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Belém
2014
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
BELÉM
2014
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Amauri e Elizama, pelo grande esforço em me dar a melhor formação
possível, pelo exemplo que são, pela paciência comigo nos períodos de estresse e pelo amor
incondicional sempre demonstrado a mim. Amo muito vocês!
Ao meu irmão Daniel, pelo apoio, compreensão e constante incentivo durante o período do
mestrado.
À Igreja Cristã Evangélica do Marco, ao Rev. Esp. Roberto Manso e Rev. Elionias Brelaz
pelo apoio, constante incentivo e compreensão durante o processo do mestrado.
Ao Prof. Dr. Saulo Baptista, pela orientação segura, precisa, clara, competente, paciente e
empenhada. Também agradeço as indicações e empréstimos de livros. Mais que um
orientador, ganhei um amigo!
Ao Prof. Dr. Heraldo Maués por todo o apoio e orientação, pelas indicações e empréstimos de
livros.
À Profª. Teresa, esposa do Dr. Saulo Baptista, por indicar-me informantes, ajudando-me,
assim, a entrevistar fieis da IURD.
À Profª. Esp. Gabriela Campos por gentilmente emprestar-me livros e ajudar-me desde o
início do mestrado com sua presteza.
Aos Rev. Prof. Dr. D. B. Riker, Rev. Prof. Me. José Carlos (doutorando) e Rev. Prof. Esp.
Josué Lima pelo constante apoio, incentivo e orações por mim no decorrer da pesquisa.
Aos fieis da Igreja Universal que gentilmente colaboraram com esta pesquisa.
Agradeço aos membros da banca examinadora pela disponibilidade de ler e avaliar este
trabalho e pelas valiosas sugestões e críticas: Professores Dr. Raymundo Heraldo Maués, Dr.
Manoel Ribeiro de Moraes Junior e Dr. Saulo de Tarso Cerqueira Baptista.
A todos os que direta ou indiretamente ajudaram-me a completar mais esta etapa da minha
vida acadêmica.
This dissertation identifies and lists some marks in the identity formation of the Universal
Church of the Kingdom of God (UCKG) in the actual (post-)modern and globalizing context,
in the religious space in Belém, Pará. To achieve the objective, this work identifies important
elements in the constitution and identity formation of the UCKG of Belém, through the
bibliographic information, interviews and observations. It used the sociological analysis of
(post) modernity of Zygmunt Bauman and the philosophical concept of Jacques Derrida’s
differance. These notions will be used to identify some elements of identity constitution of
this church. Notes that the UCKG Belém has ambiguities in its formation, because there are
times when the UCKG strongly emphasizes its difference around the Catholic Church, the
Afro-Brazilian religions and Spiritualists, besides the Evangelical Churches, emphasizing
their superiority and demonizing their religious competitors but, paradoxically, there are
occasions when the Universal Church attempts to “approach” to religiosity that she criticizes,
sometimes identifying with them sometimes using elements of them. The conclusion of this
work notes the ambivalent character in identity formation of UCKG. The presence of magical
elements derived from Catholicism and Afro-Brazilian religions, besides the emphasis on the
autonomy of the faithful and in contempt of the doctrine makes the UCKG is a movement
different of Historical Protestantism and Classical Pentecostalism. It approaches a New
Religious Movement.
TV – Televisor, Televisão
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 12
1.1 OBJETIVOS ........................................................................................................... 15
1.1.1 Objetivo Geral ....................................................................................................... 15
1.1.2 Objetivos Específicos ............................................................................................ 15
1.2 ITINERÁRIO DA PESQUISA ............................................................................... 19
1.3 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO...................................................................... 21
2 (PÓS-)MODERNIDADE E GLOBALIZAÇÃO:
DESENCADEAMENTO DE NOVOS MOVIMENTOS
RELIGIOSOS NA MODERNIDADE LÍQUIDA ................................... 24
2.1 A MODERNIDADE E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS .................... 25
2.1.1 Renascimento como período transicional para a Modernidade ....................... 25
2.1.2 Iluminismo e Modernidade: a razão como balizadora da sociedade ............... 26
2.1.3 Desilusões e crises da Modernidade .................................................................... 28
2.2 (PÓS-)MODERNIDADE?: REFLEXÕES TERMINOLÓGICAS SOBRE O
NOSSO ATUAL TEMPO ...................................................................................... 30
2.3 A (PÓS-)MODERNIDADE: UM PANORAMA NAS VISÕES DE
JEAN-FRANÇOIS LYOTARD, GIANNI VATTIMO, FREDRIC JAMESON
E ZYGMUNT BAUMAN ...................................................................................... 31
2.3.1 A condição (pós-)moderna em Jean-françois Lyotard ...................................... 31
2.3.1.1 O fim das meta-narrativas e os jogos de linguagem ............................................... 32
2.3.1.2 O pluralismo e a defesa do inclusivismo ................................................................ 33
2.3.2 A cultura (pós-)moderna em Gianni Vattimo .................................................... 35
2.3.2.1 A (pós-)modernidade e as contribuições heideggerianas e nietzschianas............... 35
2.3.3 A virada cultural em Fredric Jameson ............................................................... 38
2.3.3.1 O (pós-)modernismo e a sociedade de consumo..................................................... 38
2.3.3.2 O (pós-)modernismo e sua relação com o marxismo.............................................. 39
2.3.3.3 Relação da cultura e o capital financeiro do capitalismo hodierno......................... 40
2.3.4 A “modernidade líquida” em Zygmunt Bauman............................................... 42
2.3.4.1 Individualismo e consumismo da Modernidade em fluidez ................................... 43
2.3.5 Considerações sobre a (pós-)modernidade ......................................................... 45
2.4 GLOBALIZAÇÃO E SUAS RESSONÂNCIAS NA RELIGIÃO:
TERRENO PROPÍCIO PARA O SURGIMENTO DE NOVOS
MOVIMENTOS RELIGIOSOS ............................................................................. 47
2.4.1 A globalização e suas definições .......................................................................... 47
2.4.2 Globalização e pluralismo: adaptação da religião em tempos líquidos –
a “volta” da magia ................................................................................................ 51
2.4.3 Globalização e religião: os novos movimentos religiosos .................................. 53
1 INTRODUÇÃO
A IURD é um importante movimento religioso em âmbito nacional e
internacional, tendo também grande destaque em nosso rico e plural contexto
religioso amazônico. Cientes deste fato, nos propomos a identificar e elencar marcas
que julgamos importantes na formação identitária da IURD.
A identidade tem relação com a forma de representação de uma pessoa ou de
um grupo. Por isso, nos propomos a trabalhar como esta igreja se identifica e se
posiciona no rico contexto religioso paraense.
Desta forma, é importante precisar o objeto investigado. Entrevistamos fieis
do “Cenáculo do Espírito Santo”, a sede da IURD no bairro Castanheira em Belém
do Pará. Nesta igreja também realizamos observações. O período da pesquisa ocorreu
em etapas paralelas nos anos de 2012 e 2013 constando de entrevistas, observações
etnográficas e pesquisa bibliográfica.
Trabalhamos os estudos de cientistas que abordam perspectivas filosóficas,
sociológicas e históricas acerca da atual época e destacamos o sociólogo polonês
Zygmunt Bauman (2001, 2007, 2008), que é considerado por alguns como o “profeta
da pós-modernidade” (PALLARES-BURKE, 2004; PAEGLE; MARANHÃO
FILHO, 2011). Aplicamos os estudos desse sociólogo à IURD.
Silva Jr. (2011), por exemplo, utilizou a figura de Bauman da liquidez dos
atuais tempos aplicando-a às igrejas neopentecostais. Ele afirma que o
neopentecostalismo rompeu com o cristianismo evangélico tradicional e pentecostal
clássico, mostrando-se “antenado” às leis do “mercado religioso”. Neste caso, a
metáfora baumaniana é utilizada para destacar o distanciamento neopentecostal da
tradição evangélica tradicional e do Pentecostalismo Clássico.
Sabendo do caráter adaptativo da IURD, nos utilizamos também das
categorias da “diferença” e “tradução”, propostas por Stuart Hall (2011) e por
Woodard (2012), para estudar esta igreja. Por trás desses termos está o conceito da
différance criado pelo filósofo argelino Jacques Derrida. Essa palavra é um
neologismo francês que destaca dois aspectos: différer (diferir) e différence
(diferença) (BARBOSA, 2012; ARMANI, 2011).
13
1
Toda religião tem sua carga de magia. Desta forma, a presença da magia não está presente apenas na
IURD, mas também em outros movimentos (neo)pentecostais como AD e IEQ. Destacamos o trabalho
de Rothe (1998) que trabalha sobre a presença da magia na IEQ de Belém, Pará. Também ressaltamos
o trabalho de Delgado (2008) e Pantoja e Costa (2013) que encontram elementos neopentecostais em
rituais da AD. Temos consciência desses trabalhos, no entanto, acreditamos que a IURD emprega de
maneira muito marcante inúmeros elementos mágicos em seus rituais.
14
2
Siqueira cita Parker (1997, p. 143 apud SIQUEIRA, 2002, p. 178) que entende que o termo
“religiosidades” parece ser mais adequado que “religião”. A “religião” não pode ser identificada com
Igreja ou religião institucionalizada. Antes, é preferível o emprego das “religiosidades” que são
crenças, ritos e práticas “afrouxadas as amarras institucionais” em um contexto secularizado.
15
fundo a IURD, que tem grande destaque na mídia e instiga leigos e acadêmicos por
seu discurso feroz e incisivo.
A produção científica acerca da IURD, apesar de sempre crescente, ainda é
relativamente escassa, em especial no contexto amazônico paraense. Também não
encontramos dissertações e/ou teses que procurassem ler a IURD na perspectiva
baumaniana que aplicasse a metáfora dos líquidos nem o emprego da differance de
Derrida para lançar luz sobre a formação identitária iurdiana no contexto nortista do
Brasil. É nessa lacuna que damos nossa contribuição para o estudo do
neopentecostalismo amazônico, em especial, à IURD.
O diferencial da proposta é lançar mão da perspectiva de Bauman e de
Derrida para fazer uma leitura de marcas na identidade iurdiana. Assim, ao se utilizar
as ideias baumanianas e derridianas, pensamos que a figura dos líquidos e da
ambivalência da differance são adequados para melhor compreender a adaptabilidade
iurdiana ao atual contexto social, cultural e religioso do Brasil.
De forma específica no contexto amazônico, averiguamos marcas dessa
adaptabilidade religiosa na formação identitária nos cultos da sua sede no bairro
Castanheira, Belém/PA. Desta forma, defendemos que a IURD, distanciando-se do
Protestantismo Histórico3 e do Pentecostalismo Clássico, aproxima-se de um NMR.
1.1 OBJETIVOS
3
Empregando os recursos dos tipos ideais, entendemos o “Protestantismo Histórico” como parte do
Protestantismo conhecido como “Tradicional” que acredita basicamente na justificação pela graça
mediante a fé somente, o sacerdócio de todos os crentes e a Bíblia como única regra em matéria de fé
e prática. Reconhecemos que dentro das igrejas tradicionais há várias diferenças teológicas e/ou
eclesiológicas. Mesmo assim, empregaremos a nomenclatura “Protestantismo Histórico” para
englobar esse grupo. Nesse sentido, citamos, como exemplo, o trabalho de Pantoja e Costa (2013) que
detectaram um processo de neopentecostalização na AD e também em igrejas tradicionais.
Reconhecendo essas diferenças, exibimos no Apêndice A um gráfico que retrata o número distinto de
denominações Protestantes desde a época da Reforma indicando diferenças nesse meio religioso.
16
Para consultar artigos e fazer aquisições de livros, a internet foi outra fonte
que pesquisamos. Consultamos sites de editoras para se encontrar referências a livros
que abordem o tema.4 Consultamos também sites de universidades, faculdades e
revistas científicas das Ciências da Religião e áreas afins para a provisão de material
suplementar à pesquisa.
Com o intuito de identificar constituintes de identidade iurdiana em torno da
“tradução” e “diferença”, além de elementos mágicos representativos dos novos
movimentos religiosos, utilizamos a observação participante. A razão da escolha
desse método é o fato de a IURD, conforme observação de Campos (1999, p. 364),
Bledsoe (2012), Mafra (2002, p. 29ss., 63ss.) e dos nossos entrevistados M.C.N.S.
