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Hamilton de Mattos Monteiro

DEDALUS - Acervo - FFLCH-FIL


320 Nordeste insurgente, 1850-1890 I
T912
v.10

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NORDESTE INSURGENTE
(1850-1890)

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TOMBO _ : 00690'

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E CIENCIAS SOC1AI~ _
Copyright @ Hamilton de Mattos Monteiro

Capa:
127 (antigo 27)
Artistas Gráficos

Foto de capa:
Carlos Amaro

Caricatura:
f Emílio Damiani "

Revisão: INDICE
Aníbal Mari
Carlos A. Volpato

.) , Introdução 7
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A região 9
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As insurreições 31
As revoltas urbanas 77
'1.10 Conclusão 9S
Indicações para leitura 97

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editora brasil iense s.a.
01042 - rua barão de itapetininga, 93
são paulo - brasil

Jr
INTRODUÇÃO

Durante muito tempo, a historiografia brasileira


refletiu as histórias das elites vitoriosas e dedicou-se,
na maior parte, a acompanhar as mudanças do eixo
econômico dentro do território nacional. Assim, te-
mos vasta produção não só sobre o Nordeste colonial,
como também sobre as Minas Gerais no século
XVIII, a província fluminente e a Corte no século
XIX e São Paulo no século XX. Além do interesse
pelas mudanças econômicas, nesses pontos de atra-
ção, alguns temas são continuamente pesquisados,
entre outros a escravidão africana, a industrializa-
ção, etc. No conjunto, apesar de sua importância,
estas regiões, épocas ou temas, com seu poder de
atração, contribuíram para um relativo esquecimen-
to de outros assuntos e também da história de outras
regiões em determinadas épocas.
Modernamente, saímos desse provincialismo in-
telectual e começamos a escrever as histórias locais,
8 Hamilton de Mattos Monteiro

das épocas esquecidas. Retomamos o fio da meada,


deixado por historiadores e cronistas regionais que,
por muito tempo ignorados nas prateleiras das bi-
bliotecas, voltam a ter importância ao se escrever a
verdadeira história brasileira que não deve ser so-
mente a dos vencedores, mas também a dos vencidos,
a da Corte como a da província, a das regiões "desen-
volvidas" como a das empobrecidas e exploradas.
Aqui neste opúsculo, restauramos um pouco da
história do Nordeste brasileiro que, depois de ter sido A REGIÃO
uma das mais importantes regiões geo-econômicas
da era moderna, fornecedora praticamente exclusiva
do açúcar consumido no mundo ocidental, é deixada
à sua própria sorte, a partir do século XIX. O Nor- A Paisagem
deste é uma das provas do resultado da exploração
predatória dos recursos econômicos de uma região Quando nos referimos ao Nordeste brasileiro,
para atender a interesses externos, que, depois de tratamos da área que engloba os atuais Estados do
esgotada, é abandonada. De região heróica da época Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pa-
áurea da produção açucareira e da vitória contra os raíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia.
holandeses, passa a ser acusada de ignorante, faná- Esta vasta região apresenta-se subdividida em
tica e indolente, quando economicamente não mais quatro outras, consoante seu tipo de solo, clima e
interessa. vegetação. São elas a Zona da Mata, o Agreste, o
No presente trabalho, limitar-nos-emos a escre- Sertão e o Meio-Norte.
ver sobre a segunda metade do século XIX, já que a A Zona da Mata abarca cerca de 18,2% da área
primeira será objeto da atenção de outros especia- total, estendendo-se do Rio Grande do Norte à Ba-
listas e que, no conjunto, contribuirão para dar ao hia. Seu clima é quente e úmido e ali se cultiva
nordestino a consciência de seu passado sempre he- principalmente cana-de-açúcar, cacau e fumo.
róico e glorioso. Estendendo-se mais para o interior, está o
Agreste. Não apresenta clima e vegetação uniformes,
contendo algumas regiões que se assemelham ao Ser-
tão e outras à Zona da Mata. uma área de tran-
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Ê
10 Hamilton de Mattos Monteiro
Nordeste Insurgente (1850-1890) 11

sição entre essas duas outras que lhe fazem limites. propriedade cuja origem remonta às doações sesma-
As atividades econômicas são múltiplas, destacando- riais. Na Zona da Mata, desenvolveu-se a cultura da
se o algodão, os gêneros alimentícios e a pecuária. cana-de-açúcar; no Agreste, foi dada maior atenção
O Sertão ocupa a maior parte do Nordeste, à pecuária e/ou à cultura do algodão; no Sertão,
abrangendo cerca de 49% do total. Seu relevo é mais a pecuária extensiva teve grande êxito e, na região do
uniforme e o clima mais seco. Em grande parte, a Maranhão e Piauí, houve grande dedicação tanto ao
vegetação é de caatinga e a ocupação humana mais extrativismo vegetal quanto à pecuária,
rarefeita. As atividades predominantes são a pecuâria As pequenas propriedades são poucas e dedi-
e a cultura do algodão. Nele existem algumas regiões cam-se geralmente à produção de gêneros alimentí-
que são autênticas ilhas, onde se pratica uma agri- cios e, em alguns casos, ao algodão. No Agreste,
cultura variada e hâ maior concentração populacio- estas localizam-se nos chamados "brejos", regiões
nal. São as várzeas dos rios sertanejos, as regiões
mais elevadas e, portanto, beneficiadas por um clima I 1111
serranas e o vale do Cariri. de maior umidade, e, no Sertão, normalmente nas I
O Meio-Norte (Maranhão e Piauí) tipicamente
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regiões que margeiam os-rios. Muitas vezes são tão I
uma região de transição entre a floresta equatorial pequenas, entre 5 e 10 hectares, que obrigam os agri-
(floresta amazônica) e o Sertão. A paisagem se altera cultores a procurar trabalho adicional.
de oeste para leste. No extremo oeste do Maranhão, Por outro lado, havia também as terras arren-
a vegetação e as condições climáticas se assemelham dadas, onde se praticava uma agricultura geralmente
à Amazônia e, à medida que se avança para leste, voltada para gêneros alimentícios. Na Zona da Mata,
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cada vez mais se parece com o Sertão. A pecuária cultivavam a cana-de-açúcar para fornecimento aos
e o extrativismo vegetal predominam na atividade engenhos e, no Agreste e no Sertão, também o algo-
econômica, se bem que ali também se desenvolvam a dão, sendo que os grandes proprietários tinham
produção de algodão e a de arroz. maior interesse na atividade pecuária,
Comum também era a existência de "roças"
feitas pelos moradores, também chamados agrega-
A distribuição da Terra e a Sociedade dos, os quais constituíam-se em trabalhadores even-
tuais que moravam nas fazendas e a quem era permi-
o elemento principal que atuou na formação da tido cultivar uma pequena área. Estas "roças" eram
sociedade nordestina foi a posse da terra; a partir quase sempre de mandioca, milho e feijão, alimentos
dela, estruturaram-se os principais grupos sociais.
comuns na refeição nordestina.
Como se sabe, tem predominado ali a grande Sobre esta divisão e utilização da terra, assen-
12 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 13

tava-se uma estratificação social também diversifi- mente, de onde provinham os jagunços, os cabras e
cada. Em resumo, sem querer esgotar o assunto e os cangaceiros.
tendo em vista que nosso propósito é apenas estabe- "Nas cidades, o papel da agitação social estava
lecer o quadro da sociedade nordestina para efeito reservado a uma pequena classe média, que sofria
de melhor compreensão dos temas que serão trata- primeiro os efeitos da carestia e se compunha de
dos, a região apresentava as seguintes camadas so- artesãos (alfaiates, mestres-carapinas, mestres-de-
ciais: de um lado, no ápice da pirâmide social, estava obra e seus oficiais) e de profissionais liberais, im-
o grande proprietário (senhor de engenho na Zona da buídos, muitas vezes, de idéias de justiça social,
Mata, fazendeiro e/ou criador no Agreste e no Ser- quando não era tal papel, com bastante freqüência,
tão), isto é, o coronel todo-poderoso da Guarda Na- representado pelo clero ."
cional, senhor de fato da região sob sua influência. . Na longa crise por que passou o Nordeste no
Do outro lado, estavam os escravos e os moradores, século XIX, estes grupos não se limitaram a esperar
que, embora livres, gozavam de piores condições de pacificamente pela solução de seus problemas. Rea-
vida que os próprios escravos. giram a seu modo, a curto ou a longo prazo.
Entre estes dois grupos, situava-se uma enorme Dos mais pobres ou empobrecidos que não emi-
variedade de tipos sociais que englobavam desde os graram, saíram levas de bandidos que infestavam o
pequenos e médios proprietários e arrendatários, os Sertão e também os "sediciosos'; que colaboraram na
"oficiais" assalariados (como os mestres de açúcar rebeldia dos coronéis ou rebelavam-se diretamente
nos engenhos e o curtidor nas fazendas de criação) ou contra os que os exploravam.
autônomos (como alfaiates, oficiais de cantaria, car- Dos setores médios urbanos, emergiram os
pinteiros, etc.), até os profissionais liberais e os fun- "conspiradores", que nos clubes políticos, ou através
cionários públicos. de comícios, panfletos e jornais, não cessavam de
A desigual distribuição da terra iria dicotomizar fazer a crítica ao regime vigente e lideravam intelec-
a população rural na medida em que um número tualmente e na prática os motins e revoltas urbanos.
reduzido teria acesso a ela como proprietário ou Dos mais poderosos, dos grandes proprietários,
arrendatário e uma grande massa, progressivamente surgiram as "guerras" contra seus pares, as violên-
aumentada, por força mesmo do crescimento natu- cias contra seus agregados, as contestações ao poder
ral, teria de se contentar com a condição de mora- público; isoladas ou coletivas estas últimas tomaram
dores ou então perambular de propriedade em pro- os mais variados aspectos, desde a exploração cole-
priedade como jornaleiros. Estes últimos constituíam tiva de 1874, quando a crise se apresentou com toda
mão-de-obra barata e abundante, vivendo miseravel- a sua intensidade, até a abstenção com relação à
14 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) IS

sorte da monarquia, em 1889, já cansados de esperar em sua propriedade e se cerca de um numeroso "exér-
a atenção que achavam justa merecer. cito" privado, com o qual comete toda a sorte de vio-
Todavia, dada a importância, para a compreen- lências. Deve precaver-se contra possíveis "traições",
são das lutas sociais, do papel desempenhado pelos porque é assim que entende as discordâncias dos que
grandes proprietários e pelos homens pobres livres (a habitam sua área de mando; contra seu rival, tam-
quem chamaremos genericamente de lavradores), bém grande proprietário territorial, com o qual dis-
consideramos necessário maior detalhamento sobre puta a influência e até mesmo as terras, e, por úl-
estes dois grupos:" timo, contra o Estado monárquico que, tentando
instalar uma ordem em certa medida racional, toma
atitudes que contrariam seus interesses.
'" Os grandes proprietários Como centro de convergência das lutas sociais e
"
políticas no Nordeste, fundamentalmente no meio
Fundamentavam sua dominação no latifúndio e rural, está, de fato, o coronel. Ele é que, direta ou
na exploração da mão-de-obra, sob relações sociais indiretamente, traçava os rumos do relacionamento
de produção que iam desde o contrato mediante sa- social e político. Ele era a célula de todo o sistema.
lário até a escravidão, conforme suas conveniências e Enfeixava em suas mãos o poder econômico, jurí-
lucratividade. Impuseram-se socialmente pela vio- I~I
dico, político e, pela influência sobre o vigário local,
lência, a qual se caracterizou, desde a fase colonial, até mesmo determinava os parârnetros da ação reli-
pela expropriação do indígena, privando-o de suas giosa. Qualquer estudo sobre a violência da socie-.
terras e, em muitos casos, de sua liberdade; pela pri- dade local não pode ignorar a ordem social que ali se
vação da liberdade do negro e sua coação ao traba- instalou sob o primado da lei do mais forte, regida
lho; pela apropriação da quase totalidade das terras por um código próprio, o código do coronel.
por uma minoria. impedindo que uma ampla ca- Sua ética era muito simples. Era o "divisor de
mada de homens livres, cada vez maior, se tornasse águas", e o bem e o mal se definiam a partir de seus
também proprietária. interesses privados. Bem era tudo que fosse a seu
Instalou-se, portanto, uma ordem caracterizada favor e mal tudo que lhe fosse contra. "Conquista-
pela violência. O grande proprietário, o "coronel", dor" de suas terras ou herdeiro de "conquista", orga-
necessitou impor-se autoritariamente sobre a popu- nizador da produção local e "domador" da popula-
lação de seu "domínio", para assegurar a posse dos ção aborígene ou adventícia, o coronel era muito
seus bens ante a maioria que se constituía em traba- cioso de suas propriedades e posses e exigia de todos
lhadores livres, escravos e jagunços, Ele se acastela o reconhecimento de seus direitos de mando. Na sua

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lI' 16 Hamilton de Mattos Monteiro II Nordeste Insurgente (1850-1890) 17


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lógica, nada havia de mais correto e insofismável. Ele mindo desapiedadamente os que estão na sua depen-
jI
Ilu estava acima do julgamento dos subordinados, res- dência.
".. tando a estes balizar seu comportamento pela fideli- Mesmo assim, o relacionamento entre coronéis e
dade irrestrita ou então discordar e cair nas suas iras.
O coronelismo, fruto do latifúndio e da omissão
Estado, nessa época, foi, podemos dizer, harmo-
nioso. O coronel entendia o Estado como expressão
II
ou ausência do poder público, encontrar-se-ia, entre de seus interesses privados, e este adotava uma polí-
1850 e 1889, situado entre dois fogos. De um lado, a tica dúbia, mas lógica dentro dos objetivos nacionais.
!i crise do setor exportador que, quando não o arruína, Estávamos muito perto dos movimentos insurrecio-
torna sua situação econômica instável; do outro, a nais que marcaram a primeira metade do século
tentativa da monarquia em fazer valer seu poder em XIX, e ao Império atemorizava a idéia de qualquer
1! ":
meio a esses autênticos "potentados", como os alcu- convulsão interna. Diante da eclosão de algum mo-
"I
nhava Euzébio de Queirós. tim, insurreição, etc., caso partisse das camadas li
Acostumados ao mando sobre seus vastos domí- mais pobres, a resposta do governo imperial se fazia
nios, numa autoridade adquirida desde os tempos pronta e enérgica, e protelatória e cuidadosa, caso 1I

coloniais, os coronéis sofreriam os efeitos da centra- partisse dos coronéis. Ela foi violenta no caso do
lização monárquica a partir do momento em que os "Quebra-quilos", mas aos coronéis não foi aplicado
Braganças formaram no Brasil um Império autô- o "colete de couro" e foram absolvidos ou anistiados.
\1'11
nomo e aplicaram as idéias centralizadoras tão ao O que se depreende desse relacionamento é que
gosto das casas reais européias. Passado o período foi feito em níveis diversos e de formas diferentes.
regencial, durante o qual a obra centralizadora es- Em nível local, houve a submissão quase completa
i;/i
.' teve paralisada e em alguns casos retroagiu, e ven-
cida a revolta Praieira, em 1850, a monarquia reco-
das autoridades ao coronel; em nível geral, houve
uma ação decisiva, com alguns recuos táticos para
meça a sua obra de centralização e de instalação de enquadrar os grandes proprietários no Estado racio-
uma estrutura político-administrativa mais racional nal que se formava. Podemos dizer que o Império,
e menos patrimonial. Este fato provocaria atritos, se ciente da importância do coronel como "primeira
bem que, na maior parte dos casos, estabelecessem garantia da ordem pública", no dizer de Henrique
- o poder público e o poder privado - um modus Millet, e ciente, também, da necessidade de organi-
vivendi. Mas, apesar de tudo, os coronéis não cedem zar o pais em bases mais condizentes com o século,
na sua autoridade e agem como se fossem o poder colocou esta organização como objetivo permanente
maior, descaracterizando o poder público na sua a longo prazo, evitando uma ação imediata que pro-
área de influência, desmoralizando a justiça e opri- vocaria reações incontroláveis. Salvavam-se a paz in-
18 Hamilton de Mattos Monteiro
I

Nordeste Insurgente (1850-1890) 19 n


I
I terna e a unidade política em troca da concessão de Os lavradores i,
I ~i uma parcela do poder, em nível local, aos coronéis,
,11 enquanto a administração pública, em nível geral, Esta parcela da população caracteriza-se pela
mantinha a independência relativa necessária para heterogeneidade mas, qualquer que seja sua condi-
alcançar seus objetivos. ção em termos sócio-econômicos, deve-se ter em
Quando eclodiram os conflitos entre os coronéis mente a imensa distância que os separava dos gran-
e o Império, foi porque este ou adotou medidas con- des proprietários e que formavam a maioria da popu-
~I trárias aos interes~es dos grandes proprietários ou lação regional. Compunha-se esse grupo de pequenos
II1 não atendeu às suas reivindicações. Tais confrontos arrendatários, pequenos proprietários, moradores e
''~,
o quase sempre terminaram com a conciliação, geral- jornaleiros.
mente em detrimento do poder estatal. Suas condições de vida e trabalho eram precá-
I
li

