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O CRISTÃO

FRUTÍFERO
MINISTÉRIOS
E DONS ESPIRITUAIS
Misael Batista do Nascimento
O cristão frutífero
Uma leitura bíblica dos ministérios
e dons espirituais

Misael Batista do Nascimento


2019
© 2019 Misael Batista do Nascimento
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1ª edição – 2019

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
NASCIMENTO, Misael Batista.
O cristão frutífero: Uma leitura bíblica dos ministérios e dons espirituais/ Misael Batista
do Nascimento.
São José do Rio Preto: Misael Batista do Nascimento, 2019.

1. Estudo bíblico 2. Pneumatologia 3. Eclesiologia. 4. Dons espirituais 5. Ministérios.


6. Serviço cristão. 7. Teologia do pacto. 8. Calvinismo. 9. Assembleia de Westminster.
10. Cessacionismo 11. Pentecostalismo I. Título
[Nº CIP] CDD-233.[...]
Dedicado à honra do Cordeiro que foi morto e com o seu sangue comprou para Deus os
que procedem de toda tribo, língua, povo e nação, constituindo-os reino de servos e
sacerdotes (Apocalipse 5.9-10).
Introdução

Estes estudos beneficiarão cristãos de todas as denominações evangélicas que se


interessam em conhecer o que a Bíblia ensina sobre os ministérios e dons espirituais.
João Calvino afirmou o seguinte:
Os crentes são ricamente equipados com diferentes dons, mas é preciso que cada um reconheça
que o Espírito de Deus lhe proporcionou tudo quanto possui, porquanto ele derrama seus dons,
assim como o sol difunde seus raios em todas as direções. João Calvino.1
O que são os dons espirituais? Qual sua relação com as atividades de uma igreja e,
mais ainda, o que eles têm a ver com o serviço do cristão no mundo? Os dons estendem a
obra de Cristo — a redenção — ou são recursos extras, destinados a realizar uma obra
adicional do Espírito Santo? Qual ponto de vista é o mais bíblico, o daqueles que afirmam
que dons espirituais cessaram completamente ou o daqueles que defendem a atualidade
de todos os dons citados na Bíblia? O que dizer da tendência da igreja das últimas décadas,
de utilizar métodos para que os cristãos descubram seus dons espirituais? Podemos definir
que um cristão ou uma igreja são “poderosos” ou “frios” baseados em sua percepção e
prática dos dons espirituais? Essas e outras perguntas emergem quando discutimos esse
importante assunto. Nestes estudos respondemos a estas perguntas, analisando tópicos
ligados aos serviços (ministérios) da igreja.
Escrevi uma primeira versão destes estudos em 1997, para uso em classes da escola
dominical da Igreja Presbiteriana Central do Gama. O Senhor se manifestou
graciosamente chamando, motivando e capacitando pessoas para o serviço. Quando deixei
a igreja, em 2009, ainda funcionavam na igreja alguns ministérios iniciados naquele
primeiro ciclo de estudos. Desde então o material foi alterado algumas vezes, para
atualização bibliográfica, em 1999 e 2001. Em 2004 tudo foi reorganizado e reescrito com o
título O Cristão Frutífero e esse foi o conteúdo mais compartilhado na internet, ao ponto de
ser citado em artigo da Wikipédia. Apesar da popularidade do material de 2004, uma
interpretação mais cuidadosa das passagens bíblicas fundamentais me conduziu a uma
mudança de entendimento. O exercício hermenêutico me fez ver que algumas ideias que
eu abraçava com entusiasmo em 2004 — e a palavra entusiasmo cabe bem aqui —2 não
resistiam ao crivo da Palavra de Deus. A fim de apresentar as verdades dentro de uma
moldura mais consistente com a doutrina sadia, o texto passou por sua mais extensa
revisão e foi publicado em coautoria com Ivonete Silva Porto em três volumes, sob os
títulos O Espírito Santo e o Discípulo no Pacto, Introdução aos Ministérios e Dons Espirituais e O
Ofício de Pastor Mestre.3 Os três volumes abordaram questões interessantes que não foram
incluídas neste texto que o leitor tem em mãos. Os ministérios e dons passaram a ser
considerados a partir do entendimento da doutrina da Trindade, da teologia pactual4 e de
uma leitura reformada calvinista cessacionista.5 Em 2011 eu voltei aos textos para
administrar uma controvérsia no Presbitério de São José do Rio Preto e em 2014 e 2019,

1 CALVINO, João. 1Coríntios. São José dos Campos: Fiel Editora, 2013, p. 435-436. (Série Comentários Bíblicos). Logos
Software.
2 Tanto Lutero quanto Calvino batalharam contra os “entusiastas” do séc. 16. Os entusiastas eram ditos cristãos que

acreditavam na continuação dos ofícios e dons extraordinários.


3 Estes estudos estão disponíveis para download gratuito na página da primeira aula do curso O Cristão Frutífero, no site

do Centro de Treinamento Presbiteriano, em: http://www.ipbriopreto.org.br/ctp/aula/aula-01-rotulos-identicacoes-e-


juizos/. Acesso em: 15 abr. 2019.
4 Quanto à teologia pactual, sou devedor às obras de Gerard Von Groningen.
5 Forneço uma primeira explicação sobre cessacionismo na seção 1.2. Apresento o assunto com mais detalhes nos

capítulos 6 a 8.

7
retomei o título O Cristão Frutífero em palestras ministradas na Primeira Presbiteriana de
Itajaí, SC.
Os objetivos principais destes estudos de 2019 são:
1. Ajudar o leitor a conhecer o ensino da Bíblia sobre o chamado para o serviço a
Deus e os dons espirituais.
2. Motivar a igreja para um ministério fiel e pujante, na dependência e poder do
Espírito Santo.
Um objetivo secundário é fornecer subsídios para que cristãos com convicções
cessacionistas não se sintam acuados diante da argumentação daqueles que acreditam na
continuidade dos ofícios e dons extraordinários.
Oro para que estes estudos contribuam para que a igreja seja uma verdadeira família
de discípulos de Jesus Cristo. Que a igreja seja viva, simples e unida. Que os cristãos
adorem ao Senhor, evangelizem, vivam comunhão e dediquem a Deus suas vidas, recursos
e dons, na dependência do Espírito Santo. Que isso resulte no bem da igreja, em serviço ao
Criador no mundo e em glória dada somente a ele.
Misael Batista do Nascimento, 10 de abril de 2019.

8
Parte I: Aproximações necessárias
1. Rótulos, identificações e juízos

Eu me interesso pelo assunto dos ministérios e dons como cristão bíblico, reformado,
calvinista e cessacionista. Admito que o rótulo é muito extenso e até concordo com o Rev.
Cláudio Batista Marra, quando diz que o adjetivo “reformado” já deveria implicar nos
demais.
1.1. Rótulos podem ser úteis
Rótulos não são, necessariamente ruins. É claro que a rotulagem sempre é errada quando
cria uma caricatura que impede a compreensão, mas um rótulo pode ser bom e necessário.
Rótulos podem informar honestamente o que é determinada ideia ou produto. Podem
inclusive advertir sobre sua validade, ou perigos para a saúde em seu uso ou consumo. No
caso do estudo sobre os dons espirituais, se bem utilizados, rótulos podem ajudar como
recursos da linguagem, necessários para descrever a realidade. Temos de esclarecer
conceitos, a fim de discutir adequadamente uma questão, como preconiza a Filosofia
Reformacional:
A clareza sobre conceitos é importante ao permitir uma boa discussão. Queremos enfatizar que
isso é mais do que um jogo de linguagem. [...] estamos convencidos de que a meta primária da
linguagem é nos habilitar a falar sobre a realidade. Por isso, em relação aos conceitos, pode-se
certamente perguntar se eles oferecem uma representação adequada da realidade.6
Eu me vejo forçado a utilizar o rótulo dilatado para não deixar dúvida sobre minha
posição. Desde o séc. 17 já se sabe que um cristão pode ser bíblico sem ser reformado (é o
caso de Martinho Lutero). Hoje, em plena era da pós-verdade, os sistemas, conceitos e
posições se tornaram ainda mais fluidos.7 Roger Olson afirma a existência de cristãos que
são tanto bíblicos, quanto reformados e arminianos.8 Wayne Grudem, C. J. Mahaney e
Sam Storms são populares como calvinistas que acreditam em revelações contemporâneas
do Espírito Santo. Walter e John McAlister, líderes da Igreja Cristã Nova Vida, agora se
assumem como pentecostais reformados.9
1.2. Presbiterianismo do Brasil cessacionista
Cessacionismo é a convicção de que os dons e ofícios extraordinários (apóstolos, profetas,
línguas e cura direta) cumpriram um papel importante no estabelecimento inicial da
igreja, mas cessaram e não estão mais disponíveis hoje. Um cessacionista não afirma que
todos os dons cessaram, apenas que os dons e ofícios extraordinários cessaram.
Apresentarei o assunto com mais detalhes nos capítulos 6 a 8. Outra razão para me
identificar como fiz é que, pelo menos até o momento em que escrevo este texto, quanto aos
ofícios e dons espirituais extraordinários a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) é oficialmente
cessacionista.

6 VERKERK, Maarten Johannes; HOOGLAND, Jan; VAN DER STOEP, Jan; DE VRIES, Marc. J. Filosofia da Tecnologia:
Uma Introdução. Viçosa: Ultimato, 2018, p. 29.
7 Cf. KAKUTANI, Michiko. A Morte da Verdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018, p. 9-91; BAUMAN, Zygmunt. Modernidade

Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 2011. Edição do Kindle.
8 OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. São Paulo: Editora Reflexão, 2013, p. 41-58; OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos

e Realidades. São Paulo: Editora Reflexão, 2013, p. 56-76.


9 MCALISTER, Walter; MCALISTER, John. O Pentecostal Reformado. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 15-37, 142-143;

GRUDEM, Wayne. O Dom de Profecia: Do Novo Testamento aos Dias Atuais. São Paulo: Editora Vida, 2004; STORMS, Sam.
Dons Espirituais: Uma Introdução Bíblica, Teológica e Pastoral. São Paulo: Vida Nova, 2016..

11
1.2.1. Cessacionismo confessional, litúrgico e editorial
A IPB adota a Confissão de Fé de Westminster (CFW) como “sistema expositivo de
doutrina e prática”.10 A CFW é cessacionista, como lemos em seu início: “isso torna
indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a
sua vontade a seu povo”.11 E ainda, “à Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem
por novas revelações do Espírito nem por tradições dos homens”.12
Há quem argumente que as afirmações da CFW não devem ser entendidas como se
coibissem novas revelações de modo absoluto. Há quem diga que Deus continua
fornecendo revelações do Espírito Santo para a direção cristã diária.13 Outros mencionam
os “profetas da Reforma” e os “profetas puritanos escoceses” dos séculos 16 e 17, incluindo o
pai do presbiterianismo, John Knox,14 insinuando que, se aqueles cristãos reformados dos
séculos 16 e 17 receberam novas revelações do Espírito Santo, o texto da CFW não pode
significar que a igreja reformada rejeita todo tipo de novas revelações. Tais proponentes
persistem afirmando que subscrevem a CFW, ao mesmo tempo em que defendem que o
Espírito Santo continua concedendo à igreja os dons de profecia, línguas e cura direta. O
verdadeiro ponto a considerar é o seguinte: Em pleno séc. 17, com os “profetas escoceses”
tão próximos, sendo a experiência de profecias deles tão verificável, diante de evidências
avassaladoras de revelação sobrenatural tão benéfica para a igreja, por que os teólogos de
Westminster insistiram em uma redação tão estrita da CFW, que não abre espaço para
novas revelações? Voltaremos a esta questão no capítulo 7.
Outra prova do cessacionismo da IPB é o texto da Forma de Ordenação de Ministros do
Evangelho:
Os apóstolos, os profetas e os que possuíam o dom de línguas, de curar e fazer milagres foram
oficiais extraordinários empregados, a princípio, por nosso Senhor e Salvador para reunir seu
povo de entre as nações, conduzindo-o à família da fé. Esses oficiais e dotes miraculosos cessaram
há muito tempo.15
O Manual do Culto da IPB não dá margem a dúvidas. Com a cessação dos ofícios
extraordinários, cessaram também os dons de profecia, línguas, de curar e fazer milagres.
Uma vez que o Manual é um documento oficial da IPB, quem disser que não há documento
oficial da igreja assumindo o cessacionismo desconhece ou distorce a verdade.
Além disso a IPB é cessacionista em suas publicações. Denominações investem em
casas publicadoras com o objetivo de edificar e doutrinar seus membros. Uma verificação
nas obras traduzidas e publicadas pela igreja demonstrará o cuidado do Conselho Editorial
da Cultura Cristã em publicar comentários, teologias bíblicas, teologias sistemáticas e
livros avulsos sempre postulando o cessacionismo. Não há sequer um livro publicado pela
Cultura Cristã, de 1992 até hoje, que reconheça ou defenda a continuação dos ofícios e
dons extraordinários.16

10 Constituição Interna da Igreja Presbiteriana do Brasil (CI/IPB), Artigo 1. In: SUPREMO CONCÍLIO DA IGREJA
PRESBITERIANA DO BRASIL. Manual Presbiteriano. 4. reimp. 2016. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.
11 ASSEMBLEIA DE WESTMINSTER. Confissão de Fé (CFW), 1.1. In: BÍBLIA DE ESTUDO HERANÇA REFORMADA

(BEHR). Barueri; São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 2018, p. 1992. Grifo nosso.
12 ASSEMBLEIA DE WESTMINSTER, CFW, 1.6, p. 1994. Grifos nossos.
13 Eu tive de lidar com este argumento em 2011, redigindo a sentença do Tribunal do Presbitério de São José do Rio Preto.
14 DEERE, Jack. Surpreendido Com a Voz de Deus. São Paulo: Editora Vida, 1998, p. 66-74; CUNHA, Renato. Sob os Céus da

Escócia: Uma Análise das Profecias dos Puritanos Escoceses no Século 17. 2. ed. revisada. Natal; Rio de Janeiro: Editora Carisma;
Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2016. Edição do Kindle.
15 IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. Manual do Culto. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 91. Grifo nosso.
16 HENDRIKSEN, William. Efésios e Filipenses. 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 1992. (Comentário do Novo Testamento).

Logos Software; BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. 1. ed. Barueri; São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã,
1999. Notas de rodapé sobre as passagens que aludem aos dons espirituais e ofícios; artigo Dons e Ministérios, p. 1406;
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. 2. ed. Barueri; São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 2009. Notas de

12
1.2.2. Cessacionismo conciliar
Por fim, o cessacionismo da IPB pode ser confirmado em seu Digesto, o corpo de
decisões de seu Supremo Concílio (SC/IPB), disponível para consulta no site de sua
Secretaria Executiva. Sem exceção, as decisões dos plenários do Supremo repudiam a
postulação de continuidade dos dons extraordinários. Menciono e comento sucintamente
as principais decisões nos parágrafos seguintes.
Em 1978 o SC/IPB definiu “igreja pentecostal” como aquela que admite “constantes
revelações contemporâneas de Deus, além daquela que nos é apresentada pelas Escrituras
Sagradas” e, além disso, exige “manifestações sensíveis para que se caracterize a presença
do Espírito Santo numa pessoa”.17
Em 1984, a Comissão Executiva do Supremo Concílio (CE-SC) determinou que
nenhum membro da IPB deveria ter vínculo com a ADHONEP — Associação de Homens
de Negócios do Evangelho Pleno, considerando a divergência entre as doutrinas abraçadas
pela IPB e os “princípios doutrinários exarados nos Estatutos da ADHONEP” que, como se
sabe, são consistentes com o Pentecostalismo, aberto a novas revelações.18
Em 1985, na decisão mais aberta de sua história, a CE-SC estabeleceu que “é pouco
prudente e muito inconveniente ordenar-se Ministro do Evangelho pessoa que anuncia ser
o ‘dom de línguas’ uma experiência a que está sujeita”.19 Talvez pela falta de clareza da
decisão anterior, acertadamente, em 1986 o SC/IPB nomeou uma comissão para redigir um
documento sobre a doutrina do Espírito Santo. Foi determinado ainda que os presbitérios
não deveriam ordenar candidatos ao Sagrado Ministério que sustentassem: “(1) A
contemporaneidade de todos os dons neotestamentários e apostólicos. (2) A experiência
sobre o dom de línguas”, pelo menos “até término de trabalho da Comissão nomeada”.20
Tendo em vista que o trabalho da Comissão não estava finalizado, em 1990 decidiu-se
“devolver os estudos apresentados à Comissão Especial, para conclusão do assunto,
determinando que sejam apresentados na próxima reunião ordinária da CE-SC/IPB”.21

rodapé sobre as passagens que aludem aos dons espirituais e ofícios; artigo O Espírito Santo: Todos Os Cristãos Têm o
Espírito Santo?, p. 1424-1425; KUYPER, Abraham. A Obra do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010; VOS,
Geerhardus. Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamentos. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 361-367; SPROUL, R. C. Estudos
Bíblicos Expositivos em Romanos. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 378-379; BRUNER, Frederick Dale. Teologia do Espírito
Santo. 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 201; BRAY, Gerald. (Org.). Gálatas e Efésios. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 357-
364. (Comentário Bíblico da Reforma); KISTEMAKER, Simon. 1Coríntios. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 507.
(Comentário do Novo Testamento). Logos Software; SPROUL, R. C. O Mistério do Espírito Santo. 3. ed. São Paulo: Cultura
Cristã, 2014; POYTHRESS, Vern. S. O Que São Dons Espirituais? In: PHILLIPS, Richard D. (Org.). Série Fé Reformada. São
Paulo: Cultura Cristã, 2015, p. 70-93, v. 2; CHUNG-KIM, Esther; HAINS, Todd R. (Org.). Atos. São Paulo: Cultura Cristã,
2016, p. 79. (Comentário Bíblico da Reforma); HORTON, Michael. Doutrinas da Fé Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2016,
p. 922-934; KISTEMAKER, Simon. Atos. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2016, v. 1. (Comentário do Novo Testamento).
Logos Software; KISTEMAKER, Simon. Atos. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2016, v. 2. (Comentário do Novo
Testamento). Logos Software; KNIGHT III, George W. A Cessação dos Dons Espiritual Extraordinários. In: BEEKE, Joel;
PIPA, Joseph A. (Org.). A Beleza e a Glória do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 89-109; LOPES, Augustus
Nicodemus. O Culto Espiritual. 2. ed. revisada e aumentada. São Paulo: Cultura Cristã, 2017; BEHR, notas de rodapé sobre
as passagens que aludem aos dons espirituais e ofícios; LIGHTFOOT, J. B. Atos dos Apóstolos. São Paulo: Cultura Cristã,
2018, p. 76-78.
17 Doc. SC – 1978 – DOC. XXXVI: Sínodo de São Paulo, Presbitério Belo Horizonte e Presbitério de Juquiá – Consulta

Sobre a Definição de Igreja Pentecostal e Comunidades Evangélicas. In: SECRETARIA EXECUTIVA DA IGREJA
PRESBITERIANA DO BRASIL. Digesto Presbiteriano. Disponível em: <http://www.executivaipb.com.br>. Acesso em: 10
abr. 2019.
18 CE – 1984 – DOC. LIII: Presbitério de Goiânia – Sobre a Associação de Homens de Negócios do Evangelho Pleno. In:

SECRETARIA EXECUTIVA DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL, op. cit., loc. cit.


