pela insubordinação e rebeldia dos crentes corintios aos seus
pastores e presbíteros. Clemente acredita que os irmãos deveriam ter seus
“bispos” em maior consideração, pois na ordem de Deus, a igreja deveria
compreender sua liderança como seus supervisores, ou seja, “superiores” no

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sentido de cuidar e supervisionar o rebanho. Os jovens deveriam obedecer aos
anciãos e os crentes deveriam aprender com seus mestres (GONZALES, 2004,
p. 60).

Com uma forte fundamentação e insistente orientação no tocante a


restauração da autoridade dos bispos, presbíteros e diáconos, Clemente foi
considerado por muitos o precursor da hierarquização da igreja. A manutenção
da ordem e da obediência deveria estar presente porque assim ensinaram os
apóstolos. Por isso, a manutenção da ordem e da obediência à autoridade
eclesiástica seria o principal remédio e a solução para as divisões na igreja. Daí
decorre sua profunda insistência na autoridade da liderança como um pilar da
igreja.

1.4 – Inácio de Antioquia (35 a 107 d.C.)

Inácio de Antioquia, como o próprio nome já diz, foi o personagem mais


importante da Igreja de Antioquia da Síria após a morte dos apóstolos.
Importante igreja do primeiro século, liderando o primeiro impulso missionário
aos gentios, foi o berço da fé de Inácio e o coloca dentro do círculo de
relacionamentos com a geração apostólica.

Segundo a tradição, Inácio de Antioquia foi discípulo do apóstolo João e


muito próximo do apóstolo Paulo, sendo profundo conhecedor das obras de
ambos. Sob seus cuidados pastorais, a igreja da cidade de Antioquia manteve-
se firme na doutrina e operosa na obra missionária, resistindo também de
maneira vibrante à perseguição do Império Romano.

É no contexto da opressiva e violenta perseguição conduzida pelo


imperador Trajano (53 a 117 d.C.), que Inácio ganha relevância e destaque para
a igreja além dos limites da Síria, produzindo uma obra literária de grande
importância para os dois primeiros séculos do cristianismo.

Destacaremos também duas importantes contribuições de Inácio para a


igreja de sua época:

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1.4.1 Suas Cartas

Após um período de vitórias e prosperidade o imperador Trajano, que


desfrutava de altíssimo prestígio, intensificou o culto ao imperador. A reação
cristã foi imediata e firme: “Jesus Cristo é Senhor”, não, “Cesar não é Senhor”,
rejeitando as ordens de oferecer sacrifícios no culto ao imperador. A prisão de
nossos líderes incluiu Inácio, sendo assim conduzido para o martírio no Coliseu
de Roma.

Durante sua viagem e um pequeno período em Roma, Inácio escreveu


sete cartas, datadas entre 107 a 110 d.C: Éfeso, Magnésia, Trália, Roma,
Filadélfia, Esmirna e a última à Policarpo, dando profunda ênfase à confirmação
na fé de seus destinatários.

Embora suas cartas sejam verdadeiros tesouros da teologia patrística, a


popularidade de seus escritos foi bastante impulsionada pelas notícias de bom
testemunho do velho bispo frente ao martírio. Ele tanto recusou categoricamente
qualquer tentativa de irmãos e nobres em livrá-lo do cárcere, como também
escreveu à Igreja de Roma frente a seu martírio: “Deixai-me ser alimento das
feras, pelas quais me será dado desfrutar Deus. Eu sou trigo de Deus; é preciso
que as feras me triturem com seus dentes para que eu seja considerado puro
pão de Cristo.”

Inácio de Antioquia – disponível em santo.cancaonova.com - 23/03/20

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A. Sua Cristologia

Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo o espíritoque confessa


que Jesus Cristo veio em carne é de Deus... Porque muitos
enganadores têm saído pelo mundo fora, os quais não confessam
Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo (I
Jo 4.2; II Jo 1.7).

Um dos principais desafios impostos à fé nos dois primeiros séculos da


era cristã foi a heresia gnóstica, um perigo bastante real contra a compreensão
da Pessoa de Cristo. O gnosticismo tinha um caráter acentuadamente sincrético,
ou seja, misturavam várias ideias distintas procurando, com bastante ecletismo
e fantasiosa engenharia, sintetizar diversos pensamentos religiosos em um só.
Combinavam judaísmo, esoterismo, filosofia e cristianismo, negando que Jesus
Cristo verdadeiramente encarnou como homem, pois entendiam que o mundo
material é essencialmente mau, portanto, Jesus não teria um corpo físico, real,
ele apenas “aparentava” ser um homem.

Foi justamente na questão da encarnação de Cristo que Inácio se mostrou


mais empenhando em ensinar a igreja nascente, pois entendia que os gnósticos,
ao rejeitarem a encarnação, rejeitavam também a base fundamental de nossa
salvação, justificação, expiação e redenção: o Cristo Homem pagou o preço dos
pecados dos homens.

Há um médico: tanto na carne quanto no espírito; gerado e não


gerado, em homem, Deus, na morte, verdadeira vida, tanto de
Maria quanto de Deus, primeiro passível e então impassível, Jesus
Cristo nosso Senhor! (GONZALES, 2015, p. 71)

Assim, durante os dois primeiros séculos da cristandade, Inácio foi o Pai


da Igreja que mais contribui para a confissão evangélica do Cristo encarnado,
“Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem”.

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1.5 Pais Apostólicos Apologistas

Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos


acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a
corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes,
diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos
santos. (Judas 7)

Além dos Pais Apostólicos, que firmemente pastorearam a igreja nascente


com sábias orientações no tocante ao desafio da fé frente a demandas
essencialmente de origem interna da igreja, pelo menos em sua maioria, temos
também na Patrística uma categoria de Pais da Igreja que foram usados por
Deus na defesa do cristianismo contra os ataques externos, ou seja, aqueles que
fizeram “apologia”, verdadeiros defensores da fé frente ao mundo.

Neste período, consideramos apologistas aqueles personagens que se


destacaram e dedicaram a elaborar a teologia em termos de uma defesa
filosófica e racional do cristianismo.

1.6 Justino Mártir (100 a 165 d.C.)

Justino, o Mártir, como preferem alguns, é o mais destacado dos Pais da


Igreja a encarnar o papel de um apologista nos dois primeiros séculos do
cristianismo. Nascido na Síria, recebeu uma educação bastante erudita,
dedicando-se ao estudo da filosofia como sua principal meta de vida até sua
conversão. Todavia, curiosamente, continuou considerando-se um filósofo e não
um teólogo, tratando os escritos do Antigo Testamento como a verdadeira
instrução e o cristianismo como a verdadeira filosofia.

A igreja nascente ganhou um poderoso defensor intelectual da fé,


exatamente num momento em que a fé em Cristo era considerada uma religião
de pessoas incultas, pobres e ignorantes. Muitos eruditos romanos
desdenhavam daquilo que acreditamos como pueril e fantasioso. Nosso herói da

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patrística passa a ser um defensor racional da fé, usando a filosofia grega
clássica para dialogar contra todos que perseguiam os aspectos mais
importantes da fé em Nosso Senhor. Os apologistas foram verdadeiros
“missionários”, agora não mais expandindo a pregação da fé geograficamente,
até os confins da terra, mas na conquista das fronteiras da mente e do
entendimento, até os confins da razão.

Nessa direção, sua principal obra foi “A Primeira Apologia de Justino” (155
d.C), na qual procurou defender, frente ao imperador, a fé em Cristo,
argumentando que a política de perseguição era um insulto à razão, pois, na
verdade, os cristãos eram os melhores cidadãos do império romano.

Nichols (2004, p. 41) resume assim esse aspecto da vida de Justino:

Os apologistas ou defensores intelectuais do cristianismo


realizaram uma grande obra missionária. Um deles foi Justino, o
Mártir (100-165).Ele era grego, natural da Palestina. Demonstrou
sua origem grega ao percorrer as várias escolas filosóficas à
procura da verdade. Numa dessas viagens, encontrou-se com um
notável cristão que o fez compreender o clímax da verdade em
Cristo. Pelo resto da vida, até seu martírio, Justino viajou, tal qual
faziam os filósofos de então, ensinando o cristianismo como a
filosofia perfeita.

Embora sua marca principal tenha sido a luta árdua para defender a fé
cristã em diálogo com a cultura e a filosofia, tendo alcançado com sucesso a
síntese da sabedoria humana de sua época com a inerrante revelação das
Escrituras, o título de “o Mártir” também merece atenção. Instado a negar a fé e
sacrificar aos deuses, foi preso e torturado. Quando sua sentença de morte foi
decretada, caso não abandonasse a fé, diante dos horrores que já havia sofrido
e a morte iminente, é atribuída à Justino a seguinte frase: “Ninguém que tendo
um entendimento sadio vai abandonar a verdadeira religião por causa do erro e
da impiedade. Não desejo em minha vida nada mais que suportar qualquer
sofrimento por causa do Nosso Senhor Jesus Cristo!”.

1.7 Atanásio de Alexandria (296 a 373 d.C.)

Bispo da importante igreja na cidade de Alexandria, no Egito, uma das

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mais importantes cidades do mundo antigo e segundo maior centro comercial do
norte da África, Atanásio foi um árduo defensor da fé ortodoxa, lutando
incansavelmente pela fé no Cristo encarnado, verdadeiro Deus e verdadeiro
Homem, missão essa que lhe rendeu o título de “Pilar da Igreja”. É, sem dúvida,
o principal teólogo do terceiro século.

A encarnação de Cristo sempre foi um tema explosivo no mundo grego


helênico. Lembre-se que o pensamento filosófico grego dominou o mundo
mediterrâneo durante séculos e pressupunha que “o corpo era mau”, portanto,
tudo que era material não poderia proceder de um Deus bom, muito menos esse
Deus ter habitado num corpo humano. Desde os gnósticos, a negação da
humanidade de Cristo sofria forte ataque e igual defesa. Todavia, nesse período,
Atanásio teve que lidar com a ameaça interna contra a fé, ou seja, outros bispos
e teólogos cristãos que colocavam em questionamento se Jesus poderia ser
Deus e Homem ao mesmo tempo.

Liderados por Ário (250 a 336 d.C.), muitos teólogos defendiam que “O
Pai era maior que o Filho”, e que “O Filho não era eterno”, ensinando nas igrejas
que “houve tempo em que o Filho não existia”. Para Atanásio, tais máximas
colocavam as doutrinas da redenção e da Trindade em sério perigo, e seu
possível progresso seria o fim de uma fé genuinamente cristã.

A defesa da fé por Atanásio se materializou em obras que são


consideradas como verdadeiras joias da Cristologia: “Discursos contra os
arianos”, “Apologia contra os arianos”, “História dos Arianos” e “Da encarnação
do Verbo”, escritos entre os anos de 328 e 336.

