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NORDESTE INSURGENTE
(1850-1890)
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TOMBO _ : 00690'
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E CIENCIAS SOC1AI~ _
Copyright @ Hamilton de Mattos Monteiro
Capa:
127 (antigo 27)
Artistas Gráficos
Foto de capa:
Carlos Amaro
Caricatura:
f Emílio Damiani "
Revisão: INDICE
Aníbal Mari
Carlos A. Volpato
.) , Introdução 7
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A região 9
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As insurreições 31
As revoltas urbanas 77
'1.10 Conclusão 9S
Indicações para leitura 97
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editora brasil iense s.a.
01042 - rua barão de itapetininga, 93
são paulo - brasil
Jr
INTRODUÇÃO
sição entre essas duas outras que lhe fazem limites. propriedade cuja origem remonta às doações sesma-
As atividades econômicas são múltiplas, destacando- riais. Na Zona da Mata, desenvolveu-se a cultura da
se o algodão, os gêneros alimentícios e a pecuária. cana-de-açúcar; no Agreste, foi dada maior atenção
O Sertão ocupa a maior parte do Nordeste, à pecuária e/ou à cultura do algodão; no Sertão,
abrangendo cerca de 49% do total. Seu relevo é mais a pecuária extensiva teve grande êxito e, na região do
uniforme e o clima mais seco. Em grande parte, a Maranhão e Piauí, houve grande dedicação tanto ao
vegetação é de caatinga e a ocupação humana mais extrativismo vegetal quanto à pecuária,
rarefeita. As atividades predominantes são a pecuâria As pequenas propriedades são poucas e dedi-
e a cultura do algodão. Nele existem algumas regiões cam-se geralmente à produção de gêneros alimentí-
que são autênticas ilhas, onde se pratica uma agri- cios e, em alguns casos, ao algodão. No Agreste,
cultura variada e hâ maior concentração populacio- estas localizam-se nos chamados "brejos", regiões
nal. São as várzeas dos rios sertanejos, as regiões
mais elevadas e, portanto, beneficiadas por um clima I 1111
serranas e o vale do Cariri. de maior umidade, e, no Sertão, normalmente nas I
O Meio-Norte (Maranhão e Piauí) tipicamente
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regiões que margeiam os-rios. Muitas vezes são tão I
uma região de transição entre a floresta equatorial pequenas, entre 5 e 10 hectares, que obrigam os agri-
(floresta amazônica) e o Sertão. A paisagem se altera cultores a procurar trabalho adicional.
de oeste para leste. No extremo oeste do Maranhão, Por outro lado, havia também as terras arren-
a vegetação e as condições climáticas se assemelham dadas, onde se praticava uma agricultura geralmente
à Amazônia e, à medida que se avança para leste, voltada para gêneros alimentícios. Na Zona da Mata,
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cada vez mais se parece com o Sertão. A pecuária cultivavam a cana-de-açúcar para fornecimento aos
e o extrativismo vegetal predominam na atividade engenhos e, no Agreste e no Sertão, também o algo-
econômica, se bem que ali também se desenvolvam a dão, sendo que os grandes proprietários tinham
produção de algodão e a de arroz. maior interesse na atividade pecuária,
Comum também era a existência de "roças"
feitas pelos moradores, também chamados agrega-
A distribuição da Terra e a Sociedade dos, os quais constituíam-se em trabalhadores even-
tuais que moravam nas fazendas e a quem era permi-
o elemento principal que atuou na formação da tido cultivar uma pequena área. Estas "roças" eram
sociedade nordestina foi a posse da terra; a partir quase sempre de mandioca, milho e feijão, alimentos
dela, estruturaram-se os principais grupos sociais.
comuns na refeição nordestina.
Como se sabe, tem predominado ali a grande Sobre esta divisão e utilização da terra, assen-
12 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 13
tava-se uma estratificação social também diversifi- mente, de onde provinham os jagunços, os cabras e
cada. Em resumo, sem querer esgotar o assunto e os cangaceiros.
tendo em vista que nosso propósito é apenas estabe- "Nas cidades, o papel da agitação social estava
lecer o quadro da sociedade nordestina para efeito reservado a uma pequena classe média, que sofria
de melhor compreensão dos temas que serão trata- primeiro os efeitos da carestia e se compunha de
dos, a região apresentava as seguintes camadas so- artesãos (alfaiates, mestres-carapinas, mestres-de-
ciais: de um lado, no ápice da pirâmide social, estava obra e seus oficiais) e de profissionais liberais, im-
o grande proprietário (senhor de engenho na Zona da buídos, muitas vezes, de idéias de justiça social,
Mata, fazendeiro e/ou criador no Agreste e no Ser- quando não era tal papel, com bastante freqüência,
tão), isto é, o coronel todo-poderoso da Guarda Na- representado pelo clero ."
cional, senhor de fato da região sob sua influência. . Na longa crise por que passou o Nordeste no
Do outro lado, estavam os escravos e os moradores, século XIX, estes grupos não se limitaram a esperar
que, embora livres, gozavam de piores condições de pacificamente pela solução de seus problemas. Rea-
vida que os próprios escravos. giram a seu modo, a curto ou a longo prazo.
Entre estes dois grupos, situava-se uma enorme Dos mais pobres ou empobrecidos que não emi-
variedade de tipos sociais que englobavam desde os graram, saíram levas de bandidos que infestavam o
pequenos e médios proprietários e arrendatários, os Sertão e também os "sediciosos'; que colaboraram na
"oficiais" assalariados (como os mestres de açúcar rebeldia dos coronéis ou rebelavam-se diretamente
nos engenhos e o curtidor nas fazendas de criação) ou contra os que os exploravam.
autônomos (como alfaiates, oficiais de cantaria, car- Dos setores médios urbanos, emergiram os
pinteiros, etc.), até os profissionais liberais e os fun- "conspiradores", que nos clubes políticos, ou através
cionários públicos. de comícios, panfletos e jornais, não cessavam de
A desigual distribuição da terra iria dicotomizar fazer a crítica ao regime vigente e lideravam intelec-
a população rural na medida em que um número tualmente e na prática os motins e revoltas urbanos.
reduzido teria acesso a ela como proprietário ou Dos mais poderosos, dos grandes proprietários,
arrendatário e uma grande massa, progressivamente surgiram as "guerras" contra seus pares, as violên-
aumentada, por força mesmo do crescimento natu- cias contra seus agregados, as contestações ao poder
ral, teria de se contentar com a condição de mora- público; isoladas ou coletivas estas últimas tomaram
dores ou então perambular de propriedade em pro- os mais variados aspectos, desde a exploração cole-
priedade como jornaleiros. Estes últimos constituíam tiva de 1874, quando a crise se apresentou com toda
mão-de-obra barata e abundante, vivendo miseravel- a sua intensidade, até a abstenção com relação à
14 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) IS
sorte da monarquia, em 1889, já cansados de esperar em sua propriedade e se cerca de um numeroso "exér-
a atenção que achavam justa merecer. cito" privado, com o qual comete toda a sorte de vio-
Todavia, dada a importância, para a compreen- lências. Deve precaver-se contra possíveis "traições",
são das lutas sociais, do papel desempenhado pelos porque é assim que entende as discordâncias dos que
grandes proprietários e pelos homens pobres livres (a habitam sua área de mando; contra seu rival, tam-
quem chamaremos genericamente de lavradores), bém grande proprietário territorial, com o qual dis-
consideramos necessário maior detalhamento sobre puta a influência e até mesmo as terras, e, por úl-
estes dois grupos:" timo, contra o Estado monárquico que, tentando
instalar uma ordem em certa medida racional, toma
atitudes que contrariam seus interesses.
'" Os grandes proprietários Como centro de convergência das lutas sociais e
"
políticas no Nordeste, fundamentalmente no meio
Fundamentavam sua dominação no latifúndio e rural, está, de fato, o coronel. Ele é que, direta ou
na exploração da mão-de-obra, sob relações sociais indiretamente, traçava os rumos do relacionamento
de produção que iam desde o contrato mediante sa- social e político. Ele era a célula de todo o sistema.
lário até a escravidão, conforme suas conveniências e Enfeixava em suas mãos o poder econômico, jurí-
lucratividade. Impuseram-se socialmente pela vio- I~I
dico, político e, pela influência sobre o vigário local,
lência, a qual se caracterizou, desde a fase colonial, até mesmo determinava os parârnetros da ação reli-
pela expropriação do indígena, privando-o de suas giosa. Qualquer estudo sobre a violência da socie-.
terras e, em muitos casos, de sua liberdade; pela pri- dade local não pode ignorar a ordem social que ali se
vação da liberdade do negro e sua coação ao traba- instalou sob o primado da lei do mais forte, regida
lho; pela apropriação da quase totalidade das terras por um código próprio, o código do coronel.
por uma minoria. impedindo que uma ampla ca- Sua ética era muito simples. Era o "divisor de
mada de homens livres, cada vez maior, se tornasse águas", e o bem e o mal se definiam a partir de seus
também proprietária. interesses privados. Bem era tudo que fosse a seu
Instalou-se, portanto, uma ordem caracterizada favor e mal tudo que lhe fosse contra. "Conquista-
pela violência. O grande proprietário, o "coronel", dor" de suas terras ou herdeiro de "conquista", orga-
necessitou impor-se autoritariamente sobre a popu- nizador da produção local e "domador" da popula-
lação de seu "domínio", para assegurar a posse dos ção aborígene ou adventícia, o coronel era muito
seus bens ante a maioria que se constituía em traba- cioso de suas propriedades e posses e exigia de todos
lhadores livres, escravos e jagunços, Ele se acastela o reconhecimento de seus direitos de mando. Na sua
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lógica, nada havia de mais correto e insofismável. Ele mindo desapiedadamente os que estão na sua depen-
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Ilu estava acima do julgamento dos subordinados, res- dência.
".. tando a estes balizar seu comportamento pela fideli- Mesmo assim, o relacionamento entre coronéis e
dade irrestrita ou então discordar e cair nas suas iras.
O coronelismo, fruto do latifúndio e da omissão
Estado, nessa época, foi, podemos dizer, harmo-
nioso. O coronel entendia o Estado como expressão
II
ou ausência do poder público, encontrar-se-ia, entre de seus interesses privados, e este adotava uma polí-
1850 e 1889, situado entre dois fogos. De um lado, a tica dúbia, mas lógica dentro dos objetivos nacionais.
!i crise do setor exportador que, quando não o arruína, Estávamos muito perto dos movimentos insurrecio-
torna sua situação econômica instável; do outro, a nais que marcaram a primeira metade do século
tentativa da monarquia em fazer valer seu poder em XIX, e ao Império atemorizava a idéia de qualquer
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meio a esses autênticos "potentados", como os alcu- convulsão interna. Diante da eclosão de algum mo-
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nhava Euzébio de Queirós. tim, insurreição, etc., caso partisse das camadas li
Acostumados ao mando sobre seus vastos domí- mais pobres, a resposta do governo imperial se fazia
nios, numa autoridade adquirida desde os tempos pronta e enérgica, e protelatória e cuidadosa, caso 1I
coloniais, os coronéis sofreriam os efeitos da centra- partisse dos coronéis. Ela foi violenta no caso do
lização monárquica a partir do momento em que os "Quebra-quilos", mas aos coronéis não foi aplicado
Braganças formaram no Brasil um Império autô- o "colete de couro" e foram absolvidos ou anistiados.