Santos (2012) e M.J.P. Souza (2013), passar a imagem de movimento perseguido
pela mídia e por adversários, sendo, desta forma, difícil à obtenção eficaz de
informações através de outros métodos como entrevistas ou questionários. Tais
metodologias foram, sim, utilizadas para fins de complementação das informações
advindas das observações.
A observação é uma técnica que utiliza os sentidos para obtenção adicional de
informações. Este tipo de avaliação é relevante para se “obter [dados] a respeito de
objetivos sobre os quais os indivíduos não têm consciência, mas que [podem
orientar] o seu comportamento” (MARCONI; LAKATOS, 2008, p. 76).
As observações empreendidas foram ancoradas nas contribuições do clássico
Malinowski (1978), de Geertz (2008) que trabalha sobre como fazer uma boa
descrição etnográfica (descrição densa), levando-se em conta que os dados obtidos
passam pelo elo da significação e implica em interpretação. Também lançamos mão
dos estudos de Roberto Cardoso de Oliveira (2000) que trabalha a importância do
“olhar” e do “ouvir”, que devem ser treinados para a percepção do fenômeno no
4
A Editora Jorge Zahar, por exemplo, tem publicado a maioria das obras de Zygmunt Bauman (cf.
http://www.zahar.com.br).
18
5
Conseguimos marcar entrevistas através de indicações de conhecidos nossos. Através dessas
referências pessoais, conseguimos entrevistar três pessoas.
19
esta pesquisa. Inclusive, a sua filha, C.S. Souza (2013), empregada doméstica, 23
anos, que já pertenceu à IURD e foi bastante ativa, mas atualmente está afastada há
um ano, nos forneceu informações valiosas. Eles nos receberam de forma simpática
em sua simples casa, de madeira, no bairro Mangueirão. No cômodo em que fomos
recebidos havia uma cama de casal e um televisor ligado. Quando começamos a
entrevista o Sr. M. J. P. Souza (2013) pediu que sua filha desligasse a TV para que
tivéssemos uma conversa tranquila.
Diante do exposto, assumimos que as três entrevistas foram suficientes para
os propósitos desta pesquisa, mesmo reconhecendo, conforme já ressaltamos, que
esta análise é preliminar e poderá ser aprimorada à medida que novas informações
forem adquiridas em outros projetos futuros.
As reflexões de Rosália Duarte (2002) foram importantes no estabelecimento
de parâmetros e estratégias para a realização de tais entrevistas para captar, além das
informações oriundas das observações, a visão de pessoas ligadas ou que já
estiveram associadas ao movimento.
6
Destacamos o deputado estadual Pastor Divino dos Santos e os vereadores de Belém Bispo Antônio
Rocha e Pastor Raul Batista (líder do PRB-PA), todos do PRB.
21
7
Ressaltamos que o próprio Prof. Leonildo Campos, grande pesquisador da IURD, só conseguiu
entrevistar um pastor. Portanto, outros pesquisadores enfrentaram e enfrentam dificuldades em obter
informações oriundas da liderança desta igreja.
8
Estamos cientes das questões éticas envolvidas na postura que adotamos. No entanto, como a IURD
sede é um espaço aberto a todas as pessoas, frequentamos várias reuniões nesta igreja, mas evitamos
fornecer nomes ou identificar pessoas nesta pesquisa.
22
9
Para maiores informações sobre as principais características dos referidos períodos, consultar Morais
(1988).
10
Essa será a nomenclatura que empregaremos nesta dissertação.
11
Para amenizar os protestos, preferimos colocar o prefixo “pós” entre parêntesis para expor as
incertezas acerca da nomenclatura adequada para os tempos atuais.
25
pensadores aderiram aos valores humanos manifestos nas antigas civilizações greco-
romanas, havendo um crescente interesse pela compreensão do mundo. Desta forma,
a ênfase renascentista no humanismo pavimentou o caminho para a Modernidade,
sendo uma espécie de transição para este. O cenário moderno foi, então, montado.
Isto significa que a passagem da Idade Média para a Modernidade foi
basicamente a mudança de uma visão teocêntrica, hierocrática, para uma visão
antropocêntrica, humanista.12 A razão foi, a partir da Renascença e culminando na
era Moderna, paulatinamente libertada das amarras da Igreja e da religião. A este
respeito, a reflexão de Romano Guardini (2000, p. 79-80) é esclarecedora:
12
Agradecemos à observação do Prof. Heraldo Maués que na banca de defesa enfatizou que esta era
uma visão eurocêntrica a respeito das Idade Média e da Modernidade.
27
13
Posteriormente, Rudolf Otto (2007) utilizou o termo “numinoso” como o mysterium tremendum et
fascinans, ou seja, algo que não é definível racionalmente, mas tão somente é “mencionável” ou
“pronunciável” (erörtbar) a partir da experiência religiosa do sagrado.
14
A expressão latina Sapere aude pode ser traduzido como “atreva-se a ser sábio” ou “ouse a saber”.
28
para se colocar em dúvida a ideia moderna de que o universo apresentava uma ordem
consistente da realidade.
O físico alemão Max Planck (1858-1947) verificou que, no nível atômico, a
energia apresenta-se em pacotes distintos denominados de “quanta” e não em fluxos
contínuos como se pensava. Corroborando com Planck, Albert Einstein (1879-1955),
talvez a maior mente do século XX, observou que a luz não é somente uma onda,
mas também uma torrente de grupos distintos de energia denominados de “fótons”.
A partir das descobertas mencionadas acima, nasce a teoria quântica
contrariando a crença da Física Mecânica de que a energia chega continuamente aos
elétrons. Ao contrário, esta teoria propõe que a luz se propaga em pequenos pacotes
(quanta). Com a teoria da relatividade, Einstein solapou a mecânica newtoniana. Esta
teoria enxerga o tempo, a massa e as dimensões de um corpo como conceitos
relativos, pois tais parâmetros dependem do referencial de observação.
Essas e outras descobertas corroboraram para derrubar a ideia de que o
universo é um sistema perfeito e com leis fixas, conforme se acreditava na mecânica
newtoniana. Tais achados científicos minaram a crença de uma ciência ancorada na
razão e revelaram a complexidade do universo. A cosmovisão newtoniana que
predominou por séculos acabou e o determinismo foi profundamente minado. Assim,
o materialismo e o intelectualismo mostraram-se insuficientes para explicar toda a
realidade.
De acordo com Guardini (2000, p. 51), tais fatos históricos e proposições
científicas contribuíram para a desilusão do homem contemporâneo para com as
certezas absolutas da modernidade.
A ciência, na (pós-)modernidade, é encarada agora não como uma
compilação de verdades universais, mas como uma coleção de investigações
amparadas por comunidades científicas. Assim, não há verdades válidas
universalmente. Antes, existe uma pluralidade de mundos e cosmovisões que devem
ser apreciados e respeitados.
A razão não é suficiente e unívoca para explicar toda a realidade. No entanto,
isso não significa que a razão ou a autonomia humana deixou de ser importante. Na
verdade, pelo contrário,
as questões existenciais, cujas respostas eram mais ou menos automáticas
no universo tradicional, passaram a surgir com uma acidez inédita nas
sociedades democráticas, onde são tragadas no turbilhão infinito da
autonomia [humana] (FERRY, 2010, p. 33, grifos nossos)
30
15
Acreditamos ser relevante colocar a opinião de Jameson (2006, p. 297, nota nº. 5) que considera que
a obra de Lyotard (2009) enfoca muito mais a ciência e a epistemologia do que a cultura propriamente
dita.
16
Essa perspectiva hermenêutica pode ser chamada de Reader-Response, leitor-resposta. Nessa visão
o próprio leitor tem o poder de dar significado a um texto mediante a sua própria resposta ao mesmo.
33
plural e não metafísica da verdade. A concepção que temos em nosso tempo não
pode mais ser trabalhada à luz do “modelo positivista do saber científico”. Antes, a
“experiência (pós-)moderna (isto é, heideggerianamente, pós-metafísica) da verdade
é uma experiência estética e retórica” (VATTIMO, 1996, p. XVIII).
A modernidade, ancorada nos pressupostos iluministas, era compreendida
como um período em que o pensamento da humanidade, sustentado pela razão
humana, seria progressivamente iluminado. No entanto, a noção de progresso está
minada. Os frutos desse “progresso” permitem-nos viver uma experiência do “fim da
história”. Para alguns autores, vivemos a iminência do fim da vida na terra. Essa é
uma possibilidade real mediante os “avanços” da modernidade que estão destruindo a
natureza.17
No entanto, o “fim da história” defendido por Vattimo não se refere
necessariamente a esta ameaça iminente. Antes, a noção de historicidade na (pós-)
modernidade deve ser redefinida, pois atualmente a história não é vista como um
processo unitário. Ela é “pós-histórica” (VATTIMO, 1996).
Na modernidade, a história era concebida como a história dos vencedores,
apresentada de forma simples, unitária, sequencial, coerente e racional. No entanto, a
história dos eventos registrados (políticos, militares dos grandes movimentos etc.) é
apenas uma visão hermenêutica parcial da realidade que leva em conta recortes da
história. É, portanto, uma leitura; “somente interpretações, como ensina Nietzsche,
não é, por sua vez, um fato inequívoco e tranquilizador, mas ‘somente’ uma
interpretação” (VATTIMO, 2000, p. 106). Estamos com uma noção da história
totalmente distinta da modernidade. Nesse sentido, Heidegger e Nietzsche são
relevantes para essa nova compreensão histórica e hermenêutica.
Uma característica encontrada na (pós-)modernidade é “[...] o
aperfeiçoamento dos instrumentos de coleta e transmissão da informação”. Com
esses recursos mais aprimorados, procurar reconstruir uma história universal,
“tornou[-se] impossível” (VATTIMO, 1996, p. XV). Assim, a história
contemporânea é marcada pelo paradigma comunicacional, em que há a tendência de
nivelação no plano da simultaneidade, ocorrendo uma des-historicização da
experiência (BATISTA, 2008).
Segundo Vattimo,
17
O problema das guerras, o aquecimento global, as armas nucleares e ameaças terroristas são alguns
exemplos dessa possível iminência destruidora.
37
18
Ianni observa que a tecnologia também “pode ser uma força decisiva na potencialização da força de
trabalho” no contexto hodierno de globalização (2008, p. 193).
39
20
Mais à frente refletiremos melhor sobre a globalização.
41
21
Ao ler esta frase, o nosso orientador, Dr. Saulo Baptista, ressaltou que o Estado é um espaço de
relações de força; portanto, não é neutro. Quem tem mais poder determina para onde (e para quem) o
Estado deve ir (deve favorecer).
42
22
Apesar de o próprio Bauman não apreciar tal título.
43
23
Apesar de Berger entender que as instituições religiosas lançam mão de sua tradição para refrear
“uma liberdade muito drástica de escolha religiosa” (1985, p. 156).
46
chamada desta forma, porque os líquidos mudam de forma muito rapidamente sob a
menor pressão. Esta metáfora é adequada para designar os tempos instáveis e
incertos que vivemos, além de ser ideal para retratar o individualismo e consumismo
de nossa sociedade capitalista que estimula o consumo como um ato importante em
si mesmo e o constante transito religioso hodierno.
25
As religiões universais, como o Cristianismo e o Islamismo, consideram-se instituições
privilegiadas que procuram estabelecer uma ética de ação no mundo (ORTIZ, 2001).
50
26
Ortiz (2001, p. 72) diz, inclusive, que o mercado global assume duas características associadas à
religião: transcendência (de indivíduos, classes sociais e nações) e omnisciência (não conhece
fronteiras).
27
Pantoja (2006), por exemplo, estudou a Festa Católica do Círio de Nazaré, em Belém-PA, se
propondo a avaliar esta celebração empregando o paradigma do mercado religioso e a teoria
maussiana da Dádiva.
51
28
A magia sempre esteve presente nas sociedades. No entanto, esse “retorno” da magia é, na verdade,
uma volta mais intensa e evidente nos contextos religiosos nestes tempos de globalização (em especial
nos NMR). Por isso, coloquei entre aspas o termo “volta”.