Observemos o profundo raciocínio do nosso herói para desfazer os erros


sobre a encarnação, sem a qual não haveria salvação (OSIEL, 2013, p.49):

Ele, O Logos, teve pena de nossa raça, compaixão de nossa


enfermidade e foi condescendente com a nossa corrupção... assim
assumiu um corpo da mesma natureza, porque todos estávamos
sob o julgo da corrupção da morte, entregou-se à morte emfavor de
todos e ofereceu-se ao Pai, fazendo isso, ademais, por suprema
bondade, a fim de que, primeiramente, todos sendo considerados
mortosnele, a lei que determinava a ruína dos homens pudesse ser
desfeita e a fim de que, em segundo lugar, ele lhes resgatasse a
incorruptibilidade e os ressuscitasse da morte mediante a
apropriação do seu corpo e a graça da ressurreição, banindo deles
a morte, assim como a palha é banida pelo fogo.

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A apologia de Atanásio saiu-se vencedora desta controvérsia em torno de
Cristo, seguindo, basicamente, a seguinte tese: um redentor semi-Encarnado,
semi-Deus e semi-Homem não poderia nos ter alcançado a plena-Salvação!

1.8 Agostinho de Hipona (354 a 430)

Ao falar de Aureluis Augustinus, conhecido normalmente como


Agostinho de Hipona, deparamo-nos talvez com a mente mais
brilhante e mais influente da igreja cristã por toda a sua história.
(MCGRATH, 2005, p. 46)

Agostinho de Hipona escrevendo: olhos em Deus, mente iluminada e coração em brasas – pt.wikipedia.org – 23/03/20

Estudar a História da Teologia sem falar de Agostinho seria o mesmo que


estudar Filosofia sem abordar os gregos. Maior e mais famoso teólogo da
Patrística, a vida e a obra de Agostinho são um tipo de clímax alcançado pela
filosofia e teologia cristã no primeiro milênio da era cristã.

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Nascido na África e tendo partido para viver em Milão, estudou Artes e
Filosofia, tendo se interessado, em especial, pelo neoplatonismo. Após uma vida
de devassidão moral, esse seguidor convicto e contumaz do paganismo e da
filosofia hedonista, ou seja, um idolatra que vivia pelo prazer, Agostinho foi
atraído pelo evangelho através das pregações de Ambrósio de Milão (340 a 397
d.C.), tendose convertido à fé cristã aos trinta e dois anos de idade, ao meditar
sobre Romanos 13.14, “revesti-vos do Senhor Jesus Cristo.”

Já aos 42 anos, volta à África liderando as discussões mais relevantes de


sua época à frente do bispado da cidade de Hipona. Sua obra é extensa e densa,
todavia é possível destacar resumidamente:

1.8.1 As Confissões

“Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração andará inquieto


enquanto não descansar em ti...” (Agostinho de Hipona)

“As Confissões de Santo Agostinho” já foi considerada uma das principais


obras literárias produzidas no mundo Ocidental em todos os tempos, e a primeira
obra a ser classificada como auto-biográfica. Nessa importante obra,Agostinho
narra sua vida antes da conversão, passando pelos temas arrependimento,
graça, louvor e as formas de engano de sua vida sem Deus, especialmente o
Maniqueísmo, uma religião com ares de filosofia que defende aexistência de um
deus bom e um deus mal, sempre em justo equilíbrio de forças,as quais criaram e
sustentam o Universo, e também sua predileção cega pela astrologia, não
apenas um engano conceitual mas uma forma do mal nos prender na ignorância.

As Confissões também trazem meditações de Agostinho, nas quais


percebemos que seu livro não é apenas uma confissão, no sentido de
arrependimento de pecados, mas também uma declaração de louvor ao
Salvador.

1.8.2 A Controvérsia Pelagiana


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“Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus? Porventura,
pode o objeto perguntar para quem o fez: Por que me fizeste
assim?” (Romanos 9.20)

Desde a sua experiência com Deus na meditação sobre o livro de


Romanos, Agostinho teve em alta conta a teologia paulina. A doutrina da graça
e a doutrina da Soberania de Deus formaram a base de sua teologia, influência
claramente direta dos escritos inspirados do Apóstolo Paulo.

Pelágio (350-423), por sua vez, foi um monge asceta que enfatizava a
responsabilidade do ser humano frente ao pecado e a santidade, baseando toda
sua argumentação na doutrina do livre arbítrio e na total liberdade do homem
para fazer suas escolhas.

Sendo Deus soberano, o que era claro para a ortodoxia cristã


representada por Agostinho, e a liberdade humana sendo verdadeira, a principal
ênfase de Pelágio era: como conciliar a Soberania de Deus e a liberdade
humana?

Segundo a visão agostiniana, a questão não era exatamente sobre a


conciliação entre as duas máximas, um paradoxo teológico que segue até os
dias atuais, mas nos argumentos insustentáveis teologicamente de Pelágio, que
defendia: a) que o pecado de Adão não havia sido transmitido para toda a raça
humana; o pecado original não existiria, portanto cada pessoa poderia ser santa,
se assim o desejasse, sem nenhuma oposição da chamada “natureza adâmica”;
b) que o livre arbítrio daria ao ser humano a plena capacidade de vencer o mal
e o pecado; nossas falhas poderiam ser vencidas por nós mesmos, sem
nenhuma interferência divina, portanto, não haveria fraqueza nenhuma, nem da
carne, em nossas decisões, ações e pensamentos.

A igreja logo percebeu o sério perigo das implicações das teses


defendidas pelos pelagianos:

a) se o ser humano é capaz de não pecar, também é capaz de salvar a si


mesmo;

b) se o livre arbítrio concede o poder de uma vida completamente correta,


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não necessitamos de graça e nem de salvação!
Em minha opinião pessoal, pelo fato de Pelágio não ser um biblista, ele
perdeu-se na questão de não deixar nenhum espaço para as desculpas daqueles
que argumentavam “a fraqueza da carne”, tal como “uma licença para o erro”,
acentuando assim, sem fundamentação bíblica e exageradamente, a liberdade do
homem para viver sem pecado. Lembremos que a diferença entre remédio e
veneno está sempre na dose, e não necessariamente no princípio ativo. É claro
que o apelo à santidade estava correto, mas ignorar tão obstinadamente nossa
natureza pecaminosa, foi um dos seus principais equívocos: “Todos pecaram e
carecem da glória de Deus” (Rm 3.23); “Desventurado homem que sou! Quem me
livrará do corpo desta morte?...”; “Se dissermos que não temos pecado algum,
fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós...” (Rm 7.74; I Jo 1.10).

A teologia agostiniana era sólida e sustentada amplamente no Novo


Testamento. Para Agostinho, todos os seres humanos nascem em pecado:

Sem dúvida a natureza humana foi criada originalmente


irrepreensível e sem nenhuma imperfeição; mas a natureza
humana pela qual cadaum de nós agora é nascido em Adão requer
um médico, pois não é saudável. Todas as coisas boas que ela
possui, por sua concepção, vida, sentidos e mente, vêm de Deus.
Aquele que a criou e formou. Mas a fraqueza que obscurece a
incapacita essas qualidades naturais boas e, em decorrência da
qual a natureza precisa de esclarecimento e cura, não veio do
Criador irrepreensível, mas do pecado original. Por isso nossa
natureza culpada está sujeitaà pena justa. Mas a graça de Cristo,
sem a qual nemos bebês nem os adultos podem ser salvos, não é
concedida por méritos, mas dada gratuitamente, motivo pela qual
é chamada de graça.” (OSIEL, 2013, p. 60).

Portanto, “todos morrem em Adão” (I Co 15.22).

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1.9 Credos e Confissões de Fé

Antes da formação e reconhecimento do Cânon do Novo Testamento, ou


seja, antes de termos a Bíblia como a temos nos dias atuais, a igreja nascente
valeu-se de vários documentos que ajudavam a fundamentação da fé,
fornecendo um resumo central da fé e orientavam contra as heresias, tal como
o nosso bastante conhecido “Credo Apostólico”.

Desses documentos importantes do período da Patrística, destacaremos


dois em especial:

a. Didaquê

Manuscrito da Didaquê do século XI, “a instrução dos doze” – raciocioniocristão.com.br – 23/03/20

A “Didaquê” (datas diversas são mencionadas para sua escrita, desde 70


a 101 d.C.), é um texto de origem desconhecida, porém amplamente usado e

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divulgado nos primeiros séculos do cristianismo. Ao lado do “Credo Apostólico”,
é considerado um dos mais importantes textos não canônicos da Patrística.
Convém mencionar que a palavra “didaquê”, no grego, significa “ensino” ou
“orientação”, e que, em algumas igrejas da Ásia Menor, o Didaquê também foi
chamado de “instrução dos doze”, menção a autoridade apostólica e semelhança
de seu conteúdo doutrinário com o dos santos apóstolos.

Divulgado nas igrejas da Ásia Menor e várias cidades do Mediterrâneo, foi


disseminado como uma “carta circular de orientações” básicas da fé cristã.
Composto de dezesseis capítulos, tinha três grandes seções:

a) capítulos 1 a 6: tratam da vida moral dos cristãos;

b) capítulos 7 a 10: tratam da liturgia e piedade, com forte ênfase nas


práticas de culto, sacramentos, oração e jejum;

c) por fim, dos capítulos 11 a 15: orienta sobre a disciplina na igreja,


orientando com bastante cuidado acerca da ética dos profetas e as falsas
profecias.

Importante documento para a igreja nascente, o Didaquê serviu de base


para garantir uma certa uniformidade da celebração do culto e dos sacramentos
cristãos. É claro que, como documento histórico e muito rico em orientações,
deveria ser melhor conhecido dos cristãos de nossa geração.

b. Credo de Nicéia (325 d.C.)

Importante Concílio da igreja universal, realizado na cidade que leva o seu


nome, o “Credo de Nicéia”, também conhecido como “Credo Niceno”, foi
produzido por trezentos e dezoito bispos, principalmente como resposta aos
ataques à perfeita divindade e completa humanidade de Nosso Senhor Jesus
Cristo no contexto da controvérsia entre Ário e Atanásio.

Sua importância deve-se ao fato de garantir a unidade cristã em torno da


Trindade e da Pessoa do Filho. É considerado o mais importante credo

Vejamos:

16
Cremos em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, criador de todas as
coisas, visíveis e invisíveis. E em um só Senhor Jesus Cristo, o
Filho de Deus, unigênito do Pai, da substância do Pai; Deus de
Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,gerado,
não criado, consubstancial ao Pai; por quem foram criadas todas
as coisas que estãono céu ou na terra. O qual por nós homens e
para nossa salvação, desceu (do céu), se encarnou e se fez
homem. Padeceu e ao terceiro dia ressuscitou e subiu ao céu. Ele
virá novamente para julgar os vivos e os mortos. E (cremos) no
Espírito Santo. E quem quer que diga que houve um tempo em que
o Filho de Deus não existia, ou que antes que fosse gerado ele não
existia,ou que ele foi criado daquilo que não existia, ou que ele é
de uma substância ou essência diferente (do Pai), ou que ele é uma
criatura, ou sujeito à mudança ou transformação, todos os que
falem assim, são anatemizados pelaIgreja Católica e Apostólica.

