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FERNANDO LIRA XIMENES

O ATOR RISÍVEL:
PROCEDIMENTOS PARA AS CENAS CÔMICAS
AGRADECIMENTOS

Em todo trabalho, há aqueles anjos que estão sempre disponíveis a nos resguardar
e nos conduzir com segurança, nesta estrada acidentada cheia de aclives, declives e
precipícios, que é a pesquisa. Citarei esses anjos da guarda não na ordem de importância, mas
pela lembrança que me ocorre no momento. Ao Prof. Dr. Daniel Marques, pelos nossos
momentos de prazerosos diálogos na orientação dessa pesquisa. À Profª. Drª. Cleice Mendes,
pelas suas contribuições de extrema generosidade. À Profa. Dra. Elza Andrade, pelas
observações pertinentes e pontuais. Ao apoio incondicional do CEFET-CE e de todos os seus
funcionários. Aos meus parceiros de trabalho, os alunos pesquisadores do Grupo de
Comicidade e Riso do CEFET-CE, que sem a dedicação e colaboração deles nada do que foi
realizado seria possível, por isso agradeço especialmente de coração a: Amidete Aguiar,
Chirliane Alves, Elaine Nascimento, Deninha Carvalho, Elvis Jordan, Fábia Guedes, Felipe
Franco, Gorete Rodrigues (em memória), Henrique Bezerra, Jeniffer Suzana, Jociel Carvalho,
Larissa Montenegro, Marcos Martins e Carol Li. E, também, aos meus dois fieis escudeiros
do inicio do Grupo de Pesquisa: Marcus Augusto e João Machado. E minha cunhada, Joana
Jucá, pela atenção na revisão final.

Ao patrocínio do Banco do Nordeste.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Cartum de Klevison Viana I (MATOS, 2000, p. 2003). ......................................... 28


Figura 2 – Macaco ao telefone (Disponível em: <http//: www.imagebank.com.au>. Acesso
em: 2002). ................................................................................................................................. 31
Figura 3 – Tira humorística I (VIGIL, 1986, p. 51). ............... Erro! Indicador não definido.3
Figura 4 – Tira humorística II (VIGIL, 1986, p. 52). .............. Erro! Indicador não definido.3
Figura 5 – Cartum I (VIGIL, 1986, p. 44). ................................ Erro! Indicador não definido.
Figura 6 – Cartum II (VIGIL, 1986, p. 44)................................ Erro! Indicador não definido.
Figura 7 – Cartum de Klevison Vianna II (MATOS, 2000, p. 173). ...................................... 304
Figura 8 – Cartum III (VIGIL, 1986, p. 51). ........................... Erro! Indicador não definido.7
Figura 9 – Cartum IV (VIGIL, 1986, p. 45). ........................... Erro! Indicador não definido.7
Figura 10 – Cartum V (VERÍSSIMO, 1975, p. 139). .............. Erro! Indicador não definido.7
Figura 11 – Tira humorística III (VIGIL, 1986, p. 67). ............................................................ 39
Figura 12 – Cartum VI (VIGIL, 1986, p. 33). .......................................................................... 40
Figura 13 – Cartum VII (VIGIL, 1986, p. 60). ......................................................................... 41
Figura 14 – Cartum VIII (VIGIL, 1986, p. 65). ....................................................................... 42
Figura 15 – Tira humorística IV (VIGIL, 1986, p. 46). ........................................................... 43
Figura 16 – Cartum IX (VIGIL, 1986, p. 58). .......................................................................... 44
Figura 17 – Cartum X (VIGIL, 1986, p. 63). ........................................................................... 44
Figura 18 – Tira humorística V (VIGIL, 1986, p. 67). ............................................................. 45
Figura 19 – Cartum de Klevison Viana III (MATOS, 2000, p. 127). .................................... 376
Figura 20 – Cartum de Klevison Viana IV (MATOS, 2000, p. 182). ...................................... 48
Figura 21 – Cartum XI (VERÍSSIMO, 1975, p. 7). ................................................................. 47
Figura 22 – Cartum XII (VERÍSSIMO, 1975, p. 186). ............................................................ 47
Figura 23 – Tira humorística VI (VIGIL, 1986, p. 30). ........................................................... 49
Figura 24 – Cartum XIII (VIGIL, 1986, p. 35). ....................................................................... 50
Figura 25 – Foto do ator Pedro Cardoso (Disponível em: <http: //estrelato.com/pedro-
cardoso/>. Acesso em: 7 mar. 2008). ........................................ Erro! Indicador não definido.8
Figura 26 – Foto do ator Benvindo Siqueira (Disponível em: <http:
//ondeanda.multiply.com/photos/album/921#38>. Acesso em: 7 mar. 2008). .. Erro! Indicador
não definido.9
Figura 27 – Arquétipos da Commedia Dell’Art (Disponível em:
<http://grupo.moitara.sites.uol.com.br/commedia.htm#>. Acesso em: 5 mai. 2008). ........... 953
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1 - O RISÍVEL E O MODELO BERGSONIANO .............................................. 16

1.1 Bergson e a tradição cômica ............................................................................................... 17

1.2 O riso de Bergson ............................................................................................................... 25


1.2.1 As personagens ................................................................................................................ 31
1.2.2 As situações ..................................................................................................................... 31
1.2.3 As palavras ...................................................................................................................... 46

1.3 O modelo bergsoniano ........................................................................................................ 51


1.3.1 Personagens ..................................................................................................................... 52
1.3.2 Situações .......................................................................................................................... 54
1.3.3 Palavras ............................................................................................................................ 55

CAPÍTULO 2 - EM BUSCA DO ATOR RISÍVEL ................................................................. 56

2.1 O ator risível e a sua prática ............................................................................................... 57

2.2 Construindo a cena cômica ................................................................................................. 70


2.2.1 As matrizes ...................................................................................................................... 72
2.2.2 A preparação .................................................................................................................... 77
2.2.3 A montagem .................................................................................................................... 79

2.3 O espectador ....................................................................................................................... 81


7

CAPÍTULO 3 - PROCEDIMENTOS PARA CENAS CÔMICAS I - MATRIZES ................ 88

3.1 A oficina ............................................................................................................................. 89

3.2 Exercícios gerais: aquecimento .......................................................................................... 91

3.3 Exercícios gerais: sensibilidade cômica ............................................................................. 98

3.4 Exercícios específicos....................................................................................................... 105

3.5 Exercícios de fixação das matrizes ................................................................................... 114

3.6 Comentários gerais ........................................................................................................... 133

CAPÍTULO 4 - PROCEDIMENTOS PARA AS CENAS CÔMICAS II - PREPARAÇÃO 135

4.1 Da matriz à cena ............................................................................................................... 136

4.2 Comentários gerais ........................................................................................................... 167

CAPITULO 5 - PROCEDIMETOS PARA AS CENAS CÔMICAS III - MONTAGEM .... 170

5.1 Do texto ao palco .............................................................................................................. 171

5.2 Exercícios abertos ............................................................................................................. 174

5.3 O espetáculo: Para não falar de teatro .............................................................................. 176

5.3.1 O palco........................................................................................................................... 177


5.3.2 Os impostores ................................................................................................................ 185
5.3.3 A rubrica ........................................................................................................................ 199
5.3.4 Um homem, uma mulher, para não falar do garçom ..................................................... 207

5.4 Comentários gerais ........................................................................................................... 217

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 220


BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 224
APÊNDICES .......................................................................................................................... 231
8

“Que restaria de muitas de nossas emoções se as


reduzíssemos àquilo que elas têm de estritamente sentido, se
delas subtrairmos tudo o que é simplesmente rememorado?
Quem sabe até se a partir de certa idade não nos tornamos
impermeáveis à alegria fresca e nova, e se as mais doces
satisfações do homem maduro não serão apenas sentimentos
de infância revivificados, brisa perfumada que nos envia em
lufadas cada vez mais raras um passado cada vez mais
distante?” (Henri Bergson).
9

INTRODUÇÃO

A história de cada indivíduo faz parte da matriz da história de uma sociedade,


da própria cultura. Para encontrar a raiz do risível seria preciso nos aprofundar nos mais
variados aspectos físico-bio-psico-sociais do humano – pretensão deveras ousada que
foge ao enfoque desta pesquisa.

Ao tratar o riso como manifestação físico-biológica não se deve desprezar o


potencial de comunicação que tem a comicidade que o derivou. Sua parcela inata e
instintiva não impede que ele se amplie, seja modificado e apreendido no seio da
sociedade.

O riso, além de estar no domínio do corpo, tem sua relação com códigos que se
estabelecem fora deste. São justamente esses códigos ou fenômenos que ocorrem fora
do corpo de quem ri que, indistintamente, serão chamados, neste trabalho, de cômicos
ou risíveis e estarão no centro deste estudo, ou seja, na elaboração de procedimentos
para o ator na cena cômica.

Os elementos de uma tradição física e outra social do riso são a base para as
elaborações teóricas sobre os mecanismos da comicidade. O riso que estou preocupado
em suscitar é aquele motivado por elaborações artísticas. O riso provocado por cócegas,
por histerias, por boas novas, por encontros festivos e risos espontâneos; só me interessa
se puder servir para compreensão de suas causas nas cenas cômicas.

Considero uma cena como uma seqüência de acontecimentos, realizada em


tempo e espaço específicos, durante o espetáculo teatral. A cena é cômica quando
elaborada no sentido de suscitar o riso. Qualquer outra cena que provoque reações
diferentes do riso será chamada de cena dramática. É importante salientar que faço essas
duas distinções de cena na perspectiva do público que assiste, e não da personagem.
Pois, em muitos casos de cenas cômicas, a personagem vivencia acontecimentos que
são dramáticos para ela, mas risíveis aos olhos do espectador.

Neste trabalho, o risível, o engraçado e a comicidade são adotados como sendo


palavras sinônimas de um mesmo fenômeno artístico/cultural que tem o riso, o sorriso e
a gargalhada como conseqüências de uma reação física. No entanto, apesar da diferença
10

entre a causa e o efeito desse fenômeno, freqüentemente encontramos em diversos


autores o uso da palavra riso no lugar de comicidade e vice-versa.

Na tradição teatral, é comum dizer que o ator cômico é aquele especializado


em encenações cujo objetivo está centrado na comicidade, em suscitar o riso. Porém,
entendo que o risível pode acontecer e cenas dentro de peças teatrais que não sejam
eminentemente classificadas como comédias. E que, além disso, pode acontecer de
encontrarmos personagens em tragédias, como os coveiros em Hamlet, peça de William
Shakespeare (1564-1616).

Por se tratar de uma pesquisa de procedimentos para o ator em cenas cômicas,


que podem ou não estar inseridas em comédias, opto por chamar o artista, nesse
contexto, de ator risível ao invés de ator cômico, para que não haja confusão entre a
preparação especifica para cena e a especialização atorial. Assim sendo, neste trabalho,
o ator risível (ou cômico) é aquele que prepara os elementos de sua arte para cena de
modo que a platéia a perceba de forma engraçada, mesmo que seja trágica para a sua
personagem.

Ao tentar uma investigação na busca de procedimentos para o ator risível,


esbarrei em algumas indagações que dificultavam minha pesquisa, tais como: será que
existe esta especificidade de ator? Será que as técnicas criadas para um ator não
especializado em um gênero teatral, já contemplam o ator risível? É possível
desenvolver procedimentos específicos para uma atividade teatral tão especifica que é a
atuação cômica? Para tais procedimentos particulares de atuação, não seria também
necessário desenvolver uma dramaturgia especifica, assim como fez Brecht para o seu
teatro épico? Qual o procedimento e por onde começar?

Comecei em 10 de janeiro de 2004, quando criei o Grupo de Pesquisa em


Comicidade e Riso do Centro Federal Tecnológico do Ceará (CEFET-CE) na intenção
de contribuir para o aprofundamento da discussão crítica, as buscas de novos repertórios
para construção de formas cômicas, bem como ampliar a formação dos mais diversos
profissionais, tais como: produtores de programas humorísticos, publicitários,
dramaturgos, roteiristas de cinema, diretores, atores, cronistas ou qualquer pessoa que
desejasse utilizar a comicidade como uma ferramenta poderosa para comunicação
artística.
11

Inicialmente, o grupo foi aberto para todos – alunos ou não do CEFET-CE –


que desejassem estudar as questões do risível nas suas mais variadas vertentes. Nos três
primeiros meses, foram realizadas leituras e discussões de textos de teóricos do riso e da
comicidade como Henri Bergson, Vladimir Propp, Mikhail Bakthin. Paralelamente,
aconteceram palestras individuais dos participantes com propostas de pesquisas. Esta
fase encerrou-se com a apresentação do grupo no I Seminário de Artes Cênicas do
CEFET-CE, realizado em março de 2004.

Após esses meses de estudos, tentei colocar em cena os conhecimentos


adquiridos. Percebi que havia diversas referências sobre os mecanismos e a fabricação
do cômico em geral, mas não encontrei nada específico relacionado a uma técnica
sistematizada de preparação do ator para cena cômica, a não ser para palhaços e
mímicos.

Todos os estudos teóricos procuraram formular modelos ou justificar as causas


para o risível: Sigmund Freud apresentou uma relação do chiste com o inconsciente,
detendo-se mais nas questões lingüísticas do risível; Mikhail Bakhtin apontou um
modelo revelador para a comicidade, quando focalizou a sua teoria na tradição cômica
popular em que o risível reside num realismo grotesco, carnavalizado, não
hierarquizado e paródico, uma inversão da realidade oficial. Embora profundas as
reflexões desse teórico russo, a sua abordagem limita-se ao riso das camadas populares
que tem como fonte geradora as praças e feiras públicas, materializado no baixo
corporal; Vladimir Propp, em sua obra: Comicidade e Riso (1992) definiu de forma
estanque, a partir do estudo de casos particulares, diversas categorias de risível. Apesar
de uma interessante contribuição para questões da comicidade, Propp não pretendeu
desenvolver uma estrutura, com uma unidade formal, ele aborda de maneira
fragmentada as categorias de comicidade, não direciona para um modelo de risível, o
que dificulta a utilização de sua abordagem para concepção de procedimentos na cena
cômica.

Por fim, encontrei na obra O Riso: ensaio sobre a significação do cômico, do


filósofo francês Henri Bergson (1859-1941), uma reflexão bastante interessante sobre o
efeito cômico e o seu mecanismo de fabricação, que direciona um caminho a seguir.
Mesmo contendo limitações, o que nos chama a atenção para as reflexões de Bergson é
a maneira como ele conseguiu formalizar diversas explicações clássicas para o risível
num único modelo, resumido na sua célebre frase: “o cômico é o mecânico colado no
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vivo”, isto é, o risível se realiza quando a vida parece desviar-se no sentido de certa
mecânica. Esse leitmotiv presente em todo o ensaio de Bergson é uma rica contribuição
de possibilidades incalculáveis que nos inspira na direção de procedimentos para a arte
do ator risível.

Foi, então, embasado no riso de Bergson, que fundamentei o projeto de


pesquisa de doutorado, em que proponho a elaboração de procedimentos para as cenas
cômicas, a serem desenvolvidos e aplicados com o Grupo de Pesquisa em Comicidade e
Riso do CEFET-CE.

A partir do projeto, resolvi adotar uma nova estratégia para o grupo: abri
inscrições apenas para alunos do CEFET-CE que cursavam entre os semestres I e IV.
Para não gerar equívocos, procurei não esclarecer nada antes dos trabalhos começarem.
No primeiro momento, fiz a convocação para os alunos que desejassem participar de
uma pesquisa, mas sem mencionar de que se tratava. Informei apenas que iríamos
abordar técnicas para o ator. Não desejava, nessa ocasião, que houvesse idéias
preconcebidas sobre o conteúdo da pesquisa, pois o risível tem sempre um grande efeito
atrativo, embora muitos o concebam como arte menor, superficial, sem densidade
conceitual e artística.

No dia 9 de janeiro de 2007, iniciei essa nova fase. Em nossa primeira reunião,
compareceram onze alunos. Constatei, como era de se esperar, que a maioria desejava
entrar num grupo de pesquisa, mas não sabia o que queria pesquisar. No outro dia,
reiniciamos os trabalhos, agora com treze alunos. Eu ainda não tinha certeza de por
onde começar nem sabia em que resultariam os exercícios iniciais. Mas numa coisa eu
acreditava: era necessário homogeneizar, integrar o grupo e direcionar todos para uma
proposta de comicidade.

Comecei com trabalhos de corpo, em que pudesse definir algumas formas


corporais e vocais, sem deixar claro para eles que os exercícios tinham, inicialmente,
como objetivo a montagem de um esquete de minha autoria, chamado Os Impostores,
destinado a dois atores que se revezavam entre quatro personagens.

Ao terminar esta fase, em 14 de fevereiro, contava apenas com seis integrantes,


quatro mulheres e dois homens. No final de março de 2007, precisei me ausentar do
grupo, por 3 meses, para dar continuidade às disciplinas do doutorado. Por isso, com o
meu distanciamento, pouca coisa avançou. Os atores pesquisadores ainda tinham pouca
13

consciência do que significa uma pesquisa, no sentido de sua autonomia, não levando à
frente as atividades que deixei, passando a tratar de seus interesses particulares,
deixando a pesquisa para o segundo plano.

Ao terminar essa fase, em 14 de fevereiro, contava apenas com seis integrantes,


quatro mulheres e dois homens. No final de março de 2007, precisei me ausentar do
grupo, por três meses, para dar continuidade às disciplinas do doutorado. Por isso, com
o meu distanciamento, pouca coisa avançou. Os atores pesquisadores ainda tinham
pouca consciência do que significa uma pesquisa, no sentido de sua autonomia, não
levando à frente as atividades que deixei, passando a tratar de seus interesses
particulares e deixando a pesquisa para segundo plano.

Conclui que os trabalhos só teriam realmente continuidade, se eu estivesse


presente, trabalhando com o grupo, em Fortaleza. Foi então que, em 23 de junho de
2007, ao retornar de Salvador, fiz uma nova convocação para realização de uma oficina
com alunos do CEFET-CE, interessados em comédia, que chamei de Procedimentos do
Ator Para as Cenas Cômicas.

Na primeira reunião, senti que era necessário discutir sobre as particularidades


de uma pesquisa. E sobre a relação entre a teoria e a prática teatral. Sendo eu um
professor do curso de Artes Cênicas do CEFET-CE, era natural que aqueles jovens
estudantes esperassem de mim certezas e verdades prontas durante a oficina que eu
estava propondo. Era necessário que eu deixasse bem claro que se tratava de uma
pesquisa e, como tal, parte de uma dúvida. Se já tivesse as certezas e as respostas, não
precisaria pesquisar.

Um dos procedimentos da pesquisa é o experimento, o teste, a avaliação e a


comprovação dos resultados que se esperam. Depois, novos e exaustivos testes. A
palavra “exaustivos” foi enfatizada porque a exaustão é um dos fatores que faz muitos
desistirem.

No entanto, esta pesquisa não pretende fechar-se em fórmulas, mas, antes de


tudo, escolher direcionamentos possíveis que possam obter os efeitos desejados. É nesse
sentido que revisito o ensaio de Bergson (2004) sobre o riso, não como ponto de
chegada, mas como ponto de partida, na intenção encontrar uma “trilha” que possibilite
desenvolver procedimentos para atores na cena cômica. A questão aqui não será
encontrar as causas do riso, muito menos provar a validade das declarações de Bergson
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(op. cit.) relativas à comicidade, conferindo-lhe legitimação por uma prática, mas
encontrar estratégias, firmar um roteiro para exercícios práticos do ator de modo a
suscitar o riso na perspectiva do mecânico colado no vivo.

Portanto, relato o percurso desta pesquisa em cinco capítulos, nos quais abordo
os seguintes temas:

No Capítulo 1 – O risível e o modelo bergsoniano – inicialmente, procuro


situar as teorias de Henri Bergson sobre riso dentro do contexto da tradição cômica
consagrada, com intuito de melhor entender a abordagem desse autor. Em seguida,
ressalto os principais argumentos de Bergson que possam ser utilizados na elaboração
de procedimentos para o ator na cena cômica.

O Capítulo 2 – Em busca do ator risível – está centrado nas práticas do ator,


mais especificamente do ator especializado em comédias. Faço um apanhado de alguns
princípios da construção de personagem desenvolvidos no século XX e em que aspectos
esses princípios contribuem para os procedimentos que desenvolvo nesta pesquisa.
Procuro, também, descrever de maneira abrangente as etapas adotadas para construção
de cenas cômicas, ressaltando inclusive, a importância do espectador como parceiro que
completa esse processo.

Os três capítulos restantes representam o “coração” dessa tese. Neles estão


relatadas as atividades desenvolvidas na oficina criada especialmente para os alunos-
pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Comicidade e Riso do CEFET-CE. Essa
oficina foi dividida em três módulos, iniciada em 30 de junho de 2007, com a criação de
matrizes corporais cômicas, e encerrando-se em 12 de outubro de 2007.

Assim, no Capítulo 3 – Procedimentos para as cenas cômicas I: matrizes –


descrevo os exercícios de construção de matrizes pelo processo de imitação: de outra
pessoa; de formas de animais que possam ser relacionadas com os vícios dos próprios
atores; e imitação de imagem que representava um personagem da Commedia
Dell’Arte.

No Capítulo 4 – Procedimentos para cenas cômicas II: preparação – comento


e ilustro os improvisos dessas matrizes inseridas em cenas roteirizadas de quatro
esquetes que seriam montados e apresentados pelos atores-pesquisadores na etapa
seguinte da oficina. A intenção, nesse momento, era de, através dos improvisos,
15

identificar o comportamento e as possibilidades de comicidade de cada matriz nas


diferentes situações propostas pelos esquetes.

Finalmente, no Capítulo 5 – Procedimentos para cenas cômicas III: montagem


– são ressaltados os procedimentos de levar o texto ao palco na montagem e a
apresentação pública do espetáculo Para não Falar de Teatro, composto por quatro
esquetes cômicos de minha autoria, em que são testadas algumas matrizes de cada ator
em cada esquete diferente. Com isso, pretendi perceber a reação da platéia, nas variadas
propostas de cena, que se torna diferente, pois em cada apresentação, são inseridas nos
mesmos esquetes novas matrizes corporais.
16

1. O RISÍVEL E O MODELO BERGSONIANO

Bergson e a tradição cômica


Neste tópico, limitar-me-ei apenas a apontar de forma incipiente algumas abordagens da
tradição cômica sobre o riso e o risível que direta ou indiretamente, estão inseridas nas reflexões
da obra do filósofo francês Henri Bergson: O Riso: ensaio sobre a comicidade (20041).
Apesar de algumas restrições ao ensaio, pode-se encontrar nos argumentos deste
filósofo, reflexões que apontam para uma prática bastante interessante sobre o efeito do risível e o
seu mecanismo de fabricação.
Em diversas abordagens tentou-se entender o risível somente pela perspectiva social,
esquecendo o indivíduo como um ser animal. Neste sentido, o risível é formado a partir de
códigos sociais, manifestados culturalmente. É, pois, na perspectiva do humano inserido na
sociedade, que Bergson (2004, p. 148) formaliza as suas concepções sobre a comicidade:
O riso nasce como essa escuma. Assinala, no exterior da vida social, as
revoltas superficiais. Desenha instantaneamente a forma móvel desses abalos.
Ele também é uma espuma a base de sal. Como a espuma, fervilha. É alegria.
O filósofo que o recolher para experimentá-lo encontrará às vezes, numa
pequena quantidade de matéria, certa dose de amargor.
As reflexões de Bergson têm sido arduamente contestadas por outras abordagens,
alegando que o ensaio sobre a comicidade apresenta uma visão unilateral do riso, ao explicar as
suas causas como reflexo de um castigo, uma correção social e uma anestesia do coração,
representando assim, “[...] um empecilho ao reconhecimento catártico próprio da comédia.”
(MENDES, 2001, p. 55). Ainda de acordo com Mendes (op. cit., p. 136):
Se a comédia, em todas as suas variantes, se conformasse à teoria de Bergson,
o prazer que ela oferece teria de nascer sempre de uma espécie de gesto
crítico ou mesmo paródico, se tomarmos a palavra paródia no seu sentido
original de fala ou canto “ao lado” ou “canto paralelo” [...]. Dessa imagem
modelar, o cômico seria um reflexo negativo, um desvio, uma deformação. A
percepção dessa cópia falsa faria nascer o riso – um gesto que teria como
função apontar e corrigir os afastamentos, punir os desajustes pela exposição
do ridículo.

1
A primeira edição desta obra data de 1899.
17

Outra crítica freqüente ao ensaio de Bergson é que, por este ser um dos textos mais
conhecidos e bastante citados, as “[...] suas asserções adquirem quase sempre caráter de
autoridade original.” (ALBERTI, 1999, p. 184). Sem citar referências, Bergson elabora o seu
modelo para o cômico, que está pautado em preceitos que remontam às reflexões da tradição
cômica.
Pode-se dizer que Bergson redescobre o que era voz corrente há mais de um
século na discussão sobre o “ridículo” e a utilidade de sua aplicação. Cômico e
riso, para ele, são, respectivamente, um desvio negativo e sua sanção funcional
que estabelece a ordem da vida e da sociedade. [...] É interessante observar
que algumas formas de classificação se aproximam da classificação da retórica
antiga, “o cômico da ação” e o “cômico de palavras”, enquanto outras, como
“cômico acidental” e o “não-acidental”, fazem lembrar a classificação de
Joubert2 entre o fato risível que ocorre por acaso e aquele que fazemos de
propósito. (ALBERTI, 1999, p. 184-186).
Desde Platão (428-399 a.C.) até os nossos dias, encontra-se em toda a tradição do
pensamento filosófico ocidental, de uma maneira ou de outra, especulações acerca dos
mecanismos do risível. Entendo que o riso é uma manifestação do corpo, um reflexo físico-
biológico, inato, algumas vezes, instintivo3.
O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), em seu estudo sobre as partes dos animais,
abre o caminho a toda uma tradição fisiológica que explica o riso através do funcionamento do
diafragma humano. De acordo com o filósofo grego, o diafragma divide o corpo em duas partes: a
alta e nobre – composta pela cabeça, pulmões e coração; e a baixa e menos nobre – em que se

2
Verena Alberti em seu livro O riso e o risível na história do pensamento (1999), dedica um capítulo completo sobre um
certo tratado do riso, publicado em 1579 por Lautrent Joubert, conselheiro e médico ordinário do rei e chanceler da
Universidade de Medicina de Montpelier. A obra de Joubert é uma das mais densas já publicadas, “voltada
exclusivamente para a questão do riso” – o Tratado do riso, contendo sua essência, suas causas e seus maravilhosos efeitos,
curiosamente pesquisados, refletidos e observados. O autor do tratado expande os estudos de Aristóteles sobre o diafragma e
descreve detalhadamente o circuito do riso: primeiramente a matéria do riso penetra na alma através da audição e/ou
da visão; o pensamento provoca o movimento do diafragma; o peito se agita; há compressão pulmonar decorrente
dessa agitação; a voz fica entrecortada; acontece o alargamento da boca, decorrente da ação dos músculos do peito,
dos espíritos e dos vapores sangüíneos que também esticam os músculos da face. Assim, o estado risível percebido em
uma pessoa, através do corpo e, mais especificamente, nas expressões faciais, como as descritas por Joubert, é
determinado por um conjunto de códigos, a partir do qual se define e se caracteriza como riso.
3
Em seus estudos, o etnologista Ireneaus Eibl-Eibesfeldt (1983) faz um paralelismo entre o comportamento dos
primatas e dos humanos que servem para provar as nossas “origens animais” e que o riso não é um privilégio da nossa
raça. Eibl-Eibesfeld (op.cit.), pesquisando os macacos, constatou que estes, quando se juntam para ameaçar ou atacar
o inimigo, produzem um arquejo sussurrado, expirando e inspirando, semelhante ao riso humano. Os chipanzés riem
também quando fazem cócegas uns nos outros, como as crianças. No entanto, as mais importantes conclusões deste
etnologista na questão do riso partiram da observação de várias fotografias tiradas nos quatro cantos do mundo, em
que ele constatou que todas as pessoas de todas as culturas e de todas as raças tinham a mesma expressão reconhecida
culturalmente como riso. Constando, desta forma, que tal comportamento do homem não é um simples fruto da
aprendizagem e que ele possui realmente, do mesmo modo que o animal, uma base inata, instintiva.
18

localiza abdômen, fígado, baço, vesícula, intestino. O humor quente 4, devido à digestão, advindo
da parte baixa em direção à alta, passando pelo diafragma, provoca uma perturbação na
sensibilidade e no raciocínio. O pensamento se opõe ao movimento, quando o diafragma é
sensibilizado pelo calor advindo das partes baixas, ocasionando o riso.
Embora as idéias de Aristóteles não tenham esclarecido completamente os mecanismos
físicos e biológicos do riso, suas observações sobre o pensamento se opondo ao movimento,
serviram de base para os inúmeros estudos que trataram o riso como uma reação do corpo ao
sentimento de estranhamento e sua relação com a topografia corporal, alto e baixo.
Em Bergson (2004), pode-se encontrar a justificativa para o estranhamento 5, quando ele
fala que o riso acontece na medida em que percebemos o desvio da vida em direção a ações
mecânicas, como no caso, por exemplo, de uma inversão da normalidade social, em que o nobre é
rebaixado e o plebeu é elevado.
Além da relação fisiológica do riso, em Aristóteles há diversas observações sobre o riso
que foram pontos de partidas para mais variadas teorias sobre a comicidade. A mais famosa
afirmação de Aristóteles a esse respeito é a de que “o homem é o único animal que ri.”6 Para
Bergson (op. cit., p. 2), o homem não é somente o único animal que ri, mas também o único que
faz rir:
Vejamos agora o primeiro ponto para qual chamaremos atenção. Não há
comicidade fora daquilo que é propriamente humano. Uma paisagem poderá
ser bela, graciosa, sublime, insignificante ou feia; nunca será risível. Rimos de
um animal, mas por termos surpreendido nele uma atitude humana ou uma
expressão humana. Rimos de um chapéu; mais então não estamos gracejando
com o pedaço de feltro ou de palha, mas com a forma que os homens lhe
deram, com capricho humano que lhe serviu de molde. Como um fato tão
importante, em sua simplicidade, não chamou mais atenção dos filósofos?
Vários definiram o homem como “um animal que sabe rir”. Poderiam também tê-
lo definido como um animal que faz rir, pois, se algum outro animal ou um objeto

4 A palavra humor derivou-se do latim. Por muitos séculos, todo humor corporal era considerado signo ou causa de
doença. Em alguns livros clássicos de medicina atribuía-se quatro tipos de humor produzidos pelo o homem, isto é, o
sangue, a cólera, a fleuma e a melancolia, e estes humores, para os médicos da época, eram as causas de suas
enfermidades. Daí vem a idéia de dizer que uma pessoa está de (ou tem) bom ou mau humor.
5
O estranhamento, na visão de Bergson, é tratado neste trabalho como um dos recursos para se suscitar o riso,
consiste na discrepância entre o que se percebe, o que se espera e o que se concebe ou se realiza, isto é, numa
desarmonia social. Não confundir com o conceito de estranhamento de Beltolt Brecht, que está associado ao
distanciamento entre a cena, ator, personagem e o público com o intuito de uma reflexão crítica.
6
Estes estudiosos não classificam de riso as manifestações de alegria em alguns animais, como os grunhidos dos
macacos, e o balançar de rabo dos cães ao verem uma pessoa amiga.
19

ainda animado consegue fazer rir, é devido a uma semelhança com o homem,
à marca que o homem lhe imprime ao uso que o homem lhe dá.
Encontramos comumente nos livros de história do teatro que a comédia surgiu na
Grécia, a partir da procissão dionisíaca, oriunda de uma parte profana chamada Komos, que
consistia em uma folia de dançarinos, cantores e mascarados, que conduziam o emblema fálico,
símbolo da fecundidade e dos prazeres sexuais. No entanto, sabe-se que manifestações
semelhantes a essas já aconteciam em outros povos, muito antes dos gregos se estabelecerem
como sociedade organizada e de suas práticas sociais conterem qualquer indicio daquela formação
cultural que viria a influenciar todo o pensamento das civilizações ocidentais até nossos dias.
No entanto, na Grécia Antiga, Dioniso era o deus-mor homenageado pelos dramaturgos
trágicos e cômicos. Por ter várias facetas – assim como um ator – era reconhecido sob diversos
nomes: deus Espírito da Primavera, o deus do Renascimento (“O Divino Rapaz” e “Brômio,
aquele do forte grito”), o deus Touro ou deus Bode, deus do poder intoxicador da procriação em
todas as coisas, deus da fertilidade e da transformação. Porém é como o deus do vinho – o mais
comum de seus títulos – que ele exprimia um dos aspectos simbólicos de sua divindade
embriagante.
Os rituais que encontramos na África, na Austrália, nos povos indígenas da América do
Sul, em sua maioria, tratam da negação à morte, “[...] trazendo de volta o falecido sobre forma de
espírito, e o rito do ancestral ou adoração do espírito converte-se em uma representação gráfica
dessa ressurreição.” (GRASSNER, 1991, p. 7). A vida e a morte dos deuses são os principais
temas das tragédias clássicas, que têm na forma de comédias o seu reflexo, como num espelho de
imagens in(di) vertidas.
Gêneros da poética teatral, a tragédia e a comédia se humanizaram e se afastaram do
culto religioso, assumindo cada uma, características próprias, independentes e opostas de retratar
a vida. Enquanto a tragédia é marcada pela morte, a dor, o desespero e o sacrifício das suas
personagens, a comédia mostra o inverso: a alegria de viver, o prazer, o riso, a esperança de um
final feliz.
A expressão “a comédia representa os homens piores que eles são” 7, foi enunciada na
Poética, de Aristóteles, quando o filosofo grego observou uma maneira de produzir comédia que
era recorrente em sua época. Alguns teóricos equivocadamente pegaram a expressão aristotélica
ao “pé da letra” e a tomaram como dogma, como principio para suas reflexões sobre o risível,
gerando diversos preconceitos críticos relativos a concepções artísticas dessa atividade teatral.
7
A comédia, como dissemos, é imitação de pessoas inferiores; não, porém, com relação a todo vício, mas sim por ser
o cômico uma espécie de feio. A comicidade, com efeito, é um defeito e uma feiúra sem dor nem destruição; um
exemplo óbvio é a máscara cômica, feia e contorcida, mas sem expressão de dor. (ARISTOTELES, 1995, p. 23-24).
20

A Poética se apresenta como um sistema teórico-estético que possui suas


próprias leis internas, regido, à semelhança do modelo artístico que prescreve,
por critérios de lógica e necessidade; nesse contexto, qualquer pressuposto de
inferioridade da mimese cômica estaria em desacordo com outros pontos dessa
configuração dramatúrgica. (MENDES, 2006, p. 81 ).
Bergson (2004) aproveita-se desse princípio relativo à comicidade, para afirmar que o
riso castiga os costumes, como se fosse um trote social. Na perspectiva bergsoniana, o risível se
estabelece quando se percebe, através de sua elaboração, a rigidez dos valores da sociedade,
lançando à luz certas atitudes que são condenáveis do ponto de vista moral. Nessa abordagem, a
comédia assume um fim superior por sua pedagogia punitiva: castigat ridendo mores.
Nos últimos 25 séculos, muitos dos filósofos ocidentais refletiram sobre o risível e suas
conseqüências, algumas dessas reflexões eram bastante divergentes de Aristóteles. Há, portanto,
as mais diversas maneiras ideológicas de produzir a comicidade, nem sempre o de zombaria ou
escárnio, que é o “rir de” alguma coisa, de alguém, considerado pelos autores como risível
degradante ou de derrisão.
Em sua estrutura, os códigos de conduta social polarizam-se assimetricamente para o
lado austero, rígido, formal, hierarquizado, autoritário, discriminatório, enfim, oficializam e
sacralizam como válida a visão séria da vida. A postura espontânea, autêntica, informal,
descontraída, jocosa, risível só é aceitável nos momentos lúdicos, festivos. Fora isso, o risível é
rejeitado, condenado e banido do convívio social institucionalizado, como se ele não abrisse
possibilidades para uma perspectiva diferenciada e verdadeira do mundo.
Para o teórico Mikhail Bakthin (1895-1975), Bergson elabora uma abordagem
polarizada e negativa sobre o risível. Enquanto Bakthin (op. cit.), quando estuda a cultura popular
da Idade Média e do Renascimento, trata o risível numa perspectiva ambivalente. Nessa
perspectiva, a ambivalência é o reconhecimento fundamental de que não somos uma coisa só.
No enfoque bakthiniano, ao mesmo tempo em que o riso castiga os costumes, também
redime o objeto do qual se ri. É o “riso com”, do mundo carnavalizado das tradições populares,
das feiras e praças públicas. É a plena aceitação das diferenças e recusa à polarização unilateral do
sério. Sem leis nem regras de conduta, cujo lema é “faze o que quiseres”, nesse mundo utópico, e
da desterritorialização das permissividades, existe uma sociedade vivendo numa estrutura
autogestora, diferente de outras utopias em que as liberdades são relativizadas. Através do risível
popular, cria-se um mundo renovado, totalmente livre, exagerado, dinâmico, vivo e alegre, cujas
mazelas são coisas naturais da vida, e não acidentes trágicos O que é elevado, é rebaixado: os
21

sabichões são ludibriados pelos bobos; os homens são mandados por suas mulheres; enfim, o
sacralizado torna-se profano. O riso assume um pacto com o diabo.
Os estudos do teórico russo constaram que, na Idade Média, o tom sério das instituições
oficiais afirmou-se como única forma que permitia expressar a verdade, o bem e, de maneira
geral, tudo que era importante e considerável. O medo, a veneração, a docilidade constituíam por
vez os tons e matizes dessa seriedade.
Nesse contexto, o risível se estabelecia como uma solução simbólica para a assimetria do
mundo sério. Ele era burlador, irreverente, libertário. Era por seu caráter transgressor que ele
invertia a realidade oficial, quebrava as relações de hierarquia entre dominante e dominado,
desconstruía esta realidade e reconstruía outra paralela, paródica, codificada por aquilo que a
sociedade oficial não admitia e condenava (o absurdo, o ridículo, o grotesco), porque com o
risível os ritos eram dessacralizados e os mitos, destronizados.
O lúdico é a chave ou raiz cultural para a decodificação dessa realidade invertida. Para
Huizinga (1971, p. 11), “[...] as grandes atividades originais da espécie humana são todas
entremeadas com o lúdico.”
Podemos encontrar a raiz desse riso carnavalizado no homem primitivo, que “[...] era
um mimo acabado, uma criatura dada às práticas lúdicas.” (GRASSNER, 1991, p. 4). Os mimos e
as pantomimas são as formas elementares da expressão corporal, de onde derivaram todas as artes
cênicas. As primeiras pantomimas eram uma espécie de dança que imitava os animais no
caminhar, na forma de caçar uma presa ou na fuga de um predador. Dançava-se também para
evocar as forças benignas da natureza ou para repelir as hostis.
As pantomimas fálicas, representando a fertilidade da natureza, ganharam espaço em
todas as sociedades tradicionais. A função geradora do riso favorece que os rituais agrícolas
adotem o falo como o símbolo e dele derivem todo o princípio do baixo corporal adotado nas
tradições cômicas populares.
A natureza mágica de fazer rir também aparece nas sociedades arcaicas, produzindo o
aniquilamento do medo. Essas sociedades tradicionais temem a transgressão, por acreditar que
esta perturba a ordem e faz retornar o caos. Como solução simbólica a esse temor, elas criam
dispositivos de modo a provocar a transgressão. (BALANDIER, 1997, p. 49). Tais realizações
aconteciam pelas performances dos clowns ou bufões primitivos, “[...] símbolo do caos e da
dispersão operados pela dispersão grotesca da potência sagrada.” (MACEDO, 2000, p. 36).
A transformação, a imitação, o deixar-se passar por outro, enfim, a representação, estas
são ações inerentes ao teatro e a qualquer manifestação ritualística: o feiticeiro se passa por onça,
22

símbolo da morte, dançando ao redor do fogo, afasta os maus espíritos; o ator se passa por
palhaço, por deus e por diabo.
É pela capacidade que o homem tem de imitação, que muitos aspectos da vida são mais
ou menos invariantes e universais. Se tivéssemos a possibilidade de discriminar cada um dos nossos
gestos, que são comuns aos nossos antepassados mais próximos (pais, avós e tataravôs), e
continuarmos rastreando-os nos ancestrais cada vez mais remotos, com certeza ficaríamos
surpresos pois, ao chegar ao homem primevo, constataríamos que alguns dos gestos identificados
em nós não passam da imitação de um animal ou de um fenômeno da natureza.
Freqüentemente, encontramos manifestações culturais em que os animais são
humanizados ou que os homens são transformados em animais em contato permanente com a
natureza. Muitas das representações dos deuses e faraós do Antigo Egito eram zoomorfizadas, com
corpo de leão ou cabeça de chacal.
Mas esta não é uma exclusividade da religião egípcia. Encontramos representações
zoormórficas em outras religiões e nas mitologias. Na Grécia, estão as esfinges e os sátiros. Na
própria religião cristã, os anjos são concebidos como entidades aladas, e a imagem do diabo
aparece como uma deformação do sátiro, possuindo rabo e chifres. Três dos evangelistas têm
emblemas de animais: São Lucas, o boi; São Marcos, o leão, e São João, a águia. O Cristo aparece
simbolicamente como cordeiro de Deus, ou como peixe.
A comicidade das civilizações primeiras apresentava uma conotação diferente da que foi
concebida nas sociedades posteriores. O homem, o outro e a natureza eram uma só coisa. A
relação com sagrado tinha a intenção integradora e não de separação. Isso nos faz acreditar que nas
sociedades arcaicas o paralelismo, necessário à paródia, não seria compreendido.
A mentalidade primeva só concebe a si mesma como parte de um todo
cósmico em que as forças sobrenaturais atuam de forma favorável ou
desfavorável nos desígnios da natureza. Tais forças são, para o homem
primevo, o princípio e a gênese de todas as coisas, inclusive ele mesmo.
(SANTOS, 2001, p. 51).
O bufão – alguns atribuem tal palavra à bufa ou ao flato – é o tipo risível que mais se
aproxima da natureza e da espontaneidade animalesca. O bufão aparece nas sociedades de todas as
épocas. A comicidade do bufão é livre de fronteira, é imoderada e exagerada. É o cômico das
praças públicas, das festas e das diversões populares. O risível da abundância, das comilanças e
bebedeiras, dos xingamentos e das permissividades sexuais.
Esse é o risível universal, pois liga o homem às suas necessidades fisiológicas primeiras:
comer, beber, defecar, urinar e copular. A intimidade, a quebra de formalismos propiciada por
23

essa comicidade, acontecem também na quebra da linguagem, permitindo uma aproximação


maior, tanto em contato físico, como verbal.
O bufão é o agente primordial da burla. A burla é portadora da mentira, do engodo, do
disfarce, algumas vezes, do grotesco e do fazer o outro de bobo. Nela estão contidos os embriões
da maioria das comédias. Ele é o cômico da alternância e do convívio com os paradoxos da vida.
Sua fala, como a de um louco, é ao mesmo tempo proibida e ouvida. “Ele destoa onde estiver: na
corte, é plebeu; entre os doutos, dissolutos; em meio a soldados, poltrão; entre estetas, glutão;
entre preciosos, grosseiros.” (PAVIS, 1999, p. 35).
Derivada desses existe uma galeria de “malandros astuciosos” que faz parte da camada
inferior da sociedade. Entretanto, eles mantêm uma relação de serventia constante com os
poderosos (padres, políticos, burgueses, entre outros). Mas sempre que surge uma oportunidade,
procuram tirar proveito da situação. Em todas as épocas e lugares este tipo esteve presente nas
mais variadas culturas, apresentando-se com diferentes denominações, conservando, contudo,
certos traços básicos, a estrutura típica do seu caráter, como os Tricksters, os Zanis, os Pícaros, os
Quengos ou os Amarelos 8:
O Trickster, como é chamado pelos mitólogos anglo-saxões, é uma espécie de bufão
cerimonial que representa o ancestral mais acabado de toda uma “dinastia de malandros
astuciosos”, a partir do qual originaram os escravos ladinos, Lazzarillo de Tormes, Pedro
Undemales e os brasileiros Pedro Malasarte, João Grilo e Cancão de Fogo. Ao Trickster tudo é
permitido, embaralha-se, perde força, sem maiores explicações. Esse tipo é entendido por
Georges Balandier (1997, p. 47), como personagem síntese de:
[...] herói transformador, divino em certo sentido, às vezes grotesco, sempre
fugidio, poderosamente sexuado, ignorante da separação do bem e do mal,
metido em aventuras cheio de astúcias e esperteza. Uma figura corporalmente
mal identificada e sexualmente selvagem, que subverte imaginariamente todas
as ordens.

8
TRICKSTERS: seres mitológicos lendários e, às vezes, divinos e profanos. Praticam a astúcia pela astúcia, lúdica e
gratuitamente. Dialogam com a ordem e a desordem, oscilam entre o lícito e o ilícito. Vêem o mundo em termos de
soluções pessoais e intuitivas (ex.: os sátiros, Saci-pererê); ZANNIS: surgem nas farsas italianas. Servos esfomeados,
sem padrões definidos. São espertos e maliciosos, ou bonachões e estúpidos e, em ambos e os casos, glutões. Os
sucessores de Zanni constituem algumas personagens da Commedia Dell’ Arte: Briguella, Arlecchino, Tufaldino,
Tivellino, Coviello Mezzetino, Fritellino e Pedrolino; PÍCAROS: aparecem nas novelas e aventuras espanholas do
século XVI e XVII. Nome aludido aos soldados que regressaram da Picardia, durante as guerras de flandres. É um tipo
sem ofício determinado, que vive de modo irregular e vagabundo, mas apresenta-se mais freqüentemente como
criado. Na maioria das vezes, está acompanhado de um amigo de extrema confiança que um completa o outro nas
características picarescas. No pícaro retrata a miséria de uma sociedade, mas que ele sabe tirar proveito pela astúcia e
rapidez de raciocínio (ex.: Lazarillo de Tormes, Gusmán de Alfarrache, Dom Quixote e Sancho Pança); QUENGOS
ou AMARELOS: encontram-se na literatura de cordel nordestina. Astuciosos, inteligentes, presepeiros (ex.: Pedro
Malasartes, João Grilo e Cancão de Fogo). “São amáveis, risonhos, simpáticos, burladores, sofre a causalidade externa
e vivem ao sabor da sorte da sina.” (VASSALO, 1998, p. 268).
24

Do Trickster advém o riso que penetrou na literatura ocidental através de Epicarmo de


Mégara, na Sicília (por volta de 500 a.C.), com “cenas bonachonas e de comicidade grosseira”, em
que se estabeleceu uma variada escala de personagens – os fanfarrões e aduladores, parasitas e
alcoviteiras, bêbados e maridos enganados. Dessas cenas improvisadas sobrevieram os escravos
ladinos de Menandro e reproduzidos por Plauto; inspiração para os contos do Decameron, de
Boccacio; as aventuras do Asno de Ouro, de Apuleio. São também elas fontes arquetípicas das farsas
medievais, das aventuras picarescas espanholas e dos Zannis da Commedia Dell’ Arte italiana e
modelo para os tipos cômicos de Shakespeare, Molière e Rabelais, este último sendo o
representante literário mais significativo desse riso.
Com o tempo, o riso oriundo da Idade Média, com uma concepção do mundo de forma
criadora, positiva e ambivalente, transforma-se em algo particular, abstrato e degenerador. As
comédias, entre os séculos XVII e XVIII, são classificadas como gênero menor dentro das
produções artísticas. O que realmente se poderia falar do mundo era o que este tinha de sério.
Dentre os códigos sociais de nossa sociedade, existem aqueles criados para limitar ou
impor postura, comportamento e as atitudes. Praticamente não há mais gestos que não tenham
sofrido interferência cultural: a forma como andamos, como sentamos, como ficamos de pé,
como falamos, como olhamos, como rimos. Quando uma pessoa hoje dá uma gargalhada, muitos
a olham discriminatoriamente, se a situação não é adequada, se o lugar não é adequado, se ela está
fora do código. Esses códigos, criados culturalmente, passam a ditar normas de conduta que nos
parecem naturais. No entanto, os códigos têm sua vinculação com o tempo que pode permanecer
válidos por alguns dias ou vários séculos.
O pensador russo Vladimir Propp (1976), depois de examinar numerosos e variados
exemplos de comicidade na literatura, no jornalismo, no teatro, no cinema, no circo e na vida
diária, relaciona à moral, ao estranhamento, a causa do riso:
Os habitantes de uma cidade, de um lugarejo, de uma aldeia, até mesmo os
alunos de uma classe possuem algum código não escrito que abarca tanto os
ideais morais como os exteriores e os quais todos seguem espontaneamente. A
transgressão deste código não escrito é ao mesmo tempo a transgressão de
certos ideais coletivos ou normas de vida, ou seja, é percebida como defeito, e
a descoberta dele, como também nos outros casos, suscita o riso. (PROPP,
1976, p. 59).
Percebe-se assim, que algumas teorias sobre a comicidade se detêm em particularidades,
tirando daí, conclusões generalizantes. Acredito que devido ao caráter “movediço e escorregadio”
25

da comicidade, qualquer teoria que procure explicar as causas de seu riso é limitante, já que dá
margem a exemplos que se opõem e extrapolam às suas premissas.
Então, o mais aconselhável é compreender como os autores articulam e constroem os
seus modelos sobre o risível e não adotá-los como leis definitivas, mas identificar nesses modelos
os mecanismos possíveis de serem reproduzidos em certas circunstâncias, para se obter o efeito
desejado na realização de cenas cômicas.