Mas, se não houve conflitos que jogassem deci- rias. Como moradores ou agregados de uma grande
sivamente os coronéis contra o Estado, também não
I~l propriedade, habitavam por favor nas terras do se-
~ I

11

11'1: podemos dizer que houve uma ligação bem alicer- nhor, numa situação instável, podendo a qualquer
çada. A colaboração existia porque, por mais que momento ser expulsos, perdendo as benfeitorias e, in-
11'

, .li divergissem, tinham interesses comuns que se tradu- clusive, a "roça". Não tinham a necessária liberdade II lil
ziam, por exemplo, na necessidade de defender a para decidir suas vidas e mesmo a contragosto eram
manutenção da ordem numa sociedade com parcela convocados, não podendo se recusar, para realizar
1, considerável de subempregados, marginalizados e es- tarefas nada legais sob o mando arbitrário do coro- 'I,j
I"
cravos. Além do mais, alimentavam a esperança de nel. Se não eram moradores, constituíam-se em força ~'
auxílio financeiro da parte do Estado à sua economia de trabalho disponível conforme as necessidades dos
cada vez mais descapitalizada. Ressalte-se, ainda, o proprietários. O fato de serem trabalhadores even-
fato de que os coronéis jamais se mostraram unidos tuais, geralmente convocados nas épocas de plantio
na oposição ao governo. ou colheita, sob ínfimas condições de pagamento,
A reforma da Guarda Nacional, em 1873, a fazia dessa gente uma população sofrida, subnutrida
nova lei do recrutamento militar, de 1874, a falta' do e mendicante, muitas vezes migrando de paróquia
tão solicitado financiamento estatal e o agravamento para paróquia, à procura de trabalho e alimentos.
dos problemas econômicos, a partir da grande seca Após o fim do tráfico negreiro, com problemas
de 1877-79; serviram para o distanciamento decisivo de reposição de mão-de-obra, os grandes proprietá-
entre aquela elite e o regime monárquico. rios tiveram dificuldades em atrair trabalhadores ru-
I rais, devido, entre outros fatores, às condições expio-

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11I n
20 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 21
11:
I
r ratórias que impunham. Nos finais dos anos 50, ser abandonar a terra, acomodar-se, ou então trans-
I ouve-se o clamor dos fazendeiros que exigem das au- formar-se em bandido.
toridades medidas tendentes a obrigar os homens I O banditismo rural foi uma das soluções encon-
pobres livres a trabalhar em suas terras. Em 1860, I tradas por esta população que vivia em condições
a pedido, o Arcebispo da Bahia, Marquês de Santa ~ subumanas. A falta de consciência política levou-os a
Cruz, emite uma pastoral onde afirma que a ociosi- reagir instintivamente e a tornarem-se bandoleiros,
dade era um dos maiores pecados e concita, dessa também chamados cangaceiros. Optar pelo bandi-
I'
forma, os pobres a procurar trabalho. Na década de tismo significava a solução extrema diante da penú-
\'
11: 70, acentuando-se o problema, os delegados de Polí- ria e de certa forma a "liberdade", se bem que em
11: cia são alertados para efetivar a aplicação do § 2?, , termos individuais. Embora cometessem toda a sorte
'"
", do artigo 12, do Código de Processo Criminal e do de crimes, estes homens eram vistos como heróis e
artigo 111, do Regulamento de 31 de janeiro de 1842. olhados com admiração pela população em geral, da
O Chefe de Polícia da Província de Sergipe seria bem
f
,11 qual, inclusive, recebiam ajuda. Sua audácia e inde-
claro ao afirmar que" devido à falta de braços para a pendência ante o coronel transformavam-nos em
'I

11
lavoura, não se podia permitir a vadiagem". Estes exemplos vivos de saída possível. A partir da década
I1 parágrafos e artigos constituíam-se em verdadeiras de 70, principalmente após a grande seca de 1877-79, .
leis contra a pobreza, mendicância e ociosidade. Os

IIi
que fossem encontrados sem trabalho teriam o prazo
de 30 dias para encontrar ocupação, findo o qual
poderiam receber três tipos de penas: multa até 30
~I houve um incremento considerável; deste tipo de "saí-
da", não sendo por coincidência que ocorreu justa-
mente na época em que a crise econômica se mos- )"

." réis, prisão até 30 dias e 3 meses de casa de correção


trava mais aguda, e as relações sociais se faziam mais
impessoais, e menos velado se tornava o aspecto
ou oficinas públicas. Reeditava-se, no Brasil do sé- exploratôrio desse relacionamento. A violência ge-
culo XIX, a versão cabocla das famosas poor-laws
inglesas do século XVI.
rava a violência e ameaçava explodir de forma impre- ,
visível, com sérias conseqüências.
Estes homens pobres livres viviam praticamente Os lavradores pobres, por seu turno, só se revol-
à margem da lei. Não recebiam proteção dela, pois, tavam quando a situação tomava-se aflitiva ou quan-
no seu vasto mundo, os coronéis eram a lei suprema. do se aproveitavam de divisões ocorridas na elite
Os julgamentos e decisões dos juizes.as resoluções dominante e eram insuflados por um dos lados. Des-
das Câmaras Municipais, as ações da polícia, etc., sa forma, saíram em campo lutando contra seus
tudo se colocava sob o arbítrio daqueles land-lords. opressores ou aqueles que identificaram como tais.
Não havia recurso diante de seu autoritarismo, a não Atacaram as fazendas na revolta de 1851-52 e, entre
\

J I1
Nordeste Insurgente (1850-1890) 23
22 Hamilton de Mattos Monteiro

outros, as Câmaras Municipais e Coletorias na de podia admitir perder o controle da situação e se isso
1874-75. Em ambas, com o mesmo pavor de serem era provável as suas facções se conciliavam. Como
escravizados, pois foi assim que entenderam (ou fo- afirma José Honôrio Rodrigues, a conciliação sempre
ram induzidos a tal) os decretos inovadores do regis- foi feita contra e em detrimento do povo; surgia como
tro civil, do sistema métrico decimal e da nova lei do defesa da classe dominante contra a classe domi-
recrutamento militar. Esta atitude serve para de- nada. Ao sentir a gravidade do problema, os mem-
monstrar o quanto de contas tinham a ajustar com bros da elite que haviam insuflado a revolta popular
preferiam esquecer as rivalidades e apoiavam a re-
. seus "senhores". Demonstra, outrossim, que pos-
pressão governamental.
" suíam certa consciência da miserabilidade, depen-
1"
lI'" : dência e opressão em que viviam e não achavam As últimas décadas do século XIX foram assi-
", naladas, no Nordeste, pelo incremento do bandi-
", estranha a possibilidade de virem a ser escravizados.
.i.
. Os rebeldes derrotados engrossavam as fileiras tismo rural, do fanatismo religioso e pelo desânimo
"

'11 dos bandidos e os bandos desciam do Sertão quando dos grandes proprietários que se desinteressaram
pela sorte da Monarquia. A violência se consolidou
" "

1I
as rebeliões eclodiam no Agreste ou na Zona da
Mata. Os matutos viam o banditismo como saída como forma de relação natural entre a população
"
1I
possível para sua situação de penúria e explodiam em nordestina e refletia a acentuada deterioração das
rebelião quando a situação atingia seu ponto crítico. condições sociais. O desenrolar dos acontecimentos
"
Se não conseguiram atingir seus objetivos é porque levaria ao confronto, a uma autêntica luta de classes,
lhes faltaram a necessária conscientização e a lide- caso outros fatores não contribuíssem para esvaziar a
.' . rança saída de seu próprio meio. Quando foram
conscientizados e alertados contra quem os oprimia,
tensão. Entre estes, colocamos como fundamental as
migrações internas que deslocaram, progressiva-
pelos radicais ou padres jesuítas, não receberam o mente, para o litoral, para a Amazônia e, posterior-
apoio necessário para a continuação da luta. mente, para o Sul, grandes levas de nordestinos.
Diante da revolta popular, diante da revolta dos
homens "sem nenhuma importância social e menos A situação econômica
política", como os chamava certa autoridade, as eli-
tes se retraíam e se conciliavam. A revolta pregada As revoltas devem ser entendidas, sem excluir
pelas elites, quando de dissenções internas ou com o aspectos particulares e conjunturais, a partir da crise
aparelho estatal, não era revolução, mas sim uma econômica que assola a região e que se aprofunda
forma de levantar esses "proletários'" para atingir nas décadas finais do século XIX.
. 'objetivos que lhes interessavam. A elite, porém, não Inicialmente, não devemos esquecer que o Nor-
24 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) , '25

deste foi colonizado e explorado tendo em vista as


nec~~sidades econômicas d~ expansão comer~ia~ eu-
ropeia. A procura de metais preCIOSOS,especianas e '~
I' do açúcar. A sua importância fica patenteada quan-
do, após o Brasil passar para o domínio espanhol, em
1580, e tendo em vista a guerra entre a Holanda e a
produtos tropicais havia provocado as grandes nave- Espanha, os holandeses resolvem conquistar a região
gações dos séculos XV e XVI e colocado, à mercê dos para não perder tão importante fonte de lucros.
homens de negócios da Europa, novas áreas, muitas Mas tanta importância e riqueza gerada no nor-
das quais praticamente despovoadas. Em algumas deste brasileiro que fazia a fortuna de muitos comer-
• regiões coloniais, encontraram grande densidade ciantes portugueses e batavós estava assentada sobre
11:: populacional e formas de trabalho que souberam base instável, que iria ser a responsável pela crise que '
~i~
"'IM
adaptar aos objetivos europeus; em outras, como no a região passaria nos fins do século XVIII e todo o
\tt!fl
caso brasileiro, tiveram que montar toda uma infra- século XIX.
,I ~, estrutura de produção, trazendo para aqui, sua téc- Um ponto fundamental que o leitor deve obser-
I"
nica, capitais e, inclusive, mão-de-obra forçada. De var está na própria gênese da economia local, nas-
H:
que adiantava ter-se dinheiro, sementes e instrumen- cida a partir de necessidades externas, ou seja, vi-
",
I li, tos de trabalho se faltava gente para trabalhar? A sando a atender a um consumo que estava milhares
li, escravidão negra foi uma solução para tornar' viável de quilômetros distante, isto é, na Europa.
'"
os investimentos e fechar o círculo da economia. Não Disto advêm problemas sérios:
'r. estavam em jogo os direitos humanos, mas sim a I?) o plantador nordestino, que assumia todas
rentabilidade econômica. as despesas e riscos do plantio e colheita da cana e da
"I,. O Nordeste mostrou-se propício à produção de produção do açúcar, não tinha controle sobre o preço
alguns artigos tropicais, principalmente a cana-de- e a venda do artigo que ele próprio produzia. Afas-
açúcar, cujo consumo aumentava continuadamente tado da comercialização, ficava ao sabor das flutua-
no Velho Mundo e, posteriormente, de outros como o ções dos preços que, muitas vezes, não chegavam a
algodão e o arroz. pagar os custos da produção, gerando o seu endivi-
Seguindo estas necessidades externas, pôde a damento e, em alguns casos, a ruína;
região durante longo tempo, na época colonial, en- 2?) não tinha a garantia de que sua produção
trar no circuito da produção e comércio mundiais, seria efetivamente adquirida pelos comerciantes es-
cujo centro achava-se nos Países Baixos, passando trangeiros. Investimentos holandeses.jngleses e fran-
evidentemente pelos portos portugueses. ceses, nas Antilhas, fizeram desta região um centro
Em fins do século XVI, a Zona da Mata nordes- produtor de açúcar concorrente do Brasil e sua proxi-
tina ocupava o primeiro lugar na produção mundial midade da Europa, além de outros fatores, fizeram
26 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 27

com que o Nordeste perdesse fatia considerável deste forma de trabalho, exigia reposição contínua de
importante comércio. A isto acrescente-se o esforço mão-de-obra;
do continente europeu em extrair, com sucesso, o 5?) tendo sido montada como economia produ-
açúcar da beterraba; tora de artigos para exportação, a região tendia à
3?) na medida em que não tinha possibilidades monocultura em detrimento da produção de alimen-
de influir no comércio internacional, o fazendeiro tos para o consumo local. A importação de muitos
nordestino, ao mesmo tempo que via os preços de alimentos de outras regiões ou países deixava, pois,
seus artigos. baixarem de forma real, era forçado, as cidades sob a ameaça da escassez e à mercê da alta
· numa autêntica troca desigual, a adquirir manufa- dos preços dos gêneros de primeira necessidade;
'.".
I'I

i"1.,
turados europeus (implementos agrículas, objetos
de consumo pessoal, etc.) por preços que se elevavam
6?) tendo em vista que a principal produção da
região visava a mercados externos (não só no sentido
,I.,

'.
continuamente; de estrangeiros, como de outras regiões do país), o
'I( 4?) a utilização do escravo como principal força fazendeiro não tinha por que pagar bons salários aos
de trabalho era rentável enquanto o preço do produto
'.
Il no mercado fosse elevado. O fazendeiro, ao comprar
trabalhadores livres, quando os possuía, já que não
era entre estes que estavam seus principais consumi-
Il o escravo, imobilizava nele um capital (dinheiro) e dores. Da mesma forma que agia com os escravos,
"

tinha que, obrigatoriamente, fornecer casa, comida e exigia dos homens livres cotas excessivas de trabalho
roupa. Quer produzisse ou não, a despesa com esta em troca de diárias irrisórias.
força de trabalho era relativamente constante. Para No Nordeste, a partir de fins do século XVIII,
que se produzisse com mão-de-obra escrava, não se encontramos todos estes problemas que se irão agra-
podia lançar mão de instrumentos de trabalho muito var no século XIX. Os produtos da região perdem,
sofisticados, e necessário se tomava, também, que a cada vez mais, importantes fatias dos mercados tra-
terra fosse abundante e fértil para que a técnica rudi- dicionais; há uma queda real dos preços desses arti-
mentar fosse compensada pela natureza. Visando a gos e observa-se o esgotamento do solo, caindo a pro-
retirar, no mais curto espaço de tempo possível, o dutividade. A redução dos lucros impede a introdu-
capital investido no escravo, o fazendeiro era obri- ção, em forma ampla, de uma modernatecnologia
gado a exigir dele cotas de trabalho bem maiores que, por certo, estava além das posses da grande
(média de 14 horas por dia), o que tomava sua vida maioria dos fazendeiros. Com o fim do tráfico ne-
útil muito curta. Portanto, além do alto preço de greiro, a partir de 1850, o fazendeiro nordestino, às
custo do escravo, da abundância e· fertilidade da voltas com esses problemas, começa a se desfazer de
terra, a escravidão, para continuar a existir como seus escravos. Vende-os para o Sudeste que, em fase
Nordeste Insurgente (1850-1890) 29
28 Hamilton de Mattos Monteiro

de expansão, pode pagar elevados preços pelos ca- vres vivendo miseravelmente. ,
tivos. Mas tal fato não significa que a recuperação do Celso Furtado (1974:147-149), comparando da-
capital imobilizado naquela força de trabalho venha dos das duas últimas décadas do século XIX, diz
resolver seus problemas; pelo contrário, como sua si- que, enquanto a população nordestina cresceu cerca
tuação chegara a um ponto crítico, na verdade, ele de 80 0/0, a renda real gerada pelo setor exportador
estava desfazendo-se de seus bens para saldar dí- não ultrapassou S40/0, cabendo admitir que "houve
vidas. declínio da renda per capita da região". Este declí-
I
Aí está a explicação para o tráfico interprovin- nio, no cômputo geral e no nível das classes sociais,
" traduz-se no empobrecimento ainda maior dos assa-
11:: cial de escravos que, nas décadas de 60 e 70, encheu
II:~
111- de horror o país. A proibição do tráfico internacional lariados, arrendatários e meeiros e na concentração
" não permitira ao Brasil livrar-se deste comércio de- de renda em mãos dos grandes proprietários.
~" gradante que então passava a ser feito às claras, Esta concentração de renda repousa e gera a
i"
.~ dentro do próprio território nacional. proletarização de amplas camadas sociais. Uma par-
Contudo, o fim do tráfico e a crise do setor te considerável dos grandes fazendeiros inicia um
'"
,11, exportador fizeram com que a abolição da escravidão processo de ampliação das áreas destinadas ao cul-
II~ chegasse mais cedo ao Nordeste do que no resto do tivo dos artigos de exportação, às expensas das que
;1 ,~