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nomo e aplicaram as idéias centralizadoras tão ao O que se depreende desse relacionamento é que
gosto das casas reais européias. Passado o período foi feito em níveis diversos e de formas diferentes.
regencial, durante o qual a obra centralizadora es- Em nível local, houve a submissão quase completa
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.' teve paralisada e em alguns casos retroagiu, e ven-
cida a revolta Praieira, em 1850, a monarquia reco-
das autoridades ao coronel; em nível geral, houve
uma ação decisiva, com alguns recuos táticos para
meça a sua obra de centralização e de instalação de enquadrar os grandes proprietários no Estado racio-
uma estrutura político-administrativa mais racional nal que se formava. Podemos dizer que o Império,
e menos patrimonial. Este fato provocaria atritos, se ciente da importância do coronel como "primeira
bem que, na maior parte dos casos, estabelecessem garantia da ordem pública", no dizer de Henrique
- o poder público e o poder privado - um modus Millet, e ciente, também, da necessidade de organi-
vivendi. Mas, apesar de tudo, os coronéis não cedem zar o pais em bases mais condizentes com o século,
na sua autoridade e agem como se fossem o poder colocou esta organização como objetivo permanente
maior, descaracterizando o poder público na sua a longo prazo, evitando uma ação imediata que pro-
área de influência, desmoralizando a justiça e opri- vocaria reações incontroláveis. Salvavam-se a paz in-
18 Hamilton de Mattos Monteiro
I
Mas, se não houve conflitos que jogassem deci- rias. Como moradores ou agregados de uma grande
sivamente os coronéis contra o Estado, também não
I~l propriedade, habitavam por favor nas terras do se-
~ I
11
11'1: podemos dizer que houve uma ligação bem alicer- nhor, numa situação instável, podendo a qualquer
çada. A colaboração existia porque, por mais que momento ser expulsos, perdendo as benfeitorias e, in-
11'
, .li divergissem, tinham interesses comuns que se tradu- clusive, a "roça". Não tinham a necessária liberdade II lil
ziam, por exemplo, na necessidade de defender a para decidir suas vidas e mesmo a contragosto eram
manutenção da ordem numa sociedade com parcela convocados, não podendo se recusar, para realizar
1, considerável de subempregados, marginalizados e es- tarefas nada legais sob o mando arbitrário do coro- 'I,j
I"
cravos. Além do mais, alimentavam a esperança de nel. Se não eram moradores, constituíam-se em força ~'
auxílio financeiro da parte do Estado à sua economia de trabalho disponível conforme as necessidades dos
cada vez mais descapitalizada. Ressalte-se, ainda, o proprietários. O fato de serem trabalhadores even-
fato de que os coronéis jamais se mostraram unidos tuais, geralmente convocados nas épocas de plantio
na oposição ao governo. ou colheita, sob ínfimas condições de pagamento,
A reforma da Guarda Nacional, em 1873, a fazia dessa gente uma população sofrida, subnutrida
nova lei do recrutamento militar, de 1874, a falta' do e mendicante, muitas vezes migrando de paróquia
tão solicitado financiamento estatal e o agravamento para paróquia, à procura de trabalho e alimentos.
dos problemas econômicos, a partir da grande seca Após o fim do tráfico negreiro, com problemas
de 1877-79; serviram para o distanciamento decisivo de reposição de mão-de-obra, os grandes proprietá-
entre aquela elite e o regime monárquico. rios tiveram dificuldades em atrair trabalhadores ru-
I rais, devido, entre outros fatores, às condições expio-
1/,1
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11I n
20 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 21
11:
I
r ratórias que impunham. Nos finais dos anos 50, ser abandonar a terra, acomodar-se, ou então trans-
I ouve-se o clamor dos fazendeiros que exigem das au- formar-se em bandido.
toridades medidas tendentes a obrigar os homens I O banditismo rural foi uma das soluções encon-
pobres livres a trabalhar em suas terras. Em 1860, I tradas por esta população que vivia em condições
a pedido, o Arcebispo da Bahia, Marquês de Santa ~ subumanas. A falta de consciência política levou-os a
Cruz, emite uma pastoral onde afirma que a ociosi- reagir instintivamente e a tornarem-se bandoleiros,
dade era um dos maiores pecados e concita, dessa também chamados cangaceiros. Optar pelo bandi-
I'
forma, os pobres a procurar trabalho. Na década de tismo significava a solução extrema diante da penú-
\'
11: 70, acentuando-se o problema, os delegados de Polí- ria e de certa forma a "liberdade", se bem que em
11: cia são alertados para efetivar a aplicação do § 2?, , termos individuais. Embora cometessem toda a sorte
'"
", do artigo 12, do Código de Processo Criminal e do de crimes, estes homens eram vistos como heróis e
artigo 111, do Regulamento de 31 de janeiro de 1842. olhados com admiração pela população em geral, da
O Chefe de Polícia da Província de Sergipe seria bem
f
,11 qual, inclusive, recebiam ajuda. Sua audácia e inde-
claro ao afirmar que" devido à falta de braços para a pendência ante o coronel transformavam-nos em
'I
11
lavoura, não se podia permitir a vadiagem". Estes exemplos vivos de saída possível. A partir da década
I1 parágrafos e artigos constituíam-se em verdadeiras de 70, principalmente após a grande seca de 1877-79, .
leis contra a pobreza, mendicância e ociosidade. Os
IIi
que fossem encontrados sem trabalho teriam o prazo
de 30 dias para encontrar ocupação, findo o qual
poderiam receber três tipos de penas: multa até 30
~I houve um incremento considerável; deste tipo de "saí-
da", não sendo por coincidência que ocorreu justa-
mente na época em que a crise econômica se mos- )"
J I1
Nordeste Insurgente (1850-1890) 23
22 Hamilton de Mattos Monteiro
outros, as Câmaras Municipais e Coletorias na de podia admitir perder o controle da situação e se isso
1874-75. Em ambas, com o mesmo pavor de serem era provável as suas facções se conciliavam. Como
escravizados, pois foi assim que entenderam (ou fo- afirma José Honôrio Rodrigues, a conciliação sempre
ram induzidos a tal) os decretos inovadores do regis- foi feita contra e em detrimento do povo; surgia como
tro civil, do sistema métrico decimal e da nova lei do defesa da classe dominante contra a classe domi-
recrutamento militar. Esta atitude serve para de- nada. Ao sentir a gravidade do problema, os mem-
monstrar o quanto de contas tinham a ajustar com bros da elite que haviam insuflado a revolta popular
preferiam esquecer as rivalidades e apoiavam a re-
. seus "senhores". Demonstra, outrossim, que pos-
pressão governamental.
" suíam certa consciência da miserabilidade, depen-
1"
lI'" : dência e opressão em que viviam e não achavam As últimas décadas do século XIX foram assi-
", naladas, no Nordeste, pelo incremento do bandi-
", estranha a possibilidade de virem a ser escravizados.
.i.
. Os rebeldes derrotados engrossavam as fileiras tismo rural, do fanatismo religioso e pelo desânimo
"
'11 dos bandidos e os bandos desciam do Sertão quando dos grandes proprietários que se desinteressaram
pela sorte da Monarquia. A violência se consolidou
" "
1I
as rebeliões eclodiam no Agreste ou na Zona da
Mata. Os matutos viam o banditismo como saída como forma de relação natural entre a população
"
1I
possível para sua situação de penúria e explodiam em nordestina e refletia a acentuada deterioração das
rebelião quando a situação atingia seu ponto crítico. condições sociais. O desenrolar dos acontecimentos
"
Se não conseguiram atingir seus objetivos é porque levaria ao confronto, a uma autêntica luta de classes,
lhes faltaram a necessária conscientização e a lide- caso outros fatores não contribuíssem para esvaziar a
.' . rança saída de seu próprio meio. Quando foram
conscientizados e alertados contra quem os oprimia,
tensão. Entre estes, colocamos como fundamental as
migrações internas que deslocaram, progressiva-
pelos radicais ou padres jesuítas, não receberam o mente, para o litoral, para a Amazônia e, posterior-
apoio necessário para a continuação da luta. mente, para o Sul, grandes levas de nordestinos.
Diante da revolta popular, diante da revolta dos
homens "sem nenhuma importância social e menos A situação econômica
política", como os chamava certa autoridade, as eli-
tes se retraíam e se conciliavam. A revolta pregada As revoltas devem ser entendidas, sem excluir
pelas elites, quando de dissenções internas ou com o aspectos particulares e conjunturais, a partir da crise
aparelho estatal, não era revolução, mas sim uma econômica que assola a região e que se aprofunda
forma de levantar esses "proletários'" para atingir nas décadas finais do século XIX.
. 'objetivos que lhes interessavam. A elite, porém, não Inicialmente, não devemos esquecer que o Nor-
24 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) , '25
com que o Nordeste perdesse fatia considerável deste forma de trabalho, exigia reposição contínua de
importante comércio. A isto acrescente-se o esforço mão-de-obra;
do continente europeu em extrair, com sucesso, o 5?) tendo sido montada como economia produ-
açúcar da beterraba; tora de artigos para exportação, a região tendia à
3?) na medida em que não tinha possibilidades monocultura em detrimento da produção de alimen-
de influir no comércio internacional, o fazendeiro tos para o consumo local. A importação de muitos
nordestino, ao mesmo tempo que via os preços de alimentos de outras regiões ou países deixava, pois,
seus artigos. baixarem de forma real, era forçado, as cidades sob a ameaça da escassez e à mercê da alta
· numa autêntica troca desigual, a adquirir manufa- dos preços dos gêneros de primeira necessidade;
'.".
I'I
i"1.,
turados europeus (implementos agrículas, objetos
de consumo pessoal, etc.) por preços que se elevavam
6?) tendo em vista que a principal produção da
região visava a mercados externos (não só no sentido
,I.,
'.
continuamente; de estrangeiros, como de outras regiões do país), o
'I( 4?) a utilização do escravo como principal força fazendeiro não tinha por que pagar bons salários aos
de trabalho era rentável enquanto o preço do produto
'.
Il no mercado fosse elevado. O fazendeiro, ao comprar
trabalhadores livres, quando os possuía, já que não
era entre estes que estavam seus principais consumi-
Il o escravo, imobilizava nele um capital (dinheiro) e dores. Da mesma forma que agia com os escravos,
"
tinha que, obrigatoriamente, fornecer casa, comida e exigia dos homens livres cotas excessivas de trabalho
roupa. Quer produzisse ou não, a despesa com esta em troca de diárias irrisórias.
força de trabalho era relativamente constante. Para No Nordeste, a partir de fins do século XVIII,
que se produzisse com mão-de-obra escrava, não se encontramos todos estes problemas que se irão agra-
podia lançar mão de instrumentos de trabalho muito var no século XIX. Os produtos da região perdem,
sofisticados, e necessário se tomava, também, que a cada vez mais, importantes fatias dos mercados tra-
terra fosse abundante e fértil para que a técnica rudi- dicionais; há uma queda real dos preços desses arti-
mentar fosse compensada pela natureza. Visando a gos e observa-se o esgotamento do solo, caindo a pro-
retirar, no mais curto espaço de tempo possível, o dutividade. A redução dos lucros impede a introdu-
capital investido no escravo, o fazendeiro era obri- ção, em forma ampla, de uma modernatecnologia
gado a exigir dele cotas de trabalho bem maiores que, por certo, estava além das posses da grande
(média de 14 horas por dia), o que tomava sua vida maioria dos fazendeiros. Com o fim do tráfico ne-
útil muito curta. Portanto, além do alto preço de greiro, a partir de 1850, o fazendeiro nordestino, às
custo do escravo, da abundância e· fertilidade da voltas com esses problemas, começa a se desfazer de
terra, a escravidão, para continuar a existir como seus escravos. Vende-os para o Sudeste que, em fase
Nordeste Insurgente (1850-1890) 29
28 Hamilton de Mattos Monteiro
de expansão, pode pagar elevados preços pelos ca- vres vivendo miseravelmente. ,
tivos. Mas tal fato não significa que a recuperação do Celso Furtado (1974:147-149), comparando da-
capital imobilizado naquela força de trabalho venha dos das duas últimas décadas do século XIX, diz
resolver seus problemas; pelo contrário, como sua si- que, enquanto a população nordestina cresceu cerca
tuação chegara a um ponto crítico, na verdade, ele de 80 0/0, a renda real gerada pelo setor exportador
estava desfazendo-se de seus bens para saldar dí- não ultrapassou S40/0, cabendo admitir que "houve
vidas. declínio da renda per capita da região". Este declí-
I
Aí está a explicação para o tráfico interprovin- nio, no cômputo geral e no nível das classes sociais,
" traduz-se no empobrecimento ainda maior dos assa-
11:: cial de escravos que, nas décadas de 60 e 70, encheu
II:~
111- de horror o país. A proibição do tráfico internacional lariados, arrendatários e meeiros e na concentração
" não permitira ao Brasil livrar-se deste comércio de- de renda em mãos dos grandes proprietários.
