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Introdução

Histórico-Literária
ao Novo Testamento
Guia de Estudos

Facilitador: Ricardo de Oliveira Souza

1a Edição
A2 Editorial – São Paulo – 2016
PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA GERAL DA IPIB:
Áureo Rodrigues de Oliveira

PRESIDENTE DA FECP:
Heitor Pires Barbosa Júnior

MINISTRO DE EDUCAÇÃO DA IPIB:


Agnaldo Pereira Gomes

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO TEOLÓGICA:


Clayton Leal da Silva

DIRETOR DA EAD-FECP:
Reginaldo von Zuben

AUTOR:
Ricardo de Oliveira Souza

CAPA E PROJETO GRÁFICO:


Camyla Barreto e Daniel Vega

DIAGRAMAÇÃO:
Daniel Vega

REVISÃO:
Dorothy Maia e Gerson Correia de Lacerda

EDIÇÃO:
Reginaldo von Zuben e César Marques Lopes

CRÉDITO DOS MAPAS NAS PÁGINAS 12, 50, 51 E 104:


André Lima

Reservados todos os direitos desta edição.


É proibida a reprodução total ou parcial dos textos
e do projeto gráfico desta obra sem autorização
expressa de autores, organizadores e editores.
APRESENTAÇÃO

Estamos iniciando nova etapa na vida da nossa igreja em termos


de educação teológica. Não se trata apenas de incorporar uma nova
ferramenta que está em evidência nas instituições educacionais, mas
sobretudo de cumprir de modo mais efetivo o mandado da grande
comissão dada por Jesus à igreja: “Ide, fazei discípulos, batizando, en-
sinando...”. A igreja, portanto, tem essa tarefa de ensinar e cuidar da
formação dos seus membros, capacitando-os para a missão.
Como igreja de tradição reformada, trazemos também esta he-
rança da ênfase e do cuidado no ensino, não apenas da sua lide-
rança, mas de seus membros como um todo. Entendemos que a
fé cristã, baseada na revelação que nos foi dada em Cristo e teste-
munhada nas Escrituras, não prescinde do esforço da inteligibilida-
de. Como bem sinalizou Anselmo de Cantuária, um grande teólo-
go medieval, “creio para entender” (credo ut intelligam); por outro
lado, a fé requer o entendimento (fides quaerens intellectum)!
Democratizar a possibilidade de uma formação teológica a
irmãos e irmãs que não têm a oportunidade de frequentar pre-
sencialmente uma faculdade representa, sem dúvida, grande
avanço e empenho na tarefa de cumprir a grande comissão, sen-
do fiel à nossa tradição reformada. 
No anseio de que nossa igreja seja abençoada, mas também
meio de bênção, nossos votos de uma jornada proveitosa!

Rev. Áureo R. Oliveira


Presidente da Assembleia Geral da IPIB
FUNDAÇÃO EDUARDO CARLOS PEREIRA

É muito interessante o texto bíblico em que o apóstolo Pau-


lo, mesmo preso em Roma, pede para que Timóteo traga a sua
capa e os livros, principalmente pergaminhos, a fim de estudar
(2Timóteo 4.13). Até no final da sua vida e ministério, o apóstolo
dos gentios não deixa de se dedicar aos estudos e de se preparar
para conhecer e ensinar com zelo e presteza a Palavra do Senhor.
O Curso Livre de Teologia da Fundação Eduardo Carlos Pereira
(FECP) surge para abençoar muitos irmãos e irmãs com interesse
em, por meio do estudo da teologia, servir a Deus com mais zelo,
segurança e presteza. Nosso desejo é que, de fato, este Curso seja
meio pelo qual a ação poderosa de Deus se manifeste na vida de
todos os estudantes, irmãos e irmãs em Cristo. Com isto, a FECP
atende aos anseios da IPI do Brasil em garantir acesso ao curso de
Teologia não só aos candidatos e candidatas ao sagrado ministério,
mas também a oficiais, liderança, membros e outros interessados,
tanto da IPI do Brasil como de outras denominações cristãs.
Como cristãos, cremos que o Espírito Santo desperta, cha-
ma e capacita pessoas para atuarem nos diversos ministérios
da Igreja. Isto ocorre por causa da necessidade de edificação e
orientação do povo de Deus no mundo, bem como para o cum-
primento da missão de Deus em meio aos desafios do nosso
contexto. Deus faz a parte dele e nós temos a nossa. Temos res-
ponsabilidades no que se refere à busca de excelência na vida
cristã, ao cumprimento da vontade de Deus em nossa vida e à
vitalidade da igreja no testemunho da graça e do amor divinos.
Diante destas responsabilidades, é fundamental o estudo da
Palavra de Deus, da história da igreja, da teologia cristã e das
ferramentas para o exercício pastoral e atuação como líderes
cristãos, tudo visando à boa preparação para desempenharmos
a privilegiada condição de servos e servas, sem deixarmos de ser
amigos e amigas do Senhor Jesus.
A exemplo do apóstolo dos gentios, sejamos dedicados nos
estudos e ricamente abençoados nesta caminhada de aprendi-
zagem e crescimento.

Deus abençoe a todos nós.


SUMÁRIO

MÓDULO 1: O período do segundo templo


1. Panorama geral do período do Segundo Templo................... 10
2. Período Helenístico...................................................................... 11
3. Do período Asmoneu à conquista de Pompeu......................... 14
4. Período Romano........................................................................... 16
5. A formação do cânon do Novo Testamento............................ 18

MÓDULO 2: Os Evangelhos e atos dos apóstolos


1. Origem e significado de “Evangelho”........................................ 27
2. Evengelhos Sinóticos................................................................... 29
3. Dados importantes sobre cada Evangelho Sinótico................ 34
4. O Evangelho de João e a Literatura Joanina.............................. 42

MÓDULO 3: A Obra Paulina e o Cristianismo Mediterrâneo


1. Região e características do mundo mediterrâneo................... 49
2. Gênero Epistolar: as Cartas Paulinas......................................... 53
3. Introdução literária às Cartas Paulinas..................................... 56

MÓDULO 4: Tradição Paulina e Cartas Universais


1. As Cartas Deuteropaulinas.......................................................... 74
2. As Cartas Universais.................................................................... 83

MÓDULO 5: Literatura apocalíptica e o Apocalipse de João


1. Literatura apocalíptica................................................................. 74
2. Apocalipse de João e Jesus Cristo............................................. 83

Conclusão................................................................................. 108
Bibliografia.............................................................................. 109
MÓDULO 1
Tema: O período do segundo templo
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Caro estudante,
Seja bem-vindo aos estudos referentes à “Introdução his-
tórico-literária do Novo Testamento”. Você gosta de história?
Alguma vez já pensou ou teve curiosidade em saber quais os
principais acontecimentos históricos que precederam a vinda
de Jesus a este mundo? Ou então em saber por que o Novo
Testamento foi escrito na língua grega? Estas e outras questões
serão respondidas neste módulo.
Iniciaremos esta disciplina dando destaque para um período
histórico que culmina com o mundo, a realidade e a teologia
do Novo Testamento. Por que é necessário estudar um perío-
do histórico que atribuíamos aos tempos do Antigo Testamento
para compreender o mundo do Novo Testamento?
O Novo Testamento não é fruto de situações históricas e so-
ciais isoladas, ao contrário, ele é fruto de diversas confluências
históricas, religiosas e sociais. Pensamentos, ideias, teologias e
diversos acontecimentos são muitas vezes reflexos de anos de
experiência histórica. Por isso a nossa disciplina tem por obje-
tivo: 1) introduzir você no “mundo” em que os textos do Novo
Testamento foram produzidos; 2) tratar da literatura e de as-
pectos teológicos relevantes dos textos que compõem o Novo
Testamento; 3) conhecer alguns dos critérios que foram funda-
mentais para a definição do Cânon neotestamentário.
A teologia sempre afirmou que Jesus era totalmente divino
e totalmente humano, portanto, não podemos excluir de nosso
horizonte tanto o impacto espiritual do Filho de Deus no mun-
do, quanto o impacto histórico da presença do homem Jesus e
os reflexos do seu tempo.
Vamos retroceder para avançar! Vamos mergulhar no mun-
do do Novo Testamento!
Desejo-lhe bons estudos!

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JJ 1. PANORAMA GERAL DO PERÍODO DO SEGUNDO TEMPLO

Comecemos entendendo o período do Segundo Templo.


Esse período histórico refere-se aos anos 539 a.C. a 70 d.C., ou
seja, começa com a volta dos exilados da Babilônia para a Ju-
deia, quando houve a reconstrução do templo de Jerusalém no
período do domínio persa, e termina com a destruição do mes-
mo templo no período do domínio romano. Dividimos esses
mais de 600 anos a partir dos períodos de domínio estrangeiro
na região da Palestina judaica da seguinte forma:

Período pérsico (539 a.C. - 332 a.C.): em que a Judeia faz


parte do império pérsico;
Período helenístico (332 a.C. - 67 a.C.): em que o leste do
mediterrâneo (incluindo a Judeia) é dominado pelos grupos de
cultura e língua gregas;
Período romano (67 a.C. - 70 d.C.): em que o domínio dos
gregos é substituído pelo romano.

CARACTERÍSTICAS DO PERÍODO DO SEGUNDO TEMPLO

A primeira característica comum a todo esse período é que sem-


pre há um império mundial. O templo de Jerusalém (reconstruído
no período Esdras-Neemias) é a instituição máxima do povo judai-
co e a sede de toda a administração judaica dentro dos impérios.
Em todos os períodos citados não há rei em Israel (exceção ao cha-
mado “Período dos Asmoneus”) nem rabino. O líder titular do povo
de Israel neste período é sempre o Sumo-Sacerdote.
Outra característica bastante comum é a forma de domí-
nio. Ela não é baseada na exploração da força de trabalho
escravo, mas na tributação da terra, dos produtos e das
próprias pessoas. As arrecadações em geral eram centrali-

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Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

zadas no templo, o que fez com que ele se tornasse fonte de


disputas entre as elites sacerdotais.
Nesse período, desaparece o profetismo explícito, aquele em
que um profeta é levantado para proclamar o juízo e a misericór-
dia de Deus. Também é dentro desse período que a Torá escrita é
“fechada”. Este fato é importante porque a interpretação e o cum-
primento da Torá foram fundamentais para a sobrevivência da re-
ligião e de todo o povo, bem como tornou-se alvo de intensas dis-
putas interpretativas entre grupos religiosos dentro do judaísmo.
As línguas imperiais, como o aramaico e o grego, se impõem,
às vezes, sem muita repercussão cultural. Muitas vezes, a cultu-
ra do povo subjugado era usada como instrumento de domina-
ção, mesmo na ausência de grandes diferenças culturais.

JJ 2. PERÍODO HELENÍSTICO

Considerando nossa intenção neste módulo, é importante a


ênfase no período helenístico. Este período começa com a con-
quista de Alexandre Magno em 332 a.C. e termina com a inter-
venção do general romano Pompeu em 67 a.C.
Alexandre Magno da Macedônia (norte da Grécia) conse-
guiu derrubar o Império Pérsico em 332 a.C. No entanto, seu
intento primordial não era necessariamente inaugurar um
novo império e sim conquistar territórios, por isso Alexandre
acabou morrendo em 323 a.C., quando tentava conquistar a
Índia. Os generais do seu exército (sucessores) passaram a
guerrear entre si para obter o domínio dos territórios con-
quistados, o que resultou numa divisão do império em partes
menores, todas elas de cultura helênica. Temos assim, espe-
cialmente para a região da Palestina, os domínios alternados
entre os reis gregos da dinastia dos Ptolomeus e os Selêuci-
das. Sobre eles:

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Período ptolemáico (301 - 200 a.C.): é o tempo em que a Ju-


deia fez parte do império dos reis chamados Ptolomeus, sendo
a cidade de Alexandria, no Egito, a capital.
Período selêucida (200 - 67 a.C.): é o tempo em que a Judeia
– quer subjugada, quer autônoma – pertenceu ao âmbito do
Império Helenista da Síria, cujos reis tinham o nome de Selêuco
ou de Antíoco.

O mundo dos impérios gregos sempre sofreu por sua fragmen-


tação, razão pela qual a Judeia alcançou a independência em 141
a.C. com a revolta dos macabeus. Esse mundo dividido sofreu pres-
sões de outros poderes ascendentes, como os romanos e os partas.

Abaixo, mapa da divisão dos reinos dentro Império Helenístico.

IMPORTANTE CONSIDERAR:
Nesse período houve uma grande diáspora,
o que gerou comunidades judaicas em quase

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Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

todas as cidades gregas, uma delas destacou-se


na cidade de Alexandria, no Egito.

CARACTERÍSTICAS POLÍTICAS DO PERÍODO HELENÍSTICO

O período helenístico foi marcado por intensas crises políti-


cas: ora a Judeia ficava sob o domínio dos ptolomeus, ora sob o
domínio dos selêucidas. No ano 200 a.C., os impérios helenistas
mostraram-se enfraquecidos e, por isso mesmo, mais perigosos.
Um selêucida, Antíoco III, apoderou-se militarmente da Palestina,
pondo fim ao período ptolemáico na Judeia. Antíoco IV, mais co-
nhecido como Antíoco Epifânio, assumiu em 171 a.C. A essa altu-
ra, o reino selêucida estava sob forte crise econômica e era pres-
sionado pelos romanos, que já se configuravam como ameaça.
Enquanto isso, o templo de Jerusalém apresentava grande
acúmulo de riquezas, tornando-se alvo de Antíoco Epifânio.
Aproveitando seu poder de nomear o Sumo-Sacerdote de Jeru-
salém, Antíoco fez uma espécie de “leilão”: quem pagasse mais
levava o cargo. Isso gerou uma grave crise interna no sacerdócio,
que já estava dividido entre os mais piedosos (fiéis às tradições
da Torá) e os helenistas (favoráveis da incorporação religiosa à
cultura grega). A crise maior ocorreu quando um homem que
não era de família sacerdotal, chamado Menelau, foi nomeado
para o sacerdócio, revoltando as elites e parte da população por
configurar sacerdócio ilegítimo.
A crise das nomeações de sacerdotes provocou revoltas
populares. Foi assim que, para conter as revoltas, Antíoco
Epifânio invadiu o templo de Jerusalém, o saqueou e o pro-
fanou. Ele proibiu a prática da religião judaica em 168 a.C. e
erigiu no templo um altar ao deus grego Zeus Olímpico, onde
sacrificou um porco no ano 167 a.C. Ele também estabeleceu

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que os mesmos sacrifícios deveriam ocorrer no restante do


território judaico.
No pequeno povoado de Modin, o velho sacerdote chamado
Matatias recusou-se a sacrificar um porco e matou o soldado
que lhe deu a ordem. Como consequência, deflagrou-se uma
guerrilha liderada pelos filhos de Matatias, os Macabeus: João,
Simão, Judas, Eleazar e Jônatas. Os Macabeus tiveram sucesso
em sua empreitada militar e conseguiram tomar Jerusalém e o
sacerdócio do templo.
Em 164 a.C. ocorreu a purificação e a rededicação do tem-
plo após a destruição do altar de Zeus, evento comemorado até
hoje pelos judeus em todo o mundo na festa de Hanucá.

IMPORTANTE CONSIDERAR:
A Judeia tinha laços culturais antigos com o
Oriente, mas no período helenístico ela come-
çou a criar laços no Mediterrâneo (Ocidente).
A questão “grego x judeu” que aparece no
Novo Testamento precisa ser entendida à luz
dos eventos desse período.
A língua do Novo Testamento é o grego, que
evoluiu e se impôs durante essa época.
O tenso ambiente político do Novo Testa-
mento só faz sentido quando observamos a as-
censão do reino dos asmoneus.

JJ 3. DO PERÍODO ASMONEU À CONQUISTA DE POMPEU

É importante começar este item afirmando que “Asmoneus”


e “Macabeus” são uma mesma família com dois nomes. Na his-
tória, o período de reinado independente da Judeia dentro do

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Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

Período Helênico é chamado de “Período dos Asmoneus” que


compreende de 164 a.C. a 67 a.C.
Na história do povo judeu, houve de fato um período de in-
dependência não vivido desde que Nabucodonosor arrasou Je-
rusalém em 539 a.C. Começava então, com João Hircano, nova
fase de uma nação judaica sob liderança militar e sacerdotal
dos asmoneus.
João Hircano assumiu a liderança em 135 a.C. com a família dos
macabeus bastante enriquecida, e conseguiu tomar o sul da Judeia,
território ocupado desde o exílio babilônico pelo povo chamado
Idumeu. Com o sucesso da expansão do reino, a sucessão de Hir-
cano acabou sendo violenta, até que chegou ao poder Alexandre
Janeu, que reinou entre 103 a.C e 76 a.C. Ele conquistou a Galileia,
expandindo o território judeu mais ao norte. Após sua morte, sua
esposa Alexandra Salomé reinou em seu lugar . Ela faleceu no ano
67 a.C. Seu filho mais velho, Hircano II, que já era Sumo-Sacerdote,
assumiu o reino para ser derrubado logo em seguida por seu ir-
mão, Aristóbulo II, num golpe armado. Um homem ambicioso cha-
mado Antípater (Antípatro) aliou-se a Hircano II, que voltou a recla-
mar seus direitos em luta armada. O general romano Pompeu, que
estava na Armênia, foi chamado para resolver a disputa.
Aristóbulo II fez resistência militar, mas Pompeu o venceu.
Pompeu colocou no poder como governador o romano Scau-
rus. Nesse cenário, Antípatro era poderoso e influente na Ju-
deia. Assim, em 63 a.C. acabou a soberania judaica e perdeu-se
uma parte do território.
Em relação às características políticas, os asmoneus com-
portavam-se como príncipes helenistas. Os nomes de Alexandre
Janeu e Alexandra Salomé são indícios disto. Entre os judeus,
partidos e divisões internas manifestaram-se nesse período. Os
fariseus, por exemplo, apareceram como oposição significativa.
Nessa mesma época ascendeu ao poder a influente família de
Antípatro, que deu origem à família Herodiana.

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JJ 4. PERÍODO ROMANO

Trata-se do período que começa com a visita de Pompeu a


Jerusalém. Para a Judeia e as religiões judaica e cristã, esse pe-
ríodo termina com a queda do templo no ano 70 d.C., e inicia-se
quando Roma ainda era uma república. Na segunda metade do
século I, a república já estava desestabilizada em razão das con-
quistas de seus generais, que se tornaram poderosos e come-
çaram a guerrear entre si. Em 49 a.C. iniciou-se uma guerra civil
entre César e Pompeu, vencida por César em 48 a.C. Nos confli-
tos entre generais romanos, Antípatro e Hircano apoiavam Cé-
sar até sua morte, em 44 a.C. Aproveitando um curto período
de instabilidade entre os romanos, os partas (da Pérsia), inimi-
gos de Roma, tiveram sucesso militar e entraram em Jerusalém,
destituindo o governador romano Cassio. Foi nesse momento
que entrou em cena o filho de Antípatro que ficou conhecido na
história como “Herodes, o Grande”. Ele foi nomeado por Roma
como “Rei da Judeia” (rei-cliente), e tinha como condição para
assumir tal função expulsar os partas da Palestina. Herodes
mostrou competência (e muita crueldade) expulsando “ban-
didos” da Galileia e os partas de Jerusalém em 37 a.C. Desse
modo, Herodes ergueu-se no poder da Judeia e da Galileia.
Grande construtor e bajulador, Herodes, o Grande, construiu
vistosas obras públicas (incluindo grande reforma no templo,
que pode até ser considerada uma reconstrução) e ofereceu
grandes presentes ao Imperador. Após sua morte, em 4 d.C.,
os territórios foram divididos entre seus filhos Arquelau, Hero-
des Antipas e Felipe. Felipe ficou com a região mais ao leste da
Galileia, como tetrarca. Herodes Antipas assumiu como tetrarca
sobre a Galileia e a Pereia. Ele figura nos Evangelhos apenas
como “Herodes” e também é designado como “rei”. Arquelau
foi nomeado para reinar no lugar de seu pai, mas problemas
locais em razão de sua crueldade no comando do governo fize-

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Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

ram com que ficasse apenas nove anos no poder como etnarca,
até ser banido por Cesar. Assim, a região da Judeia passou a
ser dirigida diretamente por governadores romanos nomeados
como “prefeitos”, entre eles o mais destacado, segundo o Novo
Testamento, foi Pôncio Pilatos, que governou entre 26 e 36 d.C.,
período em que ocorreu a crucificação e a morte de Jesus.

