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ANNETE MARIA LINS BONFATTI

LITERATURA BRASILEIRA DO
SÉCULO XX E CONTEMPORÂNEA

1ª Edição

Brasília/DF - 2018
Autores
Annete Maria Lins Bonfatti

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático....................................................................................................................................... 4

Introdução.............................................................................................................................................................................. 6

Capítulo 1
O PRÉ-MODERNISMO: UMA FASE DE TRANSIÇÃO .......................................................................................... 7

Capítulo 2
A RUPTURA COM O PASSADO.................................................................................................................................19

Capítulo 3
O NACIONALISMO CRÍTICO..................................................................................................................................... 30

Capítulo 4
TEMPO DE AMADURECIMENTO.............................................................................................................................. 43

Capítulo 5
MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO............................................................................................................... 58

Capítulo 6
SALDO E LEGADO DO MODERNISMO..................................................................................................................70

Referências........................................................................................................................................................................... 77
Organização do Livro Didático
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros
recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também,
fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Cuidado

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

Importante

Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.

Observe a Lei

Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem,
a fonte primária sobre um determinado assunto.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

4
Organização do Livro Didático

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Posicionamento do autor

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

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Introdução
Neste curso, nosso objetivo é traçar um grande painel da literatura brasileira, a partir das inovações
ocorridas no século XX até chegarmos aos dias de hoje. Por questão didática, organizaremos
os capítulos priorizando a periodização estilística da divisão da história literária brasileira e
privilegiando os autores canônicos, isto é, os mais representativos de cada uma das épocas que
serão analisadas.

O recorte a ser feito não poderá cobrir todo o assunto de um período tão longo de nossa cultura,
mas esta breve introdução será fundamental, no exercício do magistério, para aqueles que se
propõem a aceitar o grande desafio de trabalhar com a língua portuguesa no Ensino Médio.
Por isso, cabe aqui a seguinte recomendação: esses capítulos serão uma pequena amostra do
assunto, que esperamos seja prazerosa, e a semente para o início de um estudo pessoal mais
aprofundado, única forma de todos alcançarem o conhecimento necessário para a vida profissional
que começará em breve.

Em cada um dos capítulos, apresentaremos sugestões de leituras que poderão enriquecer o


conhecimento dos assuntos explorados neste Livro Didático.

Objetivos

Este Livro Didático tem como objetivos:

» compreender a fase de transição entre o Simbolismo e o Modernismo, que ficou


conhecida como Pré-Modernismo, e por que esse momento não constitui um estilo de
época independente;

» entender as causas das rupturas com o passado, na primeira geração do Modernismo,


e relacioná-las às Vanguardas Europeias;

» perceber os reflexos das Vanguardas na primeira geração do Modernismo brasileiro e


entender as características desse período literário;

» destacar a marca do nacionalismo crítico no Modernismo;

» entender o percurso que levou os poetas da segunda geração do Modernismo a retomarem


algumas marcas do passado;

» conhecer as modificações ocorridas na última geração do Modernismo;

» identificar as marcas fundamentais da literatura Pós-Moderna.

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CAPÍTULO
O PRÉ - MODERNISMO:
UMA FASE DE TRANSIÇÃO 1
Apresentação

Neste primeiro capítulo, apresentaremos aspectos referentes à fase do Pré-Modernismo para


dar início ao trabalho com o Modernismo propriamente dito. A denominação de Modernismo
abrange, em nossa literatura, três fatos intimamente ligados: um movimento, uma estética e um
período. No momento, nosso foco de interesse ficará limitado ao período de transição entre o
Simbolismo e o Modernismo, o período Pré-Moderno, que mistura as características do passado
com as inovações do futuro.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, o aluno seja capaz de:

» compreender a fase do Pré-Modernismo, que se situa entre o Simbolismo e o Modernismo,


sem chegar a constituir uma escola literária;

» reconhecer, em textos desse momento literário, as características do sincretismo literário.

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CAPÍTULO 1 • O PRÉ-MODERNISMO: UMA FASE DE TRANSIÇÃO

Para iniciarmos nossa reflexão sobre a literatura brasileira do século XX, precisamos entender
o amplo significado do termo Modernismo e entender por que ele é usado para nomear três
momentos distintos da literatura do século passado.

De acordo com a professora Lígia Cademartori (1993:62, acréscimo nosso nos parênteses):

O Modernismo não é um estilo, no rigor do termo, mas um complexo de


estilos de época que apresentam alguns pontos coincidentes. Esses pontos
em comum não independem do fato de que, no nosso século (referência ao
século XX), o conhecimento sofreu uma grande ruptura para a qual concorreu
a teoria da relatividade de Einstein; a teoria psicanalítica de Freud; a filosofia de
Nietzsche; e a teoria econômica de Marx. Comum a todos é o questionamento
do lugar do homem como sujeito do conhecimento. O abalo provocado por esse
questionamento se reflete, de modo especial, na manifestação artística.

A primeira afirmativa da professora Cademartori merece um comentário. Não se deve entender


essa afirmação, pura e simplesmente, como uma definição do estilo de época de nossa literatura,
que se inicia na Semana de Arte Moderna de 1922. Nesse trecho, a professora faz referência a um
período de nossa história literária, a era moderna, que engloba uma fase de transição conhecida
como Pré-Modernismo e outra fase referente ao final do século, o Pós-Modernismo.

O Pré-Modernismo situa-se, cronologicamente, entre o Simbolismo e o Modernismo propriamente


dito, mas não chegou a constituir uma escola literária, justamente por não ter conseguido, como
ocorreu com os demais estilos de época de nossa literatura, alcançar pontos coincidentes entre
seus autores. Entende-se, dessa forma, que a professora inclui o Pré-Modernismo, na conceituação
feita, no primeiro período de seu texto, sobre a era moderna, ou seja, ela se refere ao período
moderno e não ao estilo de época denominado Modernismo, isto é, a estética desenvolvida por
aqueles que integram esse movimento artístico.

Por sua vez, costuma-se chamar de Pós-Modernismo as obras produzidas depois da terceira
geração do Modernismo. A partir dos anos 1970, a produção literária começará a abrir novos
caminhos que afastarão seus autores do Modernismo propriamente dito. Como ainda não há
um distanciamento temporal para avaliar essa produção, alguns críticos costumam denominar
essas obras como Pós-Modernas; outros, como literatura contemporânea.

Comecemos analisando, por exemplo, a prosa de alguns dos escritores do Pré-Modernismo,


como Lima Barreto, Monteiro Lobato e Euclides da Cunha. Podemos perceber que em suas
obras há uma mistura de tendências literárias, conhecida como sincretismo literário, que
consiste na utilização das mais variadas características presentes na literatura do século XIX,
somadas a algumas marcas que antecedem as características da literatura do período moderno
propriamente dito.

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O PRÉ-MODERNISMO: UMA FASE DE TRANSIÇÃO • CAPÍTULO 1

A causa desse sincretismo é o fato de que autores que integraram o Realismo, Naturalismo,
Parnasianismo e Simbolismo conviveram, nas duas primeiras décadas do Século XX, com jovens
escritores que já tinham uma visão de mundo diferente daquela que marcou o século XIX. Essa
convivência provocou uma mistura de tendências literárias, o que acabou contaminando as
obras de autores mais jovens, como Lima Barreto, Monteiro Lobato, Augusto dos Anjos, etc.

Ao mesmo tempo, por exemplo, que esses jovens autores continuavam presos à visão determinista
do mundo, a um cientificismo típico da época do Naturalismo, estilo de época do século XIX, eles
também antecipam características do nosso Modernismo, estilo de época do século XX, como,
por exemplo, a preocupação com a realidade específica do Brasil.

Vejamos como o sincretismo concretiza-se, na prática, neste trecho da obra de um dos melhores
exemplos de autor nacional, dividido entre as teorias científicas de sua época e a preocupação
em analisar a realidade nacional: Euclides da Cunha.

TEXTO I

OS SERTÕES – VOLUME 1

Nota Preliminar

Escrito nos raros intervalos de folga de uma carreira fatigante, este livro, que
a princípio se resumia à história da Campanha de Canudos, perdeu toda a
atualidade, remorada a sua publicação em virtude de causas que temos por
escusado apontar.

Demos-lhe, por isto, outra feição, tornando apenas variante de assunto geral o
tema, a princípio dominante, que o sugeriu.

Intentamos esboçar, palidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores,


os traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil. E fazemo-lo
porque a sua instabilidade de complexos de fatores múltiplos e diversamente
combinados, aliada às vicissitudes históricas e deplorável situação mental em
que jazem, as tornam talvez efêmeras, destinadas a próximo desaparecimento
ante as exigências crescentes da civilização e a concorrência material intensiva
das correntes migratórias que começam a invadir profundamente a nossa terra.

O jagunço destemeroso, o tabaréu ingênuo e o caipira simplório serão em breve


tipos relegados às tradições evanescentes, ou extintas.

Primeiros efeitos de variados cruzamentos, destinavam-se talvez à formação dos


princípios imediatos de uma grande raça. Faltou-lhes, porém, uma situação de
parada ou equilíbrio, que lhes não permite a velocidade adquirida pela marcha
dos povos neste século. Retardatários hoje, amanhã se extinguirão de todo.

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CAPÍTULO 1 • O PRÉ-MODERNISMO: UMA FASE DE TRANSIÇÃO

A civilização avançará nos sertões impelida por essa implacável “força motriz da
História” que Gumplowicz, maior do que Hobbes, lobrigou, num lance genial,
no esmagamento inevitável das raças fracas pelas raças fortes.

A campanha de Canudos tem por isto a significação inegável de um primeiro


assalto, em luta talvez longa. Nem enfraquece o asserto o termo-la realizado
nós, filhos do mesmo solo, porque, etnologicamente indefinidos, sem tradições
nacionais uniformes, vivendo parasitariamente à beira do Atlântico dos princípios
civilizadores elaborados na Europa, e armados pela indústria alemã – tivemos na
ação um papel singular de mercenários inconscientes. Além disso, mal unidos
àqueles extraordinários patrícios pelo solo em parte desconhecido, deles de todo
nos separa uma coordenada histórica – o tempo.

Aquela campanha lembra um refluxo para o passado.

E foi, na significação integral da palavra, um crime.

Denunciemo-lo.

E tanto quanto o permitir a firmeza do nosso espírito, façamos jus ao admirável


conceito de Taine sobre o narrador sincero que encara a história como ela o
merece (CUNHA, 1984, pp. 1-2).

Nessa nota, que introduz a obra Os Sertões, Euclides da Cunha deixa explícita a sua preocupação
em analisar um fato de sua época que marcou a nação, a Guerra de Canudos. Nessa guerra,
ocorrida no sertão baiano, a luta é entre brasileiros, mas que se encontram em lados opostos
por motivos, segundo o autor, ligados à diferença de vida entre sertanejos e moradores do litoral
brasileiro. Um mesmo povo, porém com destinos diferentes, já que a raça (sinônimo, na época,
de etnia), o meio social e o momento histórico, início da República, acabaram colocando em
dois campos opostos o povo brasileiro.

Essa interpretação que Euclides da Cunha faz dos conflitos entre o que ele considerava a área
“civilizada” do país, ou seja, o litoral, e a área “medieval” desse país, o sertão brasileiro, está
interligada, claramente, aos princípios do pensamento determinista: o homem tem seu destino
marcado pela raça, meio e momento histórico.

De acordo com o TEXTO I, a civilização acabaria destruindo o atraso, representado pela vida no
sertão, impulsionada pela implacável “força motriz da História”, as raças fortes, os “brancos” do
litoral, esmagando as raças fracas, os mestiços do sertão. Percebe-se, nessa análise, além da visão
determinista sobre o destino do ser humano, a influência das teses científicas de Darwin. Esse
cientificismo é herança do pensamento que norteou o século XIX, mas o tema em discussão na
obra, a realidade nacional, analisada com um olhar crítico e não mais ufanista, como faziam os
românticos, é uma marca típica do repertório do século XX, dos escritores modernistas.

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O PRÉ-MODERNISMO: UMA FASE DE TRANSIÇÃO • CAPÍTULO 1

Saiba mais

Antes de prosseguir em nosso estudo, vale pesquisar um pouco mais sobre o determinismo racial nessa obra de Euclides da
Cunha:

Ensaio ao pensamento de Euclides da Cunha e a visão do sertanejo nordestino – <http://www.historialivre.com/


revistahistoriador/um/lianeide.htm>.

Euclides da Cunha, Os Sertões e a invenção de um Brasil profundo – <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&p


id=S0102-01882002000200012>.

Depois dessa leitura, fica mais fácil começar a perceber o que significa sincretismo literário,
é exatamente essa mistura de tendências que acabamos de constatar no texto de Euclides da
Cunha. No entanto, ainda temos outra novidade nessa fase de transição que foi o Pré-Modernismo,
basta comparar a linguagem empregada no primeiro texto com a de Lima Barreto, o autor do
próximo texto.

TEXTO II

Os subúrbios do Rio de Janeiro são a mais curiosa coisa em matéria de edificação


da cidade. A topografia do local, caprichosamente montanhosa, influiu decerto
para tal aspecto, mais influíram, porém, os azares das construções.

Nada mais irregular, mais caprichoso, mais sem plano qualquer, pode ser
imaginado. As casas surgiram como se fossem semeadas ao vento e, conforme as
casas, as ruas se fizeram. Há algumas delas que começam largas como boulevards
e acabam estreitas que nem vielas; dão voltas, circuitos inúteis e parecem fugir
ao alinhamento reto com um ódio tenaz e sagrado.

Às vezes se sucedem na mesma direção com uma frequência irritante, outras


se afastam, e deixam de permeio um longo intervalo coeso e fechado de casas.
Num trecho, há casas amontoadas umas sobre outras numa angústia de espaço
desoladora, logo adiante um vasto campo abre ao nosso olhar uma ampla
perspectiva.

Marcham assim ao acaso as edificações e conseguintemente o arruamento. Há


casas de todos os gostos e construídas de todas as formas.

Vai-se por uma rua a ver um correr de chalets, de porta e janela, parede de
frontal, humildes e acanhados, de repente se nos depara uma casa burguesa,
dessas de compoteiras na cimalha rendilhada, a se erguer sobre um porão alto
com mezaninos gradeados. Passada essa surpresa, olha-se acolá e dá-se com
uma choupana de pau-a-pique, coberta de zinco ou mesmo palha, em torno da
qual formiga uma população; adiante, é uma velha casa de roça, com varanda
e colunas de estilo pouco classificável, que parece vexada e querer ocultar-se
diante daquela onda de edifícios disparatados e novos.

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CAPÍTULO 1 • O PRÉ-MODERNISMO: UMA FASE DE TRANSIÇÃO

Não há nos nossos subúrbios coisa alguma que nos lembre os famosos das grandes
cidades europeias, com as suas vilas de ar repousado e satisfeito, as suas estradas
e ruas macadamizadas e cuidadas, nem mesmo se encontram aqueles jardins,
cuidadinhos, aparadinhos, penteados, porque os nossos, se os há, são em geral
pobres, feios e desleixados.

Os cuidados municipais também são variáveis e caprichosos. Às vezes, nas ruas,


há passeios, em certas partes e outras não; algumas vias de comunicação são
calçadas e outras da mesma importância estão ainda em estado de natureza.
Encontra-se aqui um pontilhão bem cuidado sobre o rio seco e, passos além,
temos que atravessar um ribeirão sobre uma pinguela de trilhos mal juntos.

Há pelas ruas damas elegantes, com sedas e brocados, evitando a custo que a
lama ou o pó lhes empanem o brilho do vestido; há operários de tamancos; há
peralvilhos à última moda; há mulheres de chita; e assim pela tarde, quando essa
gente volta do trabalho ou do passeio, a mescla se faz numa mesma rua, num
quarteirão, e quase sempre o mais bem posto não é que entra na melhor casa.

Além disto, os subúrbios têm mais aspectos interessantes, sem falar no namoro
epidêmico e no espiritismo endêmico; as casas de cômodos (quem as suporia
lá!) constituem um deles bem inédito. Casas que mal dariam para uma pequena
família, são divididas, subdivididas, e os minúsculos aposentos assim obtidos,
alugados à população miserável da cidade. Aí, nesses caixotins humanos, é que
se encontra a fauna menos observada da nossa vida, sobre a qual a miséria paira
com um rigor londrino.

Não se podem imaginar profissões mais tristes e mais inopinadas da gente que
habita tais caixinhas. Além dos serventes de repartições, contínuos de escritórios,
podemos deparar velhas fabricantes de rendas de bilros, compradores de
garrafas vazias, castradores de gatos, cães e galos, mandingueiros, catadores de
ervas medicinais, enfim, uma variedade de profissões miseráveis que as nossas
pequena e grande burguesias não podem adivinhar. Às vezes num cubículo desses
se amontoa uma família, e há ocasiões em que os seus chefes vão a pé para a
cidade por falta do níquel do trem (SPECTRO EDITORA, 2018).

Vamos falar, agora, sobre as novidades em relação à linguagem utilizada nessa fase de transição
entre o Simbolismo e o Modernismo. A prosa desenvolvida no Pré-Modernismo não manteve
uma regularidade em relação à preferência por um determinado registro da língua portuguesa.
Encontramos exemplos de escritores que privilegiavam a norma mais formal e culta, enquanto
outros já tinham a tendência de construir seus textos em linguagem bem mais simples e coloquial.
A marca do sincretismo da época, nessa flutuação entre privilegiar o registro padrão ou o registro
coloquial fica fácil de ser percebida.

Comparando-se os dois textos anteriores, podemos perceber que a linguagem de Lima Barreto
é mais simples e coloquial do que a empregada por Euclides da Cunha. Este prefere usar, por

12
O PRÉ-MODERNISMO: UMA FASE DE TRANSIÇÃO • CAPÍTULO 1

exemplo, a colocação pronominal de acordo com a norma padrão, a recomendada pela gramática
normativa, como em “fazemo-lo”, “termo-la realizado”, mesmo que as frases sejam estranhas
aos ouvidos de um brasileiro, mas aquele já emprega os pronomes pessoais oblíquos em uma
colocação mais próxima da linguagem cotidiana do nosso povo, como em “lhes empanem”.

Podemos observar, também, que, na maior parte do texto, Lima Barreto utiliza termos que
costumamos usar em nossas conversas do dia a dia. Logo no primeiro período ele escreve: “Os
subúrbios do Rio de Janeiro são a mais curiosa coisa em matéria de edificação da cidade.” Quantas
vezes nossos professores recomendaram que não usássemos, nos textos escritos, palavras genéricas
que são pouco precisas e típicas da linguagem mais informal? Mas Lima Barreto usa “coisa”,
crime de lesa majestade para alguns acadêmicos puristas do século XIX, que acreditavam que a
literatura, por ser sagrada, deveria privilegiar sempre a norma padrão e a escolha do vocabulário
preciso e adequado ao registro formal. Essa visão dos acadêmicos do Século XIX ficou conhecida
como sacralização da literatura.

