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Aula 1

POR QUE PRECISAMOS


ESTUDAR HISTÓRIA DA
IGREJA?
INTRODUÇÃO

Muitos cristãos hoje sofrem de "amnésia histórica”. Para a maioria dos que fazem
parte da igreja contemporânea, o tempo decorrido entre os apóstolos e sua própria
época é um grande espaço em branco. Shelley fala que como consequência dessa
ignorância, vários cristãos se tornaram vulneráveis aos atrativos das seitas, e certas
distorções do cristianismo passaram a ser, muitas vezes, confundidas com a reali-
dade.¹
É evidente que a falta de conhecimento da história do cristianismo, gera carência
na formação da identidade cristã, deixando o crente à mercê de qualquer mudança

1 SHELLEY, Bruce L., História do Cristianismo: uma obra completa e atual sobre a trajetória
da igreja cristã desde as origens até o século XXl, Rio de Janeiro, Thomas Nelson 2018, P. 11

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doutrinária e ética. Esse é um dos grandes problemas do cristianismo na contem-


poraneidade, pois, ao romper seu laço com o passado, acabou ficando à deriva dos
movimentos relativistas e antropocentristas.
O estudo da História da Igreja é, sem dúvidas, indispensável para todos aqueles
que fazem parte da igreja e desejam crescer no conhecimento de suas origens, ter
sua fé fortalecida e o coração aquecido.

Três pensamentos errados acerca do estudo de História da Igreja


Geralmente, a maioria dos cristãos não se interessa ou ignora o estudo da História
da Igreja por três principais motivos:

1. Pensar que o estudo da história da igreja é apenas


para teólogos

É um erro pensar que estudar a história da igreja é algo desnecessário para um cris-
tão comum. Não é correto o pensamento de que esse estudo é importante apenas
para teólogos, pastores e mestres. Todo cristão precisa saber a história e a trajetó-
ria da sua própria fé. Conhecer a história da igreja, desde a sua origem até os dias
atuais, é fundamental não apenas para teólogos, pastores e mestres, mas para todo
cristão que deseja ter a sua fé firmada sobre fundamentos sólidos que vêm sendo
construídos há mais de dois mil anos de história.

2. Pensar que o estudo da história da igreja é muito


complicado, podendo confundir a mente de um
cristão simples

Outro erro que impede muitos cristãos de estudar a história da igreja é o pensa-
mento de que ela trata de uma história sobre pensadores profissionais em torre de
marfim, inventando doutrinas complicadas e inacessíveis ao cristão simples.
Esse pensamento é, em certo sentido, até compreensível, visto que a maioria dos
livros que abordam esse assunto possuem uma linguagem mais densa. Mas isso não
deve ser encarado como um empecilho e sim como um incentivo ao desenvolvi-
mento intelectual por parte de cada cristão. Todos nós somos chamados a ter nos-
sas faculdades mentais desenvolvidas e a crescer no conhecimento das verdades de
Deus e do seu agir na história.

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3. Pensar que só há vilões na história

Por último, outro erro muito comum que impede os cristãos de se interessarem
pelo estudo da história da igreja é o fato de acharem que no passado só houve
vilões. Muitos vivem na ilusão de que durante toda a trajetória da igreja só houve
apostasia e que os “heróis” só apareceram na história quando originou-se a sua
igreja em particular. Contudo, essa falta de aceitação do outro nos leva ao isola-
mento, que por sua vez gera estagnação, preconceito e paralisação de crescimento.
O estudo da história da igreja nos permite enxergar com cada vez mais clareza, a
ação de Deus em linhas diferentes do Corpo de Cristo e não apenas naquela, da
qual fazemos parte.