IMPERADORES ROMANOS DO PERÍODO:


Otaviano (assumiu o nome de César Augusto): 31 – 14 d.C.
Tibério: 14 – 37 d.C.
Calígula (Gaius Calígula): 37 – 41 d.C.
Cláudio: 41 – 54 d.C.
Nero: 54 – 68 d.C.
Vespasiano: 69 – 79 d.C.

CARACTERÍSTICAS POLÍTICAS,
ECONÔMICAS E IDEOLÓGICAS

Para o povo judeu, o templo em Jerusalém era tido como


instituição máxima do povo judaico, não apenas com importân-
cia religiosa, mas também econômica e política. Os Sumo-Sacer-
dotes sofreram bastante nesse período por causa do controle
imperial. Eles passaram a ser nomeados pelo prefeito romano.
Com exceção de Caifás, muitos Sumo-Sacerdotes tiveram pouca
duração em seu cargo.
Entre os partidos religiosos, os saduceus (de tendência con-
servadora) predominaram, mas precisaram fazer uma coligação
com os fariseus (renovadores) para conseguirem benefícios.
Na economia, o reinado de Herodes trouxe relativa prospe-
ridade. Em sua época, Jerusalém faturava com a vinda de pere-
grinos ao templo, enquanto a Galileia era uma região agrícola

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

produtiva. Os romanos impuseram tributos ao povo e à terra,


independentemente do templo, que continuava a receber dízi-
mos como antes. Os tributos eram cobrados, e Herodes sobre-
taxava os impostos para “tirar o seu”. A pesada tributação gerou
endividamento entre os pequenos agricultores, provocando o
empobrecimento da população.
Em relação às características ideológicas, o judaísmo em for-
mação era marcado pelo pluralismo em suas expressões e parti-
dos. A interpretação da Torá produzia novas “escolas”, com novas
práticas e restrições. Por exemplo: os rabinos Hilel e Xamái eram
expoentes de duas escolas influentes. Com isto, os fariseus co-
meçaram a se sobrepor como movimento em favor da renovação
de Israel, tendo na ênfase da santificação individual seu projeto
mais relevante. O fariseu Gamaliel I era figura importante, sendo
mencionado em Atos dos Apóstolos e também no Talmude.

CURIOSIDADE:
Livro importante para os judeus, o Talmude é
uma reunião de várias impressões rabínicas sobre
a lei oral, ética, moral e costumes de diversas tra-
dições e ramos do judaísmo. O judaísmo nos tem-
pos de Jesus era o mesmo descrito no Talmude.

JJ 5. A FORMAÇÃO DO CÂNON DO NOVO TESTAMENTO

Agora que você passou pelos aspectos históricos que foram


importantes para a definição da identidade dos grupos sociais
da época de Jesus, chegou a hora de olhar para o texto do Novo
Testamento produzido sob essas influências. Nós vamos tra-
tar agora sobre o processo em que os documentos da tradição
apostólica ganharam canonicidade.

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Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

PENSE NISTO:
“Por canonicidade entendemos o processo de
seleção operado pelas tradições judaica e cristã,
dentro do seu patrimônio documental e escritural,
até a formação de um corpo fechado e consolida-
do de livros, aceitos como verdadeiros e revela-
dos” (SCHIAVO, 2006, p. 22).

O PROCESSO E OS MOTIVOS PARA FORMAÇÃO


DO CÂNON DO NOVO TESTAMENTO

Sabemos que a formação dos textos sagrados que orientam


a nossa fé são frutos da providência e do cuidado de Deus. A
definição do cânon do Novo Testamento não foi um processo
rápido, tampouco humanamente planejado. Várias situações
históricas levaram à formação do cânon do Novo Testamento,
entre elas destacamos:

– As dinâmicas históricas, especialmente no século II;


– Diversos materiais de orientação religiosa em circulação, que
foram definidos mais tarde entre canônicos e extracanônicos;
– Necessidade de definição de uma identidade de fé;
– Alguma unidade em meio às diversas visões de fé sobre o
mesmo “evento” histórico: Jesus.

A definição dos documentos que integram o Novo Testamen-


to foi um processo que durou pelo menos até o final do século IV,
mas que teve início em meados do século II, entre 140 e 150 d.C.
Dois fatores são fundamentais para entendermos o con-
texto da formação do cânon cristão: o gnosticismo e o mar-
cionismo (Marcião).

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Gnosticismo vem do grego gnósis, que quer dizer “conheci-


mento”, e tem como doutrina fundamental a ideia de que era
necessário alcançar “conhecimento especial” para a salvação
individual. Mas esse conhecimento era reservado para poucos
que conseguiam adquirir o verdadeiro entendimento.
A principal percepção do movimento gnóstico quanto ao ser
humano é a afirmação de que toda matéria é má. Segundo esse
entendimento, o ser humano é “espírito eterno” que ficou preso
no corpo físico. Daí a expressão “o corpo é o cárcere do espíri-
to”. Todo esforço do ser humano deveria ser concentrado na
luta pela libertação do corpo. Dentro dessa filosofia, era apre-
goado que tal libertação do corpo só seria possível através da
vinda de um “mensageiro do reino celestial”, o qual viria desper-
tar os espíritos do seu “sono”. Houve imediata identificação do
“mensageiro” com Jesus Cristo.
A influência do movimento gnóstico dentro das comunida-
des cristãs, especialmente no início do século II, foi fundamental
para a definição de um texto padrão.
Dentro da influência gnóstica, encontramos Marcião, um
cristão que viveu no primeiro século da Era Cristã. Ele nasceu
em Sinope, região do Ponto na Ásia Menor (atualmente na Tur-
quia). O pai de Marcião, um bispo da igreja cristã, o expulsou da
comunidade em razão de suas ideias heréticas. Duas fortes an-
tipatias estavam presentes no pensamento de Marcião: a maté-
ria (corpo físico) e o judaísmo. A união de sua doutrina gnóstica
ao ódio contra os judeus foi fundamental para a formação do
cânon do Novo Testamento. Abaixo, algumas ideias divulgadas
amplamente por Marcião e seus seguidores:

1 – Contra as Escrituras judaicas: A igreja deveria despre-


zar as Escrituras judaicas (Antigo Testamento), pois, segundo
ele, seria obra de “outro deus”. Em sua concepção, Javé seria
um “deus” inferior ao “Pai” descrito no Novo Testamento.

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Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

2 – Javé e o Pai, deuses diferentes: Segundo Marcião, Javé


teria criado a matéria (o mundo e a humanidade) contra a von-
tade do Pai, já que este desejava um “mundo espiritual”. O Pai
enviou Cristo para resgatar o plano original, livrando os espíri-
tos aprisionados na matéria.

3 – Cânon de Marcião: Ele foi o primeiro a fechar e divulgar


uma espécie de cânon particular entre os escritos conhecidos
que estavam circulando nas igrejas à época. Para Marcião, os
únicos livros considerados sagrados eram o Evangelho de Lucas
e dez cartas do apóstolo Paulo. Ele achava que Paulo foi o único
que conseguiu entender a “mensagem secreta” do Cristo. Já o
Evangelho de Lucas foi escolhido por ser o “menos judaico” en-
tre os Evangelhos correntes, mas não hesitou em tirar do texto
do Evangelho aquilo que considerava “interpolação judaica”.

Marcião chegou a criar a sua própria igreja, e teve certo su-


cesso até a reação do cristianismo. Não demorou muito para
que as ideias de Marcião incomodassem as igrejas em toda
Europa e Ásia. Elas provocaram respostas firmes dos cristãos.
A sua seleção dos textos sagrados sob os critérios gnósticos e
antijudaicos forçaram a igreja a realizar séria seleção entre os
textos cristãos que circulavam e definir uma linha e, consequen-
temente, identidade teológica para a igreja.

A DEFINIÇÃO DO CÂNON NEOTESTAMENTÁRIO

Para os cristãos, até o século II, as Sagradas Escrituras eram


apenas os livros judaicos que constituem hoje o nosso Antigo
Testamento, lidos na tradição grega (Septuaginta). Gradualmen-
te, os escritos cristãos ganharam força por serem lidos pelas
igrejas para sua própria instrução, edificação e disciplina. Em

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

cada região, as igrejas conservaram escritos diferentes: Evange-


lhos e Cartas.
Contra a ideia de Marcião, que optou apenas por Lucas, os cris-
tãos optaram pela consagração de quatro Evangelhos (Mateus,
Marcos, Lucas e João) e não apenas um. Tal decisão se deu princi-
palmente para contrariar a ideia gnóstica de que somente uma ou
poucas pessoas tiveram a “verdadeira revelação”, ou seja, a verdade
não fora revelada apenas a Lucas, mas a outros cristãos também.
Da mesma forma, foram aceitos outros textos que estavam li-
gados à tradição apostólica, visto que o critério utilizado foi de que
os escritos provenientes dos apóstolos são fidedignos, em razão de
eles terem sido testemunhas oculares do ministério de Jesus.
O processo de definição foi lento e progressivo e atravessou
ao menos dois séculos e meio. Nem todos os textos que hoje
dispomos em nosso Novo Testamento foram aceitos com facili-
dade, alguns foram alvo de grandes discussões. O século III, por
exemplo, foi marcado por discussões sobre os livros que deve-
riam ser canônicos, envolvendo grandes nomes como Orígenes,
Hipólito de Roma e Eusébio de Cesaréia. Dificuldades com Apo-
calipse, Hebreus, 2Pedro, 3João e Judas só foram diluídas entre
o final do século III e início do século IV.

CURIOSIDADE:
Veja as primeiras listas de livros canônicos no
século II:
- Marcião (144): Evangelho de Lucas e 10 cartas
paulinas (sem as cartas Pastorais);
- Taciano na Síria (170): somente os quatro
Evangelhos canônicos;
- Fragmento Muratoriano ou Cânones de
Muratori (Muratori era um bibliotecário que

22
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

achou uma lista no século XVIII em latim que


data da metade do século II): quatro Evange-
lhos, treze epístolas paulinas (sem Hebreus) e
Atos dos Apóstolos, além da Carta de Judas e 1 e
2João (sem as cartas de Pedro, Tiago nem 3João).
Também havia dois Apocalipses, o de João e o de
Pedro (aceito com reservas).

No século IV, os grandes Concílios da Igreja em Hipona (393),


Roma (382) e Cartado (397 e 418) fecharam a questão e chega-
ram à lista definitiva com os vinte e sete livros que hoje temos
à disposição.

CURIOSIDADE:
Além da definição do cânon, a Igreja apresen-
tou outras duas respostas contra o movimento
marcionita e o gnosticismo: os Credos Niceno-
Constantinopolitano e o Apostólico; o Ministério
Episcopado monárquico.

ANTES DE VIRAR A PÁGINA:


Esta primeira aula foi importante para eviden-
ciar que o mundo social, político e econômico do
Novo Testamento recebeu influências diretas do
chamado “Período do Segundo Templo”. Este é o
período que compreende o domínio dos persas,
gregos e romanos em territórios palestinos como

23
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Judá, Samaria e Galileia; territórios onde Jesus Cris-


to e seus primeiros seguidores viveram. Foi impor-
tante também para evidenciar que o surgimento
de grupos sociais como fariseus, zelotes, essênios
e diversos movimentos messiânicos não é fruto de
circunstâncias isoladas, mas da evolução histórica
certamente preparada e planejada por Deus.
Jesus veio, agiu e proclamou o Reino de Deus
em tempos de intensos conflitos, reflexos de
anos de domínio estrangeiro, e sua mensagem
só poderá se interpretada corretamente, se en-
xergamos os reflexos dela para os seus primei-
ros seguidores e para a Igreja que se originou da
pregação dos discípulos.
Também vimos como foi organizado o texto
sagrado do Novo Testamento e seu processo de
canonização. Percebemos que a cânon cristão foi
resposta a circunstâncias históricas em razão de
correntes heréticas que se infiltraram na Igreja,
como o gnosticismo e marcionismo.

24
MÓDULO 2
Tema: Os Evangelhos e Atos dos Apóstolos
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Caro estudante,
Seja bem-vindo ao segundo módulo da nossa disciplina.
Aqui, trataremos da formação literária dos textos sagrados
do Novo Testamento sob a ótica dos acontecimentos e das
influências históricas já tratadas no Módulo anterior. Após
considerarmos o ambiente histórico e social do Novo Testa-
mento, chegou a hora de falarmos dos textos que o compõe.
Nossos objetivos neste Módulo, considerando do que você
será capaz depois de estudá-lo, são: 1) Conhecer a literatura
do Novo Testamento, considerando o gênero, a formação e a
identidade social e teológica do texto sagrado; 2) Discernir o
conteúdo e a profundidade dos Evangelhos sinóticos, joanino
e Atos dos Apóstolos.
A primeira literatura que será apresentada é justamente
aquela que abre o texto cristão: os Evangelhos.

JJ 1. ORIGEM E SIGNIFICADO DE “EVANGELHO”

É importante começar afirmando que, ao contrário do que


muitos imaginam, originalmente, o termo “evangelho” não era
um gênero literário judaico, nem pertencia ao universo reli-
gioso, mas estava ligado inicialmente às crônicas palacianas
do mundo greco-romano, pois contava histórias de vitórias e
triunfos dos imperadores. “Evangelho” era a “boa notícia” que
o vencedor trazia após uma batalha que, no período romano,
significava a boa nova de que Roma havia feito a paz, impondo
derrota aos seus adversários (a chamada Pax Romana).
Dois exemplos que deram origem e significado ao gênero
literário greco-romano chamado “evangelho” – principalmente
a partir de algumas grandes obras literárias – são:

27
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Batalha de Maratona (Império Grego): É a história da lendá-


ria batalha na cidade de Maratona, em que os atenienses vence-
ram as tropas persas que estavam em maior número. Conta-se
que Fidípides correu cerca de 45 quilômetros entre Maratona
e Atenas para anunciar a boa notícia da vitória grega. Ele caiu
morto pelo esforço após dizer a seguinte frase: “Alegrai-vos, ate-
nienses, nós vencemos!”.
Crônicas da vida do Imperador (Império Romano): São histó-
rias contadas sobre os feitos dos imperadores romanos, suas vitó-
rias e grandes triunfos. A paz do império estava atrelada às vitórias
de César sobre os inimigos revoltosos, tidos como bandidos.

IMPORTANTE CONSIDERAR:
O gênero literário “evangelho” como concebi-
do nos textos cristãos é uma espécie de ENFREN-
TAMENTO CRISTÃO AO EVANGELHO DE CESAR. O
Evangelho de Marcos (primeira literatura cristã do
gênero) foi escrito provavelmente durante a Guer-
ra Judaica (66 d.C.). Durante a rebelião, o que mais
se ouvia na Galileia era que Cesar (Nero) ia trazer a
boa notícia (evangelho), anunciando a paz por meio
das armas. Marcos se opõe a essa pregação e afir-
ma que a paz verdadeira é anunciada pelo evange-
lho que vem de Jesus Cristo, o Filho de Deus, por
intermédio da autodoação, não pela violência.

Todo texto é produzido dentro de um espaço geográfico com


seu contexto histórico, social, político, econômico etc. No que se
refere aos Evangelhos, eles são frutos de uma região específi-
ca, no caso, a região siro-palestinense. Assim, o gênero literário
“Evangelho” está sujeito às características de sua própria terra.

28
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

Mas, antes é preciso localizar onde fica o “mundo siro-pales-


tinense”. Como o próprio termo diz, refere-se aos territórios da
antiga Síria e da Palestina (Judeia, Galileia, Samaria, Decápolis e
Arábia), região que tem maneiras específicas, quase milenares,
de ver o mundo e relacionar-se com ele. A grande característi-
ca do mundo siro-palestinense é o fato de que as pessoas en-
frentam seus problemas olhando para trás. Há em mente que
o passado ensina a enfrentar os problemas do presente. Os textos
do Antigo Testamento são expressão dessa lógica.
Quanto aos Evangelhos como literatura cristã (Mateus, Mar-
cos, Lucas e João), alguns chegaram a classificá-los como “biogra-
fia”, porém tal literatura no século I não trazia tantos elementos
como os Evangelhos apresentam. Um dos grandes diferenciais
dos Evangelhos cristãos em relação à biografia é a utilização de
numerosas outras formas literárias, como, por exemplo, parábo-
las, sentenças, apocalíptica, narrativas de milagres, entre outras.

IMPORTANTE CONSIDERAR:
Cada Evangelho foi elaborado com critérios
teológicos próprios, conforme intentou seu autor.
Eles foram destinados a comunidades (igrejas) es-
pecíficas, que tinham também suas necessidades e
expectativas de fé. Assim, todo material foi selecio-
nado e organizado de acordo com a visão do autor
e das expectativas dos destinatários (situação social
e problemas internos da igreja-comunidade).

JJ 2. EVANGELHOS SINÓTICOS

São chamados de “Evangelhos Sinóticos” os textos de Ma-


teus, Marcos e Lucas. Sinótico vem da palavra grega synopsis,

29
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

que significa visão de conjunto. O termo foi cunhado por um


cristão chamado J. J. Griesbach, em 1776, o primeiro estudioso
conhecido a colocar os três Evangelhos em colunas paralelas,
identificando num só olhar as enormes semelhanças entre eles.
Dispostos em colunas, também fica perceptível que os três
Evangelhos contêm uma ESTRUTURA COMUM:

Estrutura Mateus Marcos Lucas

a. Preparação do ministério 3.1 -41 1.1-13 3.1-4.13

b. Ministério na Galileia 4.12-18.35 1.14-9.50 4.14-9.50

c. Viagem a Jerusalém 19.1-20.34 10.1-56 9.51-18.43

d. Paixão e ressurreição 21-28 11-16 19-24

Algumas teorias sobre os Evangelhos Sinóticos foram for-


madas para explicar a semelhança entre eles. Algumas dessas
teorias mostram-se inconsistentes, enquanto existe uma que é
a mais aceita. Sobre este assunto, temos:

1 – Transmissão oral: Os três evangelistas (Mateus, Marcos


e Lucas) receberam a mesma informação contida nos textos,
exatamente como dispostos, através da tradição oral, ou seja,
tudo o que eles (e outros) viram e ouviram foi literalmente pas-
sado daquela forma. Essa ideia, porém, não se sustenta, visto
que a língua falada por Jesus e seus discípulos era o aramaico,
e os Evangelhos foram escritos em grego. As semelhanças li-
terárias, linguísticas e sintáticas jamais seriam tão perfeitas ao
traduzir o oral aramaico para o literário grego.

2 – Evangelho fundamental (teoria de E.G. Lessing, sec.


XVIII): Haveria um Evangelho cristão antigo escrito em ara-
maico do qual originaram-se os sinóticos. Novamente a tese

30
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

é inconsistente em razão das mesmas semelhanças literárias


descritas acima.

3 – Dependência mútua (tese de J. J. Griesbach): Segundo


essa teoria, Mateus foi o primeiro escritor, Lucas dependeu
dele para fazer seu texto, e Marcos fez uma síntese posterior
de ambos.

4 – Teoria das duas fontes (C.G. Wilke e C.H. Weisse, século


XIX): É a teoria de maior aceitação entre os pesquisadores hoje.
Ela afirma que a primeira fonte seria Marcos, que é o Evangelho
mais antigo e fonte dos outros dois que o conheceram e utilizaram
estrutura e enredo, adicionando, porém, outros materiais tradicio-
nais que estavam à disposição. A segunda fonte vem de um mate-
rial em comum entre Mateus e Lucas que está ausente em Marcos.
Sendo assim, haveria outra fonte na composição dos Evangelhos
Sinóticos, que foi denominada pelos estudiosos como “Fonte Q”.

A Fonte Q (letra inicial da palavra alemã Quelle, que traduz-se


“fonte”) é um conjunto de sentenças, metáforas, parábolas e ou-
tros ditos de Jesus, todos escritos na língua grega. Como já dito,
esta fonte teria sido usada na composição dos Evangelhos de
Mateus e Lucas. O estudioso John S. Kloppenborg, um dos mais
renomados pesquisadores da Fonte Q da atualidade, assim fun-
damenta a origem da teoria: “A presença de palavras não usuais
retiradas da tradução da LXX [Septuaginta], verbos raros e uma
sequência comum de passagens em Mateus e Lucas são razões
para defender que havia um documento escrito com determi-
nada ordem, intenção e teologia” (Kloppenborg, 1989, p. 42).
Na prática, ao analisarmos atentamente os Evangelhos de Ma-
teus e Lucas, perceberemos concordância em aproximadamente
225 versículos. Eles são tão comuns em sua estrutura gramatical e
léxica que só podem ser entendidos como oriundos de uma fonte

31
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

escrita anterior. Segue abaixo um exemplo de sentença da Fonte


Q, considerando que o texto negrito é de autoria de Mateus e Lu-
cas e o texto em itálico oriundo da fonte comum (Fonte Q).

