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ANAIS DA 8ª JORNADA

CIENTÍFICA
22 DE SETEMBRO DE 2018
Faculdade Teológica Batista de São Paulo
Sumário
MESAS REDONADAS................................................................................................... 2
TEOLOGIA BÍBLICA: DA REFORMA AOS DIAS ATUAIS. PROBLEMAS E PERSPECTIVAS.. 3
CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA E DA TEOLOGIA PRÉ-REFORMA PRIMAZIA DA FÉ
SOBRE A RAZÃO NA TRADIÇÃO CRISTÃ ...................................................................... 22
APONTAMENTOS SOBRE HISTÓRIA DA TEOLOGIA BÍBLICA: UMA REAÇÃO AO TEXTO
“TEOLOGIA BÍBLICA: DA REFORMA AOS DIAS ATUAIS. PROBLEMAS E PERSPECTIVAS”,
APRESENTADO PELO PROF. DR. MARCOS PAULO BAILÃO. ........................................ 36
COMUNICAÇÕES ORAIS........................................................................................... 44
A REFORMA PROTESTANTE COMO BERÇO DAS TEORIAS POLÍTICAS ......................... 45
PERSEVERANÇA NA DOUTRINA BÍBLICA, FRENTE AO NOVO CENÁRIO RELIGIOSO
BRASILEIRO. ................................................................................................................ 52
A LÍNGUA DOS ANJOS EM 1CORÍNTIOS 13:1 .............................................................. 61
PÔSTERES..................................................................................................................... 75
A RAIZ ZNH NO LIVRO DO PROFETA OSÉIAS: UM ESTUDO INTRODUTÓRIO .............. 76
O ESTUDO DO MITO PARA COMPREENDER A LITERATURA DO ANTIGO ORIENTE .... 86
OS JARDINS REAIS DO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO: ESTUDO HISTÓRICO E
IMAGÉTICO................................................................................................................ 100
CRISE REVELADORA: A CRISE DA JUERP E A SAÚDE ORGANIZACIONAL DOS BATISTAS
BRASILEIROS NO INÍCIO DA DÉCADA DE 1990 .......................................................... 115
AS NUANCES RELIGIOSAS NA IDEOLOGIA NAZISTA – COMO OS ESCRITOS LUTERANOS
INFLUENCIARAM O NAZISMO ................................................................................... 125
DESCONVERSÃO NO PROTESTANTISMO .................................................................. 138
A INFLUÊNCIA DA COSMOVISÃO NA EDUCAÇÃO: O QUE ESTÁ POR DE TRÁS DA
EDUCAÇÃO? .............................................................................................................. 147
OS IMPACTOS DAS VERDADES BÍBLICAS SOB A PERSPECTIVA DA VISÃO MISSIONAL
DOS EDUCADORES CRISTÃOS QUE ALMEJAM A TRANSFORMAÇÃO DE VIDAS ....... 162

1
MESAS REDONADAS

2
TEOLOGIA BÍBLICA: DA REFORMA AOS DIAS ATUAIS. PROBLEMAS E
PERSPECTIVAS.

Prof. Dr. Marcos Paulo Bailão


Email: mpbailao@gmail.com
Faculdade Teológica Presbiteriana Independente
Departamento de Graduação em Teologia
Eixo Temático: Teologia Bíblica
Categoria: Mesa redonda

INTRODUÇÃO

A história da Teologia Bíblica é por demais vasta. Abarca séculos de


experiências, afirmações e transformações. Mesmo quando se delimita esse
estudo para o período a partir da Reforma, há de se ter em mente que temos aí
um período mais ou menos como toda a História do Brasil. São cinco séculos!
E quinhentos anos de história bem vivida, cheia de caminhos, idas e vindas,
afirmações e negações, discussões, debates, transformações, etc.

Assim, como consequência direta desse fato, há de se ter em mente duas


situações: a primeira delas é que, por mais que queiramos, não teremos como
apresentar um trabalho que faça justiça a toda a complexidade dessa história,
Tudo que apresentarmos aqui não passará de um recorte, e como todo recorte,
é uma escolha arbitrária daquele que a recorta.

A segunda situação é que a Bíblia é um campo cujo estudo nunca se encerra,


sempre existirão novos caminhos a serem percorridos de acordo com o
desenvolvimento das pessoas e das sociedades humanas. Como depósito de
sentido ela está sempre pronta a ser usada para que novas leituras e propostas
possam emergir dela.

Neste trabalho pretendemos apresentar o desenvolvimento da Teologia Bíblica


de forma quase que cronológica, sem deixar de apontar que esse caminho foi
percorrido em paralelo aos caminhos das sociedades e do pensamento

3
humano. Apresentamos também, ainda que brevemente, um pouco da
pesquisa bíblica em solo brasileiro. Terminamos pontuando algumas
preocupações que nos ocupam acerca da continuidade desses estudos.

A REFORMA

Quando começa a Teologia do Antigo Testamento? Se para alguns, só pode


ser reconhecida enquanto disciplina acadêmica a partir da Reforma, é fato que
as primeiras releituras de textos e temas da tradição veterotestamentária
aconteceram já na própria Bíblia Hebraica. O Novo Testamento relê o Antigo a
partir e através de Jesus Cristo. E os Pais apostólicos, como Irineu, Orígenes,
Agostinho e João Crisóstomo empreenderam importantes trabalhos na
interpretação da Bíblia, tão importantes que influenciaram gerações
posteriores, chegando até mesmo aos reformadores, e, através deles, até nós.
Tais apontamentos são importantes para entendermos que antes da Reforma
já existia Teologia Bíblica com uma história. A Reforma embora ponto de
partida de nossa pesquisa, não é o início da história.

A Reforma representa um momento muito importante para a Teologia Bíblica.


Essa condição se dá por conta da postura dos reformadores que valorizaram a
Bíblia como base de vida e fé do povo, mas também por dois fatores externos:
o primeiro deles foi o Renascimento com a valorização das obras e do
pensamento antigo e com o início do racionalismo; e o segundo fator foi a
invenção da imprensa de Gutenberg, que permitiu a publicação e difusão da
Bíblia em larga escala.

Os reformadores enfatizaram o estudo das Escrituras em detrimento da


tradição eclesiástica. Ao empreenderem esta tarefa, construíram uma criativa e
fundamental reflexão acerca da Bíblia e de seu conteúdo. Produziram uma
importante forma de Teologia Bíblica.

Lutero examinou cuidadosamente as crenças e práticas da Igreja à luz das


Escrituras. Deu ênfase ao sentido literal-histórico, rejeitando as alegorias. Usou
a tese da “justificação pela fé” como chave hermenêutica para ler toda a Bíblia.
4
Por isso deu mais peso aos livros que mostram a Cristo e questionou a
canonicidade de outros.

Calvino foi formado nas bases do humanismo de seu tempo. Seguia a tradição
retórica que buscava tornar a verdade teológica mais persuasiva do que
conceitual.

“A teologia não era scientia (ciência), como na idade média, mas sapientia
(sabedoria) que vinha diretamente das páginas da Escritura”1

Para ele, a Bíblia é a ajuda dada por Deus para que possamos conhecê-lo
corretamente. O conhecimento advindo da Escritura é prático e conduz à
reverência, ao culto e à vida de correção. A sua finalidade é encaminhar as
pessoas a Cristo, em quem há salvação. Cristo é o centro das Escrituras, tanto
do Novo quanto do Antigo Testamento. O propósito da Escritura é a salvação
e seu conteúdo é salvífico, e este tem origem divina, embora acomodado nas
limitações humanas dos pregadores.

Os escritores do Antigo Testamento, porém, viveram na escuridão, pois ainda


não havia se levantado o Sol de justiça. Eles viveram na fé e esperança, mas
limitados pelo fato de estarem ainda sob uma religião obscura e incompleta.
Assim, o propósito e a intensão desses escritores eram restritos pelas suas
próprias condições e limitações.

Calvino dedicou-se ao estudo da história, da geografia e das instituições do


antigo Israel para compreender o contexto histórico dos textos bíblicos,
especialmente os do Antigo Testamento.

Tanto Calvino quanto Lutero não concordavam com a postura de outros


reformadores que defendiam a inerrância das Escrituras em questões não
apenas de fé como também no que se refere à história, geografia e outros

1
Jack B. ROGERS. Autoridade e Interpretação da Bíblia na Tradição Reformada p.38
5
campos do saber. Eles analisam a Bíblia com liberdade. Calvino afirma que 1 e
2 Pedro não poderiam ter sido escritas pelo mesmo autor, dadas as diferenças
de estilo. E Lutero sente-se tão à vontade diante do texto bíblico que chega a
questionar a canonicidade de alguns.

A reação católica à Reforma tomou forma no Concílio de Trento que afirmou


que a verdade cristã se fundamenta em duas bases, as Escrituras Sagradas e
a tradição, sendo que a leitura da Bíblia deve ser norteada pelo conjunto de
ensinos da Igreja, a tradição. Hoje entendemos que nenhuma leitura inicia sem
pressupostos explícitos ou implícitos daquele que a lê, inclusive sua tradição
religiosa. Porém, tomada nesse tempo, esta afirmação era inaceitável pelos
reformadores, mas a geração seguinte do protestantismo trabalhou exatamente
nesta direção.

BIBLICISMO DOGMÁTICO

A geração de teólogos que seguiu a dos reformadores cerca de cem anos


depois, conhecida como Ortodoxia Protestante, perdeu a liberdade e inovação
de Lutero e Calvino. Dedicaram mais esforços em desenvolver doutrinas sobre
a Bíblia e sua inspiração do que em trabalhar efetivamente o texto bíblico.
Quanto a este, seu trabalho foi ditado por preocupações dogmáticas. Voltaram-
se muito mais a ter a Bíblia como uma base que legitimava as doutrinas da
igreja do que como um testemunho da ação abençoadora e salvífica de
Yahweh em meio do seu povo. Ela é apenas e tão somente um livro de
informação sobre Deus e sobre o mundo.

Alguns dos teólogos desse tempo defenderam a inspiração total (tudo que está
na Bíblia foi inspirado, seja de que natureza for) ou verbal (cada palavra foi
expressamente ditada pelo Espírito Santo) das escrituras sagradas. Alguns
deles chegaram ao ponto de afirmar que até a vocalização do texto hebraico e
as cópias manuscritas eram inspiradas por Deus.

Deve-se considerar que os sucessores de Lutero e Calvino tinham o desafio de


responder aos desafios do Catolicismo pós Concílio de Trento e daquilo que
6
eles consideravam como heresias internas ao próprio movimento reformado, do
qual o Arminianismo é um exemplo. No intento de responder a esses desafios,
eles se fecharam no porto seguro de sua própria tradição e radicalizaram o
ensino da Reforma. Suas posições eram contextualmente muito bem
circunscritas e representavam uma resposta aos desafios de seu tempo.

Nesse caminhar, eles colocaram a Bíblia em uma posição de subserviência à


Teologia Dogmática. Esta determinava a seleção e tratamento que se dava às
perícopes escolhidas. As citações bíblicas eram extraídas sem qualquer
preocupação de análise do seu contexto, autoria, época, etc., apenas para dar
apoio aos dogmas e doutrinas das Igrejas Protestantes e Reformadas em
oposição às da Igreja Católica Romana.

Retornam ao método usado pelo escolasticismo medieval no que tange à


seleção e arranjo do material bíblico, ou seja, sob um determinado tema da
Dogmática, eram colocados diversos pequenos trechos bíblicos,
indiscriminadamente extraídos, e brevemente comentados. Essa submissão à
Teologia Dogmática é tão grande que se pode falar de bibliscismo dogmático.

CONSTITUIÇÃO DE UMA DISCIPLINA

O séc. XVII testemunha o início da oposição a essa postura, seja através da


ascensão do deísmo, que privilegia a religião natural em detrimento de uma
religião revelada, seja a partir dos primeiros estudos que levantam questões
literárias e históricas sobre os manuscritos bíblicos, seja pelo despertar de
grupos que procuravam na Bíblia orientações que dessem sentido à sua vida e
fomentassem a comunhão com Deus.

Em 1650, é publicado Critica sacra, de Louis Cappel que afirmava que o texto
massorético não era idêntico aos manuscritos originais e que a Bíblia tinha uma
história literária como qualquer outro livro.

No transcurso deste século os estudos de Teologia Bíblica deixaram a ideia de


que os escritos sagrados continham um sistema de doutrinas. As Escrituras

7
passaram a ser vistas como uma narrativa histórica, registro da redentora ação
divina na história. A segunda metade deste século testemunhou os primeiros
passos daquilo que posteriormente veio a ser chamado de crítica bíblica.

O relacionamento de Deus com a humanidade é percebido através de uma


sequência de eventos, e mesmo uma série de alianças. Pode-se dizer que é
um antecedente da posterior História da Salvação.

Em 1629, W.J. Christmann publica Teutsche Bibliche Theologie que, até onde
sabemos, aparece pela primeira vez o termo Teologia Bíblica. Outros trabalhos
que se seguem passam a utilizar esta terminologia.

A nova postura que contestava o dogmatismo em torno da Bíblia se deu a partir


de duas influências totalmente distintas: o Pietismo e o Iluminismo. Sob a
influência dessas duas correntes a Teologia Bíblica se libertou da Dogmática e
se tornou uma disciplina independente.

O Pietismo enfatizava o estudo da Bíblia de forma que continha uma crítica ao


rigor dogmático e racionalista da Ortodoxia Protestante. Uma série de
movimentos surgiram enfatizando a piedade pessoal como mais importante do
que um frio sistema de doutrinas. Para ele, a Bíblia deveria ser estudada
conforme categorias próprias, com especial atenção ao seu contexto histórico e
cuidadoso estudo das suas palavras e conceitos. Ela deveria ser lida com
maior preocupação como um guia para a piedade e para a vida cristã. Os
seguidores dessa linha eram em sua maioria conservadores em questões
doutrinárias, mas piedosos na vivência religiosa cotidiana.

Também o Iluminismo contribuiu para a separação da Teologia Bíblica da


Dogmática, em função da sua aversão aos dogmatismos – especialmente os
religiosos – e apresentando aos estudiosos das Escrituras as ferramentas
críticas usadas em outros documentos antigos. Embora, historicamente como
movimento, só se constitui a partir do séc. XVIII, as suas raízes racionalistas se
encontram tempos antes.

8
Nesse mesmo tempo, desde o séc. XVII, a igreja é chamada a lidar com novas
propostas científicas que poderiam abalar a fé. Os trabalhos de filósofos como
Bacon, Descartes e Kant, entre outros, abriram as portas para o pensamento
segundo o qual o ser humano pode alcançar o verdadeiro conhecimento pela
investigação racional e objetiva do mundo concreto, sem a tutela de quem quer
que seja, inclusive da Igreja. A própria Bíblia deveria ser lida nessa linha. Tal
postura tira as Escrituras do posto de autoridade arbitrária para a condição de,
ela mesma, ser objeto de análise e crítica.

Um caso concreto que exemplifica esse conflito foram as disputas em torno das
descobertas astronômicas de cientistas como Copernico e Galileu. Como era
de se esperar, a ortodoxia, inicialmente, reagiu com ênfase na recusa dessas
afirmações que poderiam abalar a fé cristã e a credibilidade das Escrituras. Em
meio a esse debate, Galileu escreve uma carta a Christina de Lorraine
negando que a descoberta de que a Terra não era o centro do universo fosse
contrária à fé cristã ou às escrituras.

O primeiro trabalho publicado na perspectiva crítica foi o de G.T. Zachariä,


Biblische Theologie oder Untersuchung des biblischen Grundes der
vornehmstern Lehren2, que demonstrou o abismo existente entre o significado
dos textos bíblicos derivado do exame exegético crítico daquilo que era
apresentado conforme os trabalhos dogmáticos. Para ele, o sentido extraído da
exegese deveria testar e, se necessário, corrigir o dogmático. Esta forma de
estudo não deu a devida consideração às Escrituras, tratando-a toda
uniformemente. Cada livro deve ser, para Zachariä, estudado em seu
respectivo contexto e propósito.

Um marco histórico e metodológico nesta separação é o trabalho de J. P.


Gabler, no fim do séc. XVIII. Em 1787, ele apresentou uma palestra na

2
Citado por Werner E. LEMKE em: Theology (OT), p.450
9
Universidade de Altdorf na qual procurou estabelecer a diferença entre as
Teologias Bíblica e Dogmática e, neste intento, afirmou que a primeira tem
caráter histórico, ou seja, apresenta o que os escritores sagrados pensavam
acerca das questões divinas. Ela tem duas tarefas: primeiramente apresentar o
que os diversos autores bíblicos afirmaram a respeito das questões relativas a
Deus em seu respectivo contexto; a segunda tarefa é separar quais dessas
afirmações e conceitos bíblicos têm valor permanente e universal, fornecendo
uma base bíblica sobre a qual se poderia construir uma Teologia Dogmática.
Para Gabler, a Teologia Bíblica possui duas dimensões: uma puramente
histórica ou descritiva e outra construtiva ou normativa. A autoridade normativa
não tem base na Igreja e sua interpretação, mas em fundamentos históricos e
racionais. Dependendo da aplicação de certos valores, esta dupla dimensão
permanece até hoje no horizonte teológico de alguns estudiosos da Bíblia.

A postura racional separou a interpretação da Bíblia da autoridade da Igreja,


retomando em certo sentido a proposta dos reformadores Calvino e Lutero.
Como consequência disso, a Teologia Bíblica do período não oferecia
afirmações da fé bíblica que não estivessem mediadas pela razão.

SOB INFLUÊNCIA DO RACIONALISMO

Os séc. XVIII e XIX presenciam o aprofundamento dos estudos e a


especialização que leva à distinção entre Teologia do Antigo e do Novo
Testamento.

Nesse período também o racionalismo se transforma em forma de pensamento


predominante e tão restritivo quanto o fora anteriormente a Teologia
Dogmática. O racionalismo não é inocente, mas atende ele também, a
interesses e poderes como os estabelecidos na Europa desta época.

Ele impõe à Teologia Bíblica, e com danos particularmente expressivos aos


estudos do Antigo Testamento, a mediação da Filosofia Racional. Para ela, a
verdadeira fé é fruto da razão e a Bíblia precisa ser entendida em termos de
um processo religioso evolutivo que dirige desde as mais primitivas formas até
10
a religião absoluta e universal. Somente os ensinos bíblicos que estavam de
acordo com o pensamento racionalista teriam valor permanente.

As ideias evolucionistas e positivistas impunham uma preconceituosa ideia


separatista pela qual o Antigo Testamento estava superado pelo Novo. A
primeira aliança refletia uma cultura e religião primitivas que foram superadas
pela chegada do Cristianismo. A Teologia do Antigo Testamento, distinguindo-
se da do Novo, tem a tarefa de esboçar as ideias religiosas do povo de Israel
desde os tempos antigos até o início da era cristã. E essas ideias, por serem
consideradas menos evoluídas, tinham menor valor dos que as oriundas do
pensamento cristão.

Os desdobramentos do pensamento racional e crítico no estudo da Bíblia não


ficaram sem oposições. Em muitos casos, o método histórico-crítico foi
responsabilizado por terem os pesquisadores esquecido ou ignorado o uso e
autoridade das escrituras na comunidade cristã. Hoje, há quem diga que muito
do que foi afirmado a partir de pesquisas baseadas nesse método não era fruto
da observação cuidadosa, mas “projeções das perspectivas da classe média”.3

Uma reação conservadora teve lugar em meados do séc. XVIII, produzindo


relevantes trabalhos de orientação ortodoxa ou moderada.

VINCULAÇÃO À HISTÓRIA DA RELIGIÃO DE ISRAEL

A rígida delimitação dos estudos do Antigo Testamento em categorias


sistemáticas, fossem elas de base racionalista ou conservadora, no séc. XIX,
sofreu uma significativa mudança e passa a ser substituída por estudos de
fundo histórico. As razões para essa mudança são o desenvolvimento da
consciência e de estudos históricos, o surgimento das pesquisas em torno das
religiões comparadas, o – literal – desenterramento dos achados

3
GONZÁLEZ, Justo. How the Bible has been interpreted in Christian Tradition. p.104.
11
arqueológicos. Todas essas novidades trouxeram novas luzes sobre os textos
bíblicos e sobre a sociedade e religião de Israel e Judá, inserindo-os no mesmo
universo histórico, social e religioso de todo o Oriente Próximo antigo que
agora se tornava mais conhecido.

Outra importante abertura desta época às pesquisas bíblicas, em especial as


do Antigo Testamento, foi dada aos estudos histórico-críticos requerendo novas
avaliações do desdobramento das ideias teológicas das Escrituras. Destacam-
se nesse trabalho os nomes de Vatke, Graf, Kuenen e Wellhausen.

Essas novas influências trouxeram uma alteração significativa no conteúdo da


disciplina. Abandonando a postura tradicional, os principais trabalhos da época
escreveram uma história da religião de Israel mais do que um tratado de
teologia. Esses trabalhos entendiam o Antigo Testamento como um registro
humano do transcorrer das ideias religiosas de Israel, vistas a partir de sua
inserção no contexto do antigo Oriente Próximo. Por isso, partilhavam de uma
confiança exclusiva numa abordagem histórica em lugar de uma investigação
de caráter sistemático ou conceitual. Princípios evolucionistas, que permeavam
todo o ambiente científico da época, podem ser percebidos em muitos desses
trabalhos, por exemplo, ao privilegiar determinados períodos em detrimento de
outros.

RENASCIMENTO DA TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO

A superação das ideias liberais se começa a surgir já nas primeiras décadas


dos anos 1900. Esta é uma marca de um dos mais importantes textos
teológicos do séc. XX, o livro A Epístola aos Romanos de Karl Barth, como
bem descreve Brueggemann:

Como um intérprete pastoral, audacioso e engenhoso da Escritura,


Barth refutou as hipóteses teológicas conformistas nas quais ele fora
ensinado e que dominavam a cena teológica de seus dias na

12
Alemanha. Ele defendeu, na sua audaciosa interpretação da Epístola
aos Romanos, que a verdade do evangelho é outra em relação às
hipóteses intelectuais convencionais do progressismo cultural que
4
dominava a cultura, a academia e muito da Igreja .

O período entre guerras viu uma mudança nos rumos dos estudos bíblicos.
Talvez por conta da decepção com as ideias positivistas causadas pelo
impacto da 1ª. Grande Guerra, o conceito de uma história da religião sob a
perspectiva evolucionista desenvolvimentista passou a ser substituída por
estudos que retomavam a ideia de Teologia do Antigo e do Novo Testamento.

Já nos anos 1920, se percebia o surgimento de artigos nessa linha. Autores


como R. Kittel, O. Eissfeldt, C. Steuernagel, no Antigo Testamento e Gerhard
Ebeling, Ernst Fuchs e Joachim Jeremias, no Novo Testamento buscavam um
reavivamento de antigos conceitos, embora não rejeitassem as conquistas
feitas pela história da religião de Israel, ao contrário, as incorporavam em seus
trabalhos.

Em 1933, Walter Eichrodt publica sua Theologie des Alten Testaments. Essa
publicação, uma metodologia precisa e clara, e incorporando os conhecimentos
até ali conquistados, abre uma nova fase nessa história. Ele define a tarefa da
Teologia do Antigo Testamento como construir um quadro completo da crença
do AT na sua unidade estrutural. Ele busca se distanciar também da
Sistemática ao propor ler o AT em suas próprias categorias, e não em
categorias externas artificialmente lançadas sobre ele. Eichrodt estabelece o
conceito de aliança como o arco que cobre toda a unidade do Antigo
Testamento. Outros autores seguem essa mesma linha, embora proponham
outros conceitos como linha unificadora do Antigo Testamento.

Um outro caminho foi proposto por Gerhard von Rad em sua Theologie des
Alten Testaments, publicada na década de 1950. Von Rad viveu a experiência

4
BRUEGGEMANN, Walter. Teologia do Antigo Testamento. p.41
13
do nazismo participando da Igreja Confessante, por isso a ideia de kerigma lhe
é tão cara. Ele afirma que a tarefa da Teologia do AT não é o mundo espiritual
e religioso de Israel, nem o seu sistema de crenças, mas as afirmações que
Israel fez a respeito de Yahweh como elas se refletem nas principais linhas de
tradição do AT. A Bíblia narra os atos salvadores de Deus na história, mas o
que é narrado nas Escrituras não é história, mas pregação, ou melhor, kerigma.

A linha conservadora pôde oferecer uma resposta no trabalho de R. K.


Harrison, Introduction to the Old Testament (1969), que busca oferecer uma
base histórica para a defesa de conceitos tradicionais, como a autoria mosaica
do Pentateuco. Posteriormente, em 1978, Walter C. Kaiser Jr. publica sua
Teologia do Antigo Testamento nessa mesma linha conservadora.

Os anos 70 fizeram surgir profundas críticas ao movimento da Teologia Bíblica.


Uma vigorosa crítica vem de Brevard S. Childs, que afirma que é necessário
buscar novas direções para a Teologia Bíblica. Ele propõe focar-se no cânon
unificado como forma de se estudar corretamente as Escrituras. O cânon, e
não a história, deve ser o centro do estudo da Bíblia.

Desde essa época, se testemunhou o surgimento de novas propostas. O


método histórico-crítico passa a receber golpes mortais que, se não invalidam
as suas conquistas, clamam pela sua superação. Uma nova abordagem surgiu
com a aplicação da análise sociológica. É digno de nota que, embora a
Sociologia tenha se estabelecido como ciência há mais de cem anos 5, somente
num período relativamente tardio é que os estudiosos da Bíblia se utilizaram
desse saber como auxílio ao entendimento dos textos bíblicos. Nessa época
George Mendenhall e Norman K. Gottwald, no Antigo Testamento e Gerd
Theissen e Richard Horsley no Novo Testamento promoveram a aproximação
entre a Bíblia da sua localização sociológica.

5
Digno de ainda maior admiração é o fato de que na origem desta ciência estavam estudos sobre religião e a Bíblia,
como os promovidos por Max Weber.
14
Também nessa época, o patriarcado da interpretação bíblica foi questionado,
surgindo um novo olhar, um olhar feminino sobre o texto das Escrituras.
Teólogas como Elizabeth Schussler-Fiorenza, Phillys Trible e Athalya Brenner
chamaram a atenção para uma diferente forma de ler a Bíblia, através de olhos
das mulheres.

O final do séc. XX e o início do XXI tem observado o aparecimento de novas


obras e linhas de pesquisa. Outras possibilidades têm sido exploradas em
trabalhos em torno de temas específicos ou com novos sujeitos hermenêuticos.

UMA TEOLOGIA BÍBLICA LATINO-AMERICANA

Até a primeira metade do século XX, a Teologia consumida e praticada na


América Latina – e particularmente no Brasil – tinha matriz no chamado
Primeiro Mundo, Europa e Estados Unidos. Era de lá que vinham as principais
referências de pensamento, de lá eram importadas ou traduzidas as obras mais
lidas pelos teólogos daqui e, aqueles que conquistavam uma formação
acadêmica de nível mais alto o faziam lá. Embora tenham produzido trabalhos
relevantes, essa Teologia carecia de ligação com a realidade deste continente.

A partir dos anos 1950, a América Latina começou a produzir a sua própria
Teologia Bíblica. Ela veio na corrente dos primórdios da Teologia da Libertação
da qual a Bíblia é parte integrante e relevante. Certos trechos se tornaram
particularmente importantes, como os cânticos de Ana e de Maria. Desde essa
época, a temática do êxodo se sobressai como um eixo fundamental,
especialmente nos estudos do Antigo Testamento.

No início da década de 70, o centro dos estudos se desloca de trechos e temas


para as unidades literárias maiores e mesmo livros inteiros. No Brasil, o esforço
conjunto de algumas igrejas protestantes na constituição do Instituto
Ecumênico de Pós-Graduação no início dos anos 80 resultou em um grande
impulso no desenvolvimento do pensamento, não apenas em nosso país como
também em toda a América Latina. A partir de meados dessa década, a
Teologia Bíblica Latino-americana alcançou um patamar de maior maturidade,
15
com o início da publicação de revistas próprias para o fomento e divulgação
dos trabalhos aqui produzidos. No início, os projetos, como o Comentário
Bíblico Latinoamericano, se propunham a lançar olhos sobre toda a Bíblia,
ainda que através de pesquisas sobre cada livro em particular. No entanto, a
teologia latino-americana ainda não alcançou elaborar tratados que englobem
todo o Antigo ou o Novo Testamento.

A grande novidade da Teologia Bíblica Latino-americana não está em um


método, já que não rompe com as metodologias europeias e norte-americanas,
ao contrário, faz dessa metodologia sua ferramenta de leitura do texto. O que
aparece de novo por aqui é o povo como sujeito hermenêutico. Entenda-se por
povo, aqui, as camadas pobres da população, as que são as maiores vítimas
da exploração econômica a que está sujeito este continente. Tal fato traz como
pressuposto a relação desta linha de pensamento que busca situar a leitura
das escrituras com a realidade socioeconômica concreta vivida por essas
pessoas.

Disso decorre outra característica importante desta leitura, que é a sua


preocupação mais pastoral do que acadêmica. A leitura bíblia é feita com o
povo, para o povo e a partir do povo. Isso não significa o abandono do rigor
acadêmico ou o desprezo da precisão científica. Isso significa que a pesquisa é
uma importante ferramenta colocada à disposição do povo para a sua leitura
das escrituras. Diferente da postura europeia e norte-americana, em que há
uma rígida separação entre academia e igreja, por aqui a ideia é a
aproximação entre essas duas realidades e, mais do que com as igrejas
denominacionais, com o povo sem a separação dos muros institucionais. A
Bíblia não é lida como suporte para as doutrinas da igreja, mas como fonte de
inspiração e ensino para a vida prática do povo em meio à suas lutas
cotidianas.

Os métodos exegéticos constituídos na Europa e Estados Unidos, como o


linguístico, histórico-crítico, estrutural ou sociológico não são desprezados,
como também as pesquisas em outros campos do saber. Ao contrário, as
16
pesquisas daqui acompanham os desenvolvimentos de lá. Caso que
exemplifica isso é o deslocamento feito nos estudos da História de Israel do
período de formação do povo para a época do exílio e posteriormente para o
período de dominação persa como o centro das pesquisas.

Mesmo grupos que não se dispuseram a partilhar dessa mesma caminhada


foram por ela influenciados à medida que questões sociais e do cotidiano,
levantadas no decorrer do movimento acima mencionado, passaram a fazer
parte da agenda de discussões desses outros grupos. No mundo teológico
deste continente não se podia mais ignorar essas questões.

No transcorrer dos anos, novas questões têm sido levantadas e novos sujeitos
hermenêuticos têm emergido nesse diálogo. A pobreza é uma realidade que
extrapola o campo econômico, ela contamina as relações de gênero, o trato da
criação, a construção de identidades, a formação de utopias e o
estabelecimento das relações de poder em geral. Além da preocupação com o
texto bíblico em si, ocupa-se também em entender como esse texto foi
interpretado pelos seus leitores e como ele foi representado nas diversas
expressões de arte. As antigas preocupações não foram abandonadas, mas
outras novas foram a elas acrescentadas.

ALGUNS DESAFIOS

Apresento agora algumas preocupações para a continuidade das pesquisas


bíblicas. Essas perspectivas têm caráter mais pessoal do que resultado de
pesquisa no campo acadêmico. São fruto da experiência pessoal como pastor
em uma igreja protestante tradicional e professor de teologia bíblica.

Manutenção da perspectiva pastoral e relacionada ao povo.

Um dos mais vigorosos e valorosos princípios da Reforma foi a decisão de


colocar a Bíblia na mão do povo e fazer do povo de Deus o intérprete das
Escrituras Sagradas. Esse princípio foi ameaçado ao longo do tempo, desde
meados o séc. XVI quando leituras feitas por camponeses foram mais que

17
rejeitadas, principalmente por Lutero. Nesse caso, questões políticas
determinaram a leitura. O desenvolvimento das leituras através de métodos
ditos como científicos também restringiu a interpretação dos textos sagrados a
um pequeno grupo de especialistas.

No contexto brasileiro mais recente, as propostas de leitura bíblica tanto entre


grupos conservadores quanto entre os movimentos que se apoiaram na
Teologia da Libertação também tinham como princípio a leitura da Bíblia com o
povo, embora focando grupos diferentes. As igrejas protestantes tradicionais
buscavam alcançar principalmente a classe média e as comunidades eclesiais
de base se voltavam mais para os camponeses e periferias da cidade. No
entanto, ambas as leituras tinham em comum a pretensão de ler a Bíblia a
partir das condições de vida desses grupos.

Em igrejas que foram afetadas pelas propostas neopentecostais, a leitura da


Bíblia foi relegada a um segundo plano, substituída pelos cânticos, muitos de
conteúdo altamente questionável, como fonte de inspiração para a vida.

A Bíblia precisa ser lida pelo povo e com o povo. Não se trata de desprezar as
descobertas científicas ou abandonar os estudos críticos, mas sim de coloca-
los como ferramentas na mão das pessoas para que elas possam interpretar o
texto bíblico. Nessa direção, pastores e outros líderes têm a grande
responsabilidade de não usar o seu conhecimento como poder para dominar,
mas como instrumento a serviço da sua comunidade.

Uma reflexão geral que ligue o Antigo e o Novo Testamentos

Hoje temos um grande abismo entre estudos, especialmente teológicos, que


envolvem o Antigo e o Novo Testamentos. Chega a parecer que possuímos
duas Bíblias diferentes. Chega-se a falar no deus do Novo Testamento
diferente do deus do Antigo, como se ambos os testamentos não fossem
palavra do mesmo Deus.

18
Essa separação tem uma dupla origem. Por um lado, no senso comum existe a
preservação em certa intensidade do preconceituoso evolucionismo dos séc.
XVIII e XIX. Vê-se o Novo Testamento como a expressão da sublime graça
divina, enquanto o Antigo é apenas um depósito de leis velhas e inúteis.

Por outro lado, o aumento das especializações tem levado os estudiosos a se


focarem cada vez mais em pontos específicos e, com isso, perderam a visão
geral do conjunto. Esse movimento traz o ganho, certamente, da atenção aos
detalhes e do aprofundamento das particularidades. Isso não é privilégio da
exegese ou da teologia, mas uma condição do estudo do nosso tempo.
Todavia, no caso da Bíblia há de se notar uma sensível perda visão de
conjunto.

Poucos têm sido os estudiosos e estudos que abrangem toda a Bíblia. É


preciso recuperar a visão de conjunto. É preciso redescobrir que o Deus que
tirou Israel do Egito é o mesmo que entregou seu Filho para morrer no
Calvário. É preciso lembrar que a cada domingo que tomamos do pão e
partilhamos do cálice do Senhor relemos uma celebração do antigo Israel.

Sem deixar as especializações e peculiaridades de cada texto ou tradição,


temos que reclamar a unidade bíblica no conjunto das particularidades.

Leitura bíblica para a paz

Outra preocupação que emerge da realidade de intolerância que temos vivido.


A pregação de grupos religiosos, notadamente alguns que se afirmam como
evangélicos, tem levado a atos de preconceito e violência contra outros grupos
religiosos. Usa-se a violência como um instrumento de fé. E ainda se busca
base para isso em alguns textos, fazendo uma leitura particular e altamente
comprometida deles.

Essa leitura está em perfeita ressonância com a intolerância geral e irrestrita


que se alastra por todos os setores não somente na sociedade brasileira, mas
que se percebe em todo o mundo. A religião, e o cristianismo ocidental

19
principalmente, tem sido utilizada para justificar e legitimar a violência contra
outros povos, outras expressões de fé, pessoas de outras regiões do país, que
defendem outra ideologia política ou de cor de pele diferente.

A religião, e o evangelho em particular, pode ter um importante papel no


trabalho de desmascarar e deter essa violência e construir um mundo mais
solidário, inclusivo e justo. É preciso tomar a Bíblia como um instrumento de
paz e comunhão e não de preconceito, intolerância e violência.

Buscamos apresentar aqui um recorte da história da Teologia Bíblica desde a


Reforma até o nosso contexto brasileiro. Certamente esse é um tema que
merece averiguações muito mais amplas e detalhadas. Porém, esperamos que
este trabalho sirva de estímulo para que os alunos e alunas se lancem na
busca por pesquisas de maior fôlego e mais abrangentes. E que reflitam sobre
os caminhos que o estudo da Bíblia tem tomado ao longo do tempo e,
particularmente, em nosso contexto. Dessa forma, compartilhamos
preocupações e esperanças de que as Escrituras Sagradas se estabeleçam
cada vez mais como um referencial na fé e na vida de nosso tão sofrido povo
brasileiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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e defesa. São Paulo, Paulus / Academia Cristã, 2014.

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ROSNER, B.S. Novo Dicionário de Teologia Bíblica. São Paulo, Vida, 2009.
p.15-27

21
CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA E DA TEOLOGIA PRÉ-REFORMA
PRIMAZIA DA FÉ SOBRE A RAZÃO NA TRADIÇÃO CRISTÃ

Pesquisador: Dr. Emmanuel Roberto Leal de Athayde 6


E-mail: emmanuelathayde@gmail.com
Faculdade Teológica Batista de São Paulo (SP)
Departamento de Graduação em Teologia
Doutor em Ciências da Religião
Eixo Temático: História e Teologia
Categoria: Mesa redonda

RESUMO
A proposta dessa reflexão é trazer a discussão às críticas feitas por Lutero,
através de 97 teses apresentadas em setembro de 1517, anterior a publicação
daquelas teses que ganharam o caráter de marco da Reforma Protestante, as
95 teses publicadas em 31 de outubro do mesmo ano. Nas teses expostas em
setembro o então monge agostiniano alemão fez severas críticas a Escolástica,
quando propôs mudanças consideráveis na formação teológica de sua época.
Nesse processo, o religioso destacou a supremacia dada a fé diante da razão,
algo que contrariava a tradição escolástica, por compreender que para se crer
primeiro tinha que entender. Será abordado ainda que esta posição de Lutero
se alinhava com alguns personagens da Patrística, principalmente a
agostiniana. Sendo assim, é correto pensar que não foi uma “invenção” de
Lutero, mas o que se vê é um retorno a tradição Patrística, pelo menos parte
dela.

Palavras-chaves: Lutero, Reforma, Fé, Razão, Patrística

6
Doutor em Ciências da Religião pela PUC-SP. Professor de História do Cristianismo Primitivo
e Medieval da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
22
INTRODUÇÃO
No ano passado (2017) o mundo relembrou um dos acontecimentos que marcaram
não apenas o cristianismo, mas a história do Ocidente como um todo, a dita Reforma
Protestante. Aqui no Brasil não foi diferente, muitos cultos alusivos a este
acontecimento, palestras, debates, em Igrejas, Universidades e em diversas outras
esferas da nossa sociedade ocorreram aos montes.

