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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

SAMUEL MARQUES CAMPOS

A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS


NA “MODERNIDADE LÍQUIDA”:
MARCAS IDENTITÁRIAS DA IURD NA (PÓS-)MODERNIDADE

Belém
2014
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

SAMUEL MARQUES CAMPOS

A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS


NA “MODERNIDADE LÍQUIDA”:
MARCAS IDENTITÁRIAS DA IURD NA (PÓS-)MODERNIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências da Religião da
Universidade do Estado do Pará, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Ciências da Religião.

Orientador: Dr. Saulo de Tarso Cerqueira


Baptista.

BELÉM
2014
AGRADECIMENTOS

Mesmo reconhecendo que o empreendimento acadêmico nas Ciências da Religião tem de


partir de uma postura metodológica agnóstica, como expressão da minha fé, agradeço a Deus
por sustentar-me e ajudar-me nesta empreitada acadêmica.

Aos meus pais, Amauri e Elizama, pelo grande esforço em me dar a melhor formação
possível, pelo exemplo que são, pela paciência comigo nos períodos de estresse e pelo amor
incondicional sempre demonstrado a mim. Amo muito vocês!

Ao meu irmão Daniel, pelo apoio, compreensão e constante incentivo durante o período do
mestrado.

À Universidade do Estado do Pará por colaborar com a minha formação.

À Igreja Cristã Evangélica do Marco, ao Rev. Esp. Roberto Manso e Rev. Elionias Brelaz
pelo apoio, constante incentivo e compreensão durante o processo do mestrado.

Ao Prof. Dr. Saulo Baptista, pela orientação segura, precisa, clara, competente, paciente e
empenhada. Também agradeço as indicações e empréstimos de livros. Mais que um
orientador, ganhei um amigo!

Ao Prof. Dr. Heraldo Maués por todo o apoio e orientação, pelas indicações e empréstimos de
livros.

À Profª. Teresa, esposa do Dr. Saulo Baptista, por indicar-me informantes, ajudando-me,
assim, a entrevistar fieis da IURD.

À Profª. Esp. Gabriela Campos por gentilmente emprestar-me livros e ajudar-me desde o
início do mestrado com sua presteza.

Aos professores Dr. Manoel de Moraes (coordenador do PPGCR-UEPA), Me. Élcio


Sant’Anna (doutorando) e Dr. Gustavo Soldati pelas conversas, constante apoio e/ou pelas
valiosas sugestões que muito ajudaram no aprimoramento desta dissertação.

Aos Rev. Prof. Dr. D. B. Riker, Rev. Prof. Me. José Carlos (doutorando) e Rev. Prof. Esp.
Josué Lima pelo constante apoio, incentivo e orações por mim no decorrer da pesquisa.

Aos fieis da Igreja Universal que gentilmente colaboraram com esta pesquisa.

Aos colegas de Mestrado, pela caminhada e compartilhamento. Aprendi muito com as


diferenças e com os constantes diálogos e discussões sadias em sala de aula. Agradeço a
todos, em especial, aos colegas Manoel Roberto, Daniel Lucas, Rosinda, José Luiz, Cláudio
Lísias, Marcos Alexandre e Maria das Dores pelas conversas e constante incentivo mútuo.
Que Deus abençoe ricamente todos vocês

A todo o corpo docente do PPGCR-UEPA pois, com suas experiências, indicações e


sugestões contribuíram bastante para a minha formação acadêmica e conclusão de mais essa
etapa acadêmica.

A todos os funcionários da UEPA, em especial ao Alan e a Andreia, da secretaria do PPGCR-


UEPA, pela presteza e gentileza no atendimento.

A todos os componentes do Grupo de pesquisa MICEA (Movimentos, Instituições e Culturas


Evangélicas da Amazônia), liderados pelo Prof. Dr. Saulo Baptista, pelas sugestões feitas a
esse projeto, pelas indicações de leituras e pelas discussões nas reuniões que me ajudaram
bastante a aprimorar este trabalho.

Agradeço aos membros da banca examinadora pela disponibilidade de ler e avaliar este
trabalho e pelas valiosas sugestões e críticas: Professores Dr. Raymundo Heraldo Maués, Dr.
Manoel Ribeiro de Moraes Junior e Dr. Saulo de Tarso Cerqueira Baptista.

A todos os que direta ou indiretamente ajudaram-me a completar mais esta etapa da minha
vida acadêmica.

Soli Deo Gloria!


RESUMO

Esta dissertação identifica e elenca marcas na formação identitária da IURD no contexto


(pós-)moderno e globalizante no espaço religioso paraense. Para atingir o objetivo, este
trabalho identifica elementos que foram julgados importantes na constituição e formação
identitária da IURD Belém nestes tempos líquidos através das informações bibliográficas, de
entrevistas feitas com fieis e das observações empreendidas. Utiliza como fio condutor a
análise sociológica da (pós-)modernidade feita especialmente por Zygmunt Bauman, que
utiliza a nomenclatura da “modernidade líquida”, para destacar as características de
adaptabilidade da IURD aos tempos atuais, além do conceito filosófico de Jacques Derrida da
differánce para ajudar no levantamento de marcas na constituição identitária desta igreja no
contexto religioso paraense. Constata que a IURD Belém possui ambiguidades nesta
formação, pois há momentos em que a IURD ressalta veementemente sua diferença em
relação a Igreja Católica, religiões Afro-brasileiras e Espíritas, além das Igrejas Evangélicas,
enfatizando sua superioridade e demonizando seus concorrentes religiosos mas,
paradoxalmente, há ocasiões em que há tentativas de “aproximação” da IURD com as
religiosidades que ela mesma critica, ora identificando-se com elas, ora empregando
elementos dessas religiosidades em seus cultos. A conclusão deste trabalho constata esse
caráter ambivalente na formação identitária iurdiana. A presença de elementos mágicos
oriundos do Catolicismo e de religiões Afro-brasileiras, além da ênfase na autonomia dos
fieis e no desprezo da doutrina faz dela um movimento que se distancia do Protestantismo
Histórico e do Pentecostalismo Clássico aproximando-se de um Novo Movimento Religioso.

Palavras-chave: IURD. (Pós-)modernidade. Globalização. Novos Movimentos Religiosos.


Identidade. Diferença. Tradução.
ABSTRACT

This dissertation identifies and lists some marks in the identity formation of the Universal
Church of the Kingdom of God (UCKG) in the actual (post-)modern and globalizing context,
in the religious space in Belém, Pará. To achieve the objective, this work identifies important
elements in the constitution and identity formation of the UCKG of Belém, through the
bibliographic information, interviews and observations. It used the sociological analysis of
(post) modernity of Zygmunt Bauman and the philosophical concept of Jacques Derrida’s
differance. These notions will be used to identify some elements of identity constitution of
this church. Notes that the UCKG Belém has ambiguities in its formation, because there are
times when the UCKG strongly emphasizes its difference around the Catholic Church, the
Afro-Brazilian religions and Spiritualists, besides the Evangelical Churches, emphasizing
their superiority and demonizing their religious competitors but, paradoxically, there are
occasions when the Universal Church attempts to “approach” to religiosity that she criticizes,
sometimes identifying with them sometimes using elements of them. The conclusion of this
work notes the ambivalent character in identity formation of UCKG. The presence of magical
elements derived from Catholicism and Afro-Brazilian religions, besides the emphasis on the
autonomy of the faithful and in contempt of the doctrine makes the UCKG is a movement
different of Historical Protestantism and Classical Pentecostalism. It approaches a New
Religious Movement.

Word-keys: UCKG. (Post-)modernity. Globalization. New Religious Movements. Identity.


Difference. Translation.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – O Bispo Sérgio Correa no altar dando instruções ao povo .....................................75

Figura 2 – Envelope do sacrifício ............................................................................................77

Figura 3 – Fachada do templo sede da IURD Belém ...............................................................94

Figura 4 – Vigília do Resgate III, em Belém ...........................................................................95

Figura 5 – “The Love School” chega a Belém do Pará ............................................................96

Figura 6 – Grande cruz em um culto na IURD Japão ............................................................119

Figura 7 – Pastores e obreiros fazendo oração ao pé da cruz na IURD Japão .......................120

Figura 8 – Protestant Branches (Ramos Protestantes) ..........................................................144


LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E EXPRESSÕES

AD – Igreja Evangélica Assembleia de Deus

BPC – Igreja O Brasil para Cristo

CBB – Convenção Batista Brasileira

CBN – Convenção Batista Nacional

CCB – Congregação Cristã do Brasil

CCSE – Centro de Ciências Sociais e Educação da UEPA

FATEBE – Faculdade Teológica Batista Equatorial

NMR – Novo(s) Movimento(s) Religioso(s)

ICAR – Igreja Católica Apostólica Romana

IEQ – Igreja do Evangelho Quadrangular

IIGD – Igreja Internacional da Graça de Deus

IMPD – Igreja Mundial do Poder de Deus

IPDA – Igreja Pentecostal Deus é Amor

IURD – Igreja Universal do Reino de Deus

Iurdiano(a) – Expressão relativa à Igreja Universal do Reino de Deus

PPGCR – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UEPA

RCC – Renovação Carismática Católica

ss. – Páginas seguintes

STBE – Seminário Teológico Batista Equatorial

TV – Televisor, Televisão

UEPA – Universidade do Estado do Pará

UFPA – Universidade Federal do Pará


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 12
1.1 OBJETIVOS ........................................................................................................... 15
1.1.1 Objetivo Geral ....................................................................................................... 15
1.1.2 Objetivos Específicos ............................................................................................ 15
1.2 ITINERÁRIO DA PESQUISA ............................................................................... 19
1.3 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO...................................................................... 21

2 (PÓS-)MODERNIDADE E GLOBALIZAÇÃO:
DESENCADEAMENTO DE NOVOS MOVIMENTOS
RELIGIOSOS NA MODERNIDADE LÍQUIDA ................................... 24
2.1 A MODERNIDADE E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS .................... 25
2.1.1 Renascimento como período transicional para a Modernidade ....................... 25
2.1.2 Iluminismo e Modernidade: a razão como balizadora da sociedade ............... 26
2.1.3 Desilusões e crises da Modernidade .................................................................... 28
2.2 (PÓS-)MODERNIDADE?: REFLEXÕES TERMINOLÓGICAS SOBRE O
NOSSO ATUAL TEMPO ...................................................................................... 30
2.3 A (PÓS-)MODERNIDADE: UM PANORAMA NAS VISÕES DE
JEAN-FRANÇOIS LYOTARD, GIANNI VATTIMO, FREDRIC JAMESON
E ZYGMUNT BAUMAN ...................................................................................... 31
2.3.1 A condição (pós-)moderna em Jean-françois Lyotard ...................................... 31
2.3.1.1 O fim das meta-narrativas e os jogos de linguagem ............................................... 32
2.3.1.2 O pluralismo e a defesa do inclusivismo ................................................................ 33
2.3.2 A cultura (pós-)moderna em Gianni Vattimo .................................................... 35
2.3.2.1 A (pós-)modernidade e as contribuições heideggerianas e nietzschianas............... 35
2.3.3 A virada cultural em Fredric Jameson ............................................................... 38
2.3.3.1 O (pós-)modernismo e a sociedade de consumo..................................................... 38
2.3.3.2 O (pós-)modernismo e sua relação com o marxismo.............................................. 39
2.3.3.3 Relação da cultura e o capital financeiro do capitalismo hodierno......................... 40
2.3.4 A “modernidade líquida” em Zygmunt Bauman............................................... 42
2.3.4.1 Individualismo e consumismo da Modernidade em fluidez ................................... 43
2.3.5 Considerações sobre a (pós-)modernidade ......................................................... 45
2.4 GLOBALIZAÇÃO E SUAS RESSONÂNCIAS NA RELIGIÃO:
TERRENO PROPÍCIO PARA O SURGIMENTO DE NOVOS
MOVIMENTOS RELIGIOSOS ............................................................................. 47
2.4.1 A globalização e suas definições .......................................................................... 47
2.4.2 Globalização e pluralismo: adaptação da religião em tempos líquidos –
a “volta” da magia ................................................................................................ 51
2.4.3 Globalização e religião: os novos movimentos religiosos .................................. 53

3 A IURD COMO UM NOVO MOVIMENTO RELIGIOSO NA


(PÓS-) MODERNIDADE .......................................................................... 57
3.1 AS TRÊS ONDAS DO PENTECOSTALISMO .................................................... 57
3.2 MADE IN BRAZIL: SUCINTO HISTÓRICO DA IURD ....................................... 59
3.3 ÊNFASES (NEO)PENTECOSTAIS ...................................................................... 60
3.3.1 Ênfases pentecostais.............................................................................................. 61
3.3.1.1 Visão dispensacionalista da história ....................................................................... 61
3.3.1.2 O destino de cada indivíduo depende de sua fidelidade ......................................... 63
3.3.1.3 Santificação e batismo com o Espírito Santo: glossolalia ...................................... 65
3.3.1.4 Escatologia futura e transcendente ......................................................................... 67
3.3.2 Ênfases neopentecostais........................................................................................ 67
3.3.2.1 O povo de Deus tem de viver em Batalha Espiritual, pois o mundo é habitado
por seres malignos .................................................................................................. 68
3.3.2.2 A vida do cristão é medida pelo sacrifício. ............................................................. 70
3.3.2.2.1 Componentes do sacrifício..................................................................................... 71
3.3.2.2.2 Tipos de sacrifício .................................................................................................. 72
3.3.2.2.3 Atores do sacrifício ................................................................................................ 73
3.3.2.2.4 O local do sacrifício .............................................................................................. 74
3.3.2.2.5 Preparações para o sacrifício ............................................................................... 75
3.3.2.2.6 Os benefícios do sacrifício ..................................................................................... 78
3.3.2.3 A plenitude da vida cristã está na vida de saúde e sucesso permanente ................. 79
3.3.2.4 Escatologia presente e imanente ............................................................................. 81
3.4 FATORES QUE FACILITAM A INFLUÊNCIA DA IURD NA SOCIEDADE
BRASILEIRA ........................................................................................................................ 83
3.5 A IURD NA TRILHA DOS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS
CONTEMPORÂNEOS .......................................................................................................... 85
3.5.1 A presença da magia na IURD ............................................................................ 86
3.5.1.1 A magia simpática homeopática na IURD.............................................................. 87
3.5.1.2 A magia simpática por contágio na IURD .............................................................. 88
3.5.2 A noção de demônios ............................................................................................ 92
3.5.3 Elementos mágicos em um ritual iurdiano: descrição de um culto .................. 92
3.5.3.1 Observações sobre o templo ................................................................................... 93
3.5.3.2 A reunião em si ....................................................................................................... 96

4 IDENTIDADE IURDIANA EM TEMPOS LÍQUIDOS:


QUESTÕES SOBRE “DIFERENÇA” E “TRADUÇÃO”
NA FORMAÇÃO IDENTITÁRIA DA IURD ....................................... 102
4.1 O CONCEITO DERRIDIANO DA DIFFÉRANCE ............................................ 102
4.2 REFLEXÕES SOBRE A IDENTIDADE NOS TEMPOS “LÍQUIDOS” DA
GLOBALIZAÇÃO ............................................................................................... 104
4.2.1 Efeitos da globalização na construção da identidade ...................................... 104
4.2.1.1 O que é identidade? .............................................................................................. 105
4.2.1.2 A identidade nos tempos líquidos da globalização ............................................... 107
4.3 OBSERVAÇÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA IURDIANA..... 109
4.3.1 Construção da identidade iurdiana em torno da “diferença” ........................ 110
4.3.1.1 Ataques à Igreja Católica ...................................................................................... 111
4.3.1.2 Ataques às Religiões Afro-brasileiras e ao Espiritismo ........................................ 112
4.3.1.3 Ataques às Igrejas Evangélicas ............................................................................. 115
4.3.2 A tradução na construção identitária iurdiana ................................................ 117
4.3.2.1 Semelhanças com a Igreja Católica ...................................................................... 118
4.3.2.2 Semelhanças com as Religiões Afro-brasileiras e Espíritas ................................. 121
4.3.2.3 Semelhanças com as Igrejas Evangélicas ............................................................. 122

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 125

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 135

ANEXO A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO . 143

APÊNDICE A – ALGUNS RAMOS DO PROTESTANTISMO ....................... 144


12

1 INTRODUÇÃO
A IURD é um importante movimento religioso em âmbito nacional e
internacional, tendo também grande destaque em nosso rico e plural contexto
religioso amazônico. Cientes deste fato, nos propomos a identificar e elencar marcas
que julgamos importantes na formação identitária da IURD.
A identidade tem relação com a forma de representação de uma pessoa ou de
um grupo. Por isso, nos propomos a trabalhar como esta igreja se identifica e se
posiciona no rico contexto religioso paraense.
Desta forma, é importante precisar o objeto investigado. Entrevistamos fieis
do “Cenáculo do Espírito Santo”, a sede da IURD no bairro Castanheira em Belém
do Pará. Nesta igreja também realizamos observações. O período da pesquisa ocorreu
em etapas paralelas nos anos de 2012 e 2013 constando de entrevistas, observações
etnográficas e pesquisa bibliográfica.
Trabalhamos os estudos de cientistas que abordam perspectivas filosóficas,
sociológicas e históricas acerca da atual época e destacamos o sociólogo polonês
Zygmunt Bauman (2001, 2007, 2008), que é considerado por alguns como o “profeta
da pós-modernidade” (PALLARES-BURKE, 2004; PAEGLE; MARANHÃO
FILHO, 2011). Aplicamos os estudos desse sociólogo à IURD.
Silva Jr. (2011), por exemplo, utilizou a figura de Bauman da liquidez dos
atuais tempos aplicando-a às igrejas neopentecostais. Ele afirma que o
neopentecostalismo rompeu com o cristianismo evangélico tradicional e pentecostal
clássico, mostrando-se “antenado” às leis do “mercado religioso”. Neste caso, a
metáfora baumaniana é utilizada para destacar o distanciamento neopentecostal da
tradição evangélica tradicional e do Pentecostalismo Clássico.
Sabendo do caráter adaptativo da IURD, nos utilizamos também das
categorias da “diferença” e “tradução”, propostas por Stuart Hall (2011) e por
Woodard (2012), para estudar esta igreja. Por trás desses termos está o conceito da
différance criado pelo filósofo argelino Jacques Derrida. Essa palavra é um
neologismo francês que destaca dois aspectos: différer (diferir) e différence
(diferença) (BARBOSA, 2012; ARMANI, 2011).
13

O pano de fundo básico da différance derridiana, aplicada por Hall e


Woodard, sugere a ambiguidade envolvida nas construções identitárias da (pós-)
modernidade. Por isso, empregamos este conceito para compreender o caráter
ambíguo / ambivalente da construção identitária da IURD no rico contexto
amazônico.
Através de observações de cultos disponibilizados pela mídia, de conversas
com pessoas ligadas à IURD, das nossas visitas a cultos iurdianos, além do acesso a
obras da própria liderança do movimento, percebemos que a IURD assume-se como
uma igreja que, à semelhança dos grupos classificados como “evangélicos”, acredita
em um único Deus e na Bíblia como norma para a vida de seus fieis. Apesar dessa
identificação, a IURD se assume como a igreja evangélica mais poderosa e a que
mais liberta as pessoas da influência dos demônios, além de atacar a Igreja Católica e
as religiões afro-brasileiras e espíritas, por exemplo.
Verificamos, também, a presença de elementos de várias vertentes religiosas
em cultos e nas crenças da IURD que evidenciam que esta igreja assume contornos
dos novos movimentos religiosos com características mágico-religiosas.1 Ela critica
várias religiões, mas ao mesmo tempo, lança mão de elementos dessas mesmas
religiosidades que ataca, dando-lhes, no entanto, uma nova roupagem.
Estas observações nos deram suporte para estudarmos mais a fundo aspectos
da complexa formação identitária da IURD na plural região amazônica marcada por
uma diversidade de expressões religiosas peculiares.
O nosso objeto de estudo consiste na identificação de marcas identitárias da
IURD na modernidade em fluidez e transformações constantes que estamos vivendo.
Para atingirmos os nossos objetivos, nos propomos a fazer observações etnográficas,
entrevistas com fieis e analisar os discursos desses fieis iurdianos, para compreender
melhor como, na modernidade líquida, a IURD transita entre religiosidades tão
peculiares em nosso contexto amazônico e constrói de forma criativa sua identidade
religiosa.

1
Toda religião tem sua carga de magia. Desta forma, a presença da magia não está presente apenas na
IURD, mas também em outros movimentos (neo)pentecostais como AD e IEQ. Destacamos o trabalho
de Rothe (1998) que trabalha sobre a presença da magia na IEQ de Belém, Pará. Também ressaltamos
o trabalho de Delgado (2008) e Pantoja e Costa (2013) que encontram elementos neopentecostais em
rituais da AD. Temos consciência desses trabalhos, no entanto, acreditamos que a IURD emprega de
maneira muito marcante inúmeros elementos mágicos em seus rituais.
14

Uma pergunta norteadora desta pesquisa é: como a IURD se identifica e se


posiciona no complexo contexto religioso paraense (pós-)moderno? Como respostas
provisórias a esta pergunta propomos as seguintes hipóteses:
• No contexto de globalização a IURD aparece no cenário religioso brasileiro
como um NMR que, ao mesmo tempo em que adota práticas da teologia da
prosperidade, também lança mão de elementos de diversas religiosidades
(afro-brasileiras, espíritas, dentre outras) e da magia, redefinindo, assim,
crenças e práticas de tradição protestante histórica e pentecostal clássica.
• Nos tempos (pós-)modernos, a IURD, em especial a belemense, forma sua
identidade de forma criativa em consonância à época hodierna de
adaptabilidade, apesar de esta não ser uma prática nova no âmbito das
religiosidades.

A religião ou as “religiosidades”,2 como prefere Siqueira (2002), apresenta-se


de diversas formas no atual contexto (pós-)moderno globalizado. O Brasil é um país
muito religioso e a religião ainda possui papel importante na definição da vida das
pessoas, das instituições e da política. No entanto, o Brasil está ficando cada vez
mais urbano e globalizado e tem gradativamente recebido as ressonâncias do
processo de secularização.
Apesar de o monopólio das instituições religiosas tradicionais se arrefecer,
não há a perda e/ou extinção da religião. Pelo contrário, no cenário brasileiro, em
especial o amazônico, encontramos terreno fértil para o surgimento e crescimento de
novas religiosidades, como a IURD.
O nosso interesse pelo neopentecostalismo, em especial pela IURD, que é o
principal representante brasileiro do movimento, é oriundo de cursos teológicos
feitos desde 2005 que nos permitiram ter contato com professores e realizar
discussões sobre a influência da época contemporânea no discurso religioso, em
especial, nas prédicas protestantes e na forma como os fiéis recepcionam as
pregações de seus líderes religiosos.
As diversas reflexões feitas sobre a (pós-)modernidade, globalização e os
tempos atuais e suas influências nas religiões, instigaram-nos a pesquisar mais a

2
Siqueira cita Parker (1997, p. 143 apud SIQUEIRA, 2002, p. 178) que entende que o termo
“religiosidades” parece ser mais adequado que “religião”. A “religião” não pode ser identificada com
Igreja ou religião institucionalizada. Antes, é preferível o emprego das “religiosidades” que são
crenças, ritos e práticas “afrouxadas as amarras institucionais” em um contexto secularizado.
15

fundo a IURD, que tem grande destaque na mídia e instiga leigos e acadêmicos por
seu discurso feroz e incisivo.
A produção científica acerca da IURD, apesar de sempre crescente, ainda é
relativamente escassa, em especial no contexto amazônico paraense. Também não
encontramos dissertações e/ou teses que procurassem ler a IURD na perspectiva
baumaniana que aplicasse a metáfora dos líquidos nem o emprego da differance de
Derrida para lançar luz sobre a formação identitária iurdiana no contexto nortista do
Brasil. É nessa lacuna que damos nossa contribuição para o estudo do
neopentecostalismo amazônico, em especial, à IURD.
O diferencial da proposta é lançar mão da perspectiva de Bauman e de
Derrida para fazer uma leitura de marcas na identidade iurdiana. Assim, ao se utilizar
as ideias baumanianas e derridianas, pensamos que a figura dos líquidos e da
ambivalência da differance são adequados para melhor compreender a adaptabilidade
iurdiana ao atual contexto social, cultural e religioso do Brasil.
De forma específica no contexto amazônico, averiguamos marcas dessa
adaptabilidade religiosa na formação identitária nos cultos da sua sede no bairro
Castanheira, Belém/PA. Desta forma, defendemos que a IURD, distanciando-se do
Protestantismo Histórico3 e do Pentecostalismo Clássico, aproxima-se de um NMR.

1.1 OBJETIVOS

1.1.1 Objetivo Geral


Identificar as principais marcas da identidade da IURD na (pós-)modernidade
no espaço religioso paraense.

1.1.2 Objetivos Específicos


a) Compreender os conceitos de “(pós-)modernidade” e “globalização”, bem
como as suas ressonâncias e contribuições para o surgimento de novos

3
Empregando os recursos dos tipos ideais, entendemos o “Protestantismo Histórico” como parte do
Protestantismo conhecido como “Tradicional” que acredita basicamente na justificação pela graça
mediante a fé somente, o sacerdócio de todos os crentes e a Bíblia como única regra em matéria de fé
e prática. Reconhecemos que dentro das igrejas tradicionais há várias diferenças teológicas e/ou
eclesiológicas. Mesmo assim, empregaremos a nomenclatura “Protestantismo Histórico” para
englobar esse grupo. Nesse sentido, citamos, como exemplo, o trabalho de Pantoja e Costa (2013) que
detectaram um processo de neopentecostalização na AD e também em igrejas tradicionais.
Reconhecendo essas diferenças, exibimos no Apêndice A um gráfico que retrata o número distinto de
denominações Protestantes desde a época da Reforma indicando diferenças nesse meio religioso.
16

movimentos religiosos no mundo Ocidental, especialmente na região Norte


do Brasil;
b) Analisar as origens, teologias e práticas da IURD como indicadores de um
novo movimento religioso no contexto (pós-)moderno brasileiro;
c) Identificar elementos na constituição e formação identitária da IURD Belém
nestes tempos líquidos através das informações dos fieis e das observações
empreendidas.

Devido às peculiaridades e complexidades das diversas religiosidades no


contexto brasileiro e amazônico, lançamos mão de estratégias e metodologias para se
tentar compreender o fenômeno religioso que pretendemos pesquisar.
Para atingir os objetivos propostos nesse projeto, trabalhamos pesquisas de
cunho bibliográfico, observações etnográficas e entrevistas. O percurso
metodológico que trilhamos está definido a seguir.
Na pesquisa bibliográfica fizemos um levantamento de material pertinente à
atual época, além de reflexões sobre identidade e ao neopentecostalismo, em
especial, à IURD. Nesse sentido pesquisamos obras produzidas pela própria IURD,
através de suas literaturas (MACEDO, 1998, 1999, 2000, 2001, 2008; PANCEIRO,
2002; TAVOLARO; LEMOS, 2007), além de livros e artigos com uma visão externa
sobre o movimento (livros, artigos e jornais não religiosos) (CAMPOS, 1999, 2002,
2005; ROMEIRO, 2005, 2006, 2007; BLEDSOE, 2012; MARIANO, 2010).
Bibliotecas, revistas científicas, teses e dissertações foram majoritariamente
consultadas, dentre as quais encontram-se:
• Bibliotecas
o Biblioteca da CCSE da Universidade do Estado do Pará (UEPA);
o Biblioteca Central da Universidade Federal do Pará (UFPA);
o Biblioteca “Memorial John S. Oliver” da Faculdade Teológica
Batista Equatorial (FATEBE);
• Artigos em revistas científicas
o Revistas científicas como “Estudos da Religião” da UMESP,
“Ciências da Religião: História e Sociedade” da UPM, “Revista de
Estudos da Religião – REVER” da PUC-SP, “Revista Religião e
Sociedade” do ISER – Instituto de Estudos da Religião, “Ciências
Sociais e Religião” dentre outros;
17

• Teses, dissertações e periódicos


o Periódicos, teses e dissertações foram também consultados, tais
como os disponibilizados pelos portais SCIELO, Periódicos /
CAPES e Domínio Público que proveem artigos, dissertações e
teses que permitem constatar o andamento das pesquisas na área.

Para consultar artigos e fazer aquisições de livros, a internet foi outra fonte
que pesquisamos. Consultamos sites de editoras para se encontrar referências a livros
que abordem o tema.4 Consultamos também sites de universidades, faculdades e
revistas científicas das Ciências da Religião e áreas afins para a provisão de material
suplementar à pesquisa.
Com o intuito de identificar constituintes de identidade iurdiana em torno da
“tradução” e “diferença”, além de elementos mágicos representativos dos novos
movimentos religiosos, utilizamos a observação participante. A razão da escolha
desse método é o fato de a IURD, conforme observação de Campos (1999, p. 364),
Bledsoe (2012), Mafra (2002, p. 29ss., 63ss.) e dos nossos entrevistados M.C.N.S.
Santos (2012) e M.J.P. Souza (2013), passar a imagem de movimento perseguido
pela mídia e por adversários, sendo, desta forma, difícil à obtenção eficaz de
informações através de outros métodos como entrevistas ou questionários. Tais
metodologias foram, sim, utilizadas para fins de complementação das informações
advindas das observações.
A observação é uma técnica que utiliza os sentidos para obtenção adicional de
informações. Este tipo de avaliação é relevante para se “obter [dados] a respeito de
objetivos sobre os quais os indivíduos não têm consciência, mas que [podem
orientar] o seu comportamento” (MARCONI; LAKATOS, 2008, p. 76).
As observações empreendidas foram ancoradas nas contribuições do clássico
Malinowski (1978), de Geertz (2008) que trabalha sobre como fazer uma boa
descrição etnográfica (descrição densa), levando-se em conta que os dados obtidos
passam pelo elo da significação e implica em interpretação. Também lançamos mão
dos estudos de Roberto Cardoso de Oliveira (2000) que trabalha a importância do
“olhar” e do “ouvir”, que devem ser treinados para a percepção do fenômeno no

4
A Editora Jorge Zahar, por exemplo, tem publicado a maioria das obras de Zygmunt Bauman (cf.
http://www.zahar.com.br).
18

trabalho de campo, além da relevância do ato de “escrever” como mecanismo


importante de reflexão que dá a configuração final do trabalho antropológico.
Adicionalmente e como complementação às observações, buscamos obter a
percepção de fieis e contribuições de ex-fieis da IURD através de entrevistas.
Ressaltamos que, por orientação da cúpula da IURD, é difícil a obtenção de
entrevistas com fieis e com a liderança iurdiana para fins acadêmicos. No entanto,
mesmo sabendo ser difícil, conseguimos realizar três entrevistas.5
Estamos cientes de que pode haver objeções de que três entrevistas podem
não ser suficientes para a obtenção de dados suficientes para esta pesquisa.
Refletindo sobre a quantidade de pessoas que devem ser utilizadas na pesquisa
qualitativa, Duarte reflete:

a definição de critérios segundo os quais serão selecionados os sujeitos que


vão compor o universo de investigação é algo primordial, pois interfere
diretamente na qualidade das informações a partir das quais será possível
construir a análise e chegar à compreensão mais ampla do problema
delineado (2002, p. 141).

Mais adiante, Duarte (2002, p. 143) reconhece que “numa metodologia de


base qualitativa o número de sujeitos que virão a compor o quadro das entrevistas
dificilmente pode ser determinado a priori – tudo depende da qualidade das
informações obtidas em cada depoimento”.
Assim, como as entrevistas serão utilizadas como complementação às
observações etnográficas, este número foi, em nossa visão, adequado para os
propósitos desta pesquisa.
Realizamos uma entrevista com a Srª M. C. N. S. Santos (2012), professora,
62 anos, pois conhecemos pessoalmente a sua filha. Mesmo assim, tivemos de
esperar algumas semanas para que a filha a convencesse de que queríamos conversar
apenas para fins acadêmicos. Após esse período ela gentilmente nos recebeu em sua
casa, no bairro Castanheira. Ela mora em uma vila que possui um conjunto de
apartamentos. Na época, ela morava com sua filha e fomos atendidos na sua sala. O
ambiente pareceu-nos ser de uma família de classe média.
Também entrevistamos o Sr. M. J. P. Souza (2013), pintor, 50 anos, por
indicação da esposa do nosso orientador, Dr. Saulo Baptista. Neste caso, não tivemos
nenhuma objeção da parte do entrevistado, pois o mesmo colaborou bastante para

5
Conseguimos marcar entrevistas através de indicações de conhecidos nossos. Através dessas
referências pessoais, conseguimos entrevistar três pessoas.
19

esta pesquisa. Inclusive, a sua filha, C.S. Souza (2013), empregada doméstica, 23
anos, que já pertenceu à IURD e foi bastante ativa, mas atualmente está afastada há
um ano, nos forneceu informações valiosas. Eles nos receberam de forma simpática
em sua simples casa, de madeira, no bairro Mangueirão. No cômodo em que fomos
recebidos havia uma cama de casal e um televisor ligado. Quando começamos a
entrevista o Sr. M. J. P. Souza (2013) pediu que sua filha desligasse a TV para que
tivéssemos uma conversa tranquila.
Diante do exposto, assumimos que as três entrevistas foram suficientes para
os propósitos desta pesquisa, mesmo reconhecendo, conforme já ressaltamos, que
esta análise é preliminar e poderá ser aprimorada à medida que novas informações
forem adquiridas em outros projetos futuros.
As reflexões de Rosália Duarte (2002) foram importantes no estabelecimento
de parâmetros e estratégias para a realização de tais entrevistas para captar, além das
informações oriundas das observações, a visão de pessoas ligadas ou que já
estiveram associadas ao movimento.

1.2 ITINERÁRIO DA PESQUISA


Nossa formação acadêmica abrange um Bacharelado em Ciência da
Computação obtido na Universidade Federal do Pará (UFPA) em 2005. Em seguida,
fizemos uma Pós-Graduação lato sensu em Teologia Bíblica (curso livre) pelo
Seminário Teológico Batista Equatorial (STBE), que é mantenedor da Faculdade
Teológica Batista Equatorial (FATEBE), no ano de 2006. Em 2010 concluímos o
Mestrado em Teologia (curso livre) pelo STBE / FATEBE. Em 2012, após o ingresso
na Pós-Graduação em Ciências da Religião da UEPA (PPGCR-UEPA), fizemos uma
Pós-Graduação lato sensu em Ciências da Religião pela FATEBE.
Os cursos supracitados permitiram-nos ter contato com professores como, por
exemplo, o Prof. Dr. Darlyson Feitosa (http://lattes.cnpq.br/5836442949646574),
doutor em Ciências da Religião e o Prof. Me. José Carlos Costa
(http://lattes.cnpq.br/7512520112762768), doutorando em Ciências da Religião,
ambos pela PUC-Goiás. O Prof. Feitosa ministrou uma disciplina no mestrado
intitulada “Homilética Contemporânea”, em que foram abordados os aspectos
socioculturais de nossa época multicultural (e que Bauman utiliza a feliz expressão
“modernidade em fluidez” ou “modernidade líquida”) no discurso religioso, em
20

especial, nas prédicas protestantes e na forma como os ouvintes recepcionam as


homilias de seus líderes religiosos. Já o Prof. José Carlos, meu orientador no referido
mestrado, ministrou duas disciplinas, “Profetismo Veterotestamentário” e “Influência
do Profetismo na Vida e Ensino de Jesus”. Nelas trabalhamos as características do
profetismo hebraico, conforme as narrativas do Antigo Testamento Bíblico, e como a
religião israelita influenciou os ensinamentos e a pregação de Cristo, conforme as
narrativas dos evangelhos bíblicos.
As discussões e leituras realizadas despertaram nosso interesse em
compreender melhor a atual época e as suas influências e relações no contexto
religioso plural brasileiro. Por isso, trabalhamos na dissertação de mestrado (curso
livre), no primeiro capítulo, sobre as principais características de nosso tempo e as
características de homilias protestantes de igrejas de Belém/PA.
Como fizemos dois cursos na área teológica, tivemos muita vontade de
adquirir experiências teóricas das Ciências da Religião, a fim de que pudéssemos ter
melhores subsídios para empreender uma pesquisa sobre o nosso tempo e suas
relações na religião. Por isso, ingressamos no PPGCR-UEPA.
Dentro do PPGCR-UEPA, na linha de pesquisa é “Movimentos e Instituições
Religiosas no Contexto Amazônico”, tivemos o interesse em trabalhar, de forma
mais aprimorada e compreensiva, a relação entre a época contemporânea e as
práticas religiosas neopentecostais, em especial, as múltiplas práticas da IURD.
O interesse pela IURD veio por causa do destaque dessa igreja no campo
neopentecostal brasileiro e por trabalharmos próximo ao templo central da IURD em
Belém, no bairro Castanheira, despertando-nos, pelo crescente movimento, o
interesse em pesquisá-la. Também, em Belém, a IURD é bastante presente na mídia e
tem importante papel na política paraense, sempre tendo representantes, por
exemplo, na Câmara Municipal de Belém, na Assembleia Legislativa do Estado do
Pará etc.6
Nas visitas que fizemos à IURD, apesar de sermos sempre bem tratados pelos
obreiros que nos recepcionaram, é perceptível, paradoxalmente, um ambiente
constrangedor para aqueles que se dispõem a pesquisar essa igreja. Há a presença de
seguranças nas proximidades e, no interior do templo, câmeras vigiam os presentes.

6
Destacamos o deputado estadual Pastor Divino dos Santos e os vereadores de Belém Bispo Antônio
Rocha e Pastor Raul Batista (líder do PRB-PA), todos do PRB.
21

Quando cursávamos a disciplina “Tópicos Temáticos II (Antropologia da


Saúde e da Doença)”, reencontramos uma colega Mestranda em Ciências Sociais da
UFPA, no ano de 2012, que compartilhou conosco as dificuldades, constrangimentos
e indisposição que ela e colegas seus tiveram para acessar pastores, obreiros e o
bispo da IURD sede. Para ela, os pesquisadores não são bem-vistos pela IURD.7
Nós temos um amigo, que agora mora em São Paulo, que contou-nos que
sofreu constrangimentos de obreiros quando perceberam que ele estava observando o
culto e não estava “no clima” do culto. Similarmente, em uma das minhas visitas,
levamos conosco uma amiga graduanda em Ciências Sociais da UFPA. Nós a
orientamos sobre os procedimentos dentro da IURD, mas ela ficou admirada com a
beleza do templo e, por um momento, passou a observar enfaticamente os gestos dos
fieis, o “espetáculo” da fé etc. O pastor que estava dirigindo o culto, se dirigia
constantemente a ela e dizia “preste atenção”, causando constrangimentos a ela.
Para conseguirmos informantes, tivemos algumas dificuldades. Inicialmente
tentamos falar com a Srª. S. S., por indicação da Profª. Teresa, esposa do meu
orientador. Ela se mostrou relutante em nos receber. Ela nos disse, por telefone, de
forma ríspida, que deveríamos procurar a sede da IURD, no Castanheira, pois lá
encontraríamos pessoas que poderiam ajudar. Ela informou que tais pessoas falariam
tudo o que já se sabe sobre a igreja. E assim, desligou o telefone. Apesar dos
percalços, conseguimos realizar três entrevistas com fieis da IURD.
Nas observações dos cultos, preferimos não nos identificar como
pesquisador.8 Empregamos, assim, dados oriundos da pesquisa bibliográfica, das
observações e das entrevistas para elencarmos marcas do posicionamento identitário
da IURD Belém.