17
CAPÍTULO 2 - IDADE MEDIEVAL

“Foi um tempo de escuridão, mas não uma noite sem estrelas...”


(Hermisten da Costa)

A Idade Medieval, também chamada de “Idade Média” ou “Era das Trevas”,


abrange dos séculos VI a XV da era cristã, foi caracteristicamente um período
bastante conturbado para a igreja Ocidental.

Em face do decreto de Constantino (272 a 337 d.C.), imperador romano


convertido, tornando o cristianismo a religião oficial do Império Romano, a
adesão à fé cristã não se deu mais por conversão espiritual, mas simplesmente
por uma conformação ao status quo prevalecente, ou seja, ser cristão deixou de
ser uma experiência de conversão a Cristo e passou a ser, para a maioria das
pessoas, uma conveniência social e política.

Dois séculos passaram-se e as consequências disso já dificultavam bastante


o exercício da verdadeira fé cristã. Nichols (2004, p. 83), comenta assim os
problemas e importância da compreensão do contexto que envolveu o início
deste período:

Devemos ter sempre em mente que a igreja duranteesse período


que estamos considerando tinha, no seu interior, muitas pessoas
não convertidas a Cristo; eram “cristãos-pagãos”. Vejamos,
resumidamente, as causas dessa situação alarmante. Uma delas
era a atitude dos imperadores romanos que tinha tornado o
Cristianismo a religião da moda, cujo patrono era o governo
imperial e à qual aderiram grandes multidões. Outra causa era o
decreto do imperador Teodósio, que obrigava seus súditos a
professarem o Cristianismo de forma ortodoxa. Desse modo surgiu
a política imperial do uso do poder para reprimir a idolatria e forçar
o povo a filiar-se à Igreja. Mais uma vez os métodos missionários
medievais resultaram na entrada para a Igreja de multidões de
germanos e outros povos que nunca tinham experimentado a
conversão cristã. O mal só se agravou quando governos e
conquistadores obrigaram seus povos a “aceitar” o Cristianismo.
Prevalecia, assim, na Igreja, grande massa de pagãos, imbuídos
das ideias pagãs a respeito da religião e da moral, pessoas que de
cristãs só tinham o nome.

18
É por causa disso que o período que agora estudamos também foi
chamado de “Era de Chumbo”, um período pesado e escuro, daí muitos
estudiosos preferirem chamá-lo, não sem causa, de “Era das Trevas”. Por tratar-
se de um período que abrange mais de dez séculos de história, com muitos
nomes, eventos e movimentos importantes, dividiremos o estudo da Idade
Medieval em duas partes: a Alta e a Baixa Idade Média.

2.1 A Alta Idade Média

O período tratado como Alta Idade Média durou do século VI ao XI. Do


ponto de vista social e político é importante ressaltar que a queda do Império
Romano (476 d.C.), trouxe uma profunda crise para a organização de toda a
sociedade europeia da época, visto que a queda do poder central representado
pelos imperadores, fragmentou várias áreas da vida social, especialmente a
ordem, a política, a economia e o comércio, ou seja, a sociedade europeia vivia
à beira do caos social.

É neste contexto que a Igreja Católica Romana, única organização


transcultural e transnacional e com um bom sistema hierárquico, e o Feudalismo,
proprietários de grandes extensões de terra que deram trabalho aosagricultores,
ganham importância, concedendo a milhões de pessoas na EuropaOcidental um
mínimo de proteção e conforto, que eram traduzidos e personificados nas
pessoas do clero e do senhor feudal. O clero mantinha a ordem “espiritual” e os
senhores feudais mantinham a ordem “material”.

2.2 Principais Movimentos da Alta Idade Média

A. Monasticismo

O Monasticismo foi um movimento medieval que enfatizava a “vida


solitária” e abdicação total da vida comum “no mundo”, com a finalidade de uma
dedicação especial à vida religiosa “fora do mundo”. “Monastérios” são os
lugares que oportunizam às pessoas as condições mínimas para a vida solitária,

19
geralmente são chamados de “monges” aqueles que aderem a vida monástica
dentro dos monastérios. A palavra “monástico” vem do grego “monachos”, que
significa, literalmente, “solidão”.

Em face da profunda decadência espiritual da igreja nos anos


subsequentes à oficialização do cristianismo como fé estatal do Império Romano,
crentes das regiões da Síria e do Egito buscaram uma “separação radical do
mundo” através do desenvolvimento de um estilo de “vida isolada santa”,
entendendo que as tentações da vida, que na cidade seriam mais intensas em
face da distração, poderiam ser vencidas, então, através do isolamento.

Os cristãos que buscavam uma vida de solidão e isolamento


nesses lugares porque queriam afastar-se das distrações e
também das ofertas pecaminosas que o mundo oferecia. Todavia,
embora buscassem uma vida solitária, os monastérios acabaram
se tornando uma vida em comunidade.

Muitos desses lugares eram isolados geograficamente, até mesmo em


cavernas e montanhas distantes, procurando guardar afastamento de cidades
ou vilas, ou, então, eram cercados de altos muros, a fim de conceder a ideia de
separação e isolamento. Também, internamente, havia uma rígida disciplina
ascética, de vida bastante simples, inclusive com voto de silêncio entre seus
membros.

O Monasticismo, não sem problemas, tornou-se, então, um lugar de


refúgio para as práticas das disciplinas espirituais cristãs, bem como logo
transformou-se em lugar de referência acerca da fé cristã verdadeira. Também,
em face da dedicação aos estudos e tempo de meditação, foram os monastérios
um ambiente que educou e formou muitos teólogos de importânciareconhecida
para a cristandade. Foram, na verdade, refúgios para a produção teológica,
transcrição e preservação de livros, consolidando-se como ambientes que
propiciaram o fortalecimento espiritual para várias gerações.

É digno de nota, apenas preliminarmente, que foi no contexto e espaço


de vários mosteiros, com suas bibliotecas e bons mestres, onde a ideia de

20
Universidade, como lugar de formação de alto nível, floresceu na sociedade
europeia.

B. Escolasticismo

Assim que os monastérios começaram a ganhar espaço como centros de


produção de teologia e filosofia, com muitas pessoas devotadas aos estudos, ao
pensamento crítico através da meditação e a produção literária, ao mesmo
tempo, o movimento monástico já não era mais tão exclusivo e
caracteristicamente um lugar de isolamento e piedade. Os mosteiros passaram
a ser vistos como “escolas”, e o termo “escolástico” é usado agora para referir-
se“àqueles que pertencem à escola”.

Desde então, os escolásticos não apenas produziam teólogos para a


igreja, mas também recebiam alguns nobres em busca de escola, passando a
formar a alta classe da sociedade europeia em vários ramos do conhecimento,
desde filosofia, principalmente, mas também em política, gramática, literatura,
grego, latim, matemática, artes, lógica, retórica etc.

Foi nesse ambiente que a Europa Ocidental viu renascer, pelo menos
embrionariamente, a ciência, o estudo sistemático, a tolerância ao debate e a
sustentação racional da fé, sementes que floresceram naqueles que foram
educados nesse contexto, os maiores nomes da Teologia e da Filosofia
Ocidental e os precursores da Modernidade.

2.3 Principais Personagens da Alta Idade Média

A. Gregório, o Grande (540 a 604 d.C.)

“O verdadeiro pastor das almas é puro em seu pensamento. Sabe


aproximar-se de todos, com verdadeira qualidade. Eleva-se acima
de todos pela contemplação de Deus” (Gregório, o Grande).

Gregório, também conhecido como “Gregório I”, “Gregório, o Grande”


ou “Gregório Magno”, foi um dos mais importantes bispos romanos de toda a
história, sendo considerado, por muitos estudiosos, de fato, o primeiro “Papa”
21
romano.

Gregório, o Grande, considerado o primeiro papa – mensagemcomamor.com – 23/03/30

Tendo nascido em um lar de nobres, pessoas realmente muito influentes


e ricas da Itália da época, foi um tipo de “prefeito” da cidade de Roma,
desenvolvendo um ótimo governo e demonstrando competência como
administrador. Suas habilidades políticas eram bastante reconhecidas, todavia,
segundo a tradição, sua conversão o levou a renunciar seus bens, vendendo sua
herança e distribuindo os recursos entre os pobres e fundando mosteiros,
atitudes que lhe renderam prestígio popular e espiritual ainda maiores, visto que
em seu contexto social na cidade de Roma, esteve cercado de decadência,
pestes, superstição e barbarismo. Não sem causa era chamado pela igreja em
Roma de “servo dos servos”. Por causa disso, levou o bispado dessa cidade a
uma liderança mais evidente na região da Europa, assumindo assim certa
prominência nas igrejas do Ocidente, o que deu origem ao modelo de papado
que vigora até os dias atuais.

Nichols (2004, p. 75), destaca assim esse aspecto:

Valendo-se de seus dons extraordinários, Gregório tirou o máximo


partido de sua posição de bispo de Roma, constituindo-se patriarca
do Ocidente. Defendeu e impôs constantemente sua autoridade...
Conseguiu que os mais fortes bispos metropolitanos
reconhecessem a superioridade de Roma. Fez com que o culto
[missa] seguisse o manual romano.
22
Sua liderança, considerada pelos historiadores em geral como sábia e
piedosa, juntamente com sua capacidade política, lhe propiciaram deixar duas
marcas importantes na igreja do Ocidente:

a) a herança agostiniana, pois tendo Agostinho como principal referência,


universalizou os documentos do bispo de Hipona e usou a teologia do “Mestre
Agostinho”, como costumava dizer, para direcionar a igreja romana nos caminhos
da ortodoxia;

b) a unificação da liturgia, orientando e padronizando os ritos da Missa e


introduzindo a música na liturgia, de onde decorre aquilo que chamamos até os
dias de hoje como “canto gregoriano”.

B. Anselmo de Cantuária (1033 a 1109 d.C.)

Anselmo de Cantuária, também conhecido como “Anselmo de


Canterbury”, filho e uma família de nobres da França, estudou num mosteiro
beneditino, tornando-se monge aos vinte e sete anos.

Muito dedicado ao estudo da Filosofia e da Teologia, escreveu obras que


tiveram grande importância para a Igreja Romana. Entre elas, destacam-se:
“Monólogo”, a primeira obra a formular o argumento ontológico da existência de
Deus, ou seja, Deus existe porque uma criação inteligente pressupõe um Criador
inteligente; “Livre Arbítrio e Predestinação”, uma obra profunda que procura
conciliar a liberdade do ser humano e a soberania de Deus; e “Proslogion”, um
apelo para harmonização entre fé e razão na criação.

É, portanto, um teólogo de excelência da idade média, considerado uma


das principais referências da teologia romana e da filosofia cristã. Também é
considerado por muitos historiadores como um dos principais precursores do
movimento escolástico.