Nos eventos dos quais participei, procurei sempre expressar, antes de mais nada, o
meu temor de que, assim como passamos 499 anos sem dar a devida importância a
este relevante acontecimento histórico, no ano dos 501 voltássemos ao ostracismo
desta inesgotável temática que até hoje apresenta dobramentos, não apenas no
mundo religioso, mas social, político, econômico e afins.

Assim sendo, este foi um dos motivos de trazer novamente à baila a Reforma
Protestante para o debate, a partir daquilo que entendo ter sido o princípio das
ideias protestantes de Lutero, algo pouco considerado, que a meu ver, fora ofuscado
pela emblemática publicação das 95 teses.

Com o surgimento das Universidades, a partir do século XII, Bolonha, Paris e outras,
a teologia eclesial passou por mudanças significativas. O aparecimento na Europa
da filosofia de Aristóteles, não mais restrita a alguns trechos oriundos das traduções
e comentários de Boécio, mas agora com o aparecimento das fontes judaicas e
árabes, das traduções de Averróes, Avicena, grandes filósofos árabes, introduzidas
na Europa através da escola de Tradutores de Toledo, na Espanha, fora
fundamental para o surgimento e consolidação do método escolástico de se pensar
e fazer teologia no medievo tardio.

A dita teologia escolástica tem, portanto, em Aristóteles, o seu grande filósofo antigo
que influenciará toda uma perspectiva teológica, chegando-se a afirmar que sem
Aristóteles ninguém poderia ser teólogo, o que Lutero (2016, p.17) discordará com
veemência na tese 43, das 97 por ele expostas. A influência de Aristóteles a partir
de então será tão considerável que surgirão correntes diversas através das “escolas”
dos tomistas (dominicano Tomás de Aquino – 1225-1274), dos escotistas

23
(franciscano João Duns Escoto – 1270-1308) e occamista (franciscano Guilherme de
Occam – (1285-1349), sendo esta última também conhecida por “via moderna”.

A teologia monacal de outrora que visava a contemplação, e não simplesmente a


investigação pela investigação, que tinha nas Escrituras e nos Padres da Igreja
autoridades indiscutíveis, com o aparecimento da escolástica certas críticas
começam a surgir, basta ver a forma como foram construídas as argumentações na
Suma de Teologia de Tomás de Aquino, e a partir de então, começa-se a propor
mudanças paradigmáticas significativas, da qual destaco a seguir a que entendo ser
a mais substancial.

Enquanto em diversos autores da Patrística até o medievo pré-escolástico a base da


formação do pensamento teológico era a fé e daí partia-se para a compreensão
daquilo que se cria previamente, com o advento da escolástica, buscou-se antes
compreender para então se crer. Nessa perspectiva os sentidos ganham
importância, diferentemente da perspectiva platônica/neoplatônica, formadora
hegemônica da concepção cristã antiga e pré-escolástica, onde se cria que o
sentidos eram insuficientes para se chegar ao conhecimento inteligível, chegando
até mesmo a serem vistos como obstáculos, por nos levarem a acreditar que as
sombras que vemos é a realidade, o que não procedia para os platônicos7.

1. Debate sobre a Teologia Escolástica – uma crítica de Lutero ao modo de


se fazer teologia em sua época.

Lutero foi educado na Universidade Erfurt sob perspectiva da escola occamista, se


tornando posteriormente professor (1512) na recém-criada universidade de
Wittenberg (1502), cujo patrono era o importante Padre da Igreja Agostinho de
Hipona, além de ser também da ordem religiosa que fora formado. A partir da sua

7
PLATÃO. Livro VIII – mito da caverna. In: A República [ou sobre a justiça, diálogo político].
Tradução Anna Lia Amaral de Almeida Prado. 2° edição. SP. Martins Fontes, 2014.
24
leitura das Escrituras e de Agostinho, basicamente, Lutero começa a discordar da
forma de se fazer teologia em sua época, acreditando que a escolástica não
abordava devidamente as questões da fé e da graça. Nesse processo de
discordância, o monge agostiniano alemão via na lógica aristotélica, cuja construção
da teologia valia-se de argumentos paradoxais para se chegar à verdade, um
caminho errôneo, até mesmo nocivo, na busca pelas verdades espirituais.

Assim, mediante uma prática comum na universidade de sua época, isto é, a de


debates públicos de novas teses, Lutero aproveitando-se da qualificação de seu
aluno Francisco Günther ao bacharelado em teologia, que tinha que elaborar e
defender suas teses teológicas para poder obter sua titulação, o professor de
Günther resumiu em 97 teses as suas críticas a todo o sistema teológico escolástico.
Tais teses foram redigidas e apresentadas no dia 4 de setembro de 1517, sobretudo
contra as concepções de Gabriel Biel, professor de Tübingen, e suas abordagens
teológicas aristotélicas e toda uma tradição escolástica, dos quais se cria na
capacidade natural livre do ser humano para fazer o que é correto, o que a tese 6
demonstra discordância, pois o homem necessita da graça divina para proceder
corretamente, já que a sua natureza está viciada a fazer o que é mau, crendo assim
no dito pecado original (tese 21).

Além de combater a falsa liberdade do ser humano que se defendia na tradição


escolástica, Lutero destacou a necessidade da graça divina para querer o bem,
inclusive para amar a Deus, já que esta graça dispensada é fruto da eleição e
predestinação eterna do próprio Deus (tese 29). Além de nitidamente encontrarmos
semelhanças com algumas crenças agostinianas, são explícitas as oposições a
Aristóteles, como se vê na tese 41, quando diz que “quase toda a Ética de
Aristóteles é a pior inimiga da graça” (LUTERO, 2016, p.17), e na tese 50, “em
suma, todo o Aristóteles está para a teologia como as trevas estão para a luz”
(LUTERO, 2016, p.18), entre outras, pois o padre alemão via na tradição escolástica
uma tentativa de tornar a fé serva da lógica aristotélica, o que era absurdo, pois a fé
está acima de toda tentativa de sobrepor a razão as verdades espirituais (Teses 46 a
49).

25
No fim da exposição dessas teses, Günther foi aprovado. Lutero mandou essas
teses para as universidades de Erfurt e Nürnberg, procurando libertar a teologia da
influência aristotélica-escolástica, marcando assim o seu rompimento com toda uma
tradição de formação, da qual ele mesmo havia passado. É fato que ele critica a
forma de se fazer teologia sem ainda propor uma alternativa que a suplante, mas
creio ser esse o verdadeiro marco daquilo que virá a ser a Reforma Protestante
alemã.

Sobre o conhecimento público dessas teses, nos informa Joachim Fischer (in
LUTERO, 2016, p.14):

É provável que as teses tenham sido originalmente impressas em


forma de cartaz para poderem ser afixadas em Wittenberg, nos
lugares destinados a esse fim. Não se conhece nenhum exemplar do
original. Só nas reedições as teses estão enumeradas; contam-se
entre 97 e 100 teses. Os editores modernos preferem contar 97 teses.

Lutero não para nessas teses as suas críticas, mas fato é, que a partir delas
desdobra-se de tal forma que surgem outras tais que proporcionarão a formação do
pensamento teológico protestante do padre alemão. Após as 97 teses, mais
precisamente em outubro de 1517, vem a público outras inquietações, a saber, o
fato de as indulgências estarem relacionadas ao Sacramento da Penitência como
meio de perdão dos pecados ditos capitais, sendo estas capazes de absorverem
além dos castigos temporais impostos pela Igreja até os delitos mais graves. Os
ditos pecados capitais, segundo o religioso alemão, cabia apenas a Deus perdoar,
inclusive daqueles que já estavam mortos. Essa abrangência das indulgências
incomodou Lutero, levando-o a publicar novas teses no mês seguinte.

É fato que inicialmente ele não fora contra as indulgências, mas, segundo Lutero,
elas estavam ganhando proporções doutrinárias além do que cabia, como também,
estava fora dos limites o comércio que se formara em torno delas, promovendo uma
falsa segurança àqueles que as adquiriam, pois às indulgências só cabiam as penas
temporais impostas pela Igreja e os sacerdotes só poderiam perdoar a culpa já
perdoada por Deus. Lutero entrou numa discussão que ainda não estava fechada no
seio da Igreja de então, e destas 95 teses, outras questões foram sendo levantadas
26
e desenvolvidas, como a supremacia da fé, através da crença na justificação
exclusivamente pela fé e não mais por obras, ou pelas observâncias de ritos da
Igreja, até o ponto de ele romper definitivamente com a Igreja romana
posteriormente.

Como observou Timothy George (1993, p.64): “o protestantismo nasceu da luta pela
doutrina da justificação pela fé somente. Para Lutero, essa não era simplesmente
uma doutrina entre outras, mas ‘o resumo de toda a doutrina cristã’”. Portanto, o que
se percebe ao ler Lutero, é que ele considerava fundamental a primazia da fé ante a
razão humana, contrário absolutamente a subserviência a lógica filosófica que tinha
ganhado a teologia na tradição escolástica, pois para ele “a fé não é ciência nem
atividade, nem metafísica, tampouco moral, nem vita activa tampouco vita
contemplativa, mas vita passiva”, como observou Oswald Bayer (2007, p.32).

Assim sendo, o destaque desta reflexão é chamar a atenção para o início da


formação do pensamento protestante de Lutero, e para entender como o mesmo
surgiu, é fundamental compreender a escolástica, e os motivos pelos quais ele se
inquietou, propondo um retorno àquilo que Agostinho e uma vasta tradição cristã
primitiva, já haviam dito, isto é, que antes de compreender o que se crer, primeiro,
deve-se crer.

A partir disso, a seguir, procurar-se-á mostrar que havia uma importância da fé numa
tradição cristã antes da Reforma e que a escolástica reduziu sua importância por
causa da investigação teológica. Embora tentar-se-á fazer esse destaque, a
intenção não é diminuir a relevância do pensamento de Lutero sobre a fé, mas dizer,
que ele necessariamente se voltou para aquilo que importante parte da tradição
cristã antiga concebia, que a fé vem antes da razão.

2. A supremacia da fé na tradição cristã antiga pré-reforma

Nesse tópico procurarei fazer alguns destaques da tradição cristã acerca da


supremacia da fé sobre a razão, como também sobre os atos humanos, as ditas
obras, algo que foi amplamente defendido pelo Martinho Lutero, embora obviamente
27
não seja possível esgotar toda uma tradição sobre esse assunto num mero artigo
científico, mas levantar a discussão de sua importância, em considerar a fé como
carro chefe do cristianismo e do labor teológico. Vale destacar também que muitas
das doutrinas cristãs que nos tempos da Reforma compunham todo um quadro
doutrinário cristão, embora estivesse passando por reformulações, ainda estava em
formação nos primeiros séculos, assim sendo, devemos ter o cuidado nas
avaliações para não cometermos anacronismos.

A primeira menção sobre a importância da fé nos primeiros escritos da fé cristã pós-


apóstolos, encontra-se na carta de Clemente de Roma (nomeados por alguns
historiadores cristãos como o 4° bispo de Roma) à Igreja de Corinto, provavelmente
escrita na última década do primeiro século. Este texto compõe os ditos escritos dos
Padres Apologistas, embora comumente se considere que eles não tenham uma
preocupação doutrinária, há pontos que são apresentados que se referem as
primeiras crenças da Igreja cristã, ainda sem muito do seu corpo doutrinário fechado,
inclusive as próprias Escrituras Sagradas. Segue o que o mesmo fala acerca da
justificação pela fé:

Portanto, todos foram glorificados e engrandecidos, não por eles


mesmos, nem por suas obras, nem pela justiça dos atos que
praticaram, e sim por vontade dele. Por conseguinte, nós, que por sua
vontade fomos chamados em Jesus Cristo, não somos justificados por
nós mesmo, nem pela nossa sabedoria, piedade ou inteligência, nem
pelas obras que realizamos com pureza de coração, e sim pela fé; é
por ela que Deus Todo-poderoso justificou todos os homens desde as
origens. A ele seja dada a glória pelos séculos dos séculos. Amém.
(32.3).

Se nesta passagem fosse omitida a verdadeira autoria e atribuída a algum dos


reformadores, dificilmente haveria contestações, mas estamos diante de um texto do
início do primeiro século enaltecendo a justificação exclusivamente pela fé, excluindo
qualquer outro meio para o ser humano obter a justificação divina.

No processo da salvação humana, tal justificação é um ato da graça divina, como


fortemente defendeu Lutero e demais reformadores, mas essa importância é vista

28
também no cristianismo primitivo, como se vê na Segunda Carta aos Filipenses
enviada por Policarpo, bispo da Igreja de Esmirna no século II ao dizer:

E vós sabeis que é pela graça que fostes salvos, não pelas obras, mas
pela vontade de Deus, por meio de Jesus Cristo [...] pois ele nos
prometeu ressuscitar-nos dentre os mortos, e, se a nossa conduta for
digna dele, também reinaremos com ele, se tivermos fé. (1.3; 5.2).

A intenção não é defender que havia uma crença uníssona numa salvação graciosa,
ao se crer numa justificação exclusivamente pela fé em toda a tradição antiga da
Igreja, o que não ocorreu, pois se vê outros artifícios para a obtenção da salvação,
por assim dizer, como a questão na penitência apresentada pelo Pastor de Hermas,
na sua primeira visão, quando diz: “Eu sei que, se eles (os filhos) fizerem penitência
do fundo do coração, serão inscritos no livro da vida com os santos” (3.2). E
segundo se vê na tradução latina8, aparece de fato a palavra penitência, o que se
tornou basilar na doutrina cristã romana posteriormente, tendo um olhar já no texto
de Hermas, que além da penitência, via a necessidade do cumprimento dos
mandamentos divinos para se obter o favor divino, mas fato é, que o uso da
penitência como um meio de graça se consolidará mais adiante na tradição cristã.

Podemos destacar ainda a Carta a Diogneto, texto escrito por Quadrato tendo como
destinatário o imperador Adriano, já que Diogneto se trataria de um título honorífico,
(QUASTEN, 1968, p.246), hipóteses aceitas por alguns pesquisadores. Se proceder
essa tese, este texto teria sido redigido por volta do ano 120. Esta obra sugere que
antes de se ter fé é necessário conhecer o ser supremo, isto é, Deus, como se vê:

Se também desejas alcançar esta fé, primeiro deves obter o


conhecimento do Pai [...] Deu-lhes a palavra e a razão, e só a eles
permitiu contemplá-lo [...] Depois de conhece-lo, tens ideia da alegria
com que serás preenchido? Como não amarás aquele que tanto te
amou (10.1).

8
MIGNE, Jacques Paul (org). Patrologiae Cursus Completus. Série Latina. Vol 2. Paris,
Imprimerie Catholique, 1844. p.896: “Ne desinas ergo commonere natos tuos; scit enim
dominus quod poenitentiam agent ex toto corde suo; et scribet te in libro vitae”.
29
Essa passagem poderia ser confundida como uma citação escolástica, que cria na
precedência da razão sobre a fé. Assim, como se vê, é possível encontrar indícios
de discussões que foram bem posteriores na antiguidade cristã. Portanto, o foco
desta reflexão é apresentar que certas temáticas, aqui está sendo destacada a fé e
a graça antecedendo a razão e as obras humanas, não foram temas que surgiram
apenas na tradição protestante.

No texto do tido último grande apologista do século II, Teófilo, o único apologista
elevado ao episcopado, o de Antioquia, observa-se uma primazia da fé quando este
escreve à Autólico em seu primeiro livro:

Ó homem, se compreenderes isso, e viveres de maneira pura, piedosa


e justa, poderás ver a Deus. Antes de tudo, porém, entrem em teu
coração a fé e o temor de Deus, e então compreenderás isso [....]
Então, tornado imortal, verás o imortal, contanto que agora tenhas fé
nele [...] Tu, porém, não crês que os mortos ressuscitam. Quando isso
acontecer, então crerás, queiras ou não. E essa crença será
considerada incredulidade, se não creres desde agora. Mas, por que
não crês? Não sabes que a fé vai à frente de todas as coisas? De fato,
qual o lavrado pode colher, se antes não confia a semente à terra? Ou
quem pode atravessar o mar, se antes não se confia à embarcação e
ao piloto? Qual doente pode curar-se, se antes não confia ao médico?
Qual arte ou ciência pode alguém aprender, se antes não se entrega e
se confia ao mestre? Portanto, se o lavrado crê na terra, o viajante no
navio, o doente no médico, por que tu não queres confiar-te a Deus,
no qual recebeste tantos dons? (I,7-8).

Embora possa parecer que havia uma crença clara na supremacia da fé ante a
razão e ações humanas neste texto descrito acima, adiante na mesma obra chega a
inverter esta percepção, colocando as boas obras humanas como fundamentais
para a obtenção da vida eterna:

De fato, ele que nos deu a boca para falar, que formou o ouvido para
ouvir e fez os olhos para ver, examinará tudo e julgará com justiça,
dando a cada um segundo os próprios méritos. Para aqueles que,
segundo suas forças, buscam a incorruptibilidade através das boas
obras, ele dará a vida eterna, a alegria, a paz, o descanso e uma
multidão de bens [...] Desta forma, ele deve praticar a justiça, para
escapar dos castigos eternos e se tornar digno da vida eterna que vem
de Deus (I, 14; II, 34).
30
Assim, percebe-se que havia uma falta de clareza no início do cristianismo primitivo
entre fé e graça e a razão e ação humana. Embora, em algumas passagens, se
sobressaia a fé como base fundamental e inicial para se chegar a compreensão das
verdades cristãs, como se vê em Clemente de Roma, como também no Clemente de
Alexandria.

Clemente de Alexandria foi um importante nome da escola alexandrina, sucessor do


seu fundador, Panteno, e antecessor do grande Orígenes, vemos nele uma tentativa
de tratar da relação entre o conhecimento (gnose) e a fé (pistis). Clemente chega a
afirmar que algumas demonstrações devem estar baseadas em princípios não-
demonstráveis, os quais são por si mesmos dignos de fé. A demonstração racional é
concluída na “fé” num princípio e graças a essa fé é possível supor a verdade de
alguns princípios não demonstrados segundo se observa no Stromata (VII, 95,6). Tal
percepção não exclui o conhecimento “científico”, antes, a fé dita simples, isto é,
daqueles que creem verdadeiramente nas Escrituras sem preocupar-se em procurar
compreender aquilo que criam, antes, deve ser desenvolvida na forma mais alta do
conhecimento, como defendia Clemente, e isto começa a partir dos sentidos. Assim
sendo, segundo observou Cláudio Moreschini (2013, p.119):

Para Clemente, como o conhecimento científico surge somente se a


razão possui a pistis, ou seja, a firme convicção da existência de uma
verdade, a pistis pode ser considerada algo mais elevado do que
episteme, ou que a ciência baseada em pressupostos racionais.

Em Agostinho, nome que influenciou grandemente Lutero, a primazia da fé é ainda


mais evidente que em outros tantos escritos antigos. Mas antes, vale destacar, que
assim como Lutero cria que a natureza humana estava viciada, devido ao pecado
original, sendo o homem incapaz de fazer o bem por si mesmo, o bispo de Hipona já
havia defendido no seu livro Sobre o Livre-arbítrio tal perspectiva, ao dizer que “o
mal não se aprende” (I,1,2), afinal, o homem nasce com tal inclinação original para
proceder mal, devido a herança do pecado.

31
No capítulo seguinte, Agostinho expressa sua busca pela verdade que surge desde
a sua juventude. Nesse processo, crer é basilar no seu pensamento, chegando a
solicitar a Deus que o façam chegar a ela, ele e Evódio, com quem dialoga nesta
obra,

a entender aquilo que acreditamos. Estamos, assim, bem certos, de


estar seguindo o caminho traçado pelo profeta que diz: Se não
acreditardes não entendereis (Is. 7.9) [...]. Nada é mais recomendável
do que crer, até no caso de estar oculta a razão de por que isso ser
assim e não de outro modo. Com efeito, conceber de Deus a opinião
mais excelente possível é o começo mais autêntico da piedade (I,2,4-
5).

Portanto, o que se vê claramente em Agostinho é uma supremacia da fé ante a


razão humana, pois sem fé é impossível compreender as coisas espirituais e nesse
processo, Deus é essencial, ao dispensar a sua graça àqueles que querem entender
o que creem previamente.

Nos seus Escritos sobre a fé, mais precisamente quando trata da fé e das obras,
Agostinho fala da importância de o convertido viver com condutas morais de acordo
com o que se espera de um cristão, contudo, “Se, porém, na maioria das vezes
trataram primeiro da fé e depois do que pertence à boa vida, fizeram-no porque o
homem não pode seguir a vida boa se a fé não a precede (p.242).

A compreensão daquilo que se crê em Agostinho é algo importante, como visto


acima, e nesse afã, o mesmo escreveu diversas obras visando trazer ao
entendimento da fé aqueles que tivessem acesso aos seus escritos. Contudo, é fato
que ele recorria a Deus para que este o revelasse aquilo que cria, um ato gracioso
divino em fazê-lo compreender as questões da fé, como se vê na introdução do
primeiro livro da Doutrina Cristã:

Há duas coisas igualmente importantes na exposição das Escrituras: a


maneira de descobrir o que é para ser entendido e a maneira de expor
com propriedade o que foi entendido. Primeiramente, dissertaremos
sobre como se realiza a descoberta da verdade, depois sobre o modo
de expô-la. Empresa magna e árdua! E como ela é difícil de ser
conseguida, receio até ser temerário empreende-la. Na verdade, assim
o seria, se presumíssemos apenas de nossas próprias forças. Mas
toda a minha esperança de levar a bom termo esta obra repousa
32
naquele de quem tenho recebido muitas luzes sobre este tema, na
meditação. E não duvido de que ele me concederá as luzes que me
faltam quando tiver começado a partilhar o que e concedeu (I, 1, 1).

No capítulo 7 Agostinho critica a busca por Deus a partir dos sentidos, por ser algo
acima de todas as coisas, deve-se antes crer em sua existência e a partir daí ser
movido, por uma inteligência espiritual, purificada em seu espírito e só assim será
capaz de compreender, contemplar, naquilo que for possível, aquele que criou todas
as coisas soberanamente.

Portanto, fica nítido em Agostinho a precedência da fé diante da razão. Assim


sendo, é fato que a perspectiva teológica que Lutero irá propor no início da tida
Reforma Protestante, encontrar-se-á numa tradição cristã antiga, principalmente em
Agostinho de Hipona.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há vida antes da Reforma Protestante, frase comumente utilizada por mim quando
começo minhas aulas de Cristianismo Primitivo. Se queremos ter um conhecimento
mais lato desse importante acontecimento da cristandade ocidental, que influenciou
e ainda repercute na atualidade, precisamos conhecer a Patrística, como também o
período medieval da Igreja, pois só assim, muitas das questões debatidas no século
XVI farão mais sentido, nos ajudando a atender melhor os debates e escritos dessa
época.

É fato que a teologia cristã é fruto de uma construção, que no momento que as luzes
do entendimento teológico vinham nos tempos antigos, iam sendo estabelecidas as
crenças cristãs que hoje classificamos por ortodoxas. O objetivo com essa reflexão
não é colocar a tradição patrística num patamar de autoridade que a blinde de
qualquer crítica, pois cabem muitas críticas a diversas passagens sob as lentes da

33
tradição cristã protestante, mas a questão é considerar a sua importância e
participação na construção da teologia, inclusive a oriunda da Reforma Protestante.

Precisamos refazer esse caminho de aproximação da tradição protestante aos


primórdios do cristianismo, pois assim, além de compreender melhor o ambiente da
Reforma, daremos o devido crédito a Patrística, embora percebe-se que muitas
questões ficaram em aberto, mas foram os incitadores de inúmeras discussões e
posicionamentos doutrinários. A partir destes, toda uma tradição da Igreja se formou,
nas suas diferentes vertentes, mas em algum momento fora perdida pelos
protestantes essa consideração pela Patrística, aumentando o foço entre a Igreja
Antiga e a tradição oriunda da Reforma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de Assis Oliveira. São Paulo. Paulus, 1995.

_____. O Sermão da Montanha e Escritos sobre a fé. São Paulo. Paulus, 2017.

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34
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e Euclides M. Balancin. São Paulo: Paulus, 1995. p.171-274.

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Storniolo e Euclides M. Balancin. São Paulo: Paulus, 1995. p.215-300.

35
APONTAMENTOS SOBRE HISTÓRIA DA TEOLOGIA BÍBLICA: UMA
REAÇÃO AO TEXTO “TEOLOGIA BÍBLICA: DA REFORMA AOS DIAS
ATUAIS. PROBLEMAS E PERSPECTIVAS”, APRESENTADO PELO PROF.
DR. MARCOS PAULO BAILÃO.

Prof. Dr. Jonas Machado


E-mail: machadojonas61@gmail.com
Faculdade Teológica Batista de São Paulo (SP)
Departamento de Graduação em Teologia
Eixo Temático: Teologia Bíblica
Categoria: Mesa redonda

INTRODUÇÃO

Como o professor Bailão bem destacou em seu texto, qualquer abordagem


sobre Teologia Bíblica representa um corte, visto que o assunto é amplo
demais para qualquer pretensão de abordagem abrangente e exaustiva. Com
isto em mente, faço aqui alguns apontamentos para contribuir com o diálogo
sobre tema tão vasto. Em concordância quanto à essência do texto
apresentado pelo prof. Bailão, meus apontamentos têm o propósito de
enriquecer o debate e fazer provocações, como penso deve ser próprio da
reflexão teológica.

Tais provocações pendem para a Teologia Bíblica do Novo Testamento, uma


vez que a contribuição do professor Bailão destaca mais o Antigo Testamento.
As duas abordagens são complementares, representando a formação e
trajetória de cada um. Embora uma abordagem enriqueça a outra, permanece
o fato de que são apenas cortes de uma realidade muito mais ampla, inclusive
mais ampla do que a perspectiva apenas teológica.

A Teologia Bíblica e a Reforma

Em sintonia com as afirmações do prof. Bailão sobre o modo como os


reformadores entenderam o papel da Bíblia e da interpretação, gostaria de
ressaltar dois aspectos que considero determinantes para entendermos o tema
em relação aos reformadores e seus herdeiros.

Em primeiro lugar, proponho uma discussão sobre os três “Solas” (para ficar só
em três) da Reforma: Sola Scriptura, Sola Fide e Sola Gratia. Por um lado, não

36
podemos minimizar o impacto que a doutrina da justificação pela graça através
da fé causou naquele momento histórico. Embora esta doutrina não fosse
absolutamente nova, a questão é que o momento peculiar, com a venda das
indulgências, culto às relíquias, etc, por um lado, em meio às características do
Renascimento, por outro lado, tornou bombástica e atual a proclamação do
evangelho nestes termos.

Penso, entretanto, que precisamos desenvolver uma reflexão sobre o “Sola


Scriptura” como elemento decisivo para o rompimento de Lutero com o Igreja
Católica Romana. Pois na concepção desta, a “Igreja”, aqui no sentido de
“Clero”, está acima da Bíblia. A “Igreja” produziu a Bíblia, e tem prerrogativa de
autoridade para interpretá-la. Em última análise, é a “Igreja”, o “Clero”, que tem
autoridade para interpretar a Bíblia quanto aos dogmas fundamentais da fé
cristã. Este elemento de autoridade e de importância vital para a estrutura de
controle do Clero diante dos fieis, que tinha séculos de consolidação, foi posta
em questão por Lutero quando este contestou a infalibilidade papal e
proclamou o “Sola Scriptura”.

O outro aspecto que desejo destacar é a questão do critério de interpretação e


chave hermenêutica de Lutero e Calvino. Pelas suas próprias palavras, tanto
de Lutero9 quanto de Calvino,10 é possível afirmar que a justificação pela graça
mediante a fé foi uma chave hermenêutica para interpretar toda a Bíblia.

A questão, todavia, foi que “dar a Bíblia ao povo” produziu uma infinidade de
interpretações contraditórias e contrastantes,11 além das mais descabidas
quando vistas pela perspectiva dos monges especialistas, visto que o povo
geralmente não acompanha os critérios de reflexão destes. A questão aqui é
como lidar com uma situação que coloca a Bíblia como autoridade máxima
para as questões da fé, mas parece que ao mesmo tempo pulveriza esta
mesma autoridade com as diversas possibilidades de leitura dos textos

9
Em 1545, já no final de sua vida, Lutero afirmou que quando ele percebeu que a expressão
“justiça de Deus” de Romanos 1.17 que ele odiava porque entendia se tratar de uma justiça
ativa, que Deus exige do pecador, significava, na verdade a justiça passiva de Deus, que é
atribuída ao pecador que crê, uma face totalmente outra da Escritura foi mostrada a ele. In:
DILLENBERGER, J. (ed.). Martin Luther: Selections from his writings, p.11.
10
Calvino, no seu comentário da carta aos Romanos, afirmou que a justificação pela fé é o
tema da carta, e que a compreensão desta, por sua vez, dá acesso aos mais profundos
tesouros da Escritura. CALVINO, J. Romanos, p.26-27.
11
A chamada “Reforma Radical”, por exemplo, com a qual os Batistas têm certa relação,
enfatizaram mais a obediência da fé do que a justificação pela fé. DRIVER, Juan. Convivencia
radical, p.42.
37
sagrados? Esta situação fica ainda mais aguda posteriormente com o fracasso
do positivismo do método histórico crítico, e a multiplicação de linhas teológicas
que alcançou o século XXI. Não há respostas fáceis aqui.

Além disso, uma provocação necessária vem do contraste entre a ocorrida


aplicação direta da justificação pela graça mediante a fé à realidade histórica
vivida por Lutero e a (mera) repetição dos discursos dos reformadores por
parte de protestantes subsequentes até hoje, junto com a afirmação de que a
igreja reformada é aquela que está sempre se reformando. Se esta última
afirmação deve ser levada a sério, então a mera repetição dos discursos não
basta. Não se devem fazer teólogos como antigamente simplesmente por que
não vivemos no período de antigamente.

A Teologia Bíblica e o Jesus Histórico

Dito de modo simples, Jesus de Nazaré é, naturalmente, a figura central da fé


cristã. Para a tradição, os quatro evangelhos vinham dando conta de mostrar
quem foi Jesus. Mas, como aconteceu amplamente com a Teologia de modo
geral, o surgimento da modernidade racionalista e o método histórico crítico
causaram efeitos irreversíveis neste campo. A academia moderna levantou a
pergunta sobre quem, de fato, foi Jesus e separou, de modo notório com David
Strauss, o Jesus Histórico do Cristo da Fé. Esta separação levou a buscas
diversas com inúmeras obras que procuravam responder esta crucial questão
sobre quem foi, historicamente, o camponês da Palestina tido como o
protagonista do que veio a ser a cristandade. O pressuposto é que o Cristo da
Fé dos evangelhos precisava ser depurado pelo método científico para que
surgisse, da análise por esta perspectiva, o Jesus Histórico.

No começo do século XX, Schweitzer pôs uma pedra em cima de uma era ao
demonstrar que as buscas do Jesus Histórico, até então, nada mais eram do
que uma construção de Jesus conforme a imagem da modernidade. Schweitzer
inaugurou uma nova era que durou meio século pelo menos. Neste período, os
estudiosos dos evangelhos de modo geral se contentaram em afirmar que não
temos outra coisa senão o Cristo da fé, e a igreja precisava se contentar com
ele.

Depois disto, e depois da Segunda Guerra Mundial e do escandaloso


holocausto, surgiram esforços para repensar a relação entre cristianismo e
judaísmo, ao passo que também ressurgiu o interesse pelo Jesus Histórico,
que nos últimos anos vem destacando o amplo reconhecimento da diversidade

38
judaica do período das origens, em contraste com a tradicional tese do
judaísmo comum do século I.

Jesus era, de fato, judeu. Isto não está em questão. Mas a pergunta
subsequente é que tipo de judeu foi Jesus em meio à mencionada diversidade
judaica. Hoje, nas universidades, inclusive brasileiras, há um interesse em
pesquisas sobre o Jesus Histórico por esta perspectiva.

O interessante aqui é que, conquanto a separação entre o Jesus Histórico e o


Cristo da Fé e as implicações disto não fazem parte das preocupações das
igrejas cristãs no Brasil, hoje há interesse de universidades brasileiras, não
confessionais, em pesquisar Jesus de Nazaré da perspectiva histórica como
fundador da civilização ocidental judaico-cristã. Exemplo disto é o livro sobre o
tema escrito por Chevitarese e Funari, um historiador e o outro arqueólogo, que
são dois professores de universidades públicas brasileiras não confessionais.

Teologia Bíblica Paulina da Libertação

A Teologia da Libertação (TL), que surgiu na década de 1960, alegada como


Teologia legitimamente latino-americana, causou grande impacto entre
teólogos e também em vários setores das igrejas cristãs da América Latina.
Vale pesquisar o quanto seu arrefecimento a partir dos anos 1990 pode estar
ligado à sua leitura marxista e à derrocada do mundo comunista,
especialmente no leste europeu.

Um dos campos chave da TL foi justamente a Teologia Bíblica. Entre outras


coisas, a TL propõe uma hermenêutica invertida, pelo menos da perspectiva
tradicional. Ao invés de começar com o texto e sua elucidação, para depois
pensar em aplicação para a realidade vivida, a proposta é partir da realidade
vivida, especialmente a condição do pobre na sociedade, e depois ler o texto
bíblico a partir desta realidade. A Teologia (Bíblica) neste caso é um segundo
momento.

Ressalte-se também que a TL fez uma leitura de Paulo tardiamente. Quanto à


Teologia do Novo Testamento, a TL deu preferência às narrativas dos
evangelhos, mas só mais tarde, principalmente com Elsa Tamez e Juan Luiz
Segundo, que surge um esforço de ler Paulo pelas vias dos pobres e excluídos.

A Teologia Bíblica e a nova perspectiva sobre Paulo

39
A Teologia Paulina é cara à tradição protestante. Basta lembrar que foi a carta
aos Romanos e o tema da justificação pela fé que estavam no estopim da
Reforma promovida por Lutero. Este tema sempre tem estado presente na
Teologia Bíblica no campo paulino.

Foi em 1977 que E. P. Sanders publicou pela primeira vez seu Paul and
Palestinian Judaism que marcou época. Depois da Segunda Guerra Mundial e
do trauma do holocausto, que tem relação com uma nova reflexão sobre a
relação entre judaísmo e cristianismo, Sanders publica seu livro num momento
importante do florescimento desta indagação. Sua monumental e muito bem
documentada obra afirma que o judaísmo das origens não estava firmado na
doutrina da salvação pelas obras, como a tradição luterana e protestante
tradicionalmente afirmavam. Visto que Sanders afirma em seu livro que seu
maior interesse é pesquisar o judaísmo, não deu tanto espaço a análise de
Paulo, apesar do título do livro.

Então, restou a pergunta sobre quem eram os adversários de Paulo. Se não


existia um judaísmo de salvação pelas obras, quem eram os adversários que
Paulo acusava justamente de sustentar tal coisa?

Quem pretendeu responder esta pergunta foi James Dunn, inicialmente em seu
artigo “A Nova Perspectiva sobre Paulo” e em diversas publicações posteriores.
O título de seu primeiro artigo acabou se consolidando como referência a uma
nova escola de interpretação sobre Paulo.

Esta nova escola destacou que Paulo era judeu e nunca deixou de sê-lo.
Colocou corretamente, penso eu, a discussão de Paulo em um contexto interno
dos seguidores de Jesus que, por sua vez, naquele tempo não passava de
uma seita judaica dos que criam que Jesus de Nazaré é o Messias.

Um aspecto importante dessa nova perspectiva é enfatizar Paulo pela via da


Teologia Bíblica em contraste com a atemporal abordagem sistemática que vê
Paulo como teólogo (sistemático) e a carta aos Romanos como seu tratado
teológico, como foi afirmado por Melanchthon e a tradição protestante
posterior.12

12
MELANCHTHON, Philip. Common places: Loci Communes 1521. FITZMYER, Joseph A.
Romans, p.74.
40
Conquanto avaliações críticas sejam necessárias e bem vindas, esta Nova
Perspectiva nos ensina que não é mais possível apenas repetir os anteriores
discursos protestantes sobre a justificação pela fé.

A Teologia Bíblica e a relação Teologia e Igreja

A relação da Teologia com a igreja me é particularmente cara, visto que sou


pastor e teólogo de carreira. Como já afirmei em outra ocasião, me tem sido
muito rica a experiência já de vários anos como pastor e teólogo, professor de
Teologia em uma faculdade confessional, além de transitar no ambiente
acadêmico brasileiro da área de humanas, sempre em tangência com a
Teologia.

Este tema da relação com a Teologia e a Igreja, me faz lembrar a decepção de


Karl Barth quanto à distância entre sua formação teológica e as necessidades
pastorais, percebidas por ele no exercício de seu ministério.13 Tal decepção
deve preocupar todo teólogo-pastor e professor de Teologia em escolas que
visam à preparação para o trabalho pastoral, o que é o mais comum no Brasil.

A leitura narrativa da Bíblia junto com o povo pode ser um bom instrumento
para investir na cultura bíblica popular e contrastar com as leituras
exageradamente fragmentadas da Bíblia, que frequentemente não levam em
conta os contextos, ao fazer uma leitura que dá a impressão de que cada
versículo da Bíblia é uma verdade proposicional independente. Isto não resolve
tudo, mas ajuda muito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De fato, o estudo da Bíblia nunca termina. Sempre haverá novas perspectivas


e abordagens, uma vez que há historicamente um dinamismo entre a leitura da
Bíblia e os acontecimentos cotidianos. Esta é uma das grandes lições ao se
estudar a Teologia Bíblica.

Esta apresentação muito fragmentada e bastante incompleta da história da


Teologia bíblica depois da Reforma serve para ilustrar a importância de ter
conhecimento deste assunto. Somos herdeiros dessa história da Teologia

13
GRENZ, S. J. e OLSON, R. E. A Teologia do Século 20, p.77.
41
Bíblica, queiramos ou não. Quanto mais conhecermos esta história, tanto mais
teremos melhor consciência e conhecimento desta realidade, e estaremos mais
bem preparados para contribuir para nosso tempo.

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Reconstrução e hermenêutica. Um debate com John Dominic Crossan. São
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42
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TAMEZ, Elsa. Contra toda condena. La justificación pela fe desde los


excluídos. San Jose: Editorial Departamento Ecuménico de Investigaciones,
1991.