19 CE – 1985 – DOC. XII: Presbitério de Niterói – Sobre “Dom de Línguas” – Doc. CI/IPB – Quanto ao Doc. 15 – Consulta

do Presbitério de Niterói Sobre a Conveniência e a Legitimidade de Ordenar-Se Pastor Uma Pessoa Que Afirma
Experimentar o Dom de Línguas. In: Ibid., loc. cit.
20 SC – 1986 – DOC. XLIX: Presbitério de Pernambuco e Niterói – Sobre Ordenação de Candidatos – Dom de Línguas. In:

Ibidem.
21 SC – 1990 – DOC. VIII: Quanto ao Doc. 192, da Secretaria Executiva do Supremo Concílio. In: Ibidem.

13
Em 1991, a CE-SC encaminhou o assunto à recém-criada Junta de Educação Teológica
da IPB (JET/IPB) que, com a “contribuição de especialistas que ensinam nos nossos
seminários”, deveria reestudar, reelaborar e unificar os trabalhos, “procedendo as
alterações que se fizerem necessárias, observando revisão linguística-filológica, com um
texto orientador claro e objetivo, devendo apresentar seu relatório até a próxima reunião
da CE-SC/IPB”.22 Em 1993 surgiu um primeiro relatório — na verdade uma lista bíblica de
ações do Espírito Santo —, sem qualquer apoio à continuação dos dons e ofícios
extraordinários, que foi aprovado como “orientador inicial”. Nomeou-se uma Comissão
Permanente para dar continuidade ao trabalho, “visto a complexidade da matéria”.23 Em
1994 o SC/IPB aprovou o documento de vinte proposições denominado Doutrina do Espírito
Santo produzido pela Comissão integrada “pelos Irmãos: Rev. Heber Carlos de Campos,
Rev. Onézio Figueiredo e Rev. Odayr Olivetti”. Decidiu-se ainda publicá-lo para
divulgação junto às igrejas e seminários e “manter a mesma Comissão com os seguintes
membros: Rev. Heber Carlos de Campos, Rev. Onézio Figueiredo, Rev. Odayr Olivetti,
Rev. Elias Dantas Filho, Rev. Antônio Carlos Barro, Rev. Antônio José do Nascimento
Filho, Rev. Augustus Nicodemus Lopes”.24
Em 1998 o SC/IPB decidiu “adotar como padrão doutrinário do SC/IPB acerca da
doutrina do Batismo com Espírito Santo e sua evidência a carta pastoral denominada O
Espírito Santo Hoje: Dons de Línguas e Profecia. Ademais, a doutrina do batismo com o
Espírito Santo evidenciado pelo dom de línguas não deveria ser ensinada em nossas
igrejas.25 Ainda em 1998, o SC/IPB determinou que “qualquer prática de profecia que não
corresponda ao ensino bíblico e reformado seja banido do culto público e da vida de nossa
igreja”. Estabeleceu-se, ademais, “que não seja admitido em hipótese alguma a suposta
manifestação de ‘profecias’ no seu caráter revelatório”.26
Em 2002, deliberando sobre as “profecias contemporâneas” proferidas pelo Dr.
Samuel Doctorian, o SC/IPB entendeu que a crença do Dr. Doctorian “em revelações
extrabíblicas” é “de todo contrário à sã doutrina”, assemelhada “ao montanismo”, contrária
“e prejudicial à suficiência das Escrituras, negando o lema da Reforma ‘Sola Scriptura’ e,
portanto, herética. Por fim, os que “professarem ou divulgarem o conteúdo dos mesmos,
por não estarem em conformidade com os ensinos da Sagrada Escritura, são passíveis de
disciplina, a teor do disposto no Código de Disciplina, art. 4º”.27 Em 2003, ainda tratando da
questão Doctorian, a CE-SC determinou nova publicação da carta pastoral sobre o Espírito
Santo.
Em 2005, a CE-SC determinou que os ministros da IPB deveriam abandonar práticas
de cura interior norteadas por premissas neopentecostais — a ideia de “opressão
demoníaca” de crentes, decorrente de “ganchos” em seu passado.28
Observe-se que, na carta pastoral denominada O Espirito Santo Hoje: Dons de Línguas e
Profecia, citada nas resoluções de 1998 e 2003 a IPB assume o seguinte: (1) O dom de línguas

22 CE – 1991 – DOC. LXIX: Quanto ao Doc. 34, Relatório da Comissão Especial de Estudos de Doutrina do Espírito Santo e
Contemporaneidade dos Dons. In: Ibidem.
23 CE – 1993 – DOC. LXXI: Quanto ao Doc. 137, Relatório da Junta de Educação Teológica, sobre a “Doutrina do Espírito

Santo”. In: Ibidem.


24 SC – 1994 – DOC. XXVII: Quanto ao Doc. 100 – Relatório da Comissão Permanente de Doutrina Designada pela CE-

SC/IPB – 093. In: Ibidem.


25 SC – 1998 – DOC. CXIX: Quanto ao Doc. N.º 175 – Proposta do Presbitério Serrano Espiritossantense Referente à

Doutrina do Batismo com Espírito Santo e Sua Evidência. In: Ibidem.


26 SC – 1998 – DOC. CXXI: Quanto ao Doc. 173 – Proposta Acerca do Padrão Doutrinário do SC-IPB Referente à Doutrina

e Dom de Profecia. In: Ibidem.


27 SC – 2002 – DOC. XV: Quanto aos Docs. 28, da CE-SC-2002, Encaminhamento do Seu Doc. XCIX, Para

Pronunciamento do SC-IPB Quanto aos Ensinamentos e Revelações do Sr. Doctorian. In: Ibidem.
28 CE – 2005 – DOC. XX: Quanto ao Documento 78 – Consulta do Sínodo Centro América, Quanto ao Movimento de

“Cura Interior” – REVER – Restaurando Vidas, Equipando Restauradores. In: Ibidem.

14
corresponde à capacidade de falar idiomas humanos; (2) que o dom de profecia como
predição “cumpriu sua finalidade através dos antigos profetas e apóstolos [...]. Assim, como
veículo de revelação divina, ela cessou com os apóstolos e profetas, os quais lançaram os
fundamentos da Igreja de Cristo”.
Destaque-se que, em todo esse apanhado, não houve sequer uma decisão do
Supremo Concílio da IPB favorável à continuidade dos dons extraordinários, muito menos
revogação da carta pastoral que é notadamente cessacionista. Se alguém lhe disser que a
IPB não tem uma posição oficial contrária à contemporaneidade dos dons e ofícios
extraordinários, isso não é verdade. Ao longo dos anos, Deus em sua providência tem
guiado a IPB a compreender os dons e ministérios sob uma ótica bíblica, reformada,
calvinista e cessacionista.
1.3. Movimentações na igreja, identificações e juízos
Nos últimos vinte anos, enquanto eu lia, escrevia e ensinava sobre ministérios e dons,
algumas coisas aconteceram (e ainda estão acontecendo) na igreja. É possível discernir três
movimentos que exigem uma abordagem de identificação, a fim de acertar determinadas
opiniões ou juízos, que explicarei adiante.
1.3.1. Três movimentações na igreja, quanto aos ministérios e dons
O primeiro movimento é o da migração de cristãos pentecostais e neopentecostais
para igrejas tradicionais e também reformadas.29 O segundo é o da aparente penetração de
pregadores de linha reformada em denominações pentecostais. O terceiro é o da
aproximação de alguns tradicionais e reformados de uma leitura que concorda com a
continuidade senão dos ofícios, pelos menos dos dons extraordinários.
Quanto ao primeiro movimento, a Igreja Presbiteriana de São José do Rio Preto
recebe anualmente pessoas provenientes de diferentes igrejas pentecostais e
neopentecostais. Sem exceção, elas dizem que estão migrando para o presbiterianismo da
IPB por causa da ênfase desta denominação na pregação expositiva e ensino da Palavra.30
Algumas se aproximam motivadas por pregações e vídeos sobre fé reformada disponíveis
na TV ou em sites e redes sociais. Há quem chegue esgotado, moído por frustrações
decorrentes de manipulações, promessas falsas e doutrinação rasa ou incorreta. Ou apenas
cansado de “viagens na maionese” e esquisitices possibilitadas pelo modo do
pentecostalismo e do neopentecostalismo entenderem e promoverem os ofícios e os dons
espirituais extraordinários.
Quanto ao segundo movimento, pregadores vinculados a denominações reformadas
são convidados para pregar em igrejas e eventos pentecostais. A partir de então, cogita-se
que pelos menos algumas igrejas e ramos do pentecostalismo estão se dando conta de que
podem ser beneficiados com aquilo que é provido pela fé reformada.31
O tempo há de mostrar em que darão os dois primeiros movimentos, considerando
que a cultura contemporânea, especialmente em sua configuração de cultura digital,
enseja fragmentação. Os chamados textos multimodais ou multissemióticos das redes

29 Igrejas reformadas como a IPB são reformadas e tradicionais, mas é possível uma igreja ser tradicional e não
reformada. É o caso das igrejas batistas ligadas à Convenção Batista Brasileira ou da Igreja Batista Regular.
30 A primeira pergunta que fazemos a uma pessoa que deseja se tornar membro da IPB Rio Preto é: Por que você deseja se

tornar membro de nossa igreja?


31 Esta parece ser uma das tônicas do livro dos McAlister (MCALISTER; MCALISTER, op. cit., passim).

15
sociais induzem ao espalhamento de fragmentos (se você não sabe o que um texto
multimodal ou multissemiótico, veja a figura 1).32

Figura 1. Exemplo de texto multimodal ou multissemiótico, divulgado nas rede sociais.

Um usuário de grupos de mensagens ou sites de relacionamento recebe esse tipo de


conteúdo todo dia. Eu recebi um post compartilhado — uma figura estilizada e, sobre ela, a
transcrição de uma frase atribuída a Martinho Lutero. O usuário típico visualiza, curte e
compartilha, mas poucos conferem se realmente Lutero disse ou escreveu isso. E poucos já
leram uma obra completa de Lutero, porque, afinal de contas, nem todo mundo tem o
hábito de ler um livro inteiro. Em outras palavras, a mente vai cada vez mais se parecendo
com um quadro de lembretes post-it. A vida intelectual das redes sociais e da cultura
contemporânea é constituída de pedaços diminutos de informação. Isso quer dizer que a
era líquida abre mão do pensamento sistêmico. Deixamos de assumir sistemas e passamos
a abraçar partes do que consideramos útil, verdadeiro ou que funciona para nós. Uma
igreja pode ser calvinista em seu currículo de escola dominical, arminiana em sua
evangelização e pentecostal em sua teologia dos dons e liturgia — tudo ao mesmo tempo.
O que faz um sistema ser um sistema é o fato de ele ser fechado e distinto de outros
sistemas. Um bom exemplo são os sistemas operacionais de computadores. Os sistemas
Unix (e sua cria Linux), Windows, macOS, android ou IOS podem conversar entre si, mas
grosso modo, um dispositivo que roda nativamente o Windows não rodará o macOS. Fazer
um sistema rodar dentro de outro sistema exigirá um recurso denominado “virtualização”,
uma espécie de “farsa computacional”, ou seja, o sistema rodará sobre uma máquina
emulada (virtual) e não no hardware real.
Outro modo de dizer isso é afirmando que um sistema é, em si, uma orquestra que
executa uma música em harmonia, por exemplo o Concerto para Clarinete Em A, K 622 – 2,
de Mozart. Uma orquestra só consegue executar uma peça musical por vez. Se uma
orquestra tentar tocar o K 622 e outra peça de Beethoven ao mesmo tempo, o resultado será
confusão e dissonância. Uma orquestra executando uma peça musical completa é
semelhante a um sistema. Aqui proponho que a doutrina da cessação dos ofícios e dons
extraordinários é parte de uma obra musical completa — a sinfonia da fé bíblica,
reformada e calvinista. Ao tentar executar a música inserindo outros conteúdos na

32Roxane Rojo e Jacqueline Barbosa esclarecem que “texto multimodal ou multissemiótico é aquele que recorre a mais
de uma modalidade de linguagem ou a mais de um sistema de signos ou símbolos (semiose) em sua composição” (ROJO,
Roxane; BARBOSA, Jacqueline P. Hipermodernidade, Multiletramentos e Gêneros Discursivos. São Paulo: Parábola Editorial,
2015, p. 108).

16
partitura (a ideia de continuação dos dons extraordinários) o sistema é violado e a
composição original se torna medley ou pot-pourri, junção de fragmentos, mas vivemos em
uma era em que as pessoas gostam de misturas e de remix, que sugere que a ortodoxia seja
humilde (as verdades bíblicas devem ser defendidas sem ferir as pessoas) e celebra a
teologia sinfônica (que admite valor e validade de teologias diferentes).33 Nesse contexto
não se fala mais sobre sistema calvinista e sim sobre perspectiva calvinista, como se o
calvinismo fosse apenas um dentre vários pontos de vista, sendo todos igualmente válidos,
o que é logicamente impossível, mas quem disse que a teologia deve ser lógica?
É como se cada sistema não fosse uma música completa, mas parte da obra musical
maior, a sinfonia “batisteriana presbitecostal do reino de Deus”.34 Esse irenismo pode
combinar com Erasmo de Roterdã, mas não com Lutero, Calvino ou os teólogos de
Westminster.35 Como eu disse, temos de esperar as próximas duas décadas, para ver o que
surgirá deste abandono da fé reformada e do calvinismo como sistemas. A fé reformada
cresce como pedaços de doutrina sadia distribuídos em rede, como se cada pequeno
pacote de doutrina baixado em nosso dispositivo funcionasse como aplicativo, mas não
como um sistema operacional completo. Essa parece ser a estratégia de toda argumentação
de Olson e dos McAlister: podemos adotar partes da fé reformada, e ainda assim
permanecer arminianos ou pentecostais. Suspeito que esta seja a tônica daquilo que segue
— o terceiro movimento.
Estranhamente, ao mesmo tempo que ocorre o êxodo dos pentecostais e
neopentecostais para as igrejas reformadas, um contingente de cristãos reformados —
pastores, oficiais e membros de igrejas — diz que não concorda com novos apóstolos, ao
mesmo tempo em que se abre para a continuidade dos dons extraordinários de profecia,
línguas e cura direta.
Isso é agravado pelo seguinte fato: com raras exceções, vinte anos atrás, a literatura
que defendia a continuidade dos dons extraordinários era produzida quase que
exclusivamente pelas casas publicadoras das igrejas pentecostais e outras editoras de
pequeno porte. Ademais, os livros eram frágeis em sua articulação teológica e exegética,
mais baseados em testemunhos e formulações simplistas ancoradas em textos-prova. Eu
me lembro de que, em 1987, um movimento de “renovação” (leia-se divisão produzida pela
crença na contemporaneidade dos dons extraordinários) irrompeu na igreja em que eu
servia como presbítero e evangelista. Na ocasião eu ajudei na doutrinação dos
remanescentes fiéis à IPB utilizando o livro Teologia do Espírito Santo, de Frederick Dale
Bruner, uma obra cessacionista então publicada por Edições Vida Nova.36 Depreende-se
disso que, naquela época, Edições Vida Nova assumia uma teologia cessacionista, mas isso
mudou. Os direitos do livro de Bruner foram adquiridos pela Editora da IPB (Cultura
Cristã) e agora Edições Vida Nova publica livros de autores que defendem não apenas a
continuidade dos dons extraordinários, mas também argumentam que esta é a leitura mais
fiel e exata do texto bíblico. Tais livros são recomendados em Faculdades de Teologia e
Seminários de todas as denominações evangélicas, inclusive os da IPB. Discordar da
continuação dos dons extraordinários equivale a bater de frente com teólogos

33 Cf. HARRIS, Joshua; STANFORD, Eric. Ortodoxia Humilde. São Paulo: Vida Nova, 2013; POYTHRESS, Vern S. Teologia
Sinfônica. São Paulo: Vida Nova, 2016.
34 Eu cunhei essa expressão em 2004, para tentar explicar meu próprio perfil doutrinário, em minha fase de adolescência

bíblica e teológica.
35 Erasmo de Roterdã contribuiu com a causa da Reforma, mas retornou ao Catolicismo Romano preconizando o

irenismo (de eirēnē; “paz”), a “atitude conciliadora e compreensiva para com os crentes de outras igrejas ou seitas”
(Irenismo, in: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio. Curitiba: Positivo Informática
Ltda., 2009. CD-ROM).
36 BRUNER, Frederick Dale. Teologia do Espírito Santo. São Paulo: Vida Nova, 1983.