~" gradante que então passava a ser feito às claras, Esta concentração de renda repousa e gera a
i"
.~ dentro do próprio território nacional. proletarização de amplas camadas sociais. Uma par-
Contudo, o fim do tráfico e a crise do setor te considerável dos grandes fazendeiros inicia um
'"
,11, exportador fizeram com que a abolição da escravidão processo de ampliação das áreas destinadas ao cul-
II~ chegasse mais cedo ao Nordeste do que no resto do tivo dos artigos de exportação, às expensas das que
;1 ,~
país. O braço escravo foi sendo substituído pelo livre produziam gêneros alimentícios. Os relatórios dos
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em condições extremas de miserabilidade. Na região, chefes de Polícia das províncias mostram uma cres-
i( cente relação de casos de violência praticados pelos
I
já havia uma reserva de mão-de-obra livre suficiente
para assegurar a reprodução daquela economia ex- fazendeiros contra os moradores de suas terras. Estes
I"
portadora sem ter que pagar salários elevados. Se- são expropriados, perdendo suas "roças". Aumenta
gundo cronistas que visitaram a região naquela épo- o número de desocupados e miseráveis.
ca, a situação desses trabalhadores livres era pior do A dinâmica e as contradições da acentuada
que a dos escravos, pois estes últimos, pelo menos, dependência brasileira no marco do capitalismo in-
tinham assegurados vestuário, alimentação e mora- ternacional provocavam a destruição da pequena
dia. produção e ampliavam a economia de plantation,
Em síntese, era esta a situação do Nordeste. Eliminavam, pouco a pouco, a produção de artigos
Perda de mercados tradicionais, queda dos preços
dos artigos de exportação, esgotamento do solo, ren-
I I,
de subsistência (em sua quase totalidade, feita por
esses moradores) e forçavam a que todos entrassem
11: dimen to decrescente do setor agro-exportador e uma em uma economia de mercado, num processo que
"massa" progressivamente aumentada de homens li- ainda hoje não se completou. Ãpobreza e ociosidade
30 Hamilton de Mattos Monteiro
extorsivos, à alta de preços, etc. Um dos traços mais fascinantes da história das
Os participantes dos movimentos insurrecionais, lutas sociais nordestinas está na própria memória
descrentes dos aparelhos do Estado, perderam a con- histórica que cultuaram. Os líderes revolucionários
fiança na reclamação por meios legais (oficiais), mas de 1874 lembraram em panfletos os heróis de todas
ainda não chegaram ao ponto de propor a transfor- as revoltas anteriores, desde 1817 a 1848, numa
mação total. Em vista disso, acusam a autoridade prova de que as repressões passadas não haviam
mais próxima, atacam os comerciantes, enfim, aque- conseguido torná-Ios esquecidos' entre a população
les que muitas vezes são apenas executores e/ou so- pela qual morreram.
frem os efeitos dos mesmos problemas. Não conse-
guem ainda relacionar fatos isolados e, muitas vezes,
conjunturais, com contradições estruturais. Pode ser
!I
I'
I,
,
que com o prolongamento do movimento, no tempo e o "Ronco da abelha" (1851-52)
no espaço, adquiram esta conscientização mas, neste
,lI
ínterim, já estamos nos limites de uma revolução. Terminada a Praieira (1848-1849), grupos re-
'M
:Il É assim que devemos entender as rebeliões nor- manescentes continuaram agindo no interior do Nor-
I~ destinas. Elas anunciavam as transformações que se deste, principalmente de Pernambuco, Paraíba e
I, operavam na sociedade local. Apontavam a necessi- Alagoas. Pedro Ivo, um dos líderes mais populares
dade de mudanças globais, o que pode ser atestado daquele movimento, organizou nas matas de Água
pelo incremento do banditismo rural e do fanatismo Preta (Pernambuco) um dos mais importantes gru-
religioso, com a proliferação de "santos" e "beatos" pos de resistência. O próprio Ministro da Justiça,
que pregavam o isolamento ante aquela ordem in- Euzébio de Queirós, em relatório apresentado em
justa e aguardavam a salvação celeste, única espe-: janeiro de 1850, reconhecia a dificuldade em com-
rança que lhes restava. Cangaceiros e fanáticos são batê-lo, '
faces de uma mesma moeda. Não é por coincidência "É necessário porém acabar quanto antes esse
que, no exato momento em que a crise econômica e a germe de revoltas", exclamava enfaticamente o mi-
seca agravam os problemas regionais, aumenta o nú- nistro. De fato, a existência desses pontos rebeldes
mero de Chicos Beatos, Antônio Conselheiro, Jesuíno constituía-se numa ameaça à tranqüilidade da região
Brilhante, Quirinos, Viriatos, Calangros,etc., no porquanto não só estimulava o aparecimento de ou- '
rastro de uma herança que daria no século XX os tros focos semelhantes, como também constituía-se
famosos Padre Cícero e Lampião, aliás, amigos entre num excelente atrativo para que outros descontentes
si. viessem engrossar aquelas fileiras.
34 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 3S
tempo que grupos isolados agiam pelo interior do termos de Pau d'Alho, Limoeiro, Nazaré, Goiana,
Nordeste, numa flagrante contestação ao governo Vitória, Garanhus, Rio Formoso, Igaraçu e as fre-
conservador, a oposição continuava sua política de guesias de Ipojuca, Jaboatão, São Lourenço e Muri-
manter vivos os grandes temas liberais e praieiros. beca. Na da Paraíba, foram envolvidas as vilas de
Formaram-se duas facções: uma mais moderada, Ingá, Campina Grande, Alagoa Nova, Alagoa Gran-
pedindo a convocação de uma Constituinte, e outra de. Na de Alagoas, as localidades de Laje do Ca-
mais radical que organizava "sociedades", apelando nhoto, Mundaú-Mirim, Porto Calvo, Porto de Pe-
para a "agitação" e assustando a população, no dras, Riachão, Arrasto, Juçara, Jacuípe, São Brás,
entender do Ministro da Justiça. Salomé e Barra Grande, além dos moradores das
Foi neste ambiente "pré-revolucionârio" que, matas de Cocal e Angelim. Nas do Ceará e Sergipe, a
nos meses de dezembro de 1851 e janeiro de 1852, as sedição limitou-se às localidades, respectivamente,
províncias de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, com de Jiqui e Porto da Folha.
maior intensidade, e as do Ceará e Sergipe, de forma Em todos os pontos; os fatos foram idênticos.
mais amena, foram assoladas por movimentos ar- Ataques às vilas e engenhos, fuga das autoridades e
I
I mados de oposição aos decretos 797 e 798, de 18 de grandes proprietários, ameaças e reuniões suspeitas
.
l junho de 1851, que instituíam, respectivamente, o feitas por "conspiradores" que, dentro dos enge-
,,
,
Censo Geral do Império e o Registro Civil dos Nasci- nhos, incitavam os moradores a tomarem das armas
: mentos e Óbitos. "se não querem ficar reduzidos com seus filhos ao
O decreto 797 determinava que o arrolamento cativeiro" .
li da população para o censo seria feito no dia 15 de
"~I
ri. i A "plebe" revoltada clamava contra a "decla-
julho de 1852, após afixação de editais nas Igrejas ração da escravidão". Espalhara-se a notícia de que
matrizes e anúncios nos jornais, a partir de I? de os decretos 797 e 798 visavam a "escravizar a todos os
junho daquele ano. Quanto ao decreto 798, constava recém-nascidos e aqueles batizados com as formali-
que o registro civil da população, a ser feito pelos dades prescritas por aquela lei" que fazia parte de
escrivães dos juízes de Paz dos distritos, entraria em um plano geral para reduzir "à escravidão as pessoas
vigor, "irnpreterivelmente", a I? de janeiro de 1852. livres" e, para enfim, "reduzir à escravidão a gente
Foi na província de Pernambuco, "que o movi- de cor".
mento apareceu com caráter mais grave, não só pelo O momento era propício para a exploração polí-
número de grupos que se armaram, como por serem tica dos decretos, apresentando-os como medidas
mais numerosas as freguesias e os termos em que ele escravizadoras da parte do governo conservador. Em
se manifestou". Naquela província, levantaram-se os 1850, regulamentara-se a repressão ao tráfico de es-
n ,'-'
".1 ('
Nordeste Insurgente (1850-1890) 39
38 Hamilton de Mattos Monteiro
dores existem diferenças muito grandes; para ele, a "Diante da nova situação, os homens abastados,
"classe dominante é muito politizada, na proporção tendo em vista que os Praieiros eram indiferentes
em que o campesinato dominado quase não tem à sorte de sua propriedade e de suas vidas, pensa-
atividades nem participação políticas". Dessa forma, ram em aproximar-se uns dos outros" (Nabuco,
à luz da documentação que consultamos, muito em- 1975:101-111).
bora não haja indicação explícita da participação de
outros grupos sociais, achamos que ela provavel- Por que não poderia ser a sedição de 1851-52uma
mente existiu e partiu dos grupos remanescentes do continuação da Praieira? Os problemas que levaram à
partido da Praia. sua eclosão não haviam desaparecido. No interior,
"
O partido da Praia defendera, por ocasião da grupos rebeldes continuavam agindo em autêntica
revolta de 1848, um programa de profundo cunho "guerra de guerrilhas". Os "matutos" continuavam
social; seus ataques eram dirigidos contra os senho- sob o "mando" incontestado dos poderosos senhores
res de engenho (principalmente o poderio do "clã de engenho. Os liberais, e, mais do que nunca, os
feudal e parental" dos Cavalcantis) e os comerciantes radicais da Praia, continuavam na oposição. Não
portugueses, aqueles por monopolizarem a terra e estaria aí formado o "pano de fundo" para a interpre-
estes, o comércio das cidades. Insuflaram os mora- tação dos decretos 797 e 798, de forma a exaltar
dores dos engenhos contra seus senhores, e distri- novamente a "gente baixa" e tentar com nova suble-
t: buíram perto de cinco mil armas entre o povo. Assim vação a "inversão de tudo que havia oficialmente"?