43
COMUNICAÇÕES ORAIS

44
A REFORMA PROTESTANTE COMO BERÇO DAS TEORIAS POLÍTICAS

Pesquisador: Magno Marcouse Reges14


E-mail: magnomarcouse@gmail.com
Faculdade Teológica Batista de São Paulo (SP)
Departamento de Graduação em Teologia
Mestrando em Ciências da Religião
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade
Presbiteriana Mackenzie
Eixo Temático: História e Teologia
Categoria: Comunicação oral

RESUMO
O objetivo deste trabalho consiste em analisar as ações políticas do reformador
alemão Martinho Lutero. Selecionados alguns dos principais autores luteranos
que abordaram este aspecto, assim como autores católicos que também
pesquisaram as ações de Lutero. O tratabalho será escrito entremeado de
alguns instrumentos da ciência política, como o objetivo demonstrar a real
necessidade de um estudo apronfundado das ideias e ações de Lutero.

INTRODUÇÃO
Discorrer-se-á a respeito de alguns teóricos importantes para se compreender
a Reforma como berço das ideologias políticas da modernidade.

A teoria de Eric Voegelin, um luterano, dará suporte à coleta de materiais para


esta dissertação. Voegelin tem como objetivo explicar que as políticas sectárias
da modernidade têm a sua origem em Lutero e, são intolerantes com qualquer
outra política que tenha como fundamento a moral cristã. Assim, o
protestantismo seria o criador da sua própria perseguição na modernidade.

14
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana
Mackenzie
45
Outro referencial teórico a ser utilizado neste trabalho é o professor Nelson
Lehmann da Silva. Autor da primeira tese defendida no Brasil sobre Eric
Voegelin.

Assim, o objetivo é destacar as ações Lutero como berço das teorias políticas
da modernidade. Para o grande orador católico Bossuet, que escreveu uma
“História das Variações das Igrejas Protestantes”, “Lutero tinha força no gênio,
veemência em seus discursos, uma eloqüência viva e impetuosa que arrastava
e arrebatava os povos; uma habilidade extraordinária quando apoiado e
aplaudido, unido a tal forma de autoridade que seus discípulos tremeram diante
dele; de modo que eles não ousaram contradizê-lo em nada”.

Outros autores o colocam ao lado de homens como Descartes e Rousseau.


Extravagante em suas palavras e obras. Criador de uma nova sociedade.
Assim como Maquiavel, com a sua teoria de “Razão de Estado” que,
contemporâneo de Lutero e, partindo de premissas completamente diferentes,
no fim, legou os mesmo resultados práticos.

Lutero propunha que entre Deus e os homens não existe mediação. Portanto
não deve existir um clero que seja o mediador. Tudo se decide entre Deus e a
intimidade de cada pessoa sem nenhum mediador humano.

De fato, ao tempo da Reforma, existia a mediação e, a mediação era dada pelo


clero. O clero é o conjunto de pessoas que não exerce o poder diretamente,
não ocupa cargos políticos, só com raríssimas exceções e, que se especializou
na vida espiritual. Com a Reforma protestante o clero é destituído dessa
autoridade espiritual e cada um passa a ser o próprio canal para Deus.

Não existindo mais a autoridade do clero, acontece automaticamente, para que


a sociedade possa continuar com alguma ordem publica, as decisões que não
eram mais policiadas por uma autoridade externa, adquirem autonomia. No
mesmo instante que Lutero propõe a teoria do sacerdócio universal, Maquiavel
propõe a teoria da razão de estado. Ou seja, aquilo que é necessário para a
conservação e defesa da ordem publica.

46
Assim, o Estado se torna a única versão da vontade de Deus e, portanto o
governante se torna o portador da vontade divina sem ser o mediador. Os reis
que antes da Reforma eram coroados pela Igreja, ou seja, recebiam uma parte
da autoridade divina, com o advento da Reforma, eles recebem essa
autoridade diretamente de Deus. É o Direito Divino dos Reis.

Esta ideia se espelha por toda Europa. Os reis começam a não dar satisfações
a mais ninguém. Eles mesmos, sendo portadores do mandato divino, tomavam
as suas decisões sem que fossem fiscalizados por nenhuma autoridade desde
fora. Aqui, vale dizer, que os reis não tinham nenhum treinamento para isso. A
verdade é que a maioria deles não tinham sequer alguma reserva moral. Não
eram poucos os que tinham várias amantes. É claro que, até onde se sabe, o
máximo que eles tinham de responder era diante dos pregadores. Sabe-se que
um dos pregadores católicos mais conhecidos, o francês Jacques-Bnigne
Bossuet (que fez elogios ao gênio de Lutero) nos seus sermões, pregava
duramente contra as imoralidades dos reis.

Assim, quando na Reforma aparece a supressão do clero como mediador entre


Deus e os governantes e aparece ao mesmo tempo a ideia da razão de estado,
segundo alguns historiadores, isto é o nascimento do estado moderno.

Sendo assim, depois da Reforma, pode-se falar em: Estado católico, Estado
protestante, Estados cristãos, Estado neutro, Estado Anti-clerical e finalmente
Estados não-cristãos.

Então, se o rei incorpora a vontade divina, automaticamente o estado que ele


governa é divino. A divinização do Estado vem junto com o Estado e junto com
a Razão de Estado. E tudo isso está diretamente ligado às ações políticas de
Lutero.

Quando chega o século XVIII e surge a revolta contra os reis, nota-se


claramente uma consequência lógica da ruptura com o clero. Assim, o clero já
não é necessário, mas, o rei também não é. Porque cada homem presta

47
satisfação individual diretamente a Deus. É aqui que nasce a democracia
moderna.

Desta maneira, procura-se responder a pergunta: Lutero é, em uma medida


importante, um dos criadores das ideologias políticas da modernidade?

Nelson Lehmann da Silva afirma que: “A Reforma, então, mais do que qualquer
outro acontecimento, contribuiu para a fragmentação da consciência europeia”
(SILVA, 16, p. 33). Assim, impulsionado pela vontade de separar a Igreja do
poder político, Lutero acabou por comprometer-se ainda mais com o Estado.

Sendo assim, as ações políticas de Lutero mudaram a autoridade política da


igreja na Alemanha? Sabe-se que o Estado não era uma entidade bem definda
na Idade Média. A sociedade medieval era, por assim, dizer, caótica. Os
governantes tinham uma autoridade limitada e careciam, frequentemente, de
recursos econômicos para custear especialmente seus exércitos que eram
convocados mediante o pedido dos reis. Que, em troca das suas vitórias,
recebiam terras. Assim nascem os “feudos” na Idade Média. Até o ponto em
que algumas regiões, mesmo debaixo da autoridade formal do Imperador,
começam a criar a autonomia administrativa. São as cidades-Estado. Assim, a
palavra Estado, começa a ser usada mais claramente a partir do advento da
Reforma. Essas foram as condições que Lutero encontrou na Alemanha para
que suas ações políticas se consolidassem na história. E ele, de fato, é um
ponto de partida para quem quer entender as mudanças na autoridade política
da Igreja na Idade Média.

Lutero realmente entendia as questões políticas nas quais deu o seu parecer?
Ou qual a compreensão de Lutero em questões políticas?

Destruída a autoridade política da igreja. O poder de “atar e desatar”, essa


autoridade passa para os reis e príncipes que, no entendimento de Lutero eram
“bispos por necessidade”. Dito de outro modo, a sociedade que era controlada,
fiscalizada e administrada pela igreja, passa tudo isso para os reis.

48
A Reforma é, sem nenhuma dúvida, um dos acontecimentos marcanta da
história geral. Não é preciso argumentar muito sobre a importância desses
estudos para a academia. Seja crítico ou admirador, todos os estudiosos desse
período dão conta da importância da Reforma nas varias áreas da sociedade.

Além disso, é importante se aprofundar nos estudos sobre a Reforma, na


medida em que se procura entender como as políticas modernas tendem a
concentrar o poder na mão dos governantes.

Mais ainda, o governante nas democracias modernas, mesmo em sociedades


completamente imbuídas da moral cristã, como é a sociedade brasileira, o que
poder ser demonstrado por várias pesquisas de tipo estatistica, implementa
políticas publicas que vão contra essa moral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para o estudioso luterano Eric Voegelin, em sua obra História das Ideias
Políticas, no Volume IV, a Reforma revela as raízes das ideologias políticas de
hoje. Voegelin oferece uma visão controversa da Reforma assim como da
situação política e religiosa que a precedeu diretamente. Segundo ele, a força
propulsora por trás da Reforma provém exclusivamente da personalidade
poderosa de Lutero.

Assim, até o ponto em que, verificadas as ações concretas de Lutero, pode-se


atribuí-las genericamente ao grupo que leva seu nome. São as ações que se
tornaram um costume generalizado.

Este é Lutero na sua atuação publica. Padre, professor, propagandista, orador,


escritor e o maior jornalista dos tempos modernos. O primeiro intelectual da
sua época a usar a mídia de massas para propagar as suas idéias.
Independente da conseqüência direta da atividade do Lutero escritor, sem
duvida, o que foi determinante veio da sua atuação como um intelectual
moderno. Como o maior escritor da língua alemã na modernidade. Como se
disse dele: “o melhor filho da Alemanha”.

49
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Paulo, Peixoto Neto.

LEWIS, C. S. A Imagem Descartada, para compreender a visão medieval de


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ROPS, Daniel. A Igreja das Revoluções. São Paulo, Quadrante, 2015.

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Editorial, 2ª ed, 2016.

50
SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento Político Moderno. São
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ROMMEN, Heinrich. O Estado no Pensamento Católico. São Paulo, Edições


Paulinas, 1967.

VOEGELIN, Eric. Renascença e Reforma. São Paulo, É Realisações, 2014.

51
PERSEVERANÇA NA DOUTRINA BÍBLICA, FRENTE AO NOVO CENÁRIO
RELIGIOSO BRASILEIRO.

Márcio Pureza de Lima15

Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP)

prmarciopureza@gmail.com

Eixo temático: Teologia Prática

Categoria: Comunicação oral

RESUMO

Este artigo destaca as mudanças do cenário religioso brasileiro. Primeiramente,


é abordado o crescimento das seitas e heresias, bem como a influência do
movimento neopentecostalismo. Em seguida é analisada a influência do
movimento ecumênico e o sincretismo religioso. E por fim, é proposto que a
perseverança na doutrina Bíblica, contribui para que a igreja cumpra sua
missão de maneira equilibrada e saudável.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, talvez pela primeira vez na história, o planeta todo está
se tornando pluralista no tocante a religião (HIEBERT, 1999, p.295). As

15
Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Master of
theological Studies by Southeastern Baptist Theological Seminary. Licenciado em Letras pela
Universidade da Cidade de São Paulo. MBA Planejamento e Gerenciamento Estratégico pelo
Centro Universitário Internacional. Bacharel em Teologia pela Faculdade Batista Paulistana.
Bacharel em Ciências da Computação pela Universidade Ibirapuera.
52
diversas religiões já estiveram de maneira geral, confinadas a áreas
geográficas específicas. O hinduísmo se sentia em casa na Índia, o budismo,
no leste e sudeste asiático, e o islamismo, no oriente médio, norte da África e
Indonésia. Agora, há muçulmanos, budistas e hinduístas em todos os
continentes.

Esta é a realidade do Brasil também. Os missionários cristãos não são os


únicos a pregar nas ruas das cidades e nas aldeias rurais. Além das religiões
não cristãs, tem proliferado o número de testemunhas de Jeová, mórmons e
uma infinidade de outras seitas. Algumas seitas se empenham até mais que
muitos cristãos para propagar sua mensagem (RINALDI, ROMEIRO, 1996,
p.5).

O analfabetismo bíblico é um dos problemas que a igreja brasileira enfrenta.


Embora o Brasil seja hoje o maior produtor de Bíblias do mundo, ainda há uma
igreja analfabeta da Bíblia (LOPES, CASIMIRO, 2012, p.68). Por não estarem
arraigados ao princípio fundamental da doutrina bíblica, ficam expostos às
seitas e heresias. É oportuna a definição de Roque Frangiotti, sobre heresia:

A palavra heresia é de origem grega háiresis e significa escolha,


partido tomado, “corrente de pensamento”, seita.
Originariamente, heresia é a acentuação de um aspecto
particular da verdade. No âmbito do cristianismo primitivo, é a
negação ou pregação de um evangelho diferente daquele
pregado pelas autoridades apostólicas (cf.2Pd 2,1; Gl 1,8). É a
pregação dos falsos profetas, falsos mestres que introduzem no
seio da comunidade doutrinas danosas, dúbias ou que não se
compaginam com a doutrina dos apóstolos (Inácio de Antioquia,
Ad Trallianos 6,1; Irene, Adv. Haer. III, 12, 11-13),
(FRANGIOTTI, 1995, p.6).

A influência dos neopentecostais


O movimento neopentecostal mudou o cenário evangélico do último século. Os
evangélicos tem dificuldade de identificar seus erros, pois diferente das seitas
que apresentam diferentes questões teológicas como as testemunhas de Jeová
que negam a divindade de Cristo, este grupo defende os mesmos fundamentos

53
cristãos. Apesar de se identificar como uma religião evangélica, não é em sua
essência. O grande problema esta na ênfase que aplicam em determinados
textos bíblicos, que desfigura a mensagem do evangelho. Por isso junto com as
demais seitas acarretam um grande prejuízo à evangelização. Bledsoe afirmou:

Os neopentecostais brasileiros abrangem uma porção


significativa daqueles que se declaram evangélicos nas ultimas
três décadas. Seus grupos eclesiásticos promovem alguns
ensinamentos e práticas que também se espalham por outras
denominações e igrejas independentes, sejam carismáticas, não
carismáticas e congregações pentecostais, bem como algumas
paróquias católicas (BLEDSOE, 2012, p.14).

O Brasil tem experimentado um explosivo crescimento das igrejas evangélicas,


especialmente das igrejas neopentecostais. Bledsoe (2012, 163) identificou
quatro áreas em que este movimento é missiologicamente prejudicial. Primeiro,
sua soteriologia está centrada em uma prescrição legalista e seria impossível
ao homem sem esforço próprio no cumprimento de rituais obter e manter a
salvação. Em segundo lugar, o movimento promove crenças narcisistas e
animistas. Terceiro, o movimento detém uma visão deficiente da igreja local.
Finalmente, o movimento gera denominações sectárias e que demonstram
aversão e superioridade para com os grupos evangélicos.

A influência neopentecostal tem sido um impeditivo à evangelização por mera


associação; ao serem classificados como evangélicos muitos acabam
acreditando que todos evangélicos são iguais (BLEDSOE, 2012, 166). Assim,
na tentativa de testemunhar o evangelho, muitos não recebem o evangelista
por acreditarem que já conhecem a mensagem ou, por preconceitos devido aos
inúmeros escândalos causados pela liderança de igrejas que surgiram com
este movimento. O pastor Ricardo Agreste apontou que o mau testemunho dos
líderes neopentecostais tem sido uma ameaça ao crescimento da igreja.

Uma das razões porque pessoas na atualidade não querem


saber da instituição chamada igreja está relacionada à imagem
que possuem dos homens e mulheres que encontram-se à
frente dela. Proliferam-se os nomes de pastores, bispos e
apóstolos envolvidos nos mais variados tipos de escândalos,
54
alimentando sentimentos de resistência no coração daqueles
que escutam ou testemunham tais acontecimentos. [...]
Infelizmente, não são poucos os casos manifestando a falta de
caráter destes supostos pastores, bispos ou apóstolos e, por
isso mesmo, não podemos desconsiderar o sentimento de
resistência no coração de muitas pessoas que não querem se
aproximar de uma igreja por esta razão (SILVA, 2007, p.61-62).

Outra implicação é que devido à ampla influência que este grupo tem
alcançado, outras igrejas têm seguido o seu exemplo e assim se desviado da
mensagem evangélica (BLEDSOE, 2012, p.166). Estão recorrendo a meios
propagandistas, que muitas vezes não condizem com o evangelho, para
ganharem seguidores. Esquecem que uma das tentações rejeitadas por Jesus
Cristo foi transformar as pedras em pães (Mt 4,4). De fato não duvidam em
oferecer benefícios materiais ao povo para conquistar adeptos. Já não se trata
da pregação do evangelho, mas de uma tentativa de forçar, uma “conversão”.
Isto não é evangelização e sim proselitismo (SANTA ANA, 1991, p.94).
Portanto, o aumento do grupo de neopentecostais, não representa um aumento
necessariamente da Igreja de Cristo, pois seus membros muitas vezes apenas
migraram de uma igreja cristã para outra.

Em II Timóteo 4,1-5, há um apelo para Timóteo permanecer fiel à sã doutrina,


mesmo em tempo que muitos recusariam a dar ouvidos à verdade e se
voltariam às fábulas. Este mesmo apelo é valido hoje para a igreja brasileira,
para manter-se fiel à sã doutrina e assim superar a influência dos
neopentecostais e suas heresias.

A influência do movimento ecumênico e o sincretismo religioso


O ecumenismo é o movimento em busca da união das igrejas cristãs (UR. n.4).
O termo aplica-se aos esforços das diversas igrejas para descobrir o que elas
têm em comum, em quais pontos são discordantes, e assim, tentar uma união
(SCHWIKART, 2001, p.39). O ecumenismo significa também o confronto de
duas fidelidades para o cristão. A primeira fidelidade é a própria vontade do seu
55
Senhor de que a Igreja seja uma, diante das atuais divisões eclesiais, e a
segunda é a própria confissão, ou denominação a qual ele se tornou cristão
(NAVARRO, 1995, p.24).

A incapacidade dos cristãos de viverem em unidade é um obstáculo à


evangelização. A unidade tem um efeito missionário (Jo 17,20-23). Por meio
dela, o mundo chegará à fé na missão de Jesus (BEUTLER, 2016, p.398). Esta
unidade não significa unicidade, como se todas as denominações cristãs
deixassem de existir e se integrassem. Assim como é o mistério do Deus-
triúno, assim também a pluralidade dos ministérios (Mc 9,38-39, Lc 9,49-50).
Champlin fez o seguinte comentário ao abordar a carta aos Romanos 15,6:

Essa unidade deve ser «em Cristo», isto é, de conformidade com


seu caráter e exemplo. Esse tipo de «unidade» é que tem estado
ausente de vários movimentos ecumênicos, incluindo aqueles de
nossa própria época. Deus não está interessado na mera unidade
organizacional. Existe uma unidade em Cristo que é uma questão
profundamente espiritual. Isso pode ser obtido sem que se tenha
de fundir denominações evangélicas; mas só pode ser realizado
em e através do Espírito de Cristo! Será mister uma intervenção
divina para produzir essa unidade espiritual genuína (CHAMPLIN,
1995, p.856).

Estar consciente do que divide as diversas confissões e denominações cristãs,


não pode ser uma razão para deixar de cooperar no campo social, quando as
situações em que se encontram assim o exigirem. Tal pensamento é
corroborado no documento Unitatis Redintegration (UR):

Todos os cristãos professem diante do mundo inteiro a fé em


Deus uno e trino, no Filho de Deus encarnado, nosso Redentor e
Salvador. [...] Visto que nos nossos tempos largamente se
estabelece a cooperação no campo social, todos os homens são
chamados a uma obra comum, mas com maior razão os que
crêem em Deus, sobretudo todos os cristãos assinalados com o
nome de Cristo. [...] Vai ela contribuir para apreciar devidamente a
dignidade da pessoa humana, promover o bem da paz, aplicar
ainda mais o Evangelho na vida social, incentivar o espírito cristão
nas ciências e nas artes e aplicar toda a espécie de remédios aos
males da nossa época, tais como a fome e as calamidades, o
analfabetismo e a pobreza, a falta de habitações e a inadequada
56
distribuição dos bens. Por essa cooperação, todos os que crêem
em Cristo podem mais facilmente aprender como devem
entender-se melhor e estimar-se mais uns aos outros, e assim se
abre o caminho que leva à unidade dos cristãos (UR. n.4).

Por outro lado o extremo de tentar unificar unidades eclesiásticas distintas em


seu corpo de doutrina também pode trazer prejuízos. O discurso ecumênico
pode conduzir ideologias ou filosofias totalmente contrarias a Bíblia que sejam
consideradas com o mesmo valor. Desta maneira, a mensagem do evangelho
será corrompida por um sincretismo religioso.

O sincretismo “é a tentativa de conciliar crenças e práticas religiosas diversas


ou conflitantes num sistema unificado” (NICHOLLS, 2013, p.38). Quando um
sistema religioso se relaciona de maneira simbiótica com outro sistema, é
provável que um deles ou os dois deixe de existir, criando assim outro sistema.
Quanto a isso Nicholls, advertiu que “na síntese entre a fé cristã e outras
religiões, a mensagem bíblica é progressivamente substituída por pressupostos
e dogmas não cristãos” (NICHOLLS, 2013, p.46). O sincretismo conduz a
morte lenta da igreja e no fim da evangelização.

O sincretismo tem causado dificuldades na expansão do evangelho, Lindório


(apud OLIVEIRA, 2009, p. 87), observou que “o sincretismo religioso é o
declínio da sociedade em que valores e conceitos se perdem e a porta aberta
para apresentação do evangelho se fecha, pelo menos parcialmente, por duas
ou três gerações”. Oliveira em sua pesquisa identificou este problema:

Consulte um missionário que trabalha com um povo tentando


reverter o processo de sincretismo. Provavelmente, ele dirá
que é mais fácil anunciar o evangelho a um grupo étnico que
nunca teve contato com o trabalho missionário, do que a um
grupo que pensa que entendeu a mensagem cristã, mas vive
um Cristianismo sincrético (OLIVEIRA, 2009, p. 88).

Para evitar o sincretismo é necessário conhecer bem a cultura e a cosmovisão


do povo que tem por alvo alcançar. A igreja deve verificar também se os frutos
colhidos são de qualidade, isto é, confirmar se o povo compreendeu o
evangelho em sua essência, e que as práticas que são contrárias a sã doutrina

57
foram abandonadas. A igreja não deve se apressar no processo de
evangelização e discipulado, a fim de suprir uma expectativa apenas numérica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atos 2,42 demonstra que a primeira comunidade cristã era perseverante na


doutrina confirmada pelos apóstolos. Os apóstolos e discípulos investiam
tempo no ensino e na pregação da Palavra de Deus (At 4,1-2.18; 5,21.25.42;
8,31-35; 11,26; 15,35; 18,11; 28,30-31). Após a morte dos apóstolos, seus
inscritos e feitos contribuíram para formação do cânon Bíblico. Através dos
séculos a Bíblia é para igreja a Palavra de Deus revelada, regra de fé e prática
para os discípulos de Jesus.

A influência da Teologia da prosperidade e de outras heresias é sutil. O


problema é que muitas vezes não negam os fundamentos da fé cristã.
Entretanto, a ênfase em alguns textos bíblicos pode acabar distorcendo a
mensagem do evangelho. A teologia da prosperidade, por exemplo, conduz o
pregador a transmitir uma mensagem antropocêntrica. Segundo Paulo Romeiro
os "verbos como exigir, decretar, determinar, reivindicar frequentemente
substituem os verbos pedir, rogar, suplicar” (ROMEIRO, 1993, p.36). Para
evitar erros perigosos na transmissão do evangelho a mensagem deve ser
cristocêntrica, isto é, centralizada em Cristo porque Ele é a incorporação das
boas-novas.

O evangelho não tem o objetivo de ser atraente; pois sua mensagem é uma
“pedra de tropeço, uma rocha de escândalo” (Rm 9,33; 1Pd 2,8). Alimentar a
ganancia e o apetite das pessoas por entretenimento apenas agrava o
problema das emoções insensatas, da apatia e do materialismo
(MACARTHUR, 1997, p.79). Portanto, para evitar o engano das seitas e das
heresias é importante que os discípulos sejam perseverantes na doutrina
Bíblica.

58
A pregação é o principal instrumento usado por Deus para levar a igreja ao
crescimento. Não há salvação sem a pregação, pois “a fé vem da pregação e a
pregação é pela palavra de Cristo” (Rm 10,17). É mediante a Palavra que os
crentes são regenerados (1Pd 1,23), alimentam-se da Palavra (1Pd 2,2) e são
santificados pela Palavra (Jo 17,17). Uma igreja cresce de forma saudável
perseverando na doutrina Bíblica sendo fiel a exposição das Escrituras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Loyola, 2016.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. 2ª impressão. São Paulo: Paulus, 2003.

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HIEBERT, Paul G. Evangelho e a diversidade das culturas. São Paulo: Vida


Nova, 1999.

LOPES, Hernandes Dias., CASIMIRO, Arival Dias. Revitalizando a igreja. São


Paulo: Hagnos, 2012.

NAVARRO, Juan B. Para Compreender o Ecumenismo. Edições Loyola. São


Paulo, 1995.

OLIVEIRA, Jair. Vida, Ministério e desafios no campo missionário. São Paulo:


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RINALDI, Natanael., ROMEIRO, Paulo. Desmascarando as Seitas. 1° ed. Rio


de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 1996.

SANTA ANA, Júlio H. Ecumenismo e libertação: Reflexões sobre a relação


entre a unidade cristã e o Reino de Deus. São Paulo: Vozes, 1991.
59
SCHWIKART, Georg. Dicionário ilustrado das religiões. Aparecida, SP: Editora
Santuário, 2001.

60
A LÍNGUA DOS ANJOS EM 1CORÍNTIOS 13:1

Pesquisador: Leandro Formicki16


E-mail: formick@hotmail.com
Faculdade Teológica Batista de São Paulo (SP)
Departamento de Graduação em Teologia
Doutorando em Ciências da Religião
Eixo Temático: Teologia Sistemática
Categoria: Comunicação oral

RESUMO

O movimento cristão emergiu como uma seita judaica, mas amadureceu em


um contexto greco-romano, sendo profundamente impactado pela cultura e
tradições ocidentais. Por um lado, sofreu as influências das tradições israelitas
antigas e do Judaísmo do Segundo Templo, e por outro, sofreu as influências
das tradições greco-romanas, embora em menor grau. A presente pesquisa
tem por objetivo analisar o fenômeno da língua dos anjos em (1 Coríntios 13:1)
no Judaísmo e Cristianismo primitivo. Para tanto, examina-se alguns textos
chaves que pertencem ao imaginário místico – apocalíptico judaico e a um
texto que pertence a tradição cristã primitiva. Com isso, esta pesquisa mostra
que a glossolalia como uma fala extática e ininteligível é caracterizada como
língua dos anjos tanto pelos textos que pertencem a tradição mística-
apocalíptica judaica quanto por Paulo em (1Coríntios 13:1).

Palavras-chave: Paulo, Misticismo Apocalíptico Judaico, Língua dos Anjos,


Glossolalia, Coríntios.

INTRODUÇÃO

16
Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo, Graduando em
Letras pela (USP), Mestre em Ciências da Religião pela (UMESP), Doutorando em Ciências da
Religião pela (UMESP), bolsista Capes Integral, formicki@hotmail.com.
61
Segundo Lewis17, no centro de toda religião, está a tomada do homem pela
divindade. Esses encontros são encorajados em todas as religiões em alguma
fase de suas histórias, entretanto com diferentes ênfases. Experiências
místicas (de encontro do sagrado com o profano), tipicamente concebidas
como estados de possessão conferem aos místicos a reivindicação única de
conhecimento experimental com o divino.

O termo “êxtase” contém vários significados diferentes. Segundo a etimologia


da palavra significa “estar fora de si” ou “fora dos seus sentidos”. Alguns o
utilizam para designar violentas agitações do corpo, dança, canto, inspiração,
arrebatamentos inefáveis, visões e alucinações. Os estudiosos têm sido
imprecisos no uso do termo “êxtase”, embora prevaleça a indefinição do termo
em suas obras, muitos parecem compreender o êxtase como o meio pelo qual
a comunicação divino-humana opera.

O fenômeno extático – carismático como a glossolalia é recorrente no


cristianismo primitivo (1Coríntios 12-14:1-25). Parece ser um tema-eixo da
religiosidade cristã primitiva, principalmente na comunidade cristã presente em
Corinto.

A proposta desta pesquisa, portanto, é realizar um estudo desse fenômeno


extático – carismático (glossolalia/língua dos anjos) a partir da análise
exegética do texto de (1Coríntios 13:1), relacionando-o com a religiosidade
judaica no período do pós-exílio.

Sendo assim, surge uma questão em relação ao fenômeno extático da


glossolalia na comunidade cristã situada em Corinto: A glossolalia cristã
primitiva encontra paralelo fenomenológico, conceitual ou terminológico na
tradição mística – apocalíptica judaica?

17
LEWIS, Ioan. Êxtase Religioso: Um Estudo Antropológico da Possessão por Espírito e do
Xamantismo, 1977, p.17-18.
62
Em nossa pesquisa, seguiremos a hipótese de que a glossolalia cristã primitiva
encontra paralelo fenomenológico, conceitual ou terminológico na tradição do
misticismo apocalíptico judaico.

1. Os Textos da Tradição Mística – Apocalíptica Judaica

O objetivo desta análise é mostrar que a ininteligibilidade da glossolalia


como uma forma de fala extática, e sua caracterização como linguagens
angélicas, encontra paralelos dentro do Judaísmo intertestamentário.
Analisaremos os seguintes textos: o Apocalipse de Paulo 30; A Escada de Jacó
2.17-19 e o Testamento de Jó 48-51, como evidências da nossa proposta.

O Apocalipse de Paulo é um testemunho muito interessante para nossa


análise, o mesmo é datado no final do século IV d.C. e inicio do V século d.C. 18
Nele há referência explícita ao paralelismo entre o culto terreno e o celestial,
“tal como um é feito no céu, da mesma forma o outro é feito na terra” 19. Este
texto é de origem apocalíptica judaica, mas, retrata o catolicismo primitivo. O
texto mostra o significado da “Aleluia”, o que aconteceu é descrito como segue:

Eu (Paulo) disse ao anjo, “Senhor, o que é Aleluia?” O anjo


respondeu e disse-me, “Você examina e questiona todas as coisas”.
E ele disse-me, “Aleluia é dito em hebraico, como é a língua de Deus
e dos anjos. Agora o significado de Aleluia é este: tecel cat marith
macha”. E eu disse, “ Senhor, o que é tecel cat marith macha?” O
anjo respondeu e disse-me, “Tecel cat marith macha, é um modo de
dizer’Vamos abençoar todos juntos’”. Eu perguntei ao anjo e disse, “
Senhor, todos devem dizendo Aleluia a Deus abençoar?” O anjo
respondeu e disse-me, “Sim, e se alguém cantar Aleluia, e aqueles
que estiverem presentes não cantarem juntos, eles pecam se não
cantarem juntos”. Eu disse, “Senhor, cometerá pecado se algum
estiver doente ou muito velho?” O anjo respondeu e disse-me, “Não,
mas quem é capaz e não canta junto e despreza a palavra, pois seria

18
SCHNELMELCHER, Wilhelm. New Testament Apocrypha, Vol.2: Writings Relating to the
Apostles Apocalypses and Related Subjects. Louisville & Kentucky: Westminster John Knox
Press, 2003 p. 713.
19
NOGUEIRA, Paulo Augusto de Souza. Experiência Religiosa e Crítica Social no Cristianismo
Primitivo. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 69.
63
considerado orgulhoso e indigno se ele ou ela não abençoar o Senhor
20
Deus seu criador.”

Neste relato fica explicito uma mistificação da língua hebraica como língua
divina, mas segundo Nogueira21 esse é um testemunho raro de descrição da
língua divina e angelical como sendo uma espécie de “hebraico celestial”. A
frase que descreve o significado da “Aleluia” está escrita em “hebraico divino”,
ou seja, uma língua ininteligível para os humanos, mas uma língua mística de
adoração a Deus. O autor não sabe falar essa língua, mas tem de imitá-la, ou
melhor, recriá-la como um hebraico celestial22. Este testemunho retrata um
hebraico inarticulado ou ininteligível, que de fato pode não ser a mesma fala
ininteligível pronunciada pelos coríntios, mas está no mesmo contexto que
envolvia práticas litúrgicas, no qual, envolviam “línguas” de algum modo.

A Escada de Jacó foi provavelmente escrito em grego, durante o primeiro


século d.C. O texto é uma elaboração do sonho de Jacó em Betel, Genesis
28.11-2223. Jacó pede a Deus em um cântico que lhe revele a interpretação de
seu sonho. Nesse canto ele evoca imagens de Deus do complexo da
merkavah24. Durante seu o canto, em êxtase, ele diz:

Santo relâmpago de olhos! Santo, santo, santo, Yao,


Yaova, Yaoil, Yao, Kados, Chavod, Savaoth, Omlemlech il
avir amismi varich, rei eterno, potente, poderoso,
grandioso, paciente, o abençoado25.

20
Gardner. E, St. Paul’s Apocalypse in: Visions of heaven e hell before Dante, Italica Press,
New York, 1989. pgs. 13-46.
21
NOGUEIRA, Paulo Augusto de Souza. Experiência Religiosa e Crítica Social no Cristianismo
Primitivo. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 69.
22
Ibid. p.69.
23
CHARLESWORTH, James H. The Old Testament Pseudepigrapha, Vol.1,. New Jersey:
Hendrickson Publishers, 2010, p.401-402.
24
NOGUEIRA, Paulo Augusto de Souza. Experiência Religiosa e Crítica Social no Cristianismo
Primitivo. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 68.
25
CHARLESWORTH, James H. The Old Testament Pseudepigrapha, Vol.1,. New Jersey:
Hendrickson Publishers, 2010, p.408.
64
Segundo Nogueira, P26 na forma da kedushá são feitas variações com o nome
tetragrama, e com outros nomes hebraicos de Deus por um autor que, muito
provavelmente, não sabia hebraico. Para o autor, A Escada de Jacó trata-se,
na melhor das hipóteses, de um péssimo hebraico. Entretanto, é evidente que
havia certa mistificação das línguas orientais, nas quais, as mesmas eram
consideradas línguas celestiais que serviam para adorar a Deus. Este texto,
também está no mesmo contexto de práticas litúrgicas que envolvia “línguas
ininteligíveis”, mas aqui um hebraico ininteligível movido pelo êxtase de Jacó.

O Testamento de Jó foi certamente escrito em grego, provavelmente durante o


primeiro século a.C. ou d.C., e possivelmente entre os sectários judeus
egípcios chamados Terapeutas, descritos por Fílon em seu Vita
contemplativa27. A forma deste livro se assemelha ao Testamento dos Dozes
Patriarcas, no qual, recomenda a virtude da paciência (hupomone) baseada no
caráter bíblico de Jó. O livro está em forma prosaica e às vezes é bem-
humorado.

Nos capítulos 48-51, quando as três filhas de Jó perguntam sobre a


participação delas na herança, Jó fornece as cordas mágicas do filactério para
cada filha, com isso, elas perdem o interesse em preocupações terrenas e
começam a falar extaticamente na linguagem dos anjos. O que aconteceu é
descrito como segue:

Portanto, quando a chamada Hemera (filactério) surgiu, ela enrolada


com a corda ao redor dela, apenas como o pai dela disse. E ela ficou
com outro coração, já não mais inclinado para as coisas terrenas,
mas ela falou extaticamente na língua dos anjos, enviando um hino
para Deus de acordo com o estilo de hino dos anjos. E como ela falou
28
extaticamente, ela permitiu “O Espírito” ser inscrito em seu traje .

26
NOGUEIRA, Paulo Augusto de Souza. Experiência Religiosa e Crítica Social no Cristianismo
Primitivo. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 68-69.
27
CHARLESWORTH, James H. The Old Testament Pseudepigrapha, Vol.1,. New Jersey:
Hendrickson Publishers, 2010, p.833.
28
Ibid. p.865-866.
65
Segundo Forbes29, autores como Spittler, Engelsen, Dautzenberg vêem aqui
um claro paralelo com a glossolalia cristã primitiva. Entretanto, para Spittler 30 a
data do Testamento de Jó é um indicio forte que o mesmo foi reformulado
pelos Montanistas no segundo século d.C.31, e que as filhas de Jó falando em
êxtase pode ter sido uma jogada para fornecer o precedente da profecia
extática no período bíblico.

Por outro lado, Poirier afirma que:

Embora a possibilidade de uma proveniência cristã não seja tão


remota quanto alguns estudiosos assumiram, uma origem judaica é
provavelmente mais possível para este texto. Deve-se admitir, em
primeiro lugar, que nada listado acima é decisivo em argumentar por
uma proveniência cristã. Na verdade, quase tudo é compatível com
uma origem judaica. A principal coisa que me inclina para uma
proveniência judaica, no entanto, é o recente argumento de Gruen,
amarrando o Testamento de Jó para eventos que abalaram os judeus
egípcios durante e após a revolta de 115-117 C.E. (Era Comum).
Embora o argumento de Gruen se volte apenas sobre o que é
encontrado nos capítulos 1-27 da obra, a unidade do texto deve ser
presumida pelo menos na ausência de provas contrárias. No que se
segue, portanto, eu suponho que o trabalho é judeu, embora eu
32
continue a estender a possibilidade de que este não é o caso .

29
FORBES, Christopher. Prophecy and Inspired Speech In Early Christianity and its Hellenistic
Environment. Massachusetts: Hendrickson Publishers, Inc., 1997, p.184.
30
Citado por: Ibid. p.184.
31
Spittler 1983: 834. Turner (1998a: 236) escrevem que os capítulos. 48-50 "parecem fazer
parte de uma adição à obra judaica, e é provável que sejam de uma mão cristã ou gnóstica
"(ver Turner 1998b: 247 n. 35). Van der Horst 1989:184-5 objeta a sugestão de Spittler, no
entanto, afirmando que tal como uma tática não teria produzido o tipo de autoridade bíblica
para a prática Montanista que seus caluniadores teriam exigido. Mas a suposição de van der
Horst de que a autoria Montanista do texto teria sido motivada pela necessidade de tal garantia
é pelo menos questionável. Estudos recentes enfatizaram a unidade literária do Testamento de
Jó, mas esses estudos podem ser facilmente dependentes da tendência atual dos eruditos em
presumir a unidade da obra - uma presunção que está facilmente sobrecarregada. Veja
Schaller 1989; JJ Collins 1974: 48-9; Sullivan 2004: 129-30. Sobre a mudança da narrativa de
primeira para a terceira pessoa em 46.1, veja Bauckham 1991. Citado por: POIRIER, John C.
The Tongues of Angels: The Concept of Angelic Languages in Classical Jewish and Christian
Texts. Tubingen: Mohr Siebeck, 2010, p. 65.
32
Ibid. p.69.
66
Poirier afirmou acima que é mais provável que o Testamento de Jó seja de
origem Judaica, mas ele opta por uma origem cristã, então, por isso ele afirma
que:

Nada no meu exame de Testamento de Jó 46-53 deve surpreender


leitores mais casuais desses capítulos, armados como eles
invariavelmente estarão com a ideia de que a glossolalia era por
33
vezes vista em termos angeloglóssicos. Clint Tibbs considera o
Testamento de Jó 48-52 "a única evidência clara da possível
glossolalia no mundo judaico ".

