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Notas Introdutórias da "Bíblia de Estudo de Genebra"

(gentilmente cedidas pela Editora Cultura Cristã)

Introdução ao Período Interbíblico

Quando a história do Antigo Testamento encerrou-se, a comunidade hebraica encontrava-se


castigada, dividida, e esperançosa. Estava arrependida porque reconhecia ter cometido um
grave pecado, que levou o Senhor a lançar o julgamento sobre ela. A nação estava
dividida. Muitos judeus haviam retornado do exílio e estavam adorando a Deus em
Jerusalém, mas a maioria havia ficado na Pérsia, e ainda outros tinham se estabelecido no
Egito e em outros lugares. Essa dispersão da população judaica é chamada de “Diáspora”.
Mas, acima de tudo, o povo não havia abandonado sua fé e esperança. Ele conhecia as
promessas da Aliança entre Deus e Abraão. Lembrava-se da poderosa mão do Senhor que
havia redimido seu povo do Egito. E uma grande expectativa começava a se desenvolver
acerca da vinda do Messias, que iria cumprir os propósitos de Deus para a salvação do seu
povo e trazer o novo êxodo desejado.

Virando-se a página do livro de Malaquias para o primeiro capítulo do Novo Testamento,


há um salto de mais de quatrocentos anos. Os judeus testemunharam drásticas mudanças
nas culturas circunvizinhas e, inevitavelmente, eles também sofreram uma grande
transformação interna. O Império da Pérsia havia desabado diante das conquistas de
Alexandre, o Grande. Na última terceira parte do quarto século a.C., Alexandre havia
trazido a cultura grega, ou o “Helenismo,” para os lugares que conquistou, incluindo a
maioria do Oriente Médio. Depois disto, a vida do povo judeu foi grandemente marcada
pelo confronto com a cultura grega.

Os Ptolomeus. Alexandre Magno morreu em 323 a.C., e a Palestina ficou debaixo


do governo de um de seus generais gregos, Ptolomeu, que também reinava no Egito. Pouco
se sabe a respeito da vida na Judéia nos tempos dos ptolomeus. Aparentemente, os judeus
haviam recuperado liberdade considerável para praticar sua religião como também para
terem seu governo próprio, até certa medida, exercido pelo seu próprio sumo sacerdote.
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Originalmente esse ofício tinha um propósito estritamente religioso, mas na ausência de um


rei judeu, ele se tornou o maior símbolo político dos judeus. Ao mesmo tempo a
comunidade se sentiu cada vez mais pressionada a adotar o estilo de vida grega.

A colônia judaica em Alexandria, no Egito, parece ter se desenvolvido durante o


período dos Ptolomeus. Estando na capital de uma cidade de cultura pagã, entretanto, a
colônia tinha uma grande necessidade de se ajustar ao novo ambiente. Alguns intelectuais
judeus queriam ensinar a história dos hebreus aos gentios. Outros tentaram combinar a
religião bíblica com a filosofia grega, um processo que, algum tempo depois, culminou nas
interpretações alegóricas de Filo de Alexandria. Entre as várias produções literárias, a
tradução do Pentateuco do hebraico para o grego foi terminada perto do fim do terceiro
século a.C. Este trabalho, juntamente com as traduções posteriores dos outros livros do
Antigo Testamento, é chamado de Septuaginta (comumente abreviado com o numeral
romano “LXX”), entitulado assim por causa dos setenta eruditos que, de acordo com a
tradição, participaram na tradução original. Os autores do Novo Testamento escreveram
em grego, e, muitas vezes, utilizaram a Septuaginta quando citavam o Antigo Testamento.

Os Selêucidas. Um dos generais de Alexandre, Seleuco, se tornou governador de um


império, que eventualmente se estendeu da costa oeste da Ásia Menor (Turquia) à
Babilônia e para adiante, ao leste. A capital do império selêucida foi estabelecida em
Antioquia da Síria, no norte da Palestina, e apresentava um constante desafio para os
governantes ptolomeus. Finalmente, em 198 a.C., o governador selêucida Antíoco III,
conseguiu ocupar o território palestino.

Não há dúvidas de que os Judeus foram afetados imediatamente por essa mudança, mas foi
com a ascensão de Antíoco IV em 175 a.C., que a Judéia se encontrou num dos períodos
de maior dificuldade jamais enfrentada por qualquer comunidade judaica. Também
conhecido como Epifânio (“Deus manifesto”), Antíoco IV começou a sentir-se ameaçado
pelos romanos, que vagarosamente mas habilmente, estavam avançando para o leste. No
esforço de fortalecer e unir seu império, Antíoco intensificou o processo de helenização da
Palestina.
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Alguns judeus receberam esse desenvolvimento de braços abertos e acolheram a nova


cultura, ao ponto de rejeitar sua identidade religiosa. Tal apostasia fortaleceu a
determinação de outros judeus em resistirem à política de Antíoco. Este rei não entendeu o
aspecto religioso do Judaísmo, e desencadeou uma terrível perseguição religiosa.
Exemplares das Escrituras Hebraicas foram queimados, a observação do Sábado foi
proibida, a circuncisão foi banida e os infratores foram condenados à morte. Em 167 a.C.
Antíoco profanou o templo judeu, colocando nele uma estátua de Zeus e sacrificando-lhe
porcos. Muitos judeus interpretaram esta blasfêmia como sendo o cumprimento da profecia
que prediz “a abominação da desolação” (Dn 11.31, 12.11; cf. 9.27).

