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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR


Vice-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação - VRPPG
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Mestrado em Psicologia

LIANE BASTOS LANDIM

A NOÇÃO DE DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO NA


ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA

The Concept of Psychological Diagnosis in the Person-Centered Approach

Fortaleza
2014
LIANE BASTOS LANDIM

A Noção de Diagnóstico Psicológico na Abordagem Centrada na Pessoa

The Concept of Psychological Diagnosis in The Person-Centered Approach

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Psicologia
da Universidade de Fortaleza, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Psicologia. Área de concentração:
Psicopatologia e Psicoterapia.

Orientadora: Professora Doutora Virgínia


Moreira.

Fortaleza
2014
AGRADECIMENTOS

À Deus, pela sua presença em minha vida, que usou este Mestrado para moldar-
me, e não apenas para escrever uma dissertação. Em quem eu confio plenamente todo
o meu Ser e todas as áreas da minha vida, pois entregue nas mãos d’Ele é que tenho
uma tendência atualizante para ver acontecer muito mais do que pedi ou pensei. Dentre
tantas coisas, Ele ensinou-me a ser mais obediente e determinada nos dias de
distração, mais cuidadosa nos momentos de argumentação, mais atenta na hora da
orientação, a ter mais discernimento nas inúmeras horas de leituras e escritas, a ser
mais sagaz nas minhas considerações, a amadurecer emocionalmente e continuar
estudando mesmo em momentos em que meu coração chorava. Bastaria agradecer só
à Ele, pois tenho ciência de que todas as outras pessoas a quem eu descrevo aqui
foram providências d’Ele para estarem comigo nesta caminhada. Decidi, contudo,
nomear algumas, pois merecem o crédito da gratidão sob a forma de reconhecimento
especial que elas têm na minha vida.
À minha família maravilhosa, que me apoia incondicionalmente, acredita no meu
potencial e a quem eu procuro como orientação e confirmação dos meus planos. Em
especial em ter me dado uma mãe que, generosa em me amar, me aceita
incondicionalmente e confia em mim. Eterna investidora nos meus sonhos, ela me
impulsiona a ir cada vez mais longe. É quem mais me ama e é expressão do amor de
Deus por mim. Só pode acreditar na minha tendência atualizante, assim como Deus.
Espero poder honrar toda a sua confiança e respeito por mim.
Aos meus irmãos, meu cunhado, minha cunhada e minha doce sobrinha Nicole,
que com conforto amoroso, ofereceram-me empatia sob a forma de escuta para os
meus discursos repetitivos e colo pro meu cansaço.
Ao meu avô, que através de seu exemplo de vida me ensinou que o trabalho
vence tudo. Os dons da determinação e perseverança não foram herdados, mas
inspirei-me nele para seguir adiante quando pensava que deveria parar, e em quem
continuou me inspirando todos os dias para alcançar a maestria em meu trabalho.
Ao meu pai, mesmo que sua presença nos dias de hoje seja distante e indireta.
Foi muito importante quando criança fazia-me “ter gosto” pelo conhecimento. Aprendi
que o valor do homem está naquilo que somos e não naquilo que temos.
Às minhas eternas orientadoras de carreira, Tatiana Tostes e Cristiane
Vasconcelos, que me fizeram despertar e me encantar pela avaliação psicológica e
pelo psicodiagnóstico. Assim como Rogers, sinto-me grata por não ter sido
veementemente influenciada psicanaliticamente por elas, mas sim motivada a pesquisar
livremente, permitindo-me ter minhas próprias experiências, até que minhas ideias
amadurecessem para engajar-me numa pesquisa de mestrado, e autorizando-me a
mergulhar mais profundamente.
Às minhas amigas do Mestrado, em especial à Virgínia Callou, com quem vivi
intensamente todos os momentos desta Pós. Costumo dizer que sabia que iria entrar
num laboratório de pesquisa que orientaria minha dissertação, mas não imaginava fazer
amizades que orientariam a minha vida. A aceitação positiva incondicional, a empatia e
a congruência estão presentes de forma natural e suficiente na nossa relação. As
coincidências que nos unem foram escritas no céu, e os nossos laços são para além
dos propósitos acadêmicos.
À Rebeca Correia, em quem encontro uma irmã, e não uma amiga.
Ao meu Laboratório de Pesquisa APHETO, que aceitou minha pesquisa de forma
crítica, porém acolhedora. Em especial à minha querida Orientadora de Monografia na
graduação, Tutora na Formação em Psicoterapia Humanista-fenomenológica e
Orientadora de Mestrado na pós-graduação, Virgínia Moreira. Antes de mais nada, ela
acreditou e confiou em mim, permitindo-me levá-la para embarcar numa viagem cuja
estrada era estreita e sinuosa. Agradeço pelo apoio e confiança, e sigo com todos os
aprendizados que vivi nesta jornada, tão importantes quanto aqueles que escrevi nesta
dissertação.
À FUNCAP, pelo suporte financeiro para realização desta pesquisa.
À minha banca avaliadora, que aceitou avaliar o meu trabalho de forma muito
cuidada e com valiosas contribuições.
Aos meus colegas da Formação Humanista-fenomenológica, Adília, Nina, Carol,
Sabrina, Manu, Flora, Marcela, Iago e Eduardo: obrigada pela amizade e pelo
coleguismo. Vocês formaram-me psicoterapeuta e pessoa.
À minha psicoterapeuta Dra. Ana Frota, que com suas atitudes rogerianas me
ajudaram a descobrir como este tema instiga-me, motiva-me, leva-me além. Ela que me
ajudou a compreender os sentidos que existem nesta empreitada acadêmica. Que me
auxiliou a curar as minhas asas, colocou-me de volta na estrada, e ajudou-me a
levantar voo pra trilhar novos caminhos...
Este foi apenas um degrau na minha formação, primeiro como pessoa, e depois
como profissional. Concluo a realização de um sonho e não apenas a defesa de uma
dissertação de Mestrado para obtenção de um título. “Se você não ama seu irmão, a
quem você vê, como pode amar a Deus a quem não vê?” Sinto que Deus usou todas
essas pessoas com aceitação positiva incondicional, empatia e congruência,
mostrando-me o quanto Ele me ama e é fiel. Foi isto que vocês demonstraram por mim:
amor e confiança. Sinto-me viva e sabendo que eu posso ir cada vez mais longe,
escalar lugares bem altos e buscar a excelência no meu trabalho. Hoje ando rápido,
pois tenho pressa em ajudar, em contribuir, em poder devolver para aqueles que me
pedem ajuda, aquilo que eu encontrei: o prazer de viver.
RESUMO

Nesta dissertação, nós pesquisamos a maneira pela qual a noção de diagnóstico


psicológico foi vista na Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), desde o momento em
que Carl Ransom Rogers, autor da ACP, iniciou sua prática clínica, até os estudiosos
contemporâneos desta abordagem. Para este fim, realizamos uma ampla revisão
bibliográfica da obra de Rogers e seus principais comentadores e uma revisão
sistemática de literatura nas bases de dados Google Acadêmico, Scielo, BVS-Portal,
Portal Capes, Science Direct, IBICT, World Association for the Person Centered &
Experiential Psychotherapy & Counselling, American Psychological Association (APA) –
Society for Humanistic Psychology. A noção de diagnóstico psicológico se modificou na
medida em que o pensamento de Rogers evoluía e por isto precisa ser compreendida à
luz do contexto em que a ACP se desenvolveu. Dentre as principais considerações de
Rogers sobre o diagnóstico psicológico tradicional, sublinhamos que: a realização de
um diagnóstico psicológico tradicional não é responsável por uma psicoterapia bem
sucedida; um diagnóstico psicológico tradicional pode concentrar no psicoterapeuta
uma função de autoridade e de saber sobre o seu paciente, tirando-lhe a sua autonomia
e responsabilidade com o tratamento; um diagnóstico psicológico tradicional pode
impedir que as condições necessárias e suficientes para o estabelecimento de uma
relação entre cliente e psicoterapeuta sejam alcançadas. Na medida em que a ACP
defende uma nova visão de homem e propõe uma nova forma de abordar suas
questões, também refere o diagnóstico psicológico por outra perspectiva: a de uma
atividade de compreensão processual do sujeito e de suas experiências, que acontece
no seio de uma relação psicoterápica.

Palavras-chave: Abordagem Centrada na Pessoa, Teoria Psicológica, Psicoterapia,


Diagnóstico Psicológico.
ABSTRACT

In this dissertation, we made a research about the way that the concept of psychological
diagnosis was understood in the Person Centred Approach (PCE), starting when Carl
Ransom Rogers, its author, began his clinical practice, until the studies nowadays. To
achieve this objective, we made a study in Rogers´ and his commentators literature. We
also researched this theme through a systematic review of the literature in the following
database: Academic Google, Scielo, BVS-Portal, Portal Capes, Science Direct, IBICT,
World Association for the Person Centered & Experiential Psychotherapy & Counselling,
American Psychological Association (APA) – Society for Humanistic Psychology. The
concept of psychological diagnosis has changed a lot with the evolvement of Rogers´s
thoughts about the PCE and therefore needs to be comprehended in the context where
the PCE was developed. Among Rogers´s main considerations about the traditional
notion of psychological diagnosis, we underline that: this activity isn´t responsible for an
efficient psychotherapy; this traditional diagnosis can concentrate authority and
knowledge on the psychotherapist rather than on the client, lacking autonomy and
responsibility with the treatment; this activity can be a barrier for the conditions of worth
for the establishment of a relationship between psychotherapist and client. As the PCE
defends a new perspective of the human being and proposes a new way to approach
his issues, it also refers a new view to the psychological diagnosis: an activity of process
comprehension of the person and his experience, happening in the context of a
psychotherapeutic relationship.

Key-words: Person Centred Approach, Psychological Theory, Psychotherapy,


Psychological Diagnosis.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................10

OBJETIVOS ............................................................................................................22

METODOLOGIA ......................................................................................................23

1 A PERSPECTIVA DE CARL RANSOM ROGERS SOBRE DIAGNÓSTICO

PSICOLÓGICO ........................................................................................................26

1.1 O Autor e a Obra ......................................................................................26

1.2 O Ponto de Partida ...................................................................................35

1.3 O Diagnóstico Psicológico e a Fase Não-diretiva .................................46

1.4 O Diagnóstico Psicológico e a Fase Reflexiva ......................................59

1.5 O Diagnóstico Psicológico e a Fase Experiencial .................................72

1.6 O Diagnóstico Psicológico e a Fase Coletiva ........................................89

2 O DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO NA FASE NEORROGERIANA OU PÓS-

ROGERIANA .............................................................................................................98

CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................122

REFERÊNCIAS ........................................................................................................136
INTRODUÇÃO

A definição do termo “diagnóstico” em um dicionário etimológico online 1


atribui o seu significado à palavra grega diagnose, que, por sua vez, pode ser
decomposta em dia e gnosis, tendo os respectivos significados de “através” e
“conhecer, discernir, saber, distinguir”. O Grande Dicionário Etimológico-
Prosódico da Língua Portuguesa (Bueno, 1963) atribui o significado de
“descrição minuciosa” aos termos “diagnóstico”, “diagnosticar” e “diagnose”. A
Enciclopédia Barsa Universal (2007/2009) define o verbo diagnosticar como
“identificar certos fenômenos a partir das suas manifestações” (p. 1902), e
diagnóstico como “conjunto dos sintomas de uma doença” (p. 1902). A
Enciclopédia Brasileira Mérito (1981) define diagnóstico como sendo a “distinção
ou determinação de qualquer categoria taxionômica” (p. 131). A Grande
Enciclopédia Delta Larousse (1970) conceitua o termo diagnóstico como sendo:

o ato médico mais importante, porquanto conduz à prescrição do tratamento mais


indicado. É, muitas vezes, bastante difícil e exige, da parte do médico, não apenas
conhecimentos teóricos e experiência, mas também capacidade de julgar e um bom
desenvolvimento do sentido de intuição (que se chama ôlho clínico, senso clínico). O
diagnóstico é constituído por fases sucessivas: estudo do modo pelo qual a doença
começou, os antecedentes patológicos do paciente; exame clínico, completado
frequentemente por exames de laboratório e por investigações complementares
(radiológicas, endoscópicas, eletrocardiográficas etc.). Os elementos recolhidos são em
seguida grupados, permitindo assim estabelecer, ou, pelo menos, considerar um
diagnóstico positivo. A partir deste pode ser elaborado o diagnóstico diferencial, que
consiste em examinar os sinais comuns de diferentes tipos de afecções com a doença
em questão. O diagnóstico etiológico ou pesquisas da causa da afecção (identificação do
agente etiológico) é o resultado lógico da conduta, do raciocínio. Sendo determinado o
diagnóstico, poderá o médico estabelecer o prognóstico, isto é, a evolução provável da
doença, na dependência da terapêutica prescrita. (p. 2166)

Por meio destas definições aprendemos que o termo “diagnóstico” tem na sua
origem os significados de discernimento, faculdade de conhecer, de reconhecer,
de ver por meio de uma descrição. Contudo, este é um termo que desde
Hipócrates está associado às atividades médicas e trabalhos em saúde. Neste
contexto, conforme foi exposto, ele adquire o sentido de um modo de conhecer

1
http://www.dicionarioetimologico.com.br/

10
doenças através de sinais e sintomas, uma forma de investigação baseada em
evidências que norteie a expectativa quanto ao desenvolvimento do caso.
Buscando também compreender o significado do diagnóstico no contexto
dos estudos em Psicologia, aprendemos com Araújo (2007) que no início do seu
desenvolvimento da Psicologia, os psicólogos

atuavam, basicamente, como auxiliares do médico no diagnóstico diferencial de


psicopatologias. Preocupados em avaliar com objetividade, para indicar o tratamento
mais eficaz, os psicólogos incorporaram às suas práticas de avaliação características do
modelo de diagnóstico médico, tais como: a ênfase nos sintomas, o uso da classificação
nosológica e o emprego de testes (exames), para identificar determinadas
características patológicas da personalidade do indivíduo (p. 127).

Assim, na história do surgimento da Psicologia, encontramo-la fortemente


associada ao modo pelo qual o psiquiatra trabalhava, transferindo os modelos
de abordagem das patologias físicas para as patologias psiquiátricas,
categorizadas nos saberes das psicopatologias. Se o diagnóstico é uma
atividade fundamental para abordar, conhecer, classificar e tratar as doenças
físicas, ele também passou a ser o parâmetro para avaliação dos transtornos
psiquiátricos (Augras, 1978/2011; Durange & Cordeiro, 2013; Trinca, 1984).
Baseados em nosologias, etiologias e quadros sintomáticos possíveis de
serem abordados com base em métodos “imparciais” e experimentais como
instrumentos de medidas, diversos estudiosos da psicologia, como Wundt,
desenvolveram modelos médicos, psicométricos e behavioristas, com o objetivo
de chegar a um conhecimento objetivo de um fenômeno e, finalmente, encontrar
as relações de causalidade nos distúrbios psicológicos (Augras, 1978/2011;
Trinca, 1984). Portanto, no início do século XX, os trabalhos em Psicologia se
concentravam nos campos de testagem psicológica e de trabalhos
experimentais em laboratórios, e a psicoterapia apenas começou a ganhar
popularidade por volta dos anos 1930 (Araújo, 2007; Kirschenbaum, 2007/2009).
Este é o formato de trabalho que norteia a criação dos manuais de diagnóstico
psicológico, os que citamos há pouco, e que sustentam muitas práticas em
psicologia, como os atendimentos de avaliação psicológica, psicodiagnóstico e
psicoterapia.

11
É isto que observamos no Manual Diagnóstico e Estatístico IV – DSM-IV
– e na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da
Classificação Internacional de Doenças – CID-10, utilizados pela Psiquiatria e
transpostos também para a Psicologia. Estes manuais têm o objetivo de permitir
o desenvolvimento de um sistema mais preciso acerca da etiologia e da
nosologia dos transtornos mentais a partir dos seus sintomas, de formas a
possibilitar a identificação do que um sujeito possa ter em comum com outros
indivíduos. Por meio de um sistema de classificação, os cientistas acreditam ser
possível ordenar e comunicar o conhecimento acerca dos transtornos (American
Psychiatric Association, 2000; Barlow & Durand, 2011).
O surgimento da Psicologia Clínica ganhou ainda mais força com a
Psicanálise e a Psicologia Comportamental, que eram as vertentes psicológicas
que se desenvolviam amplamente por se aproximarem das questões
psicológicas a partir da mesma lógica médica, tendendo a enxergar o indivíduo a
partir das lentes da doença, reduzindo-o ao seu funcionamento disfuncional, às
respostas condicionadas ou aos impulsos e instintos. Quanto a isto, Frota (2012)
afirma que:

a adaptação do objeto de estudo da psicologia, o psiquismo humano, aos princípios da


mecânica clássica de Newton fez-se no sentido de busca da cientificidade. É assim que
a Psicanálise de Freud e o Behaviorismo de Skinner se enquadram no mecanicismo da
ciência positivista (p. 170).

É por isto que os primeiros testes psicológicos tiveram como embasamento


teórico, a teoria psicanalítica ou a comportamental (Bacellar, Rocha & Flor,
2013; Boainain Jr., 1998; Cooper, O´Hara, Schmid & Bohart, 2007/2013;
Durange & Cordeiro, 2013; Gomes, Holanda & Gauer, 2004).
Estes estudiosos discordavam, contudo, dessas teorias em pleno
crescimento, por acharem-nas deterministas, dicotômicas, mecanicistas e
reducionistas, compreendendo que o funcionamento psicológico era distinto do
funcionamento orgânico. Constatava-se mais e mais o fato de que quadros
sintomáticos semelhantes estavam associados a diferentes causas e a
classificações psicopatológicas distintas, não podendo ser compilados da forma

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linear e mecanicista como vinha ocorrendo. É com estas oposições às teorias
psicanalíticas e comportamentais, que a terceira força em Psicologia, a
Psicologia Humanista encontra terreno sólido para desenvolver-se. Com as
teorias da Gestalt-terapia, Logoterapia e Abordagem Centrada na Pessoa
(ACP), ela tem seu início relacionado à ocorrência do Simpósio de Psicologia
Existencial, em 1959, organizado por May e com a presença de Maslow, Allport,
Rogers e outros estudiosos (Boianain Jr., 1998; Feijoo & Mattar, 2009; Frota,
2012; Gendlin, 1992; Gomes et al., 2004; Moreira, 2010a), e à publicação da
Revista de Psicologia Humanista em 1961, e a criação da Associação
Americana de Psicologia Humanista, em 1963 (Boainain Jr., 1998; Feijoo &
Mattar, 2009).
Frota (2012) ensina que essas vertentes humanistas eram “unidas
especialmente pela oposição às abordagens citadas, assim como pela
convergência em torno de algumas propostas comuns” (p. 170), defendiam a
impossibilidade da total separação entre o sujeito e o seu objeto de estudo,
recusando uma psicologia positivista, objetiva, mecanicista, reducionista e
experimental (Boainain Jr., 1998; Cooper et al., 2013; Feijoo & Mattar, 2009;
Gendlin, 1992; Gomes et al., 2004; Moreira, 2009a). Também eram propostas
holísticas, apontando que “a consciência, a vida intencional, determina e é
determinada pelo mundo, sendo fonte de significação e valor” (Trinca, 1984, p.
7), defendendo a liberdade, a dignidade e a integridade humana e enfatizando o
livre-arbítrio, a experiência consciente e o poder humano (Boainain Jr., 1998;
Feijoo & Mattar, 2009).
A Psicologia Humanista propõe, então, uma nova forma de conceber o
sujeito, buscando a pessoa do sintoma e da patologia, resgatando o valor
humano e propondo uma Psicologia baseada nele. Como Boainain Jr. (1998)
bem explica “é justamente a dimensão subjetiva dos sentimentos, das emoções,
dos valores, das inter-relações, dos significados, da vontade, dos anseios, da
criatividade, da experiência e da vida consciente, o objeto de estudos que,
prioritariamente, a psicologia humanista quer abordar” (p. 35).

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Acerca da Psicologia Humanista, Trinca (1984) explica que as correntes
humanistas compreendem o indivíduo e seu mundo de forma global,
interessando-se pela compreensão dos significados de suas experiências e se
afastando de toda forma reducionista de perceber o homem. Frota (2012) ensina
que para esta abordagem “torna-se clara a negação da perspectiva pessimista e
psicopatologizante da metapsicologia freudiana” (p. 170). Feijoo e Mattar (2009)
afirmam que para a psicologia humanista os sintomas são um modo de o sujeito
se inserir no mundo, bloqueando os aspectos do ambiente e preservando o
máximo que consegue de si mesmo. Se assim o compreendem, a Psicologia
Humanista se distancia do modo de diagnóstico psicológico como proposto
pelos seus antecessores. Além disto, já que os instrumentos psicológicos estão
constituídos sob uma lógica reducionista, é amplamente difundida a oposição
das Psicologias Humanistas quanto ao trabalho com testes, além de serem
inúmeras as ressalvas ao diagnóstico psicológico (Araújo, 2007; Trinca, 1984).
Concordando com Trinca (1984) acerca da perspectiva reducionista dos
testes, Boainain Jr. (1998) questiona: “Como se pode, então, em nome da
ciência, fechar os olhos ao que de mais significativo e característico há para se
investigar no objeto que se tem para estudo?” (p. 35). Como é possível
compreender o sujeito sem considerar toda a dimensão subjetiva da sua
existência e apenas perceber seus sintomas e imprimir-lhe um diagnóstico?
Parece que a noção de diagnóstico psicológico na abordagem humanista da
Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) carece de um estudo mais detalhado.
A Abordagem Centrada na Pessoa foi criada por Carl Ransom Rogers,
psicólogo norte-americano. Enquanto tentava desenvolver uma nova proposta
de trabalho, Rogers acabou percebendo que uma nova visão de homem
norteava e sustentava sua prática. Para ele, o homem é um ser total que tem um
potencial natural inerente de crescimento, a tendência atualizante, desde que lhe
sejam conferidas condições necessárias e suficientes: a aceitação positiva
incondicional, a empatia e a congruência. Por meio de uma relação interpessoal
psicoterapêutica na qual estas condições estejam presentes, o psicoterapeuta
coloca a ênfase na experiência presente, no “aqui e agora”, na valorização dos

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sentimentos e das respostas emocionais, na recusa às explicações causais do
comportamento, oferecendo oportunidades para que o homem se desenvolva.
Todas estas ideias denotam uma ênfase na ordem subjetiva, sendo amplamente
articuladas teoricamente, e com o empenho, numa busca de alcançá-las e
demonstrá-las na prática, refletindo o forte comprometimento do criador da ACP
com a Ciência (Cohen, 1997; Cooper et al., 2007/2013; Feijoo & Mattar, 2009;
Freire, 2009; Frota, 2012; Gendlin, 1992; Gomes et al., 2004; Holanda, 1994;
Rogers & Kinget, 1977; Kirschenbaum & Henderson, 1989; Moreira, 2007;
Rogers, 1961/2001, 1980/2010; Rogers & Russell, 2002; Rogers & Stevens,
1967/1976; Pinto, 2010a; Prouty, 1994/2001).
Assim como as Psicologias Humanistas, a ACP também não se propõe a
trabalhar com a noção de psicopatologia embasada na lógica médica que
descrevemos. Sobre este assunto, Rogers e Kinget (1977) bem salientam que “a
terminologia psicoclínica corrente, tomada principalmente do campo médico,
presta-se pouco à expressão do pensamento rogeriano” (p. 26). Carl Rogers,
criador da ACP, acreditava ser preciso dar lugar a uma nova forma de pensar o
adoecimento, cujos métodos não incluiriam uma prática diagnóstica, mecanicista
e impregnada de medicina, para que fosse possível desenvolver atividades
terapêuticas (Bacellar, Rocha & Flôr, 2013; Boainain Jr., 1998; Durange &
Cordeiro, 2013; Feijoo & Mattar, 2009). Vieira e Freire (2012) esclarecem que
para Rogers o diagnóstico “desconsideraria a pessoa em terapia, ou seja, poder-
se-ia aprisioná-la num determinado diagnóstico e desconsiderar sua
singularidade, ou, nos dizeres rogerianos, deixar-se-ia de vê-la como uma
pessoa” (p. 58). Entendemos, então, que neste sentido, a prática diagnóstica
usual não dialoga com a proposta de trabalho rogeriana.
Rogers e Kinget (1977), referindo-se à ACP, explicam que “uma
concepção positiva – senão otimista – como esta, baseada na existência de uma
tendência inerente, ainda que instável, para a maturidade psíquica, é demasiado
diferente das teorias, tradicionais ou correntes, para ser admitida facilmente e
sem reservas” (p. 56). É isto que percebemos com tamanhas críticas e ressalvas
que a ACP recebeu. Moreira (2007) comenta que, ao focarem muito nos

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significados das experiências, diversos representantes das abordagens
humanistas se despreocuparam com o embasamento metodológico e teórico de
suas atividades, ficando conhecidos por atuações baseadas na subjetividade e
na intuição, com ênfase em vivências e experiências. Van Dusen (1967/1976)
afirmava que “existem tabus entre o campo científico e o humanismo. Para o
humanista, é uma séria transgressão procurar qualquer relação científica em
suas observações ou opiniões sobre o homem” (p. 247). Sobre isto, Thorne e
Sanders (1992/2013) consideram que a Abordagem Rogeriana foi acusada de
não se preocupar com a pesquisa, o que eles apontam como uma acusação
falsa diante da amplitude de pesquisas promovidas e publicadas por seu criador.
Por meio destas críticas, percebemos que a ênfase na subjetividade e em
uma lógica de pensamento divergente, como as engendradas pela ACP,
conferia-lhe uma reputação de pouco comprometimento científico. Talvez tenha
sido por isto que ela tenha sido fortemente rejeitada na Europa, posta em dúvida
quanto à sua capacidade psicoterapêutica, sendo acusada de superficialismo,
anti-intelectualismo, romantismo, além de ser simplificada demais (Boianain Jr.,
1998; Holanda, 1994; Kirschenbaum & Henderson, 1989; Moreira, 2007; Prouty,
1994/2001). Pinto (2010a) acrescenta que

existe um mito, que acredito que tenha surgido a partir da falta de informação dos
professores universitários que não simpatizam ou desconhecem essa abordagem, que
ela não tem condições de lidar com determinado tipo de pessoas ou problemas, e que
ela ficaria restrita a ajuda de pessoas com “problemas leves” ou “superficiais” (p. 83).