Também é típico do coloquialismo o emprego de adjetivos no grau diminutivo, que revelam


sua carga semântica afetiva, como no exemplo: “... nem mesmo se encontram aqueles jardins,
cuidadinhos, aparadinhos...”. Fica evidente que, apesar de encontrarmos, no texto de Lima Barreto,
palavras que já caíram em desuso, devido à distância do tempo em que ele foi produzido, sua
linguagem é muito mais próxima do coloquial do que aquela empregada por Euclides da Cunha,
que prefere usar termos como: “escusado, intentamos, vicissitudes, jazem, etc., que não eram
usual nem na linguagem do dia a dia do século XIX e XX.

Embora em sua época Lima Barreto tenha sido muito criticado pelos segmentos da sociedade
mais conservadores, por usar a linguagem coloquial, hoje, a academia reconhece que esse autor
foi bastante inovador ao tentar escrever de uma forma que se aproximasse da maneira de falar do
povo brasileiro. Com essa estratégia, mesmo não tendo consciência do fato, ele antecipou uma
característica que fez parte de um dos principais projetos da primeira geração do Modernismo,
a dessacralização da linguagem literária, ao aproximá-la da linguagem coloquial.

Lima Barreto, ao retratar em suas obras os aspectos simplórios do dia a dia da população,
descrevendo o subúrbio carioca, falando do trabalho humilde da maioria da população dessa
região do Rio de Janeiro, irá se aproximar de outra marca típica dos textos da primeira geração
do Modernismo, a preferência pelos temas prosaicos, aqueles que falam dos aspectos simples e
rotineiros do dia a dia da população.

Apesar de os textos de Euclides da Cunha e de Lima Barreto exemplificarem o perfil dessa fase
de transição de nossa literatura, não poderíamos encerrar este assunto sobre a prosa do Pré-
Modernismo sem analisar outro grande escritor do período, Monteiro Lobato, cuja obra, hoje
em dia, tem provocado polêmica. Criticado pelos defensores do “politicamente correto”, que
consideram sua obra preconceituosa e racista, ele é reconhecido, pelos especialistas, como

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CAPÍTULO 1 • O PRÉ-MODERNISMO: UMA FASE DE TRANSIÇÃO

um autor que denunciou uma face triste de nossa pátria: a situação precária de vida de alguns
segmentos sociais. A figura emblemática do Jeca Tatu, imortalizado na crônica Urupês, é um dos
exemplos dessa realidade negra em nosso país.

TEXTO III

Jeca Tatu é um piraquara do Paraíba, maravilhoso epítome de carne onde se


resumem todas as características da espécie.

Ei-lo que vem falar ao patrão. Entrou, saudou. Seu primeiro movimento após
prender entre os lábios a palha de milho, sacar o rolete de fumo e disparar a
cusparada d’esguicho, é sentar-se jeitosamente sobre os calcanhares. Só então
destrava a língua e a inteligência.

— “Não vê que...

De pé ou sentado as ideias se lhe entramam, a língua emperra e não há de dizer


coisa com coisa.(...)

Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!

Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca filósofo...

Quando comparece às feiras, todo mundo logo adivinha o que ele traz: sempre
coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar
a mão e colher - cocos de tucum ou jissara, guabirobas, bacuparis, maracujás,
jataís, pinhões, orquídeas; (...)

Nada mais.

Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço


- e nisto vai longe.

Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram
em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquimano. Mobília,
nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido. (...)

Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo - colher, garfo e faca a


um tempo?

No mais, umas cuias, gamelinhas, um pote esbeiçado, a pichorra e a panela de


feijão.

Nada de armários ou baús. A roupa, guarda-a no corpo. Só tem dois parelhos;


um que traz no uso e outro na lavagem.(...)

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O PRÉ-MODERNISMO: UMA FASE DE TRANSIÇÃO • CAPÍTULO 1

Seus remotos avós não gozaram maiores comodidades. Seus netos não meterão
quarta perna ao banco. Para quê? Vive-se bem sem isso.

http://www.ime.usp.br/ Acesso em 30/08/2016 (fragmento)

O que mais chama a atenção do leitor proficiente nesse retrato do Jeca Tatu é a total falta de
capacidade deste de se comunicar de forma coerente e clara, já que, como nos revela o narrador:
“De pé ou sentado as ideias se lhe entramam, a língua emperra e não há de dizer coisa com coisa”.
Só mesmo um leitor ingênuo não reconhece a crítica velada dessa descrição do caboclo que, ao
longo de sua vida, não conseguiu alcançar a capacidade de expor suas ideias, porque não teve
a oportunidade, como a maioria dos lavradores daquela época, de inserir-se em uma sociedade
letrada. Seria justo considerarmos essa passagem uma forma de preconceito contra os iletrados
ou seria mais adequado considerarmos o trecho como uma crítica à estrutura social de nosso
país da época em que o texto foi produzido?

Devemos lembrar que um autor reproduz, geralmente, a forma de pensar da sua época e, como
não poderia deixar de ser, a visão animalizada do caboclo, presente na imagem do Jeca Tatu, é
reflexo do Naturalismo que grassava na época. Essa influência pode ser observada, também, no
determinismo com que o narrador analisa a perspectiva de vida do personagem “Seus remotos
avós não gozaram maiores comodidades. Seus netos não meterão quarta perna ao banco. Para
quê? Vive-se bem sem isso.” Reconhecemos no trecho a filosofia determinista que defendia a
ideia de que o ser humano não tem poder sobre o próprio destino, pois ele é fruto da raça a que
pertence, do meio ambiente em que vive e do momento histórico em que nasceu.

Acreditamos, portanto, que não podemos considerar a obra de Monteiro Lobato preconceituosa
ou racista, na medida em que as imagens dos excluídos socialmente, como o Jeca Tatu ou a
negra Anastácia, da obra O Sítio do Picapau Amarelo, não revelam preconceito, mas são uma
explicitação da discriminação social de um período de nossa história no qual os direitos de alguns
segmentos da sociedade não eram reconhecidos.

Convém lembrar que, nessa fase de transição entre o Simbolismo e o Modernismo, nossos
escritores já não tinham mais, como os autores do Romantismo, o desejo de criar em suas obras
uma visão idealizada da pátria. Isso ficara no passado, pois, assim como fizeram os escritores
do Modernismo, os artistas do Pré-Modernismo têm consciência dos problemas de nosso país,
embora continuem acreditando que estes podem e precisam ser resolvidos.

Atenção

Acredito que conseguimos apresentar uma pequena amostra do que foi a prosa dessa fase de transição, o Pré-Modernismo,
mas seria recomendável o aprofundamento do assunto, na profícua leitura do capítulo sobre o período Pré-Moderno na obra
Formação da literatura brasileira, de Antônio Cândido, disponível em <http://funflyship.com.br/formacao-da-literatura-
brasileira-volume-unico.html>.

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CAPÍTULO 1 • O PRÉ-MODERNISMO: UMA FASE DE TRANSIÇÃO

Passemos, agora, para a poesia, lendo um texto de Augusto dos Anjos que, certamente, deve ter
chocado e surpreendido os leitores do século XIX, acostumados com o formalismo, a linguagem
erudita, a preocupação em resgatar os princípios da poesia clássica, elementos que caracterizaram
a poesia parnasiana.

TEXTO IV

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão – esta pantera –

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!


(A ARTE DA LITERATURA, 2017).

Transcrevo, a seguir, um comentário primoroso a respeito desse texto de Augusto dos Anjos,
que permitirá o entendimento não só do próprio texto, mas poderá, também, dirimir qualquer
dúvida sobre o que significa o sincretismo dessa fase de nossa literatura.

Esse poema de Augusto de Anjos foi considerado um dos cem melhores poemas
brasileiros do século XX.

Do ponto de vista formal, o texto caracteriza-se como soneto clássico. Para


chegarmos a essa afirmação, basta observar o esquema métrico - os versos são
decassílabos – e o esquema rítmico – as rimas são regulares (ABBA; BAAB; CCD;
EED). Lembre-se de que o soneto apresenta sempre a estrutura fixa 2 (dois)
quartetos e 2 (tercetos).

16
O PRÉ-MODERNISMO: UMA FASE DE TRANSIÇÃO • CAPÍTULO 1

Na primeira estrofe, o eu-poético relaciona a vida social do homem à vida dos


animais selvagens, por meio de imagens (lama, terra miserável e fera) que lembram
o estilo naturalista, em seu determinismo cientificista e em seu materialismo.
Isso sinaliza que o poeta combina elementos tradicionais, próprios de estilos
desenvolvidos no século XIX, com elementos que anunciam o Modernismo,
iniciado no século XX. Trata-se, portanto, de um autor de transição. Vamos
analisar como se dá essa transição.

Os versos que iniciam a segunda e a terceira estrofes apresentam um tom de


conselho ou ordem, que é reiterado no desfecho do poema. Esse conselho é
introduzido pelas formais verbais “acostuma-te” e “toma”. Na segunda estrofe, o
eu-poético supõe que o leitor se acostumou à “lama que te espera!”, isso mostra
uma associação entre o naturalismo e o determinismo, questões da ciência
muito presente na literatura no final do século XIX. Repare que o conselho ou
ordem da terceira estrofe, “Toma um fósforo. Acende teu cigarro!” introduz no
poema, de forma inesperada, um tom prosaico, de conversa cotidiana. O verso
surpreende o leitor de forma irônica e provocativa, fazendo lembrar o Realismo
psicológico de Machado de Assis, cujo narrador tinha o hábito de dialogar com
os leitores. Por meio da surpresa, da ironia e da provocação, o eu-lírico procura
quebrar a expectativa do leitor, como se o aconselhasse a se preparar para ler a
afirmação cruel sobre o ser humano que vem a seguir. Para isso, o eu-poético
utilizou o modo verbal imperativo.

Outro recurso fundamental para fazer o poema cair na graça do público em geral
é o vocabulário. O vocabulário escandaliza o leitor acostumado com a poesia
parnasiana, incluindo expressões que poderiam ser consideradas, do ponto de
vista daquele público leitor, “não poéticas”. Observe: “(...) véspera do escarro,”
/”Apedreja essa mão vil (...)”/”Escarra nessa boca (...)” – tais expressões não
poderiam ser consideradas poéticas no contexto do Parnasianismo, pois esse
estilo literário se caracteriza pelo uso de um vocabulário erudito, com palavras
elegantes e amenas.

No poema, o homem, a vida social, a amizade, a solidariedade, afeto (beijo, mão


que afaga) transformam-se em ingratidão, terra miserável, fera, desafeto (escarro,
mão que apedreja). Duas ações que causam transtorno no leitor são apedreja
a mão amiga e cuspa na boca que te beija, ou seja, o eu-poético recomenda
apedrejar a mão vil de quem se recebeu um afago, escarrar na boca de quem
se recebeu um beijo. Certamente, essas ideias paradoxais devem ter causado
surpresa no público leitor do início do século passado.

Na estrofe final, em uma leitura mais profunda, podemos pensar que o eu-poético
está nos advertindo, precavendo-nos contra aquilo que parece nos ordenar e
aconselhar a fazer. O recurso estilístico utilizado foi a ironia, que permite essa
interpretação justamente porque consiste em afirmar o contrário do que se pensa.

17
CAPÍTULO 1 • O PRÉ-MODERNISMO: UMA FASE DE TRANSIÇÃO

O conteúdo do poema tem tudo a ver com o título “Versos Íntimos”. Assim como
todo o poema apresenta um tom irônico, o título também o é, por sugerir um texto
subjetivo, romântico, sentimental, o que a leitura efetiva do poema desmente, ao
mostrar que se trata de um texto agressivo, desolador, que se aproxima do grotesco.

Esse poema faz parte da obra Eu, único livro publicado pelo poeta Augusto dos
Anjos. Essa obra é uma das mais lidas e relidas de nossa literatura.
(A ARTE DA LITERATURA, 2017).

Neste momento, já apontamos as informações básicas que nos permitem fazer duas afirmativas
sobre o Modernismo, as quais não podem ser esquecidas daqui para frente, pois elas serão
importantes para entender nosso próximo capítulo.

1. Diferente do Pré-Modernismo, que não foi efetivamente um movimento literário, o


Modernismo é um estilo de época com características próprias e singulares.

2. O Modernismo rompeu com os padrões estéticos vigentes no início do século XX e,


por serem avessos às regras, os escritores dessa escola propuseram o lema “palavras
em liberdade”.

No próximo capítulo, começaremos o estudo do Modernismo propriamente dito, analisando


como e por que esse período pode ser considerado um dos pilares de nossa literatura nacional.

Sintetizando

Neste primeiro capítulo, vimos:

» aspectos referentes à fase do Pré-Modernismo para dar início ao trabalho com o Modernismo propriamente dito.

» que a denominação de Modernismo abrange, em nossa literatura, três fatos intimamente ligados – um movimento, uma
estética e um período, e que o Modernismo rompeu com os padrões estéticos vigentes no início do século XX.

» que, diferente do Pré-Modernismo, que não foi efetivamente um movimento literário, o Modernismo é um estilo de época
com características próprias e singulares.

18
A RUPTURA COM O PASSADO
CAPÍTULO
2
Apresentação

Neste segundo capítulo, iremos nos debruçar sobre os movimentos de vanguarda, que
revolucionaram a obra de arte no início do século XX, provocando uma ruptura com a tradição
cultural do século XIX. Do francês avant-garde, a palavra vanguarda significa “o que marcha
na frente”. Essas correntes pregavam um mesmo ideal, a derrubada da tradição, por meio de
práticas inovadoras, capazes de subverter o senso comum e captar as tendências do futuro.
Analisaremos, também, as influências que as vanguardas europeias tiveram sobre a primeira
geração do Modernismo brasileiro, que explodiu em São Paulo, em 1922, com a famosa Semana
de Arte Moderna. Concluiremos esse segundo capítulo identificando as principais características
dessa geração e analisando algumas obras de seus principais autores.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, o aluno seja capaz de:

» reconhecer as novas práticas introduzidas na literatura que romperam com a tradição


consagrada no século XIX;

» analisar as características da primeira fase do Modernismo brasileiro;

» valorizar a importância das inovações dessa fase do Modernismo na construção de um


novo olhar sobre a nação.

19
CAPÍTULO 2 • A RUPTURA COM O PASSADO

O conceito de Modernismo abrange, em nossa literatura, três fatos intimamente ligados: um


movimento, uma estética e um período. O movimento tem seu início com a Semana de Arte
Moderna, em São Paulo.

O movimento surgiu em São Paulo com a famosa Semana de Arte Moderna, em


1922, e se ramificou depois pelo país, tendo como finalidade principal superar a
literatura vigente, formada pelos restos do Naturalismo, do Parnasianismo e do
Simbolismo, cujas características aparecem misturadas no período Pré-Moderno.
Correspondeu a ele uma teoria estética, nem sempre claramente delineada, e
muito menos unificada, mas que visava, sobretudo, a orientar e definir uma
renovação, formulando em novos termos o conceito de literatura e de escritor.
Estes fatos tiveram o seu momento mais dinâmico e agressivo até mais ou menos
1930, abrindo-se a partir daí uma nova etapa de maturação, cujo término se tem
localizado cada vez mais no ano de 1945 (CÂNDIDO; CASTELLO, 1997:9).

Disponível em: <https://static.todamateria.com.br/upload/se/ma/semanadeartemodernade19221d.jpg>.


Acesso em: 15 nov. 2017.

Quando Antônio Cândido e José Aderaldo Castello fazem referência a “uma teoria estética,
nem sempre claramente delineada, e muito menos unificada...”, na verdade, eles se referem às
teorias herdadas dos movimentos das Vanguardas Europeias, apresentadas a nossos artistas por
alguns escritores brasileiros que trouxeram da Europa notícias de uma literatura em crise, mas
que tentava se renovar. Oswald de Andrade, por exemplo, conheceu em Paris o Futurismo que
Marinetti, em 1909, lançara pelas páginas do Figaro no famoso Manifesto-Fundação.

O Futurismo será uma das chamadas Vanguardas Europeias que mais influenciarão todos os
escritores da geração heroica, a primeira geração do Modernismo brasileiro. Entre esses escritores,
Oswald de Andrade e Mário de Andrade foram aqueles que mergulharam, mais profundamente,
nas águas das Vanguardas, por isso iremos nos deter na obra desses autores para exemplificarmos
as características dessas correntes que, também, se transformaram nas principais marcas da
primeira geração do Modernismo.

20
A RUPTURA COM O PASSADO • CAPÍTULO 2

Começaremos a conhecer as características das Vanguardas Europeias justamente pelo Futurismo,


com base na análise do texto de Mário de Andrade.

TEXTO I

Tecnicamente:

Verso livre

Rima livre

Vitória do dicionário.

Esteticamente:

Substituição da ordem intelectual pela ordem subconsciente

Rapidez e síntese

Polifonismo.
(Mário de Andrade)

Esse texto de Mário de Andrade foi retirado da segunda parte de um ensaio, A Escrava que não
é Isaura (1922-1924), uma espécie de manifesto sobre as novas tendências da poesia moderna,
que foi dedicado ao seu amigo Oswald de Andrade. Esse ensaio mostra o pensador Mário de
Andrade estudando as vanguardas enquanto elas se formavam e enquanto o país as absorvia
para conceber uma arte moderna brasileira. Tentativa de criar uma poética modernista, o ensaio
teve rudimentos apresentados pela primeira vez em 1922, mas o livro sairia apenas em 1924. 

No TEXTO I, um exemplo de metapoesia, isto é, um poema cuja temática é a própria construção


da poesia, Mário de Andrade faz um manifesto sobre as novas tendências da arte de poetar. Ele
inicia o texto defendendo o “Verso Livre”, deixando claro sua rejeição aos modelos tradicionais
do Parnasianismo, em defesa de um verso que não esteja subjugado a um número determinado
de sílabas e sem metrificação regular, respeitando, assim, a inspiração poética.

A cadência rítmica também deve ser privilegiada, pois a “Rima livre” irá manter a cadência da
poesia próxima à cadência da prosa, em obediência à alternância de sons e acentos. A defesa
dessas duas técnicas demonstra que a poesia está na essência ou no contraste das palavras
selecionadas, o que pode ser comprovado no verso “Vitória do dicionário”.