1.3 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO


O primeiro capítulo apresentamos a delimitação do assunto tratado, bem
como os objetivos da pesquisa. Fizemos uma breve trajetória até a conclusão da
dissertação, informando as vitórias e percalços nesta empreitada. Em seguida

7
Ressaltamos que o próprio Prof. Leonildo Campos, grande pesquisador da IURD, só conseguiu
entrevistar um pastor. Portanto, outros pesquisadores enfrentaram e enfrentam dificuldades em obter
informações oriundas da liderança desta igreja.
8
Estamos cientes das questões éticas envolvidas na postura que adotamos. No entanto, como a IURD
sede é um espaço aberto a todas as pessoas, frequentamos várias reuniões nesta igreja, mas evitamos
fornecer nomes ou identificar pessoas nesta pesquisa.
22

abordamos o tema tratado, a problemática, a pergunta da pesquisa, metodologias


empregadas, referencial teórico e a justificativa para a realização desta pesquisa. Por
fim, apresentamos os capítulos do trabalho e um breve resumo dos mesmos.
No segundo capítulo nos propomos primeiramente a trabalhar
panoramicamente as principais características da modernidade, suas crises e mitos
que propiciaram o florescimento da (pós-)modernidade. Para isso, lançamos mão de
autores como Immanuel Kant (um dos defensores do Iluminismo), Romano
Guardini, dentre outros, a fim de mostrar as bases da modernidade e as crises que
minaram a “razão” como sendo suficiente para explicar exaustivamente a realidade.
Em seguida utilizamos livros e artigos a respeito do pensamento de Jean-
François Lyotard, Gianni Vattimo, Fredrick Jameson e Zygmunt Bauman com o
objetivo de refletir e comparar as suas ideias acerca da atual época sociocultural
chamada por alguns estudiosos de “pós-modernidade”.
Por fim, a globalização foi trabalhada, pois ela está intimamente ligada à
(pós-)modernidade. A globalização impulsionou “o pluralismo religioso” e este “se
torna, simultaneamente, fator e resultado da secularização” hodierna (PORTELLA,
2008, p. 160). Por isso, mostramos que a magia nunca desapareceu. Antes, ela está
cada vez mais forte nas religiosidades hodiernas.
Sendo assim, ancorados nas contribuições de pesquisadores como Boaventura
de Sousa Santos, Renato Ortiz, Silas Guerriero, Donizete Rodrigues dentre outros,
procuramos compreender a globalização e suas ressonâncias para a religião, em
especial, sua colaboração para o surgimento de novos movimentos religiosos,
contexto no qual se encontra a IURD.
No terceiro capítulo objetivamos fazer uma descrição e análise de algumas
expressões mágico-religiosas observadas em reuniões da IURD e suas relações com
os novos movimentos religiosos. Para atingir este objetivo, primeiramente
trabalhamos as origens do pentecostalismo brasileiro, em que se verificará o
surgimento do neopentecostalismo e da IURD, bem como procuramos compreender
as teologias e a concepções iurdianas para atender as demandas dos fiéis.
Em seguida trabalhamos os novos movimentos religiosos com fundamentação
nas contribuições de Deis Siqueira, Silas Guerriero, Donizete Rodrigues dentre
outros. Na contemporaneidade percebemos um “reencantamento” da sociedade e o
surgimento de novas religiosidades com características que fogem dos moldes das
religiões tradicionais.
23

Percebemos que a presença da magia é um dos itens presentes e marcantes


nos novos movimentos religiosos. Por isso, ancorados nas contribuições de Marcel
Mauss e Sir James Frazer, buscamos descobrir características mágico-religiosas,
estreitamente relacionadas aos novos movimentos religiosos, encontradas em rituais
do “Cenáculo do Espírito Santo”, o templo central da IURD no bairro Castanheira
em Belém-PA.
No quarto capítulo fizemos reflexões sobre a construção identitária da IURD
empregando categorias dos Estudos Culturais da “diferença” e “tradução” propostas
por Stuart Hall e Kathryn Woodard.
Primeiramente trabalhamos o conceito derridiano da différance que é o pano
de fundo das categorias da “diferença” e “tradução” empregadas por Hall e
Woodard. Em seguida verificamos as relações da globalização nas construções das
identidades, procurando definir identidade e como ela é formada nos tempos (pós-)
modernos. Posteriormente, fizemos observações da forma peculiar que a IURD
constrói sua identidade na atualidade
As informações que utilizamos para empreender esta tarefa são oriundas das
observações de cultos da IURD, de literatura produzida pela instituição, livros de
pesquisadores além de dados originários de entrevistas que realizamos.
No quinto e último capítulo apresentamos as conclusões correspondentes
aos objetivos e às hipóteses levantadas. Incluímos possíveis desdobramentos da
pesquisa, ressaltando a sua importância, projeção, repercussão e futuros estudos que
poderemos desenvolver nos estudos doutorais.
24

2 (PÓS-)MODERNIDADE E GLOBALIZAÇÃO: DESENCADEAMENTO


DE NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS NA MODERNIDADE
LÍQUIDA
Antes de refletirmos sobre a (pós-)modernidade ressaltamos que
tradicionalmente, na perspectiva ocidental, a História é classificada nos seguintes
períodos: Pré-História (duração de cerca de 6 milênios), Idade Antiga (duração de
aproximadamente 12 séculos), Idade Média (duração de aproximadamente 10
séculos), Idade Moderna (duração de aproximadamente 4 séculos) e Idade
Contemporânea (dias atuais) (MORAIS, 1988, p. 30; CASTRO, 2001, p. 21; DE
CHARDIN, 2005, p. 228, nota nº. 4).
Neste sentido, trabalharemos sucintamente sobre a Idade Contemporânea, a
fim de situarmos sobre a era atual.9 Este período convencionalmente teve como
marcos a Revolução Francesa, o Iluminismo e as Duas Grandes Guerras Mundiais.
Desta forma, quando falamos de uma “(pós-)modernidade”, estamos falado
do atual momento sociocultural da Idade Contemporânea dos dias atuais. Neste
sentido, falar sobre a era hodierna – chamada por alguns de “(pós-)modernidade”10 –
é uma tarefa hercúlea, pois se pode correr o risco de simplificação. Devido à
complexidade do tema, não há unanimidade na definição e nem no emprego de um
termo ou de uma palavra que melhor lhe defina ou expresse suas peculiaridades.
A esse respeito, Jameson (2006, p. 17) acredita que o próprio conceito do que
é (pós-)moderno “não é amplamente aceito nem sequer compreendido hoje”. Neste
trabalho empregaremos, apesar dos possíveis protestos, o termo “(pós-)
11
modernidade” para expressar essas incertezas e por acreditarmos que ele exprime
bem esse movimento de mudanças socioculturais, filosóficas, econômicas e políticas
no Ocidente capitalista atual.
Para compreender a era (pós-)moderna, serão tratados panoramicamente, em
primeiro lugar, as principais características da era moderna, as suas crises e mitos
que proporcionaram o terreno propício para o florescimento do atual momento
histórico, cultural e filosófico. Em seguida serão consideradas características gerais

9
Para maiores informações sobre as principais características dos referidos períodos, consultar Morais
(1988).
10
Essa será a nomenclatura que empregaremos nesta dissertação.
11
Para amenizar os protestos, preferimos colocar o prefixo “pós” entre parêntesis para expor as
incertezas acerca da nomenclatura adequada para os tempos atuais.
25

mais importantes deste novo período, de acordo com as perspectivas de Jean-


François Lyotard, Gianni Vattimo, Fredric Jameson e Zygmunt Bauman.
Em seguida, após situar o debate sobre a atual época que estamos vivendo,
trabalharemos a globalização como um movimento importantíssimo no atual
contexto e que proporcionou o desencadeamento de novos movimentos religiosos no
mundo, tais como a IURD no Brasil.

2.1 A MODERNIDADE E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS


Alguns pesquisadores como Mora (2004b), Grenz (2008) e Guardini (2000)
habitualmente considera que a era Moderna surgiu no florescimento do Iluminismo
(séc. XVIII), tendo o seu cenário armado no Renascimento. Por isso, seguindo essa
trilha, trabalharemos a Modernidade refletindo sobre o Renascimento e sua
importância para o Iluminismo.

2.1.1 Renascimento como período transicional para a Modernidade


A palavra “Renascimento” ou “Renascença” tem origem francesa e significa
“renascimento” ou “reavivamento”. De acordo com Mora, este período da história
ocorre no Ocidente e é caracterizado por vários elementos paradoxais:

Ressurreição da Antiguidade Clássica; crise de crenças e ideias;


desenvolvimento da individualidade [...]; concepção do Estado como obra
de arte; [...] ampliação do horizonte geográfico e histórico; fermentação
de novas concepções sobre o homem e o mundo; confiança na
possibilidade do conhecimento e domínio da Natureza; tendências céticas;
exaltação mística; atitude crítica etc. (2004b, p. 2510).

Há várias concepções sobre o Renascimento, sendo este um período


complexo, existindo várias características peculiares e várias perspectivas a respeito.
Assim, acreditamos ser útil recorrer à síntese panorâmica de Mora, ao citar vários
teóricos do Renascimento, para lançar mais luz sobre a questão:

Em suma: o Renascimento como período histórico e como fase na história


da filosofia está longe da uniformidade; o único acordo entre os autores
que tentaram caracterizar o período e fase é o reconhecimento de sua
variedade, de seu caráter “transicional” e também de sua menor
importância filosófica em comparação com as fases chamadas “medieval”
[Idade Média] e “moderna” (2004b, p. 2511, grifo nosso).

Se na Idade Média havia uma hierocracia, em que as religiões, especialmente


na Europa, norteavam a sociedade, no Renascimento, um grande grupo de
26

pensadores aderiram aos valores humanos manifestos nas antigas civilizações greco-
romanas, havendo um crescente interesse pela compreensão do mundo. Desta forma,
a ênfase renascentista no humanismo pavimentou o caminho para a Modernidade,
sendo uma espécie de transição para este. O cenário moderno foi, então, montado.
Isto significa que a passagem da Idade Média para a Modernidade foi
basicamente a mudança de uma visão teocêntrica, hierocrática, para uma visão
antropocêntrica, humanista.12 A razão foi, a partir da Renascença e culminando na
era Moderna, paulatinamente libertada das amarras da Igreja e da religião. A este
respeito, a reflexão de Romano Guardini (2000, p. 79-80) é esclarecedora:

O homem da Idade Moderna não só perde a fé na Revelação cristã como


também experimenta o enfraquecimento das suas disposições religiosas
naturais, de modo que considera o mundo cada vez mais como realidade
profana [...] [pois] todas as eventualidades da vida estão “previstas”,
calculadas segundo a sua frequência e a sua importância de modo a serem
inofensivas. Os acontecimentos decisivos da vida humana – concepção,
nascimento, a doença e a morte – perdem o seu caráter de mistério.
Transformam-se em processos sociais e biológicos, estudados por uma
ciência e uma técnica médica cada vez mais segura de si.

2.1.2 Iluminismo e Modernidade: a razão como balizadora da sociedade


O alemão Immanuel Kant (1724-1804), um dos maiores filósofos da
Modernidade, apregoou a chegada do ser humano à maioridade. Para ele, a razão era
o único parâmetro para se chegar à verdade. Em sua obra A crítica da razão pura,
publicada em 1781, ele visava fornecer parâmetros para uma ciência pura e objetiva
que tivesse validade universal.
Para Kant, a razão somente pode conhecer o que pode ser experimentado, ou
seja, o que é percebido como fenômeno no tempo e espaço. Ele prossegue
informando que o mundo do númeno é a “experiência com o vazio do qual nada [se
pode] saber” pela razão (KANT, 1974, p. 144). De acordo com este conceito, Deus e
as realidades espirituais não podem ser experimentados pelos sentidos e, por isso,
não podem ser conhecidos pela razão. Na verdade, Kant considera qualquer elemento
transcendente, como um ente imaterial ou um ente supremo, como pertencentes ao
universo dos noúmena. Ou seja, tais entes não podem ser conhecidos pela razão
humana. Deste modo, a razão era o único parâmetro para se definir a verdade. O que

12
Agradecemos à observação do Prof. Heraldo Maués que na banca de defesa enfatizou que esta era
uma visão eurocêntrica a respeito das Idade Média e da Modernidade.
27

fugisse do escopo da racionalidade não poderia ser adequadamente explicado pela


razão (KANT, 1974, p. 172-173).13
Kant chama esse período de “Iluminismo” ou “Esclarecimento” e o define
como “a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado”. Essa
menoridade é “a incapacidade [do ser humano] de fazer uso de seu entendimento sem
a direção de outro indivíduo” (2012, p. 63).
Na ótica iluminista, o ser humano é autônomo e sem preconceitos. Ele não
precisa mais estar atrelado a nenhuma influência externa, como da Igreja ou da
religião. A menoridade humana, segundo Kant, está na “falta de decisão e coragem
de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem” (2012, p. 63, grifos do autor). No
entanto, o lema iluminista é: Assuma a maioridade. “Sapere aude! Tem coragem de
fazer uso do teu próprio entendimento” (KANT, 2012, p. 63-64, grifos do autor).14
Assim, sem mais as “amarras” de nada externo ao ser humano para ditar-lhe o
que ele deve fazer ou pensar, ele se torna verdadeiramente livre. Será inevitável que
o ser humano se esclareça se ele tiver plena liberdade. Kant proclama que “para este
esclarecimento [...] nada mais se exige senão liberdade” (2012, p. 65, grifo do autor).
O próprio Kant, no séc. XVIII, estava ciente de que a época em que ele estava
vivendo não era de pleno esclarecimento. Para ele, o esclarecimento do homem ainda
estava em processo. Os obstáculos à plena liberdade do ser humano estavam,
gradativamente, sendo minados. Mas uma coisa ele tinha plena certeza: o ser humano
deve ter a plena “liberdade de utilizar sua própria razão em todas as questões da
consciência moral” (KANT, 2012, p. 70). Isto é Iluminismo. Isto é o Esclarecimento
do ser humano.
Assim, a idade da Razão trouxe uma profunda esperança de progresso para a
humanidade. Para Guardini (2000, p. 65), o estado moderno de espírito é “[d]a fé [...]
no progresso, que será produzida pela lógica da natureza e da criação humanas”.
Carron e Guimarães (1997, p. 643) retratam bem a crença no progresso inevitável no
âmbito da ciência, neste período:

As leis da mecânica, do eletromagnetismo, da termofísica, da ótica, da


ondulatória, do eletromagnetismo, enfim, da Física em geral estavam tão
solidamente corroboradas pelas experiências e explicações que muitos

13
Posteriormente, Rudolf Otto (2007) utilizou o termo “numinoso” como o mysterium tremendum et
fascinans, ou seja, algo que não é definível racionalmente, mas tão somente é “mencionável” ou
“pronunciável” (erörtbar) a partir da experiência religiosa do sagrado.
14
A expressão latina Sapere aude pode ser traduzido como “atreva-se a ser sábio” ou “ouse a saber”.
28

imaginavam que o equacionamento completo da Natureza era apenas


questão de tempo.

Diante do exposto, elencamos, em suma, algumas características gerais da


Modernidade, que teve seu caminho iniciado na Renascença:
• A razão é suficiente para explicar toda a realidade;
• Resistência ao medievalismo e à influência da religião;
• Crença no progresso inevitável da humanidade pelas descobertas científicas,
pois o raciocínio humano é suficiente para alcançar verdades e estabelecer o
bem-estar geral da humanidade.

2.1.3 Desilusões e crises da Modernidade


O racionalismo e a crença do progresso inevitável produziram entusiasmo
exacerbado. No entanto, os alicerces modernos foram fortemente abalados pela
realidade que estremeceu as suas bases. Guerras, catástrofes, a utilização da
tecnologia para promover batalhas sangrentas, epidemias alastrando-se por todo o
mundo foram alguns fatos que minaram fortemente as bases estruturais da
Modernidade. A razão mostrou-se insuficiente para promover o progresso e o bem-
estar da humanidade.
Portanto, algumas crises e decepções abalaram os alicerces da Modernidade.
Alguns eventos históricos, além de descobertas científicas, foram catalisadores do
desmoronamento do império moderno da razão e contribuíram para o surgimento de
um pensamento (pós-)moderno.
A primeira guerra mundial (1914-1918) foi o primeiro impacto que
decepcionou os eufóricos do progresso da humanidade. Todo o projeto moderno foi
fortemente golpeado. Os regimes autoritários de Stalin, na antiga U.R.S.S. e de Adolf
Hitler, na Alemanha, pavimentaram a descrença nos ideais da modernidade.
Todo o progresso tão propalado parecia um ideal inalcançável e insatisfatório.
A razão parecia “beber sangue”, havia uma má distribuição de renda global, sem
contar o problema do aquecimento global, a destruição da camada de ozônio etc.
Desta forma, as respostas que a ciência proveria e o bem-estar global a todos os
homens estavam-se desmoronando.
A visão científica da modernidade compreendia a realidade de forma
mecanicista, ou seja, o universo era regido por um conjunto de leis físicas e
matemáticas. Algumas descobertas científicas do início do séc. XX contribuíram
29

para se colocar em dúvida a ideia moderna de que o universo apresentava uma ordem
consistente da realidade.
O físico alemão Max Planck (1858-1947) verificou que, no nível atômico, a
energia apresenta-se em pacotes distintos denominados de “quanta” e não em fluxos
contínuos como se pensava. Corroborando com Planck, Albert Einstein (1879-1955),
talvez a maior mente do século XX, observou que a luz não é somente uma onda,
mas também uma torrente de grupos distintos de energia denominados de “fótons”.
A partir das descobertas mencionadas acima, nasce a teoria quântica
contrariando a crença da Física Mecânica de que a energia chega continuamente aos
elétrons. Ao contrário, esta teoria propõe que a luz se propaga em pequenos pacotes
(quanta). Com a teoria da relatividade, Einstein solapou a mecânica newtoniana. Esta
teoria enxerga o tempo, a massa e as dimensões de um corpo como conceitos
relativos, pois tais parâmetros dependem do referencial de observação.
Essas e outras descobertas corroboraram para derrubar a ideia de que o
universo é um sistema perfeito e com leis fixas, conforme se acreditava na mecânica
newtoniana. Tais achados científicos minaram a crença de uma ciência ancorada na
razão e revelaram a complexidade do universo. A cosmovisão newtoniana que
predominou por séculos acabou e o determinismo foi profundamente minado. Assim,
o materialismo e o intelectualismo mostraram-se insuficientes para explicar toda a
realidade.
De acordo com Guardini (2000, p. 51), tais fatos históricos e proposições
científicas contribuíram para a desilusão do homem contemporâneo para com as
certezas absolutas da modernidade.
A ciência, na (pós-)modernidade, é encarada agora não como uma
compilação de verdades universais, mas como uma coleção de investigações
amparadas por comunidades científicas. Assim, não há verdades válidas
universalmente. Antes, existe uma pluralidade de mundos e cosmovisões que devem
ser apreciados e respeitados.
A razão não é suficiente e unívoca para explicar toda a realidade. No entanto,
isso não significa que a razão ou a autonomia humana deixou de ser importante. Na
verdade, pelo contrário,
as questões existenciais, cujas respostas eram mais ou menos automáticas
no universo tradicional, passaram a surgir com uma acidez inédita nas
sociedades democráticas, onde são tragadas no turbilhão infinito da
autonomia [humana] (FERRY, 2010, p. 33, grifos nossos)
30

2.2 (PÓS-)MODERNIDADE?: REFLEXÕES TERMINOLÓGICAS SOBRE O


NOSSO ATUAL TEMPO
Não há unanimidade na utilização de um termo que expresse bem a era
contemporânea. Por exemplo, Gilles Lipovetsky utiliza o temo “hipermodernidade”.
Já Jean Baudrillard prefere o vocábulo “hiper-realidade”, enquanto que Zygmunt
Bauman refere-se à “modernidade líquida”. Mais adiante utilizaremos o pensamento
de outros autores que tratam do atual momento empregando outras nomenclaturas.
Para Ferry (2010, p. 32), desde o Iluminismo e, posteriormente com as
críticas de Nietzsche, assume-se que estamos em um período em que há a ruptura
com a religião. Expressões como “Morte de Deus”, “desencantamento do mundo”,
“o fim do ‘teológico-político’”, “secularização” e “laicização” são terminologias que
indicam que “a crença na existência de um Deus não estrutura mais o espaço
político” (FERRY, 2010, p. 33). Qualquer critério preestabelecido deve ser
rechaçado pelo fato do humanismo. O período atual foi denominado por Ferry
através de dois processos paralelos: a humanização do divino e a divinização do
humano.
Na humanização do divino, as religiões devem se adaptar à realidade
“libertária” a que o ser humano chegou. Utilizando termos kantianos, ele chegou à
sua maioridade. O humanismo deve reger todas as relações sociais, políticas,
familiares, morais, públicas etc. e a “liberdade de consciência [humana], por natureza
ilimitada, representa [um desmoronamento à] própria ideia de revelação [externa]”
(FERRY, 2010, p. 59).
Já na divinização do humano “se tornou ‘proibido proibir’ [...] toda
normatividade passou a ser percebida como repressor, o indivíduo se tornou ele
mesmo e para si mesmo sua própria norma” (FERRY, 2010, p. 97).

O lento processo de desencantamento com o mundo, através do qual se


operou a humanização do divino, se revela dessa forma compensando por
um movimento paralelo de divinização do humano, o que torna altamente
problemático o diagnóstico pelo qual estaríamos assistindo pura e
simplesmente à erosão das transcendências sob todas as suas formas, que
teriam sido derrotadas pelos efeitos de uma dinâmica implacável: a do
individualismo democrático (FERRY, 2010, p. 139, grifos do autor).

Sobre a terminologia ainda não há consenso a respeito de uma nomenclatura


adequada para a atual época. O que é unanimidade é que se trata de uma época
31

marcada por um pensamento filosófico, com ressonâncias nas esferas sociais,


econômicas, educacionais e políticas da sociedade, em que o ser humano é tido como
plenamente autônomo e livre. Nesse contexto, a religião não pode ser mais a
definidora da sociedade. É a plena libertação e o pleno esclarecimento do homem
proclamados por Kant.
Na leitura de Ferry, vivemos uma “ética fundada no homem”, caracterizada
por um “humanismo moderno”. “Impôs-se a ideia de que as grandes éticas leigas,
nascidas no século XVIII [período do Iluminismo] – se necessário atualizadas e
aplicadas às nossas questões de hoje – bastam” (2010, p. 34, grifo do autor).
Portanto, se há uma (pós-)modernidade, o elemento “novo”, ou o próximo
estágio em relação à Modernidade, é que os valores da sociedade hodierna devem ser
pensados plenamente “a partir do homem, e não deduzidos de uma revelação que o
precede e engloba” (FERRY, 2010, p. 38). Trata-se, em nossa opinião, de um
iluminismo / humanismo levado às suas últimas consequências.

2.3 A (PÓS-)MODERNIDADE: UM PANORAMA NAS VISÕES DE JEAN-


FRANÇOIS LYOTARD, GIANNI VATTIMO, FREDRIC JAMESON E
ZYGMUNT BAUMAN
Conforme já mencionado anteriormente, a modernidade era impulsionada
pelos fundamentos racionais. A (pós-)modernidade, por sua vez, é marcada pela
autonomia levada às suas últimas consequências. Este período é marcado por
algumas características que serão trabalhadas nas perspectivas da condição (pós-
)moderna em Jean-François Lyotard, da cultura (pós-)moderna na visão de Gianni
Vattimo, da virada cultural em Fredric Jameson e da modernidade líquida em
Zygmunt Bauman.

2.3.1 A condição (pós-)moderna em Jean-françois Lyotard


Jean-François Lyotard (1924-1998) – um dos gurus da (pós-)modernidade –
foi um filósofo francês e grande pensador sobre a (pós-)modernidade. Destaco a
análise de Lyotard de que a atual época é caracterizada pelo fim dos grandes
discursos unívocos (meta-narrativas) e pelo pluralismo/inclusivismo possibilitado
pelos avanços tecnológicos.
32

2.3.1.1 O fim das meta-narrativas e os jogos de linguagem


Lyotard (2009, p. xvi) acredita que o cenário (pós-)moderno é caracterizado
basicamente pela “incredulidade em relação aos metarrelatos”.15 Os metarrelatos ou
meta-narrativas consistem em ideias ou discursos totalizantes, que pode explicar e
dar o fundamento universal à vida.
Desta forma, a cosmovisão (pós-)moderna é caracterizada pela descrença de
princípios universais que procuram governar a ação de qualquer pessoa. Quaisquer
consensos culturais, inclusive os religiosos, são automaticamente mal vistos por esta
nova cosmovisão.
As meta-narrativas são discursos que se propõem unívocos e coerentes. A
(pós-)modernidade questiona tais narrativas, pois nesta ótica, nenhuma narrativa
pode querer reger todas as culturas, pois cada uma delas possui suas peculiaridades.
Não há nenhum discurso que se aplique indiscriminadamente às diversas culturas no
mundo.
Seguindo nesta linha, no âmbito da hermenêutica, a era contemporânea
também “questiona discursos que apresentam o autor [...] como autoridade, e o leitor
[...] como mero aprendiz”. Por isso, o “sentido [de um] texto é determinado no
momento da leitura à medida [...] que ele interage com o depósito discursivo e o
ideário do leitor” (GOUVÊA, 1996, p. 64-65). Essa perspectiva lida
majoritariamente com a reação do leitor, pois ele determina o sentido de um texto.16
Essa visão a respeito das meta-narrativas tem relação ao que Lyotard chama
de “jogos de linguagens”. Ancorado na teoria de Ludwig Wittgenstein (1889-1951),
Lyotard considera que “[...] todo enunciado deve ser considerado como um ‘lance’
feito num jogo [linguístico]” e o “[...] falar é combater, no sentido de jogar, e [...] os
atos de linguagem provêm de uma agonística [luta] geral” (LYOTARD, 2009, p. 17).
Desta forma, a linguagem é um instrumento de dominação. Regras são criadas, como
num jogo de xadrez e empregam-se propriedades convencionadas para se
movimentar as peças do jogo linguístico.
Essa visão (pós-)moderna da linguagem abre caminho para que o significado
de palavras, sentenças ou discursos sejam entendidos como dependentes da interação

15
Acreditamos ser relevante colocar a opinião de Jameson (2006, p. 297, nota nº. 5) que considera que
a obra de Lyotard (2009) enfoca muito mais a ciência e a epistemologia do que a cultura propriamente
dita.
16
Essa perspectiva hermenêutica pode ser chamada de Reader-Response, leitor-resposta. Nessa visão
o próprio leitor tem o poder de dar significado a um texto mediante a sua própria resposta ao mesmo.
33

social, abrindo caminho para o pluralismo de interpretações. O significado de


qualquer texto e/ou discurso depende do ambiente em que o indivíduo se encontra e
das regras de linguagem empregadas pelo grupo ao qual ele pertence.
Alguns estudiosos podem ser destacados dessa nova visão acerca da
linguagem. Ferdinand de Saussure (1857-1913), por exemplo, propôs que a
linguagem é uma convenção social e os seus signos são arbitrários (estruturalismo).
Ludwig Wittgenstein (1889-1951) formula o conceito de “jogos linguísticos”
defendendo que a linguagem é semelhante a um jogo: possui regras e cada termo
empregado possui significados; é necessário, portanto, conhecer as regras, sabendo
que declarações podem ser consideradas como “verdadeiras” apenas no contexto em
que são faladas. Michel Foucault (1926-1984) propalava que o conhecimento é um
instrumento de poder e que qualquer discurso que alegue possuir “a verdade”, na
realidade é uma forma de violência e repressão. Outro exemplo é de Jacques Derrida
(1930-2004) – pai do desconstrucionismo – que defende que a tarefa do leitor é
desconstruir o texto de tentativas arrogantes de transmitir sentido, pois todo texto se
autodestrói (morte do autor) e representa interesses de dominação de determinados
grupos (GRENZ, 2008, p. 163-215).
Nessa perspectiva, essa reação veemente às metanarrativas evidencia a
rejeição da (pós-) modernidade aos absolutos. Qualquer sistema político, econômico,
religioso ou de qualquer natureza, que alegue ter uma verdade absoluta que se
aplique a todas as pessoas é frontalmente rejeitada. Isso implica em uma exaltação ao
relativismo. Não há um única “verdade”. Há sim “verdades”, ou seja, várias
possibilidades de leituras de mundo.
Assim, Lyotard trabalha o conceito de que o nosso tempo é caracterizado pela
descrença de princípios universais que procuram governar a ação de qualquer pessoa
em qualquer lugar do mundo.

2.3.1.2 O pluralismo e a defesa do inclusivismo


Na época (pós-)moderna não existe uma verdade que seja válida para todas as
épocas e aplicáveis a todas as culturas. Por isso, a verdade deve ser vista como plural
e os discursos que aleguem absolutismo e aplicação universal não são mais
adequados a este novo contexto.
34

O desenvolvimento da tecnologia tem estreita relação ao fenômeno do


pluralismo hodierno. Lyotard (2009, p. 4) já havia refletido acerca do crescimento
das tecnologias da informação como possíveis desencadeadores de um novo
momento na história: “É razoável pensar que a multiplicação das máquinas
informacionais afeta e afetará a circulação dos conhecimentos do mesmo modo que o
desenvolvimento dos meios de circulação dos homens (transportes), dos sons e, em
seguida, das imagens (media) o fez”.
As informações que são disponibilizadas de forma acessível e cada vez mais
veloz possibilitaram que indivíduos, de qualquer lugar do mundo, tivessem acesso a
diferentes culturas, religiões diversas etc. Assim, no fenômeno (pós-)moderno, os
indivíduos, independente da sua nacionalidade, tradição, origem ou pertença, têm de
lidar com as diferentes opções disponibilizadas.
A sociedade pluralista com diversas opções disponíveis, torna-se semelhante
a um supermercado que disponibiliza inúmeras prateleiras com diversos produtos à
escolha do “cliente”.
Desta forma, perante uma situação que apresenta diversas opções acessíveis
em várias áreas da vida, não se pode afirmar que uma visão de mundo é melhor que
outra. Todas merecem ser respeitadas e consideradas lícitas, mesmo que sejam
contraditórias.
O pluralismo abriu as portas para a defesa do inclusivismo. Isto significa que
além de se ter de aprender a conviver com as diferenças, a diversidade deve ser
buscada e pontos de vistas anteriormente marginalizados, como as propostas
feministas, homossexuais etc., devem ter espaço em nossa sociedade democrática. As
opiniões divergentes, em qualquer campo, devem ser celebradas e consideradas
como desejáveis. Este pluralismo celebrado produziu o conceito do “politicamente
correto” que é a convivência pacífica no ambiente multicultural em que vivemos.
Diante do exposto, em um ambiente plural, não há a hegemonia de uma única
ideia. Em nosso novo tempo plural, todas as visões de mundo devem ser igualmente
respeitadas e, ao mesmo tempo, devem ser consideradas igualmente válidas e
legítimas.
Essa visão tem ressonâncias também no âmbito religioso. De acordo com
Faustino Teixeira (2008, p. 70-71), a situação contemporânea exige que se
reinterprete a tradição religiosa à luz desta nova realidade. Há a necessidade de “uma
conversação [que] exige abertura à mútua transformação”. Isto significa que deve
35

existir espaço para o diálogo entre diferentes pensamentos, pois a conversação é


fundamental e imperiosa no momento plural presente.

2.3.2 A cultura (pós-)moderna em Gianni Vattimo


Gianni Vattimo é filósofo, político italiano e um dos expoentes do (pós-)
modernismo europeu. Para ele, a partir das filosofias de Nietzsche e de Heidegger,
instaura-se uma crise irreversível nas bases cartesianas e racionalistas do pensamento
moderno (VATTIMO, 1996). Vattimo procura refletir sobre as condições atuais da
filosofia relacionando-as com a cultura hodierna. Para isso, ele aponta as ideias
heideggerianas e nietzschianas como elucidadoras para a compreensão do nosso
tempo.

2.3.2.1 A (pós-)modernidade e as contribuições heideggerianas e nietzschianas


Vattimo defende que a (pós-)modernidade é mais bem clarificada a partir dos
conceitos do eterno retorno de Nietzsche e do ultrapassamento da metafísica de
Heidegger (BATISTA, 2008). Para Vattimo “[...] é só relacionando-se a
problemática nietzschiana do eterno retorno à problemática heideggeriana do
ultrapassamento da metafísica que as esparsas e nem sempre coerentes teorizações do
(pós-)moderno adquirem rigor e dignidade filosófica” (1996, p. v). Na leitura
vattimiana, Heidegger e Nietzsche contribuíram significativamente para a noção da
existência sob novas condições de “não-historicidade” ou “pós-historicidade”.
Portanto, é imperioso o nosso lugar na história e o próprio conceito do que é história.
A modernidade se alicerçava em fundamentos. Para Vattimo, nas perspectivas
de Nietzsche e Heidegger, a modernidade é marcada pela compreensão da história do
pensamento como uma iluminação progressiva, “desenvolvida na apropriação e
reapropriação cada vez mais plena dos ‘fundamentos’ desenvolvidos pela razão
humana, pensados muitas vezes como ‘origens’. Por isso, a insistência na ideia de
‘superação’” (BATISTA, 2008, p. 29). No entanto, constata-se a ruptura desses
fundamentos. Para Vattimo essa anulação pode ser compreendida à luz nietzschiana
do niilismo, sendo, a partir desse conceito, possível se falar do início da (pós-)
modernidade.
Essa ruptura e superação dos fundamentos permite-nos dizer que vivemos em
uma época pós-metafísica do pensamento em que as categorias racionais do
pensamento grego não podem ser consideradas como a única possibilidade de
elaboração dos problemas e das coisas (BATISTA, 2008). Há, assim, uma concepção
36

plural e não metafísica da verdade. A concepção que temos em nosso tempo não
pode mais ser trabalhada à luz do “modelo positivista do saber científico”. Antes, a
“experiência (pós-)moderna (isto é, heideggerianamente, pós-metafísica) da verdade
é uma experiência estética e retórica” (VATTIMO, 1996, p. XVIII).
A modernidade, ancorada nos pressupostos iluministas, era compreendida
como um período em que o pensamento da humanidade, sustentado pela razão
humana, seria progressivamente iluminado. No entanto, a noção de progresso está
minada. Os frutos desse “progresso” permitem-nos viver uma experiência do “fim da
história”. Para alguns autores, vivemos a iminência do fim da vida na terra. Essa é
uma possibilidade real mediante os “avanços” da modernidade que estão destruindo a
natureza.17
No entanto, o “fim da história” defendido por Vattimo não se refere
necessariamente a esta ameaça iminente. Antes, a noção de historicidade na (pós-)
modernidade deve ser redefinida, pois atualmente a história não é vista como um
processo unitário. Ela é “pós-histórica” (VATTIMO, 1996).
Na modernidade, a história era concebida como a história dos vencedores,
apresentada de forma simples, unitária, sequencial, coerente e racional. No entanto, a
história dos eventos registrados (políticos, militares dos grandes movimentos etc.) é
apenas uma visão hermenêutica parcial da realidade que leva em conta recortes da
história. É, portanto, uma leitura; “somente interpretações, como ensina Nietzsche,
não é, por sua vez, um fato inequívoco e tranquilizador, mas ‘somente’ uma
interpretação” (VATTIMO, 2000, p. 106). Estamos com uma noção da história
totalmente distinta da modernidade. Nesse sentido, Heidegger e Nietzsche são
relevantes para essa nova compreensão histórica e hermenêutica.
Uma característica encontrada na (pós-)modernidade é “[...] o
aperfeiçoamento dos instrumentos de coleta e transmissão da informação”. Com
esses recursos mais aprimorados, procurar reconstruir uma história universal,
“tornou[-se] impossível” (VATTIMO, 1996, p. XV). Assim, a história
contemporânea é marcada pelo paradigma comunicacional, em que há a tendência de
nivelação no plano da simultaneidade, ocorrendo uma des-historicização da
experiência (BATISTA, 2008).
Segundo Vattimo,

17
O problema das guerras, o aquecimento global, as armas nucleares e ameaças terroristas são alguns
exemplos dessa possível iminência destruidora.
37

O passo decisivo para efetuar a conexão entre Nietzsche-Heidegger e o


“(pós-)modernismo” é a descoberta de que aquilo que este último procura
pensar com o prefixo “pós” é, precisamente, a atitude que, em termos
diversos, mas, segundo nossa interpretação, profundamente afins,
Nietzsche e Heidegger procuraram construir em relação ao pensamento
europeu, que puseram radicalmente em discussão, recusando-se, porém, a
propor sua “superação crítica”, pela boa razão de que isso teria
significado continuar prisioneiros da lógica de desenvolvimento própria
desse mesmo pensamento [...] É com esta conclusão niilista que se sai de
fato da modernidade, segundo Nietzsche. Pois a noção de verdade não
mais subsiste e o fundamento não mais funciona, dado que não há
fundamento algum para crer no fundamento, isto é, no fato de que o
pensamento deva “fundar”: não se sairá da modernidade mediante uma
superação crítica, que seria um passo ainda de todo interno à própria
modernidade. Fica claro, assim, que se deve buscar um caminho
diferente. É nesse momento que se pode chamar de nascimento da (pós-
)modernidade em filosofia (VATTIMO, 1996, p. VI, 173).

Desta forma, “a superação da metafísica [...] só pode acontecer como


niilismo” (VATTIMO, 2000, p. 106). Ou seja, com a ausência de absolutos e de
fundamentos racionais para explicar a realidade, percebe-se uma aproximação de
Heiddeger e Nietzsche. Na relação destes dois autores, Vattimo defende que “para
Nietzsche, todo o processo do niilismo pode ser resumido na morte de Deus, ou,
também, na desvalorização dos valores supremos. Para Heidegger, o ser se aniquila
na medida em que [se] transforma completamente no valor” (VATTIMO, 1996, p.
4).
Segundo Vattimo, “para o niilista consumado, a liquidação dos valores
supremos também não é o estabelecimento ou o restabelecimento de uma situação de
‘valor’ no sentido forte; não é uma reapropriação, porque o que se tornou supérfluo
é, precisamente, qualquer ‘próprio’” (VATTIMO, 1996, p. 10). Não se busca
“novos” valores supremos, para que substituam os “metafísicos”, mas se busca outro
tipo de experiência de pensamento (BATISTA, 2008).
Em nosso tempo, o pensamento não exige mais respostas totalizantes e
absolutas acerca das causas últimas ou de saberes metafísicos. O pensamento é fraco,
no sentido de que não é dominador, impositivo ou universalista. Assim sendo, nas
categorias heideggerianas e nietzschianas propostas para se analisar a cultura
hodierna, pode-se falar em (pós-)modernidade.
Enfim, Gianni Vattimo trabalha as influências de Heidegger (hermenêutica) e
de Nietzsche (niilismo) para a cosmovisão da época contemporânea e sua quebra dos
ideais modernos. Vattimo anuncia o surgimento da (pós-)modernidade a partir de sua
análise do pensamento nietzschiano e heideggeriano, enxergando o niilismo como
38

base para o seu surgimento, pois não há fundamentos, como na modernidade, e há


uma constante luta contra a absolutização da razão e de todo tipo de discurso.

2.3.3 A virada cultural em Fredric Jameson


Fredric Jameson é um crítico literário e político marxista, conhecido por sua
análise da cultura contemporânea e da (pós-)modernidade. Atualmente Jameson
trabalha na Duke University (Carolina do Norte, EUA). Neste tópico recorrerei à sua
análise da (pós-)modernidade majoritariamente através da sua obra A virada
cultural: reflexões sobre o (pós-)moderno.
Jameson (2006) defende que há uma relação entre a (pós-)modernidade e a
dinâmica cultural do capitalismo neoliberal hodierno e também relaciona o marxismo
e a reificação da mercadoria e do consumo hodiernos.

2.3.3.1 O (pós-)modernismo e a sociedade de consumo


Jameson (2006, p. 20) conceitua a (pós-)modernidade da seguinte forma:

[...] trata-se [...] de um conceito de periodização, cuja função é


correlacionar o surgimento de novos aspectos formais na cultura com o
surgimento de um novo tipo de vida social e de uma nova ordem
econômica [...] frequentemente chamado [...] de modernização, sociedade
de consumo pós-industrial, de sociedade da mídia e do espetáculo [...]
[de] capitalismo multinacional.