O que é “igreja”?
Alderi de Souza Matos, em seu livro “A Caminhada Cristã na História”, diz que ao
estudar a história do cristianismo, é importante refletir em primeiro lugar sobre o
que é a igreja cristã, qual o seu significado, sua natureza e seus limites². O Novo
Testamento grego usa a palavra “ekklesía” no singular e no plural, ou seja, tanto
para referir-se a uma comunidade cristã específica, isto é, uma igreja local, quanto
a um conjunto dessas comunidades, geralmente localizadas em uma determinada
região. Mais intrigante, e certamente mais complexo, é o uso do termo no singular,
porém com um significado coletivo, isto é, com referência a uma realidade mais
ampla e mais profunda, como é o caso da passagem clássica de Mateus 16.18 (“sobre
esta pedra edificarei a minha igreja”). Mas o que afinal “a igreja” é nesse sentido mais
abrangente e mais profundo?
Alderi prossegue argumentando em seu livro, que o Novo Testamento parece dar
uma dupla resposta a essa pergunta. Ele diz que por um lado, ela é uma realidade
espiritual e mística, o corpo de Cristo, e como tal é invisível aos olhos humanos.
Trata-se do conjunto dos verdadeiros crentes, passados, presentes e futuros, da-
queles que pertencem a Cristo e o reconhecem explicitamente como Salvador e
Senhor, onde quer que se encontrem. Por outro lado, em um sentido mais concreto
e palpável, esse corpo é o conjunto visível daqueles que professam a fé cristã e se
reúnem em comunidades. Nesta segunda acepção, o Novo Testamento utiliza vá-
rias outras figuras para designar a igreja: povo de Deus, família, edifício, rebanho,
lavoura de Deus etc. Em nenhum desses dois aspectos neotestamentários o termo
“igreja” se refere a uma estrutura, a uma organização, mas é sempre uma realidade
invisível, o corpo místico, ou visível, o conjunto dos fiéis.

2. MATOS, Alderi de Souza, A caminhada cristã na história: A Bíblia, a igreja e a sociedade


ontem e hoje, Viçosa, Minas Gerais, Ultimato, 2005, P. 17.

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Sendo assim, quando falamos o termo ‘igreja’ estamos nos referindo em linhas ge-
rais ao conceito não apenas de ‘igreja local’, mas principalmente ao conceito de
‘igreja invisível e universal’, a igreja como instituição de Deus em todas as gerações
e em todo o mundo.

História da Igreja e Teologia Histórica


O termo "história" é originado do vocábulo grego historie, que tem como conceito a
ideia de "investigação", ou seja, do entendimento vindo por meio da pesquisa. Atra-
vés do estudo histórico, obtém-se um conjunto de informações sobre processos e
fatos ocorridos no passado que contribuem para a compreensão do presente. No
meio cristão, é comum confundir “História da Igreja” com “Teologia Histórica”.
Embora essas duas disciplinas estejam intimamente ligadas, elas não são a mesma
coisa.
A História da Igreja é o estudo da caminhada e do desenvolvimento da igreja através
do tempo. Trata da investigação dos fatos gerais da narrativa do povo de Deus ao
longo dos séculos, abordando o relato da origem, da trajetória, do desenvolvimen-
to, dos desvios e impactos do cristianismo na sociedade em cada fase. Possui uma
tarefa mais descritiva dos fatos passados que foram importantes nessa trajetória. O
historiador Earle E. Cairns define a história da igreja como "o relato interpretado da
origem, progresso e impacto do cristianismo sobre a sociedade humana, baseado
em dados organizados e reunidos pelo método científico a partir de fontes arqueo-
lógicas, documentais ou vivas³".
A Teologia Histórica por sua vez se concentra no estudo da história da doutrina
cristã, isto é, no desenvolvimento histórico da teologia. Guretzki e Nordling a des-
crevem como "A divisão da disciplina teológica que busca entender e delinear como
a igreja interpretou as Escrituras e desenvolveu a doutrina ao longo de sua história,
desde o tempo dos apóstolos até o presente4. A dupla função da teologia histórica
é mostrar a origem e o desenvolvimento das crenças mantidas atualmente e ajudar
os cristãos contemporâneos a identificar erros teológicos do passado que devem
ser evitados no presente.
A Teologia Histórica e a História da Igreja são duas matérias diferentes, porém,
estreitamente relacionadas e importantes. Seria difícil, senão impossível, compre-
ender a história da igreja sem também compreender a história da doutrina que
muitas vezes levou a diferentes divisões e movimentos dentro da história da igreja.