52
no campo religioso. Desta forma, Portella (2008b, p. 160) analisa que “o pluralismo
religioso se torna, simultaneamente, fator e resultado da secularização”.
Apesar de a secularização / pluralismo religioso romper com o monopólio das
instituições religiosas tradicionais, não há a perda e/ou extinção da religião. Pelo
contrário, ela tem de se adaptar a esta nova realidade, aprendendo a lidar com a
concorrência do mercado.
“[...] em quase todos os países atuais, ricos e pobres, embora com as suas
especificidades, no contexto da globalização, há um terreno fértil para o
aparecimento de novos movimentos religiosos, sejam de matriz judaico-
cristã, oriental, filosófica e (pseudo) científica” (RODRIGUES, 2008, p.
30).
54
29
Guerriero ressalta que no caso brasileiro não faz sentido chamar a umbanda o candomblé ou o
pentecostalismo como NMR, pelo fato de esses movimentos já estarem inseridos na “paisagem
religiosa brasileira” e não ressaltar o caráter de novidade (2012, p. 119).
30
Apesar de Weber destacar que a magia está presente na religião e pode ser vista, por exemplo, no
papel do “carisma” do profeta, em que as profecias saíram do mundo da magia. Sobre isso Bourdieu
informa que “o poder carismático subsiste em virtude de uma submissão afetiva à pessoa do mestre e
aos dons de graça – carisma –, qualidades mágicas. Revelações ou heroísmo, poder do espírito ou do
discurso [...] por carisma deve-se entender uma qualidade considerada como extraordinária”
(BOURDIEU, 2007, p. 92, grifos do autor).
55
Por outro lado Siqueira (2002, p. 179-180, grifos da autora) apresenta como
características dos NMR:
Apesar de Siqueira (2002) não ter considerado grupos católicos e nem grupos
protestantes em seu estudo das novas religiosidades contemporâneas, há algumas
características enfocadas pela autora que encontram paralelo com a IURD: (1) o
homem é o senhor do seu destino e é levado a conquistar suas vitórias; (2)
divinização do indivíduo e a recuperação da magia; (3) a doutrina não é importante e
sim a religiosidade e prática dos ensinamentos. É evidente que há aspectos que a
IURD difere desses movimentos tratados por Siqueira como, por exemplo, a busca
do holismo e do diálogo inter-religioso.
No entanto, várias das características arroladas supra são encontradas na
IURD. Inclusive Rodrigues (2008, p. 18) considera essa igreja como um NMR. Por
isso, é importante conhecer suas raízes, cosmovisões e práticas que o aproximam de
um NMR.
31
Os grifos foram da autora exceto na expressão “elementos cristãos”.
57
32
Mariano (2010, p. 28) ressalta que David Martin foi o primeiro que dividiu mundialmente o
protestantismo em três ondas: a puritana, a metodista e a pentecostal. Desta forma, Freston (1993)
adaptou essa classificação de Martin, aplicando-a ao contexto brasileiro.
33
Empregamos a terminologia “onda” por essa classificação do Pentecostalismo ser clássica, apesar
de críticas e inadequações dessa nomenclatura para se estudar fenômenos sociais.
58
dessas igrejas destacando que, na sua fundação, elas eram marcadas, em especial a
AD,34 pela ênfase no batismo com o Espírito Santo com a evidência da glossolalia,
nos usos e costumes, na escatologia dispensacionalista,35 além de um forte
proselitismo em direção à Igreja Católica e às Igrejas Evangélicas de Missão.36 A AD
é atualmente a maior denominação evangélica do país.
No segundo movimento do pentecostalismo, o Pentecostalismo de Segunda
Onda (1950-1970) ou Deuteropentecostalismo, surgiram igrejas como a Igreja do
Evangelho Quadrangular (IEQ), Igreja O Brasil para Cristo (BPC) e a Igreja
Pentecostal Deus é Amor (IPDA). Dentre as características marcantes desse período
estão à ênfase na cura divina e no exorcismo. A IEQ e a BPC tem características
semelhantes como a liberação dos rígidos usos e costumes, estilos contemporâneos
de louvor e participação na política. No entanto, a IPDA, ao contrário das outras
duas, possui rígidos padrões de comportamento sendo altamente facciosa e legalista.
A Renovação Espiritual que alcançou Igrejas Evangélicas de Missão também
fez parte dessa segunda onda, abrangendo o período entre 1960 e 1970. Bledsoe
(2012, p. 40ss.) destaca que algumas denominações históricas acrescentaram
elementos pentecostais, mesmo mantendo estruturas e filosofias similares. Esse
período foi marcado pela divisão de Igrejas Evangélicas de Missão, resultando em
novas congregações, novas denominações e igrejas independentes, sempre
promovendo o pentecostalismo em suas estruturas. Em 1965 foi emblemática a
fundação da Convenção Batista Nacional (CBN), divisão oriunda da Convenção
Batista Brasileira (CBB), e hoje considerada a maior denominação renovada
brasileira.
A terceira onda pentecostal foi o Período Neopentecostal (1977-atual) ou
Pentecostalismo Autônomo. O movimento neopentecostal é difícil de ser definido
devido a sua complexidade. Não há unanimidade teológica neste grupo e nem há
como precisar o número de seus membros, haja vista a grande rotatividade de
pessoas em seus cultos. Este movimento é uma nova forma pentecostal tendo como
traços marcantes a Teologia da Prosperidade e a Batalha Espiritual. Na primeira
ênfase a “[...] realização e riqueza é colocada em plano semelhante ou superior à
perseverança na salvação” (BLEDSOE, 2012, p. 43). Já a Batalha Espiritual atribui
34
A CCB não é proselitista, por causa de sua doutrina predestinacionista (calvinista).
35
Mais adiante, neste capítulo, trabalharemos a visão escatológica do dispensacionalismo.
36
As Igrejas Evangélicas de Missão são as Igrejas Evangélicas Históricas Tradicionais como, por
exemplo, Batista, Presbiteriana, Congregacional etc.
59
todos os males como a doença, pobreza e pecados aos demônios que são sempre
associados ao panteão das religiões afro-brasileiras e ao espiritismo.
Dentre as igrejas representantes do neopentecostalismo estão a Igreja
Internacional da Graça de Deus (IIGD) e a IURD. A IURD foi fundada em 1977 por
Edir Macedo. Ela tem como marcas principais a crença de que o evangelho de Jesus
traz em seu bojo as bênçãos físicas, financeiras e espirituais, além da libertação dos
demônios pelo uso da fé. A IURD faz grande uso da mídia (rádio, TV e internet) para
divulgação da sua mensagem. Já a IIGD, liderada pelo Missionário R. R. Soares,
cunhado de Edir Macedo, é caracterizada pela ênfase nos milagres, nas curas,
libertação de demônios e demonstrações de poder em suas concentrações. Ela
também lança mão de estratégias de mídia, tendo um programa de TV intitulado
Show da Fé em que R. R. Soares, em horários nobres, exibe músicas, mensagens e
depoimentos de curas após orações feitas “em nome de Jesus”.
Há outras igrejas menores oriundas desse movimento neopentecostal37 e que
influenciam igrejas históricas e pentecostais, promovendo grande diversificação no
cenário pentecostal brasileiro (BLEDSOE, 2012). Em suma, o neopentecostalismo,
marcado pelo intenso crescimento numérico, é um “pentecostalismo autônomo ou
agências de cura” cuja característica marcante é a “comercialização dos bens
simbólicos” (MONTEIRO, 2012).38
37
Como, por exemplo, a Comunidade Sara Nossa Terra (CSNT), Igreja Apostólica Renascer em
Cristo (IARC) e a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD). Esta última foi fundada pelo ex-líder da
IURD Valdemiro Santiago. Sara Nossa Terra e Renascer são igrejas de origem e composição bem
diferentes, do ponto de vista sociológico.
38
No começo dessas igrejas, o rótulo “agências de cura” se justificava. No entanto, hoje algumas
delas se tornaram grandes denominações, com status igual ao das mais antigas. Para maiores
informações sobre as origens do pentecostalismo e neopentecostalismo no Brasil, destacando as suas
origens norte-americanas, ver Campos (2005).
60
Deus). Três anos após esse episódio, a IURD começa a crescer no Rio de Janeiro
através da abertura de vários templos (TAVOLARO; LEMOS, 2007; ROMEIRO,
2005).
Desde sua fundação, a IURD cresceu extraordinariamente.39 Edir Macedo tem
uma força extraordinária sobre seu rebanho. Ao trabalhar a categoria do “profeta” em
Max Weber, Pierre Bourdieu faz a seguinte observação:
39
Giumbelli (2002, p. 288-289) apresenta números que demonstram extraordinário crescimento em
número de fieis, de inserção na mídia e na política da IURD desde a sua fundação. No entanto, apesar
de o último censo de 2010 detectar uma perda, nos últimos dez anos, de 10% de fieis da IURD para
sua recém fundada concorrente Igreja Mundial do Poder de Deus (LOPES, 2012), mesmo assim, ela
continua sendo proeminente no neopentecostalismo brasileiro.
40
De certa forma, Macedo também assume os papeis weberianos de sacerdote (o Bispo da IURD) e de
mago (como aquele que tem poder sobre os demônios e pode curar doenças).
61
exata da realidade, mas é “um recurso técnico que facilita uma disposição e
terminologia mais lúcidas” (2002, p. 226-227). Ele lançou mão desse recurso, por
exemplo, para ajudar na compreensão da ética religiosa (asceticismo e misticismo),
das relações do campo religioso tipificado pelos tipos do profeta, sacerdote, mago e
leigo etc.
Sabendo que os tipos ideais são instrumentos heurísticos que devem ser
tomados como idealizações, os elaboramos baseados em nossas leituras e contatos
com os campos (neo)pentecostais.41
41
Nas ênfases neopentecostais, faremos referências principalmente à IURD, pelo fato de ser a
principal representante do neopentecostalismo brasileiro e o foco do nosso estudo.
42
Essa Bíblia de Estudo best-selling foi produzida por Cyrus Ingerson Scofield (1843 – 1921) um
teólogo norte-americano, ministro religioso, e escritor que popularizou o dispensacionalismo entre os
fundamentalistas cristãos.
43
Todas as referências da Bíblia de Scofield foram traduzidas pelo autor desta pesquisa.
62
44
Essa dispensação refere-se à interpretação dos primeiros capítulos do livro bíblico de Gênesis que
relata a criação do ser humano e de todas as coisas, bem como a tentação e a queda quando Adão e
Eva desobedeceram a Deus comendo do fruto proibido da árvore do conhecimento do bem e do mal,
conforme Gênesis 2.9, 17.
45
Este texto diz: “Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente
dela; este lhe ferirá a cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar”.
46
O relato bíblico do Dilúvio está registrado em Gênesis 6 – 8. Devido a maldade do ser humano,
Deus se arrepende de tê-lo criado. Por isso, Deus decide fazer um enorme dilúvio destruindo tudo o
que havia sido criado até então. No entanto, Deus decide poupar Noé, por este ter agido bem, e lhe
orienta construir uma grande arca de madeira, a fim de abrigar sua família e um casal de cada espécie
existente de animal.
47
A Torre de Babel, segundo a narrativa de Gênesis 11.1-9, foi uma torre construída por um povo
objetivando que o cume chegasse ao céu, para que tivesse seu nome famoso em toda a terra. Quando
Deus viu esse propósito, puniu a humanidade com a confusão de línguas. Assim, o relato mostra como
surgiu, nessa perspectiva, a variedade de idiomas no mundo.
63
48
O texto mateano diz: “E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e
as portas do Hades não poderão vencê-la”. A Bíblia da Nova Versão Internacional, utilizada aqui,
apresenta uma nota de rodapé dizendo que a palavra “Hades” pode ser traduzida por inferno, sepulcro,
morte ou profundezas.
49
Apesar da obra de Salvador (s.d.) tratar da relação entre o Arminianismo e o Metodismo
(Arminianismo Wesleyano), este capítulo 3, intitulado “As Doutrinas Arminianas”, que abrange as
páginas 31 a 44, trata das doutrinas arminianas históricas. Apenas posteriormente o referido autor
trabalha os diferenciais entre o Metodismo e as doutrinas clássicas do Arminianismo.