Para o autor há uma nova ordem econômica com o capitalismo globalizado


neoliberal. O crescimento tecnológico e das comunicações tem possibilitado ao
mundo o acesso a fluxos consideráveis de informações em fração de segundos. A
televisão e a internet, por exemplo, foram marcos na história. Estas tecnologias
possibilitaram – e possibilitam – estreitamentos de continentes, em que notícias, por
exemplo, são recebidas em tempo real, além da possibilidade de comunicação
instantânea entre pessoas espalhadas geograficamente.18 Na era da globalização as
distâncias são pequenas. Esta dinâmica tem mudado as relações pessoais da
sociedade e também a mentalidade das pessoas. É a sociedade da mídia e do
espetáculo.
Com a globalização e a mundialização da cultura houve uma redefinição do
papel do Estado de acordo com as políticas capitalistas neoliberais. Diante da
exacerbada concentração econômica das empresas multinacionais, crescem as

18
Ianni observa que a tecnologia também “pode ser uma força decisiva na potencialização da força de
trabalho” no contexto hodierno de globalização (2008, p. 193).
39

empresas multinacionais e há estímulos constantes ao consumismo. De fato nesse


novo contexto há

Novos tipos de consumo, a obsolescência planejada, um ritmo ainda mais


rápido de mudanças na moda e no estilo, a penetração da propaganda, um
nível de inserção na sociedade, até então sem paralelo, da televisão e da
mídia em geral, a substituição da velha tensão entre a cidade e o campo, o
centro e a província, pela tensão entre o subúrbio e a padronização
universal, o crescimento de grandes redes de estradas de alta velocidade e
a chegada da cultura do automóvel – esses são alguns dos aspectos que
poderiam parecer marcar uma ruptura radical com aquela antiga
sociedade pré-guerra, na qual o alto modernismo ainda era uma força
subterrânea (JAMESON, 2006, p. 43).

É o que ele chama de “capitalismo tardio de consumo ou capitalismo


multinacional”, pois “o (pós-)modernismo responde ou reproduz – reforça – a lógica
do capitalismo de consumo” (Jameson, 2006, p. 44). Desta forma Jameson acredita
que a (pós-)modernidade tem relação a essa mudança radical da nossa sociedade
capitalista consumista, impulsionada pela mídia e pelas propagandas, que estimulam
constantemente o consumo indiscriminado.

2.3.3.2 O (pós-)modernismo e sua relação com o marxismo


Há a tendência de se achar que o marxismo e o (pós-)modernismo são uma
combinação estranha e até mesmo paradoxal. Mas Jameson acredita que os dois
conceitos tem relação entre si. Para Hervieu-Léger e Willaime (2009) os conceitos
centrais do marxismo na análise da sociedade capitalista são: a) alienação:
deformações na cosmovisão social dos atores; b) dominação: relações de poder entre
as classes, em especial àquelas relacionadas com a atividade de produção; c) conflito:
antagonismo de classes. Assim como o marxismo abrange teorias da luta de classes e
das relações entre o capital e o trabalho, o (pós-)modernismo tem relação com um
novo modo de produção capitalista.
Para Jameson (2006, p. 67) “estamos vivendo em um novo estágio do
capitalismo não previsto por Marx – o estágio do monopólio – momento clássico do
capitalismo”. É a partir desse prisma que o autor encontra relação entre o (pós-)
modernismo e o marxismo.19
Estamos vivendo em uma sociedade pós-industrial. A revolução industrial foi
uma mudança ocorrida na indústria, a partir do séc. XIX, quando os meios de
19
Apesar de o próprio Marx, no Manifesto Comunista, ter intuído um capitalismo globalizado
(IANNI, 2008, p. 200).
40

produção passaram a concentrar-se em grandes fábricas. Tal mudança ocasionou


profundas transformações sociais e econômicas. No entanto, no contexto hodierno
vivemos em um novo estágio do capitalismo em que os meios de produção e o
capital não estão concentrados apenas em grandes fábricas locais, mas sim em
empresas multinacionais com a globalização (JAMESON, 2006).
Esse estágio do capitalismo tem relação com a globalização.20 Os atores
centrais da nova economia mundial são as empresas multinacionais que, por sua vez,
exercem grande concentração econômica.
Diante desse contexto globalizado, Jameson (2006, p. 87) propõe outra
definição de (pós-)modernismo: “este é um período de transição entre dois estágios
do capitalismo, no qual as antigas formas da economia – aí incluídas as antigas
formas de trabalho, suas tradicionais instituições organizacionais e seus conceitos –
estão em meio a um processo para serem reestruturadas em uma escala global”.
Desta forma, o autor acredita que o (pós-)modernismo é uma nomenclatura aplicada
ao terceiro estágio do capitalismo globalizado neoliberal.

2.3.3.3 Relação da cultura e o capital financeiro do capitalismo hodierno


Na leitura jamesoniana há uma relação entre a cultura hodierna e o novo
estágio do capitalismo neoliberal globalizado. A cultura é expressão da atividade
econômica, pois ela se transformou em mercadoria e assumiu um caráter político do
capitalismo hodierno. (JAMESON, 2006).
Se em estágios anteriores o foco do capitalismo estava na produção industrial,
agora o foco é diferente. Jameson demonstra essa preocupação capitalista com
algumas indagações: “por que investimentos e o mercado de ações estão ganhando
mais atenção do que a produção industrial, que parece estar a ponto de desaparecer
por completo? Como é possível, antes de tudo, ter-se lucro sem produção?”
(JAMESON, 2006, p. 219). O autor observa que na política econômica
contemporânea os ricos querem que os seus impostos diminuam cada vez mais e
procuram empregar seus recursos não em novas fábricas, mas majoritariamente em
mercados de ações e em especulação financeira, a fim de obter cada vez maior
rentabilidade, visando lucros cada vez maiores e rápidos.
Para Lenin o mais alto estágio do capitalismo foi o imperialismo, em que
nações procuravam expandir-se e dominar territorial e economicamente outras

20
Mais à frente refletiremos melhor sobre a globalização.
41

nações. Mas o “imperialismo”, na verdade, “[...] foi substituído pelo neocolonialismo


e pela globalização” (JAMESON, 2006, p. 222). Nesse novo estágio do capitalismo,
o capital financeiro é o principal foco.
Conforme Marx, os estágios anteriores do capitalismo estavam moldados pela
fórmula do Capital D-C-D’ em que o objetivo primordial do capitalismo era
transformar o dinheiro (D) em capital (C) objetivando gerar dinheiro complementar
(D’), buscando sempre expandir dialeticamente a acumulação. No estágio atual do
capitalismo não há tanto uma busca por novos mercados, mas sim por novos tipos de
lucro por meio de transações financeiras. Nesse contexto, “o dinheiro se torna, em
um segundo sentido e em um segundo nível, abstrato” (JAMESON, 2006, p. 227).
Buscam-se altos retornos financeiros, mão de obra mais barata e rentabilidades cada
vez mais intensas.
Essa conjuntura de imensurável flutuação de dinheiro pelo mundo, de sua
elevada abstração trazida pela tecnologia, tem influenciado os modos de produção e,
consequentemente, as expressões culturais do (pós-)modernismo. A produção e o
estímulo do consumo cultural em massa têm relação com esse contexto. Jameson
lança mão do conceito de “desterritorialização”, pois o conceito de localidade e
território assume uma nova conotação no contexto globalizado.
Mesmo trabalhando a relação da religião com a globalização, recorremos à
análise de Renato Ortiz sobre o papel do Estado antes e após a globalização
neoliberal, pois cremos ser útil para clarificar o conceito de “desterritorialização”
proposto por Jameson. A responsabilidade do Estado é de orientar coletivamente as
ações do seu povo.21 No “fazer política” o Estado deve atuar dentro dos limites
estabelecidos dentro do marco Estado-nação. Em um contexto globalizado, no
entanto, o poder do Estado diminui (por exemplo, em política internacional), pois
diante da “aldeia global” o poder do Estado se restringe dentro das suas esferas locais
de poder (agora do “universal” para o “particular”). “O que antes era visto como
lugar privilegiado de universalidade torna-se pequeno, circunscrito” (ORTIZ, 2001,
p. 65).
Para Jameson, a especulação imobiliária, por exemplo, é uma das faces da
“desterritorialização” da globalização. A terra e o espaço são abstratos e os interesses

21
Ao ler esta frase, o nosso orientador, Dr. Saulo Baptista, ressaltou que o Estado é um espaço de
relações de força; portanto, não é neutro. Quem tem mais poder determina para onde (e para quem) o
Estado deve ir (deve favorecer).
42

produtivos ou habitacionais são redirecionados, pois se busca obter grandes


rentabilidades com tais espaços físicos.

A globalização é muito mais um tipo de ciberespaço, no qual o capital


monetário alcançou a sua última desmaterialização, tal como mensagens
que passam instantaneamente de um ponto nodal a outro, atravessando o
antigo globo, o antigo mundo material (JAMESON, 2006, p. 244).

Com as novas tecnologias os fluxos de informações em alcance global são


muito grandes. O dinheiro agora é volátil e virtual. Os fluxos de capitais são
dinâmicos, pois circulam sem entraves. Há estímulos ao consumismo e de acordo
com as perspectivas marxistas, há o fetichismo da mercadoria. A cultura se tornou
um negócio em larga escala e o que se costumava chamar de econômico e comercial
se tornou também cultural (SILVA, 2012).

2.3.4 A “modernidade líquida” em Zygmunt Bauman


O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, professor emérito da Universidade de
Leeds (Varsóvia), é considerado por alguns como o “profeta da (pós-)modernidade”
(PALLARES-BURKE, 2004; PAEGLE e MARANHÃO FILHO, 2009).22 Seus
estudos são importantes, pois ele se propõe a fazer uma leitura do nosso tempo. Ele
trabalha as condições do mundo hodierno e, dentro das suas pesquisas, em especial
na sua obra Modernidade Líquida, será dado um enfoque ao individualismo e
consumismo, como características marcantes desses tempos líquidos.
Bauman (2001, 2008) não considera que exista uma nova condição (pós-)
moderna que represente um novo período histórico, mas há a necessidade de se ter
uma nova sensibilidade para se compreender a modernidade no estágio atual. Por
isso, ele prefere empregar os termos “modernidade sólida” e “modernidade líquida”
como designativas da “modernidade” e “(pós-)modernidade”, respectivamente.
A modernidade líquida é também chamada de modernidade em fluidez.
Segundo Bauman, os líquidos mudam de forma muito rapidamente sob a menor
pressão. Eles são incapazes de manter a mesma forma por muito tempo, pois “os
líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os
fluidos [...] não fixam o espaço nem prendem o tempo” (BAUMAN, 2001, p. 9).

22
Apesar de o próprio Bauman não apreciar tal título.
43

Bauman chama de “modernidade sólida” para o período já trabalhado supra, em que


a razão e os avanços científicos proporcionavam um senso de estabilidade e
estimularam em muitos a crença em um progresso geral e inevitável da humanidade.
Contudo, no atual estágio “líquido” da modernidade, os líquidos são
deliberadamente impedidos de se solidificarem. Há inconstância e incertezas, não
havendo lugar para as “certezas” absolutas oriundas da “modernidade sólida”
influenciada pelo Iluminismo (BAUMAN, 2001).

2.3.4.1 Individualismo e consumismo da Modernidade em fluidez


A condição individualista se tornou o destino de todo habitante de uma
grande cidade contemporânea, não uma opção. A sociedade capitalista ocidental
estimula os indivíduos a agirem em função dos problemas e medos que surgem
diariamente. Bauman (2001) demonstra que na modernidade líquida as pessoas
tratam outros indivíduos como bens de consumo. Até nas relações amorosas há tal
relação em que pessoas são como mercadorias postas em uma prateleira ou vitrine
(PAEGLE e MARANHÃO FILHO, 2009). Por isso, o próprio amor é líquido, ou
seja, o conceito de durabilidade não tem cada vez mais sentido ao consumidor
líquido. O crescente número de divórcios, tanto no Brasil como nos Estados Unidos,
por exemplo, parecem corroborar para o pensamento baumaniano das fragilidades
dos relacionamentos afetivos atualmente.
Em nossa sociedade individualista, há uma sutil e gradativa transformação
dos consumidores em mercadorias (BAUMAN, 2008). Ancorado nas reflexões de
Silva (2011), o ser humano é ao mesmo tempo, promotor das mercadorias que
consume e é a própria mercadoria a ser promovida. Bauman (2008, p. 101) define e
relaciona o individualismo e o consumismo:

o consumo é uma atividade um tanto solitária [...] mesmo quando, por


acaso, é realizado na companhia de alguém. Da atividade de consumo não
emergem vínculos duradouros. Os vínculos que conseguem se estabelecer
no ato do consumo podem ou não sobreviver ao ato.

Para Bauman o individualismo e o consumismo são conceitos que muito se


aproximam. “O consumismo de hoje […] não diz respeito mais à satisfação das
necessidades […] mas ao desejo – entidade mais efêmera, evasiva e caprichosa”
(BAUMAN, 2001, p. 88, grifo nosso). Isto significa que há um estímulo cada vez
maior ao consumismo, ou seja, o ato de consumir mercadorias supérfluas. O ato é
44

mais importante que as próprias mercadorias consumidas. O conceito de “supérfluo”


é relativo, pois quem atribui valor à mercadoria consumida é o próprio consumidor. É
importante frisar que sempre se consumiu pelo prazer e pelo desejo da posse. Mas
agora, no ato de comprar, há uma constante “recriação do prazer” e o consumo pelo
consumo.
Na Sociedade Supermercado “os consumidores podem estar correndo atrás de
sensações – táteis, visuais e olfativas – agradáveis ou atrás de delícias do paladar
prometidas pelos objetos coloridos e brilhantes em postos nas prateleiras dos
supermercados” (BAUMAN, 2001, p. 95-96).
Isto significa que a sociedade de consumo, com suas propagandas chamativas
aos produtos, seja em outdoors, em propagandas da internet ou em vitrines de
Shopping Centers, por exemplo, têm estimulado nos indivíduos uma sensação de que
se deve comprar simplesmente pelo prazer que isso proporciona. Como há a liquidez
de fundamentos externos ao ser humano, como o papel de Deus ou da religião para
dar sentido, Bauman pensa que o ato de consumir, na sociedade contemporânea,
substitui esse elemento externo e o ato em si de consumir deve dar o sentido que o
ser humano necessita.
Bauman (2001, p. 189) observa que mesmo em meio a uma comunidade ou a
uma massa de consumidores, “[…] o que é consumido o é individualmente”. O
consumidor tem a sensação de que está sozinho e uma gama considerável de
prateleiras com os mais variados produtos estão à sua espera. Ele tem a sensação de
que tem o completo domínio e o poder de fazer as escolhas que ele mesmo deseja e
de acordo com os critérios que ele próprio estabelece como significativos.
Essa característica consumista e individualista dos tempos líquidos se observa
no campo religioso, de acordo com uma perspectiva do paradigma do mercado. Essa
perspectiva sociológica da religião é defendida, por exemplo, por Peter Berger. Para
ele, no contexto hodierno de secularização, a lógica da relação mercadológica entre
empresa e cliente também se observa no campo religioso. Nesse contexto
secularizante, a religião não pode mais ser imposta devido ao pluralismo. Por isso,
ela assume a postura de uma empresa que lança mão de vários recursos para
conquistar seu cliente. Na concepção berguiana

Os efeitos da situação pluralista não se limitam aos aspectos


socioestruturais da religião [...] É impossível [nesse contexto] [...] colocar
no mercado um bem de consumo para uma população de consumidores,
45

sem levar em conta os desejos destes em relação ao bem de consumo em


questão [...] as instituições religiosas podem, até um certo ponto, evitar
descontentamentos entre esses grupos por meio de suas próprias
atividades promocionais (BERGER, 1985, p. 156).

Nesse sentido, como os indivíduos são considerados consumidores, a


liberdade individual aumenta. O ser humano possui uma espécie de controle remoto
sendo possível, assim como em um televisor, fazer suas opções religiosas como e
quando quiser apenas selecionando o canal preferido.23
Nos tempos líquidos a religião está inserida no altamente competitivo
mercado de bens simbólicos.

Quando o discurso religioso se mostra ineficaz e não atinge o seu objetivo


nas aspirações de quem ouve, o trânsito religioso e a busca por novas
respostas voltam à cena, mostrando que a religião enquanto coletividade
pode ser descartada para outra que convença o fiel da melhor opção
escolhida individualmente (PAEGLE; MARANHÃO FILHO, 2009, p.
215).

No mercado religioso hodierno, se o consumidor estiver insatisfeito com


determinado produto ou se simplesmente “se cansar” de alguma religião, ele pode
transitar para outra de seu agrado ou, até mesmo, pode criar sua própria religião que
melhor atenda aos seus interesses. Adaptando o que se costuma dizer nos ambientes
de relacionamento entre empresas e consumidores: “nas prateleiras da modernidade
líquida o consumidor sempre tem razão”.

2.3.5 Considerações sobre a (pós-)modernidade


Trabalhamos, em um primeiro momento, com as principais características da
modernidade, suas crises e mitos que propiciaram o florescimento da atual época
chamada por alguns de (pós-)modernidade. Percebemos que, fundamentada nas
perspectivas do Renascimento e, posteriormente, no Iluminismo, a Modernidade
estava ancorada nos alicerces da razão e acreditava que era possível explicar a
realidade de forma unívoca, completa e racional.
No entanto, vivemos em um momento em que tal perspectiva se mostra
insuficiente para a explicação da realidade, apesar de o humanismo estar sendo o
balizador para uma nova sociedade. Para refletir acerca desta nova etapa
sociocultural, trabalhamos com as visões de Lyotard, Vattimo, Jameson e Bauman.

23
Apesar de Berger entender que as instituições religiosas lançam mão de sua tradição para refrear
“uma liberdade muito drástica de escolha religiosa” (1985, p. 156).
46

Na visão de Lyotard, a atual época é caracterizada pelo fim dos grandes


discursos unívocos (meta-narrativas) e pelo pluralismo/inclusivismo possibilitado
pelos avanços tecnológicos. Com as mídias e tecnologias da informação, podemos ter
acesso a várias culturas e notícias diferentes de qualquer lugar do mundo. Nesse
contexto, passamos a ter informações, em grande escala, da existência das diversas
visões de mundo existentes. Um único discurso unívoco parece ser incoerente neste
contexto plural globalizado. Há vários discursos e cosmovisões que devem ser
levadas em consideração e propôs-se uma hermenêutica que leva em consideração o
papel do leitor (pós-)moderno neste contexto plural.
O autor Vattimo defende que estamos vivendo em uma nova etapa de
compreensão filosófica da realidade, chamada de (pós-)modernidade. Esse novo
contexto filosófico cultural é clarificado a partir dos conceitos do eterno retorno de
Nietzsche e do ultrapassamento da metafísica de Heidegger. Ele compreende que
Heidegger é relevante na sua análise hermenêutica pós-metafísica, e juntamente com
o conceito niilista nietzschiano há a quebra dos ideais modernos. Vattimo enxerga o
niilismo como base para o surgimento da (pós-)modernidade, pois não há
fundamentos basilares para a explicação da realidade de acordo com os postulados
positivistas/racionalistas, e muito menos nas explicações hierocráticas / eclesiásticas.
Na verdade, há uma constante luta contra a absolutização da razão e de todo tipo de
discurso como única hermenêutica possível em nosso mundo plural.
Fredric Jameson defende que há uma relação entre a (pós-)modernidade e o
atual estágio do capitalismo hodierno, lançando mão das análises marxistas do
capitalismo como relevantes para clarificar o fetichismo da mercadoria e do consumo
hodiernos. Estamos vivendo um terceiro estágio do capitalismo em que, com a
globalização e a mundialização da cultura, o papel do Estado tem se enfraquecido,
favorecendo exacerbada concentração econômica das empresas multinacionais.
Assim, a cultura deve ser lida como uma expressão da atividade econômica, pois ela
tem dado ênfase à liberdade do mercado para reger a economia. O dinheiro é virtual
e volátil. Os fluxos de capitais são dinâmicos, havendo o fetichismo da mercadoria,
na sociedade de consumo. Há a coisificação do ser humano. A cultura se tornou um
negócio em larga escala e o que se costumava chamar de econômico e comercial se
tornou também cultural.
Para Bauman estamos diante de um novo contexto que exige que tenhamos
nova sensibilidade para se compreender a modernidade. A modernidade líquida é
47

chamada desta forma, porque os líquidos mudam de forma muito rapidamente sob a
menor pressão. Esta metáfora é adequada para designar os tempos instáveis e
incertos que vivemos, além de ser ideal para retratar o individualismo e consumismo
de nossa sociedade capitalista que estimula o consumo como um ato importante em
si mesmo e o constante transito religioso hodierno.

2.4 GLOBALIZAÇÃO E SUAS RESSONÂNCIAS NA RELIGIÃO: TERRENO


PROPÍCIO PARA O SURGIMENTO DE NOVOS MOVIMENTOS
RELIGIOSOS
Vivemos um novo momento cultural de caráter mundial que tem norteado a
sociedade ocidental capitalista globalizada e, como consequência, a multicultural e
plural sociedade brasileira. Há o estabelecimento de padrões de comportamento e
pluralidade de valores que tem alcançado a cultura e as práticas das religiões. A
IURD tem sido influenciada e tem empregado bem os pressupostos da globalização e
da sociedade de consumo.
Desta forma, trabalharemos como a globalização no atual estágio do
capitalismo mundial pode proporcionar o surgimento de novos movimentos
religiosos, dentre os quais se encontra a IURD.

2.4.1 A globalização e suas definições


Segundo Boaventura de Sousa Santos (2002), nas últimas três décadas as
interações transnacionais tiveram uma intensificação dramática na sociedade
ocidental capitalista. Ocorreu a globalização dos sistemas de produção, transferência
financeira e divulgação internacional de informações e imagens por intermédio dos
meios de comunicação. Santos (2002, p. 25) chama essas inter-relações de
“interações transfronteiriças”, ou seja, trata-se da “globalização”.
A globalização não é um processo linear e nem consensual, pois há um vasto
e intenso campo de conflitos e interesses de grupos sociais inseridos nesse novo
momento. Há, de fato, resistências e conflitos no interior do campo hegemônico – do
subalterno ao hegemônico.
Este contexto novo que se está vivenciando é a globalização que Santos
(2002, p. 26) conceitua como “um fenômeno multifacetado com dimensões
econômicas sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo
complexo”. Para Renato Ortiz (2001, p. 64) a globalização apresenta três
características básicas: “a) trata-se de um processo social que atravessa os lugares de
maneira diferenciada e desigual; b) sua lógica não se explica através do Estado-nação
48

[...] [trata-se de uma] “sociedade global”; c) a noção de espaço e de tempo é


redefinida neste contexto”.
De acordo com Octavio Ianni a globalização caracteriza-se pela “adoção da
economia de mercado por praticamente todas as nações [também] do mundo ex-
socialista; [ocorrendo] uma transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo,
como modo de produção e processo civilizatório” (2008, p. 184, grifos nossos).24
A base para se compreender a globalização hoje começa pelo “consenso de
Washington”, ocorrido em meados da década de 1980, que foi uma imposição dos
Estados centrais e hegemônicos mundiais sobre o futuro da economia mundial e o
papel do Estado na economia. Esse “consenso” foi originado após as duas guerras
mundiais em que foram alimentadas rivalidades entre países imperialistas.
Preocupados com uma melhor relação e interdependência entre as grandes potências,
essa globalização foi imposta (SANTOS, 2002, p. 27-28).
Os atores centrais da nova economia mundial são as empresas multinacionais
que, por sua vez, exercem a concentração econômica. Como fruto do consenso de
Washington e da dinâmica do capitalismo, há uma imposição desse sistema aos
países subdesenvolvidos e em desenvolvimento: as economias nacionais devem abrir
seus mercados ao mercado mundial e a regulação estatal deve ser mínima.
Esse capitalismo globalizado neoliberal produz profundas desigualdades
sociais, pois para a dinâmica neoliberal, o crescimento e a estabilidade econômicos
têm relação direta com a diminuição de salários, redução de direitos trabalhistas,
contra a participação dos lucros etc. A nova divisão internacional do trabalho é pró-
mercado. Apesar das resistências, devido aos efeitos negativos dessa política, há a
redefinição da autonomia do Estado. As práticas transnacionais corroem a
capacidade do Estado de conduzir e de controlar o fluxo de pessoas, bens, capital ou
ideias como ele tinha no passado. “A pressão sobre o Estado é [...] relativamente
monolítica” estipulada e estimulada pelo “consenso de Washington” (SANTOS,
2002, p. 37). Essa imposição propõe novos sistemas de produção que sejam flexíveis
e estabelecem a democracia liberal como regime político universal.
24
Agradecemos ao Prof. Dr. Manoel Moraes Jr. que, na banca de qualificação, observou que o
conceito de globalização pode ser empregado como um conceito metanarrativo (conforme a
linguagem lyotardiana), sendo uma ideia eurocêntrica que mostra a expansão do capitalismo da
Europa para os demais continentes. Ianni já observou que Marx, no Manifesto Comunista, já intuiu
que o capitalismo é um processo civilizatório mundial que “‘invade todo o globo’, envolve ‘o
intercâmbio universal’ e cria as bases de ‘um novo mundo’, influenciando, destruindo ou recriando
outras formas sociais de trabalho e vida, outras formas culturais e civilizatória” (IANNI, 2008, p.
200).
49

Diante desse contexto, Renato Ortiz (2001, p. 59) procura compreender “a


problemática religiosa no mundo contemporâneo”, refletindo sobre como a religião
se insere no contexto hodierno globalizado e plural. Com a globalização e
mundialização da cultura, há a transformação “[d]as noções de internacional,
nacional e local”. As religiões consideradas particulares podem ser encontradas em
diversos lugares do mundo, tendo o seu status alterado pela nova realidade.
Ortiz ressalta que a globalização não consiste em “uma” cultura global ou
uma religião global, mas sim há culturas e diversidades religiosas. Também reflete
que mesmo que valores religiosos não tenham modelado a sociedade global moderna
contemporânea, “o lugar que o universo religioso ocupava nas sociedades
tradicionais foi [...] remodelado pela modernidade”, ou seja, houve uma adaptação da
religião a esse novo contexto (ORTIZ, 2001, p. 64).
Na relação entre Estado e religião no contexto moderno, a religião sempre
esteve em plano secundário, pois cabe ao Estado a responsabilidade de orientação
coletiva das ações do seu povo. Com a globalização questões novas nessa relação
foram geradas. No “fazer política” o Estado deve atuar dentro dos limites
estabelecidos dentro do marco Estado-nação. Em um contexto globalizado, o poder
do Estado é redefinido (por exemplo, em política internacional), pois diante da
“aldeia global” a atuação do Estado se restringe dentro das suas esferas locais de
poder (agora do “universal” para o “particular”). “O que antes era visto como lugar
privilegiado de universalidade torna-se pequeno, circunscrito” (ORTIZ, 2001, p. 65).
Por outro lado, as religiões, em especial as universais,25 transcendem a atuação do
Estado pela sua própria natureza de caráter expansionista. Assim, a globalização
diminui o poder do Estado-nação, mas oferece várias oportunidades e possibilidades
de ação à religião.
A religião com seu poder congregante adquire um poder muito maior de
linguagem e de criação de laços. A sua “capacidade simbólica [...] se maximiza com
os meios de comunicação. A era da informática coloca à disposição das organizações
religiosas um conjunto de mecanismos de alcance transnacionais até então pouco
usuais”. A TV e a internet, pelo longo alcance que extrapola os limites locais,
facilitaram bastante à divulgação religiosa, através de programações, eventos, cursos
e/ou literaturas teológicos. Esse novo contexto contribuiu para que a “cultura

25
As religiões universais, como o Cristianismo e o Islamismo, consideram-se instituições
privilegiadas que procuram estabelecer uma ética de ação no mundo (ORTIZ, 2001).
50

religiosa seja mundialmente difundida”, ultrapassando as fronteiras nacionais


(ORTIZ, 2001, p. 66).
A proposta religiosa de universalização de uma moral/ética global choca-se
com outras visões universais de igual alcance. De fato, de acordo com Bryan Turner,
“o consumo oferece uma promessa de vida que contradiz e compete diretamente com
a conduta rígida e ascética exigida [por exemplo,] pelo fundamentalismo islâmico”
(TURNER, 1994 apud ORTIZ, 2001, p. 70).
Nesse contexto capitalista globalizado neoliberal, as religiões universais
devem competir não apenas com outros credos, mas também com outras propostas
universalizadas orientadoras da conduta, como por exemplo, o consumismo. No
mundo consumista, a publicidade deve ser vista não meramente como uma técnica de
venda e sim como uma promotora de estilos de vida e normas de conduta. Nesse
sentido, “o consumo é um universo repleto de signos e de mitos, um ‘mundo’ com
particularidades e exigências próprias” (ORTIZ, 2001, p. 71). Desta forma, o
consumismo assume abrangência universal e luta contra os interesses das religiões
universais. Citando Baudrillart, Ortiz diz que “o consumo é uma ‘moral’, requer uma
forma de conduta, ao que eu acrescento, contrapondo-se a outras moralidades de
envergadura mundial” (BAUDRILLART, 1970 apud ORTIZ, 2001, p. 71), tendo os
seus signos e “deuses” pops próprios. Por isso, é tido como “falsa religião” e
“idolatria” pelas religiões universais conservadoras.26
Os discursos religiosos (universais) em geral combatem as leis do mercado e
do consumismo, havendo contraponto e tensão entre a vontade divina e o mercado
global. Tais concepções de mundo estão em constante tensão, disputando terreno no
cenário mundial (ORTIZ, 2001, p. 71). No entanto há algumas expressões religiosas,
como o neopentecostalismo brasileiro, em especial a IURD, que procuram alinhar-se
às leis de mercado em suas práticas religiosas.27

26
Ortiz (2001, p. 72) diz, inclusive, que o mercado global assume duas características associadas à
religião: transcendência (de indivíduos, classes sociais e nações) e omnisciência (não conhece
fronteiras).
27
Pantoja (2006), por exemplo, estudou a Festa Católica do Círio de Nazaré, em Belém-PA, se
propondo a avaliar esta celebração empregando o paradigma do mercado religioso e a teoria
maussiana da Dádiva.
51

2.4.2 Globalização e pluralismo: adaptação da religião em tempos líquidos – a


“volta” da magia28
A globalização aliada ao alto desenvolvimento da tecnologia tem estreita
relação com o fenômeno do pluralismo hodierno. As informações que são
disponibilizadas de forma acessível e cada vez mais veloz possibilitam que
indivíduos, de qualquer lugar do mundo, tenham acesso, dentre outras informações, a
diferentes culturas e religiões. Assim, no pluralismo hodierno os indivíduos,
independente da sua nacionalidade, tradição, origem ou pertença, têm de lidar com as
diferentes opções disponibilizadas como sendo todas igualmente válidas.
Mesmo que a globalização tenha permitido que produtos de empresas
multinacionais e estilos de vida, por exemplo, estejam disponíveis em várias
localidades diferentes do planeta, também as peculiaridades e diversidades do
hodierno mundo multicultural tornaram-se mais visíveis à sociedade contemporânea.
Sem referenciais e com diversas opções disponíveis, a sociedade pluralista
torna-se fragmentada e semelhante a um supermercado que disponibiliza inúmeras
prateleiras com diversos produtos à escolha do “cliente”. Desta forma, com diversas
opções acessíveis em várias áreas da vida, não se pode afirmar que uma visão de
mundo é melhor que outra. Todas merecem ser respeitadas e consideradas lícitas,
mesmo que sejam contraditórias. É nesse contexto que a secularização ganha força.
O Brasil é um país muito religioso e a religião ainda possui papel importante
na definição da vida das pessoas, das instituições e da política. No entanto, o Brasil
está ficando cada vez mais urbano e globalizado e tem gradativamente recebido as
ressonâncias do processo de secularização. Diante dessa nova realidade a religião
tem perdido gradativamente “a hegemonia definidora no campo da cultura, do
Estado, do Direito, do lazer cotidiano”, sendo apenas coadjuvante nos debates
relacionados a esses campos. Ela perde forças de influenciar a sociedade e há o
enfraquecimento da religião institucional. (PORTELLA, 2008b, p. 151).
Na época (pós-)moderna não existe uma verdade que seja válida para todas as
épocas e aplicáveis a todas as culturas. Por isso, a verdade deve ser vista como plural
e os discursos que aleguem absolutismo e aplicação universal não são mais
adequados a este novo contexto. Está-se vivendo em um contexto multicultural em
que a coletividade tem “consciência de eleição [...] repleta de variedades”, inclusive

28
A magia sempre esteve presente nas sociedades. No entanto, esse “retorno” da magia é, na verdade,
uma volta mais intensa e evidente nos contextos religiosos nestes tempos de globalização (em especial
nos NMR). Por isso, coloquei entre aspas o termo “volta”.
52

no campo religioso. Desta forma, Portella (2008b, p. 160) analisa que “o pluralismo
religioso se torna, simultaneamente, fator e resultado da secularização”.
Apesar de a secularização / pluralismo religioso romper com o monopólio das
instituições religiosas tradicionais, não há a perda e/ou extinção da religião. Pelo
contrário, ela tem de se adaptar a esta nova realidade, aprendendo a lidar com a
concorrência do mercado.

O que resta é a presença simultânea de várias agências religiosas,


convivendo entre si, acotovelando-se no mercado de sentidos e eficácias
simbólicas, num oferecimento de seus produtos que, grosso modo, não
serão mais adquiridos de forma permanente e, quando adquiridos,
sofrerão as alterações do gosto do freguês (PORTELLA, 2008b, p. 161,
grifo do autor).

O próprio indivíduo é tido como o seu sumo-sacerdote e, ao mesmo tempo, é


o freguês que está à procura do melhor produto religioso que melhor lhe atenda os
interesses. A religião “[...] torna-se cada vez mais analógica, performática, simbólica,
mais forma que conteúdo nas esteiras das subjetividades” (PORTELLA, 2008b, p.
158). Como questão de sobrevivência o que importa é cada um vender o “seu peixe”
para manter-se no mercado e procurar expandir-se, assim como as empresas
multinacionais.
Na nova ordem econômica do capitalismo globalizado, as distâncias são
pequenas, mas as opções de prateleiras e do cardápio são variadas. Diante de
múltiplas opções, a sociedade tem o poder de escolha, sendo estimulada a tornar-se
consumista em várias esferas, inclusive na religiosa.

Novos tipos de consumo, a obsolescência planejada, um ritmo ainda mais


rápido de mudanças na moda e no estilo, a penetração da propaganda, um
nível de inserção na sociedade, até então sem paralelo, da televisão e da
mídia em geral, a substituição da velha tensão entre a cidade e o campo, o
centro e a província, pela tensão entre o subúrbio e a padronização
universal, o crescimento de grandes redes de estradas de alta velocidade e
a chegada da cultura do automóvel – esses são alguns dos aspectos que
poderiam parecer marcar uma ruptura radical com aquela antiga
sociedade pré-guerra, na qual o alto modernismo ainda era uma força
subterrânea (JAMESON, 2006, p. 43).

Para Fredric Jameson (2006, p. 20) há estreita relação entre a (pós-)


modernidade e a dinâmica cultural do capitalismo hodierno. A atual época, na
conceituação jamesoniana

[...] trata-se [...] de um conceito de periodização, cuja função é


correlacionar o surgimento de novos aspectos formais na cultura com o
53

surgimento de um novo tipo de vida social e de uma nova ordem


econômica [...] frequentemente chamado [...] de modernização, sociedade
de consumo pós-industrial, de sociedade da mídia e do espetáculo [...]
[de] capitalismo multinacional.

Esta dinâmica tem mudado as relações pessoais da sociedade e também a


mentalidade das pessoas. É a sociedade da mídia, do espetáculo e do consumo.
Jameson (2006, p. 44) chama este capitalismo neoliberal de “capitalismo tardio de
consumo ou capitalismo multinacional”, pois “o (pós-)modernismo responde ou
reproduz – reforça – a lógica do capitalismo de consumo”. A sociedade capitalista
consumista, pluralista, é impulsionada pela mídia e pelas propagandas, que
estimulam constantemente o consumo indiscriminado, a fim de alimentar o mercado.
E também o mercado religioso.

2.4.3 Globalização e religião: os novos movimentos religiosos


A partir de 1960 ocorre uma grande mudança no cenário religioso, no
“mercado de bens simbólicos de salvação” (BOURDIEU, 2007). Há o crescimento
de novas religiosidades não apenas no Brasil, mas na Europa, EUA e também em
países da Ásia, Leste Europeu e África. Grandes transformações tem ocorrido no
campo religioso. Nas palavras de Siqueira (2002, p. 177) há uma “espiral de
transformações por que passa a dimensão religiosa na atualidade”.
Para Guerriero (2006) há, ao mesmo tempo, um crescimento de novas
religiosidades e de fundamentalismos, sendo evidente o caráter plural das
religiosidades hodiernas. Trata-se da explosão e proliferação de novas religiosidades:
os NMR.

É nesse quadro, marcado paradoxalmente por um processo de


secularização por um lado, mas por um pluralismo e disputas pelo novo
“consumidor de bens religiosos” de outro, que devemos analisar os
processos de sincretismo, de surgimento de novas organizações religiosas
(algumas até de feições empresariais) e do aparecimento do que tem sido
chamado, até por falta de um termo mais apropriado, de “novos
movimentos religiosos” (CAMPOS, 2002, p. 98, grifos nossos).

A globalização, de acordo com Rodrigues (2008, p. 30), é o grande


impulsionador para o surgimento dessas novas religiosidades. Para ele

“[...] em quase todos os países atuais, ricos e pobres, embora com as suas
especificidades, no contexto da globalização, há um terreno fértil para o
aparecimento de novos movimentos religiosos, sejam de matriz judaico-
cristã, oriental, filosófica e (pseudo) científica” (RODRIGUES, 2008, p.
30).
54

Ianni observa que “o mundo continua povoado de múltiplas e distintas formas


culturais, línguas, religiões, tradições e visões de mundo [...]”, mas com a
globalização, “tudo se modifica. No curso da história da globalização do capitalismo,
muito do que se encontra pelo caminho se altera, tensiona, modifica, anula, mutila,
recria ou transfigura” (IANNI, 2008, p. 172, grifo nosso). É nesse contexto que
surgem os NMR.
NMR “[...] é um conceito sociológico criado na década de 50 do século XX
para designar e substituir a clássica tipologia [weberiana] Igreja-Denominação-Seita-
Culto” (RODRIGUES, 2008, p. 29). Para Guerriero (2006, p. 23; 2012, p. 119) os
NMR surgiram no Brasil na década de 1970, mesmo período em que a IURD nasceu!
Devido sua complexidade, é difícil definir os NMR. Para Guerriero (2006, p.
28; 2012, p. 118) ele está associado ao conceito de seita ou culto. Tais termos
“representam uma ruptura, uma separação diante das crenças, práticas e instituições
religiosas”, como a Igreja Católica, Igrejas Protestantes Históricas e até há um
distanciamento do Pentecostalismo Clássico.29
Há, desta forma, uma nova concepção de religião. Na realidade, quando se
fala de NMR, o termo “religiosidades” parece ser mais adequado que “religião”. De
acordo com Parker (1997, p. 143 apud SIQUEIRA, 2002, p. 178) “os limites que
separam religião de magia estariam desaparecendo e a religião não mais poderia ser
identificada com igreja”.30
Citando alguns autores Siqueira (2002, p. 177-178) lança mão de algumas
terminologias esclarecedoras acerca das novas religiosidades no espaço urbano
contemporâneo. Por exemplo, essa nova religiosidade pode ser referida como
“campo religioso ampliado”, “religião difusa”, “religiosidade ou identidade religiosa
flexível-flutuante”, “sacralidade não religiosa”, “nova religiosidade sincrética”,
“religiões seculares”, “diversidade nas formas de adesão” [em relação às igrejas
tradicionais]. Em todo o caso, esses termos apontam para a “implosão do conceito de

29
Guerriero ressalta que no caso brasileiro não faz sentido chamar a umbanda o candomblé ou o
pentecostalismo como NMR, pelo fato de esses movimentos já estarem inseridos na “paisagem
religiosa brasileira” e não ressaltar o caráter de novidade (2012, p. 119).
30
Apesar de Weber destacar que a magia está presente na religião e pode ser vista, por exemplo, no
papel do “carisma” do profeta, em que as profecias saíram do mundo da magia. Sobre isso Bourdieu
informa que “o poder carismático subsiste em virtude de uma submissão afetiva à pessoa do mestre e
aos dons de graça – carisma –, qualidades mágicas. Revelações ou heroísmo, poder do espírito ou do
discurso [...] por carisma deve-se entender uma qualidade considerada como extraordinária”
(BOURDIEU, 2007, p. 92, grifos do autor).
55

religião” sendo que novas formas de religiosidade surgem à margem de instituições


como as Católicas e Protestantes Históricas.
Para Campos (2002, p. 99, grifos do autor):

os especialistas em sociologia da religião têm usado a palavra “igreja”


para designar uma “instituição que foi, como resultado da obra de
redenção, dotada de graça e salvação’ e que pode ‘receber as massas, e
ajustar-se ao mundo”; enquanto “seita” se aplica aquela “instituição
formada de voluntários, composta de crentes [...] rigorosos e explícitos,
unidos entre si pelo fato de todos terem experimentado o novo
nascimento”.