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respeitadíssimos pelos cristãos reformados, tais como Gordon D. Fee, Sam Storms, Craig
Keener, os McAlister e D. A. Carson.37
A fala que reverbera nas obras destes autores é que a argumentação cessacionista não
apenas carece de peso exegético, mas o cessacionismo é defeituoso de diferentes modos (cf.
seção 1.3.2). Ainda que eu não pretenda converter adeptos da teologia pentecostal para o
ponto de vista cessacionista, mesmo assim se faz mister demonstrar que a posição
cessacionista da IPB é a simples aplicação de uma leitura sadia, sóbria e fiel das Escrituras,
bem como o desdobramento racional de um sistema teológico coerente.
1.3.2. Identificações e juízos
Nestes estudos, dependendo do contexto, eu chamarei todos os que acreditam na
continuação de um ou mais dons e ofícios extraordinários de “carismáticos”, “pentecostais”
ou “neopentecostais”.38 E chamarei de cessacionistas todos os que não acreditam na
continuação dos ofícios e dons extraordinários.
Admito que se trata de uma simplificação deveras grosseira e imprecisa. Uma pessoa
indecisa, mas propensa a um ou outro lado, pode não gostar de ser desde já identificada
com determinada posição. Além disso, há pessoas que concordam com elementos de uma
e de outra posição, ao mesmo tempo em que discordam de detalhes de ambas, portanto,
considerariam radical, injusta ou precipitada qualquer rotulagem. Para complicar, tanto
em igrejas pentecostais quanto em igrejas reformadas, há pessoas que não acreditam na
continuação do ofício de apóstolo, mas abraçam a contemporaneidade de profecia, línguas
e cura direta. E algumas aceitam profecia e línguas, mas não a cura direta.
Não são poucas as possibilidades de combinações entre diferentes crenças e práticas
do pentecostalismo e cessacionismo. Apesar disso, eu assumo o reducionismo como
método, porque quando tentamos hoje conversar sobre os grandes sistemas ou
plataformas teológicas, somos logo interrompidos pela objeção de que “isso não pode ser
generalizado ou existem exceções, nem todos pensam ou procedem assim”. Tanto Olson
quanto os teólogos McAlister fazem questão de reiterar que fé reformada, arminianismo e
calvinismo são cheios de nuances, subdivisões e não monolíticos.39 Em hipnose isso é
chamado de “manobra do terreno elevado”, contrapor a um argumento uma declaração
que não pode ser considerada errada, e que desvia a atenção do tema até então discutido.40
Esse argumento — de que a pluralidade de opiniões impede o consenso sobre uma
questão — tropeça ao desconsiderar a natureza conciliar e confessional das igrejas
reformadas (incluindo a IPB).
Igrejas conciliares e confessionais são compostas de membros com muitas opiniões;
mesmo assim, na decisão do concílio e na subscrição de uma confissão, estabelece-se uma
posição única. É possível saber como uma igreja, como um todo, define e entende um
assunto verificando o que dizem os símbolos de fé que ela subscreve, bem como as suas
decisões conciliares. Igrejas conciliares e confessionais não operam no terreno pantanoso e
subjetivo das exceções. Nelas os debates são levados para um plano objetivo que torna
possível o diálogo, bem como avaliações das questões pertinentes ao que é tratado.
Quando se aceita a sugestão de que algo não pode continuar sendo discutido, porque nem

37 Além dos livros já mencionados, de D. A. Carson, Sam Storms e Walter e John McAlister, a Edições Vida Nova tem
investido nas obras do teólogo carismático Craig S. Keener; cf. . KEENER, Craig S. O Espírito na Igreja. São Paulo: Vida
Nova, 2017; . KEENER, Craig S. A Hermenêutica do Espírito. São Paulo: Vida Nova, 2018 e . KEENER, Craig S. A Mente do
Espírito. São Paulo: Vida Nova, 2018 e KEENER, Craig S. O Espírito nos Evangelhos e Atos. São Paulo: Vida Nova, 2018.
38 Não farei uso das designações “terceira onda” ou “abertos, porém cautelosos”, sugeridas por Grudem; cf. GRUDEM,

Wayne. (Org.). Cessaram os Dons Espirituais? 4 Pontos de Vista. São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 10-14. (Coleção Debates).
39 MCALISTER; MCALISTER, op. cit., p. 139; OLSON, Contra o Calvinismo, p. 41-58.
40 ADAMS, Scott. Ganhar de Lavada: Persuasão em um Mundo Onde os Fatos não Importam. Rio de Janeiro: Record, 2018,

edição do Kindle, posição 3185-3236.

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tudo ou todos se enquadram no que é descrito, fecha-se todo espaço para uma ponderação
e análise racional da questão, ou seja, o ponto deixa de ser observável e passível de
avaliação. É como se os diferentes grupos ou posições passassem a funcionar como células
talibãs. Não se encontra um centro, nem líder, nem norte. Em algumas denominações, a
questão da cessação dos ofícios e dons extraordinários é armazenada em algum tipo de
deep ou dark web teológica.41 Resumindo, estes estudos não analisam as exceções e sim o
grande quadro geral dos ministérios e dons dentro da moldura cessacionista da IPB.
É a partir do quadro geral que conduzirei o leitor a alguns juízos. Isso será necessário
porque o cessacionismo tem sido acusado de ter sido contaminado pelo escolasticismo ou
iluminismo, ou de depender quase que exclusivamente de um argumento formulado por
Benjamin Breckinridge Warfield. Há quem diga que é improvável que João Calvino fosse
cessacionista, que o cessacionismo implica deísmo bíblico, que o cessacionismo é
naturalista e, por fim que o cessacionismo é até incrédulo e oposto a Deus.42 Jack Deere
chega ao ponto de afirmar que:
De acordo com os deístas bíblicos, Jesus não faz mais essas coisas [milagres]. Ele usou os
milagres e a revelação divina no século 1 para ‘dar corda’ à igreja como se fosse um relógio e
depois a deixou com a Bíblia. A Palavra deve servir para manter o relógio funcionando
corretamente. [...] Os deístas bíblicos têm a tendência de substituir Deus pela Bíblia. Na verdade
deificam a Bíblia.43
Para Deere, cessacionistas são deístas e bibliólatras. Sam Storms endossa que “os
dons espirituais nunca podem ser vistos de maneira deística, como se um Deus ‘lá do alto’
tivesse enviado alguma ‘coisa’ para nós que estamos ‘aqui embaixo’”.44 Em seguida:
“Rejeitar os dons espirituais, dar as costas a essa capacitação divina direta e graciosa é, de
certo modo, dar as costas a Deus. [...] Ao afirmá-las, nós recebemos o Senhor. Ao negá-las,
nós o negamos”.45 Ou seja, Storms não acusa diretamente, mas deixa subentendido que a
negação da continuidade dos dons e ofícios extraordinários denota deísmo e negação de
Deus.
Walter e John McAlister propõem que a admissão de que Deus é soberano e pode
muito bem fazer de novo o que fez no passado (uma crença dos cessacionistas), “não traz
nenhum tipo de expectativa da ação milagrosa de Deus”.46 Trocando em miúdos, para os
reformados pentecostais McAlister, calvinistas cessacionistas não esperam milagres de
Deus. E prosseguem:
O milagre é visto como uma interferência excepcional no mundo natural como Deus o criou —
um mundo que funciona por meio das leis naturais que Deus pôs em andamento e que operam
com certa autonomia. [...] Há um deísmo tácito mantido por muitos dos que veem um mundo
natural que opera segundo os parâmetros que Deus estabeleceu, mas sem uma conexão
contínua com o mundo espiritual.47
Na nota de rodapé da mesma página, os McAlister citam D. A. Carson:
O movimento carismático tem desafiado a igreja a esperar mais de Deus, a esperar que Deus
derrame seu Espírito sobre nós por meio de formas que quebrem nossos moldes tradicionais

41 A deep ou dark web (web profunda ou escura) é uma parte da internet não aberta aos usuários comuns, muito
frequentada por hackers, pedófilos e viciados sexuais, organizações governamentais, criminosos e grupos terroristas.
42 No decorrer desses estudos eu retornarei a cada uma dessas afirmações.
43 DEERE, op. cit., p. 252.
44 STORMS, op. cit., p. 14.
45 Ibid., p. 15. Grifos nossos.
46 MCALISTER; MCALISTER, op. cit., p. 69-70. Grifo nosso.
47 Ibid., p. 70. Grifo nosso.

19
para por em xeque uma teologia que, sem garantias exegéticas suficientes, rejeita toda possibilidade do
que é miraculoso, com exceção da regeneração.48
Entenderam? A teologia cessacionista não possui garantias exegéticas suficientes.
Além disso, rejeita a possibilidade do miraculoso, a não ser a regeneração. Será que
percebemos a gravidade destas afirmações? A insinuação de que a crença na soberania de
Deus diminui a expectativa de milagres, a sugestão de que a aceitação de um mundo
natural que opera segundo os parâmetros estabelecidos por Deus corresponde a deísmo
tácito e a citação de Carson sobre a necessidade da igreja ser desafiada pelo
pentecostalismo a “esperar mais de Deus”, podem evocar uma noção falsa, de que ser
cessacionista corresponde a não acreditar em milagres, não crer em um “mundo espiritual”
e esperar pouco de Deus. Se tais postulados forem verdadeiros, um cessacionista pode
sequer ser cristão?
Em suma, os que abraçam a crença na continuidade dos dons e ofícios
extraordinários não apenas começam a publicar mais livros com argumentos mais
sofisticados em editoras de renome, mas saem a campo para induzir a impressão de que o
cessacionismo não apenas não é ancorado em exegese sólida, quanto depende de
construtos tanto extra quanto antibíblicos. O cessacionismo — como pintam —
simplesmente não dá conta da explicação dos dons espirituais, como revelados na Sagrada
Escritura.
Esse estado de coisas demanda posicionamento, não de quem chama para a briga,
mas de quem não foge dela, quando necessário. Cabe aqui esclarecer e firmar posição com
gentileza, mas sem insegurança ou covardia; dizer em que cremos certos de que não
sabemos tudo, mas também de que possuímos conhecimento bíblico sadio e suficiente.
Sobre isso falaremos mais no capítulo seguinte.
Atividades do capítulo 1
01. Marque Falso ou Verdadeiro. O uso do rótulo “cristão bíblico, reformado, calvinista e cessacionista”
é desnecessário, porque “bíblico” automaticamente significa reformado, calvinista e cessacionista. ___
Falso. ___ Verdadeiro.
02. Marque as opções certas:
___ A Igreja Presbiteriana do Brasil entende que os ofícios e dons espirituais extraordinários
(apóstolos, profetas, línguas e cura direta) são contemporâneos e necessários na igreja atual.
___ A Igreja Presbiteriana do Brasil entende que os ofícios e dons espirituais extraordinários
(apóstolos, profetas, línguas e cura direta) cessaram.
___ A Igreja Presbiteriana do Brasil confirma que não é cessacionista em sua Confissão de Fé, Liturgia e
publicações.
___ As decisões do Supremo Concílio da IPB demonstram que a igreja é cessacionista.
03. Complete a frase com uma palavra extraída do texto: O primeiro movimento é o da [migração] de
cristãos pentecostais e neopentecostais para igrejas tradicionais e também reformadas.
04. Marque Falso ou Verdadeiro. Nos últimos anos, mais editoras publicaram livros explicando a
doutrina cessacionista. ___ Falso. ___ Verdadeiro.

CARSON, D. A. A Manifestação do Espírito: A Contemporaneidade dos Dons à Luz de 1Coríntios 12—14. São Paulo: Vida
48

Nova, 2013, p. 183, apud MCALISTER; MCALISTER, op. cit., p. 70.

20
2. Se é possível estudar os ministérios e dons e como fazer isso

Neste capítulo eu defendo que, apesar da multiplicidade de entendimentos sobre os dons


espirituais, é possível estudar o assunto com segurança e clareza bíblicas. Para isso sugiro
alguns enquadramentos e proponho uma interpretação limitada pela Bíblia e baseada no
amor. Concluo informando que a maneira como consideramos o livro de Atos afeta nosso
entendimento da doutrina do batismo com o Espírito Santo.
2.1. A possibilidade de clareza no estudo dos ministérios e dons
Desde o 2º século da era cristã, poucos assuntos contribuem tanto para a divisão de igrejas
quanto os dons espirituais. Bruner afirma que “pelo menos a partir de Montano, talvez a
partir de Corinto, os dons do Espírito têm parecido ser mais fonte de embaraço do que de
encorajamento para a igreja cristã”.49 Mesmo dentro de uma mesma denominação,
teólogos e pastores sugerem entendimentos dissonantes da doutrina, tornando os crentes
suscetíveis à ideia equivocada de que o juízo sobre o assunto oscila conforme o pastor: “o
reverendo Fulano acredita que este dom é semelhante a uma maçã; já para o teólogo
Beltrano, trata-se de uma banana”.50
Parece que, para alguns, quando estudamos os ministérios e dons, devemos aplicar a
parábola escrita por John Godfrey Saxe, sobre os seis homens do Hindustão.
Eram seis homens do Hindustão, inclinados para aprender muito,
Que foram ver o Elefante (embora todos fossem cegos)
Cada um, por observação, poderia satisfazer sua mente.
O Primeiro aproximou-se do Elefante, e aconteceu de chocar-se
Contra seu amplo e forte lado. Imediatamente começou a gritar:
“Deus me abençoe, mas o Elefante é semelhante a um muro”.
O Segundo, pegando uma presa, gritou, “Oh! O que temos aqui
Tão redondo, liso e pontiagudo? Para mim isto é muito claro
Esta maravilha de Elefante é muito semelhante a uma lança!”
O Terceiro aproximou-se do animal e aconteceu de pegar
A sinuosa tromba com suas mãos. Assim, falou em voz alta:
“Vejo”, disse ele, “o Elefante. É muito parecido com uma cobra!”
O Quarto esticou a mão, ansioso e apalpou em torno do joelho.
“Com o que este maravilhoso animal se parece é muito fácil”, disse ele:
“Está bem claro que o Elefante é muito semelhante a uma árvore!”
O Quinto, por acaso, tocou a orelha, e disse: “Até um cego
Pode dizer com o que ele se parece: Negue quem puder.
Esta maravilha de Elefante é muito parecido com um leque!”
O Sexto, mal havia começado a apalpar o animal,
Pegou na cauda que balançava e veio ao seu alcance.
“Vejo”, disse ele, “o Elefante é muito semelhante a uma corda!”
E assim esses homens do Hindustão discutiram por muito tempo,
Cada um com sua opinião, excessivamente rígida e forte.
Embora cada um estivesse, em parte, certo, todos estavam errados!51

49 BRUNER, op. cit., p. 135.


50 Sobre a inclinação da cultura contemporânea, de rejeição de verdades objetivas, cf. KAKUTANI, op. cit., passim.
51 SAXE, John Godfrey. Os Cegos e o Elefante. apud MINTZBERG, Henry; AHLSTRAND, Bruce; LAMPEL, Joseph. Safári

de Estratégia: Um Roteiro Pela Selva do Planejamento Estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2000, p. 12. Grifo nosso.

21
Os cegos fornecem descrições sinceras, porém inexatas. Isso mostra que, na discussão
de um assunto, perspectivas diversas podem ser defendidas sem que se chegue, de fato, a
uma exposição adequada da verdade.
Eis a solução para o problema dos cegos: Alguém dotado de visão perfeita poderia
ajudá-los a perceber que cada um, ao seu modo, distinguiu um aspecto importante. Tal
pessoa explicaria ainda, que os discernimentos apresentados não fizeram jus ao animal
inteiro. A partir desse ponto, os cegos seriam guiados a uma compreensão correta, baseada
na representação fiel do elefante completo.
De modo semelhante, em nossos esforços para entender as coisas do Espírito de
Deus, somos limitados. No entanto, temos a Escritura como guia. Podemos e devemos
considerar o que nos é oferecido na Palavra. Alguns podem argumentar que, mesmo
assim, a dificuldade persiste — que é impossível chegarmos a um consenso sobre o
significado dos textos bíblicos.
Cremos, no entanto, que, quanto às coisas fundamentais da fé, a Bíblia possui um
único sentido, descortinado mediante correta interpretação. É possível dizer algumas
coisas com clareza e segurança bíblica sobre os ministérios e dons espirituais. A própria
Escritura informa que o ensino sobre o ministério do Espírito Santo pode e deve ser
conhecido. Deus deseja que saibamos sobre isso com nitidez e de modo edificante. Isso é
assim por causa da declaração do próprio Senhor Jesus Cristo: “Quando vier, porém, o
Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade” (Jo 16.13). No contexto, o anúncio de
Jesus tem a ver com “a verdade” acerca da redenção, mas isso alcança a doutrina dos
ministérios e dons espirituais, uma vez que a doação de dons aos homens e, por
conseguinte, nossa experiência com os dons, advêm da ressurreição e exaltação de Jesus
Cristo: “Por isso, diz: Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons
aos homens” (Ef 4.8; cf. At 2.33). Dito de outro modo, a doutrina dos ministérios e dons
espirituais desdobra a doutrina da redenção; a luz do Espírito, que nos ajuda a enxergar e
acolher a Cristo, também nos conduz a compreender suficientemente e a praticar
fielmente os dons que recebemos de Cristo.
Se isso não bastasse, como habitação do Espírito nós somos ungidos: “E vós possuís
unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento” (1Jo 2.20). A igreja é composta de
ungidos (At 2.16-21). Os regenerados e convertidos experimentam o cumprimento da
promessa do pacto: “Todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o
Senhor” (Jr 31.34). Isso quer dizer que nós recebemos subsídios espirituais para estudar as
verdades de Deus. Por graça, fomos feitos cristãos conhecedores.
Vejamos ainda que Efésios 2.20 nos informa que a igreja é edificada “sobre o
fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”. O
fundamento da igreja é a revelação infalível contida na Sagrada Escritura e esta doutrina
“dos apóstolos e profetas” é suficiente para nos ajudar no estudo das verdades precisas
para nossa salvação, santificação, consolação e serviço.
Por fim, Deus informa por meio de Paulo que devemos ser esclarecidos acerca dos
dons: “A respeito dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes” (1Co 12.1).52
O propósito do Senhor é que a questão dos dons seja adequadamente averiguada.

52Alguns leitores bem informados alertarão para o fato da palavra charisma (dom) não constar no texto grego de
1Coríntios 12.1 (τῶν πνευματικῶν). Destarte, é plausível traduzir assim: “a respeito dos espirituais, não quero, irmãos, que
sejais ignorantes”, sugerindo que Paulo pensava não nos dons e sim em algumas pessoas da igreja de Corinto que se
achavam “espirituais”. Ainda assim, entendo que o texto trata dos dons espirituais. Nesse particular eu concordo com
Owen, para quem “a imaginação de alguns, relativas às pessoas espirituais a serem destinadas aqui, ao contrário do
sentido de todos os antigos, é inconsistente com o contexto”. Cf. OWEN, John. A Discourse Concerning The Holy Spirit.
In: GOOLD, William H. (Ed.). The Works Of John Owen. Edinburgh: T&T Clark, [201-?], p. 15-16, v. 3. Logos Software.

22
Em suma, a Bíblia fornece base segura e suficiente. Podemos e devemos estudar os
dons espirituais com a expectativa de encontrar ensino fiel às Sagradas Escrituras.
2.2. Quatro enquadramentos úteis
O estudo dos ministérios e dons é beneficiado quando atentamos para quatro
enquadramentos, da doutrina dos dons como aplicação da doutrina da Trindade; dos dons
como capacidades divinas que nos ajudam a cumprir os mandatos pactuais; da dádiva do
Espírito Santo como culminação da obra redentora e revelação de Jesus Cristo antes da
consumação e, por fim, dos dons como bênçãos edificantes (figura 2).