Além dos princípios relativos aos aspectos formais, Mário de Andrade afirma que, esteticamente,
deve-se buscar a “Substituição da ordem intelectual pela ordem subconsciente”. Uma leitura
apressada desse verso poderia sugerir que o poeta defende a ideia de que a inspiração, a ordem
“subconsciente”, deveria prevalecer sobre o espírito crítico do poeta, a “ordem intelectual”. Na
verdade, com base no conhecimento mais abrangente do pensamento de Mário de Andrade,

21
CAPÍTULO 2 • A RUPTURA COM O PASSADO

acreditamos que ele não defende, assim como fizeram os poetas românticos, a inspiração
descontrolada, que pode resultar em um lirismo acéfalo, beirando, muitas vezes, o piegas. Na
verdade, sua defesa diz respeito ao “Polifonismo”, mencionado no último verso do texto.

De acordo com o dicionário Houaiss, a polifonia significa uma multiplicidade de sons, por extensão,
podemos entender esse termo como sendo uma defesa de duas vozes distintas combinadas em
uma composição. Logo, devemos interpretar o verso “Substituição da ordem intelectual pela
ordem subconsciente” como um alerta do poeta, pois ele crê que a poesia tem como matéria
prima o subconsciente, o qual tem erupções, mas depois delas é preciso trabalhar a matéria
expelida, a fim de ser alcançada a “Rapidez e síntese” necessárias à obra de arte.

Mário de Andrade defende, portanto, os poemas curtos, que refletiriam a agilidade da vida
moderna, marcada pelo ritmo apressado e corrido dos novos tempos. Essa defesa da arte-
síntese é bastante semelhante a um dos princípios do Futurismo de Marinetti. De acordo com
essa vanguarda, deve-se alcançar a “palavra em liberdade”, o que significa a negação da sintaxe
gramatical tradicional da frase e a tentativa de empregar palavras soltas que, por elas mesmas,
revelassem os pensamentos do artista.

Outras características herdadas do Futurismo podem ser percebidas nas obras da primeira
geração do Modernismo. Uma das principais e mais marcante foi, inegavelmente, a negação do
passado e de sua tradição, o que provocou o aparecimento, em nossa poesia da fase heroica, de
uma atitude de irreverência e deboche. Tal característica acabou por renegar aquela visão sagrada
atribuída no passado ao texto poético.

No texto a seguir, de Oswald de Andrade, observam-se a irreverência e o tom debochado na releitura


de um fato histórico, o descobrimento do Brasil. Apesar de ser um poema sintético, composto
de poucos versos, nossa história e cultura são analisadas de um ponto de vista surpreendente,
pois modificam a visão histórica a que nos acostumamos a ouvir nos livros didáticos.

TEXTO II

Tupi or not tupi - This is the question


Oswald de Andrade
(Brasil)
O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
— Sois cristão?
— Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê Tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha

22
A RUPTURA COM O PASSADO • CAPÍTULO 2

Tomou a palavra e respondeu


— Sim pela graça de Deus
Canhém Babá Canhém Babá Cum Cum!

E fizeram o Carnaval.
(PROJETO RELEITURAS, 2017)

Nesse texto, além das marcas já mencionadas, outros elementos fundamentais à construção
do sentido do texto chamam a nossa atenção. A liberdade com que o fato histórico da chegada
do colonizador é narrado ao leitor pode ser observada na mistura relativa ao próprio elemento
temporal. O português é recebido pelos índios e, surpreendentemente, pelo negro, que sabemos
não é um elemento autóctone de nossa terra, trazido para o Brasil, alguns séculos depois, pelo
homem branco, para trabalhar como escravo. O leitor proficiente poderá relacionar essa estratégia
do autor, aparentemente incoerente, a uma preocupação marcante da primeira geração do
Modernismo: a busca da identidade nacional. A leitura desse texto ganha coerência, quando se
percebe a intenção de assinalar as etnias formadoras do povo brasileiro: brancos, índios e negros.

Também a linguagem, empregada no diálogo entre os participantes da conversa, poderia


surpreender o leitor, caso ele não conheça outra característica exaltada pelos futuristas: o emprego
da onomatopeia. Nos versos “Teterê Tetê Quizá Quizá Quecê!” e “Canhém Babá Canhém Babá
Cum Cum!”, é uma fórmula irônica, debochada e, sobretudo, crítica, de desconstruir a ideia de
que a relação entre os invasores – portugueses – e aqueles que sofreriam com o poder exercido
por eles – índios e negros – foi natural e fácil como era difundido no passado.

Ainda em relação à linguagem, torna-se motivo de um sorriso crítico do leitor o reconhecimento


do diálogo entre esse texto e a famosa composição indianista de Gonçalves Dias, I Juca Pirama.
A paródia com os versos “Sou bravo, sou forte, / Sou filho do Norte!” explicita o drama vivido
pelos habitantes de nossa terra, dizimados pelos colonizadores e cuja cultura foi praticamente
exterminada por estes. A substituição do verso Sou filho do norte por “Não. Sou bravo, sou forte,
sou filho da Morte” aponta para a morte de uma cultura religiosa pela implantação daquela
trazida pelos jesuítas e imposta à força aos indígenas.

Talvez essa negação do passado tenha se refletido na busca incessante, empreendida por nossos
autores modernistas, de registrar em seus textos a linguagem coloquial do povo brasileiro,
negando-se em manter, em nossa literatura, o falar típico do português de Portugal.

TEXTO III

Pronominais
Oswald de Andrade

Dê-me um cigarro

Diz a gramática

23
CAPÍTULO 2 • A RUPTURA COM O PASSADO

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

Da Nação Brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro
Disponível em: http://leaoramos.blogspot.com.br Acesso em 10/09/2016

Confrontando-se os textos II e III, essa tentativa de defender uma língua nacional, com o registro
da linguagem oral de nosso povo, fica evidente. Em Brasil, o termo “preguntou”, no verso 2,
revela uma característica do brasileiro de ridicularizar o sotaque lusitano. Em Pronominais, fica
evidenciada a exaltação de nossa forma de falar, ao criticar as regras de colocação pronominal,
herdadas da nação portuguesa e impostas ao nosso povo pela gramática normativa.

Também, a exaltação do progresso foi uma das marcas dessa vanguarda. Exemplificaremos essa
característica com outro texto de Oswald de Andrade, cuja leitura dispensa comentários para
reconhecer essa última herança do Futurismo na geração heroica.

TEXTO IV

Metalúrgica

1.300° à sombra dos telheiros retos

12.000 cavalos invisíveis pensando

40.000 toneladas de níquel amarelo

Para sair do nível das águas esponjosas

E uma estrada de ferro nascendo do solo

Os fornos entroncados

Dão o gusa e a escória

A refinação planta barras

E lá em baixo os operários

Forjam as primeiras lascas de aço.


Disponível em: <http://voarforadaasa.blogspot.com.br/>. Acesso em: 10/09/2016.

Além do Futurismo, outras quatro correntes vanguardistas influenciaram a arte da primeira


geração do Modernismo no Brasil: o Expressionismo, de pouca influência na literatura, o Cubismo,
o Dadaísmo e o Surrealismo. Vejamos um pouco de cada uma delas, começando por aquela que
foi muito influente nas artes plásticas.

24
A RUPTURA COM O PASSADO • CAPÍTULO 2

O Expressionismo deixou sua herança, principalmente nas artes plásticas da primeira geração


do Modernismo. Essa vanguarda propunha uma distorção do real, em uma visão a partir da
emoção do artista, em que a realidade é apresentada de forma, muitas vezes, grotesca, ao captar
o absurdo da miséria, da pobreza e da solidão urbanas. Essas marcas podem ser observadas
nas duas obras abaixo, uma de Lasar Segall e outra de Anita Malfatti.

TEXTO V

A Família Enferma, de Lasar Segall (1920)

Disponível em: <http://n.i.uol.com.br/licaodecasa/ensfundamental/artes/express3.jpg>.


Acesso em: 10 set. 2017.

TEXTO VI

Disponível em: <http://image.slidesharecdn.com/expressionismo-140831142231-


phpapp01/95/expressionismo-43-638.jpg?cb=1409495062>. Acesso em: 10 set. 2017.

O Cubismo, assim como o Expressionismo, influenciou sobremaneira nossas artes plásticas,


mas suas características podem ser reconhecidas no próximo texto, de Oswald de Andrade, que
representa a realidade de acordo com a perspectiva dos seguidores dessa vanguarda.

25
CAPÍTULO 2 • A RUPTURA COM O PASSADO

TEXTO VII

HÍPICA

Saltos records

Cavalos da Penha

Correm jóqueis de Higienópolis

Os magnatas

As meninas

E a orquestra toca

Chá

na sala de cocktails.
Disponível em: <https://daliteratura.wordpress.com>. Acesso em: 10/09/2016.

O poema de Oswald de Andrade retrata, de forma fragmentada, o ambiente de uma corrida


de cavalos na hípica. Há uma superposição de imagens, deslocando o olhar do leitor da pista
para outros planos da realidade, com o objetivo de ampliar nosso campo visual, de forma que
possamos captar diversos aspectos da realidade descrita. Essa é uma forma típica de retratar o
objeto do discurso, do ponto de vista dos cubistas, pois eles defendiam que um mesmo objeto
poderia ser visto de vários ângulos.

O Dadaísmo caracteriza-se pela agressividade verbal, pela aparente desordem na organização


das palavras do texto, que a princípio parece pouco coerente, pela quebra da lógica tradicional
do pensamento e do racionalismo, e pelo abandono das regras formais do fazer poético: rima,
ritmo, etc. Tais características revelarão uma revolta, uma agressividade e um sentimento de
indignação com o mundo, uma descrença na organização social, como pode ser observado no
próximo texto, de Oswald de Andrade, em que há uma crítica severa à burguesia.

TEXTO VIII

Ode ao Burguês
Eu insulto o burgês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!


os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!

26
A RUPTURA COM O PASSADO • CAPÍTULO 2

que vivem dentro de muros sem pulos,


e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
“– Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
– Um colar… _ Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!”

Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!


Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!

27
CAPÍTULO 2 • A RUPTURA COM O PASSADO

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!


Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!…
Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/>. Acesso em: 10/09/2016.

O Surrealismo trouxe para a arte concepções freudianas, relacionadas à psicanálise. Segundo


essa vanguarda, a arte deve surgir do inconsciente sem que haja interferências da razão, por isso
os surrealistas pregam o apego à fantasia, ao sonho e à loucura, além da utilização da escrita
automática em que o artista, provocado pelo impulso, registra tudo o que lhe vem à mente, sem
preocupação com a lógica. Como essa vanguarda marcou, com maior intensidade, sua influência
na segunda geração do Modernismo, não cabe exemplificar essa corrente neste capítulo.

Ainda voltaremos a falar, em outros momentos de nosso curso, das ligações entre a literatura do
Modernismo e as Vanguardas Europeias. Mas finalizaremos este capítulo com um texto antológico
de Manuel Bandeira, outro grande poeta dessa primeira geração do Modernismo, que sintetizará
tudo aquilo visto neste capítulo.

TEXTO IX:

Nova Poética

Vou lançar a teoria do poeta sórdido.

Poeta sórdido:

Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.

Vai um sujeito,

Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na
primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó ou a calça de uma
nódoa de lama:

É a vida

O poema deve ser como a nódoa no brim:

Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.

Sei que a poesia é também orvalho.

Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as
amadas que envelheceram sem maldade.
Disponível em: http://educacao.globo.com/ Acesso em 10/09/2016

28
A RUPTURA COM O PASSADO • CAPÍTULO 2

É facilmente observável, no poema acima, uma nova representação formal em que a métrica, a
versificação e as rimas se fazem livres, tal qual o próprio conteúdo poético. Também é relevante
no Modernismo a instituição do simples, do prosaico, do cotidiano na temática literária, mesmo
que trazendo consigo reflexões de fundo, complexas.

Sintetizando

Neste segundo capítulo, vimos:

» os movimentos de vanguarda que revolucionaram a obra de arte no início do século XX, provocando uma ruptura com a
tradição cultural do século XIX. Do francês avant-garde, a palavra vanguarda significa “o que marcha na frente”;

» as influências que as vanguardas europeias tiveram sobre a primeira geração do Modernismo brasileiro, que explodiu em
São Paulo, em 1922, com a famosa Semana de Arte Moderna;

» as principais características dessa geração a partir da análise de algumas obras de seus principais autores.

29
O NACIONALISMO CRÍTICO
CAPÍTULO
3
Apresentação

Neste capítulo, ressaltaremos outra característica do Modernismo brasileiro, que perpassa as três
gerações deste momento de nossa história, o interesse pela realidade brasileira. Diferentemente
dos escritores do Romantismo, os modernistas terão novos olhares sobre a realidade brasileira.
Trata-se de reconhecer a busca desses escritores pela identidade brasileira, procurando analisar
nossa história e nossa realidade sem destacar os problemas. É com base na ideia do nacionalismo
crítico que autores e obras desse período fazem uma releitura do tema da colonização do Brasil
e da miscigenação de nosso povo. Finalizamos com um percurso de textos e discussões desde a
denúncia dos problemas sociais até a reinvenção do romance regional na obra de Guimarães Rosa.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo deste capítulo, o aluno seja capaz de:

» perceber a busca da identidade nacional brasileira, empreendida pelos escritores


modernistas, através do questionamento irônico sobre a história nacional e/ou a reflexão
sobre os problemas nacionais;

» conhecer algumas obras das três gerações do Modernismo cuja temática está voltada
para a construção de nossa identidade nacional;

» valorizar a prosa da segunda geração do Modernismo, conhecida como o Romance


Regional de 30, que se caracterizou pela denúncia dos nossos problemas sociais;

» perceber a renovação da narrativa regional, com originalidade de linguagem e de técnicas


narrativas, na obra de Guimarães Rosa.

30
O NACIONALISMO CRÍTICO • CAPÍTULO 3

No capítulo passado, demos os primeiros passos para conhecer aquilo que definiu o Modernismo
como um estilo de época de nossa literatura. A busca pela liberdade de expressão foi a marca
fundamental desse movimento, em sua primeira fase, no entanto podemos considerar o interesse
pela realidade brasileira o pilar desse movimento, característica essa que perpassa as três
gerações desse movimento. Hoje, iremos nos debruçar sobre essa característica do Modernismo
brasileiro, que permitiu a construção de uma literatura nacional, preocupada em definir as
diferenças culturais entre nossa pátria e os países europeus, em busca da identidade nacional.

A primeira vez em que nossos artistas tiveram a consciência de que deveríamos nos libertar
das influências da metrópole, Portugal, em nossas criações artísticas, debruçando-nos sobre
as características que nos definiam como uma nação independente foi no Romantismo. Esse
estilo, marcado pela idealização da realidade, traçou um perfil do Brasil e de nosso povo de
forma bastante distanciada da nossa verdadeira identidade nacional. Elegeu, por exemplo, o
índio e a natureza como elementos que nos diferenciavam do mundo europeu, passando, então,
a retratar, em suas obras, uma imagem de um herói nacional e de uma natureza paradisíaca
que, na verdade, não eram fiéis à realidade do Brasil. Estava lançado o nacionalismo ufanista,
aquele que procura exaltar as qualidades positivas da pátria, mesmo que essas não reproduzam
realmente a nossa realidade.

O Modernismo, contrapondo-se a essa visão ufanista, lançará sobre a pátria um olhar oposto
àquele dos escritores do Romantismo. Em sua busca por nossa identidade, os modernistas
procuram analisar nossa história e nossa realidade, sem descartar os problemas que um país
recém-liberto apresenta. Esse nacionalismo crítico será o tema deste terceiro capítulo, com base
no confronto entre as três gerações do Modernismo. Fica claro, portanto, que nosso objetivo
neste capítulo não será revisitar cronologicamente as diferentes gerações do Modernismo no
Brasil, mas fazer uma reflexão sobre esse viés tão fundamental na compreensão da importância
desse estilo de época na nossa literatura.

Para iniciar nosso trabalho, vamos refletir sobre os textos que se seguem com o objetivo de observar
como a temática deles está voltada para uma análise crítica da história oficial de nosso país e/
ou a construção do retrato do povo brasileiro. Nesses textos, não nos preocuparemos com o tipo
de texto, se é poesia ou prosa, nem a época do Modernismo que cada um deles representa. Por
enquanto, como já assinalamos, queremos demonstrar como a construção de nossa identidade
faz parte do ideário dos autores do Modernismo.

TEXTO I

Erro de português
Oswald de Andrade

Quando o português chegou

Debaixo duma bruta chuva

31
CAPÍTULO 3 • O NACIONALISMO CRÍTICO

Vestiu o índio

Que pena! Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

O português.

TEXTO II

Macunaíma

O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER


Mário de Andrade

No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente. Era preto


retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão
grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu
uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.

Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos


não falando. Si o incitavam a falar exclamava:

– Ai! que preguiça!... e não dizia mais nada.

Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos


outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na
força do homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado
mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém.
E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e
nus. Passava o tempo do banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos
gozados por causa dos guaiamuns, diz que habitando a água-doce por lá. No
mocambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma
punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara.
Porém respeitava os velhos e frequentava com aplicação a murua a poracê o torê
o bacororô a cucuicogue, todas essas danças religiosas da tribo.
Disponível em: <http://lelivros.download/book/download>. Acesso em: 16/09/2016.

TEXTO III

Contas
Graciliano Ramos

Pouco a pouco o ferro do proprietário queimava os bichos de Fabiano. E quando


não tinha mais nada para vender, o sertanejo endividava-se. Ao chegar a partilha,
estava encalacrado, e na hora das contas davam-lhe uma ninharia.

Ora, daquela vez, como das outras, Fabiano ajustou o gado, arrependeu-se, enfim
deixou a transação meio apalavrada e foi consultar a mulher. Sinha Vitória mandou
os meninos para o barreiro, sentou-se na cozinha, concentrou-se, distribuiu no

32
O NACIONALISMO CRÍTICO • CAPÍTULO 3

chão sementes de várias espécies, realizou somas e diminuições. No dia seguinte


Fabiano voltou à cidade, mas ao fechar o negócio notou que as operações de
Sinha Vitória, como de costume, diferiam das do patrão. Reclamou e obteve a
explicação habitual: a diferença era proveniente de juros.

Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se
perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um
erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos.
Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada!
Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!

O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que o vaqueiro fosse procurar
serviço noutra fazenda.

Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem, bem. Não era preciso barulho
não. Se havia dito palavra à-toa, pedia desculpa. Era bruto, não fora ensinado.
Atrevimento não tinha, conhecia o seu lugar. Um cabra. Ia lá puxar questão com
gente rica? Bruto, sim senhor, mas sabia respeitar os homens. Devia ser ignorância
da mulher, provavelmente devia ser ignorância da mulher. Até estranhara as
contas dela.

Enfim, como não sabia ler (um bruto, sim senhor), acreditara na sua velha. Mas
pedia desculpa e jurava não cair noutra.