As categorias weberianas “igreja” e “seita” são de difícil aplicação ao


complexo fenômeno dos NMR. No entanto, os NMR aproximam-se mais da
categoria “seita”, haja vista que as “seitas” não se encaixam nas instituições
religiosas oficiais, havendo “um grande trânsito [...] entre grupos, religiões, rituais,
doutrinas, práticas”, pela “[...] busca pelo sagrado na contemporaneidade”
(SIQUEIRA, 2002, p. 177).
Para tentar compreender os NMR, Campos (2002, p. 102-103) apresenta as
principais características desses movimentos utilizando, como estratégia, os tipos
ideais weberianos:

1. Origem fundada na contestação de algo que já existe.


2. Líder carismático e paternalista que provoca nos membros confiança e
submissão.
3. Os grupos são conduzidos de forma vertical e totalitária.
4. A obediência ideal é cega e há um forte controle grupal sobre cada
integrante.
5. Emprego de explicações simplistas e reducionistas para todos os
problemas.
6. Leitura literal dos livros sagrados (Bíblia, Alcorão, Livro Vermelho de
Mao, etc.), com aplicação de trechos fora do contexto, como se fosse uma
revelação mágica, recebida naquela hora.
7. Revelação constante de um iluminado ao qual se credita uma
experiência especial com a divindade.
8. Crença de que o grupo é o único fiel à divindade e que os demais
traíram suas origens, substituindo a verdade original por uma mentira
(teoria da caducidade dos demais grupos, seitas e religiões).
9. Eleicionismo e salvacionismo dos que fazem parte do grupo.
10. Busca de um progresso global (holístico) e não somente espiritual.
11. Recusam o diálogo (pois quem tem a verdade não há porque dialogar
com outros grupos e identidades religiosas) e o ecumenismo. Hostilidade
para com os demais grupos religiosos.
12. Preeminência do emotivo sobre o racional, emprego de técnicas
coercitivas para a reforma e modificação do comportamento.
13. Doutrinação intensiva, uso de um acompanhante integral (pelo menos
no início da adesão do neoconvertido), uma espécie de “anjo da guarda”,
encarregado de “zelar” pelo neófito.
14. Proselitismo compulsivo e obrigatório.
56

Por outro lado Siqueira (2002, p. 179-180, grifos da autora) apresenta como
características dos NMR:

“[...] nova consciência religiosa, ancorada na busca do autoconhecimento


e do auto-aperfeiçoamento, na construção de uma nova visão, holística,
do mundo, e construída, por boa parcela deles, em torno da preparação
para a Nova Era ou Novo Milênio. O básico dessa nova consciência é
composto por elementos cristãos e de outras tradições religiosas;
cósmicos (energia universal, forças cósmicas ou unidade do cosmos);
elementos de um eu sublimado (eu superior, eu maior, etc.) e valores
reificados, como amor, liberdade e paz”.31

Apesar de Siqueira (2002) não ter considerado grupos católicos e nem grupos
protestantes em seu estudo das novas religiosidades contemporâneas, há algumas
características enfocadas pela autora que encontram paralelo com a IURD: (1) o
homem é o senhor do seu destino e é levado a conquistar suas vitórias; (2)
divinização do indivíduo e a recuperação da magia; (3) a doutrina não é importante e
sim a religiosidade e prática dos ensinamentos. É evidente que há aspectos que a
IURD difere desses movimentos tratados por Siqueira como, por exemplo, a busca
do holismo e do diálogo inter-religioso.
No entanto, várias das características arroladas supra são encontradas na
IURD. Inclusive Rodrigues (2008, p. 18) considera essa igreja como um NMR. Por
isso, é importante conhecer suas raízes, cosmovisões e práticas que o aproximam de
um NMR.

31
Os grifos foram da autora exceto na expressão “elementos cristãos”.
57

3 A IURD COMO UM NOVO MOVIMENTO RELIGIOSO NA (PÓS-)


MODERNIDADE
De acordo com Ricardo Mariano o pentecostalismo e, em especial, o
neopentecostalismo, possui uma cosmovisão que envolve forças espirituais que
atuam nos problemas cotidianos.

[...] o pentecostalismo, de todas as vertentes, vai se instalando com seus


mitos, crenças e práticas rituais notavelmente mágicos. Pastores e fiéis
enxergam a ação divina e demoníaca nos acontecimentos mais
insignificantes do cotidiano. Para eles, não há acaso. Tudo é prenhe de
sentido, e a Bíblia contém todas as respostas de que precisam. Daí a
banalização de fenômenos sobrenaturais nas igrejas pentecostais
(MARIANO, 2010, p. 110).

Para Bledsoe (2012) a IURD é um movimento “demoniocêntrico”, em que há


ênfase no “inimigo de Deus” em seus cultos. Seguindo essa trilha, é importante
conhecer um breve histórico do neopentecostalismo e, em especial, da IURD, bem
como a cosmovisão iurdiana que orienta sua teologia e práticas corroborando para se
conhecer melhor esse movimento.
A IURD faz parte da chamada “terceira onda” do pentecostalismo brasileiro.
Suas crenças têm estreita relação com a Teologia da Confissão Positiva e, mais
especificamente, com a Teologia da Prosperidade que é uma das marcas do
neopentecostalismo brasileiro tendo como seu representante principal a IURD.

3.1 AS TRÊS ONDAS DO PENTECOSTALISMO


O pentecostalismo tem pouco mais de 100 anos de introdução no Brasil e,
desde então, apresentou um crescimento contínuo expandindo-se de forma numérica
e geográfica. Ancorado na classificação empreendida por Paul Freston (1993),32
sabe-se que a IURD faz parte da terceira geração ou “onda” do pentecostalismo
brasileiro (BLEDSOE, 2012; MARIANO, 2010).33 A primeira onda, conhecida como
Pentecostalismo Clássico (1910-1950), é caracterizada pela entrada do
pentecostalismo no Brasil em 1910 com a Congregação Cristã no Brasil (CCB) e, um
ano depois, com a Assembleia de Deus (AD). O autor faz um pequeno histórico

32
Mariano (2010, p. 28) ressalta que David Martin foi o primeiro que dividiu mundialmente o
protestantismo em três ondas: a puritana, a metodista e a pentecostal. Desta forma, Freston (1993)
adaptou essa classificação de Martin, aplicando-a ao contexto brasileiro.
33
Empregamos a terminologia “onda” por essa classificação do Pentecostalismo ser clássica, apesar
de críticas e inadequações dessa nomenclatura para se estudar fenômenos sociais.
58

dessas igrejas destacando que, na sua fundação, elas eram marcadas, em especial a
AD,34 pela ênfase no batismo com o Espírito Santo com a evidência da glossolalia,
nos usos e costumes, na escatologia dispensacionalista,35 além de um forte
proselitismo em direção à Igreja Católica e às Igrejas Evangélicas de Missão.36 A AD
é atualmente a maior denominação evangélica do país.
No segundo movimento do pentecostalismo, o Pentecostalismo de Segunda
Onda (1950-1970) ou Deuteropentecostalismo, surgiram igrejas como a Igreja do
Evangelho Quadrangular (IEQ), Igreja O Brasil para Cristo (BPC) e a Igreja
Pentecostal Deus é Amor (IPDA). Dentre as características marcantes desse período
estão à ênfase na cura divina e no exorcismo. A IEQ e a BPC tem características
semelhantes como a liberação dos rígidos usos e costumes, estilos contemporâneos
de louvor e participação na política. No entanto, a IPDA, ao contrário das outras
duas, possui rígidos padrões de comportamento sendo altamente facciosa e legalista.
A Renovação Espiritual que alcançou Igrejas Evangélicas de Missão também
fez parte dessa segunda onda, abrangendo o período entre 1960 e 1970. Bledsoe
(2012, p. 40ss.) destaca que algumas denominações históricas acrescentaram
elementos pentecostais, mesmo mantendo estruturas e filosofias similares. Esse
período foi marcado pela divisão de Igrejas Evangélicas de Missão, resultando em
novas congregações, novas denominações e igrejas independentes, sempre
promovendo o pentecostalismo em suas estruturas. Em 1965 foi emblemática a
fundação da Convenção Batista Nacional (CBN), divisão oriunda da Convenção
Batista Brasileira (CBB), e hoje considerada a maior denominação renovada
brasileira.
A terceira onda pentecostal foi o Período Neopentecostal (1977-atual) ou
Pentecostalismo Autônomo. O movimento neopentecostal é difícil de ser definido
devido a sua complexidade. Não há unanimidade teológica neste grupo e nem há
como precisar o número de seus membros, haja vista a grande rotatividade de
pessoas em seus cultos. Este movimento é uma nova forma pentecostal tendo como
traços marcantes a Teologia da Prosperidade e a Batalha Espiritual. Na primeira
ênfase a “[...] realização e riqueza é colocada em plano semelhante ou superior à
perseverança na salvação” (BLEDSOE, 2012, p. 43). Já a Batalha Espiritual atribui

34
A CCB não é proselitista, por causa de sua doutrina predestinacionista (calvinista).
35
Mais adiante, neste capítulo, trabalharemos a visão escatológica do dispensacionalismo.
36
As Igrejas Evangélicas de Missão são as Igrejas Evangélicas Históricas Tradicionais como, por
exemplo, Batista, Presbiteriana, Congregacional etc.
59

todos os males como a doença, pobreza e pecados aos demônios que são sempre
associados ao panteão das religiões afro-brasileiras e ao espiritismo.
Dentre as igrejas representantes do neopentecostalismo estão a Igreja
Internacional da Graça de Deus (IIGD) e a IURD. A IURD foi fundada em 1977 por
Edir Macedo. Ela tem como marcas principais a crença de que o evangelho de Jesus
traz em seu bojo as bênçãos físicas, financeiras e espirituais, além da libertação dos
demônios pelo uso da fé. A IURD faz grande uso da mídia (rádio, TV e internet) para
divulgação da sua mensagem. Já a IIGD, liderada pelo Missionário R. R. Soares,
cunhado de Edir Macedo, é caracterizada pela ênfase nos milagres, nas curas,
libertação de demônios e demonstrações de poder em suas concentrações. Ela
também lança mão de estratégias de mídia, tendo um programa de TV intitulado
Show da Fé em que R. R. Soares, em horários nobres, exibe músicas, mensagens e
depoimentos de curas após orações feitas “em nome de Jesus”.
Há outras igrejas menores oriundas desse movimento neopentecostal37 e que
influenciam igrejas históricas e pentecostais, promovendo grande diversificação no
cenário pentecostal brasileiro (BLEDSOE, 2012). Em suma, o neopentecostalismo,
marcado pelo intenso crescimento numérico, é um “pentecostalismo autônomo ou
agências de cura” cuja característica marcante é a “comercialização dos bens
simbólicos” (MONTEIRO, 2012).38

3.2 MADE IN BRAZIL: SUCINTO HISTÓRICO DA IURD


Sob a liderança de Edir Macedo a Igreja da Benção (primeiro nome da IURD)
iniciou os seus trabalhos em um galpão, numa antiga fábrica na Avenida Suburbana,
no bairro da Abolição, no Rio de Janeiro, em 9 de julho de 1977. Inicialmente
recebia até 1.500 fieis. Posteriormente, com as reformas, a capacidade ampliou para
2.000 pessoas.
Em 7 de junho de 1980 Macedo separa-se do seu cunhado, R. R. Soares (o
qual, no contexto desse rompimento, fundou a Igreja Internacional da Graça de

37
Como, por exemplo, a Comunidade Sara Nossa Terra (CSNT), Igreja Apostólica Renascer em
Cristo (IARC) e a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD). Esta última foi fundada pelo ex-líder da
IURD Valdemiro Santiago. Sara Nossa Terra e Renascer são igrejas de origem e composição bem
diferentes, do ponto de vista sociológico.
38
No começo dessas igrejas, o rótulo “agências de cura” se justificava. No entanto, hoje algumas
delas se tornaram grandes denominações, com status igual ao das mais antigas. Para maiores
informações sobre as origens do pentecostalismo e neopentecostalismo no Brasil, destacando as suas
origens norte-americanas, ver Campos (2005).
60

Deus). Três anos após esse episódio, a IURD começa a crescer no Rio de Janeiro
através da abertura de vários templos (TAVOLARO; LEMOS, 2007; ROMEIRO,
2005).
Desde sua fundação, a IURD cresceu extraordinariamente.39 Edir Macedo tem
uma força extraordinária sobre seu rebanho. Ao trabalhar a categoria do “profeta” em
Max Weber, Pierre Bourdieu faz a seguinte observação:

O poder do profeta baseia-se na força do grupo que mobiliza por meio de


sua aptidão para simbolizar em uma conduta exemplar e/ou em um
discurso […] sistemático os interesses propriamente religiosos de leigos
que ocupam uma determinada posição na estrutura social [...] o profeta
traz ao nível do discurso [...] representações, sentimentos e aspirações que
já existiam antes dele, embora de modo explícito, semiconsciente ou
inconsciente [...] [agindo] como uma força organizadora e mobilizadora.
(2007, p. 92, grifo do autor).

Edir Macedo assume a postura de um líder carismático; um “profeta” nas


categorias weberianas.40 A sua relação com os seus seguidores se dá através de seu
exemplo e da sua autoridade por meio de um discurso que mobiliza massas. O
“Bispo”, como Macedo é tratado nos arraiais iurdianos, transformou a IURD, no
dizer de Romeiro (2005, p. 53), em um “verdadeiro império da comunicação”,
crescendo nacional e internacionalmente. Dentre as marcas características da igreja,
está a pregação forte contra as religiões de matriz africana, “com ênfase na prática do
exorcismo [...] [e] apelo criativo e contundente por dinheiro”.

3.3 ÊNFASES (NEO)PENTECOSTAIS


Sabemos que o pentecostalismo brasileiro é variado e complexo. Por isso,
elencaremos neste tópico aspectos identitários dos vários pentecostalismos e
neopentecostalismos do Brasil, lançando mão do recurso weberiano do “tipo ideal”
na tentativa de abranger grande parte dessas matrizes protestantes (WEBER, 2002,
p. 226-231; MORA, 2004b, p. 2874).
Para Weber, os tipos ideais são “construções [que] possibilitam determinar o
local tipológico de um fenômeno histórico”. Não pretende ser uma representação

39
Giumbelli (2002, p. 288-289) apresenta números que demonstram extraordinário crescimento em
número de fieis, de inserção na mídia e na política da IURD desde a sua fundação. No entanto, apesar
de o último censo de 2010 detectar uma perda, nos últimos dez anos, de 10% de fieis da IURD para
sua recém fundada concorrente Igreja Mundial do Poder de Deus (LOPES, 2012), mesmo assim, ela
continua sendo proeminente no neopentecostalismo brasileiro.
40
De certa forma, Macedo também assume os papeis weberianos de sacerdote (o Bispo da IURD) e de
mago (como aquele que tem poder sobre os demônios e pode curar doenças).
61

exata da realidade, mas é “um recurso técnico que facilita uma disposição e
terminologia mais lúcidas” (2002, p. 226-227). Ele lançou mão desse recurso, por
exemplo, para ajudar na compreensão da ética religiosa (asceticismo e misticismo),
das relações do campo religioso tipificado pelos tipos do profeta, sacerdote, mago e
leigo etc.
Sabendo que os tipos ideais são instrumentos heurísticos que devem ser
tomados como idealizações, os elaboramos baseados em nossas leituras e contatos
com os campos (neo)pentecostais.41

3.3.1 Ênfases pentecostais


As ênfases pentecostais que destacamos são: visão dispensacionalista da
história, o destino de cada indivíduo depende de sua fidelidade, santificação e o
batismo com o Espírito Santo – glossolalia, e escatologia futura e transcendente.

3.3.1.1 Visão dispensacionalista da história


O dispensacionalismo é uma doutrina escatológica cristã desenvolvida na
Inglaterra por Edward Irving e John Nelson Darby, popularizada pela Bíblia de
Referência de Scofield42 no começo do século XIX. Esse sistema escatológico é
quase um sinônimo de fundamentalismo pelo fato de enfatizar uma interpretação
rígida e literal das Escrituras Cristãs.
A palavra “dispensação”, para Scofield, significa literalmente
“administração” e se refere ao método divino de lidar com a humanidade e de
administrar a verdade em diferentes períodos da história. Uma dispensação “é um
período de tempo durante o qual o homem é testado quanto à sua obediência a
respeito de alguma revelação específica da vontade de Deus” (SCOFIELD, 2002, p.
4).43
Para Scofield existem sete dispensações bíblicas relatadas:
1. Primeira dispensação – inocência: o ser humano foi criado em estado de
inocência, sem pecado. No entanto, ele foi testado, cedeu a tentação, mas

41
Nas ênfases neopentecostais, faremos referências principalmente à IURD, pelo fato de ser a
principal representante do neopentecostalismo brasileiro e o foco do nosso estudo.
42
Essa Bíblia de Estudo best-selling foi produzida por Cyrus Ingerson Scofield (1843 – 1921) um
teólogo norte-americano, ministro religioso, e escritor que popularizou o dispensacionalismo entre os
fundamentalistas cristãos.
43
Todas as referências da Bíblia de Scofield foram traduzidas pelo autor desta pesquisa.
62

ele cede, desobedece a Deus e ocorre a entrada do pecado no mundo


(SCOFIELD, 2002, p. 5);44
2. Segunda dispensação – consciência (responsabilidade moral): Nesta
dispensação o ser humano pecou. Após esse trágico episódio, há a ideia
de que o ser humano, sabendo distinguir entre o bem e o mal, passa a ter
responsabilidade sobre suas escolhas diante de Deus. Apesar do pecado, o
livro bíblico de Gênesis 3.1545 apresenta a promessa da vinda de Cristo
para a solução do pecado (SCOFIELD, 2002, p. 8);
3. Terceira dispensação – governo humano: esta dispensação inicia com a
entrada de Noé na Arca, antes de Deus implementar juízo no mundo.
Nesta nova dispensação, o ser humano teria a obrigação de organizar a
sociedade, a fim de estabelecer autoridades civis para reprimir a anarquia
e levar os seres humanos caídos a Deus. Esse período vai desde o
Dilúvio46 até a torre de Babel47 (SCOFIELD, 2002, p. 17);
4. Quarta dispensação – promessa: Esta dispensação compreende desde a
chamada de Abraão até a entrega das leis divinas ao povo de Israel. Deus
escolhe um homem, Abraão, e cria através dele um povo particular
chamado posteriormente de Israel. A mordomia passa de Abraão a seu
filho Isaque, e do seu filho Isaque a Jacó. Este último teve o seu nome
trocado para Israel, nome dado ao povo descendente dele (SCOFIELD,
2002, p. 23);
5. Quinta dispensação – a Lei: Administração que consistia na entrega das
leis de Deus (como os Dez Mandamentos) a Moisés, que por sua vez, fê-
las conhecidas ao povo de Israel. Estas leis foram dadas para mostrar a
maravilhosa santidade de Deus e a pecaminosidade do ser humano, pois

44
Essa dispensação refere-se à interpretação dos primeiros capítulos do livro bíblico de Gênesis que
relata a criação do ser humano e de todas as coisas, bem como a tentação e a queda quando Adão e
Eva desobedeceram a Deus comendo do fruto proibido da árvore do conhecimento do bem e do mal,
conforme Gênesis 2.9, 17.
45
Este texto diz: “Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente
dela; este lhe ferirá a cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar”.
46
O relato bíblico do Dilúvio está registrado em Gênesis 6 – 8. Devido a maldade do ser humano,
Deus se arrepende de tê-lo criado. Por isso, Deus decide fazer um enorme dilúvio destruindo tudo o
que havia sido criado até então. No entanto, Deus decide poupar Noé, por este ter agido bem, e lhe
orienta construir uma grande arca de madeira, a fim de abrigar sua família e um casal de cada espécie
existente de animal.
47
A Torre de Babel, segundo a narrativa de Gênesis 11.1-9, foi uma torre construída por um povo
objetivando que o cume chegasse ao céu, para que tivesse seu nome famoso em toda a terra. Quando
Deus viu esse propósito, puniu a humanidade com a confusão de línguas. Assim, o relato mostra como
surgiu, nessa perspectiva, a variedade de idiomas no mundo.
63

este não conseguiu guardar perfeitamente as leis divinas. Essa


dispensação subsistiu até ao sacrifício de Jesus, quando veio ao mundo
(SCOFIELD, 2002, p. 113);
6. Sexta dispensação – a Igreja: Com a vinda de Jesus, ele anunciou o
início de uma nova era. De acordo com o texto bíblico de Mateus 16.18,48
Jesus criou um novo povo chamado de igreja. Após a ressurreição e
ascensão de Jesus, o Espírito Santo é derramado sobre a igreja. Por isso,
para Scofield, essa dispensação poderia ser chamada de “dispensação do
Espírito”. O teste envolvido nesta administração é a resposta à mensagem
do evangelho que proclama a crença na morte e ressurreição de Jesus
pelos pecados da humanidade. Aqueles que são fieis a Jesus Cristo e
reconhecem sua obra salvífica de morte na cruz e ressurreição, fazem
parte da Igreja. Esta dispensação vigora até os dias de hoje e trata da
responsabilidade da igreja em pregar os ensinos de Jesus ao mundo
(SCOFIELD, 2002, p. 1494);
7. Sétima dispensação – o Reino: Corresponde a um período que durará mil
anos chamado de milênio (milenarismo). Quando Jesus voltar, prenderá
Satanás e implantará neste mundo um reino de justiça, paz e prosperidade.
De acordo com Oliveira (1987, p. 341) o milênio será “mil anos de paz e
governo perfeito sob o reinado de Sua Majestade, o Senhor Jesus Cristo,
assinalando o começo duma nova dispensação”. Ao final desta
dispensação, Satanás será solto e derrotado para sempre. Após esse
período, começará o estado eterno (SCOFIELD, 2002, p. 1743).

3.3.1.2 O destino de cada indivíduo depende de sua fidelidade


O pentecostalismo assume a posição teológica clássica do Arminianismo.
Esta corrente de pensamento baseia-se nas ideias do teólogo holandês Jacobus
Arminius (1560 – 1609). O Arminianismo pode ser definido, de acordo com
Salvador (s.d., p. 31-44),49 basicamente pelos seguintes pontos:

48
O texto mateano diz: “E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e
as portas do Hades não poderão vencê-la”. A Bíblia da Nova Versão Internacional, utilizada aqui,
apresenta uma nota de rodapé dizendo que a palavra “Hades” pode ser traduzida por inferno, sepulcro,
morte ou profundezas.
49
Apesar da obra de Salvador (s.d.) tratar da relação entre o Arminianismo e o Metodismo
(Arminianismo Wesleyano), este capítulo 3, intitulado “As Doutrinas Arminianas”, que abrange as
páginas 31 a 44, trata das doutrinas arminianas históricas. Apenas posteriormente o referido autor
trabalha os diferenciais entre o Metodismo e as doutrinas clássicas do Arminianismo.
64

1. Deus é soberano e o ser humano é plenamente livre: Deus é soberano


sobre todas as coisas. No entanto, ao contrário do Calvinismo, que
defende que Deus “determinava os atos dos seres livres”, os seres
humanos têm capacidade de responder à revelação de Deus através de
Jesus Cristo (SALVADOR, s.d., p. 34);
2. A predestinação é condicional e baseada na fé prevista: Deus não pode
ter decretado escolher alguns homens para a salvação e outros para a
perdição, pois isso não pode combinar com a sua perfeição moral. Por
isso, a eleição é condicionada à fé ou incredulidade prevista. Aqueles que
Deus viu que exerceriam o livre-arbítrio aceitando livremente a Jesus,
seriam salvos. O autor pentecostal Oliveira resume esse ponto afirmando
que “baseado no seu conhecimento quanto à decisão que o crente tomaria,
Deus o elegeu, antes mesmo de lançados os fundamentos da terra” (1987,
p. 219);
3. O ser humano tem livre-arbítrio: a exaltação de Deus exige a liberdade
do ser humano. Por isso, “admitida a predestinação absoluta, o livre-
arbítrio torna-se impossível, porque a vontade já se acha determinada em
seu exercício”, o que é incoerente na visão Arminiana (SALVADOR, s.d.,
p. 36). Por isso, Oliveira destaca que “todos os tratos de Deus com o
homem [...] estão baseados nas decisões que o homem toma, uma vez que
é um agente livre para aceitar ou rejeitar o dom de Deus” (1987, p. 222);
4. A queda não foi predeterminada: A entrada do pecado no mundo não
foi predeterminado por Deus, mas foi fruto do uso da liberdade do ser
humano. Por isso, ele é culpado pelo livre exercício de sua vontade;
5. A obra de Cristo foi por todos os seres humanos: Cristo não morreu na
cruz para pagar a penalidade apenas dos eleitos. Antes, “a salvação era
universal, porque seu sacrifício fora de extensa amplitude” (SALVADOR,
s.d., p. 38).
6. A perseverança dos santos é condicional: apesar de a entrada do pecado
no mundo ter afetado todos os seres humanos, mas “ainda resta a
capacidade [de o ser humano] responder à graça de Deus e aceitá-la ou
recusá-la” (SALVADOR, s.d., p. 40). Por isso, a perseverança do crente
no caminho de Deus não depende exclusivamente de Deus. Através de
65

sua escolha,o ser humano pode entrar na graça de Deus e também pode
decair da graça salvífica.

Com uma teologia arminiana,50 o pentecostalismo acredita que o ser humano


pode cooperar com a sua salvação. O destino de cada pessoa é traçado por ela mesma
e, na sua jornada cristã, há cooperação dela com Deus.
O teólogo pentecostal Antonio Gilberto é categórico a esse respeito: “Deus
não elege uns para a salvação, e outros, para a perdição. O homem é capaz de fazer a
livre-escolha. E a graça de Deus não é irresistível, como muitos ensinam,valendo-se
do falacioso chavão ‘Uma vez salvo, salvo para sempre’” (2011, p. 367).
O antropólogo do cristianismo Simon Coleman destaca que nos EUA, alguns
movimentos pentecostais

[...] do século XIX [...] foram fundadas em princípios explicitamente


racionais de eficiência; em parte através de sua influência houve uma
mudança generalizada das noções calvinistas da predestinação, presentes
fortemente entre os Protestantes americanos para uma concepção
arminiana. (COLEMAN, 2004, p. 425, tradução nossa).

Desta forma, ao contrário da concepção reformada calvinista, a visão


pentecostal, arminiana, defende que, caso o individuo persevere até o fim e seja fiel
aos preceitos bíblicos, ele pode ser salvo e viver eternamente com Deus. Desta
forma, o destino final e eterno de cada um depende da sua fidelidade a Deus.

3.3.1.3 Santificação e batismo com o Espírito Santo: glossolalia51


Dentre as marcas pentecostais estão a santificação e o batismo com o Espírito
Santo. Inicialmente, o pentecostalismo era marcado por um comportamento radical
de sectarismo e rejeição do mundo exterior. Mariano atenta que o perfil social do
pentecostalismo, nas últimas décadas, mudou parcialmente. Apesar de ainda

50
A exceção é a CCB que tem raízes calvinistas pelo fato de seu fundador, o missionário italiano
Louis Francescon, ter origem presbiteriana (BLEDSOE, 2012, p. 31; MARIANO, 2010, p. 31).
51
De acordo com Delgado, citando observações do Prof. Heraldo Maués ao seu trabalho, informa há
diferenças entre as palavras “glossolalia”, “xenolalia” e “xenoglossia”. Para ele “Glossolalia em
termos técnicos é a emissão de sons ritmados, mas sem sentido aparente. E pode ser interpretada
culturalmente tanto como um fenômeno religioso, místico, como não religioso (por exemplo, cantores
de jazz, quando improvisam, fazem uma espécie de glossolalia [...]). Xenolalia é falar numa língua
estrangeira. O episódio narrado em Atos 2, é xenolalia. O que ocorre mais comumente, inclusive nas
igrejas pentecostais é a glossolalia (mas não só, e não só no cristianismo)” (DELGADO, 2008, p. 19,
nota nº. 6). Mais adiante Delgado (2008, p. 20, nota nº. 7) informa que xenolalia corresponde à
xenoglossia e corresponde à “fala espontânea em língua(s) que não fora(m) previamente
aprendida(s)”.
66

abrigarem “as camadas pobres e pouco escolarizadas”, o seu escopo abrange “setores
de classe média, profissionais liberais e empresários” (MARIANO, 2010, p. 29).
Inicialmente havia uma rejeição ao mundo exterior. Normas de usos e
costumes eram observados rigidamente. Evitava-se assistir TV, participar de teatros,
jogatinas etc. Normas de condutas deveriam ser obedecidas até o crente morrer e ir
ao céu, ou até o retorno de Jesus Cristo (BLEDSOE, 2012).
Apesar de haver mudanças significativas no pentecostalismo hodierno,
Mariano atenta que eles ainda mantêm “bem vivos a postura sectária e o ideário
ascético” (2010, p. 29-30).52 Assim, o crente deve se santificar do mundo,
demonstrando ser diferente.
Talvez a mais emblemática marca do pentecostalismo seja o batismo com o
Espírito Santo com a ênfase na glossolalia. Este batismo seria uma imersão do crente
no Espírito e ocorre após a conversão da pessoa a Jesus. O principal texto bíblico
utilizado encontra-se em Atos 2.1-4 que diz:

Chegando o dia de Pentecoste, estavam todos reunidos num só lugar. De


repente veio do céu um som, como de um vento muito forte, e encheu
toda a casa na qual estavam assentados. E viram o que parecia línguas de
fogo, que se separaram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram
cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o
Espírito os capacitava.

No relato acima, no dia da festa judaica de Pentecostes,53 um grupo de cento e


vinte pessoas estava reunido em Jerusalém aguardando a promessa do Jesus
ressurreto. Então, conforme a narrativa, eles ficaram cheios do Espírito Santo e
falaram em outras línguas. A partir desse momento, relata-se que os primeiros
cristãos foram revestidos com poder e intrepidez para anunciar o evangelho às
nações.
Esta narrativa é utilizada pelos pentecostais para ensinarem que o batismo
com o Espírito Santo é um revestimento de poder que tem como sinal exterior o dom
de línguas (glossolalia). A partir dessa experiência, o crente recebe poder para pregar
o evangelho com intrepidez e se aproximar mais de Deus.

52
Apesar de o próprio Mariano observar que o ingresso do pentecostalismo na política, o ingresso na
TV e a flexibilidade nos usos e costumes demonstrarem transformações internas que sugerem uma
espécie de dessectarização (2010, p. 30).
53
Pentecostes é uma festa judaica que acontece cinquenta dias após a celebração da Páscoa. Devido o
período dessa festa judaica marcar esse derramamento do Espírito Santo, os pentecostais foram assim
denominados.
67

3.3.1.4 Escatologia futura e transcendente


Seguindo a trilha proposta por Baptista (2009, p. 88), a escatologia
pentecostal é marcada pelo aspecto futuro e transcendente. Há a crença na iminência
da volta de Jesus Cristo, no arrebatamento da Igreja e na salvação paradisíaca. A
esperança é que, no futuro, Jesus voltará pela segunda vez a este mundo. A primeira
vez ele veio como homem para salvar a humanidade. Já a sua segunda vinda de
Jesus ocorrerá em duas etapas: a) arrebatamento secreto; b) revelação (OLIVEIRA,
1987, p. 338-339).
No arrebatamento secreto, Jesus virá “para os seus”, ou seja, para buscar a
sua igreja. Cristo “não tocará os seus pés na terra, tampouco será visível ao mundo”
(OLIVEIRA, 1987, p. 339, grifo do autor). Essa vinda será secreta para as pessoas
não salvas. Neste evento, que é iminente, os crentes sumirão e, num picar de olhos,
serão transformados e irão para o céu.
Após o arrebatamento secreto ocorrerá na terra uma grande tribulação que
durará sete anos. A igreja será arrebatada, pois esse período turbulento será de juízo
sobre os não cristãos e sobre o povo de Israel que não aceitaram Jesus como o
Messias.
Após os sete anos da grande tribulação, ocorrerá a segunda fase da vinda de
Cristo. Agora, ele “virá com os seus” (OLIVEIRA, 1987, p. 339, grifo do autor).
Jesus voltará física e visivelmente, de forma exaltada e triunfante, juntamente com os
que foram arrebatados. Ele virá para implementar o seu reino de mil anos na terra.
Há a crença na iminência da segunda vinda de Jesus Cristo a este mundo, quando, na
qualidade de messias, implantará um governo milenial que será governado por ele
(BAPTISTA, 2009, p. 88-89). Esse período de grande tribulação é uma espécie de
transição da dispensação da igreja para a dispensação do milênio.
Uma famosa série de treze volumes denominada de “Deixados para trás”,
escrita por Tim LaHaye e Jerry Jenkins, foi que mais contribuiu para o
fortalecimento dessa visão escatológica nos EUA e entre os evangélicos brasileiros,
especialmente entre os pentecostais.

3.3.2 Ênfases neopentecostais


As ênfases neopentecostais que destacamos e que podem nos ajudar a
compreender melhor esse movimento são: o povo de Deus tem de viver em Batalha
68

Espiritual, pois o mundo é habitado por seres malignos; a vida do cristão é medida
pelo sacrifício; a plenitude da vida cristã está na vida de saúde e sucesso permanente;
e uma visão escatológica presente e imanente.

3.3.2.1 O povo de Deus tem de viver em Batalha Espiritual, pois o mundo é habitado
por seres malignos
A IURD mesmo tendo surgido no final da década de 1970, aderiu, na
informação de Mariano (2010, p. 137) “no início dos anos 90, [a] novas concepções
de guerra espiritual”. Esta doutrina conhecida como “Batalha Espiritual” ou
“Teologia do Domínio”, surgiu nos EUA nos anos 1980 e está relacionada a “tudo o
que se refere à luta dos cristãos contra o Diabo”.
Essa concepção adentrou na visão iurdiana e tem relação com sua concepção
quanto à origem de problemas como as doenças, problemas financeiros, falta de sorte
no amor etc. e propõe suas causas e forma de combate. Para Edir Macedo (2012, p.
124) as doenças, por exemplo, têm origem demoníaca. Mesmo que “[...] nem todas
sejam provenientes de possessão demoníaca, convém lembrar que elas não são de
Deus”.54 Ele acrescenta que “tudo o que existe de ruim neste mundo tem sua origem
em Satanás e seus demônios” (MACEDO, 2012, p. 123). É por isso que, na visão
macediana, “os hospitais vivem lotados, os cárceres apinhados, os manicômios
cheios e a miséria, a dor e o caos pairam sobre a face da Terra”.
Assim, o mundo é habitado por seres malignos chamados de demônios.
Mariano (2010, p. 113) destaca que para os neopentecostais, “o que se passa no
‘mundo material’ decorre da guerra travada entre as forças divina e demoníaca no
‘mundo espiritual’”. Comentando o texto bíblico de Efésios 6.1255 Macedo (s.d., p.
121) ressalta que “o apóstolo Paulo compreendia muito bem a tarefa da igreja e
focaliza a intensidade do combate para o que o soldado cristão deve ter a preparação
e a força necessárias. A luta contra o mal, assim sendo, deve ser vista como uma
batalha séria, e nada fácil”. Isto significa que, se os demônios são os culpados pelos
males neste mundo, o crente deve aprender a lutar contra tais entidades.
Os demônios “são espíritos sem corpos, anjos decaídos, rebeldes, que atuam
na humanidade desde o princípio, com a finalidade de destruí-la e afastá-la de Deus”
54
Utilizamos neste artigo o vocábulo “possessão” e expressões equivalentes como significando a
entrada de uma entidade, que na cosmovisão da IURD, sempre se refere a demônios, mesmo que se
apresente com nomes de divindades de outras religiões.
55
O texto de Efésios 6.12 diz: “pois a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e
autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas
regiões celestiais.”
69

(MACEDO, 2012, p. 20). Seguindo a tradição cristã conservadora de interpretação


de textos bíblicos do Primeiro Testamento, como Isaías 14.12-15 e Ezequiel 28,
Macedo acredita que Lúcifer era um anjo de Deus, mas ele se rebelou querendo ser
igual ao Criador. Vários anjos o seguiram e, por isso, eles foram expulsos do céu e
transformaram-se em demônios. Atualmente eles vivem errantes e são inimigos de
Deus querendo enganar e destruir os seres humanos.
Para de alguma forma afetar a Deus, esses espíritos atingem as pessoas
através de doenças, misérias, desastres financeiros e fazendo-se de entidades
enganadoras que, na visão iurdiana, se manifestam, por exemplo, em religiões afro-
brasileiras e espíritas. A propósito, falando das divindades das religiões afros,
Macedo (2012, p. 23) informa que os exus, orixás, caboclos, preto-velhos e guias
são, na verdade, “espíritos malignos sem corpo, ansiando por achar um meio para se
expressarem neste mundo, não podendo fazê-lo antes de possuírem um corpo”.
Os demônios precisam de um corpo para se manifestar, pois eles “[...] não
têm corpo, tamanho ou sexo, entretanto, se alojam em um corpo humano e ali fazem
miséria” (MACEDO, 2012, p. 63). Para Macedo, as forças demoníacas agem até nos
micro-organismos:

Toda doença tem uma vida; isto é, algo que a faz aumentar e continuar a
sobreviver [...] [a] doença é provocada por um micro-organismo, que só é
visto por intermédio do microscópio, mas está vivo. Há uma força que o
faz viver e essa força tem vida. É o espírito de enfermidade. Quando se
toma um remédio eficaz, ele morre; o espírito de enfermidade deixa o
corpo daquele micro-organismo germe e a doença, naturalmente, acaba
(MACEDO, 2012, p. 79).

Isto significa que os demônios são os responsáveis pelas doenças e eles


precisam de um corpo para se manifestar. Como em todas as doenças, eles se
apossam de germes para manifestar a doença. “Quando um remédio mata o germe
que causa a enfermidade, o corpo [em que residia o germe] morre e o seu espírito [de
enfermidade] o deixa, ficando a pessoa curada” (MACEDO, 2012, p. 79).
De acordo com Mafra (2002, p. 217), levando-se em consideração o
“referencial cosmológico [da IURD], o culto é uma aula de enfrentamento pontual do
demônio”. Os espíritos malignos podem lançar males sobre as pessoas através de
refeições enfeitiçadas, uma palavra de maldição rogada por um inimigo etc. Como os
demônios são a causa de todos os males e doenças, é necessário expulsá-los para que
a doença, seja física ou espiritual, saia e ocorra a cura.
70

Essa cura é imediata através da libertação que consiste em participar dos


cultos iurdianos de libertação em que o pastor, o “homem de Deus”, faz orações “em
nome de Jesus”. Desta forma, “quando [o demônio] é expulso da vida dessa pessoa,
com a libertação, a cura é instantânea” (MACEDO, 2012, p. 131).
Clara Mafra (2002, p. 191) ressalta que os próprios pastores brasileiros,
quando em terras estrangeiras, reiteram que

O Brasil é a terra da umbanda e do candomblé, religiões afro-brasileiras


onde o diabo é incorporado, relacionando-se com os homens face a face e
sendo objeto de culto e adoração. A Igreja Universal formou-se no seio
deste reino demoníaco, revertendo um caminho de avanço do mal [não
apenas no Brasil, mas] no planeta.