64
sua escolha,o ser humano pode entrar na graça de Deus e também pode
decair da graça salvífica.
50
A exceção é a CCB que tem raízes calvinistas pelo fato de seu fundador, o missionário italiano
Louis Francescon, ter origem presbiteriana (BLEDSOE, 2012, p. 31; MARIANO, 2010, p. 31).
51
De acordo com Delgado, citando observações do Prof. Heraldo Maués ao seu trabalho, informa há
diferenças entre as palavras “glossolalia”, “xenolalia” e “xenoglossia”. Para ele “Glossolalia em
termos técnicos é a emissão de sons ritmados, mas sem sentido aparente. E pode ser interpretada
culturalmente tanto como um fenômeno religioso, místico, como não religioso (por exemplo, cantores
de jazz, quando improvisam, fazem uma espécie de glossolalia [...]). Xenolalia é falar numa língua
estrangeira. O episódio narrado em Atos 2, é xenolalia. O que ocorre mais comumente, inclusive nas
igrejas pentecostais é a glossolalia (mas não só, e não só no cristianismo)” (DELGADO, 2008, p. 19,
nota nº. 6). Mais adiante Delgado (2008, p. 20, nota nº. 7) informa que xenolalia corresponde à
xenoglossia e corresponde à “fala espontânea em língua(s) que não fora(m) previamente
aprendida(s)”.
66
abrigarem “as camadas pobres e pouco escolarizadas”, o seu escopo abrange “setores
de classe média, profissionais liberais e empresários” (MARIANO, 2010, p. 29).
Inicialmente havia uma rejeição ao mundo exterior. Normas de usos e
costumes eram observados rigidamente. Evitava-se assistir TV, participar de teatros,
jogatinas etc. Normas de condutas deveriam ser obedecidas até o crente morrer e ir
ao céu, ou até o retorno de Jesus Cristo (BLEDSOE, 2012).
Apesar de haver mudanças significativas no pentecostalismo hodierno,
Mariano atenta que eles ainda mantêm “bem vivos a postura sectária e o ideário
ascético” (2010, p. 29-30).52 Assim, o crente deve se santificar do mundo,
demonstrando ser diferente.
Talvez a mais emblemática marca do pentecostalismo seja o batismo com o
Espírito Santo com a ênfase na glossolalia. Este batismo seria uma imersão do crente
no Espírito e ocorre após a conversão da pessoa a Jesus. O principal texto bíblico
utilizado encontra-se em Atos 2.1-4 que diz:
52
Apesar de o próprio Mariano observar que o ingresso do pentecostalismo na política, o ingresso na
TV e a flexibilidade nos usos e costumes demonstrarem transformações internas que sugerem uma
espécie de dessectarização (2010, p. 30).
53
Pentecostes é uma festa judaica que acontece cinquenta dias após a celebração da Páscoa. Devido o
período dessa festa judaica marcar esse derramamento do Espírito Santo, os pentecostais foram assim
denominados.
67
Espiritual, pois o mundo é habitado por seres malignos; a vida do cristão é medida
pelo sacrifício; a plenitude da vida cristã está na vida de saúde e sucesso permanente;
e uma visão escatológica presente e imanente.
3.3.2.1 O povo de Deus tem de viver em Batalha Espiritual, pois o mundo é habitado
por seres malignos
A IURD mesmo tendo surgido no final da década de 1970, aderiu, na
informação de Mariano (2010, p. 137) “no início dos anos 90, [a] novas concepções
de guerra espiritual”. Esta doutrina conhecida como “Batalha Espiritual” ou
“Teologia do Domínio”, surgiu nos EUA nos anos 1980 e está relacionada a “tudo o
que se refere à luta dos cristãos contra o Diabo”.
Essa concepção adentrou na visão iurdiana e tem relação com sua concepção
quanto à origem de problemas como as doenças, problemas financeiros, falta de sorte
no amor etc. e propõe suas causas e forma de combate. Para Edir Macedo (2012, p.
124) as doenças, por exemplo, têm origem demoníaca. Mesmo que “[...] nem todas
sejam provenientes de possessão demoníaca, convém lembrar que elas não são de
Deus”.54 Ele acrescenta que “tudo o que existe de ruim neste mundo tem sua origem
em Satanás e seus demônios” (MACEDO, 2012, p. 123). É por isso que, na visão
macediana, “os hospitais vivem lotados, os cárceres apinhados, os manicômios
cheios e a miséria, a dor e o caos pairam sobre a face da Terra”.
Assim, o mundo é habitado por seres malignos chamados de demônios.
Mariano (2010, p. 113) destaca que para os neopentecostais, “o que se passa no
‘mundo material’ decorre da guerra travada entre as forças divina e demoníaca no
‘mundo espiritual’”. Comentando o texto bíblico de Efésios 6.1255 Macedo (s.d., p.
121) ressalta que “o apóstolo Paulo compreendia muito bem a tarefa da igreja e
focaliza a intensidade do combate para o que o soldado cristão deve ter a preparação
e a força necessárias. A luta contra o mal, assim sendo, deve ser vista como uma
batalha séria, e nada fácil”. Isto significa que, se os demônios são os culpados pelos
males neste mundo, o crente deve aprender a lutar contra tais entidades.
Os demônios “são espíritos sem corpos, anjos decaídos, rebeldes, que atuam
na humanidade desde o princípio, com a finalidade de destruí-la e afastá-la de Deus”
54
Utilizamos neste artigo o vocábulo “possessão” e expressões equivalentes como significando a
entrada de uma entidade, que na cosmovisão da IURD, sempre se refere a demônios, mesmo que se
apresente com nomes de divindades de outras religiões.
55
O texto de Efésios 6.12 diz: “pois a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e
autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas
regiões celestiais.”
69
Toda doença tem uma vida; isto é, algo que a faz aumentar e continuar a
sobreviver [...] [a] doença é provocada por um micro-organismo, que só é
visto por intermédio do microscópio, mas está vivo. Há uma força que o
faz viver e essa força tem vida. É o espírito de enfermidade. Quando se
toma um remédio eficaz, ele morre; o espírito de enfermidade deixa o
corpo daquele micro-organismo germe e a doença, naturalmente, acaba
(MACEDO, 2012, p. 79).
56
Na própria sessão do site da IURD que trata da Fogueira Santa, há a divulgação de contas correntes
de bancos para que o fiel sacrifique através da internet. Nitidamente, a associação mais natural é o
sacrifício como dinheiro.
71
57
No Primeiro Testamento da Bíblia cristã há a descrição de sacrifícios de animais para perdão de
pecados e para agradar a divindade.
58
Macedo faz alusão ao livro bíblico do Primeiro Testamento do profeta Malaquias, capítulo 3,
versículo 10.
72
A oferenda, na IURD, não é um ser vivo, mas “um objeto passa do domínio
comum ao domínio religioso – ele é consagrado” (MAUSS, 2005a, p. 15). Neste
caso, trata-se de bens ou dinheiro. Participamos de reuniões em que o pastor disse
que já recebeu como sacrifício carros, motocicletas, além de grandes quantias em
dinheiro.
Já a divindade a quem se destina o sacrifício trata-se do Deus judaico-cristão,
que nos arraiais iurdianos é tratado como Deus ou através do seu nome hebraico
Jeová.
De acordo com “[...] certas lendas bíblicas o fogo do sacrifício não é outra
coisa senão a própria divindade que devora a vítima ou, para dizer mais exatamente,
o sinal de consagração que a inflama” (MAUSS, 2005b, p. 32). Portanto, o “altar”
(púlpito) onde os sacrifícios de ofertas são entregues, santifica o sacrifício, pois é o
local onde o pastor, o “homem de Deus” ministra. Assim, é local santo e consagrador
da oferta.
59
A IURD não permite que se fotografe o interior do templo. Todavia, obtivemos fotos do “Cenáculo
do Espírito Santo”, em Belém, e de outros templos do Brasil, em sites e blogs da própria igreja.
Queremos deixar claro que as fotos não estão em alta qualidade. No entanto, entendemos que elas
podem ajudar o leitor a ter uma ideia do templo e das reuniões que ocorrem neste santuário. A foto em
questão não é da IURD Belém e sim do templo central da IURD em Manaus. Essa foto é apenas
ilustrativa mostrando a parte elevada chamada de altar onde o pastor faz suas preleções. Essa estrutura
elevada é bastante semelhante à que nós observamos no “Cenáculo do Espírito Santo” em Belém.
76
Na IURD, “Os dízimos e as ofertas são tão sagrados e tão santos quanto a
Palavra de Deus” (EM QUE CREMOS, 2013). Isto significa que para as ofertas que
forem oferecidas a Deus, a intenção de consagração à divindade já “santifica”, de
alguma forma, o sacrifício. O próprio Mauss (2005b, p. 32) já havia observado que
“Quando o sacrifício se faz num templo ou num local já sagrado por si mesmo, as
consagrações prévias são inúteis ou ao menos muito reduzidas”.
Mesmo assim percebemos alguns rituais preparatórios realizados. Por
exemplo, havia reuniões em que o pastor ressaltava que faria jejuns antes de reuniões
de cura (terça-feira) ou de libertação (sexta-feira) para que as bênçãos de Deus
pudessem ser ativadas. É comum haver também conclamações de vigílias ou pedir
que os fieis venham trajados de roupas vermelhas (para simbolizar batalha) na sexta-
feira para que possam guerrear contra os demônios e fazerem Deus ser favorável a
elas.
No caso das vestimentas o culto de terça-feira é emblemático. O pastor
sempre se veste com roupas brancas, como um médico, para ressaltar que o “homem
de Deus” está ali para orar por cura e libertação. Isso nos lembra de uma observação
de Mauss que diz: “Deve-se vestir roupas limpas ou mesmo roupas especiais que lhe
conferem um início de santidade” (MAUSS, 2005b, p. 28).
Em um culto de terça-feira, o pastor recomendou que no outro dia, no culto
de quarta-feira (“reunião dos filhos de Deus”) todos deveriam levar uma peça de
roupa branca para representar os filhos de Deus, a fim de alcançarem com maior
facilidade os pedidos feitos.
Antes de o fiel entregar seu sacrifício, ele deve colocar o valor do propósito
em um envelope, levantar as mãos para que o pastor ore e consagre a oferta antes de
ser entregue. Então, no momento oportuno, o fiel leva o envelope para o altar
(púlpito) para sacrificar a Deus. Para Mauss (2005b, p. 29) “todas essas purificações,
lustrações e consagrações prepara[m] o profano para o ato sagrado”.
Mauss (2005b, p. 36) faz referências a rituais em que animais eram
ornamentados e enfeitados antes do sacrifício. Para ele, “Esses ornamentos [no
sacrifício] lhe transmitiam um caráter religioso” e com “[...] as unções visa-se
produzir um acúmulo de santidade sobre a cabeça da vítima” (MAUSS, 2005b, p. 36-
37). Nesse sentido, o envelope do sacrifício é bonito, bem produzido com papel
especial e possui frases como “Porque não neguei nada a Deus, Ele me abençoou em
tudo”, mostrando figuras de personagens bíblicos como Abraão e imagens de montes
77
60
Queremos ressaltar que há alguns erros ortográficos neste envelope do sacrifício. Nesse sentido,
fizemos as devidas correções com grifos nossos: “1ª pessoa São aquelas pessoas que estão chegando
na igreja agora, ou estão há pouco tempo e estão realmente ‘no fundo do poço’. Não têm o que
sacrificar. Então, ela não fica parada, vai à luta [...] mas ela faz ele acontecer [...] 2ª pessoa [...] 3ª
pessoa [...] Aquelas pessoas que dia após dia têm alcançado vitórias [...]”.
78
“homem de Deus”, que é o pastor. Ela nos disse que essa expressão é oriunda do
evangelho de Mateus 16.19 que diz: “[...] o que você ligar na terra terá sido ligado
nos céus, e o que você desligar na terra terá sido desligado nos céus”. Assim, da
mesma forma como Jesus falou para o apóstolo Pedro, também nós temos o poder de
ligar a benção na terra através da expressão “tá ligado”, confirmando a benção no
céu.