L podemos entender quando Nabuco chama a Praieira Apesar da preocupação em caracterizar o movi-
..I: de "movimento de expansão popular" e a vê sem
"disciplina". A disciplina que lhe faltava era a limi-
mento como da exclusiva responsabilidade do "povo
mais miúdo", as fontes deixam transparecer a parti-
tação do movimento nos parârnetros do interesse da cipação de elementos de outros grupos sociais.
elite descontente, "Expansão popular" significa, Os primeiros as serem apontados são os párocos:
neste caso, confronto com as elites, significa de fato
um conflito social na medida em que passa a ser um "Alguns párocos, imaginando ou fantasiando
levante popular, ultrapassando os objetivos iniciais. prejuízos que da execução do decreto lhes devem
Quando as elites percebem as "terríveis forças" que resultar, consentem se não aprovam essas dispo-
acionaram, retraem-se, conciliam-se e a repressão é sições hostis à lei... " iapud Monteiro, 1980: 124).
feita. E é Nabuco que isto observa no caso da revolta
da Praia:' Em segundo lugar, na procura dos "anarquis-
tas" que fomentam a revolta da "gente rude", apon-
42 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 43
verno. Prepararam o terreno na esperança de um dia, afluindo de vários outros lugares, ia crescendo o I
levante geral, a partir do qual, quem sabe, pudessem número dos que acorriam a Pau d' Alho para colo- 11
retomar à ação os antigos líderes foragidos no sertão car-se sob a proteção do Frei e, portanto, a salvo da
'" ou então presos. A revolta de 1851-52 demonstrava perseguição que começara a ser feita por tropas de
r: que, embora a Praieira tivesse sido sufocada, as rei- primeira linha.
r. vindicações ainda estavam bem vivas nas mentes dos Estes "proletários" eram usados, sob a direção
I~ nordestinos e que a repressão, que naquela ocasião
.', do capuchinho, para a realização de obras públicas;
fora feita, não havia sido suficiente para desesti- em Pau d' Alho foram reparadas as igrejas de Santa
mulá-los. Teresa, do Rosário e do Livramento:
A repressão seguiu uma escala progressiva. Ini-
cialmente, enviaram-se circulares às autoridades do "Os homens fabricanto tijolos e telhas, condu-
interior no sentido 'de investigar a "verdadeira ori- zindo pedras, cortando madeiras ( ... ) e as mulhe-
gem do preconceito" contra os decretos e que se res conduzindo areia, tijolos e telhas, andando
empregassem "meios suasórios", usando "todo o todos no maior contentamento e alegria, como se
legítimo ascendente do cargo que ocupa para desva- cada um dia de tanto trabalho fosse para todos a
neceras impressões desfavoráveis"; sugeriam, tam- melhor festa. Nessa missão recebi trinta e seis
bém, que se encontrasse "o melhor modo de coibir a clavinotes para entregá-los à competente autori-
propagação do erro" e que se processassem os "amo- dade" iapud Monteiro, 1980: 126).
Nordeste Insurgente (1850-1890) 45
44 Hamilton de Mattos Monteiro
Entrementes, o governo não podia deixar o fim Nascimentos e Õbitos e do Censo Geral. Estando a
da sedição entregue ao lento trabalho do missionário; pouco mais de um ano do início da conciliação, o
afinal, as propriedades começavam a ser ameaçadas, gabinete conservador, ao que parece, já envolvido
o que exigia pronta repressão. Do Recife, foi enviado pela atmosfera que iria resultar no ministério de 6 de
o 4? Batalhão de Artilharia para juntar-se ao 9? Ba- setembro, resolve conciliar. A suspensão das medi-
talhão de Infantaria que já havia sido mandado ante- das pretensamente causadoras da revolta e o caráter
riormente para Pau d'Alho e que estava acampado I brando da repressão, que mais pareceu uma demons-
no Engenho Cajueiro, a pouca distância daquela vila. tração de força, confirmam esta hipótese.
Tendo em vista que a todo momento "chegassem Os lavradores revoltados não contaram com
notícias desagradáveis de Nazaré, Limoeiro, Santo uma unidade de ação, com uma liderança. Incenti-
Antão, Goiana e outros lugares", a Guarda Nacional vados ou não por elementos de outros grupos sociais,
foi convocada. os registros não assinalam nenhum chefe, nenhuma
Na segunda quinzena de janeiro, as autoridades organização. Embora em maior número, o levante
já podiam anunciar a pacificação, muito embora em grupos esparsos facilitaria a reação da classe
apontassem ainda a existência de grupos armados. dominante e a repressão. Evidentemente que essa
Os lavradores, em parte, optavam pela "guerrilha", classe, por sua própria posição, tinha mais condições
'., de se organizar, não só por contar com os "aparatos
embrenhando-se pelas matas. Estes franco-atirado-
(:' ideológicos" que levavam a população em geral a
res, à medida que não se reintegravam nas antigas
I'~ condenar o levante, mas, também, por pertencer à
D
atividades econômicas, preferiam refugiar-se no inte-
,. rior, no Sertão, e transformavam-se em "bandi- Guarda Nacional que a transformava em classe ar-
dos" . mada e, finalmente, pelo apoio que tinha do Estado
Na verdade, as forças governamentais não che- através das "forças de linha" (exército regular).
garam a lutar com os sediciosos. Da mesma forma A participação de elementos do Partido Liberal,
que se abateram sobre os engenhos e vilas - de do clero, de radicais, etc., cai de importância ante o
surpresa e em ação rápida -, desapareceram sem problema maior que se apresentava: a luta de classes
deixar vestígios. Alguns participantes dos grupos de que, de latente, passava a declarada.
razia foram reconhecidos por pessoas da localidade
ou de fazendas invadidas, mas não houve referência
posterior sobre abertura de processo-crime. o "Quebra-quilos" (1874-75)
O governo preferiu, a 29 de janeiro de 1852, pelo
decreto 907, suspender a execução do Registro dos Nos últimos meses de 1874 e princípios de ja-
46 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (J850-1890) 47
supunha pesados demais à pobreza da população. mentícios, entre os quais o da carne seca e da fa-
A partir de então, uma após outra, várias loca- rinha, que tantos protestos iria causar.
lidades da Paraíba sofreram os efeitos das "massas Explicando esta sobrecarga de taxas, dizia o !
desenfreadas". No mês seguinte, levantava-se Per- presidente Lucena de Pernambuco: "convém aqui
nambuco e, em seguida, Alagoas e Rio Grande do ponderar que, sendo neste segundo período conside- ""1
Norte. ravelmente maiores os encargos da Província e dema-
Os revoltosos traziam "um rosário" de queixas. siadamente escassos os meios de ocorrer a eles, NÃO
Explodiam em rebelião por um acúmulo de proble- ERA MUITO QUE SE ALTERASSE A TABELA
mas que se acentuavam a cada ano. Algumas foram DE IMPOSIÇÕES, TANTO QUANTO FOSSE
comuns a todas as agitações: reclamação contra os BASTANTE PARA CONSEGUIR-SE RENDA SU-
impostos (novos ou aumentados), contra a nova lei FICIENTE" tapud Monteiro, 1980:132).
do recrutamento militar e contra o novo sistema mé- Tal argumento poderia ser considerado lógico,
trico decimal. mas não naquelas circunstâncias, onde qualquer ma-
A queixa contra os impostos era dirigida, em joração ou criação de impostos não deixaria de elevar
primeiro lugar, ao aumento do número de taxas co- o custo de vida. A imprensa liberal vê nessas ele-
bradas, tanto pela fazenda provincial quanto muni- vações uma forma de transferir para o povo, entre o
cipal, e à elevação de inúmeros deles; em segundo qual, principalmente, os mais afetados seriam a
lugar, ao abuso verificado na cobrança dos mesmos "gente miúda", a responsabilidade de sustentar a
pelos arrematantes. burocracia estatal, ou seja, "para fazer viver na opu-
Conforme explicamos anteriormente, as provín- lência a meia dúzia de ladrões" .
cias do Nordeste vinham sofrendo os efeitos da queda Quanto aos arrematadores dos impostos, sabe-
dos preços dos seus principais gêneros de exportação mos que, tendo arrematado ao município ou à pro-
- o açúcar e o algodão - e da contínua perda do víncia determinada taxa, procuravam eles arrecadar
mercado mundial. O resultado disso, no plano finan- o máximo que pudessem visando a aumentar "seus
ceiro, foi a diminuição das rendas provinciais. lucros" ~ Os expedientes por eles utilizados não têm
Em tais circunstâncias, por solicitação das pre- sido devidamente estudados, mas dois dos exemplos
1I1
sidências e Câmaras Municipais, as assembléias pro- citados pelo Comandante das Forças Imperiais na
vinciais foram votando o aumento dos impostos exis- Paraíba são suficientes para ter-se uma idéia dos
tentes e a criação de novos. motivos por que as populações tinham tanta pre-
Dentre os impostos criados, estava o que insti- venção contra esses "capitalistas".
tuiu o imposto de consumo de alguns gêneros ali-
50 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 51
"'Um pobre homem trazia às vezes para a feira que, nas vilas atacadas, um dos alvos quase sempre
uma certa quantidade de farinha no valor de eram as coletorias.
2$000 rs., logo que pouses se no chão o saco que A arrecadação de impostos já havia ultrapas-
trazia, pagava imediatamente uma certa quan- sado o limite natural que uma população psicologi-
tia, porém se por qualquer circunstância ele mu- camente considera como justo. Na difícil situação em
dava de lugar tinha que pagar novamente o que se encontravam - os senhores de terras se desca-
imposto e pagaria quantas vezes mudasse de pitalizando passo a passo e os "proletários" sofrendo
lugar; de modo"que muitas vezes, sem ter ainda os efeitos da crise da lavoura -, as novas taxas eram
vendido o que trazia, já tinha pago ao exigente não só um "abuso" como um "cinismo"; aqueles,
arrematador o dobro do valor do que trazia reclamando da queda dos preços e da perda de mer-
para vender" (Arquivo, 1937:120). cados, pediam financiamento e recebiam aumento de
"Em Pedras de Fogo o arrematante, vendo que impostos, estes, sofrendo as agruras do desemprego,
um homem que trazia uma pequena quantidade teriam que pagar mais caro até mesmo pelos ali-
de frutas no valor de 160 réis não lhe dava lugar mentos. Realmente, como dissera o Presidente Lu-
a cobrar o imposto no chão por não querer des- cena: "bastava uma faísca" .
cansar o cesto, usou o artifício de entreter com A esse problema que consideramos o mais gra-
ele conversação e oferecer-lhe um cigarro, e ve, acrescente-se, como já afirmamos, a oposição à
assim que o homem, para acender o cigarro, nova lei do recrutamento militar (Lei n? 2.556, de
descansou o cesto, o arrematante cobra-lhe 200 26.09.1874) "que, espalharam, torna o cidadão es-
réis que aquele lhe era devedor" (Arquivo, 1937: cravo".