O riso de Bérgson

Apesar das críticas a Bergson, existem aqueles, como o dramaturgo paraibano Ariano
Suassuna (2008, p. 151), que defendem a teoria do filósofo francês como a “[...] mais completa e
engenhosa até hoje surgida para tentar esclarecer o que seja o risível.” O próprio Suassuna (op.
cit.) utilizou de alguns mecanismos sugeridos por Bergson na elaboração de muitas de suas
famosas comédias. O dramaturgo acredita que o ensaio de Bergson é uma referência
imprescindível para compreensão do risível:
De qualquer modo, porém, a teoria bergsoniana sobre o risível foi, talvez, a
que maior número de esclarecimentos trouxe, até hoje, sobre o assunto. E
sejam quais forem as críticas que a ela se dirijam, ninguém pode ficar alheio a
seu encanto, à sua cortante clareza, que tornam o ensaio de Bergson um
clássico da Filosofia do nosso tempo. (Ibid., p. 171).
Ao publicar o seu ensaio sobre o riso, Henri Bergson já havia lançado Ensaios sobre os
dados imediatos da consciência (1889) e Matéria e memória (1896), duas de suas obras em que estão
contidos alguns dos principais conceitos de seu projeto filosófico: intuição, duração e memória.
Outro conceito, o impulso vital, de suma importância para compreensão da filosofia de Bergson, só
viria a ser apresentado alguns anos mais tarde em sua obra prima: A evolução criadora (1907), que
lhe valeu o Prêmio Nobel de Literatura.
Mesmo tratando-se de uma das obras iniciais do filósofo, o ensaio sobre a comicidade
contém, tanto no seu desenvolvimento metodológico, como na sua abordagem, os principais
conceitos que permearam as suas teses.
Bergson criticava o racionalismo e o empirismo dos métodos científicos. E a intuição
para ele era, antes de tudo, um método de se conhecer a realidade. Método que ele desenvolveu e
aplicou de forma criativa, original e revolucionária, trazendo para o pensamento moderno uma
abordagem inovadora de se validar a filosofia, as ciências em geral, além de revelar através deste,
um modo bem particular de encarar a vida.
26

A intuição como método rejeita o racionalismo científico no seu esforço intelectual para
se conhecer a realidade. Os métodos científicos partem de pressupostos na elaboração de suas
questões e através deles deseja-se chegar a fórmulas generalizantes e fechadas. O método
científico apresenta erros já na elaboração de seus problemas, pois tenta conhecer a realidade
através de aferições quantitativas, avaliando apenas as mudanças de grau das coisas no espaço,
como se os dados observáveis não mudassem a cada instante em qualidade, em natureza.
Com o método da intuição, Bergson pretendia conhecer as coisas em si, no seu
momento atual, nas suas diferenças de natureza, para que fosse possível eliminar os falsos
problemas. Estas diferenças são percebidas pela duração das coisas, que é a própria mudança de
qualidade. Os dados imediatos captados pela intuição na sua duração são apreendidos por meio das
lembranças do passado que são constantemente atualizadas no presente pela memória. A contínua
movimentação do pressente estendido ao passado e comprimido no futuro, num fluxo, num
pulsar, numa contínua evolução criadora da vida, realiza-se pelo impulso vital.
Um dos pontos-chave da filosofia de Bergson, que interessa para se entender como ele
analisa o cômico, é a sua idéia de memória e atualização do passado. A memória não reside no ser,
na matéria, mas ela é fruto de um exercício criativo e contínuo de atualização, de mudanças de
qualidades. A vida se realiza através dessas atualizações.
Sem o passado atualizado no presente, não há diferenças qualitativas, não há diferença de
natureza, não há compreensão da realidade, nada flui, tudo permanece imutável, inerte; até a
vida. O impulso vital, portanto, é a “força motriz” que leva as coisas a mudarem, a se atualizarem,
é a própria duração, o movimento contínuo, sua constante realização. O impulso vital é este
movimento de diferenciação e acúmulo do passado e presente, rumo ao futuro. É a mudança
incessante de natureza, que atua na duração e retorna pela lembrança através da memória, que é o
exercício natural da vida.
A nossa percepção contém uma inércia, entre o passado e o presente próximos. O
passado dura um tempo para se tornar presente. Ou seja, a duração é este tempo distendido entre
o antes e o agora. Esta percepção ainda é mais lenta quando acontece internamente: mudanças de
sensações, de afeto, como do estado sério para o risível.
Dificilmente percebemos nosso estado antes do riso. Quando percebemos a transição,
ela já ocorreu. E quanto menos consciente é a percepção desta transição, maior é a sua intensidade
e eficácia. Neste sentido, um dos mecanismos de produção da comicidade é justamente o desvio
da rigidez do pensamento. Está na percepção de que algo mudou. Nesse instante imediato, o
estranhamento se estabelece, pela surpresa, o indivíduo se dá conta do sono de uma realidade:
parecia que ele estava em vigília, mas o risível o acorda e ele se percebe dormindo.
27

“Na prática, percebemos apenas o passado, sendo o presente puro o inapreensível


avanço do passado roendo o porvir.” (BERGSON, 2006, p. 90). Em outras palavras, não existe o
aqui e agora, pois quando percebido já é passado. O que se deseja é o expectador sempre a um
passo atrás da cena. Embora que nada o impeça de fazer projeções.
Na cena cômica, os atores devem estar sempre à frente das projeções do espectador,
para que o novo fortaleça o riso. Por outro lado, uma cena conhecida não deixa de ser risível
somente por já se saber o seu desfecho.
O corpo, “este grande esquecido”, é nossa primeira mídia 9, tem participação primordial
na conservação, criação e transmissão da memória: mas, a memória não está em um local
determinado do ser, na matéria física “O lugar da memória é no social” 10. É nela, na memória, que
o indivíduo (res) guarda todas as suas emoções do passado, realizada pelo processo seletivo da
necessidade, num exercício criativo e contínuo de atualizações e que entra em contato com a vida
atual, retomado pela lembrança.
O que mais temos como certeza de existência é a nossa própria. E a percebemos através
do corpo, nas suas mudanças de estados. Percebemos uma mudança ininterrupta em nosso ser. É
através do corpo, que percebo a existência. E o corpo, sem intermediário, que me faz perceber
algo que está no mundo, que sou eu mesmo. Ao contrário de René Descartes, digo: EXISTO,
LOGO PENSO! Pois a existência das coisas antecede o pensamento e dele prescinde. O que
existe está lá no mundo, bem antes que eu, ou algum outro tome conhecimento, dê algum
sentido. E meu corpo existe antes que eu o perceba. No entanto, é ele, ou através dele que me
percebo, e que me faz perceber a existência das outras coisas.
Os outros corpos refletem em mim, as imagens que meu corpo produz. Isto significa
dizer que a relação do meu corpo com os outros corpos, modifica a mim e aos outros corpos.
Como artista, desejo uma modificação consciente, sugerida e induzida.
A memória pode trazer ao momento presente, as sensações já vividas. E o risível dos
novos corpos presentes, também pode revigorar o riso do passado. O que se percebe como fixo,
no tempo e espaço, é apenas uma articulação do pensamento, em busca de um reconhecimento,
de um sentido, de uma identificação. Não existe, no entanto, um tempo divisível no antes e
depois o tempo percebido é duração, não se percebe a sua mobilidade e a sua indivisibilidade.
Bergson (2004) escreve o ensaio sobre o riso em três capítulos: 1) da comicidade em
geral/ a comicidade das formas e a comicidade dos movimentos/ a força de expansão da

9
Para H. Pross, toda comunicação começa no corpo e termina no corpo e, portanto, o corpo é mídia primária
(BAITELLO, Notas de sala de aula, 11/10/01).
10
BAITELLO, notas de sala de aula, 22/08/2001.
28

comicidade; 2) a comicidade de situações e a comicidade de palavras; 3) a comicidade de caráter.


Esses três capítulos apresentam aspectos do risível sempre pautados no princípio do mecânico
colado no vivo.
Mesmo com todas as restrições, a abordagem de Bergson tem uma lucidez e uma
sistematização objetiva que, embora não solucionando todas as questões do risível, pode, em
muitos casos, ser eficientemente adotadas na cena cômica.
O meu interesse concentra-se nas personagens, nas situações e nas palavras que muitas
vezes estão de tal forma amalgamadas entre si, que se torna difícil ressaltar qual desses elementos
motivou o riso. No entanto, por questões metodológicas, tratarei separadamente, na perspectiva
bergsoniana, cada um desses três elementos de composição da cena cômica.
As personagens
Quando rimos da natureza é porque ela nos apresenta formas que lembram o humano,
nos fala Bergson (2004). Uma nuvem em formato de rosto é risível. Um macaco vestido de gente
é risível, como é risível um cabide transformado em homem. Um papagaio nos faz rir porque ele
imita a fala humana.

Figura 1 – Cartum de Klevison Viana I (MATOS,


2000, p. 2003).
Qualquer pessoa recusa-se a ser tratada ou a se assemelhar a um animal. Existe um
esforço constante em se distanciar os comportamentos dos homens dos animais tidos como
inferiores. No entanto, os animais só nos parecem ridículos quando nos lembram os gestos dos
seres humanos.
As representações em que a natureza se mostra humanizada, quase sempre, têm um
caráter de inversão ou rebaixamento, ou mesmo de absurdo. O risível pode ser reforçado quando
vestimos os animais e as coisas como os humanos e também no caso do adestramento, em que os
animais são apresentados executando diversas atividades, como se possuíssem certo raciocínio e
habilidades semelhantes aos humanos.
Os preconceitos físicos e morais são geralmente atribuídos ao caráter animalesco: o
guloso é chamado de porco; a pessoa maldosa é uma víbora ou uma cobra; o negro é o urubu ou o
29

macaco; a mulher é tratada por vaca, cachorra ou galinha. Existem os narizes de papagaios, os
olhos de coruja, os queixos de jacaré, os cabelos de porco-espinho. Os lerdos são chamados de
tartaruga, os ignorantes de cavalo, os raivosos se comportam como um leão.
Já nos nomes próprios atribuídos às personagens, o risível está no incomum e
inconsistente, refletindo no nome o aspecto físico, o caráter vicioso ou virtuoso em excesso da
personagem. O risível está no exagero do que há de negativo no caráter. Mas este exagero não
pode ser tanto que cause algum sentimento de repulsa ou compaixão, pois não suscita o prazer do
riso.
Como já foi dito, para Bergson (2004), “o riso é incompatível com a emoção”. Isto
significa dizer que quem ri de alguém, ri porque não tem nenhuma identificação emotiva com
aquele que o induziu ao riso. Para se perceber o cômico nos personagens, é necessário um relativo
distanciamento. É através deste distanciamento que julgamos as pessoas, tiramos conclusões sobre
o seu caráter e condenamos o seu comportamento. O riso surge como uma desaprovação
inconsciente do modo de ser da pessoa, cujo tipo físico se choca com sua suposta moral. O
confronto entre o aspecto físico e o espírito causa o riso: “O riso castiga certos defeitos mais ou
menos como a doença castiga certos excessos, atingindo inocentes, poupando culpados, visando a
um resultado geral sem poder fazer a cada caso individual o favor de examiná-lo separadamente.”
(BERGSON, 2004, p. 147).
Portanto, “[...] o riso é verdadeiramente uma espécie de trote social, sempre um tanto
humilhante para quem é objeto dele.” (Ibid., p. 71). O riso ridiculariza o indivíduo e, quanto mais
seus defeitos morais são expostos, mais se tornará ridículo.
Mas não é somente o caráter moral das pessoas que desperta o riso, pois o modo com
que o indivíduo se relaciona com seu meio social pode se tornar risível. O tipo tímido é muitas
vezes utilizado pelos humoristas para suscitar o riso. O que o torna risível está na sua
insociabilidade, conforme explica Bergson (op. cit., p. 104): “Quem quer que se isole expõe-se ao
ridículo, porque a comicidade é feita, em grande parte, desse isolamento. Assim se explica por
que a comicidade é tão freqüentemente relativa aos costumes, às idéias – aos preconceitos de uma
sociedade, para darmos nomes às coisas.”
E conclui dizendo que: “[...] rigidez, automatismo, distração, insociabilidade, tudo isso
se interpenetra, e em tudo isso consiste a comicidade de caráter.”. (BERGSON, 2004, p. 110).
Se o riso exige um distanciamento e uma momentânea anestesia dos sentimentos, por
que rimos das deformidades do corpo: gordos, doentes mentais, anões e outras mazelas físicas?
Para Bergson (op. cit., p. 110), “[...] as diferenças individuais são ridículas quando percebidas
como deformidades que transgridem a harmonia da natureza.”
30

Figura 7 – Cartum de Klevison Vianna II (MATOS, 2000, p. 173).


Quando rimos de um defeito físico é como se estivéssemos punindo o defeituoso por ele
ter ofendido o estado normal das coisas. Punimos com o riso, o escárnio, a agressão que
acreditamos que a não conformidade física provoca. É como se o defeito físico fosse transferido
para um defeito social.
Automatismo, rigidez, o vezo contraído e mantido: aí está por que uma
fisionomia nos faz rir. Mas esse efeito ganha intensidade quando podemos
vincular tais características a uma causa profunda, a certa distração
fundamental da pessoa, como se a alma se tivesse deixado fascinar, hipnotizar,
pela materialidade de uma ação simples. (BERGSON, 2004, p. 18).
Os personagens cômicos estão em todas as partes. No fundo todos nós somos um tipo
cômico, basta que identifiquemos no comportamento aquilo que muitas vezes temos de obsessivo.
Os tipos cômicos podem ser identificados nas mais diversas culturas. E podem transitar no espaço
e no tempo que não perdem o seu efeito cômico.
Em resumo, seja qual for a doutrina a qual nossa razão adira, nossa imaginação
tem sua filosofia inabalável: em toda forma humana ela percebe o esforço de
uma alma a modelar a matéria, a alma infinitamente maleável, eternamente
móvel, livre da gravidade porque não é a terra que atrai. De sua leveza alada
essa alma comunica alguma coisa ao corpo que anima: a imaterialidade que
passa assim para a matéria é aquilo a que se dá o nome de graça. Mas a matéria
resiste e obstina-se. Puxa tudo para si, gostaria de converter a sua própria
inércia e fazer degenerar em automatismo a atividade sempre desperta desse
princípio superior. Gostaria de fixar os movimentos inteligentemente variados
do corpo em vezos estupidamente incorporados, solidificar em esgares
duradouros as expressões móveis da fisionomia, imprimir enfim a toda a
pessoa uma atitude tal que faça parecer imersa e absorvida na materialidade de
31

alguma ocupação mecânica, em vez de se renovar incessantemente em contato


com um ideal vivo. Quando a matéria consegue expressar assim
exteriormente a vida da alma, congelar seu movimento e contrariar sua graça
obtém um efeito cômico do corpo. Se, pois, quiséssemos definir comicidade
aproximando-a de seu contrário, caberia opô-la a graça, mais do que a beleza.
E mais rigidez que fealdade. (Ibid., p. 21).
Para parecer cômico, é preciso que o exagero nos tipos não pareça ser o objetivo, mas
um simples meio de que se vale o cômico para tornar perceptível aos nossos olhos características
risíveis que estão escondidas no meio do comportamento de todo ser humano.
As situações
É nas situações que Bergson (2004) melhor desenvolve suas teorias sobre o riso e a
comicidade. Qualquer elemento do risível está inserido em uma situação cômica. A situação não é
cômica por si. De acordo com Bergson (op. cit., p. 101), “[...] para que uma coisa seja cômica, é
preciso que entre o efeito e a causa haja uma desarmonia.”
Quando uma norma é ridicularizada, as pessoas que acreditam nela se sentem ofendidas
e não riem e as outras que nem percebiam como estas normas pertenciam a elas terminam rindo.
Sendo assim, uma situação bastante utilizada nos quadros cômicos é o de fazer o outro de bobo ou
ridicularizá-lo. Quanto mais condenável for o caráter do ridicularizado, mais engraçada será a
ação, pois o riso deseja punir o ato moral. Bergson (op. cit., p. 57) compara esta situação com os
fantoches a cordões em que suas ações são manipuladas por outras, da seguinte forma:
[...] inúmeras são as cenas de comédia em que uma personagem acredita estar
falando e agindo livremente, personagem que, por conseguinte, conserva o
essencial da vida, mas que, vista de um lado, aparece como simples joguete nas
mãos de outra, que com isso se diverte.
O riso provocado pelas situações cômicas é um reflexo das sensações que tivemos na
infância, quando nos divertíamos com os brinquedos infantis: “[...] não pode haver solução de
continuidade entre o prazer da brincadeira, na criança, e o mesmo prazer no homem.” (Ibid., p.
50) Neste aspecto, o pensamento de Bergson parece coincidir com teoria freudiana dos recalques
da infância refletidos na vida adulta: “[...] nada é tão difícil para o homem que abdicar de um
prazer que já experimentou.” (FREUD, 1992, p. 422).
Se a criança ao brincar leva a sério, isto não implica que não se divirta não se
descontraia, não ria. Ela está sempre ligando essas brincadeiras a objetos tangíveis, à realidade. No
entanto, na fase adulta, a pessoa abandona os brinquedos de sua atividade social. No momento que
o adulto percebe na vida uma relação com as brincadeiras infantis, ele estranha e, logo em seguida,
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lembra de como se divertia com os seus brinquedos. Então, libera-se da carga imposta pela
sociedade e se deixa dominar pelo riso.
Do adulto, espera-se que não brinque, pois isto quebra a lógica da vida, é uma inversão
dos desejos na evolução do tempo. O adulto é recriminado por ser infantil. Seu tempo de
brincadeira já passou. A realidade é outra. A realidade da vida adulta é a da seriedade, da rigidez,
dissociada das brincadeiras infantis. É vergonhoso, portanto, comporta-se infantilmente quando se
é adulto, foge às regras sociais e da natureza. De acordo com Freud (1992, p. 43), “[...] as forças
motivadoras das fantasias são os desejos insatisfeitos, e toda fantasia é a realização de um desejo,
uma correção da realidade insatisfatória.” Deste modo, o passado, o presente e o futuro estão
entrelaçados pelo fio do desejo, e ao rirmos estamos tentando sublimar este desejo.
Ao associarmos ou percebermos determinadas situações do cotidiano que nos remetam a
sensações das brincadeiras de crianças, reagimos com o riso. O estranhamento está em
percebermos que muitas das situações não correspondem à continuidade livre da vida, mas a uma
rigidez, a um automatismo e a uma mecanicidade própria dos brinquedos. “O mecanismo rígido
que surpreendemos vez por outra, como um intruso, na viva continuidade das coisas humanas,
tem para nós um interesse particular, por ser como uma distração da vida.” (BERGSON, 2004, p.
64).
Um gesto se transforma em um gesto social quando revela a relação entre os homens e a
sua sociedade. Assim, um gesto social pode se tornar risível quando rebaixa aquele que o
cometeu, retirando-lhe a dignidade, e alterando a polaridade de seu poder social ou lhe dando
autoridade que, em circunstâncias normais, não teria. Pode revelar a contradição, o contraste e o
estranhamento.
O estranhamento, em todas as épocas e lugares, derivado de aspectos da vida que fogem
à normalidade, às expectativas, tem sido, para muitos estudiosos, fonte principal do riso.
O desvio da vida, portanto, é o que nos causa o estranhamento, no que ele tem de
mecânico, automático, repetido, invertido e simultâneo, dando-nos a idéia de brinquedo. É pela
lembrança do passado, atualizada no presente, que as brincadeiras infantis suscitam as mesmas
sensações agradáveis, manifestadas pelo corpo, através do riso. O estranhamento acontece ao
percebermos que muitas das situações não correspondem à continuidade livre da vida, mas a uma
rigidez, a um automatismo e a uma mecanicidade própria dos brinquedos.
Bergson (2004) associa a lembrança dos mecanismos de funcionamento de três
brinquedos (o boneco de mola, a marionete e a bola de neve) à imagem que nos remete a maioria
das situações cômicas.
 O boneco de mola ou caixa de surpresas
33

A idéia que se abstrai do mecanismo deste brinquedo é a da oposição à ação de distensão


e compressão. A mola representa a rigidez, a inflexibilidade, a resistência as mudanças. É,
também, o esforço reprimido entre o desejo e a consciência moral; conflito entre duas obstinações
antagônicas que nos parecem mecânicas. “É o conflito de duas obstinações, das quais uma,
puramente mecânica, acaba ordinariamente por ceder a outra, que com isso se diverte.”
(BERGSON, 2004, p. 52).
São situações cômicas, como boneco de molas, aquelas que acontecem repetidas vezes,
contrárias a insistentes intenções de uma ou mais personagens. É a rigidez elevada ao extremo,
oscilando entre a vontade e a repressão que torna risível esta imagem mecânica da vida.

 A marionete
Este brinquedo dá a imagem de um boneco em que todas suas articulações estão presas
por cordas e seus movimentos estão controlados por um manipulador que determina as ações do
boneco. É, pois, na idéia de se estar dominado, ou conduzido, como um joguete na mão de outros
que se estabelecem as situações cômicas.
Toda a seriedade da vida advém de nossa liberdade. Os sentimentos
aprimoramos, as paixões que nutrimos as ações por nós deliberadas,
assentadas, executadas, enfim o que vem de nós e o que é só nosso, isso é o
que confere a vida seu aspecto às vezes dramático e geralmente grave. O que é
preciso para transformar tudo isso em comédia? É preciso imaginar que a
liberdade aparente a encobrir uma trama de cordões, e que somos neste
mundo, como diz o poeta, “pobres marionetes cujo fio está nas mãos da necessidade”.
(BERGSON, 2004, p. 58).
A farsa, a trapaça, fazer o outro de bobo são algumas das características representadas
nos mecanismos das marionetes. A maioria das piadas se estrutura a partir desse mecanismo, em
que, pelo menos um dos participantes da situação (personagens e/ou espectadores) é conduzido
por uma falsa “linha” de raciocínio, que se “quebra” no desfecho da piada.
O cordão que parece nos limitar nos prende aos devires, e tolhe a transformação natural
do mundo. Todos estes sentimentos vitais são ressaltados em comédia, quando mostramos que é
aparente a liberdade nas pessoas. Somos conduzidos por nossas paixões e sonhos, cujos cordões
estão nas mãos da necessidade, que nos prende como grilhões invisíveis. A representação
exagerada dos desejos mais recônditos da alma torna visíveis tais cordões, provocando assim o
riso.
As pessoas nascem, desenvolvem-se, adquirem hábitos, gestos impostos pelas regras de
conduta social. Elas se tornam escravas de suas expectativas, e quando estas são frustradas,
34

acontece o estranhamento que pode ocasionar as mais diversas reações, inclusive o riso. O corpo
se manifesta como resposta à incongruência entre a razão e o entendimento diante do risível. O
riso surge assim como a recuperação do prazer que se perdeu com a crítica.
 A bola de neve
Este caso representa a idéia da reação em cadeia, do efeito dominó. Pequenos incidentes
geram novos sempre crescentes em intensidade, com conseqüências muitas vezes desastrosas. As
comédias do Gordo e o Magro, por exemplo, estão recheadas de situações cômicas que, a partir de
coisas simples e banais, complicam-se e se avolumam como uma bola de neve, descendo
montanha abaixo.
Nesta imagem a vida parece se diferenciar em intensidade, em grau, o que caracteriza o
aspecto mecânico das ações. Deste modo, o riso se estabelece pelo desvio do curso natural da
vida, levando a compará-la a um brinquedo que parece se expandir, evoluir no espaço e no
tempo, até que o estranhamento da situação provoque uma explosão de risos.
A criança diverte-se vendo uma bola de boliche que, lançada contra baliza,
derruba tudo ao passar, multiplicando estragos; ri ainda mais quando a bola,
depois de girar, desviar e hesitar de todos os modos, volta ao ponto de
partida. Em outros termos, o mecanismo que descreviam há pouco é já
cômico quando retilíneo, porém mais ainda quando se torna circular, e os
esforços da personagem, por uma engrenagem fatal de causas e efeitos,
acabam por trazê-la pura e simplesmente de volta ao mesmo lugar.
(BERGSON, 2004, p. 61).
Para Bergson (op. cit.) o riso acontece quando temos a impressão que vida se desviou no
sentido de uma mecânica. A vida para o filósofo francês caminha sempre em frente diferenciando-
se em qualidade e quantidade, sempre obedecendo a certas flexibilidades, não havendo repetições
nem inversões, muito menos sobreposições de situações. A experiência vivida não é repetível, não
é documentada, não é transmitida. A experiência da vida acontece no seu momento presente.
A vida se nos apresenta como certa evolução no tempo e como certa
complicação no espaço. Considerada no tempo, ela é o progresso contínuo de
um ser que envelhece sem cessar. Isso equivale a dizer que ela nunca volta
atrás e não se repete jamais. Considerada no espaço, exibe nos elementos
coexistentes tão intimamente interligados, tão exclusivamente feitos um para
outros, que nenhum deles poderia pertencer ao mesmo tempo há dois
organismos diferentes: cada um ser vivo é um sistema fechado de fenômenos,
em capaz de interferir em outros sistemas. Mudança contínua de aspecto, e
diversa sensibilidade dos fenômenos, individualidade perfeita de uma série
35

fechada em si mesmo, eis as característica exteriores aparentes (reais ou


aparentes, pouco importa) que distingue o que é vivo do que é mecânico.
Façamos o caminho inverso: teremos três procedimentos que chamaremos, se
me permitirem, repetição, inversão, e interferência das séries. (Ibid., p. 66).
Por isso, não são os brinquedos em si que fazem rir, mas é pelas imagens de seus
mecanismos de funcionamento suscitadas nas situações como uma distração da vida, que acontece
o riso11. Estes mecanismos podem ser estruturados em três procedimentos de elaboração das
situações cômicas: repetição, inversão e interferência das séries.
 Repetição
De todos os procedimentos cômicos é o mais adotado e o que mais nos revela o mecânico
colado na vida. As repetições devem parecer as mais naturais possíveis e não exageradas em sua
quantidade. Praticamente todas as situações cômicas de repetição nos remetem à lembrança da
mecânica dos brinquedos de infância.
O vaudeville contemporâneo usa esse procedimento em todas as suas formas.
Uma das mais conhecidas consiste em fazer certo grupo de personagens
transitar, de ato em ato, pelos meios mais diversos, de tal maneira que, em
circunstâncias sempre novas, nasce uma mesma série de acontecimentos ou de
vicissitudes que se correspondam simetricamente. (BERGSON, 2004, p. 67).
As repetições podem se sofisticar quando acontecem não somente em graus, mas ao se
mudar a sua natureza, repetindo-se apenas uma idéia, por exemplo: um jantar de burgueses,
realizado com todas as formalidades e etiquetas próprias da classe. Em seguida, um jantar de
pobre, repetindo-se apenas as etiquetas e formalidades dos burgueses. A repetição pode acontecer
também em nível de desejos interrompidos sempre na iminência de sua realização.
 Inversão
Este processo caracteriza-se pela inversão do mundo oficial em que as relações
obedecem a certa hierarquia de dominante e dominado. As normas são quebradas de forma a
provocar o riso pelo procedimento de inversão de papéis sociais, o elevado é rebaixado, os
sabichões são ludibriados pelos bobos, levando a pior, e o dominador sendo dominado; os homens
são mandados por suas mulheres, enfim, o sacralizado torna-se profano.

11
“É cômica toda combinação de atos e de acontecimento que nos dê, inseridas uma na outra, a ilusão de vida e a
sensação nítida de um arranjo mecânico.” (BERGSON, 2004, p. 51).
36

 Interferência das séries


Bergson (2004, p. 71) apresenta este processo cômico da seguinte forma: “[...] uma
situação é sempre cômica quando pertencer ao mesmo tempo a duas séries de acontecimentos
absolutamente independentes e pode ser interpretada ao mesmo tempo em dois sentidos
diferentes.”
A primeira idéia que nos vem à mente é o qüiproquó, recurso cômico utilizado nas
comédias clássicas e nas farsas. O qüiproquó consiste em se ter duas ou mais situações
independentes em que os participantes de uma das situações ignoram completamente a outra. O
efeito cômico acontece quando os dois grupos das situações se juntam, ocorrendo equívocos, mal
entendidos, oscilando entre o sentido possível e o real, em que cada participante de uma dada
situação fala de aspectos inerentes de sua vivência e o outro acredita se está falando da dele.
É o qüiproquó, talvez, o procedimento mais simples e comum de se tornar perceptível
este processo cômico. No entanto, em nosso entender, a interferência das séries é um dos
recursos mais sofisticados adotados nas cenas cômicas contemporâneas, pois a interferência não se
limita apenas a atos e palavras que acontecem no cotidiano das personagens, mas como também a
séries que acontecem em épocas distintas que se juntam e se relacionam num mesmo ambiente;
misturando-se o virtual com o real; o sonho e a vigília se confundem na mesma cena; fragmentam-
se as situações, em todos os sentidos físicos; apresenta-se uma colagem de idéias dissociadas de
tempo e espaço; desconstroem-se os sentidos convencionais de arquitetura, transferindo o sentido
de nível físico e objetivo para nível psicológico e subjetivo.
Os processos cômicos anteriormente citados se caracterizam por uma ligação direta
entre causas e efeitos, isto é, existe neles uma identidade entre as situações por filiação em
evolução cronológica ou vinculadas por signos que invertiam ou subvertiam fenômenos sociais
oficializados, aceitos por uma cultura.
Na interferência das séries contemporânea o riso se estabelece por contágio de
referências, isto é: o fluxo dos acontecimentos é livre, importando apenas as associações de
sentidos a que ele remete. Percorre-se o território do irracional, do absurdo, do sonho numa rede
de infinitas derivações polifônicas e polissêmicas, encadeando episódios não lineares numa
estrutura hipertextual de justaposição de acontecimentos de tempos e espaços discrepantes.
37

Figura 19 – Cartum de Klevison Viana III Figura 20 – Cartum de Klevison Viana IV


(MATOS, 2000, p. 127). (MATOS, 2000, p. 182).
No entanto, o riso não acontece pelas inferências das séries em si. O risível se manifesta
quando nos remete ao aspecto do lúdico, da brincadeira dos jogos de armar, dos quebra-cabeças,
das palavras cruzadas que muito nos divertiam em nossa juventude. É, portanto, novamente a
infância resgatada por nossas lembranças que nos produz a mesma sensação risonha na
interferência das séries.
Portanto, na medida em que a vida nos parece desviar-se, tal qual um mecanismo que
se repete, que se inverte ou que se interpõe como peças de uma engrenagem, acontece o
estranhamento. E rimos disso tudo, quando nossas emoções estão anestesiadas para os atos
em si, mas nossos sentidos estão atentos para distração do automatismo dessas ações. Isto não
significa que haja uma reflexão comparativa – em alguns casos pode até haver –, mas sim, a
percepção de que algo na noção que temos de congruência da vida foi afetado, foi deformado.
As palavras
O caráter da personagem cômica não se revela apenas pelas suas ações, mas também
pelas suas palavras e das outras personagens. Dessa forma que a personagem é o que ela diz de si e
das outras personagens, o que essas outras dizem daquela e o que a personagem nega com
palavras, mas afirma com o corpo.
No entanto, pode-se fazer rir sem uma única palavra. Charles Chaplin, ainda hoje, com
seu personagem Carlitos e suas situações cômicas, consegue suscitar o riso, sem dizer uma única
palavra. Mas a palavra, quando bem elaborada, articulando com a sua estrutura de construção é
um dos elementos mais rico na construção do risível. Fazer rir com as palavras é uma das tarefas
mais difíceis para o comediante, pois ele necessita de certa argúcia e de um bom conhecimento
dos mecanismos da linguagem12.

12
A linguagem tratada neste tópico será aquela que tem uma relação direta com a palavra, escrita ou oral.
38

Com relação à audiência deste tipo de risível, exige-se grande atenção, rapidez de
raciocínio e alto grau de cognição, pois as palavras são voláteis, fixam-se menos na memória do
que as imagens físicas das personagens e das situações.
Com relação a isto, Bergson (2004, p. 83) acrescenta:
Mas, para que uma frase isolada seja cômica por si mesma, uma vez desligada
daquele que a pronuncia, não basta que seja uma frase pronta; é preciso
também que contenha em si um sinal no qual reconheçamos, sem hesitação
possível, que ela foi pronunciada automaticamente. E isso só pode acontecer
quando a frase encerra um absurdo manifesto, seja um erro grosseiro, seja,
sobretudo, uma contradição em termos.
Para que as palavras sejam risíveis, deve haver certo desvio de suas intenções. O que é
dito invariavelmente está carregado de um ou mais sentidos. O risível das palavras conduz a um
raciocínio que é quebrado com o inusitado. Este efeito é percebido com perfeição nas frases de
duplo sentido, que aproveitam apenas da diversidade de significados que uma palavra pode ter, em
sua passagem pelo sentido figurado.

Mas, o efeito cômico se realiza desde que nossa atenção se concentre na materialização
de uma metáfora. Por exemplo, quando se diz que todas as artes são irmãs, a palavra irmã está
expressando um sentido figurado que quer dizer que todas as artes são semelhantes. Mas o efeito
cômico se dá quando se diz: todas as artes são primas. Neste caso, houve uma materialidade da
frase, pois primas tem o sentido de parentes, menos usual neste tipo de expressão.

A dor de dente sempre dá na boquinha da noite!

Todas essas formas risíveis são divididas por Bergson (2004) em duas categorias: a dos
jogos de palavras, e as das transformações de palavras. E podem ser sistematizadas em
procedimentos análogos aos realizados para comicidade das situações: “A comicidade da linguagem
deve corresponder, tintim por tintim, à comicidade das ações e das situações, e que, se e nos for
permitido exprimirmos assim, ela não passa de sua projeção no plano das palavras.” (Ibid., p. 82).
Isto significa dizer que é possível obter a comicidade se uma determinada frase é dita em
um contexto e for repetida (repetição), dando um novo sentido, em contexto completamente
diferente, ou se depois de invertida (inversão) ainda continuar tendo sentido, ou mesmo se
exprimir dois sistemas de idéias de todo independentes (interferência das séries).
Assim, os jogos de palavras podem ter as mesmas características de inversões ou
interferência, encontradas nas situações.
39

Epitáfio de um músico

“Não tenha Dó. Apenas Ré Si por Mi”.

Enquanto que os deslocamentos, ou as transposições correspondem para as palavras o


mesmo que as repetições são para as situações.

Mãe falando do filho para o doutor:


– Ele está com lombriga porque come barro.
O doutor:
– Ele come barro porque está com lombriga.

Assim, uma frase se tornará cômica se ainda vier no mesmo sentido, mesmo invertida,
ou se exprimir indiferentemente dois sistemas de idéias totalmente diferentes, ou se obtivermos
transpondo a idéia a uma tonalidade que não é a sua.

Meu Deus, se Maria concebeu sem pecar, faça que


eu possa pecar sem conceber!

Bergson (2004) distingue a comicidade que a palavra exprime do que a palavra cria. A
primeira, o que a palavra exprime, tem uma relação com a semântica, que muda quando mudam a
época, a sociedade e os costumes, enfim, o contexto.

Um sujeito entra num bar abraçado a dois mulherões.


– Me vê duas cocas.
– Família? – pergunta o balconista.
– Não. São prostitutas mesmo, mas estão morrendo de sede.

A segunda, o que a palavra cria, está atrelada à estrutura fonética, morfológica e sintática
da palavra, cuja dificuldade está em manter o efeito cômico na tradução de uma língua para outra.

A madre-superiora, no colégio de freiras, conversa com as alunas sobre suas ambições


para o futuro.
– E você, Catarina, o que você quer ser quando crescer?
– Eu quero ser prostituta, madre.
– Você quer ser o quê? Perguntou a madre assustadíssima.
– Prostituta! – repetiu Catarina.
– Ah, que susto! – respirou aliviada a madre – Pensei que você tinha dito protestante.
40

Obtém-se também um efeito cômico nas frases modificadas, ou seja, quando se coloca
uma idéia nova no molde de um refrão ou frase já conhecida, quebrando a mecânica do raciocínio:
Assim a frase “A pressa é inimiga da perfeição” torna-se cômica quando é modificada por “A pressa
é inimiga da procissão”. Sobre este aspecto, Bergson (2004, p. 88) comenta:
Tomar séries de acontecimentos e repeti-las em novo tom ou em novo meio,
ou invertê-las conservando ainda um de seus sentidos, ou misturá-las de tal
maneira que seus significados respectivos interfiram uns nos outros, tudo isso
é cômico, dizíamos, porque com isso se consegue tratar vida mecanicamente.
Outros tipos de frases como os exageros, frases rimadas, frases espirituosas e as ironias
todas essas podem ser cômicas, desde que quebrem inesperadamente, o automatismo do
pensamento, exprimindo idéias absurdas, de conotação moral ou sentidos conflitantes.
A ironia consiste em expressar por palavras um sentido intencionalmente contrário ao
pensado. “A ironia, através de palavras, pune e faz de bobo o interlocutor, que percebe ou não a
zombaria.” A ironia revela assim alegoricamente os defeitos daquele (ou aquilo) de que se fala.
“Ela constitui um dos aspectos da zombaria e nisto está sua comicidade.”
O trocadilho ocorre quando o interlocutor compreende a palavra em seu sentido geral e
o outro desloca o significado da palavra por aquele mais restrito ou literal; por isso, ele suscita o
riso, na medida em que anula o argumento do interlocutor e mostra sua inconsistência.

– Ora, por que desejas os teus olhos mais verdes?


– Para verdes mais!

Independente da época, cultura ou língua, quando às palavras são aplicados os


mecanismos de inversão, repetição ou interferência das séries elas podem vir a produzir
um efeito risível. Mas para que esse efeito ocorra de fato, a fala deve ressaltar a rigidez da
palavra, o automatismo do dito e a distração de quem a pronuncia.
O modelo bergsoniano
Racionalizar sobre a causa do riso é de fato uma atividade inglória. É como se
quiséssemos explicar a piada, perde-se a graça! E como diz Cleise Mendes (2001, p. 55): “Ele (o
cômico) salta para órbitas inexploradas, escorre por entre os dedos, ele foge, ele vaza. Esse é o
seu trajeto jocoso, o seu jocus.”
Para o filósofo francês, “[...] o mecanismo rígido que surpreendemos vez por outra,
como um intruso, na viva continuidade das coisas humanas, tem para nós um interesse particular,
por ser como uma distração da vida.” (BERGSON, 2004, p. 64). Desse modo é que o mecânico é
41

percebido como puro estranhamento, no entanto, ele só é risível quando nos faz lembrar um jogo,
uma brincadeira, nos transportando da realidade objetiva para realidade lúdica.
E o lúdico, do qual deriva o riso, é o que mais representa uma realidade que caminha
lado a lado com o mundo sério. É nos jogos e nas brincadeiras infantis rememoradas, que qualquer
austeridade, formalidade e rigidez são transgredidas, burladas, e invertidas. No lúdico quebra-se a
hierarquização e é estabelecida a intimidade, a descontração, o informal e o espontâneo.
Os elementos de comicidade não têm sempre os seus efeitos satisfatoriamente
realizados. Existe uma série de premissas para que o riso seja deflagrado. Seguem abaixo resumos
dessas premissas para deflagração do riso, acompanhados de uma tabela respectiva em que procuro
sintetizar os elementos cômicos, pelo princípio do mecânico colado no vivo. Em cada coluna das
tabelas, sem pretensão ao esgotamento, apresento exemplos das possibilidades mais evidenciadas
por Bergson (op. cit.), relativas aos procedimentos, às formas e aos mecanismos de elaboração do
risível.
1.3.1 Personagens
 Premissas:
 Não há comicidade fora do que é propriamente humano.
 O que a idéia fixa representa para o espírito é o que certos vícios representam para
o caráter.
 O vício assemelha-se a certa curvatura da alma. O vício cômico por mais que o
relacionemos às pessoas, ainda assim conserva a sua existência independente e
simples.
 Pode tornar-se cômica toda deformidade que uma pessoa bem conformada consiga
imitar.
 Ao atenuar a deformidade risível, deveremos obter a feiúra cômica.
 Automatismo, rigidez, hábito adquirido e conservado, são traços pelos quais uma
fisionomia nos causa riso.
 Imitar uma pessoa é destacar a parte do automatismo que ele deixou introduzir-se
na pessoa.
 Por onde haja repetição ou semelhança completa, pressentimos o mecânico
funcionando por trás do vivo.
 Deve-se sempre manter a semelhança com a vida.
 A noção de disfarce tem o poder de fazer rir.
42

 Um regulamento administrativo acaba por ser para uma lei natural ou moral, por
exemplo, o que a roupa feita é para o corpo que vive.
 Se imaginarmos o corpo como matéria pesada que segura a alma, podemos fazer a
analogia de que o corpo está para alma como as roupas estão para o corpo. É uma
matéria inerte imposta a uma energia viva.
 Pode-se mostrar a alma incomodada pela necessidade do corpo.
 É cômico todo incidente que chame nossa atenção para o físico de uma pessoa
estando em causa a moral.
 Acontece para o efeito cômico o espírito se imobilizando sob certas formas e o
corpo se retesando segundo certos defeitos.
 Rimos sempre que uma pessoa nos dá a impressão de ser uma coisa.
Quadro 1 – Personagens.
Mecanismo Procedimentos Formas
 Imitação  Repetição dos gestos  De um corpo de outra pessoa
 Automatismo das ações  De um vício refletido no
 Contraste com as corpo
situações  Do corpo de um animal
 Exageros nas formas  Da forma de um objeto
qualquer (privada, cadeira,
uma pintura, vento, etc.)
 Deformidade  Exageros nas formas  Cego
Física  Incoerência com a  Gordo
situação  Magro
 Discrepância com outros  Careca
personagens  Baixo
 Alto
 Gago
 Fanhoso
 Deformidade  Contraste entre o que se  Bruto
Moral diz e o que se faz  Avarento
 Exageros nas ações  Vaidoso
 Mentiroso
 Esperto
43

 Insociabilidade  Minimização nos gestos  Distraído


 Obstinação nas ações  Tímido
 Ingênuo
 Medroso
Fonte: Elaboração Própria.

1.3.2 Situações
 Premissas:
 O maior inimigo do riso é a emoção.
 Não pense no conteúdo da situação, mas na sua forma, que ela se tornará cômica.
 O riso precisa de eco.
 O riso deve corresponder a certas exigências da vida em comum.
 Atitudes, gestos e movimentos do corpo humano são risíveis na exata medida em que
esse corpo nos leva a pensar num simples mecanismo.
 Não é, pois, a mudança brusca de atitude o que causa riso, mas o que há de
involuntário na mudança, é o desajeitamento.
 Quando certo efeito cômico derivar de certa causa, quanto mais natural a julgarmos
tanto maior nos parecerá o efeito cômico.
 O riso castiga os costumes.
 A fuga da rigidez social provoca o riso.
 As cerimônias são para o corpo social o que a roupa é para o corpo individual.

Quadro 2 – Situações.
Mecanismo Procedimentos Formas
 Boneco de mola  Repetição  Compressão e distensão moral
 Compressão e distensão física
 Efeito surpresa
 Marionete  Inversão  Fazer o outro de bobo
 Pessoa como coisa
 Uma pessoa se passando por outra
 Bola de neve  Inversão  Reação em cadeia
 Interferências das  Qüiproquó ou equívocos
séries  Deslocamentos de contexto
44

Fonte: Elaboração Própria.

1.3.3 Palavras
 Premissas
 O mecanismo das palavras corresponde aos mesmos das situações.
 O desvio é essencialmente risível: dizer o que não se quer dizer.
Quadro 3 – Palavras.
Mecanismo Procedimentos Formas
 Jogos com a  Inversão  Trocadilho
fonética e a  Interferência das  Duplo Sentido
morfologia das séries  Paradoxo ou incoerência de sentidos
palavras.
 Transposição ou  Interferências das  Entre o dito e o pensado (ironia)
deslocamento séries  Por distração do pensamento (ato
entre a sintaxe e  Repetição falho)
semântica.  Inversão  Do sentido figurado para sentido
próprio.
 Do tom da expressão natural de uma
idéia.
 Do solene para o familiar
(degradação)
 Do intimo para o solene (elevação
ou exagero)
 Do moral ou banal para o técnico ou
profissional.
45

2. EM BUSCA DO ATOR RISÍVEL

O ator risível e a sua prática

O direcionamento para preparação do ator voltado para uma especificidade teatral, no


caso a comicidade, pode parecer anacrônico na cena contemporânea. Isso talvez seja verdade
quando pensamos em teatro ocidental. Mas toda a tradição do teatro oriental é voltada para uma
especialização pautada na codificação corporal, que a cena ocidental perdeu quando a Commedia
Dell’Arte se torna desinteressante para os patrocinadores do espetáculo, acreditando estes que a
verdadeira arte do ator era aquela direcionada para representação mimética, natural e cotidiana da
realidade.

Esses equívocos foram desfeitos pelos renovadores do teatro, como Adolfhe Appia
(1862-1928), Vsévolod Meierhold (1894-1940), Gordon Graig (1872-1966) e outros, do começo
do século XX. Gordon Graig com a sua proposta do ator supermarionete aponta para uma
codificação corporal mecânica das ações físicas não cotidianas na arte do ator. Mas não há uma
elaboração sistemática voltada exclusivamente para ação cômica.

Elza de Andrade, em sua tese de doutorado, Mecanismo de Comicidade na Construção do


Personagem, realiza entrevistas com atores de teatro em cuja trajetória profissional predominam
espetáculos de comédia e que, também, trabalham com abordagens atoriais diferenciados do
fenômeno da comicidade. Abaixo, transcrevo trechos dessas entrevistas, com dois desses atores,
que divergem em relação a uma técnica específica para comicidade.