Figura 2. Quatro enquadramentos para o estudo dos ministérios e dons espirituais.

O primeiro enquadramento é o da doutrina da Trindade. Os dons espirituais são


bênçãos do Deus Triúno. Eles estão disponíveis por causa da veracidade do que consta no
Credo Niceno: “Creio no Espírito Santo, o Senhor e o Doador da vida; que procede do Pai e
do Filho; que com o Pai e o Filho é juntamente adorado e glorificado; que falou por meio
dos profetas”.53
Um segundo enquadramento é o dos pactos da criação, redenção e graça. O
derramamento do Espírito Santo capacita o cristão para viver os mandatos espiritual,
social e cultural. Os dons fazem parte do pacote de recursos divinos para nossa caminhada
como discípulos de Jesus nesta vida. Dizer que andamos com Deus equivale a afirmar que
servimos ao Senhor no mundo conscientes e dependentes do poder do Espírito Santo.
O terceiro enquadramento é o entendimento dos dons à luz da pessoa e obra de
Cristo como clímax de toda revelação necessária para a salvação, santificação, consolação e
serviço dos crentes.54 A relação entre os dons espirituais e a doutrina de revelação — foi

Kistemaker parece acertar quando argumenta: “O tópico que Paulo expõe nesse capítulo é dons espirituais. O adjetivo
grego pneumatikōn (espiritual) aparece sozinho no texto original, de modo que somos forçados a acrescentar uma palavra.
Completamos a ideia, não com o substantivo referente a pessoas (2.15; 3.1; 14.37), que alguns estudiosos preferem, mas com
a palavra dons (comparar com 14.1). O Espírito Santo é o doador desses dons, de modo que a tradução dons do Espírito
Santo é não apenas plausível, como também atraente. O Espírito Santo continua a dotar os crentes com esses dons”; cf.
KISTEMAKER, 1Coríntios, p. 507.Uma testemunha deste entendimento antigo é Crisóstomo, cf. CRISÓSTOMO, João. 2:
Homilias Sobre a Primeira Carta aos Coríntios: Homilias Sobre a Segunda Carta aos Coríntios. São Paulo: Paulus, 2010, p. 402.
(Coleção Patrística). A edição de 1996 do comentário de 1Coríntios, de João Calvino, traz a tradução do próprio Calvino
(modificada na edição posterior, publicada pela Editora Fiel): “no tocante às questões espirituais”. Cf. CALVINO, João.
Comentário à Sagrada Escritura: 1Coríntios. São Paulo: Edições Paracletos, 1996, p. 371. Não há problema em admitir que em
1Coríntios 12.1—14.40 Paulo instrui sobre os dons espirituais. No capítulo 12 ele destaca sua origem e utilidade no
contexto do corpo. No capítulo 13 ele fala sobre o amor como dom supremo. No capítulo 14 ele orienta como os dons
devem ser praticados especialmente nas reuniões de adoração da igreja.
53 O Credo Niceno. In: BEHR, p. 1936. Retornamos a este tema no capítulo 5.
54 Retornaremos a esse ponto quando olharmos para o dom de profecia, no capítulo 6.

23
levada muito a sério por alguns reformadores do séc. 16, pelos teólogos de Westminster, no
séc. 17 e pelos cristãos reformados contemporâneos.
Por fim, quarto e último enquadramento, os dons são dados para edificação da igreja.
Eles foram concedidos “para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os
membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros” (1Co 12.25) e isso de tal modo que
seja tudo feito para edificação” (1Co 14.26; cf. 1Co 14.12, 17). Se a obra sublime do Espírito
aplica o evangelho, os dons espirituais são capacidades dadas por Deus para o serviço do
evangelho em amor. Isso quer dizer que deve ser rejeitada qualquer abordagem de
doutrina que produza afetação, estranhamento ou divisão na igreja de Cristo.
2.3. Uma interpretação baseada no amor e limitada pela Bíblia
Deus nos deu informação suficiente sobre os ministérios e dons espirituais, mas esta
informação não é exaustiva. Isso quer dizer que nenhum ser humano, em qualquer lugar
ou época antes da consumação dos tempos, soube, sabe ou saberá tudo sobre os
ministérios e dons espirituais. De fato, nossa compreensão não apenas da doutrina dos
ministérios e dons, mas de muitas outras questões da vida, da Bíblia e da Teologia é ainda
parcial e limitada: “agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a
face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido” (1Co
13.12).55 É por isso que o apóstolo sublinhou a supremacia do amor em meio às disputas dos
“espirituais” de Corinto (1Co 13.1-13).
Se a própria limitação de nossa capacidade intelectual não bastasse, lidamos ainda
com o problema da lacuna de tempo entre a escrita do NT e hoje. Paulo menciona, mas
não explica alguns dons, pois parece que, para ele, as acepções dos termos eram bem
conhecidas por seus leitores, portanto não careciam de esclarecimentos.56 Vinte séculos
depois, desapareceu o significado autoevidente de algumas palavras usadas por Paulo.
Se isso é assim, como tentar estabelecer significado para palavras, ou como tentar
interpretar e atualizar experiências com os ministérios e dons vividas pelos crentes do NT,
mas que não estão mais disponíveis para nós, cristãos do século 21? Será que existe uma
maneira de buscar aferir o sentido dos textos bíblicos que conduza a um resultado
satisfatório e que combine com a ênfase apostólica no amor cristão?
Minha proposta é dupla. Primeiro, podemos ler textos particulares à luz da Bíblia
como um todo. Segundo, podemos assumir o texto da Bíblia como um sistema suficiente
de verdades (figura 3).

55 Para o autor deste estudo, “o que é perfeito”, em 1Coríntios 13.10, se refere à consumação (a perfeição do cosmos
restaurado) ou à parusia (a segunda vinda de Jesus). Paulo está comparando as coisas aqui e agora, antes da vinda de Jesus,
parciais e imperfeitas, com as coisas lá e então, completas e perfeitas após o estabelecimento definitivo do reino de Deus.
Não combina com o contexto a ideia de que “o que é perfeito” se refira ao fechamento do cânon bíblico. Kistemaker está
certo ao explicar que “uma das objeções a este ponto de vista é que não podemos esperar que os coríntios, em 55 d.C.,
tivessem a ideia de ligar perfeição com fechamento do cânon na última década do século 1°” (KISTEMAKER, 1Coríntios, p.
575. E complementa: “Quando os crentes partem desta vida terrena, eles deixam para trás tudo o que é imperfeito e
incompleto. Adentram o céu e experimentam a alegria e a paz de um estado sem pecado. Mas sua perfeição não será
completa até que aconteçam a volta de Cristo, a ressurreição e o dia do juízo final. No fim do tempo cósmico, os dons
espirituais, que os crentes agora possuem em parte, cessarão. Seus dons espirituais imperfeitos sobre a terra serão
superados pelo seu perfeito estado de conhecimento na consumação” (op. cit., p. 575–576). Este parece ser também o
entendimento de George W. Knight III e Preben Vang; cf. KNIGHT III, op. cit., p. 107; VANG, Preben. 1Coríntios. São
Paulo: Vida Nova, 2018, p. 183. (Série Comentário Expositivo).
56 Cf. a observação de R. A. Cole sobre as línguas na Igreja de Corinto: “Foi obviamente parte tão familiar da vida da igreja

em Corinto, que Paulo nunca explicou exatamente o que era, mas assumiu que seu leitor sabia”; COLE, R. A. Línguas, Dom
de. In: TENNEY, Merrill C. (Org.). Enciclopédia da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 974, v. 3. Grifo nosso.

24
Sempre que surgir dificuldade para descrever determinado dom, buscaremos auxílio
em outros textos da própria Escritura. Os trechos mais claros fornecerão luz para
esclarecer os mais obscuros.

Figura 3. Uma possibilidade de interpretação da doutrina dos ministérios e dons limitada pela Bíblia e baseada no amor.

A admissão da Bíblia como sistema suficiente de verdades denota que aquilo que
consta no texto bíblico não apenas basta, mas estabelece um limite de significado. Implica
não dizer coisas sobre os dons que a Bíblia não diz. “Calvino enfatizou que o que quer que
Deus tenha decretado que ainda não tenha sido publicamente revelado por meio dos
profetas e apóstolos [ou seja, das Escrituras] está além da nossa capacidade de saber”.57 Se
em sua providência no processo de revelação das Escrituras Deus decidiu não entrar em
detalhes sobre determinada questão; se em toda a história da igreja, iluminando gerações
de intérpretes cristãos, Deus decretou que algumas coisas da Bíblia sobre os dons fossem
claras aos leitores do séc. 1 e não tão claras aos leitores do séc. 21; se algumas questões
referentes aos dons permanecem sob meia-luz; isso aceitamos e com isso nos satisfazemos.
Por fim, entendemos que a lacuna de uma informação da Bíblia sobre determinado
dom espiritual não pode ser preenchida com supostas “provas” advindas de experiências
do passado ou contemporâneas. Por exemplo, um autor tenta explicar determinado dom,
cujo significado e modo de operação não são biblicamente evidentes, e diz algo mais ou
menos assim:
— Creio que esse dom é (e completa a frase com uma hipótese ou suposição). Eu me lembro de
que atendi uma pessoa com tal problema em meu gabinete, na primavera de 2005 e naquela
ocasião o Espírito Santo fez isso ou aquilo, que combina com essa minha explicação do dom.
Experiências podem ilustrar verdades abertamente declaradas das Sagradas
Escrituras e neste estudo relataremos algumas, mas não usaremos experiências para tentar
descrever ou sugerir um modo de operação de um dom para o qual a Bíblia não fornece
explicação.58
2.4. Atos como história da salvação e não como manual para a igreja
Finalmente, nestes estudos interpretaremos o livro de Atos como história da salvação e
não como manual para a igreja. Adotaremos esse procedimento porque, apesar do livro de
Atos não sistematizar uma doutrina sobre os ministérios e dons, a maneira como ele é
interpretado afeta nossa compreensão sobre o batismo com o Espírito Santo e o
funcionamento dos ministérios e dons espirituais hoje.

57HORTON, op. cit., p. 383.


58 Reconheço que essa forma de lidar com o assunto não parece tão empolgante. Em livros populares sobre os dons
espirituais, argumentos são introduzidos ou rematados com narrativas que prendem irresistivelmente a atenção. Um
livro que instrui sobre como Deus fala hoje por meio de profecias, sonhos e visões, inicia com a história do Espírito Santo
revelando o vício em pornografia de um estudante de Teologia (DEERE, op. cit., p. 12). Outro livro conclui o ensino sobre
o dom de línguas descrevendo a experiência emocionante do autor recebendo o referido dom, após oração com
imposição de mãos (STORMS, op. cit., p. 164-165).

25
R. C. Sproul explica que:
O pentecostalismo deriva seu nome de sua ênfase sobre a sua compreensão quanto ao que
sucedeu à igreja no dia de Pentecostes. O registro da atividade do Espírito Santo na vida da igreja
primitiva é básico para o movimento carismático moderno. Há um decisivo desejo de recapturar
o poder espiritual e a vitalidade acenada no livro de Atos.59
Knight III informa que é virtualmente impossível estudar os dons espirituais sem
mencionar o livro de Atos, considerando que:
Uma das diferenças mais importantes entre os reformados, os pentecostais e alguns carismáticos
é a crença dos dois últimos grupos de que o livro de Atos é o nosso guia em relação aos dons
espirituais e que o batismo do Espírito Santo, como aparece em Atos, ocorre como um ato
especial subsequente à regeneração pelo Espírito.60
O livro de Atos se encaixa na categoria de narrativa. É histórico, descritivo e não
prescritivo. Por um lado, ele registra o que aconteceu nos primórdios da igreja e engendra
uma teologia (a teologia de Lucas-Atos), bem como destila princípios úteis para os leitores
de todos os tempos. Por outro lado, descrição não pode ser confundida com prescrição.
Não é porque uma coisa aconteceu em Atos, que deva se repetir hoje.
Por exemplo, o relato de Atos 19.11-12, que descreve Deus curando pessoas “pelas
mãos de Paulo [...] a ponto de levarem aos enfermos lenços [...] de seu uso pessoal, diante
dos quais as enfermidades fugiam de suas vítimas, e os espírito malignos se retiravam”, não
deve fomentar a instituição de um “culto do lenço ungido”. Semelhantemente, Atos 28.3-4
que apresenta Paulo sendo preservado da mordida de uma víbora, não deve instigar rituais
de manipulação de serpentes. Deus realizou coisas únicas no Pentecostes (At 2.1-41), no
batismo dos samaritanos (At 8.5-25), na conversão de Cornélio (At 10.1—11.18) e no batismo
dos discípulos de João em Éfeso (At 19.1-7). Atos 19 e 28 descrevem experiências históricas
particulares de Paulo, sem intenção de que as repliquemos. Os acontecimentos de Atos 2.1-
41; 8.5-25; 10.1—11.18 e 19.1-7 tiveram seu lugar na história da redenção e não se repetiram ao
longo da história cristã. Em suma e reforçando, Atos não funciona como um manual para a
igreja e sim como registro da história da salvação. Quando não atentamos para isso,
arriscamos ler e aplicar mal o texto de Atos. Fee e Stuart chamam a atenção para esse
perigo:
Muitos setores do protestantismo evangélico têm uma mentalidade voltada à “restauração”.
Com certa regularidade, lembramo-nos da igreja primitiva e da experiência cristã vivida no 1º
século como uma norma a ser restaurada ou como um ideal que precisamos alcançar. Assim,
muitas vezes dizemos frases como: “Atos nos ensina claramente que [...]”. No entanto, parece
óbvio que nem mesmo a totalidade do “ensino claro” é igualmente clara para todos.
Na realidade, é nossa falta de precisão hermenêutica quanto ao que Atos procura nos ensinar
que resultou em boa parte das divisões existentes na igreja. Tais práticas divergentes como o
batismo de crianças ou somente de adultos cristãos, a política eclesiástica congregacional e
episcopal, a necessidade de observar a Ceia do Senhor todos os domingos, a escolha dos
diáconos pelo voto da congregação, a venda de posses a fim de ter todas as coisas em comum, e
até mesmo a manipulação ritual de serpentes (!) têm sido apoiadas, de forma total ou parcial,
com base no livro de Atos.61
No próximo capítulo veremos como uma interpretação sadia do livro de Atos nos
ajuda a entender melhor as doutrinas do batismo com o Espírito Santo, ministério e
vocação para o serviço.

59 SPROUL, 2014, p. 115.


60 KNIGHT III, op. cit., p. 90.
61 FEE; STUART, op. cit., p. 132.

26
Atividades do capítulo 2
01. Marque a única opção correta:
___ O estudo dos ministérios é dons tem gerado muita confusão dentro da igreja. É impossível saber o
que a Bíblia ensina sobre esse assunto.
___ Considerando a complexidade do tema e as discussões que ele gera, o melhor é deixá-lo de lado e
não expressar publicamente aquilo que eu creio sobre o assunto.
___ Apesar da questão dos dons espirituais gerar controvérsias na igreja, é possível estudar o assunto
com clareza e segurança bíblica.
02. Marque Falso ou Verdadeiro. O estudo dos ministérios e dons é beneficiado quando atentamos para
os enquadramentos da doutrina dos dons como aplicação da doutrina da Trindade; como capacidades
divinas para cumprirmos os mandatos pactuais, como culminação da obra e revelação de Jesus Cristo e,
por fim, como bênçãos edificantes. ___ Falso. ___ Verdadeiro.
03. Marque Falso ou Verdadeiro. Para tentar compreender um texto que fale sobre os ministérios e
dons, vamos ler os textos bíblicos particulares à luz da Bíblia toda. Mesmo assim, admitimos que a
Bíblia não pode ser entendida como um sistema suficiente de verdades. ___ Falso. ___ Verdadeiro.
04. Complete a frase com uma palavra extraída do texto: Nestes estudos interpretaremos o livro de Atos
como história da salvação e não como [manual] para a igreja.

27
3. Batismo com o Espírito Santo, ministério
cristão e chamado para o serviço

Imagine a cena: Algumas pessoas às margens do rio Jordão, aglomeradas em volta de João
Batista, um mensageiro de Deus estranhamente vestido. O profeta se tornara uma espécie
de celebridade religiosa, de modo que gente vinha de longe para vê-lo, ouvi-lo e receber o
batismo. Naquele dia ele se levantou e proferiu as seguintes palavras:
Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vem depois de mim é mais
poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vos batizará com o Espírito
Santo e com fogo (Mt 3.11).
Chama a atenção que Marcos, Lucas e João também registram a fala de João Batista,
com pequenas variações:
Eu vos tenho batizado com água; ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo (Mc 1.8).
Disse João a todos: Eu, na verdade, vos batizo com água, mas vem o que é mais poderoso do que
eu, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias; ele vos batizará com o Espírito
Santo e com fogo. A sua pá, ele a tem na mão, para limpar completamente a sua eira e recolher o
trigo no seu celeiro; porém queimará a palha em fogo inextinguível (Lc 3.16-17).
E João testemunhou, dizendo: Vi o Espírito descer do céu como pomba e pousar sobre ele. Eu
não o conhecia; aquele, porém, que me enviou a batizar com água me disse: Aquele sobre quem
vires descer e pousar o Espírito, esse é o que batiza com o Espírito Santo. Pois eu, de fato, vi e
tenho testificado que ele é o Filho de Deus (Jo 1.32-34).
Mais adiante, em Atos 1.4-5, Jesus redivivo explica que a promessa proferida por João
Batista era, de fato, “a promessa do Pai”, prestes a ser cumprida na vida dos discípulos, que
deviam aguardar em Jerusalém:
E, comendo com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que
esperassem a promessa do Pai, a qual, disse ele, de mim ouvistes. Porque João, na verdade,
batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias.
Um batismo com o Espírito Santo e com fogo. A menção de um “fogo inextinguível” e
a informação de que os primeiros cristãos seriam batizados com o Espírito Santo pelo
próprio Jesus, em Jerusalém. O que isso significa?
3.1. Os cristãos receberam o batismo com o Espírito Santo
Nas Escrituras, o acolhimento da dádiva da salvação implica desfrute da dádiva do Espírito
Santo. O cristão recebe a pessoa e o poder do Espírito Santo em sua vida a partir de sua
conversão. Até ser glorificado, o discípulo de Jesus evidencia o fruto do Espírito enquanto
busca, dia após dia, ser cheio do Espírito Santo.
3.1.1. Algumas promessas do AT sobre o batismo com o Espírito Santo
O AT aponta para a era da nova aliança, quando o Espírito seria derramado sobre
todo o povo de Deus. O Messias asseguraria a aliança na inauguração dos últimos dias.
Eis aí vêm dias, diz o SENHOR, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de
Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os
tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver
desposado, diz o SENHOR. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois
daqueles dias, diz o SENHOR: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas
inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará jamais cada um ao seu

28
próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao SENHOR, porque todos me
conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o SENHOR. Pois perdoarei as suas iniquidades
e dos seus pecados jamais me lembrarei (Jr 31.31-34).
Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e
vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus
estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis (Ez 36.26-27).
E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas
filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e
sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias (Jl 2.28-29).
De acordo com estas profecias, a “nova aliança” contém cinco bênçãos:
1. A mente e o coração recebem uma “impressão” ou “escrita” da lei de Deus —
transformação.
2. O povo não mais pratica a idolatria — fidelidade ao Senhor.
3. Os crentes desfrutam de conhecimento pessoal de Deus.
4. Os eleitos são completa e definitivamente perdoados — redenção.
5. O Espírito Santo é colocado “dentro” e “derramado sobre” todos os crentes, de
modo que eles recebem plenitude de revelação.
Jesus atualiza a promessa no Evangelho de João e em Atos. O Espírito Santo seria
enviado aos discípulos para os consolar após a partida de Jesus; para habitar dentro deles;
para os ensinar e os ajudar a lembrar de tudo o que Jesus ensinou; para dar testemunho de
Jesus e também capacitar os discípulos para serem testemunhas; para convencer o mundo
do pecado, da justiça e do juízo; para guiar os discípulos de Jesus a toda a verdade e para
glorificar Jesus Cristo.
E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, o
Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; vós o
conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós (Jo 14.16-17).
Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas
as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito (Jo 14.26).
Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade,
que dele procede, esse dará testemunho de mim; e vós também testemunhareis, porque estais
comigo desde o princípio (Jo 15.26-27).
Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá
para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei. Quando ele vier, convencerá o mundo do
pecado, da justiça e do juízo: do pecado, porque não creem em mim; da justiça, porque vou para
o Pai, e não me vereis mais; do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado. Tenho
ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora; quando vier, porém, o Espírito
da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que
tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do
que é meu e vo-lo há de anunciar (Jo 16.7-14).
Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto
em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra (At 1.8).
Estas promessas de envio, de um derramamento ou de um batismo com o Espírito
Santo parecem indicar que o Espírito seria dado ao povo de Deus para confirmá-lo no
desfrute da salvação assegurada pelo Messias, santificá-lo e prover consolação, bem como
capacitá-lo para o testemunho e serviço de Deus na igreja e no mundo.
Como aprendemos em Atos, tais promessas se cumpriram no dia de Pentecostes.