Enfim, a causa das doenças como de todos os males como a prostituição, o


adultério, os assassinatos, os problemas financeiros etc. são todos de origem maligna,
sendo necessário se passar por processo de libertação para expulsar os espíritos
malignos causadores de tais males, demonstrando que Deus é mais forte que o diabo
e humilhando esse inimigo. Vencendo este inimigo com o poder de Deus, então o fiel
pode se desvencilhar de todos os seus problemas.

3.3.2.2 A vida do cristão é medida pelo sacrifício.


O sacrifício é o cerne teológico iurdiano. Na visão da IURD, “O sacrifício
inclui o ato de renunciar voluntariamente alguma coisa em troca de outra muito mais
valiosa [...] [fazendo] o impossível [...] tornar-se possível” (FOGUEIRA SANTA,
2012). Mesmo que nessa definição haja o destaque de outros tipos de sacrifício, pois
“além do ‘sacrifício econômico’, o desejo de alcançar o milagre faz muitos cristãos
se dedicarem a propósitos de fé individuais, como jejuns e orações nas madrugadas”
(FOGUEIRA SANTA, 2012), a associação com ofertas em dinheiro é muito mais
enfatizada.56
Assim, tais ofertas correspondem a esse sacrifício para a divindade. Não é
mais necessário derramar sangue de animais, pois a “oferta é o instrumento pelo qual
o ser humano se aproxima de Deus” (MACEDO, 1999, p. 37), cumprindo o papel

56
Na própria sessão do site da IURD que trata da Fogueira Santa, há a divulgação de contas correntes
de bancos para que o fiel sacrifique através da internet. Nitidamente, a associação mais natural é o
sacrifício como dinheiro.
71

que o sacrifício de animais cumpria outrora.57 Atualmente, “o dinheiro [...] é o


sangue da Igreja” (MACEDO, 2001, p. 71), sendo que, esse dinheiro ofertado é “o
sangue daqueles que foram salvos” (EM QUE CREMOS, 2013).
No dizer de Edir Macedo (1998, p. 90-91), essa fé que se materializa através
das ofertas “é sempre acompanhada pelo sacrifício”. A “qualidade de oferta
determina a qualidade da fé” e a “oferta de sacrifício é a mais alta expressão da fé
sobrenatural, a fé com qualidade”.
Para Mauss (2005b, p. 26) os seres ou objetos oferecidos em sacrifício “[...]
são profanos, e é preciso que mudem de estado. Para tanto, são necessários ritos que
os introduzam no mundo sagrado e ali os comprometam mais ou menos
profundamente”. No caso da IURD, os recursos financeiros, que são profanos, na
verdade são demonstração do fiel de que ele deseja se consagrar à divindade. E essa
demonstração de fé tem retorno certo para o próprio fiel. Para a IURD há uma lei
espiritual do retorno ou doutrina da reciprocidade. Se alguém crer nas promessas de
Deus e exercer uma fé sobrenatural, sacrificando ofertas de qualidade à divindade,
certamente obterá retorno.
Na sua visão, Deus espera que o indivíduo se consagre totalmente a ele,
entregando-se sem reservas e demonstrando através das suas ofertas essa completa
consagração. Inclusive, falando sobre a importância dos dízimos, Macedo revela que
esse valor “é um compromisso que revela a fé prática”. Ao dizimar, “Deus fica
obrigado a esse compromisso com a pessoa que deu o dízimo, fica obrigado a
cumprir a promessa que está na Bíblia: ‘Trazei o dízimo e eu abrirei as janelas do
céu’” (TAVOLARO; LEMOS, 2007, p. 210).58 Percebe-se que a fé sobrenatural
demonstrada pelo sacrifício das ofertas é capaz de ativar a benção de Deus para a
vida do fiel.

3.3.2.2.1 Componentes do sacrifício


De acordo com Croatto (2010, p. 366), na religião há basicamente dois
componentes essenciais do sacrifício: a oferenda (vítima) e a divindade a quem se
destina o sacrifício.

57
No Primeiro Testamento da Bíblia cristã há a descrição de sacrifícios de animais para perdão de
pecados e para agradar a divindade.
58
Macedo faz alusão ao livro bíblico do Primeiro Testamento do profeta Malaquias, capítulo 3,
versículo 10.
72

A oferenda, na IURD, não é um ser vivo, mas “um objeto passa do domínio
comum ao domínio religioso – ele é consagrado” (MAUSS, 2005a, p. 15). Neste
caso, trata-se de bens ou dinheiro. Participamos de reuniões em que o pastor disse
que já recebeu como sacrifício carros, motocicletas, além de grandes quantias em
dinheiro.
Já a divindade a quem se destina o sacrifício trata-se do Deus judaico-cristão,
que nos arraiais iurdianos é tratado como Deus ou através do seu nome hebraico
Jeová.

3.3.2.2.2 Tipos de sacrifício


Na IURD podemos dividir os sacrifícios em basicamente três: Fogueira Santa
de Israel, dízimos e ofertas de sacrifício.
A Fogueira Santa de Israel é uma campanha da IURD realizada duas vezes ao
ano: uma no meio e outra no final do ano. Ela é inspirada no relato bíblico do
capítulo 22 do livro bíblico de Gênesis. O registro informa que acontece a maior
prova da vida do patriarca Abraão: Deus pede que ele sacrifique seu único filho,
Isaque, para Deus. Apesar de parecer absurda, a ordem é acatada. Abraão sobe no
monte “Moriá” e vai sacrificar seu filho. No momento em que levanta o cutelo para
sacrificá-lo, um anjo aparece, o impede de completar o ato e afirma que Deus está
satisfeito com a sua obediência. Assim, o fiel é estimulado a sacrificar através de
ofertas, seguindo o exemplo do personagem bíblico Abraão (FOGUEIRA SANTA,
2012).
Na hermenêutica iurdiana se alguém deseja receber uma benção, terá de, à
semelhança de Abraão, ter disposição para sacrificar. Assim, ofertas são oferecidas e
pastores levam-nas a Israel para orar em locais bíblicos que retratam a vitória de
vários personagens, a fim de que os fieis que sacrificaram sejam abençoados nos seus
pedidos, à semelhança dos personagens bíblicos.
O dízimo é a décima parte de tudo o que o fiel arrecada em um mês, sendo
uma demonstração de fidelidade, e as ofertas são demonstrações de amor do fiel para
com Deus.

Os dízimos e as ofertas são tão sagrados e tão santos quanto a Palavra de


Deus. Os dízimos significam fidelidade, e as ofertas, o amor do servo para
com o Senhor. Não se pode dissociar os dízimos e as ofertas, o amor do
servo para com o Senhor Jesus, uma vez que eles significam, na verdade,
o sangue daqueles que foram salvos em favor daqueles que precisam ser
salvos. (EM QUE CREMOS, 2013).
73

Já a oferta de sacrifício, para Panceiro (2002, p. 60-61), “significa a renúncia


voluntária de alguma coisa [...] em troca de algo muito mais importante ainda”.
Trata-se de “perder um pouco agora, para ganhar muito mais depois”. Todo sacrifício
possui dois aspectos necessários: o aspecto espiritual e o aspecto físico. O primeiro
corresponde à fé e o aspecto físico é o “tamanho e a qualidade do sacrifício, que
mostra o grau de fé da pessoa que sacrifica”, ou seja, trata-se da materialização da fé
(PANCEIRO, 2002, p. 61).
Panceiro (2002, p. 61-62) também lança mão do texto bíblico do evangelho
de Marcos 12.41-44 para exemplificar o sacrifício. O texto relata uma viúva pobre
que depositou no gazofilácio duas pequenas moedas e, na ótica de Jesus, deu maior
quantidade do que muitos ricos que depositaram quantias vultosas. Panceiro destaca
que “Jesus mostrou que a grande quantidade nem sempre é o melhor sacrifício”. No
entanto, mais adiante, ele ressalta que a viúva deu tudo o que tinha, pois “o sacrifício
é, na realidade, algo muito difícil, que chega a doer, pois exige abnegação total e, ao
mesmo tempo, absoluta certeza de sucesso”.

3.3.2.2.3 Atores do sacrifício


Os atores envolvidos no sacrifício são basicamente o sacrificante e o
sacrificador. O sacrificante é quem oferece, em rito sacrificial, a oferenda e se
identifica com o fiel da IURD. Já o sacrificador é o sacerdote que oferece o sacrifício
e, neste caso, identifica-se com o pastor.
Para Mauss (2005b, p. 29) “é necessário um intermediário ou pelo menos um
guia: o sacerdote. Mais familiarizado com o mundo dos deuses, ao qual está em parte
vinculado por uma consagração prévia, ele pode abordá-lo mais de perto e com
menos temor do que o leigo”. No caso da Fogueira Santa de Israel vemos esses
papéis de forma mais nítida. O fiel, o sacrificante, entrega o envelope do seu
sacrifício. E os pastores, os sacrificadores, levam a quantia a Israel a fim de oferecer
à divindade os valores entregues juntamente com os pedidos realizados e associados
ao sacrifício.
No caso dos dízimos e ofertas, é possível ver que o sacrificante é ao mesmo
tempo o sacrificador, situação que Croatto (2010, p. 367) pensa ser perfeitamente
possível. O pastor é o orientador de como o fiel pode sacrificar. Antes da entrega do
sacrifício, o pastor dirige uma oração para abençoar o fiel, e este mesmo vai ao
74

púlpito (chamado de altar) e entrega o dinheiro, “executando”, ele mesmo, o


sacrifício.
É importante ressaltar que o pastor, o sacrificador, assume a postura, nas
categorias maussianas, do sacerdote que “traz o nome, o título ou as vestes de seu
Deus; é seu ministro, sua encarnação mesma [...] é o agente visível da consagração
no sacrifício [...] ele está no limiar do mundo sagrado e do mundo profano e os
representa simultaneamente: os dois se reúnem nele” (MAUSS, 2005b, p. 29). O
pastor é o “homem de Deus” que ensina os filhos de Deus, os “pequenos deuses”,
conforme a Confissão Positiva, a requerer seus direitos através dos sacrifícios.

3.3.2.2.4 O local do sacrifício


Em programas televisivos e nas literaturas da IURD, percebemos que o fiel
sempre é estimulado a ir ao templo, pois é lá que a benção será obtida (BLEDSOE,
2012; MARIANO, 2010). Sempre o sacrifício deve ser entregue no templo. Para
Mauss (2005b, p. 32) “O próprio local da cena [do sacrifício] deve ser sagrado”. O
templo central da IURD, localizado em Belém no bairro Castanheira, é chamado de
“Cenáculo do Espírito Santo”.
Dentro do templo, no momento de entrega do sacrifício, o fiel deve depositar
o seu propósito no altar, que é o púlpito onde o pastor costuma realizar suas
preleções. A figura 1 mostra o Bispo Sérgio Correa, responsável pelos obreiros do
Brasil, ensinando no altar.
75

Figura 1 – O Bispo Sérgio Correa no altar dando instruções ao povo59

Fonte: RESGATANDO multidões pelo Brasil: em Manaus, Belém e Bahia inúmeros


afastados comparecem às reuniões da “Caravana do Resgate” em busca do Poder de
Deus. Arca universal. Disponível em: <http://www.arcauniversal.com/noticias/
obreiros/noticias/resgatando-multidoes-pelo-brasil-9377.html> . Acesso em: 11 jun.
2013.

De acordo com “[...] certas lendas bíblicas o fogo do sacrifício não é outra
coisa senão a própria divindade que devora a vítima ou, para dizer mais exatamente,
o sinal de consagração que a inflama” (MAUSS, 2005b, p. 32). Portanto, o “altar”
(púlpito) onde os sacrifícios de ofertas são entregues, santifica o sacrifício, pois é o
local onde o pastor, o “homem de Deus” ministra. Assim, é local santo e consagrador
da oferta.

3.3.2.2.5 Preparações para o sacrifício


De acordo com Mauss, tanto o sacrificante como a oferenda devem estar em
condições propícias para o ritual de sacrifício. “Nesse caso não é necessário que o
sacrificante seja divinizado, mas sempre é preciso que ele se torne sagrado. Eis por
que aí também ele tem os pelos raspados, banha-se, abstém-se de toda relação sexual,
jejua, faz vigília etc.” (MAUSS, 2005b, p. 28).

59
A IURD não permite que se fotografe o interior do templo. Todavia, obtivemos fotos do “Cenáculo
do Espírito Santo”, em Belém, e de outros templos do Brasil, em sites e blogs da própria igreja.
Queremos deixar claro que as fotos não estão em alta qualidade. No entanto, entendemos que elas
podem ajudar o leitor a ter uma ideia do templo e das reuniões que ocorrem neste santuário. A foto em
questão não é da IURD Belém e sim do templo central da IURD em Manaus. Essa foto é apenas
ilustrativa mostrando a parte elevada chamada de altar onde o pastor faz suas preleções. Essa estrutura
elevada é bastante semelhante à que nós observamos no “Cenáculo do Espírito Santo” em Belém.
76

Na IURD, “Os dízimos e as ofertas são tão sagrados e tão santos quanto a
Palavra de Deus” (EM QUE CREMOS, 2013). Isto significa que para as ofertas que
forem oferecidas a Deus, a intenção de consagração à divindade já “santifica”, de
alguma forma, o sacrifício. O próprio Mauss (2005b, p. 32) já havia observado que
“Quando o sacrifício se faz num templo ou num local já sagrado por si mesmo, as
consagrações prévias são inúteis ou ao menos muito reduzidas”.
Mesmo assim percebemos alguns rituais preparatórios realizados. Por
exemplo, havia reuniões em que o pastor ressaltava que faria jejuns antes de reuniões
de cura (terça-feira) ou de libertação (sexta-feira) para que as bênçãos de Deus
pudessem ser ativadas. É comum haver também conclamações de vigílias ou pedir
que os fieis venham trajados de roupas vermelhas (para simbolizar batalha) na sexta-
feira para que possam guerrear contra os demônios e fazerem Deus ser favorável a
elas.
No caso das vestimentas o culto de terça-feira é emblemático. O pastor
sempre se veste com roupas brancas, como um médico, para ressaltar que o “homem
de Deus” está ali para orar por cura e libertação. Isso nos lembra de uma observação
de Mauss que diz: “Deve-se vestir roupas limpas ou mesmo roupas especiais que lhe
conferem um início de santidade” (MAUSS, 2005b, p. 28).
Em um culto de terça-feira, o pastor recomendou que no outro dia, no culto
de quarta-feira (“reunião dos filhos de Deus”) todos deveriam levar uma peça de
roupa branca para representar os filhos de Deus, a fim de alcançarem com maior
facilidade os pedidos feitos.
Antes de o fiel entregar seu sacrifício, ele deve colocar o valor do propósito
em um envelope, levantar as mãos para que o pastor ore e consagre a oferta antes de
ser entregue. Então, no momento oportuno, o fiel leva o envelope para o altar
(púlpito) para sacrificar a Deus. Para Mauss (2005b, p. 29) “todas essas purificações,
lustrações e consagrações prepara[m] o profano para o ato sagrado”.
Mauss (2005b, p. 36) faz referências a rituais em que animais eram
ornamentados e enfeitados antes do sacrifício. Para ele, “Esses ornamentos [no
sacrifício] lhe transmitiam um caráter religioso” e com “[...] as unções visa-se
produzir um acúmulo de santidade sobre a cabeça da vítima” (MAUSS, 2005b, p. 36-
37). Nesse sentido, o envelope do sacrifício é bonito, bem produzido com papel
especial e possui frases como “Porque não neguei nada a Deus, Ele me abençoou em
tudo”, mostrando figuras de personagens bíblicos como Abraão e imagens de montes
77

sagrados de Israel. Podemos ver um modelo de ornamentação de envelope na figura


2 abaixo. Essa ornamentação envolve essa espécie de caráter religioso conferido ao
dinheiro, que é profano.

Figura 2 – Envelope do sacrifício60

Fonte: ENVELOPE: 3 tipos de sacrifício. IURD Gráfica.


Disponível em: <http://iurdgrafica.blogspot.com. br/2012/07/3-
tipos-de-sacrificio.html>. Acesso em: 16 fev. 2013.

A oração sobre os sacrifícios feitos pelo pastor encontra similaridade com a


descrição maussiana a seguir:

Mas noutros casos a associação da vítima e do sacrificante realiza-se por


um contato material entre o sacrificante (às vezes o sacerdote) e a vítima.

60
Queremos ressaltar que há alguns erros ortográficos neste envelope do sacrifício. Nesse sentido,
fizemos as devidas correções com grifos nossos: “1ª pessoa São aquelas pessoas que estão chegando
na igreja agora, ou estão há pouco tempo e estão realmente ‘no fundo do poço’. Não têm o que
sacrificar. Então, ela não fica parada, vai à luta [...] mas ela faz ele acontecer [...] 2ª pessoa [...] 3ª
pessoa [...] Aquelas pessoas que dia após dia têm alcançado vitórias [...]”.
78

No ritual semítico esse contato é obtido pela imposição das mãos, e em


outros por ritos equivalentes. Em consequência dessa aproximação, a
vítima, que já representava os deuses, passa a representar também o
sacrificante (MAUSS, 2005b, p. 38).

Assim, além das vestimentas e ornamentação, a oração sobre o sacrifício


confere sacralidade ao dinheiro oferecido e mostra para a divindade que o fiel está se
consagrando. Mauss observou que a oração é um “rito [...] mas ao mesmo tempo,
toda prece é sempre, em algum grau, um credo [...] [pois] na prece o crente age e
pensa” (MAUSS, 1979, p. 103, grifo do autor). Trata-se, então, de um rito oral, uma
linguagem que procura ter efeito e fazer a divindade agir em seu favor.
As orações acontecem no início das reuniões e durante os rituais iurdianos.
Em geral se pede que o mal seja extirpado ou que a benção de Deus seja derramada.
A prece “não é apenas a efusão de uma alma, o grito de um sentimento. É um
fragmento de uma religião” (MAUSS, 1979, p. 117).
Assim, a forma como as orações são realizadas na IURD nitidamente
demonstram a Teologia da Prosperidade e Confissão Positiva, pois os pedidos
associados ao sacrifício são apresentados à divindade e devem ser levados em
consideração por ela para que as bênçãos requeridas sejam ativadas e recebidas.

3.3.2.2.6 Os benefícios do sacrifício


O sacrifício, na perspectiva da instituição, é apresentado como uma espécie
de contrato. O fiel faz sua oferta e, como resultado, Deus é obrigado a oferecer seus
serviços pelo pagamento realizado. Isso ocorre porque “Deus não pode deixar de
cumprir suas promessas bíblicas” (MARIANO, 2010, p. 161). O sacrifício que é
abundantemente propagado é o dinheiro, pois ele corresponde ao suor do trabalhador
para conseguir seu sustento e “não existe vitória sem sacrifício!” (PANCEIRO, 2002,
p. 64).
Em uma reunião de terça-feira, percebemos que, quando o pastor proferia
alguma palavra de incentivo como: “você vai vencer”, “você será um milionário”,
“você ficará livre de doenças” etc., os participantes voluntariamente batiam palmas
(uma única vez e em direção para o alto) e falavam “tá ligado”. Observei esse gesto
quando o próprio pastor falava a expressão “tá ligado”, e imediatamente as pessoas
automaticamente reproduziam essas palmas uma única vez.
Segundo Dona M.C.N.S. Santos (2012), essas palmas rápidas juntamente com
a expressão “tá ligado” quer dizer que se concorda com a benção proferida pelo
79

“homem de Deus”, que é o pastor. Ela nos disse que essa expressão é oriunda do
evangelho de Mateus 16.19 que diz: “[...] o que você ligar na terra terá sido ligado
nos céus, e o que você desligar na terra terá sido desligado nos céus”. Assim, da
mesma forma como Jesus falou para o apóstolo Pedro, também nós temos o poder de
ligar a benção na terra através da expressão “tá ligado”, confirmando a benção no
céu.
De forma similar a esse conceito, o sacrifício é uma demonstração material da
expressão “tá ligado”, para se mostrar a Deus que se tem fé nele, que se acredita que
ele pode abençoar e é uma demonstração de que se está disposto a renunciar tudo.
Como consequência, curas, empregos, prosperidade financeira dentre outras bênçãos,
com certeza virão.
Outro episódio observado mostra que o sacrifício pode até libertar de
demônios. Em um ritual de cura observei um homem endemoninhado completamente
deitado de bruços e com as mãos para trás. Após sua libertação, o pastor pediu para
ele levantar, olhar para uma réplica de altar construído em cima do púlpito, pois o
sacrifício que o altar representava iria libertá-lo completamente e livrá-lo de ser
possuído por espíritos malignos.
Assim, apesar de as orações realizadas terem o efeito de libertar as pessoas
dos demônios, percebi constantemente que elas eram estimuladas a sacrificarem uma
oferta, a fim de manterem a libertação e de se prevenirem contra a entrada de
espíritos maus causadores de todos os males e doenças.

3.3.2.3 A plenitude da vida cristã está na vida de saúde e sucesso permanente


Através de práticas da “prosperidade” da IURD, disponibilizadas pela mídia e
reconhecidas através de conversas com pessoas ligadas à igreja, além do acesso a
obras da própria liderança do movimento, percebemos que há uma ênfase na doação
de ofertas e uma relação de causa e efeito na associação entre uma vida próspera
financeiramente e o volume de recursos que se entrega no altar. A teologia da
prosperidade é a impulsionadora dessas práticas.
É relevante compreender a racionalidade da prosperidade na cosmovisão
iurdiana, a fim de se elucidar a forma como este movimento entende a recepção das
80

bênçãos. Para Romualdo Panceiro (2002, p. 9), o sucessor natural de Edir Macedo,61
a vida cristã possui o seguinte tripé: a fé, obediência e o sacrifício.
A fé pode ser classificada como natural e sobrenatural. A natural é inata a
todas as pessoas e trata-se de uma espécie de “sexto sentido”; é uma confiança
baseada em evidências e é racional. Já a fé sobrenatural, no dizer de Macedo (1998,
p. 90) “é uma certeza absoluta, independente da razão, vem da parte de Deus [...] e
torna possível o milagre”.
Essa fé sobrenatural é uma confiança muito grande de que Deus certamente
irá abençoar. Mas essa fé deve estar pautada na obediência à Bíblia, sendo necessário
saber que “as promessas de Deus [como as de prosperidade] existem” e que para
consegui-las é necessária “a [...] fé perseverante” que consiste em “exercitar [a]
crença na Sua Palavra” (PANCEIRO, 2002, p. 17, 22).
Esse exercício prático da fé é chamado de sacrifício. Para a IURD, os
sacrifícios de animais descritos no primeiro testamento da Bíblia não são mais
necessários nos dias de hoje, pois apontavam para o sacrifício único e vicário de
Jesus na cruz. Refletindo sobre o significado dos sacrifícios de seres humanos e de
animais para as religiões, Portella (2008a, p. 82) informa que o sacrifício também
“[...] pode ser interpretado como uma forma de consagração, isto é, de se introduzir o
profano na esfera sagrada, seja este profano uma pessoa, um alimento, lugar ou
objeto”.
Na visão da IURD, as ofertas em dinheiro correspondem a esse sacrifício para
a divindade. Não é mais necessário derramar sangue de animais, pois a “oferta é o
instrumento pelo qual o ser humano se aproxima de Deus” (MACEDO, 1999, p. 37),
cumprindo o papel que o sacrifício de animais cumpria outrora. Atualmente, “o
dinheiro [...] é o sangue da Igreja” (MACEDO, 2001, p. 71) e corresponde a essa
consagração do fiel a Deus.
No dizer de Edir Macedo (1998, p. 90-91), essa fé que se materializa através
das ofertas “é sempre acompanhada pelo sacrifício”. A “qualidade de oferta
determina a qualidade da fé” e a “oferta de sacrifício é a mais alta expressão da fé
sobrenatural, a fé com qualidade”.
Depois de constatar nos documentos da igreja e nas entrevistas realizadas,
verificamos que, para a IURD, se alguém crer nas promessas de Deus e exercer uma

61
O próprio Edir Macedo confirmou para Tavolaro e Lemos (2007) que Romualdo Panceiro é o seu
herdeiro, seu sucessor oficial.
81

fé sobrenatural, sacrificando ofertas de qualidade à divindade, certamente obterá


retorno. É preciso crer que “Deus é muito grande” entregando-se totalmente a ele
sem “[...] ficar rateando [sic],62 tentar negociar”, pois “é tudo ou nada”
(TAVOLARO; LEMOS, 2007, p. 215).
Assim sendo, as palavras de Pieratt resumem a lógica da prosperidade
encontrada na IURD:

Concluímos o resumo das promessas do evangelho da prosperidade na área


de saúde e riquezas, fazendo uma observação sobre sua coerência. Uma vez
que se afirma que a vontade do Senhor para o cristão envolve todas as
coisas boas da vida, não há imposição de condições nem se volta atrás
naquilo que é prometido, mas apenas a promessa clara de que qualquer um
que recorrer a Cristo receberá o que pede. As promessas têm uma amplitude
maravilhosa e uma extensão sem limites (1993, p. 63, grifos nossos).

3.3.2.4 Escatologia presente e imanente


Se a escatologia pentecostal destaca a volta iminente de Jesus e o
arrebatamento da Igreja deste mundo de sofrimento e pecado, o neopentecostalismo
enfatiza uma escatologia que favorece o fiel neste mundo. Por isso, que empregamos
nomenclatura utilizada por Baptista (2009, p. 90-91) que afirma que o modelo de
messianismo-milerarismo expresso nos movimentos neopentecostais é imanente e
presente.
Uma das doutrinas que evidenciam essa visão escatológica para o “aqui e
agora” é a Confissão Positiva. A expressão “Confissão Positiva” pode ser definida
como a ação de “trazer à existência o que declaramos com nossa boca, uma vez que a
fé é uma confissão” (BURGES; MCGEE, 1988 apud ROMEIRO, 2007, p. 21). Ela
também é conhecida como “evangelho da saúde e da prosperidade”, “palavra da fé” e
“movimento da fé” (ROMEIRO, 2007).
Mafra (2002, p. 17) chama à doutrina da Confissão Positiva a capacidade de o
fiel iurdiano tomar “posse da palavra”. Ela descreve esse ensino através do relato de
um pastor: “assim como qualquer um pode ‘determinar’ a ruína do outro, pode
‘determinar’ o milagre e ‘tomar posse da sua felicidade’”.63
Para Alan B. Pieratt (1993, p. 65-85) a Confissão Positiva envolve o
conhecimento que o crente deve ter dos seus direitos, ou seja, deve-se ter ciência das
62
Deve ser “regateando”.
63
No entanto, discordamos de Mafra ao chamar esse ensino da “posse da palavra” como pertencente
ao Pentecostalismo, sem ter o cuidado, a nosso ver, de diferenciar o Pentecostalismo do
Neopentecostalismo, pois este último é o grupo que emprega a Confissão Positiva de forma mais forte
e evidente. Ao mesmo tempo reconhecemos que as identidades evangélicas não são tão fixas. Delgado
(2008) encontra, por exemplo, elementos da Confissão Positiva em Cultos da Igreja Pentecostal AD.
82

leis espirituais que Deus estabeleceu para os cristãos na Bíblia e usá-las para se
conseguir as bênçãos de que se precisa neste mundo. Essa confissão deve ser feita
com firmeza de fé. Isto significa que, conhecendo as leis espirituais, então se pode
exigir e determinar a benção, nunca duvidando de que a cura e a prosperidade
certamente se cumprirão. Ainda se deve usar o nome de Jesus para se conquistar a
benção, tendo certeza de que Cristo cumprirá as suas promessas.
Por último, deve-se pronunciar o que se deseja em voz alta, nunca duvidando,
mesmo que a petição ainda pareça não ter se cumprido. Realizando esses passos,
então se pode mover o mundo espiritual para se conseguir as bênçãos no mundo
material.
Essa crença ensina que a marca de um cristão de fé é a plena saúde e a
prosperidade financeira. De acordo com Pieratt (1993, p. 51) “a teologia da
prosperidade não se cansa de repetir que nem doenças nem problemas financeiros
são da vontade de Deus para o cristão”. Romeiro (2007, p. 19) acrescenta que essa
perspectiva enxerga “pobreza e doença [como] resultados visíveis do fracasso do
cristão que vive em pecado ou possui fé insuficiente”. Assim, essa corrente
doutrinária ensina que a doença é fruto de maldições, fracassos, vida de pecado, fé
insuficiente ou até mesmo da incredulidade.
Dentre os vários representantes da Confissão Positiva, o norte-americano
Kenneth Hagin (1917-2003) é emblemático. Ele é um dos referenciais de R. R.
Soares, tanto que a sua editora, Graça Editorial, é responsável pela tradução e
publicação dos seus livros em português. Hagin pregava o poder da palavra proferida
e da fé para a cura de doenças e para a prosperidade financeira.
Diferentemente dos pentecostais, cuja ênfase recai no batismo no Espírito
Santo e na glossolalia, a Teologia da Prosperidade, no Brasil, encontrou grande
acolhida entre os neopentecostais. De acordo com Romeiro (2007, p. 39) a IURD
“possui alguns respingos do Movimento da Fé”, sendo o seu carro-chefe a acentuada
ênfase na prosperidade financeira.
Esse destaque é encontrado na entrevista concedida pelo pesquisador Ricardo
Mariano a Tavolaro e Lemos (2007, p. 122-123) em que ele ressalta que desde o
início da igreja, “Edir Macedo implantou com agressividade discursos que
estimulavam os fiéis a não se acomodarem com a pobreza, o desemprego e as más
condições de vida em geral”, como as doenças.
A declaração de fé da IURD é emblemática. Os três últimos artigos dizem:
83

14. Todos os cristãos têm o direito à vida abundante, conforme as


Palavras do Senhor Jesus: “...eu vim para que tenham vida e a tenham em
abundância.” (João 10.10)
15. Todos os cristãos devem desejar a volta do Senhor Jesus o mais breve
possível. A Sua vinda será pessoal e inesperada, significando que todos os
cristãos devem sempre estar preparados para recebê-Lo nas nuvens,
conforme está escrito em Mateus 24.30 e Apocalipse 1.17.
16. O objetivo final de um relacionamento permanente com o Senhor
Jesus pela fé é a vida eterna, a qual Ele prometeu a todos os que
perseveram até o fim. “Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos
abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a
todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo
e enxofre, a saber, a segunda morte.” (Apocalipse 21.8). (EM QUE
CREMOS, 2013, grifos nossos)

Percebemos que o artigo 14 ressalta a prosperidade financeira e o direito de


todos os cristãos terem uma vida abundante nesta vida. Em seguida, o artigo 15
ressalta o desejo que os cristãos devem ter pela segunda vinda de Cristo. Este desejo
está atrelado ao último artigo de fé que ressalta o objetivo final dos cristãos. Este
propósito final pode ser traduzido na expressão: Após ter uma vida próspera neste
mundo, a segunda vinda de Cristo trará uma vida mais que abundante: uma vida
eterna.
Desta forma, o neopentecostalismo promove ensinamentos que promovem a
solução dos problemas cotidianos dos fieis de forma mágica. Ao invés de uma
escatologia futura e uma salvação paradisíaca, o crente tem de obter realizações neste
mundo. Eles são triunfalistas e destacam, citando o texto bíblico de João 10.10, que
Jesus veio “[...] para que tenham vida, e a tenham em abundância”. Essa vida de
abundância e prosperidade é no dia-a-dia. É conquistada hoje. No aqui e agora.
Quando Jesus voltar, a vida será bem melhor: será eterna!

3.4 FATORES QUE FACILITAM A INFLUÊNCIA DA IURD NA SOCIEDADE


BRASILEIRA
Bledsoe (2012, p. 97-109) procura levantar quatro principais fatores que
colaboram para a grande expansão iurdiana no Brasil. Primeiramente, Bledsoe
pensa que a igreja adaptou-se a uma cultura baseada no medo. Ou seja, a cultura
brasileira é permeada por uma cosmovisão que assume a influência do sobrenatural
em todos os aspectos da vida. Desta forma a IURD lança mão de práticas da
religiosidade brasileira, como o catolicismo popular e religiões afro-brasileiras,
eliminando barreiras culturais, oferecendo soluções rápidas, pragmáticas e
84

sincréticas, atribuindo todos os males aos demônios, facilitando, assim, novas


adesões.
O segundo fator destacado é a utilização e estratégia de mídia. De acordo
com a categoria das relações internas de movimentos sociais fornecidas por Gohn
(1997, p. 255), o aspecto interno refere-se à forma como “eles constroem repertórios
de demandas segundo certos valores, crenças, ideologias etc. e organizam estratégias
de ação que os projetam para o exterior”, ou seja, trata-se das suas articulações. A
IURD utiliza um jornal semanal, a Folha Universal, com tiragem de 2,3 milhões de
exemplares, além de vários programas de rádio e TV. Essa presença marcante na
mídia incentiva potenciais seguidores a participarem de suas reuniões, promove a
identidade da igreja e auxilia na transmissão de sua mensagem. Assim, a utilização
da mídia é uma das estratégias proselitistas em que usa meios de comunicação para
divulgar suas ideias.
O terceiro fator elencado é a utilização agressiva de técnicas empresariais
para competição no mercado religioso. A IURD aplica táticas empresariais em sua
organização, tendo uma eclesiologia baseada no sistema episcopal com estilo
corporativo de liderança. Líderes crescem na organização quando conseguem atingir
metas de lucro, sem contar que, com o auxílio de técnicas de marketing, os templos
são posicionados em locais movimentados e estratégicos para a captação de novos
fieis.
O último fator levantado por Bledsoe (2012) é o rompimento com os usos e
costumes das igrejas pentecostais da primeira e segunda ondas. Tais igrejas
enfatizam uma separação do mundo para a obtenção da salvação e isso inclui normas
rígidas de comportamento. Ao contrário dessa perspectiva, a IURD enfatiza a
salvação para este mundo, pois o evangelho deve ter ressonâncias na saúde e
prosperidade.
Romeiro (2006, p. 66) concorda que um dos facilitadores para o vertiginoso
crescimento do movimento, foi “a abolição dos usos e costumes, um código de
proibições e comportamento, mantidos até hoje por muitas igrejas pentecostais: é
proibido o uso de joias, de calça comprida para mulheres, de maquiagem, ir ao
cinema, cantar músicas que não sejam evangélicas etc.”. Deste modo, o
“neopentecostalismo vai abolir tudo isso, atraindo assim muita gente de classe média,
85

em condições de comprar e manter aquilo que os seus predecessores sempre


classificaram como vaidade”.64
Outro fator, mas destacado por Oro (2006, p. 324-325), é a presença iurdiana
na política. Nesse quesito, Oro destaca a progressiva e abrangente participação da
IURD na política:

A Iurd debutou na política em 1986 elegendo um deputado federal. A


partir daí sua progressão foi constante: elegeu três deputados federais e
seis deputados estaduais em 1990; seis deputados para o Congresso
Nacional e oito nas Assembleias Legislativas dos estados em 1994; 17
deputados federais (sendo 14 pastores egressos da própria igreja de várias
unidades federativas e três deputados apoiados pela igreja), e 26
deputados estaduais em 1998; dezenas de vereadores em 2000; nas
últimas eleições de 2002 elegeu 16 deputados federais e 19 deputados
estaduais – todos egressos da própria igreja –, representantes de 10
estados da federação, além do bispo Marcelo Crivella, eleito senador da
República pelo Rio de Janeiro, com mais de 3 milhões de votos, que nas
eleições de outubro de 2004 concorreu à prefeitura do Rio de Janeiro,
obtendo o segundo lugar.

Atualmente, o Senador da república, bispo Marcelo Crivella, do partido PRB


(Partido Republicano Brasileiro), é o Ministro da Pesca e Aquicultura do governo da
Presidente Dilma Rousseff, sendo sua presença em um dos ministérios do governo
federal, emblemática e representativa do poder e influência da IURD em suas
articulações políticas.

3.5 A IURD NA TRILHA DOS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS


CONTEMPORÂNEOS
Ancorado na Teologia da Prosperidade e na Confissão Positiva, que ensinam
mecanismos para fazer Deus agir em favor dos fieis, a IURD introduz elementos
mágicos em seus rituais.

[...] o pentecostalismo, de todas as vertentes, vai se instalando com seus


mitos, crenças e práticas rituais notavelmente mágicos. Pastores e fiéis
enxergam a ação divina e demoníaca nos acontecimentos mais
insignificantes do cotidiano. Para eles, não há acaso. Tudo é prenhe de
sentido, e a Bíblia contém todas as respostas de que precisam. Daí a
banalização de fenômenos sobrenaturais nas igrejas pentecostais
(MARIANO, 2010, p. 110)

De fato, a presença da magia nos novos movimentos religiosos é uma de suas


principais características (GUERRIERO, 2006). Para Mauss (2003, p. 127) “[...] em
toda parte, as conclusões são imediatamente generalizadas e a crença num caso de

64
Em nossas observações, verificamos em igrejas pentecostais, como a AD e a IEQ, o uso de vestes,
joias e maquiagem sem muitas restrições.
86

magia implica a crença em todos os casos possíveis”. Ele também ressalta que “A
crença na magia é portanto quase obrigatória, a priori, e perfeitamente análoga à que
se liga à religião” (MAUSS, 2003, p. 128).
Desta forma, seguindo esse pressuposto, utilizamos as contribuições de
Mauss e Frazer65 para lançar luz sobre os elementos mágicos iurdianos.

3.5.1 A presença da magia na IURD


Elementos mágicos extraídos de religiões afro-brasileiras, do catolicismo e do
espiritismo são frequentemente encontrados em rituais iurdianos. Por isso, é
importante compreender a magia, em especial a simpática, que é bastante utilizada
por essa igreja.
Ao trabalhar com o conceito de magia Mauss (2003, p. 126) discorre que ela
“[...] é, por definição, objeto de crença [...] [e] é um bloco, nela se crê ou não crê”.
Para ele “a crença na magia é sempre a priori. A fé na magia precede
necessariamente a experiência: só se executa uma receita porque se tem confiança
nela” (MAUSS, 2003, p. 127).
A magia, em especial a classificada como simpática, é uma forma de se agir
sobre pessoas ou objetos. De acordo com Frazer (1982) existem dois ramos da magia
simpática: magia homeopática ou imitativa e magia por contágio.
A magia homeopática é aquela em que “semelhante produz semelhante”, “um
efeito se assemelha à sua causa”, “lei da similaridade”, “o mago deduz a
possibilidade de produzir qualquer efeito desejado simplesmente imitando-o”,
havendo “ideias pela similaridade” (FRAZER, 1982, p. 34).
Já a magia por contágio se dá quando “as coisas que estiverem em contato
continuam a agir umas sobre as outras, mesmo à distância, depois de cortado o
contato físico”. Ou seja, “todos os atos praticados sobre um objeto material afetarão
igualmente a pessoa com a qual o objeto estava em contato, quer ele constitua parte
de seu corpo ou não”. Assim, há a “associação de ideias pela contiguidade”
(FRAZER, 1982, p. 34).

65
Mesmo reconhecendo que Frazer (1982, p. 34-35) é extremamente evolucionista ao chamar, por
exemplo, os povos que lançam mão da magia de “selvagens”, “ignorantes”, de “tosca inteligência” e
“primitivos”, cremos que ele, juntamente com Mauss (2003), possui análises ainda pertinentes para a
clarificação do conceito de magia.
87

A seguir serão elencados aspectos de rituais observados e relatados pelos


nossos informantes acerca dessas modalidades de magia.