Mateus 11.25-27 Lucas 10.20-21


25. Por aquele tempo, 21. Naquela hora, exultou
exclamou Jesus: Jesus no Espírito Santo
e exclamou:
Graças te dou, ó Pai, Senhor do
céu e da terra, porque ocultaste Graças te dou, ó Pai, Senhor do
estas coisas aos sábios e instruí- céu e da terra, porque ocultaste
dos e as revelaste aos pequeni- estas coisas aos sábios e instruí-
nos. Sim, ó Pai, porque assim foi dos e as revelaste aos pequeni-
do teu agrado. nos. Sim, ó Pai, porque assim foi
do teu agrado.
Tudo me foi entregue por meu
Pai. Ninguém conhece o Filho, Tudo me foi entregue por meu
senão o Pai; e ninguém conhe- Pai. Ninguém sabe quem é o Fi-
ce o Pai, senão o Filho e aquele lho, senão o Pai; e também nin-
a quem o Filho o quiser revelar. guém sabe quem é o Pai, senão
o Filho, e aquele a quem o Filho
o quiser revelar.

Um assunto importante quando tratamos da formação dos Evan-


gelhos Sinóticos diz respeito às fontes. De maneira geral, as tradi-
ções orais estão por trás de textos escritos, especialmente quando
tratamos de culturas em que a maioria das pessoas não era letrada.
Poucos estavam habilitados tecnicamente para escrever. Podemos
afirmar que a escrita era uma arte dominada por poucos, treinados
profissionalmente para isso. Os escribas eram alguns desses!
Assim, as tradições orais a respeito de tudo quanto Jesus fez
e ensinou estão por trás da formação dos Evangelhos. Memó-
rias dos seguidores e discípulos de Jesus foram sendo colhidas
e escritas, forçando a tradição oral a tornar-se escrita. Preste

32
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

bem atenção sobre a importância e a prática da tradição oral,


assim como do trabalho de investigação e organização do texto,
realizada pelo evangelista Lucas:

Visto que muitos houve que empreenderam uma


narração coordenada dos fatos que entre nós se
realizaram, conforme os que nos transmitiram
os que desde o princípio foram deles testemu-
nhas oculares e ministros da palavra, igualmente
a mim me pareceu bem, depois de acurada in-
vestigação de tudo desde sua origem, dar-te por
escrito, excelentíssimo Teófilo, uma exposição
em ordem, para que tenhas plena certeza das
verdades que fostes instruídos (Lucas 1.1-4).

A “teoria das duas fontes” para a formação dos Evangelhos


mostra a possibilidade de que Marcos e a Fonte Q sejam frutos
do conjunto de memórias orais ou até de pequenos textos escri-
tos. Já Mateus e Lucas teriam utilizado o texto de Marcos e os da
Fonte Q, além de materiais próprios, muito provavelmente da tra-
dição oral, para os textos que são exclusivos de cada evangelista.
Abaixo há um diagrama que mostra como teria sido a forma-
ção dos Evangelhos Sinóticos:

Tradições orais

Tradições escritas

Q Mc

Mt Lc

33
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ 3. DADOS IMPORTANTES SOBRE


CADA EVANGELHO SINÓTICO

Vamos tratar agora a respeito do texto dos Evangelhos, sua


formação e interesses principais. Destacaremos daqui em dian-
te breves considerações sobre autoria, local de composição, da-
tação, redação e divisão literária de cada Evangelho. Começare-
mos pelo Evangelho de Marcos, certamente o primeiro escrito.

EVANGELHO DE MARCOS

Quanto à autoria, nenhum dos Evangelhos traz em seu corpo


quem foi o seu autor. O que discutiremos aqui são as análises
de critérios externos e internos para chegarmos às respectivas
conclusões. De maneira geral, a Igreja definiu as autorias basea-
das primordialmente em critérios externos, ou seja, em razão
do testemunho, principalmente dos Pais da Igreja.
A tradição da Igreja atribui a autoria do Evangelho de Mar-
cos a João Marcos, um cristão da segunda geração. Ele seria o
primo de Barnabé (Cl 4.10), pertencente ao grupo de colabora-
dores de Paulo (Fl 24) e teria estado com Pedro em Roma (1Pe
5.13). A tradição baseia-se no testemunho de Papias (século II),
que afirma que João Marcos teria ouvido todo o testemunho
do apóstolo Pedro e escrito concisamente. Mas não há nenhum
critério interno que possa atribuir a autoria a João Marcos. Não
há consenso entre os estudiosos de quem seria realmente o
autor do Evangelho.
Quanto ao local de composição, há várias teorias. Muitos es-
tudiosos já concordaram com Roma, reforçando a tradição ligada
a Pedro (teria sido o primeiro bispo de Roma, segundo a tradi-
ção). Alguns estudiosos chegaram a sugerir o local como sendo a
região Siro-Fenícia. Há uma referência recente nos estudos sobre

34
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

Marcos que dão a ele a composição na própria Galileia. Existem


pressupostos internos de cultura tipicamente galileia no Evange-
lho. Talvez o Evangelho de Marcos seja fruto de uma tradição ao
sudeste da Galileia, nas regiões limítrofes, em volta do lago de
Genesaré, especialmente na divisa com a região de Decápolis.
Sobre a datação, há consenso entre a maioria dos estudiosos
de que a data não ultrapassa o ano 70 d.C., ficando entre os anos
64 e 69, no período de Nero e de sua perseguição. É certo que o
autor desconhecia a destruição de Jerusalém no ano 70.
No que se refere à redação do Evangelho, a presença de
muito material narrativo curto e alguns maiores parece fazer
uma costura despropositada do livro. Porém, o material tem
sentido e enredo. O texto foi construído rapidamente em meio
à Guerra Judaica, momento em que a vida dependia, muitas
vezes, da rapidez. As narrativas são compostas de milagres,
controvérsias e narrativas mais elaboradas. As narrações de
milagres se sobrepõem em todo o Evangelho, são por volta de
vinte e dizem respeito à natureza de Jesus como Cristo, Filho
de Deus. Aliás, o prólogo já evidencia a intenção teológica da
produção do Evangelho: “Princípio do Evangelho de Jesus Cris-
to, Filho de Deus” (Mc 1.1).

CURIOSIDADE: A GUERRA JUDAICA


No ano 66 d.C. uma grande rebelião antirro-
mana eclodiu na Palestina, provocando a queda
do templo de Jerusalém no ano 70 e da fortale-
za de Massada em 73 ou 74. Grupos exaltados,
como os Sicários e os Zelotas, com o apoio das
elites de Jerusalém, foram responsáveis pela re-
belião. Os Zelotas ocuparam o templo, incen-
diaram alguns palácios e tomaram a fortaleza

35
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

chamada Antônia. O general romano Vespasia-


no chegou com suas legiões na região em 67
e até 69 conseguiu controlar violentamente a
rebelião em boa parte da Palestina. Acontece
que Vespasiano teve que voltar às pressas para
Roma para assumir como Imperador. Em seu
lugar deixou Tito. Este sitiou Jerusalém e, após
o enfraquecimento dos judeus (que, desespe-
rados, já brigavam entre si), invadiu a cidade,
destruiu o templo e levou objetos e pessoas
para serem exibidos triunfalmente em Roma.
Entre 73 ou 74, os romanos tomaram fortale-
zas da Palestina que ainda estavam nas mãos
de judeus, sendo Massada a principal delas. Os
defensores de Massada, na véspera da queda
da fortaleza, cometeram suicídio.

Quanto à divisão literária do Evangelho de Marcos, temos:

– Ministério de Jesus na Galileia (Mc 1.14 a 5.43): Cafarnaum


e circunvizinhanças, curas, conflitos com escribas. A região do
Lago de Genesaré é importante! (Mc 3.7-12);
– Idas e vindas na região da Galileia (Mc 6.1 a 9.50): Re-
jeição em Nazaré, chamado dos discípulos, transfiguração,
anúncios da Paixão;
– Subida para Jerusalém (Mc 10.1-52);
– Paixão de Cristo (Mc 14.1 a 16.8): O Evangelho teria termi-
nado aqui falando sobre a Galileia e com o anúncio do anjo;
– Relatos da ressurreição (Mc 16.9-20): Não constam nos me-
lhores e mais antigos manuscritos. Pode ser uma redação pos-
terior a partir de João e Lucas já escritos.

36
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

EVANGELHO DE MATEUS

Considerado pela tradição como o primeiro evangelho, o Evan-


gelho de Mateus seria na verdade fruto de documentos anteriores.
A tradição da Igreja atribui a autoria do primeiro Evange-
lho ao apóstolo Mateus. Também baseia-se no testemunho de
Papias (século II), que afirma a existência de um evangelho em
língua hebraica escrita por Mateus. Mas não há evidências inter-
nas que possam atribuir a autoria ao apóstolo Mateus.
A crítica literária provou que o texto que temos hoje não
pode ser oriundo de nenhuma língua semítica (como o hebrai-
co) e que depende, em parte, do Evangelho de Marcos, ou seja,
a língua original do escrito é o grego. Não há como saber defini-
tivamente quem é o autor do Evangelho de Mateus.
Alguns estudiosos entendem que Alexandria é o local de
composição, por causa do relato da fuga da família de Jesus
para o Egito (único Evangelho a relatar isso). Outros entendem
Antioquia ou algum lugar da Síria. Por ser escrito em grego, mas
profundamente ligado às tradições legais judaicas, a Palestina
foi sondada como local de composição. A partir disso, novas
pesquisas apontam a Galileia como local de composição do
Evangelho e da comunidade de Mateus.
Quanto à datação, por ser um texto bem mais elaborado e
preocupado em usar os ensinamentos de Jesus para uma organi-
zação comunitária, é possível que o Evangelho tenha sido escrito
num período de maior sistematização da vida da Igreja. Aliado a
isso, possíveis referências à destruição de Jerusalém (Mt 22.7) indi-
cam uma data posterior ao ano 70 d.C. É provável que seja 85 d.C.
Algumas curiosidades de redação e temas do Evangelho de
Mateus são:

1 – Todas as citações de textos do Antigo Testamento são da


Septuaginta, não do Hebraico;

37
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

2 – A Galileia representa também um local teológico relevan-


te (importante não é Jerusalém, mas a Galileia!);

3 – Muita discussão sobre a Lei e Moisés com diversos emba-


tes com fariseus talvez evidenciasse discórdias dentro da pró-
pria comunidade cristã contra os judeus ou os judaizantes.

EVANGELHO DE LUCAS E ATOS DOS APÓSTOLOS

O terceiro evangelho é fruto de uma obra ainda maior e am-


biciosa, pois seu texto e sua teologia estão associados ao livro
de Atos dos Apóstolos. O Evangelho de Lucas tem o grego de
maior qualidade entre os Sinóticos.
O registro da autoria atribuída a Lucas pelo terceiro Evan-
gelho vem primeiramente com Marcião (século II). Ele afir-
mou que Lucas, o médico amado, era o autor. O Canôn de
Muratori corrobora essa afirmativa. Este Lucas seria aquele
companheiro de Paulo e que é tido como o “médico amado”
(Cl 4.14; Fm 24; 2Tm 4.11).
A ideia de ter sido um médico a escrever o Evangelho de Lu-
cas surgiu por causa do uso de uma linguagem do vocabulário
médico, ao estilo dos médicos gregos. Porém, falta solidez me-
todológica da tese do “médico”, pois quase todas as expressões
médicas encontradas no Evangelho de Lucas encontram-se tam-
bém na Septuaginta, bem como em Josefo, Plutarco e Luciano,
alguns deles contemporâneos de Lucas e que não eram médicos.
Não há evidências internas que possam atribuir a autoria
do terceiro Evangelho a Lucas. O certo é que o autor do Evan-
gelho de Lucas é de tradição gentílica e escreve em grego de
estilo muito elevado.
Nunca houve consenso sobre o local de composição do
Evangelho de Lucas. Alguns já afirmaram Cesareia, Acaia, Decá-

38
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

polis e Ásia Menor, até mesmo Roma. Pesquisas recentes apon-


tam Antioquia, região limítrofe entre Síria e Macedônia, como
local mais provável de sua composição.
Quanto à redação, há clara divisão no livro, como segue:

– Prólogo (Lc 1.1-4)


– História do nascimento de Jesus (narrativa da infân-
cia) e preparação para o seu ministério (Lc 1.5 a 4.13)
– Atividade de Jesus na Galileia (Lc 4.14 a 9.50)
– Viagem de Jesus para Jerusalém (Lc 9.51 a 19.27)
– Jesus em Jerusalém e a história da Paixão (Lc 19.28
a 24.53)

O Evangelho de Lucas tem como propósito mostrar o triunfo


de Jesus Cristo sobre a morte como vitória sobre os poderes do
mal (romanos). Jesus está sempre em movimento, caminhando,
pregando o Reino de Deus e curando as pessoas. Tal situação
força a Igreja a lembrar de sua própria missão.
Considerando a relação entre o Evangelho de Lucas e o
livro Atos dos Apóstolos, vemos que as obras não estão liga-
das apenas por serem do mesmo autor, mas por seu projeto
básico com intenção e mensagem definidas. É possível que,
originalmente, as obras formassem uma única, que foi poste-
riormente desmembrada.
Qual era a intenção do autor ao compor a duas obras? A
resposta tradicional seria que o Evangelho e Atos dos Apósto-
los formariam um bloco de documentos históricos (o Evange-
lho trata da biografia e da história de Jesus, enquanto Atos dos
Apóstolos trata da história da Igreja).
Muitos tentaram enquadrar Atos dos Apóstolos no gênero
“história”, mas sem sucesso. O livro carece de informações me-

39
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

ticulosas e características redacionais de outras obras gregas de


sua época consideradas históricas.
É bem possível que a obra de Lucas seja propositalmente
uma espécie de “epopeia”. Essa é a tese do estudioso Helmut
Koester. Em sua opinião, a obra Lucas-Atos é uma espécie de
“epopeia” ao estilo da obra romana “Eneida” de Virgilio. É pos-
sível comparar ambas e verificar que há de fato similaridades:

Eneida de Virgílio (30 a.C. – 19 a.C.)


– Encomendada por Augusto para contar a glória e o poder
do Império Romano e de Cesar Augusto;
– Deveria superar as obras gregas de Homero (Ilíada e Odis-
seia), mostrando a superioridade romana sobre a grega;
– Seu herói Eneias começa em Troia (região ao oriente) e ter-
mina gloriosamente em Roma;
– A obra demonstra movimento – viagens e missões;
– Todas as sequências da epopeia mostram a legitimação
divina para que Eneias cumprisse sua missão e fundasse uma
grande nação;
– A intenção da obra é mostrar a formação de um povo supe-
rior, herdeiro das antigas tradições helênicas – Romanos.

Lucas-Atos
– Encomendada ou financiada por Teófilo (influente e de po-
der econômico);
– Uma grande obra “em ordem” (Lc 1.3) que pudesse superar
as outras já escritas (Marcos, Q, Mateus?);
– Seu herói, Jesus Cristo, começa o ministério na Galileia e
termina em Jerusalém; seus seguidores continuam a partir de
Jerusalém e chegam a Roma, com Paulo;
– A obra demonstra movimento – viagens e missões;
– Em todos os momentos o Espírito Santo orienta e dirige os
personagens;

40
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

– Sua intenção é falar da formação de um povo herdeiro das


bênçãos de Israel – a Igreja.

Cronograma da obra Lucas-Atos:


GALILEIA: Ministério de Jesus e sua viagem
JERUSALÉM: Morte e ressurreição de Jesus
JERUSALÉM: Descida do Espírito Santo e fundação da Igreja
ROMA: Viagens missionárias de Paulo até o Evangelho
chegar a Roma (sem a morte de Paulo).

Assim sendo, Atos dos Apóstolos é a segunda parte da


grande obra literária de Lucas. A primeira parte tratava de
Jesus iniciando seu ministério na Galileia e terminando na
região de Jerusalém (Betânia). Atos inicia sua história em Je-
rusalém, com Jesus e seus discípulos, e termina com Paulo
em Roma.
Não é intenção de Lucas produzir uma “história” da Igreja, mas
um romance épico. É certo que ele trabalhou suas fontes com in-
tuito de passar uma mensagem clara aos seus destinatários.
A datação de Atos dos Apóstolos, enquanto “segunda par-
te”, é obviamente posterior ao Evangelho, mas não deve ul-
trapassar o ano 90 d.C.
A composição de Atos segue a lógica de apuração, sele-
ção e organização de materiais colhidos durante a pesquisa
do autor, como no Evangelho. Vemos, por exemplo, o uso
daquilo que exegetas e estudiosos do Novo Testamento en-
tendem ser “diários” ou “jornais de viagem” (At 16-21, 27-28),
quando constatamos que a narrativa passa bruscamente da
terceira pessoa do plural (At 16.8-9) à primeira do plural (At
16.10ss). Não se sabe se este relato pertence ao próprio au-
tor ou se foi apurado por ele e usado literariamente.

41
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

É perceptível na redação a divisão histórica do livro de Atos a


partir dos dois grandes personagens: Pedro (Cap. 1-12) e Paulo
(Cap. 13-28). Isso se dá muito provavelmente em razão da de-
pendência da tradição da Igreja já estruturada no final do século
I, na qual os dois apóstolos e os mártires eram os fundamentos
e os abonadores das doutrinas e das crenças da igreja.
Podemos ainda dividir assim o livro de Atos dos Apóstolos:

1ª parte (At 1-8.3): A Igreja em Jerusalém até o cisma entre


hebreus e helenistas, que culminou na morte de Estevão.
2ª parte (At 8.4 a 11.18): O Evangelho na Samaria e entre os pri-
meiros gentios (até a conversão de Cornélio e o “aceite” de Pedro).
3ª parte (At 11.19 a 15.35): O Evangelho em Antioquia. Desta-
que de Antioquia como local de envio missionário aos gentios.
4ª parte (At 15.36 a 19.20): O Evangelho em terras em redor
do mar Egeu (Chipre, Síria, Cilicia). Da divisão de Paulo e Barna-
bé até o núcleo de Éfeso.
5ª parte (At 19.21 a 28.31): O Evangelho de Jerusalém até Roma.
A viagem de Paulo de volta a Jerusalém e de Jerusalém até Roma.

JJ 4. O EVANGELHO DE JOÃO E A LITERATURA JOANINA

O Evangelho de João configura uma literatura diferente. Ele


conta a história de Jesus Cristo a partir de outra ótica, diferente
da dos Evangelhos Sinóticos. Uma linguagem própria e carac-
terística marca seu texto. Vamos entender um pouco sobre o
Evangelho de João e a literatura a que ele pertence.
Por literatura joanina entende-se os livros atribuídos pela tradi-
ção da Igreja ao apóstolo João, sendo eles: Evangelho de João; 1ª, 2ª
e 3ª epístolas de João. Eles expressam um pensamento homogê-
neo e uma teologia própria. É uma teologia diferente da “paulina” e
que preserva uma espécie de incômodo com a tradição “petrina”.

42
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

A tradição atribui a autoria do quarto Evangelho e das car-


tas ao apóstolo João, filho de Zebedeu, algo confirmado des-
de o século II. O livro em si não traz em seu corpo o nome do
autor, somente diz que ele é o “discípulo que Jesus amava”
(Jo 21.20, 24):

Então, Pedro, voltando-se, viu que também o


ia seguindo o discípulo a quem Jesus amava, o
qual na ceia se reclinara sobre o peito de Jesus e
perguntara: Senhor, quem é o traidor?  Vendo-o,
pois, Pedro perguntou a Jesus: E quanto a este?...
Este é o discípulo que dá testemunho a respeito
destas coisas e que as escreveu; e sabemos que
o seu testemunho é verdadeiro.