Esta citação pode engendrar discussões infindáveis acerca de como avaliar a


seriedade dos problemas psicológicos. Como afirmar que uma abordagem é
mais indicada para determinado tipo de problema? Questionamo-nos que
abordagem seria preferencial aos diferentes tipos de problemas e encontramos
em Freire (2009) uma alerta

a psicoterapia centrada na pessoa é, em geral, imensamente mal-compreendida nos


meios acadêmicos. A teoria da terapia centrada na pessoa é considerada “simplista” e
sua prática desinteressante, fácil ou superficial. Terapeutas que preferem se gabar de
sua expertise e de seus conhecimentos teóricos olham com desdém para uma
abordagem que recomenda ao terapeuta “apenas” a vivência de três atitudes...
Terapeutas que necessitam se sentir “poderosos” ou “em controle” menosprezam uma

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abordagem terapêutica na qual o cliente, e não o terapeuta, é o guia do processo
terapêutico. Psicólogos que fazem questão de exibir com orgulho seu diploma e suas
credenciais consideram inócua uma abordagem terapêutica na qual o terapeuta não faz
anamneses, não faz psicodiagnósticos e não elabora planos de tratamentos (p. 26).

Por meio desta afirmação, compreendemos que uma abordagem simplista só


poderia tratar de problemas superficiais. Prouty (1994/2001) esclarece que a
psicoterapia centrada no cliente sofreu mal-entendimentos por ter sido acusada
como psicoterapêutica apenas para pessoas com dificuldades de ordem
existencial. Embora o foco desta dissertação não seja discutir os parâmetros
utilizados para julgar se uma abordagem é superior a outra, não podemos deixar
de perceber, contudo, a presença deste tipo de comentário preconceituoso e
pernicioso quanto à abordagem. Alguns debates apontavam a ACP como uma
abordagem laisser-faire, expressão francesa que traduzida significa “deixar
fazer”, como se a postura do psicoterapeuta fosse de permitir que o cliente
atuasse na psicoterapia sem qualquer intervenção do clínico e como se ele
fosse inativo. Rogers e Kinget (1977) esclarecem que a atribuição do laisser-
faire como característica da abordagem é uma má-compreensão da sua
característica não-diretiva, proposta inicial de Rogers. Diferenciando a não-
direção do laisser-faire, explicam que os dois termos não têm nada em comum e
que o primeiro está inspirado numa atitude positiva de profundo respeito,
compreensão e de acolhimento, enquanto que o segundo assume um caráter de
indiferença e de desinteresse. A anuência do clínico a ações intervencionistas
caracterizou a abordagem em seu início como uma psicoterapia da catálise,
opondo-se à análise.
Com tantos debates acerca da ACP, estudiosos se debruçaram sobre
algumas perspectivas filosóficas, na tentativa de apontar embasamentos mais
sólidos e consistentes para ela, articulando-os com as abordagens humanistas.
Frota (2012) considera que “como resposta a esta falta, muitos profissionais com
formação humanista (...) iniciaram um período muito fértil de produção teórica,
capaz de dar suporte à prática psicoterápica, através de pesquisas com base
fenomenológica e existencial” (p. 171). Van Dusen (1967/1976, p. 247) defende
que “é preciso encontrar a experiência humana com que a ciência vai lidar”.

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Instigada pelo problema da noção de diagnóstico psicológico, inspirada
pelo enorme compromisso científico que Rogers empreendeu no
desenvolvimento de sua teoria, e pelo esforço dos atuais estudiosos de
oferecerem novas contribuições inspiradas na ACP, durante a graduação em
Psicologia, aprofundamo-nos nos estudos sobre os temas do diagnóstico
psicológico e a Abordagem Centrada na Pessoa, questionando qual seria a
perspectiva da ACP quanto ao diagnóstico psicológico, já que Rogers parecia
discordar das propostas do DSM-IV e da CID-10.
Passeando rapidamente pelas obras de Rogers, descobrimos que elas
estão divididas por fases, conforme apontam Cury (1987), Holanda (1994) e
Moreira (2010, 2013). Estas fases são um parâmetro meramente didático para
compreender as ideias de Rogers e a sua trajetória de trabalho, sendo
conhecidas como: Fase não-diretiva (1940-1950), Fase reflexiva (1950-1957),
Fase experiencial (1957-1970). Holanda (1994) e Moreira (2013) tratando acerca
do período de trabalhos de Rogers posteriores à fase experiencial, propuseram
agrupá-los em Fase inter-humana ou Fase coletiva. Após a morte de Rogers,
Moreira (2010b, 2013) propôs ainda uma quinta fase, chamando-a de pós-
rogeriana ou neorrogeriana e que contempla os desenvolvimentos
contemporâneos de estudiosos inspirados na ACP.
Embora a primeira inserção profissional de Rogers não seja considerada
como a primeira fase de seu pensamento, o trabalho no Departamento de
Estudos sobre a Criança, em Rochester (Rogers, 1939/1979), norteava-se por
uma perspectiva diagnóstica cujo objetivo era compreender plenamente as
forças e os padrões de vida, feitos por via do método do estudo completo da
história do caso. Nesta época, antes de propor sua psicoterapia não-diretiva
inovadora, Rogers citava alguns casos em que o diagnóstico se faria
imprescindível e até preventivo, antes de iniciar um processo psicoterápico,
como acentua: “iniciar a psicoterapia sem um estudo de diagnóstico pode
apenas mergulhar o paciente mais profundamente no desespero” (Rogers,
1939/1979, p. 92). Orientado desta maneira, o diagnóstico seria a atividade que

18
norteia o tratamento, sendo primordial para qualquer decisão terapêutica, assim
como aparece nos modelos de atuação médica.
Após este período em Rochester, a obra Psicoterapia e Consulta
Psicológica (Rogers, 1942/1974) se tornou o marco para a primeira fase do seu
pensamento: Rogers passou a considerar que o tratamento deveria iniciar pela
consulta psicológica, e sem o estudo prévio do diagnóstico, acentuando que
“esta maneira de proceder está inteiramente justificada se o conselheiro estiver
vigilante em face dos aspectos cruciais da situação tal como ela se manifesta na
primeira entrevista” (Rogers, 1942/1974, p. 92). Parece-nos que Rogers começa
a refletir acerca deste modelo de atuação diagnóstica que vinha exercendo,
questionando-o articulado com suas novas considerações sobre o ser humano e
a psicoterapia.
A obra seguinte, Terapia Centrada no Cliente expôs a fase reflexiva do
pensamento de Roger (1951/1992) em que ele afirma que “a terapia não é
desenvolvida a partir do diagnóstico” (p. 253). Embora não considerasse mais o
diagnóstico como primordial para nortear o tratamento, também afirmou que o
psicoterapeuta deveria criar condições para que o cliente fosse capaz de “fazer,
experimentar e aceitar o diagnóstico dos aspectos psicogênicos de seu
desajustamento” (p. 256). A noção de diagnóstico prévio como necessário às
orientações psicoterapêuticas não parece mais ter sentido para Rogers.
Indagamo-nos, contudo, o que ele queria dizer quando afirma que o cliente
poderia fazer, experimentar e aceitar o seu diagnóstico de aspectos
psicogênicos de seu desajustamento. A que tipo de diagnóstico ele se referia?
A fase seguinte, a Experiencial, encontra suas ideias, sobretudo na obra
Tornar-se Pessoa, onde, acerca do diagnóstico, Rogers (1951/1992, p. 256)
afirmava que “num sentido muito significativo e acurado, a terapia é diagnóstico,
e esse diagnóstico é um processo que se desenrola mais na experiência do
cliente do que no intelecto do terapeuta”. Parece-nos que Rogers começou a
refletir sobre um modelo de diagnóstico que já não tinha qualquer relação com
os padrões médicos, pois deixava claro que ele não é primordial, é uma terapia,
cuja responsabilidade é do próprio cliente.

19
Nas suas atividades seguintes, o foco de trabalho deslocou-se de
atendimentos individualizados para os grupos de encontro, o que caracteriza a
fase coletiva ou interhumana. Tinha interesse na formação de seres humanos
socialmente comprometidos, recusando-se a olhar para a pessoa apenas como
um número, pouco abordando o tema do diagnóstico (Cohen, 1997;
Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers & Rosenberg, 1977/2011). Distanciou-se de
atividades eminentemente clínicas, e o tema do diagnóstico já não era
comentado.
Embora Gendlin (Rogers e Russel, 2002), tenha afirmado que Rogers
“achava que os diagnósticos eram inadequados, prejudiciais e mal utilizados,
então ele os eliminou”2 (p. xiv), pelo rápido passeio em suas obras, entendemos
que Rogers não os eliminou, mas apresentou noções variadas de diagnóstico
psicológico na ACP.
Parece-nos que o tema carece, portanto, de maior esclarecimento e de
articulações em toda a sua abordagem. Além disso, Augras (1978/2011) propõe
uma perspectiva fenomenológica semelhante a esta acerca do diagnóstico,
afirmando que “o diagnóstico procurará dizer em que ponto de sua existência o
indivíduo se encontra e que feixe de significados ele constrói em si e no mundo”
(Augras, 1978/2011, p. 13). De semelhante modo, originada na ACP e inspirada
na fenomenologia de Merleau-Ponty, Moreira (2007, 2009, 2013) trabalha com
uma psicoterapia humanista-fenomenológica. Acerca do tema do diagnóstico
psicológico, em um caso clínico, ela assinala que “o diagnóstico deve sim ser
utilizado no sentido de facilitar a compreensão da experiência vivida pelo
paciente, mas nunca se pode esquecer de que o diagnóstico é uma lente para
compreender esta experiência” (Moreira, 2007, p. 33). Entendemos que a
pesquisadora enfatiza a importância do diagnóstico estar sempre “entre
parênteses”, de acordo com a redução fenomenológica.
Estas diferentes compreensões sobre diagnóstico psicológico na ACP
fortaleceram e delinearam o nosso interesse em pesquisar a da noção de
diagnóstico psicológico ao longo do desenvolvimento da ACP. Para este fim, o

2
“He found diagnostics to be inadequate, prejudicial and often misused; so he eliminated it” (tradução nossa).

20
Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza acolheu
nossos questionamentos para que fossem pesquisados sob a orientação da
Professora Doutora Virgínia Moreira no Laboratório de Psicopatologia e
Psicoterapia Humanista-Fenomenológica Crítica (APHETO).
Esta pesquisa está norteada pelas seguintes questões: qual a noção de
diagnóstico psicológico na obra de Rogers? Quais as suas origens e
transformações? Como as perspectivas de Rogers quanto ao diagnóstico
psicológico se modificaram na medida em que as condições de aceitação
positiva incondicional, compreensão empática e congruência foram se
formulando? Qual a produção bibliográfica acerca do tema do diagnóstico
psicológico na ACP na contemporaneidade?

21
OBJETIVOS

Geral
Discutir a noção de diagnóstico psicológico na Abordagem Centrada na Pessoa.

Específicos
 Apresentar a perspectiva de Rogers sobre o diagnóstico psicológico ao
longo do desenvolvimento de sua obra;
 Articular as principais ideias da ACP com a perspectiva do diagnóstico
psicológico;
 Discutir a contribuição dos estudiosos contemporâneos ao
desenvolvimento do diagnóstico psicológico na ACP.

22
METODOLOGIA

Neste tópico, descrevemos o quadro do referencial teórico no qual


encontramos os resultados do problema de pesquisa desta dissertação. Por se
tratar de uma pesquisa qualitativa e teórica que buscava compreender as
noções de diagnóstico psicológico ao longo do desenvolvimento da Abordagem
Centrada na Pessoa desde o seu criador até os atuais trabalhos publicados na
área, realizamos um levantamento bibliográfico do tema tanto na ampla literatura
impressa disponível, quanto nos textos virtuais publicados em revistas
científicas, o que caracterizou esta pesquisa como exploratória-descritiva
(González Rey, 2002).
Este levantamento bibliográfico contemplou duas fases. A primeira
constitui-se de uma ampla revisão narrativa na literatura impressa, incluindo
obras da ACP desde a primeira, em 1939, de seu criador, Carl Rogers, até os
dias atuais. Consideramos obras nas línguas inglesa, espanhola, francesa e
italiana, que fossem de autoria de Carl Rogers ou mantivessem relação direta
com o tema da Abordagem Centrada na Pessoa no seu título. Nos capítulos 1 e
2 desta dissertação, estas obras são discutidas no levantamento bibliográfico.
Em seguida, empreendemos uma revisão sistemática de literatura
(Pereira & Bachion, 2006), coletando trabalhos disponíveis por meio da internet
nas seguintes bases de dados: Google Acadêmico, Scielo, BVS-Portal, Portal
Capes, Science Direct e IBICT. Além disto, fizemos assinatura dos seguintes
periódicos internacionais que compilam trabalhos significativos sobre a ACP na
contemporaneidade, no sentido de ampliar a nossa busca: World Association for
the Person Centered & Experiential Psychotherapy & Counselling, American
Psychological Association (APA) – Society for Humanistic Psychology (division
32).
Escolhemos descritores que englobassem a problematização deste
projeto, sendo eles: centrado(a) na pessoa e diagnóstico, centrado(a) no cliente
e diagnóstico, Carl Rogers e diagnóstico, rogeriano e diagnóstico; centrado(a) na

23
pessoa e psicopatologia, centrado(a) no cliente e psicopatologia; Carl Rogers e
psicopatologia; rogeriano e psicopatologia; centrado(a) na pessoa e transtorno,
centrado(a) no cliente e transtorno, Carl Rogers e transtorno; rogeriano e
transtorno. Tentamos localizá-los no título, resumo ou palavras-chave do
trabalho, objetivando realizar um levantamento abrangente que incluísse o maior
número de estudos da área. Esta busca incluiu artigos publicados em inglês,
espanhol, francês e italiano, desde 1987, ano do falecimento de Rogers e,
portanto, do início da fase neorrogeriana. Foram identificados 27 abstracts de
artigos científicos indexados. Todos eles foram lidos, mas nem todos foram
incluídos por não discutirem o tema desta pesquisa.
A apresentação dos resultados da pesquisa também foi estruturada de
duas diferentes formas. Para desenvolvermos o primeiro capítulo que contempla
a noção de diagnóstico psicológico na obra de Carl Ransom Rogers nos
apoiamos na divisão didática da literatura da obra de Rogers, conforme Holanda
(1994) afirma que há “fases bem distintas que servem de parâmetro para a
compreensão de sua teoria como um todo” (p. 4). Em subtópicos, apresentamos
Rogers e sua trajetória de trabalho, e mostramos a maneira pela qual a
perspectiva do diagnóstico foi considerada com origem em cada fase do seu
pensamento. A divisão adotada para este fim é quanto às psicoterapias: fase
não-diretiva (1940–1950), fase reflexiva (1950–1957), fase experiencial (1957–
1970) (Cury, 1987; Holanda, 1994; Moreira, 2010, 2013), e a fase coletiva,
conforme proposta por Moreira (2013) ou chamada por Holanda (1994) como
fase inter-humana.
O segundo capítulo diz respeito à fase Neorrogeriana, conforme Moreira
(2007, 2010b, 2013) propôs em seus estudos, como a última fase referente à
ACP. Abordamos, portanto, a perspectiva dos estudiosos contemporâneos
quanto ao tema do diagnóstico psicológico na ACP, conforme os autores dos
artigos pesquisados.
Não pretendemos esgotar o conteúdo acerca da noção de diagnóstico
psicológico na ACP. Pelo caráter qualitativo desta pesquisa e pela preferência de
pensar fenomenologicamente acerca deste tema, na medida em que

24
entrávamos em contato com ele, nos indagamos tentando compreender a
produção de sentidos atribuídos pelos autores a este tema, relacionados com a
história, o espaço, a cultura da qual ele faz parte (Frota, 2012; González-Rey,
2002; Gunther, 2006).
Deste modo, para a discussão dos resultados, além de apontar o que se
produziu acerca da noção de diagnóstico psicológico na ACP, expomos o
contexto em que o tema do diagnóstico psicológico foi abordado, propondo um
diálogo entre os diferentes autores e comentadores. Acreditamos que os
resultados apresentam a compreensão de uma noção de diagnóstico psicológico
para a ACP que é necessariamente histórica, crítica, parcial, relativa e
processual; construída, contudo, sobre uma base conceitual aprofundada,
organizada e contextualizada.

25
CAPÍTULO 1

A PERSPECTIVA DE CARL RANSOM ROGERS SOBRE DIAGNÓSTICO


PSICOLÓGICO

1.1 O Autor e a Obra

“Para conhecer Rogers, é necessário


conhecer suas raízes”3 (Cohen, 1997,
p. 20)

Como foi ressaltado por Thorne (2002) e Thorne e Sanders (1992/2013),


Carl Ransom Rogers é um produto genuíno da América, não um imigrante
europeu, como os outros estudiosos da mesma área. Kirschenbaum e
Henderson (1989), Kirschenbaum (2007/2009), Cooper et al. (2013) e Cohen
(1997) historiam que Carl Ransom Rogers foi o mais influente psicoterapeuta na
história, além de ser o primeiro pesquisador a publicar casos completos em
psicoterapia, com o caso de Herbert Bryan em 1940. Estes autores acrescentam
que ele escreveu 16 livros, traduzidos em cerca de 60 línguas estrangeiras e foi
autor de pelo menos 200 artigos acadêmicos e estudos de caso. Ajudou na
fundação da Associação para a Psicologia Humanista, declinando do cargo de
presidente, mas assumiu a presidência da Academia Americana de
Psicoterapeutas, além de também ter sido um dos presidentes da Associação
Americana de Psicologia. O reconhecimento de seu trabalho pode ser percebido
na extensa disseminação da sua obra e também nos inúmeros prêmios
recebidos, como o Prêmio por Contribuição Científica Distinta, da Associação
Americana de Psicologia.
Apesar de ele e de sua obra terem alcançado tal magnitude em produção,
contribuição e extensão, Rogers nunca almejou fama ou publicidade.

3
“To understand Rogers one has to understand his roots” (tradução nossa).

26
Kirschenbaum (2007/2009) afirma que Rogers não criou nenhum dos construtos
presentes em sua teoria, considerando que seu mérito e grande inovação foram
muito mais de combinar estas ideias que já tinham sido elaboradas e estavam
“no ar”, unindo-as e relacionando-as como uma teoria da personalidade e teoria
de psicoterapia que poderiam ser pesquisadas e postas à prova.
De avós ingleses, quarto filho de seis, nasceu em 1902 em Chicago.
Garoto de saúde fraca, chorão, vulnerável e apegado à mãe, aprendeu a ler
cedo, aos quatro anos de idade (Kirschenbaum 2007/2009; Rogers & Russell,
2002; Thorne, 2002; Thorne & Sanders, 1992/2013), demonstrando facilidade
para os estudos (Barrett-Lennard, 2007/2013; Kirschenbaum, 2007/2009;
Rogers & Kinget, 1977; Thorne, 2002). Residiu e estudou nos subúrbios de Oak
Park, rodeado por outros moradores que também se tornaram grandes nomes,
como as famílias Hemingway, Lloyd Wright e Rice Borroughs, dentre outros
(Barrett-Lennard, 2007/2013; Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009). Só
iniciou os estudos quando tinha seis anos e nove meses, e, embora tenha tido
fluência suficiente na leitura para pular até o quarto ano, resolveram alocá-lo na
segunda série (Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009; Thorne, 2002). A
afeição pelos professores e o hábito de leitura do pai o motivaram a ser um leitor
assíduo de histórias de aventura, lendo até mesmo a enciclopédia ou o
dicionário quando não havia livros disponíveis, o que lhe rendia horas de
abstrações posteriores, tais que lhe deram a fama de ser uma pessoa distraída e
muito esquecida, até mesmo depois de velho. Apreciava bastante criar histórias,
o que repercutiu em momentos de “sonhar acordado”, que, enquanto criança,
lhe renderam apelidos e brincadeiras que o acompanharam por toda a vida. Era
um garoto antissocial e tímido que preferia viver no mundo dos livros e dos seus
sonhos em vez de participar de esportes e atividades de grupo, resultando em
excelentes notas escolares e em ser o preferido dos professores (Cohen, 1997;
Kirschenbaum, 2009; Thorne, 2002).
De família cristã, com hábitos matinais diários de orações, com pais que
educavam a família com instruções disciplinadas e cuidadosas, teve uma
infância leve, amigável e cheia de brincadeiras. Frota (2012) ensina que “a

27
influência religiosa, que recebeu de sua família protestante, pode ser percebida
na crença otimista da natureza humana, que sempre acompanhou seu trabalho”
(p. 171).
Aprendeu desde cedo a importância do trabalho e do dinheiro com os
afazeres dentro de casa, onde Rogers tinha a responsabilidade de alimentar e
cuidar das galinhas no quintal da casa. Considerava-se um garoto de saúde
frágil e muito sensível, levando seus pais a temer que ele morresse ainda jovem.
Tinha uma atitude mais respeitosa do que afetuosa com o pai, pois não havia
espaço para compartilhar seus sentimentos e pensamentos mais íntimos, e,
quando isso acontecia, suas questões eram menosprezadas ou até
ridicularizadas (Barrett-Lennard, 2007/2013; Cohen, 1997; Kirschenbaum,
2007/2009; Rogers & Kinget, 1977; Rogers & Rosenberg, 1977/2011; Thorne &
Sanders, 1992/2013). Esta reação de seus pais aos seus sentimentos levou
Rogers a se sentir inseguro e vulnerável até a juventude, quadro que só mudou
depois que ele saiu de casa, quando passou a experimentar por si mesmo o que
era um relacionamento íntimo e profundo com alguém (Kirschenbaum,
2007/2009; Cohen, 1997; Thorne & Sanders, 1992/2013).
A família mudou-se para residir no campo durante sua adolescência, pois
seus pais estavam preocupados em não permitir que seus filhos se
contaminassem com as influências da vida na cidade, o que lhe resultou em
uma adolescência isolada de atividades sociais. Aos 13 anos, já se dedicava a
leituras de biologia e, imerso nesse contexto da fazenda, ganhou a reputação de
biólogo ao redor da vizinhança, marcando o seu forte interesse pela agricultura e
o início de sua inclinação científica pela observação, coleta e organização de
dados objetivos. Nesta mesma época, começa a ser bastante crítico com o
comportamento dos pais, mas nunca com manifestações rebeldes. Evitava pedir
conselhos, preferindo consultar e aprender com os livros sobre seus interesses.
Aluno aplicado e competitivo, só se conformava com as melhores notas,
sentindo-se depressivo quando não as alcançava (Cohen, 1997; Kirschenbaum,
2007/2009; Rogers & Kinget, 1977; Thorne & Sanders, 1992/2013).