120). Era um argumento semelhante ao utilizado em
1851-52. Curiosa é a preocupação, que atemorizava a
A freqüência de fatos como esses transformava a população, geralmente "mestiça", quanto a ser
cobrança dos impostos em momentos de grande ten- transformada em escrava. Retrata uma certa descon-
são. Os revoltosos de Panelas queixavam-se das "ex- fiança para com as elites ou para com o governo;
torsões dos arrematantes" e os de Bom Jardim di- deixa perceber a imagem que as populações mais
ziam que o coletor "cria impostos para si". Assim, pobres fazem da burocracia governamental e dos
compreendemos por que, em grande número dos ca- senhores na medida em que não são ouvidas politi-
sos, as agitações têm início com discussões nas feiras camente, não têm proteção legal ante os tribunais,
sobre a legalidade dos impostos, daí partindo para as a não ser com apoio de uma "pessoa influente" e não
agressões já citadas. Compreendemos também por- têm perspectiva de melhoria de sua situação, pois do
52 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 53
governo nada mais esperam. A escravidão, se viesse a recrutamento serviram para acionar a sedição. A isto
cair sobre eles, não causaria estranheza, mas natu- acrescentem-se, também, os problemas de ordem
ralmente iriam lutar contra tudo que lhes pudesse política e religiosa (a oposição liberal ante um go-
parecer um caminho para aquela forma de trabalho. verno conservador e a prisão do Bispo D. Vital) que
Além dos pobres, a repulsa à nova lei partia não só aproveitaram-se da crise econômica, como
também dos senhores. Acostumados a substituir os também ajudaram a exaltar os ânimos.
seus parentes recrutados por escravos ou "cabras" da Para se ter uma exata compreensão desta re-
área de seu domínio, ouviam agora dizer que a lei volta, torna-se necessário analisar a participação dos
2.556 iria impedir que os recrutados fossem pessoas que nela atuaram.
só de "baixa condição", ouviam dizer que ela iguala- Os elementos principais que formaram a maio-
ria a todos. ria dos revoltosos foram os grandes proprietários de
Era muito para os poderosos "senhores de ho- terra e os indivíduos de "baixa condição", ora deno-
mens e terras". A atitude deles passa a ser a de unia minados "moradores" ora "proletários".
ostensiva oposição, como no caso do Tenente-Coro- Além desses dois grupos, dela também partici-
nel Luís Paulino, fazendeiro em São Bento, comarca param os políticos da oposição, o clero e os oficiais
de Buíque, que contratou o bando de José Cesário da Guarda Nacional. Houve participação menor, ge-
para ajudâ-lo a se opor à nova lei, ou como aconteceu .. ralmente em casos isolados e bem específicos, de
em Panelas, onde o juiz de Direito reclamava não ter marchantes, negociantes, arrematadores de impostos
"encontrado por parte dos cidadãos mais prestáveis e e inspetores de quarteirão. Podemos afirmar, por-
com os quais me hei entendido o menor indício de tanto, que a sedição teve como seus,principais atores
coadjuvação em qualquer emergência" (apud Mon- os grandes proprietários de terra, os "proletários",
teiro,198O:134). os políticos da oposição e o clero. Vamos analisar
No nosso entender, o ato de quebrar os novos cada caso em separado.
padrões do sistema métrico decimal, e que dá o nome A participação dos grandes proprietários de ter-
ao movimento. - "Quebra-quilos" - situa-se na ra caracterizou-se pela ação direta, chefiando a "tur-
mesma linha de destruição e incêndio dos arquivos ba" descontente, ou, como relata o Comandante das
dos municípios, trata-se da exteriorização de uma Forças Imperiais na Paraíba, pela neutralidade com-
revolta contra o governo e seus representantes. prometedora, quando não era "indiferença culposa
A revolta do "Quebra-quilos", na verdade, tem ou uma animação mais culposa ainda". Dessa for-
suas origens na crise por que passava a economia ma, temos arrolados como "cabeças da sedição",
nordestina; o problema dos impostos e a nova lei do entre outros, os fazendeiros Virgínio Horácio de Frei-
54 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850·1890) 55
tas, senhor do Engenho Lajes, em Itambê, Francisco Foram indiciados como "cabeças" do grupo que
Roma, senhor do Engenho Jatobá, em Goiana e An- atacou a povoação de Vertentes, Umbelino de tal,
tônio José Henriques, senhor do Engenho Serra, em "morador na Borba", Jorge Marques Defensor do
Bonito. Império, "morador na Tapada" e Manuel Francisco
Em ofício datado de 13 de dezembro de 1874, da Silva, "morador no Estreito" . Em Panelas, comu-
o Delegado de Polícia de Panelas reclamava que os nicava o Delegado de Polícia a 13 de dezembro de
"homens importantes" da região negaram-lhe auxílio 1874 que Leôncio, "morador em Camaratuba" an-
contra os sediciosos dizendo que estavam "alcança- dava "falando contra os impostos". Em todos os
dos", não dispondo de meios para reunir o povo, isto pontos de revolta, a "massa" dos sublevados era
é, estavam endividados. formada pelos "mercadores da feira e por grande
A participação direta ou a omissão desses cida- número de proletários" que se identificavam pela
dãos que, como diz Henrique Millet, constituem a "baixa condição" ou, como disse o Comandante do
"primeira garantia da ordem pública", pode ser ex- Batalhão de Panelas, são pessoas que "não têm o que
plicada a partir da difícil situação econômica em que comer" .
se encontravam. A produção de suas terras - o Fica muito difícil distinguir quem, exclusiva-
açúcar e o algodão - sofria, como já dissemos, os mente, pertence a uma destas 3 categorias pois um
efeitos da perda do mercado internacional e da que- "morador" não deixa de ser um "proletário" e am-
da dos preços, ao mesmo tempo em que a crise bos podem ser um "mercador de feira" .
financeira restringia o crédito. Nesta situação extre- Entenda-se por "morador" o indivíduo a quem é
mamente aflitiva, a ponto de terem de começar a se permitido morar nas terras de um grande proprietá-
desfazer, segundo Millet, de parte do seu capital rio, com direito a ter sua "roça" e, eventualmente,
imobilizado, compreendemos que possuíam motivos quando o senhor necessita, presta serviços em troca
suficientes para rebelarem-se ou para ficarem indife- de remuneração. Quanto ao termo "proletário", de
rentes à sorte do governo que não olhava por eles. acordo com os relatórios da época, são os que estão à
Quanto aos "proletários", foram eles que for- procura de trabalho, conseguem ocupação normal-
maram a "massa" dos descontentes. Foram eles que, mente na época do plantio e colheita recebendo por
em grupos que variavam de 60 a 600, invadiram as jornada, isto é, são jornaleiros. Por conseguinte, um
vilas e destruíram os pesos e' medidas e os arquivos. jornaleiro pode ser aquele que não tem acesso à terra
Nessa categoria, de forma abrangente, podemos de forma alguma, mas também pode ser o pequeno
agrupar os "moradores", os "proletários" e os "mer- proprietário, um pequeno arrendatário, foreiro ou
cadores das feiras" . "morador" que procura no trabalho assalariado a
56 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 57
cornplementação da sua renda para poder adquirir provinciais e municipais, todas parecendo uma for-
aqueles objetos que não é capaz de produzir. Depen- ma de opressão do Estado. É bem sintomático que os
dem, como diz Henrique Millet, "senão para a sub- movimentos de rebeldia tivessem início por ocasião
sistência diária, que em grande parte tiram direta- das feiras, no momento em que se dava início à co-
mente, do solo, rios e matas, pelo menos para todas brança dos impostos. Estas imposições, novas ou
as mais precisões da vida civilizada, dos salários que aumentadas, provocavam irritação pois constituíam,
lhes pagam os agricultores" (apud Monteiro, 1980: por menor que fosse, uma sobrecarga aos já tão
136). sacrificados trabalhadores e pequenos proprietários
De qualquer forma, tendo acesso à terra ou não, rurais.
estes trabalhadores eventuais podem participar da Não se tratava, portanto, da simples oposição de
feira do arraial ou vila próximos, vendendo produtos "população ignorante" às leis que não sabiam com-
agrícolas que lhes sobraram de sua diminuta produ- preender; tratava-se, isto sim, da explosão de revolta
ção ou artesanato em madeira, couro, barro e palha de uma população pobre, vivendo em condições
que preparam nas horas de folga. "Os produtos são subumanas, reagindo de forma aparentemente irra-
vendidos no mercado para produzir uma margem cional contra um estado de coisas cada vez pior e sem
extra de 'entradas' com as quais compram bens que perspectivas aparentes de melhoria.
não produzem domesticamente" (Wolf, 1972:10). Quando os senhores de engenho cruzam os bra-
Assim sendo, estas pessoas que as autoridades ços e deixam a "turba" livre para agir, ou usam-na
locais designam como de "baixa condição", "igno- como forma de pressão contra as autoridades consti-
rantes e cheias de preconceitos", são as que vivem em tuídas, visando a fazê-Ias olhar para a situação, o
condições precaríssimas em épocas normais e em si- que se vê são ações isoladas de grupos de "prole-
tuação extremamente difícil em épocas de crise, tários" que resolvem "acertar contas muito antigas
como essa por que passava a economia nordestina em suas aldeias ou regiões" (Wolf, 1972:6-8).
em 1874-75. Ao falarmos em "acertar contas", podemos ser
Em 1874, não só as possibilidades de trabalho levados a pensar em luta entre "proletários" e "se-
tornaram-se muito limitadas, devido à crise da eco- nhores", mas acontece que os trabalhadores rurais,
nomia, como também uma série de leis novas havia neste momento, vêem os grandes proprietários não
sido criada, como a que mudava o padrão de pesos e como seus exploradores, mas como indivíduos que
medidas, a que estabelecia novas regras de recruta- sofrem os efeitos do mesmo mal: De certa forma,
mento para o exército e armada, entre outras, e espe- com eles ficam solidários, ou melhor, passam a iden-
cialmente as que criavam e aumentavam impostos tificar o "inimigo" real contra o qual devem reagir de
r
S8 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) S9
dos bispos, desviavam-se as atenções do problema para levantar o povo em revolta? Se não houvesse a
mais grave, que era a difícil situação da lavoura crise econômica, com as implicações já vistas, os
nordestina. O governo, assim, escondia seus fracas- "matutos" iriam pegar em armas contra o governo,
sos ante a crise econômica e, ao culpar o povo, lide- somente devido à prisão de D. Vital? Na nossa opi-
rado pelos padres jesuítas, pela rebelião, tirava de si nião, o problema era bem mais complexo.
próprio a responsabilidade, deixando-a para a idéia Em ofício de 2S de dezembro de 1874, o Juiz
vaga de "povo ignorante", ao mesmo tempo em que Municipal de Granito (Pernambuco) acusava o Pa-
tinha nos "padres estrangeiros" os necessários ele- dre Manuel de Jesus, da paróquia local, de incutir
mentos para "sacrificar" e justificar a revolta. Ao "no espírito do povo rude e ignorante idéias peri-
transformar o "Quebra-quilos" num movimento de gosas e subversivas da ordem social". Referindo-se
fundo religioso e de prova da interferência estran- ao mesmo vigário, diz o comandante do destaca-
geira (da Igreja Romana) nos negócios internos do mento policial de Granito que "não satisfeito com
país, o governo adquiria o papel de representante da sua jesuítica doutrina, na Igreja, domingo, 19 do
independência e nacionalidade ofendidas, preten- corrente (dezembro), NA FEIRA DESTA VILA,
dendo unir em torno de si o maior número de defen- PROFERIU PALAVRAS INSTIGANTES AO PO-
sores. Distorciam-se os fatos para beneficiar politica- VO PARA NÃO SE SUJEITAR A IMPOSIÇOES
mente o gabinete conservador, que seis meses depois COM REFER~NCIA A ATACAR G~NEROS AN-
(junho de 1875) não resistiria e seria mudado. TES DA HORA MARCADA PELAS POSTURAS
O papel desempenhado pelos padres jesuítas é DA RESPECTIVA CÃMARA". Este era um ponto
outro ponto delicado. Usaram o púlpito, escreveram de suma relevância porque a cobrança de impostos
artigos nos jornais e falaram, nas "missões", contra aos feirantes levara à adoção de uma norma pela
o Estado. Como funcionários públicos e religiosos, qual as feiras só teriam início com a chegada do
ao mesmo tempo, estavam em situação difícil: defen- presidente da Câmara Municipal ou seu represen-
dendo o Bispo D. Vital, colocavam-se contra c go- tante, acompanhado pelo coletor de impostos. Ora,
verno imperial a quem deviam obediência; não fi- se cada um, à medida que fosse chegando, "ata-
cando a seu lado, colocar-se-iam numa posição de casse" os seus artigos, isto é, começasse a vendê-los,
rebeldia ante seu pastor. Podemos dizer que ficaram o fisco ficaria prejudicado na cobrança.