3. CAIRNS, Earle E., O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã, São
Paulo, Vida Nova, 2008, P. 14.
4. GRENZ, Guretzki, and Nordling, Pocket Dictionary of Theological Terms, Downers Grove,
IL: InterVarsity Press, 1999, P. 59.

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Contudo, apesar dessa diferença, o estudo da história da igreja acaba sendo, ine-
vitavelmente, um empreendimento teológico, uma vez que os fatos históricos do
cristianismo estão intrinsecamente ligados ao desenvolvimento da teologia e das
doutrinas cristãs.

SETE RAZÕES PELAS QUAIS DEVEMOS


ESTUDAR HISTÓRIA DA IGREJA

1. Para conhecer a história do povo de Deus, da qual


eu mesmo faço parte.

História da Igreja é a narrativa do povo de Deus na história. E, uma vez que fazemos
parte do povo de Deus, ela é também a minha e a sua história. Precisamos conhecer
essa narrativa porque ela formou e continua formando a nossa identidade como
cristãos. Como diz González, ela é, em certo sentido, uma autobiografia. Contudo,
em lugar de começar com o nosso nascimento, começa séculos antes, e narra toda
uma série de acontecimentos que, no final, seriam determinantes na nossa vida.
Em seu livro “História Ilustrada do Cristianismo” ele escreve:

“Sem esses séculos passados, meu nascimento e minha vida toda pareciam
flutuar no vazio. Mas, mais que uma autobiografia individual, esta his-
tória é a biografia desse povo de Deus chamado igreja, onde minha fé foi
formada e nutrida. Sem compreendê-la, não compreendo a mim mesmo. E,
sem conhecer a sua história, não a compreendo. Portanto, não se trata aqui
de um interesse de antiquário em tempos passados que nunca voltarão,
mas trata-se antes de uma necessidade urgente de conhecer esses tempos
passados que seguem presentes ainda entre nós - limitando nossas opções,
determinando nossas perspectivas, e assinalando-nos o caminho em dire-
ção ao futuro5”.
Estudar história da igreja é importante, primeiramente, porque ela diz respeito a
quem somos e como chegamos até aqui como povo de Deus. Trata-se de compre-
ender nossas próprias origens e de tudo que foi sendo construído e acumulado
para nós ao longo dos séculos. Aqueles homens e mulheres piedosos que viveram
no passado são os nossos pais, mães, irmãos e irmãs em Cristo. Podemos nos en-
riquecer e fortalecer ao aprender com essa “tão grande nuvem de testemunhas”

5. GONZALES, Justo L. Uma história ilustrada do cristianismo, São Paulo, Vida Nova, 1995,
Prefácio.

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que combateram antes de nós o “bom combate da fé”. Não se trata de um estudo
indiferente a nós, pelo contrário, é sobre quem somos e o legado que carregamos
como povo de Deus na história.

2. Para conhecer o Deus que atua na história

Sempre quando olhamos para a narrativa bíblica vemos Deus agindo na vida do seu
povo. Nós o vemos sempre demonstrando graça e misericórdia em sustentá-los em
tempos difíceis e jamais desistindo deles quando tropeçam e caem em algum erro.
O mesmo acontece quando olhamos para a história da igreja. Deus nunca mudou e
nunca mudará em relação ao seu povo. Ele nunca parou de atuar na história, mes-
mo nos momentos mais sombrios. A existência do cristianismo ainda hoje, depois
de mais de dois mil anos desde a sua origem, é um testemunho da ação graciosa de
Deus na história.
A história da igreja é não só a história de homens que viveram no passado, mas a
história da interação entre Deus e seu povo. Olhar com essa perspectiva para a his-
tória faz toda diferença na forma como nós vemos a igreja: ela é e sempre foi o povo
de Deus neste mundo! Estudar essa história é estudar o relato do que Deus fez para
conduzir, proteger e preservar o seu povo em cada fase. É só olhar para os relatos
históricos que claramente se vê a mão de Deus agindo, preservando, cuidando e
fortalecendo seu povo geração após geração.
Estudar essa história tão magnífica, não tem a ver com se encher de informações
acerca de pessoas, datas, locais e certos acontecimentos isolados, mas, principal-
mente, em ter o coração aquecido e a mente batizada na certeza de que Deus per-
manece atuando no mundo por amor ao seu povo, a fim de torná-los em uma noiva
santa e pura para si.