Pouco depois desta profanação, deu-se início a Revolta dos Macabeus. Sob a liderança de
Judas Macabeus, ou Judas, o “Martelo”, pequenas guerrilhas judaicas combateram e
derrotaram repetidamente grandes batalhões selêucidas. Os judeus ocuparam Jerusalém e
rededicaram o Templo em 164 a.C. Este evento ainda é celebrado hoje na festa judaica
chamada Hannukah. A história destes e de outros eventos subseqüentes estão relatados no
livro de 1 Macabeus, um dos livros conhecidos como Apócrifos (ou conhecido na Igreja
Católica Romana como Deuterocanônicos).

Os Hasmoneanos. Tendo provado o sabor da vitória, os judeus não se contentaram


simplesmente em apenas recuperar o direito de praticar sua religião. Eles lutaram para
recuperar a liberdade política também, algo que não haviam desfrutado desde o exílio na
Babilônia no século VI a.C. Depois da morte de Judas, seus irmãos Jônatas e Simão
continuaram a guerra até 142, quando a Judéia se tornou independente e a dinastia
hasmoneana foi estabelecida. O nome é derivado de Hasmon, um ancestral dos Macabeus.

Mas a luta contra a helenização não havia terminado. Mesmo antes da conquista da
independência, Jônatas Macabeus havia se tornado o sumo sacerdote, apesar de não
pertencer à família correta (da linhagem de Zadoque). De acordo com muitos eruditos, foi
esse fato que levou um grupo de judeus mais ortodoxos a se afastar da sua nação e
estabelecer a comunidade dos essênios de Qumran, próximo ao Mar Morto. Considerando-
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se eles mesmos a verdadeira nação de Israel, essa comunidade desenvolveu um estilo de


vida monástico. Eles interpretavam as profecias do Antigo Testamento como sendo
cumpridas no meio deles, e esperavam ansiosamente pela guerra final e iminente que
destruiria os inimigos de Deus. Uma extensa coleção de sua literatura, os pergaminhos do
Mar Morto, foi descoberta em 1947.

Os governadores hasmoneanos (macabeus) dominaram o sacerdócio. Progressivamente,


foram adotando a maneira de vida grega. Em geral, eles receberam o apoio dos saduceus,
um grupo aristocrático que procurava preservar a estabilidade política. Esse partido
conservador reconhecia somente a autoridade do Pentateuco, enquanto outros livros
atribuiam menos autoridade, e nesses termos rejeitavam a doutrina da ressurreição (cf. Mt
22.23-33; At 23.6-8). A origem histórica dos saduceus, tanto quanto a dos fariseus, não
pode ser definida. Ambos os grupos foram primeiramente mencionados pelo historiador
Josefo em conexão com o governo de João Hircano I (134-104 a.C.)

Os fariseus, apesar de não serem primariamente um grupo político, podem ser considerados
como tendo sido o partido de oposição do seu tempo. Eles protestaram contra a
helenização na vida judaica, formaram uma tradição oral extensiva e procuraram preservar
a pureza das regras do judaísmo. Mas, através de suas interpretações da lei, eles
adulteraram muitos princípios bíblicos. De fato, essa prática baixou o padrão da santidade
exigido por Deus e ajudou a nutrir a ilusão de que o povo podia agradar a Deus através de
seus próprios esforços (Mc 7.1-13; Lc 18.9-14).

Os romanos. Apesar de ter havido alguns períodos de prosperidade, a dinastia


hasmoneana, dividida pelas lutas internas, não conseguiu resistir ao avanço dos romanos.
Em 63 a.C., o general romano Pompeu invadiu Jerusalém. A constante agitação levou os
romanos a nomearam Herodes como o rei da Judéia. Ele era um idumeu de nascimento,
mas também um judeu prosélito. Ele reinou de 37 a.C. até sua morte em 4 d.C.

Herodes era obediente à Roma e governou com eficiência. Seus projetos de edificação,
como a construção de um porto artificial em Cesaréia, um admirável feito da engenharia, o
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tornou famoso no mundo antigo. De especial importância foi a reconstrução do templo em


Jerusalém, um empreendimento ambicioso que começou em 20 a.C. e continuou muito
depois de sua morte (Jo 2.20). Por estas e outras realizações, ele acabou sendo chamado de
“Herodes o Grande.” Infelizmente, os vícios de Herodes lançaram na sombra as suas
virtudes. Egoísta, ciumento, e desconfiado, Herodes, às vezes, agia como louco, chegando
ao ponto de até mesmo assassinar alguns dos seus próprios filhos.

Quando a história do Novo Testamento se inicia, os judeus estão sujeitos a uma potência
estrangeira. Governados por um personagem capaz, porém tirânico, esperavam por uma
salvação que ainda não havia chegado.
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