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Tradugao (Carta 39)! De Christian Garve? Leipzig, 13 de julho de 1783. Muito honrado Senhor, © Senhor convida o recenseador de seu trabalho nos jornais Géttingen a se identificar. Bem, eu nao posso de forma alguma reconhecer esta recensdo como minha, como ela aparece I. Nao haveria consolo para mim se tivesse emanado inteiramente da minha caneta. Também nao acredito que qualquer outro colaborador deste jornal, trabalhando sozinho, pudesse ter produzido algo tao incoerente. Mas apesar de tudo, tenho alguma parte nisso, e como me importa que um homem que sempre tive em alta estima pelo menos me reconhega como um homem honesto - mesmo que ele me veja ao mesmo tempo como um metafisico superficial - estou saindo do anonimato, como o Sr. exige em uma passagem de seu Prolegomena. Mas, para colocd-lo em posigao de julgar corretamente, devo Ihe contar toda a historia. Ha dois anos (depois de ter passado muitos anos em minha terra natal, notavelmente doente, ocioso e na escuridao) parti em uma viagem a Leipzig, via Hannover para Gottingen. Recebi muitas provas de cortesia e amizade do Sr. Heyne, o editor e outros colaboradores daquele jornal; nao sei que sentimento de gratidao, misturado com algum (191-92) amor-préprio, me levou a solicitar minha contribuigao voluntaria através de uma recensao. Pois justamente [144-45] entao sua Critica de razéo pura havia acabado de ser publicada, e eu prometi a mim mesmo um grande prazer em uma grande obra que tinha Kant como autor ~ ja que seus pequenos escritos anteriores jd me haviam dado tanto prazer; e como ao mesmo tempo pensei que seria 1 ara Kant, traduzida por Luciano C. Utteich, at oe eat vel (1968), Abteilung 2, Band X. Briefwechsel 1783. Brief 201 (Garve 2u Kan\) 13 gut 1783.8. 328-333. In: __. Akademieausgabe von Immanuel Kants Gesammelten Werken: Bande un p u den ink aX. dipfungen 2u den Inhaltsverzeichnissen. Ban Meth natn dulsburgescen.de/kantverzeichrisse-gesamt hi TANT. 2005, p. 144; 1899, p. 191; AA X, 328-28 incapacidade real aller o trabalho, que ti ae essa leitura seria muito dificil para mim, particula quando estava_viajando, Ou Ma sorte. Reconheci imediatamente, assim que comecej inha feito a escolh; id la errada, mente naquele momento, distraido, ainda Ocupado com outros mo sempre, Conhego nenhum livro no mundo que m: trabalhos, Com satide precéria. Confesso-Ihe que nao fe tenha custado tanto esforgo para ler; e se enfraquecido por anos €, col eu nao me tivesse sentido preso pela Palavra dada, teria deixado sua leitura para tempos melhores, Quando minha cabeca e meu corpo estariam mais fortes. Eu Certamente nao me propus a trabalhar de énimo leve. Dei ao trabalho toda a minha orga e toda a atengao de que fui capaz; li tudo isso. Acho que entendi o significado da maioria dos pontos corretamente, separadamente, mas nao estou téo certo de ter entendido © todo. No inicio fiz um extrato completo de mais de doze paginas, intercaladas com as ideias que me ocorreram durante a ura. Lamento que esse extrato tenha se perdido; foi, como muitas vezes acontece com minhas primeiras ideias, melhor do que o que eu fiz depois. Com base nessas doze folhas, que poderiam de forma alguma se tornar uma recensao jornalistica, escrevi uma recensdo, certamente com muito esforco (porque, por um lado, eu queria me limitar, mas, por outro, queria ser compreensivel e estar & altura da obra). Mas isto também foi bastante longo, pois de fato nao [145-46] é possivel fazer, sem que se torne absurdo, uma breve recensao de um livro cuja linguagem deve antes de tudo ser dada hecer ao leitor. Enviei este ultimo, embora tenha percebido imediatamente que acon i ria mais longo do que os mais longos publicados no jornal; realmente porque nao 9 os mai 's publicadt seria mais lot q i : i encurta-lo sem mutilé-lo. Eu esperava que em Gottingen, ou por caus: do gui el A i i. or causa da importancia do livro, eles q jebrariam a regra usual, ot i ia do livro, al conse’ mento, ou p' ‘ cl qualquer forma muito longa, eles seriam capaz ‘a. A remessa foi enviada de Leipzig na minha is de ter retornado a Silésia, minha terra que se a recensao fosse de ! 