3.5.1.1 A magia simpática homeopática na IURD


Nessa modalidade de magia “a teoria simpática refere-se aos raciocínios
analógicos” (MAUSS, 2003, p. 142, grifos nossos). Em um culto de terça-feira
presenciamos pessoas trazendo pedaços de papel registrando seus problemas, falta de
emprego, alguma doença, falta de sorte no amor dentre outros, que deveriam ser
superados. Várias pessoas traziam esse papel amarrado com um barbante e, em
determinado momento de culto, sob o comando do pastor, desamarravam o nó
simbolizando que o mal seria desfeito e resolvido. Isto significa que, pelo princípio
da analogia, quando o nó fosse desamarrado, os problemas também seriam
desamarrados e solucionados.
Perguntei ao Sr. M.J.P. Souza (2013), um dos meus informantes, sobre a
utilização de objetos como fotos de parentes nos cultos da IURD. Ele disse que

Esses objetos...é o seguinte...eles pede [os pastores]...quando no momento


aquela pessoa não está presente...por motivo de doença, ou prisão [está
preso], ou alguma coisa assim ...[aí] leva essas peça representando aquela
pessoa [...] aí a pessoa leva, chega lá é feita a oração [...] sobre aquela peça,
a peça é colocada no altar [em cima do púlpito], aí é feita a oração, é
ungido a peça [...] com óleo da unção [...] e aí depois a pessoa leva pra o
dono da peça usar a peça pra conseguir a libertação.

Isto significa que pelo princípio da analogia, as fotos que representam


parentes ou pessoas sobre quem queremos que sejam aplicadas as bênçãos, quando se
faz orações sobre as fotografias, é como se as próprias pessoas fossem atingidas pela
benção.
Em outra ocasião, presenciamos o pastor pedir para que levantássemos a foto
de alguém, uma chave ou algum objeto que representasse o pedido a Deus. Quando
levantamos, os obreiros passavam por entre os lugares e espirravam um líquido verde
que o pastor chamou de “banho do descarrego”, alusivo ao nome do culto “Sessão do
Descarrego”. Enquanto estávamos com as mãos levantadas sentíamos um perfume
exalado pelo líquido despejado em nós para que o mal que estava impedindo a
benção pudesse ser expelido.
C.S. Souza (2013), a filha o Sr. M.J.P. Souza (2013), retratou experiência
semelhante:
88

uma mulher, que pensavam que ela era doida [...] ela ia pra igreja e levava
um monte de fotos [...] e enchia os bancos [...] e ela não deixava tirar [...] as
pessoas a chamavam de doida [...] eram gente que não sabia da fé da pessoa
[...] mas aquela era a fé dela. Ela tinha fé que aquelas pessoas que estavam
tudo ali naquelas fotos iam entrar na igreja [...] e ela orava pelas pessoas
[...] pouco a pouco ela tirava as fotos, porque s pessoas estavam indo pra
igreja. Pouco a pouco. Quando ela viu, todos estavam na igreja...ela deu o
testemunho dela...que ela era chamada de doida [...] e ela falou que [seu
propósito] era que toda a família dela ia pra igreja.

Perguntamos para a C.S. Souza (2013) se havia algum poder inerente nas
fotografias. Ela nos disse que essa mulher

Ela levava [as fotos] para o pastor orar [...] porque as pessoas não queriam
ir. Então, [...] ela levava uma roupa, levava uma foto [...] pra representar
aquela pessoa [...] aí, quando ela menos esperava, as pessoas começavam
indo [...] então toda a família ...foi pra igreja ... por causa da fé dela.

Frazer (1982, p. 39) informa que a magia simpática homeopática pode ser
classificada como positiva ou negativa. A primeira serve para “produzir o efeito
desejado” e a magia negativa é para feitiçaria ou fazer mal a outros. A IURD trabalha
com a positiva em que estimula o fiel a receber de Deus as bênçãos desejadas.
Nos lembramos de um culto de quarta-feira em que foram distribuídos dois
pequenos pedaços de pães em formato da letra “S”. Segundo o pastor, assim como o
nome “Jesus” possui duas letras “S”, as pessoas deveriam colocar esses pães atrás de
suas portas para que durante toda a semana o mal fosse atraído para o pão. Assim
como Jesus que morreu na cruz atraindo todos os nossos pecados e maldições sobre
ele, assim também, por analogia, os pães iriam atrair todos os problemas que
estariam perturbando os fieis. Então, no culto de libertação da sexta-feira, esses pães
seriam queimados representando que os males seriam queimados também.

3.5.1.2 A magia simpática por contágio na IURD


Falando sobre a utilização de objetos em cultos da IURD, Oro (2006, p. 325)
diz:

Por outro lado, como já vimos, o uso de bens e objetos na mediação com
o sagrado é também recorrente no catolicismo, nas religiões mediúnicas e
nos grupos e movimentos esotéricos. No entanto, a Universal extrapolou
o uso dos tradicionais e reconhecidos símbolos religiosos, como velas,
imagens, cálices, sal, flores, água, óleo, arruda, enxofre, ervas, mel, giz,
retratos, roupas, etc., e introduziu em seus rituais novos mediadores com
o sagrado, retirados do quotidiano das pessoas, tais como shampoo,
sabonete, brinquedos, garrafas, sabão em pó, saco de lixo, travesseiro,
etc., revelando, assim, o alto grau de “imaginação” detido por essa igreja.
89

A IURD usa métodos mágico-sacramentais na relação do ser humano com o


divino e do material com o espiritual. Há unção com óleo, copo com água, imposição
das mãos, água com gota de óleo, fotografias de parentes, roupas de parentes, banho
do descarrego, fórmulas pragmáticas etc. Enfim, diversos bens e objetos são
utilizados em seus rituais.
Para Mariano (2010, p. 133) a IURD apresenta os objetos para

[...] despertar a fé das pessoas [...] Depois de ungidos, os objetos são


apresentados os fiéis como imbuídos de poder para resolver problemas
específicos [...] tendo por referência qualquer passagem ou personagem
bíblicos. Dotados de funções e qualidades terapêuticas, servem para curar
doenças, libertar de vícios, fazer prosperar, resolver problemas de
emprego, afetivos e emocionais.

Na observação de Mariano (2010, p. 134), apesar de a instituição apresentar


tais objetos como apenas simbólicos e como despertadores da fé, “para os fiéis [...]
tais objetos, pelos quais esperam ter seus pedidos atendidos, contém uma centelha do
poder divino”.
Frazer (1982, p. 42) discorre sobre a magia por contágio informando que ela:

[...] fundamenta-se na crença de que coisas que, em certo momento,


estiveram ligadas, mesmo que venham a ser completamente separadas
uma da outra, devem conservar pra sempre uma relação de simpatia, de
modo que tudo o que afete uma delas afetará similarmente a outra [...] é
uma forma qualquer de meio material que [...] deve unir objetos distantes
e transmitir impressões de um ao outro.

Acerca da magia por contágio Frazer (1982, p. 44) informa que “Supõe-se,
por vezes, a existência de uma simpatia mágica entre o homem e suas roupas, de
modo que estas, por si só, bastam para dar ao feiticeiro um certo poder sobre a
vítima”
Perguntamos ao Sr. M.J.P. Souza (2013) sobre o uso de peças de roupa
pertencentes a outra pessoa. Nós o indagamos se a pessoa sobre a qual se desejava a
benção, se sabe ou não que uma peça de roupa dela estava sendo levada a igreja. Ele
nos disse que

tem muitos [casos] que não é preciso e tem muitos que é preciso [...] é
uma coisa que não é escondido de ninguém [...] pode pegar a peça com a
pessoa sabendo, não tem problema nenhum [...] [sabendo ou não] o que
vale é a intenção [...] é usado mais escondida na família que tem os jovens
nas drogas, aí essa parte tem que ser escondido [...] aí leva a peça já
escondido pra dar pra aquela pessoa vestir [...] [senão, se ele souber que
levou para igreja] ele não vai querer vestir [...] então, dessa maneira é
escondido.
90

Assim, as peças de roupa recebem orações especiais e as pessoas que vestem


a roupa “abençoada” podem, por contágio, serem libertas ou curadas. Também
indagamos o Sr. M.J.P. Souza (2013) sobre “banho do descarrego”.66 Ele nos disse
que

o banho serve mais pra cura [...] esse banho é a Sessão do Descarrego, de
dia de terça-feira. Terça-feira é uma reunião mais pra cura, para as
pessoas que estão doentes [...] aí então, esse é o banho do descarrego.
Quando dá meia noite, a pessoa toma uma banho e se joga aquela água
[do banho] [...] esse banho vem [abençoado] da igreja. É como eu tava te
falando... é tudo pela fé. Se a pessoa não fizer pela fé, vai tomar um
banho como se fosse uma água simples.

Logo em seguida ele conta um testemunho que ele presenciou de uma mulher
enferma que, num culto de terça-feira, deu um testemunho que estava distraída, mas
colocou o saquinho de banho do descarrego que recebeu na boca e tomou um pouco
do líquido sem querer. Então ela

acabou bebendo a água [...] e naquele momento ela disse que as dores que
ela tava sentindo passou na hora [...] ela tomou aquela água por descuido
[...] mas naqueles saquinhos [do descarrego] é feita uma oração, antes de
distribuir é feita a oração [...] é ungido como eu lhe falei pra depois
entregar pras pessoas.

Em outro relato, o Sr. M.J.P. Souza (2013) nos fez o relato sobre como o
jornal Folha Universal é distribuído

É igual ao jornal...o jornal da Igreja Universal [...] quando as pessoas


andam na rua evangelizando [...] não é um jornal simples [...] como se a
gente comprasse um jornal de rua [...] é um jornal que é feito um
propósito naquele jornal, ali os pastores oram em cima daquele jornal, à
meia noite e as seis horas da manhã [...] [eles] tem ungido também [...]
pra quando dá aquele jornal para as pessoas [...] aquelas pessoas vão ler
aquele jornal e receber uma benção e também de aceitar Jesus [...] pra
aceitar Jesus como único salvador [...] é um jornal de evangelização.

Em outra ocasião, em um culto de cura, lembramos de o pastor mencionar o


conceito espírita kardecista de “passe”,67 falando que iria transferir um passe aos
presentes. Ele explicou que o passe era a transferência de energia dele e dos obreiros
para a plateia. Essa energia era uma espécie de “benção”. Ele pediu que todos

66
O “banho do descarrego” é um líquido preparado pela IURD, em que os pastores e obreiros oram
sobre esse líquido, tornando-o especial e capaz de abençoar as pessoas que tomam banho com ele.
67
De acordo com Silva (2013) o “passe” é uma capacidade mediúnica em que algumas pessoas
possuem a capacidade de curar através de um simples toque ou por um gesto, sem o uso de qualquer
medicação. Isto significa que tais pessoas podem transferir energias positivas a outras pessoas para
curá-las.
91

levantássemos as mãos com as palmas para fora, em atitude de alguém que pede ou
vai receber algo, a fim de receber essa energia. Depois da oração, ele pediu para
colocarmos as mãos em nossas cabeças a fim de haver uma transferência de energia.
Após essa oração, a benção, por analogia, foi transferida do pastor para os presentes.
Em seguida ele orou para que todo o mal, os espíritos malignos e as doenças
fossem expulsos. Após a oração, ele pediu que tirássemos as mãos da cabeça e
fizéssemos gestos rápidos com as mãos como se enxotássemos e expulsássemos o
mal com as palavras de ordem “sai, sai”.
Constatamos que a transferência de energia também ocorre quando da
imposição de mãos feitas pelo pastor. Ele pediu para todos irem à frente receber o
“Espírito de luz”. À medida que nos dirigíamos à frente, pois todos os obreiros e o
próprio pastor (na parte central da frente) estavam com as mãos levantadas.
Deveríamos nos dirigir a um deles. Então, nos dirigimos a um dos obreiros. Ele
colocou as mãos em nossa cabeça e disse “recebe o Espírito de luz” e depois colocou
suas mãos em nossos ombros. Em seguida saímos para que outros pudessem receber
a benção.68
Há também ocasiões nos cultos em que as pessoas iam à frente, em fila
indiana, para receberem orações dos pastores e obreiros. Perguntamos à Dona
M.C.N.S. Santos (2012) a razão disso e ela informou que o pastor e/ou obreiros são
homens de Deus e o toque é importante para se transferir as bênçãos que estão neles
sobre as pessoas. Apenas quando as pessoas estavam em seus lugares, o pastor e os
obreiros impunham as mãos sobre os fieis sem a necessidade do toque físico. Apesar
de, nesse último caso, ocorrer também a transferência de energia por analogia e
gestos das mãos.
Assim, nesses relatos elencados, percebemos que objetos de pessoas ou
abençoados podem, por intermédio de magia simpática de contágio, transferir as
bênçãos que foram derramadas nos referidos objetos sobre as pessoas que os tocam
ou ainda a transferência de energia positiva dos pastores aos fiéis.

68
Transcrevemos a palavra “Espírito” com a primeira letra em maiúscula, pois se referia ao Espírito
de Deus que estava nos pastores e nos obreiros e que seria transferido aos participantes.
92

3.5.2 A noção de demônios


A noção de espíritos maus e demônios fazem parte do fenômeno mágico nas
observações de Mauss (2003, p. 141). Para ele

Todos os ritos de exorcismo, os encantamentos curativos e, em particular,


os feitiços ditos de origem não têm outra finalidade senão por em fuga um
espírito ao qual se indica seu nome, sua história, a ação que se tem sobre
ele. O espírito não é então, de maneira nenhuma, um elemento essencial
do rito; ele representa simplesmente seu objeto (MAUSS, 2003, p. 139-
140).

A existência de um mundo espiritual repleto de demônios faz parte da


cosmovisão iurdiana. Já mencionamos anteriormente que a IURD acredita que todos
os males são oriundos da influência maligna. Perguntamos para Dona M.C.N.S.
Santos (2012) se para cada enfermidade havia algum mau espírito correspondente.
Ela respondeu afirmativamente dizendo que “eles são tão organizados que você não
pode imaginar. Eles têm classificação e hierarquia [...] um manda no outro”. Ela cita
várias entidades das religiões afro-brasileiras como nomes de demônios e dá um
exemplo de como os demônios disseminam doenças: “[...] [eles] colocam doença
[por exemplo] em comida quando é preparada na umbanda”.
Isto significa que os espíritos malignos podem lançar males sobre as pessoas
através de refeições enfeitiçadas, uma palavra de maldição rogada por um inimigo
etc. Por isso, como os demônios são a causa de todos os males existentes na vida do
ser humano, eles devem ser expulsos pelo poder no “nome de Jesus” para que a
libertação aconteça de forma plena.
Toda essa ênfase na crença nos demônios fez com que Bledsoe (2012)
chamasse a IURD de um movimento “demoniocêntrico”, em que há ênfase no
“inimigo de Deus” em seus cultos.

3.5.3 Elementos mágicos em um ritual iurdiano: descrição de um culto


Em uma reunião de terça-feira, um jovem obreiro, aparentando ter entre 18 e
20 anos de idade, estava recepcionando as pessoas na entrada do templo. Ele estava
trajando uma camisa social azul, calça preta e gravata listrada (detalhes na cor preta e
vermelha). Ele tinha um pote transparente com óleo e estava com um conta-gotas e
as pessoas quando entravam no templo levavam uma garrafinha plástica de água
mineral, tiravam a tampa e o obreiro colocava uma gota do óleo na água. Parecia que
estava “ungindo” a água, ou seja, de alguma forma estava abençoando aquele
líquido.
93

Há dois textos bíblicos referindo-se à unção com óleo para a cura. No


Evangelho segundo São Marcos 6.13 diz: “[os doze apóstolos] expulsavam muitos
demônios e ungiam muitos doentes com óleo, e os curavam”. A Carta de Tiago 5.14
relata: “Entre vocês há alguém que está doente? Que ele mande chamar os
presbíteros da igreja, para que estes orem sobre ele e o unjam com óleo, em nome do
Senhor”. Diferentemente destes relatos, a IURD costuma ungir, além de pessoas,
objetos, líquidos, automóveis, casas etc.
Antes de nós chegarmos ao templo, nas suas proximidades, havia vários
ambulantes vendendo garrafas de água mineral. Compramos uma e, na entrada, o
obreiro colocou duas gotas de óleo na garrafa. Prosseguimos e verificamos que no
corredor havia vários obreiros que conduziam as pessoas recepcionando-as de forma
muito educada. Neste dia, segundo o direcionamento dos obreiros, nos sentamos na
sexta fileira da frente, do lado direito do púlpito (da perspectiva do fiel). O culto
ainda não havia começado.
Poucos minutos depois, o pastor Fernando,69 dirigente do culto, entrou. Ele
estava com camisa pólo, calça social, cinto e sapatos brancos. Ele parecia um
médico. Ao falar e gesticular, percebi que estava com um anel grosso brilhante
(pareceu-me de ouro) no dedo anelar da mão esquerda. Vários/as obreiros/as (cerca
de vinte) estavam à frente do púlpito, na parte de baixo, com trajes totalmente
brancos. Alguns, no entanto, não estavam totalmente com roupas brancas, pois vi
alguns obreiros com camisas sociais azuis claras e calças sociais pretas e poucas
obreiras com vestidos sociais azuis escuras.

3.5.3.1 Observações sobre o templo


Chama a atenção a beleza e suntuosidade do templo conforme a figura 3.

69
Nome fictício.
94

Figura 3 – Fachada do templo sede da IURD Belém

Fonte: FOTOS DAS IURD. IURD Net. Disponível em: <http://www.iurdnet.com/p/fotos-das-


iurd.html>. Acesso em: 06 jul. 2013.

Beleza e pompa semelhante à encontrada na fachada é percebida no interior


da igreja. No teto do tempo há uma grande cruz que contribui para iluminar o
ambiente. Em cada lateral do ambiente há seis grandes vitrais com os nomes das
doze tribos de Israel conforme registro bíblico do Primeiro Testamento.70 Na parte
central atrás do púlpito (que o pastor chama de “altar”) tem um grande vitral. Na sua
base há um símbolo da IURD. Há desenhado um grande candelabro com sete
lâmpadas. Na parte superior esquerda do candelabro, há um símbolo semelhante à
letra “A” e na sua parte superior direita há o símbolo grego do Ômega.71

70
As doze tribos de Israel são: Manassés, Aser, Nafitali, Zebulom, Issacar, Gade, Efraim, Dã,
Benjamin, Rúben, Simeão e Judá. A tribo de Levi não possuía terreno porque era composta de
sacerdotes e eles viviam, no contexto bíblico veterotestamentário, espalhados pelos territórios das
demais tribos.
71
A letra “A” parece ser o Alfa. Provavelmente, há alusão a Jesus que é chamado de “Alfa e o
Ômega” no livro bíblico do Novo Testamento em Apocalipse 1.8.
95

Figura 4 – Vigília do Resgate III, em Belém

Fonte: VIGÍLIA do Resgate III, em Belém. Arca Universal. Disponível em:


<http://www.arcauniversal.com/noticias/obreiros/noticias/vigilia-do-resgate-iii-em-belem-
17701.html>. Acesso em: 10 jun. 2013.

A figura 4 retrata o bispo Sérgio Correa, dirigindo um culto no templo central


de Belém, mobilizando fieis da IURD de toda a região metropolitana da capital
paraense.
Prosseguindo na descrição do templo, na parte superior do candelabro que
fica atrás do púlpito, na região central há uma Bíblia com os seguintes dizeres: “Eu
sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim” sendo
uma citação do texto bíblico do evangelho de São João 14.6.
Em cima do púlpito estava uma construção com aparência de pedras e que se
parecia com um altar de aproximadamente 1,5 m de altura. Atrás do púlpito,
cobrindo o vitral com o candelabro, estava uma grande faixa com a inscrição no
topo: “Porque não neguei nada a Deus, Ele me abençoou em tudo”. Na base da faixa
estava um monte, lembrando o monte do sacrifício em que o personagem bíblico
Abraão foi chamado a sacrificar o seu filho. Aliás, o tema do sacrifício era
constantemente falado na reunião.72

72
Conforme o relato bíblico do livro de Gênesis 22 em que o personagem Abraão é ordenado a
sacrificar seu filho Isaque sobre o monte Moriá. O relato informa que, quando ele estava prestes a
96

A figura 5 mostra o templo do Cenáculo do Espírito Santo de uma perspectiva


panorâmica.

Figura 5 – “The Love School” chega a Belém do Pará73

Fonte: THE LOVE SCHOOL chega a Belém do Pará. Arca Universal. Disponível em:
<http://www.arcauniversal.com/noticias/brasil/noticias/the-love-school-chega-a-belem-do-
para-14780.html>. Acesso em: Acesso em: 10 jun. 2013.

3.5.3.2 A reunião em si
O pastor entrou no templo e disse: “boa tarde pessoal” e em seguida disse
“bem forte pra Jesus!”. Após proferir estas palavras, as pessoas começaram a bater
palmas. Em seguida ele perguntou se alguém estava com alguma dor. Várias pessoas
levantaram as mãos indicando positivamente. Então, ele pediu que os doentes fossem
à frente “em nome de Jesus”.
Posteriormente, o pastor pediu que os obreiros entregassem a cada um o
envelope da oferta do sacrifício da Fogueira Santa de Israel.74 Após a entrega, ele

imolar seu filho, um anjo de Deus o impediu, pois viu a sua total confiança em Deus. Então lhe
apareceu um carneiro e Abraão sacrificou o animal sobre um altar no lugar de seu filho.
73
“The Love School: a escola do amor” é um programa de TV que visa orientar relacionamentos
amorosos. Ele é exibido aos sábados na Rede Record, sendo apresentado pelo Bispo Renato Cardoso e
por Cristiane Cardoso, filha de Edir Macedo. Esse casal costuma dar palestras sobre relacionamentos e
escreveu o livro “Casamento blindado – o seu casamento à prova de divórcio”. Esta figura mostra o
referido casal ministrando uma palestra na IURD Belém.
74
A Fogueira Santa de Israel é uma campanha da IURD realizada duas vezes ao ano: uma no meio do
ano e outra no final do ano. Conforme o relato bíblico do capítulo 22 do livro de Gênesis 22, o registro
informa que acontece a maior prova da vida do patriarca: Deus pede que ele sacrifique seu único filho,
97

pediu que cada um levantasse o envelope. Ele fez uma breve oração pedindo para
que o poder de Deus viesse sobre o envelope contra todo o mal. Após essa oração o
pastor pediu que a pessoa colocasse o envelope no lugar da dor. Nós vimos pessoas
colocando-o nas costas, na cabeça, no peito (talvez representando o coração) etc. Em
seguida, o pastor pediu para que as pessoas repetissem palavras de ordem “eu ordeno
que toda a dor, todo o mal e toda a doença saiam em nome de Jesus”.
O pastor pediu para que as pessoas que não foram à frente que levantassem as
mãos em direção ao grupo que estava à frente. Ele orou para que o mal saísse. Duas
doenças foram enfatizadas na oração: a AIDS e o câncer, apesar de nos cultos em
que participei não ter visto testemunhos de cura acerca dessas doenças.
Posteriormente, indicando que finalizara a oração, ele gritou bem alto: “sai”. Após a
oração, ele pediu para aqueles que estavam na frente que respirassem fundo e,
segundos depois, que procurassem a dor. Várias pessoas levantaram as mãos
informando que a dor havia sumido na hora e houve vários testemunhos de cura
instantânea. Um dos relatos foi de uma senhora que foi à frente dizendo que a dor do
seu ombro havia sumido. Após os testemunhos, a maioria de dores em partes do
corpo que haviam sumido, o pastor disse que as pessoas levassem para casa o
envelope, pois deveriam ofertar em dinheiro um sacrifício para Deus, como sinal de
agradecimento pela cura recebida.
Em seguida, todos retornaram para os seus lugares e o pastor perguntou se
havia pessoas com problemas. Várias levantaram as mãos. Então ele pediu que todas
as pessoas presentes fizessem duas filas indianas no corredor, porque ele estava
desejoso de impor as mãos sobre a cabeça de todos. Ele disse que, se houvesse algum
demônio escondido, ele iria se manifestar para ser expulso.
Ao impor as mãos, ele orava para que o espírito do mal saísse. Nós entramos
na fila e participamos do ritual. As pessoas eram tocadas na cabeça, recebiam uma
brevíssima oração e retornavam para seus lugares. Nós ouvimos o pastor
proclamando bem alto as seguintes expressões enquanto tocava nas cabeças dos
participantes:
• “em nome de Jesus seja liberto”;

Isaque, para Deus. Apesar de parecer absurda, a ordem é acatada. Abraão sobe no monte “Moriá” e
vai sacrificar seu filho. No momento em que levanta o cutelo para sacrificá-lo, um anjo aparece, o
impede de completar o ato e afirma que Deus está satisfeito com a sua obediência. Assim, o fiel é
estimulado a sacrificar através de ofertas, seguindo o exemplo do personagem bíblico Abraão
(FOGUEIRA SANTA, 2012).
98

• “sai todo demônio [...] todo espírito da amarração”;


• “onde você estiver desgraçado, saia em nome de Jesus”;
• “sai daí praga [...] saia agora [...] sai espírito do inferno [...] eu
determino que saia agora...” etc.

Nós retornamos aos nossos lugares e fechamos nossos olhos. Nesse momento
ouvimos gritos, como se fossem, na cosmovisão iurdiana, de pessoas possessas.
Abrimos nossos olhos e contemplamos que uma jovem senhora, que aparentava ter
entre 28 e 30 anos de idade, ao nosso lado estava recebendo uma oração com
imposição de mãos por um obreiro. Mas o grito parece que não veio dela.
A seguir, após a imposição de mãos sobre os presentes, o pastor pediu para
que pegássemos a garrafinha com água que trouxemos e que havia sido ungida. A
água havia sido ungida no início da reunião e as gotas de óleo eram chamadas de
“gota (sic) do milagre”. Ele pediu que levantássemos a garrafinha com a mão. Em
seguida, ele fez uma oração pedindo que o Espírito Santo consagrasse aquela água, a
fim de que ela se transformasse em fogo dentro da pessoa e que, quando a pessoa
bebesse dela, o “demônio desgraçado” e o mal teriam de sair. Depois, ele pediu que
bebêssemos um gole da água.
Nesse momento, percebemos um homem supostamente endemoninhado que
estava se contorcendo com as mãos para trás. Um obreiro estava orando sobre ele
enquanto o pastor fazia a prece sobre os participantes. Após a consagração da água, o
pastor se dirigiu ao senhor “possesso” iniciando o exorcismo.
Ele dava palavras de ordem para o homem, que aparentava ter uns 50 anos de
idade. O pastor perguntou qual era o nome do demônio. O homem respondeu com
voz grave e embargada “exu da morte”. O pastor explicou que o “exu da morte” era o
nome do “encosto” – um demônio preparado para destruir. O demônio disse que
havia sido contratado por muito dinheiro para matar o homem que ele estava
possuindo. O líder informou que foi um trabalho na “macumba”.75 Em seguida, o
pastor disse que as pessoas ali presentes tinham de estar dispostas a manifestarem a
sua fé para se livrarem dos demônios que traziam problemas e doenças.
Durante a sessão de exorcismo, enquanto o homem estava de joelhos e com
as mãos para trás, o pastor disse que muitos entregam grandes quantias de dinheiro

75
A palavra “macumba” é designada, nos arraiais iurdianos, como sinônimo das religiões afro-
brasileiras.
99

aos demônios para terem seus problemas resolvidos enquanto que muitos na igreja
não têm coragem de chegar ao altar (o nome do púlpito) e fazer uma oferta de
sacrifício. Ele reforçou que várias pessoas têm coragem de gastar “rios de dinheiro”
com remédios, mas não tem a mesma coragem de depositar seu dinheiro sobre o
altar. Em seguida, com o homem ainda em estado de transe, falou sobre a Fogueira
Santa que ocorreria sobre o monte Moriá, em Jerusalém, Israel.
Nesse ínterim, com o senhor ainda possesso e sob o controle de um obreiro, o
pastor perguntou se alguém da plateia tinha algum pedido para fazer a Deus. Vários
levantaram as mãos. Então, ele recomendou que se fizesse o pedido e colocasse uma
oferta de sacrifício para que este pedido fosse levado a Israel. O pastor ressaltou que
se devia ter coragem de fazer o sacrifício. Não se devia colocar uma oferta qualquer,
mas sim o seu sacrifício. Em seguida ele deu o exemplo de uma pessoa da “nação
76
dos 318” que depositou no altar, no dia anterior, R$ 60.000,00. Essa pessoa disse
ao pastor: “esse é o sacrifício que eu ofereço ao meu Deus”. Outro exemplo foi de
um rapaz que entregou uma motocicleta. Outro relato do pastor foi de um senhor que
deu um carro que valia R$ 100.000,00.
Após citar estes três exemplos, o pastor disse que o Diabo tem medo do
sacrifício, pois a benção com certeza será entregue, o que contraria os interesses
diabólicos para com o ser humano. Depois o pastor pediu que um obreiro trouxesse
um envelope do sacrifício e o colocou sobre a testa do homem endemoninhado. Ao
fazê-lo, o senhor possesso gritava: “tá ardendo, tá pegando fogo”. O pastor disse que
era o fogo da Fogueira Santa de Israel que estava queimando a entidade. Em seguida,
pareceu que o homem foi liberto do espírito mal. Nesse momento a esposa do
homem possesso foi à frente depois da libertação e disse que o seu marido foi, com
15 anos de idade, procurar a “macumba” e foi consagrado em uma religião afro
desde a adolescência. Disse, também, que recentemente o seu esposo tentou matá-la
várias vezes.
O pastor, em seguida, chamou o casal e orou, impondo as mãos sobre eles,
para que todos os demônios se manifestassem novamente. O homem ficou possesso
novamente. O pastor, então ordenou que o demônio maioral se manifestasse. Ele fez

76
A “nação dos 318” é uma reunião que acontece às segundas-feiras para se alcançar as bênçãos de
Deus para superação de crises financeiras e obtenção de prosperidade material. Essa expressão faz
alusão ao relato bíblico de Gênesis 14.1-16 em que Abraão recebeu a notícia de que seu sobrinho Ló
havia sido sequestrado por quatro reis poderosos. Ao saber da notícia, Abraão resolveu enfrentar os
inimigos tomando 318 homens nascidos em sua própria casa e treinados para a guerra. Desta forma,
ele conseguiu resgatar seu sobrinho Ló, sua família e todos os seus bens.
100

uma contagem de um a três. Após terminar, o homem possesso disse que o seu nome
era “Lúcifer”. Então o pastor orou libertando ele de todos os demônios que o
possuíam.
Após essa oração, o pastor disse para olharem sobre uma réplica de um altar
que estava construído em cima do púlpito. Então, apontando para o altar, mas ao
mesmo tempo se dirigindo à plateia, ele disse que o sacrifício era a chave da vitória e
libertação do senhor que acabava de se livrar dos demônios.
Após a libertação relatada supra, foi mostrado um vídeo de uma senhora,
aparentemente praticante de uma religião afro-brasileira (não dava para ver o seu
rosto, pois estava embaçado). Ela parecia uma espécie de cartomante que dizia ao seu
cliente que ele deveria ofertar cerca de R$ 3.000,00 para que o trabalho fosse feito e
os seus problemas fossem solucionados. Ele deveria se sacrificar. Na consulta, o
cliente deveria deixar um sinal de R$ 50,00 e colocar um cheque com o valor
restante corespondente ao serviço para que este fosse realizado. Após o vídeo, que
durou aproximadamente cinco minutos, o pastor disse que assim como a feitiçaria
exige sacrifícios para o Diabo, da mesma forma era necessário que as pessoas
sacrificassem ao Deus verdadeiro para serem genuinamente abençoadas e libertas.
Para alcançar a benção, o pastor enfatizava a necessidade de se estar com a
disposição de dar tudo. Então ele cita um texto bíblico atribuído ao personagem Davi
que disse “eu não vou dar um sacrifício que não me custe nada”.77 Após citar o
episódio bíblico, o pastor disse à congregação que não sabia quanto seria o sacrifício
que cada pessoa da plateia iria ofertar, mas que deveria ser algo pessoal, entre a
pessoa e Deus, mas que, à semelhança de Davi, deveria custar algo; deveria ser um
verdadeiro sacrifício.
O pastor pediu que as pessoas que já tivessem o envelope da Fogueira Santa,
subissem a escada ao lado do púlpito, com acesso ao mesmo, para passar, com fé,
pela réplica do altar. Ele orientou que quem fosse sacrificar em outros dias, também

77
Trata-se do texto bíblico de 1ª Crônicas 21.24 em que Davi, para apaziguar a ira de Deus sobre ele e
o povo de Israel, decide comprar um terreno para fazer um altar e oferecer animais à divindade. No
entanto, o seu dono, Araúna, deseja dar o terreno de graça ao rei Davi. O rei se nega a ter o terreno
gratuitamente e responde: “Não! Faço questão de pagar o preço justo. Não darei ao SENHOR aquilo
que pertence a você, nem oferecerei um holocausto que não me custe nada”. O holocausto era um tipo
de sacrifício de animais, em que estes eram totalmente queimados e, de acordo com o relato bíblico,
Davi queria ofertar a Deus animais que lhe custassem valores monetários para demonstrar a Deus
arrependimento. No caso da IURD, esse texto foi empregado para, de forma similar ao personagem
bíblico, o fiel demonstrar a Deus que quer agradá-lo ofertando valores que lhe custem.
101

podia subir, mas deveria pegar o envelope. Alguns tocavam no altar demonstrando fé
de que conseguiriam alcançar seus pedidos.
Após as pessoas retornarem aos seus lugares, o pastor pediu para que
levantássemos um objeto trazido de casa que representasse o nosso pedido. Nós
vimos pessoas levantarem fotos, chaves, documentos etc. Em seguida o pastor fez
uma oração e, dentre as suas palavras, ele pedia para as pessoas pronunciarem: “eu
determino a minha vitória e toda a obra do inferno seja desfeita”.
Após essa oração pelos objetos representantes dos pedidos, o pastor chamou
vários obreiros que levavam sacolas para um momento de ofertas. Percebemos que
os obreiros levaram livros. O pastor então fez três momentos de ofertas. Aqueles que
iriam ofertar valores de R$ 10,00 para cima, poderiam depositar as quantias na frente
e receber o livro “Orixás, caboclos e guias” ou “Nos passos de Jesus”, ambos da
autoria de Edir Macedo. Em seguida, aqueles que ofertassem valores de R$ 5,00
receberiam um CD de músicas que são entoadas nas reuniões. Por último, aqueles
que ofertariam de R$ 1,00 a 3,00 poderia levar os valores à frente, mas eles não
receberam nada em troca. Quase todos os presentes foram à frente depositar suas
ofertas.
No final da reunião, que durou cerca de uma hora, o pastor convidou todos os
presentes a irem à frente para receber uma unção com óleo. Um grupo de obreiros
com cálices dourados, repletos de óleo, estava à frente. Então deveríamos receber a
unção. Nós fomos e o obreiro colocou um dedo, untado com óleo, sobre nossa testa,
orando para que recebêssemos a benção de Deus.
102

4 IDENTIDADE IURDIANA EM TEMPOS LÍQUIDOS: QUESTÕES


SOBRE “DIFERENÇA” E “TRADUÇÃO” NA FORMAÇÃO
IDENTITÁRIA DA IURD
Este capítulo faz reflexões sobre a construção identitária da IURD
empregando as categorias da “diferença” e “tradução” propostas por Stuart Hall
(2011) e por Kathryn Woodard (2012). Tais conceitos tem como pano de fundo a
différance proposta por Jacques Derrida.
Pretendemos trabalhar a maneira peculiar como a IURD constrói sua
identidade no Cenáculo do Espírito Santo, templo central da igreja em Belém-PA.
Para empreender esta tarefa, utilizamos dados obtidos de observações etnográficas de
cultos da IURD, de literatura produzida pela instituição, livros de pesquisadores e
dados oriundos de entrevistas que realizamos.
Este capítulo está estruturado em quatro partes. Na primeira, trabalha-se o
conceito derridiano da différance, empregado por Hall e Woodard, para destacar as
formações identitárias na (pós-)modernidade. Na segunda parte, fazemos algumas
reflexões sobre a identidade nos tempos fluidos da globalização. Em terceiro lugar,
são feitas observações sobre a criativa construção identitária iurdiana, em torno da
“diferença” e “tradução”. Por último, tecemos considerações sobre a formação
identitária da IURD.

4.1 O CONCEITO DERRIDIANO DA DIFFÉRANCE


Para elaborar a formação da identidade nos tempos líquidos, Hall e Woodard
utilizam os termos “diferença” e “tradução” como dois conceitos interligados
(HALL; WOODARD; SILVA, 2012, p. 7-72). Por trás dessas palavras está o
conceito différance criado pelo filósofo argelino Jacques Derrida. Trata-se de um
neologismo francês considerado como um “ruído em nossa compreensão
estabelecida da palavra/conceito” (ARMANI, 2011, p. 33). O termo destaca dois
aspectos: différer (diferir) e différence (diferença). Ao discorrer sobre esses
componentes, recorreremos a uma ilustração, para compreender o propósito de
Derrida ao criar o termo différance.
A palavra francesa différer significa diferir, postergar e denota algo com uma
significação sempre adiada ou não resolvida. Qualquer palavra procurada no
103

dicionário sempre é diferido e adiado. O termo “casa”, por exemplo, remete a


“edifício”, “lar”, “família”, “repartição pública” etc. No entanto, nunca é encontrado
um significado fixo e cabal para “casa”, assim como para qualquer outro termo.
Sempre recorre-se a outros termos, adiando ad infinitum o seu real significado.78
Esse aspecto do adiamento é bem destacado por Armani:

Um dos “significados” possíveis dessa ideia é a sua condição de


movimento, a abertura para novos sentidos, sem apagar os vestígios dos
sentidos já existentes, o que pressupõe que o sentido nunca se conclui ou se
completa, mas permanece em movimento para abarcar outros sentidos
adicionais ou suplementares (2011, p. 33).

Já o termo différence significa diferença, diferenciar, denotando


diferenciação. Na estrutura de uma língua os termos se determinam reciprocamente.
Cada palavra não detém um significado em si, mas ele determina-se pela relação
diferencial que estabelece com as demais palavras. Assim, neste aspecto de
diferenciação, “a lógica da différance significa que o significado/identidade de cada
conceito é constituído em relação a todos os demais conceitos do sistema em cujos
termos ele significa” (HALL, 2003, apud ARMANI, 2011, p. 34).
Ao mesmo tempo em que “casa” nunca é definido de forma completa, mas
sempre refere-se a outros temos causando um adiamento em seu significado
(différer), ela também depende dos termos a que se refere para demonstrar sua
diferença entre eles (différence). Essa imbricação e sobreposição de sentidos é
chamada por Derrida “jogo da différence” dos signos (BARBOSA, 2012, p. 121)
Assim, o conceito da différance sugere a ambiguidade envolvida nos signos
da linguagem. Hall lança mão deste conceito para retratar a sincretização das
identidades culturais. Na leitura de Barbosa

os elementos culturais de origem não são simplesmente transportados de


um lugar a outro, nem sobrevivem de maneira igual em tempos diferentes;
são remodelados com elementos culturais dos lugares e tempos para onde
são deslocados (2012, p. 117).

Hall não é um teórico derridiano (BARBOSA, 2012). No entanto, lança mão


do conceito da différance para denotar aspectos de bricolagem na construção das
identidades.
Desta forma, na IURD, um componente importante na sua construção
identitária é a “diferença” (différence), pois a IURD edifica sua identidade

78
Lembramos também que não existem sinônimos perfeitos.
104

ressaltando sua diferença e superioridade em relação a outros grupos religiosos. No


entanto, a “tradução” (différer) trata da forma peculiar como a IURD toma
emprestado parte do corpo de tradições, doutrinas e rituais de grupos religiosos que
ela mesma critica, fazendo uma reelaboração criativa e radical. Ambiguidade e
ambivalência são termos que denotam bem a identidade iurdiana e serão trabalhados
no decorrer deste capítulo.