28
Ante o crescente interesse pela fazenda, decidiu se tornar um fazendeiro,
tomando os rumos de estudo na agricultura científica na Universidade de
Wisconsin (Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers & Kinget, 1977;
Thorne, 2002; Thorne & Sanders, 1992/2013). Em Rogers e Rosenberg
(1977/2011) afirmou que acreditava que este interesse científico era uma
tentativa de compensar a falta de relações pessoais e sociais mais íntimas. O
período que intervala o fim da sua graduação escolar e o ingresso na faculdade
foi marcado por uma viagem que realizou com seu pai em que teve um encontro
marcante com um casal recém-casado, evento lembrado por Carl Rogers por
toda a sua vida. Este casal permitiu-lhe perceber que relacionamentos poderiam
ser mais interessantes do que ele pensava e já havia experimentado. Desta
forma, durante a faculdade, empenhou-se em conhecer pessoas e fazer
amizades (Kirschenbaum, 2007/2009; Thorne, 2002).
Na faculdade, envolveu-se com os grupos religiosos, o que o levou a
sentir incertezas e ambivalências quanto à sua escolha profissional. Anos mais
tarde, seu envolvimento com grupos fez Rogers perceber a importância da
liberdade na liderança grupal, pois a forma como o grupo funcionava permitia
que ele próprio estabelecesse o seu currículo, organizasse atividades,
conduzisse tarefas e discutisse tópicos, tornando-se um grupo unido. Esta
experiência também lhe permitiu relacionar-se com outras pessoas de forma
íntima e profunda, estabelecendo níveis de confiança sólidos, apreciando o
contato social e aprendendo com a vida das pessoas. Estas novas experiências
eram deveras distantes dos moldes familiares aprendidos, o que permitiu sua
vida ter um novo direcionamento. Barrett-Lennard (2007/2013) assinala que tais
eventos produziram em Rogers um afastamento mental e emocional cada vez
maior de seus pais, acentuando essas diferenças cada vez mais que
experimentava um lado religioso de forma única e pessoal (Kirschenbaum,
2007/2009; Moreira, 2007; Rogers & Rosenberg, 1977; Thorne, 2002; Thorne &
Sanders, 1992/2013).
Participou das Convenções Des Moines e passou a guiar sua vida com
base no ministério cristão, alterando até o seu curso de Agricultura para História

29
e sendo cada vez mais reconhecido como um grande líder no campus da
Universidade. Foi também indicado para viajar à China e às diversas regiões do
Oriente para participar da Conferência Mundial de Estudantes Cristãos (Barrett-
Lennard, 2007/2013; Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009; Thorne, 2002;
Thorne & Sanders, 1992/2013). Rogers relembra esta viagem, com duração de
seis meses, como a melhor experiência de sua vida, momento em que se
afastou definitivamente das ideias religiosas aprendidas com seus pais para
desenvolver uma visão crítica do Cristianismo, defendendo então os próprios
objetivos, valores, almejos e filosofia e passando a elaborar uma visão mais
existencial e menos dogmática da religião (Kirschenbaum, 2007/2009; Thorne &
Sanders, 1992/2013).
Casou-se, em 1924, com Helen, amiga querida desde sua infância, com
quem trocou cartas durante toda a sua viagem para a China, e partiram para
Nova Iorque, onde Rogers adentrou o Union Theological Seminary,
desenvolvendo neste local o próprio pensamento cristão sem sofrer uma
pressão ortodoxa. Neste ambiente, conheceu Goodwin Watson, uma amizade
que duraria a vida toda, e que o introduziu ao mundo da Psicologia. Com efeito,
Rogers percebeu que poderia ajudar as pessoas a mudar, a crescer, a se
desenvolver e a viver de maneira mais satisfatória, mas isto não precisava ser
feito necessariamente no âmbito religioso. Aprendia cada vez mais a importância
do compartilhamento mútuo da vida com outras pessoas (Barrett-Lennard,
2007/2013; Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers & Kinget, 1977;
Rogers & Rosenberg, 1977/2011; Rogers, 1961/2001; Thorne, 2002; Thorne &
Sanders, 1992/2013).
Matriculou-se em algumas disciplinas de Psicologia no Teacher´s College
e, concomitante aos estudos em Psicologia, se engajou em trabalhos com
igrejas, pregando acerca de um tipo de educação social em que as pessoas
pudessem utilizar para compartilhar e refletir sobre suas dificuldades. Começou
a incomodar-se por sentir que suas possibilidades de liberdade de pensamento
poderiam ser indeferidas pelas doutrinas religiosas e, por causa de sua profunda
autenticidade consigo mesmo, decidiu se matricular de vez no curso de

30
Psicologia e abandonar o seminário. Este rompimento com a carreira cristã e
com o envolvimento em atividades religiosas fez com que a família rompesse de
vez com o casal Rogers (Barrett-Lennard, 2007/2013; Cohen, 1997;
Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers & Kinget, 1977; Rogers & Rosenberg,
1977/2011; Rogers, 1961/2001; Thorne & Sanders, 1992/2013).
Como relembra Maureen O´Hara, no prefácio do livro de Moreira (2013, p.
13): “ele teve uma fé inabalável de que o universo não é aleatório e sem alma”.
O afastamento da devoção à religião, contudo, não o afastou da fé e da crença
irrestrita nas potencialidades humanas (Holanda, 1994; Thorne, 2002). Em
Encontroacp (2012c), o próprio Rogers explica, em uma entrevista, acerca da
sua compreensão na capacidade da pessoa se ajustar e se organizar na direção
do crescimento:

os novos desenvolvimentos das ciências físicas e biológicas nos dão uma vasta visão
modificada do universo. Nós sempre pensamos que se nós continuássemos procurando,
procurando, em alguma hora acharíamos a matéria única da qual o universo foi
construído e então foi ficando menor, menor, até que atingisse as partículas, o núcleo do
átomo, e aconteceu que não são nada mais que energia isolada, não há unidade
material no universo, e isto mudou nossa visão das coisas. E do mesmo modo, eu sinto
que nesse novo cosmos tem de haver um novo tipo de indivíduo e, você tem razão, eu
vejo ele ou ela em sessões de aconselhamento. Eu vejo essa pessoa emergindo em
grupos, eu a vejo emergir em um novo tipo de vida familiar, eu vejo essa pessoa emergir
nas crianças cujos pais respeitam seus filhos, e eu penso que é excitante. Eu penso que
há uma nova evolução, há um novo degrau na evolução. Eu acho que está indo além do
que é presente, de vários modos diferentes.

Na qualidade de aluno, sua formação teórica e prática no Teacher´s


College estava focada, sobretudo, em testagem psicológica, considerada por
Thorndike e seus colegas como fundamental para o crescimento da Psicologia
na época. Assim, o nome de Freud e os assuntos relacionados eram quase
proibidos. Com efeito, Rogers orientou seus estudos na área da psicometria,
sendo este o tema de suas dissertações (Cohen, 1997; Kirschenbaum,
2007/2009; Rogers & Kinget, 1977; Rogers & Rosenberg, 1977/2011; Thorne,
2002; Thorne & Sanders, 1992/2013).
Depois de alcançar o título de Mestre, em 1926, participou da seleção
para o Instituto para Orientação da Criança, que iria abrir suas portas em Nova

31
Iorque. Para ele, esta seria uma boa oportunidade para conseguir sustentar sua
família e poder continuar os estudos de doutorado. Nesse instituto, um estudo
completo da criança era feito, englobando uma investigação sobre os aspectos
psiquiátricos, psicológicos, físicos, históricos, sociais, familiares e educacionais.
Os assistentes sociais trabalhavam com a família, os psicólogos realizavam
testagem psicológica e os psiquiatras entrevistavam a criança. Nesta atuação,
teve grande variedade de experiências. Conheceu um pouco mais da teoria
psicanalítica, percebendo-a como esotérica demais além de completamente
incoerente com os estudos estatísticos. Aprendeu a fazer avaliações
psicométricas completas, utilizando diferentes testes psicológicos. Participou da
elaboração de inúmeros estudos de casos e também pôde entrar em contato
com os diversos pontos de vista dos profissionais convidados a palestrar no
Instituto, como Alfred Adler (Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers,
1961/2001). Trabalhava, portanto, com uma perspectiva de diagnóstico
marcante, claramente influenciada pelos modelos médicos.
No segundo ano do doutorado, participou da seleção para trabalhar em
Rochester, em atividades de diagnóstico das dificuldades de delinquentes e
crianças-problema, elaborando planos para seus tratamentos e até mesmo
conduzindo entrevistas terapêuticas com eles (Barrett-Lennard, 2007/2013;
Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers, 1961/2001; Thorne & Sanders,
1992/2013). Como esta atuação em Rochester era muito semelhante ao que já
vinha realizando no Instituto de Orientação à Criança, e por precisar de uma
remuneração financeira que arcasse com suas despesas familiares e
educacionais, aceitou o cargo, e foi lá que, em 1931, defendeu sua tese de
doutorado (Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers & Kinget, 1977; Rogers,
1961/2001).
Na tese intitulada de Medindo Ajustes da Personalidade de Crianças de
Nove a Treze Anos de Idade, desenvolveu um instrumento que tinha por
finalidade desenvolver instrumentos que pudessem ser diagnósticos, apontando
as dificuldades emocionais das crianças. Tentou combinar as duas perspectivas
teóricas vigentes na época: uma externa, que situava a ênfase nos processos de

32
testagem, medidas e estatísticas, entendendo o indivíduo com origem num
quadro objetivo exterior; e, uma interna, que realçava as emoções e a dinâmica
da personalidade, compreendendo a pessoa com apoio em sensíveis entrevistas
que permitissem compreender a própria perspectiva (Cohen, 1997;
Kirschenbaum, 2007/2009; Thorne, 2002). Este instrumento alcançou grande
sucesso e foi traduzido para o francês, o italiano, o português e o australiano
(Kirschenbaum, 2007/2009).
Permaneceu no Child Study Department, da Associação para a Proteção
à Infância, em Rochester, Nova Iorque, por mais de uma década, tendo sido
onde Rogers percebeu a necessidade de uma abordagem diferenciada.
Produziu uma obra intitulada de O Tratamento Clínico da Criança-Problema
(Rogers, 1939/1979) que, embora não seja considerada relevante para
compreender o início do desenvolvimento das ideias da ACP, conferiu-lhe
notoriedade no contexto acadêmico, o que lhe trouxe a oportunidade de
ingressar na docência como professor de Psicologia na Universidade de Ohio.
Foi nesta instituição de ensino que, em 1940, Rogers publicou a segunda obra,
A consulta Psicológica e a Psicoterapia (Rogers, 1942/1974), contendo o início
da apresentação de suas ideias quanto ao que viria ser a ACP.
Quatro anos mais tarde, decidiu residir e lecionar em Chicago, montando
um Centro de Aconselhamento, na Universidade de Chicago, época em que
escreveu e publicou Psicoterapia Centrada no Cliente (Rogers, 1942/1974). Mais
tarde, em 1957, foi convidado para lecionar em Wisconsin e decidiu se mudar
mais uma vez, por enxergar uma possibilidade de realizar pesquisas com
pacientes psicóticos. Publicou a obra The Therapeutic Relationship and Its
Impacts: A Study of Psychotherapy with Schizophrenics, em 1967. Além disso,
nesta época, reuniu artigos importantes escritos no período de 1951 a 1961,
publicando-os no famoso livro Tornar-se Pessoa (Rogers, 1961/2001). Em 1964,
porém, Rogers decidiu mudar-se para La Jolla, na Califórnia, abandonando o
trabalho como docente e fundando o Center of Studies of the Person, cujo
enfoque era a formação e pesquisa em psicoterapia e atividades de grupo
(Kirschenbaum, 2007/2009; Moreira, 2007).

33
Ao longo de suas obras, é possível perceber que a proposta de Rogers
recebeu mais de uma denominação. Inicialmente, foi chamada de
Aconselhamento Não-Diretivo, por não se achar autorizado a realizar
psicoterapia, já que no período o campo era dominado pela área médica, como
o próprio Rogers explicou (Encontroacp, 2012d). As muitas pesquisas na área
do aconselhamento, no entanto, e, na medida em que o foco de trabalho se
voltava para a personalidade como um todo, e não apenas para os problemas
menores, permitiram seu ingresso gradual na área da psicoterapia.
Ingressando no campo da Psicoterapia, sua teoria passou a se chamar
Terapia Centrada no Cliente, mas o desenvolvimento dos construtos dessa
teoria possibilitou a ampliação de suas aplicações, transpondo a clínica
psicológica com propostas pedagógicas e políticas, como o Ensino Centrado no
Aluno e a Liderança Centrada no Grupo. Assim, englobando mais do que
trabalhos clínicos, é transformada em Abordagem Centrada na Pessoa (ACP),
sendo “uma filosofia que busca resgatar o respeito à pessoa humana” (Moreira,
2007, p. 29), com temas centrais e necessários para todos os relacionamentos
humanos (Cooper et al., 2013; Holanda, 1994; Kirschenbaum, 2007/2009;
Kirschenbaum & Henderson, 1989).
A modificação destas denominações é acompanhada pela evolução e
pelo amadurecimento da sua experiência prática na qualidade de psicólogo e
psicoterapeuta por quase 40 anos, o que se reflete na elaboração e
reelaboração dos construtos da sua abordagem. Sobre este tema, Holanda
(1994) afirma que

o que prevalece é o sentido de evolução no pensamento de Rogers, onde uma idéia se


junta às anteriores em prol de um crescimento contínuo e assim, percebe-se o intenso
trabalho voltado à prática do advento de um novo homem, mais livre e congruente, na
mais completa expressão da tendência atualizante, num compromisso com seu devir (p.
110).

Isto significa que estas transformações e novos desenvolvimentos em cada fase


revelam um autor preocupado em não se tornar dogmático, em não estagnar as
compreensões sobre a pessoa, e comprometido com a preservação e

34
desenvolvimento das capacidades humanas para ajustamento, desenvolvimento
e crescimento (Cooper et al., 2013; Holanda, 1994; Kirschenbaum, 2007/2009).
1.2 O Ponto de Partida

“Rochester esperava por soluções”4


(Cohen, 1997, p. 69)

A obra O Tratamento Clínico da Criança Problema, escrita por Carl


Rogers em 1939, não é considerada como um trabalho acadêmico relevante
para ser incluída nas fases do pensamento de Rogers acerca da psicoterapia.
Este trabalho, no entanto, é apontado como o local de possibilidade para que os
embriões da ACP pudessem ser fertilizados e plantados, para posteriormente,
serem desenvolvidos. Como sublinhado anteriormente, nesta obra, Rogers
explicita sua atuação por 12 anos como psicólogo, no Departamento de Estudos
sobre a Criança, da Associação para a Proteção à Infância, em Rochester
(Barrett-Lennard, 2007/2013; Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009; Thorne,
2002; Thorne & Sanders, 1992/2013).
Durante o seu trabalho na Associação, Rogers entrou em contato com
diversas teorias e recebeu treinamento de grandes estudiosos, como Otto Rank,
que o influenciou a trabalhar de modo mais centrado no cliente e na relação. Em
sua psicoterapia, Rank apregoava ideias de um mundo positivo e de uma
tendência direcional do ser humano; proibia a interpretação para o paciente
sobre o significado de seus conteúdos passados, mas permitia interpretar os
significados do seu comportamento na relação terapêutica. Embora Rogers não
confiasse na interpretação de forma alguma, nem sobre os eventos passados,
tampouco os presentes, e não gostasse de sua teoria, foi indiretamente que a
psicoterapia de Rank o influenciou. Os assistentes sociais com os quais
trabalhava se embasavam em Rank, e a ênfase numa visão positiva acerca do
paciente como fonte de crescimento na psicoterapia, o papel do psicoterapeuta
como ajudador e como suporte, além da transição do trabalho antes focado no

4
“Rochester expected solutions” (tradução nossa).

35
passado para o presente da relação psicoterapêutica e para as possibilidades
que ele se desenvolvesse neste contexto, foram alguns aspectos que Rogers
incorporou à sua prática e ao seu ponto de vista. Rogers gostava de afirmar “Eu
não gostava da sua teoria, mas gostava da sua terapia”, referindo-se a Otto
(Cohen, 1997; Encontroacp, 2012d; Kirschenbaum, 2007/2009).
Outras grandes influências para seu ponto de vista foram Elizabeth Davis,
Jessie Taft e Frederick Allen, que o ensinaram a concentrar-se nos sentimentos
expressos e a responder a esses sentimentos (Cohen, 1997; Holanda, 1994;
Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers, 1951/1992; Thorne & Sanders, 1992/2013).
Ele aceitou trabalhar na Associação para a Proteção à Infância como
psicólogo por apreciar este tipo de trabalho e movido pelas necessidades
financeiras precárias. Depois de alguns anos de trabalho, alcançou o cargo de
diretor, o que lhe conferiu notoriedade e oportunidades. A Associação recebia
crianças delinquentes e com problemas de comportamento em escolas,
hospitais, orfanatos, abrigos, internatos e na justiça para um trabalho de
diagnóstico e de planejamento dos procedimentos psicoterapêuticos. Ante a
realidade de cada criança, Rogers se perguntava: o que poderia ser feito para
ajudar aquelas crianças que se encontravam com problemas de vida reais?
Desde que entrou nesta Associação, sentia que tinha sérias responsabilidades
quanto à tomada de decisões sobre o futuro dessas crianças, pois acreditava
que sua formação era insuficiente para que pudesse ajudá-las. O objetivo era
solucionar os problemas que chegavam. A imensa quantidade de literatura
concernindo as causas de comportamentos-problema e a escassez de obras
acerca dos seus tratamentos refletem o contexto da época (Cohen, 1997;
Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers, 1939/1979, 2001).
Assim, Rogers sentia que este trabalho, embora denotasse alguma
semelhança com o que realizara na Instituição anterior, tratava-se de uma
experimentação, o que o fez se questionar ininterruptamente sobre a sua
eficácia. Estava menos interessado nas atividades de cada especialidade dos
profissionais que lá trabalhavam, focando muito mais em como cada um poderia
propor insights e técnicas que ajudassem as crianças. Mesmo como mera

36
experimentação, porém, foi nesta época e realizando este trabalho que ele se
inspirou para desenvolver as próprias ideias quanto ao processo de psicoterapia
(Boainain Jr., 1994; Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers & Rosenberg,
1977/2011). As primeiras discussões de Rogers acerca da psicoterapia
concerniam às possibilidades de ela ser utilizada como tratamento para
modificar as atitudes dos pais em relação aos filhos. Escreveu a obra O
Tratamento Clínico da Criança-Problema como uma tentativa de acrescentar
conhecimentos aos escritos já existentes na área do diagnóstico e da
terapêutica de crianças-problema (Barrett-Lennard, 2007/2013; Cohen, 1997;
Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers, 1939/1979; Rogers & Rosenberg, 1977;
Thorne & Sanders, 1992/2013).
O trabalho de Psicologia da época iniciava-se quase unanimemente com
um estudo de diagnóstico (Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009). Rogers,
concordando com esta forma de trabalho, iniciava suas atividades com as
crianças utilizando métodos diagnósticos em curso, com a finalidade de
conhecer o sujeito profundamente com apoio em evidências de testes,
entrevistas, relatórios e outras fontes. Apenas portando tal material seria
possível apontar as opções de tratamento dos problemas das crianças (Barrett-
Lennard, 2007/2013; Cohen, 1997; Rogers & Kinget, 1977; Rogers, 1939/1979;
Thorne & Sanders, 1992/2013).
Rogers (1939/1979) refere-se à importância de centrar na criança que
vivencia o comportamento, não somente no comportamento em si mesmo, ou
seja, um centramento não apenas no problema. Acreditava que alguns fatores
influenciavam o comportamento-problema (Barrett-Lennard, 2007/2013; Cohen,
1997). Apesar de não se estender na descrição destes fatores, traz alguns
pontos para reflexão, como o papel da hereditariedade. Para ele, ela diz respeito
a atributos inerentes à constituição física do indivíduo, ou sob a forma de
predisposição ou tendência para a instabilidade mental, que poderia, em
interação com o ambiente, produzir reações comportamentais (Cohen, 1997;
Rogers, 1939/1979).

37
Da mesma forma que a hereditariedade, ele defende a ideia de que as
influências orgânicas da química corporal e as enfermidades influenciavam na
personalidade e no comportamento. Outra questão que influenciaria a
personalidade e o comportamento seria a família, os outros relacionamentos
sociais e a cultura. Além disto, faz referência que o organismo tem necessidades
afetivas. Rogers se dedicava a explicar estes fatores, pois acredita que eles
podem ser conhecidos por meio de um estudo diagnóstico, o que permitiria a
compreensão da problemática da criança. Ele afirmava que “embora muito
resumidamente descritas, estas são as principais forças que produzem sintomas
de comportamento” (Rogers, 1939/1979, p. 26).
Quando ele afirma que “os problemas de comportamento não devem ser
atribuídos a uma causa ou a um grupo delas” (p. 26), entendemos que ele está
explicando que o problema não é uma combinação desses fatores. Cada uma
contribuiria ao seu modo para produzir determinado comportamento. Ele afirma
que

ao lidar com a criança que apresenta dificuldades de comportamento, é essencial que


tenhamos uma visão de profundidade. Devemos ter algum conhecimento, não apenas
dos fatos sobre a criança, mas da relevância desses fatos – o seu significado, o modo
como se articula para explicar determinado desvio do normal. Esse processo é chamado
diagnóstico, e bastante apropriadamente, pois o sentido original da palavra é muito
próximo ao da expressão “ver através” de uma situação complexa. Se visamos medidas
terapêuticas que ajudem o garoto ou a garota a alcançar uma adaptação normal, então
devemos procurar o máximo de compreensão sobre os fatores causais responsáveis
pelos comportamentos desviantes da criança (p. 29).