Esta passagem é uma importante testemunha do modo de operação


da angeloglossia, e por sua clareza narrativa é muito menos um
enigma global do que a referência provocante de Paulo em 1
Coríntios 13:1. Dada a possibilidade de que esta passagem foi escrita
por um cristão, deve-se considerar seriamente que foi talvez baseado
em 1 Coríntios 13:1. Tal cenário, entretanto, não implicaria que sua
presença dentro da obra é puramente não relacionada à atividade
carismática dentro da comunidade do autor. Comunidades
carismáticas, tanto judaicas quanto cristãs, eram provavelmente mais
predominantes do que os restos literários dessas duas religiões
poderiam nos motivar a acreditar34.

Diante do exposto, verificamos a contradição de Poirier, pois o autor afirmou


que a origem judaica para o Testamento de Jó é mais possível do que a origem
cristã. E que nenhum argumento é decisivo para afirmar uma proveniência
cristã do Testamento de Jó. Ele também cita a afirmação de Clint Tibbs que
considera o Testamento de Jó 48-52 "a única evidência clara da possível
glossolalia no mundo judaico ". Por outro lado, o autor afirma que: “eu suponho
que o trabalho é judeu, embora eu continue a estender a possibilidade de que
este não é o caso”, por isso, “dada a possibilidade de que esta passagem foi
escrita por um cristão, deve-se considerar seriamente que foi talvez baseado
em 1 Coríntios 13:1”. Portanto, consideramos o Testamento de Jó como uma
unidade de origem judaica, pois a obra trabalha com temas que são típicos da
apocalíptica judaica do período do Segundo Templo. Com isso, entendemos
que a referência a “língua dos anjos” no Testamento de Jó não foi baseada na

33
Tibbs 2007:221 n. 23. Citado por: Ibid. p. 77.
34
Ibid. p. 76, 77.
67
mesma referência que 1 Coríntios 13:1, mas, pelo contrário, ambos os textos
compartilham de uma tradição mística-apocalíptica judaica comum.

Por fim, todas estas evidências analisadas mostram ser um paralelo para a
glossolalia cristã primitiva. A maior semelhança está no fato de que aparece em
(1Coríntios 13:1) a citação das “línguas dos anjos” que realmente era
compreendida na literatura apocalíptica como uma forma de linguagem para
louvar/orar a Deus (c.f. Testamento de Jó 48-51 com 1Coríntios 13:1;
14:2,14,15,16). Mas, essa “língua dos anjos” é uma fala ininteligível? Ao que
parece, ela pode ser considerada uma fala ininteligível. Em primeiro lugar, na
Escada de Jacó aparece um hebraico ininteligível movido pelo êxtase de Jacó.
Ele fala com Deus por meio de uma língua celestial “angélica” (o hebraico
inarticulado). Em segundo lugar, em (1Coríntios 13:1) a referência a “língua dos
anjos” está dentro do bloco a respeito dos dons espirituais (1Coríntios 12-14),
ou mais precisamente do dom de falar em línguas ininteligíveis (1Coríntios
12:10,28,30; 14:2,4,5,6,9,10,13,14,18,19,23,26,27,28, 39). Isso é uma
evidência que o Apóstolo Paulo entendia o “dom de línguas” como sendo uma
“linguagem angélica” que servia para se comunicar com Deus. Essa
comunicação envolvia tanto adoração a Deus por parte do falante como
revelação de mistérios por parte de Deus, ou seja, era uma conversa no âmbito
celestial (1Coríntios 14:2,4,5,6,9,10,12,13,14,18,19,23,26,27,28, 39).

2. A Glossolalia Cristã Primitiva (1 Coríntios 13:1)

Texto Grego

1 Ἐὰν ταῖς γλώσσαις τῶν ἀνθρώπων λαλῶ καὶ τῶν ἀγγέλων, ἀγάπην δὲ
μὴ ἔχω, γέγονα χαλκὸς ἠχῶν ἢ κύμβαλον ἀλαλάζον35.

35
Nestle-Aland, Novum Testamentum Graece. 28° Edição (Bible Works 10).
68
Tradução

1 Toda vez que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, mas que eu
não tenha amor, eu me torno bronze que ressoa ou címbalo que retine.

O primeiro “dom” do Espírito mencionado por Paulo em 1 Coríntios 13:1, é o de


falar em línguas, ou, como ele diz: “línguas dos anjos”. Mas, por que Paulo usa
essa expressão? E qual é o seu significado? Em seguida verificaremos as
diferentes posições dos eruditos sobre essa expressão para podermos
responder a essas questões.

Em primeiro lugar é importante verificarmos a ocorrência e o significado da


palavra “anjo” no Novo Testamento. O substantivo masculino ἄγγελος aparece
cento e setenta e seis vezes no Novo Testamento36. Nas cartas de Paulo
aparece quatorze vezes (Rm 8:38; 1Co 4:9; 1Co 6:3; 1Co 11:10; 1Co 13:1; 2Co
11:14; 2Co 12:7; Gl 1:8; Gl 3:19; Gl 4:14; Cl 2:18; 2Ts 1:7; 1Tm 3:16; 1Tm
5:21)37. A expressão γλώσσαις τῶν ἀγγέλων “línguas dos anjos” aparece
somente em 1Coríntios 13:1. Alguns linguistas entendiam que a palavra
ἄγγελος tinha sua origem etimológica no sânscrito ángiras-, nome de seres
míticos, entretanto, essa conexão tem sido universalmente abandonada.
Talvez, a origem etimológica seja de um empréstimo Oriental, como
ἄγγαρος38. O substantivo masculino ἄγγαρος na Pérsia, significa “mensageiro
montado, para transportar despachos reais; mensageiro a cavalo carregando
despachos reais na Pérsia por revezamento”39. Portanto, a palavra ἄγγελος
significa “um mensageiro humano servindo como um enviado, um enviado,

36
Concordance to the New Testament Graece of Nestle Aland 26 Edition and to the Greek NT.
Third Edition. Berlin/New York, 1987, p. 15-19.
37
Ibid, p. 17.
38
BEEKES, Robert. Etymological Dictionary of Greek. Leiden: Brill, 2010, p. 9. E CHANTRAINE,
Pierre. Dictionnaire Étymologique De La Langue Grecque. Paris: Klincksieck, 1999, p, 8.
39
LIDDEL, H. G.; SCOTT, F., A Greek-English Lexicon. Oxford, The Clarendon Press, 1996, p.
7; BEEKES, Robert. Etymological Dictionary of Greek. Leiden: Brill, 2010, p. 9. E
CHANTRAINE, Pierre. Dictionnaire Étymologique De La Langue Grecque. Paris: Klincksieck,
1999, p, 8.
69
aquele que é enviado; um poder transcendente que realiza várias missões ou
tarefas, mensageiro, anjo; geralmente, aquele que anuncia ou diz” 40.

Segundo Fitzmyer:

O que se entende por "línguas angélicas" não é fácil de dizer. Uma


expressão semelhante é encontrada no Testamento de Jó 48.3,
aphenxato de tē angelikē dialektō, "Ela [Hemera] cantou na
linguagem angélica" (ed. S. Brock, 56). Mais tarde, a tradição rabínica
entre judeus consideraram o hebraico, lĕšôn haqqōdeš, "linguagem
41
do santuário", para ser linguagem angélica (Str-B, 3:449) .

Da mesma forma, Orr e Walther mostram que:

Os primeiros rabinos acreditavam que havia setenta línguas faladas


por seres humanos. Eles tinham duas opiniões sobre as línguas
angélicas: (a) que os anjos entendiam apenas hebraico, exceto
Miguel, que entendia todas as línguas da humanidade; (b) que os
anjos tinham uma ou mais línguas celestiais em variedade e beleza
42
diferentes das línguas humanas .

Por outro lado, J. F. M. Smit e James G. Sigountos43:

Sugerem que a referência aos anjos tem uma "função hiperbólica"


nesta passagem. Smit observa que os anjos cumprem tal função em
1 Cor 4:9, Gal 1:8; 4:14,18 enquanto Sigountos argumenta que "o fato
de que Paulo não descreve em outro lugar a glossolalia em termos
angélicos ou celestiais também contam contra o entendimento
"realista".

Além disso, Forbes escreve que:

Parece que a visão amplamente aceita de que Paulo deve


primariamente exprimir as línguas celestiais é implausível, sendo
como é fortemente baseada na frase "e anjos" em 1 Coríntios 13:1 "

40
BAUER, W; ARNDT, W; GINGRICH, F.W., A Greek-English Lexicon of the New Testament
and Christian Literature. Chicago Press, 2001, p. 8; LIDDEL, H. G.; SCOTT, F., A Greek-
English Lexicon. Oxford, The Clarendon Press, 1996, p. 7.
41
FITZMYER, Joseph A. First Corinthians: The Anchor Yale Bible. Yale University Press, 2008,
p. 492.
42
(Strack, HL e P. Billerbeck. Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrasch.
Vol. III. Munique: Beck, 1926, p. 449. Citado por: ORR, William F.; WALTHER, James Arthur. I
Corinthians: A New Translation, Introduction, With a Study of the Life of Paul, Notes, and
Commentary. New Haven; London: Yale University Press, 2008, S. 291.
43
Sigountos 1994. Citado por: POIRIER, John C. The Tongues of Angels: The Concept of
Angelic Languages in Classical Jewish and Christian Texts. Tubingen: Mohr Siebeck, 2010, p.
51.
70
parece um floreio retórico”: "Ou mesmo os dos anjos" pode muito bem
ser o sentido que Paulo pretendia aqui: claramente, ele não está
realmente reivindicando "todos os mistérios e todo conhecimento", ou
ter vendido tudo o que tem. Não está claro, contudo, que a
compreensão de "todos os mistérios e conhecimento" deva ser
hipérbole, e há outras formas de entender o emparelhamento de
44
"línguas de homens" com "línguas de anjos" .

Notamos que há uma divergência a respeito da interpretação de 1 Coríntios


13:1. De um lado, há eruditos que consideram que “línguas dos anjos” é uma
hipérbole em paralelo com a compreensão de “todos os mistérios, todo o
conhecimento, toda fé”, “eu distribua todas as minhas posses e eu entreguei o
meu corpo para que eu me vanglorie” nos versículos 2, 3. Diante desse fato, o
que Paulo diz nesse versículo é que “mesmo se ele fosse o mais eloquente dos
seres humanos em qualquer idioma ou até mesmo o melhor falante em línguas,
ele nada seria sem amor”45. Portanto, a “língua dos anjos” nesse versículo não
é real, mas, somente uma expressão figurada para mostrar que “ainda que
Paulo falasse nesse tipo de linguagem, não há possibilidade que isso aconteça
porque essa linguagem angélica é irreal, sem amor, ele se tornaria bronze que
ressoa ou címbalo que retine”. Por outro lado, há eruditos que consideram que
“línguas dos anjos” não é uma hipérbole em paralelo com a compreensão de
“todos os mistérios, todo o conhecimento, toda fé”, “eu distribua todas as
minhas posses e eu entreguei o meu corpo para que eu me vanglorie” nos
versículos 2, 3. De certo para esses eruditos, a “língua dos anjos” é a
“glossolalia ou dom de línguas inintelígiveis”, pelo simples fato de que “há
alguma evidência de fontes judaicas que os anjos foram acreditados para
terem sua própria linguagem celestial (ou dialetos) e que por meio do “Espírito”
alguém poderia falar esses dialetos (Testamento de Jó 48-50)”46. Ao se dirigir a
Deus por meio da adoração é necessário ter uma linguagem supra-

44
FORBES, Christopher. Prophecy and Inspired Speech In Early Christianity and its Hellenistic
Environment. Massachusetts: Hendrickson Publishers, Inc., 1997, p. 61, 62.
45
Pace I. J Martin. Citado por: FITZMYER, Joseph A. First Corinthians: The Anchor Yale Bible.
Yale University Press, 2008, p. 491.
46
FEE, Gordon D. The First Epistle to the Corinthians. Grand Rapids: Eerdamns, 1987, p.630.
71
humana/celestial/angelical. Isso explicaria a “noção da visão dos coríntios da
“espiritualidade”, ou seja, para eles, a evidência de ter “chegado” a um estado
“espiritual” seria a de que falavam as “línguas dos anjos”. Daí o alto valor
colocado neste dom”47.

Em primeiro lugar, acreditamos que Paulo em 1 Coríntios 13:1-3 não


utiliza a hipérbole. Ele não usa uma linguagem figurada para deformar a
realidade dos fatos, ou seja, “língua dos anjos” é realmente “uma linguagem
angélica” e não outra coisa qualquer. Além disso, até mesmo Forbes que
afirma que é implausível que Paulo fale as línguas celestiais, também afirma
que “não está claro, contudo, que a compreensão de “todos os mistérios e
conhecimento” deva ser hipérbole”48. Diante disso, entendemos que “as línguas
dos homens” são os idiomas humanos intelígiveis como o grego, hebraico,
aramaico, etc. Por outro lado, “as línguas dos anjos” são um tipo de linguagem
na forma humana (como o hebraico na Escada de Jacó), mas
inarticulada/inintelígivel para quem fala e para quem ouve. Essa linguagem
inintelígivel é concedida pelo Espírito para que o recebedor “em espírito, fale
mistérios com Deus” (1 Co 14:1). Da mesma forma, Balz e Schneider afirmam
que em 1 Co 13:1) Paulo fala da linguagem dos anjos como o próprio
“epítome49 do dom de línguas" (G. Dautzenberg, Urchristliche Prophetie [1975]
150), a fim de apontar para a necessidade do amor juntamente com dons

47
Ibid, p. 630.
48
FORBES, Christopher. Prophecy and Inspired Speech In Early Christianity and its Hellenistic
Environment. Massachusetts: Hendrickson Publishers, Inc., 1997, p. 61, 62.
49
ἐπιτομή (em grego): "corte na superfície, incisão, epítome, abreviação". LIDDEL, H. G.;
SCOTT, F., A Greek-English Lexicon. Oxford, The Clarendon Press, 1996, p. 667.
Epítome (em português): O que serve como modelo exemplar ou paradigma de algo: Portinari
é o epítome do modernismo na pintura brasileira.
http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/ep%C3%ADtome/
Epitome (em inglês): Um exemplo representativo ou perfeito de uma classe ou tipo: "Ele é visto
... como o epítome do intelectual de centro-direita, hawkish" (Paul Kennedy).
https://www.thefreedictionary.com/epitome
Epitome (em inglês): O exemplo típico ou mais alto de uma qualidade declarada, como
mostrado por uma pessoa ou coisa em particular: Mesmo agora em seus sessenta anos, ela é
o epítome da elegância francesa.
https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/epitome
72
excepcionais do espírito50. Em suma, concordamos com Balz e Schneider que
“a língua dos anjos” é um exemplo representativo, um modelo exemplar do
“falar em línguas” em 1 Co 12-1451. Com isso, Paulo afirma que: toda vez que
ele ou alguém na igreja de Corinto52 falar tanto as línguas dos homens quanto
as línguas dos anjos (inintelígiveis), mas não for motivado pelo amor para com
as pessoas, edificando-as, eles se mostrarão vazios. Portanto, Paulo usa a
expressão “língua dos anjos” porque seu imaginário foi influênciado pela
cosmovisão mística-apocalíptica. Por isso, ele acreditava que a glossolalia era
um dom supra-humano, celestial, angelical, ou seja, uma “fala ininteligível”
superior porque servia para que o falante se comunicasse com o Divino.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUER, W; ARNDT, W; GINGRICH, F.W., A Greek-English Lexicon of the New


Testament and Christian Literature. Chicago Press, 2001.
BEEKES, Robert. Etymological Dictionary of Greek. Leiden: Brill, 2010.
CHANTRAINE, Pierre. Dictionnaire Étymologique De La Langue Grecque.
Paris: Klincksieck, 1999.

50
BALZ, Horst Robert; SCHNEIDER, Gerhard: Exegetical Dictionary of the New Testament.
Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1990-c1993, S. 1:14.
51
Poirier expõe os diferentes tipos de interpretação das “línguas dos homens e línguas dos
anjos”: a) “línguas dos homens” são usadas para se referir à fala inteligível e “línguas dos
anjos” para se referir à fala glossolálica (inintelígivel); b) “línguas dos homens” são usadas para
se referir à fala glossolálica (inintelígivel) e “línguas dos anjos” para se referir a uma altura
impossível de realização espiritual; c) “línguas dos homens” e “línguas dos anjos” podem ser
vistas para representar as duas metades complementares da comunidade terrestre-celestial
dos “santos”, expressa em termos do sinal linguístico-pneumático que o novo crente recebe
como um símbolo de sua cidadania recém-descoberta naquela comunidade. POIRIER, John C.
The Tongues of Angels: The Concept of Angelic Languages in Classical Jewish and Christian
Texts. Tubingen: Mohr Siebeck, 2010, p. 57.
52
O Apóstolo Paulo se utiliza como exemplo para mostrar que tanto ele como os membros da
igreja de Corinto não devem utilizar o dom de línguas para seu benefício próprio e sim para
edificação das outras pessoas.
73
CHARLESWORTH, James H. The Old Testament Pseudepigrapha, Vol.1,. New
Jersey: Hendrickson Publishers, 2010.
Concordance to the New Testament Graece of Nestle Aland 26 Edition and to
the Greek NT. Third Edition. Berlin/New York, 1987.
FEE, Gordon D. The First Epistle to the Corinthians. Grand Rapids: Eerdamns,
1987.
FITZMYER, Joseph A. First Corinthians: The Anchor Yale Bible. Yale University
Press, 2008.
FORBES, Christopher. Prophecy and Inspired Speech In Early Christianity and
its Hellenistic Environment. Massachusetts: Hendrickson Publishers, Inc., 1997.
GARDNER. E, St. Paul’s Apocalypse in: Visions of heaven e hell before Dante,
Italica Press, New York, 1989.
LEWIS, Ioan. Êxtase Religioso: Um Estudo Antropológico da Possessão por
Espírito e do Xamantismo, 1977.
LIDDEL, H. G.; SCOTT, F., A Greek-English Lexicon. Oxford, The Clarendon
Press, 1996.
Nestle-Aland, Novum Testamentum Graece. 28° Edição (Bible Works 10).
NOGUEIRA, Paulo Augusto de Souza. Experiência Religiosa e Crítica Social
no Cristianismo Primitivo. São Paulo: Paulinas, 2003.
ORR, William F.; WALTHER, James Arthur. I Corinthians: A New Translation,
Introduction, With a Study of the Life of Paul, Notes, and Commentary. New
Haven; London: Yale University Press, 2008.
POIRIER, John C. The Tongues of Angels: The Concept of Angelic Languages
in Classical Jewish and Christian Texts. Tubingen: Mohr Siebeck, 2010.
SCHNELMELCHER, Wilhelm. New Testament Apocrypha, Vol.2: Writings
Relating to the Apostles Apocalypses and Related Subjects. Louisville &
Kentucky: Westminster John Knox Press, 2003.

74
PÔSTERES

75
A RAIZ ZNH NO LIVRO DO PROFETA OSÉIAS: UM ESTUDO
INTRODUTÓRIO

Grupo de pesquisa: Linguagens da Bíblia Hebraica53

Faculdade Teológica Batista de São Paulo

Departamento de graduação em Teologia

Categoria: Poster

Introdução

Essa comunicação parte das primeiras investigações do grupo de pesquisa


“Linguagens da Bíblia Hebraica”, da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
O grupo começou com o estudo das referências sexuais no livro do profeta
Oséias até deparar-se com um debate em torno da raiz znh. A discussão
estabelece-se diante das possíveis interpretações de znh. A presente
investigação propõe-se a 1.identificar os textos do livro de Oséias onde ocorre
a raiz, 2.notar como foi traduzida ao Português e 3.verificar como comentários
modernos compreendem a raiz. Optou-se por um sistema de transliteração
simples, sem sinais diacríticos para vogais longas, breves e semivogais.

53
Coordenado pelo Prof. Me. Lucas Merlo Nascimento. Formado por alunos e ex-alunos do
curso de bacharel em Teologia da Faculdade Teológica Batista de São Paulo: André Felipe
Barbosa, Ákilla Vicente Braga Nascimento, Rebeca Mendes da Fonseca da Silva, Rafael
Cardoso Pereira, Rafael da Silva França, Heitor Pessoa Magno e Laellington Fernandes Lopes.

76
1. As ocorrências de znh em Oséias

A raíz znh ocorre 22 vezes no livro de Oséias. Em sua forma verbal, ocorre
em54 1,2 (2x); 2,7; 3,3; 4,10.12.13.14.15.18 (2x); 5,3 e 9,1, sendo 9 vezes no
qal (1 infinitivo, 1 particípio, 5 imperfeito e 2 perfeito) e 4 no hifil (3 perfeitos, 1
infinitivo)55. Na forma substantivada, ocorre em 1,2 (2x); 2,4.6; 4,11.12.14; 5,4;
6,10, sendo 6 vezes no masculino plural, 2 vezes no feminino singular e 1 vez
no feminino plural. Para a discussão das interpretações, é importante notar que
não ocorre a forma substantivada zonah (prostituta).

2. As traduções de znh nas Bíblias em Língua Portuguesa

Para a averiguação, foram consultadas as seguintes traduções para o


Português: Bíblia de Jerusalém (BJ), Tradução Ecumênica da Bíblica (TEB),
Bíblia Hebraica (BHSefer), Almeida Revista e Atualizada (ARA), Nova Versão
Internacional (NVI), Bíblia Pastoral (BPas) e Bíblia do Peregrino (BPer).

TEB BHSefer BJ BPas BPer ARA NVI

1,2 zenunim, prostituição, promíscua, prostituição, prostituição, prostituta, Prostituições, adúltera,


zenunim, prostituição, meretriz, prostituição, prostituição, bastardos, prostituição, infidelidade,
prostituiu prostituta prostituiu prostituiu prostituído prostituiu adultério
“zanoh tizneh”

2,4 zenuneha prostituição prostituição prostituições prostituições fornicações prostituições

2,6 zenunim prostituição adultérios prostituição prostituição bastardos prostituições adultério

2,7 zantah prostituiu agir como prostituiu prostituiu prostituiu prostituiu Foi infiel
prostituta

3,3 tizni prostituires sendo adúltera prostituirás prostituir fornicarás prostituirás será

54
Seguimos a notação de versículos da Bíblia Hebraica.
55
O infinitivo qal em 1,2 e hifil em 4,18 são formas enfáticas, articuladas com o mesmo verbo
conjugado.
77
prostituta

4,10 hiznu prostituir-se-ão Serão Prostituir-se-ão dar à fornicarão entregar-se-ão prostituirão


promíscuos prostituição à sensualidade

4,11 zenut orgia promiscuidade Prostituição sensualidade Prostituirão

4,12 zenunim Prostituição, adúltero, Prostituição, Prostituição, Fornicação, Prostituição, Prostituição,


prostituindo- se errasse seu prostituíram prostituem fornicam prostituindo-se desviar-se
wayyznu caminho

4,13 tiznenah prostituem Promíscuas Prostituem prostituem prostituem Prostituem Prostituem

4,14 tiznenah, Prostituição, Prostituirem, Prostituem, Prostituirem, Prostituirem, Prostituem, Prostituirem,


hazzonot prostitutas rameiras prostitutas prostitutas prostitutas meretrizes meretrizes

4,15 zoneh Prostituís prostituas Prostituís prostitua prostituta Prostituir-te Adultere

4,18 devassidão prostituição Prostituição prostituição prostituição prostituição Prostituição

“hazneh hiznu”

5,3 hizneta devassidão adultério Prostituiste prostituição fornicaste prostituído Prostituição

5,4 zenunim prostituição concupiscência Prostituição prostituição prostituição prostituição Prostituição

6,10 zenut prostitui prostituição Prostitui prostituiu prostituiu prostituição Prostitui

9,1 zanita prostituiste Apartas-te Prostituíste Prostituir-se Prostituir-se Prostituir-te Prostituiu

Comparando-se as traduções nota-se uma tendência na Bíblia de Jerusalém e


Pastoral em manterem a tradução por “prostituir” e derivados, mantendo-se um
campo semântico mais restrito. Na Tradução Ecumênica, predomina o sentido
de prostituição, apenas com 3 exceções: orgia e devassidão (2x), ampliando o
campo semântico. A Almeida Revista e Atualizada mantém-se no campo
semântico restrito de prostituição mesmo onde propõe “meretrizes”. Apenas em
dois versos propõe sensualidade.

As traduções Bíblia Hebraica (Sefer), Bíblia do Peregrino e Nova Versão


Internacional abrem o campo semântico para atos sexuais fora dos limites do
casamento, diferentes de prostituição, ao traduzirem por promiscuidade,
adultério, fornicação, bastardo (“filhos de prostituição”) e infidelidade. Essas
três traduções podem conduzir a uma interpretação mais ampla da expressão,
78
conforme as possibilidades de interpretação, abaixo. Nota-se ainda que a Bíblia
Hebraica da Sefer traduz uma vez por “apartar” (9,1) e a Nova Versão
Internacional por “desviar” (4,12), quase como explicação do uso contextual da
raiz znh.

3. As possibilidades de interpretação

A partir das traduções e comentários, a raiz znh pode ser compreendida como:
prostituição (envolvendo ato sexual), prostituição ritual (envolvendo ato sexual),
prostituição religiosa (idolatria, infidelidade - sem ato sexual), adultério (ato
sexual fora dos limites do casamento). A depender da referência,
principalmente quando usada em relação a Israel, fica clara a conotação de
quebra da aliança do povo com Yahweh, em sentido religioso. A ambiguidade
ocorre em contextos nos quais a expressão refere-se à mulher do profeta,
Gomer, se a mesma era prostituta, prostituta cultual, adúltera ou uma
representante da infidelidade a Yahweh (Os 1-3) e em contextos nos quais é
possível que, à quebra da aliança, aliem-se ritos sexuais de cultos canaanitas.
Nesse sentido notamos como os comentaristas compreendem a raiz znh.

Kuntzmann (1983) entende a expressão como infidelidade e apostasia.


Kuntzman, ao interpretar a expressão “prostituta”, muda a sua conotação para
“apostasia”. Para ele, Gômer seria uma mulher que teria se desviado dos
caminhos do Senhor, e os filhos dela com o profeta iriam seguir os caminhos
maternos, ou seja, imitariam a parte “desleal”, dedicando a sua reverência aos
ídolos. Derek Kidner (1993) compreende como prostituta, enfatizando que o
hebraico bíblico possui outra palavra para prostituta cultual (qedashah).

Harper (1979) compreende prostituição como não castidade antes do


casamento e que posteriormente se transformou em vida promíscua e

79
adultérios. Porém, também pode ter um teor espiritual, referindo-se ao povo de
Israel e sua idolatria. Em todas as expressões ele sugere a interpretação do
ponto de vista físico e sexual, como também do ponto de vista espiritual, como
uma mensagem para Israel.

Andersen e Freedman (2008) compreendem que a raiz znh indica atividade


sexual fora dos limites do casamento. O plural pode apontar para uma ideia
abstrata (como rahamim, piedade). Para eles, não é possível separar
pensamento de ação e a expressão indica algo concreto. A mesma forma
encontrada em Oséias pode ser notada em Ez 23,11.29, Gn 38,24 (Tamar), 2
Rs 9,22 (Jezabel) e Na 3,4 (Nínive). A referência de 2Rs 9,22 é interessante
por dois motivos: o vínculo de Jezabel com o culto a Baal e com a feitiçaria
(keshapim). A expressão aponta para um conjunto de ações que não devem
ser copiadas dos cananeus (Ex 22,17; Ml 3,4; Mq 5,1-13). Em Os 4,12 parece
indicar uma consulta a Ashera, deusa da fertilidade representada por um poste
fálico. A raiz kshp é vista em listas mais exaustivas das ações canaanitas
reprováveis: Dt 18,10-11; 2Cr 33,6 e Jr 27,9. kshp aparece em textos
acadianos como feitiço. Uma dos textos vincula o feitiço à impotência
masculina. Assim a expressão parece fazer parte de um campo semântico
envolvendo sexualidade.

Segundo os autores, znh aponta para atos sexuais ilícitos, não


necessariamente prostituição (como Tamar). O autor compara a forma ’eshet
zenunim com outras paralelas, que apontam para o relacionamento com o
marido ’eshet ne‘urim (esposa da juventude - Pv 5,18; Is 54, 6; Ml 2,14.15),
’eshet heq (esposa do peito - Dt 13, 7; 28,54; 2 Sm 12,8), ’eshet midwanim
(esposa de contendas - Pv 21,9; 25,24; 27,15) e ’eshet berit (Ml 2,4 – esposa
da aliança). A partir dessas construções paralelas, os autores propõem que a
expressão aponte para uma mulher que se torna promíscua, não para uma
prostituta que se torna esposa. A raiz znh aparece em paralelo a na’apupim
80
(adultério), apontando para a ideia da quebra de relacionamento com o marido.
Ainda que a expressão enfatize a quebra do casamento, os autores
consideram que a forma desse adultério pode ser o culto de fertilidade a Baal.

Os autores enfatizam que em Oséias, a forma zonah (prostituta) não é


encontrada. Para os autores, os dados apontam para a ideia de que Gomer
não foi prostituta, nem prostituta cúltica e usam a narrativa de Gn 38 como
argumento. Na narrativa, Tamar é chamada de zenunim (como aparece em
Oséias) apenas após ser descoberta grávida, antes, fora chamada de
qedeshah e zonah, expressões equivalentes para identificar a prostituta.

Stuart (2002) entende que o termo ’eshet zenunim não significa “uma
prostituta” ou “uma prostituta como esposa”. Isto porque o termo “prostituta” em
hebraico seria zonah conforme Josué 2.1 ou Juízes 11.1, de modo que o plural
abstrato (zenunim) se refere mais a uma característica do que a uma profissão.
Além disso, ele afirma que os capítulos 1-3 nada demonstram ou apontam para
o fato de Gomer ser uma prostituta praticante ou uma esposa adúltera.

Neste sentido, o autor sustenta que o uso posterior do termo na expressão


ruah zenunim, “espírito de prostituição”, em Oséias 4.12 e 5.4, deixa claro que
se trata das inclinações de Israel quanto à coabitação com outras doutrinas e
práticas sincretistas e heterodoxas. Desta forma, o termo se refere a um retrato
da promiscuidade – como uma prostituta – da nação de Israel em relação à
obediência a Deus, em que Gomer representa uma cidadã rebelde, como
qualquer outra mulher israelita poderia ser. Em resumo, para o autor, casar-se
com qualquer mulher israelita era casar com uma "mulher prostituta", diante da
tamanha promiscuidade da nação de Israel nos tempos do profeta Oséias.

Crabtree (1961) entende que há pelo menos três interpretações gerais a


respeito do casamento e da integridade de Oséias, tais explicações diferem
81
entre si: A primeira compreende a narrativa como uma visão ou sonho em que
o profeta contou para ilustrar o amor do Senhor para com o povo de Israel e
sua infidelidade para como o Criador; a segunda entende que o profeta
apresenta a historieta como parábola ou alegoria relacionada com esta
interpretação e baseada com ela no objetivo de explicar a narrativa
literalmente.

O autor afirma que apesar de tais defesas, há fortes objeções contra tais
interpretações, isso porque as mesmas se apresentam contra interpretações
literais que exageram o literalismo de determinadas frases e pormenores na
narrativa, ou seja, não há nada na narrativa que indique ser uma visão ou
alegoria. Por último, os que entendem a narrativa como uma história verídica
apresentam uma variedade de interpretação. Alguns partem da ideia de que
Gomer já era uma meretriz e já tinha filhos ilegítimos quando Oséias casou-se
com ela. Outros entendem que Gomer era jovem casta quando se casou,
porém, sua inclinação à promiscuidade de Baal a tornou uma prostituta.

Para o autor, o profeta conta a história do seu casamento um tempo depois do


ocorrido e à luz da providência de Deus em sua vida. Compreende-se que não
há nada na narrativa que afirme que Gomer era infiel, como esposa do profeta,
enquanto morava debaixo do seu teto. Os filhos são tidos como representações
da mensagem dirigida à Judá. A infidelidade se dá a partir de sua saída da
casa dele. Segundo Crabtree, Oséias teria casado com Gomer quando essa
era ainda jovem e virgem e dera ao profeta três filhos. Após algum tempo,
Gomer, influenciada pela imoralidade pagã, cometera adultério.

Segundo Wolf (1978), o termo “mulher de prostituição” não pode se referir a


uma prostituta comum, o termo se referiria a uma qualidade pessoal, não a
uma atividade. Para explicar o uso da palavra, o autor pontua a incursão de um
rito sexual canaanita no qual jovens virgens se oferecem às divindades e, em
troca, esperam a fertilidade. Elas tinham relações sexuais com estranhos nos
82
lugares sagrados, o que traria nova vitalidade ao clã. O rito deveria ser único,
entretanto poderia ser repetido pela mesma pessoa ocasionalmente caso fosse
feito um voto. Mas as mulheres que faziam parte desse rito eram diferentes
daquelas que eram contratadas como prostitutas permanentes para o culto à
divindade. O autor afirma que no texto de Oséias há diversas referências a
esse culto.

Em 2.4, o termo se refere a certas marcas visíveis (provavelmente marcas ou


emblemas, tiaras, cintos, anéis, colares e outras jóias) que podem ser retiradas
das mulheres e eram colocadas em mulheres que haviam participado do culto
sexual canaanita. Sendo assim, o termo é uma referência a um ato sagrado
oficial no qual a evidência de que havia sido concretizado ficava exposto no
corpo da mulher.

A partir desses autores, nota-se uma variedade de interpretações quanto ao


status da raiz znh no livro de Oséias, indo desde a compreensão de
infidelidade religiosa até explicações incluindo ritos canaanitas. Aparentemente
essas divergências também se expressam nas traduções bíblicas.

Considerações finais

A presente pesquisa tem caráter introdutório, visando compreender a


complexidade do uso da linguagem no texto bíblico, especificamente as
metáforas sexuais em Oséias, aqui representados pela raiz znh. A presente
abordagem incluiu a comparação entre as traduções ao Português e o
levantamento das possibilidades de interpretação a partir de comentaristas. A
partir desses, nota-se uma pluralidade de interpretações, algumas com
melhores fundamentos linguístico ou histórico-cultural. É necessário completar
o estudo levantando outras possibilidades e comentaristas, além de verificar os

83
diferentes usos verbais e substantivos no livro, para compreender se alterações
verbais e substantivas carregam alguma alteração semântica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDERSEN, F. FREEDMAN, D. Hosea. London: Yale University Press, 2008.


(Anchor Yale Bible Commentary)

BÍBLIA. Almeida Revista e Atualizada. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil,


2009.

BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

BÍBLIA. Bíblia Hebraica Stuttgartensia. Stuttgart: Barueri: Deutsch

Bibelgesellschaft: Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.

BÍBLIA. Bíblia Pastoral. São Paulo: Paulus, 2014.

BÍBLIA. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2003.

BÍBLIA. Tradução Ecumênica da Bíblica. São Paulo: Loyola, 1995.

CRABTREE, A.S. O livro de Oseias. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,


1961.

GOROVITS, David; FRIDLIN, Jairo. Bíblia Hebraica. São Paulo: Sêfer, 2006.

84
HARPER, W. R. A critical and exegetical commentary on Amos and Hosea.
Edinburgh: T&TClark, 1979. (International Critical Commentary)

KIDNER, Derek. A mensagem de Oseias. São Paulo: ABU, 1993.

KUNSTMANN, Walter. Os profetas menores. Porto Alegre: Concordia, 1983.

SCHOKEL, Luis Alonso. Bíblia do Peregrino. São Paulo: Paulus, 2002.

STUART, Douglas. Hosea-Jonah. Dallas: Word, Incorporated, 2002. (World


Biblical Commentary)

WOLF, Hans. Hosea. Philadelphia: Fortress Press, 1974. (Hermeneia)

85
O ESTUDO DO MITO PARA COMPREENDER A LITERATURA DO ANTIGO
ORIENTE
Pesquisadores: André Felipe Barbosa e Davi Lins do Nascimento
E-mail: andrefelipe_barbosa@outlook.com
davilins07@hotmail.com
Faculdade Teológica Batista de São Paulo
(SP) Departamento de Graduação em
Teologia
Graduandos em Teologia
Teologia Eixo Temático: Bíblia
Categoria: Pôster
Projeto de Iniciação Científica

Resumo

Analisa o que é mito em uma perspectiva fenomenológica da religião e como o


mesmo influencia de modo significativo os acontecimentos sociais, culturais,
políticos e religiosos de um determinado povo a partir das cosmogonias
babilônica e israelita.
Palavras-chave: Mito, Cosmologia, Fenomenologia, Literatura do Antigo
Oriente.

INTRODUÇÃO

A tentativa de explicar a gênese da história da humanidade, dos sentimentos e


dos fenômenos naturais a partir das teofanias e dos heróis está presente nas
mais diversas culturas e religiões. Desde a antiguidade o homem tenta explicar
o todo e dar resposta à demanda universal de sentido da existência. O mito
surge como um fenômeno supra cultural e religioso, como um discurso, uma
história, uma narrativa que carrega em si o peso de fundar ou explicar a origem
da humanidade, de uma religião ou uma sociedade, sendo extremamente
importantes para o imaginário coletivo (BULFINCH, 2016, p. 14). Além disso a
sua importância, poeticamente, ultrapassa o imaginário dos atores envolvidos
na narrativa tornando-se “fontes inesgotáveis de vida” para aqueles que a
reproduzem e para os que ouvem (BASTIDE, 2006, p. 98).

86
O mito traz em si um caráter imaginativo, dramático, sedutor, poético e
poderosamente aceito mediante as repetições às gerações posteriores. Não
obstante o vínculo com o passado, ainda consiste no mito uma profunda
ligação com a realidade humana e mesmo a nossa sociedade cientificista não
conseguiu destruir os mitos, apenas a negar intelectualmente (BASTIDE, 2006,
p. 98).