Disponível em: <http://redeemancipa.org.br/wpcontent/uploads/2013/03/GRACILIANO-


RAMOS-Vidas-secas-livro-completo.pdf>. Acesso em: 29/062014

Os três textos deixam bem clara a temática da construção da identidade nacional. O primeiro,
o de Oswald de Andrade, pertence à primeira fase do Modernismo e sua temática diz respeito a
uma releitura da história oficial do país; o segundo, de Mário de Andrade, também da geração
heroica, traça um retrato de nosso povo miscigenado; o último, de Graciliano Ramos, faz parte
da prosa da segunda geração moderna, aquela que construiu um romance regional, no qual
serão denunciados os problemas sociais de uma região brasileira que ainda vivia à luz de uma
estratificação social na qual o homem mais pobre não alcançou a condição plena de cidadão.

Percebe-se que o texto de Oswald de Andrade narra o descobrimento do Brasil com uma visão
bem diferente daquela registrada nos livros didáticos de História do Brasil. É interessante observar
o questionamento irônico sobre a nossa história oficial, feita pelo eu-poético. A irreverência
contida no poema deixa claro que se defende um novo ponto de vista sobre a formação da cultura
nacional, diferente daquela oficialmente divulgada em nossa historiografia.

Nesse texto, sugere-se que a mudança de costumes imposta ao índio – usar roupa – foi consequência
de um fator climático – a chuva forte – e não, como defendiam nossos colonizadores e a nossa
história oficial, uma tentativa de civilizar um povo selvagem. O eu-poético, nessa releitura da
história oficial, deixa transparecer, na exclamação, “Que pena!” – que a imposição da cultura

33
CAPÍTULO 3 • O NACIONALISMO CRÍTICO

europeia talvez não tenha sido tão boa para o povo que foi dominado quanto sugere a leitura
mais tradicional desse fato histórico.

A irreverência, típica dessa geração heroica, salta aos olhos, já que há, ao longo do poema, um
tom irônico e debochado utilizado na defesa da ideia de que o processo de aculturação, sofrido
pelos habitantes nativos, não foi consequência de uma superioridade da cultura europeia, mas
um mero acaso. Essa postura crítica em relação ao nosso passado cultural foi uma tentativa de
libertar-se do jugo de uma marca de nosso povo: a valorização excessiva da cultura estrangeira
em detrimento das nossas raízes culturais. Se pararmos, nos dias de hoje, para refletir sobre
essa denúncia, feita no poema de Oswald, infelizmente constataremos que essa postura dos
brasileiros ainda se mantém muito forte. Não é à toa que Nelson Rodrigues, dramaturgo e
jornalista brasileiro, cunhou uma frase que se tornou histórica: “Em suma: — temos dons em
excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao
que eu poderia chamar de “complexo de vira-latas”. Estou a imaginar o espanto do leitor: — “O
que vem a ser isso?” Eu explico. Por “complexo de vira-latas”, entendo eu a inferioridade em que
o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isso em todos os setores e,
sobretudo, no futebol” (1993:118-119).

Em outros textos de Oswald de Andrade, essa postura de defesa de nossa identidade nacional
pode ser observada. Por exemplo, a miscigenação entre as três etnias – brancos, negros e índios
–, marca indiscutível de nosso povo, também faz parte do repertório dele. Chama a atenção
a grande diferença entre essa postura, assumida pelo Modernismo, e aquela que marcou o
Romantismo brasileiro. Enquanto os românticos não fazem referência ao negro, como um dos
elementos formadores de nosso povo, os escritores do Modernismo assumem a nossa negritude
como um aspecto positivo de nossa identidade. A necessidade de exaltar uma nação sem defeitos
não permitiu ao escritor romântico incluir o negro em sua obra, já que seria, assim, revelada a
mancha da escravidão que existia em nossa pátria.

Analisamos, no capítulo passado, o texto Brasil, também de Oswald de Andrade, em que a figura
do negro aparece na descrição da mesma cena representada no texto deste capítulo, Erro de
português. A conclusão naquele texto é ainda mais radical do que neste, pois o eu-poético conclui
dizendo “E fizeram o Carnaval”. É evidente a valorização da cultura nacional, já que essa festa é,
reconhecidamente, uma marca identificadora de nosso povo em todo mundo.

Não podemos deixar de comentar a importância da mensagem implícita no trecho “Vestiu o


índio / Que pena!”, do último poema citado. Essa exclamação deixa transparecer uma crítica
velada à agressão sofrida pelo povo nativo, que teve sua cultura exterminada pelo português.
Acreditamos que essa postura não deve ser confundida com aquela visão ufanista da nação,
típica do autor romântico, mas deve ser entendida como uma tentativa de repensar o próprio
país, abandonando e negando a visão tradicional, cristalizada em nossa história e na própria
literatura anterior ao Modernismo.

34
O NACIONALISMO CRÍTICO • CAPÍTULO 3

O segundo texto, retirado do primeiro capítulo da obra mais importante da prosa da primeira
geração do Modernismo, é assim apresentado pelo professor Bruno Cleiton Pires de Freitas, em
uma pesquisa de iniciação científica do Centro Universitário de Maringá, e que deve ser lida na
íntegra, pois é uma excelente ferramenta para se entender a importância dessa obra de Mário
de Andrade para a nossa literatura.

Os brasileiros são culturalmente ocidentais, civilizados, “europeizados”. Distintos,


porém, pelos traços africanos e indígenas misturados com o português em um
clima tropical. O brasileiro se identifica como um novo contingente humano,
pois não é europeu, ameríndio e tampouco africano. Mas sim a junção desses
três elementos. Somos mestiços, sincréticos e únicos por sermos o ressurgimento
da fusão de três culturas. Toda essa variedade cultural na qual o povo brasileiro
está inserido pode ser encontrada em um dos romances mais importantes do
Modernismo tupiniquim: Macunaíma, de Mário de Andrade. Esta, a obra central
e mais característica daquele movimento literário, foi fruto de anos de pesquisas
sobre o folclore nacional, mitologias indígenas e profundas observações sobre
a linguagem coloquial do povo brasileiro. (....) Com o Advento do Modernismo,
buscou-se trazer ao campo literário o que era estigmatizado pela sociedade, ou seja,
as lendas indígenas, ditados populares, obscenidades, estereótipos desenvolvidos
na sátira popular. Esses fatores, marginalizados pelo espaço acadêmico e a
sociedade, ganharam estado de literatura no movimento modernista. (....)
Mário de Andrade serviu-se claramente da antropologia reconhecida na época
da escritura de Macunaíma para [des]caracterizar seu protagonista. Verificamos
que Macunaíma é uma mistura de características de negros, índios e europeus,
(...) (FREITAS, ANO:P.)

O segundo texto deste capítulo exemplifica todas as características apontadas no trabalho


citado, mas começaremos nossa reflexão pela imagem do povo brasileiro, feita na obra de Mário
de Andrade. O retrato físico de nosso povo é traçado usando-se somente a figura do herói da
narrativa, que reúne em si as três etnias que caracterizam a maioria dos brasileiros.

O protagonista Macunaíma é apresentado, no subtítulo dessa obra, pela expressão “O HERÓI


SEM NENHUM CARÁTER”, grafada em letras maiúsculas. Nesse subtítulo, já podemos inferir a
primeira mensagem do livro, relativa à formação do povo brasileiro: somos um povo miscigenado.
A locução “sem nenhum caráter”, em nossa opinião, deve ser entendida como uma alusão à
miscigenação de nosso povo. O termo caráter não tem relação, de acordo com a nossa leitura,
com uma referência à falta de moral da personagem, como defendem alguns leitores, mas remete
à mistura de características étnicas do brasileiro, povo formado por negros, brancos e índios,
que resultou em nenhum traço étnico específico que o identifique.

Se essa leitura for aceita como válida, fica estabelecida a relação entre essa obra de Mário de
Andrade e o tema deste capítulo. Haveria, naquela expressão mencionada, a preocupação em
construir a identidade da nossa nação, marca fundamental do Modernismo brasileiro.

35
CAPÍTULO 3 • O NACIONALISMO CRÍTICO

A figura de Macunaíma também revelará, ao longo da narrativa, o sincretismo cultural que


caracteriza nosso povo. Observamos, na caracterização da personagem, uma mistura das marcas
culturais que herdamos do índio, do colonizador e do negro, e essa herança nos será apresentada
de acordo com uma visão cristalizada dentro do senso comum, embora o narrador, por vezes,
tente desconstruir essa ideia.

Por exemplo, costuma-se atribuir ao índio uma certa preguiça que identificaria o perfil do brasileiro,
marca que Macunaíma apresenta em seu perfil psicológico: “– Ai! que preguiça!...” Mas, ao
mesmo tempo, contrariando o senso comum, vemos o respeito pela cultura indígena na forma
de agir do protagonista no trecho “Porém respeitava os velhos e frequentava com aplicação a
murua a poracê o torê o bacororô a cucuicogue, todas essas danças religiosas da tribo.”

A herança cultural recebida do colonizador pode ser percebida em “... a mas si punha os olhos
em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém...”. Reconhecemos nessa passagem a
submissão ao capital, que o povo brasileiro só conheceu com a chegada em nossas terras do
português colonizador, que aqui implantou uma nova “civilização”. É interessante observar que
o narrador não terá a preocupação em negar tal ideia, demostrando, assim, que saímos perdendo
ao incorporar esse traço da cultura europeia.

Também na caracterização de Macunaíma, podemos identificar uma marca de nosso povo que
costuma ser atribuída, pelo senso comum, a uma herança deixada pelos africanos que para cá
foram trazidos. Costuma-se associar o sensualismo do povo brasileiro a uma herança dos negros,
e essa sensualidade não falta ao nosso herói sem nenhum caráter: “No mocambo si alguma
cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela ...”

Chegamos, finalmente, ao terceiro texto e com ele à prosa da segunda geração do nosso
Modernismo: o Romance Regional de 1930.

A prosa da segunda geração do Modernismo, que ficou conhecida como o Romance de 30, foi
uma consequência natural de um congresso de intelectuais que aconteceu em 1926 em Recife.
Nesse encontro, alguns escritores concluem que havia necessidade de se desenvolver uma prosa
regional e participativa que denunciasse as mazelas sociais, combatesse o capitalismo e o fascismo.
Por isso, o Romance de 30 produziu uma literatura renovadora que, embora se aproximasse das
técnicas do Realismo e do Naturalismo do século XIX, modernizou essas escolas, enriquecendo-
as com as preocupações psicológicas introduzidas nesses romances regionais modernos.

Para entendermos melhor esse período e relembrarmos alguns dos principais autores que fizeram
parte dele, transcrevemos o texto a seguir:

A data de 1930 é marcante porque consolida a renovação do gênero romance


no Brasil, ou seja, traz novos rumos à prosa. Depois de tanta arruaça intelectual
dos primeiros modernistas no Sudeste do país, procura-se atingir equilíbrio e

36
O NACIONALISMO CRÍTICO • CAPÍTULO 3

estabilidade, que, aos poucos, vai aparecendo em obras e mais obras: O quinze,
de Rachel de Queiroz (1930); O país do Carnaval, de Jorge Amado (1931); Menino de
engenho, de José Lins do Rego (1932); São Bernardo, de Graciliano Ramos (1934);
e Capitães da areia, de Jorge Amado (1937).

Essa nova literatura em prosa será antifascista e anticapitalista, extremamente


vigorosa e crítica. Os livros didáticos a chamam com vários nomes: “Romance de 30”
(porque é o início cronológico da nova literatura); romance neorrealista (porque
essas obras conseguiram renovar e modernizar o Realismo/Naturalismo do
século 19, enriquecendo-o com preocupações psicológicas e sociais) ou romance
regionalista moderno (porque escapa das metrópoles e vai ao Brasil regional,
preso ainda a antinomias dos séculos anteriores).

Lembremos, inclusive, que algumas obras sociológicas fundamentais surgem


nessa mesma época:  Casa-grande & senzala, de  Gilberto Freyre, é de 1933,
e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, de 1936 (GUIDIN, 2013:1).

No Texto III, deparamo-nos com personagens, Fabiano e a sua mulher, que fugiram da seca,
abandonando o local em que viviam em busca de sobrevivência. Ao se instalarem em uma
fazenda, que não havia sido devastada por esse problema climático, são subjugados por um
patrão que os explora, em busca de lucro fácil.

No momento de receber o salário, fruto do serviço acordado com o patrão, Fabiano é sempre
roubado pelo proprietário da fazenda. Como o vaqueiro não tem instrução, não sabe ler nem
fazer contas, é sempre ludibriado pelo coronel. Essa situação torna-se mais desesperadora, na
medida em que Fabiano tem consciência de que não pode se rebelar contra o sistema vigente,
porque não tem como deixar o local de trabalho, em busca de uma vida mais digna, já que se
encontra sempre em dívida: deve ao armazém da fazenda e não consegue lucrar com os poucos
animais que cria para vender.

Essa prática de exploração, usada pelos “coronéis” do passado, ainda é muito comum no Norte
e Nordeste de nosso país. Não são incomuns as notícias sobre os donos de latifúndios que,
praticamente, escravizam os trabalhadores rurais, usando artifícios para mantê-los aprisionados
na fazenda, por não conseguirem quitar suas pretensas dívidas com o fazendeiro.

Esse sistema de semiescravidão acaba com a dignidade do ser humano. Podemos observar tal
fato na humildade com que Fabiano aceita as artimanhas do patrão e reconhece sua condição de
“cabra”. A humildade de Fabiano diante da atitude do patrão demonstra a sua condição próxima
à de um bicho, já que ele mesmo afirma que “sabia respeitar os homens”, confirmando, assim,
que não se considera um ser humano. Essa consciência social que transparece na denúncia feita
nesse romance está associada, também, à preocupação de retratar as consequências psicológicas
provocadas no ser humano que perdeu a dignidade.

37
CAPÍTULO 3 • O NACIONALISMO CRÍTICO

No excerto da obra de Graciliano Ramos, Vidas secas, podemos observar uma consciência crítica
em relação às questões sociais daquela época, especialmente quanto ao coronelismo. Ao se
debruçarem sobre esse problema, decorrente do sistema fundiário do Brasil, Graciliano Ramos e
outros escritores nordestinos desse grupo de 30 desvendaram uma face do país que nunca tinha
sido analisada na literatura. Essa é uma das diferenças marcantes entre o regionalismo crítico
desenvolvido pelos modernistas e o regionalismo de viés ufanista praticado pelos escritores
românticos.

A construção das personagens da narrativa também é uma novidade nessa obra, que pretende
mostrar o perfil do sertanejo brasileiro e analisar as injustiças sociais presentes em nossa sociedade.
A animalização de Fabiano e de sua família serve como base para construir a denúncia de uma
sociedade discriminadora e que precisa ser modificada. Trata-se, portanto, de uma obra de arte
engajada, que possibilitou uma tomada de consciência do público leitor sobre essa situação.

Outra novidade apresentada por essa geração foi o discurso indireto livre, em que a voz do narrador
mistura-se ao pensamento da personagem, possibilitando ao leitor conhecer o perfil psicológico
deste e, dessa forma, sensibilizar-se com a situação deplorável a que essa camada da população
rural vivia submetida. Quando “ouvimos” os pensamentos de Fabiano, como em “... devia haver
engano. (...) Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada!
Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!” ou este outro
desabafo da personagem “Um cabra. Ia lá puxar questão com gente rica?” somos levados a um
sentimento de indignação que, talvez, não fosse tão forte se o fato fosse comentado pela voz do
narrador impessoal, em vez de ser revelado pelo pensamento da própria personagem. Percebemos
que as formas de narrar o cotidiano ficaram mais complexas e tensas, e o antigo herói nacional
do Romantismo transforma-se no herói problemático que retrata o povo brasileiro, ajudando a
construir um perfil mais fiel de nosso povo e de nossa estrutura social.

Podemos, portanto, concluir que nessa vertente da literatura da segunda geração do Modernismo o
foco da narrativa está voltado para a denúncia da desigualdade social, da vida cruel dos retirantes,
dos resquícios de escravidão, do coronelismo, e para todos os problemas sociopolíticos que se
sobreporiam ao lado pitoresco das várias regiões do país, retratado no romance regional da
época romântica.

Toda essa guinada na construção de nossa identidade nacional só foi alcançada graças às rupturas
provocadas pelos primeiros modernistas de 1922. Foram esses os primeiros a tomarem consciência
de que a literatura poderia ser uma ferramenta de atualização da “inteligência literária”, e foram
também os primeiros a defender a postura de que não existem temas sagrados na obra de arte,
os temas prosaicos são reveladores da verdade.

Não podemos concluir as reflexões feitas neste capítulo sem comentar, mesmo que rapidamente,
a reinvenção do romance regional na última geração do Modernismo. A obra de Guimarães Rosa

38
O NACIONALISMO CRÍTICO • CAPÍTULO 3

surpreende pela originalidade da linguagem, que, mais uma vez, será usada para demonstrar
que a busca da liberdade de expressão não tem limites, as novidades introduzidas por esse autor
irão ampliar o conhecimento sobre nossa nação e nosso povo.

Embora a tradição regionalista na literatura fosse antiga, tendo sido desenvolvida desde o período
romântico, Guimarães Rosa consegue renovar a narrativa regional, através da originalidade de
sua linguagem e de suas técnicas narrativas.

O regionalismo construído antes do aparecimento das obras de Guimarães Rosa já demonstrava


a preocupação em registrar o falar típico dos habitantes da região focalizada em cada uma das
suas obras. Podíamos identificar, claramente, dois registros da língua ao longo da narrativa: a das
personagens da história, reproduzindo o registro regional, e a do narrador, centrada na norma
padrão da língua. Guimarães Rosa acaba com essa dicotomia empregando um discurso em que
se fundem os dois registros o tempo todo: na fala do narrador e na fala das personagens.

Esse escritor apresenta em sua obra regional outros aspectos linguísticos que chamam a atenção
pela criatividade, tais como a recriação da fala do sertanejo, tanto no nível vocabular quanto
no nível das estruturas sintáticas; a exploração de vocábulos que já haviam caído em desuso; a
criação de neologismos que revelam a essência do sertanejo; e a utilização de prosa poética em
sua prosa, ou seja, emprego de recursos típicos da poesia – ritmo, aliterações, rimas.

Mas não é somente na linguagem que esse autor surpreende o leitor. Diferentemente daquilo
que era marca típica de um romance regional, fixar-se nos problemas de determinada região
e na configuração de personagens que revelassem o retrato do homem típico daquele local,
Guimarães Rosa consegue transpor os limites do regional, criando uma trama que revela as
marcas universais do ser humano. As preocupações de suas personagens são as mesmas que
caracterizam a espécie humana, seus medos são os nossos medos, suas dores são as nossas.
Essa façanha foi alcançada, porque esse autor aprofunda a exploração do discurso indireto livre,
aquele que permite a mistura do discurso do narrador com as reflexões íntimas das personagens.
A professora Luciana Stegagno Picchio assim analisa a obra desse escritor:

Guimarães Rosa é o nome de maior relevo da ficção brasileira do nosso século


(século XX) e um dos mais célebres no exterior, apesar da presunção de
intraduzibilidade com que a sua prosa, expressionista como poucas, inteiramente
baseada na invenção e na surpresa lexical, surge marcada. E isso porque, além de
ser um extraordinário inventor de linguagem, ele é também inventor de histórias
paradigmáticas apresentadas em roupagem regionalista, mas que de repente se
elevam à universalidade, revelando a sua natureza de apólogo e fascinando o
leitor (PICCHIO, 1997:X).