De forma similar a esse conceito, o sacrifício é uma demonstração material da
expressão “tá ligado”, para se mostrar a Deus que se tem fé nele, que se acredita que
ele pode abençoar e é uma demonstração de que se está disposto a renunciar tudo.
Como consequência, curas, empregos, prosperidade financeira dentre outras bênçãos,
com certeza virão.
Outro episódio observado mostra que o sacrifício pode até libertar de
demônios. Em um ritual de cura observei um homem endemoninhado completamente
deitado de bruços e com as mãos para trás. Após sua libertação, o pastor pediu para
ele levantar, olhar para uma réplica de altar construído em cima do púlpito, pois o
sacrifício que o altar representava iria libertá-lo completamente e livrá-lo de ser
possuído por espíritos malignos.
Assim, apesar de as orações realizadas terem o efeito de libertar as pessoas
dos demônios, percebi constantemente que elas eram estimuladas a sacrificarem uma
oferta, a fim de manterem a libertação e de se prevenirem contra a entrada de
espíritos maus causadores de todos os males e doenças.
bênçãos. Para Romualdo Panceiro (2002, p. 9), o sucessor natural de Edir Macedo,61
a vida cristã possui o seguinte tripé: a fé, obediência e o sacrifício.
A fé pode ser classificada como natural e sobrenatural. A natural é inata a
todas as pessoas e trata-se de uma espécie de “sexto sentido”; é uma confiança
baseada em evidências e é racional. Já a fé sobrenatural, no dizer de Macedo (1998,
p. 90) “é uma certeza absoluta, independente da razão, vem da parte de Deus [...] e
torna possível o milagre”.
Essa fé sobrenatural é uma confiança muito grande de que Deus certamente
irá abençoar. Mas essa fé deve estar pautada na obediência à Bíblia, sendo necessário
saber que “as promessas de Deus [como as de prosperidade] existem” e que para
consegui-las é necessária “a [...] fé perseverante” que consiste em “exercitar [a]
crença na Sua Palavra” (PANCEIRO, 2002, p. 17, 22).
Esse exercício prático da fé é chamado de sacrifício. Para a IURD, os
sacrifícios de animais descritos no primeiro testamento da Bíblia não são mais
necessários nos dias de hoje, pois apontavam para o sacrifício único e vicário de
Jesus na cruz. Refletindo sobre o significado dos sacrifícios de seres humanos e de
animais para as religiões, Portella (2008a, p. 82) informa que o sacrifício também
“[...] pode ser interpretado como uma forma de consagração, isto é, de se introduzir o
profano na esfera sagrada, seja este profano uma pessoa, um alimento, lugar ou
objeto”.
Na visão da IURD, as ofertas em dinheiro correspondem a esse sacrifício para
a divindade. Não é mais necessário derramar sangue de animais, pois a “oferta é o
instrumento pelo qual o ser humano se aproxima de Deus” (MACEDO, 1999, p. 37),
cumprindo o papel que o sacrifício de animais cumpria outrora. Atualmente, “o
dinheiro [...] é o sangue da Igreja” (MACEDO, 2001, p. 71) e corresponde a essa
consagração do fiel a Deus.
No dizer de Edir Macedo (1998, p. 90-91), essa fé que se materializa através
das ofertas “é sempre acompanhada pelo sacrifício”. A “qualidade de oferta
determina a qualidade da fé” e a “oferta de sacrifício é a mais alta expressão da fé
sobrenatural, a fé com qualidade”.
Depois de constatar nos documentos da igreja e nas entrevistas realizadas,
verificamos que, para a IURD, se alguém crer nas promessas de Deus e exercer uma
61
O próprio Edir Macedo confirmou para Tavolaro e Lemos (2007) que Romualdo Panceiro é o seu
herdeiro, seu sucessor oficial.
81
leis espirituais que Deus estabeleceu para os cristãos na Bíblia e usá-las para se
conseguir as bênçãos de que se precisa neste mundo. Essa confissão deve ser feita
com firmeza de fé. Isto significa que, conhecendo as leis espirituais, então se pode
exigir e determinar a benção, nunca duvidando de que a cura e a prosperidade
certamente se cumprirão. Ainda se deve usar o nome de Jesus para se conquistar a
benção, tendo certeza de que Cristo cumprirá as suas promessas.
Por último, deve-se pronunciar o que se deseja em voz alta, nunca duvidando,
mesmo que a petição ainda pareça não ter se cumprido. Realizando esses passos,
então se pode mover o mundo espiritual para se conseguir as bênçãos no mundo
material.
Essa crença ensina que a marca de um cristão de fé é a plena saúde e a
prosperidade financeira. De acordo com Pieratt (1993, p. 51) “a teologia da
prosperidade não se cansa de repetir que nem doenças nem problemas financeiros
são da vontade de Deus para o cristão”. Romeiro (2007, p. 19) acrescenta que essa
perspectiva enxerga “pobreza e doença [como] resultados visíveis do fracasso do
cristão que vive em pecado ou possui fé insuficiente”. Assim, essa corrente
doutrinária ensina que a doença é fruto de maldições, fracassos, vida de pecado, fé
insuficiente ou até mesmo da incredulidade.
Dentre os vários representantes da Confissão Positiva, o norte-americano
Kenneth Hagin (1917-2003) é emblemático. Ele é um dos referenciais de R. R.
Soares, tanto que a sua editora, Graça Editorial, é responsável pela tradução e
publicação dos seus livros em português. Hagin pregava o poder da palavra proferida
e da fé para a cura de doenças e para a prosperidade financeira.
Diferentemente dos pentecostais, cuja ênfase recai no batismo no Espírito
Santo e na glossolalia, a Teologia da Prosperidade, no Brasil, encontrou grande
acolhida entre os neopentecostais. De acordo com Romeiro (2007, p. 39) a IURD
“possui alguns respingos do Movimento da Fé”, sendo o seu carro-chefe a acentuada
ênfase na prosperidade financeira.
Esse destaque é encontrado na entrevista concedida pelo pesquisador Ricardo
Mariano a Tavolaro e Lemos (2007, p. 122-123) em que ele ressalta que desde o
início da igreja, “Edir Macedo implantou com agressividade discursos que
estimulavam os fiéis a não se acomodarem com a pobreza, o desemprego e as más
condições de vida em geral”, como as doenças.
A declaração de fé da IURD é emblemática. Os três últimos artigos dizem:
83
64
Em nossas observações, verificamos em igrejas pentecostais, como a AD e a IEQ, o uso de vestes,
joias e maquiagem sem muitas restrições.
86
magia implica a crença em todos os casos possíveis”. Ele também ressalta que “A
crença na magia é portanto quase obrigatória, a priori, e perfeitamente análoga à que
se liga à religião” (MAUSS, 2003, p. 128).
Desta forma, seguindo esse pressuposto, utilizamos as contribuições de
Mauss e Frazer65 para lançar luz sobre os elementos mágicos iurdianos.
65
Mesmo reconhecendo que Frazer (1982, p. 34-35) é extremamente evolucionista ao chamar, por
exemplo, os povos que lançam mão da magia de “selvagens”, “ignorantes”, de “tosca inteligência” e
“primitivos”, cremos que ele, juntamente com Mauss (2003), possui análises ainda pertinentes para a
clarificação do conceito de magia.
87
uma mulher, que pensavam que ela era doida [...] ela ia pra igreja e levava
um monte de fotos [...] e enchia os bancos [...] e ela não deixava tirar [...] as
pessoas a chamavam de doida [...] eram gente que não sabia da fé da pessoa
[...] mas aquela era a fé dela. Ela tinha fé que aquelas pessoas que estavam
tudo ali naquelas fotos iam entrar na igreja [...] e ela orava pelas pessoas
[...] pouco a pouco ela tirava as fotos, porque s pessoas estavam indo pra
igreja. Pouco a pouco. Quando ela viu, todos estavam na igreja...ela deu o
testemunho dela...que ela era chamada de doida [...] e ela falou que [seu
propósito] era que toda a família dela ia pra igreja.
Perguntamos para a C.S. Souza (2013) se havia algum poder inerente nas
fotografias. Ela nos disse que essa mulher
Ela levava [as fotos] para o pastor orar [...] porque as pessoas não queriam
ir. Então, [...] ela levava uma roupa, levava uma foto [...] pra representar
aquela pessoa [...] aí, quando ela menos esperava, as pessoas começavam
indo [...] então toda a família ...foi pra igreja ... por causa da fé dela.
Frazer (1982, p. 39) informa que a magia simpática homeopática pode ser
classificada como positiva ou negativa. A primeira serve para “produzir o efeito
desejado” e a magia negativa é para feitiçaria ou fazer mal a outros. A IURD trabalha
com a positiva em que estimula o fiel a receber de Deus as bênçãos desejadas.
Nos lembramos de um culto de quarta-feira em que foram distribuídos dois
pequenos pedaços de pães em formato da letra “S”. Segundo o pastor, assim como o
nome “Jesus” possui duas letras “S”, as pessoas deveriam colocar esses pães atrás de
suas portas para que durante toda a semana o mal fosse atraído para o pão. Assim
como Jesus que morreu na cruz atraindo todos os nossos pecados e maldições sobre
ele, assim também, por analogia, os pães iriam atrair todos os problemas que
estariam perturbando os fieis. Então, no culto de libertação da sexta-feira, esses pães
seriam queimados representando que os males seriam queimados também.
Por outro lado, como já vimos, o uso de bens e objetos na mediação com
o sagrado é também recorrente no catolicismo, nas religiões mediúnicas e
nos grupos e movimentos esotéricos. No entanto, a Universal extrapolou
o uso dos tradicionais e reconhecidos símbolos religiosos, como velas,
imagens, cálices, sal, flores, água, óleo, arruda, enxofre, ervas, mel, giz,
retratos, roupas, etc., e introduziu em seus rituais novos mediadores com
o sagrado, retirados do quotidiano das pessoas, tais como shampoo,
sabonete, brinquedos, garrafas, sabão em pó, saco de lixo, travesseiro,
etc., revelando, assim, o alto grau de “imaginação” detido por essa igreja.
89
Acerca da magia por contágio Frazer (1982, p. 44) informa que “Supõe-se,
por vezes, a existência de uma simpatia mágica entre o homem e suas roupas, de
modo que estas, por si só, bastam para dar ao feiticeiro um certo poder sobre a
vítima”
Perguntamos ao Sr. M.J.P. Souza (2013) sobre o uso de peças de roupa
pertencentes a outra pessoa. Nós o indagamos se a pessoa sobre a qual se desejava a
benção, se sabe ou não que uma peça de roupa dela estava sendo levada a igreja. Ele
nos disse que
tem muitos [casos] que não é preciso e tem muitos que é preciso [...] é
uma coisa que não é escondido de ninguém [...] pode pegar a peça com a
pessoa sabendo, não tem problema nenhum [...] [sabendo ou não] o que
vale é a intenção [...] é usado mais escondida na família que tem os jovens
nas drogas, aí essa parte tem que ser escondido [...] aí leva a peça já
escondido pra dar pra aquela pessoa vestir [...] [senão, se ele souber que
levou para igreja] ele não vai querer vestir [...] então, dessa maneira é
escondido.
90
o banho serve mais pra cura [...] esse banho é a Sessão do Descarrego, de
dia de terça-feira. Terça-feira é uma reunião mais pra cura, para as
pessoas que estão doentes [...] aí então, esse é o banho do descarrego.
Quando dá meia noite, a pessoa toma uma banho e se joga aquela água
[do banho] [...] esse banho vem [abençoado] da igreja. É como eu tava te
falando... é tudo pela fé. Se a pessoa não fizer pela fé, vai tomar um
banho como se fosse uma água simples.
Logo em seguida ele conta um testemunho que ele presenciou de uma mulher
enferma que, num culto de terça-feira, deu um testemunho que estava distraída, mas
colocou o saquinho de banho do descarrego que recebeu na boca e tomou um pouco
do líquido sem querer. Então ela
acabou bebendo a água [...] e naquele momento ela disse que as dores que
ela tava sentindo passou na hora [...] ela tomou aquela água por descuido
[...] mas naqueles saquinhos [do descarrego] é feita uma oração, antes de
distribuir é feita a oração [...] é ungido como eu lhe falei pra depois
entregar pras pessoas.