23
C. Pedro Abelardo (1079 a 1142 d.C.)

Teólogo e filósofo de destaque, Pedro Abelardo marca o fim daquilo que


denominamos de Alta Idade Média. Foi considerado o maior pensador do
Ocidente do século XII; também é conhecido como “Abelardo, o Rebelde” por
demonstrar um temperamento agressivo e gosto pelo debate, influência muito
evidente de sua formação filosófica socrática e platônica.

Nascido na França, num período de florescimento do escolasticismo, teve


condições de desenvolver seu pensamento num clima de relativa liberdade,
valorizando em suas pregações, obras e aulas a “dialética grega”, ou seja, o
debate deveria sempre dialogar com dois pontos de vista diferentes, opostos,
ponto e contra ponto, tese e antítese, a fim de que a verdade possa aparecer da
discussão, da qual vêm a verdadeira luz.

Era considerado “o Príncipe dos Debates”, sempre partindo da tese


fundamental de que: “Tudo” deveria estar sujeito ao debate, e “Nada”, exceto a
Escritura, é infalível!

Suas obras mais famosas foram:

a) “Teologia Cristã”, cinco volumes de teologia sistemática, com sua


marca característica de procurar harmonizar a lógica e a fé; aqui defende que
crer e compreender são igualmente necessários, embora a fé deva sempre ter a
primazia; e

b) “História de Meus Infortúnios”, de estilo parecido com as “Confissões”


de Agostinho, na qual narra seu romance com Heloísa de Argenteuil, com quem
teve um filho. Por causa desse romance foi preso e castrado, ao passo que
Heloísa optou pela vida em um convento.

2.4 A Baixa Idade Média

O período aqui denominado como Baixa Idade Média teve início no século
24
XII e seu fim no século XV. Considerado um período de crise no tocanteà política
do papado romano, um tempo de muitas disputas pelo poder de Roma,por outro
lado, foi bastante profícuo no tocante ao desenvolvimento da “História da
Teologia”.

Capela da Universidade de Paris – ptwikipedia.org – 23/03/30

Um dos fatores sociais mais importantes e impactantes desse período foi


o crescimento, a solidificação e o prestígio alcançado pelas universidades,
consideração indispensável para a compreensão do contexto da época.

Um dos desenvolvimentos mais significantes para a história do


pensamento cristão no século 13 foi o nascimento e crescimento
das universidades. A princípio, estas instituições eram chamadas
“estudosgerais”, o que significava que elas incluíam estudantes e
professores de toda a Europa. O nome “universidade”, que
originalmente se referia à associação entre alunos e professores,
lentamente mudou seu significado, até tornar-se o título da própria
instituição. A maioria das universidades modernas data do século
XII e é uma combinação de mosteiros, grandes catedrais e o
crescimento das cidades (GONZALES, 2004, p. 217-218).

2.4.1 Tomás de Aquino (1225 a 1274 d.C.)

25
“Os professores [pastores] devem ser elevados em suas vidas, de
modo que iluminem aos fiéis com sua pregação, ilustrem aos
estudantes com seus ensinamentos e defendam a fé contra o
erro...” (Tomás de Aquino).

Reconhecido como o maior nome da Teologia na Idade Média, Tomás de


Aquino foi um monge dominicano nascido na Itália, tendo como berço uma
família nobre da região de Aquino, atual Nápoles. Recebeu no século XVI o título
de “Doutor Universal”, uma honraria da Igreja Católica Romana para seus
grandes mestres e teólogos de referência no tocante à ortodoxia e resolução de
conflitos da igreja contra heresias. Para receber esse título e grau de importância
são requisitadas três qualidades: importância da doutrina, alto grau de santidade
e clamor, ou seja, o reconhecimento notório da Igreja. Aquino está para a Idade
Média assim como Agostinho está para a Patrística, ou seja, conhecer esses
períodos depende de conhecer bem esses teólogos.

TOMÁS DE AQUINO – ptaleteia.org – 20/03/20

26
Do ponto de vista da formação filosófica, cabe ressaltar que Aquino é
também um personagem singular da História da Teologia. Até o século XII a
principal influência filosófica na teologia era o neoplatonismo presente nas obras
de Agostinho. Platão era o ponto de referência mais destacado nas discussões
sobre Metafísica, ou seja, o platonismo era o principal pilar filosófico da teologia
medieval para as questões de transcendência e sentido da vida.

Agora, então, com o “Doutor Universal”, o aristotelismo passa a ser a


principal referência. O que isto significa para a teologia? Bem, com Aquino, a
verdade ganha espaço na razão, na ciência e na lógica, não baseando-se
apenas em questões metafísicas, mas também ontológicas. Nesse sentido,
nosso principal mestre da era das trevas acendeu o maior de todos os faróis para
o nascimento da Modernidade: razão e fé, ciência e teologia não são divergentes
ou antagônicos, mas sim complementares.

É claro que a fé teria primazia, todavia, a verdadeira ciência jamais iria


contradizer aquilo que a verdadeira fé propõe (Gonzáles, 2015, p. 250):

Assim, a Filosofia é uma ciência autônoma, que pode alcançar os


limites extremos da razão humana. Entretanto, esta ciência não é
infalível, pois a mentehumana é fraca e pode facilmente errar. Além
disso,como isso requer dons intelectuais excepcionais,nem todos
podem alcançar suas conclusões mais altas. A Teologia, por outro
lado, estuda verdades que foram reveladas e que não podem ser
duvidadas. Algumas destas verdades – os artigos defé em sentido
estrito – estão além do alcance da razão, embora elas não a
contradigam. Essas jamais podem ser alcançadas pela Filosofia.
Existem outras verdades que a Teologia conhece por meio da
revelação e que a Filosofia pode alcançar por meio da razão, mas
que Deus, de qualquer modo, reveloupara fazê-las disponíveis a
nós com absoluta certeza, pois elas não são necessárias para a
salvação.

A verdade deixou de ser patrimônio “exclusivo” da Teologia. Concedendo


“status” de verdade e “liberdade” à ciência, ainda que de modo sutil, e
considerando-a também como meio de revelação de verdades gerais, agora o
conhecimento humano e o espírito científico estão prontos para libertarem-se
dos freios da Idade Média e da Igreja Romana.

27
Destacar as principais obras de um pensador como Aquino é um trabalho
bastante ingrato, pois sua obra é vasta, rica e com muitos pontos importantes de
sua produção literária a serem destacados. Ainda assim, é preciso fazê-lo,
portanto, destacaremos:

a) “Suma contra os Gentios”, considerada a maior obra de apologética da


Baixa Idade Média, apresenta argumentos contra pagãos e judeus, mostrando a
superioridade da fé cristã;

b) “Suma Teológica”, sua obra de teologia sistemática mais importante,


na qual apresenta sua famosa tese “das cinco vias”, sua fundamentação da tese
que sustenta que a razão pode concluir a existência de Deus. Resumidamente,
são elas: primeira – todas as coisas da natureza estão em movimento, ora, tudo
que se move foi movido por alguma coisa, tem alguma causa; segunda – a causa
do movimento é Deus, visto que a coisa movida deve ser menor que aquela que
a moveu, quem poderia mover o universo? terceira – tudo o que existe tem uma
finalidade, um fim para o qual existe; quarta – os valores de caráter, amor,
bondade, tolerância, paciência são valores para além da matéria, portanto, existe
algo além da matéria; quinto – inteligência, pois a ordem inteligente da criação
jamais poderia existir ao acaso; o acaso gera o caos e a perda de energia,
portanto, Deus é a inteligência que produz ordem.

Aquino é leitura obrigatória para os sacerdotes romanos e deveria


também ser melhor conhecido pelo protestantismo.

2.4.2 Os Pré-Reformadores

Os anos finais da Idade Média, em face dos eventos acima mencionados,


indicam que o poder de novas ideias e alguma liberdade de pensamento logo
levariam a um esgotamento do modelo ligado ao auge do poder papal e a
necessidade de novas bases de relacionamento entre a igreja e a sociedade.
Vozes que clamavam por uma reforma institucional da Igreja Católica Romana
começaram a ser ouvidas com mais frequência no período final da Baixa Idade
Média.

28
Não bastasse isso, o clero dos séculos XIV ao XV, em geral, tinha conduta
moral duvidosa, bem como eram vistos pelos fieis mais como políticos do que
como pastores, mais interessados no dinheiro do que no espírito. Com esta
combinação, o copo estava ficando cheio e logo iria transbordar.

É neste cenário que aparecem os pré-reformadores:

Algumas pessoas se levantaram como porta-voz daverdade, com


coragem e ousadia, e principalmente com disposição para
enfrentar um sistemaeclesiástico milenar que tinha adquirido direito
sobrevida e morte das pessoas (SUANA, 2019, p. 93)

2.4.2.1 John Wycliff (1328 a 1384 d.C.)

Filho de uma família de nobres, proprietários de uma grande extensão de


terra na região de Yorkshire, o iminente professor da Universidade de Oxford,
Inglaterra, era profundo conhecedor de teologia, filosofia e leis canônicas.Obteve
o grau de Doutor em Teologia no ano de 1372 d.C. Sua maior contribuição foi
editar a primeira edição da Bíblia em inglês, pois defendia que aBíblia deveria
ser um bem acessível a todos os cristãos, e não apenas aos sacerdotes e
teólogos.

Já testemunhando a decadência moral do clero, Wycliff via nascer em sua


geração um forte apelo às reformas espirituais da igreja, que exigia do governo
temporal e dos fieis uma alta conduta ética e espiritual, mas que tinha
exatamente nesses pontos uma conduta bastante superficial.

Além disso, foi um forte crítico do papado, especialmente em dois


aspectos cruciais: a) a vida de luxo do papa não correspondia à vocação cristã
de simplicidade; para Wycliff, a falta de simplicidade dos papas não correspondia
ao padrão dos apóstolos de Cristo, portanto, pregava a favor de um “papado
bíblico”; b) o poder centralizador de Roma era distante e ineficiente, ou seja, para
o pré reformista inglês, “governos” locais deveriam cuidar das questões locais;
neste aspecto, ele foi visto como um “nacionalista”.

Foi condenado como insubordinado e herege pelo Papa Gregório (1329 a


1378 d.C.) no ano de 1377 d.C. Observemos que, ao traduzir a Bíblia para o

29
vernáculo, bem como insistirnum padrão bíblico apostólico para a conduta de
vida simples para os papas, Wycliff lança mais algumas sementes para aquilo
que viria a ser a Reforma Protestante.

2.4.2.2 John Huss (1369 a 1415 d.C.)

Eles pensavam poder abafar e vencer a verdade, ignorando que a


própria essência da verdade é que, quanto mais quiser reprimi-la,
mais ela cresce (John Huss)

Nascido na região da Boêmia, atual República Theca, viveu e estudou em


Praga, importante centro cultural da Europa Ocidental. No tempo de seus
estudos, entrou em contato com os escritos de John Wycliff e logo assumiu as
ideias do britânico.