Com esta afirmação, ele entendia que as causas existem e devem ser
conhecidas num processo de diagnóstico, o qual ele denomina de visão de
profundidade. Esses fatores se articulam para produzir significados, sendo
refletidos em sintomas e comportamento-problema. O conhecimento de suas
causas ganha importância quando se compreende a sua relevância e o seu
significado para o processo de adoecimento. Em seguida, explica que o
tratamento eficaz está, necessariamente, atrelado com este estudo aprofundado.
Cada um dos fatores causa os comportamentos-problema nas crianças. Adiante,
explica que

38
é essa compreensão da relação entre sintomas e causas que é significativa. Somente ao
ser alcançado esse nível de diagnóstico, teremos alguma indicação das áreas às quais
deve-se dirigir o tratamento. Os aspectos de coleta e classificação de dados do
diagnóstico são relevantes, mas ao lidar com uma determinada criança, é necessário um
diagnóstico que se estenda mais profundamente, descubra o significado dos vários
elementos e indique a via para o tratamento (p. 30).

Rogers esclarece que um diagnóstico não é apenas apontar, descrever e


classificar um problema. Isto ajuda a conhecê-lo, mas não permite compreendê-
lo de forma a propor uma intervenção terapêutica adequada. Para ele, o objetivo
do diagnóstico é compreender os significados produzidos pela articulação dos
sintomas com as suas causas, com a finalidade de propor um tratamento.
Além de Rogers acreditar na importância da utilização de testes
psicológicos como métodos reveladores de muitos desses fatores escondidos
acerca do sujeito, ele mesmo empenhou-se no desenvolvimento de instrumentos
de medida na sua dissertação de mestrado e sua tese de doutorado (Cohen,
1997; Kirschenbaum, 2007/2009). Em Rogers (1939/1979), os testes e os
métodos do ego-libido, estudo de caso e fator componente poderiam ser
utilizados na fase de coleta de dados como alternativa de apreensão objetiva de
mais conteúdo sobre a criança. Propunha que por meio destas ferramentas o
psicólogo clínico conseguiria se abster ao máximo de seus julgamentos, de
forma a evitar erros gerados pela visão pessoal. No caso dos testes, ele diz que
“a mensuração mais objetiva de vários aspectos da personalidade acrescenta
fatos novos e importantes ao conjunto de informações acumuladas em relação à
criança” (p. 36). Ressaltou, contudo, que o teste não é o diagnóstico do sujeito,
pois serve apenas como auxílio na coleta de informações, assim como outros
recursos, porquanto o teste não permite o conhecimento das interações dos
sintomas e fatores com o significado do comportamento. O teste e outros
métodos permitem apreender dados, que poderiam indicar fatores e sintomas
(Cohen, 1997; Rogers, 1939/1979). Ele ressalta que “nem a causa, nem a
importância da condição estão contidas em qualquer resultado de teste”
(Rogers, 1939/1979, p. 37).

39
Desta forma, o diagnóstico, como foi descrito, vai além do que o teste
pode fornecer, e encarar o teste ou outro método como o próprio diagnóstico
era, para ele, uma perspectiva reducionista. Ele garante que “o diagnóstico
completo exige mais do que o teste de personalidade pode fornecer. Deve
abranger o julgamento e a capacidade de ver os fatos em suas relações
significativas, e reconhecer as áreas passíveis de tratamento” (p. 37).
Afirma que o diagnóstico não pode ser pensado intuitivamente,
assinalando que “não se pode pensar sobre as relações causa-efeito presentes
num problema de comportamento de uma criança sem basear tal reflexão em
alguma estrutura” (Rogers, 1939/1979, p. 63). Para que o diagnóstico pudesse
ser criticado, examinado e aperfeiçoado de forma a poder ser negado ou
confirmado por qualquer observador, defende a ideia de estrutura. Acreditava
que a Ciência estava em desenvolvimento e, assim, propôs que um método
diagnóstico unânime deveria considerar os seguintes argumentos elaborados
em um quadro estruturante: 1) abranger todos os elementos da vida que
poderiam influenciar o comportamento, ou seja, um mapeamento dos dados do
sujeito; 2) estabelecer conceitos e bases bem definidas e de fácil compreensão,
como um norte que indique como os dados acerca do sujeito podem ser
entendidos; 3) representar fatos significativos da experiência individual, além das
relações de causa e efeito importantes entre os fatos; 4) indicar as áreas de
inadaptação da criança foco da terapia; e 5) ser científico e objetivo.
Opôs-se cada vez mais ao método psicanalítico, por não concordar com o
dispêndio de dinheiro e tempo que ele exigia, tampouco com a ênfase
exagerada nos eventos reprimidos do passado. Aprendeu em Rochester,
justamente, a importância de se trabalhar com as situações presentes de cada
criança. Achava que a Psicanálise não conseguia explicar os fenômenos de
forma simples, precisando de ideias pré-concebidas, frequentemente não
passíveis de verificações, criando uma atmosfera um pouco mística e exagerada
sobre problemas comuns (Kirschenbaum, 2007/2009).
No âmbito de tal realidade, e depois de algumas palestras em Nova
Iorque, Rogers tentou desenvolver, junto de Chester Bennett, um método de

40
diagnóstico chamado de método do fator componente, deveras pragmático, no
qual oito componentes foram considerados relevantes para a realização do
diagnóstico: a hereditariedade, os fatores físicos, mentalidade, autoinsight,
modulação emocional da família, fatores econômicos e culturais, experiência
social, educação e supervisão (Cohen, 1997; Rogers, 1939/1979). Tal Método
do fator componente é uma forma quantificada de fazer um estudo clínico
completo da personalidade da criança e de suas necessidades emocionais, ou
seja, um processo abrangente de diagnóstico que norteasse um plano eficaz e
inteligente de tratamento (Cohen, 1997; Rogers, 1939/1979). Considerou esta
uma boa proposta, pois conseguiria integrar as perspectivas dos diferentes
profissionais na compreensão do caso (Barrett-Lennard, 2007/2013;
Kirschenbaum, 2007/2009). Após o sucesso ou fracasso do método de
tratamento aplicado, seria possível retornar para as características diagnósticas
da criança, para tentar verificar quais padrões de comportamento obtinham êxito
com uma terapêutica específica. Desta maneira, poderia realizar um
prognóstico. O diagnóstico seria, portanto, primordial para a decisão dos
métodos psicoterapêuticos, com origem nele seriam ensejadas probabilidades
estatísticas dos fatores quanto à sua eficácia. Ele exemplifica:

em outras palavras, há provas de que os roubos e os problemas de fuga ou de conduta


sexual se devam, integral ou parcialmente, ao ambiente familiar? Ressurge de imediato
o problema da adequação dos fatos sobre os quais se baseia o diagnóstico. Se tivermos
feito uma investigação completa da situação social e cultural, da história escolar, do fator
saúde, e também dos ajustamentos familiares, estaremos melhor capacitados a
determinar o efeito de cada um destes fatores sobre o comportamento (Rogers,
1939/1979, p. 143).

Esta afirmação indica que o diagnóstico, na sua concepção, serviria como um


estudo para que, conhecendo as características do sujeito, fosse possível
encaminhá-lo para o tratamento que surtisse mais êxito para tal caso. Com
apoio nos estudos já realizados e nas estatísticas, seria possível determinar
quais problemas seriam mais bem tratados por um método ou por outro, sendo
apontado por meio do diagnóstico, que traços eram problemáticos e deveriam
ser tratados, além dos que poderiam ser empecilhos ou colaborações para o

41
tratamento indicado. Diante disto, o trabalho do psicólogo é de especialista, que
diagnostica as causas, explica-as ao paciente, que as aceita passivamente. O
psicólogo seleciona o tratamento, de forma que a criança se desenvolva no
direcionamento esperado (Rogers, 1939/1979).
Com uma estrutura de diagnóstico proposta, delineia os métodos de
tratamento. Podia ser útil propor desde a inserção de crianças-problema noutros
lares, como os adotivos ou a internação institucional, até intervenções como a
abordagem das atitudes familiares, aproximação da escola na mudança de
comportamento e o uso inteligente de agremiações, grupos e acampamentos.
Quanto ao método de tratamento pela mudança de ambiente, Rogers
(1939/1979) percebeu que o seu êxito estava bastante apoiado nas relações
pessoais, em que os problemas sumiam num ambiente saudável. Passou a
desconfiar que a criança tinha uma tendência, um direcionamento para crescer e
amadurecer. Perguntou-se, então: o que constitui um ambiente saudável e de
apoio nesta opção de tratamento? Notam-se aí os embriões do conceito de
tendência atualizante, concepção desenvolvida pelo neuropsicólogo Kurt
Goldstein, de que as pessoas se reorganizavam de forma construtiva na direção
do crescimento e de uma unidade. Este se tornou a ideia central no
desenvolvimento de sua teoria da personalidade, elaborada mais adiante na sua
abordagem (Kirschenbaum, 2007/2009).
Outro método psicoterapêutico empreendido foi o de entrevistas que, pelo
contato face a face, pareciam produzir bons resultados. No tratamento mediado
por entrevistas, as qualificações do psicoterapeuta foram consideradas com
ainda mais relevância para o êxito. A forma de tratamento por entrevistas
poderia incluir métodos informativos, educativos ou de psicoterapia profunda.
Rogers (1939/1979), no entanto, frisa que,

muitas vezes, no relacionamento de entrevistas, o que começa como um tipo educativo


de tratamento termina sendo o emprego da influência pessoal. O terapeuta não apenas
fala à criança das possíveis escolhas vocacionais, mas se esforça por influenciá-la a
escolher uma delas (p. 258).

Sobre isto, ele chama atenção para a influência pessoal do psicoterapeuta


exercer persuasão, sugestão e influência nas decisões do paciente, lembrando
42
que é comum “colocarem no terapeuta e não na criança, a razão para a
mudança. O tratamento não se baseia na vontade ou desejo da criança, mas na
influência do terapeuta” (p. 259). Ou seja, para ele, “esses métodos enfatizam a
noção de reconstrução do indivíduo mais do que a liberação de suas próprias
forças. Apóiam-se em decisões tomadas em nome da criança, e não em
processos mais básicos de decisões tomadas pela criança” (p. 260).
Kirschenbaum (2007/2009) comenta que Rogers expressava um
pessimismo quanto à utilização de técnicas da terapia de persuasão, pois estava
baseada na motivação do terapeuta e não na da criança, ocasionando a
ocorrência de que, quando esta última não estivesse mais em contato com ele,
os conflitos emocionais e os sintomas reapareceriam. Portanto, neste trabalho
em Rochester, Rogers pensava que as diretrizes diagnósticas precisavam ter
uma estrutura neutra garantida por meio de maior cientificidade, de forma a
diminuir a visão pessoal do clínico no processo e que se utilizasse de um
método de coleta de dados que fornecesse o conhecimento dos sintomas, das
causas e do significado do comportamento-problema, chegando assim a uma
compreensão aprofundada do sujeito. Tais diretrizes norteavam a proposta de
encaminhamento terapêutico, quaisquer que fossem as suas indicações:
mudança de lar, de escola, de família, intervenções psicoterapêuticas familiares,
dentre tantas outras. Para ele, o diagnóstico era o parâmetro para a avaliação, o
tratamento, o acompanhamento, as expectativas e as evoluções do tratamento
(Cohen, 1997; Rogers, 1939/1979).
Rogers sentia-se grato por não ter sido influenciado veementemente por
nenhum professor. Foi por sentir-se livre para conhecer as diversas perspectivas
em psicologia que pôde formular e verificar a sua. Ele gostava de poder ter suas
experiências e permitir que suas ideias amadurecessem delas, sem ter que
seguir um quadro teórico pré-estabelecido. Foi na experiência obtida com as
crianças em Rochester, e com uma reflexão crítica sobre as teorias com as
quais manteve contato, que sua prática e suas ideias ganharam corpo (Cohen,
1997; Kirschenbaum, 2007/2009). Thorne (2002) acrescenta que

43
ele rapidamente descobriu que na vida real, mesmo nas situações que requisitam alta
pressão, as teorias mais elaboradas falham na sua tentativa de responder ao resto da
realidade. Cada vez mais, ele começou a perceber que ele poderia olhar para si como
um pioneiro de suas questões e que ele poderia arriscar-se de formular suas próprias
idéias baseadas nas experiências diárias dos seus encontros com aqueles buscando
5
ajuda (p. 8).

Em alguns atendimentos profundamente autênticos, em Rochester, Rogers


percebeu o quanto as técnicas terapêuticas utilizadas não surtiam efeito após o
momento em que as crianças eram separadas da relação com o terapeuta.
Assim aconteceu no caso do piromaníaco com sintomas de delinquência e que,
conforme as obras teóricas do Dr. William Healy, com as quais Rogers
trabalhava, seriam apenas uma expressão de conflito sexual. Após um longo e
árduo trabalho em que Rogers acreditava veementemente que o garoto estava
curado, a liberdade condicional foi suficiente para que o piromaníaco voltasse a
cair nas mesmas dificuldades. Ele afirma que “seja como foi o caso fez-me ver
com clareza a possibilidade de erro por parte da autoridade dos mestres e que
havia novos conhecimentos a adquirir” (Rogers, 1961/2001, p. 12). Entendeu
que os métodos psicoterapêuticos empregados eram centrados no
psicoterapeuta e, por isso, apenas superficialmente eficazes. Compreendeu que
apenas o próprio cliente poderia saber o que realmente o fazia sofrer, que
direção tomar, que problemas deveriam ser abordados. Deu-se conta,
gradualmente, de que fornecer conhecimento, conteúdos intelectuais e até
prescrever passos para auxiliar o paciente eram métodos falhos, fúteis e
inconsequentes, que só reverberariam em uma mudança temporária. Poderia
ser possível mostrar para o indivíduo suas dificuldades, incoerências e apontá-
las para ele, ensinando-lhe um novo caminho, mas não era possível fazer isso
por ele. Reconhecia, mesmo que ainda de forma embaçada, que a mudança
advinha pela experiência em uma relação (Cohen, 1997; Kirschenbaum,
2007/2009; Rogers, 1961/2001; Rogers & Rosenberg, 1977/2011; Rogers &
Stevens, 1967/1976; Thorne, 2002; Thorne & Sanders, 1992/2013).

5
“He soon discovered that in real-life, high pressure situations, even some of the most elegant theories failed to stand up
to the rest of reality. More and more he began to realize that he could regard himself as a pioneer in his own right and that
he could take the risk of formulating his own ideas based on the day-to-day experience of the encounters he had with
those seeking help” (tradução nossa).

44
Além disto, por haver entrado em contato com tantas teorias, Rogers
refletia acerca do que todas as abordagens psicoterapêuticas teriam em comum,
desconfiando, ainda que timidamente, de que a atitude do psicoterapeuta não
difere em qualquer que fosse a sua orientação teórica. Descreveu quatro
características requeridas para este psicoterapeuta: a objetividade, o respeito ao
indivíduo, uma compreensão do self e o conhecimento psicológico. Será
possível encontrar, nas três primeiras, os embriões das atitudes facilitadoras que
mais tarde iriam se fortalecer: a compreensão empática, consideração positiva
incondicional e congruência, respectivamente, sendo elas muito mais
fundamentais para uma atuação eficaz do que o conhecimento científico em
psicologia (Freire, 2009; Gobbi & Missel, 1998; Rogers, 1939/1979; Thorne,
2002; Thorne & Sanders, 1992/2013).
Junto com a Universidade de Rochester, e percebendo todas essas
questões, chegou até a duvidar se era realmente um psicólogo. As pesquisas
em andamento na American Psychological Association (APA) discorriam sobre
métodos experimentais com ratos, dos quais ele sentia-se muito distante
(Cohen, 1997; Rogers, 1939/1979). Percebendo-se, então, mais próximo do
trabalho dos assistentes sociais e psiquiatras, envolveu-se ainda mais com este
campo de atuação social (Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers, 1961/2001).
Kirschenbaum (2007/2009) assinala que o primeiro livro de Rogers foi
considerado por Leonard Carmichael uma obra avançada no campo de
orientação à criança, já que delineou os prós e contras de todos os tipos de
psicoterapia. A maior contribuição desta obra, entretanto, como a primeira de
sua autoria, é que ela expõe as sementes do trabalho que ele desenvolveria
adiante (Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers & Rosenberg,
1977/2011; Rogers, 1961/2001; Thorne, 2002; Thorne & Sanders, 1992/2013).
Miranda (2009) se refere a esta obra como “o embrião do que mais tarde viria a
ser a ACP” (p. 23).
Por não ter uma vida acadêmica intensa, Rogers estava convencido de
que sua aprovação para ser professor na Universidade de Ohio se baseou na
publicação do seu primeiro livro, o que lhe permitiu ser reconhecido como um

45
profissional experiente e com capacidade de refletir e trabalhar dados com
pesquisas consistentes. Rogers acreditava que se inserindo no meio acadêmico,
teria uma excelente oportunidade de desenvolver os conhecimentos teóricos e
as experiências práticas aprendidas em Rochester. Assim, com o total apoio da
sua mulher, e a relutante vontade do filho adolescente, Rogers e sua família se
mudaram para Ohio em 1939 (Barrett-Lennard, 2007/2013; Cohen, 1997;
Kirschenbaum, 2007/2009; Thorne & Sanders, 1992/2013).
Percebemos então, que neste período, a prática de Rogers era
marcadamente norteada pelo diagnóstico. Kirschenbaum (2007/2009) comenta,
contudo, que, quanto mais diagnósticos ele realizava, mais insatisfeito ficava
com o processo, percebendo que a sua atuação estava muito baseada na
expertise própria do profissional. As dificuldades quanto à consistência,
organização e estruturação de uma abordagem diagnóstica científica e universal
e que não estivesse baseada na intuição pessoal do profissional, e ainda que
pudesse transcender interpretações ideológicas ou vagas, como as freudianas e
as sociológicas, lhe preocupavam. Boainain Jr. (1994) bem salienta que ao final
deste trabalho em Rochester, Rogers entendia mais e mais que o terapeuta
deveria parar “de interpretar, diagnosticar, orientar, analisar, aconselhar,
prescrever, enfim, dirigir o processo na sua condição de especialista que sabe o
que é melhor para o outro” (p. 80). Esta é a atitude que marca o fim da sua
atuação em Rochester para dar espaço para uma proposta de trabalho
revolucionária e original.

46
1.3 O Diagnóstico Psicológico e a Fase Não-Diretiva

“A terapia permitiria que os clientes


conhecessem seus verdadeiros
selves.”6 (Cohen, 1997, p. 97)

A fase não-diretiva é considerada a primeira fase do pensamento de


Rogers, que reflete o nascimento de uma proposta inovadora em psicoterapia, a
psicoterapia não-diretiva. Rogers deu-se conta da originalidade de suas ideias,
ao refletir sobre o furor, as discussões e as críticas que sua palestra intitulada de
Novas Concepções em Psicoterapia, proferida em Minnesota, em 1940,
provocou nos seus ouvintes (Barrett-Lennard, 2007/2013; Cohen, 1997;
Kirschenbaum, 2007/2009; Pinto, 2010a; Rogers & Kinget, 1977; Thorne &
Sanders, 1992/2013). Com procedência nesta reação, notou que as
considerações que ele apresentou não eram uma compilação de pensamentos
já elaborados por outrem, mas concerniam ao seu próprio ponto de vista
(Cohen, 1997; Rogers & Kinget, 1977; Thorne, 2002; Thorne & Sanders,
1992/2013). Decidiu então compilá-los naquela que veio a ser sua segunda obra
intitulada de A Consulta Psicológica e a Psicoterapia (Rogers, 1942/1974).
Neste livro, Rogers propunha, sobretudo, a não diretividade e o interesse
nos aspectos emocionais no lugar dos intelectuais do cliente (Barrett-Lennard,
2007/2013; Holanda, 1994; Moreira, 2013; Rogers, 1942/1974; Thorne, 2002;
Thorne & Sanders, 1992/2013). Estas ideias foram desenvolvidas neste período
de trabalho como professor na Universidade de Ohio e também podem ser
encontradas no Manual de Counselling escrito por Rogers e Wallen (2000)
(Barrett-Lennard, 2007/2013; Cohen, 1997). Fora convidado para trabalhar nesta
Universidade substituindo um professor recém-aposentado, e embora ele não
fosse a escolha mais apropriada (Cohen, 1997), a sua recente publicação O
Tratamento Clínico da Criança-Problema, lhe conferiu notoriedade para tanto

6
“Therapy would allow clients to come to terms with their real selves” (tradução nossa).

47
(Kirschenbaum, 2007/2009). No ofício de professor, ele deixa de apontar apenas
os prós e os contras de se trabalhar com um determinado tipo de terapia, como
fez na sua primeira obra, para tentar ensinar os seus alunos a serem bons
psicoterapeutas (Kirschenbaum, 2007/2009).
Na obra A Consulta Psicológica e a Psicoterapia, Rogers (1942/1974)
expõe os seus pensamentos acerca de um movimento da época: o
deslocamento para um novo tipo de atendimento psicológico – do campo do
diagnóstico para a psicoterapia, que acontecia ainda de forma lenta já que este
campo de atuação era da psiquiatria (Cohen, 1997; Rogers, 1977/1986). O
movimento era de deixar o campo dos saberes sobre o indivíduo para focar-se
sobre os processos que poderiam ajudá-lo. As consultas psicológicas não têm
mais o objetivo de solucionar problemas, mas o de ajudar o indivíduo a
desenvolver-se para conseguir enfrentar os seus problemas atuais e futuros.
Para Rogers, o relacionamento estabelecido entre o psicoterapeuta e o cliente é
considerado como o motor crucial dessa mudança (Barrett-Lennard, 2007/2013;
Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009; Thorne & Sanders, 1992/2013).
É possível apontar algumas diferenças notórias desta perspectiva de
trabalho comparada à realizada anteriormente. Barrett-Lennard (2007/2013),
Cohen (1997), Holanda (1994) e Kirschenbaum (2007/2009) salientam que nesta
fase de seu pensamento, o terapeuta é centrado na pessoa e não no problema.
O conselheiro não tem mais a função de auxiliar na solução do problema, pois
confiando nas capacidades do indivíduo, acredita que ele é independente. O
papel do terapeuta é de, estabelecendo uma relação com o paciente, orientá-lo
em maturidade para a saúde e para a adaptação. Passa a enfatizar a relação
terapêutica de permissividade (Barrett-Lennard, 2007/2013; Cohen, 1997;
Holanda, 1994; Moreira, 2013), acentuando que “a própria relação terapêutica é
uma experiência de crescimento” (p. 42), como experiência de desenvolvimento,
permitindo que o indivíduo aprenda a se compreender. Afirma que “este tipo de
terapia não é uma preparação para a mudança, é ele próprio mudança” (Rogers,
1942/1974, p. 42). Além disto, o trabalho está mais voltado às questões afetivas,
e não para as intelectuais, acreditando que a causa das dificuldades intelectuais

48
é justamente uma inadaptação afetiva. O enfoque de trabalho são as questões
presentes em vez das passadas. Ou seja, nesta nova fase de trabalho, Rogers
não queria mais solucionar um problema, mas auxiliar o indivíduo a crescer,
para que ele pudesse conviver com os problemas atuais e os que deveriam
advir.
Conhecendo melhor as ideias desta fase não-diretiva, são perceptíveis
algumas modificações. No âmbito de consultas psicológicas da fase não-diretiva,
Rogers (1942/1974) esclarece que a explicação intelectual do diagnóstico para o
paciente não opera efeitos psicoterapêuticos, pois não altera a sua conduta.
Esta explicação diagnóstica é intelectual e muitas vezes refutada pelo paciente,
ganhando espaço apenas quando este a aceita e assimila. Para ele, o
psicoterapeuta deve renunciar ao papel de especialista (Moreira, 2013). A
veracidade dos dados e afirmações do paciente não é importante na consulta
psicológica, importando apenas sua atitude afetiva.
Rogers (1942/1974) tenta explicar quando o diagnóstico seria importante
num quadro de atendimentos:

em relação a determinados indivíduos, limitados em aspectos essenciais pelas suas


próprias incapacidades ou pelo caráter destrutivo do ambiente, essa decisão pode
tornar-se muito difícil. Em tais casos, será prudente empreender um estudo de
diagnóstico aprofundado antes de tomar qualquer decisão sobre o tipo de tratamento
mais indicado. Em semelhantes casos, iniciar a psicoterapia sem um estudo de
diagnóstico pode apenas mergulhar o paciente mais profundamente no desespero, à
medida que a sua crescente compreensão põe em maior relevo as suas carências. Por
conseguinte, mesmo se o estudo de diagnóstico pode interferir um pouco com o
processo de consulta psicológica, é aqui nitidamente aconselhável. (Rogers, 1942/1974,
p. 92).