Pedro Cardoso13:

[...] respondendo a sua pergunta, se existe mecanismo técnicos tanto na


escrita quanto na maneira de atuar, que são as plantas-baixa do humor, quer
dizer: eu entro por uma porta, saio por outra, troco as idéias de lugar, se isso
existe, eu não sei, mas se isso existir, dificilmente poderá ser catalogado,
porque cada um será um, e não terá repetidor; será uma variação absoluta, o
que elimina a idéia de técnica, e voltamos para o campo anterior à técnica, o
campo da filosofia; humor é uma coisa que não suporta menos liberdade que a

13
“Nascido no Rio de Janeiro em 1961, é ator, autor e diretor. Estreou profissionalmente em 1982 com o espetáculo
Bar, doce, bar criado e dirigido em parceria com Felipe Pinheiro (Teatro Candido Mendes). Esse trabalho lhe valeu o
Troféu Mambembe como ator revelação, tornando-se um dos principais criadores do teatro Besteirol.” (ANDRADE,
op. cit., p. 166).
46

do próprio pensamento total, sem nenhuma ciência anterior, o humor é muito


natural, o humor é uma coisa do homem muito simples, muito dele, muito
como uma pintura rupestre, muito como um carinho, uma coisa fraternal, é
uma expressão do ser do homem simples, muito primeira. Não acho que
humor é uma atividade intelectual..., aliás, eu acho que o teatro inteiro não é
uma atividade intelectual e a morte do teatro contemporâneo é a sua
intelectualização. O teatro é realmente uma expressão simples. O que não
quer dizer que você não pode exercer sobre o teatro uma atividade
intelectual. Você não pode exercer essa atividade sob o teatro. (ANDRADE,
2005, p. 264).

Benvindo Sequeira14:

Os pesquisadores da universidade fazem as teses, com todo respeito, a gente lê


e não entende nada, não ensinam a gente a trabalhar. Eu sinto muita falta de
teorizar para os meus alunos, para as novas gerações, como é que se faz para
andar devargazinho no palco, com o andar de comédia, como é o andar da
comédia, como é o gesto, o tom da comédia, qual é a oitava musical da
comédia, qual é a harmonia, a música, o ouvido musical que é preciso ter para
comédia. Os meus colegas comediantes e os atores na sua maioria, me parece,
são muito intuitivos e não estão muito preocupados em teorizar. [...] o
comediante tem uma técnica, é possível teorizar, entender, explicar, é
possível ensinar. A técnica repetida mil vezes vira tecnologia, vira know how,
próprio do brasileiro. A repetição da técnica para quem não tiver o dom e o
talento pode levar à criação da tecnologia própria, pode levar à formação de
um comediante sim; porque sua intuição não o leva a lugar nenhum. Só com a
intuição ator fica parado no tempo. Depois de dez anos ele está velho, porque
ele não tem outra técnica, ele não aprendeu coisas novas, ele não estudou, não
se aprimorou, ele não desenvolveu a tecnologia dele. Então você tem de
alinhar o talento e o dom com a técnica e, quem não tem o dom, que
desenvolva a técnica exaustivamente até criar sua tecnologia, seu know-how, o
saber como fazer. E quem tem dom procure sacar como é que trabalha; como
é o meu dom? É de arlequim ou Pierrot? Eu sou um ator linfático ou um ator
sanguíneo, sou amarelado, sou hepático sou Pierrot? Sou sanguíneo,
arlequinesco? Como é que eu jogo com os dois de acordo com harmonia, o
ritmo e música do espetáculo. Por que a comédia, mais do que tudo, é música.
(ANDRADE, 2005, p. 241-242).

Pelos depoimentos dos dois atores, conclui-se que não há um consenso em relação a
uma técnica voltada exclusivamente para o ator cômico. Para Pedro Cardoso, o comediante
aprende o seu ofício com a prática, espontaneamente, desprovido de um conhecimento formal
anterior. Por outro lado, Benvindo Siqueira acredita que o artista dependente apenas de sua
prática, sem o estudo da compreensão de sua arte, corre o risco de cristalizar e estereotipar seu
repertório atorial.
14
“Mineiro de Carangola, iniciou sua carreira teatral no Rio de Janeiro em 1966. Soma ao seu currículo mais de 50
peças, algumas delas distantes do universo da comicidade como, por exemplo, O assalto (de José Vicente, direção de
Fauzi Arap, 1970, apresentações no Rio e em viagens pelo Brasil) ; Mulheres de Tróia (Adaptação de As troianas, de
Eurípides, adaptação e direção de João Augusto, em Salvador, Bahia, 1978).” (ANDRADE, 2005, p. 137).
47

De Marinis15 observou em seus estudos sobre os modos de atuação, baseados nas praticas
de atores cômicos italianos do século XIX e XX, que conviviam – às vezes separadamente e outras
em comunhão – duas tradições atoriais que ele as chamou de Tradição do Ator Burguês ou Dramático
e a Tradição do Ator Popular ou Cômico. Embora os estudos de De Marinis tenham focalizado
exclusivamente em atores da Itália, ele adverte que essas duas tradições não eram exclusividade da
cena italiana, mas essas tendências aconteciam também em outros países.

De Marinis cria um modelo para o ator cômico ideal que diferencia do ator burquês no
método de trabalho com respeito à concepção dramatúrgica, as técnicas de atuação e a relação
com o espectador. Entendo que não existe uma relação estanque entre essas duas práticas na cena
contemporânea e qualquer comparação neste sentido é sempre limitadora. Entretanto, por
questões didáticas, apresento abaixo um quadro que caracteriza as duas práticas atoriais, elaborado
por mim a partir das observações de De Marinis. Não pretendo com isso diferenciar todas as
características dessas práticas, mas apenas ressaltar alguns aspectos que são freqüentemente
observados nesses dois procedimentos atoriais.

Quadro 4 – Comparação de práticas atoriais, conforme De Marinis.

Ator burguês ou dramático Ator popular ou cômico


Formação acadêmica ou especializada Auto-tradição16 ou autodidatismo
O público desse ator provém em sua maioria da O público do ator cômico é, sobretudo, no começo
classe média, principalmente da pequena e média de 1900, formado por pessoas de classes menos
burquesia das cidades abastadas e com níveis baixos de escolaridade
Vocação para diálogo entre personagens Vocação para solista, para monólogos.
Atuação ensaiada Tendência a uma atuação improvisada
Vocação para textos longos Vocação para textos curtos (esquetes)
Prática de um único modelo espetacular e recitativo Plurilingüística (ecletismo corporal para dança,
canto e acrobacias cênicas)
Opção por atuação ilusionista, realista. Intertextualidade carnavalesca (opção pela quebra da
ilusão pela meta-atuação), não realista
Relação indireta com o público Relação direta com o público17
Gesto contido Gestos expandidos

15
Marco De Marinis é professor da Universidade de Bolonha e autor de importantes obras sobre teoria do teatro, tais
como: Semiótica Del Teatro (1982) e Compreender el teatro: elementos de uma nueva teatrologia (1997).
16
“A auto-tradição deve ser, entretanto, considerada como uma necessidade vital para o ator cômico, para
reconstruir constantemente seu próprio “background” por meio de uma relação livre e despreocupada com
o passado (pessoal ou outro), isto é, em relação com os módulos de atuação, cômico e não consolidados;
essa relação não é em absoluta uma negação esquemática (por exemplo, certo tipo de vanguarda
histórica), mas consiste em um trabalho minucioso e complexo de bricolage (também quando é praticado
“selvagemente”): seleção, desmontagem, recomposição, assimilação e re-elaboração.” (DE MARINIS,
1997, p. 160 – Tradução livre por Elza Andrade).
17
“O ator cômico, sem esta e sem outras proteções, desde o começo incorpora o espectador no centro de
sua atenção: convertendo-o em sujeito e objeto de seu espetáculo; o ator cômico está exposto a sofrer
diretamente todas as desagradáveis conseqüências que podem derivar-se dos descuidos e imprecisões de
sua atuação.” (Ibid., p. 163 – Tradução livre por Elza Andrade).
48

Fonte: Elaboração própria.

Pelo modelo De Marinis, o ator cômico elabora para si uma auto-tradição, no sentido
que ele se forma a partir de suas próprias experiências, com a prática da cena cômica. Isto explica
a dificuldade desse ator em repassar a sua técnica, por acreditar que não é possível haver um
mecanismo sistemático para comicidade.

O diretor teatral russo Constantin Stanislavsk (1863-1938), não faz diferença


metodológica para criação de papéis das personagens trágicas, dramáticas ou cômicas, utilizando
dos mesmos procedimentos atoriais tanto ao montar Otelo, tragédia de William Shakespeare
(1564-1616), como ao montar O Inspetor Geral, comédia de Nicolai Gogol (1809-1852). As
pesquisas de Stanislavski influenciaram a cena teatral do século XX a tal ponto, que muitas escolas
de teatro escolhiam o método do diretor russo como o único e o “mais correto” procedimento de
preparação do ator. Robert Lewis, em 1960, ao prefaciar o livro A criação de um papel, de
Stanislavski (1999, p. 9), escreve:

Nunca será bastante repetir que o método de Stanislavski não é um estilo nem
se aplica a um estilo particular de teatro, mas é, isso sim, a tentativa de
encontrar uma atitude lógica em relação ao treinamento de atores para
qualquer peça, e um modo artístico de preparação para qualquer papel.

Mas esta forma de pensar não aconteceu somente em relação à Stanislavki. Na maioria
das propostas atoriais do ocidente do século passado (Teatro da Crueldade do francês Antonin
Artaud (1896-1948), Teatro Épico do alemão Bertold Brecht (1898-1956), Teatro Pobre do
polonês Jerzzy Grotowski (1933-1999), Teatro Antropológico do italiano Eugenio Barba (1936-),
Teatro do Oprimido do brasileiro Augusto Boal (1931-) sempre surgiram aqueles que acreditavam
na possibilidade de adoção metodológica única para resolução dos problemas da arte teatral.

Os dramaturgos gregos não escreveram suas obras pautadas na Poética de Aristóteles,


como fizeram os dramaturgos do classicismo francês. Aristóteles escreve sua obra a partir de
observações da prática teatral de sua época. E a partir dessa prática que ele elabora as suas “leis”.
Ao contrário do que muitos teóricos postulam, o fazer de uma prática teatral vem antes de sua
estruturação teórica.

Por outro lado, alguns teóricos tomam como norma da prática teatral casos particulares
que apresentam em determinadas obras, tirando dessas suas conclusões generalizantes. Isto não
significa dizer que não se possam produzir obras a partir de um modelo estético formalizado
previamente, o que foi comprovado no classicismo francês pela dramaturgia de Racine e de
49

Cornelle. Contrapondo-se a isso, o ideal romântico do gênio, pretendia “inviabilizar a


possibilidade” da formalização técnica da criação, acreditando que tudo advinha de uma
inspiradora intuição. Porém para a cena contemporânea, Jean Jaques Roubine (2003, p. 188),
escreve que:

[...] a rotulagem é uma comodidade escolar. Os criadores não gostam nada de


se ver encerrados em uma pretensa “especialidade” que pode ser apenas a
etapa de um percurso. Reivindicam o direito à mudança, à inovação, à
experimentação, até mesmo à contradição. Tem consciência que o
academicismo nasce da repetição e da auto-imitação. Do mesmo modo, não
hesitam em evocar diversos modelos teóricos que combinam numa espécie de
sincretismo criador. Portanto, é impossível reportar as manifestações mais
notáveis do teatro contemporâneo à ilustração de uma teoria. Porém nada
impede que depreendamos alguns eixos de orientação.

Há, portanto, que se estar atento aos riscos da universalidade metodológica que, muitas
vezes, é imposta a toda gama de conhecimentos. Esta tendência às padronizações de métodos tem
como objetivo a circulação comunicativa entre os saberes. A pesquisa quase sempre procura
homogeneizar, mesmo na heterogeneidade, pois, ao separar as diferenças, encontra nestes
conjuntos distintos algo que os unam e os torne homogêneos, para que possa se definir como
categorias. Após o estabelecimento reducionista das categorias, acaba-se cometendo os equívocos
de não se perceber novas diferenças dentro dessas homogeneizações.

Em cada época, vive-se envolto por uma teia de significados que formam a bagagem
cultural de uma sociedade. Esta teia nos envolve de tal forma que molda a nossa compreensão de
mundo, tornando-nos reféns de modelos de pensamentos, dos quais é quase impossível nos
desvencilharmos. Aqueles que conseguem libertar-se dessas sutis armadilhas do conhecimento,
muitas vezes, são obrigados a pagar um preço muito alto por não serem compreendidos. No
entanto, são eles os responsáveis pelos avanços e as transformações das pesquisas, que estão nos
limites dos paradigmas, que fazem as especulações avançarem e apontam para um novo tempo.
Novo tempo este que nos ofusca a percepção, por estarmos envolvidos como sujeito da
construção do pensamento.

Nos dias de hoje, portanto, precisamos pensar no ecletismo do ator cômico


como meta a ser atingida. O ator contemporâneo deve alargar suas
possibilidades cênicas, para estar apto a enfrentar diferentes linguagens e
concepções, postura fundamental ao exercício da profissão. Conhecer alguns
mecanismos utilizados pelo ator cômico/popular é ampliar sua técnica e seu
espaço de atuação na cena do teatro contemporâneo. (ANDRADE, 2005, p.
46).
50

Apesar do ecletismo das linguagens, concordo com a semioticista brasileira Lúcia


Santaella quando ressalta que “[...] a melhor pesquisa não é aquela que mais se aproxima dos
métodos das ciências naturais, mas sim aquela cujo método é o mais adaptado ao seu objeto.”
(SANTAELLLA, 2001, p. 185); o que certamente só conseguiremos no desenvolvimento dos
trabalhos.

Entende-se, então, que é o objeto que dita o método e não o contrário. Porém, o objeto
vai se definindo, delimitando-se, à medida que a metodologia vai se ajustando a ele, como um
sapato novo ao pé. No começo há certo desconforto, aparecem os calos, mas com o tempo, os
dois parecem que foram feitos um para o outro – pelo menos é o que se espera!

Em que sentido tais especulações afetam a escolha do objeto e da metodologia de minha


pesquisa, uma vez que proponho uma sistematização de procedimentos para o ator na cena
cômica, inspirada nas formulações de Henri Bergson, publicadas no final do Século XIX? Não seria
uma teoria que já caducou?

Atuo numa área que lida com aspectos bastante subjetivos, como a emoção, a
criatividade e a sensibilidade. Como ensinar alguém a ser sensível? A ser emotivo? A ser criativo?
O que posso, acredito, é despertar para esses aspectos em nosso fazer artístico. É muito
angustiante saber que não existe uma receita que sempre “dê certo”. Então para que pesquisar?
Essas e outras questões de algum modo perpassam os mais diversos procedimentos da arte do
ator.

Mas essa incerteza é que deve nos instigar, pois se fosse uma receita de bolo a seguir, se
não tivesse o toque das emoções, das sensibilidades, das criatividades individuais, seríamos todos
geniais artistas. O que seria muito chato! Se for pedido a duas pessoas para fazer um bolo, e
entregarmos a elas a mesma receita, é garantido que vamos ter dois bolos com o mesmo sabor e
características físicas iguais. E como pensar que isto é possível, quando lidamos com variável tão
complexa que é o ser humano?

Embora esses aspectos não se ensinem, nós podemos, através de exercícios, desenvolver
as potencialidades criativas, que muitas vezes estão incrustadas dentro em nós pelas nossas
barreiras psicológicas, nossos preconceitos, nossas histórias de vida.

O artista adquire a sua técnica com o tempo de prática. O que as escolas disponibilizam
ou apresentam são ferramentas e caminhos para que os atores desenvolvam sua maneira, seu estilo
artístico. Mas reforço: nós podemos desenvolver essas habilidades no sentido de ser mais
51

eficientes. Ou seja, com técnica, em muitos casos, diminui-se a diferença entre o que se deseja e o
que se realiza.

E o que eu desejo é desenvolver procedimentos, por uma prática bastante específica,


que aumente a eficácia da comicidade em cena. Contudo, o riso não aparece como premissa
inicial, deve surgir como conseqüência. Pode ser que os procedimentos adotados por mim não
atinjam sempre os resultados esperados, mas isto não será uma frustração, pois terei chegado a
descobertas que não conseguiria pelas técnicas já consagradas.

Não estou inventando nada, procuro apenas sistematizar procedimentos para o ator na
cena cômica que, de uma forma ou de outra, pouco diferem dos princípios daqueles para atores
acostumados com outros gêneros diferentes da comédia. O que vai estabelecer a diferença são a
intenção e o efeito que pretendo obter da platéia.

Assim sendo, o estudo nesse campo só se torna possível se eu realizar um recorte, um


limite, e tomar a consciência de não mais explicar as suas causas e efeitos, mas descobrir
caminhos, através de mecanismos que possam suscitar o riso. Entende-se, desse modo, que
qualquer técnica é composta de procedimentos que apenas apontam percursos na intenção de
certa eficácia entre o saber-fazer.

O trabalho do ator não será, dessa forma, no sentido de mudar a constituição física do
seu corpo (realizado por atletas e ginastas), mas transformar criativa e simbolicamente o corpo,
viabilizando através dele uma realidade cênica. O ator risível não deve esconder os aspectos físicos
do seu corpo, mas aproveitar o diferencial que ele tem e potencializá-lo para produzir
personagens artisticamente interessantes.

Cada pessoa é uma raridade corporal. Não existe outro igual. Cabe ao artista tirar
proveito disso. Ninguém tem ao mesmo tempo a minha estatura, voz, o andar e a formação
estrutural física que eu tenho. Apenas eu consigo criar determinados personagens, devido às
características do meu corpo. Quando temos a consciência disso, conseguimos potencializar as
particularidades corporais para uma criação artística, levando-as para o palco, numa cena cômica.
Acredito que, desse modo, o público não verá apenas a “anormalidade” física do ator, mas uma
“anormalidade” da personagem que se torna cômica dentro de uma situação específica.

Uma personagem de teatro é um elemento de ficção. No caso de um texto


dramatúrgico, a personagem só existe na imaginação de um autor ou leitor. No entanto, ela se
materializa no corpo do ator em um estado cênico.
52

No teatro, a personagem está em condições de assumir os traços e a voz do


ator de modo que, inicialmente, isso não parece problemático. No entanto,
apesar da “evidência” desta identidade entre o homem vivo e uma personagem,
esta última, no início, era apenas uma máscara – persona - que correspondia
ao papel dramático, no teatro grego. É através do uso de pessoa em gramática
que persona adquire pouco a pouco significado de ser animado e de pessoa,
que a personagem teatral passa a ser uma ilusão de pessoa humana. (PAVIS,
1999, p. 285).

Uma partitura corporal tem para composição da personagem a mesma qualidade


representativa de uma máscara. A diferença é que a máscara é um acessório rígido sobre o corpo,
dando-lhe personalidade, enquanto que a partitura é moldada, pelo próprio corpo, para
composição dos aspectos físicos/ vocais da personagem.

Cada corpo que interpreta uma personagem cria para a mesma partituras físicas
diferentes. Isto acontece seja pela imitação das partituras corporais de outro intérprete com o
corpo cotidiano ou não. A personagem sempre será diferente, quando composta por diferentes
interpretes. O que pode se manter são aspectos gestuais que evidenciem as idiossincrasias da
personagem (tique nervoso, defeito físico, ansiedade, medo, e outros).

Entendo por corpo cotidiano do ator aquelas características físico-vocais que lhe são
inerentes, ou que são adquiridas ao longo da vida em um estado não cênico. Por outro lado, o
corpo extracotidiano é aquele codificado por partituras corporais para encenação teatral.

No entanto, uma personagem assume a completude pelas suas ações físicas. Mesmo o
personagem-típico, que é facilmente reconhecido antes de qualquer situação, assume uma
dimensão maior pelas suas ações físicas.

O personagem-tipo, no entanto, distintamente do estereótipo, opera mais que


uma soma de dados externos, uma síntese substancial de características de um
gênero, o que faz que adquira maior espessura e, assim, possa estabelecer, no
transcorrer da peça, novas relações com outros personagens-tipo. Essa
poderosa operação de síntese realizada pelo personagem-tipo permite-lhe um
sem número de possibilidades de ação. (SILVA, 2005, p. 31).

Atribui-se a Stanislaviski a primeira elaboração do conceito de ação física. Para ele,


qualquer ato em cena que traduza e justifique um desejo, uma emoção, um pensamento da
personagem, é uma ação física. A ação física tem uma significação diferenciada da atividade física
que a gerou. Toda atividade é composta por gestos.

Quando os gestos revelam para o espectador algo a mais que a atividade que os
originou, tem-se uma ação física. Um abrir a porta em cena é apenas uma atividade quando
53

somente significa o abrir de porta, mas quanto este ato revela um desejo de fuga, a esperança de
encontrar um conhecido ou uma ansiedade, por exemplo, passa a ser uma ação física. Assim, uma
ação física é uma atividade justificada, que evoca sentimentos e circunstâncias propostas pelo
papel18 da personagem. O que a personagem realiza em cena é uma atividade ou ato, o que este
ato evoca é ação física. “No teatro, toda ação deve ter uma justificativa interior, deve ser lógica,
coerente e verdadeira e, como resultado final temos uma atividade verdadeira, criadora.”
(STANISLAVSKI, 2001, p. 1).

Para Stanislaviski (op. cit.) as ações se dividem em duas, uma interior e outra exterior.
O objetivo do trabalho do ator é voltado para expressar fisicamente de forma crível as ações
interiores da personagem. De acordo com o autor, deve haver uma perfeita união entre os
aspectos “físicos e espirituais” de um papel. “As ações criam a vida física de um papel.” (Ibid., p.
3). As ações físicas são carregadas de intenções interiores, não somente reflexos ou
condicionamento de uma atividade. As ações dizem mais que a sua própria mecanicidade. A ação
física gera uma transformação no modo de pensar do espectador.

Ainda conforme Stanislavski (op. cit.), as ações físicas são criadas dentro do contexto da
personagem. Já para Grotowski a personagem é criada a partir de ações físicas elaboradas dentro
do contexto do ator. Forma estética e vida são opostos no plano conceitual, mas no trabalho do
ator devem coexistir. Em meus procedimentos para cenas cômicas, procurei mesclar esses dois
aspectos, tanto pelo ator independente da cena, como da personagem dentro do contexto da cena.

Para Mateo Bonfitto (2002), em seu livro O ator compositor, a diferença entre o conceito
de ações físicas de Stanislavski e de outras práticas artísticas está nas matrizes geradoras, nos
elementos de confecção e nos procedimentos de confecção das ações físicas.

Por matrizes geradoras entendemos qualquer referência utilizada para a


confecção das ações físicas. Podemos ter como exemplo textos escritos,
dramáticos ou não, referências visuais, sonoras, experiências pessoais ou
construídas. Os elementos de confecção, assim como os procedimentos de
confecção estão ligados aos aspectos que caracterizam a ação física em cada
caso. (BONFITTO, 2003, p. 96).

Bonfitto sintetiza essas diversas práticas em um quadro comparativo. Desse quadro


retiro apenas aqueles autores que utilizo como referências na sistematização dos procedimentos
que desenvolvo nos próximos capítulos.

18
Na perspectiva de Stanislavski, o papel diferencia-se da personagem. O papel é composto pelas falas, as
circunstâncias da peça, propostas pelo texto dramatúrgico. Enquanto a personagem é composta tanto fisicamente
(corpo/voz), como por aspectos psicológicos numa criação livre do ator ou por indicações do texto.
54

Quadro 5 – Práticas artísticas.


Matrizes Geradoras Elementos de Procedimentos de
Confecção Confecção
Constantin - textos dramáticos - elementos do “estado -construção da linha contínua
Statnislavski - referências extra- interior” de ações
(1863-1938) textuais quando -método das ações físicas - a contra-ação e ação
necessárias - tempo-ritmo transversal
- impulso(interno e -chegar ao subconsciente
externo) (gestos involuntários)
- Importância das repetições
“dinâmicas”

Bertold - textos dramáticos -aparato vocal e corporal -efeito de estranhamento e


Brecht gestus-atitude crítica
(1898-1956) -manter as primeiras impressões
sugeridas na primeira leitura do
texto
-buscar contradições no texto e
traduzi-las em comportamento
-Ler o texto em terceira pessoa
-ler rubricas em voz alta
-execuções das ações como
narrador
-mostrar que a realidade é
transformável
Jerzzi -experiências pessoais, -impulso -montagem no ator/ atuante.
Grotowski resgatadas e (externo/interno)
(1933-1999) reconstruídas -alternãncia das tensões

Eugenio Barba -textos dramáticos e não -princípio-que-retornam -construção da ação real como
(1936-) dramáticos -partes do corpo célula da partitura
-formas teatrais analisadas isoladamente: -dilatação e miniaturização
orientais, Commedia mãos, pés, rosto, olhos -princípio da equivalência
Dell´Arte, formulações -elementos da subpartitura -variação rítmica
de Decroux -utilização de objetos
-montagem do ator/diretor

Fonte: Bonfitto (2002, p. 103-105).

Em Stanislavski, a personagem é construída a partir das circunstâncias dadas e só existe


para o papel. Inspirados nesses aspectos é que nos acostumamos a encontrar o caráter da
personagem nas entrelinhas textuais, a compor a personagem a partir das insinuações do texto,
procurando integrá-las ao íntimo do ator, ou seja, partindo de suposições das motivações da
personagem, caso o ator estivesse nas mesmas circunstâncias apresentadas no texto.

Brecht não desejava identificar aspectos psicológicos da personagem nas ações do texto,
mas procurava provocar o estranhamento no público através do desenvolvimento de estratégias de
distanciamento entre o ator e a personagem. De outra maneira, Eugênio Barba estava interessado
55

em construir um corpo codificado por matrizes físico-vocais que servissem de elementos para
composição das partituras corporais da personagem.

Isso tudo ocorreu no século XX, mas já nos finais da Idade Média, os atores da Comédia
Dell Arte se especializavam em tipos físicos, com máscaras de uma partitura corporal fixa,
independentes de textos, que era transmitida por uma tradição. E a comicidade se estabelecia
pelas situações criadas.

Essa é uma característica da personagem-tipo: a sua existência antes do papel a ela


atribuído socialmente. Exemplo disso é Carlitos, criado por Charles Chaplin (1889-1977): é um
vagabundo, mas pode ter uma função de barbeiro, mecânico, e outros. O personagem-tipo não
muda pelas circunstâncias dadas em sua vida. Existe uma construção a priori, em que as
circunstâncias não alteram o seu caráter

Toda a concepção tradicional de corpo está baseada em uma cisão, num “revelar-se”, em
dar visibilidade externa ao que está interno. As técnicas de corpo tradicionais estão muito
associadas ao “eu” que se revela, e não a um pensamento que acontece, que se realiza
criativamente junto com o outro.

Todavia para cena contemporânea não mais se pensa numa divisão entre corpo e mente,
não há esta cisão, esta dicotomia. O corpo é emoção e pensamento. “A coisa não mais existirá a
partir de uma diferenciação com outra coisa, a partir de uma delimitação, e sim a partir de sua
existência, a partir do modo como ela se apresenta.” (CAJAÍBA, 2005, p. 7).

Para realidade cênica, ou estado cênico, esta unicidade “corpo e alma” deve existir como
expressão do pensamento, mas dentro de uma realidade ficcional cômica. Na visão de Bergson
(2004), o corpo, mente e alma são coisas distintas e brigam entre si, negam-se mutuamente e é
esta contradição entre corpo e mente, esse desvio da alma revelada pelo corpo, que caracteriza a
personagem cômica.

Em Bergson (op. cit.), as ações físicas na personagem cômica devem negar as suas
vontades interiores. O corpo assume uma forma rígida que luta contra os desejos da personagem
que se torna risível por uma ação não justificada pelos gestos. Assim, para que uma cena dramática
se transforme em cômica, basta que retiremos dela o que há de emotivo. Quando a atenção for
chamada mais para mecanicidade dos gestos contidos na ação física, do que ela evoca, chega-se à
comicidade. Enquanto na cena dramática deve haver uma relação mimética entre as emoções,
motivações, vontades interiores e gestos da personagem, na cena cômica encontramos uma
discrepância entre o significado das motivações e os seus respectivos gestos.
56

Neste sentido é que busco um corpo que se expresse em pensamento risível, que possa
tocar o expectador pelo riso. Porém existe uma distância considerável entre a idéia e a sua
concepção, que tem uma relação direta com a sedução da platéia.

Construindo a cena cômica

No teatro fala-se muito de técnica disso e técnica daquilo, energia disso e daquilo. Mas
toda a técnica de nada adiantaria se não conseguisse afetar o outro. Estou no processo de
descoberta e experimentação e, se não houver feedback do público ou dos próprios atores
envolvidos no processo, poderão ocorrer equívocos.

Um grupo que pretende ser de pesquisa não deve ser mais um grupo voltado apenas
para montagens de espetáculos. Acredito que deva, além disso, e, talvez prioritariamente, ser um
grupo que procura investigar este fenômeno artístico tão complexo que é o teatro.

Se eu desejasse somente montar textos, não procuraria caminhos tão demorados e


processos tão cansativos para tal. Caminhos como tentar construir os personagens a partir do
texto, tentar adequar as circunstâncias apontadas nas situações para dar corpo ao personagem, já
os conheço. Poderia como encenador de grupo escolher os personagens pelos perfis físicos, ou
pelo desempenho de improviso dos atores e adequar a cada personagem aquilo que penso que
deveria ser o papel. Surgem então as perguntas: onde estaria a pesquisa? A investigação? O
experimento, se para todo o procedimento já conheço o resultado? Se eu escolho o caminho já
trilhado e comprovado por todos, que contribuição trago às minhas reflexões, se já conheço a
resposta? Não seria mais fácil escolher papéis cômicos para aqueles que não tenham dificuldade
para comicidade? Mas, novamente, não haveria investigação alguma!

Se a minha preocupação primeira fosse obter o riso, eu não montaria um grupo de


pesquisa com estudantes de teatro, alguns inexperientes e outros que pensam serem experientes.
Montaria com atores profissionais que me dariam uma agilidade de resposta muito maior.
Novamente não haveria pesquisa, apenas a montagem de mais um espetáculo, que poderia ter um
êxito maior que o percurso que venho traçando nesta pesquisa.

No entanto, acredito que o êxito virá como conseqüência da investigação, não como
objetivo primeiro. Pretendo sim montar espetáculos, mas que obtenham resultados exitosos a
partir da investigação. Não acredito que isso aconteça na primeira apresentação, pois o público,
57

nosso grande parceiro, não estará conosco neste processo e é através da colaboração desse
parceiro que faremos os ajustes necessários.

Não desejo que os atores/pesquisadores sejam meras cobaias ou marionetes em minhas


mãos, mas, meus colaboradores. Busco, neste processo, um ator mais intuitivo do que racional.
Um ator livre e aberto para novas possibilidades.

Embora pretendendo, para esse caso, suscitar o riso da platéia, esse não deve mostrar-se
como o objetivo da personagem, por isso não pode ser forçado, através de gracinhas ou exageros
expressivos e maneirismos desnecessários19. Outro aspecto do nosso trabalho é a pouca atenção
dada à psicologia da personagem. Procuramos, nos aspectos da personalidade e das emoções,
possibilidades físicas (corpo/voz) a serem apresentadas de modo cômico, embasadas no princípio
do mecânico colado no vivo20. Pensando assim, o material expressivo de trabalho foi sempre o corpo.
Como este corpo é capaz de suscitar um desvio da vida em direção a uma mecânica?

E onde se encontra o risível? Na pessoa que ri? No objeto de que se ri? Se imaginarmos
que o risível está no objeto, por exemplo, numa cena de comédia, então todos que a assistissem,
ririam sempre. O que não acontece. Se o risível estivesse na pessoa, bastaria educar as pessoas
para o riso. Não se necessitaria de escolas ou curso de comicidade. Na realidade o fenômeno do
risível acontece em mão dupla entre o sujeito que ri e o objeto do riso.

Entretanto existe o que podemos chamar de o paradoxo do ator cômico, que é estar em
cena, agindo não para fazer rir, mas mesmo assim sendo engraçado, como conseqüência das ações
e não como objetivo.

Há estratégias consagradas que apresentam um potencial cômico, tais como o absurdo, o


inesperado, o exagerado, as anormalidades sociais, entre outras. Assim, quando produzimos uma
obra cômica, as estratégias estão atreladas em muitos aspectos culturais de uma sociedade e não a
somente um indivíduo.

19
Quando certo efeito cômico deriva de uma certa causa, o efeito nos parece tanto mais cômico quanto mais natural
consideramos a causa (BERGSON, 2004, p. 9).
20
As atitudes, os gestos e os movimentos do corpo são risíveis na exata medida em que esse corpo nos faz pensar
numa simples mecânica (Ibid., p. 22).
58

As matrizes

Nos procedimentos desenvolvidos nesta pesquisa, a personagem é o elemento central da


cena cômica. Todos os outros aspectos cênicos (situações, palavras, sonoplastia, cenário,
figurinos, adereços, entre outros) devem ser concebidos para dar sentido risível às ações da
personagem.

Quando se pede a jovens atores que componham, de improviso, personagens


engraçados, quase invariavelmente, eles apresentam corpos com deformidades físicas. Uma vez
que não se tendo uma referência de apoio neste sentido, a primeira coisa que vem a mente são as
anormalidades de corpos aleijados.

Na intenção de composição física da personagem sugiro duas categorias: matrizes e


partitura corporais. Entendo que as matrizes são formadas por uma estrutura codificada de gestos
corporais. Assim, um olhar, uma forma de andar, um tom de voz, tudo isso são gestos que
formam uma matriz.

As matrizes podem ser geradas por diversos procedimentos, como a imitação corporal
de outra pessoa ou animal, por imagens ou músicas. Essas matrizes são codificadas de modo a
compor uma partitura21. Cada ator cria as suas matrizes, que constituirão “[...] o seu vocabulário
vivo de comunicação cênica” (FERRACINI, 2003, p. 117). Por sua vez, esse vocabulário poderá
ser combinado de maneira tal a elaborar a partitura física da personagem. Por esse procedimento
de combinações matriciais é possível compor ilimitadas partituras diferentes.

No entanto, essa partitura só completa a personagem cômica em ação, modificada pelas


circunstâncias impostas por um texto e/ou pelas inter-relações com as demais personagens e o
público, ou seja, pelas ações físicas realizadas em cena.

Em certo sentido, poderíamos dizer que todo caráter é cômico, desde que se
entenda por um caráter o que há de pronto em nossa pessoa, o que está em
nós no estado de mecanismo montado, capaz de funcionar automaticamente.
(BERGSON, 2004, p. 111).

21
Para Renato Ferrcini (op. cit., p. 116), “[...] a matriz é entendida como o material inicial, principal e primordial; é
como fonte orgânica de material do ator, a qual ele poderá recorrer sempre que desejar, para construção de qualquer
trabalho cênico. A matriz é a própria ação físico-vocal, viva e orgânica, codificada.”
59

Nessa perspectiva os alunos-pesquisadores do GRUPO DE COMICIDADE E RISO DO


CEFET-CE realizaram exercícios na busca de ações físicas e vocais extracotidianas que pudessem
derivar em matrizes, em composições futuras de partituras para personagens na cena cômica.

A escolha das ações (físico-vocais) extracotidianas como metodologia deveu-se ao fato


de que, conforme Bergson (op. cit., p. 25), “[...] essa inflexão da vida na direção da mecânica é a
verdadeira causa do riso.” É, portanto, justamente as formas de inflexões extracotidianas contidas
nas ações físicas que a minha pesquisa pretendeu encontrar como procedimentos para preparação
de atores para cena cômica de modo a provocar o riso através da revelação do que há de mecânico
na vida das personagens, das situações e das palavras, quando apresentadas diante de um público.

Dessa forma, o trabalho de consciência corporal seria aquele que transforma o corpo
cotidiano num corpo espetacular, extracotidiano. Criar presença cênica, nesse sentido, é,
também, criar possibilidades de ações físicas extracotidianas ou atmosferas extracotidianas:

Se compreendermos que esse sujeito extracotidiano é progressivamente


construído pelo processo de diferenciação de um sujeito cotidiano, então,
compreendemos que não há um início absoluto nesse processo [...] seria,
então, o trabalho do ator um desenvolvimento dependente de estruturas e
capacidades já constituídas pelo sujeito cotidiano que, embora em
continuidade funcional, ou seja, funcionando da mesma maneira como o
cotidiano, rompe os modos de agir e pensar, para constituir modos singulares
de presença, de consciência e de apropriação de si mesmo. (FERRACINI,
2001, p. 29).

Qualquer pessoa no cotidiano realiza ações que, eventualmente, podem conduzir o


observador ao riso. Porém o cotidiano das ações não possui uma elaboração estética explicita. A
dimensão extracotidiana solicita uma apropriação dessas ações para torná-las cênicas, e o
mecanismo da consciência que realizam essa apropriação constitui-se num conhecimento
específico. Diferentemente das ações cotidianas, as ações em estado cênico ou extracotidianas
necessitam do outro para sua realização plena. E, no caso da cena cômica, o outro é o espectador.
Ele, o espectador, é quem completa a cena.

Na composição física da personagem, trabalho principalmente a expressão corporal, por


codificações cômicas de um corpo estranho à platéia e ao ator. Nesse aspecto, o corpo do ator
deverá se tornar invisível para platéia, de modo que apareça o signo de um corpo risível,
composto a partir de matrizes corporais cômicas criadas antes que qualquer situação e texto sejam
estabelecidos.
60

Ao criamos matrizes corporais independentes das definições do papel proposto,


pretendemos provocar na platéia um estranhamento pela desarmonia, a discrepância entre os
gestos das matrizes e as circunstâncias dadas pela situação.

A fonte geradora desse estranhamento é criada por uma imitação que tenha o mesmo
valor de sua referência, mas que mesmo assim seja diferente em qualidade. Neste aspecto, não há
uma preocupação com a cópia fiel do objeto a ser imitado, mas com as partituras corporais criadas
a partir dele. Elas devem conter elementos indiciais que lembrem a suas características físicas e
que, no entanto, possam gerar significações diversas em contextos variados.

Portanto, só começamos ser imitáveis quando deixamos de ser nós mesmos.


Quero dizer que de nossos gestos só pode ser imitado o que eles têm de
mecanicamente uniforme e, por isso mesmo, de estranho a nossa
personalidade viva. (BERGSON, 2004, p.24).

Para imitação, cada ator pesquisador utilizou de três fontes geradoras22:

a) Fonte geradora de um físico externo ao ator: imitação de corpo de um colega de


grupo.

Por mais regular que seja uma fisionomia, por mais harmoniosa que
suponhamos que sejam suas linhas, por mais graciosos os movimentos, seu
equilíbrio nunca é absolutamente perfeito. Nela sempre discernirá um início
de um vezo que se anuncia, um esboço de um esgar possível, enfim uma
deformação preferida na qual se contorceria a natureza. (BERGSON, 2004, p.
19).

b) Fonte geradora de um físico externo ao ator, mas com elementos da personalidade


do ator: imitação de um corpo animal que traduza um vício pessoal. De acordo
com Bergson (2004, p. 38): “É cômico todo incidente que chame nossa atenção
para o fisico de uma pessoa quando o que está em questão é o moral.”

c) Fonte geradora de um objeto imagético externo ao ator; imitação a partir de uma


figura de um personagem da Commedia Dell’Arte.

A comicidade do desenho é muitas vezes uma comicidade de empréstimo,


cujo principal cabedal está na literatura. [...] Mas, se nos ativermos ao desenho
uma firme vontade de só pensar no desenho descobriremos, assim nos parece,

22
Aristóteles escreve: “imitar é natural ao homem desde a infância- e nisto difere dos outros animais, em ser o mais
capaz de imitar e de adquirir os primeiros conhecimentos por meio da imitação- e todos têm prazer em imitar”
(ARISTOTELES, 1995: 21-22).
61

que o desenho geralmente é cômico na medida da nitidez e também da


discrição que nos leva a ver no homem um fantoche articulado. É preciso que
essa sugestão seja nítida, e que percebamos claramente, como por
transparência, um mecanismo desmontável dentro da pessoa. (Ibid., p. 22).

Embora os significados das palavras e das frases sejam importantes para a construção do
efeito cômico, pretendi buscar outras formas que fogem ao conteúdo semântico das palavras.

A voz também pode caracterizar uma personagem cômica. Há dois caminhos sobre o
trabalho da voz do ator hoje em dia: o primeiro mais praticado é o domínio da oralidade natural,
mais cotidiana. Outro, propagado por teóricos como Artaud, Grotowski, Eugenio Barba, trata da
voz não como uma representação mimética da palavra, mas como fonte geradora de significados,
em que os elementos signos da composição vocal possam gerar a partir dos próprios significantes,
novos significados.

A dicção e articulação são elementos que ajudam o ator a se fazer compreender e


modificar sua forma de expressão vocal. A articulação pode ressaltar certos tipos humanos, ou
denotar certos vícios no caráter. A sugestão de Artaud para o uso da voz, estendendo a
possibilidade da palavra, permite expandir os mecanismos do cômico, que a tradição mimética não
deu conta.

Partindo desse princípio, procurei identificar nos gestos propostos para personagem,
uma mecânica que revelasse certa distração. De acordo com Bergson (op. cit.), o efeito de
distração tem uma importância fundamental para a comicidade, uma vez que o riso se realiza
quando o público vê em cena personagens agindo por reflexos, mecanicamente, sem a consciência
de seus gestos. “Portanto, a partir do momento em que nossa atenção incidir no gesto, e não só no
ato, estaremos na comédia.” (BERGSON, 2004, p. 108).

Para isso procedi de forma que os gestos (meras atividades físicas, como andar, sentar,
pegar um copo, apontar algo ou olhar) se tornassem mais evidentes que os atos em si. Com
relação à palavra pronunciada, procurei transformá-la em ações e as ações em gestos que
ressaltassem uma mecanicidade dessas ações.

Com intuito de despertar a criatividade, a quebra de bloqueios corporais, a


disponibilidade para cena, foram realizados diversos exercícios, tanto com o propósito de
despertar a sensibilidade para comicidade, como de criação de matrizes corporais para futuros
esquetes cômicos.
62

A maioria dos exercícios para criação de matrizes foi inspirada a partir da abordagem de
Bergson (2004). Porém o que diferencia os exercícios propostos por mim daqueles adotados
tradicionalmente em muitas oficinas de preparação do ator não está na descrição e execução
formal – alguns deles já são bastante consagrados – mas na preparação do ator para cena cômica.

Apesar de muitos dos participantes já terem vivenciado, em outras oficinas, exercícios


semelhantes, que visavam potencializar as suas capacidades atoriais, nenhum havia experimentado
uma perspectiva cômica para tais exercícios. Não pretendi que os exercícios físicos fossem apenas
para colocar o corpo do ator “disposto”, “flexível” para o trabalho. Desejava que se tornasse
também “espontâneo” para executar possibilidades expressivas gestuais criativas.

Freqüentemente havia a tendência dos atores-pesquisadores colocarem obstáculos que


não foram estipulados explicitamente nas regras dos exercícios. Procurei trabalhar na fronteira
entre o exercício simbólico, imaginativo e o exercício de regras, o teatral, tirando proveito dos
erros de cena. Os exercícios procuraram dar realidade a objetos através dos gestos, tendo como
objetivo libertar a espontaneidade.

A ação espontânea exige uma integração entre os níveis físico, emocional e


cerebral. Em oposição a uma abordagem intelectual ou psicológica, o processo
de jogos teatrais23 busca o surgimento, a partir da corporificarão.
(KOUDELA, 2002, p. 51).

Atores criativos vão além das propostas dadas. Stanislavski partia de aspectos internos,
subjetivos e racionais para despertar a criatividade, mas ela pode vir de impulsos e reflexos, que
são acionados por comandos.

A preparação

O processo criativo tem uma relação íntima com os princípios da vida e da morte. A
cena que acontece todos os dias retoma a origem da sua criação, no que tem de novo. Mas

23
Ingrid Koudela, a partir de Viola Spolin, diferencia os jogos puramente dramáticos dos jogos teatrais. Os jogos
dramáticos, para esta autora, são realizados, não necessariamente, com propósitos de levar para cena, eles apenas
sensibilizam o ator para o estado criativo e espontâneo. Já os jogos teatrais têm propósitos espetaculares, prepara o
ator para cena. Nesta pesquisa não adoto a palavra jogo dramático ou teatral para me referir a exercícios propostos aos
alunos pesquisadores na intenção de prepará-los para estar ou não em cena. Procedo desta forma no intuito que não
haja confusão conceitual entre os exercícios aplicados por mim e os jogos que acontecem no momento da encenação,
através da inter-relação entre os atores e o público.
63

também há a morte no desfecho das ações cênicas. O que permanece vivo é o que fica na memória
do ator e do espectador.

O processo criativo não é apenas repetição, já que o seu ato é sempre um renascimento.
Algo não vivo é inerte, não existe transformação, pois não existe uma dinâmica. Por isso o
processo criativo afirma “[...] uma busca onde a morte diária torna-se mais do que um desafio à
reconquista do ontem intangível.” (ISAACSSON, 2006, p. 82). A reconquista do intangível é o
desejo de recuperar em ação o que ficou apenas na memória, mas que se perdeu com o já
realizado.

Um caminho a ser trilhado na busca de recuperar a efemeridade das ações seria, como
sugere Isaacson (op. cit.), mais que a procura de formalizações estéticas, composições
significativas de espaço e tempo das ações, é importante pensar na origem da criação. A origem da
criação é a busca de um vivo, orgânico e não cristalizado. Quando se retoma a origem da criação,
abre-se uma porta para novas experiências. Há sempre algo deixado de véspera, que jamais será
uma repetição e sim uma evolução que avança, transformando-se em qualidade e natureza. Esta
transformação ocorre no sentido do corpo se expressar como um pensamento sensível.

Nesse sentido, procurei estimular a criatividade através de improvisos, sem a


racionalização dos exercícios. Toda a prática proposta estava pautada prioritariamente na
expressão física, sem caracterização psicológica. Foram desenvolvidas matrizes cômicas
independentes do conhecimento prévio de qualquer cena em que estas estariam inseridas. O
texto, com as cenas cômicas, aparece como informação final para os atores na composição da
personagem.

Essas matrizes, que são na realidade protótipos de personagens, diferenciam-se dos


personagens-tipo, por não possuírem ainda um caráter, um status social ou cultural, que serão
adquiridos somente em ação. O corpo das matrizes deve transparecer uma máscara, um disfarce,
uma forma rígida sobre a flexibilidade da vida. Uma vez que o corpo da personagem está sendo
construído no ato do jogo teatral, isto em si já estabelece um objetivo, ou uma ação objetivada. A
manutenção constante desse corpo extracodiano, portanto, dá ao ator uma presença em cena.

Nesse caso, a comicidade só se intensifica quando a personagem, composta pela


partitura dessas matrizes, suscitar uma distração, uma não consciência desse corpo extracotidiano
mecanizado. O efeito de distração tem uma importância capital para comicidade, uma vez que a
distração acontece quando a personagem não tem consciência dos seus atos. Os atos devem
parecer revelados para o público sem que a personagem os perceba. “É cômico deixar-se distrair-
64

se de si mesmo. E o que é cômico, acima de tudo, é a própria pessoa passar o estado de moldura a
qual as outras incidirão no presente, e solidificar-se como um caráter.” (BERGSON, 2004, p.
111).

A rigidez da forma e espontaneidade da vida se opõem no plano conceitual, mas nesse


procedimento devem coexistir. Para Bergson (op. cit.), o mecânico é visto quando a forma se
desloca ou se destaca em relação à vida. No entanto para se chegar a comicidade pela discrepância
entre o vivo e a mecanicidade de sua forma é preciso que as ações das personagens lhes pareçam
naturais.