29
3.1.2. O cumprimento das promessas no Pentecostes
No batismo de Jesus, o Espírito Santo foi dado pelo Pai como dádiva ao Filho. Em
seguida ele foi prometido pelo Filho aos discípulos. No dia de Pentecostes, o Espírito foi
concedido aos cristãos pelo Pai através do Filho.
Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus
descendo como pomba, vindo sobre ele (Mt 3.16).
Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, [Cristo]
derramou isto [o Espírito Santo, no Pentecostes] que vedes e ouvis (At 2.33).
Bruner esclarece que “o Pentecostes, para os pentecostais, significa especificamente a
poderosa descida do Espírito sobre os primeiros discípulos, capacitando-os a falar em
outras línguas — o enchimento pentecostal”.62 Os cristãos reformados entendem que o
derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecostes cumpriu as promessas pactuais,
como dádiva que marcou a exaltação do Filho. Sendo assim, o Pentecostes pode e deve ser
visto como uma completação da obra redentora de Jesus Cristo antes da consumação.
Primeiramente, no Pentecostes, o Espírito Santo foi dado à igreja. Em segundo lugar, a
partir do Pentecostes, o evangelho foi plenamente compreendido e explicado pelos
apóstolos e profetas do NT, possibilitando o ministério da igreja e testemunho cristão até
“os confins da terra” (figura 4).

Figura 4.A vinda do Espírito no Pentecostes evidenciou a exaltação de Deus Filho e viabilizou o serviço da igreja.

O ministério do Espírito Santo não deve ser entendido como algo distinto ou como
acréscimo à obra de Jesus Cristo, mas sim como extensão ou desdobramento da redenção.
Mesmo os ministérios e dons são dados à igreja para que esta dê testemunho do evangelho
e cumpra os mandatos divinos no mundo. O derramamento do Espírito Santo no
Pentecostes assegurou os benefícios pactuais citados na seção 3.1.1. A partir de então, tanto
a igreja coletivamente, quanto o cristão individualmente, têm o Espírito.
3.1.3. Como compreender o batismo com o Espírito Santo
Agora podemos saber qual é o sentido da profecia proferida por João Batista, sobre o
batismo com o Espírito Santo.63 O anúncio de João é uma promessa tanto de bênção
quanto de juízo condenatório.
Pensando na bênção, a partir do Pentecostes, todos os que creem em Jesus são
batizados com o Espírito Santo. O fato do batismo com o Espírito ocorrer depois da
conversão dos apóstolos no Pentecostes, não significa que todos os outros crentes tenham
de repetir a experiência de duas etapas dos apóstolos (primeiro conversão a Cristo, depois
batismo com o Espírito Santo; cf. seção 2.4).64 Atos relata pessoas recebendo o Espírito
Santo em diferentes ocasiões, mas cada episódio cumpre uma função consistente com a
mensagem missionária do livro.65 O Espírito é dado no Pentecostes para estabelecer e
62 BRUNER, 2012, p. 47.
63 Alguns estudiosos usam a expressão “batismo no Espírito Santo” em lugar de “batismo com o Espírito Santo”; cf.
BRUNER, 2012, passim; WALKER, Paul. Os Dons e o Poder do Espírito Santo. In: BÍBLIA DE ESTUDO PLENITUDE
(BEP). Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002, p. 1394; MCALISTER; MCALISTER, op. cit., p. 197-213. SPROUL, 2014, p.
111, prefere “batismo do Espírito Santo”. Nestes estudos, todas essas formas são consideradas sinônimas.
64 Lamento que, para Lloyd-Jones, o fato de em Atos os discípulos e apóstolos receberem o batismo com o Espírito Santo

depois de serem convertidos, estabelece um padrão para os crentes de todos os tempos; cf. LLOYD-JONES, D. Martyn.
Deus o Espírito Santo. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997, p. 303-304. (Grandes Doutrinas Bíblicas), v. 2.
65 Para os interessados em estudar mais e melhor estas passagens de Atos, em minha opinião, o melhor estudo resumido

delas é o de KNIGHT III, op. cit., p. 90-96. Um estudo clássico é o de John R. W. Stott; cf. STOTT, John. Batismo e Plenitude
do Espírito Santo: O Mover Sobrenatural de Deus. 3. ed. Reimp. 2011. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 21-47. Para um estudo

30
capacitar a igreja que compreende, vive e prega o evangelho (At 2.1-41). Em Atos 8.5-25, os
samaritanos são movidos a acolher a liderança dos apóstolos judeus de Jerusalém. A partir
da conversão de Cornélio (At 10.1—11.18), os judeus de Jerusalém são convencidos de que o
evangelho é também para os gentios. Por fim, no batismo dos discípulos em Éfeso, Deus
usa Paulo para esclarecer que o evangelho de Jesus sobrepuja a pregação de
arrependimento de João Batista (At 19.1-7).
Em Atos 2.14-21, Pedro explicou a bênção do Pentecostes afirmando que a vinda do
Espírito Santo cumpriu a profecia de Joel 2.28-32. Para Pedro, a igreja começou a viver os
“últimos dias” (At 2.17). Os “últimos dias” foram iniciados pelo ministério terreno de Jesus
Cristo (Mc 1.15) e prosseguem nesta era em que a igreja é sustentada e impulsionada pelo
Espírito Santo.66
O restante do NT lança luz sobre as experiências mencionadas em Atos. O Espírito
Santo foi outorgado como selo aos crentes e habita neles. A todos os cristãos foi dado de
beber de um só Espírito.
Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo
Espírito Santo, que nos foi outorgado (Rm 5.5).
Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em vós. E,
se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele (Rm 8.9).
Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer
escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito (1Co 12.13).
Em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação,
tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da
nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória (Ef 1.13-14).
O que cabe aos discípulos de Jesus hoje não é buscar um batismo com o Espírito
Santo, e sim compreender que “a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus” concedeu a eles
um poder e produziu neles uma transformação que não podia ser operada pela lei judaica.
Sendo assim, cada crente pode e deve evidenciar o fruto do Espírito Santo em santidade
prática.
Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte. Porquanto
o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu
próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito,
condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não
andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito (Rm 8.2-4).
Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade,
mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei (Gl 5.22-23).
Além disso, o cristão é exortado a buscar a experiência de ser cheio do Espírito Santo,
bem como servir ao Senhor com sua vida, seus bens e seus talentos e dons espirituais.
Por esta razão, não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade do Senhor.
E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito (Ef 5.17-18).
Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da
multiforme graça de Deus (1Pe 4.10).

expandido do batismo com o Espírito Santo em todo o livro de Atos, cf. BRUNER, 2012, p. 141-200. Quem quiser saber
como João Calvino e outros pais reformadores interpretaram estes trechos de Atos, cf. CHUNG-KIM; HAINS
(Comentário Bíblico da Reforma; Atos). Leitores mais empenhados podem ainda compulsar o dois volumes do
comentário de Atos de Simon Kistemaker (KISTEMAKER, Atos, v. 1 e 2, passim).
66 Disponibilizo minha interpretação de Joel 2.28-32, no apêndice 1: A Profecia Mais Conhecida de Joel.

31
Isso quer dizer que não concordamos com a doutrina pentecostal que sugere que é
possível ser cristão sem ser batizado com o Espírito Santo — que o batismo com o Espírito
Santo é uma “segunda bênção”. O teólogo pentecostal Paul Walker explica que:
O pentecostal ou carismático vê o batismo ou o recebimento do Espírito Santo como uma
experiência subsequente à conversão cristã; [...] que vem através de um processo de submeter a
pessoa inteira à liderança e à habitação do Espírito Santo. [...] todos os crentes devem responder
à pergunta de Atos 19.2, “recebestes vós já o Espírito Santo quando crestes?” 67
Por fim, não acolhemos a crença dos “pentecostais tradicionais” que, a partir de sua
leitura de Atos, concluem que “falar em línguas é uma evidência do batismo ou do
enchimento do Espírito Santo (At 2.4; 10.45-46; 19.6)”.68
Pensando no juízo embutido nas palavras de João Batista, além de informar que o
Messias batizará os seus discípulos com o Espírito Santo, João diz ainda que o Senhor
executará juízo contra a “raça de víboras”, ou seja, aqueles que se dizem religiosos e vivem
no pecado (leia toda a passagem de Mateus 3.1-12). Em suma, João Batista menciona a
purificação e dotação do cristão com a pessoa e poder do Espírito Santo. Ao mesmo tempo,
ele aponta para o julgamento de Deus que cairá sobre os que não se arrependem e creem
em Jesus Cristo. Como esclarece William Hendriksen:
A menção do fogo [...] ajusta essa aplicação ao Pentecostes, quando “apareceram línguas
repartidas como de fogo, pousando sobre cada um deles” (At 2.3). A chama ilumina. O fogo
purifica. O Espírito faz as duas coisas. Não obstante, pelo contexto (anterior e posterior, ver v. 10
e 12) e pela profecia de Joel referente ao Pentecostes (Jl 2.30; cf. At 2.19), considerada em seu
contexto (ver Jl 2.31), parece que o cumprimento final das palavras de João aguarda a segunda
vinda gloriosa de Cristo para purificar a terra com fogo (2Pe 3.7,12; cf. Ml 3.2; 2Ts 1.8).69
Recapitulando, uma interpretação sadia das Escrituras fornece suporte para
afirmarmos que todos os cristãos verdadeiros foram batizados com o Espírito Santo.70
3.2. Ministérios ou serviços realizados para Deus
“Ministério” corresponde a “serviço prestado a Deus”. Esse serviço pode ser oferecido
diretamente a ele, como quando o cultuamos.
Deus lhe respondeu: Eu serei contigo; e este será o sinal de que eu te enviei: depois de haveres
tirado o povo do Egito, servireis a Deus neste monte (Êx 3.12).
Sete dias as vestirá o filho que for sacerdote em seu lugar, quando entrar na tenda da
congregação para ministrar no santuário (Êx 29.30).

67 WALKER, op. cit., p. 1394. O contrário é que é verdadeiro. A pergunta de Atos 19.2 só faz sentido para uma pessoa que
sabe apenas que é preciso se arrepender de seus pecados e se voltar para Deus, como pregou João Batista, mas que não
sabe ainda que: (1) Jesus, o Cristo pregado por João Batista já veio a este mundo; (2) que Jesus já morreu e ressuscitou
pelos pecadores; (3) que a fé para salvação é fé unicamente em Jesus Cristo e, por fim, (4) que os que creem em Jesus
recebem a dádiva do Espírito Santo.
68 Ibid., p. 1394, 1395. A designação “pentecostal/carismático tradicional” é mencionada pelo próprio Walker (ibid., p. 1394).

Os teólogos McAlister (op. cit., p. 199-201) listam cinco pontos de vista sobre a doutrina do batismo no Espírito Santo,
informando que atualmente existem carismáticos que não consideram o dom de línguas como evidência do batismo com
o Espírito Santo. Eles sugerem uma “solução” para a doutrina que, no fim das contas, nega o pentecostalismo tradicional
e se aproxima do entendimento cessacionista (ibid., p. 202). Para os interessados em uma boa análise e crítica
cessacionista do entendimento pentecostal sobre o batismo com o Espírito Santo, recomendo a leitura do cap. 3 de
BRUNER, 2012, p. 47-102.
69 HENDRIKSEN, William. Mateus. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 260, v. 1. (Comentário do Novo Testamento).

Logos Software.
70 Para os interessados em aprender mais sobre o entendimento cessacionista do batismo com o Espírito Santo, são

indispensáveis as leituras de GAFFIN JR., Richard B. Perspectivas Sobre o Pentecostes. São Paulo: Os Puritanos, 2010,
p. 15-46; de FERGUSON, Sinclair B. O Espírito Santo. São Paulo: Os Puritanos, 2014, edição do Kindle, posições 921-
1568 de 4811 e de SPROUL, 2014, p. 111-133. Uma leitura sempre recomendada é STOTT, John. Batismo e Plenitude do
Espírito Santo: O Mover Sobrenatural de Deus. São Paulo: Vida Nova, 2007.

32
Ademais, esse serviço pode ser prestado a Deus enquanto realizamos uma tarefa ou
servimos outras pessoas. Sempre que no NT aparece a palavra “ministério”, estamos diante
de uma tradução da palavra diakonia (ou suas correlatas), que denota serviço humilde.71
E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando
por ele graças a Deus Pai (Cl 3.17).
Olhando pelo ângulo oposto, também é correto dizer que Deus ministra a nós, ou
seja, o Senhor graciosamente nos serve usando outras pessoas. Martinho Lutero insistiu na
ideia de servir a Deus servindo ao próximo no desempenho de nossa própria vocação
(beruf) ou profissão.
Um sapateiro, um ferreiro, lavrador, cada um tem o ofício e a ocupação próprios de seu trabalho.
[...] cada qual deve ser útil e prestativo aos outros com seu ofício ou ocupação, de forma que
múltiplas ocupações estão todas voltadas para uma comunidade, para promover corpo e alma,
da mesma forma com que os membros do corpo servem todos um ao outro.72
Michael Horton menciona que “Lutero falou do trabalhador que tira o leite e do
padeiro como ‘máscaras’ atrás dos quais Deus se esconde a fim de atender as nossa orações
por sustento diário. Em cada dom, Deus é o doador último”.73 Ao informar que a igreja
recebe e desfruta do “dom de Cristo” (Ef 4.7-8), Paulo chama a atenção para o fato de que,
no Redentor, revela-se uma dinâmica de receber e dar. Como escreve Hendriksen: “Cristo
recebeu a fim de dar. Ganhou a fim de premiar. Ele recebeu esses cativos a fim de dá-los ao
reino, para a obra do reino”.74 Em suma, os ministérios são serviços que prestamos a Deus,
compartilhando aquilo que nós graciosamente recebemos dele mesmo (figura 5).

Figura 5. O cristão recebe e compartilha graça.

R. A. Bodey nos ajuda a entender a amplitude da ideia bíblica de ministério:


(1) Discipulado em geral (Jo 12.26); (2) o leque completo de serviços e atividades, por meio
dos quais o trabalho de Cristo é efetuado na igreja e no mundo (At 21.19; 1Co 16.15; Ef 4.11;
Cl 4.17; 2Tm 4.5); (3) a pregação e o ensino da Palavra (At 6.4); (4) um “dom” divino especial
para vários serviços espirituais e temporais (Rm 12.7; 1Co 12.5); (5) ministérios beneficentes
específicos de assistência social na igreja de Jerusalém (At 6.1) e contribuições das igrejas

71 BODEY, R. A. Ministério. In: TENNEY, Merrill C. (Org.). Enciclopédia da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p.
285, v. 4.
72 LUTERO, Martinho. À Nobreza Cristã da Nação Alemã, p. 81, apud BOBSIN, Oneide. Luteranos na Ética Protestante, in

Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia, v. 6, jan.-abr. de
2005, p. 12. Disponível em: <http://www3.10 est.edu.br/nepp>. Acesso em: 22 out. 2012.
73 LUTERO, Martinho. Day By Day We Magnify Thee. Filadélfia: Fortress, 1982, apud HORTON, op. cit., p. 373.
74 HENDRIKSEN, Efésios e Filipenses, p. 226.

33
dos gentios convertidos para os pobres de Jerusalém (2Co 8.4); (6) serviços pessoais como
aqueles prestados por Tíquico a Paulo (Ef 6.21); (7) o ofício de diácono (Fp 1.1; 1Tm 3.8, 12).75
A partir do apanhado de Bodey, é possível afirmar que existem dois tipos principais
de ministérios:
• A Bíblia menciona ministérios extraordinários e temporários.
• A Bíblia menciona ministérios ordinários e permanentes.
São considerados extraordinários os ministérios que constam na Bíblia, que
cumpriram seu papel na história da redenção, mas que não existem mais hoje. São
considerados ordinários, os ministérios que constam na Bíblia e que continuam presentes
na igreja contemporânea.
A principal discussão sobre o assunto gira em torno da interpretação que se dá a
Efésios 4.11, que menciona apóstolos, profetas, evangelistas e pastores e mestres.
Analisaremos esse ponto mais detalhadamente nos capítulos 5 a 8.
3.3. O chamado para o serviço
A palavra bíblica para chamado é “vocação” (1Co 1.26; Ef 4.1, 4; Fp 3.14; 2Tm 1.9; Hb 3.1;
2Pe 1.10). É possível identificar nas Escrituras pelo menos quatro círculos concêntricos
de vocação: para a conversão; para a santificação, culto e comunhão; para a
evangelização, discipulado e missão e para o serviço na igreja e na cultura (figura 6).