A ausência da menção do nome de João no livro e nas car-


tas como discípulo, aliada ao fato de o Evangelho defender que
o “discípulo amado” foi testemunha ocular (Jo 19.35), induziu a
Igreja primitiva a afirmar a autoria do apóstolo João, que não
quis se identificar claramente: “Aquele que isto viu testificou,
sendo verdadeiro o seu testemunho; e ele sabe que diz a verda-
de, para que também vós creiais” (Jo 19.35).
De fato não há maiores evidências a respeito da autoria. O que
temos é uma importante tradição a respeito de Jesus, diferente das
que estavam circulando com os Evangelhos Sinóticos. Essa tradição
foi formadora de importantes comunidades na região Síria (frontei-
ra entre as terras de Israel e o mundo Mediterrâneo), que se esten-
deram posteriormente à Ásia Menor, e tem como seu principal ar-
gumento o fato de ter recebido o Evangelho de Cristo diretamente
de um discípulo, testemunha ocular de Jesus.
Enquanto literatura, os quatro escritos tiveram redação final
em torno do ano 100 (de 90 a 120 d.C.), entre os reinados dos
Imperadores Domiciano (81-96), Nerva (96-98), Trajano (98-117)

43
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

e Adriano (117-138). Trata-se, portanto, da terceira geração de


cristãos, bem na era pós-apostólica.
O Evangelho de João e as cartas pertencem à tradição de tes-
temunho do “Discípulo Amado”. Os receptores desta tradição
são comunidades que nasceram a partir do testemunho deste,
que foi uma das testemunhas oculares de Jesus. Essas comuni-
dades consideram-se, portanto, herdeiras legítimas do discipu-
lado de Jesus. Raymond Brown, importante pesquisador da lite-
ratura joanina, reproduz a seguinte afirmação de sua pesquisa:

Se a comunidade joanina que produziu o evange-


lho se viu a si mesma em continuidade tradicio-
nal com Jesus, podemos perceber no “nós” dos
prólogos – não só do evangelho como também
da epístola – não a testemunha ocular apostólica
em si, mas uma comunidade que, apesar disso,
entendeu que era herdeira de uma tradição ba-
seada em alguma testemunha histórica de Jesus
(SMITH, D. Moody. Apud BROWN, p. 33).

Quanto às considerações históricas e literárias do Evangelho


de João, é perceptível que o autor usa uma linguagem diferente
da usada pelos autores dos Evangelhos Sinóticos. Ele mistura
elementos aramaicos com ideias bastante helênicas (por exem-
plo: festas e cerimônias judaicas; elementos helênicos como
logos, luz-trevas etc.). Certamente, o Evangelho de João foi es-
crito após anos de evolução de uma comunidade desenvolvida
em torno da tradição do “discípulo amado”. Ele foi escrito num
momento em que havia muitas igrejas organizadas, bem como
muitas doutrinas já consolidadas, tais como: “comunhão”, “filia-
ção divina”, “ceia e batismo” etc.
O Jesus de João é mais “cristológico”, ou seja, ele já é apre-
sentado divino desde o início do Evangelho. É bem provável que

44
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

o autor do Evangelho de João conhecesse os Evangelhos Sinóti-


cos, pois evidenciamos algumas “correções” históricas como, por
exemplo, três festas da páscoa (portanto, três anos de ministé-
rio), além do dia da última ceia e da Paixão (antes da Páscoa).
O Evangelho de João também traz detalhes que os Sinóticos
não mostram, como nomes de autoridades, o papel de diversos
personagens como Maria Madalena, André e Tomé.
Em João, o ministério de Jesus dura três anos, ao contrário
dos Sinóticos, que resumem seu ministério em apenas um ano.
Também utiliza termos que raramente ocorrem nos demais
Evangelhos, enquanto não usa outros que os Sinóticos acham
importantes. Alguns dados sobre isto são:

PALAVRA MT MC LC JO

Amor 9 6 14 44

Verdade 2 4 4 46

Conhecer 20 13 28 57

Vida 7 4 5 35

Mundo 8 2 3 67

Testemunha 4 6 5 47

Luz 7 1 7 23

Crer 11 10 9 102

Reino 57 20 46 5

Arrependimento 7 3 14 0

Oração 19 13 22 0

Evangelho 14 19 19 0

Fonte: Koester, p. 206

45
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Em relação à estrutura literária do Evangelho de João, temos:

Introdução (Jo 1.1-51): Prólogo, João Batista e os primei-


ros discípulos;
Revelação ao mundo (Jo 2.1 a 11.54): Histórias de mila-
gres e discursos;
Revelação aos discípulos (Jo 11.55 a 19.42): Narrativa da Paixão;
Epílogo (Jo 20.1-31): Túmulo vazio, aparições a Maria Madale-
na, aos discípulos, Tomé;
Interpolações (Jo 21.1-25): Aparição no lago de Tiberíades, se-
guimento de Pedro e do discípulo amado.

ANTES DE VIRAR A PÁGINA:


O final desta aula foi fundamental para que
você compreenda que os textos sagrados do Novo
Testamento não foram fruto de uma uniformidade
de pensamentos e formas. Ao contrário, desde a
elaboração dos textos até o fechamento do cânon
é possível observar a diversidade de pensamen-
tos e, consequentemente, a pluralidade rica e viva
criada pelo Espírito Santo inspirando seus autores.
Mesmo não sendo possível chegar com certeza
às conclusões que a tradição da Igreja chegou na
definição dos autores dos evangelhos, podemos
ver a riqueza de múltiplos olhares e testemunhos
a respeito de Jesus Cristo e seus seguidores. Os
Evangelhos são fruto de comunidades cristãs di-
ferentes e foram organizados sob diversos pontos
de vista teológicos e preocupações comunitárias.
A múltipla manifestação da diversidade teoló-
gica e de práticas eclesiásticas que vemos hoje em

46
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

dia não são exclusividade de nosso tempo, pois


detectamos que cada comunidade cristã, desde
as origens do cristianismo, tinha suas próprias
preocupações e percepções teológicas e de fé. É
verdadeiramente precioso enxergar como a Igre-
ja preservou e depois trabalhou as tradições orais
e escritas a respeito do seu Senhor Jesus Cristo, a
ponto de chegar até nós com trabalhos realmente
edificantes e suficientes para a fé.

47
MÓDULO 3
Tema: A Obra Paulina e o
Cristianismo Mediterrâneo
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Caro aluno e aluna, continuamos a nossa viagem pela forma-


ção histórica e literária do Novo Testamento, deixando agora o
mundo siro-palestinense para ir em direção ao mundo mediter-
râneo. Como vimos, o ambiente siro-palestinense é responsá-
vel pelos documentos que nos obrigam a olhar para o passado:
Evangelhos e Atos. Agora nossa viagem é para frente, seguindo
em direção a territórios novos e que representavam à época
desafios que necessitavam de respostas urgentes. Entraremos
no mundo das epístolas. Neste módulo, vamos atentar para as
cartas do Apóstolo Paulo (tradição paulina). Nossos objetivos
levam em consideração que, no final deste módulo, você será
capaz de: 1) Ter noção mais ampla da região em que se desen-
volveu os escritos do Novo Testamento; 2) Saber itens impor-
tantes do gênero literário das cartas apostólicas; 3) Conhecer
a estrutura e os principais conteúdos das cartas consideradas
autenticamente paulinas.

JJ 1. REGIÃO E CARACTERÍSTICAS DO MUNDO MEDITERRÂNEO

Antes de tudo, se faz necessário definir “mundo mediterrâ-


neo” no contexto em que se deu a elaboração das cartas apos-
tólicas. Trata-se dos territórios em volta do Mar Mediterrâneo
sob o domínio do Império Romano. Apesar de o Mar Mediterrâ-
neo banhar regiões como África, Egito, Palestina e Síria, não as
consideraremos dentro deste universo por serem regiões cultu-
ralmente distintas.
O mundo mediterrâneo sofreu forte influência greco-ro-
mana e, apesar de sua diversidade regional, a cultura helêni-
ca se sobrepôs assim como a forte presença da governança
romana. Assim, consideramos como “mundo mediterrâneo”

49
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

os territórios ao norte do Mar, como segue: Ásia Menor, Ga-


lácia, Grécia, Trácia, Macedônia, Itália, Gália e Espanha. O
mapa abaixo nos dá excelente visão do que nos referimos
como mundo mediterrâneo.

Nesses territórios houve desenvolvimento de outras tradi-


ções cristãs que chamamos de “cristianismo mediterrâneo”,
ou seja, o cristianismo das localidades do Império Romano
que foram objeto de missão, atenção e cuidado apostólico
(Paulo e seus discípulos). Concentravam-se em especial na
região da Ásia Menor, da Macedônia, da Grécia e da Itália. O
mapa na página ao lado nos ajuda na identificação da região
e monstra as viagens missionárias de Paulo.
Os primeiros documentos escritos do cristianismo são
oriundos dessa região, constituindo o primeiro legado cris-
tão. Isto significa que as Cartas do Novo Testamento foram
escritas antes que os Evangelhos.

50
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

51
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

CURIOSIDADE:
A organização do Novo Testamento apresenta-
-nos uma ordem lógica: Evangelhos, que tratam da
vida de Jesus; Atos dos Apóstolos, que trata do sur-
gimento e da expansão da Igreja; Cartas Apostóli-
cas, que significam a consolidação do cristianismo
e sua doutrina, e Apocalipse, que remete a igreja
à esperança futura. Mas é importante dizer que
essa ordem não é cronológica , mas sim orienta-
ção “no tempo” para a fé.

É importante destacar também algumas características


do mundo mediterrâneo que são fundamentais para a ex-
pansão da igreja cristã e da circulação das cartas apostólicas.
A primeira delas é que o mundo mediterrâneo era formado
por uma sociedade predominantemente urbana e economi-
camente comercial. Em razão disso, havia enorme fluxo de
pessoas pelas estradas romanas que transitavam para fazer
negócios em busca de oportunidades comerciais. É muito
provável, até estratégico, que o cristianismo tenha se espa-
lhado pelo mediterrâneo seguindo as rotas comerciais com
os artesãos itinerantes (de Antioquia a Roma). Aliás, é certo
que o cristianismo de missão paulina desenvolveu-se den-
tro da categoria dos artesãos (o próprio Paulo se apresen-
ta como fazedor de tendas). O interesse de Roma pelo lado
oriental de seu Império (Ásia Menor, Bitínia, Galácia etc.),
gerou uma sociedade urbana mais complexa do que havia
sido no período grego. Surgiram grupos que migravam de
diversas regiões em busca de oportunidades, como os co-
merciantes e os artesões que seguiam os exércitos buscando
melhores condições e proteção.

52
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

IMPORTANTE CONSIDERAR:
As principais comunidades cristãs foram es-
tabelecidas em cidades estratégicas de grande
afluxo de pessoas, como Éfeso, Corinto, Filipos
e Tessalônica.

Esse trânsito de pessoas nas rotas comerciais foi tanto favo-


rável para a implantação de igrejas quanto gerador de desafios
para a fé. Isso porque as rotas comerciais forçavam encontro
de culturas, assim como o contato com o pensamento e a cultu-
ra gregos. Da mesma forma, forçaram também o contato com
cultos a divindades diversas, já que, em geral, cada localidade
cultuava suas divindades. Outros fatores importantes foram:
o contato mais intenso com o sistema escravagista e a violên-
cia cotidiana usada pelo exército romano, especialmente para
manter a tranquilidade nas estradas e nas rotas comerciais.

JJ 2. GÊNERO EPISTOLAR: AS CARTAS PAULINAS

As cartas no Novo Testamento apresentam-nos a forma


helênica de se comunicar e enfrentar os problemas do coti-
diano. Ou seja, a função principal da carta é refletir sobre um
problema que está sendo proposto e dar resposta ou posição
sobre ele. Elas refletem diretamente a realidade imediata do
seu remetente e seus destinatários. E é justamente em razão
de refletirem realidades concretas que se faz necessário olhar
para elas a partir da realidade de cada comunidade. Por isso o
mundo mediterrâneo da época precisa ser estudado e levado
a sério, assim como a vida de Paulo também necessita ser es-
tudada com cuidado e atenção.

53
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Sobre o gênero literário “carta”, as paulinas seguem o


esquema formal da carta judaica, agregando elementos da
carta oficial do mundo greco-romano. Mas, ao mesmo tem-
po, ela revela elementos que configuraram praticamente um
novo gênero, chamado “carta apostólica”, como instrumento
de organização comunitária. Esse gênero foi tão importan-
te que foi imitado por redatores cristãos posteriores (por
exemplo: as cartas deuteropaulinas, 2Pedro, Judas, 1Cle-
mente etc). A fórmula padrão utilizada nestas cartas é:

a) Endereço: contém o nome do remetente e do destinatário;


b) Saudação: geralmente desejando “graça e paz”;
c) Segue-se prefácio com agradecimentos, relatos sobre a
condição da igreja, da sua relação com o apóstolo e também de
alguma situação pessoal com ele naquele momento;
d) No corpo da carta segue, em geral, uma parênese (palavra
de instrução ética e moral para orientar a fé);
e) Conclusão em forma de saudação pessoal e bênção.

É possível considerar o apóstolo Paulo como autor das cartas,


mas certamente não como “escritor” delas. À época, nem todos os
que sabiam ler tinham condições de escrever. Na Antiguidade, a
escrita era uma arte destinada a poucos, que se dedicavam profis-
sionalmente a isso. Esses escritores eram chamados no ambiente
judaico de “escribas” e no ambiente romano (latino), “amanuenses”.
O amanuense era copista ou escritor profissional. Há registro numa
das cartas paulinas de um destes que interferiu diretamente no
texto. Era Tércio, que também mandou sua saudação em Romanos
16.22: “Eu, Tércio, que escrevi esta epístola, vos saúdo no Senhor”.
Em algumas cartas, Paulo “assinava” de próprio punho,
como espécie de “sinal de autenticidade”. Isto pode ser visto
em 1Coríntios 16.21, Gálatas 6.11, Colossenses 4.18, 2Tessa-
lonicenses 3.17 e Filemon 19.

54
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

Chamamos de corpus paulinus (corpo paulino) as treze car-


tas do Novo Testamento atribuídas ao apóstolo Paulo como
autor; são elas: Romanos, 1 e 2Coríntios, Gálatas, Efésios, Fili-
penses, Colossenses, 1 e 2Tessalonicenses, 1 e 2Timóteo, Tito
e Filemon. A carta aos Hebreus chegou a fazer parte desta lista
até pelo menos o século IV, quando a autoria paulina foi com-
pletamente descartada.
Esta lista correu segura até meados do século XIX, até que
estudiosos europeus, movidos pela investigação crescente da
crítica literária, acharam informações internas que dificultariam
a atribuição da autoria de algumas das cartas a Paulo. As pri-
meiras a serem questionadas foram as “cartas pastorais”, que
realmente formam um bloco temático à parte. Com o tempo,
outras cartas foram sendo postas em dúvidas, como as cartas
de 2Tessalonicenses, Efésios, Filipenses e Colossenses.
Os estudiosos modernos têm diversos entendimentos quanto
à autenticidade da autoria paulina das cartas que trazem no corpo
o apóstolo Paulo como seu autor. Hoje temos a seguinte posição:

– Autênticas cartas de Paulo (sem discussão): 1Tessaloni-


censes, Romanos, Gálatas, 1 e 2Coríntios, Filipenses e Filemon.
– Autoria discutível ou pseudoepígrafas: 2Tessalonicen-
ses, Colossenses e Efésios.
– Deuteropaulinas (pseudoepígrafas): 1 e 2Timóteo e Tito.

Um recurso importante que devemos considerar no período


em que as cartas apostólicas foram escritas é a pseudoepigra-
fia. Esta é uma palavra estranha para muitos e certamente des-
concertante. À primeira vista lembra-nos de algo falso, mentiro-
so, aquilo que se faz passar por verdadeiro e não é. A expressão
seria literalmente traduzida como “escrito falso”. Mas a pseu-
doepigrafia era um recurso literário muito usado e de bastan-
te prestígio na Antiguidade. Para os estudos literários significa

55
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

dizer que o escrito é feito em nome de outra pessoa. Era um


recurso que visava a dar autoridade aos escritos e legitimida-
de ao conteúdo, geralmente utilizado em clima de mudanças
e transformações. Na igreja, sobretudo, parece ter sido usado
quando houve a morte de seus fundadores e líderes importan-
tes, como Paulo e Pedro, para atender o crescimento da igreja e
a expansão missionária.
Os autores das deuteropaulinas estão próximos ao seu es-
tilo literário, conhecem sua forma de escrever, retórica e pen-
samento teológico. Há nitidamente uma “escola paulina” de-
senvolvida para o cuidado pastoral das comunidades fundadas
pelo grande apóstolo. Sobre este recurso, Fabris afirma:
“Esse artifício literário da pseudoepigrafia – pelo qual um
escritor posterior é posto sob o nome e o patrocínio de um
personagem respeitável do passado – não deve ser julgado
segundo critérios de ordem moral (poucos ou, mesmo, nin-
guém, hoje, chama a isso ‘falsidade’) ou psicológica. Esse ex-
pediente deve ser avaliado no contexto cultural e religioso
do mundo antigo, no nível literário e teológico. [...] No plano
literário, o recurso à pseudoepigrafia é bem conhecido na
tradição bíblica hebraica (Ecl, Dn, os apócrifos) e também no
NT [...]. O significado teológico dessa operação deve ser co-
nectado com tendência a se manter viva uma tradição reli-
giosa e espiritual.” (FABRIS, 1992, p.52).

JJ 3. INTRODUÇÃO LITERÁRIA ÀS CARTAS PAULINAS

Certamente as cartas paulinas são os maiores legados de


fé em Jesus Cristo que recebemos. São documentos precio-
sos que relatam a visão do apóstolo dos gentios a respeito
do que Deus fez em Cristo Jesus para a nossa salvação. A
igreja do século II também entendeu desta forma e as pre-

56
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

servou tanto quanto pode para orientar a fé estabelecer um


“norte” organizacional para as comunidades cristãs que nas-
ciam em todos os cantos.
Vamos estudar esses preciosos documentos que preservam
o pensamento e a vida de Paulo, bem como a tradição paulina,
a partir das evidências histórico-literárias, ou seja, não vamos
estudar a partir da ordem canônica, e sim a partir da ordem
cronológica (quando as cartas teriam sido escritas).
A primeira carta a ser considerada é 1Tessalonicenses.

1TESSALONICENSES

É o documento cristão mais antigo que temos à disposição.


1Tessalonicenses foi enviada por Paulo juntamente com Silvano
(Silas) e Timóteo (cf. 1Ts 1.1) por volta de 49 d.C., provavelmente
de Corinto. É uma carta com linguagem bem amável e reflete
a alegria de Paulo com o entusiasmo das pessoas da igreja de
Tessalônica, que receberam de bom grado o evangelho e nele
perseveravam com fidelidade (1Ts 1.2-10).
A igreja foi fundada por Paulo e Silas conforme testemunho
de Atos 17. Tessalônica era a capital da província romana da Ma-
cedônia, cidade portuária e cosmopolita, marcada pela herança
helênica. Na cidade também existia um centro de confecção de
moedas cunhadas com a imagem dos imperadores Augusto
(Otaviano) e Claudio, tidos como divinos. Naquela época, havia
preocupação da cidade em manifestar com entusiasmo a sua fi-
delidade a Roma, especialmente prestando culto ao imperador.
Paulo mandou Timóteo à comunidade em Tessalônica e este
lhe trouxe as notícias que motivaram a escrita da carta. O apóstolo
manifesta alegria com relação à fé genuína abraçada pelos tessalo-
nicenses em meio às tribulações. Podemos ver a situação da Igreja
através do que entendemos ser o seu “sumário” em 1Ts 1.1-9:

57
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

“pois eles mesmos, no tocante a nós, proclamam


que repercussão teve o nosso ingresso no vosso
meio, e como, deixando os ídolos, vos convertes-
tes a Deus, para servirdes o  Deus vivo  e verda-
deiro  e para aguardardes dos céus o seu Filho,
a quem ele ressuscitou dentre os mortos, Jesus,
que nos livra da ira vindoura”.