3. Para descobrir as contribuições positivas e


negativas que influenciam a igreja em toda a sua
trajetória.

Estudar sobre a história do povo de Deus, saber como tudo começou e como tudo
foi se desenvolvendo em cada período, nos leva a perceber os erros e os acertos da
igreja em sua longa jornada. Poder olhar para trás e acessar mais de dois mil anos
de história é um privilégio ímpar de nossa geração! Descobrir as contribuições po-
sitivas e negativas as quais influenciaram a igreja em sua trajetória, é o motivo mais
importante para se estudar a história da igreja.
Quando aprendemos com os erros e acertos dos cristãos que viveram antes de nós,
crescemos em maturidade e nos tornamos mais sábios. Infelizmente, muitos têm

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tropeçado dentro da igreja simplesmente por não saberem que pessoas antes deles
já haviam trilhado o mesmo caminho e caído no mesmo engano. Ou, muitos ainda
não têm obtido êxito em sua jornada cristã, por simplesmente desconhecerem ca-
minhos superiores que cristãos sábios já trilharam nas gerações passadas.
É muito importante olharmos para o passado e buscarmos entender como nós fo-
mos influenciados positivamente ou negativamente por esses homens e mulheres
de séculos anteriores. A sabedoria acumulada ao longo dos séculos traz um benefí-
cio enorme para a igreja contemporânea. Saber o que foi negativo em cada fase ou
em cada personagem, nos ajuda a perceber nossos próprios erros como indivíduos
e como igreja. Isso deve nos levar ao arrependimento e a uma busca por respostas.
Por outro lado, saber o que foi positivo e o que cada um fez de bom, nos enche de
gratidão e esperança. Podemos ser despertados e encorajados a ir além em nossa
jornada com Deus.

4. Para preservar as bases essenciais da fé Cristã

Uma das coisas que fica nítida quando estudamos a história da igreja é que todos
os processos que ela passou até os dias de hoje, tem a ver com uma batalha para a
preservação da verdade, da sã doutrina e das bases essenciais da fé. É interessantís-
simo notar a vitória do evangelho diante de todos os desafios que a igreja enfrentou
desde o seu nascimento. A despeito do surgimento ininterrupto de heresias, falsos
mestres, das perseguições, da sedução da cultura e o deteriorar do tempo, pode-
mos nos alegrar diante do fato de que as verdades essenciais do evangelho foram
preservadas ao longo da história.
É impressionante ver como, apesar de todos esses desafios intimidadores, as dou-
trinas essenciais da fé cristã foram sendo não apenas preservadas, mas desenvol-
vidas e consolidadas. Essa batalha para preservar as bases essenciais da fé cristã é
claramente percebida nos concílios, nos credos, nas reformas e nas confissões da
igreja.
Quando estudamos História da Igreja aprendemos não apenas como as doutrinas
foram preservadas e se desenvolveram em cada fase, mas, principalmente, apren-
der a valorizar todo o trabalho que foi feito no passado para que as bases essenciais
da fé cristã pudessem permanecer até os nossos dias. Isso é algo que deve nos for-
talecer e encher de ânimo para continuarmos a batalhar pela sã doutrina em uma
era cada vez mais secular. Estudar História da Igreja tem a ver com se engajar, de
forma consciente, em uma luta que se iniciou no tempo dos apóstolos e que vem
reverberando até hoje.