Figura 6. Os círculos concêntricos do chamado cristão.

Existe uma vocação para a conversão que produz salvação, quando o Espírito Santo
aplica a palavra ensinada ou pregada em nosso coração (At 16.13-15; Rm 8.28-30; 2Ts 2.14;
2Tm 1.9).
O Espírito Santo opera de tal maneira sobre o povo eleito de Deus, que eles são levados ao
arrependimento e à fé, e assim feitos herdeiros da vida eterna, por meio de Jesus Cristo, Senhor
deles. Esta obra do Espírito, nas Escrituras, chama-se vocação.76
Existe também um chamado para santificação, culto e comunhão, uma vez que sem
“paz com todos e santificação [...] ninguém verá o Senhor” e Deus procura pessoas que o
adorem “em espírito e em verdade” (Hb 12.14; cf. Sl 15.1-5; 24.3-5; Mt 5.8; 7.23; Jo 4.23-24; 1Ts
75 BODEY, op. cit., p. 285.
76 HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 961.

34
4.7; 1Pe 1.15). Há também um chamado para a evangelização, o discipulado e a missão (Mt
28.18-20; Mc 16.15; Lc 24.46-49; Jo 20.21-23; At 1.8) e um chamado para servir a Deus na igreja
e no mundo (Mt 5.13-16; Fp 2.15; Cl 3.23-25; 1Pe 2.9; 4.10).
Nenhum dos chamados acima é opcional. Se somos cristãos, temos de ouvi-los e obedecê-
los. Um discípulo verdadeiro de Jesus leva os chamados do Senhor muito a sério.
3.3.1. Seis observações sobre o chamado de Deus para o serviço
Entendamos seis verdades sobre o chamado de Deus para o serviço:
1. O chamado para o serviço convida tanto a um trabalho, quanto a um
relacionamento íntimo, fiel e sincero com Deus.
2. O chamado para o serviço é pessoal e personalizado.
3. O chamado pode ser respondido com relutância e gerar conflito.
4. O chamado para o serviço é ordinariamente reconhecido pelo povo de Deus.
5. Para realizar o serviço de Deus, nem sempre é preciso reconhecer um
chamado claro ou específico.
6. O chamado para o serviço é pactual, ou seja, estabelece responsabilidades.
Quando ao relacionamento com Deus, as palavras bíblicas que tratam do chamado se
referem a um “apelo de Deus a uma tarefa ou função específica e sua relação especial com
o seu povo”.77 Esses dois aspectos são inseparáveis. Deus nos chama soberanamente para
“estarmos com ele” (relacionamento) e, em seguida, nos incumbe de uma ou mais tarefas
(serviço; cf. Mt 28.18-20; Mc 3.13-14; At 18.9-10; 1Co 4.1-2). Os que realizam o serviço para
Deus não são os fortes autoconfiantes, e sim os fiéis que andam próximos dele.
Não é dos fortes a vitória, nem dos que correm melhor;
Mas dos fiéis e sinceros que seguem junto ao Senhor!78
Quem se apega somente ao serviço se transforma em ativista seco, o típico indivíduo
que trabalha duro enquanto se esgota física, emocional e espiritualmente. Quem destaca
exclusivamente a comunhão com Deus se torna místico despreocupado com as obras do
reino; o indivíduo que experimenta êxtases devocionais no monte, mas não colabora com a
reforma dos bancos desgastados da igreja, nem presta atenção no vizinho que passa por
necessidade.
Quanto à personalização, o chamado se adequa a cada cristão, em seu próprio contexto
e tempo. Além disso, cada crente responde a este chamado de modo singular. As biografias
dos servos de Deus na Bíblia exemplificam isso.
Pensemos, por exemplo, em Moisés e Daniel. Ambos foram chamados, cada um de
modo diferente. O primeiro ouviu Deus lhe falando claramente; o segundo foi levado
involuntariamente para a Babilônia e integrado ao serviço real. Isso quer dizer que às vezes
Deus fala diretamente ao coração, outras vezes, ele nos ajuda a enxergar oportunidades e
necessidades. E há ocasiões em que somos divina e involuntariamente “empurrados” para
situações que demandam colaboração cristã. Para completar, o chamado para o serviço
cristão pode ter relação com nossa aspiração ou atividade profissional, bem como com
coisas que apreciamos e com as quais nos identificamos.

77 MYERS, Allen C. The Eerdmans Bible Dictionary. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1987, p. 183. Os termos bíblicos são qārā
(Êx 3.4 na Bíblia Hebraica) e o termo grego kaleō (Mt 25.14) e seus cognatos gregos proskaleō (Mc 3.13); klēsis (Rm 11.29); klētos
(Rm 1.1); legō (no sentido de nomear, perguntar ou responder; Mt 1.16; Mc 2.16; 4.11); phōneō (Mc 10.49) e chrēmatizō
(denominar ou advertir com instrução; At 11.26; Hb 8.5).
78 CROSBY, F. J.; GINSBURG, S. L. Hino 49. Sempre Vencendo. In: NOVO CÂNTICO. 16. ed. São Paulo: Cultura Cristã,

2013, versão em ePub, 2018, p. 57.

35
Quanto ao conflito e relutância, alguns respondem imediatamente, enquanto outros
relutam antes de serem convencidos (Is 6.8-9; Êx 3.1-10; Jr 1.4-5). A convicção de chamado
pode demandar um período de busca do Senhor (Ne 1.4-11). Não nos assustemos com o fato
da vocação gerar conflito. Por um lado ela exerce fascínio; por outro, é analisada com
hesitação, insegurança e até repulsa. Isso é assim porque ela exige algo que vai além de
nossa capacidade (Êx 3.11—4.17). Ademais, ela força uma ruptura com nossos projetos
imaturos (Pv 16.1-3, 9; 19.21; 20.5; 21.2). Normalmente, o período conflituoso dá lugar a uma
segurança interior gerada pela graça.
Quanto ao reconhecimento do povo de Deus, via de regra, o chamado é ratificado pelos
irmãos na fé. Eu era um adolescente na igreja quando duas pessoas mais maduras me
disseram, em ocasiões diferentes, que eu tinha um chamado para o ensino da Bíblia. E
desde então, outras pessoas me falaram coisa semelhante. Esse reconhecimento de um
chamado e de nossos dons pelos irmãos é o fato objetivo que confirma o chamado
subjetivo. É por isso que a Constituição Interna da IPB afirma que “a admissão a qualquer
ofício depende da vocação do Espírito Santo, reconhecida pela aprovação do povo de
Deus”.79 Os pais puritanos explicavam isso dizendo que, nos dias de hoje, o chamado para
o ministério da Palavra é indireto, ou seja, é confirmado no coração pelo Espírito Santo
aplicando a Palavra de Deus, no contexto da comunhão da igreja.80
Quanto à possibilidade de servir a Deus mesmo sem saber detalhes sobre o chamado, é
possível ser usado por Deus, realizando algo para ele, sem sequer termos consciência de
que estamos respondendo a um chamado específico. José e Ester exemplificam isso. José
só reconheceu um chamado peculiar do Senhor em retrospectiva, depois de realizar a
tarefa (Gn 37.1-28; 40.1—41.57; 45.4-8; Et 1.1—9.32). Nem sempre o cristão precisa
compreender os detalhes da vocação divina para o serviço; o importante é buscar ser útil,
florescer e frutificar onde se encontra, para o agrado de Deus (Mc 4.20; Cl 1.10).
Finalmente, quanto ao aspecto pactual do chamado para o serviço, quando Deus nos
chama para realizar uma tarefa, ele também nos responsabiliza.81 Isso é tão solene
que o NT sublinha que cada cristão prestará contas pelo modo como serviu ao Senhor
(1Co 3.10-17; 2Co 5.10; 1Pe 4.5).
Sendo assim, mesmo considerando o que consta no 5º item acima, é proveitoso ter
uma percepção e convicção do chamado para o serviço. Conhecer este chamado nos dá
foco e amplia nosso potencial de cumprir mais fielmente os mandatos de Deus.
Eis algumas sugestões para quem deseja identificar seu chamado para o serviço:
• Ore. Peça a Deus que lhe mostre onde e de que forma ele deseja que você o
sirva de todo coração.
• Identifique necessidades. Será que você poderia ajudar a supri-las?
• Identifique áreas de serviço. Você se identifica com determinada causa, grupo
de pessoas, atividades ou tarefas? Preencha o questionário do Apêndice 2: Áreas
de Interesse e Possível Chamado. Caso não encontre nenhum grupo ou área de
atuação com a qual você se identifique, sirva em lugares diferentes até
localizar aquele em que você seja mais útil.
79 CI/IPB, Artigo 28. In: SUPREMO CONCÍLIO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. Manual Presbiteriano.
80 Joel Beeke e Mark Jones explicam que, para os puritanos, “os ministros ordinários são chamados por Deus apenas de
forma indireta, não direta” (BEEKE, Joel R,; JONES, Mark. Teologia Puritana: Doutrina Para a Vida. São Paulo: Vida Nova,
2016, p. 910; grifo nosso). Eles citam William Ames, para quem os ministros “são chamados ordinários porque é de acordo
com a ordem estabelecida por Deus que podem ser e geralmente são chamados a ministrar” (AMES, William. The
Marrow of Theology. Grand Rapids: Baker, 1997, p. 183, apud BEEKE; JONES, op. cit., p. 910-911).
81 Nestes estudos o termo “pacto” aponta para a aliança que Deus estabeleceu com o homem na criação, reafirmada e

garantida pelos pactos da redenção e da graça. VAN GRONINGEN, Gerard. Criação e Consumação. 2. ed. São Paulo:
Cultura Cristã, 2017. v. 1, passim.

36
• Converse com cristãos que parecem demonstrar segurança quanto às suas
vocações e aprenda com os discernimentos e experiências deles.
3.3.2. A seriedade do chamado e uma lista de trabalhadores
Será que nossa geração está perdendo a noção do que seja o chamado para o serviço? Em
uma reunião de líderes cristãos, o autor destes estudos ouviu uma piada que descrevia o
pastor como um indivíduo que trabalha somente duas horas por semana. Há igrejas que
enfatizam apenas a adoração, se esquecendo de que Deus procura não apenas
“adoradores”, mas, também “trabalhadores” (Jo 4.23-24; Mt 9.37-38).82
Cristãos comprometidos com o Senhor trabalham para ele com uma convicção, de que
não pertencem a si mesmos, e um desejo, de se gastar no serviço divino: “Todo o meu ser
não considero meu; quero gastá-lo no serviço teu”.83 Quando Jesus identificou os
discípulos como “luz do mundo”, a iluminação era provida por lâmpadas alimentadas com
azeite (Mt 5.14-16; 25.1-3). Até cerca de 150 anos atrás, iluminava-se um ambiente com
lampiões, lamparinas ou velas. Tais dispositivos iluminavam queimando combustível ou a
si próprios. O cristão não brilha como uma lâmpada elétrica, e sim, como uma vela. Ele
derrete enquanto trabalha; ele se gasta no serviço. Temos de ter cuidado na concentração
exclusiva em bem-estar; em como Deus nos consola com graça; em alívio e motivação; em
Deus provendo o que necessitamos para ter uma semana vitoriosa. O discípulo de Jesus
quer “se gastar” no serviço do Senhor.
Talvez você já tenha ouvido falar sobre algumas dessas pessoas.
Policarpo foi pastor na cidade de Esmirna, no 2º século. Aos 86 anos ele foi queimado
vivo, por não rejeitar o cristianismo. David Brainerd serviu como pastor congregacional e
missionário entre os índios norte-americanos. Morreu aos 29 anos de tuberculose, pouco
antes de se casar. William Carey, o “pai das missões modernas”, dedicou sua vida ao
trabalho missionário na Índia. David Livingstone deixou o Reino Unido aos 28 anos de
idade e se dedicou ao serviço missionário na África. Ele morreu orando, em 1 de maio de
1873. Suas vísceras e coração foram enterrados na Rodésia do Nordeste. O restante de seu
corpo está sepultado na Abadia de Westminster (Londres). Hudson Taylor, amigo de
Charles Spurgeon, serviu a Deus durante 51 anos na China. Ali dois de seus filhos
morreram, um em 1858, outra em 1865. John G. Paton serviu ao Senhor nas ilhas Novas
Hébrides, hoje Vanuatu, ao sul do oceano Pacífico. Horace Underwood foi pastor,
educador e missionário presbiteriano na Coreia. Amy Charmichael (dedicou 55 anos ao
serviço de Deus no Japão, Sri Lanka e Índia. O casal Robert Reid Kalley e Sarah P. Kalley
fundou a Igreja Evangélica Fluminense, em 1858, apoiou obreiros presbiterianos e, de
modo especial, a irmã Sarah compôs muitos hinos, alguns inseridos no hinário Novo
Cântico, da IPB. Ashbel Green Simonton fundou a Igreja Presbiteriana do Brasil e faleceu
aos 34 anos, de “febre biliosa”.84 José Manuel da Conceição, primeiro brasileiro ordenado
ao ministério evangélico e plantador de igrejas apaixonado, morreu no Vale do Paraíba em
decorrência de ferimentos.

82 Desde os primórdios da história, adoração e trabalho são inseparáveis (Gn 2.15). As palavras da Bíblia Hebraica
traduzidas por “cultivar” e “guardar” (Gn 2.15) são ligadas ao culto de Israel. O homem deveria ‘ābad, “cultivar” ou “servir
como um adorador”. Este termo aparece 290 vezes no AT. Sua raiz aramaica tem o sentido de “fazer” e provém de “uma
raiz árabe” cujo significado é “adorar” ou “obedecer (a Deus)”. Cf. KAISER, Walter C. ‘ābad. In: HARRIS, R. Laird;
ARCHER JR., Gleason L.; WALTKE, Bruce K. (Org.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 1998. p. 1065. Outro vocábulo importante é šāmar, “guardar”, ou seja, “cuidar” ou “vigiar” o jardim, usado em
conexão com a observância dos preceitos divinos (Gn 18.19; Êx 20.6; Lv 18.26).
83 ORR, J. E.; KASCHEL, W. Hino 67. Coração Quebrantado. In: NOVO CÂNTICO, p. 75.
84 Para conhecer mais sobre estas personagens, recomendo a obra de TUCKER, Ruth. Missões Até Os Confins da Terra:

Uma História Biográfica. São Paulo: Vida Nova, 2010.

37
A causa cristã deve muito a essas pessoas que abriram mão de seu conforto, a fim de
trabalhar para Deus. O que as motivou? O que as fez ficar firmes em seus lugares e tarefas,
mesmo sofrendo? Elas levaram o chamado para o serviço a sério. Paulo fez o mesmo anos
antes, como lemos em Atos 18.9-11; 26.19; 27.23-26. Em Atos 20.24 ele proferiu palavras que
até hoje consolam e mobilizam outros cristãos, quando meditam no chamado para o
serviço: “Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que
complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o
evangelho da graça de Deus”.
Os cristãos citados acima podiam se acomodar ou, quem sabe, se irritar com Deus por
causa do sofrimento decorrente de sua consagração. Ao invés disso, movidos pelo senso de
vocação eles perseveraram, trabalharam duro e produziram frutos.
Deus deseja que façamos e não apenas ouçamos como deve ser feito, ou como
determinado missionário está fazendo. Ele quer que cada um de nós, pessoalmente, faça.
“O trabalho a que Jesus te chama aqui, como será feito, se o não for por ti?”85
Cristãos correm risco de se verem como usuários de serviços religiosos. A igreja se
torna mera instituição e os pastores, profissionais pagos para atender uma clientela. A
saúde da igreja é prejudicada quando os seus membros não atendem aos diferentes
chamados de Deus.
Esse tipo de distorção pode ganhar corpo porque os cristãos desconhecem ou
compreendem mal o ensino da Bíblia sobre o sacerdócio universal e os dons. Falaremos
mais sobre isso no próximo capítulo.
Atividades do capítulo 3
01. Marque a única opção correta:
___ Todos os cristãos são batizados com o Espírito Santo. O ministério do Espírito Santo não deve ser
entendido como algo distinto ou como acréscimo à obra de Jesus Cristo, mas sim como extensão
ou desdobramento da redenção.
___ Nem todos os cristãos são batizados com o Espírito Santo. O ministério do Espírito Santo não deve
ser entendido como algo distinto ou como acréscimo à obra de Jesus Cristo, mas sim como
extensão ou desdobramento da redenção.
___ Todos os cristãos são batizados “com” o Espírito Santo, mas nem todos são batizados “no” Espírito
Santo, pois nem todos falam em línguas.
02. Complete a frase com uma palavra extraída do texto: É possível identificar quatro círculos
concêntricos de vocação: para a conversão; para a santificação, culto e comunhão; para a evangelização,
discipulado e missão e para o _________________________ na igreja e na cultura.
03. Marque Falso ou Verdadeiro. Deus deseja que façamos e não apenas ouçamos como deve ser feito,
ou como determinado missionário está fazendo. Ele quer que cada um de nós, pessoalmente, faça.
___ Falso. ___ Verdadeiro.

85 WRIGTH, H. M. Hino 312. Há Trabalho Certo. In: NOVO CÂNTICO, op. cit., p. 284. Grifo nosso.

38
Apêndice 1: A profecia mais conhecida de Joel

Misael Batista do Nascimento

28 E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas
filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; 29 até sobre os servos e
sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias. 30 Mostrarei prodígios no céu e na
terra: sangue, fogo e colunas de fumaça. 31 O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue,
antes que venha o grande e terrível Dia do SENHOR. 32 E acontecerá que todo aquele que invocar
o nome do SENHOR será salvo; porque, no monte Sião e em Jerusalém, estarão os que forem
salvos, como o SENHOR prometeu; e, entre os sobreviventes, aqueles que o SENHOR chamar.
Joel 2.28-32.
Sermão pregado na IPB Rio Preto, no dia 23/10/2016, às 19h30.