do lado de sua consciência e por isso incorreram nas Em carta apreendida pela polícia, o professor
"iras" do Estado. Mas, fica uma interrogação: até público de Vertentes, Xavier Ribeiro, escrevia ao
que ponto esta simples disputa de autoridade - vigário de São Lourenço da Mata (Pernambuco) dan-
entre a Igreja e o governo imperial - seria motivo do conta de seu trabalho de conscientização dos
62 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 63
"matutos": "Estes povos, como já tenho dito, detes- pela crise econômica.
tam o maçonismo, mas detestam-no por um senti- A revolta de 1874-75 foi o renascer do "espírito
mento vago; não é porque eles saibam o que é a liberal-radical" que já se manifestara em 1817, 1824
maçonaria, nem seus modos, fins, etc., etc. Há outra e 1848. Não foi como na revolta de 1851-52 onde a
pessoa, como este seu criado, que, arrostando as iras participação dos grupos político-radicais, se houve,
da energúmena, não cessa de instruir os matutos foi marcada pela timidez. Agora, passados quase
convenientemente, etc., etc. Eu sei que os cachorros trinta anos, ouviam-se os mesmos gritos de luta pela
estão danados comigo, assim como parece-me que liberdade:
em certas localidades (do mato, bem entendido) eles
não ladram" (apud Monteiro, 1980:140). "O Leão do Norte será sempre o mesmo.
A atuação dos padres e seus agentes, pelo que a Sim, liberal paraibano, não terás glórias nem
documentação deixa perceber, foi de conscientização martírios que pão sejam também nossos.
da população mais pobre, alertando-a para as pro- . Patrícios de Nunes Machado, abracemos os pa-
fundas injustiças sociais de que era alvo, agora apro- trícios de José Peregrino!
fundadas com as instigações contra o Estado "algoz A liberdade é o anel de ouro das núpcias dos
de bispo". Pode-se dizer também que, na luta contra patriotas!
o Estado que se mostrava "inimigo" da Igreja, pos- Firmes que Deus é pela liberdade!
tando-se ao lado da maçonaria, a arregimentação do
povo levou à radicalização das prédicas dos religiosos Um pernambucano."
a ponto de, ao mesmo tempo que criticavam uma
situação política, começassem a levantar problemas A fermentação política em todo o Império estava
sociais. por esta época marcada pela contestação de fato ao
Aqui, o ponto de convergência. A crise econô- regime. Desde 1868, quando os liberais foram "des-
mica e a religiosa fornecem, reciprocamente, "ra- pejados" do governo, com a queda de Zacarias, a
zões" para a revolta. No caso dos padres jesuítas, situação, a cada ano, tomava-se mais tensa; havia-se
podemos dizer que tiveram na "crise da lavoura" um passado das críticas ao poder moderador, responsá-
aliado de suma importância, mas daí atribuir ao vel por aquela "derrubada", ao manifesto republi-
movimento um caráter preponderantemente religioso cano de 1870 que pregava abertamente a necessidade
é supervalorizar o confronto entre o Bispo D. Vital e de se extinguir a monarquia. Na revolta de 1874-75,
o Gabinete Rio Branco, é esquecer o sofrimento da- o que se via era o desembaraço dos radicais que, de
queles "proletários", atingidos mais diretamente certa forma, estava de acordo com o que se passava
64 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 65,
em nível nacional.
A ação política foi feita em vários níveis.
A imprensa liberal criticou severamente a situa-
ção. Aproveitando-se do momento, tomava partido
POVO! !!
contra tudo que emanava do governo conservador, Os teus irmãos da Parahyba e do centro de I'cr-
desde as novas leis até o problema da prisão do Bispo nambuco já se ergueram para protestar contra os
D. Vital. Tudo era motivo para atacar o gabinete e a impostos pesados, .que absorvem todo o teu trabalho.
administração provincial. Em ofício datado de 31 de te reduz a miséria, e matam á fome a tua mulher t·
dezembro de 1874, queixava-se o Presidente Lucena: os teus filhos,
Sabes tu para que se fez o imposto do bacnlháo.
do. carne secca e da farinha? .' '
"O partido que se diz liberal, em publicações Foi para fazer viver na opuleneiu ~"fneia duziu
diárias e avulsas, difundia doutrinas subversi- de ladrões.
vas, com alteração da verdade e deturpação dos Antes de morreres IÍ. fome, esses abutrca reduzi-
fatos, na linguagem a mais virulenta e inconve- rito tuas mulheres-é tuas filhas á prosnituiçno ..
niente (apud Monteiro, 1980:141-142).
Não tensum' caeête, uma faca, um bacamerte ?
Já estás tüo fraco, que não possas com' uma garrn-
Ia de gas, para te vingares de quem te rouba e tc in-
Enviaram-se agentes às localidades com o pro- juria?
pósito de orientar a resistência. Os radicais funda- Ao lampeão com os que hontem diziam que devias
mentaram sua propaganda nos pontos que evidente- fazer a revolução-v-e ultima ratio do« POV08---, e hoje te
injuriam e te ridícularisam, porque foram comprados
mente mais sensibilizariam os setores descontentes. pelo governo!
Colocaram-se contra o governo na questão dos bis- . Ao Iampeão com 08 que especulam com o teu no-
pos, chamando-o de maçom e, como disse o Presi- 'me, e no dia em que defendes nobremente a tua pro-
dente de Pernambuco, "especulando com o senti- priedade, te alcunham de-v-aaseasino-v- !
mento religioso", procurando atrair o clero e sensi- Ao lampeüo com os que te espaldeiraram em 16
de Maio !
bilizar a população católica. Anunciaram que a nova Ao Iampeao com os que embolaam o teu dinheiro
lei do recrutamento tinha por objetivo escravizar os c além disto te descompõem.
"homens pobres". Este argumento havia sido deci- E' preciso um diluvio de sangue para. que desnp-
sivo na sedição de 1851-52e como as circunstâncias o pareçam etema.mente desta terra oS ladrões e espal-
deiradores,
permitiam, nada melhor do que usâ-lo outra vez.
Uno-te e serlÍs inveneivel l
Outro ponto também muito utilizado foi a oposição
às leis relativas aos impostos. Pregaram a resistência Manifesto da sedição do Quebra-Quilos.
66 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 67
ao pagamento numa argumentação semelhante à que veres, "concedendo privilégios de carros fúnebres";
havia sido empregada, com êxito, na revolta de 1817. mandou "espaldeirar" o povo, tingindo de sangue as
Os ataques variavam desde pontos evidente- calçadas das ruas e, além de fazê-Io passar por todas
mente corretos às mentiras mais torpes, como a fu- essas humilhações, reduziu a província à condição de
tura criação de impostos para "estender roupa para "feitoria". Em resposta, "um pernambucano" fala
secar", 100 réis por cada galinha que possuíssem, da identidade entre as duas populações e que os brios
dois mil-réis para usar óleo no cabelo, etc. Mas todos dos pernambucanos não devem deixar o "rubor"
os ataques terminavam sempre com o mesmo refrão subir à face, nem "estremecer os manes de Nunes
de que "era chegado o tempo de libertar-se". Não Machado".
I . ficaram ao nível dos discursos e conversas "ao pé do O segundo manifesto, sob título POVO!!!, pro-
ouvido"; imprimiram-se manifestos que foram espa- testa contra os "impostos pesados que absorvem todo
lhados pela Zona da Mata e Agreste. Fizeram, como o teu trabalho, te reduzem à miséria e matam à fome
disse o Juiz de Direito de Tacaratu, um verdadeiro a tua mulher e os teus filhos". E pergunta:
"chuveiro de manifestos".
Pudemos ler três exemplares que foram apreen- "Não tens um cacete, uma faca, um bacamarte?
didos na ocasião (Monteiro, 1980:165-173). Já estás tão fraco que não possas com uma gar-
O primeiro transcreve um manifesto suposta- rafa de gás, para te vingares de quem te rouba e
mente redigido por "um paraibano" onde, depois de te injuria?"
historiar a ajuda que a Paraíba prestou a Pernam-
buco nas revoltas de 1817 a 1848, reclama que agora, E numa direta alusão a Lucena, que participou
quando a Paraíba precisa de ajuda, o que Pernam- da revolta de 1848-49 e agora defendia os do "partido
buco fez foi enviar soldados para sufocar o movi- da ordem": "Ao lampião com os que ontem diziam
mento ali iniciado. De fato, atendendo ao pedido do que devias fazer a revolução e hoje te injuriam e te
Presidente da Paraíba, o Presidente Henrique Pe- ridicularizam, porque foram comprados pelo gover-
reira de Lucena, de Pernambuco, enviou uma com- no!. .. "
panhia de soldados para auxiliâ-lo na repressão. Finaliza, conclamando à luta armada, concla-
O manifesto aos pernambucanos lembra ainda mando à revolução:
algumas das atitudes de Lucena: reduziu o povo à
miséria; "matou os brios de teus filhos", transfor- "É preciso um dilúvio de sangue para que desa-
mando-os em algoz dos paraibanos; chamou-os de pareçam eternamente desta terra os ladrões e
"canalha" no parlamento; especulou com os cadá- espaldeiradores. Une-te e serás invencível!"
I
\
68 Hamilton de Mattos Monteiro
Nordeste Insurgente (1850-1890) 69
mas este apoio foi, de fato, isolado, não caracteri- desde setembro do ano anterior.
zando uma atitude generalizada dos senhores de en- A ação das tropas foi de verdadeira "selvageria,
genho que preferiram omitir-se quando não partici- aplicada cegamente contra culpados ou inocentes".
pavam. José Américo de Almeida, no seu livro A Paraíba e
Os padres capuchinhos, como sempre, colabo- seus Problemas, transcreve depoimento do Deputado
raram, realizando suas "santas missões" e indo ao João Florentino em 1879, onde se pode ter a idéia do
encontro dos revoltosos para tentar demovê-los dos tipo de repressão:
seus intentos. Entre outros, colaboraram o Frei Ve-
nâncio, que atuou na região de Itambé e cuja parti- "Fizeram-se prisões em massa, velhos e moços,
cipação mereceu um elogio do Ministro da Justiça, solteiros, casados e viúvos, todos acorrentados e
no relatório de 01105/1875, o Frei José que atuou na alguns metidos em coletes de couro, eram reme-
região do Bom Conselho e Frei Pidélis Maria Fog- tidos para a capital. Alguns desses infelizes,
mano que agiu na região de Panelas. Mas também cruelmente comprimidos e quase asfixiados,
esta atuação não deu os resultados esperados, pois as caíam sem sentidos pelas estradas, deitando
participações que vinham do interior freqüentemente sangue pela boca" (Almeida, J. Américo, 1923:
noticiavam que suas exortações não eram atendidas. 219).