No âmbito da importância do mito para uma auto compreensão de um povo,


existem inúmeros exemplos: os babilônicos têm uma íntima ligação com o mito
do Enuma Elish, os persas com a mitologia oriental reformada por Zoroastro,
aonde se explica a cosmogonia da religião e o fim dos tempos (BULFINCH,
2016, p. 473-475); os escandinavos, por sua vez, tem sua cosmogonia nórdica
aonde a criação se deu após a morte de Ymir por seus filhos Odin, Vili e Ve
(BULFINCH, 2016, p. 487-489).

O mito tem a sua importância não apenas para as religiões e para a


constituição de um povo, mas também trazem luz para algumas ciências como
a psicanálise. Freud em suas pesquisas utilizou-se de mitos que
correspondiam aos fenômenos psíquicos para dar nomenclaturas do
comportamento humano como: narcisismo (2010, p. 14) e Eros (2018, p. 195);
e em certo sentido os mitos, semelhante aos sonhos, poderiam ser entendidos
como modo de expressão do inconsciente, conforme observado por Jung
(2008, p. 142).

Apesar da utilização do mito no meio científico, a palavra “mito” carrega em si


um significado notório dentro do universo semântico popular, sendo
relacionado como o fantasioso, algo sem fundamento ou meramente simbólico
no mundo antigo, sendo descolado intelectualmente da vida pratica atual.

Compreendendo a complexidade de trabalhar o significado do mito e sua


importância na narrativa constituinte de um povo e uma religião, o presente
trabalho apresentará o conceito de mito, sua origem fenomenológica, propondo
o estudo do mito como um caminho para a compreensão da literatura do Antigo

87
Oriente, bem como para a compreensão da religião e do povo relacionado
aquela crença.

O Estudo do Mito para compreender a literatura do Antigo Oriente

A compreensão de mito tem de ser necessariamente segmentada, sem deixar


de lado os seus aspectos amplos. Para uma melhor noção de como os mitos
funcionavam no mundo antigo, em especial Israel e nos povos do Antigo
Oriente, a tarefa do presente artigo é levantar diferentes perspectivas que
ajudem na elucidação do mesmo. Por isso, partimos de uma análise
fenomenológica da religião buscando entender o que é o mito, como ele se
estabelece, como ele funciona e como ele se desenvolve na demanda cultural.

Afirmar uma única definição de mito seria uma tarefa equivocada, pois o
mesmo funciona de modo amplo, observado em diferentes perspectivas,
campos de atuação e equivalente em cada período de espaço histórico-
geográfico. A opção em observar o mito visando a fenomenologia da religião e
a filosofia partiu de um questionamento de como o mesmo funcionava na
Antiguidade. Isso, devido a forma com que os povos do Antigo Oriente
estabeleciam sua noção de política, cultura, economia, noção de si, religião e
sociedade.

Coube ao pesquisador observar os elementos primordiais em cada uma das


perspectivas trabalhadas, sendo elas: Filosofia, partindo de uma visão mais
ampla do significado do termo nos trabalhos de Nicola Abbagnano, filósofo
italiano, e Johan Konings, filosofo, teólogo e exegeta bíblico; Ciência da
Religião, visando o trabalho dos pesquisadores Mircea Eliade, que além de
historiador das religiões considerado um dos fundadores do moderno estudo da
história das religiões e estudioso dos mitos, Gerard Van Der Leeuw, um dos
mais brilhantes teólogos holandeses e historiador religioso, e José Severino
Croatto, exegeta do Antigo Testamento e Teólogo.

88
A busca desenfreada de referenciais teóricos provoca no pesquisador um
aparato meramente repetitivo, por isso, a centralização do tema proporciona
um melhor aproveitamento do assunto e uma compreensão mais coesa de
como o mito revigorou historicamente e culturalmente a humanidade. Abrir mão
de tais levantamentos implicaria em uma redução significativa para uma
definição apropriada, apesar do mesmo ser interpretado e definido por
diferentes linhas e em algumas delas contraditórias entre si, é de extremo valor
que tal pesquisa seja realizada seguindo tais caminhos, a fim de que o capítulo
seguinte possa ser bem mais situado e definido.

Por fim, cabe ao pesquisador destacar cada funcionalidade do mito em cada


perspectiva apresentada para que ampare e justifique sua linha teórica quanto
aos escritos antigos e a influência comportamental na região do Antigo Oriente,
em especial na esfera mesopotâmica e Israelita.

O Mito como fenômeno complexo

Croatto em seu texto As linguagens da experiência Religiosa, apresenta a


palavra mito etimologicamente entendendo que a mesma evolui
semanticamente. Ele afirma que a etimologia de mythos (μῦθος) é incerta,
porém que provavelmente tenha origem do indo-europeu mendh-/mudh-, que
pode ser melhor compreendido como “lembrar/solicitação/pensamento” dando
assim um sentindo básico para mito (2010, p. 182).

O verbo muthéomai significa pensar, como aparece na frase pánta


Zeus muthpeetai (“Zeus, tudo pensa”: Demócrito). Homero usa o
verbo com o mesmo sentido. Para significar o que não possui
realidade, utiliza-se mais a palavra épos. Muthos pode expressar o
pensamento ou sua comunicação (“notícia/mensagem/história”):
alêthomuthein chrê: “é necessário expressar a verdade”, dizia
Demócrito.

Gerard Van Der Leeuw denomina o mito como a própria palavra. Não se trata
apenas de uma narrativa, poema, uma explicação primitiva dos fenômenos do
mundo, ou até mesmo um princípio filosófico inicial de determinado povo, mas
uma melhor definição seria: A palavra falada e que tem poder decisivo quando

89
é repetida. O mito não apenas fala a respeito de um evento poderoso em um
determinado período cosmológico, mas de como tal evento se desencadeou. A
metáfora é empregada de maneira muito comum na narrativa. Como a
repetição faz parte da essência religiosa, o mito é encarado com a mesma
frequência. (1975, p.399)

Como Leeuw, Mircea Eliade caminha em uma linha semelhante. Para ele, o
mito está também relacionado com o culto que inspira e justifica uma conduta
religiosa (1971, p.26). Eliade afirma que o mito pertence a uma das realidades
culturais mais complexas do campo do pensamento. O mesmo é abordado e
interpretado através de múltiplas e complementares perspectivas, ou seja, o
esforço de tentar defini-lo torna-se exaustivo e com inúmeros denominadores.
(ELIADE, 1971, pg. 11)

Antônio Carlos do Amaral Azevedo, historiador Brasileiro de História Antiga e


Medieval, descreve o mito como um modo de contar sua maneira de ser. De
modo breve e sistemático, ele define cada campo em que o mesmo é
trabalhado para os antigos, uma fábula destinada a descobrir determinada
realidade que apresenta certo grau de dificuldade na materialização e
explicação; para a religião, um meio de explicar seus acontecimentos e
origens, além de seu dogmatismo; para o pensamento cientifico moderno o
mesmo encarna fenômenos importantes da vida, como acidentes geográficos,
a morte, o amor, além de tantos outros assuntos. (2002, p. 259-260)

Observar o mito em uma perspectiva moderna, em especial a partir do


racionalismo da primeira e segunda modernidade colocou-o em uma
perspectiva inferior as chamadas ciências sérias, porém, com a influência do
romantismo (século XIX) e da fenomenologia (século XX) o mesmo adquiriu o
status de legítimas expressões humanas. (KONINGS, 2016 p. 236)

Segundo Nicola Abbagnano, em seu dicionário de Filosofia, tem-se por


aceitação geral que mito é definido como narrativa. Aliado a isso, Johan
Konings, afirma que a narrativa deve ser observada a partir da perspectiva da
linguagem religiosa. Em seu dossiê Linguagens Religiosas e Narrativas
90
Sagradas ele faz uma distinção significativa a respeito de ambos, pois a
linguagem diz respeito à forma, enquanto a narrativa o conteúdo.

Uma coisa são as formas de expressão religiosa, que podem


eventualmente incluir temas como nascimento virginal e
arrebatamento ao céu. Outra coisa são os dados factuais envolvidos
na narrativa sagrada, por exemplo, que um homem do povo,
crucificado por razões não totalmente esclarecidas, acaba sendo
considerado o messias (in)esperado, ao qual, então, a linguagem
religiosa atribui a esperança de uma volta gloriosa. (KONINGS. 2016
p.237)

Ele continua dizendo que as formas mitológicas podem ser inseparáveis do


conteúdo irredutível e revelador que as mesmas trazem à sua fala. A tentativa
de separar o conteúdo revelador de sua forma mítica-religiosa não é uma tarefa
adequada.

Como já mencionado, Abbagnano, define mito como narrativa, utilizada em


especial na poética de Aristóteles. Ele distingue o mesmo em três diferentes
pontos: Forma atenuada de intelectualidade; autônoma de pensamento ou de
vida; ou como instrumento de estudo social (1998, p.673).

Quanto à forma atenuada de intelecto, Platão e Aristóteles durante o período


da Antiguidade Clássica, consideram que o mito é tido como um produto
inferior da atividade intelectual. O mesmo era atribuído apenas a uma
“verossimilhança”, enquanto a “verdade” era pertencente aos produtos
genuínos do intelecto. Para Platão, em determinados campos do pensamento,
o mito é a única validade que a compreensão humana alcança, ou que
expressa o que há de melhor e mais verdadeiro que se possa encontrar
(ABBAGNANO, 1998, p.673).

Platão também observa o mito como “uma via humana mais curta” para a
persuasão; e que também o seu domínio é representado por uma esfera que
se localiza além do pensamento racional, permitindo que apenas seja lícito
aventurar-se com suposições verossímeis. No que diz respeito a Aristóteles, o
mesmo assume colocações semelhantes. Ele afirma que o mito, em
determinados casos, é o oposto da verdade, mas pode também ser a forma

91
aproximativa e imperfeita que a verdade assume, é o caso de explicar “a razão
de uma coisa em forma de mito” (ABBAGNANO, 1998, p.673).

A partir de tais concepções, assume-se ao mito uma atribuição de validade


moral ou religiosa, como também de inverdade, quase verdade. Ele se
comunica em um campo não demonstrável ou claramente concebível, todavia,
seu significado moral ou religioso é sempre claro, ou seja, o que o mito ensina
a respeito da conduta do homem em relação ao seu semelhante ou às
divindades é compreensível no intelecto humano (1998, p.673).

No que diz respeito ao mito ser encarado como uma forma autônoma de
pensamento e de vida, Abbagnano justifica pela validade e função do mesmo
não sendo secundária ou subordinada ao pensamento racional, porém
originária e primária. O mesmo está em um plano diferente do intelecto, mas
tão digno quanto. A verdade do mito de modo algum é uma verdade intelectual
corrompida, mas autêntica, manifestando-se de forma fantástica ou poética
(1998, p.674).

Outro aspecto interessante de observar a respeito da concepção mítica que


Abbagnano demonstra, é quanto a incorporação que o Romantismo adotou de
tal conceito. Em “A filosofia da mitologia” de Schelling, considera-se o mito
como religião natural do gênero humano, sendo uma das fases da revelação do
Absoluto, fazendo parte do processo de teofania, assim como uma fase da
teogonia, estando além e acima da natureza, pois é manifestação de Deus
como consciência da natureza ou relação desta com o eu (SCHELLING, 1821
apud ABBAGNANO, 1998, p.674). O mito surge espiritualmente acima do
mundo das coisas, mas, nas figuras e nas imagens com que ele substitui este
mundo, vê outra forma de materialidade de ligação com as coisas (CASSIER,
1925, p.24 apud ABBAGNANO 1998, p.674).

A terceira e última concepção de mito apresentada por Abbagnano consiste na


teoria moderna sociológica, ou seja, como um instrumento de estudo social. Ele
destacará os trabalhos de Fraser (The Golden Bough, 1911-15) e Malinowski
que conceitua mito da seguinte forma:
92
O mito não é uma simples narrativa, nem uma forma de ciência, nem
um ramo de arte ou de história, nem uma narração explicativa,
cumpre uma função sui generis, intimamente ligada à natureza da
tradição, à continuidade da cultura, à relação entre maturidade e
juventude e à atitude humana em relação ao passado. A função do
mito, em resumo, reforça a tradição e dá-lhe maior valor e prestígio,
vinculando-a à mais elevada, melhor e mais sobrenatural realidade
dos acontecimentos iniciais. [...] Cada mudança histórica cria sua
mitologia, que, no entanto, tem relação indireta com o fato histórico. O
mito é acompanhamento constante da fé viva, que precisa de
milagres, do status sociológico, que pede precedentes, de norma
moral, que exige sanção. (MALINOWSKI, 1926, p.146 apud
ABBAGNANO, 1998, p.674).

Abbagnano utiliza-se do exemplo de Levi-Strauss que aponta o mito não como


uma narrativa histórica, mas sim uma representação generalizada de fatos que
recorrem com uniformidade à vida humana. Devido a isso é que o mesmo
nunca será realista, pois, sua escrita partirá sempre de uma representação
corrigida e aperfeiçoada expressando em si as aspirações nas quais a situação
real dá origem. Strauss também encarará o mito como uma “Filosofia Nativa”,
por ser a forma pela qual um determinado grupo social expressa suas atitudes
em relação ao mundo, ou até mesmo, como um grupo procura resolver seus
problemas existenciais (1998, p.675).

Partindo desse ponto de vista, o mito não seria definido como uma determinada
forma de espírito, semelhantemente no caso do intelecto e o sentimento, porém
na relação à função que desempenha nas sociedades humanas, como a que
desempenha um papel de esclarecimento e descrição baseando-se em
acontecimentos concretos e observáveis.

O mito a partir da Fenomenologia da Religião

Definir o significado de mito é uma tarefa complexa e arriscada, isso segundo


Mircea Eliade (1971, p. 25). Para ele, a tentativa que o historiador terá para tal
execução dependerá exclusivamente dos documentos que o mesmo se propôs
a pesquisar, ou seja, tal interpretação a respeito do assunto parte de uma
perspectiva preliminar, os desdobramentos estão aliados a uma concepção
isolada.

93
A compreensão da estrutura e a função dos mitos em sociedades tradicionais
não é vista apenas como uma compreensão de uma etapa histórica do
pensamento humano, porém alia-se a uma categoria para os contemporâneos,
partindo do fato de que todos esses elementos fazem parte do fenômeno
humano e cultural. Sendo assim, Eliade dirá que, apenas quando encarado por
uma perspectiva histórico-religioso, o mito forma condutas similares que
poderão se apresentar como fenômenos de cultura, perdendo uma
característica aberrante ou um ato visto apenas como instintivo (1963, p.10).

Em uma tentativa de querer definir o que de fato é o mito, Eliade afirma que é
uma realidade cultural extremamente complexa, porém, partindo de um caráter
pessoal. O mito conta uma história sagrada em que se relata um
acontecimento ocorrido em tempos primordiais. Em outras palavras, é a
narrativa de como os ‘Entes Sobrenaturais’ formam toda a realidade, de como
algo foi produzido e passou a existir. Apesar de sua linguagem e forma de
escrita, Eliade afirma que o mito por se tratar de uma “história sagrada”, será
em síntese uma “história verdadeira”, pois sempre fará referência à realidade
(1963, p.12).

A distinção entre “histórias verdadeiras” e “histórias falsas” torna-se mais


relevante em culturas onde o mito ainda faz parte do cotidiano, como no caso
de tribos indígenas. Tal distinção é vista por Eliade como algo muito
significativo, pois ambas as categorias relatam uma série de eventos que se
verificaram em um passado distinto, entretanto, em narrativas míticas as
personagens são sempre Deuses e Entes Sobrenaturais quanto que nos
contos são heróis ou até mesmo animais miraculosos tendo todos uma
característica comum: nenhum deles pertencem ao mundo cotidiano.

Eliade dirá que nossa maior possibilidade de compreender a estrutura do


pensamento mítico se dá pelo esforço de estudar as culturas onde o mito é
uma realidade vigente (ELIADE,1971, p.27, tradução nossa). Para ele, não é
possível compreender a estrutura e funcionalidade do pensamento de uma
sociedade cuja cultura se baseia no mito sem tomar o mesmo em sua

94
totalidade e, ao mesmo tempo, na escala de valores que essa mitologia
sustenta, seja implícita ou explicitamente (ELIADE,1971, p.28, tradução nossa).

Outro aspecto importante apresentado pelo autor é quanto à primazia que


intensifica a intencionalidade do mesmo, pois os mitos narram muito além da
origem do mundo e todos os seres vivos Narram também os acontecimentos
primordiais que resultaram no modo de como o ser humano interage consigo,
com o meio social e com o todo, como: sua mortalidade, seu erotismo e
sexualidade, sua organização em sociedade, a inclinação ao trabalho, a
obrigação do cumprimento de regras, entre tantos outros (1963, p. 16).

Eliade, ao expressar o significado do porquê conhecer os mitos e sua estrutura,


afirma que a “história” mítica constitui de um conhecimento de ordem esotérica,
pois o mesmo não é transmitido apenas em uma iniciação, mas tal
“conhecimento” é acompanhado por um poder mágico-religioso. Saber de onde
vem o surgimento de um objeto ou outras coisas é o mesmo que adquirir a ele
um poder mágico possibilitando a dominação, multiplicação ou reprodução dos
mesmos.

Estruturalmente, o mito é carregado de alguns aspectos característicos assim


como as sociedades arcaicas: constitui a história dos atos dos Entes
sobrenaturais; que tal história é considerada profundamente verdadeira, pois se
refere a realidades sagradas pois é obra de Entes sobrenaturais; o mesmo se
refere sempre a uma criação, contando que algo veio a existir e que um padrão
em determinado aspecto foi criado e justificado; conhecendo o mito, a
possibilidade de dominar e manipular a vontade; e em último lugar, que o mito
é uma realidade vivida, o mesmo é impregnado pelo poder sagrado e exaltante
dos eventos remorados ou reatualizados. (1963, p.22).

Croatto afirma que para entender o fenômeno do mesmo é de extrema


importância a definição ser essencial e operativa. Sua sugestão é definir o que
é mito da seguinte forma: O mito é o relato de um acontecimento originário, no
qual os Deuses agem e cuja finalidade é dar sentido a uma realidade
significativa (2010, p. 210).
95
Ele presume que ao encarar o mito como um relato, é necessário observar o
símbolo como um elemento pré-hermenêutico. Se por um lado, o símbolo é um
elemento do cosmo, o mito é um texto que pertence à ordem literária e deve
ser interpretado como um discurso. Entende-se que o mito tem a finalidade de
dizer algo para alguém a respeito de alguma coisa.

Outra observação a respeito é encarar o mito como um fenômeno literário. Por


ser narrado, escutado ou lido o mesmo implica em uma sequência narrativa, ou
seja, uma série de episódios que montam um determinado acontecimento. A
característica do mito é ser história, nisso, entende-se que tal acontecimento é
contado como verdadeiro. (2010, p.211)

A partir daí o autor enumera duas formas erradas de observar uma narrativa
mítica: Uma leitura que nega a veracidade da obra, limitando-a a uma história
falsa; A segunda, encará-la como peça literal, como um acontecimento ocorrido
no passado.

Este dado deve ser analisado com cuidado, posto que tem duas
faces. De um lado, ao apresentar o mito como “história” e ao narrar
um fato como instaurador de alguma realidade, este fato é captado na
imediatez da experiência religiosa como algo realmente acontecido.
Essa é a leitura e escuta que se faz do mito no âmbito sagrado, no
seu lugar de manifestação (CROATTO, 2010 p.211).

Apesar disso, Croatto afirma que o estudioso deve ter noção de que o
acontecimento narrado no mito é, em síntese, imaginário construído pelo homo
religiosus. Porém, engana-se que nivelar o mesmo ao nível factual é uma
alternativa, pois situá-lo no simples é matar sua riqueza simbólica como um
relato imaginário (2010, p. 212).

Como fenômeno linguístico, o primeiro elemento que aparece no mesmo é sua


condição de narrar um acontecimento. Seu estudo corresponde à uma crítica
literária aliado a um discurso a respeito de um fato repercutindo em um ato
hermenêutico de releitura, ou seja, em qualquer sociedade há leis, costumes,
figuras e instituições que carregam uma determinada significação. Através da
cultura de tal sociedade há lugares, instrumentos, técnicas e elementos
naturais que expressam o cotidiano da comunidade. Havendo assim festas e
96
ritos da ordem ordinária que fazem alusão ao sagrado (CROATTO, 2010, p.
219). Assim finaliza Croatto: “o mito é o relato dessa origem divina das coisas e
das instituições. Esse é o “modo” como o mito expressa a experiência religiosa
do ordinário, como manifesta a sacralidade hierofanizada naquilo que lhe
concerne profundamente em sua realidade”(CROATTO, 2010, p.219).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Responder o que é mito, de maneira geral, passa a ser uma das implicações
mais desgastantes até aqui. Há uma concordância entre os autores e as linhas
teóricas apresentadas em destacar o mito como uma narrativa pertencente a
uma ordem literária e o mesmo não perde sua característica cultural, religiosa e
política. De maneira mais fragmentada e especifica, o mito deve ser
interpretado como um discurso, já frisou bem Croatto (CROATTO, 2010,
p.210). Por parte da filosofia, apresentada por Abbagnano, Strauss define o
mito como uma “Filosofia Nativa”, ou seja, cada povo tem uma linguagem de
expressão, prezando a característica literária dentro de uma tradição, tanto em
aspectos sociais quanto existências (ABBAGNANO, 1998 p. 675).

Leeuw (1975 p. 399) afirmou que a palavra falada tem poder decisivo quando é
repetida, a tradição é memorizada. Algo muito semelhante quando encarado na
perspectiva de Eliade (1963 p.12) que define o mito como uma linguagem e
uma escrita que assume a posição de “história sagrada”, que em outras
palavras é vista como uma “história verdadeira”. Separar a intenção da escrita
em comparação à realidade é uma tarefa impossível, pois o significado é
sempre atribuído a realidade, não há narrativa sem uma construção intencional.

O mesmo se estabelece ou funciona em um campo não demonstrável ou


dificilmente concebível, como já mencionado em Abbagnano (1998, p. 673),
porém, o seu significado moral e religioso é sempre claro, pois o que o mito
deve ensinar sobre a conduta humana em relação ao seu semelhante (ou
divindades) é absorvido e ressignificado no intelecto humano. Eliade mesmo,
afirmará que o mito pertence a uma das realidades culturais mais complexas
97
do campo do pensamento (1971, p.26). Sua função, resumidamente, maximiza
a tradição e lhe dá valor e prestígio ligando-o a melhor e mais sobrenatural
realidade dos acontecimentos iniciais.

Partindo desta perspectiva, a de que o mito se desenvolve a fim de uma


demanda cultural, Eliade afirma que o mesmo é visto sob uma ótica histórico-
religioso, consequentemente formam-se algumas condutas similares que
poderão ser tidas como fenômenos culturais, perdendo assim características
aberrantes ou até mesmo instintivas, ou seja, passam a ser significantes
(ELIADE. 1963 p.10).

Além disso, os mitos narram muito além de apenas uma origem de mundo e de
todos os seres viventes. Todavia acontecimentos de extremo impacto
queresultaram em um modo de ser humano e de como este humano interage
consigo tanto em esferas psíquicas quanto emocionais e sensoriais, com seu
meio social, religioso e existencial (1963, p. 16-17).

REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS

AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário Histórico de Religiões – 1ª


Edição – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia / Nicola Abbagnano; tradução


Alfredo Bosi – 2ª Edição – São Paulo: Martins Fontes, 1998

BASTIDE, Roger. O sagrado selvagem. São Paulo: Companhia das Letras,


2006.

BULFINCH, Thomas. O livro da mitologia. São Paulo: Martin clarete, 2016.

CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa: uma


introdução à fenomenologia da religião. Tradução de Carlos Maria Vásquez
Gutiérrez – 3ª Edição – São Paulo: Paulinas, 2010

ELIADE, Mircea. La Busqueda. Tradução ao castellano: Dafne Sabanes de


Plou e María Teresa La Valle. 1ª Edição – Buenos Aires: Editora La Aurora,
1971

98
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. 6ª Edição, 1ª Reimpressão – São Paulo:
Editora Perspectiva S. A. 2006

FREUD, Sigmund. O Homem Moisés e o monoteísmo. Tradução de Paulo


César de Souza. São Paulo: Companhia das letras, 2018.
FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisismo, ensaio de metapsicologia e
outros textos. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das
letras, 2010.
JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova fronteira,
2008

KONINGS, Johan. Linguagens religiosas e Narrativas sagradas. 2016.


Disponível em: < http://periodicos.pucminas.br/index.php/ horizonte/ article/
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LEEUW, G. Van Der. Fenomenologia de la Religion. Tradução de Ernesto de


la Peña – 1ª Edição, 1ª Reimpressão – México: Fondo de cultura Econômica,
1975

99
OS JARDINS REAIS DO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO: ESTUDO
HISTÓRICO E IMAGÉTICO

Pesquisadora: Rebeca Mendes da Fonseca da Silva

Email: rebecamendesfs@gmail.com

Faculdade Teológica Batista de São Paulo


(SP) Departamento de Graduação em
Teologia

Eixo Temático: Bíblia

Categoria: Pôster

RESUMO

A pesquisa traz uma análise da história e principais características de jardins


do Antigo Oriente Próximo, com foco em alguns jardins selecionados e
importantes na história e cultura da região. O artigo trata dos jardins
construídos pelos reis, seu propósito e os simbolismos presentes neles.

Palavras-chave: Jardins Mesopotâmicos – Jardins Suspensos – Jardins Reais

INTRODUÇÃO
A pesquisa se propõe a compreender mais claramente como eram e qual era o
papel dos jardins no contexto cultural do Antigo Oriente. O objetivo é estudar o
jardim e seus simbolismos no Antigo Oriente Próximo. O tema é relevante pois
possibilita entender a construção do imaginário em relação ao jardim na época,
levando em conta que a visão dos autores bíblicos também é afetada por esses
símbolos ao utilizar a figura dos jardins nos textos.

Essas questões serão estudadas com base em um estudo bibliográfico que


abrange artigos científicos relacionados ao tema dos jardins no Antigo Oriente

100
Próximo. Para a melhor compreensão destes jardins, seus símbolos e
formatos, estão destacados alguns deles: o jardim de Assurnasirpal II, de
Sargão II, de Senaqueribe, de Assurbanípal e de Nabucodonosor.

Os jardins do Antigo Oriente eram fenômenos urbanos, protegidos dentro dos


muros da cidade. O melhor e mais seguro lugar para esse jardim era o pátio do
palácio real.

Alguns elementos do jardim também tinham bastante destaque. Nos jardins da


Mesopotâmia, um dos símbolos mais importantes era a árvore no centro do
jardim, segundo Dalley (1993), a árvore era personificada como um deus, Nin-
Gishzida. Ela teria o poder da fala, como os humanos. O deus Nin-Gishzida
seria guardião dos portões do paraíso e um “xerife” do submundo.

A partir do final do segundo milênio, desenvolveu-se um novo tipo de jardim, o


“jardim universal”. Tais jardins eram constituídos por plantas de diferentes
lugares do mundo levadas aos jardins reais e ali cultivadas. Esse tipo de jardim
se tornou o mais comum entre os reis, que traziam plantas de diferentes
regiões e as plantavam em seus jardins.

1. A história dos jardins no Antigo Oriente

Assurnasirpal II teve um dos reinados mais poderosos da época, que durou de


883 - 859 a.C., ele foi responsável por uma política de expansão territorial e por
diversos projetos arquitetônicos nas cidades de Assur e Nínive. Em diversas
escavações, a partir de 1845, encontram o palácio construído por Assurnasirpal
II na cidade de Kalhu onde ele também teria construído nove templos e um
muro de 7,5 km de circunferência (RUSSELL, 1998). No palácio de Kalhu, o rei
utiliza a ideia do jardim universal e monta um “jardim do prazer” que cobria uma

101
área de 25 km². “Quarenta e um diferentes tipos de árvores plantadas e
diversos tipos de animais selvagens eram mantidos dentro para o espanto do
povo assírio56” (NOVAK, 2002, p. 446). Por meio do que os arqueólogos foram
capazes de encontrar nas escavações e dos escritos da época, o autor afirma
que o jardim estendia-se pelo sul e oeste da cidade.

Sargão II, em seu reinado (722 - 705 a.C.), empenhou-se na construção de


uma nova capital que é erguida no meio de um parque espaçoso chamado de
kirimāḫu, que siginifica jardim enorme (NOVAK, 2002). Estavam plantadas aí
todos os tipos de plantas encontradas na região das montanhas de Ḫatti. Os
registros sobre a construção do kirimāḫu ao lado de seu palácio estão nos
anais de Senaqueribe, filho de Sargão. Segundo Farrar (2016), alguns textos
mencionam como o rei ergueu um novo palácio ao estilo pórtico, da mesma
forma dos hititas, para celebrar suas conquistas e o lindo jardim que ele havia
criado.

Outro famoso jardim da época foi o de Senaqueribe (705 - 681 a.C.),


escavações de uma expedição alemã descobriram a disposição das árvores e
arbustos que faziam parte do jardim, entretanto não conseguiram especificar as
espécies de plantas. Dalley (1993) afirma que, tendo como base os escritos
detalhados de Senaqueribe sobre o aprimoramento de técnicas utilizadas no
jardim, principalmente para a irrigação, é possível compreender que o rei deu
muita importância e prestígio para construção de seu jardim real e para o
sistema de irrigação, abrindo um precedente para os futuros reis.

Assurbanípal, o último grande rei da Assíria (668 - 627 a.C.), ficou conhecido
por fazer uma grande festa para celebrar suas vitórias contra os inimigos.
Segundo Barnett (1985), tais festas aconteciam no jardim de seu palácio, onde

56
Forty-one different kinds of trees were planted and several kinds o f wild animals were kept inside for
the astonishment of the Assyrian people. (NOVAK, 2002, p. 446, tradução nossa).

102
o rei ficava em uma cama e havia diversos elementos naturalistas em torno
dele. A cabeça de Teumann, o rei elamita, ficou pendurada em seu jardim.
Essa celebração poderia ser entendida como um ritual feito ao ar livre no jardim
real.

Nos reinados de Assurnasirpal até Assurbanípal foram criados jardins


zoológicos e jardins botânicos. “Simbolicamente, esses jardins zoológicos e
botânicos serviam como microcosmo do mundo exterior, trazendo caos e
mistério da periferia para o reino ordenado do centro sob os auspícios do rei57”
(COHEN e KANGAS, 2010, p. 210).

Os Jardins Suspensos da Babilônia foram atribuídos a Nabucodonosor II, no


século VI a.C., entretanto não há registros sobre eles nos escritos sobre o
reinado de Nabucodonosor, tampouco foram encontrados em escavações dos
palácios da Babilônia. As escavações e os escritos cuneiformes permitiram que
tivéssemos a imagem e aparência dos palácios de Nabucodonosor e a
topografia da cidade, mas os vestígios dos jardins não foram encontrados
(DALLEY, 1993).

Tem sido um grande embaraço para os Assiriólogos, sejam


eles arqueólogos, historiadores ou filólogos, que eles foram
incapazes de apontar conclusivamente para um local, uma
construção ou uma fonte escrita contemporânea para esta
Maravilha do Mundo, apesar de uma massa de material de
escavações e inscrições que devem apoiar o testemunho dos
textos clássicos58. (DALLEY, 1994, p. 45)

57
Simbolically, these zoos and botanical gardens served as microcosmos of the outside world, bringing
the chaos and mystery of the periphery into the ordered realm of the center under the auspices of the
king. (COHEN e KANGAS, 2010, p. 210, tradução nossa).
58
It has been a great embarrassment to Assyriologists, whether they are archaeologists, historians or
philologists, that they have been unable to point conclusively to a location, a construction or a
contemporary written source for this World Wonder, despite a mass of material from excavations and
inscriptions that ought to support the testimony of the Classical texts. (DALLEY, 1994, p. 45, tradução
nossa)

103
O reinado de Nabucodonosor II foi de grande expansão e conquistas materiais
e regionais para a Babilônia. A construção dos jardins verticais teria como
motivação a esposa do rei, que crescera em um ambiente rodeado de árvores
e campos e sentia falta de sua terra natal. Portanto, Nabucodonosor teria
mandado construir esses jardins no palácio como um agrado para sua esposa
(SÁ, 2016).

2. As características dos jardins do Antigo Oriente

A partir do sexto milênio a.C., quando são adotados sistemas de irrigação para
a agricultura nas partes áridas da Mesopotâmia, os jardins passam a ser um
símbolo da fertilidade do lugar, como uma amostra da abundância local. Além
disso, o jardim era visto como extraordinária fonte de prazer e deleite.

Stronach (1990) entende que, entre 900 e 500 a.C., alguns monarcas passam
a construir parques e jardins com a intenção de ressaltar as conquistas de seu
reinado. Um desses monarcas foi Assurnasirpal II, que fez dos jardins uma
forma de demonstrar as realizações de seu reino. Em suas batalhas eram
colhidas plantas exóticas e sementes que seriam plantadas no jardim do rei.
Assurnasirpal II caçava animais grandes como leões e elefantes, os prendia em
gaiolas e expunha em Nimrud. O próprio rei fala sobre o seu jardim:

Eu cavei um canal do Alto Zab, cortando o pico de uma


montanha, e o chamei de Canal Abundante. Eu reguei os
prados do Tigre e plantei pomares com todos os tipos de
árvores frutíferas nas proximidades. Eu plantei sementes e
plantas que eu encontrei nos países pelos quais marchei e nas
terras altas que cruzei: pinheiros de diferentes espécies,
ciprestes e zimbros de diferentes espécies, amêndoas,
tâmaras, ébano, jacarandá, oliveira, carvalho, tamargueira,
nogueira, terebinto e cinzas, abeto, romã, pêra, marmelo, figo,
videira…

104
A água do canal jorra de cima para os jardins; fragrância
permeia as passagens, riachos de água tão numerosos quanto
as estrelas do céu fluem no jardim de prazer ... Como um
esquilo, eu colho frutas no jardim das delícias59 (DALLEY,
1993, p. 4).

Na época do reinado de Sargão II, os jardins tinham muito valor. Ele tinha
grandes planos de cultivo nos estepes e projetos de jardinagem. Sargão era
considerado um habilidoso jardineiro e era conhecido por trabalhar em seus
jardins mesmo sendo rei. “À direita do lago e da construção, há uma colina
coberta de árvores frequentada por pássaros, e no cume deste monte está um
altar localizado na posição tradicional em um ‘lugar alto’60” (FARRAR, 2016, p.
52). Um de seus governantes enviou um relatório que dizia:

Eu cobrei do povo de Nemad-Istar o suprimento de 2.350


carregamentos de macieiras, e 450 carregamentos de
nespereiras. [O povo da província de Suhu] estão coletando
mudas de amendoeiras, marmeleiros e ameixeiras, e eles
estão transportando para Dur-Sharrukin. O povo de Suhu
também está trazendo mudas da terra de Laqe: 1.000
carregamentos de macieiras. Sua vanguarda chegou e eu a vi,
mas a retaguarda deles ainda não chegou61 (DALLEY, 1993, p.
4).

59
I dug out a canal from the Upper Zab, cutting through a mountain peak, and called it Abundance
Canal. I watered the meadows of the Tigris and planted orchards with all kinds of fruit trees in the
vicinity. I planted seeds and plants that I had found in the countries through which I had marched and in
the highlands which I had crossed: pines of different kinds, cypresses and junipers of different kinds,
almonds, dates, ebony, rosewood, olive, oak, tamarisk, walnut, terebinth and ash, fir, pomegranate,
pear, quince, fig, grapevine… The canal-water gushes from above into the gardens; fragrance pervades
the walkways, streams of water as numerous as the stars of heaven flow in the pleasure garden... Like a
squirrel I pick fruit in the garden of delights. (DALLEY, 1993, p. 4, tradução nossa)
60
To the right of the lake and building, there is a tree covered hill frequented by birds, and on the
summit of this hillock stands an altar located in the traditional position on a ‘high place’. (FARRAR, 2016,
p. 52, tradução nossa).
61
I have levied upon the people of Nemad-Istar the supply of 2.350 loads of apple trees, and 450 loads
of medlar trees. [The people of Suhu province] are collecting saplings of almond, quince and plum trees,
and they are transporting them to Dur-Sharrukin. The people of Suhu are also bringing saplings from the
land of Laqe: 1.000 loads of apple trees. Their vanguard has arrived and I have seen it, but their
rearguard has not yet arrived. (DALLEY, 1993, p. 4, tradução nossa).

105
“Senaqueribe em Nínive alega ter criado um kirimāhu tamšil šad hamānim,
geralmente traduzido como ‘um grande parque como o Monte Amanus’, ao lado
de seu grande palácio62” (WISEMAN, 2013, p. 138). O jardim real tinha todos
os tipos de ervas, árvores aromáticas e árvores frutíferas, era descrito pelo
próprio Senaqueribe como um jardim luxuoso. A construção fora feita de tal
forma que:

Do palácio, na parte sudoeste da cidadela, os jardins no vale


do rio eram visíveis. A ala sudoeste da construção era
provavelmente construída com uma série de pequenas salas
de colunas que deram acesso do interior do palácio para uma
plataforma panorâmica, que situava-se à beira da cidadela
bem acima do rio e dos jardins63 (NOVAK, 2002, p. 449).

A cidade onde se encontrava o palácio e seus jardins era Nínive, cercada por
seus muros duplos e a muralha de proteção da cidadela.

O jardim assírio no palácio de Assurbanípal foi um jardim planejado ao redor de


uma colina sobre a qual está algo como um “quiosque” 64, a irrigação era feita
por meio de aquedutos e canais. Havia árvores que eram responsáveis por
servir como suporte para as videiras que foram plantadas e cresciam entre
elas, além de prover sombra ao jardim. Segundo Wiseman (2013), na tradição
assíria era comum que os templos tivessem jardins similares ao do palácio. Os
pátios dos templos, assim como os pátios dos palácios, era usados como
jardins.

62
Sennacherib at Nineveh claims to have created a kirimāhu tamšil šad hamānim, usually translated "a
great park like unto Mt. Amanus", beside his great palace. (WISEMAN, 2013, p. 138, tradução nossa)
63
From the palace in the southwestern part of the citadel the gardens in the river valley were visible.
The southwestern flank of the building was probably constructed as a series of small column halls that
gave access from the inner palace to a panorama platform , which was situated at the very edge o f the
citadel high above the river and the gardens. (NOVAK, 2002, p. 449, tradução nossa)
64
Termo original: “Garden house”. Cobertura com colunas que ficava no jardim, como se vê nas imagens
dos jardins.