A1.Introdução
O que há em comum entre uma pessoa andando no escuro, em uma trilha desconhecida, e
um piloto de avião enfrentando uma tempestade feroz? Ambos precisam de auxílio para
percorrer o trajeto certo. O caminhante será ajudado por uma lâmpada; o fato de dispor de
uma boa lanterna ajuda a eliminar a tensão e concede senso de direção. O piloto pode
prosseguir seguro, se a aeronave tiver um bom sistema de navegação. Estes recursos
externos ao homem o ajudam a posicionar-se (saber onde está) e a conduzir-se (decidir
para onde deve ir). A Palavra de Deus funciona como uma lâmpada que ilumina a trilha
escura. Não é sem razão que o autor do Salmo 119 chama a Bíblia de “lâmpada para os pés”
(v. 105).
Deus enviou sua Palavra como luz em um tempo de trevas, por meio do profeta Joel.
A nação estava literalmente sob a escuridão de uma nuvem de gafanhotos. O desalento
parecia triunfar sobre a esperança. As pessoas não tinham meios, nem vontade, para
cultuar a Deus (Jl 1.7-12, 16; 2.3). Joel anunciou que era preciso preparar-se com conversão,
choro e adoração sincera (Jl 2.6, 10, 12-17). Os que buscassem a Deus seriam preservados, a
sorte de Judá e Jerusalém seria mudada, os inimigos vencidos e a presença gloriosa de
Deus estabelecida (Jl 2.32; 3.1-21).
Hoje nós olharemos para a profecia mais conhecida do livro do profeta Joel.
Tentaremos entender não apenas o que ela significou para as pessoas daquela época, mas
também os crentes do NT e para nós. Deus promete, por meio de Joel, um derramamento
de seu Espírito. Ele já disse, em 2.23-26, que sustentaria seu povo com chuva, provendo o
necessário para a vida e para o culto. Mas ele promete, além disso, sustento espiritual. Não
apenas o derramamento de chuvas, mas também, o derramamento superabundante do
Espírito Santo (2.28-29). O caminho que percorreremos é simples. Tentaremos responder a
três perguntas, ligadas ao texto lido. Primeira questão: Quando o Espírito Santo será dado?
Segunda questão: Quem receberá esta bênção? Terceira questão: O que esta bênção
produzirá nas vidas dos que o receberem? Olhemos para a primeira pergunta.
A1.1. Quando o Espírito Santo será derramado
28 E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e
vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; 29 até sobre os
servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias.

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Quando o Espírito Santo será derramado? Três expressões enquadram a profecia
cronologicamente: “depois” (v. 28); “naqueles dias” (v. 29) e “antes que venha o grande e
terrível Dia do SENHOR” (v. 31). “Naqueles dias” (v. 29) quer dizer “no tempo em que Deus
derramar o Espírito Santo”.
Isso acontecerá “depois” do quê? Pela ordem imediata do texto, Deus derramará o
Espírito Santo depois de restaurar o sustento material da nação, como lemos em 2.19-27.
Mas não apenas isso. Nós devemos ler esta profecia de Joel comparando-a com outra
profecia, proferida por Ezequiel. Em Ezequiel 39.28-29 lemos que Deus derramará o
Espírito Santo “depois” que o povo de Judá for liberto do cativeiro na Babilônia:
28 Saberão que eu sou o SENHOR, seu Deus, quando virem que eu os fiz ir para o cativeiro entre
as nações, e os tornei a ajuntar para voltarem à sua terra, e que lá não deixarei a nenhum deles.
29 Já não esconderei deles o rosto, pois derramarei o meu Espírito sobre a casa de Israel, diz o
SENHOR Deus.146
Em outra passagem (Ez 36.24-27), consta que não apenas o Espírito Santo será dado
após a libertação do exílio babilônico, mas também, que isso acontecerá no contexto de
uma experiência profunda de redenção:
24 Tomar-vos-ei de entre as nações, e vos congregarei de todos os países, e vos trarei para a vossa
terra. 25 Então, aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas
imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. 26 Dar-vos-ei coração novo e porei dentro
de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. 27 Porei
dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os
observeis.
Dito de outro modo, o termo “depois”, que aparece em Joel 2.28, significa,
primeiramente, que Deus derramará o Espírito Santo depois que Judá for restaurada da
praga dos gafanhotos, e depois de Judá ser trazida de volta para sua terra, após o cativeiro
da Babilônia.
E isso que é prometido por Joel acontecerá antes do juízo final e antes do
estabelecimento definitivo do reino de Deus. Por isso lemos, no v. 31, “antes que venha o
grande e terrível Dia do SENHOR”. Conforme eu explicarei no primeiro domingo de
novembro, se Deus permitir, esta profecia de Joel 2.28-32 se cumprirá antes do trato de
Deus com as nações, registrado em Joel 3.1-17, e do estabelecimento final do reino,
mencionado em Joel 3.18-21. Quando olhamos o NT, especialmente Atos 2, lemos que 50
dias depois da ressurreição, no Dia de Pentecostes, o Espírito Santo foi derramado sobre a
igreja (At 2.1-13). Os discípulos estavam reunidos — um grupo orava, esperando o
cumprimento de uma promessa do próprio Jesus Cristo ressurreto (At 1.4-5). O Espírito
Santo veio sobre eles em “línguas como de fogo” e passaram a falar idiomas humanos que
nunca haviam estudado (At 2.4). Pessoas que estavam na cidade, de diferentes etnias,
puderam ouvir Deus sendo glorificado em seus próprios idiomas (At 2.6-8). Naquele dia a
promessa de Joel 2.28-32 foi cumprida. E como veremos em breve, esta promessa continua
se cumprindo nos dias atuais, mas o grande evento da dádiva do Espírito ocorreu no
Pentecostes.
Respondendo à pergunta — Quando o Espírito Santo será derramado? — A profecia
se cumpriu depois do fim da praga dos gafanhotos, depois do exílio babilônico e, antes do
fim do mundo. Historicamente, 50 dias após a ressurreição de Jesus, no Dia de Pentecostes,
como lemos em Atos 2. Isso nos conduz à segunda questão.

146 Ezequiel está profetizando as bênçãos da nova aliança, anunciadas também em Jeremias 31.33-34.

71
A1.2. Quem receberá o Espírito Santo
Quem é beneficiário desta promessa de Joel 2.28-32? O texto diz que Deus derramará o
Espírito Santo “sobre toda a carne” e prossegue mencionando “vossos filhos e vossas
filhas”, e também “vossos velhos”, além de “vossos jovens” (v. 28) e, por fim, “servos e [...]
servas” (v. 29). Estas palavras significam que o Espírito Santo será derramado sobre todo o povo
de Deus. Repetindo, os v. anteriores dizem que Deus abençoará o seu povo com sustento
material (2.18-27). Joel 2.28-32 ensina que Deus continuará abençoando seu povo com
sustento espiritual — com a dádiva do Espírito. Notemos os beneficiários da promessa
identificados no v. 32: São os que “invocam o nome do SENHOR”; os que são “salvos, como o
SENHOR prometeu”; os “sobreviventes” ou remanescentes e “aqueles que o SENHOR
chamar”. Deus derramará seu Espírito sobre todo o seu povo sem distinção de sexo (filhos e
filhas), idade (velhos e jovens) ou classe social (servos e servas).
Eu sei que isso talvez não pareça grande coisa para você, especialmente se você foi
criado dentro da igreja, sabendo desde a infância que os crentes têm o Espírito Santo. A
proximidade com a doutrina cristã e com as coisas da religião cristã nos fazem minimizar
coisas muito preciosas. Quando Joel profere esta profecia, ele o faz no contexto do AT,
quando apenas alguns judeus recebiam o Espírito Santo. Alguns poucos judeus do AT
foram ungidos pelo Espírito para o exercício de vocações artísticas (Êx 31.1-11). Outros
foram ungidos pelo Espírito Santo para exercer liderança (Nm 11.25), ou para serem
profetas (Nm 24.2-9; 1Sm 10.10; Ez 11.5), sacerdotes (Lv 8.30) ou reis (1Sm 16.13). E outros
receberam o Espírito para exercer a função de juízes (Jz 3.9-11; 11.29). Deus usa Joel para
prometer que chegaria o tempo em que todo o povo de Deus, indistintamente, a igreja
inteira, receberia o Espírito Santo. Isso atualiza Números 11.29. Moisés diz ao povo:
“Tomara todo o povo do SENHOR fosse profeta, que o SENHOR lhes desse o seu Espírito”. E
agora Joel se levanta e diz: Deus fará isso. Ele dará seu Espírito a todo o povo.
Como dissemos, isso se cumpriu no Dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo foi
derramado sobre toda a igreja reunida naquele lugar. E a partir daquele tempo, esta
profecia se cumpre na vida de todo aquele que crê em Jesus Cristo. A Bíblia diz, em Efésios
1.13, que quando cremos em Jesus, nós somos “selados com o Santo Espírito da promessa”.
Em Romanos 8.9, Paulo ensina que aquele que não tem o Espírito de Cristo não pertence a
ele. Agora, entre o povo de Deus, não existem categorias diferentes de unção de crentes.
Você não precisa de uma segunda bênção — de um batismo com o Espírito Santo que
acontece depois da conversão. No momento em que você crê em Jesus você recebe o
Espírito Santo. Vejamos que a profecia de Joel vincula o derramamento do Espírito Santo à
fé salvadora em Jesus. Duas vezes encontramos a expressão “e acontecerá”, uma vez
dizendo, “derramarei o meu Espírito sobre toda a carne” (v. 28), e depois, “todo aquele que
invocar o nome do SENHOR será salvo” (v. 32).
Respondendo à pergunta — Quem receberá o Espírito Santo? — Todos os que crerem
em Jesus para a salvação. Todo o povo de Deus. Os sobreviventes. Os que Deus chamar
para ele. E isso nos leva à última questão, mais complexa.
A1.3. O que o Espírito Santo realiza
O que o Espírito Santo realiza? O que acontece com o povo, após receber o Espírito Santo?
Que bênção estão vinculadas a esta dádiva do Espírito? A profecia afirma, no v. 28: “[...]
profetizarão, [...] sonharão, e [...] terão visões”. Eu entendo que a maior parte do que eu
afirmei até agora, seria bem-recebido pela maioria dos crentes evangélicos. No entanto,
diante desta questão — o que o Espírito Santo realiza — nós nos dividimos muito. De fato,
muitas divisões entre igrejas evangélicas acontecem por causa de respostas diferentes a
esta pergunta: O que o Espírito Santo realiza? Se você é um presbiteriano de algum tempo

72
de caminhada, talvez você já tenha passado pela experiência, desconfortável, de conhecer
outro crente e, depois de identificar-se, ouvir: “Ah, você é presbiteriano? Que pena! Ouvi
dizer que em sua igreja as pessoas não creem no Espírito Santo”. Quantas divisões ao
longo da história! O Que o Espírito Santo realiza?
Joel diz: O Espírito será derramado. O povo de Deus profetizará. Sonhará. E terá
visões. De onde vem a confusão? O ponto é: Ao longo da história, esta passagem tem sido
entendida de duas maneiras. A primeira maneira é a mais popular. Se você veio de outra
igreja evangélica, não é difícil que você tenha aprendido esta primeira versão. Esta
primeira interpretação, apesar de ser mais popular, é errada (e isso não deve nos causar
surpresa, porque, grosso modo, as coisas erradas são mais populares do que as certas).
Deixe-me tentar explicar esta primeira interpretação que, como eu digo, é errada.
Depois eu apresentarei a interpretação correta e menos popular. Comecemos com a
interpretação errada. Alguns olham para esta passagem e dizem: “Vejam bem! Deus está
dizendo que o Espírito Santo nos conduzirá utilizando profecias, sonhos e visões. Está aqui,
escrito no texto, “preto no branco”; “vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos
sonharão, e vossos jovens terão visões” (v. 28). “Eu sou um crente orientado pela Palavra. E
a Palavra de Deus diz que eu devo ser orientado por profecias, sonhos e visões”. Esta é a
doutrina pentecostal.147 E quando eu explico esta doutrina eu não estou criticando os que
creem assim; apenas estou afirmando que a doutrina, em si, é errada, e explicarei a razão.
Mas antes deixe eu dizer outra coisa. Esta é também a doutrina da Igreja Católica
Apostólica Romana.
A Igreja Católica Apostólica Romana produziu um documento intitulado Dei Verbum,
e nele consta que o Espírito Santo continua dando revelações à igreja por meio de visões,
sonhos e outras experiências místicas.148 Alguém questiona: Por que vocês adoram a Maria
neste santuário, em Fátima? E a resposta será: Algumas crianças tiveram uma visão de
Maria. Esta é a doutrina oficial da igreja Católica. Ela ensina que o Espírito Santo continua
falando por meio de visões e sonhos. Ou se você conversar com um morador de Belém do
Pará, e perguntar porque eles cultuam o Círio de Nazaré, eles responderão: Aconteceu um
milagre — um sinal sobrenatural envolvendo um pescador e a estátua da virgem Maria. É
nesta base — de experiências místicas — que estas crenças são estabelecidas. E seguindo
esta direção, os Católicos terminam assumindo crenças e práticas que não estão na Bíblia.
Mas entre os evangélicos pentecostais, neopentecostais, terceira onda e até entre o
grupo mais recente denominado “abertos, mas cautelosos”,149 não é muito diferente. Um
pastor foi visitar uma igreja pentecostal e viu que naquela igreja, na porta, os diáconos
paravam todos os homens e mediam os cintos. Nenhum homem podia entrar com um
cinto medindo mais do que dois centímetros de largura, porque o pastor da igreja recebeu

147 E também daqueles que, dizendo-se calvinistas ou reformados, assumem-se como “carismáticos”. Cf. WILLIAMS, J.
Rodman. Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal. São Paulo: Vida, 2011. O pentecostalismo ensina que “novas
revelações proféticas” são dadas no uso dos dons de “palavra de sabedoria e palavra de conhecimento” (WILLIAMS, op.
cit., p. 660-670), “profecia” (ibid. p. 691-699), “variedade de línguas” e “interpretação de línguas” (ibid., p. 704-718).
Interessados em conhecer o ponto de vista dos evangélicos carismáticos (ou pelo menos teologicamente abertos à leitura
carismática), podem conferir: DEERE, Jack. Surpreendido Com a Voz de Deus. São Paulo: Editora Vida, 1998; GRUDEM,
Wayne. O Dom de Profecia. São Paulo: Vida, 2004; CARSON, D. A. A Manifestação do Espírito: A Contemporaneidade dos Dons
à Luz de 1Coríntios 12—14. São Paulo: Vida Nova, 2013; STORMS, Sam. Dons Espirituais: Uma Introdução Bíblica, Teológica e
Pastoral. São Paulo: Vida Nova, 2016; RUTHVEN, Jon Mark. On The Cessation of The Charismata: The Protestant Polemic On
Post-Biblical Miracles. Tulsa: Word & Spirit Press, 2011. (Word & Spirit Monograph Series: 1). Para uma leitura da posição
deste pregador, cf. BRUNER, Frederick Dale. Teologia do Espírito Santo. 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012;
ROBERTSON, O. Palmer. A Palavra Final: Resposta Bíblica à Questão das Línguas e Profecias Hoje. São Paulo: Editora Os
Puritanos, 1999.
148 CONCÍLIO VATICANO II. Dei Verbum: Constituição Dogmática Sobre a Revelação Divina. 13. ed. São Paulo: Paulinas,

2006.
149 Estas designações são extraídas de GRUDEM, Wayne. (Org.). Cessaram Os Dons Espirituais? 4 Pontos de Vista. São Paulo:

Editora Vida, 2003. (Coleção Debates).

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uma “revelação”: Deus ordenou que não queria que os homens usassem cintos mais largos
do que dois centímetros. Último exemplo. Uma irmã de uma igreja que liderei me disse
que teve um sonho. Ela se via andando em uma estrada de areia muito fofa e profunda. E o
Espírito disse a ela que isso significava que a igreja estava se afundando. Ela perguntou por
que, e Deus disse que os crentes não deveriam mais consagrar seus dízimos e ofertas. Que
é errado entregar dízimos e ofertas.
Então vejam, o problema desta ideia — de que nossa vida deve ser guiada por novas
profecias, sonhos e revelações —, é que dizendo que cremos no que está escrito na Bíblia
(eu só sigo a Bíblia; eu sigo exatamente o que está escrito em Joel 2.28), nós terminamos
sendo afastados da Bíblia, e passamos a seguir experiências místicas pessoais; e ao fazer
isso, começamos mesmo a afundar na areia de nossos próprios delírios e imaginações,
além de abrir espaço para todo tipo de ensino de demônios. É por isso que, em nosso meio,
hoje, se conhece tão pouco o evangelho. Muitos correm atrás de superstições,
penduricalhos e gurus que dizem “Deus falou comigo”. E se Deus falou com ele, quem
pode contradizê-lo? Como questionar o “ungido de Deus”? Tais líderes dizem “faça isso” e
“faça aquilo”, de modo que temos uma geração de líderes manipuladores, tratando o povo
de Deus, como lemos em Zacarias 11.7, como “ovelhas destinadas para a matança”. E o povo
de Deus definha porque lhe falta “conhecimento” (Os 4.6).
Resumindo, esta interpretação — de que Joel 2.28-29 significa que nós devemos ser
guiados por novas profecias, sonhos e visões — é muito popular, mas é errada. Ela conduz
você a uma caminhada de subjetividade, de modo que não conseguirá mais dizer com
segurança se determinada coisa é a vontade de Deus ou não. Dependerá de seu
sentimento, ou do que o anjo falou; ou você terá de pedir informação adicional no próximo
sonho. As coisas ficarão bem confusas para você.
É por isso que, no século 16, os fundadores de nossa igreja rejeitaram esta
interpretação popular da profecia de Joel. Eles resumiram a rejeição a esta interpretação
com uma frase: “Somente a Escritura”. Vamos tentar entender isso melhor. Qual é a
interpretação certa? Em primeiro lugar, a interpretação correta atenta para a estrutura do
texto da Bíblia Hebraica. Nesses termos, estamos diante de uma poesia. Joel é conduzido
pelo Espírito Santo a usar um recurso da língua dos judeus, chamado paralelismo. Um
paralelismo é a expressão de uma mesma ideia usando duas linhas de poesia. Isso quer
dizer que, em Joel 2.28, “profetizarão” equivale a “sonhar” e “ter visões”:
Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, [primeira linha do paralelismo]
vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões. [Segunda linha]
Vamos entender melhor. Na Bíblia, “sonhos” e “visões” são os meios estabelecidos
por Deus para usar profetas para revelar sua Palavra inerrante e infalível. Isso é explicado
em Números 12.6:
Então, disse: Ouvi, agora, as minhas palavras; se entre vós há profeta, eu, o SENHOR, em visão a
ele, me faço conhecer ou falo com ele em sonhos.
Por que Deus dava sonhos e visões? Para que alguém trouxesse a Palavra infalível
dele, uma palavra que se cumpriria com exatidão — como “Palavra de Deus”. Foi assim
que Deus formou o AT. Ele falou diretamente a Moisés, ele falou usando profetas, com
sonhos e visões. E foi dessa maneira que Deus usou seus instrumentos de revelação no NT.
Ele falou diretamente e também lhes deu sonhos e visões, ao fornecer a profecia definitiva
sobre a pessoa e obra de Jesus Cristo. Se isso é assim, o que Deus está prometendo por
meio de Joel? Que no contexto do derramamento do Espírito Santo, Deus dará ao seu povo
a revelação plena do evangelho — a profecia final; aquilo que faltava para que assegurar o
sustento pleno de nossa vida espiritual. E como Deus nos sustenta espiritualmente? Com
experiências místicas? Com delírios? O que sustenta nossa vida espiritual é o evangelho