O clima de independência de Roma já rondava a igreja de Praga. Os altos


impostos e indulgências faziam com que o poder central do papa fosse
constantemente questionado. Huss catalizava esse descontentamento em seus
sermões na Capela de Belém, próxima a universidade de Praga.
Segundo Suana (2019, p. 94):

Foram feitas pinturas onde aparecia o Papa a cavalo e Cristo com


pés descalços. Jesus lavando os pés dos discípulos e o Papa tendo
os pés beijados. As palavras de Wycliff tiveram longo alcance e
muita aceitação entre as pessoas. Em consequência, ele foi
excomungado e isso gerou grande agitação popular.

Foi preso e levado a depor no Concílio de Constança, no qual foi


condenado à morte na fogueira acusado de herege. Todavia, Huss já havia se
tornado um herói nacional e as ideias de Wycliff que abraçara e divulgara com
fervor em seus sermões, tornaram-se ainda mais conhecidas.

30
Martírio de Huss, enquanto clamava: “Jesus, tem misericórdia de mim” – protestantismo.org – 23/03/20

Foi na esteira desses acontecimentos que a busca por uma renovação


espiritual e desejo de reformar a igreja, que a Reforma Protestante conseguiu
florescer. Segundo a tradição da Igreja Theca, Huss teria dito a seu carrasco:
“Hoje vocês assam um ganso, porém, daqui a cem anos, vocês verão nascer um
cisne”, um trocadilho com seu sobrenome, que significa literalmente “ganso”.
Cento e dois anos depois, em 1517, Martinho Lutero fixaria suas noventa e cinco
teses na porta da igreja de Wittemberg.

31
CAPÍTULO 3 - A Modernidade e a Reforma
Protestante

Há momentos na história da humanidade que parecem repletos de


possibilidades futuras – nem tanto pela promessa clara que eles
oferecem, mas porque as velhas formas já passaram e é necessário
se aventurar em novas direções. (Justo Gonzáles)

3.1 Introdução

O período histórico que agora passamos a estudar engloba o final do


século XV e alcança até meados do século XVIII da era cristã. A chamada
“Modernidade” foi um período de grandes transformações sociais, culturais,
econômicas e políticas, contexto no qual emergiu a Reforma Protestante do
século XVI, o movimento mais importante e profícuo de todos os tempos para o
estudo da História da Teologia.

Muito mais do que as transformações verificadas em outros períodos já


estudados, a Modernidade representa uma intensa e abrupta transformação na
visão da sociedade europeia acerca das artes, do ser humano e, porque não
dizer, do próprio Deus. Uma sociedade que já estava sentindo profundamente o
esgotamento dos ideais e valores da Idade Média, entendida por eles como
“teocêntrica”, ou seja, Deus como centro, ponto de partida e destino de todas as
coisas, agora vê seu foco mudando para um olhar “antropocêntrico”, o homem
como centro. Deus deixa de ser o centro, um raciocínio teológico, e o ser humano
passa a ser “a medida de todas as coisas”, um raciocínio filosófico humanista.

Não podemos ter uma visão romântica da Reforma Protestante,


acreditando, como muitos de seus herdeiros, que ela tenha
acontecido exclusivamente por causa da conversão do monge
Lutero. O crescimento das cidades, novos mercados, o surgimento
de novas profissões, a circulação de moedas e a revolução cultural,
principalmente nas artes e na literatura causaram uma grande
ruptura (SUANA, 2019, p. 97).

32
Frente à convergência de múltiplos fatores que nos ajudariam a entender
essa revolução no pensamento, desde o surgimento do espírito nacionalista em
várias regiões da Europa Ocidental, passando pelas novas descobertas
marítimas e o intercâmbio comercial e cultural trazidos pelo mercantilismo, não
sem reconhecer a dificuldade em ser seletivo, apontamos apenas dois fatores
preponderantes para o escopo deste trabalho: o renascentismo e a invenção da
imprensa. É no contexto desses fatores que podemos entender este novo
momento.

3.2 O Renascentismo

O Renascentismo, ou “Renascença” como preferem outros, é, ao mesmo


tempo, tanto um movimento cultural quanto histórico, que teve como epicentro a
Itália do século XV, alcançando seu apogeu no século XVI da era cristã.

Com o objetivo de fazer “renascer” a cultura greco-romana, seus


protagonistas objetivavam retornar aos tempos em que a igreja não dominava o
pensamento, procurando assim novas referências para as artes e para a
literatura. Desde então, o interesse pela cultura e filosofia grega clássica foi
ganhando espaço, o que se tronou evidente na arquitetura, na pintura e nos
estudos dos clássicos gregos e romanos. “Rapidamente, o idioma grego se
tornou comum das pessoas educadas por toda a Europa, e assim uma larga
avenida foi aberta para os tesouros da Antiguidade” (GONZALES, 2015, p. 20).

É importante observar, também, que o “renascimento” dos clássicos foi


uma “volta às origens”, ou seja, a nobreza e os intelectuais desejavam livrar-se
das amarras da igreja romana, procurando fontes de inspiração para um novo
tempo através do desenvolvimento de uma nova mentalidade. Tal
comportamento foi observado também pelos teólogos da época, que se voltaram
para o estudo do grego, língua original do Novo Testamento, bem como
propuseram um outro tipo de “volta às origens”. É nesse aspecto que os
Reformados encontram sua convergência de pensamento: eles queriam uma
“volta às Escrituras”.

33
A consequência natural, portanto, foi que passaram a buscar mais o texto
bíblico do que a tradição, bem como redescobriram com força a teologia
agostiniana, praticamente a maior referência de teologia entre os principais
reformadores, que eram unanimes em seu desejo de “voltar à igreja
genuinamente apostólica”.

3.3 A Imprensa

Gravura – Imprensa no século XVI – tipógrafos.net – 23/03/20

Como já mencionado, o Renascentismo também teve como objetivo a


34
reforma da sociedade através da literatura. Isso não seria possível sem a
invenção da Imprensa, uma verdadeira revolução tecnológica para a época.
Johannes Gutenberg (1400 a 1468 d.C.), foi um ouvires que na juventude
dedicava-se à invenção, tornando-se, com sua descoberta, um dos personagens
mais importantes da Modernidade. Com a invenção da Imprensa, aqui com
sentido exclusivo de uma máquina tipografia que “imprensa” o papel, agora a
tecnologia estaria à serviço da divulgação rápida de ideias de um modo nunca
observado antes na história da humanidade. Tinta e papel passaram a ser mais
fortes do que qualquer instituição já conhecida.

Ainda que de maneira extensa, é bastante útil ponderar nas


esclarecedoras observações de Gonzáles no tocante a invenção tecnológica
mais importante da Modernidade (2015, p. 21):

A invenção da imprensa, com tipos móveis, deu novo ímpeto ao


movimento humanista. Até então, fora necessário confiar
inteiramente em manuscritos cujafidelidade original era transmitida
de forma duvidável, por meio de um longo processo de copiar e
recopiar. Embora a possibilidade de tentar reconstruir os textos
originais por meio de cuidadosa coletagem de vários manuscritos
tivesse ocorrido emalguns casos durante a Idade Média, tal projeto
nunca fora desenvolvido numa escala significativa. Mas essa
situação mudou quando um meio foi inventado pelo qual uma
grande quantidade de cópias idênticas de um texto poderia ser
produzida com um custo relativamente pequeno. Assim, muitosdos
principais humanistas se dedicaram a árduatarefa de reproduzir
críticas dos escritos da Antiguidade, bem como dos Pais da Igreja
e do textobíblico. A mais importante destas empreitadas foi o Novo
Testamento grego, publicado por Erasmo, em 1516. Quatro anos
mais tarde, um grupo de estudiosos da Universidade de Alcalá de
Henares, na Espanha, sob a direção do cardeal Francisco de
Ximenes de Cisneros, publicou uma Bíblia que incluía textos em
hebraico, grego, aramaico e latim.

O custo do livro baixou, seu acesso tornou-se mais cômodo e sua divulgação
se multiplicou exponencialmente depois da imprensa. Lembremos que o primeiro
livro impresso por Gutenberg foi uma Bíblia! Agora, os reformadores não mais
precisavam que as pessoas procurassem as bibliotecas dos mosteiros ou
universidades, tampouco suas ideias seriam divulgadas apenas presencialmente
através de aulas ou sermões. O livro foi a primeira forma de rede, a www da
Modernidade.

35
3.4 Martinho Lutero (1483 a 1546 d.C.)

“Foi ali, perante o Sacro Imperador Romano Carlos V e um


impressionante conjunto de nobres germânicos – e, talvez mais
importante, perante o representante papal, Thomas Cajetan – que
Lutero tomou sua implacável posição e fez a declaração pela qual
imediatamente saltou do cosmos medievalpara dentro do cosmos
moderno. Que ele deixou claro que temia o julgamento de Deus
mais do que as figuras poderosas daquela sala; ele eletrificou o
mundo. Como alguém se atrevia a implicar que houvesse qualquer
diferença entre eles? Desde os tempos imemoriais, aqueles
homens falavam por Deus e pelo Estado. Mas Lutero os desafiou,
humildemas assertivamente, em um momento divisor de águas na
história do mundo.” (Eric Metaxas)

Martinho Lutero, o herói da Reforma Protestante, foi um monge


agostiniano nascido na cidade de Eisleben, Alemanha. Filho de um rico
comerciante de cobre, teve acesso aos estudos na Universidade de Erfurt,
obtendo o grau de Mestre no ano de 1505.
Falar em Reforma Protestante é falarde Lutero, cujo pensamento foi um
verdadeiro divisor de águas para a história da Europa e do cristianismo Ocidental.
Para os estudos da “História da Teologia”,Lutero está para a Modernidade assim
como Agostinho está para a Patrística e Tomás de Aquino para a Idade Média.

A história de seu chamado para a consagração da vida monástica deu-se


quando estava de viagem de Eisleben, sua terra natal, indo para Erfurt, onde
estudava. Durante o percurso, Lutero deparou-se com uma súbita e terrível
tempestade. Rogando a proteção de Santa Ana, prometeu-lhe dedicar-se
integralmente à vida religiosa, caso conseguisse sobreviver. Seu pai, desejoso
de que o filho se torna-se advogado, foi contra a decisão, mas arrefeceu. Lutero
vendeu seus livros de direito e rapidamente ingressou na vida monástica
seguindo a ordem agostiniana, fator decisivo e muito importante na formação
teológica do reformador e que viria a influenciar toda sua obra.

Seus biógrafos tratam em larga escala da vida espiritual do jovem monge,


sempre com a mente atormentada pela ideia de pecado e a impossibilidade de
agradar a um Deus santo e justo. “Em razão dessas crises, Lutero afirmava mais
ter ódio do que amor por Deus, pois sempre via um Deus irado e nunca gracioso”.