O problema maior quando se trabalha com codificação de técnicas é o risco da


esclerose e, em contrapartida quando se trabalha em demasia sobre o que é
vivo e espontâneo, o risco é o caos.Uma técnica do ator deve, na realidade,
navegar entre esses dois pólos. (FERRACINI, 2006, p. 78).

Por isso, o improviso é sempre incentivado para dar à cena o frescor da naturalidade. A
improvisação se realiza com a manipulação de um vocabulário de uma estrutura já conhecida. O
que acontece de novo no momento da cena é a ordenação dos componentes desse vocabulário.

Assim, as situações textuais potencializam e ajustam as partituras para que a comicidade


se estabeleça naturalmente. Embora as personagens fossem diferentes das matrizes que as
originou, o ator estaria sempre atento em não perder o referencial matricial que era o suporte da
composição corporal de cada personagem.

Por fim, com a preocupação em manter a matriz e não de ser engraçada, toda ação dos
personagens deve se transformar em atos mecânicos naturais, no sentido de revelar certa distração
do corpo.

A montagem

A pergunta não seria mais: como tornar a cena engraçada? mas, antes de tudo: como realizar
a cena de maneira que o público perceba o desvio da vida em direção a uma mecânica? Essa mecânica,
porém não deveria ser explicitamente evidenciada, mas parecer algo natural, mera distração das
personagens. Assim, de acordo com Bergson (2004, p. 109) é pelo automatizado natural que se
chega à comicidade.
65

Só é essencialmente risível aquilo que é automaticamente realizado. Um


defeito, uma qualidade mesmo, a comicidade é aquilo graças a que a
personagem se entrega sem saber, o gesto involuntário, a palavra inconsciente.
Toda a distração é cômica.

Assim, pretendo que a comicidade surja como conseqüência desse efeito e não com a
intenção primeira de ser risível. Pelo principio do mecânico colado no vivo os atores devem
entrar em cena com suas personagens compostas por partituras advindas de matrizes corporais
previamente elaboras, anteriores ao texto.

Temos uma tradição de criarmos espetáculos a partir de um texto dramatúrgico. A


maioria das escolas de teatro em suas montagens de conclusão de curso procede da mesma
maneira. O processo inicia-se, quase invariavelmente, pela pesquisa, leitura e discussão do texto
que se pretende encenar, para, a partir da dramaturgia pré-concebida, inspirar todos os elementos
de composição do espetáculo, inclusive das personagens.

Para que haja teatro não há necessidade de um texto escrito. No entanto, toda a
encenação obedece a uma dramaturgia advinda ou não de um texto dramatúrgico.

Houve um tempo em que texto era o centro da encenação teatral. A partir da


dramaturgia textual, o diretor decidia o elenco, o cenário e os demais elementos de cena. A
composição das personagens estava subordinada às indicações do texto. O número de atores, o
gênero do espetáculo, a intenção das personagens: tudo era ditado pela dramaturgia escrita. Ainda
hoje o texto tem muita importância, sem contar que ele representa um roteiro para encenação e
traz um valor documental da arte teatral. Sabemos mais sobre o teatro grego pelos os textos dos
dramaturgos do que por quaisquer outros registros.

Para alguns diretores o texto é o espelho da cena, enquanto para outros, o texto é
pretexto. A tradição naturalista tende a seguir “ao pé da letra” a indicações do autor. Já para outras
concepções, a subversão completa do texto é totalmente aceita.

Em um teatro que considera todos os elementos da cena como signo, tudo pode ser
amplificado ou subtraído. Por exemplo: em um texto que contenha duas personagens, pode ser
realizado por mais de dois atores. Da mesma forma que uma peça com diversas personagens pode
ser encenada por apenas dois ou somente um ator, realizando os mais diversos papéis. A questão
do gênero da personagem também é insignificante, pois uma personagem masculina pode
perfeitamente ser encenada por uma atriz e vice versa.
66

Nos processos das técnicas atoriais consagradas são realizados trabalhos de preparação do
ator em se que potencialize o corpo para um estado cênico. O que diferencia o meu trabalho
dessas propostas são os objetivos. Focalizo todo o trabalho para o ator risível, enquanto que as
técnicas conhecidas estão preocupadas com ator de uma forma geral.

Esse direcionamento tem uma implicação substancial, pois já partindo para construção
de matrizes corporais de personagens cômicos, vinculo as partituras desses corpos criados no
momento de preparação às possibilidades de comicidade. Com isso, pretendo que o corpo
extracotidiano pareça cotidiano no estado cênico cômico, ou orgânico, antes que o texto escrito
apareça.

Apesar das partituras que compõem as personagens serem originadas por matrizes,
independentes do texto dramatúrgico, elas adquirem uma dimensão cômica maior por suas ações
físicas. Assim, as partituras realimentam as ações físicas e vice-versa.

Em cada cena a ser montada foi identificado um conjunto de atividades; essas atividades
transformamos em ações no espaço, e estas, em gestos mecânicos. A mecanicidade, o
automatismo como distração nas atividades sociais são os elementos essenciais para a composição
da cena cômica, tanto nas situações como nas palavras das personagens.

O espectador

Antonin Artaud, em sua obra, O teatro e seu duplo (1999), escreveu que o ator deve ser
um atleta afetivo, aquele que toca o coração. De que modo, então, é possível que o ator e público
conversem através da linguagem do coração, para que o esforço de tradução entre
sentimento/físico do ator e do físico/sentimento do espectador seja nulo? Em outras palavras,
como tocar diretamente o espectador, alcançar as suas paixões? Como traduzir a imensidão íntima
do artista? Alcançar o riso da platéia?

O espectador dá ao ator cômico o acabamento final de seu trabalho, ajustando


os tempos, o ritmo, o jogo. E só pela resposta do público podemos ter certeza
de que o trabalho do ator alcançou seus objetivos. [...] Estudar a comicidade
sem considerar a presença do público é perder um personagem fundamental,
que serve de guia e estímulo para o ator. (ANDRADE, 2005, p. 42).

Para Bergson (1999), o pensamento está orientado para a ação. Isso significa dizer que
tudo aquilo que penso, afeta o meu corpo ou provoca em mim uma ação real, momentânea, ou
67

virtual, que provoca outra ação. A cena cômica provoca no corpo de quem assiste, e a percebe,
uma afetação pensamento/corpo, que se manifesta em forma de risos.

Algumas vezes, a arte reflete o espectador e não a vida. “É um corpo refletindo outro.
Os objetos que cercam meu corpo refletem a ação possível de meu corpo sobre eles.”
(BERGSON, 1999, p. 16). Por isso o riso precisa de eco. Ele é o estado de ressonância entre os
corpos. Suscitar o riso é também fazer corpos entrarem em ressonância com o objeto risível.

O corpo desaparecendo, não desaparecem as imagens, mas, desaparecendo o corpo,


desaparecem as sensações. As sensações estão no corpo. E o que o ator deseja é provocar
sensações no corpo do expectador, através de imagens produzidas fora desse corpo, mas pelo
corpo do ator.

O ator risível deseja produzir sensações no expectador, de maneira que se reflitam em


forma de riso. Tais sensações podem ter sido as mais diversas, como medo, saudade ou nostalgia,
todavia a conseqüência desejada deverá ser a mesma: o riso.

A comicidade quase sempre se estrutura de modo que a imaginação do espectador possa


abandonar o curso ordinário das coisas. Uma imaginação que possa ausentar-se e levar a uma nova
vida, produzindo viagens imaginárias e infinitas por itinerários não muitos regulares. A comédia
eleva, suspende o espectador em seu sono e, ao fazê-lo cair, acorda-o pelo riso.

Para a produção do risível, a deformação de imagem tem valor capital. A imagem pode
ser construída a partir de lembranças e induzida a partir de sugestões. Busca, antes de tudo, uma
construção de um falso sentido. Procura estabelecer uma relação causal predeterminada entre as
ações. Assim a deformação da imagem cômica é produzida quando nos faz sonhar e acreditar que
os caminhos aos quais as ações estão nos levando é o que exatamente preconcebemos. O riso que
nos acorda do sonho acontece justamente quando percebemos que fomos levados para um
caminho imprevisto, quebrando assim a lógica dos sentidos esperados.

O imaginar, ou o estado imaginativo, também é uma experiência vivida do mesmo


modo que, quando sonhamos, estamos vivenciando uma experiência. Na comédia há esse convite
para a imaginação, para o sonho, e o momento do riso é o despertar do sonho. É o momento em
que o espectador percebe que foi ludibriado, que tem uma relação próxima com a ilusão. Mas ao
contrário da raiva, há o prazer, pois ele sabe que a ilusão é parte do jogo. O comediógrafo faz com
que a imaginação pareça realidade; pretende que o espectador adormeça e sonhe que estava
acordado, e o riso acontece quando ele acorda e se descobre dormindo.
68

O ator risível é um deformador de imagens por excelência. Ele tem a habilidade de


libertar-nos das imagens primeiras e, como num truque de mágica, nos desloca para outras
imagens diferentemente da percepção anterior. Ele revela a ilusão das imagens. Como se utilizasse
de um espelho, ele vira de ponta-cabeça a realidade e nos convida à viagem ao mundo paralelo das
imagens in(di) vertidas. Mundo este que se apresenta móvel, fluido e onírico.

O riso acontece a partir do diálogo entre a maneira como o comediógrafo articula o seu
material em espaço e tempo bem definidos e de como o expectador percebe e concebe o que se
apresenta em cena, dentro dos seus critérios de juízo. No entanto, ele deve estar integrado ao
“espírito de jogo”.

O aspecto psicossocial no envolvimento do espectador dependerá sempre das


artimanhas lúdicas com que o comediógrafo manipula o discurso insultuoso.
Não se pode entender a catarse cômica em geral, e a satírica em particular,
como fenômeno estético-receptivo, se não aceitamos o vocabulário obsceno,
os intuitos agressivos, o furor de escárnio, o deleite no “baixo” e no grotesco,
formas ferozes de burlas e chacotas, como elemento de uma criação artística.
(MENDES, 2001, p. 257).

Só haverá riso do espectador se ele entender que aquelas agressões, que muitas vezes
acontecem na cena cômica, como aparentes, como fruto de artimanhas de uma criação artística.
Se houver uma identificação como a verdade, o riso não acontecerá. O espectador deve está ciente
de que tudo não passa de um jogo e de que ele também é jogador e, como tal, deve corresponder
às regras expostas, implícita ou explicitamente.

A capacitação do público para participar ativamente do evento teatral está


fundamentalmente vinculada à proposição artística que lhe é dirigida, e se
estabelece também pela maneira como o artista trabalha e compreende a
interseção entre a cena e a sala. A atuação do espectador não se efetiva sem o
reconhecimento de sua presença. A voz desse outro integrante do diálogo
situado na platéia só pode ser ouvida se a palavra lhe for aberta. Seu interesse
em enfrentar o debate estético proposto na obra está diretamente ligado à
maneira como artista o convida, provoca e desafia a se lançar no diálogo.
(DEGRANDES, 2003, p. 28).

Podemos, como ator, até controlar, codificar nossas ações, mas pouquíssimo, ou quase
nenhum é o nosso controle sobre o espectador. Este sempre foi o desafio que motivou as mais
diversas técnicas da arte teatral e, no caso específico da comédia, existe uma particularidade: a
necessidade de que o espectador reaja com o riso. Uma parte da cena cômica é realizada pelos
artistas (dramaturgo, diretor e atores), a outra, a incontrolável, é o público que completa.
69

Em Bergson encontro apenas um ponto de partida para o estabelecimento do risível.


Para ele, o riso é aquele provocado por alguma produção cômica que exija da pessoa que ri um
mínimo de raciocínio. Mas raciocínio não deve ser entendido como um processo de análise
pormenorizada de dados com objetivo de chegar a uma conclusão, e sim como uma percepção
rápida, quase instantânea e intuitiva, talvez, da incoerência de uma situação – incoerência que se
torna cômica, provocando assim o riso.

Provocar um estranhamento é provocar uma vertigem, é fazer fugir da realidade em que


todos nós estamos ou procuramos nos apoiar. É justamente quando não estamos tão atentos à
vida, neste momento ínfimo, que ocorre o desvio em direção à mecânica, que algo nos afeta, nos
desequilibra, nos tira do chão, e o corpo reage.

Em qualquer gênero diferente da comédia, o ator, após a realização do espetáculo, pode


até se iludir que conseguiu tocar a platéia. No entanto, no espetáculo cômico em que não houve
risos suficientes, tem-se a certeza que as pretensões não foram alcançadas. Ao contrário, não
significa dizer que, havendo risos, obteve-se o êxito planejado no processo de criação artística.

Este gênero teatral, no momento de sua realização, praticamente impõe ao espectador


uma resposta física imediata. O corpo do espectador se presentifica através do riso. Não são
espectadores passivos. Toda comédia tem uma semente performativa. As reações do público
nunca são as mesmas, nem sempre o riso acontece nos mesmos momentos da cena cômica.
Contudo, os atores necessitam desse riso para realimentação do pleno desempenho da sua
performance.

O efeito cômico tem seu tempo, sua duração, por isso exige que a percepção seja
instantânea, que o estranhamento se realize de forma imediata, para que nem a inteligência nem a
elaboração formal atrapalhem sua reação prevista. Mesmo que não haja uma previsibilidade das
reações da recepção, ou que esta previsibilidade não seja explicitamente pensada na elaboração da
obra, o espectador existe de fato, implicitamente, na gênese da criação, pois todo o processo
criativo da encenação é concebido no intuito de sua exibição.

No caso de uma obra cômica, as estratégias de elaboração são voltadas, muitas vezes,
para suscitar o riso a partir da indução de um determinado horizonte de expectativa, para depois
desviá-lo num sentido completamente diferente do esperado.

As comédias estão repletas de situações em que o objetivo seja suscitar o riso por meio
da quebra no automatismo do pensamento, utilizando como estratégia o ludibrio do espectador.
Assim sendo, pode-se concluir que, embora na obra teatral não se consiga plenamente espaços
70

vazios de significações a serem preenchidos e atualizados pela recepção, isto não implica que, na
sua concepção, não se deva buscar e suscitar horizontes de expectativas.

Há, portanto, um entrelaçamento entre as personagens, as ações físicas e o espectador


na realização completa da cena cômica. O risível acontecerá em contexto específico, que
dependerá do espectador, da personagem e de suas ações físicas, realimentando-se mutuamente.

No esquema que elaborei e mostro a seguir, sintetizo as diversas etapas dos


procedimentos do ator para cena cômica, inspirados no mecânico colado no vivo, que serão
aprofundas nos próximos capítulos. É importante observar, neste esquema, que mesmo que o
espectador apareça como elemento final do processo de criação, as suas reações realimentam as
ações físicas dos atores.
71

PROCEDIMENTOS PARA CENA CÔMICA

FONTES GERADORAS:
CORPO/VOZ FONTES GERADORAS: TEXTO
Imitação: pessoa, animal, Esquetes cômicos, imagens de
figura brinquedos (boneco de mola,
marionetes, bola de neve)

MATRIZES
PROCEDIMENTOS DE CONFECCÃO
(repetição, inversão e interferência das séries)

SITUAÇÕES PALAVRAS

PARTITURAS AÇÕES FÍSICAS

PERSONAGENS

CENAS CÔMICAS

ESPECTADOR
72

Ao meu ver, o espetáculo teatral somente se poetiza e se efetua por meio de


uma relação de forças entre todos os elementos que o compõem. Justamente
quando o espetáculo diagonaliza todos os elementos e as forças que ele
contém, formando um só bloco, um só ser do sensível, é que ele atinge sua
força e plenitude poética e afetiva. (FERRACINI, 2006, p. 253).

No entanto, os elementos da personagem cômica como figurinos, maquiagem,


adereços, que ajudam na composição da cena cômica – não explicitados no esquema acima –,
neste caso particular, não devem ser os primeiros a serem pensados. É importante descobrir um
corpo/voz risível em situação, para somente depois se verificar a necessidade ou não de algo a
mais para suscitar o riso.

Ao tentar abordar, neste tópico, alguns aspectos da recepção, a intenção não foi ter o
controle de um modo geral das afecções do espectador – tarefa que considero presunçosa, ingênua
e de improvável de êxito. O que desejo, no entanto, é lembrar que a resposta do público relativa à
comicidade sempre interfere e contribui nos ajustes finais do espetáculo apresentado.
73

3.MATRIZES

A oficina

No sábado, dia 30 de junho de 2007, iniciei com 15 atores pesquisadores 24 a oficina


Procedimentos do ator para as cenas cômicas, encerrando-a com a montagem e apresentação pública de
esquetes, nos dias 6 e 12 de outubro de 2007 25.

A oficina, que foi dividida em três módulos (Matrizes para as cenas cômicas, Preparação para
as cenas cômicas, e Montagem de cenas cômicas), teve como objetivo geral propor procedimentos para
o ator em cenas cômicas, inspirados na abordagem da obra de Henri Bergson, O Riso: um ensaio
sobre a significação da comicidade.

Antes de iniciarmos os trabalhos, realizei uma reunião com todos os participantes.


Foram repassadas para eles algumas premissas que deveriam ser adotadas e seguidas na oficina.
Essas premissas estão descritas abaixo:

 Todos estavam previamente esclarecidos que se tratava de uma pesquisa, nesse


sentido, eles eram objetos de estudo em que eu faria diversas experimentações.

 A oficina era iminentemente prática. Não haveria nenhum contato direto com as
teorias de Bergson. Nem eles seriam completamente informados das minhas reais
intenções nas propostas dos exercícios.

 Os atores deveriam tirar suas próprias conclusões durante as discussões, após os


exercícios ou através de comentários livres de suas percepções, escritos para mim,
sem necessidade de teorização ou na intenção de estar de acordo, supostamente, com
os meus propósitos.

24
Amidete Aguiar, Chirliane Alves, Elaine Nascimento, Henrique Bezerra, Jeniffer Suzana, Jociel Carvalho, Larissa
Montenegro, Elvis Jordan, Deninha Carvalho, Gorete Rodrigues, Rebeka Lúcio, Samanta Sanford, Rafaele Costa, e
Gisele Fernandes, Felipe Franco, Fábia Guedes. Permanecem ainda no grupo somente os 8 primeiros nomes dessa
lista.
25
Até o momento que encerro esta fase da pesquisa, foram, ao todo, dez apresentações públicas. Além das duas
citadas, que oficializaram o término da oficina, ocorreram mais oito apresentações: duas em dezembro de 2007,
cinco, em abril, e uma, em maio de 2008. Em 2010. fizemos dez apresentações em cidades do interior do Ceará, com
o patrocínio da Secretaria de Cultura do Estado.
74

 Havia dois lemas: NA DÚVIDA ULTRAPASSE, e: A ÉTICA INFLUENCIA NA


ESTÉTICA.

 NA DÚVIDA, ULTRAPASSE: caso qualquer proposta não ficasse clara ou alguns


limites não estivessem devidamente esclarecidos, os atores estariam livres para a
criação e o improviso.

 A ÉTICA INFLUENCIA NA ESTÉTICA: a oficina era um laboratório, um momento


de intimidade em que todos deveriam se respeitar e se permitir errar. Todas as
discussões deveriam ser comentadas somente na oficina e não fora dela, com outros
professores, para que não gerassem idéias pré-concebidas e descontextualizadas
negativamente. Todos assinaram uma declaração, liberando seus comentários para
serem publicados na tese. No entanto, deixei claro que a recusa da assinatura era uma
opção de cada um e isso não os excluiriam da oficina.

 Os horários e presenças deveriam ser rigorosamente cumpridos. Com mais de duas


faltas o participante estaria fora da oficina. Ao final de cada módulo, os atores
receberiam declarações de participação, emitidas pelo departamento de pesquisa do
CEFET-CE e, ao final dos três módulos, seria fornecida uma declaração completa.

Quando iniciei a oficina, não se falava em composição de matrizes. Esses conceitos


foram se definindo com os exercícios. Por esse motivo os atores-pesquisadores, em muitos dos
seus comentários, falam em personagens e não em matrizes. Em outros momentos, em vez de
matrizes falam de partituras. Não tive a preocupação, naquele momento, com a confusão
conceitual, uma vez que estava apenas interessado que eles praticassem os exercícios e que as
reflexões teóricas resultassem das experiências de cada um.

No capítulo anterior, caracterizei mais detalhadamente a diferença que adoto entre


matrizes, partituras e personagens. No entanto, resumidamente, agora assumo que as matrizes são
elementos de composição do corpo/voz das partituras das personagens.

Os exercícios foram realizados à medida que transcorria a oficina, no momento em que


eu sentia a necessidade de implementá-los. Assim, dividi-os, didaticamente, em dois grandes
grupos, de acordo com seus objetivos:

1. Exercícios gerais de AQUECIMENTO e de SENSIBILIDADE CÔMICA;

2. Exercícios específicos de COMPOSIÇÃO e FIXAÇÃO DE MATRIZES.


75

Embora esses exercícios estejam apresentados numa seqüência, eles não foram
realizados na ordem que estão descritos. Muitos deles foram praticados diversas vezes, ao longo
de toda a oficina, outros apenas em momentos específicos.

As avaliações dos resultados foram obtidas através de comentários escritos e verbais,


fichas de dados contendo informações de posturas corporais, filmagens dos exercícios, reações
comentadas pelos atores e pelo público na apresentação da montagem. A maioria dos comentários
realizados pelos alunos pesquisadores e citados neste trabalho foi escrita, alguns manualmente,
outros, repassados para mim por e-mail.

Como considero os alunos pesquisadores os principais parceiros nas reflexões desse


processo, as suas vozes serão mais evidenciadas nos comentários dos exercícios do que a minha.
Incluo vários desses comentários abaixo, abstendo-me de acrescentar a eles, em alguns casos,
qualquer observação, isso quando percebo que já estão sintonizados com o meu pensamento.
Procedo da mesma maneira nos próximos capítulos.

Exercícios gerais: aquecimento

Um grupo que se forma ainda é uma massa disforme, células separadas, por isso,
inicialmente, necessitei integrar o grupo, harmonizar as emoções, os anseios, receios, já que havia
alunos de diversas turmas e experiências variadas. Os exercícios de aquecimentos foram realizados
em diversos momentos da oficina. Seus principais objetivos eram integrar, harmonizar o grupo;
desenvolver as potencialidades e as sensibilidades físicas para o palco.

 Abraços

Esses exercícios foram sempre realizados no começo dos encontros, anterior a qualquer
outro exercício. Consiste simplesmente em caminhar pela sala em silêncio, direcionar o olhar para
um dos participantes e abraçá-lo, até que todos fossem abraçados, uns pelos os outros. Nesse
momento, eu, como instrutor, também estava inserido no exercício, abraçando e sendo abraçado.
Ao longo da oficina, ocorreram variações nos abraços: algumas vezes, eram realizados em ritmo
lento, outras vezes, estimulados por comandos, abraçava-se em velocidades variadas e mudava-se
76

da pessoa a ser abraçada apenas por impulso, por um comando dado por mim: “abraço!” Nos
últimos encontros desse módulo, os abraços eram realizados com as matrizes corporais.

Objetivos:

 Promover o aquecimento do grupo;

 Propiciar o envolvimento do grupo;

 Concentrar para o trabalho de grupo;

 Despertar as afetividades;

 Romper com as barreiras corporais;

 Fixação de matrizes cômicas.

Comentário:

Falando das minhas percepções sobre os exercícios do último final de semana,


gostei muito da nova experiência do abraço na velocidade -3 (menos três),
pois parece ser bobagem, mas me veio a leve impressão que dessa forma surge
mais emoção e calor humano e até pensei que isso pode ser utilizado em cena
para transmitir uma emoção mais profunda. Eita viagem legal nesse assunto de
abraço. (Chirliane, 19/07/2007).

 Variação de velocidades

Consiste em movimentar-se pelo espaço com velocidades variadas a partir de um


comando. Inicialmente, anda-se “normalmente”, o que cada um deve chamar de sua velocidade ou
ritmo 0 (zero). Após um comando, movimenta-se em uma velocidade superior a anterior,
chamada de velocidade +1 (mais um). Criei outras velocidades crescentes nomeadas de +2, +3 e
+4. Esses movimentos caracterizam rapidez de ação: pressa, nervosismos, fuga, ou agitação.
Foram criados outros movimentos -1, -2, -3 e -4, que caracterizam lentidão de ação: calma,
atenção ou cuidado. Essas características de lentidão e rapidez não eram explicitadas para os
atores, a intenção é que tudo fosse percebido por eles ao longo dos exercícios. Os comandos
foram realizados sempre alternando entre uma velocidade e outra, não necessariamente numa
seqüência. Cada um deveria memorizar suas velocidades pessoais, por repetição freqüentes de
77

comandos, durante toda a oficina. A mudança de velocidade foi base para a maioria dos exercícios
nos três módulos, assumindo objetivos diversos a cada nova proposta.

Objetivos:

 Potencializar a presença cênica, através de um objetivo definido que é movimentar;

 Seguir para um lugar com uma determinada velocidade;

 Detonar uma ação como impulso, reflexo de um estímulo interior ou exterior;

 Quebrar as movimentações corporais cotidianas;

 Modificar o sentido de uma ação pela mudança na velocidade dos movimentos;

 Fixar as matrizes criadas;

 Criar uma percepção mecânica corporal no espaço, tanto nos atores como em quem
os assiste;

 Ampliar as possibilidades cômicas pelas mudanças de velocidades repentinas.

Comentários:

Os exercícios me surpreenderam, pois tive um contato muito íntimo com o


meu corpo e com meus limites. Pude perceber a mudança ocorrida na
respiração durante o decorrer da atividade sobre o caminhar de diversas
formas e velocidades. (Chirliane, 30/06/2007).

Começamos a caminhar pela sala em três níveis de velocidade (-1, 0, +1).


Níveis estes que eram determinados pelo mediador da oficina. E, às vezes,
éramos obrigados a mudar de direção. É notável a alteração da respiração de
acordo com a mudança da velocidade do caminhar. Também ressalto a
dificuldade que se tem em mudar a direção da caminhada na mesma
velocidade em que se está andando. Exemplo disso é que quando andávamos
no -1 geralmente mudávamos a direção na velocidade +1. (Henrique,
01/07/2007).

Fizemos novamente o nosso corpo cênico, sendo que dessa vez controlamos o
riso daqueles que eram momentaneamente “público”, andando em diferentes
velocidades. Percebi o quanto o riso contagia e pode ser descoberto e até
forçado, podendo até parecer real, se torna real. Quando está fazendo o
personagem, tinha muito mais segurança quando tinha a reação do “publico”
com as risadas. Foi interessante também explorar a comicidade do corpo do
personagem nas diferentes velocidades. (Elvis, 01/07/2007).

Fazer as transformações dos personagens em velocidades variadas me permitiu


ir criando uma espécie de intimidade com os mesmos. Sinto que meus
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personagens estão ganhando aos poucos personalidade. As dinâmicas, ou seja,


as variações de ritmos e velocidade, parecem ter efeito de ajustes. Adequações
inconscientes que o corpo e a máscara facial vão encontrando. Aos poucos vai
surgindo os principais caracteres dos personagens. (Deninha, 03/08/2007).

 Colocar ovo em pé

A cena se torna crível quando existem motivações verdadeiras por parte das
personagens. Nesse sentido, este exercício é excelente para se perceber uma presença verdadeira
em cena, pois, quando se estabelece um objetivo específico para se estar em cena, é como por um
ovo em pé.

Objetivos:

 Desenvolver a precisão gestual;

 Estimular a autoconfiança e a disponibilidade para desafios;

 Despertar o prazer do jogo;

 Exercitar a concentração, a determinação e o foco.

Comentários:

Grande lição que aprendemos com o exercício de colocar o ovo em pé, pois
além da concentração e determinação de fazer aquilo que foi proposto,
também percebi que muitas vezes não somos leais com os nossos objetivos e
nos aproveitamos de algum fato pra aliviar e facilitar o nosso trabalho.
(Chirliane, 24/07/2007).

O domingo foi bastante proveitoso a título de observação, a atividade com os


ovos foi muito interessante, pois deixou bastante claro que mais importante do
que realizar, é o processo de tentar realizar sem preocupar-se em competir,
Chirliane foi à única que realmente tentou, que ousou não se contentar com o
mais fácil e não se deixou abalar pelo espírito de competitividade. É difícil
estar tentando e ver seus colegas passando e ter a consciência de que você
ainda está lá “empacada”. (Gorete, 26/07/2007).

A brincadeira do ovo também achei legal. Significativa. Ficou um lembrete pra


mim de que temos que procurar viver o exercício, seja ele qual for, buscando
explorá-lo ao máximo e não querer terminar logo, indo de imediato ao seu
objetivo final. (Deninha, 3/08/2007).
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 As articulações corporais

Divide-se o corpo em três partes básicas :

1. Cabeça/pescoço;

2. Tronco (coluna e bacia);

3. Membros: superiores (antebraços, braços e mãos), inferiores (coxa femoral,


pernas e pés).

Identifica-se eixo de articulações entre cada uma das partes:

a) cabeça e pescoço;

b) pescoço e coluna;

c) coluna e bacia;

d) bacia e coxa femoral;

e) coxa femoral e pernas;

f) pernas e pés;

g) tronco e antebraços;

h) antebraços e braços;

i) braços e mãos.

Deixam-se livres as articulações dos dedos, tanto os das mãos como os dos pés. Foram
definidos planos de movimentação: plano central, plano frontal, plano traseiro, plano lateral
direito, e plano lateral esquerdo. Depois se estipularam modos de articulação: frontal, traseiro,
lateral direito e esquerdo; rotacional sentido horário e anti-horário. Todas estas movimentações
são executadas isoladamente por articulações, em velocidade variada; à medida que são realizados
os exercícios, combina-se mais de uma articulação ao mesmo tempo, com movimentação de
planos diversos.

Objetivos:

 Consciência sobre o repertório corporal;


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 Criar e automatizar novas posturas gestuais;

 Compor matrizes não cotidianas;

 Perceber as mecanicidades da movimentação física;

 Potencializar composições de gestos mecanizados.

Comentários:

Ouso afirmar que por meio da repetição estes exercícios estão tornando-se
viscerais. Já me sinto mais a vontade em brincar com os eixos do corpo e as
idéias de combinações surgem com mais facilidade. Minha mente inquieta-se
em pensar no porquê dessas brincadeiras com eixos. Seria somente para
podermos construir um “mapa” na hora de criarmos um determinado corpo?
(Henrique, 07/07/2007).

Quero tecer novo comentário a respeito da percepção dizendo da sua


importância e valor. Observar e sentir a respiração para se chegar num ritmo
corporal equilibrado e atingir através dela um bom nível de concentração. O
trabalho com as articulações tem sido perfeito para entender e conhecer as
muitas possibilidades que o corpo dispõe na montagem dos personagens. Este
processo de percepção está acontecendo aos poucos. A cada dia junto mais
uma peça do quebra-cabeça. (Deninha, 03/08/2008).

 Manipulando as articulações

Divide-se a turma em grupos de três ou quatro componentes. Em cada grupo, por vez,
um integrante permanece deitado, enquanto os outros manipulam, daquele que está deitado,
todas as articulações, suavemente (pés, dedos, bacia, braços, pescoço).

Objetivo:

 Integrar o grupo para os trabalhos;

 Estimular as intimidades físicas interpessoais;

 Trabalhar o toque interpessoal;

 Potencializar as percepções corporais;

 Quebrar as barreiras do contato físico;


81

 Perceber as articulações corporais através do outro.

O toque é uma coisa complicada para todos nós. E em nossa área, a teatral, que trabalha
com as sensibilidades à flor da pele, sempre surgem as defesas. Pretendi trabalhar estas relações de
contato com grupo, para que as cenas pudessem transmitir verdades, quando se tratasse de
contatos corporais, e não apenas uma timidez, que é natural, pois sempre passa pela cabeça “o que
o outro irá pensar de mim?”. Qual o limite entre a representação e as verdadeiras emoções? É
sempre complicado este limiar entre conter-se e entregar-se. Descobrimos à medida necessária
com os exercícios e a prática constante.

Comentários:

Começamos hoje com um reconhecimento do corpo (nosso e o do outro). Isso


se dava por meio de toques e movimentos que fazíamos no corpo de um
companheiro. É notável a dificuldade que existe em entregar-se ao outro. Às
vezes, auxiliamos no processo do movimento ou então tencionamos a
musculatura. Instinto de defesa? Quem sabe? Notei como conheço pouco de
mim mesmo. Quero dizer que nunca me apercebi pelo peso da minha cabeça,
como a batata da minha perna é sensível às cócegas, como meu pé é flexível.
Enfim, como não conhecia o instrumento do meu trabalho, meu corpo. Esse
exercício tornou-se útil inclusive para reconhecer limites. Claro que todos
estamos dentro de certa margem nos limites da articulação, mas vi como sou
mais flexível em certos pontos que meus companheiros, e em outros, sou
menos. Enfim, aprendemos a delimitar limites para nós e para o outro. Vale
ressaltar também a sensação de conhecimento do toque. É uma coisa quase
mística, pois sentia e sabia quem estava me tocando em determinado lugar.
(Henrique, 21/07/2007).

Nestes dias vimos que para alguns o toque é difícil de ser aceito, que existe
uma resistência inconsciente, onde o temor sobre o que será feito consigo
impede o relaxamento, deixando os corpos tensos. Atribuo este fator não só a
um comportamento individual, mas também a um componente cultural, onde
a doação em forma de toque é pouco praticada, sendo até mesmo encarada de
forma errônea quando realizada. Em nossa sociedade o toque, o afeto sem
razões aparentes não é algo comum. Ainda neste momento pudemos constatar
que a forma como se dá o toque, seu ritmo e intensidade, espelham as pessoas,
ele é reflexo de quem o dá. Uma das questões a se considerar com esta
atividade é sua relação com o estar em cena, confiar e entregar-se, não apenas
em si, mas principalmente na troca e interação necessária no palco, estar apto
a receber e doar-se no jogo representativo, onde não estamos sós e sim
interagindo com outros atores e platéia, espaço este que nos pede entrega e
não resistência. (Gorete, 26/07/2007).

Exercícios gerais: sensibilidade cômica


82

Os exercícios de sensibilidade cômica foram realizados com objetivos de desenvolver as


potencialidades e as sensibilidades físicas para o palco, numa cena cômica; as liberdades criadoras e
as percepções cômicas; suscitar reflexões críticas sobre o riso e o risível.

 Ensinando a rir

O instrutor propõe ao grupo quatro modalidades de riso. Modalidade 1 : apenas um


sorriso, sem som, com a boca aberta, mostrando parcialmente os dentes. Modalidade 2: um
sorriso, com apenas um som: “ran”. Modalidade 3: um sorriso mais aberto e mais alto que o
anterior como “rá, rá, rá, rá!” Modalidade 4: gargalhada solta.

Objetivos:

 Perceber a mecanicidade física do riso;

 Verificar na prática que o riso necessita de eco.

Comentário:

E uma diversão pra mim foi o exercício do riso, pois adoro dar risadas e
manter o riso no nível 1 é muito difícil pra mim, mas sei que preciso trabalhar
isso. (Chirliane, 30/06/2007).

 Xingamentos

Dois atores caminham pelo espaço, enquanto os outros os assistem. Ao sinal do


instrutor, começam xingamentos mútuos, até o esgotamento do “repertório”.

Objetivos:

 Suscitar uma reflexão sobre as formas aceitáveis de riso;

 Potencializar a liberdade criadora;

 Perceber os aspectos risíveis e a mecanicidade das palavras.


83

Comentários:

Neste outro dia de oficina as atividades foram um tanto “do caralho”.


Começamos graduando mais os níveis de velocidade do caminhar, instituindo
assim duas novas velocidades (-2,+2). Após isso, o exercício nos foi bem
curioso. Caminhávamos pela sala e quando ninguém estivesse falando
preencheríamos o ambiente com um palavrão. Esse palavrão seria dito em
diversos níveis de volume. Esses níveis foram treinados previamente e
mostraram o quão pouco conheço da minha voz. Devo admitir que não
encontrei um sentido aparente para estarmos realizando o exercício, mas na
hora em que ele foi iniciado logo me veio à mente a imagem do centro da
cidade. Onde existe muita movimentação, muitas palavras e muitos palavrões.
Em seguida, com os palavrões e níveis já internalizados, iniciamos uma espécie
de confronto. Consistia em duas pessoas se encontrarem em cena e
começarem a trocar palavrões em um volume crescente. É incrível como
algumas pessoas se sentiam muito mais a vontade do que outras. Cheguei até a
comentar que minha namorada, Elaine, era uma “lady”. Pois, seus palavrões
mais pesados eram “burro, imbecil, feio”. Também notei que mesmo uma
pessoa “desbocada” sentia-se intimidada quando enfrentava uma pessoa
contida. O que quero dizer é que, pelo fato de não ser agredida, a pessoa fica
sem jeito de mandar o outro pra “puta que pariu”. Exemplo disso foi a cena do
Elvis e da Elaine, onde ele comentou após os exercícios que se inibiu devido a
falta de agressividade no vocabulário da parceira. Finalmente trabalhamos com
o desenvolvimento de uma partitura corporal simples ao falar. Primeiro
elogiávamos o colega e decorávamos o jeito que fizemos esse elogio (corpo,
voz, partitura vocal), em seguida usávamos a mesma partitura trocando por
um palavrão. Esse jogo de oposição tornou um simples “vá tomar no cu”
hilário. Era interessantíssimo, ver o outro ser agredido enquanto o agressor
falava de uma maneira amistosa e gentil. Ao fim, levantaram-se questões sobre
o uso do palavrão na cena cômica. O fato dele ou outras coisas serem
apelativas ou não. Estas questões me recordam até uma questão anterior que
tratava sobre o humor inteligente. O que é esse tipo de humor? Creio que
todas essas perguntas não possuem uma única resposta. Elas só podem ser
respondidas levando-se em consideração o conceito de alteridade, e um certo
estudo da cultura do povo onde este humor esta sendo aplicado. Seguindo a
fundo esse caminho acabaríamos nos encontrando com a antropologia. Pontuo
essa questão, pois ela é digna de nota: quando e como usar o palavrão para que
ele não se torne apelativo? (Henrique, 08/08/2007).

Falando sobre o exercício de hoje, dia 8, sobre o qual tivemos de xingar e


elogiar, em ordens opostas, me fez pensar muito sobre o fato do preconceito,
que muitos dos xingamentos eram feitos por preconceito; pessoas que são
contras esses preconceitos também falavam palavrões, sem notarem que de
certa forma também estavam tendo preconceito, o que notamos depois da
oficina. Um exemplo disso é o fato da homofobia, que muitos chamavam os
outros de “viadinho”, “vai dar o cú, a bunda, baitola!” E pessoas não gostam
desses tipos de palavrões por acharem preconceito, eu penso e gosto desses
tipos de palavrões ou de cenas que ridicularizam, essas coisas. Não penso ser
preconceito, apesar de ser preconceituoso, pois todos temos qualquer tipo de
preconceito, mesmo que eles não sejam iguais. Acho que assim como
homofóbicos, existem “heterofóbicos”, pois comigo, certas pessoas me
chamam de preconceituoso, mas quando brincam comigo me chamam de
viado ou insinuam que sou, e não vêem que isso é preconceito; não ligo,
contanto que me deixem brincar sem acharem que sou preconceituoso. Acho
84

que na comédia isso tem que existir, personagens como gays, pobres, e outros
do tipo, pois isso é do cotidiano das pessoas, convivemos com isso, com
preconceitos ou não. Penso também que, se bem utilizados, esses palavrões
podem sim ser levados para cena. Penso que o grosseiro, se bem aproveitado,
pode cair muito bem numa cena. (Jociel, 08/07/2007).

Como são interessantes todos os exercícios que fazemos em sala! É


impressionante a descoberta que estou fazendo do meu próprio corpo, da
minha voz, das possibilidades que posso alcançar, das dificuldades partilhadas,
das reflexões estabelecidas. Parece tão difícil fazer as coisas naturalmente,
como xingar as pessoas. Fazemos isso com muita facilidade quando estamos
com raiva, mas fazer isso sem nenhum motivo aparente, exige de cada um o
espírito de ator e uma grande concentração para não perder o foco e cair em
gargalhada antes do fim. Pensando em levar isso para cena, é preciso de muito
cuidado, pois fazer algo desse tipo pode ser apelativo, como foi visto, e eu
acho que de fato é, se não for algo pensado e estruturado antes. Mas foi um
exercício de muita graça. (Chirliane,11/07/2007).

O exercício dos palavrões foi muito complicado para mim. Eu não havia
dormido o suficiente na noite anterior e me sentia com a energia muito baixa.
Quando me vi diante de tamanho desafio, tendenciei logo para o desânimo e a
desistência. Imagine uma pessoa sem chão! Procurava uma memória emotiva
que me levasse a um estado de agressão, e nada. Uma ação física qualquer que
me impulsionasse, me desse um impulso, e nada. Por um momento me
ocorreu um desespero que deu para controlar. Não havia como escapar, eu
teria mesmo que enfrentar o tal desafio, tão grande naquele momento para
mim. O maior problema não eram os palavrões, ou as questões relacionadas à
moralidade. A maior dificuldade estava em expressar uma agressão. Em chegar
à agressividade. Bom, sou uma pessoa que me trabalho, já há algum tempo, na
busca da paz interior, sendo muito tranqüila na hora de enfrentar conflitos.
Então, esta experiência me pegou de surpresa. Na hora foi um tanto dolorosa,
mas, de grande importância para minha pesquisa pessoal. Quero te agradecer
por ter insistido para que eu fosse fazer o exercício de qualquer maneira. Já
pensou, se você tivesse deixado para lá? Eu teria perdido uma grande
oportunidade de superação e compreensões para minha pesquisa individual.
Como já havia comentado contigo, fui para casa chorando. Senti-me excluída
pelo próprio teatro. Passei um domingo difícil, mas à noite já estava
restabelecida, buscando direcionar meus objetivos. (Deninha, 03/08/2007).

Quanto o uso dos palavrões, sou totalmente contra. Não que eu não fale
palavrões, é obvio que falo, mas nós temos o privilégio de estar em um palco,
mostrando algo às pessoas, temos o poder de formar opiniões, de causar
sensações, porque desperdiçar esse momento? (Elaine, 13/07/2007).

Em relação às dinâmicas não senti à vontade em falar os palavrões e também


discordo quanto a tudo ser permitido, pois mesmo estando em um ambiente
de total liberdade, acredito que algumas frases constrangem e inibem. Nesse
caso mesmo em um ambiente assim deve haver um “pensar” anterior, antes de
verbalizar. (Gorete, 07/07/2007).

Este foi o exercício que, surpreendentemente, mais rendeu comentários, por isso não
me privo aqui de acrescentar os meus.
85

Quando levo o xingamento para oficina não é para dizer que xingamento é normal e que
devemos e podemos praticá-lo com qualquer pessoa ou em qualquer situação. Mas levo o
xingamento para um questionamento. Como utilizá-lo adequadamente, artisticamente, numa
comédia – no meu caso particular, usar a “baixaria”, os nossos preconceitos de modo a condená-
los e não reforçá-los. Em que medida socialmente deve-se utilizá-los? São questões que
permanecerão sempre, pois os costumes sociais mudam. Não se deve pensar que só porque certas
coisas fazem parte da vida, devem ser adotadas indiscriminadamente.

O apelativo é o desnecessário. E tudo que se está trabalhando é para descobrir


possibilidades de comicidade para a cena cômica; no corpo, na voz, nas falas e situações, que,
sendo postos em certos contextos, são muito risíveis.

Antes de tudo estávamos nos preparando para exercer uma atividade artística muito
específica, o teatro. Isso, em um contexto geral, significa que temos que expor nossos corpos, nas
mais diversas situações, soltar a voz e as possibilidades corporais, o que não implica termos que
fazer tudo que nos pedirem. Somos livres para escolher o que nos interessa. Porém, quanto mais
liberdade eu der à minha expressão, mais possibilidades de criação terei. Compreendo que
apelativo é um conceito social, mas nós vivemos dentro de normas de convivências. Do contrário,
seria o caos. Cada um fazendo o que bem entendesse. Vivemos em sociedade e a arte pode ser um
mecanismo de questioná-la, de chamar a atenção para seus atos, o que não quer dizer que temos
que mudá-los.

Estive tratando na oficina de diversos temas, o xingamento e o palavrão não poderiam


ser excluídos. O que desejo é apontar um material que, adequadamente trabalhado, poderá criar
cenas cômicas, artisticamente interessantes. É como qualquer minério que, em seu estado bruto,
não desperta muito interesse, mas quando bem trabalhado, lapidado, torna-se uma pedra preciosa,
cobiçada por todos.

Volto a repetir, nem tudo que existe na vida temos que obrigatoriamente representar
em cena. No entanto, nós temos uma hipocrisia de não desejar falar palavrão, coisas relacionadas
com sexos e escatologias, por tabus e educação cultural. Muitos que não querem falar palavrões
não se importariam de representar um ladrão, uma pessoa de péssimo caráter, um viciado em
drogas, um garoto de programa, um assassino, um político corrupto. Todos esses personagens
representam uma agressão para sociedade, tanto, e às vezes mais, quanto um palavrão. À medida
que nos libertamos de nossas próprias repressões, as possibilidades criativas aumentam, mas cada
um em seu ritmo. O importante é a busca, pois todos nós temos limitações!
86

 Manipulando o outro

Divide-se o grupo, formando duas fileiras, uma de frente para outra. O instrutor diz um
nome de um objeto e pede a cada participante que vá moldando seu próprio corpo na forma do
objeto sugerido (exemplos: escova de dente, cadeira, privada, e outros). Depois que a forma está
corporalmente definitiva, o instrutor chama uma pessoa da fileira oposta e pede que esta manipule
o objeto da maneira que quiser. O mesmo procedimento deve se repetir para todos. Esse
exercício foi realizado como uma preparação para o próximo. Apesar disso, ele apresenta
objetivos bem específicos:

Objetivos:

 Criar formas rígidas corporais, a partir de objetos;

 Perceber o risível quando o humano é transformado em algo mecânico;

 Criar o risível espontaneamente.

 Pessoa como coisa

Formam-se grupos de dois ou três componentes e cria-se uma cena com começo, meio
e fim, em que um dos componentes seja coisa em diversos ambientes: banheiro, escritório,
cozinha, sala de estar, e outros.

Objetivos:

 Criar cena com pessoas coisificadas;

 Explicitar o mecânico colado no vivo;

 Potencializar a comicidade física dos atores.

Comentários:

Ah! Não posso esquecer de como o corpo fala através dos sons articulados
como objetos e o quanto é risível as pessoas tentando ser aquilo que nunca
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poderão de fato ser. É realmente cômico ver uma porta quase que com vida
própria, ver uma cadeira produzindo seus sons estranhos, enfim, dar vida a
seres inanimados é uma comédia. (Chirliane, 24/07/2007).

Ressalto também as cenas que foram cruciais em nos esclarecer, na prática,


quanto à questão de nos “preocupar sempre no que se tem a fazer”. Feito isso,
a espontaneidade, a execução e o estranhamento tornam-se risíveis, sem a
necessidade de que nos preocupemos com isso. (Gorete, 26/07/2007).

 Corpos engraçados

Andando na sala, na velocidade 0 (zero), a partir do comando do instrutor, criar por


impulso um corpo engraçado. Caminhar com este corpo em diversas velocidades. Depois, desfilar
para o grupo em variadas velocidades, sem e com o riso da platéia em diversas modalidades,
sempre induzido pelo instrutor.

Objetivos:

 Perceber o que há de engraçado em um corpo;

 Verificar na prática o efeito da claque;

 Perceber o riso como realimentação do desempenho do ator;

 Discutir as deformidades corporais como elemento de comicidade.