4.2 REFLEXÕES SOBRE A IDENTIDADE NOS TEMPOS “LÍQUIDOS” DA


GLOBALIZAÇÃO
A partir de 1960 ocorre mais fortemente uma grande mudança no cenário
religioso mundial. Há o crescimento de novas religiosidades não apenas no Brasil,
mas na Europa, EUA e também em países da Ásia, Leste Europeu e África. Grandes
transformações têm ocorrido no campo religioso. Nas palavras de Deis Siqueira há
uma “espiral de transformações por que passa a dimensão religiosa na atualidade”
(SIQUEIRA, 2002, p. 177).
Para Guerriero (2006) há, ao mesmo tempo, um crescimento de novas
religiosidades e de fundamentalismos, sendo evidente o caráter plural das
religiosidades hodiernas. Trata-se da explosão e proliferação de novas religiosidades:
os chamados “novos movimentos religiosos”.

É nesse quadro, marcado paradoxalmente por um processo de secularização


por um lado, mas por um pluralismo e disputas pelo novo “consumidor de
bens religiosos” de outro, que devemos analisar os processos de
sincretismo, de surgimento de novas organizações religiosas (algumas até
de feições empresariais) e do aparecimento do que tem sido chamado, até
por falta de um termo mais apropriado, de “novos movimentos religiosos”
(CAMPOS, 2002, p. 98, grifos nossos).

A globalização produziu diversos efeitos na economia, na política, na cultura,


na religião etc. Por isso, serão trabalhados, dentre o grande escopo das consequências
da globalização, suas influencias nas questões de identidade. Também serão tratados
duas categorias da identidade nesse contexto hodierno: a diferença e a tradução.

4.2.1 Efeitos da globalização na construção da identidade


O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, professor emérito da Universidade de
Leeds (Varsóvia), tem estudos e reflexões acerca dos tempos atuais. Ele trabalha as
condições do mundo hodierno que ele chama de “modernidade líquida”.
Bauman chama de “modernidade sólida” para o período, impulsionado pelo
Iluminismo, em que a razão e os avanços científicos proporcionavam um senso de
105

estabilidade e estimularam em muitos a crença em um progresso geral e inevitável da


humanidade. Era uma época marcada por uma suposta “segurança” e pelas
identidades estáveis e fixas (BAUMAN, 2001).
No entanto, em tempos líquidos e instáveis, a identidade está em processo de
transformação. Vivemos uma dinâmica em que se ressalta o transitório; em um
período de incertezas e instabilidades. Por isso veremos os conceitos de identidade e
como o processo de globalização trouxeram desafios para a compreensão da
experiência religiosa.

4.2.1.1 O que é identidade?


As identidades culturais estão se fragmentando na atual era havendo uma
crise da identidade moderna que via o sujeito como um ser fixo e unificado. Mas o
que é identidade? Hall afirma que “o próprio conceito [...] [de] ‘identidade’ é
demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido
na ciência social contemporânea” (HALL, 2011, p. 8).
Para Woodard a identidade tem relação com a representação de uma pessoa
ou grupo. A “representação atua simbolicamente para classificar o mundo e nossas
relações no interior”. Devido à complexidade do conceito, Woodard conta uma
história relatada pelo escritor e radialista Michael Ignatieff sobre uma guerra entre
sérvios e croatas que afligia a antiga Iugoslávia, a fim de clarificar o significado de
identidade

[...] estou tentando entender porque vizinhos [sérvios e croatas] começam


a se matar uns aos outros. “O que faz vocês pensarem que são
diferentes?” O homem com quem estou falando pega um maço de cigarro
do bolso de sua jaqueta cáqui: “vê isto? São cigarros sérvios. Do outro
lado, eles fumam cigarros croatas.” “Mas eles são, ambos, cigarros,
certo?”[ respondeu o homem sérvio:] “vocês estrangeiros não entendem
nada; [...] Olha a coisa é assim. Aqueles croatas pensam que são melhores
que nós. Eles pensam que são europeus finos e tudo mais. Vou lhe dizer
uma coisa. Somos todos lixo dos Bálcas” (WOODARD, 2012, p. 7-8).

Através desse relato Woodard ressalta três componentes da identidade. Ela é


relacional (ou contrastiva), pois a identidade sérvia depende de algo fora dela: de
outra identidade (a croata). Ela também é marcada por meio de símbolos, que podem
ser percebidos pelos cigarros fumados de cada lado. Ou seja, a identidade, em
especial a nacional, é simbólica e social. Também tem como componente o gênero
106

em que, no caso da história, as concepções militaristas estavam associadas ao


masculino (WOODARD, 2012, p. 9-12).
As identidades podem ser compreendidas através de duas perspectivas: a
essencialista e a não essencialista. No essencialismo a identidade não se altera ao
longo do tempo, é uma construção social que é tratada como se sempre fosse e
sempre será estável e fixa. Já a visão não essencialista focaliza as diferenças e
entende que as formações identitárias têm mudado em cada conjuntura histórico-
cultural.79
Na construção identitária Woodard (2012, p. 13-15) também destaca que:
• Há a necessidade de conceitualizações para a compreensão da
funcionalidade da identidade;
• A identidade envolve reivindicações essencialistas;
• Algumas vezes as reivindicações baseiam-se na natureza como etnia,
raça etc.
• É relacional e depende de outra identidade para fins de comparação;
• Está vinculada a condições sociais e materiais;
• Não são unificadas.

Hall traz outros aspectos para elucidar o complexo conceito de identidade.


Para ele há três concepções de identidade: a do sujeito iluminista (individualista); a
do sujeito sociológico (interacionista); a do sujeito (pós-)moderno (que efetiva a
“celebração móvel”). Na primeira visão, o sujeito nascia e se desenvolvia de forma
totalmente centrada e com total capacidade da razão, permanecendo essencialmente o
mesmo, pois sua identidade era fixa e estável (HALL, 2011, p. 10-14).
Na perspectiva sociológica ou interativa, conforme Hall, a identidade é
formada no contexto dialético de interação da pessoa com a sociedade em que o
sujeito adéqua-se à estrutura da sociedade; desta forma sua identidade assume uma
identidade relativamente estável pelos mundos culturais em que habita.80
Já na última perspectiva, o sujeito (pós-)moderno não possui identidade fixa e
estável. Como fruto das consequências da globalização, grandes influências

79
É essa perspectiva não essencialista de identidade que empregamos para a elencar as ambíguas e
ambivalentes formações identitárias da IURD nesse trabalho.
80
Na banca de qualificação o Prof. Dr. Heraldo Maués acredita que essa descrição halliana da
perspectiva sociológica/ interativa das formações identitárias parece ser uma idealização do passado: o
que concordamos.
107

ocorreram nas questões de identidade. As identidades culturais estão se


fragmentando na atual era havendo uma crise da identidade moderna que via o
sujeito como um ser fixo e unificado. O sujeito (pós-)moderno, ao contrário, assume
várias identidades, às vezes contraditórias ou não resolvidas, pois a identidade “é
definida historicamente, e não biologicamente” (HALL, 2011, p. 13).81
A condição de permanência, a certeza e a continuidade, são condições que se
desmancham no ar nestes tempos líquidos, (pós-)modernos e de globalização. Há
uma “descentração” do sujeito. Algo que se supõe ser fixo e estável, como nas
perspectivas essencialistas, é deslocado pela experiência da dúvida em vários
âmbitos, como, por exemplo, da classe, gênero, sexualidade, etnia, raça,
nacionalidade etc. (MERCER, apud HALL, 2011, p. 9).
Um dos conceitos linguísticos usados por Woodard para corroborar com a
fluidez da identidade cultural é a différance de Jacques Derrida. Para ela o conceito
sempre é diferido e adiado. Qualquer termo no dicionário sempre faz referências a
outros termos. Frases e orações são compostas para definir tal termo, mas a
referência a outros termos indica um adiamento na clarificação do seu significado.
Assim, de forma semelhante, as identidades são fluidas e não são completamente
fixas ou completas (WOODARD, 2012, p. 29).
Desta forma, a identidade é construída cultural e socialmente. Não são
naturais ou autônomas. Na verdade, a sociedade está impregnada de conceitos e quer
impor um modelo de identidade a todos (de acordo com a cultura produzida no seu
tempo histórico). No entanto, a identidade não é estável ou individual. Antes, ela é
construída ao longo de um processo de discursos, práticas e costumes sociais,
passando por mudanças e transformações ao longo do tempo. Assim, todos nós
temos várias identidades que são acionadas nos momentos adequados a nós mesmos.

4.2.1.2 A identidade nos tempos líquidos da globalização


À “[...] medida em que áreas diferentes do globo são postas em interconexão
umas com as outras, ondas de transformação social atingem virtualmente toda a
superfície da terra”. (HALL, 2011, p. 6). Mais à frente Hall ressalta que “a
globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar identidades centradas e

81
Sobre a questão da formação identitária numa (pós-)modernidade, os críticos do prefixo “pós” para
designar o nosso tempo podem argumentar que isso não é novidade. A formação identitária sempre foi
fragmentada, mas era pensada como unívoca.
108

‘fechadas’ de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as


identidades” (op.cit., p. 87, grifo do autor). Por isso é relevante refletir sobre a
importância da globalização e o seu impacto na formação da identidade cultural.
Nas últimas três décadas as interações transnacionais tiveram uma
intensificação dramática na sociedade ocidental capitalista. Ocorreu a globalização
dos sistemas de produção, transferência financeira e divulgação internacional de
informações e imagens por intermédio dos meios de comunicação. Santos chama
essas inter-relações de “interações transfronteiriças”, ou seja, trata-se da
“globalização” (SANTOS, 2002, p. 25). Mas o que é globalização? Para Hall, ela

se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam


fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e
organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o
mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado.

A “globalização banaliza as diferenças fundamentais entre as religiões/Igrejas


históricas, levando os ‘consumidores’ das mensagens religiosas a perceberem cada
vez menos os limites simbólicos entre os diferentes sistemas de crença religiosa”
(RODRIGUES, 2008, p. 30-31). Isso ocorre porque com a globalização e a
mundialização da cultura, há a transformação “[d]as noções de internacional,
nacional e local” (ORTIZ, 2001, p. 59). As religiões consideradas particulares podem
ser encontradas em diversos lugares do mundo, tendo o seu status alterado pela nova
realidade.
A globalização não significa que se tem “uma” cultura global ou uma religião
global, mas sim que há culturas e diversidades religiosas. Também reflete que mesmo
que valores religiosos não tenham modelado a sociedade global moderna
contemporânea, “o lugar que o universo religioso ocupava nas sociedades
tradicionais foi [...] remodelado pela modernidade”, ou seja, houve uma adaptação da
religião a esse novo contexto (ORTIZ, 2001, p. 64).
A globalização aliada ao alto desenvolvimento da tecnologia tem estreita
relação com o fenômeno do pluralismo hodierno. As informações que são
disponibilizadas de forma acessível e cada vez mais veloz possibilitam que
indivíduos, de qualquer lugar do mundo, tenham acesso, dentre outras informações, a
diferentes culturas e religiões. Nessa nova realidade os indivíduos, independente da
sua nacionalidade, tradição, origem ou pertença, têm disponível diante de si,
diferentes opções, em especial, religiosidades que estão disponíveis para serem
109

apreciadas no mercado de bens simbólicos.


Mesmo que a globalização tenha permitido que produtos de empresas
multinacionais, estilos de vida e expressões religiosas diversas, por exemplo, estejam
disponíveis em várias localidades diferentes do mundo, também as peculiaridades e
diversidades desse mundo multicultural tornaram-se mais visíveis à sociedade
contemporânea.
Essa interconexão teve ressonâncias fortes nas representações sociais,
fazendo com que as identidades supostamente ancoradas no essencialismo entrassem
em crise, mediante o deslocamento das identidades culturais nacionais, no bojo do
processo de globalização (HALL, 2011, p. 67).
Essa crise de identidade tem relação com as mudanças nos padrões de
produção e consumo impostos pela globalização. Assim, identidades novas e
globalizadas surgem como fruto da pluralidade, havendo um colapso das velhas
certezas pela produção de novas formas de posicionamento (WOODARD, 2012, p.
25).
A IURD como um novo movimento religioso é, na visão de Campos, “[...]
um tipo de religião que mais se adapta a um contexto de globalização e
internacionalização da cultura e da economia”, apresentando-se como um
empreendimento que busca oferecer os melhores serviços de bens simbólicos
(CAMPOS, 2005, p. 113).
Assim, novas identidades e sistemas religiosos como a IURD surgem neste
contexto de “descentramento” de identidades e possuem suas peculiaridades. Por
isso, é relevante compreender o seu sistema de crenças e os desenvolvimentos
históricos e doutrinários formadores de sua identidade no âmbito religioso brasileiro.

4.3 OBSERVAÇÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA IURDIANA


A identidade iurdiana chama a atenção do observador pela agressividade
como a Igreja Universal se apresenta nos campos midiático e político, bem como nas
relações que ela estabelece com outros atores coletivos do campo religioso. Ao falar
sobre a vocação “bélica” da IURD (e da Igreja Internacional da Graça de Deus) em
relação a outras expressões religiosas, Ricardo Mariano afirma que:

A guerra travada dia a dia contra a umbanda, o candomblé, o kardecismo


e a Igreja Católica torna seus elementos parte integrante da própria
identidade da Universal, a mais combativa das igrejas neopentecostais [...]
Essa identidade se estrutura na relação com o outro, seja pacífica ou não.
110

Sem o Diabo, sem o inimigo incessantemente expulso, humilhado,


combativo, vilipendiado, Universal e Internacional da Graça não seriam
quem são nem quem presumem ser (2010, p. 136-137, grifos nossos).

Utilizando dados das observações de cultos, das entrevistas e de livros da


IURD e de pesquisadores, procuramos compreender como esta igreja constrói sua
identidade em torno da diferença ressaltada em relação a outras religiões e, ao
mesmo tempo, como sincretiza crenças de outras expressões religiosas fazendo uma
tradução criativa para compor sua fé.

4.3.1 Construção da identidade iurdiana em torno da “diferença”


Escrevendo sobre o tratamento que a IURD costuma dar às divindades afro-
brasileiras, Mariano relata:

No afã de tirar proveito evangelístico da mentalidade e do simbolismo


religiosos brasileiros, a Universal incentiva relações de troca com Deus,
promete bênçãos, milagres, poder e autoridade divinos para combater o
mal e “acata” o panteão dos deuses das religiões inimigas ao invocá-los,
incorporá-los, humilhá-los e, por fim, exorcizá-los. Com isso, rearticula
sincreticamente crenças, ritos e práticas dos adversários. Tal
reapropriação sincrética é intencional, estudada, encerra claro propósito
proselitista (2010, p. 135-136, grifos nossos).82

Para Woodard a identidade é relacional, porque depende de algo fora dela: de


outra(s) identidade(s). Esse mecanismo que depende do outro vem em forma de um
sistema binário: há relações de poder ao se afirmar uma identidade em detrimento de
outra (WOODARD, 2012, p. 9). Isso significa que sua construção é marcada pela
diferença e pela exclusão do outro.
A IURD entra nesse contexto porque é altamente exclusivista e sectária. Um
de seus principais ensinos consiste na guerra contra o Diabo e seus demônios. Para
Macedo “[...] podemos chamar a nossa era de ‘era do demonismo’, onde o diabo e
seus anjos estão atuando ativamente em todos os setores de atividades do homem,
dirigindo-lhe os passos e guiando-lhe os caminhos” (MACEDO, s.d., p. 127).
Como na cosmovisão iurdiana os espíritos do mal são enganadores e inimigos
de Deus, eles estão atuando em todos os setores da sociedade e nas religiões que não
são a “verdadeira”. Tais espíritos maus atuam enganando fieis de outras persuasões

82
Relembrando que, no século VI, os cristãos acreditavam que os demônios enganavam os praticantes
das religiões “pagãs” e se identificavam com nomes de divindades gregas (BROWN, 1984, p. 138-
141). Portanto, será que a IURD propõe uma novidade? Conforme observação do Prof. Heraldo
Maués, na banca de qualificação, essa (pós-)modernidade é, na verdade, uma volta às origens com
novas roupagens e nomenclaturas. Como já disse o autor do livro bíblico de Eclesiastes 1.9: “[...] não
há nada novo debaixo do sol”.
111

religiosas. Para Macedo (2000, p. 31) “[...] existem milhares de religiões, igrejas e
seitas e movimentos que reúnem falsas doutrinas ou ensinamentos para confundir
cada vez mais o ser humano”. Toda essa pluralidade de religiões é porque “há uma
ação diabólica neste mundo, criando falsos ensinos para enganar as pessoas”. Por
isso, é emblemática a formação identitária iurdiana a partir do combate a outras
expressões religiosas, principalmente à Igreja Católica, às religiões afro-brasileiras e
espiritualistas, além dos demais grupos evangélicos.

4.3.1.1 Ataques à Igreja Católica


O texto bíblico de Éfésios 6.11-12 diz: “Vistam toda a armadura de Deus,
para poderem ficar firmes contra as ciladas do Diabo, pois a nossa luta não é contra
seres humanos, mas contra os poderes [principados] e autoridades [potestades],
contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas
regiões celestiais” (BÍBLIA, 2001, p. 1296). Ao explicar este texto, Macedo informa
que as potestades ou autoridades correspondem a uma classe de demônios que atuam
no poder religioso. Eles “[...] continuam operando. No passado tivemos a Inquisição,
quando milhares de pessoas foram condenadas e queimadas vivas, só porque não
professavam a fé católica” (MACEDO, 1999, p. 56-57). Ou seja, esses demônios
atuaram e continuam atuando em várias instituições religiosas e a que ele destaca é a
Igreja Católica.
Macedo critica o catolicismo afirmando que “[...] para os católicos, não há
liberdade de pensamento e a interpretação bíblica cabe apenas ao papa, a quem
consideram o ‘vigário de Cristo’, tachando de hereges a todos os que dele
discordam”. Ele discorre, mais à frente, que “No catolicismo-romano, discordar do
papa ou de algum dogma da igreja é ser passível de excomunhão, atualmente, porque
na Idade Média o discordante podia ser queimado vivo na fogueira, pela ‘Santa
Inquisição’” (MACEDO, s.d., p. 46).
Sobre o papa Bento XVI, que em 28 de fevereiro de 2013 renunciou ao
papado, Macedo é taxativo. Ele é

[...] exclusivamente um político. Mais nada. O que ele e o restante do


clero fazem o tempo todo é apenas ditar regras, impor regras, impor
normas, em sua maioria contrárias à Bíblia. É só checar. São regras e
mais regras, uma atrás da outra. Não pode fazer sexo, não pode usar
camisinha, não pode planejar família, a mulher não pode ter o direito de
abortar, o segundo casamento é uma praga, sexo é somente para a
procriação, a igreja Católica é a única verdadeira igreja de Cristo, os
112

evangélicos são uma seita e por aí vai. Como ter uma opinião diferente?
(TAVOLARO; LEMOS, 2007, p. 229-230)

No entanto, o discurso contra a Igreja Católica não é “apenas” verbal. Já


houve casos em que símbolos religiosos do catolicismo foram nitidamente atacados.
Um caso, que foi emblemático, ocorreu em feriado nacional, em 1995, que se celebra
a padroeira do Brasil, Nossa Senhora de Aparecida. Nesse dia, o bispo Sérgio Von
Helde apareceu em uma programação da TV Record, ao vivo, “desejando mostrar
aos católicos que a santa nada significava se comparada ao Deus vivo, ele segurou a
imagem com uma mão enquanto batia nela com o pé, durante grande parte de seu
discurso” (BLEDSOE, 2012, p. 69).
O referido bispo tentou mostrar que os católicos eram idólatras que se
curvavam perante uma imagem frágil e feita pelas mãos dos homens. No entanto, o
“tiro saiu pela culatra”. Esse caso gerou profunda revolta e comoção nacional sendo
esta uma das maiores crises enfrentada pela IURD. Tal acontecimento, conhecido até
hoje como o “chute na santa”, impulsionou uma série de querelas com a Rede Globo,
dentre elas a criação da minissérie “Decadência”, que apresentava um pastor adúltero
ludibriando seus fiéis, o qual utilizava partes de discursos de Edir Macedo. Inclusive,
na época, “o episódio serviu para se levantar a hipótese de que uma ‘guerra santa’
ocorria no Brasil” (GIUMBELLI, 2002, p. 287).
Assim, para a IURD, a Igreja Católica é uma igreja fraca, que persegue os
outros, tacha as outras expressões religiosas de heréticas e que tem um líder
meramente político que proíbe tudo. A razão de a Igreja Católica ser desse jeito é
porque há uma classe de demônios que atuam nas religiões, bem como na Igreja
Católica, para que esta promova a idolatria e o engano junto a seus fieis. É por isso
que Edir Macedo disse: “[...] Eu rasgo o verbo ao dar minha opinião sobre a [...]
Igreja Católica” (apud TAVOLARO; LEMOS, 2007, p. 233).

4.3.1.2 Ataques às Religiões Afro-brasileiras e ao Espiritismo


Como na cosmovisão iurdiana os demônios devem ser vencidos, é necessário
realizar uma limpeza e libertar as pessoas da influência desses espíritos maus que
atuam nas religiões. E um dos alvos prediletos nessa “batalha espiritual” são as
113

religiões afro-brasileiras e o Espiritismo.83 Segundo Vagner Silva “[...] os deuses,


principalmente os exus e as pombagiras” das religiões afro-brasileiras “são vistos
como manifestações dos demônios” (SILVA, 2007, p. 207).
Quando estávamos entrevistando a senhora M.C.N.S. Santos, adepta da
IURD, ela falou que os demônios são a origem das doenças. Perguntamos se para
cada enfermidade havia algum mau espírito correspondente. Ela respondeu
afirmativamente dizendo que “eles são tão organizados que você não pode imaginar.
Eles têm classificação e hierarquia [...] um manda no outro”. Ela cita várias entidades
das religiões afro-brasileiras como se fossem nomes de demônios. Ela citou o Zé
Pelintra, Pomba-gira, Exu caveira, Exu da morte etc. e deu um exemplo de como os
demônios disseminam doenças: “[...] [eles] colocam doença em comida quando é
preparada na umbanda”. Isto significa que os espíritos malignos podem lançar males
sobre as pessoas através de refeições enfeitiçadas, uma palavra de maldição rogada
por um inimigo etc. E as entidades que se manifestam nas religiões afro são, na
verdade, demônios que enganam e enfeitiçam as pessoas.
Em entrevista concedida em 24/06/2012, em sua residência, M.C.N.S. Santos
explica o seu ingresso na IURD. Ela disse que estava com problemas na sua antiga
denominação evangélica, a Igreja Batista, e o seu marido se mostrava infiel para com
ela. A sua igreja não soube lidar com o problema e, por isso, ela saiu de sua igreja e
procurou a IURD. Foi lá, então, que ela descobriu que a razão pela qual o seu marido
a abandonara e a trocara por outra mulher, foi obra do demônio “Pomba-gira”, que
estava perturbando seu marido. Por isso ele precisava de libertação do demônio.
Na pesquisa empreendida por Silva, o estudioso constatou que igrejas
neopentecostais, devido sua cosmovisão e teologia da batalha espiritual, fizeram:

1. Ataques [...] no âmbito dos cultos das igrejas neopentecostais e em seus


meios de divulgação e proselitismo; 2. Agressões físicas in loco contra
terreiros e seus membros; 3. Ataques às cerimônias religiosas afro-
brasileiras realizadas em locais públicos ou aos símbolos destas religiões
existentes em tais espaços; 4. Ataques a outros símbolos da herança
africana no Brasil que tenham alguma relação com as religiões afro-
brasileiras; 5. Ataques decorrentes das alianças entre igrejas e políticos
evangélicos [...] (SILVA, 2007, p. 216).84

83
A doutrina conhecida como “Batalha Espiritual” surgiu nos anos 1980, nos EUA, e está relacionada
a “tudo o que se refere à luta dos cristãos contra o Diabo”, sendo um confronto espiritual direto com
os demônios (MARIANO, 2010, p. 137).
84
Ataques a outras religiões não é novidade no Cristianismo. Hillgarth em fez uma extensa pesquisa
mostrando como o Cristianismo “converteu” a Europa Ocidental do Paganismo para o Cristianismo.
Dentre as estratégias utilizadas, Hillgarth ressalta que “a primeira efetiva e geral proibição de toda
114

Silva relata vários casos de diversos ataques realizados através da mídia


impressa e televisiva, agressões físicas a participantes e a símbolos de adeptos dessas
religiões, além de pressões de políticos evangélicos para cercear a liberdade religiosa
das religiões afro-brasileiras.
Não apenas as religiões africanas são alvo da fúria e guerra da IURD. O
espiritismo e religiões orientais também são constantemente atacados. Para Macedo

Vivemos em plena era do demonismo. O espiritismo está, sob as suas


mais diversas ramificações, dominando a mente das pessoas. As religiões
orientais, regadas a demônios, estão, sob capa cristã ou não, invadindo o
mundo, entrando nos salões de festas e coabitando nos casebres das
favelas com os homens. Com vasta distribuição de literatura e pregação
disfarçada, estão por toda parte disseminando a prática do demonismo
(MACEDO, s.d., p. 117).

Um exemplo desse ataque é acerca do livro norteador do Espiritismo, “O


evangelho segundo o Espiritismo”. Macedo informa que esse livro “e também [...]
uma série de livros atribuídos a indivíduos já falecidos [...], na verdade, foram
escritos por pessoas possessas por espíritos malignos” (MACEDO, 1999, p. 98).
Isto significa que o panteão das religiões afro-brasileiras e as pessoas já
falecidas que supostamente se manifestam em reuniões espíritas, são, na verdade,
manifestações de demônios, os quais, através dessas expressões religiosas, enganam
as pessoas afastando-as do verdadeiro ensino.
A qualquer observador dos cultos da IURD, é bastante comum ver pessoas
“incorporadas” com divindades afros e serem tratadas como demônios que precisam
ser expulsos dessas pessoas. Isso ocorre porque, na observação de Silva a IURD
ensina que “os diabos se apoderam dos homens especialmente quando estes
frequentam terreiros de candomblé, umbanda e espíritas ou realizam práticas de
magia (como trabalhos e despachos)” (SILVA, 2007, p. 213).
Da nossa parte, lembramos de um culto de quarta-feira, na “reunião dos filhos
de Deus”, em que uma mulher estava “possessa”, com as mãos para trás, e um dos
obreiros estava orando por ela, no momento em que o pastor estava palestrando. O
pastor parou sua preleção e foi entrevistar a mulher, perguntando o nome da
entidade. Ela disse que era “Exu”. Depois disto, o pastor pediu para os obreiros e

adoração pagã pelo Estado Romano [...] veio em 391-392”, no reinado de Constantino. Isso requereu
“severa legislação para conduzir o paganismo a cidades subterrâneas”, extirpando-as do espaço
público (HILLGARTH, 1986, p. 2). O autor destaca vários decretos semelhantes que, ao longo da
história, envolveu a proibição de práticas pagãs como os seus rituais, a imolação de animais, além da
destruição de seus templos (HILLGARTH, 1986, p. 49).
115

obreiras levarem a mulher “endemoninhada” para uma sala à parte do templo para
que a libertassem. Ele disse “deem o jeito de vocês! Essa mulher tem que sair daqui
liberta”. Ou seja, o pastor deu a ordem aos obreiros, porque na prática da IURD, que
transforma os exorcismos em espetáculos, existe um Deus maior e lá os demônios
não resistem e têm de sair do corpo das pessoas.
A descrição de Mariano resume bem como tais entidades são tratadas na
IURD:

[...] o panteão dos deuses, os espíritos e guias das religiões mediúnicas


são invocados para, depois de manifestados e amarrados, fatalmente ceder
às coações exorcistas e confessar a culpa pelos males com que afligem os
possessos. Após admitirem sua culpa, são humilhados, achincalhados e,
por fim, expulsos dos corpos como demonstração do poder de Cristo
sobre o diabo (2010, p. 130).

4.3.1.3 Ataques às Igrejas Evangélicas


Não apenas a Igreja Católica, as Religiões Afros e o Espiritismo são alvo de
críticas sistemáticas da IURD. As demais Igrejas Evangélicas também sofrem
censuras da IURD e são tidas como “igrejas fracas”.
“As chamadas igrejas tradicionalistas, que começaram fundamentadas no
poder de Deus, mas com o passar dos anos deram lugar à tradição dos homens, são
exemplos de igrejas a que podemos chamar de ‘fracas’” (MACEDO, s.d., p. 118). É
assim que Edir Macedo classifica igrejas evangélicas históricas: são tradicionais,
“frias” e não evidenciam manifestações de milagres e de exorcismos.
Para Macedo, o estudo da teologia e os estudos produzidos pelos protestantes
são os responsáveis pelas divisões no meio evangélico. Isso ocorre porque “a
religiosidade atrapalha o cristão, os dogmas, as doutrinas e as regras estabelecidas
pelas igrejas têm levado o homem a ser religioso, e não cristão” (MACEDO, s.d., p.
64). Sobre aqueles protestantes que criticam o neopentecostalismo e as práticas
iurdianas, Macedo os censura (e aproveita para “alfinetar” o Catolicismo) dando o
seu recado:

Criou-se uma TEOLOGIA PROTESTANTE, defendida ardorosamente


pelos egoístas que usam o apelido farisaico de “conservadores” e quem,
em algum ponto doutrinário dessa “TEOLOGIA”, subtrai, acrescenta ou
destoa, recebe, com a mesma veemência do clero católico-romano, o selo
de herege, anticristo ou falso profeta. (s.d., p. 47, grifos nossos).
116

Não apenas o ramo protestante tradicional sofre críticas da IURD. O


pentecostalismo clássico também é alvo de ataques veementes. Em uma reunião de
quarta-feira, o pastor se dirigiu a uma senhora da primeira fileira e disse-lhe: “Sabe
por que nós não saudamos com a ‘Paz do Senhor’? Porque aqui [na IURD] é guerra.
Aqui não tem lugar para a paz. Nós lutamos e guerreamos para resolver o teu
problema!”. A expressão “a paz do Senhor” é uma saudação comum nos meios
pentecostais e, por isso, o pastor ressalta que essa declaração está incorreta, pois os
crentes devem guerrear contra os demônios e as suas manifestações nesse mundo.
Mais do que simplesmente uma saudação, a IURD acredita que demônios
agem nas demais igrejas evangélicas, tornando-as fracas e mais preocupadas com os
“usos e costumes” de seus membros.

Existe um espírito que age sorrateiramente, obrigando os membros da


Igreja a atentarem tão-somente para usos, costumes e normas
eclesiásticas, de modo que entra a fraqueza espiritual na comunidade e
esta se esquece dos princípios elementares da fé. Seus membros não se
alistam no combate contra as potestades e passam a se preocupar com
jogos, passatempos, diversões ou, no outro extremo, com as “vestes dos
santos” (MACEDO, s.d., p. 119).

Esse espírito do mal faz os evangélicos não atentarem para a verdadeira


batalha que devem empreender contra os demônios. A evidência de que as pregações
de outras igrejas são fracas é que no Brasil

[...] os macumbeiros continuam macumbeiros, os católicos continuam


católicos, os espiritualistas continuam espiritualistas, os seguidores de
seitas orientais continuam professando seus cultos, e os evangélicos
prosseguem se dividindo e se satisfazendo com aquilo que estão
pregando. Todos dizem conhecer essas “boas-novas”; mas nada ou quase
nada se lhes acrescentam (MACEDO, s.d., p. 136).

Como continua existindo adeptos de outras religiões não cristãs, a culpa é dos
próprios evangélicos que não libertam tais pessoas. Nas demais igrejas “tem-se
apresentado um Jesus pobre, opaco e limitado às pessoas”. Também não há a
manifestação de demônios e de curas nessas igrejas. Macedo faz uma afirmação de
que as demais igrejas evangélicas não são verdadeiras, porque “foram os milagres,
ou seja, a demonstração de Seu poder [de Deus], que não somente evidenciaram a
Sua verdadeira identidade, como também levaram as pessoas a crerem nEle [...] é o
PODER que vai caracterizar os verdadeiros discípulos de Jesus”. E se “cada cristão
colocar isso em prática em sua vida [demonstrar o poder de Deus], transformaremos
o mundo num abrir e fechar de olhos” (MACEDO, s.d., p. 137, 139, grifos nossos).
117

Macedo não se preocupa com o que as pessoas de outras persuasões religiosas


ou a sociedade pensarão dessa atitude aguda e determinada em aniquilar os outros.
Ele se coloca ao lado de Jesus, apóstolo Paulo e os reformadores do século XVI,
afirmando que

Vamos parecer loucos, primitivos, ignorantes ou até mesmo fanáticos?


Não importa. Jesus também foi considerado assim pelos “sábios” do seu
tempo, também os apóstolos, e os pais da igreja e os reformadores do
século XVI. O importante é que a pregação do Evangelho seja hoje como
no passado. Na mesma fé, na mesma disposição, no mesmo espírito
(MACEDO, s.d., p. 148, grifos nossos).

Na citação acima, Edir Macedo usa um discurso em que coloca a IURD no


mesmo trilho dos apóstolos de Jesus, dos pais da igreja e dos reformadores do século
XVI como Martinho Lutero e João Calvino.85 Assim como, de acordo com a tradição
cristã, os primeiros cristãos foram fieis a Deus, mas perseguidos e tidos como
fanáticos, de forma similar a IURD se assume como um movimento perseguido, mas
fiel a Deus, diferentemente das igrejas evangélicas atuais que estão afastadas do
cristianismo verdadeiro. Por isso, é necessário atacar as igrejas evangélicas que se
afastaram do propósito original do cristianismo.

4.3.2 A tradução na construção identitária iurdiana


Para Hall, as identidades tornaram-se atualmente mais “posicionais, mais
políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas”. No
entanto, Hall entende que essas dimensões presentes na produção das identidades
pode indicar dois caminhos, aparentemente contraditórios: a tradição e a tradução. O
primeiro tem relação com uma busca por “recuperar sua pureza anterior e recobrir as
unidades e certezas que são sentidas como tendo sido perdidas” (HALL, 2011, p. 87).
No campo religioso essa busca pela tradição pode ser encontrada no
surgimento de diversos fundamentalismos. Já a tradução refere-se à aceitação de que
“as identidades estão sujeitas ao plano da história, da política, da representação e da
diferença e, assim, é improvável que elas sejam outra vez unitárias ou ‘puras’”
(HALL, 2011, p. 87-88).
A palavra “tradução” “vem, etimologicamente, do latim, significando
‘transferir’; ‘transportar entre fronteiras’”. O seu conceito “[...] descreve aquelas

85
Na concepção de Macedo, não se está em um nova época. Para ele, a IURD está na trilha da
Reforma Protestante, que na época sofreu perseguições da Igreja Católica por pregar a verdade e o
poder de Deus.
118

formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais,


compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal”. Tais
pessoas “são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem
simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas
identidades” (HALL, 2011, p. 88-89, grifos do original).
Pelo confronto de diferentes religiões no contexto atual de globalização, a
IURD produziu uma nova identidade, fruto do pluralismo e das opções religiosas
disponíveis no mercado religioso. Ela lançou mão de uma espécie de “tradução” para
adaptar-se à nova realidade de não exclusividade da Igreja Católica.

4.3.2.1 Semelhanças com a Igreja Católica


Segundo Mariano a Igreja “Universal [...] [distribui] aos fiéis objetos ungidos
dotados de poderes mágicos ou miraculosos, ato que mais uma vez a aproxima de
crenças e práticas dos cultos afro-brasileiros e do catolicismo popular” (MARIANO,
2010, p. 133).
É comum vermos objetos ligados ao catolicismo serem distribuídos nos cultos
iurdianos. Fitas com dizeres de vitória como “nação dos 318” ou “nação dos
vitoriosos” são distribuídos aos fiéis da IURD para serem colocados nos seus braços.
É uma prática muito similar, em Belém do Pará, às fitas distribuídas durante os
festejos do Círio de Nossa Senhora de Nazaré com inscrições sobre a referida santa,
que é bastante cultuada dentro do catolicismo popular paraense.
Referências à água benta ou ao óleo da crisma são encontradas também. A
água benta é uma água que foi abençoada por um sacerdote católico, assim como o
óleo. Lembramos de uma reunião de terça-feira, em que um jovem obreiro,
aparentando ter entre 18 e 20 anos de idade, estava recepcionando as pessoas na
entrada do templo. Ele tinha um pote transparente com óleo e estava com um conta-
gotas e as pessoas quando entravam no templo levavam uma garrafinha plástica de
água mineral, tiravam a tampa e o obreiro colocava uma gota do óleo na água.
Parecia que estava “ungindo” a água, ou seja, de alguma forma estava abençoando
aquele líquido. Mais à frente, após um período de oração feita pelo pastor dirigente, o
pastor pediu para que pegássemos a garrafinha com água que trouxemos e que havia
sido ungida. A água havia sido ungida no início da reunião e as gotas de óleo eram
chamadas de “gota do milagre”. Ele pediu que levantássemos a garrafinha com a
mão. Em seguida, ele fez uma oração pedindo que o Espírito Santo consagrasse
119

aquela água, a fim de que ela se transformasse em fogo dentro da pessoa e que,
quando a pessoa bebesse dela, o “demônio desgraçado” e o mal teriam de sair.
Depois, ele pediu que bebêssemos um gole da água ungida.
O Sr. M.P.J. Souza nos informou que o óleo e o “banho do descarrego”, que é
distribuído entre os presentes, recebe oração dos pastores. Estes elementos passam a
ser sagrados e, ao entrar em contato com o fiel, este recebe a benção de Deus.
Também a água tornou-se “benta” por receber a consagração do óleo feita pelo
obreiro.
É comum a IURD criticar a Igreja Católica de idolatria pelo fato de ter em
seus cultos imagens que representam os seus santos. O episódio do “chute na santa”
foi emblemático nessa crítica. No entanto, é comum a “oração ao pé da cruz”
realizada em cultos da IURD.

Figura 6 – Grande cruz em um culto na IURD Japão86

Fonte: DIA DE MILAGRES. IURD Japão. Disponível em: <http://iurdjapao.com/home/ ?p=19290>.


Acesso em: 04 jul. 2013.

Nessas reuniões, que às vezes são chamadas de “oração pela família ao pé da


cruz”, os pastores e obreiros se curvam perante uma cruz de aproximadamente 3

86
Mesmo ocorrendo no Japão, nós inserimos essa imagem por retratar bem como funciona a “oração
ao pé da cruz” em várias IURDs do Brasil.
120

metros de altura, como sendo um símbolo de Jesus. No entanto, a IURD não trata
essas ações como idolatria. Antes, a cruz representa Jesus que está no templo para
abençoar os presentes.

Figura 7 – Pastores e obreiros fazendo oração ao pé da cruz na IURD Japão

Fonte: DIA DE MILAGRES. IURD Japão. Disponível em: <http://iurdjapao.com/home/ ?p=19290>.


Acesso em: 04 jul. 2013.

Os objetos usados pela IURD são chamados de “pontos de contato”, os quais


são definidos por Macedo como “elementos usados para despertar a fé das pessoas,
de modo que elas tenham acesso a uma resposta de Deus para seus anseios”
(MACEDO, 1999, p. 101). Para ele, muitas pessoas têm dificuldades para expressar a
sua fé e, por isso, objetos como óleo, água, rosa dentre outros devem ser usados até
que elas amadureçam e não precisem mais lançar mão desses pontos de contato que
estimulam a fé.
Para dar suporte ao uso de tais elementos, Macedo utiliza textos bíblicos
como o de Marcos 6.13 que apresenta os doze discípulos de Jesus que “expulsavam
muitos demônios e ungiam muitos doentes com óleo, e os curavam”. Outro texto
utilizado é o evangelho segundo João 9.6-7 que mostra “a saliva que o Senhor Jesus
colocou nos olhos do cego [como] um ponto de contato” para curá-lo (MACEDO,
1999, p. 102-103).
Assim, o uso similar de água benta, do óleo ungido e da oração ao pé da cruz
são alguns exemplos de como a IURD lança mão de elementos católicos em seus
cultos, os reinterpreta como “pontos de contato”, buscando apoio bíblico e
introduzindo-os em suas reuniões com outros significados.
121

4.3.2.2 Semelhanças com as Religiões Afro-brasileiras e Espíritas


A IURD usa métodos mágico-sacramentais na relação do ser humano com o
divino e do material com o espiritual. Há unção com óleo, copo com água, imposição
das mãos, água com gota de óleo, fotografias de parentes, roupas de parentes, banho
do descarrego, fórmulas pragmáticas etc. diversos bens e objetos são utilizados em
rituais.
Para Mariano a IURD apresenta os objetos para

[...] despertar a fé das pessoas [...] Depois de ungidos, os objetos são


apresentados aos fiéis como imbuídos de poder para resolver problemas
específicos [...] tendo por referência qualquer passagem ou personagem
bíblicos. Dotados de funções e qualidades terapêuticas, servem para curar
doenças, libertar de vícios, fazer prosperar, resolver problemas de
emprego, afetivos e emocionais. (2010, p. 133, grifos no original).