36
(OSIEL, 2013, p. 105).

Os anos de 1511 a 1517 foram determinantes para a vida de Lutero, ainda


vivendo em crises existenciais profundas de culpa e medo. Em 1511 o jovem
monge fez uma viagem de peregrinação para a cidade de Roma, capital da fé.
Cheio de fantasias e idealizações, acreditava que aquela experiência seria um
divisor de águas em sua vida. De fato foi, mas não como ele imaginava. No sonho
de conhecer a cidade mais santa do romanismo, ansiava ver relíquias e,
sobretudo, ver e ouvir o Papa. Ledo engano. Viu uma cidade corrompida pela
prostituição, superstições e imoralidade, e a imagem que teve do Papa foi mais
de um monarca pomposo e frio do que o seguidor de um carpinteiro. Essa
experiência teve profundo impacto negativo no coração angustiado de Lutero.

Já entre os anos de 1513 a 1517, obteve o grau de “Doutor em Teologia”


pela Universidade de Wittenberg, onde ensinava matérias bíblicas. Lecionando
no Livro dos Salmos encontrou refúgio para sua alma angustiada, porém foi
lecionando no Livro de Romanos que sua luta para “ser aceitável a Deus”
encontrou definitivo descanso.

Gonzáles (2015, p. 33), escreve como Lutero registrou sua experiência


mais transformadora:

Eu fora cativado, de fato, por um ardor extraordináriopor entender


Paulo na Epístola aos Romanos. Mas até então, não foi o sangue
frio sobre o coração, masuma simples palavra no Capítulo 1: “visto
que a justiça de Deus se revela”, que ficou em meu caminho. Pois
eu odiava a palavra “justiça de Deus”.Afinal, pela misericórdia de
Deus, eu atentei para o contexto das palavras: “o justo viverá por
fé”. Lá eu comecei a entender que a justiça de Deus é aquela pela
qual o justo vive por uma dádiva de Deus, a saber, pela fé. E este
significado: a justiça de Deus é revelada pelo evangelho, a saber, a
justiça passivacom a qual o Deus misericordioso nos justifica pela
fé. Aqui, eu senti que nasci totalmente de novo e entrei no próprio
paraíso através de portões abertos.Lá, uma face totalmente nova
da Escritura se mostrou a mim.

Após esse impacto espiritual, Lutero ficou muito mais convencido ainda
do questionável valor das indulgências, uma cobrança em dinheiro da igreja
romana para perdoar pecados, escrevendo suas noventa e cinco teses contra
essa prática perversa da Igreja Católica, denominando-as de “Controvérsia sobre
o poder e a eficácia das indulgências”. A fim de levantar debates que, segundo
37
pensava, levariam a igreja romanista a corrigir esse abominável erro, fixou suas
teses solenemente na porta da Capela de Wittenberg em 31/10/1517,um marco
significativo, data que passou a ser comemorado o Dia da Reforma Protestante.

Mais uma vez Lutero estava se engando em esperar debates teológicos


de alto nível com os doutores da Igreja. Estava lançada a sorte. A Reforma da
Igreja não poderia mais ser detida, adiada ou reprimida.

Lutero e as 95 teses – gospelprime.com.br – 23/03/20

A teologia luterana então desenvolve-se no contexto da defesa da fé. Isto


significava para o Grande Reformador que as discussões só se sustentariam se
fossem bíblicas. Fé e Bíblia são inseparáveis para os reformadores desta época.
A evolução natural do anseio dos pré reformadores agora alcança seu ápice e
ganha em Lutero um ferrenho defensor. A fé cristã não era nem romana, nem
papal e muito menos calcada na tradição. Sua profunda experiência de conforto
e transformação na meditação da Palavra marcaram o herói de Wittenberg: “A
Palavra de Deus é o ponto de partida da Teologia. Por Palavra de Deus, Lutero

38
entendia a Escritura, a Segunda Pessoa da Trindade e o poder de Deus
manifesto em toda a criação” (GONZALES, 2015, p. 46).

Lutero foi um escritor voraz e teólogo minucioso. Sua extensa obra trouxe
contribuições bastante significativas para a continuação e consolidação da
Reforma e até os dias atuais mantém-se relevante em diversas áreas da
Teologia. Neles observas-e, pelo menos em seus escritos iniciais, que o monge
agostiniano não teve, jamais, o objetivo de dividir, mas sim reformar a Igreja de
Cristo no Ocidente. Nesse sentido, a reforma luterana foi uma reação à
perseguição da fé evangélica e uma questão de sobrevivência do movimento.

Perseguido, Lutero resolveu renunciar a fé romana. Foi excomungado em


1521 e veio a falecer na sua cidade natal em 1546, quando a Reforma já se
espalhara como fogo por toda a Europa. Fecharam-lhe a porta da igreja, mas o
soberano Deus abriu-lhe as portas do mundo.

3.5 João Calvino (1509 a 1564 d.C.)

“Revolução é seguida por reconstrução e consolidação. Para esta


tarefa Calvino foi providencialmente preparado e equipado por
gênio, educação e circunstâncias.” (Philip Schaff)

João Calvino nasceu vinte e seis anos após Lutero, na cidade francesa de
Noyon, região da Picardia, norte da França. Juntamente com o monge alemão,
o reformador francês é considerado o mais importante teólogo do século XVI.

39
João Calvino – mbcv.org – 23/03/20
Filho de uma família nobre ligada
ao alto clero, o pai de Calvino, em princípio,
queria vê-lo formado em Direito, o que ele seguiu, graduando-se em 1530. Com
o falecimento de seu pai, em 1531, o reformador francês resolveu seguir naquilo
que mais lhe agradava: a cultura e as letras.

Declarou-se protestante no ano de 1533, quando morava e estudava em


Paris, que experimentava naquele momento uma forte perseguição à fé de matiz
luterana que ganhara espaço em algumas escolas da cidade através de
professores humanistas. Ao que tudo indica, converteu-se através de estudos e
pesquisas pessoais que incluíram, além de Lutero, também outros teólogos
católicos desejosos de uma reforma na igreja romana, ao mesmo tempo que
sentia-se angustiado espiritualmente no catolicismo.

Fugindo da perseguição, chegou à cidade da Basiléia, cidade próspera da


Suiça, próxima às fronteiras entre a França e a Alemanha, localização que lhe
dava uma posição estratégica para o fluxo de pessoas e ideias. Nesse período
escreveu a obra que lhe daria a posição de teólogo importante da Reforma: As
Institutas.

Publicada em 1536, é uma obra indispensável para a compreensão da


teologia reformada. Nela, muito além de discutir sobre eleição e graça,
predestinação e perdição ou liberdade humana versus soberania de Deus,
estereotipo que a falta de conhecimento, infelizmente, colocou sobre o
reformador francês, nas Institutas temos uma síntese da piedade e doutrina, vida

40
cristã e teologia jamais superados até os dias de hoje.

Nichols (2004, p. 175), registra assim a importância desta magistral obra


que marcou o século XVI:

Na sua primeira edição ainda era um livro pequeno, não era ainda
o tratado que veio a ser depois; era apenas uma declaração
sistemática da verdade cristã sustentada e defendida pelos
protestantes e inicialmente destinado para o uso popular. O livro
de Calvino foi muito útil aos protestantes como instrumento da sua
luta e dos seus esforços para alcançar novos conversos; e
também era uma vindicação das suas crenças contra as falsas
acusações que lhe eram feitas.

Não era objetivo de Calvino ter uma vida pública ou notória como líder do
movimento reformado. Aliás, segundo seus principais biógrafos, seu
temperamento era manso e reservado e, em sua infância e juventude, era
descrito como “tímido”. Queria dedicar-se aos estudos e às letras. Todavia, em
uma de suas viagens, hospedou-se na cidade de Genebra, evento que mudou
completamente sua vida e futuro:

Calvino não se sentia atraído por outra coisa a não ser dedicar-se
inteiramente ao estudo das Escrituras Sagradas e ao ofício de
escrever sobre elas. No entanto, ao sair da França para
Estrasburgo, na Alemanha, onde pretendia viver seu sonho de
tranquilidade, teve que passar por Genebra. Planejava ficar ali
apenas uma noite, mas um pregador da cidade, Guilherme Farel,
que encabeçava a reforma na cidade, soube que o grande teólogo
estava ali e de uma forma muito convincente o fez permanecer e
abraçar a reforma na cidade de Genebra. (SUANA, 2019, p. 109)

O resultado foi que, não sem lutas, oposição ou falhas iniciais, algumas
idas e voltas, em poucos anos Genebra tornou-se uma cidade modelo, que
serviria de inspiração de “cidade cristianizada” no molde protestante para outros
lugares. Portanto, aquilo que poderíamos tratar como modelo calvinista de
liderança pastoral e política, Genebra tornou-se como um “cartão de visitas” da
fé reformada.

41
Cinco Solas: resumo da convergência da fé dos reformadores

42
3.6 A Contrarreforma

A Igreja Católica nos moldes medievais nãopodia atravessar as


tempestades da Reforma Protestante e ainda continuar a ser a
mesma que tinha sido até então (Robert Nichols)

Máxima da física, “toda a ação gera uma reação”, também poderia ser
aplicada aos movimentos históricos. É por isso que estudar a Modernidade nas
questões de teologia implica em falar também sobre a reação romanista ao
movimento da Reforma.

Se considerarmos a Reforma Protestante do século XVI como um anseio


por uma renovação da igreja, é claro que nem todos os que ficaram no arraial
romanista discordavam dos protestantes, pelo contrário, em algum momento
havia entre vários sacerdotes um anseio por transformações dentro do sistema,
especialmente no campo moral.

Nichols (2004, p. 196) destaca:

Era inevitável que alguma coisa acontecesse quando, além dessa


força que atuava externamente[a Reforma], produzindo tremendos
golpes, outras forças operassem internamente para a mesma
finalidade. Até mesmo os que não se interessavam na reforma,
sentiam que a Igreja Romana devia modificar-se se quisesse
sobreviver.

Em face deste sentimento foi que surgiu a “Contrarreforma” ou “A Reforma


Católica, como também é conhecida. O Concílio de Trento (1545), ocupa papel
central na “Contrarreforma”. Reunido na cidade de mesmo nome, na Itália, tinha
como objetivo principal conter o descontentamento interno, bem como reagir ao
crescimento do protestantismo, tendo como ponto de apoio os países que não
aderiram nem aoluteranismo e nem ao calvinismo – principalmente Itália, França
e Espanha – com destaque especial à Ordem Jesuíta, fundada pelo soldado
monge Inácio de Loyola (1491 a 1556). Deve-se observar que as Américas foram
o principal destino missionário dos Jesuítas, notadamente conhecidos pelo fervor
na fidelidade ao papa e apoio à inquisição.

