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“crime organizado”
Por Gustavo Barreto em 25/11/2010
O “Jornal da Globo” fechou com chave de ouro o dia de uma emissora empenhada em
assustar e desinformar o público, enquanto outras emissoras e rádios acompanharam a
tática do pânico. A velha técnica do “Mantenham a calma” seguido de imagens
impactantes da violência no Rio de Janeiro é a melhor forma, do ponto de vista da
cultura do medo que tenta se impor, de pôr em ação esse objetivo. É como você dizer
“Fique à vontade” quando recebe alguém pouco conhecido em sua casa, provocando o
efeito contrário. Neste caso é bem pior: trata-se do imaginário social de um conjunto de
milhões de brasileiros que está em jogo. E neste caso há consequências políticas.
Não há dúvidas de que (1) o índice de criminalidade no Rio é muito alto, inaceitável, e
que (2) a lógica que rege o projeto da polícia comunitária, que esse governo chama da
“UPP” e que outros governos já tentaram com outros nomes, é um bom caminho, desde
que proponha de fato a participação da comunidade no processo decisório e que seja
mais amplo. Atualmente é um conjunto de projetos-piloto.
B. Setores mais violentos da Polícia Militar – a banda podre que não quer saber de
papo de UPP – ganham carta branca, por conta do clima de medo, para fazer suas velhas
e conhecidas “incursões” nas favelas, a política burra do confronto com o “crime
organizado”, vitimando cidadãos inocentes e realizando execuções sumárias de
suspeitos. O Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, chama isso de
“efeito colateral”, enquanto jornalistas passam uma coletiva de imprensa inteira
perguntando apenas por “números” e trajetos da PM e do BOPE;
Os interesses, portanto, são complexos tal como os nossos problemas. A Zona Sul (parte
dela, aquela à qual o Jabor se refere e da qual faz parte) está tão assustada que não
consegue raciocinar. Milhares de pessoas são executadas todo ano no Rio de Janeiro,
dados absolutamente grotescos. A cobertura é a mesma? Não. “As pessoas lidam com
insegurança no Rio de forma cíclica e dramática. Para conviver com o alto nível de
violência na cidade, tratam como se ela não existisse. Mas, então, surge um evento de
grande repercussão e vira uma pauta central na cidade, todos discutem, é uma grande
catarse”, aponta Ignácio Cano. “Sensação de segurança pública é muito diferente da
efetiva segurança”, completa o deputado Marcelo Freixo.
Se fosse de fato uma preocupação, pararia para ler o relatório da CPI das Milícias,
concluído no dia 10 de dezembro de 2008. Contém o mapa das milícias, seu
funcionamento, seus braços econômicos, a relação do braço político com o braço
econômico e o domínio de território. Enquanto as Nações Unidas calculam que o
narcotráfico rende 200 mil dólares por minuto, só no domínio das vans no Rio de
Janeiro, uma das milícias faturava 170 mil reais por dia. Este é apenas um exemplo.
Crime organizado, portanto, é isso: um negócio bem organizado. O que torna o crime
“organizado” é sua capacidade de se organizar, e não de reagir violentamente. “Em
qualquer lugar do mundo, o crime organizado está sempre dentro do Estado, e não
fora”, aponta o deputado Marcelo Freixo, que relata sua dificuldade quando tentou
instituir a referida CPI neste depoimento.
E o poder público tampouco ajuda. O relatório foi entregue pelos membros da CPI nas
mãos do prefeito Eduardo Paes. Solicitaram, por exemplo, que a licitação das vans fosse
feita individualmente e não por cooperativas. “O prefeito acaba de fazer licitação por
cooperativas e não individualmente”, denunciou Freixo.
Outro fator que aponta o descaso do poder público é o descaso com os serviços sociais
que deveriam acompanhar o processo de “pacificação”. “Eu estive no Chapéu
Mangueira e na Babilônia. Além da polícia, não há lá qualquer braço do Estado. A
creche mal funciona, com o salário atrasado das professoras, o que a Prefeitura não
assume. O posto de saúde não tem nenhum médico, nenhum dentista da rede pública do
Estado. É mais uma vez a lógica exclusiva da polícia nas favelas – e somente a polícia”,
afirmou. O projeto das UPPs está traçando um caminho bem delimitado: setor hoteleiro
da Zona Sul, entorno do Maracanã, Zona Portuária e a Cidade de Deus, “única área
dominada pelo tráfico em toda Jacarepaguá, que tem o domínio hegemônico das
milícias”.
Danem-se as demais regiões que, como ressaltou Jabor, “já moram dentro da violência”.
Para quem ainda acha que as questões de classe acabaram, basta comparar a forma
como os diversos crimes em nossa sociedade são enfrentados. Para combater crimes
financeiros (quando se combate), ninguém entra em agências bancárias rendendo as
pessoas e atirando. Nas favelas, áreas com assentamentos humanos extremamente
degradados, é diferente.
Marcelo Freixo, deputado que trata da segurança há muito tempo, amplia a crítica e
denuncia: "Sabe quantas escolas públicas existem no Complexo do Alemão? Duas"
Freixo, focado na solução do problema, lembra: “Armas não são produzidas nas favelas.
Eles vieram de algum lugar. Quantas ações policiais foram feitas na Baía de Guanabara?
Quantas foram realizadas no Porto? Eu não me lembro de nenhuma”. É uma
constatação que deixa todos os “notáveis” comentadores políticos envergonhados, pois
só sabem falar abobrinhas sobre a “coragem” dos policiais em “enfrentar” o crime
organizado. Estão focados na política burra do confronto.
Freixo lembrou ainda, na entrevista de hoje, que essas áreas pertencem ao tráfico de
drogas. A área das milícias, conforme descrito anteriormente neste artigo, não foram
tocadas – e tão somente por isso não estão reagindo. “Vamos lembrar que esses eventos
já aconteceram próximo ao réveillon de 2006. O problema não é esse. A questão é que o
setor de inteligência no Rio de Janeiro é muito falho. Para constatar isso basta visitar a
DRACO [Delegacia de Repressão ao Crime Organizado da Polícia Civil do Rio de
Janeiro]”, concluiu Freixo.