1a melhor do que eu poderi urante muito tempo (depo : ‘almente recebi a cOpia con encurta-l viagem de volta. Dr )) nao foi publicada; fin: itendo minha resenha. Eu posso natal) Luciano c. Utteich | 47 oe que 0 Sr. mesmo nao teria sentido tanta indignagdo ou insatisfacao ao ver 'SSo como eu sentia, Algumas frases do ‘meu manuscrito haviam sido Preservadas, mas certamente nao excedem um décimo da minha (192-93) recensao, nem um ise da de Gottingen. Vi que meu trabalho, que realmente ndo havia sido feito sem esforgo, havia sido praticamente inutil, e nao apenas inutil, mas prejudicial, Para Oerudito de Gottingen que encurtou e interpolou minha recensao, se ele mesmo tives, se feito algo, mesmo apds uma leitura superfi cial do trabalho, teria sido melhor, ou pelo menos mais coerente. Para justificar-me aos meus amigos de confianga, que sabiam que eu tinha feito um trabalho para Géttigen, e para suavizar pelo menos diante deles a mé impressao que esta recensio tinha que causar em qualquer pessoa, enviei meu Mmanuscrito, depois de té-lo recuperado apés um tempo, de Gittingen para o Conselheiro Spalding em Berlim. Desde entao, Nicolai me pediu para publicé-la na Biblioteca Universal Alema [Deutsche Allgemeine Bibliothek). Eu concordei com a Condigdo de que um de meus amigos de Berlim o compare com a recenséo de Gottingen, em parte para mudar as sentencas que foram preservadas la, e em parte para ter certeza de antemao se vale a pena ou nao. Pois, no momento eu me [146-47] vejo totalmente incapaz de dedicar-Ihe mais esforcos. Nao sei mais nada sobre isso. Com esta carta eu também estou escrevendo ao Sr. Spalding e Ihe pego, se o manuscrito ainda nao estiver impresso, que faga uma cépia e envie-a com minha carta, Entdo 0 Sr. pode comparar. Se o Sr. estiver tao insatisfeito com esta revisdo quanto com a de Géttingen, ela ser uma prova de que nao estou penetrando o suficiente para julgar um trabalho tao dificil e profundo; e que ela ndo esta escrita para mim. Acredito, no entanto, que mesmo que o Sr. esteja insatisfeito, ainda assim pensaré que me deve algum respeito e consideragao: e espero ainda mais certamente, que o Sr. se torne meu amigo, se nos conhecermos pessoalmente. Nao quero negar completamente aquilo com que o senhor censura a0 recenseador de Géttingen, a saber, que ele estava zangado com as dffculdades que tinha que superar. Confesso que as vezes me indignava, pois acreditava que ae 7 possivel que verdades que deveriam promover reformas importantes na hose 2 pudessem ser tornadas compreensiveis para aqueles que nao co total - 7 acostumados a reflexao, Admirei a magnitude do poder que tem sido cap; enetrar uma série tao longa de abstrag6es extremas sem fadiga, sem alteragao, sem trar uma séri liga, Iteraga penet 48 | Dialética hoje: Etica e Idealismo desvio de seu caminho. Também encontrei em muitas secdes do seu livro instrugdes e alimento para o meu espirito. Por exemplo, exatamente onde Sr. diz que existem certas proposigées contraditérias que podem ser provadas igualmente de modo correto. Mas minha opiniao agora é esta ainda, talvez equivocada: que todo o seu sistema, para ser realmente util, teria que ser expresso de uma forma mais popular; e se contém a verdade, pode muito bem fazé-lo; e que a nova linguagem que predomina constantemente no sistema denota uma grande acuidade na