A carta quer reforçar o teor da pregação original de Pau-


lo na cidade, a qual consiste em duas ênfases: 1) Apelo à
conversão com abandono de ídolos e recusa natural à par-
ticipação nos cultos em honra ao imperador; assumindo as
consequências disso, envolvendo família, amigos e eventuais
padrinhos sociais; 2) Esperar pela vinda de Jesus ressuscita-
do, que livrará a igreja da fúria que estaria por vir, sendo isto
consequência da conversão.
É nesta carta que podemos observar também o pensa-
mento paulino mais antigo quanto à expectativa da volta de
Cristo, ressurreição dos mortos e arrebatamento. Provavel-
mente, esses temas fossem as grandes preocupações na co-
munidade, visto que todos entendiam que a vinda de Cristo
ocorreria ainda naquela geração. O próprio Paulo também
entendia que o retorno de Cristo se daria em sua geração ao
afirmar: “[...] nós os que ficarmos vivos, seremos arrebata-
dos [...]” (1Ts 4.17-18).

GÁLATAS

Gálatas é a segunda carta enviada por Paulo a uma co-


munidade cristã. Alguns estudiosos entendem que deveria
ser a primeira em razão das diferenças cronológicas entre a
visita de Paulo em Jerusalém, mencionada na carta, e o que

58
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

está registrado no livro de Atos dos Apóstolos. Também há


controvérsias ligadas à localização da comunidade por haver
à época duas “Galácias” conhecidas, a do Sul, visitada por
Paulo na primeira viagem missionária, e a do Norte, uma re-
gião mencionada em Atos 18.23.
Hoje a maioria dos estudiosos defende que a carta não
seja contemporânea do Concílio de Jerusalém (por volta de
49 d.C.), ou seja, ela teria sido endereçada à Galácia do Nor-
te, enviada entre 52 ou 53 d.C.
O apóstolo enviou a referida carta por saber que estava
sendo contestado na Galácia por outros pregadores cristãos.
Paulo tinha dupla intenção: a) legitimar-se como apóstolo
diante da igreja; b) fundamentar sua posição de que a pes-
soa que se converte a Jesus Cristo não necessita ficar sub-
missa aos preceitos da lei judaica.
Para legitimar-se diante da comunidade, Paulo fez uma
espécie de autobiografia (Gl 1 e 2), falando de seu passa-
do como perseguidor da igreja e o seu chamado para ser
apóstolo de Jesus. Desta forma, ele insiste que não recebeu a
mensagem do evangelho de ser humano, mas por revelação
de Jesus Cristo (Gl 1.11-12), como os demais apóstolos.
Na carta, o apóstolo menciona o incidente com Pedro em
Antioquia, mas fundamenta que não rompeu com o acordo
do Concílio de Jerusalém em que ficou consignado que Paulo
iria aos gentios e Tiago, Pedro e João, aos judeus (Gl 2.9).
No embate entre lei e graça, o apóstolo não fala mal da
lei, mas coloca a superioridade da promessa aos patriarcas
(ou seja, a fé) em detrimento da lei. Para Paulo, a cruz é supe-
rior à lei (Gl 2.19-21). Mesmo assim, ele não incita à anarquia,
pois reconhece o valor ético da lei (Gl 5.13-15). Sua mensa-
gem fundamenta-se na afirmação de fé: “Porque, em Cristo
Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor al-
gum, mas a fé que atua pelo amor” (Gl 5.6).

59
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

IMPORTANTE CONSIDERAR:
Para Paulo, a fé não é adesão a uma dou-
trina, série de verdades ou rituais (Gl 4.8-11),
mas adesão voluntária a Jesus, sendo incorpo-
rado a Ele pela fé. A justificação do ser huma-
no se dá “não por obras da lei”, mas “mediante
a fé em Cristo Jesus”.

ROMANOS

A carta aos Romanos, sem dúvida, é um dos maiores lega-


dos teológicos e espirituais do grande apóstolo. Paulo escre-
ve a uma igreja da qual não é fundador, o que o faz escrever
com muito cuidado. De fato, ele pouco conhece da situação
concreta das comunidades, mas tem conhecimento a respei-
to da cidade de Roma como capital imperial. Paulo está em
Corinto quando escreve (Gaio era de Corinto e o hospedara,
conforme Rm 16.23 e 1Co 1.14). Provavelmente, esta carta
foi escrita em 56 d.C.
A cidade de Roma era a populosa capital do Império Ro-
mano. O evangelho certamente chegou em Roma com ju-
deus-cristãos que para lá se deslocaram alguns anos antes.
Roma era uma cidade predominantemente urbana, com cla-
ra divisão entre localidades ricas e outras mais pobres, po-
pulosas e insalubres.
Judeus e cristãos de Roma sofreram com o edito do Impe-
rador Claudio que expulsou os judeus da cidade. De acordo
as informações dos escritos de Seutônio, na sua obra “Vida
de Claudio”, tal expulsão foi descrita assim: Judaeos impulso-
re Chresto assidue tumultuantes Roma expulit (que quer dizer:
expulsou os judeus de Roma porque viviam continuamente pro-

60
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

vocando perturbações, instigados por um certo Cristo). Com


a expulsão, os judeus convertidos ao cristianismo também
tiveram que sair da cidade, fazendo com que, de 49 d.C.
até 54 d.C., nas igrejas da região ficassem apenas os gen-
tios-cristãos convertidos. Quando o decreto foi “revogado”
após a morte de Claudio, os judeus-cristãos que retornaram
Roma encontraram uma igreja absolutamente gentilizada.
Houve choque religioso, pois os judeus-cristãos continua-
ram com a prática de rituais da Torá, enquanto os gentios as
abandonaram ou nunca as tinham praticado. Esse problema
tornou-se assunto importante para Paulo: gentios x judeus,
lei x graça.
Como mensagem da carta, “justiça”, “justificação” e “fé”
são seus assuntos mais relevantes. Ele retoma e comple-
menta ideias já elaboradas em Gálatas (que é anterior). Pau-
lo descreve sobre a depravação do ser humano e sua “in-
desculpabilidade”, o juízo de Deus e a justificação através de
Jesus Cristo (paz com Deus, conforme Rm 5.1)
Quanto à redação, podemos dividir a carta a partir dos dois
conceitos tradicionais das cartas paulinas: assuntos teológicos
(Rm 1 a 11) e aplicação prática (Rm 12-16). Estudiosos detec-
taram problemas quanto à redação original. Marcião tinha em
seu cânon a versão de Romanos até 14.23, seguido pela doxo-
logia em 16.25-27. Essa versão de Marcião chegou a interferir
na transmissão do texto de Romanos em diversos outros ma-
nuscritos antigos (P61, B, C, D). Há também desarmonia entre o
capítulo 16 de Romanos e o restante da epístola. No começo,
Paulo não diz nada pessoal para a comunidade, mas termina
a carta com uma lista grande de pessoas a quem ele manda
saudação (não há outra carta em que ele indique tantas sauda-
ções). Com isso surgiu a ideia de que alguém tenha unido um
fragmento de carta, provavelmente vindo de Éfeso (Rm 16.3-5:
Priscila e Áquila migraram para Éfeso).

61
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

CURIOSIDADE:
Há grandes variedades de formas literárias
nesse grande documento paulino.
Gênero hínico: Rm 8.31-39 (Se Deus é por
nós...), Rm 11.33-36 (Ó profundidade das rique-
zas...) e Rm 16.25-24 (Àquele que é poderoso...).
Homilético: Rm 6 parece ser uma homilia
batismal.
Argumentos escriturísticos (discussões com
“escolas de pensamentos”): várias citações bíbli-
cas, diálogos com pensamentos rabínicos.
Parênse (exortação moral e ética): Rm 12-15.
Diatribe (gênero literário típico dos filóso-
fos estoicos que consiste em dialogar com um
interlocutor fictício: pede explicações, faz per-
guntas e responde): “Que diremos?” (Rm 3.5;
4.1; 6.1; 7.7; 8.3; 9.14 e 30); “Eu pergunto” (Rm
10.18- 19); “De modo algum” (Rm 3.6; 6.2; 7.7;
9.14); “Ó homem” (Rm 2.3); “Me dirás?” (Rm
9.19; 11.19; “Ignorais?” (Rm 6.3; 7.1); “Não sa-
beis?” (Rm 6.16; 11.2).

1CORÍNTIOS

A carta 1Coríntios foi enviada por Paulo e Sóstenes “à igreja


de Deus que está em Corinto” (1Co 1.1-2). Não há como saber
muitas informações sobre Sóstenes, mas é possível que tenha
sido o dirigente da sinagoga de Corinto (cf. At 18.17). A passa-
gem de Paulo pela região deve ter ocorrido no outono de 52
d.C., portanto 1Coríntios pode ter sido escrita entre 53 e 54
quando ele estava em Éfeso (1Co 16.8).

62
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

Corinto era uma grande cidade cosmopolita, capital da pro-


víncia romana de Acaia, localizada numa importante rota de
passagem das mercadorias que chegavam e saíam da região
da Acaia e Macedônia rumo ao Mar Mediterrâneo. Era um gran-
de núcleo de cultura grega! Seu centro urbano facilitava a di-
versidade étnica, cultural e religiosa, o que certamente gerou
proliferação de ideias filosóficas e religiosas. De dois em dois
anos a cidade hospedava “Jogos Ístimos”, que depois das Olím-
piadas era o evento esportivo mais importante (cf. 1Co 9.24-27).
Possuía um importante porto, que atraía grande quantidade de
trabalhadores em diversas áreas comerciais.

CURIOSIDADE:
Cidades portuárias sempre foram conheci-
das como locais de grande degradação moral.
A vida desregrada dos habitantes da cidade de
Corinto era muito conhecida na época, o que
gerou a expressão pejorativa “viver à moda de
Corinto”, ou “corintizar”.

Sobre a mensagem da carta, são duas as razões que levaram


Paulo a escrevê-la: 1) Divisões e facções internas na igreja (1Co
1.11); 2) Diversas perguntas feitas por correspondência que chegou
a Paulo (1Co 7.1). Quanto às divisões internas, elas podem ser per-
cebidas logo no capítulo primeiro, quando o apóstolo afirma que
alguns estão dizendo: “Eu sou de Paulo, e eu de Apolo, e eu de Ce-
fas, e eu de Cristo. Acaso Cristo está dividido?” (1Co 1.12-13a). Pode-
mos determinar a seguinte condição dos grupos da comunidade:

– Grupo de Paulo: os que estavam alinhados às ideias teo-


lógicas paulinas;

63
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

– Grupo de Apolo: de estrato sociocultural mais elevado na


comunidade, tinham a pretensão da busca pela sabedoria, o
que se tornou o principal entrave da primeira carta;
– Grupo de Cefas: os que queriam a observância da lei judai-
ca de forma mais rigorosa do que Paulo pedia. O embate maior
se deu na segunda carta.

Encontramos também outros assuntos nesta primeira carta


aos coríntios. O primeiro destacado é o problema das refei-
ções - aceia do Senhor e as refeições comunitárias dedicadas
aos ídolos. Sobre isto, Paulo afirma: “Não podeis beber o cá-
lice do Senhor e o cálice dos demônios; não podeis ser parti-
cipantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios” (1Co
10.21). A ceia do Senhor não é uma refeição de mistério como
as refeições helênicas, mas refeição escatológica de toda a
COMUNIDADE. Todos devem respeitar e discernir o CORPO
DE CRISTO. O segundo assunto é sobre os dons do Espírito.
O entendimento de Paulo é que todos receberam o mesmo
Espírito no batismo, e todos os que o receberam dizem que
Jesus é o Senhor. Portanto, deve haver igualdade na igreja.
Paulo lança mão da metáfora do “corpo” extraído da tradição
política secular para comparar a igreja a uma unidade cheia
da diversidade carismática (1Co 12-14). O terceiro assunto é
sobre a ressurreição. Em 1Co 15, temos a discussão a respei-
to da ressurreição de Jesus Cristo, muito provavelmente em
razão de alguns que entendiam ter chegado à “elevação espi-
ritual avançada”, dispensando a ressurreição do corpo. Paulo
enfatiza que a realidade humana será finalizada com a vinda
de Cristo, que trará novo corpo (espiritual) aos seus. Por fim,
o último assunto que queremos destacar é a visita e a coleta.
Em 1Co 16, Paulo encerra a carta discutindo planos de viagem
(frustrados posteriormente) e instruções quanto à coleta para
os santos de Jerusalém.

64
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

2CORÍNTIOS

Pelas pesquisas realizadas, percebe-se que Paulo quis ir


até Corinto e não conseguiu, mas enviou Timóteo (1Cor 16)
que, ao retornar, relatou-lhe que havia chegado um grupo de
missionários judeus-cristãos que criticaram duramente o mi-
nistério do apóstolo. Paulo manda a carta defendendo o seu
ministério e o seu evangelho. A composição da carta deve ter
se originado no outono de 54 d.C.
Como vimos, Paulo manda a carta defendendo o seu mi-
nistério e o seu evangelho, insistindo na liberdade cristã pelo
Espírito Santo. É muito possível que o embate agora seja com
o “grupo de Cefas” (2Co 3.12-18) ou um grupo de missionários
judeus-cristãos que se dizem “hebreus, israelitas, descendentes
de Abraão” (2Co 11.22) e que tomam para si as verdadeiras in-
terpretações da tradição judaica (Moisés, Abraão) e da verda-
deira espiritualidade (experiências místicas), além de realizar
milagres grandiosos (2Co 12.11-12). São esses que Paulo vai de-
signar ironicamente como “superapóstolos”.
Paulo também defende o ministério da reconciliação, indicando
que o mesmo deveria ser feito entre o apóstolo e a igreja, o que
evidencia um significativo “racha” entre as partes (2Co 5.18-6.3).
Quanto à redação, 2Coríntios sempre foi objeto de intensas in-
vestigações literárias. Sua divisão em três partes (capítulos 1-7, 8-9,
10-13) parece clara, mas também mostra grande desconexão entre
as partes. Os textos de 2Coríntios revelam-nos evidências de uma
coleção de escritos paulinos dirigidos àquela comunidade, que te-
riam sido reunidos num único documento para não se perderem.
As divisões literárias são:

– Cap. 1-7: Ação de graças, defesa, mudança de plano de via-


gens, instruções suaves quanto a oposições a ele, apologia de
seu ministério apostólico.

65
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

– Cap. 8-9: Sem nenhuma transição, passa-se a falar da


coleta para Jerusalém e dos companheiros de trabalho de
Paulo que foram enviados para recolhê-la. Encerra com uma
bênção (2Co 9.15).
– Cap. 10-13: Inicia novo assunto, com severa advertência
e firme defesa contra acusações, defesa que o leva à “loucu-
ra” do autoelogio. É um tom bastante diferente daquele mais
ameno que abre a carta. Parece que o que teria sido resolvi-
do no início (reconciliação) não estava tão resolvido assim. A
explicação para esse fenômeno é que este trecho teria sido
escrito antes da última correspondência aos Coríntios (prova-
velmente os capítulos 1-7), que Paulo escreveu da Macedônia
depois da partida para Éfeso, quando Tito lhe enviou a boa
notícia de que a igreja de Corinto havia se reconciliado com
ele. Assim, os capítulos 10-13 referem-se ao estágio inicial do
conflito, por isso também é chamada de “Carta das Lágrimas”
como mencionado em 2Coríntios 2.4.

CURIOSIDADE:
Sobre a carta das lágrimas, mencionada
em 2Co 2.4, Heltmut Koester entende estar
preservada em parte nos capítulos 10-13: “Ela
é uma apologia do ministério apostólico de
Paulo que vai aos extremos do bom gosto na
escolha dos métodos literários e retóricos. Sá-
tira e ironia andam lado a lado com escárnio
e ameaças abertas. Evidentemente, Paulo es-
tava sem saber o que fazer, e nessa situação,
recorreu a ferramentas mais eficazes da retó-
rica, inclusive a invectiva e à ironia” (H. Koes-
ter, 2005, p. 143).

66
FILIPENSES

Paulo e Timóteo são os remetentes da Carta aos Filipenses.


Paulo a envia da prisão, provavelmente estava em Éfeso, entre
53-55 d.C. É uma carta de cunho bastante pessoal, pois expres-
sa diversos sentimentos. Foi apelidada de “carta da alegria” em
razão da palavra “alegria” e derivadas, que aparecerem cerca de
dezesseis vezes na epístola.
A cidade de Filipos era muito importante, considerada a “Porta
de Entrada” para a Europa. Era colônia romana com os mesmos
privilégios das cidades da Itália (jurisdicionada diretamente ao Im-
perador, não ao governo local). Sua população era composta por
latinos e pessoas de etnia mista do antigo tronco grego-macedônio.
A população judaica era muito pequena, pois não tinha sua assem-
bleia (Sinagoga), somente local de oração, como relata At 16.11-15.
Paulo fundou a comunidade em sua segunda viagem mis-
sionária entre os anos 50-52 d.C. (cf. At 16). A comunidade foi
naturalmente contagiada pelos costumes da cidade em razão
da composição social. Assim, o grande problema teológico da
carta surge de uma das discussões mais tradicionais das colô-
nias romanas: honra e desonra.
A mensagem da carta aos filipenses pode ser estruturada da
seguinte forma:

– A comunidade deve viver como Cristo viveu: Fp 1.1 a


3.1. Neste trecho o apóstolo insiste com diversos apelos para
que haja unidade na comunidade (“penseis do mesmo modo,
lutando juntos pela fé, sem partidarismo”), lançando mão do
exemplo de Cristo para a Igreja através do extraordinário hino
cristológico em Fp 2.5-11. O hino é o centro da carta e demons-
tra a nova interpretação cristã a respeito da honra e da desonra.
– A polêmica contra adversários e autodefesa: Fp 3.2-4.9.
Paulo refere-se aos adversários como “inimigos da cruz de Cristo”.
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Muito provavelmente, trata-se de “judaizantes” como os da Galácia.


Neste trecho, Paulo também manifesta gratidão em razão de uma
oferta recebida da Igreja, mas afirma categoricamente que tal ofer-
ta é feita a Deus (“como aroma suave, como sacrifício a Deus”), pois
ele bem sabia viver em qualquer situação (escassez e abundância).
– Recibo e autossuficiência: Fp 4.10-23. Estes últimos ver-
sos parecem ser uma espécie de “recibo”, pois Paulo emprega
uma fórmula comum de recibo da Antiguidade: “Recebi tudo e
tenho abundância”. O que estaria em jogo aqui é a relação de
clientelismo na forma romana. Paulo quer manifestar aos cren-
tes de Filipos, cidade-colônia romana que vive na lógica de hon-
ra, desonra e clientelismo, que não deve nada a eles, pois tudo o
que ele tem vem de Deus, e o que ele outrora considerava “hon-
ra” agora considera “esterco” por causa de Cristo (Fp. 3.4-8).

FILEMON

Novamente temos Paulo e Timóteo como autores da carta


a Filemon. Na verdade, trata-se de um pequeno “bilhete”, pois
temos vinte e cinco versículos apenas. Paulo estaria na prisão
em Éfeso quando a escreveu, ou seja, é da mesma ocasião da
carta aos Filipenses.
Apesar do “tom pessoal”, a carta é dirigida a um grupo de
pessoas (Filemon, Áfia e Árquipo), pois diz que a “igreja que
esta em tua casa” (na de Filemon). Propositalmente, a carta é
enviada com o conhecimento de outro grupo de pessoas, os re-
metentes (Paulo e Timóteo) e os demais irmãos que mandam
saudações (Epafras, Marcos, Aristarco, Demas e Lucas). Por isso,
ela não é uma carta particular, pois sua abordagem diz respeito
às relações pessoais e eclesiais (comunitárias). Filemon, Afia e
Árquipo são provavelmente a liderança da igreja que se reunia
na casa de Filemon.

68
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

DE COMUNIDADE PARA COMUNIDADE

Paulo, Timóteo, Epafras,


Filemon, Ápia, Arquipo
Marcos, Aristarco,
e a ekklesia
Demas e Lucas

As duas personagens principais da carta são Filemon e Onési-


mo. Quem era Filemon? Um gentio de bom nível social da cidade de
Colossos, convertido a Cristo por meio da missão de Paulo. Havia
em sua casa um grupo de cristãos, como afirma Paulo: “igreja que
está em tua casa”. Ele era uma espécie de “patrono” da comuni-
dade, provavelmente um rico fazendeiro dono de escravos. Quem
era Onésimo? Um escravo foragido de Filemon que, além de fugir,
teria roubado seu dono (v.18). Onésimo converteu-se por meio do
trabalho de Paulo na prisão (v.10). Paulo teve uma relação pessoal
muito estreita com Onésimo (12-16), chama-o de “irmão caríssimo”,
“meu filho”, “meu próprio coração”.
Neste sentido, a carta era uma intercessão de Paulo em favor
de Onésimo, escravo foragido de Filemon, seu filho na fé. No tex-
to, não é possível perceber se Paulo aceita a ordem social ou se
questiona a escravidão, mas ele revoluciona o status da relação
“senhor-escravo”. Onésimo era irmão em Cristo de Filemon e, por
mais que fosse escravo, agora era igual a Filemon (v.16). Mais re-
volucionário ainda é a recomendação de Paulo, que pede para
Filemon receber Onésimo como se fosse ele mesmo (v.17).
Se Onésimo era escravo foragido, era de esperar que o seu
retorno fosse acompanhado de torturas. A sociedade romana
esperava isto e, como dono de escravos, sua honra estava em
jogo se não o fizesse. Daí o grande desafio e questionamento de
Filemon: receber, perdoar e ter Onésimo como irmão, de acor-
do com a nova sociedade cristã, ou torturar o escravo foragido
para ser exemplo, como exigia a sociedade romana?