O habitat das histórias de Guimarães Rosa é o “sertão” de Minas: fabuloso planalto do Brasil
profundo, deserto-brejo-floresta dos Campos Gerais (...) povoado de beatos e bandidos, bandos
e homens transitórios e paradigmáticos, únicos e intercambiáveis” (ROSA, 1997: 605)

39
CAPÍTULO 3 • O NACIONALISMO CRÍTICO

No pequeno trecho abaixo, retirado da obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa,
identificaremos algumas das características que foram apontadas.

TEXTO IV

Bem, mas o senhor dirá, deve de: e no começo – para pecados e artes, as pessoas
– como por que foi que tanto emendado se começou? Ei, ei, aí todos esbarram.
Compadre meu Quelemém, também. Sou só um sertanejo, nessas altas ideias
navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o
senhor, com toda leitura e suma doutoração. Não é que eu esteja analfabeto.
Soletrei, anos e meio, meante cartilha, memória e palmatória. Tive mestre, Mestre
Lucas, no Curralinho, decorei gramática, as operações, regra-de-três, até geografia
e estudo pátrio. Em folhas grandes de papel, com capricho tracei bonitos mapas.
Ah, não é por falar: mas, desde o começo, me achavam sofismado de ladino. E
que eu merecia de ir para cursar latim, em Aula Régia – que também diziam.
Tempo saudoso! Inda hoje, apreceio um bom livro, despaçado. Na fazenda O
Limãozinho, de um meu amigo Vito Soziano, se assina desse almanaque grosso, de
logogrifos e charadas e outras divididas matérias, todo ano vem. Em tanto, ponho
primazia é na leitura proveitosa, vida de santo, virtudes e exemplos – missionário
esperto engambelando os índios, ou São Francisco de Assis, Santo Antônio, São
Geraldo... Eu gosto muito de moral. Raciocinar, exortar os outros para o bom
caminho, aconselhar a justo. Minha mulher, que o senhor sabe, zela por mim:
muito reza. Ela é uma abençoável. Compadre meu Quelemém sempre diz que
eu posso aquietar meu temer de consciência, que sendo bem-assistido, terríveis
bons-espíritos me protegem. Ipe! Com gosto... Como é de são efeito, ajudo com
meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. O senhor saiba: eu toda a minha
vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo
de todo o mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O
senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte
em minha frente uma ideia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos,
amém! Olhe: o que devia de haver, era de se reunirem-se os sábios, políticos,
constituições gradas, fecharem o definitivo a noção – proclamar por uma vez,
artes assembleias, que não tem diabo nenhum, não existe, não pode. Valor de
lei! Só assim, davam tranquilidade boa à gente. Por que o Governo não cuida?!
Disponível em: <http://avi.alkalay.net/clipboard/Guimares_Rosa_-_Grande_Serto_Veredas_--
WwW.LivrosGratis.Net--_.pdf>. Acesso em: 02/07/2014.

Nessa cena, Riobaldo, o narrador da história, um cangaceiro temido na região, que também é
o protagonista dela, estabelece um diálogo com seu compadre Quelemém e relembra parte de
sua vida. Embora seja um diálogo, a capacidade criadora do autor faz com que essa conversa
apareça para o leitor como se fosse um monólogo interior, já que as falas dos interlocutores não
são divididas em parágrafos diferentes, nem sempre são marcadas por travessões, sugerindo,
assim, o fluxo de consciência. À primeira leitura, pode nos parecer que Riobaldo está refletindo,
mas isso não é o que acontece, pois, em uma leitura mais atenta, perceberemos que há referência

40
O NACIONALISMO CRÍTICO • CAPÍTULO 3

ao seu interlocutor, por exemplo, no trecho “mas o senhor dirá”. Além disso, esse interlocutor
também interfere com palavras que demonstram sua concordância ou não em relação aos
pensamentos do narrador, como, por exemplo, em: “Eu gosto muito de moral”.

Quem nunca leu algum texto de Rosa, certamente ficará surpreso com a linguagem desse excerto,
lembramos, no entanto, que esse autor lança mão do experimentalismo linguístico, aprofundando
essa característica que marcou a primeira geração do Modernismo. Observamos, também, como
ele espera que seu leitor proficiente complete todos os pensamentos das personagens, que não
foram verbalizados, como na primeira frase: “Bem, mas o senhor dirá, deve de: e no começo – para
pecados e artes, as pessoas – como por que foi que tanto emendado se começou?”. A inovação
na construção sintática dessa frase é bem clara, porém podemos entender, quando estamos com
o texto completo diante de nossos olhos, que o locutor deixou uma pergunta incompleta, que
seria: o senhor dirá que deve ter tido um começo.

Para entendermos essa ideia anterior, é necessário perceber que a primeira pergunta efetiva desse
trecho – “como por que foi que tanto emendado se começou?” – pode ser traduzida como uma
referência ao apanhado de casos contados por Riobaldo a Quelemém, em que o narrador, além
de resumir os sucessos e insucessos da sua vida, vai fazendo uma reflexão filosófica sobre o que
o levou a tornar-se um cangaceiro.

Essas reflexões de Riobaldo permitirão que o leitor perceba que, antes de tornar-se um cangaceiro
temido em toda a região, o narrador foi um jovem que pouco estudou. Apesar de o narrador ser
considerado uma pessoa inteligente, que mereceria estudar latim, ele só conseguiu fazer o ciclo
básico, mas manteve o gosto pela leitura por toda a vida. Essa configuração de Riobaldo aponta,
como em outras obras regionais da literatura modernista, para um problema social brasileiro:
a baixa escolaridade de grande parte de nosso povo, causa de vários outros problemas sociais
que fazem parte da rotina de nosso país.

Apesar do olhar crítico sobre os problemas sociais do Brasil, Grande Sertão: veredas não ficará
restrito a esse tema. O diálogo entre Riobaldo e seu compadre revela, também, a universalidade
do tema em discussão: a luta do bem contra o mal, dois elementos que convivem dentro de todo
ser humano. Podemos observar, portanto, que Guimarães Rosa conseguiu, em sua narrativa, ir
muito além de uma temática regionalista, preocupada tão somente em analisar as causas que
levariam um sertanejo semi-ignorante e pobre a se tornar um bandido.

Chegaremos a essa conclusão, se observarmos que Riobaldo revela sua preferência pela leitura
da vida dos santos, os representantes do bem, o que demonstra o seu medo de ser condenado
por Deus, quando chegar o dia do julgamento final, e jamais alcançar a salvação. Além disso,
o próprio narrador declara, diversas vezes, ao longo da narrativa, ser muito preocupado com a
moral. Logo, podemos afirmar que esse romance antológico de Guimarães Rosa vai muito além
de uma temática regionalista.

41
CAPÍTULO 3 • O NACIONALISMO CRÍTICO

Parece-nos que ficou provada a reinvenção do romance regional, no que diz respeito à temática
dessa obra. Finalizemos, então, com mais alguns exemplos que comprovam a revolução da
linguagem roseana. O termo “apreceio”, variante regional de aprecio, “Ipe”, exclamação popular,
que revela a felicidade da personagem diante da ideia da salvação, aparecem ao lado de termos
formais, como forro e primazia. Essa técnica, nunca antes explorada em um romance regional,
surpreende pelo ineditismo e confirma a riqueza que a liberdade de expressão trouxe ao texto
literário.

Sintetizando

Neste terceiro capítulo, vimos:

» que uma das características do Modernismo brasileiro, a qual perpassa as três gerações desse momento de nossa história,
é o interesse pela realidade brasileira;

» que é com base na ideia do nacionalismo crítico que autores e obras desse período fazem uma releitura do tema da
colonização do Brasil e da miscigenação de nosso povo;

» algumas obras das três gerações do Modernismo cuja temática está voltada à construção de nossa identidade nacional;

» que a prosa da segunda geração do Modernismo, conhecida como o Romance Regional de 30, caracterizou-se pela
denúncia dos nossos problemas sociais;

» a renovação da narrativa regional, com originalidade de linguagem e de técnicas narrativas, na obra de Guimarães Rosa.

42
TEMPO DE AMADURECIMENTO
CAPÍTULO
4
Apresentação

Neste capítulo, abordaremos alguns autores do movimento literário Modernista do Brasil,


cujas obras têm por base temática reflexões filosóficas e também religiosas. Aspectos esses que
desde a primeira fase do Modernismo foram se expandindo e amadurecendo para as questões
de ordem humanística e espiritual. As preocupações humanas no seu aspecto mais íntimo e
as relações do homem com o mundo. Nesse sentido, são analisadas as obras de poetas como
Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Cecília Meireles, e a prosa de Clarice Lispector,
com todas as inovações introduzidas por essa autora. Destaca-se o sentido explorado por esses
escritores, de forma introspectiva, dos aspectos psicológicos do homem.

Objetivos

» Destacar os aspectos mais relevantes da obra de Carlos Drummond de Andrade com


suas visões de mundo.

» Conhecer a prosa de Clarice Lispector e sua característica de sondagem psicológica na


técnica narrativa.

» Compreender a poesia e a liberdade criadora nas obras de Murilo Mendes, Cecília


Meireles e Jorge de Lima.

43
CAPÍTULO 4 • TEMPO DE AMADURECIMENTO

Já falamos de alguns elementos que caracterizaram o Modernismo do Brasil, dedicaremos este


capítulo a alguns autores desse movimento literário que desenvolveram suas obras com base em
uma temática direcionada às reflexões filosóficas e/ou religiosas de cunho bastante humanístico
e espiritual. Esses autores estavam preocupados com as dores do Homem, com os destinos da
humanidade, com a representação dos sentimentos mais íntimos do ser humano que interferem
em suas vidas e em sua relação com o mundo. Toda essa preocupação foi decorrência de um
amadurecimento que foi-se desenvolvendo desde a explosão da primeira fase do Modernismo.
Continuaremos analisando, como no capítulo anterior, os autores do Modernismo sem a
preocupação de separá-los em diferentes fases, pois essas nada mais são do que a tentativa de,
didaticamente, organizar as várias tendências ou rumos que a literatura do século XX desenvolveu.

Nossa intenção é analisar os aspectos reveladores da introspecção psicológica, presentes nas


obras de alguns poetas, como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Cecília Meireles,
e a prosa de Clarice Lispector, com todas as inovações introduzidas por essa autora.

Apesar de distanciarem-se da irreverência dos primeiros modernistas, os poetas que estudaremos


não abriram mão de algumas conquistas dos modernistas heroicos da primeira geração. Segundo
Cassiano Ricardo, “A conquista do verso livre, que não se confunde com o verso polimétrico;
a incorporação com o subconsciente, com a lição surrealista; a libertação do ritmo, que era
escravo da métrica; a recriação das palavras que passaram a constituir o novo dialeto lírico;
a livre pesquisa estética, que hoje é a pedra de toque dos novíssimos, são fatos que bastariam
para caracterizar a importância do movimento moderno na poesia” (COUTINHO, 1972:293). É
possível visualizarmos que ainda são observáveis essas características em vários dos poetas que
estudaremos neste capítulo.

Antes de iniciarmos o assunto de hoje, convém lembrar a diferença entre os versos polimétricos e
os versos livres. Aqueles, embora apresentem um número de sílabas métricas diferentes, mantêm
as sílabas tônicas localizadas nas posições indicadas pelas regras métricas tradicionais. Enquanto
os versos livres são os que não obedecem a nenhuma regra preestabelecida quanto ao metro, à
posição das sílabas fortes, nem à presença ou regularidade de rimas.

Começaremos nosso trabalho pelo Poeta Maior, na opinião de Antônio Houaiss, o grande Carlos
Drummond de Andrade. Como afirma aquele autor:

[...] sua obra não é um agregado de poemas agregados de versos, poemas ou versos
cujas significações possam ser apreendidas na sua isolabilidade. Mesmo quando
pague tributo ao poema como unidade fechada autossuficiente, ou ao verso como
unidade fechada rítmica ou autoconceptualizante, ela vale essencialmente como
um unipoema, ou melhor, como um universo, construído num poetar de várias
décadas, poetar que deve ter sido, que foi condição sem a qual uma vida não teria
tido sentido.  E mesmo que, no antefim da Obra, o poeta venha a poder dizer que
o sentido da vida é seu sem-sentido, isso não será a lição ou comunhão com que

44
TEMPO DE AMADURECIMENTO • CAPÍTULO 4

os seus leitores se identificarão: eles verão que no sem-sentido, eventualmente


afirmado, há um sentido – o da busca daquilo ou disto – e que, mesmo que a
obra afirme a sua não-valia, a vida (verme ou flor) continuará exigindo que
os homens, já que sem eles não podem viver, lhe construam um sentido.  Pois
esta Obra é uma visão de vida – sua, e alheia por intercomunicação – e, como
tal, totalizante (HOUASSIS, grifos nossos).

A obra de Drummond pode ser analisada a partir da dialética “eu x mundo”. É como se uma luta
fosse travada entre o eu-poético e a realidade que o cerca, tendo como consequência três posturas
distintas do eu-lírico, como afirma Afonso Romano de Sant’Anna: O EU sente-se MAIOR que o
mundo, O EU sente-se MENOR que o mundo, O EU sente-se IGUAL ao mundo (SANT’ANNA,
1980:269).

Vejamos como essas diferentes posturas do eu-poético podem ser observadas, na prática, nos
dois textos a seguir.

TEXTO I

Os Ombros Suportam o Mundo


Carlos Drummond de Andrade

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram. 

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança. 

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

45
CAPÍTULO 4 • TEMPO DE AMADURECIMENTO

provam apenas que a vida prossegue

e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo,

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.


(ANDRADE, 2018).

Nesse poema de Drummond, podemos perceber uma atitude de descrença diante do mundo,
tão forte que, como diz o eu-lírico no primeiro verso, não se espera nem a ajuda divina. Toda
a primeira estrofe aponta para um sentimento de dor e desencanto, motivado pela inutilidade
de uma vida que gira em torno de um cotidiano sem amor, em que o coração secou e só sobra
o trabalho rude, que pode ser entendido como um trabalho que não traz realização pessoal.
Portanto, toda essa estrofe parece revelar ao homem que todo sentimento é inútil.

Na segunda estrofe, aprofunda-se esse sentimento de inutilidade da vida, pois o eu-lírico não
espera uma saída para tal sentimento com a ajuda de ninguém: nem das “mulheres que batam
à porta” nem de amigos que ele possa ter.

No entanto, na terceira estrofe, os leitores serão surpreendidos, quando perceberem que, apesar
de todos os reveses que a vida nos apresenta, o eu-lírico não se deixa abater, muito menos se
colocará de forma passiva diante desse mundo. Ele nos revela que, embora as desilusões com a
vida sejam irremediáveis, sua atitude diante dela não será de passividade, pois não temos outra
escolha senão vivê-la, já que nossos ombros “suportam o mundo”, mas este não “pesa mais do
que a mão de uma criança”.

Essa imagem da mão de uma criança é uma revelação, porque o aparente oximoro nela contido
irá nos mostrar que o peso do mundo pode se transformar em leveza, só depende de nossa
atitude diante da vida.

A grande mensagem do texto é a negação da postura do poeta romântico, que vê na morte


uma saída para o peso da vida, mas o eu-lírico se rebela contra isso e conclama o ser humano a
enfrentar a vida, “sem mistificação”.

O caráter filosófico desse texto de Drummond, como de diversos outros do autor, decorre da sua
reflexão sobre o “amor fati”, expressão latina que significa uma afirmação incondicional da vida,
mesmo no que ela tem de mais terrível, de mais difícil de ser enfrentado. Esse pensamento faz
parte da filosofia desenvolvida por Nietzsche de que o pessimismo afirmativo é aquele capaz de
modificar o mundo, na medida em que transforma um pessimismo destruidor em pessimismo

46
TEMPO DE AMADURECIMENTO • CAPÍTULO 4

criador, como afirmou Drummond no último verso: “A vida é uma ordem”. Logo, chegamos à
conclusão de que, nesse texto, o eu-poético assume a postura do EU MAIOR QUE O MUNDO.

TEXTO II

JOSÉ
Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,


está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,

47
CAPÍTULO 4 • TEMPO DE AMADURECIMENTO

sua biblioteca,
sua lavra de ouro, seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão


quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!

José, para onde?


(ANDRADE, 2018).

José é um poema de desencontros, marcado por um profundo ceticismo, no qual o ser humano
não consegue se encontrar, está perdido em sua trajetória de vida.

48
TEMPO DE AMADURECIMENTO • CAPÍTULO 4

Podemos perceber que o José mencionado encontra-se encurralado, sem encontrar a direção que
o liberte do descaminho da vida, embora ele pretenda prosseguir em sua trajetória. Ele achará
esse caminho? O eu-lírico responde a essa pergunta nos versos finais: “Você marcha, José! / José,
para onde?” Essa síntese do poema nos permite afirmar que o eu-poético, nessa obra, encontra-
se na situação do EU MENOR DO QUE O MUNDO, já que sua BUSCA não foi capaz de superar
os problemas da vida.

Quais as pistas desse texto que nos permitem fazer tal afirmação: o eu é menor que o mundo?
Talvez a mais clara delas seja o tom interrogativo que marca todo o texto, demonstrando o
descaminho da vida desse ser humano: “E agora, José?” “e agora, você?” “José, para onde?” No
entanto, não é essa a única pista que poderia ser apontada.

Ao relermos, com atenção, a estrofe “Com a chave na mão / quer abrir a porta, / não existe porta;
quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, / Minas não há mais” salta aos olhos a
impossibilidade de se encontrar uma saída para a realização pessoal do Homem, já que as orações
coordenadas apontam para uma ausência de caminho com vistas à resolução dos problemas.
Fica evidenciado, portanto, o tom amargo, pessimista, que demonstra a profunda angústia, de
um homem em cuja vida falta espaço para escolher seu próprio destino.

Concluímos essa breve análise reiterando que José encerra em si antíteses que são insolúveis,
pois ele é marcado por sentimentos opostos, conflitos que não conduzem à solução alguma que
possibilite a realização pessoal desse homem carente de tudo.

Para refletir um pouco mais sobre as diferentes facetas da obra de Carlos Drummond de Andrade,
vale a pena ler os textos NOITE NA REPARTIÇÃO, CONSOLO NA PRAIA, da obra A rosa do povo.