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5. É uma ótima forma de estudar teologia

História da Igreja é um estudo que, de certa forma, abrange todos os outros estudos
teológicos. Quando se estuda história da igreja acaba se estudando junto teologia
bíblica, exegética, sistemática e filosófica. Isso porque o desenvolvimento de todas
essas teologias se deu dentro de um contexto histórico.
Quando estudamos a história da formação dessas teologias somos beneficiados de
inúmeras maneiras. Este estudo acaba nos ajudando a fazer distinção entre orto-
doxia e heresia, além de fornecer interpretações bíblicas e formulações teológicas
sólidas, sem contar os vários exemplos de homens e mulheres piedosos que nos
inspiram a desenvolver uma espiritualidade mais apaixonada, viva e radiante.
Estudar História da Igreja é também estudar o desenvolvimento do pensamento
cristão, ou seja, o modo como cada teólogo pensa e interpreta as Escrituras. Isso é
ótimo porque, além de nos levar a um estudo mais abrangente daquilo que cremos,
é uma excelente forma de aprofundar o nosso conhecimento na doutrina cristã.
Gregg R. Allison fala que em alguns casos, o esforço imenso e o estudo cuidadoso
que a igreja empreendeu no passado resultaram em uma compreensão bíblica e
teológica tão excelente, que constitui a maior parte do alicerce sobre o qual a igreja
realiza hoje os estudos de teologia.6

6. Para ter a espiritualidade nutrida pelo testemunho


de grandes homens e mulheres que serviram a Deus
no passado.

Quando conhecemos a história do que nossos irmãos fizeram no passado, nós con-
seguimos ter um testemunho real que nos inspira hoje. Por exemplo: William Ca-
rey, missionário inglês, conhecido como o "pai das missões modernas”, só fez mis-
sões porque leu o diário de David Brainerd. Agostinho, grande filósofo, escritor,
bispo e um dos mais importantes teólogos cristãos, só viveu a angústia que o levou
à conversão após conhecer a história de alguns jovens ricos que abandonaram tudo
pelo evangelho e seguiram a vida como monges. John Wesley, grande evangelista
britânico do século XVIII e fundador do movimento metodista, converteu-se ao
ouvir a leitura do prefácio de Lutero sobre o livro de Romanos. E, muitos dos aviva-
mentos na América só surgiram por causa da leitura de jornais que traziam relatos
de avivamentos anteriores.

6. ALLISON, Gregg R., Teologia histórica: uma introdução ao desenvolvimento da doutrina


cristã, São Paulo, Vida nova, 2017, P. 31

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Todos esses exemplos nos mostram que testemunhos são contagiantes! É impossí-
vel estudar a história dos grandes homens e mulheres que serviram a Deus no pas-
sado e não ser instigado a entregar-se mais a Deus, voltando-se para uma vida mais
profunda de devoção e uma espiritualidade mais viva. Não é à toa que o salmista
diz: “uma geração contará à outra a grandiosidade dos teus feitos” (Sl 145.5).
Todo cristão precisa ter comunhão com a família da fé, e essa família envolve não
apenas os vivos hoje, mas também aqueles que já se foram e deixaram seu teste-
munho na história. Eles eram pessoas iguais a nós, limitados e sujeitos às mesmas
fraquezas, mas mesmo assim deixaram um legado para nós. Aprender com eles
requer humildade, uma atitude de reconhecer que nós não queremos começar algo
do nada, que precisamos nos debruçar sobre os ombros desses ‘gigantes’ e andar
por um caminho que já foi aberto e trilhado por eles.

7. Para obter uma compreensão global a respeito da


igreja e do propósito eterno de Deus.

Deus tem um plano cósmico que ele está realizando desde o princípio, a Bíblia é
o relato disso. A história da igreja é a continuação do desenrolar desse plano. Por
isso, depois da leitura da Bíblia, o estudo da História da Igreja é a coisa mais impor-
tante para entendermos para onde Deus está conduzindo o seu povo. Estudar essa
história nos traz uma compreensão global e abrangente do plano que Deus está
realizando ao longo dos séculos. Embora já esteja definido o destino da história nas
Escrituras, especificamente no livro de Apocalipse, quando estudamos História da
Igreja vemos a trajetória do povo de Deus rumo a esse destino. Hoje, somos nós
que estamos nessa jornada, todos nós fazemos parte do processo daquilo que Deus
está fazendo na história. Sobre essa perspectiva Latourette escreve:

“A história do cristianismo não é somente antiga: ela é também nova. Em


cada época deve ser contada novamente. Não meramente porque em cada
época um capítulo é acrescentado pela ação continuada dos eventos. É
também porque em cada estágio da marcha da humanidade uma nova
perspectiva é adquirida. Cada geração de historiadores pode dizer de seus
predecessores: Sem nós eles não podem ser aperfeiçoados7”.
Estudar sobre como a igreja cresceu e se desenvolveu em toda a sua trajetória é,
sem dúvidas, essencial para todo cristão, justamente pelo fato dela ser uma con-
tinuação do desenrolar do plano de Deus na história que se inicia nas Escrituras

7. LATOURETTE, Kenneth Scott, Uma história do cristianismo - vol. 1: Até 1.500 A.D, São
Paulo, Hagnos, 2006, Prefácio.

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e chega até os nossos dias. A grande mensagem das Escrituras, e Abraão é uma
excelente figura disso, é que estamos em uma jornada que ainda não acabou. Deus
continua atuando na história e se quisermos estar alinhados com aquilo que ele está
fazendo hoje, nada mais sábio do que nos tornar conscientes daquilo que já fez nos
anos passados.

A parcialidade no relato histórico


Quando contamos uma história sempre iremos contá-la a partir de nossa própria
perspectiva. Essa perspectiva, por sua vez, é fruto dos nossos próprios pressupos-
tos. É como se usássemos óculos que nos permite ler e entender a história de uma
maneira específica. Isso não muda a realidade dos fatos, apenas influencia na ma-
neira como os interpretamos. Quando colocamos óculos de sol, por exemplo, não
mudamos a realidade ao nosso redor, mudamos apenas a nossa percepção da reali-
dade. Vemos tudo a partir da escala de cor e grau dos óculos. Da mesma forma, cada
autor ou historiador possui seus próprios óculos, mesmo que tenha como objetivo
trabalhar com fatos e imparcialidade.
A imparcialidade total é impossível porque todo autor sempre vai interpretar a his-
tória de acordo com a visão que ele tem. Um mesmo acontecimento, por exemplo,
pode ser visto como positivo para o desenvolvimento da igreja por um historiador e
negativo para outro. Um exemplo claro disso é a reforma, se você ler um historiador
católico romano relatando sobre a reforma, perceberá uma visão mais negativa em
comparação ao relato do mesmo acontecimento descrito por um historiador pro-
testante. Não podemos esperar uma interpretação isenta de pressupostos. Isso não
existe. O que se espera é uma interpretação honesta, comprometida com a busca
pela verdade. O melhor caminho é analisar as diferentes perspectivas e procurar o
caminho mais seguro na interpretação desses fatos.

Nossos pressupostos teológicos


Para não cairmos em nenhum extremo no estudo da história da igreja nós apoiamos
em dois pressupostos fundamentais:

1. Catolicidade

A palavra ‘católico’ quer dizer ‘universal’, isso significa que não temos uma visão
sectarista da igreja. Um dos nossos pressupostos ao estudar a história da igreja é a
valorização da universalidade da experiência cristã, e a busca pela unidade do corpo
de Cristo em meio à diversidade histórica, e às diferentes confissões cristãs. Embo-
ra tenhamos a nossa própria confissão, estamos abertos para perceber tudo de bom
que Deus fez no passado e tem feito hoje, nas diferentes linhas ou ramificações do
corpo de Cristo em toda a sua história ao redor do mundo.

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2. Progressão contínua da igreja

Alguns historiadores têm uma visão muito negativa da igreja após o primeiro sé-
culo, tendo uma perspectiva de declínio e não de progressão. Vendo todos os fatos
subsequentes como negativos. Nós, porém, admitimos ser parte de nossos pres-
supostos teológicos a visão da igreja como um desenvolvimento progressivo do
povo de Deus na história. Cremos que Deus sempre esteve sustentando seu povo
em todas as épocas, e que a igreja sempre deu testemunho da verdade em todas as
gerações, mesmo nos períodos mais sombrios e difíceis pelos quais passou.

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