69
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Paulo ainda diz que pagaria o que Onésimo roubou, mas não
deixou de lembrar que Filemon devia a própria vida a Paulo (v.18).

CURIOSIDADE:
Os títulos usados por Paulo na carta não
são aleatórios, mas mostram igualdade nas
relações e na luta pelo evangelho:
Irmão/Irmã: Timóteo e Afia
Amado: Filemon e Onésimo
Cooperador: Filemon, Marcos, Aristarco,
Demas e Lucas
“Coprisioneiro”: Epafras e Paulo

ANTES DE VIRAR A PÁGINA:


Neste módulo aprendemos que “carta” é a
literatura típica do mundo mediterrâneo e re-
presenta seu modo de enfrentar as dificulda-
des. Em especial nos dedicamos a falar a res-
peito de algumas cartas do apóstolo Paulo, que
são de fato os primeiros documentos cristãos
elaborados dentre os livros do Novo Testa-
mento. Verificamos que, apesar de assuntos
diferentes, o modo de interpretação de Pau-
lo, com seu raciocínio e sua retórica, pode ser
visto de forma evidente em todas as cartas.
Também ficaram evidentes os assuntos mais
recorrentes e centrais em suas cartas, tais
como a relação entre lei e graça, justiça de Deus
e justificação pela fé, amor e relacionamento

70
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

cristão como fundamentos para a nova socieda-


de que se formava a partir da igreja, assim como
os primeiros pensamentos paulinos sobre a vol-
ta de Jesus, morte e ressurreição do corpo.

71
MÓDULO 4
Tema: Tradição Paulina e Cartas Universais
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Caro estudante,
Espero que os estudos que estamos fazendo sobre o Novo
Testamento estejam contribuindo significativamente para o
seu conhecimento bíblico, principalmente para o seu cresci-
mento na fé em Cristo.
Neste módulo verificaremos as demais cartas da tradição
paulina e outras que refletem, na verdade, temas e formas tí-
picas dos fins do século I. Mesmo após a morte, os apóstolos
continuavam vivos na memória de seus discípulos e de toda a
comunidade cristã naqueles tempos complexos e inseguros.
Por isso, os textos do Novo Testamento não se limitam ape-
nas ao espaço de tempo de vida dos apóstolos, mas estendem-
-se até gerações posteriores. Não somente a pregação, o tes-
temunho e os documentos produzidos da “pena” dos apósto-
los foram importantes, também a firme tradição daqueles que
os viram, ouviram e leram suas palavras foram fundamentais
à propagação e defesa da fé. Isso é maravilhoso, visto que a
ação do Espírito Santo se deu não apenas num tempo limitado,
mas impactou outras gerações que se atreveram a preservar e
atualizar a mensagem daqueles que foram colunas da igreja e
testemunhas reais do nosso Senhor Jesus Cristo.
Considerando estes aspectos, nossos objetivos, no final
deste módulo, seguem a perspectiva de que você será capaz
de: 1) Conhecer a teoria bastante difundida e fundamentada
de que as cartas deuteropaulinas e as chamadas cartas uni-
versais são frutos das tradições apostólicas que foram preser-
vadas e atualizadas por cristãos fiéis; 2) Observar a evolução
da Igreja no século I em direção à necessária organização de
sua liderança e ao estabelecimento de doutrinas que deveriam
ser confessadas para diferenciar os verdadeiros cristãos dos
falsos mestres.

73
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Ao tratarmos das literaturas do fim do primeiro século, po-


demos seguir dois importantes termos convencionais: as cartas
deuteropaulinas e as cartas universais. As cartas controvertidas
da tradição paulina, chamadas de deuteropaulinas, juntamente
com as cartas universais formam um bloco de escritos impor-
tantes do Novo Testamento.

Vamos lá! Bom estudos.

JJ 1. AS CARTAS DEUTEROPAULINAS

Por deuteropaulinas entendemos aquelas cartas elabora-


das a partir da tradição, de palavras e teologias do apóstolo
Paulo, mas atualizadas e enviadas aos destinatários após sua
morte por discípulos fieis e piedosos. São as seguintes cartas:
2Tessalonicenses, Colossenses, Efésios, 1 e 2Timóteo e Tito.
Elas foram produzidas com vistas à preservação da fé e à ne-
cessária ortodoxia doutrinária para evitar desvios e orientar a vida
prática das comunidades cristãs em momentos de crise e perse-
guições. O que teria sido da fé e da Igreja de Cristo se pessoas
responsáveis não zelassem pela transmissão fiel da tradição apos-
tólica e a adaptassem em pontos essenciais? Os escritores das
cartas entendidas como pseudoepígrafas tinham a consciência de
estarem prestando um serviço a Cristo, preservando e atualizando
a tradição apostólica que, graças a eles, chegaram até nós!

2TESSALONICENSES

2Tessalonicenses apresenta os mesmos temas e características


da primeira carta, como a alegria em razão da fé da Igreja e a exor-
tação quanto à esperança escatológica. A grande novidade desta

74
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

carta é que há novas e divergentes informações em relação à pri-


meira, quanto ao tempo em que virá “o fim”. Foi isso que gerou
intensa desconfiança entre os estudiosos sobre a autoria paulina.
Seria a carta uma “correção” da anterior feita por um discípulo de
Paulo ou uma mudança repentina proposital do próprio apóstolo?
Até início do século XIX, não havia questionamento a res-
peito da autenticidade de 2Tessalonicenses. Mas, em meados
do século XX, a maioria dos estudiosos do Novo Testamento
tem razões para afirmar a autoria pseudoepígrafa da carta. As
razões para isso são de cunho literário e temático. Há notória
dependência literária da carta com 1Tessalonicenses.
Consideremos. Na primeira carta há nítida expectativa no retor-
no IMINENTE de Cristo, ou seja, Paulo aguardava a volta de Jesus
ainda em sua própria geração, como podemos ver no uso excessi-
vo do pronome “nós” em 1Ts 4.13-18. Já na segunda carta há uma
espécie de explicação pelo “atraso” da volta de Jesus. 2Tessaloni-
censes parece evidenciar que já se passou muito tempo desde a
primeira carta, pois há a advertência para que ninguém se pertur-
be com a suposição de que “tenha chegado o dia do Senhor” (2Ts
2.2). Em seguida vem a explicação da demora: “Ninguém de modo
algum vos engane, porque isto não acontecerá sem que primeiro
venha a apostasia e seja revelado o homem da iniquidade, o filho
da perdição, o qual se levante contra tudo o que se chama Deus,
ou objeto de culto, a ponto de assentar-se no santuário de Deus,
ostentando-se como se fosse o próprio Deus” (2Ts 2.3-4). Estas pa-
lavras podem demonstrar que se trata de um período posterior ao
tempo do envio da primeira carta, possivelmente um tempo em
que o próprio apóstolo já teria morrido e um discípulo seu, cuida-
doso das tradições e do legado de fé de Paulo, teria corrigido as
distorcidas interpretações a respeito da fé na volta de Jesus.
Sobre a época e o propósito, se realmente a carta é autenti-
camente paulina, 2Tessalonicenses reflete uma correção imedia-
tamente posterior ao envio da primeira carta. Trata-se de exor-

75
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

tação quanto às más interpretações das palavras do apóstolo


na primeira carta. Seria enviada então entre 50 ou 51. Porém,
se entendermos que ela realmente é pseudoepígrafa, o contex-
to da carta demonstraria reflexos da invasão de Jerusalém perto
do ano 70. O autor parece estar refletindo a situação da invasão
de Jerusalém por Roma, revelando assim que o anticristo, que se
senta no templo de Deus como se fosse Deus, fazendo-se passar
por Deus (cf. 2Ts 2.4), é figura do imperador Romano e seu exér-
cito. Para alguns, o propósito da invasão romana em Jerusalém
configuraria que tivesse chegado o Dia do Senhor (2Ts 2.2).

COLOSSENSES

A carta aos colossenses inicia-se indicando Paulo e Timóteo


como remetentes (Cl 1.1-2). Mas há motivos para que estudio-
sos modernos questionem a autoria paulina. Eis alguns deles:

– A presença de palavras não comuns ao “vocabulário pauli-


no”, cerca de quarenta e oito palavras que aparecem com mais
frequência somente em Colossenses e Efésios. Exemplo: pleni-
tude, mistério, rudimentos, humildade etc;
– Presença de Hapax Legomena (palavras que não ocorrem
em nenhum outro lugar do Novo Testamento). Exemplo: árbi-
tro, ordenanças, culto de si mesmo, irrepreensível;
– Ausência de conceitos paulinos “clássicos”, tais como: justi-
ça, justificação, lei, salvação e revelação;
– Uso abundante de genitivos gregos que Paulo não costuma-
va usar. Exemplo: “reino do filho do seu amor” (Cl 1.13), “a palavra
da verdade do evangelho que chegou até vós” (Cl 1.5-6) etc.

Esses e outros elementos fizeram com que os estudiosos en-


tendessem que Colossenses seja uma carta da “escola paulina”.

76
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

Assim, por exemplo, afirma Hemult Koester (2005, p. 283).


A conclusão deixa pouca dúvida sobre a autoria de Colossen-
ses: um aluno de Paulo, com bom conhecimento da linguagem
do apóstolo, escreveu essa carta depois da morte de Paulo para
tratar de alguns problemas urgentes enfrentados pelas igrejas
paulinas nesse momento.
Mesmo com tantas evidências, há ainda muitos estudiosos
que entendem que Colossenses é autenticamente paulina. Para
isso, respondem às objeções desta forma:

– A diferença no vocabulário se dá por Paulo, inteligentemen-


te, usar o mesmo vocábulo que seus adversários “místicos” que
invadiram a comunidade ( o vocabulário próprio do “universo
linguístico” deles).
– Paulo usava recursos literários diferentes em cada carta,
marcas estilísticas de sua redação são visíveis em outros termos
usados apenas por ele em outras cartas.

Em relação aos motivos e à composição, o intuito principal


da carta aos colossenses era o enfrentamento direto de oposi-
tores que promoviam “vãs filosofias” (Cl 2.8). Esses opositores
viviam e pregavam uma espiritualidade ascética, observando
datas especiais, ritos com comidas e bebidas, culto aos anjos
e adoração de seres celestiais (Cl 2.16-19). Talvez seja uma es-
pécie de grupo híbrido de origem judaica (festas, sábados, cir-
cuncisão), com filosofias do misticismo grego (pré-gnóstico). A
carta foi enviada para incentivar a igreja a enfrentar esse grupo
que poderia pôr a perder os principais fundamentos da fé e da
liberdade cristãs pregados por Paulo.
Uma das ideias do autor era combater a errônea ideia de
que os poderes cósmicos (“principados”, “potestades”) seriam
como intermediários entre humanos e Cristo. Por isso o autor
resgata a ideia paulina de que a Igreja é o corpo de Cristo, mas

77
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

agora acrescenta que a cabeça é o próprio Cristo. Assim, não


seriam necessários intermediários entre a terra e o céu, pois
o fiel já está espiritualmente ligado no céu com Cristo, que é a
cabeça! Esse fator teológico deu novo rumo ao pensamento es-
catológico paulino, agora entendido como escatologia realiza-
da: “fostes ressuscitados juntamente com Cristo” (Cl 2.12, 3.1).
A mudança do pensamento escatológico (da escatologia futura
para a realizada) levou naturalmente à mudança de postura so-
cial, conduzindo naturalmente a Igreja à inserção na sociedade.
Por isso a necessidade de introduzir orientações éticas através
de códigos domésticos e sociais como descritos em Cl 3.18-4.1.

EFÉSIOS

A carta aos Efésios já foi chamada de “a carta magna da Igre-


ja” em razão de seu incrível conteúdo eclesiológico. Efésios é sem
dúvida o pensamento mais profundo a respeito da história da sal-
vação e da Igreja como instrumento de reunião e da manifestação
da plenitude de Cristo ao mundo. É uma clara herança da tradição
paulina para toda a Igreja de Jesus Cristo em todos os tempos. Mas,
para compreendê-la adequadamente necessitaremos falar com
detalhes a respeito da sua redação e, claro, sobre a autoria.
Desde meados do século XVI que estudiosos da Bíblia têm
dúvidas a respeito da autoria de Efésios. Há motivos para isso:

– Não há nenhuma referência pessoal a alguém da comu-


nidade. Parece que a igreja em Éfeso não conhecia Paulo (Ef
1.15, 3.2). Porém, o livro de Atos informa que ele foi o fundador
da igreja (Atos 19.1-20);
– O estilo e a redação da carta são muito parecidos com os de
Colossenses. Efésios concorda com setenta e oito versículos de Co-
lossenses, o que não é comum em outras cartas de Paulo.

78
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

Leia os textos e veja as semelhanças

EFÉSIOS COLOSSENSES
Ef 1.15 Cl 1.3
Ef 1.17 Cl 1.9
Ef 2.5-6 Cl 2.12-13
Ef 4.21-23 Cl 3.9-10
Ef 5.19-20 Cl 3.16-17
Ef 6.18-20 Cl 4.2-4
Ef 6.21-22 Cl 4.7-8

– A eclesiologia da carta aos Efésios é muito avançada para o


período da vida de Paulo. A ideia de uma Igreja “universal” pode
ser verificada em escritos posteriores aos anos 80, muito tempo
depois da morte de Paulo;
– Expectativa escatológica alterada para escatologia realiza-
da: “ele já nos ressuscitou e estamos com ele assentados nos
lugares celestiais” (Ef 2.6);
– A necessidade de a Igreja ter uma postura irrepreensível na
sociedade humana: “não andeis como andam os gentios” (Ef 4.17).

Além da autoria, também há evidências ainda mais concre-


tas quanto ao correto endereço da carta. Os mais antigos e con-
fiáveis manuscritos não apresentam a expressão “em Éfeso” no
início da carta. Os manuscritos “A” (Alexandrino) e “B” (Vaticano),
que datam do século IV d.C., e o importantíssimo P46, oriundo do
fim do século II d.C., apresentam apenas o seguinte no início da
carta: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, aos
santos e fiéis em Cristo Jesus” (Ef 1.1), ou seja, sem constar os
efésios como destinatários.
Está claro que a carta originalmente não foi endereçada às
comunidades cristãs na cidade de Éfeso. O endereço foi colo-
cado anos depois quando as cópias da carta começaram a cir-

79
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

cular. Era por isso que Marcião suspeitava que “Efésios” fosse
a carta aos “Laodicences” que Paulo informa que teria enviado
por intermédio de Tíquico na carta aos Colossenses ( Cl 7.16).
Por ter caráter bastante geral sobre a fé, a soberania de
Deus e principalmente sobre o caráter universal da Igreja, a
maioria dos estudiosos entende que a carta fora produzida
para circulação. É praticamente certo que chegou à comuni-
dade de Éfeso, afinal a cidade representava o ponto central da
Ásia Menor. A comunidade cristã ali instalada a copiou e sen-
tiu-se legítima destinatária da carta. Por não haver nenhum
outro manuscrito que apresente um destinatário específico,
a Igreja aceitou a versão “aos efésios” como destinatários da
carta de Paulo, e assim é até hoje.
No que diz respeito ao tema teológico da eclesiologia, não ape-
nas em Efésios, mas também em Colossenses, é possível enxergar
mudança na visão da ekklesia (igreja). Nas cartas que considera-
mos autenticamente paulinas, a igreja é uma comunidade local. Já
nas cartas deuteropaulinas, a Igreja é uma comunidade universal.
Assim como na carta aos Colossenses, Efésios apresenta a
Igreja como corpo de Cristo, e Cristo como a cabeça do corpo.
Tal ligação espiritual garante poder e autoridade para a Igreja
graças à cabeça dela, que é Cristo. Através da Igreja é que se dá
a presença real da história da salvação, já que no corpo habita o
Espírito de Deus que selou a todos para a salvação.

CARTAS PASTORAIS

São chamadas “Cartas Pastorais” as epístolas de 1 e 2Timó-


teo e Tito, em razão do teor cuidadoso e terno utilizado pelo
autor para tratar do cuidado e da instrução a jovens pastores e
líderes de comunidades. Além disso, são “pastorais” por conta
do conteúdo instrutivo que fornece orientações para a organi-

80
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

zação eclesiástica, desde a liderança até o comportamento so-


cial da comunidade.
Timóteo e Tito foram reconhecidamente dois dos mais im-
portantes colaboradores de Paulo. As cartas enviadas a eles
configuram uma espécie de herança do velho apóstolo que está
se despedindo de sua vida terrena.
Temas comuns, as mesmas denúncias e o mesmo vocabulário
pressupõem unidade de condições de tempo e lugar para as três
cartas, razão pela qual elas são sempre estudadas em conjunto.
A autoria das três cartas é atribuída a Paulo. Se realmente
for o “Paulo histórico” quem as enviou, ele apresentava-se pre-
so em Roma, onde provavelmente foi morto entre 64-67 d.C.
Mas, hoje em dia, a maioria dos estudiosos já aceita a autoria
pseudoepígrafa para as cartas pastorais. O próprio gênero lite-
rário chamado de “testamento”, que predomina nas cartas (es-
pecialmente 2Timóteo), evidencia que se trata de um documen-
to pós-morte. O autor seria “um mestre na utilização do gênero
testamento para defesa da herança paulina” (Koester, 2005, p.
320). Ele transmite a herança paulina para fundamentar e orga-
nizar a Igreja, além de orientar as comunidades e sua liderança
quanto aos perigos dos desvios e das heresias de seu tempo.
Um dos fundamentos da pseudoepigrafia é sua data tardia,
pois houve clara dificuldade das cartas pastorais figurarem no
cânon. Elas estão ausentes no cânon de Marcião e no importan-
te manuscrito P46 (175-225 d.C.) que traz a maior parte das car-
tas paulinas. Elas são citadas pela primeira vez em documentos
cristãos por Irineu em 180, mas já figuram no cânon de Muratori
no final do século II. Ainda assim, está ausente do importan-
te códice Vaticano “B” do século IV. Tudo evidencia dificuldade
quanto à sua aceitação canônica até os concílios dos fins do sé-
culo IV (Roma, Hípona e Cartago) e início do século V (Cartago).
Em razão disso, muitos estudiosos defendem a datação tar-
dia para as três cartas, ou seja, no início do século II (entre 100

81
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

e 130), quando já há evidências de organização eclesiástica com


a ordenação de ministérios.
1 e 2Timóteo e Tito são fruto de um único autor e tudo leva
a crer que estas cartas sempre formaram um bloco único in-
separável. São cartas de teor parenético, ou seja, usadas para
instruções comunitárias e individuais.
Sua ordem original deveria ser, provavelmente: Tito, 1 e 2Timó-
teo. O caráter testamentário de 2Timóteo é propício para encerrar
o bloco, pois o mártir é usado como padrão de líder eclesiástico.

Paulo (apóstolo)

Timóteo (pastor)

Comunidade atual

Na carta 1Timóteo, o autor dá instruções sobre a vida cristã,


a administração eclesiástica e a liturgia. Os fiéis devem evitar
confiar nas riquezas, mas também devem abster-se das atitu-
des ascéticas sem sentido.
Por sua vez, 2Timóteo contém indicações pessoais que
ultrapassam o que se espera de um escrito pseudoepígrafo,
que costuma conter dados pessoais como recurso para ava-
lizar a autoria pseudônima, mas não em tanta quantidade.
Estas menções pessoais chamam-se “personaliza”. Segundo
alguns estudiosos, poderiam tratar-se de fragmentos escri-
tos pelo próprio Paulo, que teriam sido ajuntados pelo com-
pilador da carta.
A explicação é que Paulo está sendo apresentado como o pa-
radigma do bispo através de seus sofrimentos e sua solidão. Em

82
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

1Tm e Tito, “Paulo” explica a ordem eclesiástica, já em 2Tm ele


explica a si mesmo como bispo, apresentando-se como modelo
para todos os cristãos.
A carta a Tito apresenta grandes semelhanças com 1Timó-
teo nos temas e na forma, alternando seções pastorais com ou-
tras ordens eclesiásticas. A comunidade parece ser mais nova e
menos organizada do que os destinatários de 1Timóteo.