Na observação de Mariano, apesar de a instituição apresentar tais objetos


como apenas simbólicos e como despertadores da fé, “para os fiéis [...] tais objetos,
pelos quais esperam ter seus pedidos atendidos, contém uma centelha do poder
divino”. Essa semelhança com elementos afro-religiosos tem estreita relação com a
presença da magia em rituais iurdianos (MARIANO, 2010, p. 134).
A seguir serão elencados aspectos de rituais observados e relatados pelos
nossos informantes acerca dessas modalidades de magia.
Percebemos elementos de magia simpática homeopática em um culto de
terça-feira, quando presenciamos pessoas trazendo um papel com registro dos
problemas, falta de emprego, alguma doença, falta de sorte no amor dentre outros
que deveriam ser superados. Várias pessoas traziam esse papel amarrado com um
barbante e, em determinado momento de culto, sob o comando do pastor,
desamarravam o nó simbolizando que o mal seria desfeito e resolvido. Isto significa
que, pelo princípio da analogia, quando o nó fosse desamarrado, os problemas
também seriam desamarrados e solucionados.
Perguntamos ao Sr. M.P.J. Souza, um dos nossos informantes, sobre a
utilização de objetos como fotos de parentes nos cultos da IURD. Ele disse que

Esses objetos...é o seguinte...eles pede [os pastores]...quando no momento


aquela pessoa não está presente...por motivo de doença, ou prisão [está
preso], ou alguma coisa assim ...[aí] leva essas peça representando aquela
pessoa [...] aí a pessoa leva, chega lá é feita a oração [...] sobre aquela
peça, a peça é colocada no altar [em cima do púlpito], aí é feita a oração,
é ungido a peça [...] com óleo da unção [...] e aí depois a pessoa leva pra o
dono da peça usar a peça pra conseguir a libertação.
122

Isto significa que pelo princípio da analogia, as fotos que representam


parentes ou pessoas sobre quem queremos que sejam abençoadas, quando se faz
orações sobre as fotografias, é como se as próprias pessoas fossem atingidas pela
benção.
Em outra ocasião, presenciamos o pastor pedir para que levantássemos a foto
de alguém, uma chave ou algum objeto que representasse o pedido a Deus. Quando
levantamos, os obreiros passavam por entre os lugares e espirravam um líquido verde
que o pastor chamou de “banho do descarrego”, alusivo ao nome do culto “Sessão do
Descarrego”. Enquanto estávamos com as mãos levantadas sentíamos um perfume
exalado pelo líquido despejado em nós para que o mal que estava impedindo a
benção pudesse ser expelido.
Enfim, Silva resume muito bem o emprego de elementos de religiosidades
que a IURD rejeita, mas utiliza tais elementos em seus rituais:

o desenvolvimento do neopentecostalismo que ao se distanciar do


pentecostalismo clássico e ao se aproximar da umbanda e de outras
religiões afro-brasileiras, ainda que seja para negá-las, passou a traduzir
para seu próprio sistema o ethos da manipulação mágica e pessoal, mas
agora sob nova direção, colocando o “direito” no lugar do “favor” (2007,
p. 226, grifos no original).

4.3.2.3 Semelhanças com as Igrejas Evangélicas


A IURD apesar de criticar as demais igrejas evangélicas, ela mesma se
identifica como evangélica. A Declaração de Fé da IURD demonstra muitas
semelhanças com as similares dos evangélicos, em especial com as declarações
pentecostais.

1. Há um só Deus, Vivo, Verdadeiro e Eterno, de infinito poder e


sabedoria. O Criador e Conservador de todas as coisas visíveis e
invisíveis, que, na unidade de Sua divindade, majestade, poder e mistério,
subsiste em três Pessoas distintas, de existência eterna, iguais em
santidade, poder e majestade. A saber: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
2. O Deus-Pai foi o primeiro a Se manifestar ao homem, desde Adão até o
nascimento do Senhor Jesus Cristo, para lhe trazer a Lei e os
Mandamentos.
3. O Filho, o Senhor Jesus Cristo, que foi o segundo a Se manifestar ao
homem, quando veio ao mundo em forma humana, nasceu do ventre da
virgem Maria, por obra e graça do Espírito Santo. Ele, que é a Palavra
encarnada do Pai, tomou a natureza humana, reunindo assim duas
naturezas inteiras e perfeitas (a Divina e a humana) para ser conhecido
como verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Sofreu, foi crucificado,
morto e sepultado, reconciliado-nos, assim, como Pai, fazendo a expiação
pelos nossos pecados e nos garantindo a salvação e a libertação de todos
os nossos sofrimentos.
4. A manifestação da terceira Pessoa da Santíssima Trindade, o Espírito
Santo, é feita no coração humano, para convencê-lo do pecado, da justiça
123

e do juízo. Quando cometemos algum pecado, Ele logo mostra, através da


nossa consciência, que pecamos, permitindo nosso arrependimento.
5. A Bíblia, que é a Palavra de Deus, foi escrita por homens divinamente
inspirados. Ela é o padrão infalível pelo qual a conduta humana e as
opiniões devem ser julgadas: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na
justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente
habilitado para toda boa obra.” (2 Timóteo 3.16,17).
6. A justificação do homem somente se realiza pela fé no Senhor Jesus
Cristo, como está escrito: “Todavia, o meu justo viverá pela fé, e, se
retroceder, nele não se compraz a minha alma.” (Hebreus 10.38).
Significa que as obras assistenciais, embora sejam muito importantes
dentro do cristianismo, jamais poderão conduzir o homem à salvação.
7. O batismo com o Espírito Santo é um ato da graça de Deus. É uma
experiência que se adquire pela fé apropriadora da parte daquele que
deseja purificação e santidade em sua vida. Esse batismo é realizado
pessoalmente pelo Senhor Jesus e tem como real evidência a
transformação do caráter de Deus, além da fala em línguas estranhas.
8. O batismo nas águas é realizado por imersão, em nome do Pai, do Filho
e do Espírito Santo, não como meio exclusivo de salvação, mas como
parte dela. É um ato público de profissão de fé, com vistas ao
sepultamento do corpo do pecado ou da natureza pecaminosa, para se
viver em novidade de vida. Após o batismo nas águas, tem de acontecer
uma mudança de vida, ou seja, jamais podem ser mantidos os hábitos
errados que existiam antes, tais como vícios, gênio ruim, egoísmo, etc.
9. Todos os nove dons do Espírito Santo também nos são acessíveis nos
dias atuais, como partes integrantes da obra expiatória do Senhor Jesus
Cristo. [...]
10. A Santa Ceia é a cerimônia mais importante dentro do cristianismo;
ela não é apenas um símbolo da participação do corpo e do sangue do
Senhor, ela realmente é uma participação física de um Senhor espiritual
com a finalidade de fortalecer a Igreja física e espiritualmente,
relembrando a morte do Senhor até que Ele venha. Além disso, ela serve
para uma renovação dos votos de aliança com Deus através do sangue do
Senhor Jesus.
11. Os dízimos e as ofertas são tão sagrados e tão santos quanto a
Palavra de Deus. Os dízimos significam fidelidade, e as ofertas, o amor
do servo para com o Senhor. Não se pode dissociar os dízimos e as
ofertas, o amor do servo para com o Senhor Jesus, uma vez que eles
significam, na verdade, o sangue daqueles que foram salvos em favor
daqueles que precisam ser salvos.
12. A Igreja visível do Senhor Jesus é a reunião de todos os cristãos fiéis,
unidos uns aos outros na fé e na comunhão do Evangelho, observando os
mandamentos do Senhor, governados pelo Seu Espírito, pela Sua palavra
e pelo Seu nome.
13. O Senhor Jesus Cristo concedeu autoridade espiritual aos Seus
seguidores, não somente para curar os enfermos e expulsar os demônios,
mas, sobretudo, para levar a Sua Palavra, com poder do Espírito Santo, a
todo o mundo e fazer discípulos.
14. Todos os cristãos têm o direito à vida abundante, conforme as
Palavras do Senhor Jesus: “...eu vim para que tenham vida e a tenham em
abundância.” (João 10.10)
15. Todos os cristãos devem desejar a volta do Senhor Jesus o mais breve
possível. A Sua vinda será pessoal e inesperada, significando que todos os
cristãos devem sempre estar preparados para recebê-Lo nas nuvens,
conforme está escrito em Mateus 24.30 e Apocalipse 1.17.
16. O objetivo final de um relacionamento permanente com o Senhor
Jesus pela fé é a vida eterna, a qual Ele prometeu a todos os que
perseveram até o fim. “Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos
abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a
124

todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo
e enxofre, a saber, a segunda morte.” (Apocalipse 21.8). (EM QUE
CREMOS, 2013, grifos nossos).

A IURD, à semelhança dos evangélicos, acredita na existência de um único


Deus que se revela pela Trindade. Acredita também que a Bíblia é a Palavra de Deus
e a norma para a vida dos cristãos. Crê nas cerimônias do batismo e da santa ceia e
na segunda volta de Jesus. Todos esses elementos têm pontos em comum com a
maioria das igrejas que são classificadas como evangélicas.87
O Sr. M.P.J. Souza disse que se sente bem na IURD, mas também se sente
bem em outras igrejas evangélicas. Pelo fato de grande parte de seus familiares
fazerem parte da Igreja Assembleia de Deus ele disse que “Se me convidarem pra
mim ir pra Quadrangular eu vou. Se me convidarem pra mim ir pra Assembleia eu
vou. Qualquer religião eu vou”. Então perguntamos o que ele entendia por “qualquer
religião”. Aí ele respondeu “sim...outras igrejas evangélicas...pois é o mesmo Deus”.
Em seguida indagamos se ele frequentaria outras religiões como o Espiritismo ou o
Budismo, por exemplo. Ele respondeu de forma bastante enfática: “Não, não iria
não!”. Ou seja, apesar de atacar os evangélicos, a IURD se aproxima mais dessa
classificação, sendo que ela se assume como a igreja evangélica mais poderosa e a
que mais liberta as pessoas da influencia dos demônios.
Ainda sobre a declaração de fé da IURD, apenas nos tópicos que falam dos
dízimos e ofertas, da batalha espiritual, da Teologia da Prosperidade é que há
divergências com o pentecostalismo clássico. No “papel” a IURD apresenta-se como
evangélica. Mas na prática, trabalha dialogicamente com práticas afro-brasileiras,
católicas, espíritas e evangélicas.

87
Ressaltamos que tais doutrinas são também aceitas pela ICAR.
125

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Propusemo-nos a identificar e elencar marcas identitárias da IURD “Cenáculo
do Espírito Santo”, no bairro Castanheira, em Belém-PA, no espaço religioso
paraense, em nosso contexto cultural ocidental de (pós-)modernidade e globalização.
A pergunta básica que norteou esta pesquisa foi:

quais têm sido as posturas reconhecidas em práticas e discursos da IURD,


encontradas nas falas dos fieis e nas observações empreendidas, que
contribuem para a formação identitária iurdiana no complexo contexto
religioso amazônico da modernidade líquida, nos anos de 2012 e 2013?.

Como respostas provisórias a esta pergunta propusemos como hipóteses:


• No contexto (pós-)moderno de globalização a IURD aparece como um novo
movimento religioso que ao mesmo tempo em que adota práticas da teologia
da prosperidade, também lança mão de elementos de diversas religiosidades
(afro-brasileiras, espíritas, dentre outras) e da magia, redefinindo, assim,
crenças e práticas de tradição cristã.
• “Voltando” ao passado, nos tempos (pós-)modernos, a IURD forma sua
identidade de maneira criativa em consonância à época hodierna de
adaptabilidade.

Respondemos a supracitada pergunta norteadora e trabalhamos as referidas


hipóteses nos três principais capítulos dessa dissertação. Após o capítulo
introdutório, trabalhamos, no segundo capítulo, de forma panorâmica, as principais
características da (pós-)modernidade. Utilizamos autores como Immanuel Kant,
Romano Guardini, dentre outros, a fim de mostrar as bases da modernidade e as
crises que minaram a “razão” como sendo suficientes para explicar exaustivamente a
realidade.
Em seguida utilizamos livros e artigos a respeito do pensamento de Jean-
François Lyotard, Gianni Vattimo, Fredrick Jameson e Zygmunt Bauman com o
objetivo de refletir e comparar as suas ideias acerca da atual época sociocultural
chamada por alguns estudiosos de “pós-modernidade”.
Por fim, trabalhamos a globalização, fenômeno (pós-)moderno que
impulsionou e ampliou “o pluralismo religioso” e a transnacionalização mais
126

evidente das religiões. Nesse contexto, percebemos que a magia está cada vez mais
entranhada e evidente em várias religiosidades hodiernas como a IURD. Ancorados
em vários pesquisadores procuramos compreender a globalização e suas ressonâncias
para a religião, em especial, sua colaboração para o surgimento de novos
movimentos religiosos, contexto no qual se encontra a IURD.
Após fazer reflexões sobre a (pós-)modernidade e a globalização, abordamos
no terceiro capítulo, características da teologia e práticas iurdianas. Trabalhamos as
origens do pentecostalismo brasileiro utilizando a análise clássica das “ondas”
empreendidas por Freston e Mariano. Fizemos um sucinto percurso panorâmico do
surgimento do neopentecostalismo e da IURD no Brasil, procurando compreender as
teologias e as concepções iurdianas utilizadas.
Trabalhamos as conceituações de Deis Siqueira, Silas Guerriero, Donizete
Rodrigues dentre outros sobre os NMR. Percebemos que, na contemporaneidade, há
um “reencantamento” da sociedade e o surgimento de novas religiosidades com
características que fogem dos moldes das religiões tradicionais de vertente cristã.
Percebemos que a presença da magia é um dos itens presentes e marcantes
nos novos movimentos religiosos. Por isso, ancorados nas contribuições de Marcel
Mauss e Sir James Frazer, elencamos características mágico-religiosas, estreitamente
relacionadas aos NMR, encontradas em rituais da IURD que pesquisamos.
Como implicações dos capítulos dois e três, entendemos que nas sociedades
democráticas ocidentais há a tendência de a hegemonia de uma única religião
fenecer, favorecendo ainda mais o pluralismo religioso. No caso do Brasil, de acordo
com os dados do último Censo do IBGE, Lopes (2012) reconhece que a ICAR tem
decrescido em número de fieis o que “têm flexibilizado as fronteiras e os padrões
sociais das práticas religiosas, e modificado o cenário institucional religioso”.
Assumindo o paradigma de mercado para a análise sociológica da religião,
Pierucci (2012) informa que há expressões religiosas que evidenciam que “a lógica
da esfera econômica colonizou a lógica da esfera religiosa” (PIERUCCI, 2012).
Seguindo esta esteira, podemos atribuir o sucesso da IURD pelo fato de ela, à
semelhança da figura baumaniana dos líquidos, ter assimilado a dinâmica capitalista
em suas práticas e adaptado-se às necessidades dos consumidores religiosos no
espaço religioso belemense. Para Campos (1999, p. 357) esta igreja

[...] se propaga numa sociedade pluralista cujo campo religioso


concorrencial e turbulento facilita o surgimento de entidades ágeis,
127

sintonizadas com as necessidades e desejos de um público devidamente


segmentado, formando assim seu próprio mercado, empregando para isso
estratégias de marketing e de propaganda, que tomam corpo em uma
retórica e teologia adaptáveis aos interesses de uma sociedade capitalista
em processo de globalização.

As dinâmicas capitalistas da concorrência nesse contexto de globalização


adentraram nas estruturas, práticas e teologia iurdianas, conforme as teologias da
prosperidade e da confissão positiva que por nós foram observadas. A igreja se
contextualizou na atual época marcada pela pluralidade de valores. Por isso, ela tem
flexibilizado crenças, sincretizado práticas e utilizado recursos mágicos de outros
concorrentes, a fim de variar as opções do cardápio, sobreviver e crescer no mercado
religioso. Oro ressalta que “a IURD [de fato] se assemelha à sua concorrência”
(1997, p. 31 apud BLEDSOE, 2012, p. 100).
Três características marcantes fazem da IURD um movimento que se
distancia do movimento evangélico (Protestantismo Histórico e Pentecostalismo
Clássico)88 aproximando-a de um NMR: a autonomia e divinização do indivíduo, a
presença da magia e a não necessidade (ou priorização) de doutrina.
Vimos que na (pós-)modernidade o ser humano é tido como plenamente
autônomo e livre. Como a autonomia do individuo é enfatizada, concluímos que,
além da adaptação mercadológica da IURD, essa igreja adaptou-se bem à autonomia
humana, honrando as escolhas do indivíduo no âmbito religioso.
No contexto da religião, na cultura ocidental da (pós-)modernidade, há a
busca do aperfeiçoamento do “eu” e não mais a procura por salvação. Para Guerriero
“a busca do aperfeiçoamento [...] se dá pela ação do indivíduo” (2012, p. 124). Por
isso, as mensagens de que a IURD ensina o fiel a vencer as intempéries da vida e a
conquistar seus sonhos encaixam-se nesse contexto e podem facilitar a adesão de
fieis.
A presença da Confissão Positiva na IURD é emblemática.89 Após orações,
ouvimos constantemente os pastores declararem: “Eu determino tua vitória”; “você é
um vencedor”; “você deve exigir de Deus os seus direitos” etc. O fiel é ensinado que

88
Ressaltando que lançamos mão da tipologia weberiana para descrever o Protestantismo Histórico,
também considerando a nomenclatura frestoniana da “Primeira onda” para designar o Pentecostalismo
Clássico.
89
Ressaltamos, conforme já mencionamos anteriormente, que elementos da Confissão Positiva podem
ser encontrados em igrejas evangélicas como a IEQ e AD, como processo hodierno de uma
neopentecostalização, ou seja, a influência do Neopentecostalismo em outras vertentes evangélicas
(PANTOJA; COSTA, 2013).
128

ele é uma espécie de divindade. Ele pode decretar e falar para os seus desejos se
concretizarem neste mundo material. Ele é ensinado que pode obter o poder da
divindade que o fará obter seus sonhos. Desta forma, a divinização do indivíduo, é
outra marca que aproxima a IURD de um NMR.
Outra marca que aproxima a IURD dos NMR é a rejeição da doutrina e a
ênfase por instruções mais práticas em seus rituais. Diferentemente do
Protestantismo Histórico e do Pentecostalismo Clássico, observamos que nas
reuniões iurdianas não se estimulava o fiel a abrir a Bíblia, livro sagrado do
Cristianismo. O pastor mencionava alguns versículos bíblicos, sem situá-los em seus
contextos, e passava a palestrar sobre como o fiel poderia conseguir obter sua vitória.
Não vi nenhum fiel levar sua Bíblia aos cultos. Nem o pastor ou nenhum dos
obreiros e obreiras portavam Bíblias. Assim, de acordo com citações já trabalhadas
anteriormente de que a Teologia não é importante e que a doutrina esfria o fiel, a
IURD preocupa-se mais em dar instruções práticas, pois a doutrina é tida como teoria
que não serve para alimentar a fé dos fieis.
Já trabalhamos que o Pentecostalismo está inserido na trilha teológica do
Arminianismo sendo que esta corrente de pensamento enfatiza o livre-arbítrio do ser
humano, crendo que Deus toma a iniciativa de salvá-lo, mas este tem, em cooperação
com Deus, de aceitar o favor divino para ser salvo. Nesse sentido, entendemos que a
IURD também distancia-se do Pentecostalismo Clássico, e consequentemente do
Arminianismo, aproximando-se de uma espécie de ética Semipelagiana. Esta
corrente de pensamento, ao contrário do Arminianismo, entende que a primeira
iniciativa de querer o favor divino para sua salvação vem do ser humano e não da
divindade (MORA, 2004a, p. 2232). Deste modo, semelhantemente, na IURD o ser
humano toma a iniciativa de “manipular” a divindade em prol não da sua salvação,
mas da resolução de seus problemas neste mundo, a fim de obter felicidade e
vitórias.
Diferentemente do Protestantismo Histórico que, contrastando com a ICAR,
enfatiza o acesso universal dos crentes a Deus, a IURD distancia-se desse
Protestantismo, aproximando-se paradoxalmente do Catolicismo, enfatizando uma
sacerdotalização, ou seja, a dependência do fiel às instruções do “homem de Deus” e
a necessidade de estar no templo, o local sagrado, para receber as bênçãos divinas.
Apesar dessa dependência, o fiel é ensinado na IURD a conquistar sozinho seus
direitos e desejos junto à divindade. Ele é livre para cobrar da divindade o que
129

deseja. Se obedecer às orientações da igreja, ele aprende a ter força e determinação


para obter os favores divinos.
A presença da magia que observamos em rituais iurdianos está atrelada à
autonomia do indivíduo. As diversas modalidades mágicas, entranhadas por
elementos sincréticos de outras religiosidades, estimula o fiel a receber de Deus as
bênçãos desejadas.
Por fim, no quarto e quinto capítulos, fizemos reflexões sobre a construção
identitária da IURD empregando o conceito da différance, utilizado pelo filósofo
argelino Jacques Derrida. Este conceito é o pano de fundo das categorias dos Estudos
Culturais da “diferença” e “tradução” empregadas por Stuart Hall e Kathryn
Woodard aplicando-a à formação identitária nos tempos (pós-)modernos.
Vimos que o neologismo derridiano da différance abrange, ao mesmo tempo,
os significados da différence (que significa “diferença”) e différer (que tem o sentido
de “tradução”). Stuart Hall lança mão deste conceito para ressaltar aspectos de
bricolagem e ambivalência na construção das identidades na (pós-)modernidade.
Assim, aplicamos este conceito para elencar marcas identitárias na IURD,
pois ela constrói sua identidade ressaltando sua diferença e superioridade em relação
a outros grupos religiosos (aspecto da différence). No entanto, ao mesmo tempo, esta
igreja toma emprestado parte do corpo de tradições, doutrinas e rituais de grupos
religiosos que ela mesma critica, fazendo uma reelaboração criativa e radical. Este
último seria o aspecto da “tradução” (différer) em sua formação identitária.
Dentre os aspectos da différence (diferença) nós observamos nos rituais
iurdianos, na literatura produzida e nas entrevistas que realizamos que a IURD
ressalta veementemente sua diferença em torno da ICAR, de religiões Afro-
brasileiras e Espíritas, além das Igrejas Evangélicas.
Por exemplo, presenciamos várias entidades com o nome de deuses de
religiões afro-brasileiras serem identificadas como demônios e inimigos de Deus.
Também em um culto da IURD o pastor criticou os pentecostais que costumam se
saudar com a expressão “Paz do Senhor”. Para ele essa saudação é fraca, pois a
própria IURD não é de paz: ela guerreia contra todos os demônios e problemas de
seus fieis.
Também, na entrevista com M. C. N. S. Santos (2012) ela atribuiu que a
“pomba-gira” tinha seduzido seu marido para deixá-la e largá-la por outra mulher,
130

além de culpar os demônios das religiões afro pelas doenças e problemas existentes
no mundo.
Para a IURD o fiel tem de conquistar a vitória e derrotar peremptoriamente
Satanás e seus anjos maus que se manifestam nas outras religiões, ou seja, “nos
outros”. Para Macedo

A igreja precisa despertar para essa verdade. Muitos cristãos vivem pedindo
oração porque estão sendo perseguidos pelo diabo. É de estarrecer, porque a
realidade deveria ser outra. Os cristãos é quem devem perseguir os
demônios. Nossa luta é muito mais de combate do que de defesa; devemos
nos armar de toda a armadura de Deus para libertar os oprimidos (s.d., p.
120, grifos nossos).

De acordo com Mariano a IURD precisa “[...] estar combatendo e vencendo o


inimigo forte e poderoso para atestar seu próprio poderio espiritual” (MARIANO,
2010, p. 137). O outro é fraco e deve ser combatido. A IURD deve estar sempre na
ofensiva para derrotar os demônios.90

A vontade de Deus para com o seu povo é a de que ele marche, entre e
possua a Terra [...] é claro que há um preço a pagar; devemos sacrificar,
muitas vezes, nossos bens, nossas posições sociais ou eclesiásticas, nossa
reputação ou até mesmo nossas famílias, mas vale a pena (MACEDO,
s.d., p. 129).

Como exemplos de elementos da différer (“tradução”) encontrados na


formação identitária iurdiana, destacamos tentativas de “aproximação” da IURD com
as religiosidades que ela mesma critica. Vimos reuniões em que fitas que são
amarradas no pulso, semelhantes à utilizadas por devotos do catolicismo popular, no
do Círio de Nazaré, serem distribuídas aos fieis iurdianos com mensagens de vitória
e solução dos problemas.
Também presenciamos a utilização de elementos mágicos peculiares das
religiões afro-brasileiras como o emprego de “sal grosso”, “banho do descarrego”,
além de magia simpática por contágio quando informantes meus relataram e nós

90
Clara Mafra estudou a presença da IURD no Brasil e Portugal, fazendo um comparativo de suas
ações nos dois países. Interessante que a IURD posiciona-se ofensivamente para com outras religiões,
mas tanto no Brasil como no exterior, ela apresenta-se como vitima de perseguição pela mídia e por
outras religiões. (MAFRA, 2002, p. 29ss., 63ss.). Giumbelli (2002, p. 319-340) faz um extenso
percurso de acusações, na justiça brasileira, da IURD e Edir Macedo, acusados de “charlatanismo”,
mostrando que, desde essa época, a IURD apela à “liberdade religiosa” e destaca que é um movimento
perseguido. Conforme mencionamos anteriormente, pesquisadores e informantes já nos
transpareceram a atitude defensiva da IURD como estratégia de inserção social.
131

mesmos presenciamos peças de roupas de parentes serem usados para se transferir


bênçãos sobre eles quando tocassem posteriormente nas peças “ungidas”.
Em um ritual de cura, o pastor disse que iria transferir um “passe” para os
presentes. De acordo com Silva (2013), Alan Kardec ensinou que o passe é um “[...]
gênero de mediunidade [que] consiste, principalmente, no dom que possuem certas
pessoas de curar pelo simples toque, pelo olhar, mesmo por um gesto, sem o uso de
qualquer medicação”. Ou seja, no Espiritismo, pessoas podem olhar ou transferir por
toques energias capazes de transferir curas. Esse conceito nós presenciamos em
reuniões da IURD em que o pastor prometia, ao tocar nas cabeças dos presentes que,
ao levantar as mãos à distância, iria transferir energias para os presentes a fim de
curá-los e abençoá-los.
É interessante a forma como a IURD se assume como “evangélica”, mas
produz sua “tradição” de forma sincrética, rearticulando crenças e práticas das
expressões religiosas que ela critica e luta, mas as emprega em seus rituais. Assim,
“as culturas híbridas constituem um dos diversos tipos de identidade distintamente
novos produzidos na era da modernidade tardia” (HALL, 2011, p. 90).
Quando fomos entrevistar a Srª. M. C. N. S. Santos (2012), sua filha lhe
informou que nós éramos membros de uma Igreja Protestante Histórica e, nos
cumprimentos iniciais, ela chamou-nos de “irmão”, pois, segundo ela, tínhamos a
mesma fé. De forma similar, o Sr. M. J. P. Souza (2013) disse que, apesar de
pertencer à IURD, ele tinha parentes de outras denominações evangélicas como a AD
e IEQ e que, eles eram seus “irmãos em Cristo”. O próprio M. J. P. Souza (2013)
confessou que visitava as referidas denominações.
Coleman faz um panorama histórico dos pentecostalismos norte-americanos
e que encontra paralelo com as práticas da IURD aqui no Brasil. Ele entende que a
dinâmica mercadológica adentrou em algumas formas pentecostais após a Segunda
Guerra Mundial, quando

os ensinamentos [do movimento de avivamento] norte-americano


protestante tornaram-se ainda mais estreitamente ligadas à lógica
mercadológica. [Por exemplo,] em 1954, o pregador carismático
americano, Oral Roberts, formulou o conceito de “Pacto da bênção”,91
segundo o qual qualquer um que prometeu contribuir com US$ 100 ao
ministério de Roberts foi prometido um reembolso caso uma considerável
soma de dinheiro não retornasse para o doador, na forma de um presente
de uma inesperada fonte dentro de um ano [...] Vinte anos mais tarde,

91
Nossa tradução para o conceito do “Blessing-Pact”.
132

Roberts propôs um novo conceito, o da “semente de fé”. A ideia, neste


caso, foi a de que as formas de doação financeira conforme as prescrições
do Antigo Testamento, deveriam ser substituídas por uma forma baseada
nas ideias do Novo Testamento: o crente deveria dar [ofertar] e, em troca,
deveria esperar para receber uma bênção [de Deus] (COLEMAN, 2004, p.
425, tradução nossa).92

Na leitura de Coleman, a troca com Deus e o uso de barganha com a


divindade, através de ofertas de sacrifício, podem ser compreendidas através do
“paradigma de mercado”, conforme já observamos anteriormente nessa conclusão. O
fiel é uma espécie de cliente e a instituição, no caso a IURD, é a mediadora entre o
fiel e a “mão invisível” da divindade que proporciona as vitórias em termos de saúde,
prosperidade financeira e a solução de quaisquer problemas.93
Nessa perspectiva, as ambiguidades envolvidas na formação identitária
iurdiana podem ser vistas como estratégias de se sobreviver no mercado religioso,
aumentando o número de adeptos ao empregar uma linguagem capitalista que é
familiar aos fieis. Ao mesmo tempo, essas ambiguidades podem ser as estratégias da
IURD Belém ao empregar elementos mágicos da região amazônica para facilitar a
identificação da população local belemense com rituais iurdianos. Essa associação
pode ser melhor ser investigada em trabalhos futuros.
A figura da liquidez baumaniana, juntamente com o supracitado conceito
derridiano da différance, são adequadas para o entendimento dessa formação
identitária iurdiana. Assim como os líquidos não têm forma, mas se adaptam aos
recipientes em que são colocados, percebemos que a IURD apresenta discursos
diferentes que dependem do contexto e situação em que se encontram para atingir
seus objetivos. Ora ela se adapta ressaltando sua diferença e superioridade aos grupos
religiosos destacados. Mas, em nossa percepção, quando se deseja alcançar mais fieis
dessas religiosidades, a IURD adapta-se “liquidamente” mostrando “pontos de
contato” com tais religiosidades para diminuir a aversão às suas propostas e
conseguir mais adeptos.

92
Não apenas na IURD percebemos a doutrina do “toma lá, dá cá”. Em anos recentes, o polêmico
Pastor Pentecostal da AD Silas Malafaia tem adotado o conceito da “semente da fé”. Em seu site, há
um espaço para o fiel depositar online uma semente de R$ 1.000,00 para ser um campeão da fé, a fim
de receber curas e conquistar vitórias (VOCÊ É UMA CAMPEÃO DA FÉ, 2013).
93
Ao retratar o relacionamento entre pastores brasileiros da IURD em terras portuguesas, Mafra
(2002, p. 191) percebe que a relação desses pastores com os fieis de Portugal está sempre “marcado
pela desigualdade:entre especialistas e ‘clientes’. Esse filtro pelo qual as diferenças devem ser
percebidas para que a relação se ajuste na confirmação da posição do pastor. Só assim ele cumprirá o
seu papel de funcionário da IURD”. Tal relação mercadológica pode também ser percebida aqui no
Brasil.
133

Estas marcas identitárias elencadas são, a nosso ver, e pelas evidencias


apresentadas, o caráter ambivalente, ambíguo, contraditório, paradoxal, líquido
encontradas na IURD “Cenáculo do Espírito Santo” de Belém, Pará no contexto
(pós-)moderno e globalizante na Amazônia.
Queremos ainda ressaltar que a demonização de outras religiões, não é
novidade no Cristianismo. Peter Brown registra que no Cristianismo da Antiguidade
Tardia, do século VI, havia o costume de, nos exorcismos, confiados na presença dos
santos (através de suas relíquias), de se invocar o poder desses santos mártires para
demonstração do poder de Deus. Os demônios eram obrigados a revelar os seus
nomes e eram identificados com antigos deuses gregos (BROWN, 1984, p. 138-141).
As entidades deveriam revelar seus nomes, pois acreditava-se que assim, o exorcista
obteria poder sobre o demônio para expeli-lo com maior facilidade. Assim
acreditava-se que estes espíritos maus eram expulsos pela presença e poder dos
santos.
Não há novidade, no contexto religioso do Cristianismo, o emprego de
objetos como pontos de contato, o uso de elementos de outras religiões em rituais
dentre outras semelhanças que elencamos neste trabalho. A IURD é um NMR não
porque emprega novidades no âmbito religioso. Mas, conforme Melton observou “a
maioria [dos NMR] apresenta religiões antigas a uma nova audiência e enquadradas
num novo contexto” (apud GUERRIERO, 2012, p. 119). Concordamos com
Guerriero que informa que o caráter de novidade dos NMR está “[...] não no tempo,
mas em relação à novidade da mensagem. Pode permanecer novo por um longo
tempo, desde que continue contrastando com a sociedade abrangente” (2012, p. 121).
Assim, pelas características elencadas, a IURD é um NMR não porque
emprega novidades no contexto religioso paraense. Antes, a novidade está na
utilização ambivalente de elementos de expressões religiosas que ela mesma critica,
sua inserção marcante na política, causando admiração e perplexidade de leigos e
pesquisadores da religião em nossa sociedade (pós-)moderna.
Sobre a eficácia das curas e obtenção de vitórias que obtivemos através dos
relatos de nossos informantes e pelas observações que fizemos não há como dizer de
forma objetiva e científica se houve, de fato, a obtenção das curas e bênçãos pela fé.
Nós tivemos acesso apenas às observações, aos relatos presenciados e às entrevistas
realizadas. Ou seja, dispusemos apenas, nos termos de Lévi-Strauss (1970), da
“ciência do concreto”. Assim, foge dos propósitos desta dissertação constatar se
134

houve realmente eficácia mágica nos testemunhos relatados e os que nós


observamos. No entanto, estamos cientes de que seria interessante acompanhar tais
testemunhos, ficando, portanto, tal proposta para trabalhos futuros.
É evidente que o assunto não foi esgotado. Outras marcas identitárias
poderiam ser elencadas, mas as que destacamos aqui, foram as que julgamos mais
marcantes da IURD Belém, inclusive pelas metodologias que aplicamos. Neste
sentido, estamos cientes de que poderíamos lançar mão de outras técnicas de
pesquisa, como, por exemplo, a análise do discurso e aplicá-la às falas de fieis e/ou
de pastores da IURD. O emprego desta técnica poderia trazer novos aspectos
identitários e poderão ser realizados em outros possíveis trabalhos.
Além das religiões elencadas, percebemos, no contexto amazônico, muitas
semelhanças de práticas iurdianas podem ser encontradas comparando a IURD com
religiosidades ribeirinhas, vegetalistas, xamânicas ou indígenas, além das religiões
afro-brasileiras, espiritismo kardecista e várias outras religiões ocidentais e
orientais.94 Essa questão pode ser melhor investigada, em trabalhos futuros, na IURD
Belém em relação a religiosidades peculiares da Amazônia.
Durante nossas observações, percebemos que o sacrifício monetário estava
presente em todos os tipos de reuniões. Essa temática também pode ser melhor
investigada em estudos doutorais, levando-se em consideração a peculiaridade e
pluralidade religiosa amazônica.95

94
Heraldo Maués (2000) trata em um artigo sobre técnicas corporais e comenta a universalidade de
expressões religiosas encontradas no movimento de RCC com expressões encontradas na pajelança
indígena e cabocla, catolicismo etc., além de diversas outras tradições e expressões religiosas.
95
No dia 09 de dezembro de 2013, tivemos a grata satisfação de ter o projeto intitulado “O sacrifício
encantado: o sacrifício como reciprocidade mágica em rituais de cura na Igreja Universal do Reino de
Deus” aprovado para o Programa de Pós-graduação (Doutorado) em Sociologia e Antropologia da
UFPA. Pretendemos compreender as visões de fieis sobre o sacrifício e sua relação com a magia
presente nas religiosidades amazônicas, utilizando o conceito maussiano da reciprocidade. Essa
pesquisa será empreendida com a hipótese de que a junção de magia e reciprocidade pode nos auxiliar
a compreender o papel do sacrifício nos rituais iurdianos de cura na IURD Belém-PA.
135

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Entrevistas

SANTOS, M. C. N. S. Depoimento [24 jun. 2012]. Entrevistador: Samuel Marques


Campos. 2 arquivos mp3 (72 min e 24 seg). Entrevista concedida na residência da
entrevistada em Belém, Pará.

SOUZA, C. S.; SOUZA, M. J. P. Depoimento [21 fev. 2013]. Entrevistador: Samuel


Marques Campos. 4 arquivos mp3 (1 h 47 min e 36 seg). Entrevista concedida na
residência dos entrevistados em Belém, Pará.
143

ANEXO A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (PPGCR)

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Convidamos o (a) Sr (a) para participar da pesquisa A Igreja Universal do


Reino de Deus na “modernidade líquida”: marcas identitárias da IURD na (pós-)
modernidade, sob a responsabilidade do pesquisador Samuel Marques Campos. Esta
pesquisa pretende identificar as principais marcas da identidade da IURD na (pós-)
modernidade no espaço religioso paraense.
O motivo que nos leva a fazer este estudo é o nosso interesse pelo
neopentecostalismo, em especial pela IURD, que é o principal representante brasileiro do
movimento. Por isso pretendemos compreender como a IURD constrói sua identidade
religiosa no contexto amazônico e paraense.
Sua participação é voluntária e se dará por meio de entrevistas em que faremos a
gravação de voz. Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas
ligando para Samuel Marques Campos pelo número de telefone 8239-9214. Você tem
o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da
pesquisa, sem nenhum prejuízo para você. Se você aceitar participar, estará contribuindo
para identificarmos elementos importantes na constituição e formação identitária da
IURD de Belém.
O (a) Sr (a) não terá nenhuma despesa e também não receberá nenhuma
remuneração. Os resultados da pesquisa serão analisados e publicados em congressos ou
publicações científicas, mas sua identidade não será divulgada, sendo guardada em
sigilo.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com o
pesquisador responsável Samuel Marques Campos.
Para qualquer outra informação, o (a) Sr (a) poderá entrar em contato com o
pesquisador no endereço Rua do Una, nº 156 - Belém - Pará - Brasil - 66.113-200 -
Telégrafo, pelo telefone (91) 3299-2262 (secretaria do PPGCR-UEPA).

Consentimento Pós–Informação

Eu,___________________________________________________________, fui
informado sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha colaboração,
e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto, sabendo que não
vou ganhar nada e que posso sair quando quiser.

_____________________________
Data: _____/ ______/ __________
Assinatura do(a) participante

SAMUEL MARQUES CAMPOS


MESTRANDO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO – UEPA
Matrícula: 20127505010
Linha de Pesquisa: Movimentos e Instituições Religiosas no Contexto Amazônico
144

APÊNDICE A – ALGUNS RAMOS DO PROTESTANTISMO

Figura 8 – Protestant Branches (Ramos Protestantes)

Fonte: FICHEIRO:PROTESTANT BRANCHES.SVG


BRANCHES.SVG. Wikimedia Commons. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/
http://commons.wikimedia.org/
wiki/File%3AProtestant_branches.svg
wiki/File%3AProtestant_branches.svg> . Acesso em: 14 mar. 2014.

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