Comentários:

Tais formas de exercício me fizeram pensar sobre o fato de rirmos de pessoas


com deficiência ou de idosos, pois na hora de fazermos as formas físicas,
muitos fizeram pessoas com deficiência ou velhinhos que andam de forma
diferente pela idade e cansaço que possuem, muitos riram das formas; tivemos
que rir do pessoal que ia para o meio da roda e muitos gostaram de fazer isto,
mesmo dizendo que não riem de pessoas na rua; talvez não riamos dessa
pessoa por pena, apesar de querermos fazer isto, ou talvez não riamos porque
vemos ali o trágico, e na oficina é apenas uma representação feita até de forma
cômica, esses exercícios me fizeram refletir, penso que um exercício meio que
completa o outro, mesmo sem saber se esse é o seu objetivo. (Jociel,
01/07/2007).

É notável que todos os corpos construídos buscassem demonstrar algo


anormal. Inclusive eu assim o fiz, mas me surge uma dúvida. Se a identificação
e a aproximação são coisas que tem a capacidade de gerar o riso por que fomos
em busca de algo anormal? O que está enraizado em nossa cultura para
88

buscarmos sem nem questionar uma posição anormal no corpo? Uma


dificuldade percebida ao longo do exercício era se sentir confortável naquele
corpo. Essa “confortabilidade” só surgiu quando passamos os mesmos corpos
agora com o “clack” da típica comédia americana. Apercebi-me de duas coisas
neste período do exercício. Uma é que me senti mais confortável ao ouvir os
outros rindo mesmo sabendo que riam por um comando dado pelo instrutor.
Outra coisa é que forçava o riso quando me era ordenado, ou seja, me era
difícil dar uma gargalhada forçada, era desconfortável. (Henrique, em
01/07/2007).

Exercícios específicos

Os exercícios que seguem abaixo têm como objetivo geral a composição e fixação de
três matrizes corporais cômicas para cada ator.

 Composição

O princípio para composição das três matrizes foi a imitação: do corpo de um colega
(Matriz 1); do corpo de um animal (Matriz 2); da forma física de uma figura de personagens da
Commedia Dell’Arte. O objetivo não era a cópia, mas a equivalência física do objeto a ser imitado.

Escolhi este caminho por acreditar que era uma das maneiras dos atores se concentrarem
na mecanicidade física das matrizes, na composição futura das personagens, eliminando dessas
composições os aspectos psicológicos ou da intencionalidade primeira de provocar o riso.

Neste sentido, desejei criar o risível como conseqüência desses corpos/matrizes e das
situações em que eles seriam inseridos. Assim, o risível apareceria sempre como um
estranhamento, voltados para mecanicidade física26.

Com o tempo e com bastante exercício, essas matrizes seriam ativadas por impulsos na
composição das partituras das personagens. E esse corpo estranho, para o público, seria risível,
por se tornar natural para as personagens, como distração, um desvio da vida.

Matriz 1

26
“Só começamos ser imitáveis quando deixamos de ser nós mesmos. Quero dizer que de nossos gestos só podem ser
imitados o que eles têm de mecanicamente uniforme e, por isso mesmo, de estranho a nossa personalidade viva.
Imitar uma pessoa é depreender a parcela de automatismo que esta deixou em introduzir-se em si. Logo por definição
mesmo, é torná-la cômica, e não é de surpreender que a imitação provoque o riso.” (BERGSON, 2004, p. 24).
89

Construção de matriz corporal a partir de observação de colegas. Primeiramente, uma


ficha é distribuída para todos. Cada participante se apresenta, conta um acontecimento pessoal e
executa uma atividade sugerida pelo instrutor (arrumar uma cama, vestir para sair, empacotar
presentes, montar uma árvore de natal, ir ao banheiro e escovar os dentes, plantar uma flor no
jardim, arrumar uma escrivaninha e uma estante de livros, varrer a sala de visitas, dar banho em
um bebê, e outras). Enquanto isto, os demais observam e preenchem a ficha, conforme o modelo
abaixo:

OFICINA: PROCEDIMENTOS DO ATOR PARA CENA CÔMICA


Instrutor: Prof. Fernando Lira Ximenes
Nome do ator observador: __________________________
Nome do ator observado: __________________________

CORPO
(postura corporal, andar, movimentação dos membros, expressão
corporal, tiques, etc.)
VOZ
(timbre de voz, característica de modulação, intensidade, etc)
FALA
(o que faz quando fala, vícios na linguagem, ritmo da fala, etc.)

Depois, cada ficha é grampeada, formando um bloco de fichas por participante


observado. Após este procedimento, é dito para cada um, secretamente, o nome da pessoa que
deve ser imitada sem que essa perceba. Isto durante dois dias de oficina. Finalmente, cada um
recebe um bloco de fichas (preenchido anteriormente) sobre a pessoa observada. Assim, cada
participante tem de posse das informações corporais da pessoa observada por todos, para em
seguida compor uma matriz corporal, inspirada na sua e nas demais observações.

É importante que, na fase de preenchimento das fichas, cada participante não saiba quem
é a pessoa que será alvo de sua observação. Pretende-se com isso que todos fiquem atentos aos
comportamentos para que seja fornecido o máximo de informação sobre a pessoa observada. Do
contrário, se o observador já souber previamente quem deverá observar exclusivamente, poderá
não ter uma preocupação maior em observar os demais.

As fichas ajudam o observador em sua composição, pois contêm os olhares e percepções


do observado, o que é complicado para uma única pessoa perceber e anotar num curto tempo de
exposição.

Durante o período de observação, diversos exercícios são propostos (mudança de ritmos


no caminhar, separação da turma em dois grupos, em que um observa os demais, enquanto os
90

observados executam diversas atividades: caminhar, abrir porta, correr, deitar, contar histórias
engraçadas, entre outras).

Comentários:

É válido ressaltar a enorme dificuldade que se tem de ficar natural à frente de


todos. Digo isso porque na minha apresentação o nervosismo me fez esquecer
muitas coisas que melhor me apresentariam aos outros e sinto que os outros
também devem ter sentido o mesmo. Lembro-me que uma aluna, Gorete,
falou: “Nem lembrava mais como se vestia um vestido.” Essa era uma das
ações que ela realizaria. (Henrique, 30/06/2007).

Senti dificuldade em vários momentos, mas nada me foi mais difícil do que
quando ouvi que devia ser eu mesma, agir naturalmente. Tá bom eu sou eu,
eu sei, mas eu não sou eu se me pedem pra ser eu! Entendeu? Não!? Então faça
exatamente o que eu vou lhe pedir: seja você mesmo na frente de uma platéia
que está lhe observando e esperando que você seja você mesmo! Sacou? Eu
sabia que você iria entender. (Gorete, 30/06/2007).

Recordo-me quando fomos nos apresentar, falar de si e contar uma estória


diante da câmera. Ali, características mais acentuadas de cada um foram
expostas. Em meio ao nervosismo de alguns e extrovertimento de outros,
podemos ter uma dimensão mínima do potencial da turma. Achei todos muito
simpáticos e com a humildade básica de quem está ali para aprender.
(Deninha, 30/06/2007).

 Histórias engraçadas

Cada ator deveria, na frente dos demais, contar uma experiência engraçada.

Objetivos:

 Identificar as motivações e fontes do riso;

 Observar formas de expressão corporal;

 Identificar possibilidades risíveis;

 Perceber a naturalidade do risível.

Comentários:

Contamos histórias, falamos de nós mesmos, mas o que realmente incomodou


foi fazer tudo isso sem representar, eu tentei, mas não fui eu mesma o tempo
91

inteiro, o nervosismo não deixou, e tive que recorrer a uma personagem em


alguns momentos, pois às vezes eu mesma me recusava a ir até a frente e
recorria a ela. E se não bastasse tudo isso ainda tinha a platéia que a gente não
controla. A danada pensa, e interfere no resultado do que eu faço, eu lá
querendo que ela risse e ela me olhando de cara amarrada, sem nem um
sorrisinho amarelo, com cara de poucos amigos. (Gorete, 01/07/2007).

Mais uma vez julguei-me muito antes de escolher que histórias deveria contar.
Até pensei que não seria engraçada, mas me surpreendi com a reação das
pessoas e minha também, por que à medida que ia lembrando ia achando
engraçado novamente. Tenho consciência de que interpretei um pouco, mas
acho que isso é mesmo natural. Hoje já me surpreendi por ter tido coragem de
contar uma história que me causaria vergonha se contasse a outros grupos.
Mas como a proposta era uma história engraçada e todos estávamos na
“fogueira”, então vamos “nos queimar”. É incrível ver como todos nós temos
“micos” para contar, nossa vida é cheia dessas histórias malucas, e foi muito
divertido ouvir tantos “causos” engraçados. Mais uma vez a afirmação de que o
melhor material que temos para o teatro somos nós mesmos, com nossas
histórias de vida maravilhosas. (Fábia, 01/07/2007).

Eu me senti bem. Tanto me apresentando, como contando a estória do


“roqueiro doidão”. Embora tenha gostado de minha performance, fica sempre,
em mim, uma impressão de que eu poderia ter dado bem mais ênfase nos
gestos, nas intenções; poderia ter viajado mais um pouco. Quando falo, tenho
a mesma impressão, ou seja, fica aquela certeza de que eu poderia ter
desenvolvido as minhas falas com menos pressa, menos ansiedade, menos
medo do não sei o quê. (Deninha, 01/07/2007).

Nesse exercício também nos foi perguntado o porquê de acharmos nossa


história engraçada. E ao longo das respostas comecei a notar certos aspectos
que geralmente estão presentes em histórias assim. Os que consegui listar são:
identificação com a história, o absurdo, os tipos (roqueiro doidão), corpo do
contador interpretando a história, o ridículo, o castigo, a evolução da história,
o inesperado, humanização das histórias e das personagens (O Guloso),
inversão (A criança realizando o papel do adulto), metáforas (“Num tava
limpa, a água parecia um chá...”), o proibido (sexo, cocô, etc.) e a repetição
gerando a diferença.” (Henrique, 01/07/2007).

Contei uma história simples com medo de que ao contar uma mais engraçada
não contivesse riso. Quanto mais detalhada a história melhor, como se a
história estivesse acontecendo naquele momento, a melhor parte é quando a
pessoa ri. (Jeniffer, 05/07/2007).

Muitas das histórias continham certa tragicidade ou dramaticidade nas situações


vivenciadas pela pessoa, o que confirma que existe uma linha de divisão muito tênue entre o riso e
a dor. A comicidade é maior quanto mais as personagens vivenciam esta dor, e a platéia não é
afetada por este sentimento de dor, principalmente quando o drama pessoal apresentado não
precipita em maiores conseqüências. Bergson diz que o riso é inimigo das emoções. Para ele o riso
é necessariamente humano, e quando rimos de algo que não é humano, esse riso ocorre porque o
92

objeto do riso nos faz lembrar algo humano. A humanização das coisas ou a coisificação do
humano é um dos mecanismos para se suscitar o riso.

As apresentações tinham algo de vivo, espontâneo e natural, por isso funcionou. Talvez,
se fosse feito de modo muito elaborado (uma vez que pedi para fazer na hora), não tivesse surtido
o efeito desejado. Na medida em que as histórias eram contadas e acontecia de os ouvintes rirem,
o contador adquiria confiança e se empolgava e dava um toque pessoal, com certa naturalidade, o
que só aumentava as risadas.

 Imitações dos colegas

O instrutor distribui um papel para cada componente do grupo com um nome da pessoa
a ser imitada, sem que ela saiba. Todos caminham pela sala, observando, discretamente, aquele
cujo nome está no papel recebido. Aos poucos, procura-se imitar detalhes do corpo: forma de
andar, inclinação da cabeça, ombros, tudo. Mas a imitação começa somente após um comando.
Em seguida, outro comando: caminhar sem imitar. Depois, cada um vai desfilar na sala, seguido
pelo seu imitador. O primeiro sai, fica quem o imitou. Em seguida, este deve exagerar um
aspecto da imitação. Depois variar o ritmo: lento, normal, rápido. Por fim, caminha sem imitar, e
entra, para segui-lo, quem o imitou. Assim, sucessivamente.

Objetivos:

 Criar matriz física cômica a partir de um colega;

 Identificar repertórios corporais risíveis;

 Identificar as mecanicidades corporais das pessoas.

Comentários:

Este exercício consistia em uma pessoa ir ao centro da roda e caminhar, outro


seria mandado para imitar o caminhar dessa pessoa e seu corpo cômico quando
lhe fosse ordenado. É incrível como a relação com a platéia muda quando
existe um outro ator servindo de sombra. Os corpos cômicos que antes não
eram engraçados por si só, tornam-se hilários quando representados por outra
pessoa em conjunto com o dono do corpo original. Não sei bem ao certo se
representar seria a palavra certa, mas sim caricaturizar. Com isso quero dizer
que se nos fosse mostrado somente uma cópia, possivelmente não seria risível.
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Como base, mostro que não só os corpos cômicos caricaturizados geraram o


riso, mas sim a IMITAÇÃO do caminhar e jeito “normal” dos outros.
(Henrique, 07/07/2007).

Sobre termos que observar e imitar quem estávamos observando, achei muito
interessante, pois de nós mesmo podemos criar personagens, com vícios de
fala, gestos, maneira de ser; e sei que pra criar um personagem devemos
observar como ele seria, até o que devemos fazer pra imitarmos o animal no
qual nos comparamos. A oficina tem me alertado positivamente pra isto, pra
observar e usar o que de positivo pode ir pra cena. (Jociel, 08/07/2007).

Um grande aprendizado que retirei desta fase é que a cópia por si só não é
risível. Das apresentações muitas foram cópias na medida do possível, mas
uma em especial foi uma imitação prodigiosa. E o que diferencia “cópia” de
“imitação”? Bom, pelo que absorvi, a imitação tem um toque pessoal do ator.
Ele não simplesmente copia, mas sim cria em cima do seu objeto de imitação.
Trabalha as características que ele acha marcantes e as engrandece de maneira
épica para gerar o riso. (Henrique, 07/07/2007).

Voltando ao exercício e falando sobre a imitação que deu certo, gostaria de


falar do trabalho da Gisele. Ela ganhou como objeto de estudo o companheiro
de oficina Jociel, vulgo “Ciel”. Enquanto eu, Gorete e os outros, copiaram os
corpos estudados, ela usou as características possivelmente risíveis do Ciel e
trabalhou em cima delas. Um exemplo simples e extremamente hilário foi o
balançar das mãos em conjunto com a língua presa e com o toque do boné.
Rendo-me ao trabalho da Girassol, ficou muito engraçado. (Henrique,
07/07/ 2007).

Senti-me meio desconfortável em imitar minha observada, Deninha. Tanto


por estar confiante quanto por um certo receio no que a pessoa acharia. Uma
preocupação em tomar cuidado, pois a personagem que eu estaria vivenciando
estaria pondo em foco detalhes físicos e determinados tiques particulares.
(Gorete, 07/07/2007).

Matriz 2

A composição dessa matriz é gerada a partir de vícios que cada um possui e que podem
ser refletidos em posturas corporais inspiradas em animais. Ou seja, a partir de um vício que cada
um sabe que faz parte de seu caráter, deve-se associá-lo a um animal que inspire fisicamente esses
“desvios da alma”.

A elaboração dessa matriz é realizada em casa e concluída na oficina através de um


exercício básico de metamorfose. No início, todos estão deitados e, por estímulos induzidos pelo
instrutor, cada participante procura moldar o seu corpo ao do animal associado ao vicio. Depois,
levanta-se, caminha em diversas velocidades, emitindo sons e expressando-se corporalmente:
suas relações sexuais, suas necessidades de comer e defecar. Não é preciso uma caracterização
mimética do animal, o importante é procurar estruturas corporais não habituais.
94

Objetivos:

 Criar matrizes físicas geradas a partir de vícios pessoais, que se reflitam em posturas
corporais, inspiradas em animais;

 Ampliar as possibilidades de composição cômica.

Comentários:

Nos foi pedido que escolhêssemos um defeito pessoal e levássemos a oficina.


Lá chegando, escolhemos um animal que tivesse esse defeito presente em si
(ou que, pelo menos, nós achássemos que esse animal tivesse). Em seguida
adotamos o corpo do animal escolhido. Desde a textura dos pés até a máscara
facial. Treinamos o seu movimento nas velocidades já assimiladas e
imaginamos determinadas ações e como esse animal desempenharia (ações
como cagar, transar, caçar, correr).
Finalmente, trouxemos o corpo do animal a um caráter quase humano. Ou
seja, tornamo-nos bípedes e tentamos manter o possível daquele animal nessa
transformação. A experiência foi ótima porque já comecei a perceber meu
corpo devido aos exercícios anteriores. Nessa metamorfose de quadrúpede
para bípede, pensei em jogar o eixo da cintura para frente, pés um pouco para
trás, ombros caídos e para frente, e cabeça caída. Ou seja, com o auxílio dos
exercícios anteriores montei um mapa do meu animal bípede. (Henrique,
08/7/2007).

O mais difícil ainda é tentar interpretar um animal com características


físicas tão diferentes do nosso corpo, realmente é quase impossível,
ainda não compreendi o objetivo dessa tarefa, mas como o senhor mesmo
disse que iriam surgir dúvidas em que as respostas só iriam aparecer com o
passar do tempo, estou esperando e buscando descobrir, por que encontrar
características comportamentais nossas com outros animais é de imediato
simples, mas tentar ser eles com o nosso corpo é de fato difícil. Estamos
vendo também a parte da imitação como fator que gera o riso, mas é
impressionante os paradoxos estabelecidos, pois o que aparentemente não é
considerado como arte, usado de forma criativa e espontânea, se torna muito
importante na elaboração de uma cena cômica. Perceber que o riso pode estar
naquilo que a sociedade condena é muito interessante, pois se torna uma fonte
de pesquisa e de trabalho para ter mais instrumentos que podem ser utilizados
na comédia. (Chirliane, 11/07/2007).

A escolha do animal a vivenciar me foi fácil, pois sinto uma grande afinidade
com o animal escolhido, uma vez que o acho bastante parecido comigo.
Todavia algo me fez pensar na viabilidade física do que escolhemos e me fez
surgir a seguinte indagação: será que ao pensarmos uma composição devemos
começar pensando-a também fisicamente e em nossa capacidade ou limitações
físicas em mantê-las? (Gorete, 08/07/2007).
95

Matriz 3

A partir de uma imagem, construir uma matriz corporal. As imagens sugeridas são
inspiradas nos personagens da Commedia Dell’Arte, apresentados abaixo. Mais de um participante
compôs sua matriz a partir da mesma imagem. A intenção com isso era perceber as diversas
leituras e as variações de matrizes a partir da mesma fonte geradora. Os atores ficaram livres para
criação da voz, do caminhar e de detalhes da expressão corporal.

Figura 27 – Arquétipos da Commedia Dell’Art (Disponível em: <http://grupo.moitara.sites.uol.com.br/commedia.htm#>. Acesso em: 5


mai. 2008).

Objetivos:

 Ampliar a possibilidades e a percepção para a criação de matrizes a partir de fontes


geradoras não humanas;

 Perceber a mecanicidade física de formas inanimadas;

 Potencializar a liberdade criadora.

Comentários:

Sem falar da dificuldade que sempre encontro na hora de improvisar, como no


exercício dos tipos de personagens em que se tem de manter o corpo de
Briguela e pensar em uma desculpa para não ser acusado e uma história para
acusar, é, de fato, um desafio, considero que não fiz o personagem como o
deveria ter feito, mas procurei ao máximo dar características que encontrei
nele. (Chirliane, 24/07/2007).

Exercícios de fixação das matrizes


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Ao longo da oficina, foram realizados diversos exercícios de fixação das matrizes na


intenção de serem ativadas por impulsos e que se apresentassem mais naturalmente possível, tanto
corpo como a voz.

 Dança das matrizes

Colocam-se as matrizes para dançar em diversos gêneros musicais. Por mudança de


ritmos e comandos do instrutor, os atores devem permutar de uma matriz a outra, em
velocidades -3 e, após a mudança, manter-se no ritmo da música.

Comentários:

A dança também foi muito interessante e gostosa de fazer, dançar com o corpo
do personagem nos ajuda a manter o corpo, apesar de que na maioria das vezes
saímos desse corpo, mas não deixa de ser o treinamento no qual está aí para
nos ajudar. (Jociel, 24 /07/2007).

Experimentamos cada vez mais as personagens ao ponto de fazê-las dançar.


Isso me foi muito interessante, pois comecei a delimitar quais delas são boas
ou más dançarinas e que tipo de música preferem. Não quero dizer que foi
importante porque agora sei qual das minhas personagens dança, mas sim
porque comecei a delimitar características que antes não me foram
apresentadas. Ou seja, eu estou delimitando mais o terreno de cada
personagem com base na minha experiência em usá-las em determinadas
ocasiões. Esta delimitação também surge no improviso, pois começo a
imaginar a personagem um indo a praia, a dois indo ao banheiro e etc.
(Henrique, 27/07/2007).

Dançar com os personagens é muito legal. É onde encontro mais facilidade


para ser espontânea e deixar fluir a criatividade, parece que a música
impulsiona intuitivamente os movimentos, as ações, os trejeitos. (Chirliane,
3/08/2007).

 Pular corda

Dever-se-ia pular corda mantendo a composição da matriz corporal.

Objetivos:

 Desperta a prontidão para cena, centrado em um objetivo;


97

 Exercitar as matrizes através de atividades físicas;

 Estimular a descontração e a espontaneidade.

Comentários:

E pular que parece ser algo tão simples se torna tão complicado quando se tem
que fazer em corpo de outro, é preciso muita segurança e concentração.
(Chirliane, 24/07/2007).

No domingo tivemos que pular corda, foi bem divertido também, mas não sei
qual a finalidade que você teve para aquele exercício, apesar de ter sido
divertido. Penso que estes exercícios, assim como as cenas, foram utilizados
de forma que aprimorássemos os personagens, no qual estamos fazendo.
(Jociel, 24/07/2007).

 Caça e caçador

Formam-se dois grupos. Um que observava e o outro que executa o exercício. No


grupo que executa o exercício existe aquele (caçador) que irá escolher uma vítima para caçar
(caça). A caça deverá evitar ser pega, correndo ou chamando algum salvador. Ao ser chamado, o
salvador se transforma em caçador e o caçador anterior passa a ser caça, procedendo da mesma
maneira. Todos devem estar de prontidão, com suas matrizes compostas. Cada passagem de caça
para caçador deverá ocorrer com a mudança de uma matriz para outra.

Comentários:

Realizamos um exercício que se chama CAÇA/CAÇADOR. Onde quando


éramos a caça adotávamos o corpo do tipo cômico 1 (pessoa observada). E
quando era o caçador adotava-se o corpo cômico 2 (animal imaginado). Notei,
ao longo do exercício, que me é extremamente difícil manter o corpo da
pessoa observada. Nas situações de tensão, corrida, o corpo vai se desfazendo
de mim. Coisa que não acontece com o corpo cômico do animal. Acho que
isso acontece, pois meu tipo 1 ainda está muito na observação. Em outras
palavras, ainda não consegui sair da cópia e imprimir marcas minhas no corpo,
coisa que já acontece no 2. Pelo fato de eu tê-lo criado mentalmente e por ter
escolhido algo que o assemelha-se comigo, ele é incrivelmente mais fácil de
ser mantido. Também notei outras coisas no exercício. O primeiro grupo que
foi estava como se estivesse brincando com os amigos na rua. Claro que em
momento algum deixasse a platéia de lado, mas não éramos escravos dela,
brincávamos e nos divertíamos e se ela risse por isso, que bom, mas se ela não
risse não nos importaríamos. E com esse pensamento notei que a platéia
divertiu-se bem mais no grupo 1 do que no grupo 2. Exatamente porque no
grupo 1 houve o espírito de brincadeira e diversão. (Henrique, 19/07/2007).
98

 Ressignificação das palavras

Realiza-se em grupo. Para cada grupo é sugerido um tema (exemplos: frutas, animais,
carros, bebidas, e outros). Monta-se um repertório, anota-se de pelo menos dez palavras
referentes ao tema. Improvisa-se uma situação com as matrizes, em que só deve haver palavras do
repertório, embora a situação não pertença ao contexto do tema escolhido.

Objetivos:

 Dar novos sentidos às palavras;

 Promover a articulação vocal;

 Perceber o deslocamento cômico das palavras.

Comentários:

Bom, ao contrario da última vez que eu escrevi, desta vez foi para dizer que
gostei muito dos dois últimos fins de semana da oficina. Como a gente
começou a trabalhar um pouco da cena em si, e como já lhe disse, acredito
muito no potencial risível da situação. Acho que o personagem sim, pode ser
risível, mas a situação ainda é para mim o grande “tchan” da cena cômica. O
personagem tem o poder de elevar a situação ou destruí-la, tornando ela um
acontecimento simplesmente trivial, sem graça nenhuma. O que mais gostei
desses últimos dias de oficina foi da questão do deslocamento. Sobre a cena
dos meninos (a das frutas, no qual eles só podiam falar nome de frutas,
lembra?); pois é, aquela cena fez um “clic” na minha cabeça e notei como o
deslocamento torna a cena engraçada! (Elaine, 25/07/2007).

Percebi que o vocabulário pode dar um tom todo especial quando se tratando
de frutas, animais e bebidas, que o estranhamento é algo muito interessante
para provocar o riso. (Chirliane, 24/07/ 2007).

 Gramelô27

27
Dei este nome ao exercício em português, como soa aos ouvidos, porém “Grammellot é uma palavra de origem
francesa, inventada pelos cômicos dell`arte e italianizada pelos venezianos, que pronunciavam gramelotto. Apesar de
não possuir um significado intrínseco, sua mistura de sons consegue sugerir o sentido do discurso. Trata-se, portanto,
de um jogo onomatopéico, articulado com arbitrariedade, mas capaz de transmitir; com o acréscimo de gestos,
ritmos e sonoridades particulares, um discurso completo.” (FO, 1999, p. 97).
99

Consiste dividir os atores em grupos, em que cada grupo improvise uma cena, adotando
as matrizes, cujas falas são realizadas por palavras numa língua inventada. As cenas sugeridas por
mim são:

1. Aconteceu algo estranho num velório;

2. Aconteceu algo estanho num supermercado;

3. Aconteceu algo estranho no consultório médico.

Comentários:

Nessa construção usamos um dos nossos tipos cômicos e a linguagem gramelô.


As cenas desenrolaram-se em um velório, um supermercado e um
consultório. Notei certos aspectos que geraram o desconforto e outros que
geravam o riso. Na cena do consultório houve um momento de muita gritaria
e tons agudos, uma certa histeria, que em vez de agradar, irritava o público.
Era desconfortável de se olhar. A cena do velório foi interessante pelos
contrastes das personagens, mas devido à sua prolongação tornou-se uma cena
sacal. Aí entramos novamente no que diferencia um artista dos outros. Não se
descarta a idéia de cenas longas e nem de cenas histéricas, mas deve-se tomar
cuidado com as doses em que são usadas. Começo a notar que tudo no cômico
é válido, mas tudo tem sua própria medida. Finalmente contamos nosso dia
alternando as personagens no decorrer dele. Rebeca usou um conceito muito
interessante da comédia que é a repetição. Uma ação que de tanto ser feita
acaba tomando um ar cômico. Comecei a
preocupar-me com o ritmo que imprimi à minha personagem 2. Pois, no
começo, ele é um personagem engraçado, mas creio que por não haver
variações ele começa a tornar-se sacal e previsível. (Henrique, 19/07/2007).

Ao mesmo tempo em que me deixei contagiar por esta descoberta fui também
posta frente a frente com o sentimento de decepção, quando, ainda realizando
a atividade, percebi o momento em que deixei a alegria em fazer esvair-se,
passando a reles execução, restando apenas o desejo de sair do palco, concluir
e ir embora. (Gorete, 14/07/2007).

Parece-me que quando falamos uma língua que ninguém entende, além do
corpo ter mais importância na transmissão da ação, se torna mais engraçado,
como na questão dos palavrões serem palavras desconhecidas, é algo cômico,
de acordo com as intenções colocadas. Com certeza estamos descobrindo
muitas ferramentas que levam ao riso, resta-nos criatividade para colocá-las
em prática, quando for preciso. (Chirliane, 19/07/2007).

 Onomatopéias
100

Cada ator deveria contar pelo menos uma atividade realizada durante cada um dos
turnos do dia. Para cada turno a ser narrado, o ator manteria uma matriz diferente. E, durante a
narração, deveria criar sons e gestos para ações contadas.

Comentário:

Foi bem complicado a última atividade do domingo, quando começamos a ter


outras ações além do corpo físico; realmente precisa de uma busca intensa
desse corpo, para não desfazê-lo no decorrer da narrativa, de concentração
para manter a voz, criatividade para elaborar as onamatopéias, agilidade pra
contar uma história, e muito fôlego para chegar até o fim. Foi de fato um
turbilhão de atividades e isso é muito engrandecedor na nossa formação de
ator porque nos mostra que devemos estar sempre prontos para o que der e
vier. (Chirliane, 19/07/2007).

 Monólogos

Montar a apresentação de um monólogo, sugerido pelo instrutor. Todas as matrizes


deveriam ser utilizadas, bem como os recursos de gramelôs e onomatopéias. Não há a necessidade
de se decorar o texto, o importante é a sua idéia geral. O ator é livre para criar um novo final. O
texto, inspirado num conto de Thecov, O vingador, e adaptado por mim com o nome de Como
vingar-se de uma adúltera, segue abaixo:

Ah! Sangue, eu bebo sangue. É de que meu pensamento se alimenta. Eu vou


fazê-los em picadinhos! Os laços de família estão rompidos, a honra arrastada
na lama e o vício triunfam. Por isso eu, como cidadão e homem de bem, tenho
de ser vingador. Primeiro mato os dois, e depois a mim mesmo. Já posso ver
os três cadáveres ensangüentados, a massa encefálica escorrendo, a confusão e
a multidão de curiosos... Que horror!... E se eu o desafiasse para um duelo?
Não! É muita honra. Canalhas assim a gente mata como cachorro louco...
Não, isso tudo é pouco! Já sei! Vou matar ele e a mim. E ela eu deixo viver.
Deixo que ela definhe de remorsos e desprezo do mundo. Para uma natureza
perversa como a dela isso será muito mais cruel que a morte. E, no meu
funeral, o meu corpo, estendido no caixão, com um sorriso sereno nos lábios,
e ela, pálida de arrependimentos, caminhará atrás do caixão e não saberá como
se esconder dos olhares de desprezo e desdém que lhe lançará a multidão
indignada... Mas se eu estiver morto, não verei os tormentos da adúltera! A
vingança só é doce quando se tem a possibilidade de ver e degustar os seus
frutos. Que vantagem há se permaneço no caixão sem nada perceber? E... Se
eu fizer assim: mato o amante, assisto ao enterro, vejo tudo e depois do
enterro, me suicido... Espera aí! Se eu me suicidar, ela sairá lucrando, pois
herdará todo o meu rico dinheirinho. A sociedade ainda acabará aprovando a
sua ação e ainda zombará de mim. Mas se eu continuar vivendo... Sim, se eu
me matar, é bem possível que acabem suspeitando de mim, acusando-me de
sentimentos mesquinhos... E depois, porque razão deveria me matar? Não,
101

mato ele, a deixo viver na vergonha e entrego-me à prisão. Serei julgado e ela
figurará como testemunha... Imagino só a sua confissão, a sua vergonha,
quando ela for interrogada pelo meu advogado de defesa! As simpatias da
corte, do público, todos naturalmente ficariam do meu lado! Já sei! Fugirei de
casa, deixando os dois com remorsos! É isso! Esta noite serei um homem
vingado!

Comentário:

Finalmente passamos para a apresentação do texto entregue aula na passada.


Como foi dito é visível a ética influenciando na estética. Ficava claro as
pessoas que trabalharam ou não no texto. Nas apresentações vimos alguns
elementos clássicos da comédia como a repetição (Elvis com a Jocileide,
Jocileide, Jocileide), o inesperado e outros. Uma das apresentações mais
interessantes foi a da Fábia, devido aos recursos que ela usou, o gramelô e as
onomatopéias. Quase todos usaram as onomatopéias, mas digamos que a Fábia
não usou como obrigação porque estava nas instruções na feitura do papel,
mas que ela assumiu o recurso para a apresentação dela. Assumiu de tal modo
que quando ela parou de realizá-los, eu, como platéia, ainda não me sentia
satisfeito, queria mais, pois estava funcionando. Porém, o recurso do gramelô
podia ter sido podado, aparado, não me causou um efeito risível, já que usado
durante quase toda a apresentação. Finalmente na minha apresentação, sei que
já abordei isso, mas gostaria de colocar novamente: é muito bom quando você
escuta os risos da platéia. É a sensação de ser aceito e no momento em que se
escuta esse riso, o ator (falo isso com base somente em minha experiência)
passa a se divertir mais, e quando ele se diverte ele diverte a platéia, é um
ciclo. (Henrique, 02/08/2007).

 Apresentação das matrizes

Ao final deste módulo foram apresentadas trinta e seis matrizes, três por cada um dos
doze participantes que permaneceram até o final do módulo. Pedi que cada um atribuísse um
nome à sua matriz, pois assim seria mais fácil lembrar futuramente quando precisasse compor as
partituras das personagens. Como exemplo, apresento abaixo algumas matrizes construídas por
dois atores, com a descrição de composição elaborada pelos próprios.
102

Gorete Rodrigues28
Nome da Fonte geradora Composição
Matriz
1 – Maria das Inspirada na Deninha Anda com os ombros para trás e peito projetado à frente, pé
Dores direito virado para fora. Sempre demonstra indecisão ao se
expressar e não gosta de falar em público. Costuma andar
rotacionando as mãos e franzindo os lábios em um “bico”.
Quando está falando tem a tendência de ficar trocando o apoio
entre os pés e de ficar em ponta de pé. Trabalha em uma ONG
que atende crianças, mas está insatisfeita com seu trabalho, e é,
também, cantora de MPB. Fala baixo e suavemente, com a
língua presa na parte inferior. Em relação ao nome, foi
escolhido porque a personagem demonstra sempre dificuldade
em decidir-se por fazer ou resolver qualquer coisa, sempre
buscando protelar a hora da decisão.

2 – Gerson Imitação de um macaco Inspiração em sua forma de andar. Criado a partir do hábito da
Miudinho gula e também da identificação com um animal, no caso um
macaco. Seu peito e região da cintura são projetados à frente,
com as mãos estendidas à frente do corpo e moles. Anda com
as pernas em forma de arco, com os pés voltados para fora.
“Tem a expressão facial simpática, com um sorriso
abobalhado”, com os lábios em linha e olhos apertados. Tem
alguns cacoetes, como ficar pondo a língua constantemente
para fora e não ficar parado, movimentando-se sempre em
passos pequenos. É guarda municipal e gosta de contar
vantagem, dizendo-se policial. Fala rapidamente e com a língua
presa na parte superior.

3 – Bartolomeu Inspirada na figura de Devido à pompa que a personagem inspira. O seu peito possui
Encantador Briguella. uma rotação para a direita, acompanhado pelo ombro
esquerdo, que tem uma elevação. Sempre procura manter uma
figura altiva, olhando para as pessoas de cima, com as
sobrancelhas e olhos elevados em uma expressão congelada.
Seu braço esquerdo permanece sempre junto às costas.
Desloca-se como um conquistador, sempre observando as
mulheres com ares de galanteio. Tem 65 anos, mas se acha
bem conservado e encantador, daí seu sobrenome. É um
maquinista aposentado e endividado. Fala com a boca bem
aberta, procurando pronunciar as palavras o mais corretamente
possível.

28
Gorete Rodrigues foi uma das mais dedicadas e talentosas participantes do Grupo de Pesquisa. No dia 29/07/2007
fez a sua última apresentação na oficina, mostrando as suas matrizes, vindo a falecer repentinamente no dia
06/08/2007, o que nos deixou bastante entristecidos e saudosos.
103

Felipe Franco
Nome da Fonte geradora Composição
Matriz
1 – Maria do Inspirada na Postura: Inclinação do eixo da cabeça para frente, eixo dos
Socorro Chirliane ombros com inclinação para cima e rotatória para fora, eixo dos
pulsos para cima, bunda empinada, pernas e pés juntos. Quando
anda balança a cabeça para os lados (movimento sutil). Quando
corre, inclina o corpo para frente e flexiona os joelhos para trás.
Anda em passos curtos.
Voz: Timbre excessivamente agudo com grande amplitude que
em certos momentos faz com que ela desafine, parecendo estar
rouca.
Rosto: Olhos arregalados, sobrancelhas para cima, sorriso largo.

2 – Kiko Inspirado num macaco Postura: Cabeça para frente, coluna curvada, cotovelos para cima,
(Arnaldo braços soltos e quando anda, balança-os alternadamente para
Júnior) direita e para esquerda, eixo da cintura para frente (fazendo com
que encolha a bunda), joelhos flexionados, movimento rotatório
dos pés para fora. Anda em passos largos e grandes.
Voz: Timbre em transição, respiração irregular, fala muito rápido
e repete as palavras incansavelmente quando quer algo.
Rosto: Olhos arregalados, lábio inferior para baixo, lábio superior
em cima dos dentes inferiores, sobrancelhas para cima.

3 – Hastoufo Inspirado na figura de Postura: Cabeça para frente, ombros e coluna curvados, cotovelos
Braga Pulcinella para cima, movimento de rotatória dos braços para fora, eixo dos
pulsos com movimento para cima, cintura para frente, perna
direita no eixo central, perna e pé esquerdo com movimento
rotatório para fora.
Voz: Timbre grave, voz rouca, fala gritando, tem problema de
dicção e sotaque do interior do Ceará muito acentuado.
Rosto: Testa franzida, sobrancelhas baixas, olhar de desaprovação,
maxilar inferior para frente.
104

Comentários gerais

Notei o fato da dificuldade em manter a composição ao longo do caminhar.


Trazendo para a cena, parece-me um ator que aos poucos vai perdendo sua
personagem e volta a ser ele mesmo. Essa dificuldade me pareceu presente em
todos, creio só poder ser superada pelo meio da repetição. Assim, o corpo se
adaptaria com a forma, o gesto e a expressão desejada. (Henrique,
30/06/2007).

Pela primeira vez compreendi totalmente o conceito de corpo extracotidiano,


aceitando que este corpo não me exige peripécias acrobáticas de criar eixos
impossíveis, grotescos e que causem desconforto, pede apenas que eu abdique
do meu corpo cotidiano e assuma um outro, ou apenas trejeitos, por mais
“normal” que ele me pareça, mas que será extracotidiano apenas por não ser o
meu, parece algo óbvio, mas até então eu ainda não havia tomado consciência
deste fato. Em relação ao falado sobre o aumento de repertório como um
processo constante, pudemos perceber isso na prática, pois a cada nova
incursão nas nossas personagens elas apresentam algo novo, no entanto, me
veio o questionamento: em algum momento isso tem que cessar? A
personagem tem que ganhar uma forma definitiva ou ela vai estar sempre em
construção? (Gorete, 19/07/2007).

Fazer as transformações dos personagens em velocidades variadas me permitiu


ir criando uma espécie de intimidade com os mesmos. Sinto que meus
personagens estão ganhando aos poucos personalidade. As dinâmicas, ou seja,
as variações de ritmos e velocidade, parecem ter efeito de ajustes. Adequações
inconscientes que o corpo e a máscara facial vão encontrando. Aos poucos vão
surgindo os principais caracteres dos personagens. (Deninha, 03/08/2007).

Na apresentação das personagens foi possível observar que algumas delas já


têm uma existência independente de seus “criadores”, estando bem desenhadas
e prontas para a cena. Constato um pequeno problema na nossa composição
vocal, acredito que teremos que atentar para a questão da dicção, pois muitas
vezes temos dificuldades em entender a fala das personagens (Gorete,
03/08/2007).

Aqui tomo a liberdade de colocar um pouco sobre uma limitação minha. Isto
é, se me é concedido esta licença. Pois bem, tenho plena consciência do meu
potencial e do meu talento, mas sei também da existência de fantasma que me
apavora quando tenho que me expor. Engraçado é que quando é a hora de ir
paro palco, na hora do vamos ver, é exatamente quando consigo me libertar.
É como se naquele momento, eu estivesse num plano sagrado. Porém para
chegar até lá enfrento grandes dragões. Bom, não posso desistir. Tenho que
tentar, buscar um caminho, uma forma, um método, uma maneira, seja como
for, de neutralizar e vencer este medo. Enquanto isso na “sala de justiça”,
estou procurando aproveitar ao máximo todos os exercícios, apesar de minha
aparente resistência. Às vezes, me surgem os inevitáveis questionamentos: “o
que será o objetivo desse exercício?”; “quais relações ele deve está
encontrando entre os resultados?”; “e os conteúdos registrados, como serão
105

aproveitados na sua pesquisa?” Procuro evitá-los, pois sei que não me serão
úteis naquele momento. Tenho dito que o teatro está ampliando muito a
minha percepção em todos os sentidos. Venho estudando esta afirmação que
me caiu meio que intuitivamente. A percepção está ligada ao sentir e ao
observar com mais profundidade, é uma porta para a compreensão, para o
entendimento. A oficina tem me proporcionado constatar tal afirmação. Cada
exercício proposto é um desafio para o meu corpo e para o meu espírito.
Tenho me encontrado num processo de conhecer meu corpo em cena e
explorar minha criatividade e a isto eu só tenho a agradecer. (Deninha,
30/06/2007).

Os aspectos internos de intencionalidade das matrizes não foram trabalhados como


objetivo primeiro, mas como conseqüência dos exercícios físicos. Pelos gestos gerados uma
provável intenção era expressa.

Neste sentido, trabalhei com a exaustão, através da repetição para chegar num corpo
diferente do cotidiano de cada um. Esse corpo extracotidiano deveria ser composto na intenção de
suscitar o riso, como conseqüência de uma estranheza. Pois nem sempre o cômico se estabelece
com algo que conseguimos identificar. Em muitos casos, é o estranhamento que causa o riso.
Aquilo que nos parece fugir às normas sociais, as regras de conduta, que não tem lógica, que
condenamos socialmente. Em determinadas situações, essas “anormalidades” sociais nos provocam
o riso.

Foram então realizadas ações comandadas por mim. O risível deveria surgir em função
destas ações e não da intenção de cada um em querer fazer rir. Compreendo que é difícil não
racionalizar, mas a maioria dos exercícios foi proposta para suscitar o impulso, realizar ações, não
procurar psicologismo, memórias emotivas, apenas fazer o que tem de ser feito, o pensamento
aconteceria como conseqüência. Mesmo nos palavrões, se é para se dizer, se diz de qualquer
forma que vier à cabeça. A idéia era justamente essa: quebrar certa passividade que eu estava
observando no grupo.

Não estava preocupado com o fácil, embora acredite que devemos começar pelo mais
simples, como um bebê que aprende a andar: primeiro tateia o chão, depois experimenta se
levantar, cai, depois fica em pé e dá os primeiros passos, por fim, corre e adquire autonomia, só
então começa a dançar.
106

4.A PREPARAÇÃO

Da matriz à cena

Foram criadas matrizes para personagens e gestos a serem investigados em cenas


cômicas, não somente para uma montagem específica. Sem o compromisso ou a cobrança de dar
certo ou dar errado, estávamos livres para criação. Nesse processo, a pretensão é que o texto
desapareça como palavra pronunciada e surja no corpo do intérprete; que o texto se torne visível
para os ouvidos e audível para a visão.

Como chegar a isso? – este tem sido nosso desafio neste trabalho: fazer o corpo falar,
contar a piada, mesmo que essa piada venha de um texto, mas que seja através da expressão do
corpo que surja a comicidade. Neste sentido é que o caminho traçado na oficina foi voltado
principalmente para a identificação de possibilidades cômicas corporais.

Nós temos uma tradição de criar cenas a partir de um texto escrito. Nesse sentido,
procuramos uma transposição mimética do que foi escrito para a cena. Como todo mundo, tenho
essa tendência de me conformar com a primeira idéia. Então, lembro-me de pensar: e se eu
testasse de outro modo, como seria?

Minha preocupação estava voltada para que não fossem perdidas as estruturas básicas que
originaram as matrizes, apresentando-as totalmente diferentes das construídas previamente. Mas
faz parte do processo criativo acrescentar-lhes novos elementos de composição. Mesmo quando o
espetáculo está em cartaz, sempre há descobertas de possibilidades para a personagem, sendo esse
um dos meios que a mantém viva em cena.

Senti a necessidade de elaborar exercícios que fossem até o limite do esgotamento físico,
para observá-los melhor e descobrir possibilidades. No entanto, não realizei os exercícios dessa
fase apenas com a intenção de fixação das matrizes, mas também para que pudéssemos refletir
sobre o material produzido e os seus elementos de composição (voz, postura corporal, expressão
facial, movimentação), além de observar como tais elementos se modificam e se adaptam de
acordo com a situação. Ainda como objetivo, tentei descobrir caminhos para o risível das
situações, inspirado no mecânico colado no vivo.
107

Muitos dos exercícios realizados no módulo anterior continuaram a serem praticados


nesse módulo, como os abraços, mudança de velocidades, onomatopéias, etc. Outros foram
acrescentados com a intenção de manter a integração do grupo, a percepção corporal,
potencializar as liberdades criativas e promover uma maior naturalidade das matrizes em cena.

Um detalhe chamou-me atenção: dançávamos rock como as personagens com


muita facilidade, mas quando você mandou que dançássemos como nós
mesmos, todos sentimos dificuldade, começamos a rir dessa dificuldade,
parece-me que é mais fácil nos soltarmos quando não somos nós mesmos; ao
voltarmos a nossa imagem física e psicológica real temos um medo maior de
parecermos ridículos. (Fábia, 19/08/2007).

 Toques

Os atores são divididos em grupos de no mínimo três componentes. Cada grupo forma
um círculo em que um ator fica no meio, de olhos fechados, enquanto os outros o toca em todas
as partes do corpo. Depois de alguns minutos, o que está no meio, deixa-se jogar de um lado para
outro. Após isto, aleatoriamente, a partir de toques em partes diferentes do corpo, ele deverá
produzir sons variados, acompanhados de uma movimentação da parte que foi tocada. Esses
procedimentos devem ser realizados com todos do grupo.

Objetivos:

 Manter a integração do grupo;

 Identificar possibilidades sensoriais do corpo;

 Relacionar corpo e voz.

Comentários:

Passamos para um aquecimento com novas velocidades e a mais baixa me


deixava somente na intenção do “mover-se”. O próximo exercício do tocar o
outro também foi muito motivador. É engraçado como alguns são mais
sensíveis ou fechados ao toque. Digo isso porque na medida em que eu era
apertado eu me fechava mais ou ria devido a possíveis cócegas. O exercício do
se jogar trabalha a confiança de maneira ímpar. Devo admitir que meu grupo
foi falho nisso porque às vezes quase deixávamos a pessoa cair. Mas é bem
interessante notar que quando funciona, a pessoa realmente se deixa ser
jogada, sem impor nenhum freio. E assim deve-se trabalhar em cena. Um
108

confiando plenamente nas ações do outro, um “jogando-se” nos braços do


outro, só assim o “jogo” pode ser conquistado. (Henrique, 25/08/2007).

Sei que já passou o dia de ter escrito sobre esse exercício, mas queria
comentar sobre ele, é o exercício que fizemos num sábado da semana passada,
no qual, fizemos uma roda, um que estava na roda foi para o meio e daí os
outros que estavam ao redor tocavam na pessoa que estava no meio do círculo,
e depois jogavam este como se fosse uma bola, e depois tocavam nele. Ele
mexia o corpo fazendo um som qualquer. Achei muito massa, penso que esse
exercício serve para você pegar mais confiança no parceiro [...]. As cenas
também ficaram muito boas, até porque a gente brincou bastante, as últimas,
tanto que foi até mais divertido fazê-las, por isso. As brincadeiras ou coisas
novas que apresentávamos na cena ficaram legais, sempre repetindo a cena,
mas sempre com algo novo, ou quase sempre. As vozes dos meus
personagens, penso que devem ser melhoradas, porque talvez o público não
esteja entendendo. (Jociel, 04/09/2007).