74
aplicado em nossos corações pelo poder do Espírito Santo. Deus está prometendo as duas
coisas: O Espírito Santo e o evangelho. O evangelho é a plenitude; o clímax, o ponto alto de
toda profecia. Como lemos em Hebreus 1.1-2:
1 Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, 2
nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo
qual também fez o universo.
Cristo é o ponto alto desta revelação. Tudo aponta para ele; tudo encontra sua plena
realização nele. Nós não precisamos de nada além do conhecimento de Cristo no
evangelho. É por isso que os reformadores disseram “somente a Escritura, somente Cristo”.
A doutrina aqui é simples: Deus está prometendo não apenas sustento material ao seu
povo. Ele promete também sustento espiritual, ou seja, o evangelho. O evangelho é
profecia derradeira. O evangelho é profecia definitiva. Como eu disse, esta é a
interpretação correta de Joel 2.28-29, e também a interpretação menos popular.
O que nos dá segurança sobre esta interpretação de Joel? Simples: Ela é confirmada
pelo NT. De acordo com Atos 2.11, os que receberam o Espírito no dia de Pentecostes
falaram das “grandezas de Deus”. Eles fizeram isso de modo que os estrangeiros
compreenderam em seus próprios idiomas maternos (At 2.8). O resultado do Pentecostes:
Pedro outrora inseguro, o mesmo que negou o Senhor no pátio da casa de Caifás, se
levanta cheio do Espírito Santo e prega o evangelho (Mc 14.66-72; At 2.37-41). O Pentecostes
traz revelação plena do evangelho. Pedro se torna instrumento poderoso de pregação do
evangelho. Cumpre-se Atos 1.8. Resumindo, “profetizarão”, em Joel 2.28, abrange a
experiência de conhecer a Deus (desfrute da fé salvadora) e, como consequência, pregar o
evangelho, ou, usando a terminologia do próprio Senhor Jesus Cristo, ser uma
“testemunha” (Lc 24.48-49; At 1.8).
E eu sei que o argumento está longo, mas preciso dizer duas coisas antes de terminar.
Primeira, os fenômenos cósmicos, relatados em Joel 2.30-31 não se relacionam com o fim do
mundo (porque eles acontecerão antes do fim do mundo, como vimos). Na verdade, eles
estão vinculados ao evangelho. Joel usa figuras que, para os judeus de seu tempo,
remetiam aos atos salvadores de Deus na redenção de Israel do cativeiro egípcio. O
“sangue” indicaria Êxodo 7.17: “Assim diz o SENHOR: Nisto saberás que eu sou o SENHOR:
Eis que eu com esta vara, que tenho em minha mão, ferirei as águas que estão no rio, e
tornar-se-ão em sangue”. O “fogo”, Êxodo 9.23-24:
23 E Moisés estendeu a sua vara para o céu, e o SENHOR deu trovões e saraiva, e fogo corria pela
terra; e o SENHOR fez chover saraiva sobre a terra do Egito. 24 E havia saraiva e fogo misturado
entre a saraiva, mui grave, qual nunca houve em toda a terra do Egito, desde que veio a ser uma
nação.
E as “colunas de fumaça”, Êxodo 19.18: “E todo o monte Sinai fumegava, porque o
SENHOR descera sobre ele em fogo; e a sua fumaça subia como fumaça de um forno, e todo
o monte tremia grandemente”. Tais figuras se cumprem no Redentor, uma vez que, na
ocasião de sua morte, houve trevas e terremoto (Mt 27.45, 54). Ademais, imediatamente
após citar a profecia de Joel, Pedro apresenta Cristo, como se dissesse: “Isso tudo tem a ver
com Jesus”! (At 2.22-36). Paulo explica que houve um embate cósmico na cruz, cujo
resultado foi o triunfo sobre os “principados e potestades” e consequentemente, seu
“despojamento” e exposição “ao desprezo” (Cl 2.15). Como evento de consequências
cósmicas, a morte de Jesus teve por finalidade destruir “aquele que tem o poder da morte,
a saber, o diabo” (Hb 2.14). Visto desta forma, o “derramamento” do Espírito citado nos v.
precedentes tem a ver com a obra redentora. O ato dramático no qual o Filho de Deus
enfrentou o inimigo e submeteu-se às angústias do inferno a fim de resgatar os crentes (Mc
15.34; Jo 19.30; Cl 1.13-14). Daí a declaração do Credo Apostólico: “desceu ao Hades”.

75
Por fim, todas estas figuras mencionadas em Joel 2.30-31 evocam, também a ideia de
imperfeição e sofrimento do mundo — o caos reinante na era presente, antes da
consumação do reino. Joel está dizendo que mesmo depois de receber o Espírito Santo, a igreja
continuará enfrentando tribulações, como diz Calvino:
O profeta não pretende ameaçar os fiéis, mas sim adverti-los, para que não se iludam com
sonhos vazios, esperando desfrutar de um descanso feliz neste mundo. [...] Como assim? Haverá
prodígios no céu e na terra, o sol se converterá em trevas e a lua em sangue; todas as coisas
estarão em desordem e horrível escuridão. O que seria dos homens se Deus, pela graça do seu Espírito,
não brilhasse sobre eles, apoiando-os em tal confusão no céu e na terra e mostrando-se como Pai?150
E agora o último detalhe. A era de derramamento do Espírito será, também a era da
salvação:
32 E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do SENHOR será salvo; porque, no monte
Sião e em Jerusalém, estarão os que forem salvos, como o SENHOR prometeu; e, entre os
sobreviventes, aqueles que o SENHOR chamar.
Os ouvintes (ou leitores) da mensagem de Joel foram motivados a “invocar o nome do
SENHOR”. O termo traduzido por “invocar” (qārā’, na Bíblia Hebraica) tem o sentido de
“chamar”. Ainda que tal invocação não os livre do sofrimento cotidiano, como vimos
acima, eles serão salvos da ira divina no juízo final (cf. v. 31; Jo 5.24).
Esta promessa é qualificada. Cumprir-se-á “no monte Sião e em Jerusalém”. Joel cita
o “monte Sião” ou o “santo monte” nove vezes (Jl 2.1, 15, 23, 32; 3.16, 17, 21). Jerusalém
aparece seis vezes (Jl 2.32; 3.1, 6, 16, 17, 20). Tais vocábulos nos remetem ao rei Davi e seu
descendente eterno, o Messias (2Sm 5.7; 7.13; Sl 2.6; 14.7; 48.2; 50.2; 53.6; 110.2; 146.10; 149.2).
Por esta razão Paulo entendeu a invocação do SENHOR como confissão da fé em Cristo, e
João viu os salvos reunidos ao “Cordeiro”, no “monte Sião” (Rm 10.9-13; Ap 14.1; cf. Sl 84.7;
87.5; Ez 37.14). Quem são estes salvos? Repetindo, eles são “os sobreviventes” (śārîdh,
“poupados de uma catástrofe”, na Bíblia Hebraica). Em outras palavras, o remanescente. Eles
são aqueles a quem Deus quis “chamar” (o mesmo vocábulo traduzido antes por
“invocar”). Isso indica que eles são um “pequeno número” e que sua redenção e sustento
dependem somente da graça divina. Aqui temos a garantia de preservação da verdadeira
igreja, composta dos eleitos de Deus.
Na verdade, todos nós somos, indistintamente, dignos de morte. É, portanto, somente a eleição
de Deus que faz a diferença entre uns e outros. Assim, vemos que a bondade gratuita de Deus é
exaltada pelo Profeta, quando ele diz que um remanescente será salvo e que serão chamados
pelo Senhor, pois não está no poder dos homens manter-se a menos que sejam eleitos, e a
bondade de Deus é a segurança de sua salvação. João Calvino.151
Por isso, no Dia de Pentecostes, o derramamento do Espírito Santo foi acompanhado
de testemunho sobre a salvação. E aqui finalizo esta terceira e mui longa divisão.
Respondendo à pergunta — O que o Espírito Santo realiza? — Ele traz a profecia definitiva,
que é o evangelho de Jesus Cristo. E nós não apenas desfrutamos deste evangelho, como
também, somos feitos testemunhas dele. Dito isto, podemos concluir.
A1. Conclusão
Os benefícios mencionados há pouco foram desfrutados por aqueles que receberam o
Espírito Santo, no Dia de Pentecostes. E eles são desfrutados por aqueles que recebem
Cristo hoje. Os que creem em Jesus acolhem o evangelho, recebem a Palavra de Deus que
provê segurança e força para o enfrentamento dos embates da vida.

150 CALVIN, John. Commentaries on the Twelve Minor Prophets. Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2010, p. 99, v. 2.
Tradução nossa.
151 CALVIN, op. cit., p. 111-112.

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O povo que sofria debaixo da praga dos gafanhotos olharia para frente e receberia
alento. Os crentes do tempo de Joel podiam estar certos de que as devastações trazidas
pelos gafanhotos e seca não eram definitivas. Deus garantiria o pacto restaurando-os
integralmente e habitando entre eles (Jl 2.27). O Espírito que seria “derramado” e a unção
do Espírito daria a eles um “conhecimento”, ou seja, uma comunhão com Deus diferenciada
(1Jo 2.20, 27; cf. Jr 31.34). Ele invocariam o SENHOR e seriam salvos. E poderiam caminhar
com Deus sendo sustentados pelo Espírito Santo. Esta interpretação combina com o NT,
ela nos conduz ao evangelho. Então preste atenção: Rejeite qualquer doutrina que lhe conduza
para esquisitices, ao mesmo tempo em que o afasta do evangelho. É muito bom poder ler o AT
sabendo que ele aponta para o evangelho.
“E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne” (v. 28).
Quando isso aconteceu? No Dia de Pentecostes. E isso acontece pode acontecer hoje, em
sua vida, se você crer em Jesus Cristo. Acontece quando pessoas entregam suas vidas a
Cristo. Esses são os beneficiários: Os que creem em Deus; o povo de Deus de todos os
tempos.
Desde o Pentecostes Deus está fazendo algo maravilhoso — dando o seu Espírito a
todos os que o invocam. Esta é uma promessa grandiosa. O Cristianismo não nos promete
apenas uma crença ou uma ideologia. Nem apenas uma estrutura sociológica de apoio,
sugerindo que não ficaremos mais sozinhos porque temos uma irmandade ou igreja. Isso é
precioso, mas esta não é a única promessa. A promessa do Cristianismo não é apenas te
dar um passaporte para a eternidade. Sem dúvida, isso consta no Cristianismo e é
maravilhoso, mas entendamos que o Cristianismo vai além disso.
O Cristianismo afirma que o Deus vivo habita dentro de nós. Não apenas Deus junto
de nós, ou aproximando-se de nós. É Deus fazendo morada em nós. Nós, a igreja, como
santuário de Deus. E nós somos ligados a ele, e sustentados, santificados e consolados por
ele à medida que ele mesmo aplica o evangelho em nós. O Espírito Santo nos é dado para
que desfrutemos da derradeira profecia, o evangelho, que é “o poder de Deus” (cf. Rm 1.16).
Estas verdades nos ajudam a compreender que, firmados em Deus, podemos
continuar caminhando. Os ouvintes de Joel podiam saber disso: A situação está difícil, mas
Deus enviará ajuda material e espiritual. Acima de tudo, Deus nos dará Cristo, ele nos dará
dele mesmo — seu Espírito será derramado sobre nós! Não apenas ele derramará chuva
para fazer crescer a relva e alimentar os animais, mas também o Espírito Santo, para
revitalizar nosso coração com fé, devoção e certeza de vida eterna.
Sendo assim, cada tribulação abre espaço para a invocação. Assim como, nos tempos
de Joel, a nuvem de gafanhotos fomentou uma busca renovada de Deus, depois do
derramamento do Espírito Santo, ainda há circunstâncias em que temos de clamar pelo
socorro de Deus. Como disse um servo de Deus, “a fé é sempre a mãe da oração”. E entre a
primeira e a segunda vindas de Cristo, temos o evangelho que nos sustenta e, ao mesmo
tempo, impulsiona ao testemunho. O desfrute do Espírito Santo, como lemos em Atos,
produz expansão missionária. A obra de evangelização é levada adiante com a consciência
de que Deus é quem chama o seu remanescente – somente os eleitos serão salvos.
A essência da invocação do nome do SENHOR é expressa em um belo hino composto
por Joseph Hart (1712–1768):
Aventure-se nele,
Aventure-se inteiramente;
Não deixe que nenhuma outra crença se intrometa.
Come Ye Sinners Poor and Needy.

77
Assegurados no amor de Deus, continuemos a invocá-lo de todo nosso coração.
Amém. Vamos orar.

78
Apêndice 2: Áreas de interesse e possível chamado

O formulário a seguir auxilia na identificação de áreas de interesse e possível chamado para o


serviço na igreja.152
O chamado de Deus pode se revelar imediata e claramente ou aos poucos e
gradativamente. Isso significa que tentar identificar o chamado por meio de um teste pode
parecer inadequado para alguns. De fato, as perguntas a seguir não são uma ferramenta
infalível, mas podem servir de auxílio à reflexão e tomada de posição diante de alguns grupos
humanos e áreas de atividades.
Aqueles que estão iniciando a carreira cristã e conhecem pouco a igreja talvez tenham
mais dificuldade em responder algumas questões. Apesar disso, é útil tentar preencher este
questionário observando o seguinte:
• Ore enquanto considera suas respostas.
• Complete o questionário sozinho.
• Não há respostas certas nem erradas.
1. No final de minha vida eu gostaria de saber que fiz algo em prol de:
_______________________________________________________________________________

2. Se alguém mencionasse seu nome para um grupo de amigos seus, o que eles diriam ser o
seu maior interesse?
_______________________________________________________________________________

3 Tenho opiniões/sentimentos fortes sobre esses assuntos/causas:

Meio-ambiente. Discipulado. Violência. Educação. Economia.


Saúde. Aborto. Igreja. Cuidar de crianças. AIDS. Injustiça.
Vícios. Alcançar os perdidos. Pobreza. Fome. Ideologia de gênero.
Política. Racismo. Tecnologia. Família. Alfabetização
Outros:
_______________________________________________________________________________

4. Observe a lista de tipos ou grupos humanos abaixo. Marque com um traço aqueles com os
quais você se identifica, para os quais gostaria de realizar um serviço cristão ou que
exigem sua atenção devido aos encaminhamentos da providência de Deus.

Bebês. Crianças. Pré-adolescentes. Adolescentes. Jovens.


Homens. Mulheres. Casais. Idosos.
Portadores de necessidades especiais. Desempregados. Moradores de rua

Adaptado de BUGBEE, Bruce; COUSINS, Don; HYBELS, Bill. Rede Ministerial: Pessoas Certas Nos Lugares Certos Pelas
152

Razões Certas. 3ª Impressão, 1997. São Paulo: Editora Vida, 1996, p. 23-32. Eu não compartilho de todas as convicções
doutrinárias e metodológicas de Bugbee, Cousins e Hybells. Mesmo assim, como calvinista que acredita na graça comum,
louvo a Deus pelo trabalho destes irmãos, dando a eles o crédito pela proposição original deste formulário.

79
Viciados em álcool. Viciados em drogas. Enfermos. Líderes.
Marginalizados. Pobres. Presos. Solitários. Nenhum grupo específico
Outros:
_______________________________________________________________________________

5 Observe a lista de atividades, serviços e causas gerais. Marque com um traço aquelas com
as quais você se identifica, através das quais gostaria de realizar um serviço cristão ou que
exigem sua atenção devido aos encaminhamentos da providência de Deus.

Ajudar em acampamentos. Administrar e organizar.


Conversar com pessoas que estão chegando. Atividades de lazer.
Educação física. Atividades de socialização. Construção e reforma.
Limpeza e conservação. Reparos gerais. Conserto de máquinas.
Marcenaria. Serviços elétricos. Jardinagem. Plantio de horta e pomar.
Cuidado com lavoura. . Dirigir utilitários, ônibus e caminhões. Artesanato.
Criação publicitária. Redação. Revisão de textos. Secretariado
Serviços de escritório. Confecção de cartazes. Decoração. Desenho manual.
Fotografia. Música. Enfermagem. Serviços médicos.
Serviços odontológicos. Serviços psicológicos. Assistência social.
Projetos sociais. Digitação de texto. Desenho e programação de banco de dados.
Redes sociais. Fazer slides (Keynote, PowerPoint). Edição de áudio.
Desenho vetorial (Adobe Illustrator). Edição de imagem (Adobe Photoshop).
Editoração (Adobe InDesign). Edição e publicação de vídeos.
Gravação de CD/DVD. Redes Wi-Fi. HTML, CSS e WordPress.
Cozinhar. Gerenciamento de equipe de cozinha. Ensino.
Outros:
_______________________________________________________________________________

5 Tenho opiniões/sentimentos fortes sobre esses assuntos/causas:

Meio-ambiente. Discipulado. Violência. Educação. Economia.


Saúde. Aborto. Igreja. Cuidar de crianças. AIDS. Injustiça.
Vícios. Alcançar os perdidos. Pobreza. Fome. Ideologia de gênero.
Política. Racismo. Tecnologia. Família. Alfabetização
Outros:

_______________________________________________________________________________

80
RESUMO DO QUESTIONÁRIO

Baseado em minhas respostas, é possível que minha(s) área(s) de interesse ou chamado


se relacionem com os seguintes grupos humanos ou atividades (escreva nas linhas abaixo os
tipos ou grupos humanos e atividades, serviços e causas gerais que você marcou):

___________________________________________________

___________________________________________________

___________________________________________________

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