país. O braço escravo foi sendo substituído pelo livre produziam gêneros alimentícios. Os relatórios dos
'I(
em condições extremas de miserabilidade. Na região, chefes de Polícia das províncias mostram uma cres-
i( cente relação de casos de violência praticados pelos
I
já havia uma reserva de mão-de-obra livre suficiente
para assegurar a reprodução daquela economia ex- fazendeiros contra os moradores de suas terras. Estes
I"

portadora sem ter que pagar salários elevados. Se- são expropriados, perdendo suas "roças". Aumenta
gundo cronistas que visitaram a região naquela épo- o número de desocupados e miseráveis.
ca, a situação desses trabalhadores livres era pior do A dinâmica e as contradições da acentuada
que a dos escravos, pois estes últimos, pelo menos, dependência brasileira no marco do capitalismo in-
tinham assegurados vestuário, alimentação e mora- ternacional provocavam a destruição da pequena
dia. produção e ampliavam a economia de plantation,
Em síntese, era esta a situação do Nordeste. Eliminavam, pouco a pouco, a produção de artigos
Perda de mercados tradicionais, queda dos preços
dos artigos de exportação, esgotamento do solo, ren-
I I,
de subsistência (em sua quase totalidade, feita por
esses moradores) e forçavam a que todos entrassem
11: dimen to decrescente do setor agro-exportador e uma em uma economia de mercado, num processo que
"massa" progressivamente aumentada de homens li- ainda hoje não se completou. Ãpobreza e ociosidade
30 Hamilton de Mattos Monteiro

de grande parte da força de trabalho disponível so-


mavam-se a escassez e alta dos preços dos artigos
básicos da alimentação local. Verificaram-se violen-
tas insurreições urbanas e casas comerciais foram
depredadas e incendiadas.
O Nordeste estava, neste período, à beira da
efervescência revolucionária. Tudo era motivo para
I;
revolta e atos de violência. Nas principais cidades, de
li" tempos em tempos, ocorriam motins populares. As
decisões governamentais que não tinham apoio ou AS INSURREIÇOES
compreensão popular não eram acatadas. A popu-
1'1
lação revoltava-se contra o recrutamento militar,
11\
contra o aumento de impostos, contra o registro civil
~t dos nascimentos e óbitos, contra o censo geral da Introdução
, ~
'Il população do Império, contra a aplicação dos novos
',I L. padrões de pesos e medidas, etc. Não realizava sim-
.ples passeatas de protestos, mas autênticas lutas com
Denominaremos genericamente de insurreições
os violentos movimentos sociais que sacodem o Nor-
,(
,
(
mortos e feridos. Além disso, desde a Praieira (1848-
50), havia uma animosidade latente entre grandes
deste, nesta segunda metade do século XIX. Cabe-
nos, no entanto, antes de descrevê-Ias, distinguir in-
surreição de revolução, seguindo a lógica de U m-
proprietários e trabalhadores rurais. A tudo isto so-
mava-se a atuação da imprensa e dos políticos radi- berto Melotti (1971:34-36).
cais, bem como a luta entre facções da elite, dispu- A diferença entre revolução e insurreição con-
tando o controle das funções públicas. A difícil si- siste em que a primeira tem como objetivo derrubar o
tuação da economia regional ocasionava o rompi- sistema existente para substituí-lo por outro que seja
mento da precária paz entre as classes sociais, e entre a expressão das transformações sociais ocorridas,
estas e o Estado monárquico. As insurreições, con- Insurreição, por outro lado, constitui-se em um está-
flitos e violência demonstravam a profundidade das gio anterior à revolução e serve para demonstrar que
contradições econômicas que ameaçavam transfor- o antigo equilíbrio social foi rompido. Os movimen-
mar a região em um bolsão revolucionário. tos insurrecionais podem ser dirigidos para atingir
objetivos específicos, localizados e imediatos, tais
como oposição a uma lei, a impostos considerados
)_ I
32 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 33

extorsivos, à alta de preços, etc. Um dos traços mais fascinantes da história das
Os participantes dos movimentos insurrecionais, lutas sociais nordestinas está na própria memória
descrentes dos aparelhos do Estado, perderam a con- histórica que cultuaram. Os líderes revolucionários
fiança na reclamação por meios legais (oficiais), mas de 1874 lembraram em panfletos os heróis de todas
ainda não chegaram ao ponto de propor a transfor- as revoltas anteriores, desde 1817 a 1848, numa
mação total. Em vista disso, acusam a autoridade prova de que as repressões passadas não haviam
mais próxima, atacam os comerciantes, enfim, aque- conseguido torná-Ios esquecidos' entre a população
les que muitas vezes são apenas executores e/ou so- pela qual morreram.
frem os efeitos dos mesmos problemas. Não conse-
guem ainda relacionar fatos isolados e, muitas vezes,
conjunturais, com contradições estruturais. Pode ser
!I
I'
I,
,
que com o prolongamento do movimento, no tempo e o "Ronco da abelha" (1851-52)
no espaço, adquiram esta conscientização mas, neste
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ínterim, já estamos nos limites de uma revolução. Terminada a Praieira (1848-1849), grupos re-
'M
:Il É assim que devemos entender as rebeliões nor- manescentes continuaram agindo no interior do Nor-
I~ destinas. Elas anunciavam as transformações que se deste, principalmente de Pernambuco, Paraíba e
I, operavam na sociedade local. Apontavam a necessi- Alagoas. Pedro Ivo, um dos líderes mais populares
dade de mudanças globais, o que pode ser atestado daquele movimento, organizou nas matas de Água
pelo incremento do banditismo rural e do fanatismo Preta (Pernambuco) um dos mais importantes gru-
religioso, com a proliferação de "santos" e "beatos" pos de resistência. O próprio Ministro da Justiça,
que pregavam o isolamento ante aquela ordem in- Euzébio de Queirós, em relatório apresentado em
justa e aguardavam a salvação celeste, única espe-: janeiro de 1850, reconhecia a dificuldade em com-
rança que lhes restava. Cangaceiros e fanáticos são batê-lo, '
faces de uma mesma moeda. Não é por coincidência "É necessário porém acabar quanto antes esse
que, no exato momento em que a crise econômica e a germe de revoltas", exclamava enfaticamente o mi-
seca agravam os problemas regionais, aumenta o nú- nistro. De fato, a existência desses pontos rebeldes
mero de Chicos Beatos, Antônio Conselheiro, Jesuíno constituía-se numa ameaça à tranqüilidade da região
Brilhante, Quirinos, Viriatos, Calangros,etc., no porquanto não só estimulava o aparecimento de ou- '
rastro de uma herança que daria no século XX os tros focos semelhantes, como também constituía-se
famosos Padre Cícero e Lampião, aliás, amigos entre num excelente atrativo para que outros descontentes
si. viessem engrossar aquelas fileiras.
34 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 3S

A figura de Pedro Ivo continuava a servir de


esperança para a população insatisfeita. As notícias
que chegavam ao Rio de Janeiro davam conta de que PRovíNCIAS DO NORDESTE
o líder rebelde era visto como o "predestinado",
encarregado de fazer surgir "a nova idade do ouro". de 1851-52
Paralelamente ao auxílio que populares presta-
vam a Pedro Ivo, o governo, extremamente preocu-
, pado, aumentava suas forças para persegui-Io. Em
~, contraposição, em diferentes pontos da região, grupos
J rebeldes se formavam e agiam isoladamente. O apa-
li recimento desses "focos sediciosos", um "ato es-
pontâneo de patriotismo", no dizer da oposição,
~:
era visto pelo governo como manobra visando a "can-
sar o governo, separar e distrair suas forças" e, as-
sim, manter vivo o espírito revolucionário.
A prisão de Pedro Ivo não foi suficiente para
eliminar os grupos guerrilheiros. Em seu relatório de
13 de maio de 1851, Euzébio de Queirós ainda se
queixava de que o "valhacouto" de Serra Negra (co-
r '?-
marca de Pajeúdas Flores, Pernambuco), apesar de
'V

tantas vezes dispersado, renasce como ponto "azado -;

para tais reuniões" .


Enquanto no interior a situação, de certa forma,
continuava intranqüila, o ministro mostrava-se preo-
cupado com a campanha dos políticos da oposição
1

1 que exigiam "por meios revolucionários reformas ra- ~ REGIÃO SUBLEVADA

dicais nas instituições" .


O clima apresentava-se tenso. O fim da Praieira
não fora o fim do estado de agitação. A prisão dos ESC. I: 4,000.000

seus principais líderes não significou que os revoltosos


tivessem esquecido suas reivindicações. Ao mesmo
36 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850·1890) 37

tempo que grupos isolados agiam pelo interior do termos de Pau d'Alho, Limoeiro, Nazaré, Goiana,
Nordeste, numa flagrante contestação ao governo Vitória, Garanhus, Rio Formoso, Igaraçu e as fre-
conservador, a oposição continuava sua política de guesias de Ipojuca, Jaboatão, São Lourenço e Muri-
manter vivos os grandes temas liberais e praieiros. beca. Na da Paraíba, foram envolvidas as vilas de
Formaram-se duas facções: uma mais moderada, Ingá, Campina Grande, Alagoa Nova, Alagoa Gran-
pedindo a convocação de uma Constituinte, e outra de. Na de Alagoas, as localidades de Laje do Ca-
mais radical que organizava "sociedades", apelando nhoto, Mundaú-Mirim, Porto Calvo, Porto de Pe-
para a "agitação" e assustando a população, no dras, Riachão, Arrasto, Juçara, Jacuípe, São Brás,
entender do Ministro da Justiça. Salomé e Barra Grande, além dos moradores das
Foi neste ambiente "pré-revolucionârio" que, matas de Cocal e Angelim. Nas do Ceará e Sergipe, a
nos meses de dezembro de 1851 e janeiro de 1852, as sedição limitou-se às localidades, respectivamente,
províncias de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, com de Jiqui e Porto da Folha.
maior intensidade, e as do Ceará e Sergipe, de forma Em todos os pontos; os fatos foram idênticos.
mais amena, foram assoladas por movimentos ar- Ataques às vilas e engenhos, fuga das autoridades e
I

I mados de oposição aos decretos 797 e 798, de 18 de grandes proprietários, ameaças e reuniões suspeitas
.
l junho de 1851, que instituíam, respectivamente, o feitas por "conspiradores" que, dentro dos enge-
,,
,
Censo Geral do Império e o Registro Civil dos Nasci- nhos, incitavam os moradores a tomarem das armas
: mentos e Óbitos. "se não querem ficar reduzidos com seus filhos ao
O decreto 797 determinava que o arrolamento cativeiro" .
li da população para o censo seria feito no dia 15 de
"~I
ri. i A "plebe" revoltada clamava contra a "decla-
julho de 1852, após afixação de editais nas Igrejas ração da escravidão". Espalhara-se a notícia de que
matrizes e anúncios nos jornais, a partir de I? de os decretos 797 e 798 visavam a "escravizar a todos os
junho daquele ano. Quanto ao decreto 798, constava recém-nascidos e aqueles batizados com as formali-
que o registro civil da população, a ser feito pelos dades prescritas por aquela lei" que fazia parte de
escrivães dos juízes de Paz dos distritos, entraria em um plano geral para reduzir "à escravidão as pessoas
vigor, "irnpreterivelmente", a I? de janeiro de 1852. livres" e, para enfim, "reduzir à escravidão a gente
Foi na província de Pernambuco, "que o movi- de cor".
mento apareceu com caráter mais grave, não só pelo O momento era propício para a exploração polí-
número de grupos que se armaram, como por serem tica dos decretos, apresentando-os como medidas
mais numerosas as freguesias e os termos em que ele escravizadoras da parte do governo conservador. Em
se manifestou". Naquela província, levantaram-se os 1850, regulamentara-se a repressão ao tráfico de es-
n ,'-'
".1 ('
Nordeste Insurgente (1850-1890) 39
38 Hamilton de Mattos Monteiro

Torna-se claro que as autoridades locais, identi-


cravos e os grandes proprietários reclamavam da fal-
ficadoras da origem social dos revoltosos, procura-
ta de braços, ao mesmo tempo em que se queixavam
ram, taxativamente, assinalar que eles não perten-
da "preguiça" e "resistência ao trabalho" por parte
ciam à elite da região; da mesma forma procederam
dos trabalhadores livres. Esta situação tenderia a
os presidentes de Província e o próprio Ministro da
provocar da parte dos senhores de engenho, de um
Justiça. Assim fazendo, procuravam descaracterizar
lado, a exigência de maiores cotas de trabalho dos
o movimento, visando a não estimular adesões e pro-
moradores e, do outro, a solicitação de "leis repres-
, curando mantê-lo circunscrito às localidades já su-
soras da vadiagem, que forçassem os homens ao tra-
I,
blevadas, evitando transformâ-Io em outra Praieira
balho".
.
I
~ ou algo de maior proporção, já que sabiam do des-
Quando em 1851 dois novos decretos determi-
~, contentamento que grassava no Império, principal-
< naram que se fizesse o censo geral da população do
mente da ala mais radical do partido liberal, "de-
Império e que todo nascimento e morte fosse regis-
posto" em 1848. O governo conservador, expressão
trado no livro do juízo de Paz, segundo a cor da pele
do "partido da ordem", tinha que aparecer perante a
, (como era natural no Brasil até há pouco tempo),
nação como o restaurador da paz interna e não o
I qualquer argumentação, mesmo simples, serviria
~ "divisor de águas"; a eclosão de uma nova Praieira
'. para levantar em sedição a população amedrontada.
demonstraria não só sua debilidade, como também a
(; Esta "gente de cor", estes "caboclos", na sua simpli-
capacidade de resistência e luta do adversário.
. cidade e ignorância, viam-se diante de todos esses
( Na verdade, à primeira vista, a insurreição
I: decretos como alvo da voracidade do senhor de en- "1
caracterizava-se por ser um movimento da população
" genho e tenderiam a reagir violentamente. Uma rea-
rural mais pobre ("moradores", "proletários", etc.)
ção deste tipo não seria novidade, pois, por ocasião
contra os.senhores de engenho e as autoridades nas
da Praieira, ouvindo a pregação dos radicais do par-
vilas e cidades. Mas, teriam esses "moradores" e
tido da Praia, os lavradores haviam-se revoltado con-
"proletários", sabidamente afastados da cultura da
tra os senhores.
elite, condições de por si só julgarem o conteúdo dos
É o povo mais pobre, principalmente moradores
decretos 797 e 798 e associarem-no ao de repressão
e jornaleiros, que forma o "grosso" da revolta. A
ao tráfico negreiro e às atitudes tomadas pelos gran-
correspondência vinda dos locais amotinados especi-
des proprietários? Acreditamos que não.
fica que os revoltosos são o "povo mais miúdo", são a
Stavenhagem (1972:83), analisando a grande
"gente baixa", são "a maioria da população menos
propriedade rural monocultora da América Latina,
abastada", enfim, "gente da última ralé" e "sem
diz que entre o grande proprietário e os trabalha-
nenhuma importância social e menos política".
40 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 41

dores existem diferenças muito grandes; para ele, a "Diante da nova situação, os homens abastados,
"classe dominante é muito politizada, na proporção tendo em vista que os Praieiros eram indiferentes
em que o campesinato dominado quase não tem à sorte de sua propriedade e de suas vidas, pensa-
atividades nem participação políticas". Dessa forma, ram em aproximar-se uns dos outros" (Nabuco,
à luz da documentação que consultamos, muito em- 1975:101-111).
bora não haja indicação explícita da participação de
outros grupos sociais, achamos que ela provavel- Por que não poderia ser a sedição de 1851-52uma
mente existiu e partiu dos grupos remanescentes do continuação da Praieira? Os problemas que levaram à
partido da Praia. sua eclosão não haviam desaparecido. No interior,
"
O partido da Praia defendera, por ocasião da grupos rebeldes continuavam agindo em autêntica
revolta de 1848, um programa de profundo cunho "guerra de guerrilhas". Os "matutos" continuavam
social; seus ataques eram dirigidos contra os senho- sob o "mando" incontestado dos poderosos senhores
res de engenho (principalmente o poderio do "clã de engenho. Os liberais, e, mais do que nunca, os
feudal e parental" dos Cavalcantis) e os comerciantes radicais da Praia, continuavam na oposição. Não
portugueses, aqueles por monopolizarem a terra e estaria aí formado o "pano de fundo" para a interpre-
estes, o comércio das cidades. Insuflaram os mora- tação dos decretos 797 e 798, de forma a exaltar
dores dos engenhos contra seus senhores, e distri- novamente a "gente baixa" e tentar com nova suble-
t: buíram perto de cinco mil armas entre o povo. Assim vação a "inversão de tudo que havia oficialmente"?
L podemos entender quando Nabuco chama a Praieira Apesar da preocupação em caracterizar o movi-
..I: de "movimento de expansão popular" e a vê sem
"disciplina". A disciplina que lhe faltava era a limi-
mento como da exclusiva responsabilidade do "povo
mais miúdo", as fontes deixam transparecer a parti-
tação do movimento nos parârnetros do interesse da cipação de elementos de outros grupos sociais.
elite descontente, "Expansão popular" significa, Os primeiros as serem apontados são os párocos:
neste caso, confronto com as elites, significa de fato
um conflito social na medida em que passa a ser um "Alguns párocos, imaginando ou fantasiando
levante popular, ultrapassando os objetivos iniciais. prejuízos que da execução do decreto lhes devem
Quando as elites percebem as "terríveis forças" que resultar, consentem se não aprovam essas dispo-
acionaram, retraem-se, conciliam-se e a repressão é sições hostis à lei... " iapud Monteiro, 1980: 124).
feita. E é Nabuco que isto observa no caso da revolta
da Praia:' Em segundo lugar, na procura dos "anarquis-
tas" que fomentam a revolta da "gente rude", apon-
42 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 43

tam os políticos do partido liberal: tinadores" (Monteiro, 1980:125).