Rogers (1942/1974) entende que em determinados casos, o estudo diagnóstico


se faz imprescindível, dependendo apenas de saber os ganhos terapêuticos
para o paciente. Em outros casos, pode ser altamente prejudicial para o
paciente. Mas ele não clarifica como fazer esta distinção de como perceber os
ganhos/prejuízos para decidir acerca da realização ou não de um diagnóstico. O
que fica claro é apenas uma grande responsabilidade atribuída ao diagnóstico
feito pelo psicoterapeuta para a tomada de decisões quanto ao tratamento do
cliente.
49
A relação paciente-conselheiro com seus moldes é ela própria a
experiência psicoterapêutica, que adquirem tal caráter desde a presença de
características na atmosfera da consulta psicológica que a tornam mais eficaz; a
primeira, um tipo de atitude e resposta do conselheiro que levam a relação para
um nível afetivo cada vez mais profundo, com uma aceitação total e sem
julgamentos dos sentimentos do paciente; a segunda, uma permissividade,
como que uma liberdade para exprimir seus sentimentos; a seguinte, o
estabelecimento de uma estrutura da relação para que o paciente consiga se
compreender melhor, criando limites definidos, como de tempo, dependência,
responsabilidade e atitudes agressivas, não permitindo que o paciente controle a
consulta nem o conselheiro como quiser; e, por último, diz que a relação de
consulta psicológica deve estar totalmente eximida de pressão ou coerção,
reações e inclinações do psicoterapeuta. Estas características estruturam a
relação psicoterapêutica de tal modo que ela se torna totalmente distinta de
qualquer outra relação da vida. Neste tipo de relação, o paciente obtém uma
compreensão de si mesmo, de forma a adaptar-se saudavelmente às relações
humanas, com seus aspectos positivos e negativos, e percebendo suas
autênticas qualidades (Rogers & Kinget, 1977; Rogers, 1942/1974, 1977/1986,
1980/2010; Rogers & Stevens, 1967/1976; Pinto, 2010a; Prouty, 1994/2001).
Kirschenbaum (2007/2009) assinala que, para Rogers, a partir desse tipo
de relação, essa proposta de consulta psicológica não diretiva consiste de três
fases: 1) a libertação, ou seja, uma permissividade para exprimir todo e qualquer
sentimento; 2) o insight baseado na expressão dos sentimentos; 3)
desenvolvimento de ações positivas baseadas em insights. Durante a libertação,
o psicoterapeuta tem dois tipos de condutas: a de aceitação simples, que
permite ao paciente saber que está sendo acompanhado e aceito em tudo o que
fala; e o reflexo de sentimentos, no qual o psicoterapeuta elabora para o
paciente a sua compreensão do que ele compartilhou, como que uma
clarificação de sentimentos.
Tendo explicado isto, torna-se compreensível a substituição do termo
paciente pela denominação cliente para o contexto de psicoterapia, enfatizando

50
o papel ativo e a responsabilidade da pessoa que procura ajuda (Kirschenbaum,
2007/2009; Rogers, 1942/1974; Rogers & Stevens, 1967/1976; Thorne &
Sanders, 1992/2013).
Além de tratar das potencialidades desta relação psicoterapêutica, aponta
também os seus limites. Questiona-se se a relação terapêutica seria compatível
com a autoridade, no caso do conselheiro assumir um papel de responsabilidade
na sociedade, sendo, além de conselheiro, um professor, um assistente social,
um funcionário do tribunal, por exemplo. Ele pergunta “será possível ao
funcionário do tribunal ser um conselheiro no sentido em que empregamos a
palavra se ele é responsável pela decisão de conservar o indivíduo em liberdade
ou fazer interná-lo novamente?” (Rogers, 1942/1974, p. 119). Ele acredita que a
psicoterapia e a autoridade são incompatíveis, não podendo coexistir papéis,
pois inviabiliza uma atitude permissiva completa para que o paciente se
expresse livremente quando houver a situação de autoridade (Rogers &
Stevens, 1967/1976). Holanda (1994) afirma que “na realidade, seu esforço era
uma tentativa de desarticular a conotação de autoridade relacionada ao
terapeuta” (p. 6). Aliás, é como Gendlin afirma no prefácio de Rogers e Russell
(2002, p. xi): “ele não se preocupava com aparências, papéis, classes,
credenciais ou posições, e ele duvidava de qualquer autoridade, incluindo a sua
própria”7.
Acentua, ainda, que além da permissividade ao paciente ficar
comprometida, o papel do conselheiro se restringe ao precisar decidir que
posição assumir em situações que infrinjam as regras da instituição, o que lhe
traria responsabilidades sobre o paciente, além das propostas no âmbito da
consulta psicológica (Rogers, 1942/1974). Perguntamo-nos: a atividade
diagnóstica e a autoridade estão diretamente relacionadas? Diante da atividade
diagnóstica, o psicoterapeuta exerce explícita ou implicitamente alguma relação
de autoridade com o cliente? Será que o cliente não consegue perceber a
relação como de permissividade e de aceitação positiva incondicional,

7
“He did not care about appearances, roles, class, credentials or positions, and he doubted every authority including his
own” (tradução nossa).

51
comprometendo a construção deste vínculo em virtude da autoridade em função
do diagnóstico?
Embora Rogers tenha optado, neste livro, por trabalhar com as consultas
psicológicas que não estivessem inseridas neste quadro de funções de
autoridade, propõe soluções para quando estas funções precisassem coexistir.
Uma delas era aceitar a autoridade como uma das estruturas de referência da
consulta psicológica, com vistas a deixar que o paciente se expresse sobre
como se sente ante a função de autoridade do conselheiro. Além disso, poderia
ser útil que o exercício das funções fosse feito de forma separada, em
momentos distintos. Por último, acrescenta, no entanto, que era melhor que o
conselheiro não ocupasse outro papel (Rogers, 1942/1974).
Rogers (1942/1974) acrescenta que a consulta psicológica é um método
de trabalho não diretivo, daí o nome desta primeira fase, ao passo que a relação
de consulta mais conhecida até então, era aquela em que

o conselheiro descobre, diagnostica e trata os problemas do paciente desde que o


paciente preste a sua colaboração activa ao processo. O conselheiro, de acordo com
este ponto de vista, aceita a maior responsabilidade na solução do problema e essa
responsabilidade torna-se o centro dos seus esforços (p. 125).

Ou seja, no trabalho em Rochester, o psicólogo assumia a direção desde o


diálogo, colhendo informações que não eram fornecidas apenas pelo paciente,
mas pela própria instituição, escolhendo os problemas a tratar na entrevista,
assumindo dessa forma uma clara liderança do processo de entrevista. A
participação do paciente se faz em responder prontamente, colaborar para
fornecer as informações requeridas para que se estabeleça um diagnóstico
adequado. É o que fica evidente quando ele assinala acerca deste tipo de
atendimento:

o centro do processo de consulta é o problema, as suas causas, o seu tratamento. A


única responsabilidade do paciente é a decisão relativa ao seu grau de colaboração.
Além disso, a direção do processo está inteiramente nas mãos do conselheiro (p. 127).

52
O foco de trabalho era o problema, a direção era do terapeuta e o paciente era
um colaborador mais ou menos ativo, aceitando as formulações do terapeuta
como um domínio, inibindo-se em expressar-se livremente. Esta perspectiva de
trabalho tornaria o paciente cada vez mais dependente, pois quem escolhia os
temas de ajuda não era o paciente, mas sim o psicoterapeuta. Parece que este
tipo de trabalho, iniciando-se do diagnóstico, impunha uma atitude de autoridade
perante o paciente, pois o diagnóstico teria primazia, além de ser ele norteador
de decisões para o tratamento. A única concordância presente nas antigas
propostas e na apresentada nesta fase de seu trabalho é a necessidade do
estabelecimento de uma relação de simpatia entre o paciente e o conselheiro
para que o trabalho fosse eficaz (Rogers, 1942/1974).
Kirschenbaum (2007/2009) comenta que Rogers se empenhou nas
pesquisas científicas para provar que a psicoterapia não era uma arte intuitiva,
mas uma tarefa acadêmica que poderia ser descrita e medida. Assim
demonstrou que, “na consulta psicológica não directiva o paciente ‘vem falar dos
seus problemas’. Num contacto directivo é o conselheiro que fala ao paciente”
(Rogers, 1942/1974, p. 133), ou seja, que as consultas não diretivas são
realizadas mediante técnicas de reconhecimento e interpretação dos
sentimentos de forma verbal, expressos pelo paciente, levando-o a uma maior
consciência deles, ampliando a compreensão de si. Por sua vez, a consulta
diretiva se norteia por métodos para persuadir o paciente, identificando
problemas que precisam de correção, por intermédio de entrevistas estruturadas
do histórico do paciente, interpretação de resultados de testes, perguntas
específicas no sentido de alcançar um objetivo marcado pelo próprio conselheiro
(Rogers, 1942/1974).
O trabalho não diretivo está centrado no cliente, nos seus sentimentos e
nas suas atitudes expressas, nos elementos afetivos relevantes para o
problema, enquanto a perspectiva diretiva é centrada mais no conteúdo
intelectual da sua fala, na discussão das ideias e dos temas. Rogers
(1942/1974) não explicitou, mas foi possível entender que ele parece apontar
que um trabalho diagnóstico é realizado dentro de um quadro diretivo,

53
parecendo ser este um dos motivos que o fizeram começar a se afastar dele. O
modelo diagnóstico com o qual trabalhava em Rochester estava pautado numa
estrutura clara que tentasse contemplar todas as áreas da vida do cliente, bem
distante do que ele estava se propondo com as entrevistas não-diretivas.
Na consulta psicológica, à medida que o paciente se expressa livremente,
o conselheiro elabora a sua compreensão do problema, conhece o modelo de
conduta do paciente, interpreta as suas ações e a sua personalidade. Neste
modelo de consulta psicológica, porém, ele freia o seu impulso de comunicar tal
compreensão ao paciente, pois passa a “reconhecer que a compreensão é uma
experiência a realizar e não uma experiência que possa ser imposta” (Rogers,
1942/1974, p. 210). Esta é uma diferença marcante quanto ao trabalho com
consultas psicológicas e o realizado em Rochester.
Comunicar ao paciente seu entendimento da situação não promove
compreensão por parte do próprio paciente, devendo o psicoterapeuta se abster
de tal atitude, pois suas interpretações se baseiam muito mais em elementos
próprios. Informar ao paciente sua compreensão e a ele comunicar de forma
intelectual, estimula uma atitude de resistência, defesa, temor por parte do
paciente. Se a compreensão do problema por parte do paciente é pretendida, o
conselheiro deve “reconhecer devidamente as atitudes do paciente, ajudar no
processo de clarificação dos sentimentos e favorecer a livre expressão, uma
nova compreensão virá por si e poderá ser reconhecida pelo conselheiro quando
surgir” (Rogers, 1942/1974, p. 210). O papel do conselheiro é apenas de auxiliar
o paciente a olhar para si e seus problemas, reformulando a compreensão com
os elementos informados pelo próprio paciente, respondendo aos sentimentos e
não aos conteúdos, como numa reflexão de sentimentos (Rogers, 1942/1974). A
compreensão sucede inicialmente pelo psicoterapeuta, mas, na medida em que
é compartilhada, assimilada e acompanhada pelo paciente, um processo duplo
começa a fluir da compreensão de um para o outro, permitindo um entendimento
mais fidedigno, não do problema, mas da forma como o indivíduo se mostra
diante dele. Parece ser esta a sua compreensão de diagnóstico nesta fase.

54
Como resultado da compreensão alcançada pelo próprio paciente num
processo de consulta psicológica, ele consegue perceber as relações de
elementos semelhantes em relações diferentes. O paciente torna-se capaz de
reconhecer suas atitudes e impulsos, além de distinguir suas escolhas, com
objetivos mais satisfatórios, situando o paciente numa disposição para a ação,
sempre acompanhados de confiança, segurança e independência (Rogers,
1942/1974). Quando é o paciente quem compreende suas questões, ganhos
terapêuticos estão inerentes a esse processo, indo além do mero
reconhecimento do problema. Acerca de como este processo ocorre, Rogers
discute o papel dos testes psicométricos, assumindo o seu valor com fins
diagnósticos quando assinala que

não se pode pôr em dúvida que os testes psicométricos de aptidões, de realização, de


interesse e de traços de personalidade ou de adaptação são verdadeiramente úteis no
estabelecimento de estudos de diagnóstico de indivíduos inadaptados. A apreciação da
criança inadaptada escolarmente, o estudo de um delinqüente juvenil ou adulto que
comparece ao tribunal, o estudo dos candidatos a um posto de trabalho ou a
classificação dos recrutas do exército com base nas suas aptidões e capacidades – todo
o trabalho deste gênero assenta fortemente e com razão na informação que os testes
psicométricos podem dar (p. 265).

Por meio deste excerto, conhecemos que Rogers reconhecia a validade dos
testes como instrumentos que fornecem dados verossímeis acerca das
habilidades e competências do sujeito em diferentes demandas. Acha
importante, contudo, situar o lugar da utilização desse instrumento na consulta
psicológica, pois pode passar a ideia de que eles ajudarão a solucionar os
problemas do paciente, enquanto já foi dito que não é isso a operar efeitos
terapêuticos. Ele não descarta a utilização deles, mas diz ser necessário ter em
mente a ideia de que a sua legitimidade se faz quando a utilização ocorra com a
finalidade de responder às necessidades do paciente e não simplesmente para
informar o diagnóstico ao conselheiro que conduzirá o tratamento a partir dele
(Rogers, 1942/1974).
As ideias quanto à não-diretividade, à refuta à primazia do diagnóstico e
ao centramento no cliente também podem ser encontradas no livro Manual de
Aconselhamento, de Rogers e Wallen (1946/2000). Conforme Kirschenbaum

55
(2007/2009), o aconselhamento era aplicado a problemas não tão severos e a
questões vocacionais. Nesta obra, todavia, Rogers e Wallen (1946/2000) se
dedicam a explicar que a sua proposta de aconselhamento para lidar com os
problemas de ajustamento social de homens e mulheres militares e o
Aconselhamento tradicional divergiam, primeiramente pelo fato de este último se
concentrar amplamente em conhecimentos dos campos da psicologia e da
psiquiatria. Isto quer dizer que o conselheiro deveria adquirir todas as
informações pertinentes que pudessem esclarecer a situação do
desajustamento, para adiante realizar um diagnóstico ou formular uma
explicação para os problemas do cliente. Ao final, possuindo tais informações, o
counsellor poderia “indicar ao cliente o caminho que ele deve tomar, os passos
que deve dar, para resolver o seu problema” (Rogers & Wallen, 1946/2000, p.
11). Tal proposta parece semelhante à do trabalho que Rogers realizou em
Rochester, pois considerava o profissional um especialista responsável por
avaliar quais informações seriam relevantes e significativas, exigindo
conhecimento e experiências aprofundadas na área de diagnóstico, para
conseguir prescrever resoluções para os desajustamentos. Essa forma de
trabalho implicava em uma atitude passiva por parte dos clientes, em que estes
esperam pela resolução de seus problemas e ainda pedem conselhos e
sugestões. Essa forma de counselling também inseria a orientação vocacional
ou educativa neste quadro de trabalho que se inicia desde um diagnóstico e que
se utiliza de testes de informação para adquirir a história educativa e vocacional,
para, em tirando conclusões, comunicá-las ao cliente.
A proposta de Rogers e Wallen (1946/2000) destoa deste método
tradicional de aconselhamento de sua época, pois está interessada em tentar
ajudar o indivíduo a ajudar-se, auxiliando-o a alcançar a liberdade emocional e o
crescimento psicológico, acreditando que o diagnóstico não auxilia neste
processo e que quando o conselheiro formula um diagnóstico, acaba se
enrijecendo e tendo dificuldades de aceitar e reconhecer atitudes que não
estejam em concordância com a sua conclusão pré-concebida. Este conselheiro
não-diretivo deve dirigir sua atenção para os sentimentos expressos e não para

56
o conteúdo e informações ditas pelo cliente. A função deste conselheiro é de
promover um cenário que permita que o cliente se veja de forma mais clara,
além de conseguir aceitar-se mais. O conselheiro não encontrará a solução para
o cliente, mas o ajuda a encontrar quais soluções são possíveis, ou seja,
enfatizando a responsabilidade do cliente pela sua conduta, desenvolvendo o
que ele chamou de conselheiro não-diretivo. Rogers e Wallen (1946/2000)
acreditam que

a informação detalhada sobre os seus resultados dos testes e sobre as condições


vocacionais não será suficiente para ajudar o cliente a fazer a adaptação mais
satisfatória, a menos que compreenda a relação entre essa informação e os seus
próprios medos, esperanças, conflitos e ambições (p. 90).

Eles propõem que o aconselhamento não diretivo deve ser utilizado na


orientação vocacional e educativa e o emprego de testes é decidido nos casos
em que as informações adquiridas como resultado dos testes não sejam apenas
dados superficiais de sintomas, mas se centrem nos significados que possam
estar contidos nessas informações. Quanto a isto, Rogers e Wallen (1946/2000)
ensinam:

se o counsellor aceitar e reformular os sentimentos do militar sobre a informação, o


militar pode ser ajudado a descobrir o que é que a informação realmente significa para
si, assimilá-la na sua própria maneira de pensar e utilizá-la. Por vezes, os resultados dos
testes evocam reacções muito significativas no cliente – se o counsellor se abstiver de
impor a sua própria avaliação sobre o significado desses resultados (p. 98).

O conselheiro pode utilizar os testes de forma a repassar os dados e as


informações para o cliente, não de forma intelectual, mas ajudando-o a
reformular as questões afetivas expressas, e abstendo-se de interpretações
sobre os significados dessas informações. É o próprio cliente que diante desta
atitude do conselheiro descobre os significados que emergem, ao invés de ser o
conselheiro a interpretá-los e revelá-los.
Compreendemos que na primeira fase de seu pensamento inovador,
Rogers critica severamente o diagnóstico quando o contrapõe a partir da não-
diretividade do terapeuta no processo, atitude totalmente divergente da sua

57
atuação em Rochester. Ele, entretanto, não abandona o diagnóstico de vez,
parecendo dialogar com os contextos em que ele se fizesse necessário, e
tentando desenvolver uma forma de fazê-lo de maneira que não viesse a ferir a
não-diretividade.
Esta tentativa de uma teoria não-diretiva para a psicoterapia foi, contudo,
largamente debatida, pois, embora o psicoterapeuta não direcionasse em
palavras, a sua comunicação, a sua postura e o seu papel exercem sozinhos
uma clara influência no cliente (Rogers & Kinget, 1977; Moreira, 2007). A
diferença entre “não dar diretivas e não ter direção” (p. 36), diferenciando que a
primeira tem a conotação de conselhos, instruções e sugestões, e a segunda
sugere a noção de significação e orientação, da qual é impossível que o
terapeuta se distancie completamente.
Rogers e Kinget (1977) relatam que os psicoterapeutas tentavam se
comportar como uma “tela neutra”, como se tentassem exercer um papel de
neutralidade, implementando a posição não-diretiva e a reflexão de sentimentos
como técnicas, simples ecos do terapeuta e repetições do discurso do cliente.
Os estudiosos esclarecem, contudo, que “toda situação psicoterapêutica está,
portanto, impregnada de direção – isto é – de significação orientada – por mais
não-diretiva que seja a atitude do terapeuta” (p. 37-38). Desta maneira, como
salienta Kirschenbaum (2007/2009), a psicoterapia não-diretiva foi muito
criticada, sendo acusada de ser superficial demais, sem levar a nenhum aspecto
significante que resultasse em ajustamentos a longo prazo.
Mesmo, porém, com estas críticas, e com o imperialismo europeu da
Psicanálise naquele período, a crescente demanda por serviços de
aconselhamento e psicoterapia, sobretudo pelo retorno de profissionais da
Segunda Guerra Mundial, as ideias desta fase ganharam fama em diversos
campos de atuação, como aconselhamentos escolar, pastoral, em saúde mental,
bem como em vários setores profissionais que lidam com atividades de ajuda.
Pelo fato de esta proposta não ser orientada por patologias e sim pela
concepção básica de que o indivíduo possui uma tendência atualizante para a
saúde e para o crescimento, ela cresceu e se espalhou por todos os campos de

58
ajuda que perpassam as relações humanas (Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers,
1977/1986). Além disto, foi um trabalho importante em que Rogers percebeu que
a relevância da psicoterapia “não é a ausência de diretivas, mas a presença, no
terapeuta, de certas atitudes em face do cliente e de uma certa concepção das
relações humanas” (Rogers & Kinget, 1977, p. 27-28).

59
1.4 O Diagnóstico Psicológico na Fase Reflexiva

“Rogers nunca mais trabalharia com


um grupo de colegas tão motivados e
dedicados”8 (Thorne & Sanders,
1992/2013, p. 16)

O livro Terapia Centrada no Cliente (Rogers, 1951/1992) expõe a


segunda fase do pensamento de Rogers, contendo o amadurecimento de suas
ideias que puderam se desenvolver por ter encontrado grande espaço e abertura
em um novo local de trabalho. Morou em Chicago de 1950 a 1957, onde foi
alocado primeiramente como professor visitante, e em seguida, como professor
efetivo na Universidade de Chicago, convidado a montar o primeiro Centro de
Aconselhamento desta Academia, que mais tarde passou a ser um dos centros
de psicoterapia e de pesquisa mais conhecidos do mundo (Cohen, 1997;
Holanda, 1994; Kirschenbaum, 2007/2009; Thorne & Sanders, 1992/2013).
Nesta mesma época, foi presidente da Associação Americana de Psicologia e
de muitos outros grupos de prestígio, ganhando inúmeros prêmios, além de ter
publicado cerca de 250 artigos sobre abordagem não diretiva e terapia centrada
no cliente. Este período é conhecido como o mais profícuo no desenvolvimento
de sua abordagem, um período de refinamento da teoria, quando ele próprio
deixa de empreender pesquisas sozinho, para orientar e acompanhar
investigações e estudos com outros colegas que estavam trabalhando com as
ideias que ele tinha desenvolvido até o momento. Rogers considerava este
Centro de Aconselhamento como o seu laboratório de relações interpessoais
(Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009).
Foi pela experiência de observação e acompanhamento do processo
psicoterapêutico, tanto aqueles que ele realizava, como supervisionando o de
outros psicoterapeutas, durante os anos em que ficou em Chicago, que Rogers

8
“Rogers was never again to work with so stimulating and dedicated a group of colleagues” (tradução nossa).