Numa segunda etapa, passa-se ao emprego de
medidas "enérgicas" com a "exemplar punição dos o "colete de couro", segundo consta, fora in-
autores e coniventes". O Presidente da Paraíba soli- ventado pelo Capitão Longuinho, comandante de
cita auxílio de tropas ao Presidente de Pernambuco, uma das colunas que seguiu para o interior, e consis-
no que é atendido; o mesmo faz o Presidente do Rio tia em envolver o tórax do indivíduo em couro cru,
Grande do Norte ao do Ceará. Em dezembro de molhado, que, ao secar, comprimia o peito "a ponto
1874, chegam finalmente à Paraíba as forças envia- de provocar vômito de sangue". "Os que sobrevive-
das pelo Governo imperial. Tratava-se de um contin- ram a esse suplício, diante do qual se regalava o
gente de 750 praças e 47 oficiais sob o comando do Capitão Longuinho, não escaparam da tuberculose
Coronel, depois General, Severiano da Fonseca que, ou das lesões cardíacas que, cedo ou tarde, os leva-
juntamente com a força da polícia local da província, riam ao túmulo" (Almeida, Horácio, 1958:145).
formou um efetivo de 1203 praças. A Província de O clamor contra a "selvageria" da repressão
Pernambuco contava apenas com uma força policial levou o Coronel Severiano a enviar um ofício circular
de 1400 praças, espalhados pelas várias comarcas já aos oficiais comandantes dos destacamentos, deter-
que a Guarda Nacional havia sido desmobilizada minando que se atenuasse o rigor das prisões e impe-
72 Hamilton de Mattos Monteiro J Nordeste Insurgente (1850-1890) 73
•
dissem roubos e atos de violência por parte dos sol- A "Guerra das mulheres" (1875-76)
dados. A esse ofício responde o Capitão Longuinho
dizendo que tem usado cordas e correias de couro Evidentemente que há um pouco ele exagero no
para prender os "criminosos e sediciosos" por não ter título, ao chamarmos o movimento de "guerra das
algemas, mas que isto "não os magoa tanto". mulheres". Na verdade, os homens ali também se
Durante muitos anos uma modinha popular, achavam, mas deve-se ressaltar a participação pre-
cantada no interior nordestino falava da triste sorte ponderante e decidida das mulheres que, pela pri-
dos "quebra-quilos": meira vez na história do Brasil, atuaram, coletiva-
mente, em um movimento insurrecional.
"Sou quebra-quilos encoletado em couro A revolta decorre da aplicação da Lei n~ 2556,
Por vil desdouro me trouxe aqui; de 26 de setembro de 1874, que alterou a forma do
A bofetada minha face mancha recrutamento de soldados para o Exército e Armada.
 corda, à prancha me afligir senti Aliás; o recrutamento que sempre fora mal visto
pela população, gerava conflitos sérios, e, no que
Na cans modesta a tesoura cega ... tange à lei de 1874, esta provocou não reclamações
De minha enxerga só me resta o pó; ou conflitos isolados, mas um movimento coletivo
De esposa e filhos violentam rudes que deu-se, simultaneamente, se bem que em dias e
As sãs virtudes, seu tesouro só. meses diferentes (entre agosto de 1875 e julho de
1876) em várias províncias do Império.
E ao quebra-quilo desonrado, louco Mas, para se entender melhor a Lei 2556, acre-
É tudo pouco quanto a infâmia faz; ditamos ser necessária uma síntese da situação do
Se aqui contempla da família o roubo, alistamento militar nos anos anteriores.
Ali, no dobro, o flagelam mais. Até 1874, o recrutamento era feito por uma
pessoa designada pelo Presidente da Província (con-
Tiranos vedes que miséria tanta, forme Decreto 73, de 06.04.1841) para recrutar "to-
Nem os quebranta? meu pungir, meus ais; dos os homens brancos e solteiros e ainda pardos
Martírios, ultrajes de negror fazei-me libertos de idade de 18 a 35 anos" respeitando-se as
Porém dizei-me se também sois pais" isenções da Portaria Real de 10 de julho de 1822.
A população pobre era a que mais sofria os efeitos do
(Andrade, 1946:203). recrutamento, pois a Lei n? 45, de 29.08.1837, per-.
mitiu que os recrutados pudessem dar substitutos ou
74 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 75
serem dispensados mediante o pagamento de quatro- nuaram. Os conflitos se sucediam. Após a guerra
centos mil-réis, numa época em que o salário de um contra o Paraguai, o assunto volta a ser discutido e,
artesão especializado não ultrapassava os trinta mil- em 1874, aprovava-se nova lei, que tomou o número
réis mensais. 2556, em que se instituíam juntas de alistamento e o
Esta forma de recrutamento permitia muitos sorteio. A junta era formada pelo juiz de Paz, a auto-
abusos e transformou-se numa arma de perseguição ridade policial mais graduada do local e o pároco. A
política, pois afastava da região indivíduos indesejá- lei deveria, no primeiro ano de vigência, arrolar to-
veis aos grandes proprietários, já que estes tinham dos os solteiros e casados, que tivessem entre 19 e 30
influência na indicação dos recrutadores. Transfor- anos de idade. O sorteio seria feito em data posterior,
mou-se, portanto, o recrutamento em verdadeira ca- a ser designada.
çada. A todo instante um elemento podia ser recru- As juntas paroquiais se organizaram, expediram
tado e preso, e, caso resistisse, ficaria, a partir de as proclamas convocando todos os homens válidos
então, sujeito à severa disciplina militar que incluía naquela faixa etária e começaram os trabalhos em
castigos corporais. Era, por conseguinte, uma amea- 1875, utilizando geralmente as instalações das igrejas
ça constante que pesava sobre os habitantes. Pelo locais.
horror que inspirava, pelos conflitos que gerou e por Os boatos correram dando conta de que todos os
retirar homens válidos de pobres famílias de lavra- homens dessa idade seriam efetivamente recrutados.
dores, . esta lei ficou conhecida como "imposto de Outros diziam que era uma nova lei de escravidão
sangue". para os trabalhadores rurais. Como sempre, os polí-
Para evitar os abusos do recrutamento cons- ticos radicais dela se serviram para atacar o gabinete
tante, baixou-se o Decreto n? 1089, de 14 de de- conservador do Visconde do Rio Branco, acirrando
zembro de 1852, pelo qual se estabeleciam cotas ainda mais os ânimos. Os grandes proprietários te-
anuais para cada província. Ou seja, cada uma for- meram perder o controle desta "arma legal" que
neceria um contingente anualmente, conforme nú- tanto utilizavam. As mulheres temeram perder seus
mero determinado por lei. Mas cada recruta ou maridos e filhos. O ambiente já estava propício para
voluntário que conseguisse dava ao recrutador o di- mais uma insubordinação.
reito de receber 5S, importância que foi alterada pelo Instaladas as juntas e tendo-se iniciado os tra-
Decreto 2171, de 1? de maio de 1858, para 10S por balhos, grupos de mulheres, em sua maioria, inva-
recruta apurado e 20$ por voluntário. O recruta- dem as igrejas, rasgam os editais e exemplares da lei,
mento virou negócio. destroem móveis e utensílios e partem ameaçando
Apesar de tudo, os abusos e ilegalidades conti- voltar a qualquer momento. No Ceará, ocorrem dis-
76 Hamilton de Mattos Monteiro
província da Bahia, mas o leitor deve compreender mento, apresenta quatro pontos que dificultavam o
que tais movimentos fazem parte de um amplo leque fornecimento e encareciam os preços: o primeiro, li-
de agitações sociais que abalaram várias cidades do gado à produção das regiões próximas que não era
Nordeste brasileiro, entre as quais citamos Recife, suficiente para atender à demanda citadina, obri-
Natal, Fortaleza, Mossoró, Macau, Mucuripe, São gando-a a importar de regiões distantes a farinha (do
Luís, Caxias, Alcântara, etc. Todas estas revoltas Paraná e Rio Grande do Norte), arroz (do Mara-
têm motivações próprias, frutos de situações especí- nhão), feijão (de Portugal e de regiões brasileiras) e
ficas locais, mas, de qualquer forma, inserem-se den- carne (de regiões situadas a centenas de quilôme-
tro de um contexto mais amplo que é a crise regional. tros); o segundo, ligado à precariedade dos meios de
Expressam, em nível urbano, as contradições da transporte e das vias de comunicação; o terceiro, à
estrutura econômica regional. ambivalência da administração que ora liberava os
As cenas são semelhantes. Repentinamente, por preços, ora taxava-os; o quarto, ao fato de a cidade,
motivos aparentemente simples e variados, a popu- além de ser um centro importador-exportador, ser
lação irrompe pelas ruas, depredando casas de co- também distribuidora de gêneros alimentícios para
mércio, ameaçando edifícios públicos e entrando em todo o Nordeste brasileiro, com base em uma estru-
luta com as forças policiais. Gritam contra a "ca- tura monopolista e açambarcadora.
restia", saqueiam e, muitas vezes, incendeiam os
depósitos dos grandes atacadistas e monopolistas do "Com efeito, bastava que uma necessidade se
fornecimento dos gêneros alimentícios. Ao brado de tornasse premente em alguma área que se acha-
"mata marinheiro", voltam-se contra os portugue- va sob o controle dos comerciantes da Bahia,
ses, geralmente comerciantes, a quem acusavam de para que a população sofresse na carne as conse-
responsáveis pela situação. qüências" (Matoso, 1978:258).
Em excelente trabalho publicado em 1978, Kâ-
tia Matoso estuda a cidade de Salvador, sua popu- Tomando por base o salário de um pedreiro (em
lação e as condições de seu mercado, abastecimento, torno dos 30$000 mensais na década de 60) e as
preços e salários no século XIX. Caracteriza a maio- variações dos preços dos três artigos básicos (farinha,
ria da população da cidade como vivendo em condi- feijão e carne verde), Kátia Matoso estabelece as
ções precárias e ameaçada de indigência e, portanto, percentagens do salário necessárias para adquiri-los.
incapaz de constituir estoques dos gêneros de primei- Não é simples coincidência que as três mais sé-
ra necessidade - carne verde, farinha de mandioca, rias revoltas em Salvador tenham ocorrido, justa-
feijão e arroz. Por outro lado, quanto ao abasteci- mente, nos anos em que estas percentagens ficaram
";I ~) ~ , I!II'"
O ~ ;J U t ~
80 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 81
"Pano do Teatro São João" (1854) reputações e o algoz do sacrârio das famílias". E con-
cluía:
No dia 23 de setembro de 1854, a partir de um
incidente verificado na inauguração do Teatro São "Se houvesse um inimigo das garantias sociais,
João, ocorrem, pelas ruas da cidade, choques entre a acharia por certo seus melhores cúmplices nos
população e a força pública, com muitos feridos. incansáveis apóstolos dessa licença desmorali-
O quadro no qual se insere esta revolta tem dois zadora que se arreia com o manto da liberdade"
componentes básicos. O primeiro é o alto custo de (Wanderley, 1855:4).
vida que alimenta um forte sentimento antilusitano,
pois os portugueses eram os "senhores" do comércio o estopim seria a pintura encomendada pelo
atacadista, bem como do chamado de "retalho". governo para o pano de boca do Teatro. Por ordem
Desde 1848, quando foi apresentada, na Assembléia de Wanderley, fora concluída a reforma do prédio e
Geral do Império, proposta de nacionalização do aberta a concorrência para a pintura do pano. Foi
comércio a retalho, que tal oposição aos portugueses vitorioso o alemão Bauch que, conforme estabelecia
vinha sendo sustentada por muitos jornais, contri- o edital, pintou uma cena da história do Brasil. A
buindo para aumentar o sentimento "antimarinhei- cena era a chegada de Tomê de Souza à Bahia; nela
rolO . figuravam os Indios, depondo os arcos, admirados e
O segundo componente refere-se à oposição li- prostrados ante o governador que empunhava a ban-
beral ao governo conservador de João Maurício Wan- deira portuguesa. A oposição viu nisto mais uma
derley,presidente da província. A oposição era enca- prova para seus ataques e recrudesceu a campanha
beçada pelo jornal liberal O Século, dirigido por João contra o governo e "seus aliados" portugueses.