Em outro relato, o Sr. M.J.P. Souza (2013) nos fez o relato sobre como o
jornal Folha Universal é distribuído
66
O “banho do descarrego” é um líquido preparado pela IURD, em que os pastores e obreiros oram
sobre esse líquido, tornando-o especial e capaz de abençoar as pessoas que tomam banho com ele.
67
De acordo com Silva (2013) o “passe” é uma capacidade mediúnica em que algumas pessoas
possuem a capacidade de curar através de um simples toque ou por um gesto, sem o uso de qualquer
medicação. Isto significa que tais pessoas podem transferir energias positivas a outras pessoas para
curá-las.
91
levantássemos as mãos com as palmas para fora, em atitude de alguém que pede ou
vai receber algo, a fim de receber essa energia. Depois da oração, ele pediu para
colocarmos as mãos em nossas cabeças a fim de haver uma transferência de energia.
Após essa oração, a benção, por analogia, foi transferida do pastor para os presentes.
Em seguida ele orou para que todo o mal, os espíritos malignos e as doenças
fossem expulsos. Após a oração, ele pediu que tirássemos as mãos da cabeça e
fizéssemos gestos rápidos com as mãos como se enxotássemos e expulsássemos o
mal com as palavras de ordem “sai, sai”.
Constatamos que a transferência de energia também ocorre quando da
imposição de mãos feitas pelo pastor. Ele pediu para todos irem à frente receber o
“Espírito de luz”. À medida que nos dirigíamos à frente, pois todos os obreiros e o
próprio pastor (na parte central da frente) estavam com as mãos levantadas.
Deveríamos nos dirigir a um deles. Então, nos dirigimos a um dos obreiros. Ele
colocou as mãos em nossa cabeça e disse “recebe o Espírito de luz” e depois colocou
suas mãos em nossos ombros. Em seguida saímos para que outros pudessem receber
a benção.68
Há também ocasiões nos cultos em que as pessoas iam à frente, em fila
indiana, para receberem orações dos pastores e obreiros. Perguntamos à Dona
M.C.N.S. Santos (2012) a razão disso e ela informou que o pastor e/ou obreiros são
homens de Deus e o toque é importante para se transferir as bênçãos que estão neles
sobre as pessoas. Apenas quando as pessoas estavam em seus lugares, o pastor e os
obreiros impunham as mãos sobre os fieis sem a necessidade do toque físico. Apesar
de, nesse último caso, ocorrer também a transferência de energia por analogia e
gestos das mãos.
Assim, nesses relatos elencados, percebemos que objetos de pessoas ou
abençoados podem, por intermédio de magia simpática de contágio, transferir as
bênçãos que foram derramadas nos referidos objetos sobre as pessoas que os tocam
ou ainda a transferência de energia positiva dos pastores aos fiéis.
68
Transcrevemos a palavra “Espírito” com a primeira letra em maiúscula, pois se referia ao Espírito
de Deus que estava nos pastores e nos obreiros e que seria transferido aos participantes.
92
69
Nome fictício.
94
70
As doze tribos de Israel são: Manassés, Aser, Nafitali, Zebulom, Issacar, Gade, Efraim, Dã,
Benjamin, Rúben, Simeão e Judá. A tribo de Levi não possuía terreno porque era composta de
sacerdotes e eles viviam, no contexto bíblico veterotestamentário, espalhados pelos territórios das
demais tribos.
71
A letra “A” parece ser o Alfa. Provavelmente, há alusão a Jesus que é chamado de “Alfa e o
Ômega” no livro bíblico do Novo Testamento em Apocalipse 1.8.
95
72
Conforme o relato bíblico do livro de Gênesis 22 em que o personagem Abraão é ordenado a
sacrificar seu filho Isaque sobre o monte Moriá. O relato informa que, quando ele estava prestes a
96
Fonte: THE LOVE SCHOOL chega a Belém do Pará. Arca Universal. Disponível em:
<http://www.arcauniversal.com/noticias/brasil/noticias/the-love-school-chega-a-belem-do-
para-14780.html>. Acesso em: Acesso em: 10 jun. 2013.
3.5.3.2 A reunião em si
O pastor entrou no templo e disse: “boa tarde pessoal” e em seguida disse
“bem forte pra Jesus!”. Após proferir estas palavras, as pessoas começaram a bater
palmas. Em seguida ele perguntou se alguém estava com alguma dor. Várias pessoas
levantaram as mãos indicando positivamente. Então, ele pediu que os doentes fossem
à frente “em nome de Jesus”.
Posteriormente, o pastor pediu que os obreiros entregassem a cada um o
envelope da oferta do sacrifício da Fogueira Santa de Israel.74 Após a entrega, ele
imolar seu filho, um anjo de Deus o impediu, pois viu a sua total confiança em Deus. Então lhe
apareceu um carneiro e Abraão sacrificou o animal sobre um altar no lugar de seu filho.
73
“The Love School: a escola do amor” é um programa de TV que visa orientar relacionamentos
amorosos. Ele é exibido aos sábados na Rede Record, sendo apresentado pelo Bispo Renato Cardoso e
por Cristiane Cardoso, filha de Edir Macedo. Esse casal costuma dar palestras sobre relacionamentos e
escreveu o livro “Casamento blindado – o seu casamento à prova de divórcio”. Esta figura mostra o
referido casal ministrando uma palestra na IURD Belém.
74
A Fogueira Santa de Israel é uma campanha da IURD realizada duas vezes ao ano: uma no meio do
ano e outra no final do ano. Conforme o relato bíblico do capítulo 22 do livro de Gênesis 22, o registro
informa que acontece a maior prova da vida do patriarca: Deus pede que ele sacrifique seu único filho,
97
pediu que cada um levantasse o envelope. Ele fez uma breve oração pedindo para
que o poder de Deus viesse sobre o envelope contra todo o mal. Após essa oração o
pastor pediu que a pessoa colocasse o envelope no lugar da dor. Nós vimos pessoas
colocando-o nas costas, na cabeça, no peito (talvez representando o coração) etc. Em
seguida, o pastor pediu para que as pessoas repetissem palavras de ordem “eu ordeno
que toda a dor, todo o mal e toda a doença saiam em nome de Jesus”.
O pastor pediu para que as pessoas que não foram à frente que levantassem as
mãos em direção ao grupo que estava à frente. Ele orou para que o mal saísse. Duas
doenças foram enfatizadas na oração: a AIDS e o câncer, apesar de nos cultos em
que participei não ter visto testemunhos de cura acerca dessas doenças.
Posteriormente, indicando que finalizara a oração, ele gritou bem alto: “sai”. Após a
oração, ele pediu para aqueles que estavam na frente que respirassem fundo e,
segundos depois, que procurassem a dor. Várias pessoas levantaram as mãos
informando que a dor havia sumido na hora e houve vários testemunhos de cura
instantânea. Um dos relatos foi de uma senhora que foi à frente dizendo que a dor do
seu ombro havia sumido. Após os testemunhos, a maioria de dores em partes do
corpo que haviam sumido, o pastor disse que as pessoas levassem para casa o
envelope, pois deveriam ofertar em dinheiro um sacrifício para Deus, como sinal de
agradecimento pela cura recebida.
Em seguida, todos retornaram para os seus lugares e o pastor perguntou se
havia pessoas com problemas. Várias levantaram as mãos. Então ele pediu que todas
as pessoas presentes fizessem duas filas indianas no corredor, porque ele estava
desejoso de impor as mãos sobre a cabeça de todos. Ele disse que, se houvesse algum
demônio escondido, ele iria se manifestar para ser expulso.
Ao impor as mãos, ele orava para que o espírito do mal saísse. Nós entramos
na fila e participamos do ritual. As pessoas eram tocadas na cabeça, recebiam uma
brevíssima oração e retornavam para seus lugares. Nós ouvimos o pastor
proclamando bem alto as seguintes expressões enquanto tocava nas cabeças dos
participantes:
• “em nome de Jesus seja liberto”;
Isaque, para Deus. Apesar de parecer absurda, a ordem é acatada. Abraão sobe no monte “Moriá” e
vai sacrificar seu filho. No momento em que levanta o cutelo para sacrificá-lo, um anjo aparece, o
impede de completar o ato e afirma que Deus está satisfeito com a sua obediência. Assim, o fiel é
estimulado a sacrificar através de ofertas, seguindo o exemplo do personagem bíblico Abraão
(FOGUEIRA SANTA, 2012).
98
Nós retornamos aos nossos lugares e fechamos nossos olhos. Nesse momento
ouvimos gritos, como se fossem, na cosmovisão iurdiana, de pessoas possessas.
Abrimos nossos olhos e contemplamos que uma jovem senhora, que aparentava ter
entre 28 e 30 anos de idade, ao nosso lado estava recebendo uma oração com
imposição de mãos por um obreiro. Mas o grito parece que não veio dela.
A seguir, após a imposição de mãos sobre os presentes, o pastor pediu para
que pegássemos a garrafinha com água que trouxemos e que havia sido ungida. A
água havia sido ungida no início da reunião e as gotas de óleo eram chamadas de
“gota (sic) do milagre”. Ele pediu que levantássemos a garrafinha com a mão. Em
seguida, ele fez uma oração pedindo que o Espírito Santo consagrasse aquela água, a
fim de que ela se transformasse em fogo dentro da pessoa e que, quando a pessoa
bebesse dela, o “demônio desgraçado” e o mal teriam de sair. Depois, ele pediu que
bebêssemos um gole da água.
Nesse momento, percebemos um homem supostamente endemoninhado que
estava se contorcendo com as mãos para trás. Um obreiro estava orando sobre ele
enquanto o pastor fazia a prece sobre os participantes. Após a consagração da água, o
pastor se dirigiu ao senhor “possesso” iniciando o exorcismo.
Ele dava palavras de ordem para o homem, que aparentava ter uns 50 anos de
idade. O pastor perguntou qual era o nome do demônio. O homem respondeu com
voz grave e embargada “exu da morte”. O pastor explicou que o “exu da morte” era o
nome do “encosto” – um demônio preparado para destruir. O demônio disse que
havia sido contratado por muito dinheiro para matar o homem que ele estava
possuindo. O líder informou que foi um trabalho na “macumba”.75 Em seguida, o
pastor disse que as pessoas ali presentes tinham de estar dispostas a manifestarem a
sua fé para se livrarem dos demônios que traziam problemas e doenças.
Durante a sessão de exorcismo, enquanto o homem estava de joelhos e com
as mãos para trás, o pastor disse que muitos entregam grandes quantias de dinheiro
75
A palavra “macumba” é designada, nos arraiais iurdianos, como sinônimo das religiões afro-
brasileiras.
99
aos demônios para terem seus problemas resolvidos enquanto que muitos na igreja
não têm coragem de chegar ao altar (o nome do púlpito) e fazer uma oferta de
sacrifício. Ele reforçou que várias pessoas têm coragem de gastar “rios de dinheiro”
com remédios, mas não tem a mesma coragem de depositar seu dinheiro sobre o
altar. Em seguida, com o homem ainda em estado de transe, falou sobre a Fogueira
Santa que ocorreria sobre o monte Moriá, em Jerusalém, Israel.
Nesse ínterim, com o senhor ainda possesso e sob o controle de um obreiro, o
pastor perguntou se alguém da plateia tinha algum pedido para fazer a Deus. Vários
levantaram as mãos. Então, ele recomendou que se fizesse o pedido e colocasse uma
oferta de sacrifício para que este pedido fosse levado a Israel. O pastor ressaltou que
se devia ter coragem de fazer o sacrifício. Não se devia colocar uma oferta qualquer,
mas sim o seu sacrifício. Em seguida ele deu o exemplo de uma pessoa da “nação
76
dos 318” que depositou no altar, no dia anterior, R$ 60.000,00. Essa pessoa disse
ao pastor: “esse é o sacrifício que eu ofereço ao meu Deus”. Outro exemplo foi de
um rapaz que entregou uma motocicleta. Outro relato do pastor foi de um senhor que
deu um carro que valia R$ 100.000,00.