Além dessas medidas, foi mandado às locali-
"Os conspiradores continuam a fazer reuniões dade sublevadas o Frei Caetano de Messina, capu-
em seus engenhos e a proclamar que tomem as chinho, para organizar "santas missões" e ver se,
armas se não querem ficar reduzidos com seus dessa forma, acalmavam-se os descontentes. Sua
filhos ao cativeiro e que o Partido Liberal é oposto pregação seguia uma norma comum nos sermões
a esse decreto e.estâ pronto a defendê-lo (apud desse tipo: lamentava o erro dos devotos, aconse-
Monteiro, 1980:125). lhava o arrependimento e mostrava-se interessado no
bem-estar deles, ao mesmo tempo que os ameaçava
De qualquer modo, a participação do clero e de com os piores castigos caso não ouvissem sua exor-
elementos identificados com os ideais "praieiros"
deu-se de forma velada. Procuraram dissimular sua
tação; ou concordavam com ele ou seria derramado o I
atuação, evitando um confronto direto com o go-
"sangue dos filhos de Pau d' Alho". III
O trabalho do missionário era lento mas a cada I

verno. Prepararam o terreno na esperança de um dia, afluindo de vários outros lugares, ia crescendo o I
levante geral, a partir do qual, quem sabe, pudessem número dos que acorriam a Pau d' Alho para colo- 11
retomar à ação os antigos líderes foragidos no sertão car-se sob a proteção do Frei e, portanto, a salvo da
'" ou então presos. A revolta de 1851-52 demonstrava perseguição que começara a ser feita por tropas de
r: que, embora a Praieira tivesse sido sufocada, as rei- primeira linha.
r. vindicações ainda estavam bem vivas nas mentes dos Estes "proletários" eram usados, sob a direção
I~ nordestinos e que a repressão, que naquela ocasião
.', do capuchinho, para a realização de obras públicas;
fora feita, não havia sido suficiente para desesti- em Pau d' Alho foram reparadas as igrejas de Santa
mulá-los. Teresa, do Rosário e do Livramento:
A repressão seguiu uma escala progressiva. Ini-
cialmente, enviaram-se circulares às autoridades do "Os homens fabricanto tijolos e telhas, condu-
interior no sentido 'de investigar a "verdadeira ori- zindo pedras, cortando madeiras ( ... ) e as mulhe-
gem do preconceito" contra os decretos e que se res conduzindo areia, tijolos e telhas, andando
empregassem "meios suasórios", usando "todo o todos no maior contentamento e alegria, como se
legítimo ascendente do cargo que ocupa para desva- cada um dia de tanto trabalho fosse para todos a
neceras impressões desfavoráveis"; sugeriam, tam- melhor festa. Nessa missão recebi trinta e seis
bém, que se encontrasse "o melhor modo de coibir a clavinotes para entregá-los à competente autori-
propagação do erro" e que se processassem os "amo- dade" iapud Monteiro, 1980: 126).
Nordeste Insurgente (1850-1890) 45
44 Hamilton de Mattos Monteiro

Entrementes, o governo não podia deixar o fim Nascimentos e Õbitos e do Censo Geral. Estando a
da sedição entregue ao lento trabalho do missionário; pouco mais de um ano do início da conciliação, o
afinal, as propriedades começavam a ser ameaçadas, gabinete conservador, ao que parece, já envolvido
o que exigia pronta repressão. Do Recife, foi enviado pela atmosfera que iria resultar no ministério de 6 de
o 4? Batalhão de Artilharia para juntar-se ao 9? Ba- setembro, resolve conciliar. A suspensão das medi-
talhão de Infantaria que já havia sido mandado ante- das pretensamente causadoras da revolta e o caráter
riormente para Pau d'Alho e que estava acampado I brando da repressão, que mais pareceu uma demons-
no Engenho Cajueiro, a pouca distância daquela vila. tração de força, confirmam esta hipótese.
Tendo em vista que a todo momento "chegassem Os lavradores revoltados não contaram com
notícias desagradáveis de Nazaré, Limoeiro, Santo uma unidade de ação, com uma liderança. Incenti-
Antão, Goiana e outros lugares", a Guarda Nacional vados ou não por elementos de outros grupos sociais,
foi convocada. os registros não assinalam nenhum chefe, nenhuma
Na segunda quinzena de janeiro, as autoridades organização. Embora em maior número, o levante
já podiam anunciar a pacificação, muito embora em grupos esparsos facilitaria a reação da classe
apontassem ainda a existência de grupos armados. dominante e a repressão. Evidentemente que essa
Os lavradores, em parte, optavam pela "guerrilha", classe, por sua própria posição, tinha mais condições
'., de se organizar, não só por contar com os "aparatos
embrenhando-se pelas matas. Estes franco-atirado-
(:' ideológicos" que levavam a população em geral a
res, à medida que não se reintegravam nas antigas
I'~ condenar o levante, mas, também, por pertencer à
D
atividades econômicas, preferiam refugiar-se no inte-
,. rior, no Sertão, e transformavam-se em "bandi- Guarda Nacional que a transformava em classe ar-
dos" . mada e, finalmente, pelo apoio que tinha do Estado
Na verdade, as forças governamentais não che- através das "forças de linha" (exército regular).
garam a lutar com os sediciosos. Da mesma forma A participação de elementos do Partido Liberal,
que se abateram sobre os engenhos e vilas - de do clero, de radicais, etc., cai de importância ante o
surpresa e em ação rápida -, desapareceram sem problema maior que se apresentava: a luta de classes
deixar vestígios. Alguns participantes dos grupos de que, de latente, passava a declarada.
razia foram reconhecidos por pessoas da localidade
ou de fazendas invadidas, mas não houve referência
posterior sobre abertura de processo-crime. o "Quebra-quilos" (1874-75)
O governo preferiu, a 29 de janeiro de 1852, pelo
decreto 907, suspender a execução do Registro dos Nos últimos meses de 1874 e princípios de ja-
46 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (J850-1890) 47

neiro de 1875, quatro províncias do Nordeste - Pa-


raíba, Pemambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas
- foram assoladas por uma nova rebelião que aba-
lou as principais comarcas da Zona da Mata e Agres- PRovíNCIAS DO NORDESTE
te de Pemambuco e Paraíba e várias localidades de Sedição de 1874 - 75
Alagoas e Rio Grande do Norte.
De maneira geral, os fatos ocorreram de forma
idêntica. A cobrança dos impostos provocava protes- I
tos, e daí partia-se para a agressão, com a "turba"
descontente quebrando os pesos e medidas do novo
sistema métrico decimal e, em seguida, destruindo os
arquivos das Câmaras Municipais, Coletorias, Cartó-
rios (inclusive o de registro de hipotecas) civis e cri-
( , minais e até mesmo, em algumas localidades, os
"papéis" dos Correios; ou então, repentinamente,
a cidade ou vila era invadida por bandos de homens
armados, cujo número variou de 60 a 600, que reali-
zavam os mesmos "feitos" (destruição dos novos pa-
drões e incêndio dos arquivos) e partiam prometendo
voltar a qualquer momento.
O movimento teve início na vila de Fagundes, da
comarca do Ingá, na Paraíba. Por ocasião da feira, -, 'v

a 31 de outubro de 1874, "o povo que ia à feira para ~


abastecer-se de gêneros alimentícios" pronunciou-se o

contra o arrematante de impostos que cobrava o <:


'<r
II
denominado "imposto do chão". A grande quanti- t-u
dade de pessoas que protestava e o reduzido número ~ REGIÃO SUBLEVAOA

da força policial deram vitória aos insurretos. "A


notícia voou." O comandante das forças imperiais na
ESC. 1·4.000.000
província atribui a rápida propagação da insurreição
à vontade de sacudir, dos ombros, fardos que ele
48 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 49

supunha pesados demais à pobreza da população. mentícios, entre os quais o da carne seca e da fa-
A partir de então, uma após outra, várias loca- rinha, que tantos protestos iria causar.
lidades da Paraíba sofreram os efeitos das "massas Explicando esta sobrecarga de taxas, dizia o !

desenfreadas". No mês seguinte, levantava-se Per- presidente Lucena de Pernambuco: "convém aqui
nambuco e, em seguida, Alagoas e Rio Grande do ponderar que, sendo neste segundo período conside- ""1
Norte. ravelmente maiores os encargos da Província e dema-
Os revoltosos traziam "um rosário" de queixas. siadamente escassos os meios de ocorrer a eles, NÃO
Explodiam em rebelião por um acúmulo de proble- ERA MUITO QUE SE ALTERASSE A TABELA
mas que se acentuavam a cada ano. Algumas foram DE IMPOSIÇÕES, TANTO QUANTO FOSSE
comuns a todas as agitações: reclamação contra os BASTANTE PARA CONSEGUIR-SE RENDA SU-
impostos (novos ou aumentados), contra a nova lei FICIENTE" tapud Monteiro, 1980:132).
do recrutamento militar e contra o novo sistema mé- Tal argumento poderia ser considerado lógico,
trico decimal. mas não naquelas circunstâncias, onde qualquer ma-
A queixa contra os impostos era dirigida, em joração ou criação de impostos não deixaria de elevar
primeiro lugar, ao aumento do número de taxas co- o custo de vida. A imprensa liberal vê nessas ele-
bradas, tanto pela fazenda provincial quanto muni- vações uma forma de transferir para o povo, entre o
cipal, e à elevação de inúmeros deles; em segundo qual, principalmente, os mais afetados seriam a
lugar, ao abuso verificado na cobrança dos mesmos "gente miúda", a responsabilidade de sustentar a
pelos arrematantes. burocracia estatal, ou seja, "para fazer viver na opu-
Conforme explicamos anteriormente, as provín- lência a meia dúzia de ladrões" .
cias do Nordeste vinham sofrendo os efeitos da queda Quanto aos arrematadores dos impostos, sabe-
dos preços dos seus principais gêneros de exportação mos que, tendo arrematado ao município ou à pro-
- o açúcar e o algodão - e da contínua perda do víncia determinada taxa, procuravam eles arrecadar
mercado mundial. O resultado disso, no plano finan- o máximo que pudessem visando a aumentar "seus
ceiro, foi a diminuição das rendas provinciais. lucros" ~ Os expedientes por eles utilizados não têm
Em tais circunstâncias, por solicitação das pre- sido devidamente estudados, mas dois dos exemplos
1I1
sidências e Câmaras Municipais, as assembléias pro- citados pelo Comandante das Forças Imperiais na
vinciais foram votando o aumento dos impostos exis- Paraíba são suficientes para ter-se uma idéia dos
tentes e a criação de novos. motivos por que as populações tinham tanta pre-
Dentre os impostos criados, estava o que insti- venção contra esses "capitalistas".
tuiu o imposto de consumo de alguns gêneros ali-
50 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 51

"'Um pobre homem trazia às vezes para a feira que, nas vilas atacadas, um dos alvos quase sempre
uma certa quantidade de farinha no valor de eram as coletorias.
2$000 rs., logo que pouses se no chão o saco que A arrecadação de impostos já havia ultrapas-
trazia, pagava imediatamente uma certa quan- sado o limite natural que uma população psicologi-
tia, porém se por qualquer circunstância ele mu- camente considera como justo. Na difícil situação em
dava de lugar tinha que pagar novamente o que se encontravam - os senhores de terras se desca-
imposto e pagaria quantas vezes mudasse de pitalizando passo a passo e os "proletários" sofrendo
lugar; de modo"que muitas vezes, sem ter ainda os efeitos da crise da lavoura -, as novas taxas eram
vendido o que trazia, já tinha pago ao exigente não só um "abuso" como um "cinismo"; aqueles,
arrematador o dobro do valor do que trazia reclamando da queda dos preços e da perda de mer-
para vender" (Arquivo, 1937:120). cados, pediam financiamento e recebiam aumento de
"Em Pedras de Fogo o arrematante, vendo que impostos, estes, sofrendo as agruras do desemprego,
um homem que trazia uma pequena quantidade teriam que pagar mais caro até mesmo pelos ali-
de frutas no valor de 160 réis não lhe dava lugar mentos. Realmente, como dissera o Presidente Lu-
a cobrar o imposto no chão por não querer des- cena: "bastava uma faísca" .
cansar o cesto, usou o artifício de entreter com A esse problema que consideramos o mais gra-
ele conversação e oferecer-lhe um cigarro, e ve, acrescente-se, como já afirmamos, a oposição à
assim que o homem, para acender o cigarro, nova lei do recrutamento militar (Lei n? 2.556, de
descansou o cesto, o arrematante cobra-lhe 200 26.09.1874) "que, espalharam, torna o cidadão es-
réis que aquele lhe era devedor" (Arquivo, 1937: cravo".
120). Era um argumento semelhante ao utilizado em
1851-52. Curiosa é a preocupação, que atemorizava a
A freqüência de fatos como esses transformava a população, geralmente "mestiça", quanto a ser
cobrança dos impostos em momentos de grande ten- transformada em escrava. Retrata uma certa descon-
são. Os revoltosos de Panelas queixavam-se das "ex- fiança para com as elites ou para com o governo;
torsões dos arrematantes" e os de Bom Jardim di- deixa perceber a imagem que as populações mais
ziam que o coletor "cria impostos para si". Assim, pobres fazem da burocracia governamental e dos
compreendemos por que, em grande número dos ca- senhores na medida em que não são ouvidas politi-
sos, as agitações têm início com discussões nas feiras camente, não têm proteção legal ante os tribunais,
sobre a legalidade dos impostos, daí partindo para as a não ser com apoio de uma "pessoa influente" e não
agressões já citadas. Compreendemos também por- têm perspectiva de melhoria de sua situação, pois do
52 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 53

governo nada mais esperam. A escravidão, se viesse a recrutamento serviram para acionar a sedição. A isto
cair sobre eles, não causaria estranheza, mas natu- acrescentem-se, também, os problemas de ordem
ralmente iriam lutar contra tudo que lhes pudesse política e religiosa (a oposição liberal ante um go-
parecer um caminho para aquela forma de trabalho. verno conservador e a prisão do Bispo D. Vital) que
Além dos pobres, a repulsa à nova lei partia não só aproveitaram-se da crise econômica, como
também dos senhores. Acostumados a substituir os também ajudaram a exaltar os ânimos.
seus parentes recrutados por escravos ou "cabras" da Para se ter uma exata compreensão desta re-
área de seu domínio, ouviam agora dizer que a lei volta, torna-se necessário analisar a participação dos
2.556 iria impedir que os recrutados fossem pessoas que nela atuaram.
só de "baixa condição", ouviam dizer que ela iguala- Os elementos principais que formaram a maio-
ria a todos. ria dos revoltosos foram os grandes proprietários de
Era muito para os poderosos "senhores de ho- terra e os indivíduos de "baixa condição", ora deno-
mens e terras". A atitude deles passa a ser a de unia minados "moradores" ora "proletários".
ostensiva oposição, como no caso do Tenente-Coro- Além desses dois grupos, dela também partici-
nel Luís Paulino, fazendeiro em São Bento, comarca param os políticos da oposição, o clero e os oficiais
de Buíque, que contratou o bando de José Cesário da Guarda Nacional. Houve participação menor, ge-
para ajudâ-lo a se opor à nova lei, ou como aconteceu .. ralmente em casos isolados e bem específicos, de
em Panelas, onde o juiz de Direito reclamava não ter marchantes, negociantes, arrematadores de impostos
"encontrado por parte dos cidadãos mais prestáveis e e inspetores de quarteirão. Podemos afirmar, por-
com os quais me hei entendido o menor indício de tanto, que a sedição teve como seus,principais atores
coadjuvação em qualquer emergência" (apud Mon- os grandes proprietários de terra, os "proletários",
teiro,198O:134). os políticos da oposição e o clero. Vamos analisar
No nosso entender, o ato de quebrar os novos cada caso em separado.
padrões do sistema métrico decimal, e que dá o nome A participação dos grandes proprietários de ter-
ao movimento. - "Quebra-quilos" - situa-se na ra caracterizou-se pela ação direta, chefiando a "tur-
mesma linha de destruição e incêndio dos arquivos ba" descontente, ou, como relata o Comandante das
dos municípios, trata-se da exteriorização de uma Forças Imperiais na Paraíba, pela neutralidade com-
revolta contra o governo e seus representantes. prometedora, quando não era "indiferença culposa
A revolta do "Quebra-quilos", na verdade, tem ou uma animação mais culposa ainda". Dessa for-
suas origens na crise por que passava a economia ma, temos arrolados como "cabeças da sedição",
nordestina; o problema dos impostos e a nova lei do entre outros, os fazendeiros Virgínio Horácio de Frei-
54 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850·1890) 55