Passemos agora à análise de uma das maiores representantes da prosa da terceira geração do
Modernismo que, assim como o poeta Drummond, falou sobre as angústias existenciais do
Homem, tentando desvendar o interior da alma humana.

A prosa de Clarice Lispector caracteriza-se pela sondagem psicológica, construída através do


fluxo de consciência, técnica narrativa que se diferencia do monólogo interior por quebrar as
barreiras de tempo e espaço. Essa ruptura espaço-temporal mistura presente e passado, realidade
e desejo, provocando uma aparente desordem narrativa que surpreendeu os críticos da época,
como Álvaro Lins. São palavras deste: “Li o romance (Perto do Coração selvagem, de Clarice
Lispector) duas vezes, e, ao terminar, só havia uma impressão: a de que ele não estava realizado,
a de que estava incompleta e inacabada a sua estrutura como obra de ficção” (LINS, 1963:189,
acréscimos nossos).

49
CAPÍTULO 4 • TEMPO DE AMADURECIMENTO

Hoje, reconhece-se que Clarice Lispector inovou a estrutura narrativa, sem qualquer prejuízo
da verossimilhança ou da completude da obra. O fluxo de consciência foi a estratégia da autora
para refletir filosoficamente sobre o mundo e os sentimentos mais íntimos do ser humano.

Em Literatura, fluxo de consciência é uma técnica literária, usada primeiramente


por Édouard Dujardin em 1888, em que se procura transcrever o complexo processo
de pensamento de um personagem, com o raciocínio lógico entremeado com
impressões pessoais momentâneas e exibindo os processos de associação de ideias.
A característica não linear desse processo de pensamento leva frequentemente a
rupturas na sintaxe e na pontuação. O termo foi cunhado pelo filósofo e psicólogo
William James, em 1892 para uso em Psicologia.

Com o uso dessa técnica, mostra-se o ponto de vista de um personagem através


do exame profundo de seus processos mentais, borrando-se as distinções
entre consciente e inconsciente, realidade e desejo, as lembranças da personagem
e a situação presentemente narrada. A profundidade e a abrangência desse exame
é que faz com que o fluxo de consciência difira de um mero monólogo interior,
já empregado anteriormente por autores como Machado de Assis.
Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Fluxo_de_consci%C3%AAncia>.
Acesso em: 10/5/2018. (adaptado).

O monólogo interior é uma técnica literária que trata de reproduzir os mecanismos


do pensamento no texto. Caracteriza-se por transcorrer na mente da personagem,
como se o “eu” falasse a si próprio. Daí considerar-se o monólogo interior um
diálogo que pode ocorrer com ela mesma, visto que subentende a presença de um
interlocutor, “o tu” (com quem se fala), ou seja, “o outro”. Já por aí se vê, portanto,
que teremos uma personagem desdobrada em duas entidades mentais: “o eu e o
tu”, ou melhor, “o eu e o outro”, que trocam ideias ou impressões, confrontam-se,
discutem e tentam se entender como pessoas diferentes.
Fonte: <http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/404995>. Acesso em: 10/5/2018.

Outra marca inovadora da obra da autora é o que conhecemos como EPIFANIA. Esse termo tem,
originalmente, um sentido religioso: a revelação da presença divina, a encarnação de Deus ou de
uma deidade sob uma forma terrena. Na obra de Clarice, a epifania liga-se à ideia de revelação
da própria vida, as personagens dessa autora vivenciam um momento de revelação do mundo
que leva a uma mudança de postura diante desse mundo. Normalmente, o momento de epifania
provoca uma reviravolta na vida e na configuração psicológica da personagem.

O cotidiano das mulheres e as relações familiares são os temas preferidos na narrativa de Clarice
Lispector, embora ela consiga ir além de uma literatura feminista, pois acaba analisando aspectos
universais, como: o relacionamento com o outro, o papel social da mulher, o esvaziamento das
relações familiares.

Vejamos como esses processos aparecem em um fragmento do conto AMOR, de Clarice Lispector.
Seria muito enriquecedor ler o desfecho da história, no endereço indicado ao final do texto.

50
TEMPO DE AMADURECIMENTO • CAPÍTULO 4

TEXTO III

AMOR

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu
no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se
então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam,


tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos.
A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era
forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo
nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e
enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as
sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores.
Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o
tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando
com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício.
Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.

Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara
riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto
sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de
se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando
estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há
muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo seu gosto
pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter
descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria
uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.

No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso
um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino
de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem
com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos
verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de
vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade
se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam
como quem trabalha – com persistência, continuidade, alegria. O que sucedera
a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação
perturbada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara
em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e
escolhera.

Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando


a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família
distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava

51
CAPÍTULO 4 • TEMPO DE AMADURECIMENTO

um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura
pelo seu espanto — ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em
casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar objetos
para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando voltasse
era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim chegaria a
noite, com sua tranquila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos calmos
deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem
arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente parte das raízes negras e
suaves do mundo. E alimentava anonimamente a vida. Estava bom assim. Assim
ela o quisera e escolhera.
(PROJETO RELEITURAS, 2018a)

Essa narrativa inicia-se com a personagem voltando das compras para sua casa. No trajeto, dentro
da condução, Ana reflete sobre a própria vida, na forma como conseguiu construir uma família
estável e um cotidiano seguro. Ela tem uma casa própria, embora ainda estivesse sendo paga,
sua família está de acordo com o modelo familiar aceito pela sociedade, enfim, Ana conseguiu
a estabilidade que sempre buscara. Ana alcançou a estabilidade, mas será que encontrou a
felicidade, a realização plena?

Já no terceiro parágrafo, serão delineadas algumas pistas para responder a essa pergunta anterior.
O trecho “Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde, as árvores que plantara riam
dela” permite que o leitor perceba sentimentos ocultos da personagem. Podemos suspeitar de
certa insatisfação de Ana em relação à sua vida, já que o narrador nos informa que, ao final das
tarefas domésticas, Ana inquietava-se, diz também que ela tem um “desejo vagamente artístico”
e que “suplantara a íntima desordem”. Essas referências permitem uma dúvida do leitor em
relação ao valor da estabilidade alcançada, fica sugerido que, talvez, ela tenha aberto mão da
felicidade em busca de segurança.

O parágrafo seguinte só faz confirmar essa nossa hipótese, quando é afirmado que “Por caminhos
tortos, viera a cair num destino de mulher...”. Qual seria, afinal, esse destino de mulher? O próprio
texto deixa claro que esse destino limita-se a uma vida sem grandes sobressaltos, na qual tudo
pode ser antecipado e controlado, em que nada de surpreendente acontece. Ana reduziu suas
expectativas em relação à vida e à felicidade quando aceitou o casamento e quando limitou suas
aspirações pessoais ao papel social reservado à mulher: tornar-se esposa e mãe. Por sentir, em
seu inconsciente, essa realidade é que Ana tem medo de ficar a sós com seus pensamentos, na
hora perigosa em que terminou suas tarefas do lar.

Ainda no quarto parágrafo, encontraremos algumas frases que reforçam a ideia de que Ana
trocou um tipo de vida que, embora não lhe desse segurança, era mais feliz por outra que não
lhe assegurou a realização como ser humano. As palavras do narrador, que se misturam aos
sentimentos de Ana, e os trechos destacados por nós deixam bem claro que Ana não se realizou
plenamente no papel social abraçado por ela: “O homem com quem casara era um homem

52
TEMPO DE AMADURECIMENTO • CAPÍTULO 4

verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe
estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também
sem a felicidade se vivia...” Pronto, a pergunta lançada no início dessa análise foi respondida,
pois é a própria personagem que nos revela que também se vive sem a felicidade.

Daí para frente, o excerto apresentado limitar-se-á à descrição da luta interior da personagem
para se adaptar a essa rotina de vida escolhida por ela. Ela pensa: “Estava bom assim. Assim ela
o quisera e escolhera”. Mas esse não é o desfecho dessa narrativa.

Todo esse quadro será modificado no momento da epifania, quando Ana vê um cego, no meio
da rua, que aparenta uma tranquilidade e uma satisfação com a própria vida que ela não tem. A
consciência desse fato modificará a visão de mundo de Ana, levando-a a uma situação altamente
decepcionante e insatisfatória para os padrões sociais de hoje em dia. Vale a pena saber o desfecho
dessa narrativa, que não pode ser reproduzido neste espaço tão curto de um capítulo.

Para concluirmos este capítulo, falaremos muito brevemente da liberdade criadora de 3 poetas
que, também, refletem filosoficamente sobre a vida, algumas vezes, com um viés religioso, o
que diferencia suas poesias, por exemplo, daquela produzida por Drummond. A breve análise
sobre Murilo Mendes, Cecília Meireles e Jorge de Lima fechará este capítulo, demonstrando que
o tempo de amadurecimento do Modernismo brasileiro é repleto de boas surpresas.

Esses poetas fascinam pela liberdade criadora, a ausência de preconceitos literários e a força
experimentadora do lirismo de suas poesias. Diferentemente do radicalismo que marcou os
primeiros poetas do Modernismo, eles alcançaram a liberdade plena, pregada anteriormente,
ao se desvencilharem de todas as regras predeterminadas. Em suas obras, encontraremos
todos os ritmos, métricas e temas, mas iremos nos deter na eclosão de uma espiritualidade
que tanto pode remeter às heranças barrocas e simbolistas, como em Jorge de Lima e Cecília
Meireles, respectivamente, como ao Surrealismo de Murilo Mendes, com a expressão de aspectos
sobrenaturais presentes nas imagens inusitadas de alguns de seus textos metafísicos.

TEXTO IV

POEMA LÍRICO

Amiga, amiga! De braço dado atravessamos o arco-íris.

Quem nos dá esta força que nos impele acima do mar e das

[montanhas?

Deixamos lá embaixo os bens materiais e a violência da vida.

Amiga, amiga! Teu rosto é semelhante à lua moça,

Há nas tuas roupas um cheiro bom de mato virgem.

Tua fala saiu da caixinha de música dos meus sete anos,

53
CAPÍTULO 4 • TEMPO DE AMADURECIMENTO

E te empinas no azul com a graça dos papagaios que eu soltava.

Ó amiga! Deixamos o reino dos homens bárbaros

Que fuzilam crianças com bonecas ao colo,

E eis-nos livres, soprados pelos ventos,

Até onde não alcançam os aparelhos mecânicos.

Unidos num minuto ou num século, que importa.

Agarrados à cauda de um cometa percorremos a criação.

Teu rosto desvendou os olhos comunicantes.

Não há mistério: só nós dois sabemos nosso nome,

E as fronteiras entre amor e morte.

Eu sou o amante e tu és a amada.

Para que organizar o tempo e o espaço?


(MENDES, 1994:X)

Podemos perceber, nesse poema, que, para o eu-lírico, há um conflito explícito entre a realidade
e o mundo harmonioso em que os amantes chegaram depois de atravessarem o arco-íris. Este
simboliza a transcendência, alcançável depois que o amor se manifesta entre o eu-lírico e sua
“amiga”.

Na descrição desse mundo harmonioso, porque transcendental, as imagens associadas ao


passado, “Tua fala saiu da caixinha de música dos meus sete anos”, misturam-se aos elementos
relacionados à natureza, “rosto semelhante à lua moça” e “roupas com cheiro bom de mato
virgem”, para assinalar a oposição com o mundo real, caracterizado pelos bens materiais e a
violência. Essa oposição entre o mundo real, o deixado lá embaixo, e o mundo que vai além do
real, o transcendental, foi criada com base nessas imagens inusitadas, que aparecem resumidas
no verso: “Agarrados à cauda de um cometa percorremos a criação.”

Percebemos, também, que as imagens do mundo natural e da infância são fundamentais na


construção do retrato desse mundo novo, almejado pelos amantes, no qual não chegariam os
“aparelhos mecânicos”, responsáveis pela quebra da harmonia desejada. Podemos concluir, assim,
que essa poesia lírico-amorosa de Murilo Mendes seria uma resposta à negatividade do mundo
real e um canto de exaltação ao mundo transcendental, em que os amantes, agarrados “à cauda
do cometa”, conseguiram eliminar as fronteiras entre “amor e morte”, conseguiram destruir os
mistérios existentes entre os “olhos que não se comunicam”, porque não alcançaram a paixão.

Mas a mensagem final do texto deixa claro que o mundo transcendente, alcançado quando dois
amantes se encontram e são contaminados por um sentimento de completude, decorrente da
interação harmoniosa entre eles, não teria o poder de modificar a realidade do mundo. O último
verso, que conclui o texto com uma pergunta, sugere a ideia de que os amantes fecham-se em si

54
TEMPO DE AMADURECIMENTO • CAPÍTULO 4

mesmos, o que já fora sugerido na primeira estrofe, no verso “Até onde não alcançam os aparelhos
mecânicos”. Por isso, os amantes não se preocupam com a “organização de tempo e espaço”, isto
é, afastam-se da realidade para vivenciar somente a paixão que os envolveu.

TEXTO V:

Canção
Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio


e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos 
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,


a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,


para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo 
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;


praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
(JORNAL DE POESIA, 2018)

Ao lermos o TEXTO V, logo chama a nossa atenção a linguagem poética, construída a partir de
uma alegoria: o naufrágio do navio em alto mar com os sonhos do eu-lírico dentro dele. A tristeza
e a melancolia que perpassam todo o texto são consequência das escolhas do próprio eu-lírico,
foi ele quem decidiu livrar-se desses sonhos, fazendo-os naufragarem. Fica claro o sentimento
de desesperança nesse gesto inicial e, também, na conclusão do texto, “meus olhos secos como
pedras / e as minhas duas mãos quebradas” apontam para esse fato.

55
CAPÍTULO 4 • TEMPO DE AMADURECIMENTO

No entanto, o que surpreende o leitor é a constatação, na última estrofe do texto, de que a morte
dos sonhos não significa o fim das expectativas do eu-lírico. Ele afirma que “Depois, tudo estará
perfeito”, mesmo estando os olhos secos e as mãos quebradas. Essa constatação poderia ser o
indício de que a nossa paz e a harmonia em nossa vida só podem ser alcançadas se conseguirmos
nos livrar dos sentimentos destrutivos, antes de sermos destruídos por eles.

Duas características marcantes da obra de Cecília Meireles aparecem claramente expressas


no TEXTO V. Do ponto de vista formal, sua poesia apresenta uma forte musicalidade, marca
herdada do Simbolismo, construída pela presença de estrofes regulares e de versos octossílabos.
A cuidadosa seleção vocabular também remete ao Simbolismo, afastando-se do coloquialismo
pregado na primeira geração do Modernismo.

Em relação à temática, seus textos falam da efemeridade das coisas, incluindo os sentimentos,
e da fugacidade do tempo, temas muito explorados por toda a literatura clássica, sobretudo
pelo Barroco e Simbolismo. Podemos, portanto, entender o que significou a liberdade plena do
período de maturidade de nossos modernistas. Temas transcendentais, que não faziam parte
da preocupação da geração heroica, voltam a aparecer nessa fase.

Nos dois textos anteriores, a busca por uma vida nova, em que a paz e a harmonia espiritual
possam ser alcançadas, aproxima-se da busca da transcendência espiritual almejada, no passado,
pelo poeta simbolista. Vamos, então, concluir este capítulo com um poema de Jorge de Lima,
que também se aproxima desse aspecto do Simbolismo, de forma mais direta, na medida em
que o eu-lírico associa o fim do sofrimento, com suas horas despedaçadas, à chegada da morte,
último passo para se alcançar a transcendência plena na visão daqueles autores do século XIX.

TEXTO VI

Invenções de Orfeu

Os dois ponteiros

rodam e rodam,

mostrando o horário

irregular.

Horas inteiras

despedaçadas,

horas mais horas

desmesuradas.

Com seu compasso,

lá vem a morte

pra teu transporte,

56
TEMPO DE AMADURECIMENTO • CAPÍTULO 4

e com os dois braços:

esta é tua hora,

levo-te agora.
Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/jorge1.html (Fragmento do Canto III)

Fonte: <http://www.relogiosmecanicos.com.br/escapamento.html>. Acesso em: 10/5/2018.

Sintetizando

Neste quarto capítulo, vimos:

» alguns autores do movimento literário Modernista do Brasil, cujas obras têm por base temática reflexões filosóficas e
religiosas;

» as preocupações humanas no seu aspecto mais íntimo e as relações do homem com o mundo;

» os aspectos mais relevantes da obra de Carlos Drummond de Andrade com suas visões de mundo;

» a prosa de Clarice Lispector e sua característica de sondagem psicológica na técnica narrativa;

» a poesia e a liberdade criadora nas obras de Murilo Mendes, Cecília Meireles e Jorge de Lima.

57
MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO
CAPÍTULO
5
Apresentação

A terceira geração do Modernismo no Brasil irá apontar para uma nova direção na literatura, embora
seus autores não neguem as conquistas das gerações anteriores. Nessa última fase, que se situa
entre os anos de 1940 e 1960, os escritores estarão voltados às pesquisas em torno da linguagem.
A metalinguagem será uma marca muito presente nesse período, junto a uma relativização dos
limites entre a prosa e a poesia. A obra de João Cabral de Melo Neto e as produções da poesia do
Concretismo serão o foco principal de análise deste capítulo, devido à preocupação delas com
a criação da linguagem objeto e por já termos analisado os principais prosadores dessa fase:
Guimarães Rosa e Clarice Lispector.

Objetivos

Esperamos que, ao final deste capítulo, o aluno seja capaz de:

» perceber os novos rumos de nossa produção literária, a chamada terceira geração do


Modernismo;

» conhecer as duas vertentes da obra de João Cabral de Melo Neto: a metapoética e a


engajada;

» identificar as características do Concretismo;

» compreender as mudanças dessa nova linguagem que fez parte do projeto literário dos
autores dessa fase.

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MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO • CAPÍTULO 5

A  terceira fase do Modernismo no Brasil, chamada por alguns de Geração de 45, também é
nomeada, em alguns livros didáticos, como fase Pós-Moderna, e representa o último momento
da produção desse estilo de época, embora alguns críticos afirmem que o espírito do Modernismo
está presente até os dias atuais. Os textos que serão analisados neste capítulo foram selecionados
com a intenção de apontar para os novos caminhos tomados por nossa produção literária,
marcando, assim, o final do Modernismo no Brasil.

O momento em que essa geração surge no Brasil é um período político menos conturbado em
relação às outras duas gerações, já que o país acabava de ser redemocratizado, com o fim do
Estado Novo, ou seja, a ditadura de Getúlio Vargas. Uma nova Constituição é promulgada em 1946,
que estabelecia novos pactos sociais mais justos, modernizando, assim, a sociedade brasileira.
Esse período coincide, também, com o fim da 2ª Guerra Mundial e do sistema totalitário do
nazismo. Mas nem tudo são flores, pois despontava a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a
União Soviética e a Corrida Armamentista, que deixariam marcas em todo o mundo.