 Toques e sons

Dois atores se apresentam, enquanto os outros lhes assistem. Um toca em três partes
diferentes do corpo do outro e este deve, de improviso, produzir um movimento e sons para cada
toque e memorizá-lo. Em seguida, aquele que foi tocado deveria realizar uma fala qualquer,
produzindo, na seqüência, os três movimentos e sons.

Objetivos:

 Identificar as possibilidades corporais;

 Potencializar as modulações da fala;

 Perceber o corpo enquanto fala.

Comentário:

Em seguida tivemos a seqüência de toques e sons. Devo admitir que ver


parece ser MUITO mais fácil que fazer. Durante a feitura, percebi como era
difícil manter a consciência dos sons e movimentos que eu gerava. E devido a
isso, fazia sons geralmente no mesmo tom e numa colocação confortável para
a garganta. O mesmo vale para os movimentos. (Henrique, 25/08/2007).

 Improvisação de cenas
109

Entramos numa fase um tanto cansativa, de transição, mas necessária para a pesquisa.
Em toda criação elaborada há os momentos de liberdade completa, de improvisos, e depois os
momentos de ajustes, em que as criações precisam estar mais amarradas.

Trabalhei, nesta fase, com improvisos de cenas roteirizadas, retiradas dos esquetes a
serem montados e apresentados no módulo seguinte: Os impostores, O palco, A rubrica, e Um homem,
uma mulher, para não falar do garçom 29. Eu desejava verificar as potencialidades cômicas das ações
físicas que pudessem evidenciar uma mecânica corporal na personagem e não exatamente no ator.
A intenção, portanto, era que a comicidade acontecesse como conseqüência das ações, e não pelo
desejo de cada um fazer rir. Para isso era necessário um ator mais intuitivo do que racional, um
ator livre e aberto a novas possibilidades.

Mesmo que cada esquete contivesse estruturas dramáticas independentes umas das
outras, todas elas estavam ligadas por um assunto comum, que é o teatro e os variados elementos
de sua linguagem; O palco trata da relação do público com o espetáculo teatral; Os impostores,
com uma trama policial, aborda as máscaras do ator; A rubrica, num clima melodramático, fala
da dependência do ator em relação ao texto dramático; O homem, uma mulher, para não falar do
garçom, com o tema de traição conjugal, descortina os bastidores dos ensaios teatrais.

Esses aspectos relativos à dramaturgia e a sua comicidade não foram enfatizados nesse
módulo. Ao longo da oficina procurei ter o cuidado de não sobrecarregar os atores de
conceituações teóricas. Nesse processo o pensamento é muito importante, mas não um
pensamento pautado numa lógica sistematizada. Desejei que os atores não ficassem tão ansiosos
(quase impossível!) em entender as minhas reais intenções, mas que cada um tirasse as suas
conclusões pessoais.

Os impostores

Comecei com Os impostores por acreditar ser o esquete que mais exigiria dos atores e que
seria um excelente exercício para melhor fixação das matrizes. O esquete deveria ser
representado por dois atores, que comporiam quatro personagens cujas partituras corporais se
revezariam entre eles.

Foram, então, formadas duplas fixas para todos os improvisos. Cada ator compôs dois
personagens a partir das matrizes sugeridas por mim. Aquele que seria o Ator 1, comporia Vitor e

29
Nos Apêndices do livro, constam os esquetes na íntegra, além do material de divulgação do espetáculo
dentre outros materiais relacionados a ele.
110

Pedroso, a partir de suas matrizes. O Ator 2 comporia a Estela e Delegada. Depois, cada
componente de uma dupla deveria imitar os dois personagens compostos pelo outro componente
da dupla. Somente a Chirliane compôs todas as personagens a partir da dupla Henrique e Elaine.

Quadro 18 – Separação das duplas e matrizes.


Duplas Ator 1 Vitor Pedroso Ator 2 Estela Delegada
1 Jociel Matriz 2 Matriz 3 Amidete Matriz 2 Matriz 3
2 Henrique Matriz 3 Matriz 1 Elaine Matriz 2 Matriz 3
3 Élvis Matriz 1 Matriz 2 Fábia Matriz 2 Matriz 3
4 Felipe Matriz 3 Matriz 2 Deninha Matriz 1 Matriz 3
5 Larissa Matriz 1 Matriz 3 Jeniffer Matriz 1 Matriz 2
Fonte: Elaboração própria.

Foram, então, formadas cinco duplas que improvisaram o roteiro de cenas do esquete.
Inicialmente, propus para cada dupla um exercício que chamei de espelho, em que um ficava de
frente para o outro, imitando-o em todos os gestos. Esse exercício, que tinha o propósito de que
cada um da dupla habituasse com a matriz corporal do outro, foi exaustivamente realizado,
revezando-se cada imitação por mais de meia hora.

No primeiro dia da segunda parte da oficina, tivemos bastante dificuldade para


fazermos os personagens de outros como, no meu caso, o segundo
personagem da Amidete e ela do meu, até porque alguns movimentos que ela
faz, meu corpo é impossibilitado de fazer, assim como o dela, que não pode
dobrar os joelhos! Tentamos muito na terça e ficamos bastante cansados! As
coisas tão dificultando, mas também estão ficando melhores! (Jociel,
16/08/2007).

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (14/08/2007)

DA ESQUERDA PARA A DIREITA

 JOCIEL – MATRIZ 2 – VITOR

 AMIDETE – MATRIZ 2 – ESTELA


111

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (14/08/2007)

DA ESQUERDA PARA A DIREITA

 AMIDETE – MATRIZ 2 DE JOCIEL – VITOR

 JOCIEL – M ATRIZ 2 DE AMIDETE – ESTELA

Roteiro de cenas:

Personagens: Vitor; Estela; Pedroso; Delegada

Cenário:

Uma porta da cozinha à esquerda do público. Uma porta central que liga a sala à rua e outra porta
à direita, a do quarto do casal. Tudo se passa na sala.

CENA 1

Ator 1: Vitor; Ator 2: Estela

 Estela entra nervosa, carregando uma mala, vindo do quarto, com estivesse querendo
fugir.

 Quando Estela vai abrir a porta da rua, Vitor entra.


112

 Estela tenta disfarçar a surpresa e Vitor fica intrigado com atitude da mala e pergunta
onde ela pretendia ir. Estela dá uma desculpa qualquer.

 Vitor não acredita. Ameaça bater em Estela. Estela cai no chão, arrasta-se aos pés dele
e suplica para não apanhar. Ele desiste, larga-a e vai até o quarto tomar um banho.

 Estela se transforma em Vitor, faz uma ligação secreta dizendo que o plano deu
errado. Volta à partitura de Estela e sai para rua.

CENA 2

Ator 1: Delegada; Ator 2: Estela

 A campainha toca, a delegada entra.

 Estela estranha, pede que esta se identifique, ela faz mistério.

 Estela ameaça chamar o marido que está no banho.

 A delegada pede que ela chame.

 Estela chama, insistente, por Vitor.

 Por fim, a Delegada identifica-se, e diz que ela está presa por ter matado o marido
afogado.

 Estela se espanta, insiste que o marido está no banho, mas a delegada empurra Estela
para fora de casa e ordena que supostos oficiais que a prenda.

 Quando a Delegada está só, muda para partitura da delegada, e faz uma ligação
telefônica, alegando que está correndo tudo conforme o plano.

 Muda para partitura da Delegada, e sai.

 Repetem-se as mesmas marcações da cena, mas com os papéis trocados.

CENA 3

Ator 1: Estela; Ator 2: Pedroso

 Estela, apressada, tenta sair da sala com uma mala.

 Quando tenta sair, dá de cara com Pedroso, que fica muito intrigado com a mala.
113

 Ela diz que precisa fugir com ele logo, pois Vitor está vivo.

 Pedroso não acredita nela, pois foi ele mesmo que jogou Vitor ao mar.

 Eles se abraçam, amorosamente, dizendo que precisam fugir antes que Vitor apareça.

 Ouve-se um ruído fora, Pedroso se esconde na cozinha.

 Estela abre a porta.

Neste módulo necessitamos conhecer além das nossas matrizes, as do outros.


O primeiro exercício consistia em copiar a personagem de sua dupla (duplas
previamente definidas) e percebi alguns aspectos durante a feitura do
exercício. Primeiro, lembro-me que no começo da oficina, trabalhamos com a
cópia de uma pessoa. Na época eu levantei a questão da diferença entre cópia e
imitação. A cópia é uma “xerox” e a imitação possui algo nosso. Este foi o
primeiro pensamento que me veio à mente e com ele as seguintes questões:
“Seria válido incrementar/caricaturizar/engrandecer defeitos de um
personagem que já é tão grande (grande no sentido de que os personagens já
são muito caricatos, mexer neles poderia deixá-los over)?” Sei que é
irrelevante, mas aqui coloco também a INCRÍVEL dificuldade de copiar o
personagem alheio. Tanto pela dificuldade de adotar um corpo geralmente
desconfortável, como por uma espécie de mistura. Digo mistura porque senti
que mesclava as personagens copiadas com as minhas. Quando me apercebia
eu possuía o corpo da “Princesa” (personagem de Elaine), mas tinha o rosto do
“Souza Gesto Largo” e isso não acontecia só comigo. Percebi que os
“Pantaleões” de Amidete e Jociel eram muito parecidos, senão idênticos.
Confortei-me ao perceber que a voz não era um problema só em mim, mas
em todos. Notei também que quando o exercício funciona, ele funciona. Sei
que fui pleonástico, mas o que quero dizer é que foi impagável a sincronia de
Jenifer e Larissa no exercício das cópias. As personagens de ambas cabiam nas
duas e elas realizavam as ações com uma sincronia hilária, eram personagens
gêmeas em cena. (Henrique, 11/08/2007).

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (14/08/2007)

DA ESQUERDA PARA A DIREITA

 HENRIQUE – MATRIZ 3 – VITOR

 ELAINE – MATRIZ 2 – ESTELA


114

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (14/08/2007)

DA ESQUERDA PARA A DIREITA

 ELAINE – MATRIZ 3 DE HENRIQUE – VITOR

 HENRIQUE – MATRIZ 2 DE ELAINE – ESTELA

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (19/08/2007)

DA ESQUERDA PARA A DIREITA

 LARISSA – MATRIZ 1– VITOR

 JENIFFER – MATRIZ 1 – ESTELA

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (19/08/2007)

DA ESQUERDA PARA A DIREITA

 JENIFFER – MATRIZ 1 DE LARISSA–VITOR

 LARISSA – MATRIZ 2 DE JENIFFER – ESTELA


115

Oh! Dia cansativo para todos nós, mas muito


produtivo também, o espaço em que estávamos não era propicio para o
desenvolvimento bem livre de cada personagem, o exercício de abrir e fechar
a porta com as diferentes velocidades e os diferentes tipos de personagens me
chamou muita atenção, pois é nítida a mudança de intenção e da própria ação
física sem fazer esforço para isso acontecer e nem forçar o corpo. Com certeza
a atividade da noite que nos deixou extasiados foi a do espelho, como é difícil
imitar alguém com perfeição e mais difícil ainda é imitar alguém que está
imitando outra coisa. E o que falar das cenas... Foi um momento de muita
descontração e descobertas do significado das ações, da fala, do texto e do
sentido que cada um coloca diante de uma história.
Sábado, dia 18/08, eita que agora a coisa tá ficando complicada, mais cenas
pra representar, mais exercícios de imitação, enfim, estamos numa avalanche
de novidades e isso é muito bom para o crescimento e amadurecimento de
cada um. É legal ver o exercício do espelho, de fora é que a gente percebe a
diferença nítida entre a cópia e o personagem real. Alguns já estão muito bem,
outros nem tanto, entendo que isso faz parte do ser humano e dos limites de
cada um. Para mim o mais complicado é imitar a voz e a expressão facial, que
é algo muito forte no personagem e que eu preciso aprender. (Chirliane,
21/08/2007).

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (14/08/2007)

DA ESQUERDA PARA A DIREITA

 ELAINE – MATRIZ 3 DE HENRIQUE –


VITOR

 CHIRLIANE – MATRIZ 2 DE ELAINE –


ESTELA

Estou sentindo uma espécie de mudança em mim. Não sei se este tipo de
comentário contribui em alguma coisa. O certo é que estou diferentemente
melhor. Reconheço que aos poucos estou me desprendendo do racional,
daquele pavor, e daquela autocrítica imensa. Sei que ainda tenho que melhorar
muito, porém estou muito feliz de ter chegado aonde cheguei. Gostei muito
de fazer o personagem com o Felipe. Ele, de certa forma, estimula e dinamiza
a cena. Enfim, gosto de trabalhar com todos. Estou consciente de que preciso
aperfeiçoar várias coisas: as intenções, as máscaras faciais, as partituras do
116

corpo e a voz. Um tanto de cada personagem precisa ser lapidado. Também


sei que se eu executar melhor alguns exercícios e com mais freqüência,
chegarei a resultados excelentes. Então, mãos à obra. Agora é ir à busca da
querida amiga disciplina. O prazer de estar verdadeiramente entregue em cena
é indescritível. Algumas vezes, até mesmo na música, quando estou cantando,
esqueço esse vigia insistente, que me desperta dos meus sonhos, ele quer
dirigir meu lado sensível, deixando-me num estado quase sempre consciente
de todo o processo, inclusive, o criativo. Você não imagina minha satisfação de
poder estar encontrando uma maneira de conciliar esta força, que de alguma
forma desenvolvi em mim. (Deninha, 18/08/2007).

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (18/08/2007)


DA ESQUERDA PARA A DIREITA

 FELIPE – MATRIZ 3 – VITOR

 DENINHA– MATRIZ 1 – ESTELA

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (18/08/2007)

DA ESQUERDA PARA A DIREITA

 DENINHA – MATRIZ 3 DE FELIPE –VITOR

 FELIPE – MATRIZ 1 DE DENINHA – ESTELA


117

No espelho percebemos mais detalhes do personagem do outro, sem falar nas


dicas que nos dá. É difícil manter a dinâmica ao transformar os personagens e
conseguir brincar com isso. Ainda sou muito racional, isso fica explícito. Em
cena tive enorme dificuldade de manter o corpo do personagem da minha
amiga. Tem gente mais preocupada em fazer rir do que na cena em si. Riso
forçado é falso. (Jeniffer, 21/08/2007).

O palco

Representado por dois atores. Toda a cena acontece na platéia, entre dois atores, que
representam o público que assiste a um espetáculo em que só há o palco vazio, sem atores.

Roteiro de cenas

Personagens: Ator 1 e Ator 2

Ator 1 já se encontra sentado, na cadeira da primeira fileira, quando o público entra. Depois de
alguns minutos, Ator 2 entra e senta-se na última fila de cadeiras.

 Ator 2 pergunta ao vizinho se já começou, Ator 1 pede silêncio, dizendo que ele está
atrapalhando o espetáculo.

 Ator 2 se espanta por não haver atores no palco.

 Ator 1, como se estivesse falando uma obviedade, diz que o espetáculo é somente o
palco e nada mais, que é para mentes inteligentes e sensíveis, não para ignorantes sem
sensibilidade.

 Para cada afirmação categórica do Ator 1, o Ator 2 responde com um “Ah!”, com
idéia de “saquei!”.

 Ator 2 pede para trocar de lugar com Ator 1, afirmando que, de onde ele está, não dá
para sentir nada.

 Eles trocam de lugar.

 Ator 2 começa a sorrir, gradativamente.

 Ator 1 o repreende dizendo que não se trata de comédia, mas de um drama


existencial muito denso.
118

 Ator 2 muda o humor, vagarosamente, e começa a chorar, cada vez mais


intensamente.

 Ator 1 pergunta por que ele está chorando, Ator 2 diz que estão judiando muito do
palco.

Com relação à cena do Palco percebi que alguns personagens se encaixam


melhor na história para provocar o riso do que outros. Percebi também, que
mesmo como platéia a gente não consegue ficar de todo neutro por causa da
mania de interpretar que nunca abandonamos, principalmente quando estamos
diante de alguém. Uma coisa que venho percebendo desde muito tempo é que
o erro proporciona o riso, então fico me questionando se o erro propositado
numa peça também levaria ao riso. (Chirliane, 24/08/2007).

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (21/08/2007)

EM PRIMEIRO PLANO, OS DOIS ÚLTIMOS, DA


ESQUERDA PARA A DIREITA

 HENRIQUE – MATRIZ 2 – ATOR 2

 CHIRLIANE – MATRIZ 3 – ATOR 1

OBS: Os demais são figurantes.

Conversamos um pouco e logo demos início às atividades. Houve um


experimento com Os impostores e com O Palco. Nesses experimentos foi
interessante notar como meu personagem 1 (Souza gesto Largo) se
encaixou bem no papel do ator 1. Porém coloco que só tornou-se
interessante porque a platéia já conhecia o rumo do esquete e as atitudes
marcadas para as personagens. E o Souza as mudou. O que quero dizer é
que não funcionaria com uma platéia estranha, pessoas que não
conhecessem o rumo da peça e dos atores 1 e 2. (Henrique,
28/08/2007).
119

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (21/08/2007)

EM PRIMEIRO PLANO, OS DOIS ÚLTIMOS, DA


ESQUERDA PARA A DIREITA

 HENRIQUE – MATRIZ 2 – ATOR 2

 ELAINE – MATRIZ 1 – ATOR 1

OBS: Os demais são figurantes.

Minha voz é um problema. Acho que estava bem concentrada no que


tinha de ser feito, não gosto de me prender ao riso do público; não me
frustro se não o ouvir porque sei que ele também pode ser interno.
Como estamos no começo às vezes embaralha tudo na mente e os
personagens ficam opacos. Legal quando somos figurantes, acho que
não precisamos ficar neutros, nem roubar a cena. (Jeniffer,
21/08/2007).

A rubrica

Representado por três atores, dois deles comandados pro outro, a Rubrica. Ao lado, a
sua esquerda, acontece a cena entre Valério e Cleide.

Roteiro de cenas

Personagens: Rubrica, Valério, Cleide.

Cena única. Quarto de Valério e Cleide (esposa dele). É meia noite. Entra Valério. Valério entra
calmamente, trajando fraque, cartola e luvas, estilo século XIX. Agitado, anda da esquerda para
direita. Pára bruscamente. Vira-se para platéia com o olhar perdido. Cleide entra, normalmente,
também vestida no estilo do século XIX. Cleide entra sem que Valério perceba.

Rubrica fala o trecho o abaixo, enquanto que os personagens obedecem ao seu comando.

 Valério entra com o olhar perdido.


120

 Cleide entra em seguida e fala que a festa foi boa.

 Valério não responde, mas a olha com desdém.

 Valério caminha nervoso pelo palco e pára abruptamente.

 Depois anda em 0, +2 e, por fim, em -3.

 Valério deseja saber: por que o pai dela não quis lhe dar a rubrica

 Ela, com dedo direito em riste, diz que o pai jamais o dará a rubrica.

 Ele dá três voltas ao redor dela, pára atrás dela e sussurra no seu ouvido: dizendo
que todos: a empregada, ela mesma, avó dela e até o avô lhe deram a rubrica, por
isso o pai também há de lhe dar.

 Quando ele tenta sair, ela o agarra pelos pés e diz, suplicando: Não, não e não,
tudo menos a rubrica de meu pai!

Ele a deixa chorando. Ela se encaminha para o proscênio. Com olhar no infinito, a mão direita
apontando para o nada. E diz: Meu Deus, para que tantas rubricas?

Os experimentos com “A Rubrica” têm sido muito atraentes. Devo admitir


minha afeição em especial por este esquete e pela dos impostores. Com o
tempo e as observações do Lira, percebi que a rubrica só funciona se os atores
continuarem agindo enquanto ela não narra. Pois o riso dela está contido nos
erros e nas tentativas de corrigi-los. Não necessitando assim e gracejos, pois só
os erros já são risíveis, mas não afirmo que é necessário tirar esses gracejos. Só
digo que não são necessários. Como não vi rubricas impassíveis com a situação
não posso opinar se fica mais interessante uma rubrica totalmente envolvida do
que uma impassível. Também me apercebi que às vezes as rubricas tiravam
gracejos com a platéia “sua mãe me deu, até o FERNANDO LIRA me deu a
rubrica” e temo que isso não
seja possível. Pois como o objetivo é montar os esquetes para possíveis
apresentações, dificilmente faremos uma graça comum a um indivíduo na
platéia. O que pode ser feito é buscar algo que gere um sentimento de
identificação em todos, preservando assim a interação platéia/rubrica e
mantendo o riso. Claro que essa interação pode não ocorrer, mas só observei
estes fatos, caso seja válido. Não sei como os experimentos com esse esquete
funcionarão na medida em que o texto chegar. Pois, mesmo sem sabermos o
texto, os atores já esperam as ordens da rubrica quebrando assim o jogo que
estabelece o riso. Imagine com o texto, onde já saberemos as ordens,
perdendo assim o frescor da correção instantânea, da novidade. Sei que é
possível pular esse obstáculo (assim como todos na vida), mas aponto esta
dificuldade. Também me fica difícil adotar os personagens cômicos neste
esquete, pois ela é “realista”, sem gracejos. Essa parte ficou complicada para
mim. (Henrique, 28/08/2007).
121

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (28/08/2007)

DA ESQUERDA PARA A DIREITA

 ELAINE – SEM MATRIZ – RUBRICA

 CHIRLIANE – MATRIZ 1 – CLEIDE

 HENRIQUE – MATRIZ 2 – VALÉRIO

Um homem, uma mulher, para não falar do garçom

Para três atores. Sendo que cada ator representa dois papéis, um que corresponde ao
personagem da trama conjugal e o outro, que é o ator que representa o referido papel.

Roteiro de Cenas

Personagens: Homem, Mulher, Garçom.

Cenário:

Uma cadeira e uma mesa de bar.

 O garçom se apresenta e diz para o público que sua única função na peça é
presenciar um crime

 O homem entra, abraça o garçom e pede uma cerveja, alegando que está feliz. Fala
para o público que sua personagem jamais estaria feliz se soubesse que morreria na
primeira cena.

 A mulher entra e pergunta onde ele está, o garçom apenas aponta.


122

 Ela fala para o público que está fula da vida. Ela, não, mas a personagem. Já ela atriz
está muito feliz, pois jamais pensava protagonizar uma peça. Mesmo sabendo que
esta peça é muito ruim e o autor pior ainda.

 Encontra com o marido, diz que vai matá-lo.

 Ele diz para o público que ela não sabe que ele está tendo um caso.

 Ela fala para o público que ele não sabe que ela sabe que ele está tendo um caso.

 O garçom diz para o público que sabe o que eles sabem, mas não pode falar, pois,
nesta peça, ele não tem fala, apenas serve ao marido.

 Ela diz que a peça está errada e deveria começar de outro modo e demonstra.
Recomeça tudo.

 Ela entra como uma louca e larga uma garrafa na cabeça. Diz que seria mais
interessante.

 O garçom diz que a melhor maneira seria diferente. Repete-se a cena, e ele apenas
usa de interjeição, como: “eita”, “vixe Maria”, “tá lascado”, etc.

 Quando ela vai matar o marido, o garçom diz que garrafa não é arma do crime e lhe
entrega um revolver.

 Quando a mulher tenta matar o marido, ele se mete no meio e é atingido.

 Ela foge.

 O homem pede que o garçom fale alguma coisa, dizendo: Meu amor, minha vida,
diga alguma coisa.

 O garçom, em um esforço do último suspiro, diz: “O final é sempre uma surpresa.”


E morre.

 O homem, chorando sobre o corpo, grita: “Zezinho!”


123

Passamos para Um homem, uma mulher, para não falar do


garçom e no mesmo dia iniciamos os experimentos. Adorei a
idéia do personagem e do ator ser dois dos personagens
cômicos já criados. É uma idéia de transição sem usar o velho
“Henrique cênico” nas horas em que o ator fala com a platéia.
Porém, ainda necessita-se amadurecer essa idéia de usar os
personagens cômicos para não ficar nada muito plástico e
falso. Ou será que esse plástico seria válido em gerar o riso em
vez de uma “arma” na cena do garçom? Mas da dificuldade se
fará um trampolim, pois o fato de já conhecer permiti-me
mesclar o já visto com o criado gerando mais e mais coisas.
(Henrique, 28/08/2007).

ATOR – MATRIZ – PERSONAGEM IMPROVISO (02/09/2007)

DA ESQUERDA PARA A DIREITA

 FÁBIA – MATRIZES 1/2 – GARÇOM

 JENIFFER – MATRIZ 1/3 – MULHER

 HENRIQUE – MATRIZ 1/2 – HOMEM

Comentários gerais

Como exercício final desse módulo, solicitei que individualmente todos escrevessem
sem parar para pensar, durante cinco minutos, sem tirar a caneta do papel, o que lhes viesse à
mente a respeito do processo vivenciado na oficina. Em seguida, cada um, sem que os demais
estivessem presentes, deveria falar para a câmera de vídeo o nome, curso e sua relação com a
oficina, até que eu o interrompesse.

Os resultados dessa prática foram interessantes, pois acredito que pelo exercício mental
da escrita, eles estavam mais soltos para falar sem que fosse necessariamente aquilo que eu
124

desejava ouvir. Os menos experientes em teatro não demonstraram ter resistência às propostas
feitas na oficina, enquanto aqueles que já tinham alguma vivência na elaboração de personagens
confessaram que estranharam muito a proposta de elaboração das matrizes das personagens antes
do texto. Alguns chegaram a admitir que tais procedimentos não levariam a nada concreto, que
era um absurdo. No entanto, quando viram os resultados dos primeiros improvisos, a comicidade
se estabelecendo, as matrizes se adaptando às situações, as resistências foram rompidas.

Fazer as pessoas rirem é algo que eu sempre considerei como um dom muito
especial. Na oficina havia outras possibilidades que não tem muito a ver com
um dom, mas, com um impulso, o reflexo, a marcação, e que também
funciona. (Fábia, 19/08/ 2007).

Participar desse processo de pesquisa é muito interessante pra mim, pois está
relacionada ao que desejo e é um jeito novo pra mim do meu fazer teatral. Já
possuía certa experiência com pesquisa devido aos objetivos impostos pelas
Ciências Sociais. Porém, nunca havia me pesquisado e nem as possibilidades
do meu corpo e isso me interessa muito. Também não nego o meu interesse
pelo riso e seus mistérios envolvendo desde a sociedade até o teatro mesmo.
Enfim, o processo de pesquisa me é prazeroso, mas devo admitir que as
informações e objetivos sendo omitidos de mim me deixam inquieto. Bem,
quanto a minha idéia de cena cômica, ela NÃO mudou radicalmente. Já me
dava conta da dificuldade que é gerar o riso nos outros. Admito que algumas
concepções mudaram. Percebi-me com mais recursos para gerar esse riso.
Inconscientemente, estou usando alguns recursos básicos desenvolvidos na
oficina em meus trabalhos (identificações, repetições, humanizações e o
inesperado). Admito que a idéia de criar personagens antes do texto me é
nova. Já conhecia essa idéia em teoria, mas é muito mais prazeroso e divertido
vê-la na prática. Minha mente se abriu para a criação de personagens e não só
os da cena cômica. Sempre tive a consciência de que o texto é só um recorte
do mundo da personagem, mas com a idéia de criar uma personagem antes,
essa consciência do recorte fica bem mais evidente. O processo de criação das
personagens também foi bem interessante e já adotei para mim. Quando você
falou da idéia de em vez de esconder um defeito, mostrá-lo, lembrei-me
diretamente da construção da personagem 2 (animais com base nos defeitos).
Meus trabalhos já têm por base certas coisas definidas na oficina. (Henrique,
22/08/2007).

O caminho que você está encontrando para dirigir esse trabalho que
participamos, está sendo muito importante para mim como uma artista de
palco. É como se eu estivesse tendo a oportunidade de liberar o campo da
espontaneidade, como se as intuições me chegassem por um canal direto, sem
questionamentos. O lugar de trabalho e de pesquisa do ator, que é seu corpo,
seus gestos, suas expressões, torna-se “lugar seguro” e ele pode deixar
inteiramente livre esse processo intuitivo fluir, para então, escolher desse rico
material o que interessar possa para aquele momento. Depois é só aliar todo o
processo criativo às técnicas e aos objetivos especiais. É o que está me
acontecendo, é o que venho buscando há muito tempo e agora encontro no
teatro, na oficina “A preparação do ator na cena cômica”. (Deninha,
21/08/2007).
125

Em princípio, essa proposta não é nova. Os atores da Commedia Dell’Arte se


especializavam em tipos fixos que apresentavam espetáculos compostos por um roteiro básico
(canovaccio), que de forma sucinta, trazia o esboço da peça e a indicação de jogos cênicos, dando
ampla liberdade de criação quanto à interpretação e os diálogos eram improvisados, mas com os
anos de prática passavam a ser cristalizados.

A diferença básica entre os procedimentos desse módulo para da Commedia Dell’Arte está
em que os tipos desta apresentavam uma personalidade fixa em todas as situações propostas e
eram imediatamente reconhecidos por todos. Enquanto que as matrizes construídas na oficina têm
apenas forma corporal, sem personalidade fixa, mas que assume um caráter diferente a cada
situação a qual são submetidas. Em outras palavras, em cada esquete, mesmo que as matrizes se
mantenham, as personagens são outras, têm personalidades próprias, moldadas pela situação.
Enquanto que, na Commedia Dell’Arte, são as mesmas personagens, com personalidades fixas, em
diferentes esquetes.

A intenção era suscitar o riso como conseqüências das ações das personagens em
situações específicas, o mecânico colado no vivo, e não estas personagens forçando gracinhas para que
o outro risse. Observei momentos muito interessantes que o risível partia de uma “verdade”
cênica; já, em outros casos, acontecia dos atores quererem agradar, bajular a platéia.

Não reprimi isso, nessa fase, pois estávamos vivenciando uma experiência de completa
liberdade, de se permitir ousar. À medida que transcorriam os exercícios aumentava-se a sintonia
em cena, pois quanto mais nos relacionamos com as pessoas, mais nos sentimos à vontade com
elas. E isto se reflete na vida cotidiana e na extracotidiana da cena teatral.

Os exercícios não específicos prosseguiam paralelamente aos de cena, no intuito de


formar um time integrado, com todos em sintonia uns com os outros. Um time entrosado no
“jogo” é sempre mais bonito de se ver. Não há espaços vazios entre as “deixas”, a criação corre
livre e as respostas acontecem como num impulso, são espontâneas.
126

5. A MONTAGEM

Do texto ao palco

Em certo sentido, pode-se dizer que a transposição dos elementos do texto para cena é
sempre um processo de adaptação, ou melhor, dizendo, de tradução de linguagens, pois os signos
do texto são de natureza completamente diferente dos signos da cena teatral. Enquanto as
personagens só existem no papel por uma descrição, ou imaginados pelos leitores, estas serão
materializados nos corpos do ator na cena teatral. Os atores em cena representam os signos de
personagens. Porém, atores diferentes geram signos diferentes na representação de uma mesma
personagem. Um ator negro representará um Hamlet diferente daquele representado por um ator
branco, mesmo que os demais signos (cenário, figurino, maquiagem, etc.) sejam os mesmos, pois
corpos diferentes alteram os significantes, e conseqüentemente os seus significados. É como o
mesmo quadro que, em molduras diferentes, provoca emoções diferentes no espectador.
Como todo signo tem uma incompletude do objeto referenciado, os signos do texto
teatral não poderiam ser diferentes. Toda a sua transposição é criada e completada por signos que
muitas vezes não estão evidenciados no texto. Seria praticamente impossível o autor descrever
todas as movimentações das personagens no espaço e no tempo, descrevendo todos os gestos que
estes fazem com cabeça, a expressão facial, os olhos, os braços, as mãos e as pernas. O autor
indica apenas os signos que acredita serem extremamente necessários. Mas, mesmo com algumas
indicações do autor, muitos diretores e atores desprezam essas indicações em função de sua
criação.
Na comédia, a ilógica dos sonhos, da loucura, do mundo de ponta-cabeça, das situações
deslocadas, tem um valor preponderante para deflagração do riso. Por isso é que não procuro uma
transposição mimética do texto para a cena; proponho que o texto dramatúrgico não seja o ponto
de partida, mas o de chegada para concepção da montagem do espetáculo.
Ao iniciar o módulo de montagem, dividi os atores em grupos, determinando qual o
esquete a ser montado por cada grupo. O trabalho de mesa não aconteceu como primeiro
momento, pois eu não desejava que os atores conhecessem o todo da peça nem as suas
dificuldades, bem como a sua dinâmica. De posse do texto, os atores passaram por algumas
etapas, que são descritas abaixo.

 Processo de improvisos
127

 Ler com as matrizes corporais.


 Relatar o texto, até o seu final.
 Improvisar a peça, adotando as matrizes.
 Testar novas matrizes nas mesmas situações, no mesmo personagem.
 Estipular um tempo para o ensaio de grupos com a nova matriz.
 Decorar todo um trecho dado do esquete.
 Ler o texto e improvisar nova cena.
O improviso foi incentivado com intuito de aumentar o frescor e as descobertas cômicas
da cena. O texto era pretexto, contendo os elementos que potencializam a comicidade. E as
personagens, quando estão apenas descritas nesse texto, são entidades totalmente abstratas,
desprovidas de corporeidade. O trabalho do ator foi de dar corpo, identidade, presença e
personalidade às personagens. O que não deixa de ser um processo eminentemente criativo,
advindo da pura imaginação.
 Estudo de mesa
 Perguntar o que tem de engraçado no texto.
 Destacar, no texto, as situações engraçadas ou as piadas.
 Detectar as situações e falas que não têm graça explícita.
 Dividir as situações em atividades.
Muitos, ao lerem os esquetes, não percebiam as piadas ou não sabiam como valorizá-las
em cena. Outra dificuldade era encontrar a comicidade onde aparentemente não existia. E como
transformar qualquer ação em comicidade? Tínhamos os elementos da fala, os elementos corporais
e com esses elementos trabalhamos o estranhamento, o deslocamento, o exagero, a distração, a
inversão, a repetição, a bola de neve, a interferência das séries, a marionete e o boneco de mola.

 Ensaios gerais
 Transformar as atividades em ações físicas (tornar significativas: o olhar, os pés as
mãos, o ritmo do movimento e da fala).
 Transformar as ações em um mecânico colado no vivo, com o uso de repetição,
inversão, interferência das séries, Boneco de Mola, Bola de Neve, Marionete.
Na fase de montagem, procurei perceber como o ator poderia criar um corpo
independente da piada, da motivação primeira, que é o fazer rir, e como esse corpo seria inserido
nas mais diversas cenas de um texto dramatúrgico previamente escrito para gerar a comicidade,
independentemente das matrizes criadas.
128

Exercícios abertos
Constatamos que cada vez menos estávamos rindo das matrizes cômicas, pois já
havíamos nos acostumado com elas, nada mais nos surpreendia. Mas isso não significava que as
cenas não fossem engraçadas. Quando se está ensaiando durante muito tempo cenas cômicas, tem-
se a impressão de que nelas não há mais graça, porque as piadas e seus desfechos já são conhecidos
para os atores. Somente na apresentação, diante do público, é que tudo toma um novo fôlego e
adquire o frescor da novidade.
Partimos, portanto, para fase dos exercícios abertos. Divido esta fase em dois
momentos. O primeiro corresponde a quatro apresentações abertas ao público, nos dias 6 e 12 de
outubro e, nos dias 19 e 21 de dezembro de 2007, no auditório do CEFET-CE. O segundo
momento, em 2008, corresponde a duas apresentações nos dias 16 e 17 de abril, no mesmo
auditório, três apresentações no Centro Cultural BNB de Fortaleza no dia 25 de abril, e uma
apresentação na cidade de Boa Viagem - CE. Ao longo desse processo, saíram do grupo os atores
Elvis Jordan e Deninha Carvalho e entraram dois novos componentes: Caro Li e Marcos
Martins30. As apresentações do segundo momento foram realizadas com mais de uma
configuração. A cada apresentação era realizada uma configuração diferente.
Nessas apresentações, desejávamos testar e ajustar, agora com a colaboração do público,
as possibilidades risíveis desenvolvidas na oficina. As apresentações foram compostas por quatro
esquetes de minha autoria, escritos em metateatro, originando o espetáculo Para não falar de teatro,
com aproximadamente uma hora de duração.
A preferência pelo metateatro se deve ao fato de que, nessa estrutura, o assunto
principal dos esquetes é o teatro e a sua forma de realização. Ao ressaltar a rigidez da forma, a
mecanicidade de suas ações, personagem e ator se distanciam. O que é vivo na cena se revela
mecânico em sua forma. E, de acordo com a visão de Bergson, o que a roupa representa para o
corpo, o que a moral representa para sociedade, o que o corpo representa para o espírito são as
mesmas coisas do que o mecânico representa para vida. É a forma impondo sua rigidez ao
conteúdo. E o que antes parecia natural é revelado pelo riso no que há de mecânico, superficial e
falso, como numa impostura.
Desta maneira, o trabalho teatral passa a ser uma atividade auto-reflexiva e
lúdica: ele mistura alegremente o enunciado (o texto a ser dito, o espetáculo a
ser feito) à reflexão sobre o dizer. Esta prática comprova uma atitude

30
Estes dois novos componentes do grupo de pesquisa se submeteram a uma mini-oficina de criação de matrizes (ver
no Apêndice I), ministrada por mim, aos sábados e domingos de janeiro de 2008. Não havia sentido a realização de
todos os módulos, pois os dois já conheciam os textos, através das apresentações do grupo. Assim, os dois foram se
engajando nos exercícios do grupo e tiveram a sua estréia no esquete O palco, apresentado no dia 25 de abril de 2008,
no Centro Cultural BNB de Fortaleza.
129

metacrítica sobre o teatro e enriquece a prática contemporânea. (PAVIS,


1999, p. 241).

No metateatro há o revelar pelo desmascaramento do artifício teatral. Busca-se a


cumplicidade com público pelo convite ao jogo. O que antes parecia sagrado e distante, torna-se
íntimo, profano, desmistificado. São descobertos os segredos das engrenagens teatrais e, como
num jogo de armar e desarmar as peças, os seus encaixes são demonstrados em cena. A ilusão da
realidade cênica é desfeita, transportando o espectador não apenas para uma reflexão crítica dessa
realidade, mas para com esta estabelecer uma relação de pura ludicidade.
As interferências das séries é o mecanismo situacional cômico que melhor caracteriza o
metateatro, pois há uma justaposição de situações, normalmente independentes em espaços e
tempos que, em determinados momentos, interpenetram-se, desviando a atenção do espectador
não mais para ação cênica em si, mas para a sua feitura, desvendando o seu artifício.
Entretanto, estas interferências não inviabilizam, até reforçam, o surgimento de outros
mecanismos cômicos, como podemos perceber pelo quadro abaixo, em que ressalto em cada
esquete, a imagem do brinquedo que nele mais se evidencia nas suas situações cômicas.
Quadro 6 – Esquematização dos esquetes
ESQUETES BRINQUEDOS SITUAÇÃO
O palco Boneco de Mola Ator 1 reprime repetidas vezes o Ator
2.
Os impostores Marionete As partituras das personagens
funcionam como marionetes nas mãos
dos atores.
A rubrica Marionete A rubrica comanda as ações do casal de
personagens.
Um homem, uma mulher, Bola de neve e Ações com reversões constantes.
para não falar do garçom Boneco de Mola Complicando-se no espaço e tempo de
atuação.
Fonte: Elaboração própria.
O espetáculo foi construído para evidenciar as partituras corporais dos atores. Assim,
sem nenhum cenário, pretendi um espetáculo dinâmico, risível e que, em cada apresentação,
houvesse algo de novo para o público, já que as matrizes corporais eram outras em diferentes
esquetes. Embora aparentemente didático, o espetáculo destina-se a um público amplo, que
poderá ter as mais inusitadas leituras.
130

O espetáculo: Para não falar de teatro


A seguir, analiso alguns aspectos que considero significativos na montagem de trechos de
cada esquete, os textos completos encontram-se nos apêndices desta tese. Embora os esquetes
tenham sido escritos ou reescritos especialmente para esta pesquisa, não é a sua dramaturgia o
enfoque principal deste trabalho, mas as possibilidades situacionais cômicas desses textos.
Somente ao final das quatro primeiras apresentações é que os atores pesquisadores
tiveram contato com o ensaio completo de Bergson. Pedi, então, que após a leitura deste, cada
grupo tentasse comentar por escrito o processo de encenação e apresentação, levando em
consideração a abordagem de Bergson relativa à comicidade e ao riso. Alguns desses comentários
estão inseridos ao final da análise de cada esquete.
Evito o detalhamento descritivo do processo de encenação por acreditar que se tornaria
bastante enfadonho e não daria conta de todos os aspectos da concepção, uma vez que o DVD que
acompanha esta pesquisa, composto pela apresentação dos esquetes, já nos dá uma visão mais
completa dos procedimentos que foram levados à cena, bem como da reação do público, o que
substitui, sem dúvidas, muitas palavras.
O palco
Neste esquete que abre o espetáculo, escrito para dois atores, existe um mecanismo
geral de INVERSÃO, pois em vez das situações acontecerem no palco, é na platéia que elas se
realizam. Há também uma INVERSÃO das regras teatrais em que uma coisa inanimada, sem ação
explícita (o palco), ganha relevância, configura-se como personagem, enquanto a presença de
atores é discutível, o que também pode se caracterizar como sátira à supervalorização dos
elementos de cena, em detrimento ao desempenho do ator.
Satirizam-se também aqueles que se interessam por espetáculos experimentais que
evoquem apenas as sensações, desprezando os convencionais de apelo racional. Os constantes
instantes de silêncio funcionam como elementos significativos da ação, de modo a provocar um
incômodo, impaciência, tencionamento, suspense na platéia, de quem, após a compreensão do
que está acontecendo, pretende-se um relaxamento pelo riso.
Há momentos em que se configura a idéia de BONECO DE MOLA, um deles acontece
quando o Ator 2 tenta se manifestar e o Ator 1 procura reprimi-lo, até que este cede aos apelos
daquele. A imagem de BOLA DE NEVE também se insinua, uma vez que, a partir de algo simples
vai se complicando, até voltar ao início. Procedimentos de REPETIÇÃO são constantes nas ações
e falas das personagens. As personagens são contrastantes: um é um profundo conhecedor de
teatro e o outro sabe apenas o básico desta arte. O Ator 1 representa um espectador modelo, que
131

tem uma avançada bagagem cultural acerca do que possa ser bom ou mau teatro; seu prazer
estético está no campo do intelectual. Ao contrário, o Ator 2 representa o espectador empírico,
comum, que vai ao teatro buscando apenas o divertimento.

Configuração 1
PERSONAGENS ATORES FONTE GERADORA
ATOR 1 Fábia Guedes Matriz 1
ATOR 2 Amidete Aguiar Matriz 2
Configuração 2
PERSONAGENS ATORES FONTE GERADORA
ATOR 1 Larissa Montenegro Matriz 2
ATOR 2 Jeniffer Suzana Matriz 3
Configuração 3
PERSONAGENS ATORES FONTE GERADORA
ATOR 1 Marcus Martins Matriz 3
ATOR 2 Carol Li Matriz 1

Trecho 1
O Ator 1 já está sentado em seu lugar, quando acontecem três toques sonoros. As cortinas se abrem (se houver).
Após o início, Ator 1 permanece em silêncio, olhando para o palco. Quando o público começa a se manifestar,
com conversas, risos etc. Ator 2 chega pela platéia, através de uma fileira de cadeiras, pedindo licença. Em
suas mãos, sacos plásticos, bastante barulhentos. Senta-se e espera um pouco.
ATOR 2: (para o vizinho, falando um pouco alto) Tá demorando, você não acha?
ATOR 1: (pede silêncio) SSSHHH!
ATOR 2: Foi comigo?
ATOR 2: SSHH!
Ator 2 mexe novamente nos sacos.
ATOR 1: Ai! Que saco!
ATOR 2: Que é que tem meus sacos?
Apenas uma olhada do Ator 1 para Ator 2. Ator 2 remexe seus sacos, repetidas vezes. Ator 1 lança um olhar
repreensivo.

A intenção da situação acima é colocar o público em suspense. O silêncio inicial deverá


provocar certo rebuliço. Nesse momento, ainda não se percebe que há um ator na platéia. No
132

entanto, com entrada do Ator 2, pretende-se reforçar a idéia de que a cena acontecerá na platéia,
mas a situação ainda não deixa isso totalmente claro para público. Pretende-se chamar a atenção
do público para os dois atores. Existe algo que comprime (Ator 1) e algo que tende ao
relaxamento (Ator 2), repetidas vezes, como BONECO DE MOLA, que cenicamente pode
acontecer de forma diferente nas diversas manifestações.
Houve diversas mudanças de concepção de modo a se conseguir o melhor efeito de
comicidade. Inicialmente, os dois atores estavam inseridos na platéia como está indicado no texto,
porém a maioria dos espectadores não conseguia ver nem ouvir os atores. Além disso, o tempo
entre as falas estava muito longo, o que tornava o esquete bastante enfadonho. Decidimos, por
fim, “agilizar” os diálogos, colocar os atores de frente para platéia, sentados em cadeiras, um
diametralmente atrás do outro, inserido numa platéia composta por atores ou não, conforme a
disponibilidade do espaço de apresentação. Com isso conseguimos que O palco fosse um dos
esquetes mais risíveis em todas as configurações.
Em cada configuração, além das partituras diferentes, são inseridos novos elementos.
Por exemplo, Amidete que é uma mulher grande, tenta ser discreta, usando um banquinho para
se sentar, além de carregar uma porção de sacos barulhentos. A Jeniffer compôs um velho surdo
que troca as palavras ouvidas tais como: silêncio por “seu lenço” ou intensidade por “intensa
idade”. O Marcus também é um velho que se relaciona com alguém que está sentado ao seu lado,
chamando-o de “Demais”.
Trecho 2
Mais alguns segundos de pausa, Ator 2 começa a revirar os sacos.
ATOR 1: (sussurrando) Dá pra fazer silêncio?
ATOR 2: Hein?
ATOR 1: (pausadamente) Você pode fazer silêncio, para que eu possa assistir ao espetáculo?
ATOR 2: Entendi, quando começar eu me aquieto!
ATOR 1: SSHH!... Já começou!
ATOR 2: O quê?
ATOR 1: Fala baixo!... O espetáculo já começou, faz cinco minutos!
ATOR 2: Já?... (olha para o palco) E onde estão os atores?
ATOR 1: Não tem atores!
ATOR 2: (alto) Não tem atores?
ATOR 1: SSSHH!... Não, é só o palco, e nada mais!
ATOR 2: Ah!
Pausa, prolongada. Ator 2 remexe na cadeira, boceja alto. Ator 1, vira com novo olhar repreensivo.
133

Configuração 1 Configuração 2 Configuração 3

Nesta situação, o risível se caracteriza pela humanização de uma coisa: o palco. A


revelação da personificação do palco é ponto chave para o restante do esquete, o que evidencia a
INVERSÃO das regras teatrais. Pelas repetidas elevações de voz do Ator 2 e as repreensões do
Ator 1, caracteriza-se o efeito cômico de BONECO DE MOLA.
Trecho 3
ATOR 2: Desculpe! (para o vizinho) Passei a noite em claro...
ATOR 1: SSHH!
ATOR 2: Meu filho não me deixou dormir... doente... com febre... muita tosse... sem parar!
Ator 1 levanta-se, com olhar ameaçador. Ator 2 faz sinal que irá se calar.
Pausa. O celular do Ator 2 toca. Ele atende se baixando na cadeira. Fala sussurrando.
ATOR 2: Droga... Alô. Não posso falar agora... Estou no teatro... Teatro... Estou no teatro!...
Isso, teatro... Acho que já começou...
Ator 1 vai até o Ator 2 e arranca dele o celular.
ATOR 2: Ei!
ATOR 1: No final da peça eu devolvo!
Pausa.