tas, senhor do Engenho Lajes, em Itambê, Francisco Foram indiciados como "cabeças" do grupo que
Roma, senhor do Engenho Jatobá, em Goiana e An- atacou a povoação de Vertentes, Umbelino de tal,
tônio José Henriques, senhor do Engenho Serra, em "morador na Borba", Jorge Marques Defensor do
Bonito. Império, "morador na Tapada" e Manuel Francisco
Em ofício datado de 13 de dezembro de 1874, da Silva, "morador no Estreito" . Em Panelas, comu-
o Delegado de Polícia de Panelas reclamava que os nicava o Delegado de Polícia a 13 de dezembro de
"homens importantes" da região negaram-lhe auxílio 1874 que Leôncio, "morador em Camaratuba" an-
contra os sediciosos dizendo que estavam "alcança- dava "falando contra os impostos". Em todos os
dos", não dispondo de meios para reunir o povo, isto pontos de revolta, a "massa" dos sublevados era
é, estavam endividados. formada pelos "mercadores da feira e por grande
A participação direta ou a omissão desses cida- número de proletários" que se identificavam pela
dãos que, como diz Henrique Millet, constituem a "baixa condição" ou, como disse o Comandante do
"primeira garantia da ordem pública", pode ser ex- Batalhão de Panelas, são pessoas que "não têm o que
plicada a partir da difícil situação econômica em que comer" .
se encontravam. A produção de suas terras - o Fica muito difícil distinguir quem, exclusiva-
açúcar e o algodão - sofria, como já dissemos, os mente, pertence a uma destas 3 categorias pois um
efeitos da perda do mercado internacional e da que- "morador" não deixa de ser um "proletário" e am-
da dos preços, ao mesmo tempo em que a crise bos podem ser um "mercador de feira" .
financeira restringia o crédito. Nesta situação extre- Entenda-se por "morador" o indivíduo a quem é
mamente aflitiva, a ponto de terem de começar a se permitido morar nas terras de um grande proprietá-
desfazer, segundo Millet, de parte do seu capital rio, com direito a ter sua "roça" e, eventualmente,
imobilizado, compreendemos que possuíam motivos quando o senhor necessita, presta serviços em troca
suficientes para rebelarem-se ou para ficarem indife- de remuneração. Quanto ao termo "proletário", de
rentes à sorte do governo que não olhava por eles. acordo com os relatórios da época, são os que estão à
Quanto aos "proletários", foram eles que for- procura de trabalho, conseguem ocupação normal-
maram a "massa" dos descontentes. Foram eles que, mente na época do plantio e colheita recebendo por
em grupos que variavam de 60 a 600, invadiram as jornada, isto é, são jornaleiros. Por conseguinte, um
vilas e destruíram os pesos e' medidas e os arquivos. jornaleiro pode ser aquele que não tem acesso à terra
Nessa categoria, de forma abrangente, podemos de forma alguma, mas também pode ser o pequeno
agrupar os "moradores", os "proletários" e os "mer- proprietário, um pequeno arrendatário, foreiro ou
cadores das feiras" . "morador" que procura no trabalho assalariado a
56 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 57

cornplementação da sua renda para poder adquirir provinciais e municipais, todas parecendo uma for-
aqueles objetos que não é capaz de produzir. Depen- ma de opressão do Estado. É bem sintomático que os
dem, como diz Henrique Millet, "senão para a sub- movimentos de rebeldia tivessem início por ocasião
sistência diária, que em grande parte tiram direta- das feiras, no momento em que se dava início à co-
mente, do solo, rios e matas, pelo menos para todas brança dos impostos. Estas imposições, novas ou
as mais precisões da vida civilizada, dos salários que aumentadas, provocavam irritação pois constituíam,
lhes pagam os agricultores" (apud Monteiro, 1980: por menor que fosse, uma sobrecarga aos já tão
136). sacrificados trabalhadores e pequenos proprietários
De qualquer forma, tendo acesso à terra ou não, rurais.
estes trabalhadores eventuais podem participar da Não se tratava, portanto, da simples oposição de
feira do arraial ou vila próximos, vendendo produtos "população ignorante" às leis que não sabiam com-
agrícolas que lhes sobraram de sua diminuta produ- preender; tratava-se, isto sim, da explosão de revolta
ção ou artesanato em madeira, couro, barro e palha de uma população pobre, vivendo em condições
que preparam nas horas de folga. "Os produtos são subumanas, reagindo de forma aparentemente irra-
vendidos no mercado para produzir uma margem cional contra um estado de coisas cada vez pior e sem
extra de 'entradas' com as quais compram bens que perspectivas aparentes de melhoria.
não produzem domesticamente" (Wolf, 1972:10). Quando os senhores de engenho cruzam os bra-
Assim sendo, estas pessoas que as autoridades ços e deixam a "turba" livre para agir, ou usam-na
locais designam como de "baixa condição", "igno- como forma de pressão contra as autoridades consti-
rantes e cheias de preconceitos", são as que vivem em tuídas, visando a fazê-Ias olhar para a situação, o
condições precaríssimas em épocas normais e em si- que se vê são ações isoladas de grupos de "prole-
tuação extremamente difícil em épocas de crise, tários" que resolvem "acertar contas muito antigas
como essa por que passava a economia nordestina em suas aldeias ou regiões" (Wolf, 1972:6-8).
em 1874-75. Ao falarmos em "acertar contas", podemos ser
Em 1874, não só as possibilidades de trabalho levados a pensar em luta entre "proletários" e "se-
tornaram-se muito limitadas, devido à crise da eco- nhores", mas acontece que os trabalhadores rurais,
nomia, como também uma série de leis novas havia neste momento, vêem os grandes proprietários não
sido criada, como a que mudava o padrão de pesos e como seus exploradores, mas como indivíduos que
medidas, a que estabelecia novas regras de recruta- sofrem os efeitos do mesmo mal: De certa forma,
mento para o exército e armada, entre outras, e espe- com eles ficam solidários, ou melhor, passam a iden-
cialmente as que criavam e aumentavam impostos tificar o "inimigo" real contra o qual devem reagir de
r
S8 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) S9

imediato: o Estado. Estado que nada faz em beneficio deles; trata-se de


O relacionamento entre grandes proprietários e uma luta do "campo" contra a "cidade", ou melhor,
seus jornaleiros não é uma simples troca de trabalho como definiu lrineu Jofily, contemporâneo ao acon-
por salário. Além do compadrio que o transforma tecimento, uma revolta contra o "governo que cha-
numa ligação pessoal, com traços de afetividade, a mavam de doutores ou bacharéis", numa clara refe-
"Casa Grande" realiza uma enorme obra de assis- rência às diferenças de visões e ao div6rcio entre a
tência social, moral e-jurídica, de que resulta a per- sociedade rural e a burocracia governamental (Jofily,
missão de morar gratuitamente nas terras do senhor, 1892:188).
além de dar conselhos e proteção. É evidente que este O clero participou da revolta do "Quebra-qui-
relacionamento não deve ser entendido no seu sen- los" e foi um dos mais punidos. Os padres foram
tido puro, pois existiram diferenças, de acordo com a apontados como instigadores; alguns, como o vigário
evolução hist6rica, com as condições econômicas e Calisto Correia da N6brega, de Campina Grande,
com as necessidades e nível de entendimento dos na Paraíba, e o Padre Manuel de Jesus, de Granito,
grupos envolvidos. Assim, as secas, como a de 1869, em Pernambuco, foram acusados de serem "cabe-
que trazem do Sertão para o Agreste ou Mata os va- ças" de sedição; outros, como os jesuítas estrangeiros
queiros foragidos, transformando-os em lavradores, Mário Arcioni, João Batista Royberti, Felipe Sotto-
dão como resultado, de certa forma, a "injeção" de via, Luis Cappuci, Vicente Mazzi, João Berti, Anto-
idéias de altivez e reação no tradicional ambiente nio Aragnetti e Onoratti, foram expulsos do Império.
rural. Os governos imperial e provincial ligaram a
Outro ponto que não devemos esquecer é o tra- questão dos bispos e a atuação do clero ao "Quebra-
balho de conscientização levado a efeito por grupos quilos". A atitude dos padres tem uma característica
políticos e religiosos que tiveram sua primeira ex- toda especial e deve ser vista sob ângulos diversos.
pressão na "Praieira" e na revolta de 1851-52; nesses Um que merece destaque se refere à conjugação de
movimentos, os trabalhadores rurais chegaram mes- duas crises, uma econômica e outra político-religiosa
mo a ignorar os laços afetivos e de submissão, ata- que tem seu desdobramento com a agitação "popu-
cando as prôprias fazendas, como demonstramos lar", desenrolada na mesma época.
anteriormente. Se acreditarmos nos relat6rios oficiais, o pro-
As características da crise econômica e as medi- blema religioso prepondera sobre o econômico e,
das administrativas governamentais serviram para . neste caso, os padres jesuítas tiveram papel desta-
colocar, lado a lado, estes dois grupos rurais - os cado na rebelião. Mas não devemos esquecer que,
trabalhadores e os grandes proprietários - contra o atribuindo maior importância à questão da prisão
60 Nordeste Insurgente (1850-1890) 61
Hamilton de Mattos Monteiro

dos bispos, desviavam-se as atenções do problema para levantar o povo em revolta? Se não houvesse a
mais grave, que era a difícil situação da lavoura crise econômica, com as implicações já vistas, os
nordestina. O governo, assim, escondia seus fracas- "matutos" iriam pegar em armas contra o governo,
sos ante a crise econômica e, ao culpar o povo, lide- somente devido à prisão de D. Vital? Na nossa opi-
rado pelos padres jesuítas, pela rebelião, tirava de si nião, o problema era bem mais complexo.
próprio a responsabilidade, deixando-a para a idéia Em ofício de 2S de dezembro de 1874, o Juiz
vaga de "povo ignorante", ao mesmo tempo em que Municipal de Granito (Pernambuco) acusava o Pa-
tinha nos "padres estrangeiros" os necessários ele- dre Manuel de Jesus, da paróquia local, de incutir
mentos para "sacrificar" e justificar a revolta. Ao "no espírito do povo rude e ignorante idéias peri-
transformar o "Quebra-quilos" num movimento de gosas e subversivas da ordem social". Referindo-se
fundo religioso e de prova da interferência estran- ao mesmo vigário, diz o comandante do destaca-
geira (da Igreja Romana) nos negócios internos do mento policial de Granito que "não satisfeito com
país, o governo adquiria o papel de representante da sua jesuítica doutrina, na Igreja, domingo, 19 do
independência e nacionalidade ofendidas, preten- corrente (dezembro), NA FEIRA DESTA VILA,
dendo unir em torno de si o maior número de defen- PROFERIU PALAVRAS INSTIGANTES AO PO-
sores. Distorciam-se os fatos para beneficiar politica- VO PARA NÃO SE SUJEITAR A IMPOSIÇOES
mente o gabinete conservador, que seis meses depois COM REFER~NCIA A ATACAR G~NEROS AN-
(junho de 1875) não resistiria e seria mudado. TES DA HORA MARCADA PELAS POSTURAS
O papel desempenhado pelos padres jesuítas é DA RESPECTIVA CÃMARA". Este era um ponto
outro ponto delicado. Usaram o púlpito, escreveram de suma relevância porque a cobrança de impostos
artigos nos jornais e falaram, nas "missões", contra aos feirantes levara à adoção de uma norma pela
o Estado. Como funcionários públicos e religiosos, qual as feiras só teriam início com a chegada do
ao mesmo tempo, estavam em situação difícil: defen- presidente da Câmara Municipal ou seu represen-
dendo o Bispo D. Vital, colocavam-se contra c go- tante, acompanhado pelo coletor de impostos. Ora,
verno imperial a quem deviam obediência; não fi- se cada um, à medida que fosse chegando, "ata-
cando a seu lado, colocar-se-iam numa posição de casse" os seus artigos, isto é, começasse a vendê-los,
rebeldia ante seu pastor. Podemos dizer que ficaram o fisco ficaria prejudicado na cobrança.
do lado de sua consciência e por isso incorreram nas Em carta apreendida pela polícia, o professor
"iras" do Estado. Mas, fica uma interrogação: até público de Vertentes, Xavier Ribeiro, escrevia ao
que ponto esta simples disputa de autoridade - vigário de São Lourenço da Mata (Pernambuco) dan-
entre a Igreja e o governo imperial - seria motivo do conta de seu trabalho de conscientização dos
62 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 63

"matutos": "Estes povos, como já tenho dito, detes- pela crise econômica.
tam o maçonismo, mas detestam-no por um senti- A revolta de 1874-75 foi o renascer do "espírito
mento vago; não é porque eles saibam o que é a liberal-radical" que já se manifestara em 1817, 1824
maçonaria, nem seus modos, fins, etc., etc. Há outra e 1848. Não foi como na revolta de 1851-52 onde a
pessoa, como este seu criado, que, arrostando as iras participação dos grupos político-radicais, se houve,
da energúmena, não cessa de instruir os matutos foi marcada pela timidez. Agora, passados quase
convenientemente, etc., etc. Eu sei que os cachorros trinta anos, ouviam-se os mesmos gritos de luta pela
estão danados comigo, assim como parece-me que liberdade:
em certas localidades (do mato, bem entendido) eles
não ladram" (apud Monteiro, 1980:140). "O Leão do Norte será sempre o mesmo.
A atuação dos padres e seus agentes, pelo que a Sim, liberal paraibano, não terás glórias nem
documentação deixa perceber, foi de conscientização martírios que pão sejam também nossos.
da população mais pobre, alertando-a para as pro- . Patrícios de Nunes Machado, abracemos os pa-
fundas injustiças sociais de que era alvo, agora apro- trícios de José Peregrino!
fundadas com as instigações contra o Estado "algoz A liberdade é o anel de ouro das núpcias dos
de bispo". Pode-se dizer também que, na luta contra patriotas!
o Estado que se mostrava "inimigo" da Igreja, pos- Firmes que Deus é pela liberdade!
tando-se ao lado da maçonaria, a arregimentação do
povo levou à radicalização das prédicas dos religiosos Um pernambucano."
a ponto de, ao mesmo tempo que criticavam uma
situação política, começassem a levantar problemas A fermentação política em todo o Império estava
sociais. por esta época marcada pela contestação de fato ao
Aqui, o ponto de convergência. A crise econô- regime. Desde 1868, quando os liberais foram "des-
mica e a religiosa fornecem, reciprocamente, "ra- pejados" do governo, com a queda de Zacarias, a
zões" para a revolta. No caso dos padres jesuítas, situação, a cada ano, tomava-se mais tensa; havia-se
podemos dizer que tiveram na "crise da lavoura" um passado das críticas ao poder moderador, responsá-
aliado de suma importância, mas daí atribuir ao vel por aquela "derrubada", ao manifesto republi-
movimento um caráter preponderantemente religioso cano de 1870 que pregava abertamente a necessidade
é supervalorizar o confronto entre o Bispo D. Vital e de se extinguir a monarquia. Na revolta de 1874-75,
o Gabinete Rio Branco, é esquecer o sofrimento da- o que se via era o desembaraço dos radicais que, de
queles "proletários", atingidos mais diretamente certa forma, estava de acordo com o que se passava
64 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 65,