Além disso, vários acontecimentos mudariam para sempre o perfil das sociedades, a partir da
década de 1950: a liberação feminina, a urbanização maciça, os novos eletrodomésticos, como
a televisão. Essas mudanças abririam espaço para uma nova cultura de massa, desvinculada em
parte da cultura letrada e da cultura popular, como eram tradicionalmente conhecidas. Esse
seria o mundo conhecido como pós-moderno, e essa nova literatura será o assunto de nosso
último capítulo.

No Brasil, a geração de 45 é, efetivamente, a terceira e última fase daquele Modernismo, iniciado


em 1922 com a Semana de Arte Moderna. Ela representa um momento cultural muito rico, pois as
produções literárias, marcadas por diversas novidades, diversificaram-se: acabava, por exemplo,
o predomínio da poesia de ruptura com a tradição, da 1ª geração, ou da prosa neorrealista, da
2ª geração. São feitos experimentos temáticos e linguísticos, e muitos dos textos escritos para os
jornais, como as crônicas, começam a crescer e ganhar status de literatura.

Os textos que serão analisados neste capítulo foram selecionados com a intenção de apontar
para os novos caminhos tomados por nossa produção literária, marcando, assim, os últimos
momentos do Modernismo no Brasil. A partir desse momento, iniciar-se-á uma nova fase de
nossa produção literária.

Apesar de ser considerado, cronologicamente, um poeta da última fase do Modernismo, João


Cabral enveredou por um caminho próprio em que busca construir uma poesia substantiva,
na qual a precisão vocabular e a economia da linguagem alcançaram uma objetividade que
dessacralizou o sentimentalismo normalmente associado a esse tipo de texto. Estava lançado o
conceito da morte do eu-lírico, que dará lugar ao eu-poético: uma voz que evita o sentimentalismo
e privilegia a racionalidade, através de um trabalho exaustivo, paciente e lúcido do fazer poético.

59
CAPÍTULO 5 • MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO

Seu percurso poético se subdivide em duas vertentes básicas: a metapoética e a participante.


Temos, na primeira delas, as criações que se apresentam como produto de uma investigação
do próprio fazer poético, em que se utiliza a linguagem para explicar a própria linguagem,
analisar a arte de criar o poema, utilizando-se a palavra com precisão. A função metalinguística
da linguagem é fundamental na construção dessas obras. Na segunda vertente, evidencia-se a
temática voltada aos problemas nordestinos, embora as questões da miséria, seca e indigência
dos retirantes nordestinos sejam apresentadas de forma poética, mais uma vez ressaltando a
força das palavras na construção do texto.

Para iniciar nosso estudo, vamos ler um trecho de um artigo sobre João Cabral de Melo Neto,
retirado do site <http://literatura.uol.com.br/literatura/figuras-linguagem/32/poesia-joao-
cabral-de-melo-neto-186191-1.asp>.

Cabral é classificado por alguns como “um poeta de poucas palavras e poucos assuntos”, em uma
definição que combina sua postura pessoal introspectiva e arredia à insistência quase patológica
em alguns temas. Um dos mais importantes críticos literários brasileiros contemporâneos, Wilson
Martins, sintetizou sobre a repetição temática do poeta: “A psicologia poética de João Cabral enquadra-
se nas paralelas de duas séries de metáforas obsessivas, ambas de natureza mineral: a pedra e a água”.
De fato, são duas imagens bastante recorrentes na obra de Cabral. A pedra simboliza a aridez do
Nordeste, ao mesmo tempo geográfica e humana. Com ela, o poeta arquiteta suas composições,
sempre em busca da forma exata, com geometria, cálculo e clareza, como se fosse um engenheiro.
Quanto à água, além de aparecer como elemento de destaque em numerosos poemas, como
em Imitação da água, pode-se considerar que, entre os temas centrais de três livros que o poeta
escreveu, O Cão sem Plumas, O Rio e Morte e Vida Severina, estejam o rio de sua cidade natal,
o Capibaribe, e os habitantes de suas margens, por sua vez fortemente condicionados por sua
presença.

A poesia de João Cabral fala diretamente à razão, sua grande emoção consistindo em conter
o derramamento lírico e resistir à ênfase, construindo textos descarnados, secos e objetivos.
Segundo ele, respondendo aos inconformados com um poeta que não falava do amor, só se pensa
em amor subjetivo ou voltado ao corpo. Em seus textos, entre a palavra concreta e a abstrata, fez
uma escolha definitiva pela primeira. Embora essencialmente racional, sua poesia passa pelos
sentidos, privilegiando a impressão concreta sobre a abstração. Sem renegar o lirismo (um atributo
da alma), ele desprezava a lírica cantante, chorosa, os poemas feitos para serem declamados ao
som da lira, até por não ter qualquer familiaridade com a música.

Vamos analisar um metapoema desse autor, para constatar qual é sua profissão de fé sobre a
arte de poetar.

60
MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO • CAPÍTULO 5

TEXTO I

Catar feijão

1.

Catar feijão se limita com escrever:

jogam-se os grãos na água do alguidar

e as palavras na folha de papel;

e depois, joga-se fora o que boiar.

Certo, toda palavra boiará no papel,

água congelada, por chumbo seu verbo:

pois para catar esse feijão, soprar nele,

e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:

o de que entre os grãos pesados entre

um grão qualquer, pedra ou indigesto,

um grão imastigável, de quebrar dente.

Certo não, quando ao catar palavras:

a pedra dá à frase seu grão mais vivo:

obstrui a leitura fluviante, flutual,

açula a atenção, isca-a como o risco.


Fonte: PASSEI NA WEB, 2018.

Salta aos olhos do leitor que João Cabral, no TEXTO I, defende um ponto de vista sobre a arte
de fazer um poema. Para ele, selecionar as palavras e saber combiná-las adequadamente são
elementos fundamentais nessa tarefa. Segundo o poeta, o primeiro passo, mas não o mais
importante, é jogar as ideias no papel: “jogam-se os grãos na água do alguidar / e as palavras na
folha de papel;” mas, logo depois, inicia-se o trabalho de burilar o pensamento e selecionar o
que permanecerá e aquilo a ser descartado: “e jogar fora o leve e oco, palha e eco.” Essa defesa de
uma arte racional e bem construída lembra o princípio dos poetas Parnasianos, que valorizavam
a forma regular e a contenção das emoções.

Esse metapoema foi construído com base na comparação entre um fato do cotidiano - catar
feijão - e o ato de fazer um poema, sendo essa símile o fio condutor para o desenvolvimento da
temática. A construção da ideia chave do texto, a símile construída a partir do cotidiano, afasta
o texto de João Cabral daquela poesia do século XIX, que julgava inadequado, à pureza da arte
literária, a referência aos aspectos do dia a dia. Vemos, assim, que, embora João Cabral resgate um

61
CAPÍTULO 5 • MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO

princípio do Parnasianismo, ele não deixa de aderir à característica do Modernismo de utilização


de temas prosaicos na poesia, demonstrando que os aspectos da vida comum também podem
aparecer na obra de arte. Fica explícito, na comparação feita nesse texto, o grau de racionalidade
que perpassa toda a obra desse poeta.

O verbo catar assume o sentido de escolher as palavras adequadas, demonstrando, mais uma
vez, o rigor do poeta em relação à forma do texto. Já o verbo limitar, “Catar feijão se limita com
escrever”, assume a importância de demonstrar que o ato da vida cotidiana aproxima-se do ato de
escrever, mas não é exatamente igual a ele. Qual a importância dessa diferenciação tão sutil? Com
ela, podemos perceber o valor que é dado a um ato que exige esforço intelectual, a construção
de um poema, em relação a outro ato puramente mecânico. Esse jogo de ideias demonstra a
genialidade desse autor no manejo da linguagem. Isso mostra, também, o valor que João Cabral
atribui à escolha cuidadosa de cada palavra na construção da obra de arte.

A diferenciação entre o ato mecânico e o ato intelectual será aprofundada na segunda estrofe.
Na tarefa de catar feijão, sabemos do risco de uma pedra misturar-se aos grãos do feijão, que
serão consumidos, pois ambos afundam na água quando ficam de molho. Na poesia, no entanto,
o mesmo não ocorre, já que o poeta afirma que “a pedra dá à frase seu grão mais vivo”, porque
“açula a atenção, isca-a como o risco”. Fica claro, mais uma vez, que catar feijão e fazer poesia
são ideias que se aproximam, mas não são iguais. A pedra, misturada à comida, prejudica a
qualidade do alimento; a pedra que aparece no texto, por sua vez, enriquece-o, já que se torna
um desafio para o leitor ultrapassar.

Finalizemos essa análise com a sintaxe do poema, que é também bem peculiar. Embora seja um
texto poético, sua estrutura assemelha-se à forma lógico-argumentativa, em que um ponto de
vista será defendido, usando-se frases repletas de elipses. Esse recurso concorre para a economia
vocabular e causa, também, certa estranheza no leitor desavisado. Vejamos, por exemplo, os
quatro últimos versos da primeira estrofe.

O leitor, para decodificá-los, precisa preencher as lacunas existentes para decifrar o pensamento
exposto. Preenchendo-as, assim ficariam aqueles versos:

Certo, toda palavra boiará na folha de papel / que é como água congelada / por ser como chumbo
o seu verbo / pois para catar esse feijão/ é preciso soprar nele, / e jogar fora o leve e oco, a palha
e o eco.

Ao preenchermos as ideias expostas, fica evidente a comparação entre o ato de escrever e a ação
de catar feijão. Nesta, assim como naquele, o que será aproveitado é o que afunda: o feijão bom
vai para o fundo da panela; a palavra forte (o chumbo) permanece na folha de papel. Os grãos
de feijão estragados e a sujeira boiarão na água em que ficaram de molho, por isso jogamos fora;
as palavras desnecessárias (leve, oco, que produzem eco) também devem ser descartadas.

62
MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO • CAPÍTULO 5

Essa primeira vertente da obra de João Cabral lembra a preocupação com a “Arte sobre a Arte”
que pautou o Parnasianismo, mas a segunda vertente de sua obra, a de cunho altamente social
e engajado, afasta esse poeta dos parnasianos, que viviam isolados do mundo em uma “torre
de marfim”.

Passaremos, agora, para a leitura de um trecho de Morte e Vida Severina, o poema narrativo mais
conhecido da segunda vertente da obra desse autor, que trata da caminhada de um retirante do
sertão até a zona litorânea, em busca de condições para sobreviver à seca. O impacto que essa
obra causou, e ainda causa nos leitores, foi tamanha, que a sua releitura, adaptada a diferentes
gêneros textuais, tornou-se uma tônica em nosso país. Exemplifica o que ficou afirmado a
adaptação desse texto, feita para o teatro em 1965, e musicada pelo então jovem Chico Buarque
de Holanda, que recebeu um prêmio no festival universitário de Nancy, na França.

Esse texto de João Cabral foi adaptado para o cinema e a televisão em 1977 e 1981 respectivamente.
A primeira adaptação teve direção de Zelito Viana, e a segunda teve a participação de José
Dumont e  Elba Ramalho nos papéis principais. As duas versões foram um sucesso inegável.
Finalmente, para comemorar os 60 anos da publicação de Morte e Vida Severina, o jornalista
Gerson Camaroti produziu um documentário que retrata o mesmo percurso percorrido pelas
personagens da obra de João Cabral, entrevistando os moradores desses lugares e analisando as
mudanças ocorridas na vida dessa região do país. As imagens a seguir ilustram a apresentação
dessa obra feita para diferentes públicos: um leitor do livro de Cabral, um espectador do teatro
e um telespectador do documentário.

Morte e Vida Severina - Capa (1ª edição)

Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/thumb/0/0d/Morte-e-vida-severina-joo-cabral-de-melo-neto.


jpg/200px-Morte-e-vida-severina-joo-cabral-de-melo-neto.jpg>. Acesso em: 25/04/2018.

63
CAPÍTULO 5 • MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO

Cartaz da montagem do poema realizada pelo Teatro da Universidade Católica de São Paulo, em 1968

Disponível em: <http://vignette2.wikia.nocookie.net/cine104/images/0/0e/220px-Cartaz-morte-e-vida-severina.jpg/


revision/latest?cb=20150426125603&path-prefix=pt-br>. Acesso em: 25/04/2018.

Morte e Vida Severina – Especial para a televisão

Disponível em: <http://especial.g1.globo.com/globo-news/morte-e-vida-severina/img/fotos-sertao.png>. Acesso em:


25/04/2018.

Passemos, agora, à leitura do TEXTO II, um pequeno trecho da obra Morte e Vida Severina, a
fim de analisar alguns dos aspectos que a tornaram imortal.

TEXTO II

CANSADO DA VIAGEM O RETIRANTE PENSA INTERROMPÊ-LA POR UNS


INSTANTES E PROCURAR TRABALHO ALI ONDE SE ENCONTRA.

— Desde que estou retirando


só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva;
só a morte tem encontrado
quem pensava encontrar vida,
e o pouco que não foi morte
foi de vida severina
(aquela vida que é menos

64
MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO • CAPÍTULO 5

vivida que defendida,


e é ainda mais severina
para o homem que retira).
Penso agora: mas porque
parar aqui eu não podia
e como o Capibaribe
interromper minha linha?
ao menos até que as águas
de uma próxima invernia
me levem direto ao mar
ao refazer sua rotina?
Na verdade, por uns tempos,
parar aqui eu bem podia
e retomar a viagem
quando vencesse a fadiga.
Ou será que aqui cortando
agora minha descida
já não poderei seguir
nunca mais em minha vida?
(será que a água destes poços
é toda aqui consumida
pelas roças, pelos bichos,
pelo sol com suas línguas?
será que quando chegar
o rio da nova invernia
um resto de água no antigo
sobrará nos poços ainda?)
Mas isso depois verei:
tempo há para que decida;
primeiro é preciso achar
um trabalho de que viva.
Vejo uma mulher na janela,
ali, que se não é rica,
parece remediada
ou dona de sua vida:
vou saber se de trabalho
poderá me dar notícia.
Fonte: PROJETO RELEITURAS, 2018b.

65
CAPÍTULO 5 • MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO

Esse trecho do longo poema de Cabral explicita alguns problemas denunciados nessa obra.
Severino, personagem principal da história, desde o momento em que sai de suas terras, em
busca de um lugar em que consiga sobreviver, só encontra a morte, provocada pela seca que
assola a região. Os sobreviventes da seca, nesse percurso, deparam-se sempre com uma vida
miserável, uma “vida severina”, pois até o rio, que indicaria o percurso que levaria ao mar, local
em que o rio deságua, já se encontra seco, sugerindo a possibilidade do desvio de rota, já que o
retirante não mais encontra o rio como elemento de sinalização do caminho. A primeira grande
denúncia dessa obra é exatamente a de que, no sertão nordestino, a vida não é para ser vivida,
isto é, aproveitada, a busca pela sobrevivência é o verdadeiro objetivo a ser alcançado.

Quando Severino é vencido pelo cansaço, pensa em interromper o trajeto. Seu pensamento, nesse
momento, é radical: pela primeira vez, passa pela cabeça de Severino que o melhor, talvez, fosse
interromper essa trajetória, o que poderia ser um índice da tentativa de abrir mão da própria vida.
Mas ele resolve tentar recompor as forças e continuar a luta e, para isso, ele precisa encontrar um
trabalho que garanta a sua sobrevivência e que permita que ele continue o caminho, até chegar
ao porto seguro: a região do litoral, onde o problema da seca não existe. Nesse momento, ele se
depara com uma mulher. Quem é essa, que “parece remediada”, ou seja, parece que para ela a
vida não é “severina”. Como ela conseguiu essa proeza de livrar-se da sina miserável do sertanejo?
A resposta a tal pergunta surpreende, até hoje, o leitor, pois ele constata o mais trágico do que
vem sendo denunciado: até essa mulher de vida remediada só pode alcançar essa situação,
porque vive da morte que se espalha em toda aquela região – ela é uma profissional da morte,
uma pessoa que ganha dinheiro cantando as novenas nos enterros do lugar.

Quando Severino se depara com a carpideira, assiste ao enterro de um lavrador daquela região
e, na descrição dessa cerimônia, aparece a denúncia do problema fundiário no Brasil de forma
bastante contundente. A todo lavrador sertanejo o que lhe cabe na vida é uma cova de sete
palmos de comprimento, pois o resto dessa terra pertence aos “Severinos Coronéis”, os seus
verdadeiros donos.

Depois de chegar ao seu destino, ao entrar no Recife e encontrar o mar e a abundância da água
que sobra na região, Severino não consegue livrar-se da miséria e constata que, mesmo na cidade
grande, a vida “severina” acompanha o sertanejo, já que seu destino será sobreviver nas favelas
miseráveis da cidade da “prosperidade”. Essa personagem que, a certa altura de sua caminhada,
pensou em se matar, pelo desespero em que se encontrava, volta a pensar nessa hipótese, porém
renuncia a essa intenção ao presenciar o nascimento de uma criança, pois percebe que há sempre
a possibilidade de um recomeço, por mais miserável que seja a vida.

A busca empreendida por João Cabral de Melo Neto pela linguagem-objeto, em que o nominalismo
da linguagem consegue organizar o discurso, abrindo mão da linguagem poética tradicional,
foi a grande herança deixada por esse poeta para a revolução que aconteceria na nossa poesia a
partir da década de 1950. A poesia concreta radicalizou essa ideia e, em um de seus manifestos,

66
MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO • CAPÍTULO 5

Augusto de Campos, um de seus principais idealizadores, afirmou que “o poeta concreto vê a


palavra em si mesma – campo magnético de possibilidades – como um objeto dinâmico, uma
célula viva, um organismo completo, com propriedades psicofisicoquímicas tacto antenas
circulação coraação: viva” (CAMPOS, 2018:1).

Depois de João Cabral de Melo Neto, a poesia brasileira envereda por caminhos experimentais,
na tentativa de construir poemas em que a comunicação com o receptor do texto não seria
feita unicamente através do tema, mas da própria estrutura verbo-visual e da exploração da
sonoridade. Esse preceito pode ser considerado um aprofundamento radical da poética da
linguagem-objeto de João Cabral.

Observe os textos de Augusto de Campos e de seu irmão, Haroldo de Campos, em que essa
estrutura verbo-visual e/ou a sonoridade podem ser identificadas claramente.

TEXTO III

Disponível em: <http://www2.uol.com.br/augustodecampos/04_02.htm>. Acesso em:


25/04/2018.