Pretende-se que haja uma identificação entre a personagem do Ator 2 e o público, que
este seja cúmplice da ignorância daquele. O Ator 1 deve parecer um ser isolado, diferente da
maioria dos espectadores comuns. Nessa situação evidencia-se a representação de um espectador
empírico, desatento, contrastando com concentração do espectador modelo. Quando o público
vê-se refletido na personagem do Ator 2 ou lembrando-se de alguém parecido, a situação torna-se
134

risível. Outro recurso cômico utilizado é a REPETIÇÃO do bordão “Ah!”, como também um
olhar repreensivo do Ator 1 que se repete por diversas vezes, tentando, em vão, silenciar o Ator
2.
Trecho 4
Pausa.
ATOR 2: Psiu!... Psiu!
ATOR 1: Que é?
ATOR 2: Você está entendendo alguma coisa?
ATOR 1: Não é para entender, é para sentir!
Pausa.
ATOR 2: Ah!... Psiu!... Psiu! (Ator 1 vira-se) Eu não estou sentindo nada!
ATOR 1: Pois fique quieto, que, no final, você vai sentir tudo!
ATOR 2: Ah!
Pausa. Ator 2 vai até ao encontro do Ator 1 e bate no ombro dele.
ATOR 1: O que foi agora? Você está atrapalhando o espetáculo!
ATOR 2: Você está sentindo alguma coisa?
ATOR 1: Claro que estou! Eu já assisti a este espetáculo umas dez vezes e cada vez sinto algo
diferente. Cada vez que sento em outro lugar, tenho uma nova sensação!
ATOR 2: Então, você pode trocar de lugar comigo... É que eu não enxergo direito e sou meio
surdo! E dali, onde estou, não dá para sentir nada!
ATOR 1: Tudo bem! Agora vê se presta atenção!
Eles mudam de lugar.
ATOR 2: Ah! Agora sim!... Dá pra vê que não tem nada no palco!
ATOR 1: Use a imaginação!
ATOR 2: A imaginação!
ATOR 1: É!
Pausa. Ator 2, começa a rir. Inicialmente risos espaçados, depois vão aumentando a freqüência do riso até
chegar à gargalhada.
ATOR 1: De que você está rindo?
ATOR 2: (rindo) Ué? Do palco, ele é demais!
ATOR 1: Mas não é uma comédia!
ATOR 2: Não?
ATOR 1: Não, é um drama! Um drama existencial muito sério.
Pausa. Ator 2 começa a soluçar, num crescente, por fim chora.
135

ATOR 2: (choroso, virando-se para o Ator 2) Por que estão fazendo isto com ele!
ATOR 1: Ele quem?
ATOR 2: O palco! Eles querem acabar com o palco!
ATOR 1: Ah! Então você agora está sentindo!
ATOR 2: (choroso) Muito!

Configuração 1 Configuração 2 Configuração 3

O espectador empírico deseja ser aceito. Fazer parte do “clube” dos iniciados. Não
deseja parecer inculto, ignorante. Nisso é que está o risível. Pode ser que o Ator 2 esteja sentindo
ou deseje com tanta intensidade sentir as emoções passadas pelo palco, que pensa ou finge estar
sentindo. É o momento da catarse do espectador empírico. Há nessa situação um distanciamento
entre o Ator 2 e o público, diferentemente da situação anterior, pois, nesse momento, o Ator 2
passa a ver, ou sentir o que o público não vê nem sente. É estranho e, por isso mesmo, o delírio
do Ator 2 é risível. Em alguns momentos, o Ator 2 resiste à realidade ditada pelo Ator 1,
funcionando como BONECO DE MOLA. Finalmente, entrega-se, relaxado, nas mãos do Ator 1.
Trecho 5
Trocando de lugar
ATOR 1: Este não é um espetáculo para iniciantes. É um espetáculo para os corações sensíveis.
ATOR 2: Ah!
Alguns segundos depois.
ATOR 1: (aplaudindo) Uuh! Arrasou! Bravo! Bravo!
ATOR 2: Que é que deu nele, meu Deus?!
ATOR 1: Lindo! Lindo!Arrasou!
Ele vai saindo.
ATOR 2: (sussurrando) Ei, aonde você vai?
136

ATOR 1: Vou embora! O espetáculo acabou!Tome seu celular!


ATOR 2: Mas já? Tão rápido!
ATOR 1: O tempo não é importante, o que conta é a intensidade!
ATOR 2: Ah!... (Ator 1 vai saindo) Ei, espere por mim! Eu queria que você me explicasse algumas
coisas que eu que não consegui sentir!
ATOR 1: O Palco não se explica. Se sente! Assista-o, repetidas vezes, que você começará a senti-
lo!
Ator 1 sai. Ator 2 permanece, pensativo.
ATOR 2: Ah!... Ei, espere eu tô sentindo!
Ator 1 sai.
Fim.

Configuração 1 Configuração 2 Configuração 3

Esse trecho ressalta o duplo sentido da peça. Um literal em que o palco é a peça, ou
mesmo o espaço cênico e o outro, sentido figurado, em que o palco é a arte teatral como um
todo: para apreciá-lo e entendê-lo é necessário habituar-se a freqüentá-lo. O instante que o Ator 2
permanece pensativo, deve ser suficiente para que o público reflita com ele sobre a frase final do
Ator 1. Até que o Ator 2 surpreende com o bordão final.
Comentários:
Com relação ao esquete O Palco percebeu-se o riso contido do público em
alguns momentos e ausente em outros. Talvez isso tenha ocorrido porque,
como disse Bergson, “nosso riso é sempre o riso de um grupo”. O riso precisa
de eco para existir. O pequeno número de pessoas ocasionou esse riso
contido, não havendo um eco suficiente para o aumento desse riso. Além do
público reduzido, a proximidade dos atores com o público também contribuiu
para a inibição. Bergson fala em “confundir a pessoa com a função que ela
exerce”. Isso está diretamente relacionado à proposta do esquete em questão.
Outro ponto que Bergson explana é o efeito da distração, elemento visível do
137

começo ao fim no esquete. Para ser mais completo as ações como distrações
citadas por ele definem bem o esquete. Segundo Bergson, essa distração
necessita parecer o mais natural possível, para alcançar o efeito cômico.
Naturalidade: esse elemento foi sempre posto para nós como objetivo em
cena. Outra observação é não termos o exagero como fim para o riso. “O riso
é então explicado pela surpresa, pelo contraste”. A gorda e o magro, um
intelectual e uma atoleimada, um banquinho minúsculo, se comparado a quem
senta nele; durante um espetáculo, eis que surge uma moça cheia de sacos,
fazendo barulho. Ela tira um banquinho do saco e fica mudando de lugar. Com
certeza o contraste e a surpresa é o que não faltam neste esquete. Quando
Bergson fala na sociedade, e como sintoma desta “apenas uma ameaça, no
máximo um gesto” me remete ao gestual dos personagens, onde a repressão é
feita com gestos e as respostas a essas ações também são carregadas de gestos.
Por exemplo, o olhar repreensivo, o dedo em riste sobre a boca, dentre
outros. Bergson diz que o riso deve ser uma espécie de gesto social. Seriam os
exemplos citados gestos sociais? “Um rosto é tanto mais cômico quanto mais
nos sugere a idéia de uma ação simples, mecânica, em que a personalidade
estaria absorvida para todo o sempre.” No caso de O Palco há uma personagem
com um sorriso ingênuo e sereno, com ar de quem não quer atrapalhar, e
outra ocupada com o olhar concentrado, quando não a atrapalham, “como a
assoprar uma trombeta imaginária”. Nesse último exemplo, Bergson lembrou-
nos a matriz da personagem do ator 1 (Elvis); seu bico, para ser mais preciso.
“Automatismo, rigidez, vezo contraído e mantido...” características buscadas
não só no esquete O Palco, mas também em todas as três restantes; elementos
esses que para Bergson são necessários a uma fisionomia risível. (Fábia,
Amidete e Elvis, 05/11/2007).

O público é muito importante para um espetáculo fluir, mas em O palco,


vemos o espectador como peça primordial para a evolução do esquete, pois a
cena se desenvolve, principalmente, pela relação dos atores com os
espectadores: os dois envolvidos num mesmo espaço cênico: a platéia.
Percebemos que em, O palco, não se tem o ápice, se não houver o efeito
somatório, acumulativo, a Bola de Neve que o texto sugere por meios de
efeitos capazes de sempre somarem uns aos outros, um riso indefinidamente
crescente. Notamos o contraste entre as duas personagens: uma intelectual;
outra, ingênua, distraída. Uma ingenuidade, sincera ou fingida, também pode
ser risível. Sobre a ingenuidade do Ator 2, vemos um desejo insistente de
querer modificar-se, de querer integrar-se no intelectualismo do Ator 1. Nas
passagens do texto onde Lira propõe que o Ator 2 ria, fingindo sentir o que o
palco passa e, logo em seguida, após a repreensão do Ator 1, começa a chorar
copiosamente já na sensação do “drama existencialista” da peça.” Um defeito
ridículo, ao sentir-se ridículo, procura modificar-se.” Nesse momento, o Ator
2 serve de títere para o Ator 1. O efeito mais marcante d’O palco, é na
surpresa do público ao descobrir que aquele diálogo entre os personagens
trata-se de encenação. Um fato inicialmente da vida cotidiana, apresenta-se
agora como “representação”. (Jeniffer e Larissa, comentários escritos,
10/11/2007).
Os impostores
Esquete que, dependendo da configuração, era o segundo ou terceiro a se apresentar.
Escrito para dois atores, em que cada um deles representa os mesmos quatro personagens, em
momentos diferentes. Configura-se num enredo básico de traições e trocas de identidades em que
138

todos, de certa forma, “fingem” ser outra pessoa; são, portanto, todos impostores, mas não
podem isso confessar nem acusar ninguém.
Obedece a uma estrutura de farsa, composta pelos disfarces, as mentiras, alguém é
enganado com situações de qüiproquó. Com apenas dois atores, representando os diversos
personagens, temos o efeito cômico das trocas de papéis em que, pela imitação das partituras
corporais, revelar-se-á o artifício da composição atorial, levando atenção do espectador para os
mecanismos dos gestos, e não necessariamente das ações em si.
O ritmo acelerado é importante para que o efeito das surpresas aconteça antes que o
público tenha tempo para uma reflexão crítica. Há situações de REPETIÇÃO com INVERSÃO. A
INTERFERÊNCIA DAS SÉRIES acontece pelos equívocos e a quebra de realidade cênica se
sobrepõe à realidade da platéia. Por se tratar de uma farsa, o mecanismo de MARIONETE se
apresenta mais evidente, pois um personagem sempre estará fazendo o outro de bobo. O
mecanismo de BOLA DE NEVE também se realiza devido ao efeito complicador das situações e
das composições corporais múltiplas, que se repetem ciclicamente. O efeito cômico será
sensivelmente diferente se os atores forem do mesmo sexo ou de sexos opostos.
No caso de sexos opostos, o risível se manifestará mais evidente pelo mecanismo da
INVERSÃO, o que enfraquece para atores do mesmo sexo. No entanto, na revelação final, o
risível será mais interessante para atores do mesmo sexo. O efeito cômico será intensificado se as
partituras corporais e vocais das personagens forem bem definidas. A caracterização física da
personagem deve ser explícita, uma vez que não serão necessários atores com o mesmo fenótipo
para representação, pois a eficácia do esquete depende essencialmente da imitação. É nesse ponto
que todo o trabalho deve começar. Os atores deverão trabalhar as partituras corporais e vocais, e
descobrir níveis vocais interessantes de modo a revelar toda a possibilidade cômica. Pode-se
trabalhar o vício refletido no corpo, evidenciando “o confronto do ator e sua personagem”.
O corpo do ator é o instrumento, “avatar” de uma personificação e não uma encarnação
de uma personalidade. O ator deve comporta-se como um manipulador de fantoches, que são
esses caracteres, “uma soma de significantes” cujo significado deve ser construído pelo espectador.
Configuração 1

PERSONAGENS ATORES FONTE GERADORA


ATOR 1 Larissa Montenegro
ATOR 2 Jeniffer Suzana
VITOR Larissa Montenegro Matriz 1
PEDROSO Larissa Montenegro Matriz 3
139

ESTELA Jeniffer Suzana Matriz 1


DELEGADA Jeniffer Suzana Matriz 2

Configuração 2

PERSONAGENS ATORES FONTE GERADORA


ATOR 1 Henrique Bezerra
ATOR 2 Elaine Nascimento
VITOR Henrique Bezerra Matriz 3
PEDROSO Henrique Bezerra Matriz 1
ESTELA Elaine Nascimento Matriz 2
DELEGADA Elaine Nascimento Matriz 3

Trecho 1
Os atores aproximam-se do proscênio, um apresenta o outro.
ATOR 1: Fala o nome verdadeiro do Ator 2.
ATOR 2: Fala o nome verdadeiro do Ator 1.
OS DOIS: Os impostores!
Uma música começa, enquanto eles armam o cenário. Além de dar o ritmo e criar um clima, a música servirá
de preenchimento de vazios entre as saídas e entradas de cena e as trocas de personagens. O cenário é composto
por três portas, uma ao lado da outra, com placas indicativas: cozinha, sala e quarto, nesta ordem, da
esquerda para a direita. O Ator 2 sai de cena pela porta da sala e o Ator 1, pela do quarto.

Os atores devem apresentar-se naturalmente, para que haja um contraste entre as suas
partituras corporais e vocais e as das personagens representadas. Essa cena é de preparação cômica
para a cena final. A intenção é parecer que os atores estão anunciando a peça, no entanto, somente
140

com a cena final é que a piada se conclui, com a revelação de que os reais impostores são os
próprios atores.
Trecho 2
Estela entra, vindo do quarto, apressadamente, carregando uma mala, como se estivesse tentando fugir de
alguma coisa. Está muito resfriada, vez por outra, ela espirra. Vitor entra pela porta da sala e a surpreende
no momento que ela tenta sair.
Ator 2 e Ator 1 são respectivamente Estela e Vitor.
ESTELA (ATOR 2): (assustada) Ai, meu Deus!
VITOR (ATOR 1): (encarando-a) Que é isto, Estela, está me estranhando?
ESTELA (ATOR 2): Vi... Vitor, é você mesmo?
VITOR (ATOR 1): Claro que sou eu? Quem você esperava que fosse?
ESTELA (ATOR 2): Mas... você está... Isto é... (disfarçando) o seu bigode!
VITOR (ATOR 1): O que tem o meu bigode?
ESTELA (ATOR 2): Vo... Você não tinha bigode... Ou tinha?
VITOR (ATOR 1): Ah! Esta é boa, o marido não pode se ausentar por alguns dias, que a esposa
não mais o reconhece!
ESTELA (ATOR 2): (espirra muito, desconfiada) E o que você faz aqui?
VITOR (ATOR 1): Como o que faço aqui? Esta é minha casa!
ESTELA (ATOR 2): Digo, o que você faz aqui, agora?
VITOR (ATOR 1): Estela, não estou lhe entendendo... Você está muito mudada!
Estela, nervosa, tenta acender um cigarro.
VITOR (ATOR 1): (retirando o cigarro da boca dela) Ora esta, desde quando você fuma? É só eu
viajar, que você se solta, não é?
ESTELA (ATOR 2): Não é nada disto, amorzinho!
VITOR (ATOR 1): Amorzinho é uma ova! Onde você pensa que vai com esta mala? Fugir?
ESTELA (ATOR 2): Fugir, eu? Isto são roupas sujas que estou levando para a lavanderia!
Vitor pega a mala de Estela, retira de dentro as roupas e um envelope.
VITOR (ATOR 1): Roupas sujas, é? Deixe-me ver! E isto aqui são roupas sujas? Estela, você está
querendo me enganar?
Estela cai ajoelhada, chorando.
ESTELA (ATOR 2): Por favor, Eu não pretendia enganá-lo, eu estava indo para a lavanderia.
Juro! E como a casa ficaria vazia, eu pensei que o mais seguro, era levar este documento comigo!
VITOR (ATOR 1): Mentira! (começa a tirar o cinto da calça).
141

ESTELA (ATOR 2): (beijando a mão de Vitor) Vitor, querido, não me bata! Não, querido, você
precisa acreditar...
VITOR (ATOR 1): (recolocando o cinto) Não me lambuze a mão. Eu não sei o que faço com você!
Vou tomar banho, quando eu acabar, vamos ter uma conversa séria. Agora comece a preparar o
meu jantar, não vá tentar nada, ouviu bem?
ESTELA (ATOR 2): (chorosa) Sim, Vitor!
Vitor entra no quarto. Estela enxuga as lágrimas, assume a partitura corporal de Vitor e faz uma ligação de
seu celular.
ESTELA (ATOR 2): (partitura corporal de Vitor) Atende, atende... Oi, sou eu... não dá para falar
agora, entre em contato comigo, urgente! Aconteceu uma coisa incrível! Beijos! (retoma a partitura
corporal de Estela).

Configuração 1 Configuração 2

Essa é uma cena de apresentação e preparação cômica. Pretende-se evidenciar tanto o


mistério quanto as composições das personagens, através de ações físicas e adereços de cada um
deles. Há apenas índices para o expectador de que as personagens estão fingindo o que são. Isso
começa a ficar claro quando Estela, sozinha em cena, muda visivelmente a sua partitura corporal
para a de Vitor e, logo após o telefonema, retoma a sua.
Trecho 3
A campainha toca, Estela atende. A Delegada adianta-se casa adentro.
Ator 2 e Ator 1 são, respectivamente, Estela e Delegada.
DELEGADA (ATOR 1): Estela Araújo?
ESTELA (ATOR 2): Eu mesma! Do que se trata?
DELEGADA (ATOR 1): A senhora está só?
ESTELA (ATOR 2): O que significa isto, quem é você?
142

DELEGADA (ATOR 1): Hum, apartamento, modesto mas confortável! É seu ou alugado? Bem,
mas isto não importa!... Ah! O ser humano, um eterno insatisfeito!
ESTELA (ATOR 2): A senhora, quer fazer o favor de se identificar!
DELEGADA (ATOR 1): Identificar-me! (mostrando a carteira de identificação) Que diferença faz a
minha identidade! E a senhora, quem é, hein, hein? Amanhã, nada mais seremos do que somos
hoje, não é, dona Estela?
ESTELA (ATOR 2): Por favor, saia agora de minha casa!
DELEGADA (ATOR 1): Sua casa? (mudando de tom) Dona Estela, a senhora sabia que de todos os
animais, o homem é o único que, mesmo de barriga cheia, mata o seu se-me-lhan-te?
ESTELA (ATOR 2): Se a senhora não sair imediatamente da minha casa eu chamo o meu marido!
DELEGADA (ATOR 1): O seu marido? (sorri) Por que a senhora não chama o seu marido?
ESTELA (ATOR 2): Vitor! Vitor, querido!
DELEGADA (ATOR 1): Ora, Dona Estela, vamos parar com esta farsa, além de nós dois, não há
mais ninguém nesta casa!
ESTELA (ATOR 2): Vitor! Vitor!
DELEGADA (ATOR 1): Tá bom, chega de gritaria! Dona Estela, a senhora está presa!
ESTELA (ATOR 2): Presa? Mas o que foi que eu fiz?
DELEGADA (ATOR 1): Não se faça de tola! Para mim a senhora não precisa esconder! Nós
duas sabemos que a senhora matou o seu marido!
ESTELA (ATOR 2): Mas isto é loucura! O meu marido acabou de chegar de viagem e está
tomando banho. Vitor, Vitor, vem até aqui, amorzinho!
DELEGADA (ATOR 1): Não adianta, Dona Estela. O corpo do seu marido foi encontrado por
pescadores a trezentos quilômetros daqui. Ele foi envenenado e atirado ao mar, dentro de um
saco! Queira me acompanhar!
A Delegada algema Estela.
ESTELA (ATOR 2): Não é possível! Vitor! Vitor!
DELEGADA (ATOR 1): (Empurrando Estela até a porta da sala. Gritando de porta a fora) Levem-na
para o camburão, irei em seguida... (assume a partitura de Estela e faz uma ligação) Alô, sou eu, deu
tudo certo! Isto!... Estou morrendo de saudades, te ligo depois, beijos! (olha ao redor e assume a
partitura da Delegada).
Sai.
143

Configuração 1 Configuração 2

Trecho que introduz uma nova personagem, representada pelo Ator 1 que acabara de
sair na cena anterior como Vitor. Nesse momento, a trama se complica, as transformações físicas
começam aparecer, o que possibilita a criação de horizontes de expectativas no público, levando-o
a uma atenção maior na estruturação cênica, em que os gestos corporais serão mais importantes
do que suas ações. Este efeito pulsante de duas realidades, da cena e do espectador, estabelece um
convite ao lúdico. E o que poderia ter se estabelecido com uma certa gravidade, é quebrada a
partir dessa cena. Existe uma situação de REPETIÇÃO da cena anterior, mas com força cômica
superior, no momento em que a Delegada se encontra sozinha em cena e muda de partitura para a
da Estela, que acaba de sair. Antes existia apenas o mistério, depois algo a mais que é dado para o
espectador. Este passa, efetivamente, a ser cúmplice dos impostores e, ao mesmo tempo em que
se torna cúmplice, aumentam as dúvidas. Quem está mentindo para quem? Ou quem está fazendo
o outro de MARIONETE?
Trecho 4
Ator 2 e Ator 1 são, respectivamente, Pedroso e Estela (com bigode).
Estela, vindo do quarto, retorna carregando uma mala, apressadamente. Pedroso entra.
ESTELA (ATOR 1): Ai, Pedroso, você me assustou!
PEDROSO (ATOR 2): Desculpe querida... Mas o que é isto, aonde você está indo com esta
mala?
144

ESTELA (ATOR 1): Pedroso, amorzinho, aconteceu uma coisa inesperada em nossos planos!
PEDROSO (ATOR 2): Não me diga que você está grávida! E tanto que a gente se prevenia!
ESTELA (ATOR 1): Não é nada disso, Pedroso! É o Vitor!
PEDROSO (ATOR 2): (agarrando Estela) Estela, esquece o Vitor, o que importa agora é só nós
dois!
ESTELA (ATOR 1): Me escuta!
PEDROSO (ATOR 2): Pera aí, Estela! Não me venha com crise de consciência! Agora é tarde!
Nós estamos juntos nesta! Você está muito estranha! Não estou lhe reconhecendo! Tudo em você
me parece diferente! Sua voz está rouca!
ESTELA (ATOR 1): (espirrando) É este resfriado que não me larga.
PEDROSO (ATOR 2): Você não me ama mais! É, você está mudada!
ESTELA (ATOR 1): Não é nada disto, eu não mudei nada! Ainda sou a sua Estela. O que eu
estou tentando lhe dizer é que o Vitor está vivo!
PEDROSO (ATOR 2): Vivo! Estela, você está delirando?
ESTELA (ATOR 1): Querido, é verdade! Vitor apareceu aqui hoje, quase que caio pra trás!
PEDROSO (ATOR 2): Você quer que eu acredite nesta história, se fui eu mesmo que o atirei ao
mar! O que você está tramando, não está pensando em me passar a perna, não é? Pera aí! O que
tinha naquele saco era o Vitor, não era?
ESTELA (ATOR 1): Claro que era! Eu também não sei explicar! Eu o coloquei dentro do saco,
após envenená-lo!
PEDROSO (ATOR 2): Estela, Estela... (abraçando-a) Vamos fugir, vamos abandonar toda esta
sujeira!
ESTELA (ATOR 1): Oh, Pedroso, bem que gostaria, mas fugir para onde?
PEDROSO (ATOR 2): Sei lá! Qualquer lugar onde ninguém nos reconheça! Onde poderemos
construir nossas vidas. Você não pode mais permanecer aqui como escrava do Vitor!
ESTELA (ATOR 1): Pedroso, Pedroso, você tem razão, eu não agüento mais as brutalidades de
Vitor... Sinto-me frágil, me abraça, meu amor!
Eles se abraçam e, quando vão se beija, ouve-se um barulho. Pedroso sai correndo para cozinha.

Configuração 1 Configuração 2
145

Nessa cena, surge um novo personagem que complicará ainda mais a trama e o jogo
cênico, pois nenhum ator estará fazendo o papel das cenas anteriores. Neste momento o público já
deve estar devidamente informado que se trata de uma comédia de trocas de identidades. A força
cômica estará na capacidade de imitação dos atores.
Trecho 5
Estela pega a mala, e vai tentar sair pela porta da sala, quando entra Vitor.
Vitor, está sem bigode e manca de uma perna, como a Delegada.
ESTELA (ATOR 1): (assustada) Ai, meu Deus!
VITOR (ATOR 2): Que é isto Estela, está me estranhando?
ESTELA (ATOR 1): Vi... Vitor é você mesmo!
VITOR (ATOR 2): Claro que sou eu? Quem você esperava que fosse?
ESTELA (ATOR 1): Mas... Você está... Isto é... (disfarçando) o seu bigode!
VITOR (ATOR 2): O que tem o meu bigode?
ESTELA (ATOR 1): Vo..Você tinha bigode... Ou não?
VITOR (ATOR 2): Ah! Esta é boa, o marido não pode se ausentar por alguns dias, que a esposa
não mais o reconhece!
ESTELA (ATOR 1): Sua perna, que tem ela?
VITOR (ATOR 2): Estela, não estou lhe entendendo... Você está mudada!... Você deixou
crescer... O bigode! É só eu viajar, que você se solta, não é?
ESTELA (ATOR 1): Não é nada disso, amorzinho!
VITOR (ATOR 2): Amorzinho é uma ova! Onde você estava pensando ir com esta mala? Fugir?
ESTELA (ATOR 1): Fugir, eu? Isto são roupas sujas que estou levando para a lavanderia!
Vitor pega a mala de Estela, abre e retira um envelope.
VITOR (ATOR 2): Roupas sujas, é? Deixe-me ver! E isto aqui são roupas sujas? Estela, você está
querendo me enganar?
Estela cai ajoelhada chorando.
ESTELA (ATOR 1): Por favor, eu não pretendia enganá-lo, eu estava indo para a lavanderia.
Juro! E como a casa ficaria vazia, eu pensei que o mais seguro era levar este documento comigo!
VITOR (ATOR 2): Mentira! (começa a tirar o cinto da calça).
ESTELA (ATOR 1): (beijando a mão de Vitor) Vitor, querido, não me bata! Não, querido, você
precisa acreditar...
VITOR (ATOR 2): Mas o que significa isto? (vendo o casaco de Pedroso)
ESTELA (ATOR 1): Calma, Vitor, não é nada do que você está pensando...
146

VITOR (ATOR 2): Ah, é? E o que eu estou pensando, vamos diga?


ESTELA (ATOR 1): Vitor, amor, procure se acalmar!
VITOR (ATOR 2): Você se cale, e não me chame de seu amor!... Onde ele está?
ESTELA (ATOR 1): Vitor, se você me tocar eu chamo a polícia !
VITOR (ATOR 2): Polícia?(repete a forma de rir da delegada) Você disse polícia? Duvido! Pois
chame, para eu contar tudo que sei de vocês dois! (muda de tom)
Estela está no chão e se arrasta, enquanto Vitor se aproxima, tirando o cinto da cintura.
ESTELA (ATOR 1): Por Deus, Vitor, não me bata, não me bata!
VITOR (ATOR 2): Então quer dizer que é só eu dar as costas, que você me trai, hein! Anda,
fala.
ESTELA (ATOR 1): Vitor, eu faço o que você quiser, mas, por favor, não me bata!
VITOR (ATOR 2): Falsa, falsa!... O que foi que eu fiz para merecer tamanha traição?
ESTELA (ATOR 1): (abrupta) O que foi que você fez? Você tem coragem de me perguntar o que
você fez? Já estou cansada de fingimentos nesta casa... Você queria o quê? Olha, Vitor, olha para o
meu corpo, eu ainda sou jovem... Há meses que você não me procura, não faz nenhum carinho...
Você não entende disso, você é homem!
VITOR (ATOR 2): Calada, pare com esta choradeira!
ESTELA (ATOR 1): Ah, Vitor, em que foi que nos transformamos? Nós não somos mais o que
éramos... Somos todos uns... Impostores! Onde está o homem carinhoso que conheci?
VITOR (ATOR 2): Não me venha com esta conversa... Você é que mudou! Cadê aquela mulher
linda de antes... Aquela mulher... Sem bigode!
ESTELA (ATOR 1): Está vendo, está vendo como você é grosso... Um insensível!
VITOR (ATOR 2): Eu sei muito bem quem é você. Você não é nada do que aparenta ser!
Fingida... Vamos diga o que você está tramando... Senão eu te mato, agorinha, como já devia ter
feito antes... Vamos, diga, o que você está tramando?
ESTELA (ATOR 1): Eu não sei do que você está falando... Você está louco!
VITOR (ATOR 2): Estou mesmo! Eu não sou mais dono de mim, eu sou outra pessoa, vou
acabar com você, traidora!
ESTELA (ATOR 1): Não, Vitor!
Ele pega uma garrafa e parte em direção de Estela e a atinge na cabeça.
VITOR (ATOR 2): (partitura de Pedroso) Alô, sou eu! Está tudo sobre controle! Um beijo!
Vitor arrasta o corpo de Estela para o quarto.
147

Configuração 1 Configuração 2

Essa cena obedece a duas estruturas: REPETIÇÃO e INVERSÃO. Ela repete diálogos e
marcações da cena 2, no entanto, os papéis dos atores estão invertidos. Deseja-se um duplo
sentido entre as questões existenciais das personagens e seus disfarces. Em um dado momento, só
acontece a comicidade dos diálogos porque o público já está informado das trocas de identidades.
E quando há uma referência ao corpo das personagens, também deve ficar explícito que se está
também falando do corpo do ator que representa a referida personagem. A comicidade será mais
intensa se as personagens são representadas por atores de sexos opostos: ator fazendo o papel
feminino e a atriz, o papel masculino.
Trecho 6
Entra Pedroso de bigode, e muito gripado, saindo da cozinha. Quando vai tentar fugir, entra a Delegada pela
porta da sala.
DELEGADA (ATOR 2): Aonde pretendia ir, senhor Pedroso?
PEDROSO (ATOR 1): Que é isto, companheira! Escuta, a gente pode continuar o plano juntos,
nós três! Como havia combinado com a Estela! Depois, fora do país, a gente reparte o dinheiro do
seguro!
DELEGADA (ATOR 2): Sem essa de companheira, você está me confundindo com outro.
PEDROSO (ATOR 1): (olhando-o, fixamente) Vitor? (Delegada faz sinal negativo) Estela?... Quem
é você?
DELEGADA (ATOR 2): (assume a partitura de Pedroso) Pedroso!
PEDROSO (ATOR 1): Pedroso? Mas eu sou o Pedroso!
DELEGADA (ATOR 2): Será? Vamos, entre neste saco.
Delegada coloca Pedroso num saco e o arrasta até a cozinha.
ESTELA (ATOR 2) sai do quarto arrastando um saco pesado.
148

ESTELA (ATOR 2): Pedroso, conseguimos pegar os dois!


DELEGADA (ATOR 1): Ok! Polícia, (espirra) Ponha as mãos na cabeça. Você tem direito de
ficar calada, mas vou avisando, o seu cúmplice já confessou o plano de vocês dois.
ESTELA (ATOR 2): (se transforma em Vitor) Ah! Já lhe conheci mais perspicaz, não reconhece o
seu Vitor?
DELEGADA (ATOR 1): Vitor?
VITOR (ATOR 2): Sim, meu amor, o nosso plano deu certo! Os dois caíram como dois patinhos
na lagoa.
Delegada se transforma em Pedroso.
PEDROSO (ATOR 1): Sendo assim não há mais necessidade de fingimentos, querido. Seremos
só nós dois, Pedroso e Vitor, ninguém mais para nos atrapalhar.
Vitor se transforma em Estela, tomando a arma de Pedroso.
ESTELA (ATOR 2): Isso é que você pensa... Sempre desconfiei, Pedroso, dessa sua grande
amizade com o Vitor.
Pedroso se transforma em Vitor.
VITOR (ATOR 1): (sorrindo) Mas é claro que iria desconfiar, se eu era o seu próprio amor. E
aqueles dois tramaram tudo para nos passar para trás, querida.
Os dois se aproximam para se beijar.
ESTELA (ATOR 2): Espere! Não precisamos mais desses disfarces.
VITOR (ATOR 1): É verdade!
Ator 1 se transforma em Estela e Ator 2, em Delegada.
DELEGADA (ATOR 2): Estela, meu amor!
ESTELA (ATOR 1): Araci, minha querida.
Começam a se beijar, enquanto cada um tira um revólver do bolso. A luz se apaga quando um está apontado
para a cabeça do outro. Musica. Black-out.
149

Configuração 1 Configuração 2

Este é trecho de desfecho. A troca deve ocorrer com bastante rapidez na intenção de
surpreender o espectador com as entradas e saídas, e as revelações absurdas. É uma cena de pura
ludicidade em que as INVERSÕES, as REPETIÇÕES e as REVERSÕES são constantes. Nesse
momento, as coisas se complicam, fica uma dúvida no ar: quem são realmente os impostores?
Quem engana quem? O risível cresce com as constantes mudanças de partituras corporais em
cena. Realiza-se o mecanismo de BONECO DE MOLA, pois as trocas entre personagens ocorrem
alternadamente, sempre com tensão de uma e com distensão da outra.
Pela dificuldade, tanto na sua realização como na compreensão, as modificações do texto
Os impostores foram mais evidentes e mais constantes do que nos outros esquetes. A intenção era
complicar o enredo para que o público desistisse de sua lógica e passasse a concentrar-se no jogo
corporal dos atores. Para isso, acrescentamos, nesse trecho da peça, pequenas cenas em que uns
matam os outros, não utilizando sacos, mas com tiros em que o atingido está fora de cena. Em
diversos momentos, dois personagens com partituras semelhantes se encontravam em cena,
alegando um para o outro ser o verdadeiro e não o impostor. Os diálogos foram criados, nesse
momento, por improvisos e, depois, permaneceram mais ou menos fixos entre as configurações.
Trecho 7
As luzes se acendem. Ator 1 e Ator 2 encaminham-se para o proscênio. Cada um fala o próprio nome, mas
apontado para o outro.
ATOR 1: Fala o seu nome verdadeiro, apontando para a Ator 2.
ATOR 2: Fala o seu nome verdadeiro, apontando para o Ator 1.
OS DOIS: Os impostores!
Retorna a música de suspense.
Fecha a luz.
150

Fim.

O risível é realizado pela troca de papéis (INVERSÃO) e pela revelação implícita de que
os atores são os verdadeiros impostores. Eles são os que fizeram do público as suas
MARIONETES. Neste esquete a noção do verdadeiro se dilui, se dilacera, pois se chega ao ponto
de não mais sabermos quem imita quem, se existem realmente quatro personagens ou apenas dois
que se deixaram passar um pelo outro.
Uma marcação final foi criada. Consistia na apresentação de cada partitura dos
personagens, ao mesmo tempo, pelos dois atores, na seqüência: Vitor, Pedroso, Estela e Araci.
Por fim, um ator apresenta o outro com os nomes trocados entre si. Pretendeu-se, com isso, que
o público percebesse que o enredo era apenas um pretexto para realização em cena do jogo de
partituras.

Configuração 1

Configuração 2

Comentários:

Quando realizamos a seqüência frente ao público era muito prazeroso ver


quando alguns chegavam próximos de conquistar o jogo. Esse jogo que tanto
repito neste diário, é o ato de os atores estarem brincando em cena e um estar
151

à vontade com o outro. Tão à vontade que chegam ao ponto de “jogar-se” um


para o outro, com plena confiança em cena. Isso me lembra um dia em que eu
e a Elaine fizemos uma cena juntos. Logo após a cena realizada, alguns dos que
viram a cena fizeram um comentário que se repetia “Vocês tem uma boa
sintonia em cena”. Seria isso fruto de uma confiança construída previamente?
(Henrique, 25/08/2007).

O conteúdo do texto em si não traz nada de novo, mas a maneira como


abordamos é que é inovadora. Os qüiproquós são mostrados nas relações e
trocas dos personagens, onde os quatro são os quatro e, ao mesmo tempo,
nenhum. Uma grande confusão. Típica farsa. O personagem sabe quem é cada
um, mas finge não saber para que o outro não afirme quem ele é. Fica um
jogando com o outro, fazendo uma “chantagem implícita”. Dentre os quatro
esquetes, n’Os impostores é onde se encontra maior influência do mecânico
colado no vivo. É um trabalho 90% físico. Bem codificado, mas abre bastante
espaço para o improviso em cena, se os atores estiverem seguros da relação
“ator-espectador”. Trabalho mais gestual que emocional, automatismo. Um
exemplo desse mecânico codificado está na cena do espelho entre Pedroso e
Pedroso, um efeito simples que causa o riso: o esquete Os impostores é um jogo
cênico, um laboratório prático para os atores, experiência cansativa e
resultados inesperados. Uma vivência teatral que amadurece o ator pelo ritmo
e contracenação indispensáveis. (Jeniffer e Larissa, 10/11/2007).

O esquete dos impostores faz o público enlouquecer, muitas pessoas falaram


que não entendiam do que a história tratava e nem entendiam muito bem a
mudança dos personagens, nas duas configurações (Larissa e Jeniffer)
(Henrique e Elaine). Escutei esse comentário, mas as pessoas entendiam que
de alguma forma se referia a uma farsa. (Chirliane, 30/04/2008).
Começo a não me preocupar tanto com a graça d’Os impostores e noto que
paradoxalmente isso faz com que a graça seja gerada. Digo isso porque na
última sessão (do BNB) eu não estava mais “nem aí”, tava só brincando mesmo
em cena. As frustrações e problemas do dia haviam se diluído e eu só tava
mesmo era brincando. Sentia-me em casa e não senti necessidade de agradar
ninguém. Mesmo a platéia não rindo nas primeiras cenas eu só pensava “Pois
esperem até a confusão começar. Ô putaria!” E senti que na última sessão, essa
minha atitude teve sucesso, pois sem a preocupação, parece-me que a platéia
gostou. Tive até a impressão de ter escutado alguns (detalhe para o “s”.
PLURAL E NÃO SINGULAR!!!!!!) “Uhuuuuu’sssss”. Elogio e não vaia.
(Henrique, 25/04/2008).
A rubrica
Esquete escrito para três atores. Há quatro séries que se interpõe constantemente: 1) o
tempo e espaço da Rubrica; 2) o tempo e espaço do casal; 3) o tempo e espaço dos atores; 4) o
tempo espaço dos espectadores.
Tanto pela época, caracterizado pelos figurinos, como pelos diálogos e as relações entre
as personagens, a proposta dramatúrgica indica uma estrutura melodramática para o conflito entre
o casal.
152

A palavra rubrica representa diversas conotações: pode ser a rubrica de um texto teatral,
uma espécie de assinatura, uma relação sexual, uma atitude moral, e outras. Este deslocamento do
sentido literal para o figurado é a estratégia cômica na qual partem todas as situações do esquete.
A MARIONETE é o brinquedo mais evidenciado, pois as ações do casal são comandadas pelas falas
da Rubrica como se fossem cordões invisíveis.
A estrutura de REPETIÇÃO acontece em diversos momentos. O gesto deve estar mais
evidenciado que a fala, pois o público deverá perceber toda a mecanicidade do gesto. A Rubrica
não pode ser somente uma voz, ela deverá ter presença marcante, da mesma forma que as demais
personagens.

Configuração 1

PERSONAGENS ATORES FONTE GERADORA


RUBRICA Amidete Aguiar Matriz 3
VALÉRIO Jociel Carvalho Matriz 3 e Matriz 1
CLEIDE Chirliane Alves Matriz 1 e Matriz 3

Configuração 2

PERSONAGENS ATORES FONTE GERADORA


RUBRICA Amidete Aguiar Matriz 3
VALÉRIO Felipe Franco Matriz 1 e Matriz 2
CLEIDE Fábia Guedes Matriz 1 e Matriz 2
Trecho 1
A rubrica entra, senta-se em um banco que se encontra à direita do palco. Ao lado, à sua esquerda, acontece a
cena entre Valério e Cleide. As ações são comandadas pela Rubrica.
RUBRICA: A Rubrica. Personagens: Rubrica, Valério, Cleide, esposa de Valério. Cena única.
Quarto de Valério e Cleide. É meia noite. Entra Valério. Valério entra calmamente, trajando
fraque, cartola e luvas, estilo século XIX. Agitado, anda da esquerda para a direita. Pára,
bruscamente. Vira-se para platéia com o olhar perdido. Cleide entra, normalmente, também
vestida no estilo do século XIX. Cleide entra sem que Valério perceba...
RUBRICA: Formal.
CLEIDE: Os convidados já foram...
153

RUBRICA: Numa transição inesperada para uma alegria evidente.


CLEIDE: A festa estava linda!
RUBRICA: Ele apenas balança cabeça, afirmativamente.
RUBRICA: Com irritação.
CLEIDE: Por que vós não falais nada?
RUBRICA: Ele dá dois passos em direção a ela. Pára. Observa-a fixamente e se volta três passos
à direita... (ele dá passos para a esquerda) à direita.
RUBRICA: Desapontamento infantil.
CLEIDE: Deveras, não tendes nada a me dizer?
RUBRICA: Com voz lenta e velada.
VALÉRIO: Vós conseguistes a rubrica?
RUBRICA: Engole seco.
CLEIDE: A de minha mãe.
RUBRICA: Tomando coragem, hesitante.
CLEIDE: O meu pai negou-se a conceder a rubrica naquele momento.
RUBRICA: Sardônico.
VALÉRIO: Não acreditais que ele está adiando muito?
CLEIDE: O que quereis, vós?
RUBRICA: Tem um riso entrecortado, histérico.
CLEIDE: Que diante de todos os convidados ele vos desse a rubrica?
RUBRICA: Retirando as luvas, visivelmente perturbado.
VALÉRIO: E qual o problema, se todos o fizeram? Por que somente ele recusa-se a dar a rubrica?
RUBRICA: Com uma amabilidade nervosa.
CLEIDE: Ora, meu esposo, sabeis perfeitamente como meu pai se diferencia dos demais!
RUBRICA: Com raiva concentrada.
VALÉRIO: Diferencia como? Pensais, então, que eu posso dar a minha rubrica, vós podeis dar a
vossa, até a cozinheira deu a rubrica dela...
154

Configuração 1 Configuração 2

As ações físicas que o texto sugere são mais cômicas que as falas em si. Não há
necessidade de coerência entre os gestos dos atores e as indicações da Rubrica. A Rubrica deve se
manifestar inicialmente neutra, para que, aos poucos, interfira diretamente na história. É,
portanto, evidente a estrutura de INTERFERÊNCIA DAS SÉRIES com o mecanismo de
MARIONETE, com os duplos sentidos das palavras.
Trecho 2
RUBRICA: Olhando para platéia.
CLEIDE: Eu fico me questionando: aonde toda esta história de rubrica nos levará?
RUBRICA: Para o público.
VALÉRIO: Uma coisa é certa: isto há de ter um final!
RUBRICA: Decidida.
CLEIDE: Mas quando, meu Deus? Vós estais obcecado por rubricas. É rubrica de manhã, tarde e
noite. Eu não agüento mais. Urge que se ponha um ponto final.

Configuração 1 Configuração 2
155

N
A situação se interpõe em três espaços/tempo: o da Rubrica, o da cena do casal e do
público. A comicidade se estabelece pelo subentendido, pois não está explicitamente definido para
quem e de quê o casal está falando: se é do conflito interno entre eles ou da peça que, como
atores, eles representam.
Trecho 3
RUBRICA: Sacudindo-o de um lado a outro.
VALÉRIO: Onde está ele agora?... Eu perguntei onde está ele agora, minha esposa?
CLEIDE: No quarto dele!
RUBRICA: Sacudindo-a para frente e para trás.
VALÉRIO: E a vossa mãe!
CLEIDE: No quarto dela!
RUBRICA: Jogando-a ao chão.

Configuração 1 Configuração 2

Uma ação acontece num espaço e tempo específico: percebemos o tempo num
contínuo, crescente. E o espaço também parece ser contínuo e homogêneo. Para se percorrer de
um ponto a outro devemos passar por pontos intermediários. Todavia tanto espaço quanto tempo
podem, em cena, ser descontinuamente deslocados, para evidenciar um gesto, por exemplo:
existe uma cena no esquete A RUBRICA em que Valério vai enforcar a esposa, Cleide.
Naturalmente trata-se de uma situação dramática, não risível. No entanto, montamos essa cena
156

com Valério e Cleide, um de costas para o outro, ele realizando o ato, num espaço vazio e Cleide
agindo como se as mãos de Valério estivessem em seu pescoço. Desse modo, o público verá
apenas a mecanicidade do gesto e não a brutalidade da ação, o que deflagra o riso.
Trecho 4
RUBRICA: Valério, olha bem no fundo dos olhos de Cleide, respira e sussurra (ele apenas
gesticula, enquanto a Rubrica sussurra). É preciso! E tenta safar das mãos de Cleide. Uma, duas,
três... Cleide solta. Cleide chora copiosamente, dizendo: A rubrica de papai não! Não! Não! E
como tomada de uma resolução repentina, levanta-se. E vai até o proscênio... Ajeita o cabelo,
limpa as lágrimas, põe batom: Um foco de luz fecha-se sobre ela. (Rubrica passa da postura neutra
para a interpretativa). Cleide, em sua solidão de mulher abandonada, tenta transmitir por imagens,
apenas com olhar, o passado de fingida felicidade. Aquela mulher tão ingênua estava
evidentemente agitada, um quê de constrangimento e mesmo de cólera alterava aquela expressão
de serenidade profunda, e como acima de todos os interesses vulgares da vida, dava tantos
encantos aquele semblante celeste. Ah! Então isto é a vida? Questiona-se com as sobrancelhas.
Viver é achar-se de repente tendo que ser e existir num imprevisto. Subjugada por uma voz
desconhecida, a comandar-nos como títeres, forçando-nos as diversas possibilidades a que não
temos outro remédio senão obedecer?
RUBRICA: Cleide com a mão esquerda nas costas e a mão direita apontando para o infinito.
(dramaticamente) Assim, a vida é prisão na realidade circunstancial. (pausa, por alguns segundos.
Rubrica e Cleide paralisadas. Cleide pigarreia. Rubrica se recompõe). Por fim, Cleide acorda de seu
devaneio, lembra-se de seu marido e visivelmente consternada, filosofa.

Configuração 1 Configuração 2
157

Configuração 1 Configuração 2

Configuração 1 Configuração 2
158

No monólogo da Rubrica, além da INTERFERÊNCIA DAS SÉRIES, estrutura-se uma


situação de INVERSÃO em que a Rubrica passa da postura neutra, discreta, transparente às ações
cênicas, para assumir o foco principal da cena, com emoções próprias de uma personagem.
Trecho 5
RUBRICA: A luz diminui em resistência sobre Cleide. Ouve-se uma música suave de piano (toca-
se uma música forte de percussão)... de piano (música de piano forte)... suave. Tudo escuro.
OFF: Luz Geral. Os atores caminham para o centro do palco (eles não estão na ordem) Rubrica a
esquerda, Valério ao centro (Cleide está no centro)... Valério ao centro... Cumprimentam o público
que os aplaude... Aplaude muito... De pé... De pé... alguns gritam: “Uuuh arrasou”... Outros,
bravos. Os atores esperam o público parar de aplaudir. A rubrica apresenta cada um.
RUBRICA: Como Cleide (diz o nome da atriz).
OFF: O público aplaude.
RUBRICA: (nome do ator) No papel de Valério.
OFF: O público aplaude.
O CASAL: E como Rubrica (diz o nome da atriz).
OFF: O público aplaude mais forte... Mais forte. Os outros dois fingem não sentir despeito.
Rubrica faz os agradecimentos
RUBRICA: (agradece a equipe técnica).
OFF: Os atores saem tranquilamente. (eles saem em debandada)... Tranquilamente.
Entra um som, que vai aumentando, e voz de OFF diminuindo. A luz apaga-se. Luz geral. Palco vazio. A
música pára.
OFF: Os atores não retornam.
Fim.