Barbosa de Oliveira, pai de Rui Barbosa. Na véspera do incidente, a 22.09.1854, Cotegipe
A imprensa local juntava os dois elementos em escrevia ao Presidente do Conselho, o Marquês de
seus ataques. Apresentava os conservadores e os co- Paranâ:
merciantes portugueses como que mancomunados,
atribuindo à situação conservadora interesses em não "Escrevem e proclamam que a cena é um insulto
frear a alta dos preços (Pinho, 1937:246). à nacionalidade, porque estão os brasileiros
Na fala apresentada à Assembléia provincial, (tupinambâs) curvados ante os portugueses; que
em 1? de março de 1855, Cotegipe queixava-se da foi muito de propósito escolhida para indicar ao
imprensa. Dizia que nos "países cultos" ela guia a povo o plano do absolutismo que o governo quer
opinião, mas aqui constitui-se no "pelourinho das proclamar" (Pinho, 1937:273).
84 Hamilton de Mattos Monteiro
Nordeste Insurgente (1850-1890) 85
Governava a província João Luís Vieira Cansan- niões sem discutir o problema, os vereadores dirigem
ção de Sinimbu que ocupou o cargo de 19 de agosto ao presidente oficio, datado de 17 de fevereiro, no
de 1856 a 16 de julho de 1858. O presidente, um qual dizem que estavam cansados de esperar e que
conservador, estava sendo "asperamente combatido" iriam colocâ-lo em vigor, apesar da suspensão presi-
pelas velhas facções políticas que não aceitavam a dencial (Ruy, 1953:311-312).
forma como se fazia na província a política de conci- O oficio historia magnificamente a situação dos
liação, iniciada, em "nível nacional, por Paraná. O gêneros de primeira necessidade em Salvador, nota-
apoio declarado de Sinimbu à candidatura de Na- damente da farinha e da carne, os principais. Acusa
buco de Araújo ao Senado fez com que as oposições a existência de "monopólios calculadamente estu-
acirrassem os ataques ao presidente. dado" e que, no caso daqueles gêneros, era exercido
Juntamente com este problema de ordem polí- por "três ou quatro indivíduos somente". Dizia que
tica, acrescentavam-se a escassez e a alta dos preços não podia e nem devia cruzar os braços "diante de
da farinha de mandioca e da carne fresca que le- uma crise como a atual, consentindo que a popula-
varam a Câmara Municipal da capital a entrar em ção desta capital continue a ser vítima do monopólio
"verdadeira guerra' com o presidente. Este aparece e da ambição de alguns homens que, não se conten-
como o defensor dos atacadistas e monopolistas dos tando com razoáveis lucros, soem especular com as
gêneros de primeira necessidade, e aquela como necessidades do povo de quem somente almejam su-
defensora dos consumidores. Aos problemas políti- gar até a última substância" (Ruy, 1949:565-567).
cos somava-se o da carestia e estava preparado o Em resposta, o presidente determina que a polí-
"palco" para a cena que se iria desenrolar (Ruy, cia garanta os comerciantes de farinha contra os
1953:220). fiscais da Câmara e ordena que a mesma revogue o
Os atritos têm início com disputas para definir edital. Com efeito, em vários pontos da cidade, fun-
atribuições a que a Câmara se arvorava e o presi- cionários municipais entravam em choque com a po-
dente negava. lícia, aumentando os ataques ao presidente Sinimbu.
Com o propósito de evitar os constantes aumen- A Câmara retruca afirmando que uma postura
tos do preço da farinha, a Câmara Municipal vota, só poderia ser anulada por um corpo legislativo e que
a 16 de janeiro de 1857, uma postura pela qual aque- "nenhuma autoridade, em face do Ato Adicional,
le gênero só poderia ser vendido em lugares determi- pode revogá-Ia sem proposta da respectiva Câmara".
nados por aquele conselho. Sinimbu determina a Diz que a ação da polícia retrata um ato de "deso-
suspensão do ato até que fosse votado pela Assem- bediência às leis municipais" e culpa o presidente
bléia Provincial; como esta encerra o período de reu- pelos conflitos que "se hão de reproduzir" (Ruy,
88 Hamilton de Mattos Monteiro Nordeste Insurgente (1850-1890) 89
da manhã, onde os suplentes convocados deveriam Desde 1877, o Nordeste estava sendo assolado
efetuar a verificação de votos para a eleição de um pela grande seca, uma das piores de sua história.
senador. Ao iniciar os trabalhos, a Câmara foi inva- Faltavam alimentos e os retirantes morriam de fome.
dida pelo povo que tumultuou seus trabalhos. A tro- Devido à escassez dos alimentos, os preços subiram
pa evacuou o recinto. A multidão volta-se contra o vertiginosamente. Os negociantes de outras provín-
palácio, cantando rimas espirituosas e algumas até cias, notadamente Pernambuco e Piauí, enviavam ao
obscenas, ridicularizando Sinimbu. " Recôncavo baiano emissários com o propósito de
A repressão que se seguiu foi violenta. Pi.juetes adquirir gêneros de primeira necessidade, entre os
foram colocados nos pontos estratégicos. Tropas de quais, a farinha de mandioca. Estes compradores
infantaria e cavalaria fecham as saídas e invadem a dirigiam-se aos locais da produção e ofereciam pre-
praça do palácio. A população foi dispersada a gúl- ços mais altos do que os do mercado local.
pes de espada e patas de cavalo. Não houve mortos, Atraídos pela possibilidade de lucros maiores,
mas os feridos foram muitos. No dia seguinte, via-se os grandes atacadistas soteropolitanos iniciaram uma
a praça coberta por uma infinidade de chinelos; daí, prática semelhante. Mandavam seus agentes ao inte-
por ironia, veio o nome de "revolução dos chinelos". rior para a compra da farinha, estocavam-na na
No dia 2S de março, por ocasião das comemo- cidade e contratavam a venda para outras províncias,
rações do aniversário da Constituição, tentaram al- especulando com as dificuldades pela" qual passa-
vejar o presidente com um tiro. A 16 de julho, foi vam. Em Salvador, obviamente, premidos pela espe-
designado outro dirigente para a província. Para dei- culação e estocagem, os preços deste alimento se
xar a capital, Sinimbu teve que ser escoltado por elevaram muito acima do normal ao mesmo tempo
tropas do exército que o livraram das agressões fí- em que praticamente desapareciam das casas comer-
sicas, mas não da chacota dos que foram assistir a ciais. Enquanto isso, os atacadistas tinham seus
sua partida, guardado como um prisioneiro. A 19 de depósitos repletos (Ruy, 1953:313-314).
agosto, os vereadores foram reintegrados (Ruy, 1953: A 13 de março de 1878, preocupado com o pro-
222). blema, o presidente da província, Barão Homem de
Melo, recomenda à Câmara Municipal providências
urgentes. A 30 do mesmo mês, este órgão submetia
A Revolta de 1878 ao presidente uma postura na qual se regulamentava
a exportação da farinha, desde que atendido o con-
Outra vez, a 1? de junho de 1878, os incidentes sumo local. No mesmo dia, à noite, uma grande
se repetiram. multidão se concentrou em frente ao palácio dapre-
Nordeste Insurgente (1850-1890) 93
92 Hamilton de Mattos Monteiro
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fresca e seca. Evidentemente, isto ocorre também
ligado ao problema da grande seca bem como aos
decorrentes da queda das exportações platinas. O
presidente diligencia, 110 sentido de que sejam man-
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94 Hamilton de Mattos Monteiro
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Sobre O Autor
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HISTÓRIA DO BRASIL
COLEÇÃO TUDO É HISTÓRIA
'11
A Inquisição no Brasil - Anita Novinski
As Lutas da Independência no Brasil - Eni de Mesquita
O Antigo Sistema Colonial - José R. Amaral Lapa
I HISTÓRIA GERAL Motins e Tensões na Sociedade Colonial - Maria Odila Leite
As Revoltas Indígenas no Brasil - Laima Mesgravis
o Estado Absolutista - Fernando Novais Os Quilombos - Clóvis Moura
* O Mercantilismo e Transição - Francisco Falcon A Revolta de 1817 - Carlos Guilherme Moita
* As Revoluções Burguesas - Modesto Florenzano A Balaiada - Maria de Lourdes Janotti
A Revolução Industrial - Francisco Iglésias A Cabanagem - Dulce Helena Pessoa Ramos
A História do Trabalho Fabril - Edgar de Decca A Revolução Praieira - Isabel Marson
O Movimento Operário no Século XIX - Ulisses Guariba * O Nordeste Insurgente (1850-1890) - Hamilton de
As Internacionais Operárias - Maurício Tragtenberg Mal/os Mont eiro
A Revolução Russa - Théo Saniiago Canudos e Contestado - Lilia Moritz Schwarcz.
A Crise de 1929 - Adalberto Marson Padre Cícero; o Milagreiro - Carlos A. D'oria
O Fascismo - A rnaldo Contier I " A Crise do Escravismo e a Grande Imigração
A 2.a Guerra Mundial - Joel Silveira Paula Beiguelman
* A Revolução Chinesa - Daniel Aarão Reis Filho A Abolição da Escravidão - Sueli Robles de Queira:
.A Construção do Socialismo na China - Daniel A. Reis Filho 'A Economia Cafeeira - José R. Amaral Lapa
A Guerra Fria - Déa Fenelon A Proclamação da República - José Enio Casaleschi
* Paris - Maio-68 - Olgária C. F, Matos A Revolta da Vacina Obrigatória - Sílvia Bassetto
A Revolta da Chibata - Marcos A. da Silva
ÁFRICA-ÁSIA O Banditismo no Brasil (1889-1940) - Valmir B. Correu
O Coronelismo - Maria de Lourdes I anotti
O Tráfico Negreiro - Joel Rujino dos.Santos
* O Cangaço - Carlos A lberto Dôria
* A Luta Contra a Metrópole (Ásia e África)
A Burguesia Brasileira - Jacob Gorender
Maria Yedda Linhares
O Estado na l .'' República - Maria de Lourdes l anotti
A Questão Árabe - Maria Yedda Linhares
O Movimento Operário na l.a República - Michuel Hall
O Modernismo - Alexandre Eulálio
AMÉRICA O Tenentismo - Décio Soes
* As Independências na América Launa - León Pomer A Revolução de 30 - ltalo Tranca
A Acumulação Capitalista na América Latina (Séc. XIX) As Migrações no Brasil - A leir Lenharo
Hector Bruit O Movimento Constitucionalista de32 - Maria Helena
'" O Populismo na América Latina - Maria Lígia Prado Cape/ato
O Militarismo na América Latina - Clóvis Rossi A Intentona Comunista - Maria Helena Capelato
A Guerra Civil Americana - Peter Eisenberg A Cultura na Era de Vargas - Carlos Guilherme MOI/a
o Estado Novo - Maria Estella Bresciane .0:>-
O Governo Juscelino Kubitschek - Ricardo 'Maranhão
O Governo Jânio Quadros - WàShington Novaes/
José A. Ribeiro
As Ligas Camponesas e o Movimento Camponês no
Nordeste - Aspásia Camargo ,
O Golpe de 64 - Lourdes Sola •
( A História do Movimento Estudantil - Antonio Mendes lr.
O AI-5 - Márcia Moreira Alves
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História Política do Futebol - Joe! R. Santos
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