60
se dedicou a compreender o que era a experiência da psicoterapia
(Kirschenbaum, 2007/2009), empenhando-se a dizer em palavras e de forma
eficaz, sem se esquecer do difícil empreendimento da análise científica, o que
era esta experiência. Nas seguintes palavras, ele preserva o seu caráter
experiencial: “a terapia é um processo, uma coisa-em-si, uma experiência, uma
relação, uma dinâmica” (Rogers, 1951/1992, p. 2), mais do que um espaço para
criar teorizações ou hipóteses. Assim, acredita que quaisquer hipóteses possam
ser testadas para deixarem de ser apenas ideias místicas, intuitivas, pessoais,
para sair do domínio do indefinível. Com amparo em tal empreendimento,
Rogers exibe um sistema da psicoterapia, com o fim de explicar o processo
psicoterapêutico, e uma teoria da personalidade, para embasar a estrutura
básica da personalidade constituída na psicoterapia.
Explicando o papel da sua teoria para o processo terapêutico, ele é
cuidadoso quando diz que “a teoria não é necessária até que, e a menos que,
existam fenômenos para serem explicados” (Rogers, 1951/1992, p. 23), ou seja,
a teoria é relevante apenas para “proporcionar uma estrutura conceitual
completa que abranja adequadamente todos os fenômenos observados” (p. 23).
A primazia é do fenômeno e a teoria é sempre revisitada e possível de ser
modificada, assinalando que “parece-nos totalmente natural que a frágil flor da
teoria brote do sólido terreno da experiência” (p. 24). Esta afirmação mostra uma
ênfase no caráter mutável e dinâmico da teoria, em que os fenômenos
explicados pelas teorias é que são inalterados e inflexíveis, e não a teoria. O
primordial para ele é a experiência (Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers,
1951/1992; Rogers & Russel, 2002; Rogers & Stevens, 1967/1976; Pinto,
2010a).
Este período de trabalho expõe a transição de uma atuação em
aconselhamento para a psicoterápica, em que mais importante do que o não
direcionamento é o centramento nas questões do cliente, a partir de condições
facilitadoras (Holanda, 1994; Moreira, 2013). Na psicoterapia não-diretiva, a
aceitação e o reflexo de sentimentos eram vistos como técnicas a serem
implementadas no trabalho com clientes. Nesta nova proposta psicoterápica,

61
Rogers tira a ênfase da não-diretividade como técnica, pois acredita que a
reflexão de sentimentos situa a responsabilidade do processo terapêutico no
terapeuta (Kirschenbaum, 2007/2009). Holanda (1994) assinala que

há um amadurecimento das perspectivas não-diretivas ligadas à compreensão da


psicologia do eu, com atitudes como um certo abandono de um interesse diagnóstico,
voltando-se para a capacidade inerente do cliente. Neste momento, Rogers privilegia a
ação facilitadora e a presença do terapeuta (p. 7).

Em contrapartida, Rogers (1951/1992) propõe que o aceite e a compreensão


sejam atitudes genuínas por parte do psicoterapeuta, mais do que uma técnica
ou método, sendo elas que desempenham a grande relevância para o processo
psicoterapêutico. Tais atitudes devem ser profundamente genuínas e pessoais
por parte do psicoterapeuta, pois, na medida em que exista uma atmosfera
psicológica de genuíno e profundo acolhimento, aceitação e compreensão, o
cliente sentindo-se plenamente aceito e compreendido, passa a também se
compreender e se aceitar (Cohen, 1997; Holanda, 1994; Rogers & Kinget, 1977;
Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers, 1951/1992, 1980/2010, 1977/1986; Rogers
& Stevens, 1967/1976; Pinto, 2010a). Isto quer dizer que, no processo
psicoterapêutico, o foco está no fenômeno e é a atitude do terapeuta e não a
sua teoria e técnica que têm relevância e eficácia (Holanda, 1994; Rogers,
1951/1992, 1977/1986).
Acerca da teoria da personalidade, Rogers (1951/1992) concebe a noção
de que as experiências do indivíduo constituem um pano de fundo para si,
mesmo no qual apenas algumas são conscientemente percebidas e outras o são
potencialmente, constituindo um mundo particular para o indivíduo, apenas
conhecido na sua completude e autenticidade por ele próprio, sendo ele o único
a poder dizer como a experiência foi notada. Cohen (1997) comenta que “para
compreender uma pessoa, o psicólogo deve olhar não para o comportamento
dela, mas, ao invés disso, deve olhar para a visão subjetiva de si”9 (p. 143). Esta
visão subjetiva, este campo perceptivo é outro embasamento chave para sua

9
“To understand a person, the psychologist should look not at their behavior but, rather, at their subjective view of
themselves” (tradução nossa).

62
teoria da personalidade, pois postula que o indivíduo é composto de percepções
múltiplas da realidade. A percepção é uma hipótese que é testada e retestada
na experiência do indivíduo, confrontando percepções, sobretudo nos processos
psicoterapêuticos, “de forma a que se tornem guias mais confiáveis da
‘realidade’” (Rogers, 1951/1992, p. 552).
É neste sentido que se desenvolve o processo psicoterapêutico, ou seja,
o indivíduo inicia discorrendo sobre seus problemas, mas, na medida em que vai
se aprofundando e percebendo as condições psicoterapêuticas, passa a
explorar os sentimentos e atitudes relacionados a essas áreas problemáticas,
com insights que lhe propiciam maior compreensão e auto-entendimento, num
movimento claro, que vai dos sintomas para o self. Na psicoterapia, o cliente
começa abordando os problemas e termina lidando consigo mesmo, suas
atitudes, emoções, valores e metas, na descoberta do seu eu. Durante este
processo, acontece uma diferenciação aumentada no campo perceptivo, em que
o cliente passar a perceber o quanto seus pensamentos, sentimentos e
comportamentos estão centrados em julgamentos e expectativas dos outros, o
que o faz se mover então para valores e padrões que se baseiem na sua própria
experiência.
Durante este processo, o papel do psicoterapeuta centrado no cliente é
aceitar o cliente como ele é, uma posição de calorosa aceitação de cada
aspecto da experiência do cliente como sendo dele próprio, uma acolhida sem
limites, sem condições, uma forma de apreço da pessoa (Rogers & Kinget, 1977;
Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers, 1977/1986, 1980/2010; Rogers & Stevens,
1967/1976). Centra o atendimento no cliente e no seu fenômeno, e, ao fazer
isso, a aceitação, enquanto totalmente entrelaçada da compreensão, permite
que o psicoterapeuta alcance a estrutura de referência interna e o centro do
campo perceptivo do cliente, com o fim de chegar à mesma percepção que ele,
percebendo a maneira como ele experimenta, demonstrando que acredita ser o
cliente quem tem a capacidade de dizer o que se passa consigo e de lidar de
forma construtiva com os aspectos de sua vida. Este tipo de atitude se afasta de
uma que possa estar centrada no próprio psicoterapeuta, preocupado com as

63
próprias hipóteses, diagnóstico e prognóstico (Rogers & Kinget, 1977;
Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers, 1951/1992, 1977/1986, 1980/2010).
Rogers e Kinget (1975) afirmam que “à medida que sua experiência na
aplicação de procedimentos de avaliação externa crescia, Rogers viu-se
obrigado a mudar sua concepção sobre o valor do diagnóstico no tratamento do
cliente e de seu problema” (p. 212). Há um deslocamento para o centramento no
cliente, para que o psicoterapeuta se aproxime de um lócus de percepção dele,
também desloca o papel do psicoterapeuta, que deixa de compreender sobre
ele, para compreender com ele, sublinhando a crença genuína do
psicoterapeuta de respeito e confiança na própria capacidade do cliente. Rogers
(1951/1992) atenta que “podem passar pela cabeça do orientador pensamentos
de natureza avaliativa, onde o julgamento do material é feito a partir de sua
própria estrutura de referência, ou de natureza autocentrada, nos quais a
atenção transferiu-se do cliente para o orientador” (p. 56). Este deslocamento da
estrutura de referência do cliente para a do psicoterapeuta, além de não permitir
que o psicoterapeuta compreenda o cliente dentro de seus próprios parâmetros,
acarreta numa postura avaliativa por parte do psicoterapeuta. Tais pensamentos
mostram um orientador preocupado consigo mesmo e com o que deve fazer, o
que leva o respeito ao cliente a diminuir, encarando o cliente muito mais como
objeto do que como pessoa (Rogers, 1951/1992).
Rogers (1980/2010) estava interessado em desenvolver uma forma de
compreender com o cliente, o que, em se utilizando de aceitação e
compreensão, transforma-se no conceito que ele chama de compreensão
empática. Para alcançá-la, o psicoterapeuta precisa mergulhar no mundo
privativo do cliente e ver como se fosse ele, mas sem nunca deixar o “como se”.
É um tipo de escuta ativa, concentração e comunicação por parte do
psicoterapeuta, que se opõe à crítica de que este trabalho era uma psicoterapia
do laisser-faire (Cohen, 1997; Freire, 2009; Rogers, 1951/1992, 1977/1986;
Thorne, 2002; Thorne & Sanders, 1992/2013). É com o desenvolvimento desta
habilidade de compreensão empática, em que o psicoterapeuta reflete aquilo
que escuta do cliente, que a nova denominação “Terapia Centrada no Cliente”

64
passa a ser mais adequada para nomear seu trabalho (Kirschenbaum,
2007/2009). Neste período, é possível encontrar muitas pesquisas que tentavam
demonstrar as mudanças no cliente advindas de um processo de psicoterapia
centrada no cliente. Utilizando métodos científicos conhecidos, como os testes
psicológicos Rorschach e TAT, estes estudos visavam a encontrar um grau de
confiabilidade na eficiência desse tipo de psicoterapia (Cohen, 1997;
Kirschenbaum, 2007/2009). Rogers (1951/1992) compreendia que o progresso
em psicoterapia era um julgamento totalmente subjetivo e dependia da
experiência e do significado que cada um obtinha do processo e que não
poderia estar baseado em grupos de controle e ser generalizado para todos. De
um modo geral, Rogers acreditava que a psicoterapia capacita o indivíduo a
reduzir sua tensão e ansiedade, conseguindo enfrentar situações problemáticas
com maior tolerância e menos perturbação, sendo mais resistente à frustração,
ajustando-se melhor nas tarefas da vida, com mudanças no comportamento que
refletem a nova organização do self. Em suas palavras:

ele passa a considerar, e tenta colocar em ação, comportamentos mais maduros,


autodiretivos e responsáveis; seu comportamento torna-se menos defensivo, mais
firmemente baseado numa visão objetiva do self e da realidade; seu comportamento
apresenta uma quantidade cada vez menor de tensão psicológica; ele tende a conseguir
um ajustamento mais confortável e efetivo na escola e no trabalho; enfrenta novas
situações de tensão com muito mais calma interior – que a reflete em distúrbios
fisiológicos menores e recuperação fisiológica mais rápida após situações de frustração.
(p. 215).

Por meio desta citação, percebemos uma descrição de como podemos perceber
as mudanças do cliente em virtude do processo psicoterapêutico. Em um
ambiente acolhedor e seguro, o cliente cresce, amadurece, modula seu
comportamento com menos angústia e mais de acordo com a sua realidade
individual, sem medo de mostrar-se e ser quem é. Rogers tenta utilizar os testes
psicológicos para perceber as alterações que se dão nos clientes, aplicando-os
antes do processo, durante e após um período significativo de psicoterapia, no
sentido de comparar os resultados e comprovar cientificamente o sucesso
psicoterapêutico. Ao fazer isto, questionamo-nos: ele não estaria realizando
diagnósticos?

65
Quanto ao fracasso psicoterapêutico, Rogers (1951/1992) problematiza a
questão, discutindo se o foco da dificuldade é o diagnóstico do cliente, no
sentido de o caso ser mais ou menos problemático, dificultando o tratamento. Ao
analisar, contudo, de forma mais aprofundada, percebe que é em virtude da
dificuldade de implementar as condições facilitadoras que uma relação
psicoterapêutica resta comprometida, podendo, então, ocasionar um fracasso
psicoterapêutico. A questão diagnóstica não é o foco para o fracasso
psicoterapêutico, mas é perpassada como uma das constituintes para que as
condições facilitadoras estejam presentes. Fundamentando melhor a questão do
diagnóstico nesta abordagem, Rogers esclarece que o início dos trabalhos em
psicologia (e, neste momento, fala do seu próprio trabalho em Rochester),
ocorreu semelhantemente aos primeiros estudos de sociedades primitivas, em
que o observador olhava com seus olhos, cultura e valores para um contexto
totalmente diferente do seu, agregando julgamentos preconceituosos a eles,
baseando-se em uma estrutura de referência externa para compreender uma
sociedade. Nas suas palavras

não percebemos que estamos avaliando a pessoa a partir da nossa estrutura de


referência, ou de alguma outra razoavelmente generalizada, mas que a única maneira
significativa de compreender seu comportamento é compreendê-lo da forma como a
pessoa o percebe, assim como a única maneira de compreender uma outra cultura é
assumir a estrutura de referência dessa cultura. Quando isso é feito, os vários
comportamentos estranhos e sem sentido são vistos como sendo parte de uma atividade
significativa e dirigida para uma meta. Não existe, portanto, tal coisa como um
comportamento aleatório de tentativa, um delírio, exceto quando o indivíduo pode aplicar
esses termos a seu comportamento passado. No presente, o comportamento sempre
tem uma razão de ser e é uma resposta à realidade percebida (p. 562).

Indica, então, que uma estrutura de referência externa está baseada no próprio
avaliador e na sua cultura, e que isso pode atribuir percepções ao cliente que
não são dele. Conforme Rogers e Kinget (1975), este quadro de referência
externa no uso do diagnóstico ocasiona um diagnóstico que “tende, pois, a
exercer uma influência funesta sobre o sentido da responsabilidade pessoal” (p.
214). O indivíduo deixa de crer em si mesmo, chegando à conclusão de que é
incapaz de conhecer-se, levando a uma “certa desvalorização do eu e de seus
poderes” (p. 214). Rogers (1951/1992) relata que, inicialmente, a Psicologia

66
herdou padrões do diagnóstico físico de processos patológicos, ou seja, que os
avanços no tratamento se baseavam na descoberta, elaboração e
aperfeiçoamento de um diagnóstico refinado. O pressuposto lógico para um
diagnóstico físico é de que toda condição orgânica possui uma causa que a
precede e que pode ser descoberta com medidas de métodos científicos, e, em
desvelando a causa, proporciona-lhes maiores possibilidades de controle da
condição. Toda esta tarefa é realizada por um profissional com formação
científica e médica, especialista. No caso de questões psicológicas, tais
pressupostos não se verificam, e se for assim realizada, embasa-se num
parâmetro que é do avaliador, como na explicação acerca da cultura.
Rogers acredita que as questões psicológicas não seguem as mesmas
condições de funcionamento orgânico. Para ele, as questões psicológicas não
estão relacionadas com causas antecedentes que precisam ser identificadas por
meio do método científico para ser remedida. Na medida em que as orientações
terapêuticas foram se desenvolvendo, como as rankianas, quase todos os
terapeutas começaram a se afastar dessas ideias, acreditando que “a terapia
não é desenvolvida a partir do diagnóstico” (p. 253), pois os aspectos da
psicoterapia se desenvolviam, mesmo que não se conhecessem as dificuldades
e as causas. Nesta linha, Rogers assinala que “o diagnóstico psicológico, da
maneira como usualmente é compreendido, é desnecessário para a psicoterapia
e pode, na verdade, ser prejudicial ao processo terapêutico” (p. 253). Sobre este
assunto, Hipólito, no anteprefácio da obra de Prouty (1994/2001) esclarece que
esse diagnóstico psicológico ao qual Rogers se refere na última citação, está
pautado numa perspectiva biomédica que precisa apoiar-se no exame clínico e
na psicometria para desenvolver uma proposta terapêutica, ou seja, um
diagnóstico específico orientaria psicoterapias específicas. Entretanto, Rogers e
Kinget (1975) bem afirmam que não se pode “deixar de reconhecer que muito
pouca coisa foi realizada, até hoje, que permita prescrever tratamentos
específicos adaptados a diagnósticos específicos” (p. 211). Rogers (1951/1992)
alerta que esta atitude é perigosa, pois é centrada no quadro de referências de
avaliação do psicoterapeuta que, decidindo que tratamento teria melhor eficácia,

67
atua com um papel de autoridade. Hipólito acrescenta que “é nesta perspectiva
que Rogers afirmava por vezes que o diagnóstico não só não era necessário
para a terapia como podia ser mesmo prejudicial, na medida em que poderia ser
fonte de preconceitos no terapeuta” (Prouty, 1994/2001, p. ix).
Acerca das mudanças durante o processo psicoterapêutico, Rogers
(1951/1992) retoma o campo perceptivo, indicando que, “para que o
comportamento mude, é necessário que seja experimentada uma mudança na
percepção. O conhecimento intelectual não pode ser substituto para essa
experiência” (p. 255). Ou seja, a percepção da ordem intelectual não opera
efeitos psicoterapêuticos, podendo produzir, ao invés, resistência e atitudes
defensivas. Para ele, na medida em que a experiência puder ser tolerada pelo
self, o cliente experimenta modificações na percepção e posteriormente
mudança no comportamento. Todos esses eventos se desenrolam no decorrer
da terapia, em que “num sentido muito significativo e acurado, a terapia é
diagnóstico, e esse diagnóstico é um processo que se desenrola mais na
experiência do cliente do que no intelecto do terapeuta” (Rogers, 1951/1992, p.
256). Rogers parece estar considerando que diagnóstico é o processo do cliente
de conhecer e descobrir a sua própria experiência, como um processo de
percepção de si.
O psicoterapeuta cria, então, condições para que o cliente seja capaz de
“fazer, experimentar e aceitar o diagnóstico dos aspectos psicogênicos de seu
desajustamento” (Rogers, 1951/1992, p. 256). O papel do terapeuta é promover
esta possibilidade do cliente experimentar-se e perceber-se. Acredita que o
diagnosticador final é o cliente, que experimenta as compreensões e
interpretações durante o processo como significativas e verdadeiras ou não. Um
diagnóstico feito nessas bases é um processo ativo do próprio cliente com
amparo na percepção de sua experiência, ou seja, baseado na compreensão de
sua estrutura de referência interna que compartilha com o psicoterapeuta.
Acrescenta que,

se pudéssemos experimentar empaticamente todas as sensações sensoriais e viscerais


do indivíduo, se pudéssemos experimentar todo o seu campo fenomenológico, incluindo

68
os elementos conscientes e as experiências que não foram trazidas ao nível da
consciência, teríamos a base perfeita para compreender o significado de seu
comportamento e prever seu comportamento futuro (p. 562).

Esta afirmação de Rogers esclarece que o ideal para compreender e avaliar o


comportamento é que o psicoterapeuta possa ter acesso completo e irrestrito à
estrutura de referência interna do cliente, mas que isso é impossível de ser
realizado. Já que só é possível conhecer o indivíduo desde algum tipo de
comunicação que ele realize, de forma a compreender “o mundo da experiência
da forma como ele parece ser para o indivíduo” (Rogers, 1951/1992, p. 563), o
terapeuta sempre terá uma compreensão parcial e incompleta. São vividas pelo
terapeuta as dificuldades de conseguir “obter um contato com o campo
fenomenológico da forma como este é experimentado na consciência” (p. 563),
pois a experiência, estando fora da consciência, não é possível de ser
totalmente conhecida, sabendo que ela é apenas parcialmente comunicada.
Rogers alerta que é comum a inferência acerca do campo fenomenológico não
consciente, o que é perigoso, podendo significar mera ilustração das projeções
do próprio psicoterapeuta, caindo novamente no erro de utilizar o seu quadro de
referência para olhar o cliente. Em virtude disso, Rogers afirma que “um
diagnóstico da dinâmica psicológica não só é desnecessário, como também, de
certa forma, prejudicial ou desaconselhável” (p. 257). Nesta passagem, Rogers
refuta claramente a utilização do diagnóstico, desacreditando da sua eficácia,
por percebê-la como incompleta e imprecisa.
Reflete, ainda, acerca das questões sobre o diagnóstico e a
psicossomática, problematizando como proceder no tratamento dessas
demandas, pois já que os problemas orgânicos precisam de um diagnóstico
precedente ao tratamento, e as questões psicológicas, como já explicadas, não
são abordadas da mesma forma pela psicoterapia centrada no cliente. Que
procedimentos são mais adequados no caso de fatores orgânicos e psicológicos
totalmente entrelaçados nas queixas psicossomáticas? Rogers (1951/1992)
discute que, primeiramente, é necessário esgotar as possibilidades de que a
doença seja meramente orgânica para, só em seguida, considerar as questões
psicológicas. Ainda sugere que, como tentativa de manter o lócus da avaliação
69
no próprio cliente, tanto nos casos de doenças orgânicas como nas psicológicas,
pode ser benéfico permitir ao cliente escolher os métodos a serem utilizados nos
procedimentos diagnósticos. Ou seja, o profissional passa a pensar com o
cliente acerca das intervenções, ao invés de fazê-lo sobre e para. Contudo, sua
pouca experiência com esses casos impede que a discussão seja aprofundada e
que as controvérsias possam ser respondidas.
Entre tantas controvérsias e pontuações acerca das possibilidades da
realização do diagnóstico, é possível considerar que, a partir dos pressupostos
da psicoterapia centrada no cliente, o diagnóstico, quando possível de ser
realizado, é do cliente sobre o seu campo perceptual, baseado no seu próprio
quadro de referência interna. O campo perceptual é constituído da compreensão
das experiências que se modificam dinamicamente a partir de cada novo
momento existencial e de cada nova percepção no decorrer do processo da
psicoterapia. A função do psicoterapeuta é apreender todo este campo,
compreendendo empaticamente o quadro de referência do cliente e o seu
movimento, e reformulá-lo para o cliente. Ele, por sua vez, chega à
compreensão dos seus significados. Neste sentido, entendemos que o
diagnóstico é psicoterapia, e psicoterapia é diagnóstico, sendo uma elaboração
compreensiva do cliente acerca da dinâmica do seu funcionamento. Já que é
processo e é comunicado de forma parcial e incompleta, devido à
impossibilidade de imersão absoluta e completa no mundo do cliente,
caracteriza-se como temporariamente verdadeiro e mutável, além de passível de
falhas.
Kirschenbaum (2007/2009) e Cohen (1997) relatam que, durante os
trabalhos em Chicago, Rogers passou por um período de profunda crise pessoal
e profissional, na qual ele se sentia completamente inadequado como
psicoterapeuta, vazio como pessoa e perdido quanto ao seu futuro na
Psicologia. Durante cerca de sete anos, ele próprio mergulhou em um processo
psicoterapêutico como cliente, sentindo a necessidade de compreender o que se
passava com ele, clarificando seus sentimentos e de como lidava com eles.
Sentia-se compelido a expressá-los, mas sentia-se impossibilitado de o fazer,