Configuração 1 Configuração 2
159

Novamente a INTERFÊNCIA DAS SÉRIES em que se evidencia o teatro dentro do


teatro e o público como personagem do espetáculo, transformado em MARIONETE da ação final.
Comentários:
Quando li esta segunda parte do livro de Bergson, percebi muitas relações
entre a comicidade das situações e as nossas. Por exemplo, reconheci a forma
de marionete explicitamente no esquete A RUBRICA. Já tínhamos comentado
sobre esta característica, mas lendo fica bem compreensível o sentido que
devemos dar durante a interpretação, pois Cleide e Valério são nitidamente
fantoches na mão da Rubrica. Acredito que nesse esquete também exista a
característica de caixinha de surpresa, porque, em alguns momentos a rubrica
fala algumas ações que devemos fazer e fazemos algo completamente
contrário, como por exemplo: no momento em que ela diz para Valério falar
sussurrando e ele fala gritando, e com essas intervenções da Rubrica a idéia
que se quer passar é exatamente que este personagem está se divertindo com
os demais, sacaneando eles a todo o momento. (Chirliane, 07/03/2008).
Realmente, vivemos uma verdadeira avalanche de emoções nesse novo
tempo... Foram tantas experiências que com certeza não irei citar todas por
falta de memória... Primeiro lugar, quero dizer que gostei muito do esquete
que fiz e que foi um grande aprendizado para eu fazer um personagem cômico
nos gestos e não só na fala e no texto. No período dos ensaios posso dizer que
foi muito cansativo e exaustivo, algumas vezes chegava a pensar que não
precisaria de tanto ensaio como foi, mas essa idéia só durou até a primeira
apresentação, pois percebi de forma bem clara a importância dos ensaios. Algo
que me angustiou muito foi os erros cometidos na hora da apresentação
porque nesses momentos de deslize perdia um pouco a energia contínua da
apresentação, mas enfim, foi algo que consegui superar na medida do possível.
Para mim na primeira apresentação apesar de pouco público surtiu mais efeito
as piadas da história, as pessoas riam com gosto. Na segunda apresentação o
público estava mais resistente ao riso, ou éramos nós que estávamos mais frios,
ainda não descobri a causa do pouco entusiasmo da platéia, que soltou poucos
risos e isso me deixou chateada, pois saí com a impressão de não ter feito uma
boa apresentação. Enfim, algo que ficou muito marcado em minha memória
foi que: “sempre podemos fazer melhor aquilo que já fazemos bem”.
(Chirliane, 19/10/2007).

“Muitos dramas se transformarão em comédia” Isso entrou no nosso esquete,


pois era um casal que vivia o drama da ambição do marido que estava
obcecado em receber a rubrica de todos, para tomar conta dos bens da família
de sua esposa, que sofria em meio a toda esta situação, chegando a quase ser
espancada, fato que o público recebeu muito bem e até riu. Foi meio difícil
pra nós que tínhamos que manter o riso preso, pois tínhamos que ficar como
se tal esquete fosse um drama, pelo menos para nós. Tem um momento do
esquete em que observamos a quebra como sendo uma fuga da realidade para
que as pessoas não sentissem piedade, pois como Bergson afirma, só rimos de
alguma situação quando não sentimos piedade dela, e a indiferença é o meio
natural para a comicidade. Foi a seguinte cena: quando Cleide é jogada de um
lado para outro pelo marido, e realizamos isso de forma não real fazendo os
movimentos de costas um para o outro, esse simples fato tem um efeito
cômico por causar estranheza nas pessoas que estão assistindo, pois não é
comum ver esse tipo de situação no dia-a-dia, duas pessoas discutindo, tendo
um contato físico uma com a outra e não estar de frente uma para a outra.
(Jociel e Chirliane, 02/11/2007).
160

Um homem, uma mulher, para não falar do garçom

O último esquete a ser apresentado no espetáculo PARA NÃO FALAR DE TEATRO.


Escrito para três atores que representam um homem, uma mulher e um garçom, como também
os respectivos intérpretes de suas personagens (personagens atores) é, de todos os esquetes, o que
apresenta a estrutura metalinguística mais didática. Tem características de ensaio, em que se
discutem aspectos do paradoxo do ator (entre o intérprete e sua personagem), da encenação e da
dramaturgia.
O procedimento de INTERFERÊNCIA DAS SÉRIES é bem evidenciado pelas constantes
falas das personagens com o público. A situação de INVERSÃO acontece, quando o garçom passa
de mero coadjuvante a protagonista. Os personagens são bem definidos: a atriz exibida que
representa uma mulher traída; o ator canastrão que representa o marido adúltero; outro ator, que
deseja um espaço maior na peça, representa um insignificante garçom. O mecanismo de
REPETIÇÃO é constante tanto nas falas como nas retomadas das cenas.
O mecanismo de BOLA DE NEVE também se evidencia, quando parece que a cena vai
avançar e ela é interrompida para retomar ao seu ponto de partida, mas numa complicação
crescente. A força cômica está nas situações muito mais do que nas falas, embora, em alguns
momentos, pelas repetições dos termos, obtenha-se o efeito risível. Existe uma constante,
interferência de realidades em pelo menos três níveis ficcionais entre o Homem, a Mulher e o
Garçom; entre os atores-personagens discutindo seus papéis e na triangulação entre atores e os
expectadores.
Configuração 1

PERSONAGENS ATORES FONTE GERADORA


HOMEM Henrique Bezerra Matriz 1 e Matriz 2
MULHER Elaine Cristina Matriz 2 e Matriz 3
GARÇOM Felipe Franco Matriz 3 e Matriz 2

Configuração 2

PERSONAGENS ATORES FONTE GERADORA


HOMEM Jociel Carvalho Matriz 3 e Matriz 2
MULHER Chirliane Alves Matriz 1 e Matriz 3
161

GARÇOM Felipe Franco Matriz 3 e Matriz 2

Trecho 1
Entra o Garçom
GARÇOM: (para o público) Um boteco qualquer. O garçom, que sou eu, a personagem e não eu,
o ator, limpa a mesa. A minha única função na peça... Quero dizer, a única função do garçom na
peça é: presenciar um crime!
O homem entra. Dá um forte abraço no garçom.

Pretende-se, nesse momento, colocar o espectador em suspense, alerta para o que está
por acontecer. Já se aponta certa comicidade, quando o Garçom se apresenta, indicando uma
diferenciação conflituosa entre o eu da personagem e o eu do ator. Quebra-se a ilusão,
mostrando-se a mecânica do jogo teatral.
Trecho 2
HOMEM: Zé, uma cervejinha bem gelada, que hoje estou muito feliz (para o público) Duvido que
continue neste estado de alegria, se soubesse que daqui a pouco alguém viria a este bar para acabar
com a minha vida... Minha vida não, a da minha personagem. Porque ela está muito perto de
morrer na primeira cena desta peça. Mas a minha personagem ainda mantém a ilusão de que
permanecerá viva por muitos anos. O meu futuro assassino, que eu sei quem é, mas minha
personagem não, entrará por aquela porta, daqui a alguns segundos.
O Garçom serve a cerveja. A Mulher entra, sem que o Homem perceba.

Configuração 1 Configuração 2
162

MULHER: (para o Garçom) Onde está ele? (o Garçom apenas aponta.) Eu estou fula da vida! Eu não,
a minha personagem. Eu, atriz, estou muito feliz por ser protagonista pela primeira vez de uma
peça. Ruinzinha, concordo. Já a minha personagem está preste a matar o marido. Eu, a atriz,
jamais faria uma tolice dessas. Porém está é uma história de crime passional. Um tema banal. Com
motivações éticas comuns! Também pudera, o autor não é lá essas coisas. Nunca escreveu uma
peça em que apresentasse personagens densos que, através de um tema simples, conseguisse
revelar a complexidade da condição humana! Escreve à moda antiga, cheio de “apartes”.

Configuração 1 Configuração 2

Todas as personagens já formam devidamente apresentadas. Percebem-se


constantemente as estruturas de REPETIÇÃO e INTERFERÊNCIAS DAS SÉRIES. O mecanismo
de BONECO DE MOLA configura-se no tensionamento e distensionamento entre o eu do ator e
o eu de suas respectivas personagens.
Trecho 3
A Mulher se aproxima do marido.
HOMEM: Você por aqui, que surpresa! Zé, traz mais um copo! (para o público). Ela não sabe que
estou tendo um caso.
MULHER: (para o público) Ele não sabe que eu sei que ele está tendo um caso.
GARÇOM: (para o público) Eu sei o que os dois sabem... Mas não posso demonstrar por
palavras... Nesta peça, eu não tenho falas... Desde que colocaram um terceiro ator em cena, que
todos os garçons, ascensoristas de elevadores, porteiros de prédios têm a mesma função
dramática: ser a terceira visão, diferente da protagonista (apontando para Mulher) e do antagonista
(apontando para o Homem). Isso tem me deixado bastante irritado. Eu, ator, e não a minha
personagem. Todos os dias, tenho que permanecer em cena, durante todo o espetáculo, sem dar
163

um pio, é de lascar! Já para minha personagem está tudo bem, tanto faz. Ela é garçom mesmo! Ela
só tem que servir os seus clientes.

Configuração 1

Novamente, configura-se a estrutura de REPETIÇÃO com o mecanismo do BONECO


DE MOLA. Na fala do Garçom, aponta-se para uma INVERSÃO por contradição, na qual este
personagem afirma não ter fala na peça ao mesmo tempo em que tagarela.
Trecho 4
MULHER: Me contaram que você está tendo um caso! (para o público) Esta é uma frase
determinante para se estabelecer um conflito... Talvez, fosse melhor que eu a dissesse dando
pausas. Acompanhado por um som que pontuasse a tensão, assim: Me contaram... Que você...
Está tendo um caso!

Configuração 1 Configuração 2
164

A música inserida neste trecho funciona como fios de uma MARIONETE, determinando
as ações dos atores, que finalizam a cena com uma pequena e lúdica coreografia, retirando a
densidade que poderia apresentar.
Trecho 5
HOMEM: Como?... Como?... Como? (para o público) Ensaiei muito este “Como”. Até descobrir
o tom mais adequado que revelasse o caráter da minha personagem. No começo, tinha dúvidas se
a personagem era cínica, se tinha crises de consciência, se estava surpresa com a descoberta da
esposa. Até que percebi que era um fingido... Eu não, a minha personagem, é claro! (rindo)
Como? Rá, rá, rá.

Configuração 1 Configuração 2

O risível acontece pela mecanicidade da representação teatral, na qual o ator revela-se


MARIONETE da técnica de representação. Tem-se a preocupação de falar para o público que a
personagem é bem diferente do ator que a criou. O que faz cômicos os diálogos acima é a
cumplicidade que o ator tem com o público, confidenciando-lhe a sua técnica de atuação.
Trecho 6
MULHER: Você ouviu muito bem! (para o público) Estes últimos diálogos são clichês. Trata-se
um recurso batido, utilizado pelo autor para prolongar a peça... Aliás, tudo aqui é clichê: toda a
trama, o bar, o garçom... Seria muito mais interessante, se o autor iniciasse a cena assim: (a cena se
realiza conforme a descrição da Mulher). O marido já estaria sentado aí, onde você está. A Mulher,
que sou eu, entra por aquela porta, correndo como uma louca... Pega a garrafa e acerta na cabeça
do marido, assim... Sai correndo! Seria um suspense maior, deixaria o público intrigado. E
manteria, ao longo de toda a peça, o mistério em torno da motivação do crime. Que tal?
165

A comicidade aqui está mais nas ações físicas possíveis do que nas falas das personagens.
Temos um mecanismo de MARIONETE entre a atriz e sua personagem. As falas são como os fios
condutores para as ações da Mulher. Há também uma estrutura de REVERSÃO na continuidade
linear da peça.
Trecho 7
GARÇOM: E o garçom?
MULHER: Não teria garçom!
GARÇOM: Um bar sem garçom?
MULHER: Claro! O papel do garçom é extremamente redundante. O teatro hoje em dia
privilegia essencialmente os símbolos. Uma mesa de bar, uma cerveja, já simbolizam a presença
do garçom. Além de ter a vantagem de economizar um ator!
HOMEM: Eu discordo de sua proposta. E as minhas falas iniciais? Zé, uma cervejinha bem
gelada, que hoje estou muito feliz; Você por aqui, que surpresa! Zé, traz mais um copo! Como?...
Como?... Como?... Como? Rá, rá, rá.
MULHER: Desnecessárias! A ação já fala por si!
HOMEM: E a densidade da minha personagem, como fica, sem nenhuma fala?
MULHER: Não há necessidade que a sua personagem fale para que o público saiba quem é você.
Basta que as outras personagens, que sou eu mesma, fale de você, num magnífico monólogo que
se daria numa cena a seguir.

Configuração 1 Configuração 2

O que faz a comicidade desse momento é o distanciamento completo, através do desvio


do conflito entre o marido e a mulher, para um conflito entre atores. Estes deixam de representar
os seus personagens para discutir questões referentes à encenação e à dramaturgia. Cada um deles
166

procura supervalorizar a importância de sua personagem na peça. Há novamente quebra da ilusão,


ou mudança de nível de ficção.
Trecho 8
GARÇOM: E eu?
OS DOIS: Você é símbolo!
GARÇOM: Símbolo é o cacete! Eu digo que o garçom é de suma importância para o desenrolar
da trama. Mesmo não pronunciando uma só palavra nesta peça, ele pode, com recursos de
interjeições, sugerir um subtexto que dê margens a muitos significados, sugestionando um denso
suspense e um intrigante mistério.
OS DOIS, ALTERNADAMENTE: Como?... Como?... Como?... Como?
GARÇOM: Vamos recomeçar!
Entra o Homem e abraça o Garçom.
HOMEM: Zé...
GARÇOM: Xii! (explicando) No sentido de ¨pintou sujeira¨.
HOMEM: ...uma cervejinha bem gelada...
GARÇOM: Hum... (explicando) no sentido: que novidade!
HOMEM: ...que hoje estou muito feliz!
GARÇOM: Tss, tss... (explicando) querendo dizer: coitado!
Entra a Mulher.
MULHER: Onde ele está?
GARÇOM: Ih... No sentido: “a coisa vai engrossar”.
HOMEM: Você por aqui, que surpresa!
GARÇOM: Apenas um olhar e um sorriso irônico, dizendo: que falso!
HOMEM: Zé, traz mais um copo!
GARÇOM: Ai, ai, ai, que quer dizer: ai, ai, ai, mesmo!
MULHER: Me contaram que você está tendo um caso!
GARÇOM: Vixe Maria!
OS DOIS: Vixe Maria?
GARÇOM: Sim! É para sinalizar que o garçom é nordestino...
MULHER: E que sentido tem isso?
GARÇOM: Contraste.
HOMEM: Contraste?
GARÇOM: Contraste é um artifício usado pelos escritores para evidenciar um aspecto da
personagem que se destaca das demais.
167

MULHER: Besteira! O garçom já está falando muito.


GARÇOM: E “eita”, posso falar?
HOMEM: Não! Tem muitas letras para fala de um garçom. Já foi o bastante o seu exagero no “ai,
ai, ai”.
GARÇOM: Tudo bem, vamos continuar.
MULHER: Me contaram que você está tendo um caso!
GARÇOM: Sss (os dois olham para o Garçom) No sentido de “Vixe Maria” e “Eita”.
Rápido.
HOMEM: Como?
GARÇOM: Ahã!
HOMEM: Como?
GARÇOM: (assobio)
HOMEM: Como?
GARÇOM: (tosse) Tudo no sentido de: “tá lascado”.
MULHER: Você ouviu muito bem!
A Mulher se levanta, pega a garrafa de cerveja. Quando está preste a atingir o marido, o. Garçom a
interrompe.

Configuração 1

Há uma quebra da continuidade da peça, pelas interferências do Garçom. O risível


acontece pelos gestos mecanizados e repetidos, associados as suas ações.
Trecho 8
168

GARÇOM: Ei, espere! Uma garrafa não é arma de crime! (tirando um revólver do bolso) Pegue esta.
Agora repita a sua última fala para me dar a deixa!
MULHER: Você ouviu muito bem!
O Garçom se mete entre o Homem e a Mulher.
GARÇOM: Não! Mulher atira no Garçom, que cai, baleado. Mulher e Homem se entreolham. A Mulher
larga a arma e sai correndo.
HOMEM: (chorando) Zé, Zé, você não pode morrer... Assassina! Assassina! Diz alguma coisa!
GARÇOM: (esforçando para falar) O final deve ser uma surpresa! (morre)
HOMEM: Zé, Zé, meu amor, minha vida, não faz isto comigo, Zezinho!!
Fim.

Configuração 1 Configuração 2

A revelação final quebra os horizontes de expectativas, o que garante a comicidade.


Alterando a ordem do pensamento. Esse desfecho obedece a uma estrutura de INVERSÃO em
que a traição acontece por pessoas do mesmo sexo e não por um homem e uma mulher. Assim, as
partituras corporais tanto do Homem como do Garçom devem ser elaboradas de modo que não
sejam afeminados, para que a surpresa, dita explicitamente na fala final do Garçom, de fato
aconteça.
Comentários:
Foi curioso aperceber-se como as matrizes mudavam para se adaptar ao texto.
Acho que todas passaram por isso, mas como só falo em meu nome, senti que
a minha mudança foi grosseira na segunda partitura devido ao ritmo inserido
nela. Ritmo este que a meu ver não cabia dentro do texto. Os integrantes do
meu esquete tinham muita dificuldade em manter e mudar as partituras. Ou
elas se perdiam, ou não mudavam ou a mudança não era evidente. Isso foi um
problema durante um período de ensaios, mas creio que estava resolvido na
apresentação. Sei que a comédia não tem fórmulas e que por mais que
estudemos e ensaiamos, o riso depende de um fator essencial: a platéia. Mas
não nego que me senti extremamente infeliz na segunda apresentação.
169

Quando as primeiras piadas começaram a falhar, logo me desesperei. Creio


que esse desespero tenha sido o golpe fatal do esquete. Pois com ele tornei-me
um “bobo da corte” para a platéia, perdi o ritmo e ainda o controle de minha
força (pobre Felipe). Quanto ao processo da oficina (criação de partituras,
onomatopéias, etc.), creio que tenha sido bem-sucedido. A idéia de partituras
apesar de ser um tanto difícil de ser trabalhada rendeu muito bem. Funcionou
dentro dos esquetes e se tornou uma ferramenta a nosso favor. (Henrique,
19/11/2007).

No esquete Um homem, uma mulher, para não falar do garçom, observamos o


efeito de automatismo e rigidez dos personagens em ação e durante a
passagem de um personagem para outro. O esquete sugere a idéia de ações
simples, mas de caráter mecânico, em que a personagem, a personalidade dela
fica absorvida e é mantida, até que acontece a mudança de personagem para
“ator” e essa idéia se estabelece. Artifícios como repetição periódica de uma
palavra ou de uma cena, como, por exemplo, na fala do homem: “Como?...
Como?... Como?... ensaiei muito esse Como?!” e na fala do Garçom: “ Ai, ai,
ai, que quer dizer ai, ai, ai mesmo.” Cenas que se repetem, mudando alguns
elementos, junto com a inversão, mudança simétrica de papéis de personagens
e atores. A repetição faz gerar o riso. Tudo isso sem o exagero como objetivo.
O que pode parecer diferente, as matrizes, os gestos, não tem o intuito de
exagerar, mas de mostrar aquilo que é verdade e natural para os personagens.
Daí surge o riso, o efeito cômico; de certa causa que consideramos natural. As
deformidades que uma pessoa bem feita consegue imitar podem tornar-se
cômicas. Dispositivos como surpresa, por exemplo, personagens que falam
demais em contraposição a outro que quer falar e não pode, dentre outros,
explicam o riso que, “talvez”, será gerado no público. As ações devem ser
puxadas de um modo instintivo e involuntário, dosadas de ritmo, rimas e
assonâncias que levem o público a visão sugerida. (Felipe, 09/11/2007).

Comentários gerais
Ao tomarem o primeiro contato com o texto completo, a reação da maioria foi
inusitada. Alguns ficaram bastante descontentes com os seus papéis, outros desgostosos com os
esquetes impostos. Eles haviam esquecido o objetivo primeiro de todos os nossos trabalhos: uma
investigação de procedimentos do ator para a cena cômica.
Por diversas vezes chamei a atenção dos atores-pesquisadores para que não perdessem as
suas matrizes corporais, pois alguns deles encontravam-se bastante resistentes em compor as
partituras de seus personagens a partir das matrizes criadas no primeiro módulo da oficina. Esses
atores acreditavam que tais matrizes não combinavam com as personagens. Passaram, então, a ter
a preocupação tradicional em moldar os seus personagens, inspirados em circunstancias do texto e
em aspectos psicológicos, conforme me escreveram alguns deles sobre o processo de montagem:
170

O texto agora aparece como uma espécie de vilão que está querendo travar os
personagens. Refletindo sobre isso, acho que não é simplesmente o texto em
si, acho que se trata na realidade de espécie de pressão psicológica. O medo de
esquecê-lo nos pressiona, assim como qualquer outra preocupação pessoal que
não estejamos conseguindo esquecer ou controlar. E quem controla o
psicológico de si mesmo? (Fábia, 07/09/2007).

Ao recebermos o texto, a maior preocupação era em ficarmos preso ao texto e


esquecermos tudo que já havíamos visto, mas, apesar de todo este alerta,
muitos de nós ficamos presos ao texto e acabamos por não criar mais, como
havíamos criado na fase anterior, quando não sabíamos o texto, mas sabíamos
os fatos, pois tínhamos o roteiro dos esquetes e partíamos pra criar a parti daí.
Para mim, esta fase, ou montagem foi diferente de outras, porque sempre que
pegava um texto, me preocupava em decorar e descobrir detalhes que
ajudassem na composição do personagem, com uma preocupação maior em
decorar o texto, e nessa fase eu procurei primeiro descobrir as piadas, como
fazê-las para gerar risadas no público, tentar descobrir a forma que esta matriz
possa estar no texto, e não em decorar o texto, tanto que não parei para
decorar como fazia em outros esquetes, os ensaios e a leitura de estudo do
texto, foi o que me fez fixá-lo. (Jociel, 17/10/2007).

Desde o início do processo, eu imaginava que a proposta do mecânico colado


no vivo não funcionaria, comicamente falando, para o público. Pensava que as
matrizes não eram cômicas o suficiente e que, pessoalmente, eu não fosse
obter êxito quando as aplicasse ao texto. [...] Estava eu confuso com as
mudanças constantes de minhas matrizes cômicas, e pelo fato de não dominar
o texto completamente, não estava produzindo a energia necessária que a
personagem necessitava Com o passar dos ensaios creio que nossa cena evoluiu
muito porque nos dedicamos mais e com isso nossas matrizes entraram em
comunhão com o texto [...]. Hoje, felicito-me de entender melhor a proposta
do mecânico colado no vivo e poder enxergar sua potência no palco. (Felipe,
09/11/2007).

Admito que no início do nosso processo foi muito dolorido. Acredito que
todo início é difícil, mas o nosso tinha um diferencial: uma nova proposta de
encenação e montagem. Acho que o fato de não gostar de uma das minhas
matrizes me prejudicou bastante. Além de minha teimosia, o fato de não
conseguir criar, para mim, era uma tortura. Acho que não consigo, ainda,
lidar bem com isso. Mas foi incrível como, depois de montado, de levantado,
o esquete tomou conta de mim. Onde antes havia dúvida, houve vontade de
aprender. (Elaine, 10/11/2007).

O processo de montagem foi doloroso e ainda é, pois estávamos limitados a


uma linha de pesquisa. Sei que você entende e domina o modo tradicional e
que estávamos numa pesquisa, mas devo colocar que é muito difícil limitar-se
a um modo, e ainda por cima um modo novo de se montar. Mas como diria
Decroux: “Se não dói não funciona.” E finalmente parimos o projeto do nosso
espetáculo. Ainda não está pronto, mas sinto que há muito pano pra manga
ainda. E desejo viver a maturação deste espetáculo. (Henrique, 19/11/2007).

A importância dessas manifestações de incômodos serviu-me para que eu refletisse com


os atores um pouco mais sobre os processos de construções de cenas cômicas.
171

É muito difícil romper com as técnicas já incorporadas e partir para novas possibilidades.
Principalmente, quando acreditamos que nos foi muito árduo chegar àquele caminho. Porém o
artista que não se apega às formas fixas estará muito mais aberto às possibilidades criativas.
O texto era apenas um pretexto para esta investigação, uma vez que num outro
momento, todos experimentariam suas matrizes nos diversos esquetes. Diversas alternativas
seriam experimentadas em cena para percebermos as diferentes reações do público. No entanto,
algumas vezes, as situações são mais engraçadas e interessantes que o próprio texto e, se não
desenvolvermos essas situações com naturalidade, o texto poderá engessar a cena, pois qualquer
cena deverá ser para o ator um desafio, principalmente aquelas com as quais ele não simpatiza.

Em relação à montagem e apresentação dos esquetes, obtivemos resultados


diferenciados para cada esquete e cada configuração. Todos os esquetes que compõem o
espetáculo Para não falar de teatro foram concebidos apostando nos horizontes de expectativas da
recepção, na pretensão de estabelecer um reconhecimento imediato, um significado comum entre
os espectadores, para, em seguida, deslocá-los a outro território de sentido, em que o desvio
provocasse uma surpresa risível. Nesses esquetes, o espectador é transformado em marionete nas
mãos dos atores. É, pois, a idéia de se estar dominado, ou conduzido por outros, como um
joguete, que essas situações cômicas se estabelecem.

O palco: um calo, já sanado! Encerro este processo satisfeito com os


resultados das apresentações desse esquete com todas as duplas (Marcos e
Carol; Jeniffer e Larissa; Amidete e Fábia). A platéia se manifestou
satisfatoriamente. No começo, quando apresentei esse texto, senti
que alguns não percebiam o seu potencial cômico, como foi comprovado em cena. Não
estou, com isso, retirando o mérito dos atores, mas ressalto que precisamos
desenvolver muito a sensibilidade cômica, não ficando apenas atrelados as
nossas chaves, influenciadas pelas maiorias das comédias televisivas e cinematográficas, que têm
outro ritmo e outra concepção diferente da teatral.

Os impostores: o nosso calo, que ainda dói! Sempre soube que esse era o esquete mais
difícil de realizar, tanto cenicamente, como atingir o seu
potencial de comicidade. Muitos do grupo não percebiam os pontos de
comicidade a serem explorados. Não me detive nesses aspectos, pois a
pesquisa não era de dramaturgia. Por isso não fiz um estudo detalhado do
texto, procurei, no processo, que a comicidade surgisse naturalmente, a partir do corpo dos
atores, mas ainda estamos longe do que espero realizar com este esquete. Sei como realizá-lo
172

comicamente, apelando para o deboche, o escracho, porém desejo que esteja dentro do princípio
bergsoniano. EIS A NOSSA DIFICULDADE! O figurino e os adereços não estão funcionais. As
marcações de direção estão imprecisas. Quanto aos atores, ainda há muita
insegurança por não se ter definido exatamente os objetos de cena. Nas
primeiras apresentações, em dezembro de 2007, Larissa e Jeniffer
conseguiram um salto de qualidade substancial. No entanto, nas primeiras apresentações de 2008,
houve uma perda de ritmo, de manutenção das partituras e de presença de
palco, mas recuperando-se satisfatoriamente nas últimas apresentações. Elaine e Henrique vêm
crescendo a cada apresentação, mas ainda estão inseguros devido a fatores que fogem ao controle
deles: uma definição precisa e prática dos adereços.

A rubrica: sucesso popular! As pessoas gostam bastante desse esquete. No


entanto, a apresentação da primeira configuração caiu muito no segundo momento, em
relação às apresentações de dezembro de 2007. A segunda configuração com a Fábia, Amidete e
Felipe vem crescendo a cada apresentação. Apesar do sucesso popular, o esquete ainda precisa
melhorar muito em termos de naturalidade cômica.

Um homem, uma mulher, para não falar do garçom: sem concorrentes! É o esquete de maior
potencial cômico, tanto em texto como em proposta para cena. A primeira configuração chegou
em um nível bastante satisfatório, a segunda configuração ainda tem altos e baixos, com muita
insegurança dos atores e limitado domínio de palco.

Para um pesquisador a dúvida e a curiosidade são os combustíveis que movem a


investigação. A pesquisa encerra-se quando um desses dois aspectos não mais existem na
mente do pesquisador.

Ao finalizar esta etapa, conclusão dos relatos da pesquisa, encontro-me ainda repleto de
dúvidas e de curiosidades a respeito da comicidade, o que só me instiga a continuar ampliando as
experimentações em uma nova etapa, com os atores pesquisadores do Grupo de Comicidade e
Riso do IFCE.

Quando propus aos atores que fossem realizados os “diários-comentários”, a idéia era
que pudéssemos estabelecer um diálogo e, juntos, construíssemos as reflexões desse processo. Se
encontrei uma trilha, mesmo que ínfima, para os procedimentos do ator na cena cômica, deveu-se
exclusivamente à disponibilidade e ao interesse que percebi em todos, sem exceções.
173

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de uma pesquisa começar, o que se tem apenas é um projeto (quando se tem!). E
como o nome mesmo diz, projeto é uma projeção para um futuro, muitas vezes, incerto. Mas este
é que traça o caminho o qual, ao longo dos trabalhos, vai se ramificando em novas rotas.

Neste trabalho tracei uma rota para o ator na cena cômica, apoiado nos ombros de
outros mestres, utilizei-me dos diversos processos artísticos consagrados, que eram mais úteis
para os procedimentos que desenvolvi. Num primeiro momento foram criadas matrizes corporais
para personagens totalmente independentes de um texto e nenhuma concepção psicológica.
Depois, essas matrizes foram exercitadas em situações diversas, o que deu ao ator uma confiança
maior, e possibilidades de acrescentar às matrizes novos elementos de corpo, de voz e de
movimento. Por fim, as matrizes compuseram as partituras corporais das personagens e
assumiram uma personalidade tanto pelos aspectos físicos das matrizes como pelas circunstâncias
apresentadas no texto dramatúrgico.

A proposta de configurações diferentes, em diferentes apresentações, não foi apenas


para ser atrativo aos olhos do público, mas antes de tudo, era nosso interesse descobrir ritmos,
possibilidades cômicas e como cada matriz chegaria ao risível em determinado esquete. Nesse
sentido, não importava somente as configurações que mais se adequassem a um determinado
texto, o desafio sempre seria desenvolver aquelas que não atingissem o completo êxito. Procurei
investigar como cada ator com sua matriz conseguiria, em esquetes diferentes, a comicidade que
diferia da matriz de outro ator. Somente com público obtivemos algumas respostas.

Acredito que os procedimentos desenvolvidos nessa pesquisa não tornarão ninguém


engraçado. Isso não se ensina. Existem pessoas que são extremamente engraçadas na vida
cotidiana, mas em cena cômica são totalmente aborrecidas, sem a mínima graça; como há aqueles
que são muito sérios, rabugentos no dia-a-dia, mas excelentes comediantes. O que muda então
nessa pessoa, entre o cotidiano e o estar em cena? Uma prática adquirida com o passar do tempo.

O que proponho, nesta pesquisa, é um percurso, uma trilha a ser seguida no intuito de
tornar o ator risível cenicamente. Qualquer tentativa de provar as teorias do risível baseadas em
autores, cai no terreno estéril da relativização da cultura. Portanto, quando me apóio em Bergson,
faço-o mais para firmar um direcionamento de posições do que para confirmar convicções. A idéia
não é conferir uma função instrumental para se chegar à legitimação pela prática, a intenção é
retirar dessa abordagem mecanismos práticos para a realização do cômico.
174

Bergson, com apenas o leitmotiv, do mecânico colado no vivo, explica o risível que castiga
os costumes da desarmonia, do contraste, da contradição, da incongruência, da zombaria, do
inesperado, do exagero, da mentira, da imitação, das palavras, do caráter da personagem, das
situações repetidas e invertidas, dos equívocos, das superposições de idéias, do farsesco, do
absurdo, enfim, o risível dos costumes sociais.

Não pretendo dominar o riso nem seu mecanismo de comicidade, mas me deixar
dominar por ele e levá-lo a territórios inimagináveis. Ao dominarmos o riso, perdemos a sua
graça; pretendo apenas persegui-lo, deixar que ele circule, deslize pelo corpo, brincar com as suas
possibilidades de desordem, quebrando a rigidez das regras gramaticais que constroem uma
semântica socialmente estabelecida. Fazer valer a palavra do louco, não para dar uma razão ao seu
discurso, mas para que esse discurso seja a própria razão.

O risível projeta uma perspectiva (uma atmosfera) de alegria, de esperança e de


liberdade que as instituições, estabelecidas pelo mundo oficializado rejeitam e abominam, reflete a
realidade paralela em que vivemos e, como véu transparente, desvenda em nós o que a vida insiste
em ocultar.

Por mais que o artista reflita e tente justificar a razão do riso, a experiência de quem ri
obedece a caminhos imprevistos, não tem uma meta, é repentina, prima pelos desvios da vida e
suas surpresas. Por isso a experiência através do risível é reveladora, abre a portas, liberta-nos da
alienação, cativa-nos, nos toca o coração pelo prazer. A experiência do riso nos conduz a
territórios de passagem que requerem certa passividade, uma receptividade e disponibilidade para
a abertura de caminhos labirínticos. A experiência do risível tem uma qualidade existencial que a
vida cotidiana não consegue alcançar.

Assim como na realidade cotidiana, que nos faz seres inacabados, deverão também ser as
nossas criações, abertas ao inesperado, ao improviso para que haja sempre o pulsar necessário à
revelação da eterna novidade da vida a cada apresentação.

Pela técnica consagrada, buscamos encurtar os caminhos; pela pesquisa, buscamos novos
caminhos. E toda técnica só é válida para arte, se dela podemos tirar lúcidos proveitos. Por isso,
os procedimentos que desenvolvo só têm sentido se puderem ser realizados cenicamente,
afetando o espectador, no sentido de que este não perceba o processo, os mecanismo, mas apenas
o seu resultado. Portanto, não precisamos estar justificando aos outros os fracassos e os êxitos de
nossas realizações pelo simples fato de se tratar de uma pesquisa. O público assiste a um
175

espetáculo na esperança que ele seja bom, independente dos procedimentos que o originaram,
pois, como sabiamente disse Chaplin: “A arte consiste em esconder o seu artifício!”
176

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182

Amidete Aguiar
Nome da Fonte geradora Composição
Matriz
1 – Eliza Inspirada na Gorete O nome dela é Eliza devido à música de Beethoven, mulher com
mais ou menos 27 anos, de postura formal, peito para fora,
barriga para dentro e anda com os pés rentes e como se desse
chutes pequenos para fora, passos de modelo. Trabalha como
perfumista em uma boate gay, descobriu-se nesta profissão num
dia em que brincava com um amigo gay, utilizando sua
maquiagem e roupa; gosta de seu trabalho mais se sente
envergonhada dele. Sempre é muito simpático, olho arregalado.

2 – Flor Inspirada num gato Seu corpo é disposto por desproporções, ela é meio pensa para
frente com ombros para frente, e braços encolhidos, pernas
inquietas e sempre em base, e anda com as pontas dos pés, olhos
curiosos, olfato aguçado e boca sempre esticada, como se
estivesse rindo a todo o momento; o seu andar é comparado com
a aguar, pois ela não tem um ritmo certo, uma seqüência de
andar. Ela, ainda em idade de gato, tem uns 4 meses, então é
toda brincalhona e atrapalhada, senta-se como se estivesse de
cócoras e também gosta de se espalhar no chão. É uma gatinha
que morava em apartamento e como ela achava que Flor e o
apartamento não combinavam, achou melhor para a saúde dela
virar uma andarilha. Ela é muito esperta e devido à sua imagem
de gatinha boazinha, se utiliza disso para comer, compadecendo
as pessoas.
3 – Onofre Inspirada na figura de Homem de 53 anos, rabugento, avarento, ignorante casado.
Rabujo Pantaleone Filhos, ainda não sei se possui, e como bichinho de estimação
possui um calango (Agenor). Ele é comerciante, vendedor de
lambedor, sandálias de couro, chapéus, roupa, comida. Também
faz penhores, agiota e vende da mãe à mulher e o resto do
parentesco, se derem um bom valor a ele, se pagarem bem, mas
muito bem. Postura: peito estufado, barriga para frente, coluna
para frente, um dos braços fica sempre para trás e com punho
fechado e outro braço para frente, grudado ao tronco e com o
punho fechado, mas com o polegar e o indicador a se tocarem
(esfregarem um ao outro, sinal de dinheiro), pernas estendidas,
pés de pato e um andar reto. O rosto sempre cabisbaixo,
emburrado e curioso, investigando a vida financeira de todo
mundo.
183

Henrique Bezerra
Nome da Fonte geradora Composição
matriz
1 –“Gesto Inspirada na Samanta Ele se caracteriza por ter a coluna extremamente reta, ombros
Largo” ou abertos, uma sobrancelha mais alta que a outra e a posição de
Souza repouso da língua na frente dos dentes. Sua voz é colocada na
garganta e fala rápido. É chamado de Gesto Largo porque tem
gestos grandes e desnecessários enquanto fala. Seu apelido, Souza
Duas Vezes, dá-se porque, quando fica nervoso, ele começa a
repetir o que já fez ou falou. Incrivelmente extrovertido, é um
dos personagens mais comunicativos dentre os três; sua profissão
é a advocacia, devido à sua capacidade de oratória. Anda
balançando os braços e pisa com o calcanhar antes de encostar o
resto do pé, também balança um pouco a cabeça enquanto
caminha. Este balançar de cabeça dá-se porque ele tem a mania
de falar muito e falar sozinho.

2 – Doutor Inspirada no bicho Este é um dos personagens em que me sinto mais confortável.
preguiça Suas características físicas são: ombros caídos pra frente, peito
pra dentro acentuando assim uma corcunda, pernas um tanto
abertas para melhorar a base, uma máscara que tem os olhos
semicerrados e um sorriso “abestalhado”. Os braços ficam
largados ao longo do corpo. Pelo fato de ter sido inspirado no
bicho preguiça o ritmo deste personagem é bem lento, uma ou
duas velocidades abaixo dos demais. Sua voz é relativamente
baixa e muito arrastada, demora pra completar o pensamento na
voz.

3 – Seu Loro Inspirada na figura de Caracteriza-se por: tronco inclinado pra frente, pés que, em
Pantaleone posição de repouso, geralmente ficam cruzados. Ele pisa com as
pontas dos pés primeiro, o queixo é levemente inclinado pra
cima, a máscara é a de um senhor de mau humor, as mãos
geralmente ficam cruzadas nas costas. Seus gestos geralmente são
retilíneos, ou seja, dificilmente faz gestos redondos. Sua voz é
como se fosse um escarro, vindo também da garganta.
184

Jociel Carvalho
Nome da Fonte geradora Composição
matriz
1 – Bruninha Imitação da Fábia Tipo físico: tem sempre os braços abertos, está sempre apoiado
“Uau-Uau”! em uma das pernas, mordendo os lábios.

2 – Não Inspirada em um gorila Tipo físico: tem ombros pra baixo, é cambota, tem uma cara
definido meio fechada, braços pra baixo, sempre.
Voz: uma voz bem grave.
Profissão: ele é uma pipa ambulante, seria uma inspiração
desses homens que trabalham no interior sempre
carregando águas nas costas, acho que por isso o personagem
deveria ser mais sertanejo.

3 – Enoque Inspirada na figura de Tipo físico: tem ombros projetados para frente, assim como a
Pantaleone cabeça que fica com uma inclinação para cima, para sempre
observar bem; a projeção começa da cintura e é usada também
com o tronco todo pra frente.
Voz: é meio grave, mas com a tentativa de usar um pouco de
agudo, estou tentando conseguir ainda.
185

Deninha Carvalho
Nome da Fonte geradora Composição
Matriz
1 – Maria Inspirada na Rafaele Características físicas principais: coluna arqueada para frente,
Foguinho cabeça sempre erguida, dando sempre bruscas “rabissacas”. O
rosto está, às vezes, meio desolado (a angústia de suas
incertezas), às vezes com a expressão de quem acabou de ter uma
grande idéia (aspecto de sua criatividade e impulsividade).
Voz: mais ou menos aguda e esganiçada.

2 – Faro Firo Inspirada num gato Característica física: corcunda, mãos caídas na altura do peito,
movimentos com a cabeça para os lados, rápidos e bruscos. Seus
olhos e boca acompanham o movimento da cabeça, só que para
lados opostos. Ex.: enquanto a cabeça vai para a direita os olhos
sobem na direção da esquerda e assim por diante.

3 – Esparrela Inspirada na figura de Características físicas: as pernas são duras e arqueadas, os braços
Arlechino são esticados, sempre fazendo movimentos diversos. Para cima,
para os lados, para frente e movimentos opostos. Sua expressão
facial é alegre, ele faz cara de pensativo e sempre está com um
sorriso maroto.
Voz: o sotaque é meio do interior, vocabulário antiquário, o
timbre é meio grosso e alto, ele fala esticando as palavras.
186

Fábia Guedes
Nome da Fonte geradora Composição
Matriz
1 – Damião Inspirada no Henrique Ombros caídos; ventre para frente; lábio inferior para frente;
Ferreira da Silva sobrancelhas caídas.

2 – Zezinho, Inspirada no papagaio Coluna encurvada para frente; braços sempre em posição de asa;
conhecido como mãos fechadas, segurando o polegar; boca em forma de bico; 7
pestinha anos.

3 – Putisgrila Inspirado na figura de Coluna e ventres proeminentes, boca em forma de bico, quando
Pulcinella está fechada, os dentes superiores mordem os lábios inferiores.
187

Elvis Jordan
Nome da Fonte geradora Composição
Matriz
1 – Nino Foi gerada por impulso, Rosto: olhos arregalados, olhando sempre para cima e para o
a partir de um estímulo: público. Boca de Dúvida (“bico”).
criar um corpo cômico. Postura: eixos da cabeça e do tronco eretos, ombro direito com
inclinação para frente, com eixo do pulso para baixo, ombro
esquerdo com inclinação para trás, com eixo do pulso para cima;
movimentos ondulatórios de alternância entre os braços para
frente e para trás. Pernas com rotatória para fora, joelhos
flexionados, movimento de rotatória do eixo dos calcanhares
para fora.
Voz: anasalada (como se estivesse gripado).

2 – Nirvana Inspirada no bicho Rosto: sério, sempre. Olhos de medo e desconfiança, olhando
Preguiça para os lados, tendo como fim sempre o olhar para baixo.
Postura: eixo da cabeça com inclinação para frente, parte superior
sempre em postura de retração, braços cruzados na frente do
tronco, membros inferiores com rotatória para dentro e com os
joelhos flexionados.
Voz: nasal

3 – Oi Robero Inspirada na figura de Rosto: sempre sorrindo.


Carlos Jackson Arlechino. Postura: eixo da cabeça pendendo alternadamente para direita e
para esquerda (conforme o andar), mãos postas à frente do
tronco. Anda cruzando as pernas e na ponta dos pés.
Voz: grave e ampla.
188

Chirliane Alves
Nome da Fonte geradora Composição
matriz
1 – Ana Rosa Inspirada na Jeniffer Corpo: Coluna inclinada para frente, mãos postas na cintura,
joelhos flexionados, pescoço inclinado para frente. Caminha
descompassadamente.
Voz: aguda, pronuncia as palavras de forma bem aberta.

2 – Bibi Inspirada num Pintinho Frágil e delicado, meio atrapalhado, produz o som (bi, bi, bi), boca
com forma de bico, mãos fechadas e bem próximas das coxas, com
ombros levemente levantados e inclinação frontal de todo o tórax,
de acordo com o eixo da cintura; pés separados e voltados para fora
do corpo, dedos dos pés também afastados uns dos outros; olhos
bem abertos, cabeça pra frente; e anda dando pulinhos. Mãos juntas
ao corpo.

3 – Astuto Inspirada na figura de Astuto e libidinoso, máscara inspirada no cão e no gato, tórax com
Briguella inclinação frontal, andar firme e observador, olhos sempre em
busca de algo, malicioso ao falar, voz de homem forte com o som
saindo do peito, os pés com posição voltada para fora do corpo,
barriga para dentro, profissão relacionada com alguma atividade
imperial, roupa bem pomposa, com ar de autoridade.
189

Larissa Montenegro
Nome da Fonte geradora Composição
matriz
1 – Enói Mulher Inspirada em uma tia Pés para fora, quadris para trás, peito para frente. Mão direita fica
com a palma para baixo, voltada ao chão, que mexe de acordo com
o caminhar, que é o mais rebolado possível, mas rebola na altura do
tórax. Máscara facial: sobrancelha esquerda levantada e boca
esboçando um sorriso para o lado direito. Voz fina e nasalada.

2 – Cabocra Imitação de uma cobra Corpo todo fechado, ombros puxados para cima, escondendo o
pescoço. Cabeça levemente inclinada para baixo, deixando um
olhar rente, 'atravessado', meio misterioso. Caminhar meio
oitavado, começando o movimento pelas pernas e se estendendo
até a cabeça. Máscara facial: bochechas “chupadas”, olhar cansado.
Voz grossa, prolongada.

3 – Suvinista Inspirada na figura de Pernas retas, tendo, à direita, leve inclinação lateral fora.
Berlin Pantaleone. Corcunda, fechado. Mãos quase sempre cruzadas na altura da
barriga, como se fosse um tique do personagem, como se bolasse
um plano. Mãos quase sempre fechadas, devido à avareza. Máscara
facial: queixo para frente, sobrancelhas franzidas, olhar maligno.
Voz “escura”, grave, como se a garganta estivesse fechada.
190

Elaine Cristina
Nome da Fonte geradora Composição
Matriz
1 –Aerovaldo Inspirada na Jeniffer Anda jogando as pernas, joelhos levemente flexionados, tronco
formando uma espécie de C. Sombracelhas erguidas e olhar baixo.
Braços largados, cabeça levemente para frente.
Voz grave.

2 – Princesa Inspirada em um Pés em meia ponta, nariz empinado, quadril levemente para trás,
passarinho mãos sempre flexionadas.

3 – Sem nome Inspirada na figura do Tem uma pequena corcunda. Anda com passos pequenos. O lábio
Pulcinella inferior é “para dentro”. Mãos juntas com indicadores sempre
fazendo círculos. Voz “fanha”, ou seja, ressonância pelo nariz.
191

Jeniffer Suzana

Nome da Fonte geradora Composição


matriz
1 – Eliana Inspirada na Elaine Boca exposta mostrando os incisivos frontais dos dentes superiores,
olhos arregalados, piscando muito, postura ereta. Voz aguda, perto
do falsete.

2 – Leonel Inspirada no Leão Boca mostrando todos os dentes trincados, abre de vez em quando,
deixando cair a mandíbula, mãos tencionadas formando garras com
os dedos separados, que ficam em sincronia oposta à dos quadris.
Corpo no plano médio, coluna com lordose. Voz articulada, com
sotaque português.

3 – Vovó Inspirada na figura de Corcunda, barriga para frente, bunda para dentro. Boca oval
Puccinella horizontalmente, como que sem dentadura, olhos piscando
devagar. Voz sussurrante, puxada do diafragma, assobiada.

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