106
Os jardins do templo eram utilizados para rituais ao ar livre e serviam como um
ambiente agradável para o caso de um deus querer caminhar do lado de fora
do templo. Novak (2002) diz que, baseado em diversos textos, é possível saber
que todos os grandes deuses da Babilônia tinham seu próprio jardim sagrado,
onde eram feitas as celebrações a eles.

Com o passar dos anos, foram feitos jardins maiores e mais suntuosos, entre
eles estavam os Jardins Suspensos da Babilônia, testemunhando a grandeza
do império de Nabucodonosor.

Os Jardins Suspensos foram uma obra arquitetônica inovadora: foram feitos


terraços de pedras altas, que faziam com que a estrutura fosse semelhante a
uma montanha, na qual estavam plantadas várias espécies de árvores. No
andar mais alto da construção havia pessoas empregadas para manusear
continuamente as bombas que levavam água do Eufrates até o topo do jardim,
fazendo com que todo o jardim fosse regado. O sistema de irrigação dos
Jardins Suspensos foi uma grande inovação. Entretanto, tais informações não
são totalmente comprovadas, uma vez que não foram encontrados vestígios
desses jardins na Babilônia.

Os jardins e parques se tornaram uma tradição contínua entre os monarcas na


Pérsia em Pasárgada, Persépolis e possivelmente em Susã. “Por volta de 546
a.C., Ciro o Grande fundou uma série de edifícios palacianos em um jardim
idílico em Pasárgada (no sudoeste do Irã), do qual ele governou seu vasto
Império65” (FARRAR, 2016, p. 60). Esse foi o único jardim real persa a ser
completamente escavado por arqueólogos. O jardim encontrava-se em um
grande terreno plano que era facilmente irrigado por um rio próximo, os

65
Circa 546 BC Cyrus the Great founded a number of palatial buildings in an idyllic garden setting at
Pasargadae (in south-western Iran) from which he ruled his vast Empire. (FARRAR, 2016. p. 60, tradução
nossa).

107
arqueólogos encontraram nos jardins canais de água feitos de pedra. A partir
das conquistas de Ciro, os jardins podiam ser vistos como um microcosmo do
império.

Além de todo simbolismo por trás da figura dos jardins, Caramelo (2003) afirma
ainda que o jardim representa a domesticação e controle humano da natureza.
O fato de adaptar diferentes espécies de plantas a novos ambientes e,
principalmente, de controlar as águas, por meio de aquedutos e canais, podem
ser entendidas como a capacidade de renovar a criação.

3. As imagens dos jardins do Antigo Oriente

As imagens em relevo ou as representações gráficas do jardim são muito


esclarecedoras para a construção da aparência dos jardins e dos elementos
presentes nele. Normalmente, as imagens estão em relevos encontrados nos
palácios como representação dos jardins palacianos. As gravuras dos Jardins
Suspensos da Babilônia não são representadas em relevos, são ilustrações
feitas a partir de descrições feitas nos escritos da época.

Figura 1 - Jardim de Sargão II em Khorsabad.

108
A representação do jardim de Sargão II mostra diversos detalhes que foram
descritos acima com base no livro de Farrar (2016). A imagem mostra as
árvores plantadas na colina, em cujo cume se encontra o altar. No centro da
imagem encontra-se o lago e, entre as árvores, os pássaros que frequentavam
as árvores. A fundo está o “quiosque”, também chamado bitanu.

Figura 2 - Painel de Pedra do Palácio Norte de Assurbanípal. British Museum.

Figura 3 - Ilustração do Painel de Pedra do Palácio Norte de Assurbanípal.

109
A Figura 2, exposta acima, é foto de um relevo encontrado no palácio de
Assurbanípal, mas que era uma representação do jardim construído por
Senaqueribe. A Figura 3 é a ilustração desse painel encontrado, a ilustração
permite discernir com mais clareza o que havia sido desenhado no palácio. O
relevo representa um amplo jardim elevado com sistema de irrigação e uma
construção, provavelmente um templo, um palácio ou ainda a bitanu.

O sistema de aquedutos para a irrigação do jardim foi uma grande inovação de


Senaqueribe e, na imagem, é possível ver esses sistema atravessando em
meio às plantas. É possível observar também uma representação muito
semelhante ao altar da Figura 2.

Figura 4 - A Cena do Banquete. Relevo representando o Rei Assurbanípal em uma refeição no


jardim. c.654 a.C. – British Museum.

O relevo representa a cena do banquete de Assurbanípal realizado em seu


palácio. A imagem mostra o rei deitado em uma cama na companhia de sua
esposa, que está sentada em uma cadeira ao lado dele. O banquete é a
comemoração do triunfo do rei sobre seus inimigos, em uma das árvores
encontra-se pendurada a cabeça do rei de Elam, Te-umman.

O rei estaria descansando após diversas celebrações (BARNETT, 1985). É


possível perceber que a cena acontece no jardim, o relevo mostra uma
variedade de plantas em torno do rei, da rainha e dos serviçais. Assurbanípal e
110
sua esposa estão protegidos do sol pelas vinhas entrelaçadas em dois
pinheiros acima deles.

Figura 5 - Representação dos Jardins Suspensos da Babilônia. Disponível em:


http://www.currentaffairs24x7.com/interesting-facts-about-hanging-garden-of-babylon/.

Figura 6 - Representação dos Jardins Suspensos da Babilônia. Disponível em:


https://www.sitedecuriosidades.com/curiosidade/jardins-suspensos-da-babilonia.html.

Diversas são as representações do que teriam sido os Jardins Suspensos da


Babilônia, imagens construídas a partir de textos, uma vez que os arqueólogos
não encontraram vestígios dos jardins. Mas as representações são muito

111
semelhantes e mostram, como na imagem acima, um jardim feito em níveis,
algo que se assemelha a uma colina construída artificialmente e preenchida de
árvores e plantas.

A construção é envolta por um rio e, algumas ilustrações, trazem


representações do sistema de irrigação e cascatas de água que desciam do
topo até as camadas mais baixas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo foi possível compreender que os jardins eram parte dos palácios
reais. Eram utilizados para o deleite do rei, mas também para mostrar seu
poder de conquista sobre nações, trazendo também uma carga política à
construção do jardim.

Alguns elementos estão presentes nas descrições de quase todos os jardins


mencionados. Eles são tratados como paradisíacos e como um lugar onde
havia todos os tipos de árvores e plantas, mas que eram montados e
projetados no lado externo dos palácios, cercados por muros. Além disso, os
textos demonstram a importância dos sistemas de irrigação e de seu avanço
tecnológico como obra do rei.

Na cosmovisão da época o jardim poderia ser entendido como algo planejado,


construído e pertencente ao rei.

O assunto pode ser desenvolvido em outros estudos e relacionado ao contexto


bíblico. A Bíblia faz diversas referências aos jardins, entender o imaginário dos
autores e dos ouvintes é fundamental para compreender a mensagem do texto
com mais clareza. Não era uma figura exclusivamente israelita, era uma figura
comum ao contexto e cultura dos povos vizinhos, inclusive em seus mitos.

112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Historical and Geographical Studies. Vol. NAHMAN AVIGAD VOLUME ,
.6-pp. 1 ,1985

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idealizada da natureza. Lisboa: Colibri, 2003.

COHEN, Ada; KANGAS, Steven E. Assyrian Reliefs from the Palace of


Ashurnasirpal II: A Cultural Biography. Lebanon: University Press of New
England, 2010.

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the Hanging Gardens of Babylon Resolved. Garden History Summer, 1993,
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114
CRISE REVELADORA: A CRISE DA JUERP E A SAÚDE
ORGANIZACIONAL DOS BATISTAS BRASILEIROS NO INÍCIO DA DÉCADA
DE 1990

Pesquisadores: Heitor Pessoa Magno e Victor de Lima Viana


E-mail: heitormagno1@hotmail.com
victorlviana@gmail.com
Faculdade Teológica Batista de São Paulo (SP)
Departamento de Graduação em Teologia
Graduandos em Teologia
Teologia Eixo Temático: Teologia Histórica
Categoria: Pôster
Projeto de Iniciação Científica

RESUMO
A crise da Junta de Educação Religiosa e Publicações (JUERP) da Convenção
Batista Brasileira (CBB) na década de 1990, estudada na abordagem da
história oral temática híbrida, por meio de entrevistas com pastores batistas e
pesquisa bibliográfica em documentos oficiais, revela fragilidades
organizacionais dos batistas brasileiros no período – trata-se de um estudo em
Teologia Histórica com profunda atualidade e relevância.

INTRODUÇÃO

Estudar a história dos batistas no Brasil nos permite compreender melhor a


formação de nossa identidade batista brasileira, o que é fundamental para
interpretarmos e transformarmos o presente, promovendo o aperfeiçoamento
de nosso modo de ser batista brasileiro. Motivados por essa relevância da
pesquisa em Teologia Histórica, adotamos como objeto de pesquisa a crise da
Junta de Educação Religiosa e Publicações (JUERP) da Convenção Batista
Brasileira (CBB) na década de 1990. Tendo sido a maior editora e indústria
gráfica evangélica da América Latina, conhecida pela sua produção e
distribuição de livros, materiais didáticos para Escola Bíblica Dominical e
Escola de Treinamento, Bíblias, hinários e outros materiais, a JUERP enfrentou
uma crise financeira na década de 1990, crise que levou ao seu fechamento.
Concentramo-nos no seguinte problema de pesquisa: quais as fragilidades
organizacionais dos batistas brasileiros evidenciadas na crise da JUERP? O
115
objetivo geral foi identificar as fragilidades organizacionais dos batistas
brasileiros na década de 1990 reveladas no evento da crise da JUERP. Os
objetivos específicos incluíram: constatar marcos significativos na datação do
início da crise e elaborar a discussão sobre as causas da crise.

Tomamos como referencial teórico o manual de Meihy e Holanda, intitulado


História Oral: como fazer, como pensar. Segundo Meihy e Holanda (2013, p.
19), história oral pode ser conceituada como “uma alternativa para estudar a
sociedade por meio de uma documentação feita com o uso de entrevistas
gravadas em aparelhos eletrônicos e transformadas em textos escritos”. Por
que seria a história oral uma alternativa? Porque há objetos de pesquisa em
história que podem ser mais plenamente explorados na proposta da história
oral do que em outras abordagens:

A necessidade de se ativar ou materializar o que existe em estado


oral retido na memória, ou mesmo o que foi abafado por processos
de cerceamento, quase sempre acontece por desafios da própria
comunidade, que não quer deixar morrer determinadas experiências
e que, para isso, produz situações nas quais, no tempo presente,
reinventam o passado não resolvido. Nesse sentido, a história oral se
mostra fator significativo, meio de manter a experiência passada em
estado de “presentificação”. Mas deve-se lembrar sempre que não é
apenas quando não existem documentos necessários que a história
oral acontece. Ela é vital também para produzir outras versões
promovidas à luz de documentos cartoriais consagrados e
oficializados (MEIHY; HOLANDA, 2013, p. 25-26).

O estudo da crise da JUERP é um desses casos que convidam a um


tratamento pela história oral. Ainda que existam documentos oficiais sobre o
tema, que também foram examinados em nossa pesquisa, há um sentimento
de obscuridade em torno do tema, frequentemente tido como delicado ou
polêmico. Nesse cenário, é importante presentificar as experiências passadas,
trazer à tona as memórias coletivas dos batistas sobre o tema.

Meihy e Holanda fundamentam ainda o gênero de história oral mais apropriado


para nossa pesquisa, a saber, a história oral temática, na qual as entrevistas se
voltam para o esclarecimento de um tema (MEIHY; HOLANDA, 2013, p. 38).
Podemos ainda circunscrever nossa proposta nos termos de uma história oral

116
híbrida, uma vez que desejamos promover o diálogo das entrevistas com
outros documentos (MEIHY; HOLANDA, 2013, p. 129).
A partir desses fundamentos, podemos caracterizar, metodologicamente,
nosso trabalho como uma pesquisa qualitativa, com entrevistas
semiestruturadas articuladas com pesquisa bibliográfica.

1. Desenvolvimento

1.1. Pesquisa Bibliográfica


As duas principais fontes documentais escritas que consideramos em nossa
pesquisa foram os registros das assembleias anuais da Convenção Batista
Brasileira e os textos publicados no Jornal Batista.

No relatório da JUERP referente ao exercício 1992/1993, apresentado na


assembleia da CBB em janeiro de 1994, informa-se que, em maio de 1993, a
JUERP contratou uma empresa internacional chamada KPMG para oferecer
consultoria (CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA, 1994, p. 220). Nessa
ocasião, o Superintendente Geral da JUERP (ou Diretor Geral ou ainda Diretor
Executivo, como também é chamado nos documentos) é o Pastor Joaquim de
Paula Rosa (CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA, 1994, p. 222). Nessa
mesma assembleia, vemos também o relatório de um GT (Grupo de Trabalho)
nomeado em 1992 para estudar e propor medidas para o saneamento
financeiro da JUERP. A conclusão do GT é: “a situação da JUERP em termos
econômicos e financeiros é muito delicada e requer atenção e atitudes
drásticas para reverter o atual quadro, que se agravou sensivelmente nos
últimos 3 anos” (CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA, 1994, p. 509).

Na assembleia da CBB em janeiro de 1996, o relatório da JUERP acerca do


exercício de 1994/1995 destaca uma transição na sua Direção Geral:

Neste exercício, chegamos à conclusão de que a gestão do pastor


Joaquim de Paula Rosa havia chegado ao fim. Nessa época, as
dívidas vencidas eram de US$6,7 milhões e a dívida a longo prazo de
mais de US$3,5 milhões, totalizando compromissos até o ano de
2001 de US$10,2 milhões. Com a saída do Pr. Joaquim de Paula

117
Rosa, assumiram interinamente a Direção Geral da JUERP Dr.
Samuel Justino dos Santos e Dr. Jorge de Carvalho, até a posse do
Dr. Almir Gonçalves dos Santos Júnior, em outubro (CONVENÇÃO
BATISTA BRASILEIRA, 1996, p. 225).

Os textos publicados no Jornal Batista também contribuíram para nossa


pesquisa bibliográfica. No Jornal Batista, o assunto da crise da JUERP se torna
recorrente no ano de 1995. Em 26/02/1995, o Jornal Batista divulga o projeto
“Ame a JUERP”, aprovado na assembleia da CBB em janeiro de 1995. Trata-se
de um projeto para promover a contribuição financeira dos batistas na forma de
empréstimos e aquisição de itens como Bíblias personalizadas, visando ao
saneamento financeiro da JUERP, cuja situação é preocupante: “Com a crise,
o mercado livreiro entrou em recessão, as vendas caíram vertiginosamente,
levando a JUERP a enfrentar dificuldades maiores no ano que passou, quando
pela primeira vez operou no vermelho” (PROJETO, 1995, p. 3).

Na edição de 14/05/1995, o Jornal Batista declara que não é hora de se discutir


as causas da crise ou de se fazer exigências quanto à modificação da estrutura
administrativa da JUERP, é hora tão somente de salvá-la (QUESTÃO, 1995, p.
2). E, de 4/06/1995 a 27/08/1995, é publicada uma coluna em todas as edições
do Jornal Batista intitulada “Salvar, mais que a JUERP” – coluna dedicada a
informar as medidas tomadas e conclamar os batistas a contribuírem com
urgência. Nas edições dessa coluna, podemos ver, entre outros dados: a
celebração de um acordo entre a JUERP e o Conselho de Planejamento e
Coordenação da CBB, acordo no qual o Conselho passa a acompanhar e
intervir na administração da JUERP (CONSELHO DE PLANEJAMENTO E
COORDENAÇÃO, 1995b, p. 9); uma solicitação de urgência na contribuição
com a campanha pró-JUERP, uma vez que, até 9/07/1995, a campanha obteve
R$134.000,00, o que representa apenas 2% do valor da dívida, que é de
R$6.700.000,00 (CONSELHO DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO,
1995a, p. 9).
Em 29/10/1995, o Jornal Batista divulga, com celebração, a nomeação
do novo Diretor Geral da JUERP, Almir Gonçalves Júnior (JUERP, 1995, p. 1).
A partir daí, o novo Diretor Geral passa a ter constante presença nas edições

118
do Jornal Batista: de 12/11/1995 a 21/01/1996, publica-se uma série de artigos
de sua autoria intitulada “A Juerp e a denominação”, nos quais ele discute as
causas da crise e indica seus planos e expectativas para a JUERP.

1.2. Análise das Entrevistas


Foram entrevistados dois pastores batistas, ambos com longa experiência de
serviço nos órgãos denominacionais: Pastor Lourenço Stelio Rega e Pastor
João Martins Ferreira. Vale observar que o Pastor João Martins Ferreira,
segundo seu próprio relato, foi membro da JUERP à época da crise, tendo
participado inclusive da Vice-Presidência da JUERP.

Rega (2017) afirma que a gestão da JUERP não era profissional e traz à tona,
então, um princípio significativo sobre a gestão dos órgãos denominacionais:
esses órgãos são prestadores de serviço às igrejas e como tais, a seleção de
seus diretores deve funcionar por competência e alta performance, e não por
amizades.

Além da falta de performance profissional, outro eixo fundamental da fala de


Rega é a falta de transparência na gestão da JUERP. Rega (2017) menciona
que um relatório da KPMG, que desnudava as dificuldades gerenciais da
JUERP, foi declarado confidencial, o que não deveria acontecer num órgão da
denominação. Outro relato de Rega (2017) sobre a falta de transparência na
JUERP: os relatórios da JUERP iam para as assembleias da Convenção
Batista Brasileira com dados omissos, ocultados. Mesmo assim, observa Rega
(2017), os relatórios eram sempre aprovados, uma vez que a JUERP contava
com o apoio inclusive do Presidente da Convenção Batista Brasileira. Segundo
Rega (2017), esse cenário persistiu até a assembleia da CBB em São Luís do
Maranhão, quando ele mesmo destacou no relatório da JUERP um dado
contábil – o índice de liquidez – que demonstrava inquestionavelmente o
estado financeiro crítico da JUERP, propondo assim uma avaliação da
performance do Diretor Executivo da JUERP visando à sua demissão –
proposta que foi discutida e aprovada pelo plenário. Três meses depois desse
119
evento, lembra Rega (2017), o Diretor Executivo da JUERP foi demitido –
somente assim a Convenção conseguiu entrar na JUERP, que era até então
um castelo fechado. Rega (2017) observa, no entanto, que, mesmo com a
nomeação de um novo Diretor Executivo, novas imperícias foram praticadas
até que a Convenção Batista Brasileira decidiu, em 2006, cessar as atividades
operacionais da JUERP, que continuou existindo como pessoa jurídica e
recebendo direitos autorais para pagar sua dívida com o Refis (Programa de
Recuperação Fiscal).

Quando perguntado sobre o investimento financeiro dos batistas norte-


americanos na JUERP, Rega (2017) declarou que a marca da gestão norte-
americana da JUERP não era a competência administrativa, e sim o
paternalismo.

Ferreira (2018) fala da transição da gestão dos norte-americanos para a dos


brasileiros. Ele observa que, enquanto a JUERP era administrada pelos
americanos, a Junta de Richmond investia financeiramente, cobrindo assim
despesas e exageros. Uma vez que os norte-americanos se afastaram, cessou
esse investimento.

Como um segundo item entre as causas da crise, Ferreira (2018) afirma que a
JUERP errou ao escolher, para assumir sua Direção Geral, um pastor, e não
um administrador. Ferreira (2018) afirma que o pastor escolhido para assumir a
Direção Geral da JUERP, o Pastor Joaquim de Paula Rosa – sucedendo o
missionário norte-americano Edgar Hallock – era um bom administrador de
igreja e de Convenção – praticava uma administração honesta e sem dolo –
mas não era um bom administrador de empresa, não tinha o traquejo para
administração empresarial. Ferreira (2018) destaca ainda que, em meio às
dificuldades financeiras da JUERP, o Diretor Geral foi precipitado em recorrer a
empréstimos bancários para cobrir despesas.

Um terceiro eixo fundamental da fala de Ferreira (2018) é a necessidade da


evolução, da inovação. Para ele, o povo batista brasileiro ficou por muito tempo

120
preso à tradição americana, ao modo de administrar americano, aos esquemas
funcionais americanos.

Fazendo interagir as entrevistas com os documentos oficiais (registros das


assembleias da CBB e textos publicados no Jornal Batista), obtemos
resultados importantes. Evidencia-se, de imediato, a existência de diferentes
discursos sobre as causas da crise da JUERP – uma importante polifonia que,
na abordagem da história oral, não deve ser esmagada pela pretensão de
busca de uma verdade unívoca. De um lado, os relatórios da JUERP nas
assembleias da CBB, e os textos no Jornal Batista tendem a enfatizar fatores
externos como primariamente decisivos para a crise, especialmente a situação
econômica desfavorável do Brasil na época. A JUERP por vezes é apresentada
como vítima das intempéries da economia brasileira. Almir Gonçalves Júnior,
novo Diretor Geral da JUERP empossado em outubro de 1995, também
enfatiza fatores externos à JUERP: ao falar da cessação do investimento
financeiro norte-americano, paternalista, Gonçalves Júnior o faz não para
indicar a fragilidade de uma JUERP órfã desse apoio americano, mas sim para
indicar a dificuldade de uma JUERP que agora precisa enfrentar os desafios de
trabalhar com a precificação dos seus produtos diante da crítica clientela das
igrejas (GONÇALVES JÚNIOR, 1995a, p. 11). Gonçalves Júnior atribui a
responsabilidade da crise a todos os batistas, cuja pressão obriga os Diretores
da JUERP a fazerem aquilo que não desejam (GONÇALVES JÚNIOR, 1995b,
p. 11). Por outro lado, as falas dos entrevistados tendem a enfatizar fatores
internos à JUERP como primariamente decisivos para a crise. Assim, os
entrevistados pontuam o caráter não profissional da gestão da JUERP e as
falhas dessa gestão, mal preparada e presa ao modelo americano sem poder
contar com os investimentos financeiros americanos que antes permitiam cobrir
quaisquer despesas e exageros. Se Gonçalves Júnior aponta para a pressão
dos batistas que força os Diretores da JUERP a agirem como não querem,
Rega, por outro lado, aponta para as imperícias da Diretoria da JUERP em agir
com autonomia e ocultar seus problemas financeiros, deixando a Convenção
Batista Brasileira mal informada e, portanto, menos habilitada a intervir.

121
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa nos possibilitou a identificação de alguns marcos temporais do


início da crise da JUERP. Evidenciou-se que, em 1992, a situação financeira da
JUERP já suscitava preocupações, a ponto de ter sido ali nomeado um GT
para tratar do assunto, sendo 1994 o ano em que a JUERP pela primeira vez
operou no vermelho. Em 1995, a crise se torna um assunto amplamente
discutido. A assembleia da Convenção Batista Brasileira em janeiro de 1995,
em São Luís do Maranhão, é um marco importante: ali se aprova o projeto
“Ame a JUERP”, e ali se propõe a avaliação do Diretor Geral, Pastor Joaquim
de Paula Rosa, que acabará sendo afastado em abril de 1995, ocorrendo a
posse do novo Diretor Geral, Almir Gonçalves Júnior, em 16/10/1995
(CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA, 1996, p. 227). Esses são importantes
marcos do início da crise. É certo que a crise se estendeu pelos anos
seguintes. Por isso, permanece como objeto passível de futuras pesquisas todo
o período de outubro de 1995 – início da gestão de Almir Gonçalves Júnior
como Diretor Geral – até o encerramento das atividades da JUERP em 2006.

A pesquisa também nos proporcionou uma reconstrução da polifônica


discussão sobre as causas da crise: as dificuldades da economia brasileira
tiveram impacto profundo numa JUERP que já não podia mais contar com as
injeções de capital norte-americano que a fizeram sobrepujar crises anteriores;
mas, por outro lado, a consideração das falhas administrativas da Direção
Geral da JUERP é indispensável para uma apreciação honesta da crise.

Finalmente, a pesquisa nos possibilitou observar certas fragilidades


organizacionais dos batistas brasileiros na década de 1990: dependência em
relação ao modelo norte-americano, com dificuldades para a criação de novos
esquemas funcionais e novas estratégias de manutenção financeira que não
dependam do investimento norte-americano; seleção de pessoas para cargos
administrativos com base em amizades, e não em competências e performance
profissional; falta de transparência na administração, o que dificultou a
intervenção da Convenção Batista Brasileira no sentido de assegurar a
122
prevenção e solução de problemas, bem como o adequado serviço às igrejas
batistas brasileiras. Entendemos que a identificação dessas fragilidades
organizacionais dos batistas brasileiros na década de 1990 não é apenas uma
simples descrição do passado, mas, como afirmamos na introdução, um estudo
proveitoso para nos ajudar a interpretar e transformar o presente,
aperfeiçoando nosso modo de ser batista brasileiro.

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mata a vítima. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, ano 94, n. 30, 23 jul. 1995a.

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FERREIRA, João Martins. Entrevista concedida a Victor de Lima Viana. Atibaia,


21 ago. 2018.

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JUERP tem novo superintendente geral. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, ano
94, n. 44, 29 out. 1995.

MEIHY, José Carlos Sebe B.; HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer,
como pensar. São Paulo: Contexto, 2013.

PROJETO Ame a JUERP. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, ano 94, n. 9, 26


fev. 1995.

QUESTÃO grave: salvar para reorganizar. O Jornal Batista, ano 94, n. 20, 14
mai. 1995.

123
REGA, Lourenço Stelio. Entrevista concedida a Heitor Pessoa Magno. São
Paulo, 16 nov. 2017.

124
AS NUANCES RELIGIOSAS NA IDEOLOGIA NAZISTA – COMO OS
ESCRITOS LUTERANOS INFLUENCIARAM O NAZISMO

Pesquisadora: Nathalia Martins dos Santos


E-mail: nath_msantos@hotmail.com
Faculdade Teológica Batista de São
Paulo (SP) Departamento de
Graduação em Teologia
Graduada em Teologia
Eixo Temático: Teologia Histórica
Categoria: Pôster

RESUMO

Escrito por Lutero em 1543, o livreto Sobre os Judeus e suas mentiras


denunciava a prática de alguns judeus que buscavam aliciar cristãos e
convencê-los ao retorno às tradições judaicas. Em certos trechos, Lutero
incentiva os cristãos a reagirem com agressividade e em algumas destas
ações, encontramos paralelos com operações nazistas. Assim, este estudo
pretende investigar a influência religiosa à ideologia nazista e a possível
colaboração luterana ao movimento.

INTRODUÇÃO

Pretende-se investigar a formação da ideologia nazista, sobretudo a


contribuição luterana ao movimento, além de destacar aspectos do
nacionalismo e totalitarismo comuns aos partidos políticos do período. Para
isso, utilizaremos o conceito de Idéologie que explica a formação de ideias,
desenvolvido inicialmente por Antoine Destutt de Tracy e posteriormente
trabalhado por David Koyzis numa perspectiva cristã.

A pesquisa tem relevância a partir do interesse em compreender como uma


nação berço de uma revolução religiosa tão profunda e interessada em apoiar
e dar voz as pessoas, tornou-se palco de ações tão brutais contra a vida.

125
Este estudo se baseará em pesquisa bibliográfica, considerando especialmente
textos que trabalham com a formação de ideologias do século XX e
bibliografias de personagens importantes do período.

1. O Conceito de Ideologia

Idéologie é o conceito relacionado a Antoine Destutt de Tracy (1754-1836) que


utilizou o termo no começo do século 19 para nomear o processo pelo qual as
ideias se formam, levando em consideração às percepções sensoriais do
mundo exterior (KOYZIS, 2014, p. 20). Desenvolvida por outros estudiosos no
decorrer dos anos, a palavra ganhou diferentes interpretações e significados,
porém, para este estudo, compreenderemos o termo como conjunto de ideias,
pensamentos e doutrinas que orienta a visão de mundo de indivíduos e/ou
grupos.

Para Koyzis (2014, p. 21), a ideologia abrange praticamente tudo o que existe
na consciência das pessoas, tentando fornecer uma explicação total do mundo
e de sua história. Para Arendt (1973, p. 470) toda ideologia contém elementos
totalitários, pois incentiva que as interpretações sejam feitas a partir de um fator
central, buscando um alinhamento completo na sociedade.

O conceito pode ser comparado à idolatria, já que elege um elemento da


criação e tenta colocá-lo acima de tudo. Sobre isso, David Koyzis (2014, p. 33)
afirma a ideologia como fenômeno religioso: “pelo fato de a religião abranger
todas as áreas da vida humana e da própria existência, a idolatria tenta
também sujeitar todo o restante da criação a esse deus imaginário”.

Podemos destacar vários movimentos que surgiram a partir de ideologias.


Segundo Penna (2017, p. 19) o século XX foi acima de tudo político e
ideológico, dado aos conflitos, guerras e manifestações que ocorreram
motivados principalmente por “único ideal”, em outras palavras, ideologias.

Koyzis (2014, in passim) desenvolve análise das ideologias contemporâneas


numa perspectiva cristã, explicando que para o surgimento de ideologias é
necessário cinco requisitos.
126
O primeiro é que as ideologias modernas receberam muito de seu
conteúdo das teorias mais antigas. Em outras palavras, para o surgimento
de uma ideologia é necessário um pensamento anterior. Logo, as ideologias
não surgem do nada, são na verdade uma reciclagem de alguma teoria
anterior.

Em segundo, a pregação do evangelho cristão abre caminhos para novas


ideologias. Para Koyzis: “A Bíblia não é simplesmente uma coletânea de
sabedoria abstrata que ajuda a alma a se elevar até o divino, mas um registro
de eventos concretos nos quais Deus interveio na história para salvar seu povo
escolhido”. Assim, os indivíduos buscam a possibilidade real de salvação,
favorecendo o surgimento de alternativas “salvadoras”.

Em decorrência disso, o terceiro requisito é a secularização da fé cristã e das


culturas que foram historicamente moldadas por essa fé. Isto não significa
perda de autoridade e influência da religião cristã na sociedade ou ateísmos,
mas um desinteresse gradativo da fé cristã, dando espaço para novas
considerações.

O quarto requisito é que as ideologias pressupõem a possibilidade de


movimentos políticos em massa. As ideologias modernas são acessíveis à
maioria e não se restringem as elaborações sistemáticas de teóricos políticos,
por isso, elas permitem a multiplicidade de afirmações e está mais suscetível a
incoerências (KOYZIS, 2014. p. 31).

Por último, a disseminação das ideologias somente foi possível pelo


aperfeiçoamento das tecnologias. Desta forma, a divulgação de ideias para
milhares de pessoas, tornou-se acessível em velocidade muito maior do que
acontecia pelos livros.

2. O movimento nazista e e Segunda Guerra Mundial

Ao fim da Primeira Guerra (1914-1918) o antigo Império Alemão tornou-se


República de Weimar e como decisão dos países vencedores do conflito, a
nova república foi responsabilizada pelos danos gerados aos países em
127
decorrência da guerra por meio de acordo conhecido como Tratado de
Versalhes. Dentre as várias determinações, impunha que fossem devolvidos
territórios conquistados, realizados pagamentos de indenizações aos países
prejudicados, além da redução da força militar (HOBSBAWM, 1994, p. 33).

Sob o domínio do Partido Social Democrata, a Alemanha encontrava-se em


profunda crise econômica, o que favorecia o surgimento de vários movimentos,
discursos políticos e insatisfações sociais. Dentre estes movimentos, o Partido
dos Trabalhadores Alemães (DAP) buscava aproximação dos trabalhadores e
afirmava a retomada do orgulho germânico perante a Europa e o mundo
(JUNIOR, 2011, p. 3).

Após um discurso intenso realizado em outubro de 1919, Adolf Hitler entra para
o partido e gradativamente conquista influência, tornando-se em pouco tempo
um dos membros mais proeminentes (GEARY, 2010, p. 12). Em 1920, o
partido altera seu nome para Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores
Alemães (NSDAP). O partido estava intencionado a unir elementos
nacionalistas e socialistas, reivindicando as determinações do Tratado de
Versalhes, a unificação dos estados alemães étnicos e uma nova política de
tratamento aos judeus.

Por meio de associações de indivíduos que eram favoráveis a visão do partido,


Hitler estabelece a Sturmabteilung ou SA. Para Dick (2010, p.13) este passo foi
fundamental para ampliar a influência do partido e permitir o mal sucedido
golpe conhecido como Putsch da Cervejaria66. Após o ocorrido, Hitler é
condenado a cinco anos de prisão, dos quais cumpre apenas alguns meses,
resultando na escrita do livro autobiográfico Mein Kampf (GEARY, 2010, p. 14).

66
Putsch da Cervejaria, também conhecido como Putsch de Munique foi uma tentativa de golpe
de Estado contra o governo de Baviera encabeçada por Adolf Hitler e o partido NSDAP em 9
de novembro de 1923. Vide artigo < https://jornalggn.com.br/noticia/o-putsch-de-munique-a-
tentativa-de-golpe-de-hitler-em-1923> Visitado em 25 Abr 2018
128
Após sua soltura, Hitler encontra o partido Nazista totalmente enfraquecido,
sem liderança e proibido pela lei de atuar. A respeito disso, Dick (2010, p. 22)
diz que “o fracasso dramático do Putsch da Cervejaria convenceu Hitler de que
o caminho para o poder passava pelo processo democrático, mesmo que o seu
último objetivo permanecesse sendo a destruição da democracia parlamentar”.

Em Munique, o partido reinaugura-se em fevereiro de 1925 após o fim da


proibição e mobiliza-se a conseguir eleitorado e apoio popular para assumir o
poder. Entretanto, somente em janeiro de 1933, Hitler é nomeado chanceler
pelo presidente Hindenburg.

No poder, Hitler não encontra muitas resistências para consolidar o movimento


e articular planos, além de contar com fortes apoiadores como Hindenburg e
Göring, possuía também carta branca para governar por meio de decretos de
emergência. De modo que, em menos de um mês a SA agregou-se às
operações policias (GEARY, 2010, p. 54). Para Dick (2010, p. 54): “a posição
de Hitler foi posteriormente fortalecida pelo fato de os nazistas primeiro agirem
contra a esquerda Alemã, contra os comunistas e social-democratas, o que era
muitas vezes recebido com prazer pelos partidos de classe média”.

Em março de 1933, ocorreram novas eleições, permitindo que Hitler e seu


partido conquistassem quase 44 por cento do total de votos. Logo, o partido
não necessitaria de aprovação para governar e suas medidas para proteção
contra a ameaça comunista encontraram consentimento, mesmo que esta
ocorresse de maneira violenta. Já em Abril, os nazistas já possuíam o poder de
todos os estados alemães, praticamente encerrando as propostas da recém
formada República de Weimar.

O movimento nazista investia em uma nova estrutura, onde não era tolerada
nenhuma forma de oposição. Qualquer sinal de resistência era solucionado
com ações punitivas, seja por meio de espancamento, prisão ou isolamento no
campo de concentração. E desta forma, Hitler pôde colocar em práticas seus
planos para a retomada do orgulho germânico. As medidas para isso envolviam
a expulsão de grupos sociais não desejáveis, com destaque para
129
homossexuais, testemunhas de Jeová, maçons, doentes mentais, judeus,
ciganos, assim como qualquer outro indivíduo que atrapalhasse o plano da
criação de uma hegemonia alemã.

Torna-se importante mencionar que como cenário à ascensão nazista, e em


até certo ponto decorrente a ela, estoura em 1939 a Segunda Guerra Mundial.
Durante a Conferência de Munique67, a Alemanha demostra incontestável
interesse na expansão de seus territórios. Segundo Pedro (1994, p. 15): “o
ponto de maior tensão estava na fronteira entre a Alemanha e a Polônia”.

Em 1º de Setembro de 1939, após a recusa do governo polonês às exigências


do governo nazista, Hitler invade a Polônia. França e da Inglaterra emitem um
documento exigindo a retirada das tropas alemãs da Polônia que é desprezado
por Hitler. Em 03 de Setembro, guerra é declarada à Alemanha.

A confiança dos nazistas crescia à medida dos sucessos militares,


simultaneamente, a inimizade com os demais países ganhava força. Diante
disso, alianças entre os países ocorreram, dando origem a dois grandes
grupos: Aliados e Eixo. Os Aliados eram integrados por China, França, Grã
Bretanha e posteriormente União Soviética e EUA. Enquanto o Eixo era
formado por Alemanha, Itália e Japão. Porém, ao final do conflito, praticamente
todos os países foram envolvidos na guerra, de forma direta ou indireta.

Em sua trajetória, o movimento nazista teve grandes sucessos, porém foi


duramente combatido até que uma somatória de fatores levou-o ao declínio.
Por fim, o movimento nazista esteve no poder por menos de duas décadas,
tempo suficiente para causar danos irreparáveis. Estima-se que mortes
diretamente causadas por esta guerra chegam a ser entre três a quatro vezes
maiores, se comparadas aos números da Primeira Guerra Mundial

67
No dia 29 de Setembro de 1938, Chamberlain, Daladier, Hitler e Mussolini, representantes de
Inglaterra, França, Alemanha e Itália respectivamente, reuniram-se na cidade de Munique para
discutirem sobre o interesse alemão em parte dos territórios da Tchecoslováquia.
130
(HOBSBAWN, apud MILWARD, 1995, p. 50), um total de aproximadamente 66
milhões (WHITE, 2013, p. 482).

3. A formação da ideologia nazista e seus aspectos religiosos

O século 20 foi dominado por conflitos entre nações e nacionalismos (KOYZIS,


apud LUKACS, 2014, p. 125), havia uma rivalidade feroz entre os países e uma
corrida acirrada para o pleno desenvolvimento econômico, tecnológico e até
mesmo expansão geográfica. Para Penna (2017, p. 43) este tipo de
nacionalismo surge em fins do século XVII e princípios do XIX, em decorrência
da Revolução Americana de 1776 e da Revolução Francesa de 1789, dando
força para o conceito Estado-nação, que produz repúdio natural ao estrangeiro,
dando forma a um sentimento de coesão do grupo social em detrimento da
antipatia com o diferente.

Com a chegada do período de expansão econômica na Europa, ao fim do


século XVII, os prósperos judeus foram procurados para financiar o Estado em
troca de privilégios e emancipação.

Segundo Arendt (2012, p. 39), a emancipação dos judeus era também


interesse do Estado a fim de evitar que os judeus fossem assimilados pela
sociedade de classes. Logo, o mesmo Estado que dava aos judeus certas
autonomias, privavam muitos destes de certos direitos e oportunidades.

A partir do século XIX, o imperialismo surgiu enfraquecendo a relação existente


entre os judeus o e Estado, além de desintegrar as comunidades judaicas, e
com as destruições geradas pela Primeira Guerra Mundial, os judeus tornaram-
se objeto de ódio, sendo culpado de aliar financeiramente a nobreza contra a
ascensão da burguesia (ARENDT, 2012, p. 46).