70
devido ao que havia aprendido desde criança, com a supressão dos seus
sentimentos em casa.
As mudanças resultantes deste processo foram evidentes no seu estilo de
escrita, passando a ser mais pessoal e direto, utilizando a primeira pessoa do
singular, com um tom mais espontâneo, permitindo que ele revelasse seus
próprios sentimentos no encontro com o outro, e, mais tarde, ainda mais
perceptíveis nos seus trabalhos de grupo de encontro. É assim que Rogers
experimenta a importância da congruência nas suas relações, ideias já
conhecidas por ele do trabalho de Carl Whitaker, mas não incorporadas à sua
atuação até estes episódios de crise. Mesmo não tendo sido, contudo, o criador
da noção de congruência, ficou conhecido como o seu maior divulgador em
psicoterapia (Boainain Jr., 1998; Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009).
Kirschenbaum (2007/2009) comenta que, para Rogers, a congruência
acontece quando o psicoterapeuta logra comunicar a realidade genuína dos
seus sentimentos relevantes experimentados na relação com o cliente. Ele
relutou bastante para se permitir ser congruente, pois temia que ele pudesse ser
mal-entendido, como se o psicoterapeuta fosse despejar todos os seus
sentimentos para o cliente. Também temia que a congruência pudesse deixar o
terapeuta vulnerável; mas viver a congruência nas suas relações pareceu ser a
única forma de crescer e amadurecer, tanto na qualidade de pessoa como na de
profissional (Cohen, 1997; Freire, 2009; Pinto, 2010a; Prouty, 1994/2001;
Rogers, 1977/1986, 1980/2010).
Mesmo deixando de enfatizar a não-diretividade nos seus trabalhos
acadêmicos nesta fase de sua prática clínica, bem como na de colegas que
trabalhavam com esta abordagem, Kirschenbaum (2007/2009) afirma que sua
prática tornava-se cada vez menos diretiva. Finalmente, isso demonstra uma
mudança na compreensão de suas considerações como métodos para
compreendê-las como atitudes (Kirschenbaum, 2007/2009). É nesta fase que os
anos de experiência e o corpo de pesquisas lhe fazem assumir a nomenclatura
de psicoterapia para o seu trabalho, abandonando os termos entrevistas,

71
consultas e aconselhamento utilizados nas primeiras fases do seu pensamento
(Rogers, 1977/1986).
Kirschenbaum (2007/2009) assinala que as concepções desenvolvidas
nestes anos foram pensadas e elaboradas, sobretudo, em momentos em que
Rogers tentava escapar dos rigorosos invernos de Chicago por cerca de duas a
oito semanas em lugares como o México, Flórida, ilhas de Saint Juan, Haiti e
Trindade, dentre outros locais, já que ele e Helen sentiam-se cada vez mais
insatisfeitos em viver naquela cidade. Com os filhos fora de casa cursando a
faculdade e um orçamento financeiro abundante apenas para o casal, eles
seguiam para diversos destinos. Afastavam-se, pois, das atividades diárias e
das rotinas com o Centro de Aconselhamento de Chicago, dividindo o tempo
entre atividades de lazer, como o mergulho, horas de leituras de Kierkegaard,
Buber, Sartre e Whitehead, e momentos de escrita. Embora não visse
necessidade de fundamentar seu trabalho de uma forma um pouco mais teórica
pela sua natureza pragmática, as suas leituras filosóficas o influenciaram
significativamente, respondendo às frequentes críticas e pressões de a sua ser
uma abordagem superficial (Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009).
Desenvolveu grande afeição por outras atividades, como pintura, criação
de móbiles e fotografia, apreciando desenvolver trabalhos que envolvessem o
conjunto cabeça/mãos. Tais atividades tiveram grande impacto no
desenvolvimento das ideias desta fase reflexiva, mas também aparecem como
embriões das aprimoradas considerações expressas na fase seguinte de seu
pensamento (Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009).

72
1.5 O Diagnóstico Psicológico na Fase Experiencial

“Ele se descreveu como o aventureiro


que tem sede de conquista de novos
terrenos e de superar novos
problemas”10 (Thorne, 2002, p. 15)

A fase chamada de experiencial do pensamento de Rogers (1961/2001)


encontra suas principais ideias e contribuições para a psicoterapia no livro
Tornar-se Pessoa, obra em que compilou seus artigos, que começaram a ser
escritos em 1957, quando ainda trabalhava em Chicago. Esta fase também
engloba as suas experiências de trabalho em Wisconsin, onde passou a residir e
trabalhar a convite da Universidade, com pesquisas expostas na obra A Relação
Terapêutica e Seus Impactos11 (Moreira, 2012, 2013; Rogers, 1967; Rogers &
Stevens, 1967/1976). Motivado pela possibilidade de desenvolver um trabalho
com pessoas com problemas mais sérios, como pessoas com esquizofrenia, e
desejando trabalhar com interdisciplinaridade no Departamento de Psicologia e
no de Psiquiatria com pacientes psicóticos hospitalizados, Rogers tinha por
objetivo testar se as condições formuladas por ele seriam necessárias e
suficientes para o tratamento de qualquer grupo de indivíduos (Cohen, 1997;
Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers & Gendlin, 1967; Thorne, 2002; Thorne &
Sanders, 1992/2013). Ele acreditava fortemente que o mesmo tipo de terapia
seria eficiente com qualquer espécie de pessoa, não importando a categoria
diagnóstica recebida (Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers & Gendlin, 1967). Além
dessas duas grandes obras, as obras Psicoterapia e Relações Humanas 1
(Rogers & Kinget, 1977) e Psicoterapia e Relações Humanas 2 (Rogers &
Kinget, 1975) também discorrem sobre o pensamento de Rogers nesta fase.

10
“He described himself as the adventurer who thirsts for new terrain to conquer and new problems to overcome”
(tradução nossa).
11
“The Therapeutic Relationship and Its Impact” (tradução nossa).

73
Embora tenha se mudado para Wisconsin com bastante entusiasmo e
motivação, com as promessas que a Universidade lhe oferecia de poder
trabalhar e fazer pesquisas com pacientes esquizofrênicos, e encantado com a
ideia de viver em uma cidade que considerava belíssima, mais tarde Rogers
desejou, ele mesmo, esquecer-se dos 17 anos que passou no local,
considerando este um dos episódios mais angustiantes e dolorosos da sua vida
profissional. Rogers não conseguiu desenvolver o tipo de trabalho que pretendia
nesta instituição, não logrou criar um grupo coeso de pesquisas como o que
tinha em Chicago, além de haver inúmeros atritos entre os membros das
equipes de trabalho, constituindo um período que pouco se comenta
academicamente. A obra publicada em inglês só teve uma impressão em virtude
da sua pouca demanda (Cohen, 1997; Kirschenbaum, 2007/2009; Thorne, 2002;
Thorne & Sanders, 1992/2013).
Se, durante todo o trabalho em Rochester e Ohio, Rogers se perguntou
como ele poderia ajudar a tratar uma pessoa, nesta fase, a pergunta se altera.
Holanda (1994) afirma que “o objetivo nesta fase é ajudar o cliente a usar
plenamente sua experiência, promovendo uma maior congruência do self e
desenvolvimento relacional” (p. 8). Estava agora interessado em saber como
poderia proporcionar uma relação em que a própria pessoa pudesse utilizar para
seu crescimento. Este questionamento expõe a alteração de foco sobre o que
efetivamente opera ajuda psicoterapêutica, não se concentrando apenas no
consultório do clínico, introduzindo a noção de que tais condições são
fundamentais e podem estar existentes não somente entre psicoterapeuta e
cliente, mas nas relações humanas no geral, e serem eficazes em quaisquer
outros âmbitos, como as relações de classes, pedagógicas, familiares,
empresariais, sindicais ou qualquer outra. Acredita que quando fornecidas as
circunstâncias adequadas, as pessoas se orientam positivamente na vida, numa
direção construtiva, tendendo para a autorrealização, maturidade e socialização
(Cohen, 1997; Holanda, 1994; Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers, 1961/2001;
Rogers & Stevens, 1967/1976; Pinto, 2010a).

74
Ao introduzir a noção de eficácia psicoterapêutica associada às condições
presentes na relação, amplia seu campo de atuação e as possibilidades da
abordagem, além de romper definitivamente com as perspectivas que
propunham psicoterapêuticas com base em considerações intelectuais e
pedagógicas. O interesse pela psicoterapia incitou seu interesse por qualquer
tipo de relação de ajuda, ou seja, qualquer contato em que um busque promover
no outro a facilitação de crescimento, desenvolvimento, maturidade, um melhor
funcionamento e maior capacidade de enfrentamento na vida. Tais
possibilidades de ajuda são possíveis quando as três atitudes, aceitação
incondicional, compreensão empática e congruência, estão presentes naquele
que se oferece como ajudador na relação estabelecida entre eles (Rogers &
Gendlin, 1967; Rogers, 1961/2001).
A primeira destas condições, a aceitação livre incondicional, é quando o
terapeuta aceita de forma calorosa tudo o que o cliente expõe, permitindo que o
cliente sinta-se plenamente aceito naquilo que exprime. O psicoterapeuta
assume uma atitude de agir com sensibilidade suficiente para aceitar todas as
esferas do cliente, sem julgá-lo, e agindo de tal forma que o cliente perceba que
o seu comportamento não é uma ameaça. O cliente liberta-se do receio de ser
julgado pelo próprio psicoterapeuta e pelos outros, promovendo além de uma
autolibertação do julgamento dos outros, uma confiança, tornando-se alguém
cada vez mais responsável por si. O cliente compartilha cada vez mais,
permitindo mostrar-se, na medida em que percebe o empenho genuíno do
psicoterapeuta por ele, sem interesses, e também passa, ele próprio, a
desenvolver uma genuína afeição em relação a si mesmo. O cliente percebe-se
livre de toda e qualquer ameaça, além de se notar frente a diversas
possibilidades de escolha de ser quem quiser ser. Esta liberdade é constitutiva
deste tipo de relação e que, estando livre de avaliações, é a base para a
mudança construtiva da personalidade (Rogers, 1961/2001).
A segunda condição é a compreensão empática que se caracteriza como
uma das formas de o psicoterapeuta não apenas demonstrar que aceita o
cliente, mas de que, também, o compreende a partir dos próprios sentimentos e

75
pensamentos do cliente. Consegue assim enxergá-los com os olhos dele, o que
favorece a possibilidade de que o próprio cliente se aceite, além de
compreender-se melhor (Rogers, 1961/2001).
A terceira condição necessária é a congruência, ou seja, quando o
psicoterapeuta é plenamente genuíno na relação, permitindo-se ser um sujeito
com suas próprias afetações na relação com o cliente. Rogers (1961/2001)
discorre sobre um terapeuta que entra numa relação de simpatia e respeito
crescentes pelo cliente, capacidade de compreensão dos sentimentos e
significados, interesse caloroso, uma relação pessoal. Ou seja, acredita que “as
atitudes e os sentimentos do psicoterapeuta são mais importantes que sua
orientação teórica. Seus procedimentos e suas técnicas são menos importantes
do que suas atitudes” (p. 51). O cliente o percebe como alguém autêntico e
verdadeiro, cheio de empatia por ele, que o considera incondicionalmente. Para
ele, o crucial é a percepção do cliente acerca dessas atitudes e sentimentos, ou
seja, atribuindo à percepção um papel fundamental, pois permite que o cliente
se torne cada vez menos defensivo e mais aberto à própria experiência, com
percepções mais realistas e diferenciadas, com objetivos e ideais se alterando,
se tornando mais acessíveis, com um comportamento mais amadurecido.
Rogers discute criticamente acerca dos tipos de relação sujeito-objeto
que têm permeado alguns fins pedagógicos, o que pode lograr em ditaduras
sociais nas Ciências Sociais. Rogers (1961/2001) assinala que “quando todos
são considerados objetos, o indivíduo subjetivo, o eu interior, a pessoa em
processo de transformação, a consciência espontânea de ser, todo o lado
interior da vida é enfraquecido, desvalorizado ou destruído” (p. 244). Isto quer
dizer que saber é poder, e quando a pessoa existencial é tratada como objeto,
ela se enfraquece, ocasionando uma perda da condição humana individual
(Holanda, 1994). Thorne e Sanders (1992/2013, p. 24) assinalam que Rogers
acreditava que “apoiar-se na teoria poderia levar a uma situação onde o
terapeuta tentaria encaixar ou moldar o cliente em uma estrutura cognitiva pré-
concebida, ao invés de se comprometer com o mundo do(a) cliente tal como

76
ele(a) o experiencia.”12. Mas Rogers não concorda com este tipo de trabalho,
pois ele mesmo afirma que,

aqui, tudo o que é subjetivo, interior, pessoal, é levado ao ponto extremo; aqui a relação
é vivida, não analisada, e é uma pessoa que emerge, não um objeto; uma pessoa que
sente, que escolhe, que acredita, que atua, não como um autômato, mas como uma
pessoa. E o fim supremo da ciência é a exploração objetiva dos aspectos mais
subjetivos da vida; a redução das hipóteses e, eventualmente, a teoremas, de tudo o que
fora até então considerado o mais pessoal, o mais completamente interior, o mundo
mais particular (Rogers, 1961/2001, p. 245).

Rogers clarifica como as relações devem ser enxergadas, ressaltando a


subjetividade da pessoa. Refuta uma relação de análise para defender a
compreensão da experiência (Holanda, 1994). Parece ser possível afirmar que
ele faz uma crítica generalizada sobre os tipos de atividades em que se pautam
esta lógica, incluindo a atividade diagnóstica. Que tipo de diagnóstico Rogers se
refere neste caso? Parece se referir à descrição que Rogers e Kinget (1977)
realizam:

a função diagnóstica visa diretamente uma avaliação da pessoa observada. Enfim, a


capacidade de diagnosticar é uma função essencialmente intelectual, que se adquire por
meio de uma formação profissional especializada, como a do psicólogo clínico, enquanto
que a empatia já se enraíza na personalidade daquele que a pratica (p. 106).

Um diagnóstico pautado pela lógica de sujeito-objeto, no qual o psicoterapeuta


toma o cliente como um boneco, algo inanimado, que será analisado, como se
fosse algo estanque. O papel do psicoterapeuta é analisá-lo, esquadrinhá-lo, a
partir daquilo que já sabe sobre este tipo de objeto, como o faz a ciência. Um
trabalho com a perspectiva em que o cliente é um objeto altera o lugar do
psicoterapeuta, os seus métodos e os seus procedimentos. Em tal diagnóstico
tradicional, o profissional tem o poder de decisão acerca do cliente, o que infere
em padrões de referência exteriores que norteiam o atendimento. Se assim for,
este tipo de atividade inibiria a capacidade do cliente de sentir-se plenamente
aceito, dificultando as possibilidades de ele compartilhar genuinamente as suas

12
“A reliance on theory could lead to a situation where the therapist attempted to fit or mould a client into a preconceived
cognitive structure rather than engaging with the client´s world as he or she experienced it” (tradução nossa).

77
experiências, inviabilizando suas capacidades de se mostrar na relação, de
mergulhar na experiência do atendimento.
Rogers e Kinget (1977) ainda alertam que “quanto à empatia e a intuição
para o diagnóstico, são praticamente opostas uma da outra” (p. 106), ou seja,
incongruentes. O psicoterapeuta teria sua atitude empática inibida se tiver a
função diagnóstica. Questionamo-nos, contudo: será que não existe
possibilidade de o terapeuta realizar um diagnóstico enraizado empaticamente
no cliente? Se concordarmos com Rogers e Kinget (p. 114) quando dizem que “a
percepção de todo material de caráter complexo, ambíguo e incompleto, é feita,
em larga escala, em função da personalidade daquele que o percebe” (p. 114),
então como o terapeuta poderia realizar um diagnóstico da situação do cliente
com fidedignidade sem que o terapeuta esteja enraizado empaticamente com
ele? Nesse sentido, os estudiosos acrescentam que

os riscos de erro se elevam quanto mais o processo se apóie sobre fatores tais como as
percepções e as teorias do profissional. Da mesma forma eles são tanto menores quanto
mais o processo se baseie sobre a experiência viva e imediata do interessado (p. 114).

Desta forma, concordamos que a função diagnóstica poderia inibir a atitude


empática do terapeuta apenas quando a relação que este estabelece com seu
cliente esteja pautada numa lógica de sujeito-objeto. Esta inibição, contudo,
levaria o terapeuta a realizar análises do seu cliente baseadas em suas próprias
referências pessoais e teóricas, podendo atribuir ao seu cliente uma
caracterização não condizente com ele. A atitude empática é quando o terapeuta
e o cliente sem emaranham, uma condição que otimiza as possibilidades de o
psicoterapeuta conhecer o cliente em cada vez mais profundidade e, baseando-
se nisso, desvelar e comunicar sua percepção. Parece-nos que quanto mais
empatia houver, mais fidedigno o diagnóstico. Este tipo de atividade diagnóstica
pressupõe uma relação em que “o cliente é, ao mesmo tempo, o objeto e o
agente” (p. 123).
Poderíamos questionar, então: qual o papel do cliente e do
psicoterapeuta neste tipo de atendimento? Uma atividade diagnóstica feita a

78
partir destes parâmetros pode nem mesmo necessitar da presença do cliente
para a sua realização, já que é o relato dos dados e não a relação que importa.
Afinal, estes dados poderiam ser contados por terceiros.
Para Rogers, uma relação de sujeito-objeto também é incongruente com
a sua crença na tendência atualizante. No prefácio do livro de Rogers e Russell
(2002), Gendlin comenta que

assim como na advocacia, o cliente, não o advogado, decide cada passo. Mas este foi
apenas o sinal aparente do rompimento com o modelo médico de “doença”, “diagnóstico”
e “o médico sabe de tudo”. Hoje a maioria dos terapeutas recebem os “clientes”, e eles
não consideram a terapia como análoga à medicina. (p. xiv) 13.

Defende, em contrapartida, um rompimento com este modelo médico de


conhecimento acerca da doença, do diagnóstico e do especialista. Propõe outra
forma de conhecer o cliente, um modo objetivo sem transformá-lo em objeto,
olhando para ele como sujeito ativo e único, cheio de sentimentos e vontades se
fazendo perceber na relação (Holanda, 1994; Rogers, 1961/2001).
Distinguindo-se desta perspectiva de ciência, Rogers começou a construir
considerações acerca de uma ciência que incluísse o mundo subjetivo (Holanda,
1994; Rogers, 1961/2001; Rogers & Stevens, 1967/1976). Kirschenbaum
(2007/2009) aponta que são dois lados do próprio Rogers. Tentando
desenvolver um diálogo entre o psicoterapeuta, que tem como objetivo viver a
relação intensamente, e o pesquisador, que almeja permanecer separado da
relação para entendê-la, primeiramente ressitua a Ciência nos fenômenos em
que está interessado, ou seja, nas pessoas e nas suas experiências. Assim,
afirma que “o conhecimento científico só pode ser comunicado àqueles que
estão subjetivamente preparados para receber a sua comunicação. A utilização
da ciência apenas se dá por meio de pessoas que procuram valores que
significam alguma coisa para elas” (Rogers, 1961/2001, p. 247). Com estas
palavras, Rogers sugere que não acredita numa ciência em que o pesquisador

13
“As in law, the client, not the lawyer, decides each move. But that was only the outward sign of breaking the medical
model of ‘illness’, ‘diagnosis’ and ‘the doctor knows best’. Today most therapists see ‘clients’, and they don´t think of
therapy as analogous to medicine” (tradução nossa).

79
se separa, mas em uma que é motivada pelo pesquisador, demonstrando um
deslocamento da relação do pesquisador com a ciência. O cientista que tem
interesse no fenômeno mergulha intensamente, completamente, numa
experiência imediata, pessoal e subjetiva, para tentar descobrir, saber, de uma
forma criativa, estabelecendo sua hipótese, algo provisório e incerto do qual ele
quer certificar-se, por intermédio de uma metodologia científica que poderá ser
“um meio de evitar que eu me engane relativamente às intuições subjetivas
formadas de uma maneira criativa, elaboradas a partir da relação entre o meu
material e eu” (p. 249). Para ele, os achados nunca são completamente
imutáveis, “apenas crenças provisórias, existindo subjetivamente em
determinadas pessoas” (p. 251). Rogers desenvolve uma concepção de ciência
que não é totalitária, fechada em si mesma, quando acentua que

a ciência, como a terapia e todos os outros aspectos da vida, tem sua raiz e se baseia
na experiência imediata, subjetiva, de uma pessoa. Ela brota da vivência interior total,
organísmica, que é comunicável apenas em parte e imperfeitamente. É uma das fases
da vivência subjetiva (p. 254).