conexao que foi estabelecida entre as expressdes dessa linguagem; mas muitas vezes a reforma empreendida na propria ciéncia [147-48] (que esta em questao), ou a divergéncia em relagao as opinides dos outros, tem a aparéncia de ser maior do que realmente (193-94) Sr. convida seu recenseador a apontar uma dessas proposicées contraditérias de tal forma que seu oposto nao seja suscetivel de uma demonstragao igualmente correta, Este convite pode dizer respeito a meu colaborador de Géttingen, ndo a mim. Estou convencido de que ha limites em nosso conhecimento, que esses limites devem ser encontrados precisamente quando é possivel desenvolver a partir da sensagao com a maior utilidade de seu trabalho que o Sr. os elucidou mais clara e completamente do que nunca. Mas nao vejo até que ponto sua Critica da razao pura contribui para remover essas dificuldades. Pelo menos a seco de seu livro na qual 0 Sr. explica as contradigdes é incomparavelmente mais clara e convincente (e 0 Sr. mesmo nao o negara) do que aquela na qual afirma os principios que devem ser estabelecidos para resolver essas contradigdes. Visto que agora também estou em viagem e sem livros, e ndo tenho em maos nem seu trabalho nem minha recensao, considere o que eu digo aqui sobre tudo isso simplesmente como meros pensamentos improvisados, sobre os quais 0 Sr. nao deve julgar com muito rigor. Se eu representei mal sua opinido aqui ou em minha recensao, é porque o entendi mal ou porque minha meméria esté me falhando. Eu nao tive a malicia de alterar o assunto, nem sou capaz de fazé-lo. Finalmente, devo pedir-Ihe que nao faga uso publico desta carta. Embora a mutilagao do meu trabalho, nos primeiros momentos, quando tomei consciéncia disso, me pareceu um insulto, deixando isso de lado, eu perdoei completamente o homem que 9 julgou necessario, em parte porque eu mesmo sou o culpado, por causa do poder Luciano C. Utteich | 49 total que Ihe dei, em parte porque tenho [148-49] razGes para ama-lo e aprecia-lo. E ele veria isso como uma espécie de vinganga que eu havia negado ao Sr. que eu era © autor da recensdo. Muitas pessoas em Leipzig e Berlim sabem que eu queria escrever a recensao de Gattingen e poucos sabem que apenas uma pequena parte é minha. E embora a insatisfagao que o Sr., com razao, embora um pouco dura, mostra em relagdo ao revisor de Gattingen me langa uma luz prejudicial aos olhos de todos eles, prefiro tomar isso como castigo por uma imprudéncia (ja que foi o engajamento de um trabalho cuja extensao e dificuldade eu no conhecia); prefiro isso, repito, a obter uma espécie de justificagao publica, que teria de comprometer meu amigo em Géttingen. Eu sou, com verdadeiro respeito e devocao, muito honrado Sr., seu dedicado servidor e amigo, Garve. Diresao editorial: Agemir Bavaresco Diagramacio: Editora Fundagio Fénix Capa: Rosana Pizzatto & Eduardo Luft O padrio ortogriico, o sistema de citagdes, as referencias bibliograficas, o contetido € 2 revisio de cada capitulo sio de inteira responsabilidade de seu respectivo autor. ‘Todas as obras publicadas pela Editora Fundagio Fénix estio sob os direitos da Creative Commons 4.0 — hup:/ /creativecommons.org/licenses /by/4.0/deed.pt_BR aq we . @esativns SSABEC saan Se ean Série Filosofia 75 Dados Internacionais de Catalogasio na Publicagio (CIP) LUFT, Eduardo; PIZZATTO, Rosana, Or) LUFT, Eduardo; PIZZATTO, Rosana. (Ory). Diatica be: Bsicae Weaismo. Porto Alegre, RS: Edita Fundagio Fénix, 2021 189p. ISBN — 978-65-81110-25-3 ©) ups://doi.org/10.36502/0786581110253 Disponivel em: https://www.fundarfenix.com.be CDD-100 1. Diskética. 2.. Hegel 3. Btca, 4, Idealism, indice para catilogo sistematico — Filosofia e disciplinas relacionadas — 100

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