Como parte da idéologie, a questão religiosa influenciou a formação e


estabelecimento do regime nazista. Penna (2017, p. 44) afirma que “no
nacionalismo moderno, iremos invariavelmente encontrar a ideia de carisma,
de eleição, de destino manifesto como componente essencial da religião em
que se configura a ideologia”. Logo, a identificação de religião com
131
nacionalidade gerou uma postura de orgulho que se relacionou muito bem com
a ideia de superioridade alemã defendida pelos ideólogos nazistas.

A queda da soberana Igreja universal68 após as reformas protestantes que


ocorreram na Europa nos séculos XVI deu o pontapé que faltava para derrubar
o ideal de comunidade/irmandade que aparentemente ocorria entre os países
católicos (PENNA, 2017, p.47) e essa ruptura acelerou o fenômeno que
inevitavelmente ocorreria: a transferência do conceito de soberania para o
Estado. Ao passo que, libertando-se da autoridade religiosa, a pátria torna-se
cultuável e o que prevalece é a religião nacionalista.

Em território já religiosamente reformado, Hitler primeiramente mostra-se


devotado à comunidade cristã, em seu discurso após a nomeação de
chanceler, Hitler jura fidelidade somente a Deus e que o cristianismo seria
usado em seu governo como base da moralidade coletiva 69. Para Metaxas
(2011, p. 127) o conceito alemão do Führer é visto com esperança, pois muitos
enxergavam a ideologia nazista como uma saída para o comunismo e o
ateísmo.

Considerando os parâmetros que definem o surgimento de uma ideologia,


segundo David Koyzis (2014, in passim), Hitler e seus aliados já possuíam um
pensamento formado a partir de um vácuo político e do fracasso de várias
outras ideologias. O próximo passo seria a apropriação de elementos cristãos
para formar uma religião civil70, desenvolvendo seus próprios ritos e
alternativas de salvação.

68
Termo relacionado ao significado do termo “católico” derivado da transliteração grega
Katholikos que significa “universal”.
69
Conforme trechos de discurso apresentado em METAXAS, 2011, p. 129
70
Penna descreve que culto ideológico promovido pelos movimentos nacionalistas, fornece à
sociedade uma nova teologia, carregada de novas devoções, novos rituais e novos sacrifícios,
oferecendo uma nova religião, visto que a religião tradicional foi inutilizada pelo ceticismo e
pelo ateísmo.
132
Para Metaxas (2011, p. 149), Hitler cria que no tempo devido, as igrejas não
apenas se adaptariam ao modo nacional-socialista de pensar, mas se
tornariam transmissoras da ideologia do nazismo. Caso esta adaptação não
ocorresse, a bandeira nacionalista seria utilizada para liquidar a Igreja de
maneira que la Patrie ganharia apoio absoluto na alma dos cidadãos (PENNA,
2017, p. 57).

4. Influência dos escritos luteranos nas ações nazistas

No decorrer de sua bibliografia, Hitler demostra a formação de suas ideias de


repúdio ao “não alemão” e durante sua ascensão política, tais ideias foram
amadurecidas e deram luz aos mais variados planos, no objetivo de formar
uma hegemonia alemã genuína e pura.

Escrito por Lutero em 1543, o livreto Sobre os Judeus e suas mentiras,


denunciava a prática de alguns judeus que buscavam aliciar cristãos e
convencê-los ao retorno às tradições dos antigos hebreus com relação à
observância da Lei e dos mandamentos. Embora não possamos afirmar com
certeza, é possível que os ideólogos nazistas apropriaram-se dele para
legitimizar algumas de suas ações.

Diante do estabelecimento do regime nazista, Hitler e seus alinhados


promulgam o Parágrafo Ariano – uma série de decretos que visavam purificar a
Alemanha dos estrangeiros, principalmente judeus. Tais leis raciais são
resultados de um sentimento antissemita comuns em toda a Europa, porém,
podem ser encontradas no livreto:

Eles habitam entre nós, sob nossa proteção, usam nossa terra, nossas
ruas, nossas feiras, e nossos becos. E, muitas de nossas nobres
autoridades, roncam impassíveis, de boca aberta, deixando os judeus
esvaziar seus cofres, deixando-se explorar pelos juros até o próprio
empobrecimento, tornando-se mendigos. Os judeus pelo certo, nada
deviam ter, porque tudo é nosso. Como não trabalham, a nada tem
direito, muito menos que os paguemos com nosso dinheiro (LUTHER,
1993, p. 18).

Marcando o início das ações do Parágrafo Ariano, vários estrangeiros foram


expulsos da área do Reich alemão e na noite de 9 de Novembro de 1938

133
ocorre o Kristallnacht - levante conhecido como “Noite dos Cristais” que
consistiu em uma série de atos de vandalismo contra os comércios e
propriedades dos judeus. Lutero descreve algumas dessas ações no livreto:

primeiro, deveríamos incendiar suas sinagogas (ou escolas) e o que


não queimar, devia ser soterrado definitivamente, para honra de Nosso
Senhor e da cristandade. [..] Não só as escolas, suas casas também
deviam ser destruídas, porque dentro delas praticam as mesmas
coisas [...] Os judeus deviam ser reunidos sob um único teto, como
numa estrebaria, igual os ciganos, para que saibam que não são donos
da terra, mas prisioneiros, por suas mentiras e blasfêmias. Em seguida,
deviam ser confiscados seus livros de orações e o Talmud, pois só
ensinam idolatria e mentiras. Depois, proibir por todos os meios que os
rabinos continuem a pregar, pois perderam o direito de pregar.
(LUTHER, 1993, p. 22-25).

Podemos afirmar que um discurso com linguagem cristã torna-se convincente


para uma nação essencialmente protestante. Com base nisso, Hitler tornava-se
o grande líder que todos aguardavam:

Estamos determinados, como líderes da nação, a cumprir, como um


governo nacional, a tarefa que nos tem sido dada, jurando fidelidade
somente a Deus, a nossa consciência e a nosso Volk. [...] Na
sequência, Hitler declarou que seu governo faria do cristianismo “a
base de nossa moralidade coletiva”. A declaração, uma mentira,
anulou-se de imediato. Ele terminou com outro apelo: “Que o Deus
todo poderoso conceda sua graça ao nosso trabalho, faça tomar forma
a nossa vontade, abençoe nosso discernimento e nos providencie a
confiança de nosso Volk” (METAXAS, 2011, p. 157).

Para Pedrosa (2016, p. 14), os nazistas usaram os cristãos alemães enquanto


era conveniente. Logo, a figura emblemática de Lutero e seus escritos
poderiam ser estrategicamente apropriados em discursos e ações nazistas,
mesmo que esta não tenha sido a intenção do reformador ao publicar o
inadequado livreto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Menos de 500 anos após a Reforma Luterana, o mundo encontra-se em guerra


e novamente a Alemanha toma um papel importante neste evento, não mais
como um expoente de transformação e esperança, mas como um personagem
opressor sob a liderança de Adolf Hitler.

134
Por meio do conceito de ideologia desenvolvido por Antoine Destutt de Tracy
podemos compreender que as ideologias são resultados de pensamentos
anteriores e tornam-se mais favorecidas em contextos onde o evangelho
cristão foi instaurado. “Isso porque, termos como “salvação”, “povo escolhido” e
“eleição” são incentivadores de movimentos revolucionários”.

Assim como o partido nazista fez uso da democracia para transformar o


território germânico em uma sociedade totalitária, os nazistas optaram não
destruir a igreja cristã, mas manipulá-la e se apropriar da influência deste grupo
para ganhar força na instauração do regime nazista. Mesmo não podendo
confirmar com certeza, há paralelos nas declarações de Lutero e de Hitler, que
poderiam ser facilmente colocadas no contexto nazista para legitimar algumas
ações.

Por isso, é mister compreendermos a dinâmica das ideologias e assimilarmos


melhor as influências religiosas que estas recebem para fundamentar suas
ideias e o quanto a mensagem cristã é poderosa na influência de pessoas. De
maneira que, a ação da igreja possa ser mais criteriosa e cuidadosa. Sabendo
que, em muitos casos, nas mentes e mãos erradas, a Bíblia pode torna-se um
objeto de opressão e maldade.

Logo, esta reflexão auxiliará a comunidade cristã em suas ações e estudos. A


fim de trabalharmos o mais coerente com os princípios bíblicos, dando
importância pelo correto ensino das escrituras, de forma a evitar compreensões
prejudiciais e distantes do próprio evangelho.

É importante destacar que os enfoques dados à contribuição da religião na


formação da ideologia nazistas não possui o interesse de desqualificar o papel
do cristianismo na história mundial, nossa proposta é compreender que para
alguns grupos sociais, a mensagem cristã pode ser promissora na ascensão de
seus movimentos.

135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo – Antissemitismo, imperialismo,


totalitarismo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2012.

CALDEIRA, João Paulo. O Putsch de Munique - a tentativa de golpe de Hitler


em 1923. Jornal GGN. Disponível em <https://jornalggn.com.br/noticia/o-
putsch-de-munique-a-tentativa-de-golpe-de-hitler-em-1923>. Acesso em 25 de
Abril 2018

CHEVITARESE, André Leonardo. O Jesus Ariano - O imaginário e as


concepções historiográficas do Jesus Histórico na Alemanha Nazista.
Horizonte: Belo Horizonte, v. 15, n. 45, p. 188-205, jan./mar. 2017.

FRIEDLÄNDER, Saul. A Alemanha Nazista e os Judeus - Volume I: os anos


de perseguição. Tradução de Fany Kon. São Paulo: Perspectiva, 2012.

GEARY, Dick. Hitler e o Nazismo. Tradução de Alexandre Kappaun. São


Paulo: Paz e Terra, 2010.

GILBERT, Martin. A Segunda Guerra Mundial - os 2.174 dias que mudaram o


mundo. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014.

HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos – o breve século XX: 1914-1991.


Tradução Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

KOYZIS, David T. Visões & ilusões politicas – uma análise e crítica cristã das
ideologias contemporâneas. Tradução Lucas G. Freire. São Paulo: Vida Nova,
2014.

LUTHER, Matin. Sobre os judeus e suas mentiras. Porto Alegre: Revisão


Editora, 1993.

METAXAS, Erick. Bonhoeffer – pastor, mártir, profeta, espião. São Paulo:


Mundo Cristão, 2011.

PEDRO, Antonio. A Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Atual, 1994.

PEDROSA, Edmar dos Santos. Lutero e o Nazismo – o perigo da acepção de


pessoas. Revista Ensaios Teológicos: Ijuí, v. 02, nº 01, p. 30-49, jun/2016.

PENNA, J. O. de Meira. A ideologia do século XX – ensaio sobre o nacional-


socialismo, o marxismo, o terceiro-mundismo e a ideologia brasileira.
Campinas, SP: Vide Edital, 2017.

136
PINTO, Tales dos Santos. República de Weimar e a ascensão do nazismo.
Brasil Escola. Disponível em
<https://brasilescola.uol.com.br/historiag/republica-weimar-ascensao-
nazismo.htm>. Acesso em 01 de maio de 2018.

WHITE, Matthew. O grande livro das coisas horríveis – a crônica definitiva


da historia das cem piores atrocidades. Tradução de Sérgio Moraes Rego. Rio
de Janeiro: Rocco, 2013.

137
DESCONVERSÃO NO PROTESTANTISMO

Pesquisador: Heitor Pessôa Magno


E-mail: heitormagno1@hotmail.com
Faculdade Teológica Batista de São Paulo (SP)
Departamento de Graduação em Teologia
Eixo Temático: Teologia
Categoria: Pôster
Projeto de Iniciação Científica

RESUMO

Este trabalho apresenta o fenômeno da desconversão, algumas de suas


promotoras variáveis e a identificação de alguns de seus grupos.
Palavras-chaves: Desconversão. Modernidade. Pródigos. Nômades. Exilados.

INTRODUÇÃO

Diante da realidade que as igrejas evangélicas têm enfrentado, em especial,


em virtude do êxodo, cada vez maior de jovens, é salutar estudar as causas da
desconversão. O objetivo do nosso trabalho não é analisar de forma
aprofundada a desconversão, mas, apresentar de forma sucinta as suas
promotoras variáveis, e suas subdivisões.

Utilizamos em nossa pesquisa, além de diversos artigos científicos sobre o


tema, a obra escrita por David Kinnaman, o qual, fundamentado em pesquisas
realizadas pelo Instituto Barna, nos Estados Unidos da América, identificou os
indivíduos que se enquadram como desconvertidos, e as causas que os
levaram a se afastarem de sua fé materna.

1. Conceito

Rodrigues trazendo o posicionamento de Giddens, “a modernidade promoveu


profundas transformações simultâneas da intimidade do indivíduo e de suas
138
relações interpessoais em seus vários aspectos e na ordem social global, os
quais incidem nas múltiplas esferas da vida” (GIDDENS apud RODRIGUES,
2012, p. 1147).

Dentre estas transformações, segundo Rodrigues, houveram mudanças na


forma como o indivíduo enxergava o advento da religiosidade humana,
deixando de enxergar a religião nos moldes antigos, e passando a consumir as
ofertas que mais correspondessem às suas expectativas, dando à religiosidade
uma conotação, não apenas de espiritualidade, mas também de mercado.
Assim, segundo a pesquisadora, “as verdades absolutas passam a ser
questionáveis e as incertezas são radicalizadas, promovendo mudanças de
rumo, nada escapa à crítica, seja instituição, costume ou ideologia”
(RODRIGUES, 2012, p. 1148).

Rodrigues cita Giddens ao afirmar que:

o que caracteriza a modernidade, é essa reflexividade indiscriminada,


introduzida na base da reprodução os sistemas sociais. A incerteza
pode desestabilizar sistemas e instituições tradicionais, colocando-os à
prova e afetando, portanto, relações de confiança, o que pode
desencadear uma crise do pertencimento institucional (GIDDENS apud
Rodrigues, 2012, p. 1148).

Diante desta reflexividade indiscriminada, para Giddens, citado por Rodrigues,


temos a incidência da destradicionalização71, onde segundo a pesquisadora, o
indivíduo passa a se deparar com uma série de opções para escolher qual lhe
satisfaz, e assim, “as biografias são edificadas diante de preferências, em um
exercício reflexivo do eu, presente no processo de individuação” (GIDDENS
apud RODRIGUES, 2012, p. 1148).

Estas mudanças, segundo Rodrigues, repercutem no meio social, e


consequentemente no campo religioso, produzindo, neste caso, o chamado
trânsito religioso, bem como, um aumento no número de indivíduos sem

71
Processo de desencaixe e reencaixe, ou desenraizamento dos sistemas sociais, soltando as
amarras dos hábitos e das práticas até então consolidadas (RODRIGUES, 2012, p. 1148).
139
religião. No Brasil, de acordo com o Censo realizado pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2010, foi contabilizado 12 (doze)
milhões de pessoas, ou seja, 8,04% da população que vivenciam religiosidades
no Brasil e que não fazem parte das religiões instituídas tradicionalmente
conhecidas72, sendo estes conhecidos, segundo Luiz (2013, p. 80) como os
“sem religião”73, para o autor, eles são:

pessoas que não são ateias, elas acreditam em Deus, inclusive


orgulham-se de sua forte ligação com o transcendente, mas que não se
encontram vinculadas a nenhuma religião em especial, geralmente tais
pessoas já passaram por algumas religiões, mas não encontraram
nelas satisfação, tendo optado por uma relação ‘autônoma com Deus’.

Para Luiz, a nomenclatura deste grupo como “sem religião”, para descrever o
grupo acima descrito, é algo específico do Brasil, sendo que alguns autores,
como Alejandro Frigerio utiliza o termo desconvertido para descrever o
presente grupo.

Luiz, citando os estudos de Frigerio, ensina que os estudos sobre a


desconversão ou desfiliação religiosa surgiram a partir de 1985, pois até este
período as pesquisas se encontravam focalizadas somente no fenômeno da
conversão nas mais diferentes religiões, para o pesquisador, foi a partir desta
data que passou-se a estudar também as causas da desfiliação religiosa de
alguém, de acordo com Luiz:

Na sua pesquisa, Frigerio, avalia que parece haver um consenso entre


diversos autores de que o processo de desconversão representa um
corte de laços afetivos fortes que impõe uma reconstrução da identidade
e de uma forma específica de ver o mundo, construída a partir da
subjetividade. Isso implica em um conflito que se intensifica quando se

72
CENSO IBGE 2010
73
Para Luiz, citando Jacob, o qual, ao tentarmos tratar um perfil dos que se definem como
“sem-religião” ou desconvertidos, após analisar o Censo “verificamos que estes residem em
cidades, são, em sua maioria do sexo masculino, tratando-se fundamentalmente de
adolescentes entre 16 e 20 anos e adultos entre 21 e 30 anos” (LUIZ, 2013, p. 82).

140
refere ao abandono de grupos comunitários ao qual pertencia e que
desenvolvia suas práticas religiosas orientadas por um líder espiritual.
Nessa ótica, os momentos anteriores à saída do grupo são os mais
conflitivos, assim, como os primeiros meses depois da desconversão. O
autor compara a situação de um desconvertido a de um divorciado, onde
o indivíduo se encontra afastado da estrutura afetiva e cognitiva do grupo
sem ter encontrado necessariamente uma nova estrutura. O autor
classifica esse processo de desconversão como voluntario e involuntário.
No primeiro caso, há uma forte tendência do indivíduo reconstruir a sua
vida, aderindo a novas estruturas de plausibilidade que lhe conferem
uma nova identidade e relações sociais, ou constrói, mesmo que de
forma não planejada, sua própria religiosidade baseada nas experiências
vividas. No caso das desconversões involuntárias, o indivíduo tende a se
engajar em uma militância ativa em movimento anticulto, que confere
novas motivações e uma nova rede social (LUIZ, 2013, p. 81).

De acordo com Rodrigues se aprofundando no tema das causas da


desconversão, traz o posicionamento de Berger: “podemos dizer que a
desconversão, ou o distanciamento, de um sistema de significados se
apresenta como pré-requisito para uma nova conversão, ou alternação74 para
designar essa mudança de identidade” (BERGER apud RODRIGUES, 2012,
1144)

Segundo Rodrigues, Berger defende que a vida de um indivíduo é composta de


uma série de eventos que juntos compõem a sua bibliografia, e estes eventos
podem ser periodicamente reordenados cada vez que uma nova realidade se
apresenta na vida deste indivíduo mudando assim a sua perspectiva sobre sua
identidade e seu papel no mundo. Assim, segundo Rodrigues, “dentro da
construção da trajetória individual, que marca as biografias, os acontecimentos
relevantes podem ser demarcados como antes e depois de uma conversão
religiosa, por exemplo, ou ainda pela alternação de uma identidade religiosa
para outra não necessariamente religiosa, o que intercala processos
sucessivos de conversão e desconversão” (RODRIGUES, 2012, p.1144).

Contudo, alerta Rodrigues, que nem sempre o fenômeno da desconversão


ocorre de forma traumática na vida de um indivíduo, sendo que este fenômeno

74
Alternação é a mudança de um sistema de significados para outro, podendo ser até
contraditórios ou não necessariamente religiosos.
141
também se apresenta de forma mais branda, como um distanciamento
paulatino de uma cultura religiosa, para ingressar em outro grupo, ou para não
se vincular a grupo nenhum. Esta desvinculação, segundo Rodrigues pode
ocorrer por diversos motivos, tais como, “falta de tempo para frequentar os
rituais devido à acumulação de atribuições na vida profissional ou doméstica e,
colateralmente, falta de vontade de engajar-se” (RODRIGUES, 2012, p. 1145).

2. Quem são os desconvertidos

Se aprofundando na análise do indivíduo “sem religião” ou desconvertido,


Villasenor (2011, p. 3) traz a posição de Mircea Eliade sobre o indivíduo a-
religioso, sendo que para o pesquisador, “a maioria dos sem religião, possui
comportamentos religiosos, embora não tenha consciência do fato”. Neste
sentido, o pesquisador defende que:

Embora, os sem religião sejam o resultado de um processo de


dessacralização, mas que ainda possuem comportamentos religiosos,
mas, às vezes sem consciência do fato, que reencontram nas
pequenas religiões, movimentos ou nos misticismos políticos os
comportamentos religiosos, o que mostra uma ambivalência”

Ainda Villasenor defende que as instituições religiosas na pós-modernidade


perderam espaço na sociedade, pois, de acordo com o pesquisador, nas
sociedades contemporâneas, “os indivíduos decidem livremente a respeito do
tipo de religião a se adotar, ou escolhem ficar sem religião” (2011, p. 6). E
assim, para o pesquisador, quando um indivíduo se declara sem religião, ele
indica uma crise de pertencimento religioso, ou uma “desinstitucionalização da
religião”, sendo que o indivíduo sem religião deixa de aderir a uma religião
institucionalizada, mas não deixa, em alguns casos de crer em Deus.

Prosseguindo em sua argumentação, Villasenor compreende que “a opção


religiosa está relacionada com a experiência sentimental, individual e subjetiva,
desligada da comunidade e da realidade” (2011, p. 8). Para o autor, muda-se
de religião de acordo com o estado de ânimo do indivíduo, sendo que as

142
motivações para a mudança são de ordem estritamente pessoais. O
pesquisador conclui sua argumentação da seguinte forma:

“O indivíduo procura a legitimação de sua fé, dentro de si mesmo. É o


seu sentimento subjetivo que decide. Neste sentido, não há mais
procura da instituição religiosa, embora possa haver busca de
experiências religiosas diversas, procuradas e adquiridas no mundo
religioso como se este fosse um supermercado em que o cliente
escolhe o que quer, e compra produtos de diversas marcas” (2011, p.
9).

3. Identificando os desconvertidos

Pensando na fé cristã, segundo Kinnaman (2014, p. 61), os desconvertidos


podem ser identificados em três grupos, os nômades, os pródigos e os
exilados, sendo que cada um dos grupos possui peculiaridades, e causas
específicas que os levaram a um afastamento da religião institucional e
consequentemente à desconversão.

3.1 Nômades

Para Kinnaman (2014, p. 64), o que define este grupo de afastados é “que eles
têm uma mistura de sentimentos positivos e negativos em relação à sua fé
original” Para o pesquisador, a maior parte dos nômades, se encontra
desiludida com a religião, mas não cortou totalmente os laços com o
cristianismo, é como se eles ainda se denominassem cristãos, contudo, não
vivem como tais.

De acordo com Kinnaman, geralmente, o desligamento ocorre a partir do final


do ensino médio e o ingresso na faculdade, sendo que a duração deste

143
nomadismo espiritual, segundo o autor, tem uma duração indeterminada,
podendo durar a vida inteira do indivíduo75.

3.2 Pródigos

Segundo os estudos de Kinnaman (2014, p. 66), outro grupo de desconvertidos


pode ser denominado como pródigos, e para o autor, ele é “formado por jovens
que abandonaram completamente a fé que professavam na infância e na
adolescência, engloba ainda os ateus e os agnósticos”.

As causas que levam um indivíduo que professava o Cristianismo a deixar a


sua fé, segundo Kinnaman depende muito do quanto as suas experiências
passadas com o Cristianismo tenham sido positivas ou negativas, contudo, um
ponto comum é que os pródigos não se denominam mais como cristãos. Assim
se expressa o autor: “O desencantamento que desvincula o sujeito da
instituição religiosa e o torna cético em relação às crenças religiosas, pode
ocorrer após sucessivas experiências de mobilidade nas quais a instituição
religiosa não ofereceu à busca” (2014, p. 10).

Para Kinnaman, o termo pródigo remente à parábola do Filho Pródigo (Lucas


15.11-32)76, e segundo o pesquisador, este grupo pode ser dividido em dois, os

75
Segundo Kinnaman, “nossas pesquisas indicam que em média, os nômades ficam “inativos”
por cerca de três anos, embora as vezes este período seja bem mais longo” (2014,. p. 64)
76
Lucas 15. 11-32 - 11 E disse: [Um] certo homem tinha dois filhos; 12 E o mais moço deles
disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que [me] pertence. E ele repartiu por eles a fazenda.
13 E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e
ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente. 14 E, havendo ele gastado tudo, houve
naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades. 15 E foi, e chegou-se a
um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos, a apascentar porcos.
16 E desejava encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe
dava nada. 17 E, tornando em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de
pão, e eu aqui pereço de fome! 18 Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai,
pequei contra o céu e perante ti; 19 Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como
144
primeiros, que podem ser denominados como pródigos racionais, ou seja, são
indivíduos que abandonaram a fé cristã por razões intelectuais,
fundamentadas, e que, geralmente independe de traumas em sua vida
pregressa. O segundo grupo são denominados como pródigos sentimentais, e,
segundo o autor, este grupo abandonou a sua fé cristã em virtude de traumas
do passado (frustrações, ressentimentos, ou mesmo, o simples desejo de viver
fora dos limites estabelecidos pela fé cristã).

3.3 Exilados

O terceiro grupo de pessoas desconvertidas, segundo Kinnaman pode ser


denominada como “exilados”, sendo que para o autor, eles “são aqueles que
cresceram na igreja e agora estão de alguma forma, física ou emocionalmente,
desligados, mas, ainda permanecem motivados a levar uma vida que honre a
Deus” (2014,. p. 75).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

um dos teus jornaleiros. 20 E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe,
viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o
beijou. 21 E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser
chamado teu filho. 22 Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa; e
vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão, e alparcas nos pés; 23 E trazei o bezerro cevado, e
matai[-o]; e comamos, e alegremo-nos; 24 Porque este meu filho estava morto, e reviveu,
tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se. 25 E o seu filho mais velho estava
no campo; e quando veio, e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças. 26 E,
chamando um dos servos, perguntou-lhe que era aquilo. 27 E ele lhe disse: Veio teu irmão; e
teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo. 28 Mas ele se indignou, e não
queria entrar. 29 E saindo o pai, instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que
te sirvo [há] tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um
cabrito para alegrar-me com os meus amigos; 30 Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou
os teus bens com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado. 31 E ele lhe disse: Filho, tu
sempre estás comigo, e todas as minhas [coisas] são tuas; 32 Mas era justo alegrarmo[-nos] e
folgarmos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; e tinha-se perdido, e achou-se.

145
Diante de todo o apresentado, podemos estabelecer algumas considerações
acerca da desconversão, primeiramente, podemos compreender a
desconversão como um fenômeno natural decorrente da influência do
pensamento moderno em nossa sociedade, sendo que este pensamento levou
a uma mudança na forma como o indivíduo enxergava a si próprio e a
influência que a religião tinha sobre a sua vida.

Em segundo lugar, percebemos que o que tem levado os indivíduos cada vez
mais para longe da igreja protestante é a incapacidade desta em se comunicar
de forma correta e coerente com sua fé com os jovens modernos, como
estudado, de acordo com a pesquisa Barna, há uma desilusão maior com a
instituição religiosa do que com o Protestantismo em si.

É evidente, que falta ainda obras neste sentido no Brasil, para podermos
analisar de que forma este fenômeno tem se desenvolvido em nossa nação,
mas, a nossa esperança é que, através do presente instrumento, possamos
incentivar novas pesquisas sobre este grupo que tem crescido a cada dia mais
no Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

KINNAMAN, David. Geração Perdida: Porque os jovens cristãos estão


abandonando a Igreja e repensando a fé. 1ª ed. Pompéia: Universidade da
Família, 2014.

LUIZ, Ronaldo Robson. A religiosidade dos sem religião. Revista de Ciências


Sociais e Religião. Porto Alegre, ano 15, nº 19, p. 73-88, 2013.

RODRIGUES, Denise dos Santos. Os sem religião nos sensos brasileiros: sinal
de uma crise do pertencimento institucional. Revista Horizonte. Belo
Horizonte, v. 10, nº 28, p. 1130-1153, 2012.

VILLASENOR, Rafael Lopez. Crise institucional: os sem religião de


religiosidade própria. Revista Nures. São Paulo, nº 17, 2011.

146
A INFLUÊNCIA DA COSMOVISÃO NA EDUCAÇÃO: O QUE ESTÁ POR DE
TRÁS DA EDUCAÇÃO?

Pesquisador: Daniel Palombo Neto


E-mail: palomborama@gmail.com

Faculdade Teológica Batista de São Paulo (SP)

Departamento de Graduação em Teologia

Graduando em Teologia

Eixo Temático: Educação Cristã

Categoria: Pôster

RESUMO
Este trabalho irá abordar uma pesquisa na área de educação e filosofia,
especificamente em filosofia da educação. O trabalho tem por objetivo
discorrer sintética e sistematicamente para responder à pergunta – o que está
por de trás da educação? A metodologia usada será de divisão sistematizada
de três assuntos bases – cosmovisão, filosofia e educação. Tem como
objetivo levar o leitor à reflexão e ao entendimento mais amplo sobre o “telos”
da educação e como ele é formado. Para a construção do trabalho foram
usados diversos livros na área de cosmovisão, filosofia e educação podendo
ser consultados na bibliografia.

Palavras-chave: Educação; Cosmovisão; Pressupostos; Filosofia.

INTRODUÇÃO
O trabalho apresenta de forma sucinta temas na área de educação, filosofia e
cosmovisão. Ele se propõe a responder à pergunta – o que está por de trás da
educação? Sendo assim revela uma parte menos objetiva e sim subjetiva
sobre educação, aprofundando aspectos do fundamento para que haja

147
consciência do propósito da educação e entendimento no que ela se
fundamenta e se desenvolve.

Há uma falta de conhecimento e profundidade, hoje, no aluno em geral sobre


os fundamentos da educação e como ele se desenvolve ao longo do
processo, resultando em um propósito e não em um acidente sem direção,
dessa forma o assunto é de importância. Ele pertence ao âmbito de
conhecimento da educação e faz uso de conhecimentos de outras áreas. O
mesmo não se propõe a ser um texto longo de caráter extenso e profundo e
sim uma introdução a um tema complexo, respondendo a uma pergunta
principal.

O trabalho de pesquisa teórica é construído por meio de livros e reflexão. Ele


se apresenta de forma sistematizada e simples com três pilares – cosmovisão,
filosofia e educação e desenvolve cada um desses temas para que haja
resposta da pergunta principal, finalizando com considerações finais acerca
do assunto proposto.

O que são pressupostos?

Afinal, o que são pressupostos, porque são importantes e como são


formandos. Segundo o próprio Dicionário da Língua Portuguesa pressupostos
são: [...] “Pressuposto. (Ô) [part. De pressupor. ] adj. 1. Que se pressupõe. S.
m. 2. Pressuposição; conjetura” [...] (FERREIRA, 2009, p.1627).

[...] uma série de pressupostos – conceitos implícitos em sua


fala-, muitos dos quais talvez jamais tenham ocorrido, pelo
menos de forma teórica, ao entrevistado. È possível que,
sem percebamos, o nosso pensamento revele uma série de
inconsistência e, até mesmo, excludências. O fato é que
nossos conceitos, explícitos ou não, terminarão por se juntar
a outros e, deste modo, sem consciência e mesmo
consistência, vamos aos poucos formando uma maneira de
ver o mundo e, consequentemente, de avaliá-lo [...]
(HERMISTEN, 2013, p.58).

148
Afirma-se então que para que se tenha uma posição é necessário ter uma
pré-suposição, um valor antecipadamente, por de trás de algo, afim de que
possa ser construída estruturada e formada uma ideia para a afirmação de um
conceito, que são vários pressupostos articulados. Muitas vezes eles são
simples e resumidos, mas se correlacionam.

O que é uma cosmovisão?

História e definição de um conceito


Levando em conta que toda ideia e toda filosofia tem pressupostos, tem
origem em algum lugar e em alguém, podemos afirmar de uma forma simples
que esse conjunto de pressupostos formam uma “cosmovisão”. Iniciaremos
com uma breve história do conceito baseando em GOHEEN (2016).

[...] A palavra cosmovisão é tradução do termo alemão


Weltanschauug (visão de mundo) e foi usada pela primeira
vez pelo filósofo iluminista Immanuel Kant em sua obra
Crítica da faculdade do juízo (1790). Kant acreditava que
cada ser humano aplica unicamente a razão a fim de chegar
a uma Weltanschauug - uma compreensão do significado do
mundo e de nosso lugar.dentro dele. Kant utilizou o termo
só uma vez, o qual não desempenhou um papel central em
seu pensamento. Mas a insistência de Kant na autonomia da
razão humana- ou seja, a razão que é exercida
independentemente da religião e da tradição – na formação
de uma Weltanschauug de uma pessoa passaria a ter uma
influência profunda e duradoura no desenvolvimento do
conceito de cosmovisão por aqueles que seguiam Kant [...]
(GOHEEN, 2016, p.36).

O idealismo e o romantismo do século XIX, dentro da filosofia alemã,


emprestaram o termo de cosmovisão, conceituado por Kant primeiramente, e
lhe deram um lugar significativo em seu sistema filosófico tornando o termo
prestigiado anos depois na academia. O filósofo dinamarquês Soren
149
Kierkegaard aponta que existe uma diferença entre cosmovisão e a antiga
disciplina de filosofia sendo ela um sistema objetivo de pensamento mantido a
certa distância. Por outro lado a cosmovisão é um conjunto de crenças
mantidas tão intimamente por uma pessoa sendo possível afirmar que o
mesmo a possui ou vive dentro (GOHEEN, 2016).

Segundo Dilthey, filósofo alemão, a filosofia depende de uma cosmovisão, ela


também possui pluralidade e relatividade, diferentemente de Kant que
acreditava ser possível se ter uma única cosmovisão compartilhada. O termo
foi bastante difundido e dominante na filosofia alemã onde se inicia essa
reflexão (GOHEEN, 2016).

Neste texto, é apresentada uma tentativa de discorrer resumidamente o


conceito de cosmovisão, não tentando incorporar todas as características do
conceito e sim apresentar com abrangência o mesmo. James W. Sire define
de forma resumida mas extremamente profunda o conceito de cosmovisão.

[...] Cosmovisão é um compromisso, uma orientação


fundamental do coração, que pode ser expresso como uma
estória ou num conjunto de pressuposições (suposições que
podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou
totalmente falsas) que sustentamos (consciente ou
subconsciente, consistente ou inconsciente) sobre a
constituição básica da realidade, e que fornece o fundamento
no qual vivemos, nos movemos e existimos.[...] (SIRE, 2012,
p.177).

Sire (2012) usa palavras-chave para descrever o seu conceito. Ele afirma que
cosmovisão é um compromisso, uma orientação do coração podendo ser
revelada, ser expressa por meio de pressuposições fornecendo um
fundamento para a realidade e para a existência.

150
A cosmovisão como um compromisso faz uma reivindicação ontológica, ela
não é fundamentalmente um conjunto estruturado de proposições ou uma teia
de crenças, portanto, não é uma questão do intelecto. Não é só um conjunto
de conceitos básicos, mas uma orientação fundamental do coração. Sendo a
insistência explícita de que na raiz mais profunda de uma cosmovisão está
seu compromisso para um entendimento do que é “realmente real”, leva-se
em consideração o comportamento determinante que consistirá na real
cosmovisão da própria pessoa ou de terceiros. Revela-se assim um
entendimento mais amplo de como as cosmovisões são compreendidas como
narrativas, e não apenas como proposições abstratas.

[...] uma cosmovisão nunca é meramente uma visão da vida.


É sempre uma visão, também para a vida. Nossa
cosmovisão determina nossos valores. Ela nos auxilia a
interpretar o mundo ao nosso redor. Ela separa o que é
importante do que não é o que é mais valioso do que é
menos [...] (WALSH, 2010, p.30).

Conclui-se então que uma cosmovisão proporciona um modelo de mundo que


direciona seus adeptos no mundo. Ela estimula o mundo como ele deve ser,
ela nunca pertence a uma só individuo. Todas as áreas da vida de uma
sociedade surgem e interagem por meio de uma cosmovisão como exemplo a
educação, política, família, artes, instituições entre outras. Sendo assim uma
cosmovisão abrange todos os aspectos da realidade (WALSH, 2010).

Walsh (2010) acredita que as cosmovisões são fundamentadas em


compromissos de fé. Ele afirma que a Fé é uma parte essencial da vida
humana, pois os seres humanos são criaturas confessionais, crédulos e
confiantes. O compromisso fundamental de fé determina a cosmovisão que
será adotada.

151
Afirma o autor que a cosmovisão se repousa em um compromisso de fé –
direção. Fé é a maneira como se responde a quatro perguntas básicas que
afrontam a todos. Quem eu sou? Onde estou? O que está errado? Qual a
solução? Após haver a resposta para essas perguntas, estabelecendo-se a fé,
é possível ver a realidade em alguns padrões estabelecidos. Da fé procede a
cosmovisão a qual o ser humano simplesmente não pode continuar.

Segundo Sire (2012), para se identificar uma cosmovisão é necessário


responder algumas perguntas fundamentais que geram pressuposições
específicas na área de ontologia, epistemologia, ética e estética.
Apresentamos a seguir as perguntas formuladas por ele e as discorreremos
resumidamente. Mas, como ele mesmo escreve, elas podem ser expandidas,
ganhar corpo para que hajam amplas perspectivas.

1. Qual a realidade primordial – o realmente real? Essa é uma das


perguntas mais importantes para se ter uma direção de algo. Qual a
realidade primordial? Se for um Deus, como é esse Deus? Qual o seu
caráter? Como ele se relaciona? Se for a matéria como podemos
observá-la? Como ela é construída? Qual a ordem que ordena e se
desenvolve? Após essa pergunta outras precisam ser respondidas.

2. Qual a natureza da realidade externa, isto é, do mundo a nossa


volta? Qual a natureza do não homem? Qual é a fonte da ordem
das coisas?

3. O que é um Ser Humano? Essa pergunta de ordem antropológica é


instigante. De onde vim? Por que existo? Quem eu sou? Qual o
padrão, o modelo de ser humano?

4. O que acontece quando uma pessoa morre? O que acontece ou não


após a morte sendo ela um fato?

5. Por que é possível conhecer de fato alguma coisa? Uma pergunta que

152
envolve a epistemologia e à ontologia.

6. Como sabemos o que é certo e o que é errado? Como podemos


atribuir valor as coisas, como saberemos se elas são boas ou más?
Quais são os princípios que devem guiar o ser humano? O que está
errado (com os outros, comigo, com o universo)?

7. Qual o significado da história humana? Qual o significado, propósito o


“telos” da humanidade? Qual o remédio para o que está errado? Qual
a estória de minha vida e de todos os outros vivos e mortos? Que
estória une todos os elementos da cosmovisão de uma pessoa?