Após citar estes três exemplos, o pastor disse que o Diabo tem medo do
sacrifício, pois a benção com certeza será entregue, o que contraria os interesses
diabólicos para com o ser humano. Depois o pastor pediu que um obreiro trouxesse
um envelope do sacrifício e o colocou sobre a testa do homem endemoninhado. Ao
fazê-lo, o senhor possesso gritava: “tá ardendo, tá pegando fogo”. O pastor disse que
era o fogo da Fogueira Santa de Israel que estava queimando a entidade. Em seguida,
pareceu que o homem foi liberto do espírito mal. Nesse momento a esposa do
homem possesso foi à frente depois da libertação e disse que o seu marido foi, com
15 anos de idade, procurar a “macumba” e foi consagrado em uma religião afro
desde a adolescência. Disse, também, que recentemente o seu esposo tentou matá-la
várias vezes.
O pastor, em seguida, chamou o casal e orou, impondo as mãos sobre eles,
para que todos os demônios se manifestassem novamente. O homem ficou possesso
novamente. O pastor, então ordenou que o demônio maioral se manifestasse. Ele fez
76
A “nação dos 318” é uma reunião que acontece às segundas-feiras para se alcançar as bênçãos de
Deus para superação de crises financeiras e obtenção de prosperidade material. Essa expressão faz
alusão ao relato bíblico de Gênesis 14.1-16 em que Abraão recebeu a notícia de que seu sobrinho Ló
havia sido sequestrado por quatro reis poderosos. Ao saber da notícia, Abraão resolveu enfrentar os
inimigos tomando 318 homens nascidos em sua própria casa e treinados para a guerra. Desta forma,
ele conseguiu resgatar seu sobrinho Ló, sua família e todos os seus bens.
100
uma contagem de um a três. Após terminar, o homem possesso disse que o seu nome
era “Lúcifer”. Então o pastor orou libertando ele de todos os demônios que o
possuíam.
Após essa oração, o pastor disse para olharem sobre uma réplica de um altar
que estava construído em cima do púlpito. Então, apontando para o altar, mas ao
mesmo tempo se dirigindo à plateia, ele disse que o sacrifício era a chave da vitória e
libertação do senhor que acabava de se livrar dos demônios.
Após a libertação relatada supra, foi mostrado um vídeo de uma senhora,
aparentemente praticante de uma religião afro-brasileira (não dava para ver o seu
rosto, pois estava embaçado). Ela parecia uma espécie de cartomante que dizia ao seu
cliente que ele deveria ofertar cerca de R$ 3.000,00 para que o trabalho fosse feito e
os seus problemas fossem solucionados. Ele deveria se sacrificar. Na consulta, o
cliente deveria deixar um sinal de R$ 50,00 e colocar um cheque com o valor
restante corespondente ao serviço para que este fosse realizado. Após o vídeo, que
durou aproximadamente cinco minutos, o pastor disse que assim como a feitiçaria
exige sacrifícios para o Diabo, da mesma forma era necessário que as pessoas
sacrificassem ao Deus verdadeiro para serem genuinamente abençoadas e libertas.
Para alcançar a benção, o pastor enfatizava a necessidade de se estar com a
disposição de dar tudo. Então ele cita um texto bíblico atribuído ao personagem Davi
que disse “eu não vou dar um sacrifício que não me custe nada”.77 Após citar o
episódio bíblico, o pastor disse à congregação que não sabia quanto seria o sacrifício
que cada pessoa da plateia iria ofertar, mas que deveria ser algo pessoal, entre a
pessoa e Deus, mas que, à semelhança de Davi, deveria custar algo; deveria ser um
verdadeiro sacrifício.
O pastor pediu que as pessoas que já tivessem o envelope da Fogueira Santa,
subissem a escada ao lado do púlpito, com acesso ao mesmo, para passar, com fé,
pela réplica do altar. Ele orientou que quem fosse sacrificar em outros dias, também
77
Trata-se do texto bíblico de 1ª Crônicas 21.24 em que Davi, para apaziguar a ira de Deus sobre ele e
o povo de Israel, decide comprar um terreno para fazer um altar e oferecer animais à divindade. No
entanto, o seu dono, Araúna, deseja dar o terreno de graça ao rei Davi. O rei se nega a ter o terreno
gratuitamente e responde: “Não! Faço questão de pagar o preço justo. Não darei ao SENHOR aquilo
que pertence a você, nem oferecerei um holocausto que não me custe nada”. O holocausto era um tipo
de sacrifício de animais, em que estes eram totalmente queimados e, de acordo com o relato bíblico,
Davi queria ofertar a Deus animais que lhe custassem valores monetários para demonstrar a Deus
arrependimento. No caso da IURD, esse texto foi empregado para, de forma similar ao personagem
bíblico, o fiel demonstrar a Deus que quer agradá-lo ofertando valores que lhe custem.
101
podia subir, mas deveria pegar o envelope. Alguns tocavam no altar demonstrando fé
de que conseguiriam alcançar seus pedidos.
Após as pessoas retornarem aos seus lugares, o pastor pediu para que
levantássemos um objeto trazido de casa que representasse o nosso pedido. Nós
vimos pessoas levantarem fotos, chaves, documentos etc. Em seguida o pastor fez
uma oração e, dentre as suas palavras, ele pedia para as pessoas pronunciarem: “eu
determino a minha vitória e toda a obra do inferno seja desfeita”.
Após essa oração pelos objetos representantes dos pedidos, o pastor chamou
vários obreiros que levavam sacolas para um momento de ofertas. Percebemos que
os obreiros levaram livros. O pastor então fez três momentos de ofertas. Aqueles que
iriam ofertar valores de R$ 10,00 para cima, poderiam depositar as quantias na frente
e receber o livro “Orixás, caboclos e guias” ou “Nos passos de Jesus”, ambos da
autoria de Edir Macedo. Em seguida, aqueles que ofertassem valores de R$ 5,00
receberiam um CD de músicas que são entoadas nas reuniões. Por último, aqueles
que ofertariam de R$ 1,00 a 3,00 poderia levar os valores à frente, mas eles não
receberam nada em troca. Quase todos os presentes foram à frente depositar suas
ofertas.
No final da reunião, que durou cerca de uma hora, o pastor convidou todos os
presentes a irem à frente para receber uma unção com óleo. Um grupo de obreiros
com cálices dourados, repletos de óleo, estava à frente. Então deveríamos receber a
unção. Nós fomos e o obreiro colocou um dedo, untado com óleo, sobre nossa testa,
orando para que recebêssemos a benção de Deus.
102
78
Lembramos também que não existem sinônimos perfeitos.
104
79
É essa perspectiva não essencialista de identidade que empregamos para a elencar as ambíguas e
ambivalentes formações identitárias da IURD nesse trabalho.
80
Na banca de qualificação o Prof. Dr. Heraldo Maués acredita que essa descrição halliana da
perspectiva sociológica/ interativa das formações identitárias parece ser uma idealização do passado: o
que concordamos.
107
81
Sobre a questão da formação identitária numa (pós-)modernidade, os críticos do prefixo “pós” para
designar o nosso tempo podem argumentar que isso não é novidade. A formação identitária sempre foi
fragmentada, mas era pensada como unívoca.
108
82
Relembrando que, no século VI, os cristãos acreditavam que os demônios enganavam os praticantes
das religiões “pagãs” e se identificavam com nomes de divindades gregas (BROWN, 1984, p. 138-
141). Portanto, será que a IURD propõe uma novidade? Conforme observação do Prof. Heraldo
Maués, na banca de qualificação, essa (pós-)modernidade é, na verdade, uma volta às origens com
novas roupagens e nomenclaturas. Como já disse o autor do livro bíblico de Eclesiastes 1.9: “[...] não
há nada novo debaixo do sol”.
111
religiosas. Para Macedo (2000, p. 31) “[...] existem milhares de religiões, igrejas e
seitas e movimentos que reúnem falsas doutrinas ou ensinamentos para confundir
cada vez mais o ser humano”. Toda essa pluralidade de religiões é porque “há uma
ação diabólica neste mundo, criando falsos ensinos para enganar as pessoas”. Por
isso, é emblemática a formação identitária iurdiana a partir do combate a outras
expressões religiosas, principalmente à Igreja Católica, às religiões afro-brasileiras e
espiritualistas, além dos demais grupos evangélicos.
evangélicos são uma seita e por aí vai. Como ter uma opinião diferente?
(TAVOLARO; LEMOS, 2007, p. 229-230)
83
A doutrina conhecida como “Batalha Espiritual” surgiu nos anos 1980, nos EUA, e está relacionada
a “tudo o que se refere à luta dos cristãos contra o Diabo”, sendo um confronto espiritual direto com
os demônios (MARIANO, 2010, p. 137).
84
Ataques a outras religiões não é novidade no Cristianismo. Hillgarth em fez uma extensa pesquisa
mostrando como o Cristianismo “converteu” a Europa Ocidental do Paganismo para o Cristianismo.
Dentre as estratégias utilizadas, Hillgarth ressalta que “a primeira efetiva e geral proibição de toda
114
adoração pagã pelo Estado Romano [...] veio em 391-392”, no reinado de Constantino. Isso requereu
“severa legislação para conduzir o paganismo a cidades subterrâneas”, extirpando-as do espaço
público (HILLGARTH, 1986, p. 2). O autor destaca vários decretos semelhantes que, ao longo da
história, envolveu a proibição de práticas pagãs como os seus rituais, a imolação de animais, além da
destruição de seus templos (HILLGARTH, 1986, p. 49).
115
obreiras levarem a mulher “endemoninhada” para uma sala à parte do templo para
que a libertassem. Ele disse “deem o jeito de vocês! Essa mulher tem que sair daqui
liberta”. Ou seja, o pastor deu a ordem aos obreiros, porque na prática da IURD, que
transforma os exorcismos em espetáculos, existe um Deus maior e lá os demônios
não resistem e têm de sair do corpo das pessoas.
A descrição de Mariano resume bem como tais entidades são tratadas na
IURD:
Como continua existindo adeptos de outras religiões não cristãs, a culpa é dos
próprios evangélicos que não libertam tais pessoas. Nas demais igrejas “tem-se
apresentado um Jesus pobre, opaco e limitado às pessoas”. Também não há a
manifestação de demônios e de curas nessas igrejas. Macedo faz uma afirmação de
que as demais igrejas evangélicas não são verdadeiras, porque “foram os milagres,
ou seja, a demonstração de Seu poder [de Deus], que não somente evidenciaram a
Sua verdadeira identidade, como também levaram as pessoas a crerem nEle [...] é o
PODER que vai caracterizar os verdadeiros discípulos de Jesus”. E se “cada cristão
colocar isso em prática em sua vida [demonstrar o poder de Deus], transformaremos
o mundo num abrir e fechar de olhos” (MACEDO, s.d., p. 137, 139, grifos nossos).
117
85
Na concepção de Macedo, não se está em um nova época. Para ele, a IURD está na trilha da
Reforma Protestante, que na época sofreu perseguições da Igreja Católica por pregar a verdade e o
poder de Deus.
118
aquela água, a fim de que ela se transformasse em fogo dentro da pessoa e que,
quando a pessoa bebesse dela, o “demônio desgraçado” e o mal teriam de sair.
Depois, ele pediu que bebêssemos um gole da água ungida.
O Sr. M.P.J. Souza nos informou que o óleo e o “banho do descarrego”, que é
distribuído entre os presentes, recebe oração dos pastores. Estes elementos passam a
ser sagrados e, ao entrar em contato com o fiel, este recebe a benção de Deus.
Também a água tornou-se “benta” por receber a consagração do óleo feita pelo
obreiro.
É comum a IURD criticar a Igreja Católica de idolatria pelo fato de ter em
seus cultos imagens que representam os seus santos. O episódio do “chute na santa”
foi emblemático nessa crítica. No entanto, é comum a “oração ao pé da cruz”
realizada em cultos da IURD.
86
Mesmo ocorrendo no Japão, nós inserimos essa imagem por retratar bem como funciona a “oração
ao pé da cruz” em várias IURDs do Brasil.