No TEXTO III, a imagem que se destaca é a palavra lixo, mas que ganha múltiplos sentidos,
quando o leitor percebe que essa palavra-chave é construída a partir da repetição de outra palavra:
luxo. Percebemos que a exploração da camada material do significante das duas palavras, que
se opõem semanticamente, é o recurso que permite a construção de sentido do texto, ficando
configurada a estrutura verbo-visual como o elemento de construção desse sentido. É possível
afirmar, portanto, que há a possibilidade de entendermos esse texto como uma crítica ao excesso
de preocupação de uma parcela da sociedade com o luxo. Podemos perceber, também, que há,
nesse jogo de palavras criado pelo autor do texto, uma crítica implícita ao excesso de consumismo.

Além disso, fica evidente a relação simbiótica entre a forma e a mensagem a ser enviada ao leitor.
Os efeitos gráficos, empregados na construção do texto, aproximam a poesia da linguagem do
design, inovação marcante da linguagem do Concretismo. Passemos ao texto IV.

67
CAPÍTULO 5 • MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO

TEXTO IV

se
                                           nasce
                                           morre   nasce
                                           morre   nasce    morre
                                                                               renasce   remorre   renasce
                                                                                                 remorre   renasce
                                                                                                                  remorre
                                                                                                                               re
re
                                                      desnasce
                                  desmorre  desnasce
              desmorre   desnasce   desmorre
                                                                            nascemorrenasce
                                                                            morrenasce
                                                                           morre
                                                                           se
Fonte: CAMPOS, 2008.

No texto de Haroldo de Campos, o ciclo da vida com seus percalços é apresentado através da
utilização de duas únicas palavras: nasce e morre, criando uma sonoridade intensa, provocada
pelo ritmo que lembra um mantra a ser cantado ou recitado. Esses termos vão sendo repetidos,
ao longo do texto, e modificados através de acréscimos de morfemas que vão ressignificando
o sentido primitivo de cada um deles, até concluir a ideia central a ser passada ao leitor: a vida
constitui-se de uma eterna repetição de fatos, ações e consequências dessas ações, que acabam
por torná-la uma mesmice da qual não se pode fugir.

Atenção

O crítico Antonio Sérgio Mendonça faz uma leitura bastante interessante desse poema de Haroldo de Campos na obra
POESIA DE VANGUARDA NO BRASIL, publicada pela Editora Vozes em 1970. Uma análise do Concretismo, desse mesmo
crítico, pode ser encontrada no endereço <http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_visual/hsroldo_de_campos.html>.
Vale a pena visitar esse endereço e conhecer outros textos do Concretismo.

Poderíamos concluir nossa análise dessa corrente do final do Modernismo lembrando que os
poetas dessa fase, assim como João Cabral, pregam o fim da poesia intimista e o desaparecimento
do eu-lírico. Em relação à forma da poesia, defendem a geometrização da linguagem e sua
visualização como instrumentos fundamentais para a construção do tema a ser apresentado
ao leitor.

Chamada por alguns de Pós-Modernismo e, por outros, de Literatura Contemporânea, esse


último momento do Modernismo é riquíssimo no aprofundamento da liberdade sonhada pelos

68
MOMENTOS FINAIS DO MODERNISMO • CAPÍTULO 5

escritores modernistas. Voltamos a reiterar que a terminologia empregada para nomear os


diferentes períodos da história da literatura brasileira não é o mais importante. O fundamental
é reconhecer as consequências dessas mudanças na construção das mensagens de cada artista
dos últimos suspiros do Modernismo e do nascimento de uma nova fase.

Sintetizando

Neste quinto capítulo, vimos:

» a terceira geração do Modernismo no Brasil, a qual aponta para uma nova direção na literatura;

» a metalinguagem, uma marca muito presente nesse período, junto a uma relativização dos limites entre a prosa e a poesia;

» as duas vertentes da obra de João Cabral de Melo Neto: a metapoética e a engajada;

» os principais prosadores dessa fase: Guimarães Rosa e Clarice Lispector;

» as mudanças dessa nova linguagem que fez parte do projeto literário dos autores dessa fase.

69
SALDO E LEGADO DO MODERNISMO
CAPÍTULO
6
Apresentação

Neste último capítulo, apresentaremos os autores que iniciaram as suas produções literárias
depois da última geração do Modernismo, com o objetivo de apontar para os novos rumos de
nossa produção literária, conhecida como Pós-Modernismo ou Literatura Contemporânea.
Começaremos com uma visão resumida da poesia: a Poesia-Práxis, a Poesia Marginal dos anos
1970 e a poesia da atualidade. A seguir, faremos um apanhado geral dos prosadores dos anos
de 1970 para cá.

Objetivos

Espera-se que, ao final deste capítulo, o aluno seja capaz de:

» reconhecer as marcas de nossa produção literária na fase posterior ao Modernismo;

» perceber, nas produções literárias das décadas de 1960 e 1970, a relação causa-
consequência provocada pela mudança de sistema político no país;

» entender o sincretismo literário que marca a literatura brasileira a partir dos anos 1980;

» identificar os ecos do Modernismo que permanecem até os dias atuais.

70
SALDO E LEGADO DO MODERNISMO • CAPÍTULO 6

A Literatura Brasileira Contemporânea engloba as produções da segunda metade do século XX


e das primeiras décadas do século XXI, sendo marcada por uma multiplicidade de tendências.
Por ser uma produção muito recente, ainda não se tem um distanciamento crítico que permita
uma análise mais aprofundada dessa época, mas comecemos pela poesia Práxis, de cunho
político-ideológico, inaugurada com o livro de Mário Chamie, Lavra-lavra, publicado em 1962.

A poesia Práxis herdou do Concretismo suas marcas fundamentais: o repúdio à poesia intimista, a
negação do eu lírico, a concepção poética baseada na geometrização e visualização da linguagem.
Podemos perceber, portanto, que essa nova vanguarda dialoga com as correntes de Vanguarda
do início do Século XX, especialmente o Cubismo e o Futurismo, aprofundando as experiências
formais dessas correntes.

A diferença entre as vanguardas do passado e a poesia Práxis é a influência sofrida por esta das
técnicas dos anúncios publicitários, o que transformou, algumas vezes, o artista em um misto de
poeta e de artista gráfico. Um aspecto importante dessa nova vanguarda é o aproveitamento do
espaço gráfico, em que as palavras formam blocos, como se fossem estrofes na poesia tradicional.
Esses blocos permitem trocar a posição das palavras de tal sorte que, na nova posição, elas adquirem
novo significado, conforme o novo contexto do bloco em que estão inseridas. A primeira estrofe
do poema “Queda Interior”, de Mario Chamie é um exemplo dessa troca ressignificante da palavra:

Se a queda é livre
o medo da queda
é preso.

Livre é a queda
sem embaraço
defeso. [...]
Fonte: Chamie (1998, p. 144).

Como defendia Chamie, toda palavra tem tantos significados quantos sejam seus contextos,
por isso os poetas ligados à poesia práxis procuram vincular a palavra a determinado contexto
extralinguístico. A palavra queda, nos dois primeiros versos, vincula-se a contextos bem diferentes.
No primeiro verso, refere-se à lei da física, de Galileu Galilei, segundo a qual “Quando dois corpos
quaisquer são abandonados, no vácuo ou no ar com resistência desprezível, da mesma altura,
o tempo de queda é o mesmo para ambos, mesmo que eles possuam pesos diferentes”. No
segundo verso, a mesma palavra remete a um contexto social: o medo de perder determinada
situação. Logo, podemos observar que Chamie tentou de certo modo preservar a estrutura do
poema tradicional, mas sem renunciar ao espírito de vanguarda, já anunciado no Concretismo.

Vale lembrar que muitas características da poesia dita contemporânea estão relacionadas com
o movimento modernista, como, por exemplo, a ruptura com os valores tradicionais, entretanto

71
CAPÍTULO 6 • SALDO E LEGADO DO MODERNISMO

a identidade nesse momento não é mais uma busca, sendo revelada por uma crise existencial
do homem pós-moderno.

A arte e a cultura brasileiras, a partir de 1964, foram marcadas por uma série de movimentos e
contramovimentos, de marchas e contramarchas, de vanguardas que eram logo sucedidas por
outras vanguardas. Isso foi uma consequência natural que se operou na sociedade brasileira
depois da mudança de regime político, com a chegada dos militares ao poder. A partir do final da
década de 60, assiste-se ao fortalecimento do Movimento Estudantil e a política governamental
com relação à cultura muda: desencadeia-se um momento bem mais repressivo, caracterizado
por expurgo de professores e funcionários públicos; apreensão de livros, discos e revistas;
proibição de filmes e peças teatrais; censura rígida de toda a produção cultural do país. Surge,
assim, a poesia marginal de 1970. A imagem a seguir, de um mimeógrafo, resume bem esse novo
momento da poesia brasileira.

Fonte: <https://images.tcdn.com.br/img/img_prod/103999/1542_1.jpg>. Acesso em: 22 jan. 2018.

Nos últimos anos da década de 1960, surge uma nova geração de poetas os quais, mais tarde,
ficariam conhecidos como geração mimeógrafo. Esse grupo produziu literatura ao longo das
décadas de 1970 e 80, lutando contra a ditadura militar e contra a censura imposta por esse
sistema de governo. Os poetas que participaram desse movimento consideravam-se marginais
e tomaram de assalto os muros da cidade, através de pichações, primeiro recurso utilizado por
eles para divulgarem seus textos.

A principal característica da poesia marginal de 1970 foi a substituição dos meios tradicionais de
circulação das obras – editoras e livrarias – por meios alternativos, tais como pequenas tiragens
com cópias mimeografadas, comercializadas a baixo custo e vendidas de mão em mão.  Seus
poetas foram muito influenciados pela primeira fase do  Modernismo  brasileiro, resgatando
a irreverência dessa fase literária, pelo Tropicalismo, que declaradamente também seguiu os
primeiros modernistas, e por movimentos de contracultura, tais como o rock e o movimento hippie.

Esse fenômeno está sendo reeditado, nos dias de hoje, na poesia publicada na Internet, em
diferentes blogs dedicados à literatura de poetas anônimos. Assim como aconteceu com os poetas

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SALDO E LEGADO DO MODERNISMO • CAPÍTULO 6

da geração mimeógrafo, novos e desconhecidos poetas da atualidade usam as redes sociais para
divulgarem seus textos, enquanto os poetas da geração mimeógrafo usavam os muros da cidade
para fazerem essa divulgação.

Assim como acontece hoje em dia com os poetas dos blogs, a crítica e o público em geral não
deram o devido valor a esses poetas marginais. Muitos acreditavam tratar-se de uma manifestação
de jovens rebeldes, que teriam o único mérito de criticar o sistema, mas desapareceriam da
história com o passar do tempo.

A história encarregou-se de desmenti-los, pois fazem parte desse grupo alguns nomes que estão,
hoje, na galeria dos poetas de primeira categoria, como: Antonio Carlos Brito (Cacaso), Chacal,
Ana Cristina Cesar, Paulo Leminski, Alex Polari, Francisco Alvim e muitos outros grandes nomes.
A obra 26 Poetas Hoje, da professora Heloisa Buarque de Hollanda, principal estudiosa dessas
manifestações da poesia marginal, é a prova de que eles se tornariam reconhecidos e admirados
pelas gerações futuras.

Comecemos analisando um texto de Francisco Alvim, poeta que aparece na publicação da


antologia mexicana Alguna poesia brasileña – 1963-2007, da editora UNAM (Ciudad de México,
2009), com seleção, tradução e notas de Rodolfo Mata e Regina Crespo, o que demonstra sua
importância no cenário da literatura brasileira.

TEXTO I

REVOLUÇÃO
Francisco Alvim 

Antes da revolução eu era professor

Com ela veio a demissão da Universidade

Passei a cobrar posições, de mim e dos outros

(meus pais eram marxistas)

melhorei nisso –

hoje já não me maltrato

nem a ninguém.

Esse poema tematiza a repressão das forças militares contra a camada intelectual do Brasil, já que,
com a ditadura militar, muitos professores universitários foram compulsoriamente aposentados.
Apesar disso, o eu poético busca a verdadeira revolução, cobrando um posicionamento contrário
à ditadura e incentivando as pessoas a lutarem por seus direitos, marca da arte engajada desse
período literário. Tais marcas são típicas da temática marginal dos anos 70.

Se analisarmos a estrutura do texto, também podemos perceber novidades, ela não apresenta as
rupturas radicais, por exemplo, das poesias de vanguarda das gerações anteriores. A estrutura

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CAPÍTULO 6 • SALDO E LEGADO DO MODERNISMO

típica da poesia-texto organizada em versos mistura-se a recursos narrativos predominantes na


prosa, o que prenuncia uma marca estrutural muito comum a partir dessa geração de 1970. Essa
mistura da tipologia textual e/ou dos gêneros textuais marcará a nossa literatura até a atualidade.

O último livro de Francisco Alvim, Elefante, é bastante curioso. Nele, percebemos dois tipos
básicos de poemas: alguns são muito semelhantes, em relação à estrutura, ao TEXTO I, e outros
apresentam semelhanças com a poesia anterior à dos anos de 1970. São ready-mades, isto é,
frases feitas fragmentadas, mas que apresentam em seu tom jocoso uma relação, um significado
popular, social, da poesia marginal. Vejamos alguns exemplos:

QUER VER?
escuta
(ALVIM, 2004:55)

NEGÓCIO
Depois a gente acerta
(ALVIM, 2004:73)

DESCARTÁVEL
vontade de me jogar fora
(ALVIM, 2004:62)
 
ARGUMENTO
Mas se todos fazem
 (ALVIM, 2004:69)

Esses pequenos poemas, que lembram a poesia-pílula ou poemas comprimidos da primeira


geração do Modernismo, retomam uma nova dinâmica verbal ao sintetizarem em um único verso
a postura do eu-poético diante da vida. Pode-se observar, também, um tom irônico e debochado,
semelhante ao empregado por Oswald de Andrade em sua época, para sintetizar séculos de
história do Brasil em poucos versos de sua poesia-pílula. Podemos resumir, como características
marcantes da obra de Francisco Alvim, o prosaísmo coloquial, que aparece temperado por uma
dose de ironia mesclada a uma consciência histórica dos problemas da nação.

Resta-nos pouco espaço para a análise da prosa contemporânea, mas tentemos resumir o essencial
para traçar um pequeno panorama de nossa literatura a partir da década de 1980.

Depois de toda essa trajetória descrita anteriormente, pode-se observar o deslocamento de um


imaginário marcado por um desejo de mudança radical e, sobretudo, marcado pela luta de uma
arte engajada contra o sistema vigente, para a concretização de um outro anseio, em que não há
projetos grandiosos, mas apenas o desenrolar minucioso do próprio presente. A prosa, a partir de

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SALDO E LEGADO DO MODERNISMO • CAPÍTULO 6

1980, não tem mais a preocupação com rupturas ou com o embate político que a arte engajada
de 1970 propusera. Ela tomará agora rumos diversos.

O que se pode identificar como evidências atuais da produção literária tem relação muito próxima
com a própria produção literária e sua recepção. Vejamos alguns desses pontos:

» a utilização das novas tecnologias na produção de literatura, com o surgimento da


Internet, acarretou um maior consumo da arte literária. A distância entre a arte popular
e a chamada arte erudita está sendo diminuída;

» a imagem do escritor como alguém especial, um escolhido, está desaparecendo do


imaginário popular, pois o autor está se transformando em um grande performer, devido
ao contato muito próximo com seus leitores, seja através de blogs, seja nas palestras em
grandes feiras literárias, como a de Parati;

» a diminuição das fronteiras entre escritor e crítico literário é evidente, muitas vezes,
aquele assumindo o papel deste e vice-versa;

» a presença de novas vozes, vindas das periferias das grandes cidades, usando seu próprio
discurso, começa a tomar o espaço do universo literário que antes lhes era negado.

Em relação aos aspectos literários propriamente ditos, a diversidade encontrada na literatura


das duas últimas décadas do século XX e das primeiras do século XXI não permite que a crítica já
possa definir características comuns entre seus escritores. Falta ainda ao crítico o distanciamento
necessário para chegar a certezas sobre esse período que estamos vivendo.

Por esse motivo, encerraremos este último capítulo com um quadro em que resumiremos algumas
características marcantes das obras de alguns autores das últimas quatro décadas. Nosso objetivo
é elencar alguns nomes que devem ser conhecidos por todos aqueles que, em sala de aula, lidarão
com o ensino da literatura brasileira.

1980 » Negação da arte engajada. » João Gilberto Nöll, Moacyr Scliar, Nélida
Pinõn, Roberto Drummond, Rubem Fonseca,
» Criação de pastiche (reler e reescrever o
Raduan Nassar.
moderno).
» Silviano Santiago, Fernando Sabino,
» Cruzamento da literatura com outras
Domício Proença Filho.
linguagens, especialmente do ensaio e da
mídia. » Valêncio Xavier.
» Relativização do conceito de autoria, ficção » Sérgio Sant’Anna.
e não ficção.
1990 » Explosão do conto. » Rubem Fonseca, Bernardo Carvalho, Luís
Fernando Veríssimo, Fernando Bonassi.
» Os problemas da população marginalizada:
mulheres, negros, gays, imigrantes. » João Ubaldo Ribeiro.
» Novo romance histórico.

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Século » Convivência pacífica dos mais diversos » Milton Hatoum, Luiz Ruffato, Marcelo
XXI estilos. Moutinho, Rubens Figueiredo, Adriana
Lunardi, Chico Buarque, Ferréz, Alberto
» Ficção explora a linguagem da televisão, da
Mussa, Cristovão Tezza.
publicidade, do cinema, da Internet.
» Revisão crítica do cânone literário.

Fonte: Elaboração da autora.

Temos consciência de que o quadro anterior não é suficiente para o domínio de um assunto
tão amplo, por isso recomenda-se a bibliografia ao final deste Livro Didático para que todos se
apropriem desses conhecimentos através de um trabalho pessoal.

A Internet é uma boa ferramenta de pesquisa, se soubermos selecionar o joio do trigo. Devemos
dar preferência aos artigos publicados pelos sites de universidades renomadas e/ou críticos
literários reconhecidos publicamente por seu saber.

A vida de um professor de Língua Portuguesa deve ser sempre pautada pela leitura/pesquisa.
Este Livro Didático é somente um pontapé inicial, certo?

Boas leituras!

Sintetizando

Neste sexto capítulo, vimos:

» as marcas de nossa produção literária na fase posterior ao Modernismo;

» as produções literárias das décadas de 1960 e 1970 analisando a relação causa-consequência provocada pela mudança de
sistema político no país;

» o sincretismo literário que marca a literatura brasileira a partir dos anos 1980;

» os ecos do Modernismo que permanecem até os dias atuais;

» os autores que iniciaram as suas produções literárias depois da última geração do Modernismo, com o objetivo de apontar
para os novos rumos de nossa produção literária, conhecida como Pós-Modernismo ou Literatura Contemporânea.

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