IMPORTANTE CONSIDERAR:
A Igreja na perspectiva das cartas pastorais
não era mais a “comunidade dos novos tem-
pos” (escatológica), mas a “sociedade” que tinha
obrigações na sua relação no mundo e precisa-
va cumprir as normas e as exigências morais e
gerais de modo exemplar e lutar para defender
seus interesses e doutrinas.

JJ 2. AS CARTAS UNIVERSAIS

As chamadas cartas universais ou católicas são as se-


guintes: Hebreus, Tiago, 1 e 2Pedro, 1, 2 e 3João e Judas. São
assim chamadas por não terem sido aparentemente endere-
çadas a uma comunidade específica e por seu conteúdo, que
apresenta caráter mais geral da fé e do cristianismo pratica-
do. Vamos a elas.

HEBREUS

A chamada carta aos Hebreus não apresenta remetente,


tampouco destinatários e isto dificulta a vida do estudante. Mas

83
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

seu conteúdo é fantástico e sua forma redacional, brilhante.


Muito mais que uma carta, Hebreus é um tratado teológico feito
em parênese, para ser discursado.
É certo que a carta aos Hebreus entrou no cânon cristão
por ter sido atribuída ao apóstolo Paulo. O principal teste-
munho que a tradição cristã entendeu desde cedo ser do
apóstolo é o do manuscrito que reúne os escritos atribuídos
a Paulo, o P46. Esse manuscrito, que data em torno do século
II, dispõe a carta aos Hebreus entre a epístola aos Romanos
e 1Coríntios, evidenciando que ela seria uma das principais
cartas de Paulo.
Há, de certo, algumas poucas características da teologia pau-
lina no texto, além da saudação final à semelhança de Paulo (Hb
13.20-25) e a referência à Timóteo, personagem extremamente
ligado a Paulo (Hb 13.22).
Porém, existem diferenciações importantes entre a teologia
de Paulo e a de Hebreus. As principais delas são:

– Paulo fala em ressurreição de Cristo; Hebreus fala em


exaltação/glorificação;
– Paulo se refere à reconciliação do ser humano com
Deus; Hebreus fala de purificação, santificação, perfeição;
– O principal tema de Hebreus (sumo sacerdócio de Cris-
to) é completamente ausente dos escritos paulinos;
– As cartas paulinas (mesmo as pseudoepígrafas) apresentam
um remetente e um destinatário, enquanto falta em Hebreus;
– O grego de Hebreus tem um estilo muito elevado. O grego
paulino é mais simples, tinha o intuito realmente de comunica-
ção epistolar. Paulo era educado na retórica diatribe (escrito
de comunicação mais severa com alguns recursos de ironia)
e Hebreus usa a retórica aticista, estilo elegante e delicado -
como o dos autores Áticos (de Atenas, atenienses) -, geralmen-
te utilizada por professores, sofistas e conferencistas.

84
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

Diante das considerações acima, não nos é conhecida a iden-


tidade do escritor da carta. É certo que o autor seria um cristão
profundamente conhecedor das tradições judaicas e de seus
escritos sagrados, assim como de uma forma especial de retóri-
ca grega, pois a utiliza em alto nível.
O título “carta aos Hebreus” é muito antigo e é testifica-
do desde Clemente de Alexandria (150-215 d.C.) e Tertuliano
(155-222 d.C.). O título demonstra a ideia de que o texto teria
sido endereçado a judeus cristãos. Mas, apesar do excessi-
vo uso das Escrituras judaicas (na tradição grega da Septua-
ginta) e as inúmeras alegorias quanto aos ritos sacrificiais
(relação com o Templo e o sacerdócio), a linguagem não se
aplica a comunidades judaicas. É certo que o escrito fora en-
dereçado a cristãos profundamente conhecedores das Escri-
turas judaicas, porém eram de tradição helênica, não ligados
à Judeia ou a qualquer lugar da Palestina judaica. Provavel-
mente, são de comunidades mistas (judeus e gentios conver-
tidos) no ambiente do mundo mediterrâneo.
Mesmo com a ausência de uma saudação inicial, um re-
metente e um destinatário, por muito tempo considerou-se
que Hebreus foi realmente uma carta endereçada a alguma
comunidade judaica cristã. Mas o tipo de documento que
temos em mãos é mais assemelhado a uma grande instru-
ção (sermão parenético) do que a uma carta. Contém bom
volume de material homilético no estilo da pregação da
diáspora judaica.

CURIOSIDADE:
Carta: de cunho pessoal, dirigida a uma pes-
soa ou comunidade com fins específicos, tendo
como objetivo algo determinado.

85
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Parênese (em forma de epístola ou não): com


conteúdo ético-moral, tendo como objetivo ser
de alcance maior e mais diversificado.

A ocasião (data) da produção da epístola aos Hebreus sempre


foi alvo de intensos debates entre estudiosos. Muitos tentaram
datar Hebreus para antes de 70 d.C., por entenderem não haver
indícios no texto de que o autor conheceria a queda do templo de
Jerusalém. Mas, linhas mais recentes de pesquisa entendem o es-
crito como imediatamente posterior a 70 d.C., ainda respirando os
“ares” da Guerra Judaica. Isso se encaixaria melhor à interpretação
do autor de que não é mais necessário sacrifícios, pois um único
suficiente já havia sido feito, além de ser desnecessária a figura do
sacerdote, visto que Jesus já era o Sumo Sacerdote por excelência.
Também é fundamental destacar que a comunidade destina-
tária seria da segunda geração de cristãos, que poderiam ter se
esfriado na fé por conta do retardo da parusia (volta de Jesus).
Ao mesmo tempo, estariam passando por dificuldades e tribu-
lações (Hb 10.32-36), e o autor pretende animar a fé exortando
os cristãos: “Não abandoneis, portanto, a vossa confiança, ela
tem grande galardão” (Hb 10.35).

TIAGO

Assim como Hebreus, a carta de Tiago apresenta características


mais de parênese do que de epístola formal. A diferença é que Tia-
go apresenta um remetente e destinatários, com cláusula tradicio-
nal da correspondência mediterrânea: “Tiago, servo de Deus e do
Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que se encontram na Dispersão,
saudações” (Tg 1.1). No entanto, Tiago não apresenta uma conclu-

86
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

são típica de correspondência, terminando abruptamente: “sabei


que aquele que converte um pecador do seu caminho errado sal-
vará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados” (Tg 5.20).
Os mais antigos estudiosos entendem que o autor de Tiago
só pode ser, dentre tantos “Tiagos” no Novo Testamento, por ex-
clusão, Tiago, irmão de Jesus. Assim entendeu também a tradição
cristã desde os primórdios. Sem dúvida, o autor evoca a autorida-
de do grande líder da Igreja de Jerusalém e irmão de Jesus.
Mas sempre houve desconfiança sobre o autor ser Tiago, o ir-
mão de Jesus. O grego em alto estilo literário e os derivados recur-
sos retóricos utilizados não permitem que vejamos o simples gali-
leu, irmão de Jesus, de fala aramaica, como autor. É certo, porém,
que o Tiago histórico teve influência em comunidades cristãs de
fala grega (cf. Gl 2.12 – “[...] da parte de Tiago”), mas não é possível
extrair daí a afirmação da autoria de um texto de tão alto nível re-
tórico. É bem provável que um cristão piedoso tenha colocado seu
escrito sob a autoridade do primeiro chefe da Igreja de Jerusalém.
Sobre os destinatários, é importante destacar que, primor-
dialmente, o documento se propõe a ser uma carta circular, pro-
vavelmente endereçado a comunidades cristãs de identidade
judaica que se estabeleceram no mundo mediterrâneo após a
queda do Templo de Jerusalém. Há nitidamente assimilação da
tradição judaica por muitas comunidades cristãs, mesmo as que
foram fundadas por Paulo. Temos em Efésios a clara informação
de que eles, de maioria gentílica, eram agora “concidadãos dos
santos, família de Deus”, não mais “estrangeiros” (Ef 2.19).
Quanto à redação, a carta de Tiago parece ser uma com-
pilação reunida livremente pelo autor de ditos tradicionais,
admoestações, instruções e normas proverbiais de conduta.
Situa-se na tradição sapiencial na livre ligação entre a sabe-
doria judaica e o estilo grego de pensamento. Os materiais
derivam da parênese do judaísmo helenístico com pouquíssi-
mas características cristãs.

87
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

O texto de Tiago foi escrito por um profundo conhecedor da


língua grega, com competência para realizar todo o processo de
argumentação que a carta apresenta.
Alegria no sofrimento e resistência são os principais temas
da epístola de Tiago. O termo “provação” é a interpretação es-
piritual daqueles que sofrem os males cotidianos. Talvez as co-
munidades para quem o autor escreveu estivessem passando
por problemas sérios decorrentes das perseguições, e estavam
esmorecendo, enfraquecendo-se. O autor insiste em dizer: “se
alegrem com as provações, pois a fé produz perseverança, e a
perseverança faz resistir e não ser ‘deficiente’” (Tg 1.3-4).
Outro tema importante da epístola de Tiago é a insistência
no seguimento da Torá. Justamente no período de diáspora ju-
daica (Babilônia), sem templo, é que o seguimento da Torá dis-
tinguia quem era ou não judeu. Instruiu-se àquelas comunida-
des, além da perseverança na fé em Jesus (cf. 1.1 e 2.1, 5.7), que
se tivesse o mesmo zelo que o povo teve outrora, senão iriam
ser “engolidos” por dificuldades e perseguições de seu mundo.

1PEDRO

As cartas de Pedro sempre foram atribuídas ao apóstolo de


Jesus Cristo, galileu, que foi testemunha ocular do Senhor. Sem
dúvida, estamos diante de ecos da tradição de um dos grandes
líderes e pilares da fé cristã, mas não essencialmente de um
texto oriundo de sua “pena”.
A referida carta traz como remetente o apóstolo Pedro, por
isso a Igreja sempre reconheceu a autoria apostólica do escrito.
Nesta primeira carta temos a apresentação de “Pedro, apóstolo
de Jesus Cristo”. Mas há diversas fragilidades na atribuição de
Pedro como verdadeiro autor. A linguagem não é a de um galileu
pouco culto, como era o Simão Pedro histórico, e o grego utiliza-

88
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

do é de alto nível. Além disso, as citações do Antigo Testamento


são feitas segundo a Septuaginta. Fosse de Pedro, judeu da Pa-
lestina, criado na Galileia, esperaria citações do hebraico ou a
partir dos Targuns (paráfrases bíblicas em aramaico). A teologia
da carta, inclusive suas formas de expressão, deve muito aos úl-
timos escritos do corpus paulino (especialmente Romanos e Efé-
sios). É bem provável que estejamos diante de alguém ou algum
grupo estreitamente ligado à figura e à tradição de Pedro, que
teve a preocupação de levar uma mensagem de encorajamento
à Igreja num momento de sofrimentos e perseguição.
A insistência no sofrimento e na perseguição supõe data
mais tardia do que a exigida pela autenticidade da carta da
“pena” de Simão Pedro (até no máximo 64 d.C., quando, segun-
do a tradição, Pedro havia sido martirizado). É provável que a
carta tenha sido escrita durante a ainda pouco sistêmica perse-
guição do imperador Domiciano (90 e 100 d.C.).
Quanto à redação, o texto de 1Pedro apresenta um grego mui-
to elevado tecnicamente, mas com semelhanças a temas paulinos.
No início, temos um eulogia, isto é, uma espécie de hino ou poema,
como já existia na tradição paulina (cf. 2Co 1.3 e Ef 1.3). O encerra-
mento da carta também é à moda paulina, citando Silas como seu
amanuense (aquele que redigiu a carta) e João Marcos.
A carta identifica assim os destinatários: “[...] aos eleitos que são
forasteiros da Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bití-
nia” (1Pe 1.1). Tais igrejas da Ásia Menor foram edificadas sob a tra-
dição do apóstolo Paulo. Portanto, trata-se de uma epístola circular
às comunidades da “diáspora” (como a carta de Tiago).
Em relação ao tema de 1Pedro, temos o sofrimento e a perse-
guição por causa da fé em Cristo. É possível enxergar essa condição
de sofrimento e perseguição através dos versos abaixo:

Ora, quem é que vos há de maltratar, se fordes


zelosos do que é bom? Mas, ainda que venhais

89
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

a sofrer por causa da justiça, bem-aventurados


sois. Não vos amedronteis, portanto, com as suas
ameaças, nem fiqueis alarmados; antes, santificai
a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando
sempre preparados para responder a todo aque-
le que vos pedir razão da esperança que há em
vós, fazendo-o, todavia, com mansidão e temor,
com boa consciência, de modo que, naquilo em
que falam contra vós outros, fiquem envergonha-
dos os que difamam o vosso bom procedimento
em Cristo, porque, se for da vontade de Deus, é
melhor que sofrais por praticardes o que é bom
do que praticando o mal (1Pe 3.13-17).

A maioria dos verbos que descrevem a perseguição à comu-


nidade tem relação com o “falar mal”, “difamar”, “criticar”, “co-
brir de insultos”. O sofrimento a que se refere a carta é do tipo
perseguição difamatória, com insultos, calúnias, discriminação
e julgamentos.
Em meio ao sofrimento e à perseguição, temos palavras
de esperança destinadas às pessoas dessa comunidade, for-
mada de gente desfavorecida, difamada e humilhada social-
mente. A partir da fé cristã, essas pessoas eram levadas a
crer que faziam parte de um povo especial, favorecido por
Deus em Cristo. Elas são:

[...] raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo


de propriedade exclusiva de Deus, a fim de pro-
clamardes as virtudes daquele que vos chamou
das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim,
que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo
de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia,
mas, agora, alcançastes misericórdia (1Pe 2.9-10).

90
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

2PEDRO

Pelo conteúdo de 2Pedro, somos obrigados a lançar-lhe um


olhar especial, separado, em razão das diferenças em relação à
primeira carta.
No que se refere à autoria, a linguagem literária helenizada,
o emprego de termos completamente estranhos ao cristianis-
mo primitivo - como “participantes da natureza divina” (2Pe 1.4)
-, a utilização de provérbios gregos como “a porca lavada voltou
a revolver-se na lama” (2Pe 2.22) e o uso da retórica aticista (a
mesma utilizada pelo autor da carta aos Hebreus, de estilo ele-
gante e delicado, como dos autores Áticos, os atenienses) dis-
tinguem o grego de 2Pedro de quase todos os outros escritos
cristãos, inclusive 1Pedro. Essas dificuldades foram claramente
identificadas pelos cristãos desde a Igreja primitiva, o que atra-
palhou a inclusão da carta no cânon. Estamos certamente dian-
te de um escrito pseudoepígrafo.

CURIOSIDADE:
2Pedro suscitou dúvidas na Igreja durante
muitos séculos, chegando até mesmo ao perío-
do da Reforma no século XVI: “Esta Epístola tem
passado pelos séculos em meio a tempestades.
Sua entrada no Cânon foi extremamente pre-
cária. Na Reforma, foi considerada por Lutero
como Escritura de segunda classe, foi rejeitada
por Erasmo e olhada com hesitação por Calvino”
(GREEN, 1983, p. 12).

Não há referência clara quanto aos destinatários de 2Pedro,


assim como ocorre em 1Pedro. Mas o fato de o autor ter co-

91
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

nhecimento da carta anterior sugere os mesmos destinatários:


“Amados, esta é, agora, a segunda epístola que vos escrevo; em
ambas, procuro despertar com lembranças a vossa mente es-
clarecida” (2Pe 3.1). Trata-se, portanto, de outra carta circular às
igrejas da diáspora (Ásia Menor) de fundação paulina.
Em razão das lembranças pessoais de Pedro e referência
à sua morte, fica evidente que a carta é um testamento, gê-
nero bastante popular na literatura pseudoepígrafa cristã do
século II.
A carta de 2Pedro reflete um período em que as cartas pau-
linas gozavam de prestígio e começava-se a entendê-las como
“Escrituras” (“demais Escrituras” - 2 Pe 3.16). O autor evidencia
que as comunidades já tinham como autoridades escriturísticas
os escritos judaicos e apostólicos: “para que vos recordeis das
palavras que, anteriormente, foram ditas pelos santos profetas,
bem como do mandamento do Senhor e Salvador, ensinado pe-
los vossos apóstolos” (2Pe 3.2).
O problema é que estavam desvirtuando essas escrituras,
que já eram consideradas sagradas, como as cartas pauli-
nas: “e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor,
como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu,
segundo a sabedoria que lhe foi dada, o falar acerca des-
tes assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas
epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender,
que os ignorantes e instáveis deturpam, como também de-
turpam as demais Escrituras, para a própria destruição de-
les” (2Pe 3.15-16).
Quem estaria desvirtuando as Escrituras? A maioria dos es-
tudiosos entende serem os adversários gnósticos. Em 2Pe 1.16,
temos a expressão “fábulas inventadas engenhosamente” que
ataca os gnósticos, em razão da opinião cética sobre a parusia
(volta de Jesus). Por isso o autor apresenta nova doutrina es-
catológica, sem abandonar a expectativa primitiva (2Pe 3.5-13).

92
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

JUDAS

Judas é um curto documento cristão que também recorre à au-


toridade apostólica para exortar sua comunidade a batalhar pela
fé, tendo em vista inúmeras doutrinas estranhas que invadiram o
cristianismo nos fins do século I.
O autor chama-se Judas e declara-se servo de Jesus Cristo.
Quem seria esse Judas? Irmão de Jesus? Apóstolo, o filho de
Tiago? (Lc 6.16). É difícil provar que o autor seja o apóstolo
ou o irmão de Jesus. Ele não parece pertencer ao meio dos
apóstolos, pois fala deles como um grupo do qual ele não faz
parte: “Vós, porém, amados, lembrai-vos das palavras ante-
riormente proferidas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus
Cristo” (Jd 17). Portanto, deve ser um autor cristão-judeu que
conhece escritos apocalípticos do judaísmo, pois cita “Ascen-
ção de Moisés” (Jd 9), “Apocalipse de Enoque” (Jd 14) e “Len-
das Judaicas” (Jd 11).
Sobre a data, Judas faz referência a Tiago e provavelmente
conhece sua tradição. Já no século II, a epístola está no cânon,
mas é contestado por Orígenes, Eusébio e Jerônimo, pelo fato
de recorrer a textos considerados apócrifos. Sua canonicidade in-
conteste ocorre a partir do século IV. A carta deve ter sido escrita
no fim do século I.
No que diz respeito à redação, Judas não é uma carta propria-
mente dita, mas um pequeno tratado polêmico sem nenhum des-
tinatário específico. As referências “genéricas” sobre a “fé que uma
vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3) e os “apóstolos do
Senhor” (Jd 17) nos revelam isso.
Apesar de Judas não fazer referência clara, é possível tratar-
-se de adversários gnósticos. Referências a exemplos bíblicos
empregados pelo autor pertencem ao conjunto típico da es-
peculação gnóstica: Sodoma e Gomorra (Jd 7), Caim (Jd 11) e
anjos caídos (Jd 6).

93
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Os adversários são ameaçados pelas sentenças tipicamente


apocalípticas. O apocaliptismo sempre foi citado quando havia
necessidade de se distinguir o certo do errado, os maus dos
bons, evidenciando a cada grupo o seu destino final.