em nível nacional.
A ação política foi feita em vários níveis.
A imprensa liberal criticou severamente a situa-
ção. Aproveitando-se do momento, tomava partido
POVO! !!
contra tudo que emanava do governo conservador, Os teus irmãos da Parahyba e do centro de I'cr-
desde as novas leis até o problema da prisão do Bispo nambuco já se ergueram para protestar contra os
D. Vital. Tudo era motivo para atacar o gabinete e a impostos pesados, .que absorvem todo o teu trabalho.
administração provincial. Em ofício datado de 31 de te reduz a miséria, e matam á fome a tua mulher t·
dezembro de 1874, queixava-se o Presidente Lucena: os teus filhos,
Sabes tu para que se fez o imposto do bacnlháo.
do. carne secca e da farinha? .' '
"O partido que se diz liberal, em publicações Foi para fazer viver na opuleneiu ~"fneia duziu
diárias e avulsas, difundia doutrinas subversi- de ladrões.
vas, com alteração da verdade e deturpação dos Antes de morreres IÍ. fome, esses abutrca reduzi-
fatos, na linguagem a mais virulenta e inconve- rito tuas mulheres-é tuas filhas á prosnituiçno ..
niente (apud Monteiro, 1980:141-142).
Não tensum' caeête, uma faca, um bacamerte ?
Já estás tüo fraco, que não possas com' uma garrn-
Ia de gas, para te vingares de quem te rouba e tc in-
Enviaram-se agentes às localidades com o pro- juria?
pósito de orientar a resistência. Os radicais funda- Ao lampeão com os que hontem diziam que devias
mentaram sua propaganda nos pontos que evidente- fazer a revolução-v-e ultima ratio do« POV08---, e hoje te
injuriam e te ridícularisam, porque foram comprados
mente mais sensibilizariam os setores descontentes. pelo governo!
Colocaram-se contra o governo na questão dos bis- . Ao Iampeão com 08 que especulam com o teu no-
pos, chamando-o de maçom e, como disse o Presi- 'me, e no dia em que defendes nobremente a tua pro-
dente de Pernambuco, "especulando com o senti- priedade, te alcunham de-v-aaseasino-v- !
mento religioso", procurando atrair o clero e sensi- Ao lampeüo com os que te espaldeiraram em 16
de Maio !
bilizar a população católica. Anunciaram que a nova Ao Iampeao com os que embolaam o teu dinheiro
lei do recrutamento tinha por objetivo escravizar os c além disto te descompõem.
"homens pobres". Este argumento havia sido deci- E' preciso um diluvio de sangue para. que desnp-
sivo na sedição de 1851-52e como as circunstâncias o pareçam etema.mente desta terra oS ladrões e espal-
deiradores,
permitiam, nada melhor do que usâ-lo outra vez.
Uno-te e serlÍs inveneivel l
Outro ponto também muito utilizado foi a oposição
às leis relativas aos impostos. Pregaram a resistência Manifesto da sedição do Quebra-Quilos.
66 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 67

ao pagamento numa argumentação semelhante à que veres, "concedendo privilégios de carros fúnebres";
havia sido empregada, com êxito, na revolta de 1817. mandou "espaldeirar" o povo, tingindo de sangue as
Os ataques variavam desde pontos evidente- calçadas das ruas e, além de fazê-Io passar por todas
mente corretos às mentiras mais torpes, como a fu- essas humilhações, reduziu a província à condição de
tura criação de impostos para "estender roupa para "feitoria". Em resposta, "um pernambucano" fala
secar", 100 réis por cada galinha que possuíssem, da identidade entre as duas populações e que os brios
dois mil-réis para usar óleo no cabelo, etc. Mas todos dos pernambucanos não devem deixar o "rubor"
os ataques terminavam sempre com o mesmo refrão subir à face, nem "estremecer os manes de Nunes
de que "era chegado o tempo de libertar-se". Não Machado".
I . ficaram ao nível dos discursos e conversas "ao pé do O segundo manifesto, sob título POVO!!!, pro-
ouvido"; imprimiram-se manifestos que foram espa- testa contra os "impostos pesados que absorvem todo
lhados pela Zona da Mata e Agreste. Fizeram, como o teu trabalho, te reduzem à miséria e matam à fome
disse o Juiz de Direito de Tacaratu, um verdadeiro a tua mulher e os teus filhos". E pergunta:
"chuveiro de manifestos".
Pudemos ler três exemplares que foram apreen- "Não tens um cacete, uma faca, um bacamarte?
didos na ocasião (Monteiro, 1980:165-173). Já estás tão fraco que não possas com uma gar-
O primeiro transcreve um manifesto suposta- rafa de gás, para te vingares de quem te rouba e
mente redigido por "um paraibano" onde, depois de te injuria?"
historiar a ajuda que a Paraíba prestou a Pernam-
buco nas revoltas de 1817 a 1848, reclama que agora, E numa direta alusão a Lucena, que participou
quando a Paraíba precisa de ajuda, o que Pernam- da revolta de 1848-49 e agora defendia os do "partido
buco fez foi enviar soldados para sufocar o movi- da ordem": "Ao lampião com os que ontem diziam
mento ali iniciado. De fato, atendendo ao pedido do que devias fazer a revolução e hoje te injuriam e te
Presidente da Paraíba, o Presidente Henrique Pe- ridicularizam, porque foram comprados pelo gover-
reira de Lucena, de Pernambuco, enviou uma com- no!. .. "
panhia de soldados para auxiliâ-lo na repressão. Finaliza, conclamando à luta armada, concla-
O manifesto aos pernambucanos lembra ainda mando à revolução:
algumas das atitudes de Lucena: reduziu o povo à
miséria; "matou os brios de teus filhos", transfor- "É preciso um dilúvio de sangue para que desa-
mando-os em algoz dos paraibanos; chamou-os de pareçam eternamente desta terra os ladrões e
"canalha" no parlamento; especulou com os cadá- espaldeiradores. Une-te e serás invencível!"
I
\
68 Hamilton de Mattos Monteiro
Nordeste Insurgente (1850-1890) 69

O terceiro, sob o título CIDADÃO GUARDAS


NACIONAIS DO RECIFE, opõe-se ao aquartela- 49), assassinado em 1852 depois de "fugir" da
mento determinado por Lucena, objetivando formar fortaleza em que se encontrava preso no Rio de
batalhões para sufocar a sedição: Janeiro.

"Isto é, depois de haver roubado o pão, o ba- Finaliza, conc1amando os pernambucanos a


calhau e a carne seca do povo, tira os pais de honrar essa "sagrada memória" e tranqüilizar "esses
família dos bancos de trabalho, acaba a obra de adoráveis manes" .
destruição do povo pela miséria e pela fome!" A repressão foi considerada pela historiografia
como extremamente violenta. Podemos distinguir
E sugere a resistência. Pede que os cidadãos não nela duas etapas diferentes: numa primeira, a su-
se apresentem pois devem deixar "correr os aconte- gestão do emprego de "meios suasórios e brandos",
cimentos" . com a demonstração da verdade.
Lembra os "mártires da liberdade pernambu- Nesta fase, assistimos às tentativas de arregi-
cana", citando: mentar a população local, nas próprias vilas ataca-
Nunes Machado - Joaquim Nunes Machado, das, para a defesa; o apelo aos senhores de engenho
morto na revolta de 1848; para colaborarem com o Governo arregimentando
Caneca - Frei Joaquim do Amor Divino, parti- seus "moradores" e o envio de missionários capu-
cipante das revoltas de 1817 e 1824 e executado chinhos para exortâ-los a não prosseguirem no movi-
a 13 de janeiro de 1825; mento.
Roma - Padre José Inácio de Abreu Lima, exe- Os resultados não foram satisfatórios. Com a
cutado a 29 de março de 1817; população das vilas não puderam contar de fato; de
Miguelinho - Padre Miguel Joaquim de AI- maneira geral, as populações apoiaram os revoltosos
meida e Castro, executado a 12 de junho de ou mantiveram uma neutralidade "compromete-
dora". Os senhores de engenho, como vimos, ale-
1817;
Teotônio - Domingos Teotônio Jorge Pessoa,
gavam estar sem condições de "reunir povo"; alguns
prestaram auxílio, como foi o caso do Coronel Co-
executado a 10 de julho de 1818;
mandante Superior da Guarda Nacional de Pau
José Peregrino - José Peregrino Xavier de Car-
d' Alho, Luís de Albuquerque Maranhão, do Barão
valho, herói paraibano, executado a 21 de agos-
de Buíque, Francisco Alves Cavalcanti Camboim, do
to de 1817;
Barão de Tracunhaém, João Cavalcanti Maurício
Pedro Ivo - um dos líderes da Praieira (1848-
Wanderley, que acorreram com "seus moradores",
70 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 71

mas este apoio foi, de fato, isolado, não caracteri- desde setembro do ano anterior.
zando uma atitude generalizada dos senhores de en- A ação das tropas foi de verdadeira "selvageria,
genho que preferiram omitir-se quando não partici- aplicada cegamente contra culpados ou inocentes".
pavam. José Américo de Almeida, no seu livro A Paraíba e
Os padres capuchinhos, como sempre, colabo- seus Problemas, transcreve depoimento do Deputado
raram, realizando suas "santas missões" e indo ao João Florentino em 1879, onde se pode ter a idéia do
encontro dos revoltosos para tentar demovê-los dos tipo de repressão:
seus intentos. Entre outros, colaboraram o Frei Ve-
nâncio, que atuou na região de Itambé e cuja parti- "Fizeram-se prisões em massa, velhos e moços,
cipação mereceu um elogio do Ministro da Justiça, solteiros, casados e viúvos, todos acorrentados e
no relatório de 01105/1875, o Frei José que atuou na alguns metidos em coletes de couro, eram reme-
região do Bom Conselho e Frei Pidélis Maria Fog- tidos para a capital. Alguns desses infelizes,
mano que agiu na região de Panelas. Mas também cruelmente comprimidos e quase asfixiados,
esta atuação não deu os resultados esperados, pois as caíam sem sentidos pelas estradas, deitando
participações que vinham do interior freqüentemente sangue pela boca" (Almeida, J. Américo, 1923:
noticiavam que suas exortações não eram atendidas. 219).
Numa segunda etapa, passa-se ao emprego de
medidas "enérgicas" com a "exemplar punição dos o "colete de couro", segundo consta, fora in-
autores e coniventes". O Presidente da Paraíba soli- ventado pelo Capitão Longuinho, comandante de
cita auxílio de tropas ao Presidente de Pernambuco, uma das colunas que seguiu para o interior, e consis-
no que é atendido; o mesmo faz o Presidente do Rio tia em envolver o tórax do indivíduo em couro cru,
Grande do Norte ao do Ceará. Em dezembro de molhado, que, ao secar, comprimia o peito "a ponto
1874, chegam finalmente à Paraíba as forças envia- de provocar vômito de sangue". "Os que sobrevive-
das pelo Governo imperial. Tratava-se de um contin- ram a esse suplício, diante do qual se regalava o
gente de 750 praças e 47 oficiais sob o comando do Capitão Longuinho, não escaparam da tuberculose
Coronel, depois General, Severiano da Fonseca que, ou das lesões cardíacas que, cedo ou tarde, os leva-
juntamente com a força da polícia local da província, riam ao túmulo" (Almeida, Horácio, 1958:145).
formou um efetivo de 1203 praças. A Província de O clamor contra a "selvageria" da repressão
Pernambuco contava apenas com uma força policial levou o Coronel Severiano a enviar um ofício circular
de 1400 praças, espalhados pelas várias comarcas já aos oficiais comandantes dos destacamentos, deter-
que a Guarda Nacional havia sido desmobilizada minando que se atenuasse o rigor das prisões e impe-
72 Hamilton de Mattos Monteiro J Nordeste Insurgente (1850-1890) 73

dissem roubos e atos de violência por parte dos sol- A "Guerra das mulheres" (1875-76)
dados. A esse ofício responde o Capitão Longuinho
dizendo que tem usado cordas e correias de couro Evidentemente que há um pouco ele exagero no
para prender os "criminosos e sediciosos" por não ter título, ao chamarmos o movimento de "guerra das
algemas, mas que isto "não os magoa tanto". mulheres". Na verdade, os homens ali também se
Durante muitos anos uma modinha popular, achavam, mas deve-se ressaltar a participação pre-
cantada no interior nordestino falava da triste sorte ponderante e decidida das mulheres que, pela pri-
dos "quebra-quilos": meira vez na história do Brasil, atuaram, coletiva-
mente, em um movimento insurrecional.
"Sou quebra-quilos encoletado em couro A revolta decorre da aplicação da Lei n~ 2556,
Por vil desdouro me trouxe aqui; de 26 de setembro de 1874, que alterou a forma do
A bofetada minha face mancha recrutamento de soldados para o Exército e Armada.
 corda, à prancha me afligir senti Aliás; o recrutamento que sempre fora mal visto
pela população, gerava conflitos sérios, e, no que
Na cans modesta a tesoura cega ... tange à lei de 1874, esta provocou não reclamações
De minha enxerga só me resta o pó; ou conflitos isolados, mas um movimento coletivo
De esposa e filhos violentam rudes que deu-se, simultaneamente, se bem que em dias e
As sãs virtudes, seu tesouro só. meses diferentes (entre agosto de 1875 e julho de
1876) em várias províncias do Império.
E ao quebra-quilo desonrado, louco Mas, para se entender melhor a Lei 2556, acre-
É tudo pouco quanto a infâmia faz; ditamos ser necessária uma síntese da situação do
Se aqui contempla da família o roubo, alistamento militar nos anos anteriores.
Ali, no dobro, o flagelam mais. Até 1874, o recrutamento era feito por uma
pessoa designada pelo Presidente da Província (con-
Tiranos vedes que miséria tanta, forme Decreto 73, de 06.04.1841) para recrutar "to-
Nem os quebranta? meu pungir, meus ais; dos os homens brancos e solteiros e ainda pardos
Martírios, ultrajes de negror fazei-me libertos de idade de 18 a 35 anos" respeitando-se as
Porém dizei-me se também sois pais" isenções da Portaria Real de 10 de julho de 1822.
A população pobre era a que mais sofria os efeitos do
(Andrade, 1946:203). recrutamento, pois a Lei n? 45, de 29.08.1837, per-.
mitiu que os recrutados pudessem dar substitutos ou
74 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 75

serem dispensados mediante o pagamento de quatro- nuaram. Os conflitos se sucediam. Após a guerra
centos mil-réis, numa época em que o salário de um contra o Paraguai, o assunto volta a ser discutido e,
artesão especializado não ultrapassava os trinta mil- em 1874, aprovava-se nova lei, que tomou o número
réis mensais. 2556, em que se instituíam juntas de alistamento e o
Esta forma de recrutamento permitia muitos sorteio. A junta era formada pelo juiz de Paz, a auto-
abusos e transformou-se numa arma de perseguição ridade policial mais graduada do local e o pároco. A
política, pois afastava da região indivíduos indesejá- lei deveria, no primeiro ano de vigência, arrolar to-
veis aos grandes proprietários, já que estes tinham dos os solteiros e casados, que tivessem entre 19 e 30
influência na indicação dos recrutadores. Transfor- anos de idade. O sorteio seria feito em data posterior,
mou-se, portanto, o recrutamento em verdadeira ca- a ser designada.
çada. A todo instante um elemento podia ser recru- As juntas paroquiais se organizaram, expediram
tado e preso, e, caso resistisse, ficaria, a partir de as proclamas convocando todos os homens válidos
então, sujeito à severa disciplina militar que incluía naquela faixa etária e começaram os trabalhos em
castigos corporais. Era, por conseguinte, uma amea- 1875, utilizando geralmente as instalações das igrejas
ça constante que pesava sobre os habitantes. Pelo locais.
horror que inspirava, pelos conflitos que gerou e por Os boatos correram dando conta de que todos os
retirar homens válidos de pobres famílias de lavra- homens dessa idade seriam efetivamente recrutados.
dores, . esta lei ficou conhecida como "imposto de Outros diziam que era uma nova lei de escravidão
sangue". para os trabalhadores rurais. Como sempre, os polí-
Para evitar os abusos do recrutamento cons- ticos radicais dela se serviram para atacar o gabinete
tante, baixou-se o Decreto n? 1089, de 14 de de- conservador do Visconde do Rio Branco, acirrando
zembro de 1852, pelo qual se estabeleciam cotas ainda mais os ânimos. Os grandes proprietários te-
anuais para cada província. Ou seja, cada uma for- meram perder o controle desta "arma legal" que
neceria um contingente anualmente, conforme nú- tanto utilizavam. As mulheres temeram perder seus
mero determinado por lei. Mas cada recruta ou maridos e filhos. O ambiente já estava propício para
voluntário que conseguisse dava ao recrutador o di- mais uma insubordinação.
reito de receber 5S, importância que foi alterada pelo Instaladas as juntas e tendo-se iniciado os tra-
Decreto 2171, de 1? de maio de 1858, para 10S por balhos, grupos de mulheres, em sua maioria, inva-
recruta apurado e 20$ por voluntário. O recruta- dem as igrejas, rasgam os editais e exemplares da lei,
mento virou negócio. destroem móveis e utensílios e partem ameaçando
Apesar de tudo, os abusos e ilegalidades conti- voltar a qualquer momento. No Ceará, ocorrem dis-
76 Hamilton de Mattos Monteiro