Seguindo o modelo proposto por Suana (2019, p. 123), resumimos assim


43
as ações católicas contra a fé reformada:

a) a Bíblia, o Papa, a tradição da igreja, os Concílios e os teólogos


Agostinho e Tomás de Aquino são “igualmente” autoritativos para a igreja;

b) o ser humano jamais poderia ser justificado pela fé “somente”, também


precisa das obras;

c) os Seminários deveriam revitalizar a moral e os estudos;

d) a Missa é a repetição do sacrifício de Cristo e também ser oferecida


pelos mortos.

Observemos que não há uma restauração teológica propriamente dita nas


decisões do Concílio, mas sim uma reafirmação de aspectos ligados à teologia
patrística e medieval, com ênfase na autoridade infalível do bispo de Roma.
Trento não se abriu em nada para a justificação pela fé, o sacerdócio universal
de todos os crentes e a supremacia da Bíblia sobre os Concílios e o Papa, os
aspectos mais caros aos Reformados. Os Católicos Romanos escolheram uma
direção espiritual norteada pela Igreja, sua história e tradição. Os Reformadores
escolheram uma direção espiritual norteada exclusivamente pela Bíblia.

Ainda assim, muitos acreditam que a reação à Reforma simbolizada no


Concílio de Trento, foi a chance de revitalizar a igreja romana salvando-a do
declínio definitivo. É por isso que alguns historiadores tratam a Contrarreforma
com sendo o marco principal da teologia romana sair da Idade Média e entrar na
Modernidade.

CAPÍTULO 4 - TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

44
“Muito do que aceitamos ou rejeitamos hoje está diretamente
relacionado com os postulados teológicos que permearam a
história após oséculo XVI” (Hermisten da Costa)

4.1 INTRODUÇÃO

Estudaremos agora o período que abrange da segunda metade do século


XVIII ao século XX, período importantíssimo para a compreensão da igreja de
nossa geração. “Período Contemporâneo” ou “Contemporaneidade” é
considerado o momento da história Ocidental a partir da Revolução Francesa
(1789), até os dias de hoje, marcos que também são utilizados pela História da
Filosofia para abordar aquilo que denominamos de teologia contemporânea.

Muitos são os eventos importantes desse período para a compreensão da


história do Ocidente, tais como o surgimento e desenvolvimento do capitalismo,
a industrialização, o surgimento de Estados-Nação, a urbanização e as potências
democráticas construídas sobre os primados da liberdade, igualdade e
fraternidade. Todavia, dado ao escopo delimitado pelo nosso trabalho, apenasum
material de apoio aos estudos iniciais de teologia, destacaremos apenas “O
Iluminismo”, não sem recomendar o estudo cuidadoso dos outros aspectos supra
citados.

4.2 O Iluminismo

“O Iluminismo é, de certo modo, um filho tardio do humanismo


renascentista. surge um novo espírito, caracterizado pela completa
autonomiada razão em detrimento da tradição ou de qualquer outro
padrão externo.” (Hermisten Maia)

O Renascentismo e o Humanismo, conforme estudamos, foram bases


centrais para formação do espírito da Modernidade. Propunham a razão como
uma das mestras da consciência individual e coletiva. Neste momento, a teologia
protestante desenvolveu-se também a partir das ideias racionais e tendo o ser
45
humano em altíssima consideração em face da “imagem de Deus” no homem e
na mulher. Para os teólogos modernos, fé e razão, religião e ciência podem ter
espaço na sociedade, na filosofia, nas artes e na teologia, sempre em
cooperação e complementariedade. Um casamento perfeito de ideias e ideais.

Porém, no espírito radicalmente racionalista dos filósofos iluministas,


teólogos e cientistas da contemporaneidade concederam à razão e à lógica um
espaço muito maior, radicalizando o espírito racional e aceitando, mesmo que
inconscientemente, que a “razão é a única luz”.

Os iluministas enfatizavam o alto poder da razão, obviamente, em


contraponto com a religião e a crença. As mazelas da igreja eram usadas como
demonstrações da contradição entre fé e razão. Entre eles destacam-se,
principalmente: Voltaire (1694 a 1778), John Locke (1632 a 1704), Diderot (1713
a 1784), Jean Jacques Rousseau (1772 a 1778), Immanuel Kant (1724 a 1804)
e Hegel (1770 a 1831). Embora nem todos tivessem desprezo à fé, tinham em
comum o objetivo de fazer do conhecimento humano um instrumento para a
evolução da humanidade, que deveria desprender-se das amarras da crendice
e do misticismo.

Em linhas gerais, a tese desses importantes pensadores era que o ser


humano só poderia desenvolver-se sobre o primado “exclusivo” da razão. A
ciência, no período contemporâneo, “salva”. Os cristãos que durante os
primeiros séculos tiveram que sobreviver afirmando que “Cesar não é senhor”,
agora teriam que aprender a sobreviver aos desafios e seduções trazidas pelo
pensamento dominante dos novos tempos, declarando que a “Ciência não é
Senhor”. Seremos engolidos pelos leões da ciência no Coliseu do Iluminismo?
Veremos.

Em certo sentido, estudar a teologia contemporânea é verificar como a


igreja, os teólogos e pensadores cristãos desse período reagiram ao primado da
razão trazido pelos novos tempos. Vejamos três exemplos ilustrativos desse
período turbulento, mas profícuo.

4.3 O Liberalismo

46
Iniciando com uma definição bastante generalizada, é possível definir o
movimento liberal teológico como uma adaptação teórica da fé cristã, moldada,
e por que não dizer também, acomodada, dentro dos pressupostos racionalistas
dos iluministas. Partindo deste princípio, a fé deveria estar sujeita à ciência e a
teologia deveria abraçar os critérios vigentes, baseados apenas na razão, para
interpretar de uma maneira nova a herança bíblica e ortodoxa.

As implicações práticas dessa “nova hermenêutica puramente racional”


foram:

a) a negação dos milagres – o nascimento virginal é possível à razão? Se


a resposta é não, então outra interpretação deve ser busca;

b) a interpretação da Bíblia em novos padrões – deveria seguir a normas


científicas de qualquer outro texto; sendo assim, as muitas “contradições” da
Bíblia deveriam ser excluídas do texto sagrado;

c) a questão filosófica da existência do mal – como um Deus criador de


todas as coisas, sendo essencialmente bom, cria o mal?; para os iluministas a
questão da origem e existência do mal não fora resolvida satisfatoriamente pelos
teólogos;

d) A busca pelo Jesus histórico – O Jesus da Bíblia é o Salvador, mas os


iluministas rejeitavam as ideias religiosas em torno da pessoa de Cristo e
queriam que nele fosse destacado apenas a “história”, ou seja, os elementos
sobrenaturais relatados nos evangelhos deveriam ser trocados pela ênfase na
moral e ética do Nazareno, apenas um bom exemplo a ser seguido.

Osiel (2013, p. 156-157), resume assim o movimento liberal:

Essa nova maneira de fazer teologia, influenciada pelo Iluminismo,


ficou conhecida como Teologia Liberal. O homem deveria fazer uso
livre da razão eantigos mitos e tradições religiosas deveriam ser
abandonadas. Além disso, mediante o raciocínio, qualquer um
pode penetrar os mistérios da vida. Assim começaram os grandes
questionamentos desse período à doutrina cristã.

Um nome destacado deste movimento foi Friedrich Daniel Ernst


Scheleiermacher (1768 a 1834 d.C.). Entender o pensamento de
Scheleiermacher é fundamental para entender esse período da teologia.
47
Conhecido como o pai da teologia protestante liberal, no afã de
salvar a religião dos ataques iluministas, não satisfeito com a
redução da religião à simples moralidade racional, colocou toda a
sua epistemologia religiosa em termos de “sentimento” de absoluta
dependência.”(COSTA, 2004, p. 295)

Com excelente formação nas áreas de teologia e filosofia, para


Scheleiermacher a fé era, em seu aspecto mais profundo, uma experiência da
“alma” com aquele que é “Absoluto”. Assim, o teólogo liberal abriu as portas da
teologia contemporânea para a ideia de que a experiência pessoal é o que mais
importa na religião. A fé cristã, então, deveria ser pensada a partir da experiencia
de cada indivíduo. O subjetivismo passa a ser critério para a fé religiosa. É
importante esclarecer que, em sentido filosófico, o subjetivismo, na prática, tende
a atribuir valor a partir do valor que o sujeito atribui àquilo que observa, ou seja,
o valor não está na coisa, em si, mas no sentimento de valor daquele que
observa.

Portanto, uma das premissas do pensamento liberal protestante, numa


tentativa equivocada de responder aos iluministas, é atribuir mais valor ao leitor
do que à leitura, o que implica, obviamente, que não importa para os liberais se
a Bíblia é ou não a Palavra de Deus, mas sim a experiência do leitor no seu
mundo interior.

No desenvolvimento da teologia liberal protestante dos séculos XVIII e


XIX, muitos elementos, decorrentes da teologia filosófica de Scheleiermacher,
trouxeram consigo várias outras implicações, tais como:

a) Palavra de Deus e Escrituras Sagradas não são sinônimos, ou seja, o


livro, é a Bíblia; já a Palavra de Deus é aquilo que toca a experiência íntima da
pessoa com o Absoluto;

b) A Bíblia “não é” a Palavra de Deus, mas “apenas contém” a Palavra de


Deus, ou seja, apenas algumas partes da Bíblia são genuinamente inspiradas;
“ser” é uma coisa, “conter” é outra; assim os liberais rejeitaram o Cânon Bíblico
como sendo apenas uma coleção de livros recebidos dos cristãos antigos;

c) a Bíblia é um excelente livro histórico, do qual precisamos relevar os


erros científicos tratando-os como úteis, mas em si, apenas mitos; é preciso

48
“desmitologizar” a Bíblia;

d) a Bíblia é um excelente livro no que diz respeito aos princípios básicos


do aperfeiçoamento humano, ou seja, nos incentiva ao amor, o perdão e o valor
absoluto da vida humana, portanto o valor da Bíblia não é espiritual, mas ético.

Os leões do Coliseu do Iluminismo devoraram boa parte da ortodoxia


cristã durante os séculos XVIII e XIX.

4.4 O Fundamentalismo

Movimento que nasceu como uma reação ao crescimento da teologia


liberal, “O Movimento Fundamentalista” ou “Neo Confessionalismo” procurou dar
respostas bíblicas aos postulados do racionalismo iluminista.

A “onda liberal” atacava a fé “por dentro” da igreja, visto que muitos


mestres dos maiores seminários da Europa Ocidental e da América do Norte
aderiram à filosofia iluminista como princípio hermenêutico. Por fora, via
descobertas científicas e teorias iluministas continuaram a colocar em xeque os
valores e princípios da milenar ortodoxia cristã.

Já era uma luta herculana defender-se dos efeitos do liberalismo, agora,


piorando a situação dos novos tempos e novos questionamentos, os teólogos
conservados também tinham que fazer a apologia da fé em meio a um século de
grandes formulações teóricas que, aparentemente, implicavam também num
ataque à fé e à Bíblia.