1, 2 E 3JOÃO

As cartas de João fazem parte da chamada “literatura joa-


nina” que já estudamos no módulo 2. Tratam-se da exten-
são do ensinamento das doutrinas de comunidades cristãs
desenvolvidas a partir do depoimento de uma testemunha
ocular chamada de “discípulo amado” ou “discípulo a quem
Jesus amava”. A tradição identificou este discípulo com o
apóstolo João.
Certamente, 1João é do mesmo autor do Evangelho, pois
tem relação bastante estreita com seus temas teológicos e
estilo literário. O autor reclama para si a autoridade de teste-
munha ocular: “vimos, ouvimos, nossas mãos apalparam...”
(1Jo 1-3). Ele tinha a pretensão de corrigir justamente alguns
enganos na interpretação do seu primeiro documento (Evan-
gelho) por parte de alguns “falsos mestres” (1Jo 2.18-19).
Já em 2 e 3João, no corpo das cartas, o remetente identifi-
ca-se como “presbítero” (ancião). O uso de alguns vocábulos
típicos da literatura joanina (Evangelho e 1João) nos faz en-
tender que ambas são do mesmo autor, que provém da mes-
ma comunidade que originou o Evangelho e a primeira carta.
O fato de o remetente ser “o presbítero” dá às cartas o
status de “oficial”, ou seja, é uma autoridade eclesiástica
quem as envia. Estamos realmente no período de clara insti-
tucionalização da Igreja (começo do século II).
A primeira carta não deve ter sido enviada muito depois
do Evangelho por tratar-se de tentativa de correção de más

94
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

interpretações do primeiro documento. As cartas origina-


ram-se em períodos próximos, entre 90 d.C. e 110 d.C.
Em 1João não temos a identificação clara dos destinatários,
mas, em razão de suas características literárias, é bem possí-
vel tratar-se da mesma comunidade para a qual foi destinado o
Evangelho de João.
Já 2 e 3João apresentam características de “carta”. Seu estilo
literário é de uma carta privada helenista. Temos em 2João a
identificação da destinatária como “à senhora eleita”. Não se
trata, como muitos pensaram, de uma mulher, a mais velha da
comunidade, mas de um nome carinhoso atribuído à Igreja.
Os seus filhos (2Jo 1.1) são os integrantes da comunidade. Já
3João é enviada a Gaio, provavelmente líder de uma comuni-
dade da Ásia Menor.
Em termos de ocasião e objetivos, 1João apresenta confron-
to com grupos de “falsos profetas” infiltrados (ou originados)
dentro da própria comunidade, talvez docetas e “gnósticos”.
A ênfase do autor, que afirma que “nós vimos e tocamos” (1Jo
1.1-4) em Jesus, evidencia isso. Outro fator importante para
identificar os adversários é a clara afirmação de que quem não
confessar a humanidade de Cristo (que veio em carne) não
procede de Deus (1Jo 4.2-3).
Em relação a 2João, continua a advertência à comunidade
sobre os falsos mestres que rejeitam a encarnação de Jesus
(2Jo 7). Eles podem ser gnósticos que, já no século II, invadi-
ram algumas comunidades cristãs. Tais pessoas são chamadas
pelo autor de “Anticristo”.
Por fim, em 3João temos o elogio a Gaio por conta da hos-
pitalidade com que ele trata os pregadores itinerantes (missio-
nários cristãos ligados à tradição do discípulo amado). Tam-
bém temos a crítica a Diótrefes que, ao contrário de Gaio, é
contra a autoridade do autor (3Jo 9), impede e expulsa os pre-
gadores que chegam à comunidade (3Jo 10).

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

ANTES DE VIRAR A PÁGINA:


De fato este módulo foi bastante intenso,
mas profundamente instrutivo e revelador. Ao
final, é possível observar que os escritos cristãos
não ficaram limitados apenas ao período de vida
dos apóstolos, antes, estenderam-se através de
tradições, ideias, teologias e retóricas até o final
do século I e início do II. Não fossem esses escri-
tos, certamente a Igreja cristã sucumbiria frente
aos desafios das perseguições e dos inimigos da
fé, que se infiltraram nas comunidades, e em ra-
zão do desânimo quanto à volta de Jesus.

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MÓDULO 5
Tema: Literatura Apocalíptica
e o Apocalipse de João
Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Chegamos ao último texto do Novo Testamento, o Apocalip-


se de João. Antes de falarmos sobre os aspectos introdutórios
do livro, é necessário falar sobre o seu gênero literário: a apoca-
líptica. A apocalíptica é um gênero literário que tem origem cla-
ra na tradição judaica e sua ideologia permeia diversos textos
do Novo Testamento. Mas é no Apocalipse de João que vemos
sua maior expressão. Há muitas similaridades entre os antigos
apocalipses judaicos e o Apocalipse de João, porém o maior di-
ferencial do texto cristão para os judaicos é que Jesus ressus-
citado e vitorioso é a garantia de sua verdade e fidedignidade.
Nossos objetivos neste módulo consideram que você, ao final
dos estudos, será capaz de: 1) Compreender melhor o gênero
literário chamado apocalíptico; 2) Interpretar o livro Apocalipse
mediante alguns critérios cristológicos.
Sendo assim, vamos à revelação!

JJ 1. LITERATURA APOCALÍPTICA

A literatura apocalíptica é aquela que trata do “escatón” (fim)


através de linguagem típica figurativa, repleta de símbolos e si-
nais que devem ser interpretados. Nela encontramos um con-
junto de códigos que são conhecidos por grupos específicos de
pessoas “aptas” a interpretá-los com profundidade e exatidão.
A apocalíptica usa imagens e símbolos que fazem o grupo
sujeito dela manter sua identidade, esperança e luta contra a
situação social existente. Ela interpreta os eventos históricos, os
resignificam e projetam nova ordem para o futuro. Essa nova
ordem é instituída pela ação divina, que usará elementos cósmi-
cos, terrenos e extraterrenos para o decreto do fim de uma Era
e instauração de nova realidade.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

O apocalipsismo usa um universo simbólico próprio. O mo-


vimento que se identifica com ele codifica-o e interpreta a rea-
lidade. Geralmente, esse universo é produzido como sinal de
protesto contra a sociedade dominante.
Quanto à origem, este gênero literário não é exclusividade
do cristianismo. O Apocalipse de João, bem como diversos tex-
tos do Novo Testamento, receberam influência de movimentos
apocalípticos judaicos. Chamamos de “apocalipsismo” o movi-
mento que começou dentro do judaísmo no período do pós-
-exílio, e que teve forte recepção e influência especialmente no
período do Segundo Templo.
Em geral, entende-se que a literatura apocalíptica surge em
períodos de crise social e religiosa. Podemos constatar diversas
produções com essa perspectiva literária durante o período gre-
go, predominantemente durante a revolta dos Macabeus (167-164
a.C.), e na Era Cristã, durante a Guerra Judaica (66-70 d.C.). Apesar
das claras evidências da literatura apocalíptica nesses períodos, há
como identificar a existência dos primeiros textos no século IV a.C.,
sob forte influência do zoroastrismo durante o domínio Persa.
O termo “apocalíptica” vem da palavra grega “apocalipsis”
que significa, literalmente, “tirar o véu”, “desvendar” ou simples-
mente “revelar”; é por isso que o livro do Apocalipse de João é
traduzido logo em seu início como “Revelação de Jesus Cristo”
(Ap. 1.1). O termo que deu nome a todo o gênero está ligado
justamente a esta primeira palavra do livro cristão.
Como já dito, há forte relação entre a literatura apocalípti-
ca e o contexto de conflito. A literatura apocalíptica evidencia
o conflito (batalhas, catástrofes, lamentos etc.) e tem a escato-
logia como o destino do universo, ou seja, revela o fim de uma
história e o início de outra. A realidade humana e a realidade
cósmica (celestial) estão ligadas e sofrem os desdobramentos
uma da outra, pois ambas padecem com o conflito dramático
entre o bem e o mal, Deus e Satanás. A realidade desse conflito

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Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

é triste, dramática e invariavelmente violenta. Elementos natu-


rais são abalados (terra, mar e céu) até que o triunfo final de
Deus se estabeleça.
A literatura nunca aponta saída para os conflitos como um
fato natural, mas sempre através da intervenção divina sobre-
natural, geralmente catastrófica. Ao final da crise, julgamentos
são feitos e o destino dos justos e injustos é definido, para fi-
nalmente estabelecer o reinado de Deus, numa nova realidade
(“novo céu e nova terra).

CURIOSIDADE:
Sobre o contexto social da literatura apoca-
líptica e do apocalipsismo de uma maneira ge-
ral, o estudioso Martinus de Bôer afirma que: “O
contexto social do apocalipsismo é então a ‘experi-
ência grupal de alienação’ frente às estruturas do-
minantes da sociedade (políticas, econômicas, cul-
turais) e de um decorrente senso de ‘impotência’”
(DE BOER, 2000, p. 12). Em razão desse contexto
o movimento que se sente excluído e é alienado
cria um novo universo simbólico que pretende
substituir a situação social anterior, responsável
pela alienação.

É possível destacar algumas características específicas dos


textos apocalípticos, ou seja, uma espécie de tipologia, que mar-
ca a forma de construção do texto e da concepção de mundo.
Algumas tipologias do apocalipse são:

– É a revelação de eventos escatológicos apresentada ge-


ralmente por um mensageiro celestial (um anjo) a uma pes-

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

soa que “vê”, ou seja, um visionário.


– A “visão” é uma percepção típica das literaturas apocalíp-
ticas. Os relatos de visão não são exclusivos da literatura apo-
calíptica, elas já existiam antes, mas o uso abundante marca o
gênero apocalíptico. São frequentes as expressões: “então vi”,
“fui levado em espírito e vi”.
– Também caracteriza essa literatura o dualismo escatológi-
co: esta Era, outra Era, bem e mal etc.
– Usa sinais e imagens da tradição judaica que ganharam
força de metáfora, ou seja, uma palavra ou um símbolo ge-
ralmente identificava outra realidade. Ex.: leão, águia, chifres,
dragão, olhos, selos, livros etc.
– O escatón está prestes a irromper na história, ou seja,
proclama o fim próximo. O escatón ainda está para vir, não há
certeza de quando.

Em relação à apocalíptica judaica, temos alguns livros consi-


derados mais comuns, dentre eles: Livros de Enoque; 2, 3 e 4Es-
dras; Apocalipse de Elias; Ascensão de Moisés; Testamento dos
Doze Patriarcas; 2Baruque; Melquisedeque (encontrado entre
os Manuscritos do Mar Morto em Qumran). Estes livros datam
desde o século II a.C. até o século III d.C.

JJ 2. APOCALIPSE DE JOÃO E JESUS CRISTO

O Apocalipse de João conserva a maioria das características


da literatura apocalíptica, como sinais, símbolos, números, an-
jos, demônios, o visionário, mensagens divinas etc. Podemos
destacar que o seu maior diferencial é a concepção de Cristo
como o escatón e que, com Ele, o fim já está acontecendo! Tudo
se iniciou na morte e ressurreição de Jesus! Como afirma Marti-
nus de Bôer (2000, p. 89):

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Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

No Apocalipse os eventos escatológicos do futuro


iminente derivam de um evento escatológico do
passado recente: a ressurreição (e a posterior as-
censão) de Jesus Cristo ao trono celestial de Deus
(cf. Ap. 1,9-20; 5,1-14). Este evento, fundamental
para a fé cristã naquela época e na atualidade,
constitui-se na alteração crucial das expectativas
escatológicas judaicas. Para o autor do Apocalip-
se, assim como para todos os demais cristãos (a
maioria deles judeus cristãos), a hora do escatón
não estava, como na escatologia apocalíptica ju-
daica, a ponto de irromper, mas já havia irrompi-
do na ação divina de ressuscitar a Jesus da morte.
[...] Paulo dizia que o ponteiro do relógio já havia
passado daquele ponto e que eles haviam falha-
do em ouvir o sino que de fato já soou na ressur-
reição de Jesus Cristo.

Assim, para o Apocalipse de João, Jesus é a garantia de que
tudo o que lá está escrito realmente irá acontecer, uma vez que
a Era do Reino de Deus já se iniciou. Portanto, é chegado o Rei-
no de Deus através de Jesus.
Quanto à autoria, o livro inicia falando que é a revelação de JE-
SUS CRISTO mediante ANJO a JOÃO (Ap 1.1-2). Ao contrário do que
a maioria das pessoas costuma pensar, não é o João apóstolo de
Jesus nem mesmo um livro pseudoepígrafo escrito sob a autorida-
de do apóstolo João. Não há dúvida de que João é o nome correto
do autor, um cristão conhecido das igrejas da Ásia Menor.
O início do livro aponta para uma característica epistolar,
pois contém sete cartas encaminhadas às igrejas da Ásia Me-
nor: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodi-
ceia. É possível que o conteúdo das visões de João tenham sido
encaminhadas individualmente como correspondência a cada

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

uma dessas igrejas, conforme sugere o próprio texto: “O que


vês escreve em livro e manda às sete igrejas: Éfeso, Esmirna,
Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia” (Ap 1.11).
A ordem disposta da referência às igrejas em Ap 1.11 não
é aleatória, mas compreende um roteiro geográfico. Podemos
chamar esse roteiro como “rota do candelabro” ou “distrito do
candelabro”. Da Ilha de Patmos, onde estava João, até a última
cidade, é possível observar uma rota em formato de candela-
bro, sugerindo a relação da visão inicial de João: os sete can-
delabros (que são as sete igrajs, conforme Ap 1.20) e Jesus no
meio deles. A ilustração do mapa abaixo mostra muito bem o
que acabamos de afirmar, considerando a configuração da Ásia
Menor no final do século I.

Ao lermos os textos enviados às sete igrejas, percebemos que


cada cidade tinha características próprias (geográficas, sociais e
religiosas), que foram utilizadas nas exortações e orientações.
A opinião tradicional é que o livro Apocalipse de João foi es-
crito para consolo diante da perseguição promovida pelo impé-
rio romano, hipótese que tem sido amplamente aceita por es-

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Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

tudiosos europeus e pela leitura latino-americana. No entanto,


essa concepção tem mudado ao longo dos anos. A partir dos
anos 1990, começou-se a discutir a perseguição que teria dado
origem ao livro. Após 70 d.C., houve expansão e consolidação
de comunidades cristãs em diversas partes do império e é cer-
to que houve perseguição a movimentos cristãos, tanto pelos
romanos quanto pelos judeus. Havia expulsão de sinagogas de
judeus convertidos ao cristianismo, o que de fato resultou na
cisão entre o cristianismo e o judaísmo.
Há indícios de perseguição aos cristãos, principalmente du-
rante o reinado de Domiciano (81-91 d.C.), mas tais persegui-
ções não foram generalizadas e sim localizadas. A chamada “sei-
ta cristã” era entendida como superstição grosseira e foi perse-
guida em razão da recusa da participação nos cultos ao impe-
rador, especialmente no período de Trajano (98-117 d.C.), como
podemos observar nas correspondências formais entre Plínio,
governador romano da Bitínia, ao Imperador Trajano. Nessas
correspondências observamos que havia de fato perseguição
com morte de cristãos. Um bom exemplo delas é dado abaixo:

Nunca participei de inquéritos contra os cristãos. As-


sim, não sei a quais fatos e em que medidas devem
ser aplicadas penas ou investigações judiciárias.
Também me pergunto, não sem perplexidade: deve-
-se considerar algo com relação à idade, ou a criança
deve ser tratada da mesma forma que o adulto? De-
ve-se perdoar o arrependido ou o cristão não lucra
nada tendo voltado atrás? É punido o nome de “cris-
tãos”, mesmo sem crimes, ou são punidos os crimes
que o nome deles implica? Esta foi a regra que eu
segui diante dos que me foram deferidos como
cristãos: perguntei a eles mesmos se eram cristãos;
aos que respondiam afirmativamente, repeti uma

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

segunda e uma terceira vez a pergunta, ameaçan-


do-os com o suplício. Os que persistiram mandei
executá-los pois eu não duvidava que, seja qual for a
culpa, a teimosia e a obstinação inflexível deveriam
ser punidas. Outros cidadãos romanos portadores
da mesma loucura pus no rol dos que devem ser en-
viados a Roma (Bettenson, 2001, p. 28).

Essa correspondência foi enviada no ano 111 d.C., ou seja,


no século II, e trata-se de questões ligadas à Bitínia, que fica-
va ao norte da Ásia Menor. Sugere-se que perseguição maior
e sistematizada deu-se a partir do século II. Concluiu-se, por-
tanto, que durante a elaboração do Apocalipse de João não
havia perseguição generalizada, mas casos isolados (como o
de Antipas), o que provocou expectativa de uma perseguição
generalizada iminente. O livro é um suporte para a fé, para o
caso de tempos de perseguição, que já eram esperados e que
de fato chegaram.

SIMBOLOGIAS DO APOCALIPSE

A literatura apocalíptica é repleta de símbolos. Números e


figuras (bestas, anti-Cristo, dragão, sol, lua, estrelas etc) querem
comunicar muitas coisas aos destinatários. Esses elementos
sempre foram alvo de especulações e interpretações ao longo
de séculos, sem, contudo, estabelecer algo definitivo, já as es-
truturas numéricas são muitas e claras:

– Três septenários (períodos de sete): sete selos (Ap 6.1-8.1),


sete trombetas (Ap 8.2-11.19) e sete taças (Ap 15.1-16.21);
– O número quatro significando o “cosmos” e pontos car-
deais (Norte, Sul, Leste e Oeste);

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Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

– Os números três e sete indicando Deus e a perfeição;


– O número seis representando o ser humano e a imperfei-
ção (O sete é perfeito, o seis nunca chega à perfeição.);
– Doze é número de governo (doze tribos, doze mil selados);
– O número sete, além dos significados indicados acima,
também designou as sete cartas às Igrejas (Ap 2.1-3.22), as sete
visões da mulher, do dragão e das bestas (Ap 12.1-13.18), as
sete visões do Cordeiro e dos Anjos (Ap 14.1-20), as sete vozes
celestiais = queda da Babilônia (Ap 17.1-19.10) e a consumação
com as sete visões do fim (Ap 19.11-22.5).

Além dos números, encontramos no Apocalipse de João di-


versas referências a textos e personsagens do nosso Antigo Tes-
tamento, o que pode ser chamado de intertextualidade latente.
É possível observar alusões a praticamente todos os profetas,
como Isaías, Jeremias, Ezequiel, Zacarias. A analogia mais clara
com o Antigo Testamento é a referência ao Êxodo: as pragas (Ap
16), o perigo dos seguidores de Balaão (Ap 2.14), o cântico de
Moisés (Ap 15.2-4), as doze tribos de Israel (Ap 7.4-8), os anjos
adiante do povo para o libertar (Ap 7.1-2) e o santuário de Deus,
cheio de sua presença (Ap 11.19).

PARA PENSAR:
O livro do Apocalipse encerra o cânon da Bí-
blia cristã. Olhando a Bíblia como um grande
conjunto de livros, de forma sincrônica, o Apoca-
lipse (que encerra) tem o papel inverso ao Gêne-
sis (que inicia). Enquanto este abre todo o proje-
to salvífico com a criação dos céus e da terra, o
Apocalipse revela o ápice da redenção, com os
novos céus e nova terra.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

CONCLUSÃO

Este último módulo tratou justamente sobre o texto que re-


vela as últimas coisas: o Apocalipse de João. É importante que
você tenha observado algumas características da literatura apo-
calíptica, especialmente da apocalíptica judaica, da qual o Apo-
calipse de João herdou seu pensamento. Também é fundamen-
tal que você tenha entendido que o livro foi originado em meio
a uma crise, provavelmente o início da perseguição durante o
governo do imperador Domiciano (81-91), e que tal persegui-
ção, ainda que localizada, levou à expectativa de uma persegui-
ção generalizada iminente.
Ficou claro que o diferencial entre o Apocalipse de João e as
outras literaturas judaicas é Jesus como a garantia de que tudo o
que lá está escrito realmente irá acontecer, pois, com sua morte
e ressurreição, o escatón (fim) já começou. O fim esperado por
todos aqueles que vêm da grande tribulação de nosso mundo,
os que “lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do
Cordeiro” (Ap 7.14), será de fato concretizado num “novo céu
e numa nova terra” (Ap 21.1), realidade onde “a morte já não
existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor […]” (Ap. 21.4).

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Introdução Histórico-Literária
ao Novo Testamento

BIBLIOGRAFIA

DE BOER, Martinus. “A influência da apocalíptica judaica


sobre as origens cristãs: gênero, cosmovisão e movimento
social” In: Estudos da Religião n.º 19. São Bernardo do Campo:
UMESP, 2000.
FABRIS, Rinaldo. As cartas de Paulo III. São Paulo: Loyola, 1992
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MEEKS, Wayne A. Os primeiros cristãos urbanos: O mundo so-
cial do apóstolo Paulo. São Paulo: Academia Cristã, 2011.

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