túrbios em Acarape, Limoeiro, Quixadâ, Boa Via-


gem, Baturité e Saboeiro. No Rio Grande do Norte,
conflitos em Mossoró, São José de Mipibu e Cangua-
retama. Na Paraíba, houve oposição nos municípios
de Alagoa Grande, Alagoa Nova, Ingá, Campina
Grande e Pilar. Em Alagoas, são atingidas as comar-
cas de Palmeira dos índios e Penedo e na Bahia, a
comarca de Camamu.
Mas, conforme assinala Câmara Cascudo, de
todos os conflitos o que chamou mais atenção foi o
AS REVOLTAS URBANAS
que ocorreu em Mossoró. O cabeça do movimento foi
uma mulher chamada Ana Floriano. Ela conseguiu
reunir 300 mulheres. "O cortejo rebelde partiu da
atual rua João Urbano indo até à, hoje, praça Vigá- Introdução
rio Antonio Joaquim Rodrigues. Aí foram rasgados
Algumas cidades brasileiras foram, durante lon-
os editais pregados na porta da igreja e despedaçados
go tempo, focos de movimentos sediciosos, princi-
vários livros. Dessa praça, dirigiram-se as amotina-
palmente as capitais que se encontravam mais livres
das à praça da Liberdade, passando pela, hoje, rua
do "mandonismo" dos grandes proprietários. Para
Trinta de Setembro. Naquele logradouro público,
esta situação vários fatores contribuíram, tais como:
achava-se disposto um corpo de polícia, ali posto
maior heterogeneidade da sociedade local; a situação
com o fim de dominar a sedição. Aos gritos de avan-
de refúgio dos que se "libertavam" da autoridade
ça, logo ficaram confundidos, no tumulto da luta,
e/ ou da exploração dos coronéis; os contatos mais
soldados e mulheres" (Cascudo, 1955:79-80). A in-
terferência de pessoas importantes evitou que o con- freqüentes com os "progressos" e as "novas idéias"
que grassavam na Europa e sua posição interme-
flito tivesse maiores conseqüências.
diária entre a região produtora "colonial" e o grande
Mesmo assim, a lei continuou em vigor. Perio-
centro consumidor europeu, sofrendo, portanto, os
dicamente, ao se instalar a Junta de Recrutamento,
reflexos das crises de uma ou outra, o que geraria,
em várias regiões do país, grupos se organizavam e
partiam para a agressão. Nos anos finais do Império, como gerou, graves descontentamentos sociais.
Neste capítulo, "nos restringiremos apenas aos
os relatórios ainda dão notícias, se bem que esparsas,
desses atentados . movimentos que grassaram em Salvador, capital da
78 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 79

província da Bahia, mas o leitor deve compreender mento, apresenta quatro pontos que dificultavam o
que tais movimentos fazem parte de um amplo leque fornecimento e encareciam os preços: o primeiro, li-
de agitações sociais que abalaram várias cidades do gado à produção das regiões próximas que não era
Nordeste brasileiro, entre as quais citamos Recife, suficiente para atender à demanda citadina, obri-
Natal, Fortaleza, Mossoró, Macau, Mucuripe, São gando-a a importar de regiões distantes a farinha (do
Luís, Caxias, Alcântara, etc. Todas estas revoltas Paraná e Rio Grande do Norte), arroz (do Mara-
têm motivações próprias, frutos de situações especí- nhão), feijão (de Portugal e de regiões brasileiras) e
ficas locais, mas, de qualquer forma, inserem-se den- carne (de regiões situadas a centenas de quilôme-
tro de um contexto mais amplo que é a crise regional. tros); o segundo, ligado à precariedade dos meios de
Expressam, em nível urbano, as contradições da transporte e das vias de comunicação; o terceiro, à
estrutura econômica regional. ambivalência da administração que ora liberava os
As cenas são semelhantes. Repentinamente, por preços, ora taxava-os; o quarto, ao fato de a cidade,
motivos aparentemente simples e variados, a popu- além de ser um centro importador-exportador, ser
lação irrompe pelas ruas, depredando casas de co- também distribuidora de gêneros alimentícios para
mércio, ameaçando edifícios públicos e entrando em todo o Nordeste brasileiro, com base em uma estru-
luta com as forças policiais. Gritam contra a "ca- tura monopolista e açambarcadora.
restia", saqueiam e, muitas vezes, incendeiam os
depósitos dos grandes atacadistas e monopolistas do "Com efeito, bastava que uma necessidade se
fornecimento dos gêneros alimentícios. Ao brado de tornasse premente em alguma área que se acha-
"mata marinheiro", voltam-se contra os portugue- va sob o controle dos comerciantes da Bahia,
ses, geralmente comerciantes, a quem acusavam de para que a população sofresse na carne as conse-
responsáveis pela situação. qüências" (Matoso, 1978:258).
Em excelente trabalho publicado em 1978, Kâ-
tia Matoso estuda a cidade de Salvador, sua popu- Tomando por base o salário de um pedreiro (em
lação e as condições de seu mercado, abastecimento, torno dos 30$000 mensais na década de 60) e as
preços e salários no século XIX. Caracteriza a maio- variações dos preços dos três artigos básicos (farinha,
ria da população da cidade como vivendo em condi- feijão e carne verde), Kátia Matoso estabelece as
ções precárias e ameaçada de indigência e, portanto, percentagens do salário necessárias para adquiri-los.
incapaz de constituir estoques dos gêneros de primei- Não é simples coincidência que as três mais sé-
ra necessidade - carne verde, farinha de mandioca, rias revoltas em Salvador tenham ocorrido, justa-
feijão e arroz. Por outro lado, quanto ao abasteci- mente, nos anos em que estas percentagens ficaram
";I ~) ~ , I!II'"
O ~ ;J U t ~
80 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 81

Este é o pano de fundo das revoltas que se veri-


Ano Percentagem ficaram nas cidades nordestinas, de uma maneira
1845 41,36"7.
geral, neste período. A população, em que pese ou-
1854 47,27% tras variáveis que entraram no acirramento dos âni-
1858 58,47% mos, revoltava-se contra uma situação que conside-
1866 44,89%
1873 35,93%
rava insustentável - a alta do custo de vida, a depre-
1878 , 58,77% ciação de suas condições de vida - mas que, além de
1885 41,10% ser um problema conjuntural, refletia as contradi-
(Matoso, 1978: 369-371)
ções estruturais daquela região.
Em resumo, podemos citar os cinco grandes
problemas que estão por trás das revoltas:
mais elevadas: 1854, 1858, 1878, isto é, nos anos em a) queda dos preços dos artigos de exportação e
que foi necessário utilizar uma parte maior do salário perda de mercados tradicionais no exterior, gerando
para adquirir os alimentos, Deve-se levar em conta, redução na capacidade de acumulação de capital
também, os aumentos que ocorreram em outros local;
ítens, como moradia, vestuário, etc., tomando difícil b) redução das áreas destinadas à produção de
a vida da população soteropolitana. gêneros alimentícios para o consumo local;
Tomando por base os preços unitários de dois c) precariedade do abastecimento dos centros
produtos mais consumidos, chegamos também a urbanos;
conclusões semelhantes: d) monopolização dos principais gêneros de
consumo popular, provocando elevação artificial dos
preços;
Ano Farinha Carne verde e) problemas climáticos que prejudicavam a
(1 LITRO) (Kg)
produção e o abastecimento.
1845 S 30,40 S 217,10 As revoltas, devido às situações em que ocor-
1854 S 50,71 S 221,00 + riam, receberam cognomes interessantes. Assim é
1858 S 101,94 S 459,42 +
1866 S 71,94 S 335,38 que a de 1854 ficou conhecida como a do "pano do
1873 S 86,61 S 487,71 Teatro São João", a de 1858 como "carne sem osso,
1878 S 103,38 S 480,00 + farinha sem caroço", somente a de 1878 não recebeu
1885 S 77,34 S 447,91
alcunha específica.
(Matoso, 1978: 369-371) Trataremos, a seguir, dessas três revoltas.
82 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 83

"Pano do Teatro São João" (1854) reputações e o algoz do sacrârio das famílias". E con-
cluía:
No dia 23 de setembro de 1854, a partir de um
incidente verificado na inauguração do Teatro São "Se houvesse um inimigo das garantias sociais,
João, ocorrem, pelas ruas da cidade, choques entre a acharia por certo seus melhores cúmplices nos
população e a força pública, com muitos feridos. incansáveis apóstolos dessa licença desmorali-
O quadro no qual se insere esta revolta tem dois zadora que se arreia com o manto da liberdade"
componentes básicos. O primeiro é o alto custo de (Wanderley, 1855:4).
vida que alimenta um forte sentimento antilusitano,
pois os portugueses eram os "senhores" do comércio o estopim seria a pintura encomendada pelo
atacadista, bem como do chamado de "retalho". governo para o pano de boca do Teatro. Por ordem
Desde 1848, quando foi apresentada, na Assembléia de Wanderley, fora concluída a reforma do prédio e
Geral do Império, proposta de nacionalização do aberta a concorrência para a pintura do pano. Foi
comércio a retalho, que tal oposição aos portugueses vitorioso o alemão Bauch que, conforme estabelecia
vinha sendo sustentada por muitos jornais, contri- o edital, pintou uma cena da história do Brasil. A
buindo para aumentar o sentimento "antimarinhei- cena era a chegada de Tomê de Souza à Bahia; nela
rolO . figuravam os Indios, depondo os arcos, admirados e
O segundo componente refere-se à oposição li- prostrados ante o governador que empunhava a ban-
beral ao governo conservador de João Maurício Wan- deira portuguesa. A oposição viu nisto mais uma
derley,presidente da província. A oposição era enca- prova para seus ataques e recrudesceu a campanha
beçada pelo jornal liberal O Século, dirigido por João contra o governo e "seus aliados" portugueses.
Barbosa de Oliveira, pai de Rui Barbosa. Na véspera do incidente, a 22.09.1854, Cotegipe
A imprensa local juntava os dois elementos em escrevia ao Presidente do Conselho, o Marquês de
seus ataques. Apresentava os conservadores e os co- Paranâ:
merciantes portugueses como que mancomunados,
atribuindo à situação conservadora interesses em não "Escrevem e proclamam que a cena é um insulto
frear a alta dos preços (Pinho, 1937:246). à nacionalidade, porque estão os brasileiros
Na fala apresentada à Assembléia provincial, (tupinambâs) curvados ante os portugueses; que
em 1? de março de 1855, Cotegipe queixava-se da foi muito de propósito escolhida para indicar ao
imprensa. Dizia que nos "países cultos" ela guia a povo o plano do absolutismo que o governo quer
opinião, mas aqui constitui-se no "pelourinho das proclamar" (Pinho, 1937:273).
84 Hamilton de Mattos Monteiro
Nordeste Insurgente (1850-1890) 85

Apesar de estar a par dos planos para promo-


verem uma "assuada" e depois queimarem o pano no Argolo Ferrão, recusasse a desembainhar a espada
dia da inauguração, Cotegipe não recuou. E afir- contra o povo.
mava: "tenciono pois experimentar a ousadia desses Wanderley mostrara que não estava disposto a
meus senhores, e depois de mostrar-lhes que não os se submeter à oposição. Aplicara a força sobre o povo
temo, arredarei este pé de cantiga" (Pinho, 1937: amotinado, mas o pano que acionara a revolta nunca
273). ~ mais foi utilizado. Novo pano foi encomendado e
Assim foi feito. Na noite de 23, o teatro achava- inaugurado no mesmo ano. Representava uma cena
se lotado. Não só de povo, como também de auto- neutra: "Febo conduzindo o carro do Sol, tirado por
ridades. Nos corredores e platéia, de espaço em es- quatro pégasos e circundado de deusas simbolizando
paço, viam-se policiais, estrategicamente postados à as Horas. Era denominado Pano da Aurora" (Boca-
espera de qualquer tumulto. Concluída a apresenta- nera:58).
ção, como não fosse baixado o aludido pano, levanta- Em relatório datado de 15 de maio de 1855,
se o alferes reformado do exército, João José Alves, o ministro da Justiça, Nabuco de Araújo, anunciava
tio de Castro Alves, e, dirigindo-se para o camarote à Assembléia Geral que no ano anterior, ocorrera em
do presidente, grita: Salvador "uma ridícula desordem motivada pela pin-
tura do pano do teatro público". Dessa forma, omi-
"Sr. Wanderley, mande vir abaixo este pano in- tiam-se ao país as condições da população soteropo-
fame que queremos despedaçá-lol Abaixo o litana que, como diz Kâtia Matoso, estava à beira da
pano infame! Fora o presidente traidor!" (Pi- indigência e vivia na dependência de uma estrutura
nho, 1937:274). de abastecimento exploradora e monopolista.

Forma-se o tumulto. O alferes é preso. O presi-


dente, atingido por uma pedra que lhe feriu uma das
"Carne sem osso,
mãos, retira-se. Quando a comitiva chega à calçada, farinha sem caroço" (1858)
a multidão vaia. Bradam os protestos e uma chuva de
Nos dias 28 de fevereiro e I? de março, a cidade
pedras cai em direção ao teatro. Várias pessoas são
feridas. A polícia enfrenta a multidão.' "Corre san- de Salvador foi novamente palco de violentos cho-
ques entre o povo e as forças militares que ficaram
gue." Finalmente os amotinados são contidos pela
polícia, com a ajuda das tropas de linha, muito em- conhecidos como a revolta da "carne sem osso, fari-
nha sem caroço" ou, ironicamente, como "revolução
bora seu comandante, o capitão Alexandre Gomes de
dos chinelos".
Nordeste Insurgente (1850-1890) 87
86 Hamilton de Mattos Monteiro

Governava a província João Luís Vieira Cansan- niões sem discutir o problema, os vereadores dirigem
ção de Sinimbu que ocupou o cargo de 19 de agosto ao presidente oficio, datado de 17 de fevereiro, no
de 1856 a 16 de julho de 1858. O presidente, um qual dizem que estavam cansados de esperar e que
conservador, estava sendo "asperamente combatido" iriam colocâ-lo em vigor, apesar da suspensão presi-
pelas velhas facções políticas que não aceitavam a dencial (Ruy, 1953:311-312).
forma como se fazia na província a política de conci- O oficio historia magnificamente a situação dos
liação, iniciada, em "nível nacional, por Paraná. O gêneros de primeira necessidade em Salvador, nota-
apoio declarado de Sinimbu à candidatura de Na- damente da farinha e da carne, os principais. Acusa
buco de Araújo ao Senado fez com que as oposições a existência de "monopólios calculadamente estu-
acirrassem os ataques ao presidente. dado" e que, no caso daqueles gêneros, era exercido
Juntamente com este problema de ordem polí- por "três ou quatro indivíduos somente". Dizia que
tica, acrescentavam-se a escassez e a alta dos preços não podia e nem devia cruzar os braços "diante de
da farinha de mandioca e da carne fresca que le- uma crise como a atual, consentindo que a popula-
varam a Câmara Municipal da capital a entrar em ção desta capital continue a ser vítima do monopólio
"verdadeira guerra' com o presidente. Este aparece e da ambição de alguns homens que, não se conten-
como o defensor dos atacadistas e monopolistas dos tando com razoáveis lucros, soem especular com as
gêneros de primeira necessidade, e aquela como necessidades do povo de quem somente almejam su-
defensora dos consumidores. Aos problemas políti- gar até a última substância" (Ruy, 1949:565-567).
cos somava-se o da carestia e estava preparado o Em resposta, o presidente determina que a polí-
"palco" para a cena que se iria desenrolar (Ruy, cia garanta os comerciantes de farinha contra os
1953:220). fiscais da Câmara e ordena que a mesma revogue o
Os atritos têm início com disputas para definir edital. Com efeito, em vários pontos da cidade, fun-
atribuições a que a Câmara se arvorava e o presi- cionários municipais entravam em choque com a po-
dente negava. lícia, aumentando os ataques ao presidente Sinimbu.
Com o propósito de evitar os constantes aumen- A Câmara retruca afirmando que uma postura
tos do preço da farinha, a Câmara Municipal vota, só poderia ser anulada por um corpo legislativo e que
a 16 de janeiro de 1857, uma postura pela qual aque- "nenhuma autoridade, em face do Ato Adicional,
le gênero só poderia ser vendido em lugares determi- pode revogá-Ia sem proposta da respectiva Câmara".
nados por aquele conselho. Sinimbu determina a Diz que a ação da polícia retrata um ato de "deso-
suspensão do ato até que fosse votado pela Assem- bediência às leis municipais" e culpa o presidente
bléia Provincial; como esta encerra o período de reu- pelos conflitos que "se hão de reproduzir" (Ruy,
88 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 89