120
metros de altura, como sendo um símbolo de Jesus. No entanto, a IURD não trata
essas ações como idolatria. Antes, a cruz representa Jesus que está no templo para
abençoar os presentes.
todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo
e enxofre, a saber, a segunda morte.” (Apocalipse 21.8). (EM QUE
CREMOS, 2013, grifos nossos).
87
Ressaltamos que tais doutrinas são também aceitas pela ICAR.
125
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Propusemo-nos a identificar e elencar marcas identitárias da IURD “Cenáculo
do Espírito Santo”, no bairro Castanheira, em Belém-PA, no espaço religioso
paraense, em nosso contexto cultural ocidental de (pós-)modernidade e globalização.
A pergunta básica que norteou esta pesquisa foi:
evidente das religiões. Nesse contexto, percebemos que a magia está cada vez mais
entranhada e evidente em várias religiosidades hodiernas como a IURD. Ancorados
em vários pesquisadores procuramos compreender a globalização e suas ressonâncias
para a religião, em especial, sua colaboração para o surgimento de novos
movimentos religiosos, contexto no qual se encontra a IURD.
Após fazer reflexões sobre a (pós-)modernidade e a globalização, abordamos
no terceiro capítulo, características da teologia e práticas iurdianas. Trabalhamos as
origens do pentecostalismo brasileiro utilizando a análise clássica das “ondas”
empreendidas por Freston e Mariano. Fizemos um sucinto percurso panorâmico do
surgimento do neopentecostalismo e da IURD no Brasil, procurando compreender as
teologias e as concepções iurdianas utilizadas.
Trabalhamos as conceituações de Deis Siqueira, Silas Guerriero, Donizete
Rodrigues dentre outros sobre os NMR. Percebemos que, na contemporaneidade, há
um “reencantamento” da sociedade e o surgimento de novas religiosidades com
características que fogem dos moldes das religiões tradicionais de vertente cristã.
Percebemos que a presença da magia é um dos itens presentes e marcantes
nos novos movimentos religiosos. Por isso, ancorados nas contribuições de Marcel
Mauss e Sir James Frazer, elencamos características mágico-religiosas, estreitamente
relacionadas aos NMR, encontradas em rituais da IURD que pesquisamos.
Como implicações dos capítulos dois e três, entendemos que nas sociedades
democráticas ocidentais há a tendência de a hegemonia de uma única religião
fenecer, favorecendo ainda mais o pluralismo religioso. No caso do Brasil, de acordo
com os dados do último Censo do IBGE, Lopes (2012) reconhece que a ICAR tem
decrescido em número de fieis o que “têm flexibilizado as fronteiras e os padrões
sociais das práticas religiosas, e modificado o cenário institucional religioso”.
Assumindo o paradigma de mercado para a análise sociológica da religião,
Pierucci (2012) informa que há expressões religiosas que evidenciam que “a lógica
da esfera econômica colonizou a lógica da esfera religiosa” (PIERUCCI, 2012).
Seguindo esta esteira, podemos atribuir o sucesso da IURD pelo fato de ela, à
semelhança da figura baumaniana dos líquidos, ter assimilado a dinâmica capitalista
em suas práticas e adaptado-se às necessidades dos consumidores religiosos no
espaço religioso belemense. Para Campos (1999, p. 357) esta igreja
88
Ressaltando que lançamos mão da tipologia weberiana para descrever o Protestantismo Histórico,
também considerando a nomenclatura frestoniana da “Primeira onda” para designar o Pentecostalismo
Clássico.
89
Ressaltamos, conforme já mencionamos anteriormente, que elementos da Confissão Positiva podem
ser encontrados em igrejas evangélicas como a IEQ e AD, como processo hodierno de uma
neopentecostalização, ou seja, a influência do Neopentecostalismo em outras vertentes evangélicas
(PANTOJA; COSTA, 2013).
128
ele é uma espécie de divindade. Ele pode decretar e falar para os seus desejos se
concretizarem neste mundo material. Ele é ensinado que pode obter o poder da
divindade que o fará obter seus sonhos. Desta forma, a divinização do indivíduo, é
outra marca que aproxima a IURD de um NMR.
Outra marca que aproxima a IURD dos NMR é a rejeição da doutrina e a
ênfase por instruções mais práticas em seus rituais. Diferentemente do
Protestantismo Histórico e do Pentecostalismo Clássico, observamos que nas
reuniões iurdianas não se estimulava o fiel a abrir a Bíblia, livro sagrado do
Cristianismo. O pastor mencionava alguns versículos bíblicos, sem situá-los em seus
contextos, e passava a palestrar sobre como o fiel poderia conseguir obter sua vitória.
Não vi nenhum fiel levar sua Bíblia aos cultos. Nem o pastor ou nenhum dos
obreiros e obreiras portavam Bíblias. Assim, de acordo com citações já trabalhadas
anteriormente de que a Teologia não é importante e que a doutrina esfria o fiel, a
IURD preocupa-se mais em dar instruções práticas, pois a doutrina é tida como teoria
que não serve para alimentar a fé dos fieis.
Já trabalhamos que o Pentecostalismo está inserido na trilha teológica do
Arminianismo sendo que esta corrente de pensamento enfatiza o livre-arbítrio do ser
humano, crendo que Deus toma a iniciativa de salvá-lo, mas este tem, em cooperação
com Deus, de aceitar o favor divino para ser salvo. Nesse sentido, entendemos que a
IURD também distancia-se do Pentecostalismo Clássico, e consequentemente do
Arminianismo, aproximando-se de uma espécie de ética Semipelagiana. Esta
corrente de pensamento, ao contrário do Arminianismo, entende que a primeira
iniciativa de querer o favor divino para sua salvação vem do ser humano e não da
divindade (MORA, 2004a, p. 2232). Deste modo, semelhantemente, na IURD o ser
humano toma a iniciativa de “manipular” a divindade em prol não da sua salvação,
mas da resolução de seus problemas neste mundo, a fim de obter felicidade e
vitórias.
Diferentemente do Protestantismo Histórico que, contrastando com a ICAR,
enfatiza o acesso universal dos crentes a Deus, a IURD distancia-se desse
Protestantismo, aproximando-se paradoxalmente do Catolicismo, enfatizando uma
sacerdotalização, ou seja, a dependência do fiel às instruções do “homem de Deus” e
a necessidade de estar no templo, o local sagrado, para receber as bênçãos divinas.
Apesar dessa dependência, o fiel é ensinado na IURD a conquistar sozinho seus
direitos e desejos junto à divindade. Ele é livre para cobrar da divindade o que
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além de culpar os demônios das religiões afro pelas doenças e problemas existentes
no mundo.
Para a IURD o fiel tem de conquistar a vitória e derrotar peremptoriamente
Satanás e seus anjos maus que se manifestam nas outras religiões, ou seja, “nos
outros”. Para Macedo
A igreja precisa despertar para essa verdade. Muitos cristãos vivem pedindo
oração porque estão sendo perseguidos pelo diabo. É de estarrecer, porque a
realidade deveria ser outra. Os cristãos é quem devem perseguir os
demônios. Nossa luta é muito mais de combate do que de defesa; devemos
nos armar de toda a armadura de Deus para libertar os oprimidos (s.d., p.
120, grifos nossos).
A vontade de Deus para com o seu povo é a de que ele marche, entre e
possua a Terra [...] é claro que há um preço a pagar; devemos sacrificar,
muitas vezes, nossos bens, nossas posições sociais ou eclesiásticas, nossa
reputação ou até mesmo nossas famílias, mas vale a pena (MACEDO,
s.d., p. 129).
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Clara Mafra estudou a presença da IURD no Brasil e Portugal, fazendo um comparativo de suas
ações nos dois países. Interessante que a IURD posiciona-se ofensivamente para com outras religiões,
mas tanto no Brasil como no exterior, ela apresenta-se como vitima de perseguição pela mídia e por
outras religiões. (MAFRA, 2002, p. 29ss., 63ss.). Giumbelli (2002, p. 319-340) faz um extenso
percurso de acusações, na justiça brasileira, da IURD e Edir Macedo, acusados de “charlatanismo”,
mostrando que, desde essa época, a IURD apela à “liberdade religiosa” e destaca que é um movimento
perseguido. Conforme mencionamos anteriormente, pesquisadores e informantes já nos
transpareceram a atitude defensiva da IURD como estratégia de inserção social.
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Nossa tradução para o conceito do “Blessing-Pact”.
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Não apenas na IURD percebemos a doutrina do “toma lá, dá cá”. Em anos recentes, o polêmico
Pastor Pentecostal da AD Silas Malafaia tem adotado o conceito da “semente da fé”. Em seu site, há
um espaço para o fiel depositar online uma semente de R$ 1.000,00 para ser um campeão da fé, a fim
de receber curas e conquistar vitórias (VOCÊ É UMA CAMPEÃO DA FÉ, 2013).
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Ao retratar o relacionamento entre pastores brasileiros da IURD em terras portuguesas, Mafra
(2002, p. 191) percebe que a relação desses pastores com os fieis de Portugal está sempre “marcado
pela desigualdade:entre especialistas e ‘clientes’. Esse filtro pelo qual as diferenças devem ser
percebidas para que a relação se ajuste na confirmação da posição do pastor. Só assim ele cumprirá o
seu papel de funcionário da IURD”. Tal relação mercadológica pode também ser percebida aqui no
Brasil.
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Heraldo Maués (2000) trata em um artigo sobre técnicas corporais e comenta a universalidade de
expressões religiosas encontradas no movimento de RCC com expressões encontradas na pajelança
indígena e cabocla, catolicismo etc., além de diversas outras tradições e expressões religiosas.
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No dia 09 de dezembro de 2013, tivemos a grata satisfação de ter o projeto intitulado “O sacrifício
encantado: o sacrifício como reciprocidade mágica em rituais de cura na Igreja Universal do Reino de
Deus” aprovado para o Programa de Pós-graduação (Doutorado) em Sociologia e Antropologia da
UFPA. Pretendemos compreender as visões de fieis sobre o sacrifício e sua relação com a magia
presente nas religiosidades amazônicas, utilizando o conceito maussiano da reciprocidade. Essa
pesquisa será empreendida com a hipótese de que a junção de magia e reciprocidade pode nos auxiliar
a compreender o papel do sacrifício nos rituais iurdianos de cura na IURD Belém-PA.
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REFERÊNCIAS
BÍBLIA. Português. Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida / Sociedade Bíblica
Internacional, 2001.
BROWN, Peter. Potentia. In: _____. Le culte des saints: Son essor et as fonction
dans la chrétienté latine. Paris: Les Éditions du Cerf, 1984, p. 137-162.
FRAZER, Sir James. Magia Simpática. In: _____. O ramo de ouro. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1982, p. 34-46.
GUARDINI, Romano. O Fim da Idade Moderna. 12 ed. Lisboa: Edições 70, 2000.
(Coleção “Biblioteca de Filosofia Contemporânea”).
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura e Outros Textos Filosóficos. São Paulo:
Abril Cultural, 1974 (Coleção “Os Pensadores”).
_________. Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios? 17. ed. Rio de Janeiro:
Unipro, 2012.
MORA, J. Ferrater. Dicionário de Filosofia – Tomo III (K-P). 2. ed. São Paulo:
Loyola: 2004a.
PIERUCCI, Antônio Flávio. O fiel é Deus: notas sobre o mercado religioso. Folha
de São Paulo, São Paulo, 17 jun. 2012. Ilustríssima. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/ fsp/ilustrissima/49211-o-fiel-e-deus.shtml>. Acesso
em: 21 jun. 2012.
The SCOFIELD Study Bible. English. New King James Version. New York: Oxford
University Press, 2002.
THE LOVE SCHOOL chega a Belém do Pará. Arca Universal. Disponível em:
<http://www.arcauniversal.com/noticias/brasil/noticias/the-love-school-chega-a-
belem-do-para-14780.html>. Acesso em: Acesso em: 10 jun. 2013.
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Entrevistas
Consentimento Pós–Informação
Eu,___________________________________________________________, fui
informado sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha colaboração,
e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto, sabendo que não
vou ganhar nada e que posso sair quando quiser.
_____________________________
Data: _____/ ______/ __________
Assinatura do(a) participante