Walsh (2010) afirma que quando a sociedade manifesta uma pluralidade de


cosmovisões, aparecem problemas. Não existindo uma visão dominante,
qualquer sociedade se torna uma casa dividida e experimenta uma
desintegração.

O pluralismo tem sido comum na realidade de hoje. A grande questão tem


sido como as realidades distintas se relacionam. Um exemplo disso é a África
onde não há diálogo entre cosmovisões, o colonialismo cria a estranha
situação em que a nova cosmovisão do poder colonial é forçada sobre a
população majoritária. Ele absorve a população nativa na mistura cultural
ocidental ou entram em um processo de destruição (WALSH, 2010).

Walsh (2010) propõem um caminho de uma cosmovisão aprender com a outra


de se haver diálogos a partir de pontos de contato. É possível haver uma
aprendizagem comunitária.

Filosofia da Educação
Apresentamos o conceito proposto por Aranha e Hermisten para definir
educação:

153
[...] Educação é um conceito genérico, mais amplo, que
supõe o processo de desenvolvimento integral do homem,
isto é de sua capacidade física, intelectual e moral, visando
não só a formação de habilidades, mas também do caráter e
da personalidade social. O ensino consiste na transmissão
de conhecimentos [...] (ARANHA, 1996, p.51)
[...] definir operacionalmente a educação, como sendo um
processo de transmissão de valores, decodificação,
interiorização e transformação. A educação envolve o
processo de “alimentar” (educare) e de “tirar” (educere) [...]
(HERMISTEN, 2013, p.32).

Segundo Oliveira (2003) deve-se partir de três pressupostos básicos para


explicar o que é filosofia. Primeiro, a filosofia é uma atividade especificamente
humana ela é a relação do ser humano com o mundo. Segundo, a filosofia é
apresentada como uma estrutura teórica, conceitual, mas isso não significa
que ela não está relacionada com a vida com a realidade, pois é na vida que
ela se fundamenta. Terceiro a filosofia não é neutra, não é desinteressada,
mas sim histórico-política. Podemos ainda conceituar filosofia como “[...] a
tentativa para pensar do modo mais genérico e sistemático em tudo o que
existe no universo – no “todo da realidade”[...] (KNELLER, 1972, p.11).

Ao ler a definição que Aranha (1996) propõe, é possível chegar à seguinte


conclusão, que a filosofia da educação refere-se ao conjunto de valores,
crenças, experiências e teorias que comporão uma “visão de mundo” que
orientará a natureza, os meios e fins da atividade educacional em si. Um
educador ou professor dirige sua atividade educacional a partir da filosofia
educacional que adota.

Para Oliveira (2003) a teoria é necessária para que se supere o espontâneo,


sendo a filosofia uma reflexão radical, rigorosa de conjuntos, que se faz a
partir de problemas proposto pelo existir do ser humano. Ela faz indagações
sobre o ser humano que se quer se formar, quais são os valores, quais
pressupostos do conhecimento estão implícitos aos métodos e procedimentos
utilizados, destacando três aspectos, o antropológico, axiológico e

154
epistemológico. Sire (2012) afirma que a cosmovisão é formada antes da
teorização, ela é pré-teórica.

[...] a cosmovisão é pré-teórica, abaixo da mente consciente. Ela


direciona a mente consciente a partir de uma região
normalmente não acessada pela mente consciente. Não é que a
mente consciente não pode pensar sobre uma cosmovisão e
seu caráter pré-teórico. È que normalmente nós não fazemos
isso.Antes, pensamos com a nossa cosmovisão e por causa da
nossa cosmovisão, não sobre a nossa cosmovisão [...] (SIRE,
2012, p.182).

A cosmovisão vem antes da filosofia, ela é pré-teórica, a filosofia sistematiza a


cosmovisão. Entretanto elas têm relação, pois as duas partem de uma
totalidade do sentido.

Portanto, a filosofia é uma visão de vida, de mundo, estão na raiz


absolutamente unidas entre si, mesmo que não sejam identificadas. A filosofia
não pode tomar o lugar de uma visão de vida e mundo, nem o reverso, porque
a tarefa de cada uma é diferente. Cada uma delas deve ser compreendida
mutuamente a partir de sua raiz religiosa comum. Entretanto, com certeza, a
filosofia deve ter uma abordagem teórica de uma visão de vida e mundo.

Para se estruturar uma filosofia é necessário fazer perguntas, entre elas


destaca-se algumas essenciais.

Antropologia | Que ser humano queremos formar?

Por trás de toda ação pedagógica, ou seja, por trás de todo objetivo, plano ou
metodologia educacional, há sempre uma definição do que vem a ser a
pessoa humana. Sem uma definição do que é o ser humano – um
determinado objetivo formativo humano – não há o pedagógico.

[...] A questão antropológica é a primeira que se coloca em


qualquer situação vivida pelo homem, mesmo que ele próprio
não tome consciência disso, porque todas as nossas
concepções de mundo e todas as nossas formas de agir
155
partem de uma ideia de homem que a elas se encontram
subjacente[...] (ARANHA,1996, p.112).

Certamente é fundamental que a educação desenvolva com clareza, a partir


de sua cosmovisão, uma concepção de ser humano. Ela norteará os rumos de
sua pedagogia.

Cosmologia | Para que mundo estamos formando pessoas?


Educar é também equipar pessoas humanas com um modo de se relacionar e
organizar sua experiência com a realidade a partir de uma cosmovisão. O que
exige, inevitavelmente, uma cosmologia, que é uma filosofia sobre a causa,
propósito e estrutura da realidade. [...] uma teoria educativa é sempre o
produto de uma visão de mundo e de vida. Ainda que se ignore a existência
dessa visão ou concepção, toda teoria e toda a prática educativas a trazem
implícita [...] (CESCON, 2009, p.13).

Paradigma | Com qual modelo queremos formar?

Segundo Aranha (1996) o ato de educar é uma práxis, havendo necessidade


de uma relação entre teoria e prática. É necessário se definir parâmetros,
modelos, sistematização de conhecimentos, quais serão os meios utilizados
para que a educação cumpra com o seu fim o seu propósito.

Moraes (2002) afirma que um paradigma é uma realização cientifica de


grande envergadura, com base teórica e metodológica convincente e
sedutora.

Telos | Para que educamos?

A palavra telos e seu correspondente do grego, tem o sentido de algo que se


propõem à realização, tem relação com o alvo, objetivo e propósito.

156
Segundo Garcia (2012), a Educação possui certos fins, possuem ideias
gerais. Existe um fim educativo referente a um processo que tem
desenvolvimento com o presente e o futuro do individuo e do coletivo
proporcionando uma expectativa que orienta e auxilia na busca do futuro.

Educação como difusora de Cosmovisão

Hermisten (2013) afirma que a educação tem um processo duplo, ela se


apropria de uma cosmovisão e ensina respondendo as perguntas
fundamentais por meio dela e definindo os parâmetros do mesmo.

[...] o homem é um ser educável. Ninguém consegue escapar


à educação; ela está em toda parte, sendo intencionalmente
ou não. Somos bombardeados com informações e valores
que contribuem para nos dar uma nova cosmovisão e
delinear o nosso comportamento, conforme a assunção
consciente ou inconsciente de valores e paradigmas que
reforçam ou substituem os anteriormente aprendidos,
manifestando-se em nossas atitudes e nova perspectiva da
realidade que nos circunda [...] (HERMISTEN, 2013, p.31).
[...]é fácil apontar várias cosmovisões que responderiam de
maneiras diversas às questões fundamentais. Isso tornaria
muito difícil administrar uma escola com quem não
compartilhasse respostas idênticas para as mesmas
questões. O que cremos tem importância. Nossa religião
afeta o modo como vemos o mundo, e isso se estende aos
princípios [...] (WILSON, 2015, p.18).

Segundo Wilson (2015) a cosmovisão permite responder as perguntas


fundamentais, e elas definem como será o processo educativo e
administrativo de uma escola e da educação. [...]uma teoria educativa é
sempre o produto de uma visão de mundo e de vida. Ainda que se ignore a
existência dessa visão ou concepção, toda teoria e toda a prática educativas a
trazem implícita [...] (CESCON, 2009, p.13)

157
Cescon (2009) afirma que toda teoria educativa é produto de uma cosmovisão
que é difundida por meio da educação, do processo educativo. O problema
filosófico é encontrar uma concepção unitária de mundo, um sentido integral
da vida e uma imagem de homem para que se possa difundir por meio da
educação.

[...] quem quer que controle o sistema educacional definirá os


objetivos da nação, definirá e estabelecerá seus valores
morais, e por fim regerá o futuro de todas as áreas da vida.
As crianças e a cosmovisão que elas abraçarem são o
futuro[...] (DEMAR, 2014, p.17).

Demar (2014) afirma a responsabilidade e a importância que existe na


educação, pois ela é uma difusora de uma cosmovisão sendo estruturada por
uma filosofia. Ele acredita que a influencia da educação definirá os objetivos
de uma nação, a educação irá moldar a cultura.

[...] todo academicismo pressupõe um paradigma filosófico,


todos os paradigmas filosóficos pressupõem uma
cosmovisão religiosa de um tipo ou de outro. Uma
cosmovisão, ou visão de toda a vida, é praticada na vida
acadêmica em primeiro lugar quando o acadêmico formula
uma estrutura de filosofia teórica [...] (WALSH, 2010, p.148).

Segundo Walsh (2010) todo academicismo é religioso fundamentado e


baseado em um compromisso religioso. Sendo assim a educação é
estruturada teoricamente por meio de uma cosmovisão. A educação formal
não é ingênua ela é estruturada parte de um projeto, currículo, plano de aula e
avaliação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir respondendo à pergunta proposta para esse trabalho que


por de trás da educação há motivações, pressupostos, cosmovisão e filosofia
que sustentam e direcionam a educação que por sua vez se sustenta.
158
A educação não é neutra assim como o agente a que a constrói, e como ela,
tem o propósito de ensinar de moldar o seu aluno ela necessita de uma
filosofia educacional.

É de extrema importância para todo o ser humano, pois ele está sempre em
mudança e processo, e participa da educação formal e informal, agora não
podendo ser ingênuo com a neutralidade da educação, antes, podendo ser
um agente ativo em sua educação e na educação do próximo.

O trabalho educacional e todos os seus processos são complexos e árduos e


devem ser construídos em comunidade, dialogando com diversas áreas do
conhecimento. Levando em consideração a profundidade de cada tema e
como eles se formam e se relacionam entre si, haverá um melhor
cumprimento do telos a que se propõem e a influência que ele exerce na
realidade da vida como um todo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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São Paulo.

BLUEDORN, Harvey; Bluedorn Laurie. Ensinando o trivium; estilo clássico a


educação cristã em casa. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2016.

CESCON, Everaldo. Temas de filosofia da educação. – Caxias do Sul,


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DEMAR, Gary. Quem controla as escolas governa o mundo. Brasília, DF:


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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da


língua portuguesa. 4 ed. totalmente rev. e ampl. Curitiba: Ed. Positivo, 2009
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Educação tem tudo a ver com religião. São José dos Campos, SP: Fiel,
2017.

GARCIA, Walter Esteves. Educação: visão teórica e prática


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KNELLER, George f. . Introdução à filosofia da educação. Zahar


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MAIA Pereira da Costa, Hermisten. Introdução a educação cristã. Brasília,


DF: Editora Monergismo,2013.

MORAES, Maria Cândido. O paradigma educacional emergente -


Campinas, SP: Papirus, 1997

MOREIRA, Alexandre Magno Fernandes. O direito à educação domiciliar.


Brasília, DF: Editora Monergismo, 2017

NEWBIGIN, Lesslie. O Evangelho em uma Sociedade Pluralista. Viçosa,


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OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno. Filosofia da educação. Bélem: UNAMA, 2003.

160
RUSHDOONY, Rousa Jonh. Esquizofrenia intelectual: cultura, crise e
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SIRE, James W. Dando nome ao Elefante: cosmovisão como um conceito.


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STRECK, Romeu Danilo. Correntes Pedagógicas: aproximações com a


teologia. Petrópolis, Editora Vozes, 1994.

WALSH, Brian J., MIDDLETON , J. Richard. A visão transformadora. São


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Brasília, DF: Editora Monergismo, 2015.

WOLTERS, Albert M. . Criação restaurada. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

161
OS IMPACTOS DAS VERDADES BÍBLICAS SOB A PERSPECTIVA DA
VISÃO MISSIONAL DOS EDUCADORES CRISTÃOS QUE ALMEJAM A
TRANSFORMAÇÃO DE VIDAS

Pesquisadora: Cristiane Augusta Gomes Arakaki


E-mail:
cristeologia2016@gmail.com
Faculdade Teológica Batista de São Paulo (SP)
Departamento de Graduação em Teologia
Graduanda em Teologia
Eixo Temático: Educação Cristã
Categoria: Pôster

RESUMO

O foco desta pesquisa é destacar a importância do cumprimento da missão de


Deus sob a responsabilidade de educadores cristãos por meio do ensino das
verdades bíblicas que geram transformação de vidas. Busca-se compreender a
amplitude do processo educacional na Igreja e sua relevância nos dias atuais.
O entrelaçamento entre Educação cristã e Missão da Igreja é descrito como a
ação que promove crescimento no corpo de Cristo.
Palavras chave: educação, cristã, relevância.

INTRODUÇÃO

Tendo em vista a importância de correlacionar teoria e prática do evangelho, se


faz necessário, uma educação cristã que faça com que o indivíduo além de
compreender a verdade bíblica, aplique em sua vida, apresentando sua oferta
agradável a Deus por meio das obras que demonstram os frutos de um
coração contrito e convertido e não apenas acúmulo de conhecimento.

Segundo Sung (2011) “uma pessoa pode contemplar o ser de Deus, conhecer
a verdade, sem que isso a leve necessariamente a uma ação ou mudança na
sua vida”. Essa tem sido a realidade de muitos educadores cristãos que fazem
parte da igreja de Cristo. Nota-se o quanto a Educação Cristã tem enfrentado

162
dificuldades na execução dessa área no cumprimento de seu papel na
sociedade no contexto contemporâneo tanto no ambiente eclesiástico quanto
nos lares cristãos.

Esta pesquisa tem por objetivo compreender a amplitude da educação cristã e


aplicação da verdade bíblica como estilo de vida demonstrando por meio de
ações o atendimento às necessidades da sociedade em que estamos
inseridos; conscientizar e minimizar os impactos da má aplicação da educação
cristã em seus diversos níveis de ensino partindo de pressupostos bíblicos que
levem à mudança interna para externar valores cristãos.

O estudo será realizado por meio de pesquisa bibliográfica dos conceitos e a


correlação entre missões, educação cristã e o papel da igreja na sociedade; a
importância do ensino cristão com o intuito de transformação de vidas e por
último, pesquisa de campo por meio de questionário destinado a cinco
educadores cristãos que ministram aulas bíblicas em uma comunidade Batista
na região de Taboão da Serra/SP. Com base nesses dados será feita as
considerações finais com observações, comparações e desafios a suplantar.

I . Conceitos e a correlação existente entre educação cristã, missão e o


papel da igreja e a sua relevância para os dias atuais.

Quando falamos sobre educação cristã, podemos nos remeter ao conceito de


Educação Cristã de Molochenco parafraseado pela pesquisadora como um
processo amplo e contínuo do ser como um todo (o ser integral), que visa o
crescimento individual e coletivo de sua vida espiritual no conhecimento de
Deus e das Escrituras, com o intuito de que o indivíduo seja capaz de interagir,
relacionar-se e participar socialmente em benefício da comunidade a qual
pertence. Esse crescimento leva em consideração os aspectos físicos,
emocionais, espirituais e sociais; individual e coletivo em comunidade. “Nosso
maior exemplo de desenvolvimento integral, é o próprio Jesus, pois a Bíblia nos

163
relata que ele [...] crescia em sabedoria, em estatura e em graça diante de
Deus e dos homens (Lc 2:52)” (MOLOCHENCO, 2007, p. 16).

A educadora Sherron K. George (apud, MOLOCHENCO, 2007, p. 23) define


que a “educação cristã facilita, promove, gera, guia, acompanha e estimula o
desenvolvimento das pessoas, a partir do nascimento até a maturidade e à
morte”, dessa forma, George dá ênfase ao desenvolvimento integral. A
responsabilidade do educador cristão é muito mais ampla, pois está
cooperando com o Reino de Deus no desenvolvimento integral das pessoas
desde seu nascimento. Thomas H. Gromme (apud, MOLOCHENCO, 2007, p.
23) define educação cristã como “atividade política com peregrinos no tempo,
que deliberada e intencionalmente assiste com eles à atividade de Deus em
nosso presente, à história da humanidade da fé cristã e à visão do Reino de
Deus, cujas sementes já estão entre nós”. Portanto, o educador cristão não
apenas ensina pessoas, como também coopera com a ação de Deus com
aquilo que Ele está construindo ao longo da história. A função do educador é
equipar os santos para que possam dar prosseguimentos em seus ministérios,
germinando sementes para que possam crescer e dar bons frutos,
desenvolvendo a maturidade espiritual, contribuindo para sua formação como
um todo.

Molochenco (2007, p. 17 e 18), ressalta a importância de uma


“educação para a vida toda”, concepção apresentada no Colóquio Internacional
sobre Educação para o século XXI, por um documento organizado por Jacques
Delors (presidente da comissão) que destaca os quatro pilares da educação:
“aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a ser e aprender a conviver”.
Essa concepção também se aplica à nossa realidade eclesiástica, ao passo
que também amplia esse olhar. No conceito do ser, acrescenta-se o
conhecimento de Deus, “o doador da vida”, que cria o homem perfeitamente
para este possa se expressar livre e criativamente como ser.

A meta do ensino cristão é alcançar a maturidade. As Escrituras usam pelo


menos três palavras diferentes tanto para metas de ensino quanto para a

164
medida da maturidade. “A maturidade deve se manifestar em relacionamentos,
moralidade e teologia. Primeira Timóteo, Hebreus e Efésios são evidentes ao
declarar estas marcas de maturidade” (LOWSON apud GANGEL &
HENDRICKS, 1999, p. 69). Em 1 Timóteo 1:5, Paulo tem a pretensão que seus
estudos levem seus liderados a amar. Nota-se passagens que enfatizam o
amor: Mt 22:37-38 (primeiro mandamento); Mt 22:39 (segundo mandamento);
Jo 13:35 (marca de um discípulo); Gl 5:22-23 (fruto do Espírito); 1 Co 13:1
(fruto superior ao dom); 1 Jo 4:20 (forma como alguém diz que ama a Deus); Jo
21:15-18 (resposta de Pedro por três vezes).

Lowson (apud Gangel & Hendricks,1999, p. 70), aponta a definição de amor em


termos comportamentais por meio de ambiguidades, pois, se o Espírito Santo
não produz impaciência, como pode amar a Deus e ao mesmo tempo ser
impaciente? O Espírito Santo não produz grosseria, como podemos amar a
Deus e ser mal-educados? O Espírito Santo não produz inveja, força, beleza,
inteligência, sucesso, dinheiro, poder, etc. como posso amar a Deus e ser
invejoso? Enquanto não vermos o amor sendo exercitado generosamente por
nossos alunos não podemos nos dar por satisfeitos.

A maturidade vem à medida que suas escolhas morais são boas e isso requer
prática e se estende até mesmo às lideranças como um todo. Amor e
moralidade são essenciais na relação com o próximo e com o Senhor. “A
teologia nos ajuda a pensar no próprio Deus. Maturidade cristã requer
estabilidade teológica” (LOWSON apud GANGEL & HENDRICKS, 1999, p. 72).
A maior tarefa dos mestres cristãos é ajudar discípulos de Jesus a crescer no
relacionamento e serviço, na moralidade e na teologia.

O segundo ponto a destacar são as chamadas missões. Algo que a igreja


pratica, partindo da reflexão: qual é finalidade da igreja? Qual seria sua missão
para com o mundo? Para Wright (2012, p. 29), Deus chama pessoas para
participar da Sua missão. Esse movimento inicia-se no livro de Atos com Paulo
e Barnabé em sua primeira viagem missionária. Enviar e ser enviado com um
propósito. A igreja foi criada para cumprir a missão de Deus no mundo.

165
Portanto, “[...] a missão não foi feita para a igreja, mas a igreja foi feita para a
missão – a missão de Deus” (WRIGHT, 2012, p.30).

Onde começa e onde termina a missão? O campo missionário pode ser até
mesmo na própria rua, locais onde se tomou conhecimento do evangelho de
Jesus Cristo. Para o autor, todo local pode vir a se tornar campo missionário e
não apenas um local específico no qual são enviados os missionários (o mundo
do trabalho, da educação, da política, da medicina, dos esportes) são
oportunidades evangelísticas. Por isso dos termos bíblicos “luz do mundo”, “sal
da terra”, “fazer o bem”, etc., é necessário que a igreja esteja situada no termo
“mundo inteiro” com relação ao espaço e tempo, fomos chamados a ser
levados até os confins da terra até o fim do mundo.

O conceito de missão (singular) é um termo amplo e genérico que significa tudo


o que Deus está fazendo e que nos chama a fazer para cooperar com seu
propósito, já missões (plural) são as inúmeras atividades que o povo de Deus
participa dentro da missão de Deus. Deus confiou à igreja missões de diversos
tipos e nenhuma deve ser inferiorizada nem supervalorizada mais do que a
outra; todas são importantes para o Reino de Deus.

Dentro da perspectiva de Wright, observa-se que a igreja não pode ser um


organismo que apenas entrega uma mensagem, é muito mais do que isso, é
partilhar as boas novas de Jesus Cristo, é anunciar uma transformação e
demonstrar evidências desse fato ocorrido em nossas vidas. Nossa identidade
missional deve ser a santificação pessoal que tem haver com integridade,
justiça, unidade, inclusão e semelhança a Cristo. Isso leva a compreender
como Paulo ensina que evangelho não é apenas para crer, mas também para
obedecer.

Quando se trata da missão, deve-se evitar limitar-se ao serviço para qual foi
enviado de forma rápida e eficiente, pois evitará constrangimentos e acusações
desnecessárias. A diferença entre evangelização e ação social: a missão da
igreja é primordialmente a entrega da mensagem do evangelho proclamado e

166
vivido em palavras e obras. Por conseguinte, o “evangelho é a boa-nova do
que Deus fez por meio de Jesus Cristo para a redenção do mundo”.

Wright (2012, p. 32) critica o conceito do evangelho que os cristãos têm de


reduzir a mensagem e que Cristo erradicará o mal do universo e resolverá
nosso problema. A transmissão dessa mensagem depende da profundidade
acerca do conhecimento de Deus, pela experiência, revelação e salvação. A
razão, origem, conteúdo e propósito pelo qual somos enviados se dá pelo fato
que é Ele quem nos envia ao mundo em seu nome e motivo de tudo o que
somos e fazemos como testemunho de Sua verdade.

Deste modo, conclui seu raciocínio na garantia de que de Deus deixa evidente
a missão resgatadora por meio de seu Filho Jesus, a redenção do mundo e as
boas novas para um povo escolhido. A Bíblia descreve Deus como Redentor
desde o princípio, e que nada poderá impedir a missão de Deus e que missão
é uma questão de lealdade. Enfim, um mensageiro quando fiel entregará
fielmente a mensagem que foi confiável a ele para transmitir e não suas
próprias opiniões.

“A missão da igreja é mais abrangente, uma vez que a salvação é um meio


para levar as pessoas de volta para o plano original de Deus para a criação, e
não um fim em si mesma” (REGA, 2016). Antes, ambas estão relacionadas: a
existência da igreja com a finalidade de nossa salvação. Ao passo que fomos
criados para glorificar a Deus, isso significa “viver em comunhão e harmonia
com Deus, consigo mesmo, com o próximo e com a natureza criada”. O autor
considera a principal missão da igreja.

Rega (2016) afirma que a missão da igreja:

É a igreja promovendo a sua própria manutenção e fortalecimento


para que seus membros tenham uma vida equilibrada de glorificação
a Deus, de autocrescimento (amar a si mesmo) e uma vida dedicada
à comunidade (amar ao próximo), ao seu trabalho e desenvolvimento.
Aqui está incluído a capacitação operacional dos crentes, a
administração, o ensino e pregação da Palavra, a assistência
espiritual e material aos domésticos na fé (Gálatas 6:10), a
manutenção da própria convivência ou comunhão entre os irmãos, o
serviço (diakonia), etc. É isso que encontramos na igreja do primeiro

167
século (Atos 2:42-47; 4:32-35/NVI). (REGA, Lourenço Stelio. Estudos
sobre a Igreja II: Qual é a missão da igreja? Para que existe a Igreja?
O Jornal Batista. São Paulo: Convenção Batista Brasileira, Ano
CXV, edição 13, n. 15, 27 mar. 2016).

Rega finaliza seu artigo assegurando que a missão da igreja não é única
(evangelizar), mas sim tríplice, é tridimensional. É direcionada a Deus (missão
principal); missão consequente (direcionada a si mesma) e direcionada ao
mundo (proclamar o evangelho; testemunhar, evangelizar e fazer missões). A
esse processo dá o nome de missão holística da igreja. A expressão holística
vem da palavra grega holos, que significa todo, inteiro. Essa visão integral da
missão da igreja abarca outros aspectos e implicações que uma visão
polarizada (parcial) negligencia.

Além do ensino, igualmente importante é a evangelização. Paulo ao instruir


Timóteo não deu maior importância para uma do que a outra entendia que
ambas conferiam parte essencial da missão confiada a Timóteo. “O
evangelismo e o ensino/discipulado são, juntos, partes integrais e essenciais
na nossa missão” (WRIGHT, 2012, p. 341). Paulo exorta a Timóteo a realizar o
trabalho de um evangelista, para ensinar a sã doutrina e treinar a ensinarem
outros consecutivamente.

“[...] A igreja não existe para si mesma, mas sim completa e exclusivamente
para o mundo, é necessário que a igreja não se torne o mundo, mas mantenha
as próprias feições” (LOHFINK, apud WRIGHT, 2012, p. 342). Segundo Wright,
o intuito de sua existência está em ser “luz do mundo” e “sal da terra”. “Se
perder seus próprios contornos não servirão para coisa alguma”. Um dos
papéis da igreja é reconciliar a criatura com o Criador, é atrair o mundo para
Deus, por meio do poder puro e surpreendente de uma santidade missional
através do poder do Espírito Santo. Evangelismo sem discipulado gera
superficialidade, imaturidade e vulnerabilidade ao falso ensino; a igreja
crescerá sem profundidade, conforme Jesus advertiu na parábola do semeador
em Mateus 13:20-22.

168
A ordem expressa por Jesus aos seus discípulos (nós hoje): “portanto, ide,
fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e
do Espírito Santo; ensinando-lhes a obedecer a todas as coisas que vos
ordenei; e eu estou convosco todos os dias, até o final dos tempos” (Mateus
28: 19-20) não deve ser negligenciada. É nossa responsabilidade a
propagação do evangelho de Jesus Cristo em detrimento dessa ordenança.
Sendo assim, a educação cristã é responsável em coordenar, organizar, treinar
e promover o desenvolvimento da vida espiritual dos salvos e pensar em ações
(atividades missionárias) para atingir os não-salvos, evidentemente com o
auxílio do Espírito Santo , “Àquele que é capaz de efetuar tudo e em todos.
Visando a atuação de diferentes tipos de dons, mas o Espírito é o mesmo” (Ef
3:20; 1 Co 12:12/NVI).

II Análise do questionário sobre educação cristã e os impactos das


verdades bíblicas na vida de educadores cristãos

Foi solicitadas que cinco educadores cristãos da Igreja Batista de Taboão da


Serra respondessem a pesquisa de campo que segue abaixo e
consequentemente a seguinte análise:

1. Qual o é o papel da igreja na sociedade?


Nessa questão, uma pessoa relata que o papel da igreja seja reconciliar o ser
humano com Deus. Em unanimidade os cinco entrevistados afirmam que o
papel da igreja é pregar e testemunhar o seu amor; dois dizem evangelizar; e
dois asseguram que é o ensinar e apenas um fazer discípulos; contribuir para a
formação moral e espiritual e necessidades de seu entorno e viver os princípios
das Escrituras Sagradas.

2. Como você vê o cumprimento do evangelho (missão de Deus) por meio da


vida do cristão?

169
Todos os participantes concluíram que por meio do testemunho de vida se faz
o cumprimento do evangelho (a missão de Deus). Ainda nessa resposta,
alguns acrescentam a comunhão individual com Deus, obediência aos
mandamentos, ensinamentos bíblicos e compartilhar o que se vive e acredita.

3. Para você, quais são os princípios e valores bíblicos que norteiam sua
prática cotidiana?
Quatro pessoas garantem que os princípios e valores bíblicos que norteiam sua
vida são: o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo; um afirma ser a
família, igreja e o trabalho secular. Outro pronuncia a oração, o estudo da
Bíblia e a santificação; já outrem trata do respeito, obediência, alteridade e boa
consciência.

4. O ensino oferecido pela igreja tem te ajudado a compreender e aprofundar


as verdades bíblicas e colocá-las em prática?
Os cinco entrevistados afirmam que o ensino adquirido na igreja os ajuda a
compreender e aprofundar as verdades bíblicas e colocá-las em prática, pois a
forma que é exposta permite a reflexão e a prática cotidiana seja ela individual
e/ou coletiva. Alguns acrescentam que há necessidade da disposição para o
aprendizado; auxilia no amadurecimento intelectual e espiritual do cristão seja
ele novo convertido ou regenerado há tempos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar as respostas dos entrevistados são semelhantes quanto à forma


que conceituam e entendem educação cristã, missão e o papel da igreja no
contexto contemporâneo. Todos entendem que a Missio Dei (missão de Deus)
é revelada por meio do testemunho do crente, diferentemente da concepção
que declara Wright. A igreja foi criada para cumprir a missão de Deus no
mundo, ou seja, a missão é de Deus, a igreja coopera e participa do que Deus
está fazendo no mundo. Ou seja, “[...] a missão não foi feita para a igreja, mas
a igreja foi feita para a missão – a missão de Deus” (WRIGHT, 2012, p.30).
170
A partir das respostas dos educadores entrevistados nota-se que
compreendem missão de uma forma mais holística como descreve Rega
(2016).

a missão da igreja não é única (evangelizar), mas sim tríplice, é


tridimensional. É direcionada a Deus (missão principal); missão
consequente (direcionada a si mesma) e direcionada ao mundo
(proclamar o evangelho; testemunhar, evangelizar e fazer missões). A
esse processo dá o nome de missão holística da igreja. A expressão
holística vem da palavra grega holos, que significa todo, inteiro. Essa
visão integral da missão da igreja abarca outros aspectos e
implicações que uma visão polarizada (parcial) negligencia.

Conclui-se que precisamos avançar com uma educação cristã de qualidade e


prosseguir para o alvo que é Cristo, vivendo uma fé genuína demonstrando os
frutos desse arrependimento. De tal maneira que finalizo este estudo com a
percepção de Richards (1996, p. 12) do que é igreja e seu propósito:

...O evangelho aqui é a proclamação de vida, afirmando que pela


atuação do próprio Deus pessoas mortas no pecado recebem vida
em Cristo. Morte e vida definem a Igreja de Cristo e Seu povo. A
posse da vida distingue um cristão de todas as outras pessoas; este
forma com seus iguais uma comunidade que tem vida divina,
diferenciando a Igreja de todas as instituições humanas. Entender
nossa fé como vida nos dá a chave para desenvolvermos uma
educação cristã clara e teologicamente sadia.

Partindo da consciência dos cristãos maduros acerca das verdades bíblicas por
eles conhecidas e aprofundadas é que temos a esperança de um futuro melhor
para demais gerações conseguintes. “Toda a Escritura é inspirada por Deus e
útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na
justiça” (2 Timóteo 3:16/NVI). Portanto, a Palavra de Deus é transmitida por
meio de pessoas, onde o educador cristão é uma das mais importantes
ferramentas de Deus para ensinar, repreender, corrigir e instruir na justiça,
enfatizando os valores do Reino de Deus por meio de sua vida e ensinando
outros a vivê-la formando discípulos de Cristo com o intuito de crescerem no
relacionamento e serviço, na moralidade e na teologia.

171
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BÍBLIA de estudo arqueológica Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora


Vida, 2003.
GEORGE, Sharron K. Igreja ensinadora. Campinas/SP: Luz para o Caminho,
1993.
GROMME, Thomas H. Educação Religiosa Compartilhando nosso caso e
visão. E-Reformatio Revista De Teologia – UniFil. Londrina: Paraná, ano I Nº
01 – 2013.
LAWSON, Michael S. Fundamentos bíblicos para uma Filosofia de Ensino in
GANGEL & HENDRICKS, Kenneth O. & Howard G. Manual de Ensino para o
educador cristão: Compreendendo a natureza, as bases e o alcance do
verdadeiro ensino cristão. 1ª ed. – Rio de Janeiro: Casa Publicadora das
Assembleias de Deus, 1999.
MOLOCHENCO, Madalena de oliveira. Curso vida nova de teologia básica:
educação cristã. São Paulo: Vida Nova, 2007.
REGA, Lourenço Stelio. Estudos sobre a Igreja II: Qual é a missão da igreja?
Para que existe a Igreja? O Jornal Batista. São Paulo: Convenção Batista
Brasileira, Ano CXV, edição 13, n. 15, 27 mar. 2016.
RICHARDS, Lawrence O. Teologia da educação cristã. Tradução: Hans Udo
Fuchs. 3 ed. são Paulo: Vida Nova, 1996.
SUNG, Jung Mo; WIRTH, Lauri Emílio e MÌGUEZ, Néstor. “Missão e
educação teológica”. São Paulo: Aste, 2011.
WRIGHT, Christopher J. H. A missão do povo de Deus: uma teologia bíblica
da missão da igreja. São Paulo: Vida Nova: Instituto Betel Brasileiro, 2012.

172
ANEXOS
QUESTIONÁRIO SOBRE EDUCAÇÃO CRISTÃ

1. Qual o é o papel da igreja na sociedade?

A igreja deve atuar como agência do reino, levando a mensagem da salvação e


ensinando discípulos a fazerem discípulos. Deve contribuir para a formação moral e
espiritual, bem como atender às necessidades da comunidade em seu entorno.

2. Como você vê o cumprimento do evangelho (missão de Deus) por meio da vida do


cristão?

O cristão deve viver o evangelho na prática, seguindo os passos de Cristo,


procurando ter atitudes que Jesus teria se estivesse em seu lugar.

3. Para você, quais são os princípios e valores bíblicos que norteiam sua prática
cotidiana?

Devo procurar viver o evangelho amando a Deus sobre todas as coisas e ao meu
próximo como a mim mesma.

173
4. O ensino oferecido pela igreja tem te ajudado a compreender e aprofundar as
verdades bíblicas e colocá-las em prática? Por quê?

O ensino oferecido pela igreja tem me ajudado a refletir sobre minhas atitudes e
aprimorar minha maneira de viver, pois tem sido baseado em princípios e
verdades bíblicas, segundo os propósitos que Deus tem para a minha vida e para
a vida da igreja.

174
QUESTIONÁRIO SOBRE EDUCAÇÃO CRISTÃ E OS IMPACTOS

DAS VERDADES BÍBLICAS NA VIDA DE EDUCADORES CRISTÃOS

1. Qual o é o papel da igreja na sociedade?

Ser agente influenciador, percebido pelas pessoas e grupos mais próximos, por pregar e
vivenciar princípios que acredita de maneira verdadeira e relevante, fazendo
sentido e diferença na vida daqueles que participam ou recebem suas mensagens ou
ações.

2. Como você vê o cumprimento do evangelho (missão de Deus) por meio da


vida do cristão?

Como reflexo da comunhão individual com Deus, obediência aos mandamentos e


ensinamentos bíblicos, tendo uma vida de testemunho cristão, dividindo com outros
aquilo que vive e acredita.

3. Para você, quais são os princípios e valores bíblicos que norteiam sua prática
cotidiana?

Amar a Deus sobre todos as coisas, colocá-lo sempre em primeiro lugar;


Amar ao próximo como a si mesmo, tendo atitudes abençoadoras e que demonstrem
esse amor que vem de Deus.

4. O ensino oferecido pela igreja tem te ajudado a compreender e aprofundar as


verdades bíblicas e colocá-las em prática? Por quê?

Sim. Porque fazem sentido, são colocadas de maneira contextualizada e muitas vezes
com aplicação para a realidade diária individual ou do grupo\comunidade que
participamos.

175
Mas tudo isso só funciona e acontece se houver a minha disposição para o aprendizado.

176
QUESTIONÁRIO SOBRE EDUCAÇÃO CRISTÃ E OS IMPACTOS

DAS VERDADES BÍBLICAS NA VIDA DE EDUCADORES CRISTÃOS

1. Qual o é o papel da igreja na sociedade?

A Igreja tem o papel de proclamar a mensagem de salvação a todos da sociedade,


promovendo a evangelização através de várias estratégias.

2. Como você vê o cumprimento do evangelho (missão de Deus) por meio da vida


do cristão?

Vejo que o cumprimento do evangelho através do testemunho é fundamental refletir a


luz de Cristo através da nossa vida vale mais que mil palavras.

3. Para você, quais são os princípios e valores bíblicos que norteiam sua prática
cotidiana?

Os princípios bíblicos que norteiam a prática cotidiana são oração, estudo da bíblia e
santificação.

4. O ensino oferecido pela igreja tem te ajudado a compreender e aprofundar as


verdades bíblicas e colocá-las em prática? Por quê?

Sim, porque além do conhecimento das verdades bíblicas também temos sugestões
de como colocá-las em prática.

177
QUESTIONÁRIO SOBRE EDUCAÇÃO CRISTÃ E OS IMPACTOS

DAS VERDADES BÍBLICAS NA VIDA DE EDUCADORES CRISTÃOS

1. Qual o é o papel da igreja na sociedade?

A Igreja tem o papel de evangelização através da pregação e ensino contido nas


escrituras.

2. Como você vê o cumprimento do evangelho (missão de Deus) por meio da vida do


cristão?

Testemunho

3. Para você, quais são os princípios e valores bíblicos que norteiam sua prática
cotidiana?

Tudo aquilo que não contraria a palavra de Deus…princípio de respeito, se colocar


no lugar do outro e o princípio de amor…. Tendo ciência da dificuldade de colocar
em prática

4. O ensino oferecido pela igreja tem te ajudado a compreender e aprofundar as


verdades bíblicas e colocá-las em prática? Por quê?

Sim, porque é como melhor compreender o manual de instruções que nos ajuda em
tudo em nossa vida.

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