Entre eles, destacamos: a) Karl Marx (1818 a 1883 d.C.) – as teorias


marxistas concederam ao pensamento Ocidental uma nova forma de observar a
história e de interpretar os fatos, bem como a “religião é o ópio do povo”; b)
Charles Darwin (1809 a 1882 d.C.) – propondo novos métodos para a
interpretação da biologia e sua tese do homem ser fruto de um processo
evolutivo, não obra do Criador; c) Sigmund Freud (1856 a 1939 d.C.) – criador
da psicanálise, teoria que interpretava todo o fenômeno religioso como neurótico,
portanto, prejudicial ao psiquismo humano. Filosofia, Biologia e Psicologia
aumentaram a temperatura do debate e da discussão entre liberalismo e
49
conservadorismo ficou bastante quente.

O uso do termo “Fundamentalismo” no presente texto é restrito apenas a


um grupo de cristãos ortodoxos, de várias matizes – como luteranos,
presbiterianos, batistas, metodistas, anglicanos e até mesmo católicos – que se
uniram em torno da tarefa de fazer uma reação frente aos liberais e aos
iluministas.

Seguimos aqui a mesma linha de (OSIEL, 2013, p.158):

O termo fundamentalismo retratado aqui refere-se ao movimento


que procura fundamentar ou manter os fundamentos das doutrinas
cristãs. Apesar de haver outros tipos de fundamentalismos, como
na política e na economia, entendemos que o termo
fundamentalismo está relacionado à busca dos fundamentos da fé.

Usando como base as obras de Francis Turretin (1623 a 1687 d.C.), um


iminente calvinista professor de teologia em Genebra e polemista de renome no
século XVII, o Seminário de Princeton, fundado em 1812, no estado de Nova
Jersey, encabeçou a reação neoconfessionalista nos Estados Unidos, através de
seu professor de Teologia Sistemática, Charles Hodge (1797 a 1878), um
renomado pastor presbiteriano.

Imagem interna do Seminário de Princeton nos dias atuais – estudarfora.org.br – 23/03/20

Através da publicação de periódicos, artigos intitulados de “O


Fundamental”, traziam um profundo debate sobre a teologia contemporânea,

50
sempre seguindo a seguinte linha mestra: a) as Escrituras Sagradas são
inspiradas, infalíveis e inerrantes, portanto nela não há erros; o erro pode estar
no interprete ou no conceito científico, nunca na Bíblia; b) o nascimento virginal
e a ressurreição são literais, um milagre; aceitar que esses conceitos sejam mitos
arruínam todo o edifício; c) os milagres são suprarracionais e não irracionais,
portanto a razão humana não pode abranger, sozinha, toda a compreensão
sobre a vida.

Embora uns poucos adeptos do neoconfessionalismo tenham tido um


discurso quase anticientífico, em alguns momentos negando a ciência, a maior
parte do movimento e dos escritos fundamentais são coerentes com a herança
da Reforma, entendendo que Deus está na verdade, seja ela filosófica, científica
ou racional. “Toda a verdade é verdade de Deus”.

Aceitando paradoxos temporais, propunham uma harmonização entre fé


e Bíblia, mas sem abrir de sua inspiração e autoridade final. Procuravam
combater, a meu ver, mais a “ditadura do pensamento iluminista”, que enfatizava
que a razão é a única luz, do que a boa ciência propriamente dita, inclusive
usando a própria ciência para dialogar com as verdades bíblicas, especialmente
no campo da física, história e arqueologia.

Assim os leões foram domados e a ortodoxia deu um basta nos sacrifícios


feitos ao Iluminismo.

4.5 A Neo-ortodoxia

O movimento chamado de Neo-ortodoxia nasceu no século XX entre os


centros teológicos da Suíça e da Alemanha e teve como característica principal
ser uma reação ao esgotamento do pensamento iluminista trazido pelo
liberalismo às igrejas da Europa Central.

O racionalismo e a filosofia, misturados e instalados nas entranhas dos


teólogos liberais, mostraram-se, na prática, insuficientes para alimentar a fé
milenar dos cristãos da comunidade europeia. Com o passar de duas ou três
gerações, a aridez espiritual e a necessidade de fazer frente aos desafios
pastorais do século XX, bem como o mudar o apelo ético, voltando-se
51
novamente para o apelo espiritual, levaram alguns jovens teólogos à uma busca
por melhores respostas do que o espírito antropocêntrico da teologia liberal.

Nesse ímpeto, encontraram a Fé Reformada – constituinte da formação


do caráter espiritual e social da fé dos países da Europa Central – especialmente
nas confissões de caráter calvinista, uma resposta aos seus anseios de mudança
e um novo começo ministerial. Dentre esses encontramos Emil Brunner (1889 a
1966 d.C.), Karl Barth (1886 a 1968 d.C.). Deste trataremos mais
detalhadamente por acreditar que seu pensamento resume de maneira muito
abrangente a teologia neo-confessional do século XX.

4.6 Karl Barth

“Teólogos são pessoas que leem a Bíblia e osjornais.” (Karl Barth)

Karl Barth, um teólogo destacado – wordpress.com – 23/03/20

52
Filho de um pastor protestante de teologia conservadora, ainda jovem,
Barth foi ordenado pastor no ano de 1908, em sua terra natal, a Suíça,
pastoreando uma igreja de língua alemã.

Sua mente genial e dedicação ao ensino levaram-no a ser professor na


Universidade de Bonn, Alemanha, de onde teve que sair às pressas a fim de não
ser preso pelo Nazismo de Adolf Hitler (1889 a 1945 d.C), contra o qual fez
ferrenha oposição.

É importante lembrar que, neste momento, a teologia contemporânea


estava polarizada entre liberais e fundamentalistas. Claramente Barth rejeitou o
liberalismo, mas também, ao que tudo indica, tinha desconforto com os
fundamentalistas, que, além da impressão de possuírem um espírito anti-
cientificista, também dedicavam muito tempo ao discurso anti-evolucionista e anti-
marxista. “Barth não era favorável a teologia liberal, bem como ao
fundamentalismo extremado... Para os fundamentalistas ele era um liberal; para
os liberais ele era um fundamentalista.” (OSIEL, p.164).

Dois elementos essenciais destacam-se na teologia barthiana:

A. Visão crítica do fenômeno religioso

O espírito arguto do jovem Barth sofreu duas grandes decepções, as quais


formataram sua concepção crítica da religiosidade europeia. Primeiramente com
sua formação teológica liberal oferecida no seminário. O “canto da sereia” do
liberalismo ainda era ouvido e seduzia muitos jovens pastores de sua época.
Todavia, quando Barth tem que pastorear seu rebanho e lidar com a liderança
espiritual de várias pessoas, convenceu-se de que estava despreparado:

Ele percebeu que a educação teológica liberal que havia recebido


tinha pouca relação com a prática eclesiástica. Ao pregar suas
mensagens concluiu que o povo almejava ouvir o anúncio da
Palavra de Deus e não apenas conteúdos históricos (OSIEL, 2013,
p. 164).

Em segundo lugar, sua decepção com o espírito humano durante a


Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Para ser um liberal convicto é preciso
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acreditar profundamente no ser humano e na sua capacidade de usar a razão.
Foi este o golpe final no apreço de Barth à teologia liberal. Como um continente
“cristianizado” conseguira produzir tantas mortes? Como “crer na razão” se a
sociedade é capaz de produzir guerras e milhões de mortes de maneira tão
irracional?

Trincheira na Primeira Guerra – 20 milhões de mortos – sohistoria.com.br – 23/03/20

Gonzáles (2015, p. 427) descreve assim esse momento de


decepção:

Enquanto se preocupava com os direitos de seu rebanho


camponês e trabalhador, o mundo à sua volta estava mergulhando
num desastre. A PrimeiraGuerra Mundial sobreveio-lhe como um
desapontamento. Seus antigos mestres, e seus próprios
contemporâneos, a quem ele chegara a admirar, foram
arrebatados pelo espírito militarista. O mesmo foi verdade da parte
de seus amigos de partido. Além disso, à medida que as notícias
das atrocidades das guerras lhe chegavam, ele achava difícil
relacionar a teologia que estivera ensinado com as cruéis
realidades de seus dias.

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O resultado inevitável foi a decepção de Barth com a religião, mas não
com Deus: “Certamente é fato que Barth, em suas primeiras obras, adota uma
atitude extremamente negativa em relação à religião, por ele entendida como
uma invenção humana.” (MCGRATH, 2013, p. 610).

Esse conflito só foi resolvido após alguns anos de amadurecimento do


teólogo suíço. A religião humana sempre existirá, porém a limitação do ser
humano será superada e transcendida pela graça de Deus.

B. As Escrituras Sagradas

“Lâmpada para os meus pés é a tua palavra...”(Salmo 119.105)

Já descontente com a teologia liberal, que tratava a Escritura Sagrada


dentro dos limites da razão, e muito angustiado frente ao contexto de carnificina
da guerra, o teólogo suíço volta-se à leitura das Escrituras de maneira intensa.

Seu profundo apreço por Martinho Lutero, levou-o a meditar mais


dedicadamente no Livro de Romanos. A doutrina da justificação pela fé
“imputada” ao ser humano, significava que precisamos da ação de Deus, sendo
impossível chegar à fé pela via da razão somente. Neste momento Barth
compreende que a revelação das coisas de Deus não pode ser apreendida nem
pela razão e nem pela filosofia. Só Deus pode transpor o abismo que existe ente
o homem e Ele!

Para Barth, a filosofia iluminista não é capaz de alcançar a “lógica” da fé,


portanto fé e razão não precisam ser harmonizadas, mas sim limitarem-se a seus
campos específicos. Para conhecer a Deus precisamos de Sua Palavra, que é o
Logos,Cristo. Não somos nós que entendemos Deus na Escritura, mas Deus que
nos alcança na experiência pessoal com Cristo, a Palavra encarnada. É muito
bom encerrar este estudo com Barth, que nos aponta para aquiloque é o começo
de tudo para a Teologia: Cristo!

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REFERÊNCIAS
ALMEIDA, J.F. Bíblia ARA, Sociedade Bíblica do Brasil: São Paulo,
1994.

BRAY, Gerald. História da Teologia Cristã, Shedd Publicações: São


Paulo, 2003.

CARVALHO, Osiel. Teologia Histórica, IBAD: Pindamonhangaba, 2003.

GONZÁLES, J.L. Uma História do Pensamento Cristão (Vol. 1 a 3),


Editora Cultura Cristã: São Paulo, 2014.

NICHOLS, R. H. História da Igreja Cristã, Editora Cultura Cristã: São


Paulo, 2004.

MCGRATH, A. E. Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica, Shedd


Publicações: São Paulo, 2013.

SUANA, M. História da Igreja: A trajetória do cristianismo desde sua


fundação até nos nossos dias, IBAD: Pindamonhangaba, 2019.

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