1953:569-570). freiras de São Vicente. As vicentinas encontram as


Considerando a atitude dos vereadores como re- maiores dificuldades para impor a ordem e então a
beldia, Sinimbu suspende-os por 160 dias e convoca Mesa resolve transferi-Ias para o Convento da Lapa.
os suplentes. A medida, sumamente impopular, No dia da mudança, as moças recebem a direção da
exalta os ânimos e aumenta o ódio contra o presi- Misericórdia com vaias e insultos. Algumas chegam
dente, acusado de proteger os atacadistas. A oposi- à janela pedindo socorro. A população concentrada
ção acusa-o também -de ter punido os camaristas nas imediações resolve invadir o prédio para auxi-
como manobra política visando a evitar que aqueles liá-Ias.
vereadores fizessem a apuração dos votos da eleição As irmãs de caridade foram agredidas e se refu-
senatorial marcada para 1~ de março. giaram nas casas vizinhase no palácio do governo.
Os acontecimentos foram muito habilmente ex- Também foi atacada a Casa da Providência, situada
plorados pela oposição. Nos principais pontos da ci- na Baixa do Sapateiro, que teve sua porta arrombada
dade, oradores incitam o povo contra o presidente. a machado. Outro grupo dirigiu-se ao bairro de
Propõem uma grande concentração para impedir a Nazareth onde tentou invadir o Colégio de São Vi-
reunião dos suplentes. Sinimbu determina a pronti- cente, dirigido pelas mesmas freiras, mas foi contido
dão das tropas e ameaça responsabilizar criminal- por um piquete de cavalaria. Ao mesmo tempo,
mente os exaltados. O clima eleitoral contribui para populares se agrupavam no largo do Pelourinho e em
aumentar a tensão e criar um ambiente de luta. São José.
O estopim da revolta coletiva foi o incidente A multidão dirige-se à praça do palácio da presi-
entre as internas do Recolhimento da Misericórdia e dência onde protesta contra a alta dos preços. O povo
as freiras de São Vicente, encarregadas de dirigir a gritava em uníssono: "queremos carne sem osso e fa-
casa. rinha sem caroço", em alusão ao problema da carne
O Recolhimento funcionava desde 1716, como e da farinha de mandioca. Enquanto a Câmara era
legado deixado por João de Mattos Aguiar à Santa invadida e tinha seu sino tocado a rebate, a multidão
Casa de Misericórdia, com o fim de acolher e educar apedrejava o palácio. Finalmente, já era noite quan-
moças pobres. Com o tempo, a disciplina foi sendo do uma força de linha dispersou os manifestantes.
relaxada e em meados do século XIX, a Casa já era No dia seguinte, 1~ de março, a praça do palácio
famosa por seus escândalos. Toda Salvador sabia da encontrava-se ocupada por um batalhão da Guarda
intensa vida sexual que ali se travava, com as inter- Nacional. Os quartéis estavam de prontidão. Mesmo
nas recebendo no próprio local os seus amantes. Para assim, populares foram chegando para assistir à ses-
coibir tais abusos, a Santa Casa entrega a direção às são da Câmara Municipal, marcada para as 10 horas
90 Hamilton de Mattos Montei ,,, Nordeste Insurgente (1850-1890) 91

da manhã, onde os suplentes convocados deveriam Desde 1877, o Nordeste estava sendo assolado
efetuar a verificação de votos para a eleição de um pela grande seca, uma das piores de sua história.
senador. Ao iniciar os trabalhos, a Câmara foi inva- Faltavam alimentos e os retirantes morriam de fome.
dida pelo povo que tumultuou seus trabalhos. A tro- Devido à escassez dos alimentos, os preços subiram
pa evacuou o recinto. A multidão volta-se contra o vertiginosamente. Os negociantes de outras provín-
palácio, cantando rimas espirituosas e algumas até cias, notadamente Pernambuco e Piauí, enviavam ao
obscenas, ridicularizando Sinimbu. " Recôncavo baiano emissários com o propósito de
A repressão que se seguiu foi violenta. Pi.juetes adquirir gêneros de primeira necessidade, entre os
foram colocados nos pontos estratégicos. Tropas de quais, a farinha de mandioca. Estes compradores
infantaria e cavalaria fecham as saídas e invadem a dirigiam-se aos locais da produção e ofereciam pre-
praça do palácio. A população foi dispersada a gúl- ços mais altos do que os do mercado local.
pes de espada e patas de cavalo. Não houve mortos, Atraídos pela possibilidade de lucros maiores,
mas os feridos foram muitos. No dia seguinte, via-se os grandes atacadistas soteropolitanos iniciaram uma
a praça coberta por uma infinidade de chinelos; daí, prática semelhante. Mandavam seus agentes ao inte-
por ironia, veio o nome de "revolução dos chinelos". rior para a compra da farinha, estocavam-na na
No dia 2S de março, por ocasião das comemo- cidade e contratavam a venda para outras províncias,
rações do aniversário da Constituição, tentaram al- especulando com as dificuldades pela" qual passa-
vejar o presidente com um tiro. A 16 de julho, foi vam. Em Salvador, obviamente, premidos pela espe-
designado outro dirigente para a província. Para dei- culação e estocagem, os preços deste alimento se
xar a capital, Sinimbu teve que ser escoltado por elevaram muito acima do normal ao mesmo tempo
tropas do exército que o livraram das agressões fí- em que praticamente desapareciam das casas comer-
sicas, mas não da chacota dos que foram assistir a ciais. Enquanto isso, os atacadistas tinham seus
sua partida, guardado como um prisioneiro. A 19 de depósitos repletos (Ruy, 1953:313-314).
agosto, os vereadores foram reintegrados (Ruy, 1953: A 13 de março de 1878, preocupado com o pro-
222). blema, o presidente da província, Barão Homem de
Melo, recomenda à Câmara Municipal providências
urgentes. A 30 do mesmo mês, este órgão submetia
A Revolta de 1878 ao presidente uma postura na qual se regulamentava
a exportação da farinha, desde que atendido o con-
Outra vez, a 1? de junho de 1878, os incidentes sumo local. No mesmo dia, à noite, uma grande
se repetiram. multidão se concentrou em frente ao palácio dapre-
Nordeste Insurgente (1850-1890) 93
92 Hamilton de Mattos Monteiro

sidência exigindo uma solução para o problema


(Mello, 1878:65-67).
Paralelamente, elevam-se os preços da carne

c
\. l ) ;)'
fresca e seca. Evidentemente, isto ocorre também
ligado ao problema da grande seca bem como aos
decorrentes da queda das exportações platinas. O
presidente diligencia, 110 sentido de que sejam man-
~O~
--....r'.. A./"

dados a Salvador, navios transportando estes gêne-


ros e, na ocasião, comunica à população reunida que
/j1'-\'
eles já estavam a caminho.
As medidas adota das não produziram os efeitos
desejados e a escassez e a alta dos preços continua-
vam a afligir a população.
AI? de junho, a cidade acordou sobressaltada ~
com os boatos que anunciavam o saque e incêndio
~~,~
das casas exportadoras de gêneros alimentícios. As
patrulhas policiais foram reforçadas. Uma manifes-
tação popular foi dissolvida pela cavalaria. Os popu-
lares se concentraram, posteriormente, em frente à
casa do comerciante de farinha (atacadista) José Re-
belo Brandão, e apedrejam-na, mas são contidos
.'pelas autoridades. A "turba", já engrossada, segue
aceleradamente pela ladeira do Taboão, aos gritos de
"ao comércio, ao incêndio, à farinha!" Mais uma vez
a cavalaria avança e consegue conter os insurretos,
antes que realizassem seu intento (Mello, Correspon-
dência ... ).
A 11 de julho, o Barão Homem de Melo sancio-
nava a lei provincial que autorizava o governo a sub-
I,. sidiar a farinha. Esta deveria ser vendida ao consu- o Nordeste Insurgente na ilustração de Emilio.
midor pela quantia de 80 réís o litro, enquanto seu

L /
94 Hamilton de Mattos Monteiro

preço "se conservasse acima do ordinário" .


Os anos finais do século XIX mostram um
Nordeste descrente das soluções legais/oficiais.
Abandonado e sofrendo, fornece o ambiente ideal
para a proliferação de "santos", "beatos" e bandi-
dos. A elite brasileira, em sua quase totalidade, assi-
mila e divulga o probJema de forma inversa. Trans-
forma causa em efeito. Aponta, como razões do atra-
so e pobreza regionais, a ignorância, o fanatismo e o
ócio, numa imagem que inclusive hoje muitos aca- CONCLUSÃO
tam. Afinal não podia e nem interessava dizer a ver-
dade, pois de acusadora passaria a réu.
A tragédia de Antônio Conselheiro, ao mesmo
tempo que mostrava cruametne o drama nordestino, No conjunto, o Nordeste era, e não deixou de
dava elementos para reforçar as falaciosas explica- ser, o retrato do subdesenvolvimento. A exaustão do
ções da elite. A repressão tinha que ser brutal para solo, causada pela exploração predatória; a proprie-
servir de exemplo. Nada de comunidades isoladas dade da terra monopolizada por uma minoria e a
produzindo para o autoconsumo. Os caboclos do maioria da população se sujeitando a regimes de tra-
Nordeste tinham que se proletarizar, entrando no balho humilhantes ou então permanecendo desem-
circuito capitalista: ser mão-de-obra ocupada ou ser pregada, miserável e faminta, dão uma triste visão
"exército de reserva", contribuindo de uma forma do problema.
nova para a reprodução do capital. A revolução não ec1odiu, embora condições hou-
vessem. As saídas que encontraram foram as migra-
ções e a formação de comunidades milenaristas.
Mas, como tantos especialistas já registraram, o
termo subdesenvolvimento não deve ser utilizado
unicamente para apontar os aspectos negativos de
uma região. Ele deve servir para mostrar como deter-
minada área chega a tal situação crítica dentro do
capitalismo.
O drama nordestino é brasileiro e também de
lt
96 Hamilton de Mattos Monteiro

todos os povos colonizados de forma exploratória.


O capitalismo destrói a natureza, esgota os recursos,
ignora os direitos humanos mais elementares, como o
de prover a todos moradia, alimentação, vestuário e
emprego decentes, enfim, o direito à vida, e subor-
dina tudo ao lucro em beneficio de poucos. O nosso
Nordeste não se expljca somente em si mesmo mas,
também, no seu processo histórico, na história brasi-
leira e ocidental.
Portanto, para se entender de fato o problema INDICAÇOES PARA LEITURA
nordestino, temos que conhecer a sua gênese. Esse
estudo passa pela expansão e evolução da sociedade
européia e, podemos dizer, ocidental que se entrelaça
dialeticamente com os fatores nacionais e locais. As- Andrade, Manuel Correa de. A Terra e o Ho-
sim, estaremos desmitificando as teses, muitas vezes mem no Nordeste. São Paulo, Brasiliense, 1973. Esta
consagradas, que apontam causas absurdas, tais obra faz uma análise global do Nordeste a partir de
como clima e etnia, e traremos, para o plano real, o seus aspectos geográficos e históricos. Expõe muito
debate sobre o assunto. bem as formas de propriedade da terra e as relações
O tema ainda é atual. Ontem tivemos as insur- sociais de produção que encontramos na regiaão.
reições, o fanatismo religioso e o banditismo rural, Eisenberg, Peter L. Modernização sem Mudan-
hoje hâ a criminalidade urbana, as favelas e os ala- ça. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. Um dos mais
gados e os menores abandonados. Ao aceitarmos importantes trabalhos sobre o Nordeste lia segunda
passivamente explicações simplórias, estaremos sen- metade do séc. XIX. Analisa a crise econômica e
do coniventes e permitiremos continuadamente a re- social e a transição do trabalho escravo para o assala-
produção das desigualdades sociais. Urge desmas- riado.
carar os arrazoados mentirosos e dar ao nordestino a Monteiro, Hamilton de Mattos. Crise Agrária e
base histórica para que se conscientize, repila os fal- Luta de Classe; o Nordeste Brasileiro entre 1850 e
sos discursos e atue objetivamente na solução de seus 1889. Brasília, Horizonte, 1980. Estudo da violência
problemas. na sociedade nordestina. Análise dos movimentos
sociais enquanto formas de luta de classes, a partir
da crise da economia local.
98 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 99

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Jr
Sobre O Autor

Hamilton de Mattos Monteiro é Professor de História na Univer-


sidade de Brasília, Doutor em História pela Universidade de Silo Paulo,
com a tese Violência no Nordeste: 1850-1889 e autor do livro: Crise
Agrária e Luta de Classes, Brasília, Belo Horizonte, 1980.

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As Lutas da Independência no Brasil - Eni de Mesquita
O Antigo Sistema Colonial - José R. Amaral Lapa
I HISTÓRIA GERAL Motins e Tensões na Sociedade Colonial - Maria Odila Leite
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o Estado Absolutista - Fernando Novais Os Quilombos - Clóvis Moura
* O Mercantilismo e Transição - Francisco Falcon A Revolta de 1817 - Carlos Guilherme Moita
* As Revoluções Burguesas - Modesto Florenzano A Balaiada - Maria de Lourdes Janotti
A Revolução Industrial - Francisco Iglésias A Cabanagem - Dulce Helena Pessoa Ramos
A História do Trabalho Fabril - Edgar de Decca A Revolução Praieira - Isabel Marson
O Movimento Operário no Século XIX - Ulisses Guariba * O Nordeste Insurgente (1850-1890) - Hamilton de
As Internacionais Operárias - Maurício Tragtenberg Mal/os Mont eiro
A Revolução Russa - Théo Saniiago Canudos e Contestado - Lilia Moritz Schwarcz.
A Crise de 1929 - Adalberto Marson Padre Cícero; o Milagreiro - Carlos A. D'oria
O Fascismo - A rnaldo Contier I " A Crise do Escravismo e a Grande Imigração
A 2.a Guerra Mundial - Joel Silveira Paula Beiguelman
* A Revolução Chinesa - Daniel Aarão Reis Filho A Abolição da Escravidão - Sueli Robles de Queira:
.A Construção do Socialismo na China - Daniel A. Reis Filho 'A Economia Cafeeira - José R. Amaral Lapa
A Guerra Fria - Déa Fenelon A Proclamação da República - José Enio Casaleschi
* Paris - Maio-68 - Olgária C. F, Matos A Revolta da Vacina Obrigatória - Sílvia Bassetto
A Revolta da Chibata - Marcos A. da Silva
ÁFRICA-ÁSIA O Banditismo no Brasil (1889-1940) - Valmir B. Correu
O Coronelismo - Maria de Lourdes I anotti
O Tráfico Negreiro - Joel Rujino dos.Santos
* O Cangaço - Carlos A lberto Dôria
* A Luta Contra a Metrópole (Ásia e África)
A Burguesia Brasileira - Jacob Gorender
Maria Yedda Linhares
O Estado na l .'' República - Maria de Lourdes l anotti
A Questão Árabe - Maria Yedda Linhares
O Movimento Operário na l.a República - Michuel Hall
O Modernismo - Alexandre Eulálio
AMÉRICA O Tenentismo - Décio Soes
* As Independências na América Launa - León Pomer A Revolução de 30 - ltalo Tranca
A Acumulação Capitalista na América Latina (Séc. XIX) As Migrações no Brasil - A leir Lenharo
Hector Bruit O Movimento Constitucionalista de32 - Maria Helena
'" O Populismo na América Latina - Maria Lígia Prado Cape/ato
O Militarismo na América Latina - Clóvis Rossi A Intentona Comunista - Maria Helena Capelato
A Guerra Civil Americana - Peter Eisenberg A Cultura na Era de Vargas - Carlos Guilherme MOI/a
o Estado Novo - Maria Estella Bresciane .0:>-
O Governo Juscelino Kubitschek - Ricardo 'Maranhão
O Governo Jânio Quadros - WàShington Novaes/
José A. Ribeiro
As Ligas Camponesas e o Movimento Camponês no
Nordeste - Aspásia Camargo ,
O Golpe de 64 - Lourdes Sola •
( A História do Movimento Estudantil - Antonio Mendes lr.
O AI-5 - Márcia Moreira Alves
I!
História Política do Futebol - Joe! R. Santos

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