A experiência é vivida, não analisada, com uma consciência não-reflexiva em


que o psicoterapeuta é participante e não apenas observador. Pensando assim,
fazer ciência é dar-se conta do seu papel como participante, mas abstrair-se
dessa experiência posteriormente para olhá-la apenas como observador,
utilizando todas as intuições que obteve na condição de participante. Ele afirma
que “a ciência não é algo impessoal, mas simplesmente uma pessoa que vive
subjetivamente uma outra fase de si mesma” (p. 254). Seus escritos enfatizam
uma ciência que respeita as peculiaridades, os limites pessoais, inspira
confiança nos instintos e na sua voz interior, assim como faz um artista
(Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers & Stevens, 1967/1976). Parece-nos que um
diagnóstico feito nos moldes tradicionais, não é condizente com esta sua
compreensão de ciência, fazendo com que Rogers ou se afaste da atividade
diagnóstica ou tente compreendê-la de outra maneira.
É possível compreender que, nesta fase, portanto, Rogers se aproximava
de uma forma fenomenológica de trabalho, em que cada indivíduo percebe

80
singularmente os fenômenos, sendo este campo fenomenal que dirige o seu
comportamento. A experiência do cliente tem primazia na relação
psicoterapêutica e interessam as atitudes de total aceitação, empatia e
congruência do psicoterapeuta, tais como percebidas pelo cliente (Freire, 2009;
Kirschenbaum, 2007/2009; Moreira, 2010b, 2013; Prouty, 1994/2001; Rogers &
Stevens, 1967/1976).
Neste sentido, a realização de um diagnóstico pode ser um julgamento do
terapeuta acerca do paciente, feito com base no quadro de referência externo.
Isto é, ou do próprio psicoterapeuta ou baseado em teorias, o que implica num
afastamento da experiência do cliente, comprometendo a aceitação, a empatia e
a congruência, prejudicando a comunicação interpessoal do cliente que pretende
comunicar seus fenômenos para o psicoterapeuta, que o enxerga com esteio na
sua própria necessidade de se ater às suas referências. Rogers e Kinget (1977)
propõem, em contrapartida, que “quando o terapeuta evita cuidadosamente
introduzir seu próprio sistema de valores e se esforça em adotar o ponto de
referência do cliente, pode-se dizer que a função de avaliação reside no cliente”
(p. 232). Ou seja, qualquer que viesse a ser a compreensão do terapeuta sobre
o cliente, neste sentido, seria embasada neste último. Rogers afirma, ainda, que
a psicoterapia é diagnóstico, posicionando o diagnóstico sob outra lógica que
não a de sujeito-objeto. Talvez esteja falando de um investimento do
psicoterapeuta na compreensão da experiência do cliente com suporte no
quadro de referência deste último, auxiliando-o ao reformular aquilo que
comunica para conhecer os sentidos e significados, na medida em que preserva
as condições fundamentais para que ele se desenvolva.
No período em que trabalhava em Wisconsin, Rogers interessou-se pelo
contato com pacientes que haviam recebido diagnóstico de esquizofrenia no
hospitais psiquiátricos, pois este diagnóstico era o mais frequente nestas
instituições. Limitar-se, porém, a trabalhar com este grupo de pacientes foi
apenas uma forma de delimitar o trabalho com as pessoas ditas mentalmente
doentes, pois Rogers e Gendlin (1967) não estavam interessados em
compreender a esquizofrenia como doença ou entidade, mas sim em conhecer

81
como o processo de terapia se constituía com estes indivíduos. O grupo recebeu
tal diagnóstico pela equipe que trabalhava no hospital e, mais tarde, perceberam
que a preocupação diagnóstica não deveria ser importante para este estudo,
pois as características dos sujeitos envolvidos na pesquisa eram bastante
amplas e variadas. Por este motivo, consideraram que as categorias
diagnósticas poderiam ser incertas e duvidosas (Rogers & Gendlin, 1967). Mais
tarde, contudo, Rogers acredita que um dos fracassos desse projeto foi por ele
não ter experiência prévia com esquizofrênicos (Kirschenbaum, 2007/2009;
Prouty, 1994/2001), o que permite compreender que, de certa forma, Rogers
questiona se a categoria diagnóstica do grupo empreenderia diferenças
significativas na relação estabelecida com o psicoterapeuta.
Neste trabalho, tinham por objetivo investigar se as atitudes do
psicoterapeuta na relação estavam relacionadas de maneira significativa com os
resultados da psicoterapia. Para que as hipóteses pudessem ser testadas e
comparadas de forma mais ampla, incluíram sujeitos ditos normais, ou seja, que
tivessem um funcionamento saudável fora do contexto do hospital e sem
demanda de sofrimento (Rogers & Gendlin, 1967b; Kirschenbaum, 2007/2009).
Tentaram desenvolver uma metodologia de pesquisa que respeitasse suas
considerações sobre a Ciência, como já explicitados há pouco. Assim, com a fé
na objetividade e na rigorosidade da metodologia científica, buscaram uma
metodologia em que os dados subjetivos pudessem ser coletados de forma
objetiva e imparcial, buscando uma maneira de compreender as características
do psicoterapeuta, tais como: a sensibilidade, a abertura às experiências de
alucinações e a responsividade espontânea e intuitiva (Gendlin & Rogers, 1967;
Rogers & Stevens, 1967/1976).
De acordo com Rogers e Gendlin (1967) e Rogers e Truax (1967), o
trabalho interessava-se pelas seguintes questões: quais comportamentos do
psicoterapeuta são eficientes para iniciar e manter transformações no cliente?;
quais mudanças se constituem nos comportamentos do cliente durante o
processo psicoterápico?; quais são os resultados desse processo?. Suas
hipóteses eram: quanto mais ativas e presentes as condições do psicoterapeuta

82
na relação, melhor seria o processo psicoterapêutico, o que aumentaria as
chances de bons resultados decorrentes da psicoterapia, acentuando as
diferenças entre os grupos que receberam psicoterapia e os que não receberam
(Rogers & Gendlin, 1967; Kirschenbaum, 2007/2009).
Tentando responder àquelas perguntas, Rogers percebeu que as
condições necessárias e suficientes só ganhavam verdadeira significância e
eficiência no processo psicoterapêutico quando elas deixavam de ser métodos e
técnicas para serem atitudes. Ser atitudes significava algo maior do que meros
comportamentos específicos do terapeuta na relação. Para Rogers e Gendlin
(1967), as atitudes são um todo significativo que extrapola respostas verbais,
comportamentos transitórios, expressões possíveis de observações com boa
visibilidade. Não é o que o psicoterapeuta faz, mas como ele é nesta relação,
colocando a ênfase nas suas qualidades interpessoais. A aprendizagem de tais
condições não é adquirida em cursos intelectuais, mas em processos
experienciais.
Analisando o complexo processo de mudança do cliente, percebem que
não é o conteúdo do cliente que deve ser levado em consideração, mas a
maneira com a qual ele se relaciona com tal conteúdo, que indica
transformações psicoterapêuticas (Rogers & Gendlin, 1967; Kirschenbaum,
2007/2009). Com a finalidade de avaliar as mudanças de comportamento das
pessoas nos processos psicoterapêuticos, tentaram utilizar instrumentos
tradicionais de diagnóstico, como testes psicológicos; mas encontraram muitas
dificuldades. Acabaram por descobrir que tais métodos eram muito bons para
diagnosticar características permanentes da personalidade, mas que não
conseguiam apontar as características de mudanças, ou seja, os resultados dos
testes não se apresentavam diferentes, mesmo quando o cliente mostrava
algumas diferenças sociais explícitas e marcantes (Rogers & Gendlin, 1967;
Kirschenbaum, 2007/2009). Rogers e Gendlin (1967) chegam a afirmar que
“mesmo que tais instrumentos tenham sido freqüentemente usados em estudos
sobre o êxito na terapia, eles são, na verdade, decididamente deficientes
enquanto medidas de mudanças” (p. 16). Compreendiam que os testes não

83
conseguiam apontar o caráter transitório das características do cliente em
terapia, acabando por encontrar dados que confundiam a compreensão
dinâmica das características. Rogers e Kinget (1977) corroboram que “os
resultados dos testes revelam certas características que o examinador de
orientação terapêutica considera como provas de progresso, enquanto que o
examinador de orientação diagnóstica considera como sinais de
desorganização, de uma espécie de caos” (p. 276). Ou seja, aquilo que parece
ao psicoterapeuta, que percebe o cliente por meio de uma relação, um estado
de abertura à experiência, vida existencial, para o diagnosticador, que enxerga o
cliente por meio dos dados brutos dos testes, poderiam ser resultados fora da
média.
As inúmeras retestagens das pesquisas de Rogers e Gendlin (1967)
apontaram para resultados duvidosos. Os sujeitos também apresentavam
dificuldades de entender as atividades propostas nos testes, além de muitos
mostrarem resistências, evitando fazê-los (Gendlin, Moursund & Rogers, 1967;
Kirschenbaum, 2007/2009; Prouty, 1994/2001). Os pacientes do hospital
sentiam-se avaliados, psicologicamente despidos, como cobaias (Kirschenbaum,
2007/2009; Rogers, 1967). Além disso, também houve dificuldades em trabalhar
com os testes, pois eles apresentavam diversos métodos de análises para cada
variável (Rogers & Gendlin, 1967).
Tudo isso criou problemas éticos sérios para a pesquisa (Rogers, 1967),
o que os levou a escolher trabalhar com um conceito amplo de êxito em
psicoterapia. Procuraram, portanto, um conceito inclusivo de êxito em
psicoterapia, que abordasse amplamente as mudanças, com origem em
medidas de percepção da personalidade realizadas por um diagnosticador, pela
autopercepção do cliente, por medidas de mudanças no ajustamento social e
comportamental, combinando estes fatores para indicar um nível de mudança ou
para relacioná-los aos vários aspectos do processo e do relacionamento
terapêutico (Rogers & Gendlin, 1967). Também utilizaram diversas escalas
elaboradas para avaliar a empatia, a aceitação positiva incondicional e a
congruência (Gendlin, Moursund, & Rogers, 1967).

84
Mesmo estes métodos alternativos, no entanto, também encontraram
barreiras éticas para a sua administração na pesquisa. A resistência dos
pacientes nas entrevistas prevaleceu; questionaram os critérios com os quais
haviam sido selecionados para a pesquisa, além de recusarem-se a falar sobre
eles mesmos por não acreditarem em psicoterapia. Mantinham uma atitude
rebelde, desconfiada, temerosa ou até mesmo cínica, marcando o
relacionamento entre os pesquisadores e a equipe do hospital por inúmeras
dificuldades (Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers, 1967). Rogers e os
pesquisadores perceberam que era possível testar uma teoria de mudança
psicoterapêutica somente na medida em que também fosse possível elaborar
instrumentos para quantificar os elementos conceituais dessa teoria. Ou seja,
não era possível utilizar instrumentos desenvolvidos com base na teoria X para
medir os conceitos da teoria Y; pois isso é incoerente.
Em adição, notaram que os pacientes esquizofrênicos tendiam a perceber
apenas um pequeno grau das condições de compreensão, aceitação e
genuinidade na relação psicoterapêutica, independentemente do esforço do
terapeuta. Apenas durante a terapia, de forma lenta e gradual, eles começaram
a perceber algum tipo de atitude do psicoterapeuta. Além disso, os pacientes
esquizofrênicos exibiram um nível baixo de envolvimento com o processo de
mudança, estando muito afastados das suas experiências. Mas esses dados
não pareceram ser suficientemente relevantes para Rogers (Kirschenbaum,
2007/2009; Prouty, 1994/2001; Rogers, 1967; Rogers & Stevens, 1967/1976).
Neste projeto, os psicoterapeutas perceberam que precisavam ser mais
ativos, acentuando qualidades interpessoais, usando ainda mais seus
sentimentos para demonstrar congruência, compreensão e cuidado
(Kirschenbaum, 2007/2009; Prouty, 1994/2001; Rogers & Truax, 1967). A
congruência significa uma atitude em que o psicoterapeuta pode ser o que ele é
no seu encontro com o cliente, sem fachada intelectual, permitindo que seus
sentimentos estejam disponíveis para a experiência. A aceitação positiva
incondicional é uma atitude em que o terapeuta demonstra um acolhimento
irrestrito e sem julgamentos do cliente. E a compreensão empática é a

85
habilidade do terapeuta de compreender sensível e precisamente as
experiências, sentimentos e significados no momento do encontro com o cliente
(Freire, 2009; Gobbi & Missel, 1998; Rogers, 1977/1986, 1980/2010, 1961/2001;
Pinto, 2010a; Prouty, 1994/2001; Rogers & Stevens, 1967/1976; Rogers &
Truax, 1967).
A compreensão empática pode ser, muitas vezes, confundida com uma
elaboração intelectual das experiências do cliente, isto é, um entendimento do
problema e da dinâmica do cliente com base em intelectualizações. Este tipo de
compreensão é externa, avaliativa e impessoal, o que impede de o cliente
estabelecer um contato com os elementos cada vez mais profundos do seu self
(Rogers & Truax, 1967). Gendlin (1967) alerta para a noção de que

qualquer conclusão ou impressão (diagnóstica ou outra) geral que eu tiver sobre ele, eu
a recebo dele – do seu comportamento e do seu discurso. Eu posso oferecê-la melhor
para ele se eu tiver em mente como ele me passou esta impressão. Então, eu posso
responder aos seus sentimentos, afirmações ou comportamentos mais específicos, ao
invés de lhe trazer uma conclusão mais geral 14 (p. 395-396).

Nesta passagem Rogers afirma que o diagnóstico pode ser a impressão, a


percepção que o psicoterapeuta elabora acerca do cliente, mas que é elaborada
a partir dele, no seu comportamento e discursos direcionados a ele, ou seja,
baseada na compreensão empática, que “longe de interpretar os dados
fornecidos pelo cliente, esforça-se por apreendê-los tais como o cliente as
apreende – ou os apresenta” (Rogers & Kinget, 1977, p. 126). O psicoterapeuta
responde-lhe com base naquilo que o cliente compartilhou, sendo esta
compreensão empática verdadeiramente sensível e precisa, funcionando
apenas uma clarificação do psicoterapeuta ao cliente daquilo que foi
compartilhado ao nível dos sentimentos. Assim, o cliente fica cada vez mais
próximo de si mesmo e do psicoterapeuta, descobrindo-se, experimentando
sentimentos sempre mais íntimos, em contato com suas experiências interiores,
reconhecendo e resolvendo suas incongruências. Intrinsecamente relacionadas

14
“Whatever general (diagnostic or other) conclusion or impression I have of him, I received it from him – from his
behavior and speech. I can give it to him best if I remind myself how he gave me this impression. Then I can respond to
that more specific feeling, statement or behavior, rather than giving him general conclusion” (tradução nossa).

86
com a congruência e a aceitação positiva incondicional, é que a compreensão
empática amarra um processo em que o cliente se debruça em autoexploração,
reconhecimento e resolução de incongruências que o permitem desenvolver
potencialidades (Gobbi & Missel, 1998; Rogers, 1977/1986, 1980/2010; Rogers
& Stevens, 1967/1976; Rogers & Truax, 1967). Como Rogers e Kinget (1977)
bem explicam que a compreensão empática “dá ao cliente ocasião de realizar
uma aprendizagem de que deverá dar conta durante toda a sua vida: a
verificação de suas percepções e, se preciso, sua correção” (p. 127).
Com amparo nas experiências com os esquizofrênicos, é compreensível
que o trabalho com diagnóstico, embora não seja norteador das pesquisas, e
seja parte constituinte. Quando Kiesler, Mathieu e Klein (1967) comparam os
processos psicoterápicos de variados grupos diagnósticos, eles não questionam
as categorias diagnósticas e também não expõem o que elas sejam, mas tomam
estas categorias como um fato já dado, demonstrando concordância com o
agrupamento de pessoas em categorias diagnósticas, como está evidente nesta
sequência:

é bem consistente que a natureza da concepção do processo em si, enquanto


constituinte do continuum de saúde mental, que diferentes grupos diagnósticos
possivelmente iniciam a terapia em níveis diferentes do processo. Pacientes normais e
bem adaptados, se suficientemente motivados, devem ser capazes de um nível
processual mais alto do que os psiconeuróticos. Esquizofrênicos podem mostrar o menor
nível de processo inicialmente em virtude de suas profundas perturbações de
personalidade. De semelhante forma, diferentes proporções de mudança, quantidades
de mudança, e pontos terminais para os diferentes grupos diagnósticos podem se refletir
15
na necessidade e na capacidade de mudança dos pacientes em terapia (p. 223).

Esta passagem nos aponta que os resultados relacionados ao processo


psicoterapêutico são diferentes em virtude dos diferentes diagnósticos. Os
pesquisadores parecem considerar a importância dos psicoterapeutas
conhecerem o diagnóstico de seus clientes para saberem o que esperar da
psicoterapia com eles. O diagnóstico é importante como informação para que o

15
“It is quite consistent with the nature of the process conception itself, insofar as it constitutes a continuum of mental
health, that different diagnostic groups may at least initiate therapy at different process levels. Normal, well-adjusted
patients, if sufficiently motivated, should be capable of higher initial process levels than psychoneurotics. Schizophrenics
may show the lowest level of process initially by virtue of their more profound personality disturbance. Likewise, different
rates of change, amounts of change, and terminal points for the various diagnostic groups may similarly reflect differences
in the needs and capacities of the patients for change in therapy” (tradução nossa).

87
psicoterapeuta oriente suas intervenções. Ressalta, contudo, que “uma mudança
de rótulo diagnóstico é um indício insuficiente do resultado psicoterapêutico”
(Rogers & Kinget, 1977, p. 256), esclarecendo que o resultado de uma
psicoterapia eficaz não é uma transição de um rótulo diagnóstico considerado
como patológico para um normal. Rogers parece compreender que a categoria
diagnóstica é pouco relevante como parâmetro para compreender uma
psicoterapia como eficaz. Aliás, Sommerbeck (2005/2007b) faz uma crítica feroz
sobre o insucesso do projeto de Wisconsin argumentando que este se deveu à
falta de motivação dos clientes para a psicoterapia e aos fatos de que a
psicoterapia oferecida não estava totalmente embasada nos preceitos da
Terapia Centrada no Cliente e que os psicoterapeutas atuantes não tinham
qualquer experiência com pacientes psicopatológicos, desviando os resultados
da pesquisa e gerando mitos de que esta abordagem não é eficaz no tratamento
de pacientes com psicopatologias.
Focando seu interesse na relação que estabelece com o cliente e na
otimização das possibilidades do cliente de se entregar à exploração progressiva
de suas experiências, já que está diante das condições facilitadoras, Rogers
acredita que os resultados de uma boa psicoterapia apontam para que o cliente
tenha uma atitude aberta ante às experiências que não mais lhe parecem
ameaçadoras, uma forma de viver existencial, percebendo a sua imagem de eu
tal como ela é experimentada constantemente mutável e dinâmica, e passa a
sentir-se digno de confiança, ou seja, os resultados de uma boa psicoterapia
constituem um ser humano que funciona plenamente, sendo este o momento em
que a psicoterapia pode chegar ao fim.
As inúmeras pesquisas empreendidas por Rogers (1961/2001) levaram-
no a perceber que a experiência é a suprema autoridade, como ele mesmo diz:
“a minha experiência é a pedra de toque de toda validade. Nenhuma idéia de
qualquer outra pessoa, nem nenhuma das minhas próprias idéias, tem a
autoridade de que se reveste minha experiência” (p. 28). Para ele, a experiência
é primária, anterior a tudo, o ponto de partida, um regresso fundamental para se
aproximar da verdade num processo de descoberta de si. Considera necessário

88
que toda elaboração teórica esteja embasada numa investigação científica das
experiências significativas, encontrando a sua coerência interna, ordem e
significados. A experiência é única, individual, significativa e contínua, e é a
base, um guia para orientação própria (Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers,
1961/2001; Rogers & Stevens, 1967/1976). Junto com Eugene Gendlin,
começaram a entender que compreender o processo terapêutico pelo qual o
cliente passa é alcançar a sua experiência (Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers &
Stevens, 1967/1976).
Colocar a ênfase na experiência própria faz com que, aliado da atitude de
total aceitação, encare-se, respeite e também se aceite a genuinidade da
experiência do outro, reconhecendo as diferenças que os separam. Assim, para
que se consiga fazer tal reconhecimento, é importante que se esteja aberto para
a comunicação do outro sobre seus sentimentos e seu mundo perceptivo
particular, e que se consiga compreendê-lo em toda sua autenticidade, num
encontro duplamente enriquecedor, permitindo-se ser modificado por ele, liberto
de juízos de valores e, ainda, permitindo que o outro também se aceite e se
modifique (Rogers & Kinget, 1977; Rogers, 1961/2001, 1980/2010; Rogers &
Stevens, 1967/1976).
Kirschenbaum (2007/2009) aponta que Rogers perdeu a paciência, a
tolerância e o interesse em continuar nas atividades acadêmicas em virtude das
inúmeras barreiras políticas das instituições. Seu estilo de organização e
comunicação se alterava na medida em que as condições cresciam nele,
fazendo-o demitir-se do Departamento de Psicologia. Neste período final do
projeto em Wisconsin, Rogers viajava bastante, tanto a passeio, quanto a
trabalho, proferindo conferências e realizando workshops em diversos estados,
percebendo que a popularidade das suas ideias ia para além da universidade.
Então, cansado da vida acadêmica e na busca de mais liberdade, demitiu-se da
Universidade no ano de 1963, com sessenta e um anos de idade, mudando-se
para a Califórnia (Kirschenbaum, 2007/2009; Thorne, 2002).

89
1.6 O Diagnóstico Psicológico na Fase Coletiva

“Rogers prometeu a Helen que eles


viveriam como árabes, sempre
prontos a enrolar suas tendas e
mudar-se para ‘novas terras
promissoras’ se sentissem
impulsionados a isto”16 (Cohen, 1997,
p. 40)

De Nova Iorque para Rochester, de Rochester para Ohio, de Ohio para


Chicago, de Chicago para Wisconsin. Cada um desses locais para os quais Carl
Rogers se mudou não se apresentam apenas como mais um local de trabalho
em que ele se inseriu, mas configuraram-se como um novo território que
fertilizava uma nova fase de seu pensamento. Mas, se os círculos acadêmicos
tradicionais já não eram mais interessantes, para onde Rogers iria? Foi isto o
que ele mesmo se perguntou (Kirschenbaum, 2007/2009). A decisão pela
Califórnia baseou-se na possibilidade de trabalhar livremente e sem
responsabilidades de rotina, com o intuito de demonstrar o potencial da
Psicologia Humanista, trabalhando ativamente no Instituto Ocidental de Ciências
Comportamentais (Western Behavioral Science Institute - WBSI). Neste instituto,
as pessoas se dedicavam a pesquisar sobre o desenvolvimento e a
aprendizagem humana aplicados na melhoria das relações humanas e na
resolução de problemas e ordem social (Cohen 1997; Kirschenbaum,
2007/2009; Thorne & Sanders, 1992/2013). O Centro de Estudos da Pessoa
(Center for Studies of the Person) só foi criado por Rogers e alguns
colaboradores da WBSI cinco anos mais tarde, e nas palavras de Cohen (1997)
foi “muito mais um grupo de amigos com pensamentos semelhantes do que uma

16
“Rogers promised Helen they would live as Arabs, always ready to fold up their tents and move on ‘to new lands of
promise if we feel the urge” (tradução nossa).

90
instituição formal17” (p. 191), ou seja, como uma organização informal, simplória
e independente e a partir da qual Carl Rogers empreendeu grandes grupos de
encontro, incluindo os realizados no Brasil, trabalho pelo qual ficou também
popularmente conhecido (Boainain Jr., 1998; Kirschenbaum, 2007/2009; Rogers,
1980/2010). O percurso de Rogers neste período pode ser encontrado,
sobretudo, compilado nas obras Grupos de Encontro (Rogers, 1970/2009), Um
Jeito de Ser (Rogers, 1980/2010), Sobre o Poder Pessoal (Rogers, 1977/1986),
A Pessoa como Centro (Rogers & Rosenberg, 1977/2011) e De Pessoa para
Pessoa (Rogers & Stevens, 1967/1976). Além disto, são elas as que melhor
apresentam as ideias de Rogers nesta fase.
Boainain Jr. (1998) relata que esta última fase do pensamento de Rogers
tem diferenças distintas do restante de sua obra em três grandes tendências: o
desenvolvimento de aplicações da abordagem para trabalhos com grandes
grupos, a conscientização do caráter político e as possibilidades de
transformação das relações de poder das sociedades podendo ser alcançado
por meio dos trabalhos com os grandes grupos e uma tendência a temáticas
místicas, de caráter espiritualista e transcendental nas reflexões rogerianas.
Embora este seja o período em que percebemos uma mudança clara no
foco de trabalho de Rogers de atendimentos individualizados para os grupos de
encontro, sua experiência com trabalhos em grupos e workshops se iniciou bem
antes disso, ainda em Chicago, de forma tímida e sem estruturas. Durante todas
as suas experiências de trabalho e docente, esteve atuando com grupos,
mesmo que pequenos e poucos. O próprio Rogers (Rogers & Russel, 2002)
justifica que “eu não queria me engajar em mais de um (grupo) por ano porque
eu não saberia como conseguir fazer pesquisas com esta capacidade, e as
pesquisas eram um dos meus principais interesses” 18 (p. 192).
Por não ter mais disponibilidade de tempo suficiente para receber
pacientes individualmente, Rogers relatou que este foi um dos motivos que lhe
levaram a se engajar nos trabalhos com grupos na Califórnia. Estes trabalhos

17
“Much more a group of friends and like-minded people than a formal institution” (tradução nossa).
18
“I didn´t want to carry more than one of them a year because I couldn´t see how you could do research in that capacity,
and research was one of my main interests” (tradução nossa).

91
com grupos, embora não fossem novos para eles, se apresentavam como um
compromisso de trabalho diferente, um comprometimento com grupos intensivos
(Rogers & Russel, 2002). Em suas palavras

eu ainda permaneço com a mesma convicção de que eu já tinha há tempos: a


experiência intensiva de grupo, os grupos de encontro – ou como quer que você queira
chamá-los – é, quando bem administrado e bem facilitado, uma das invenções sociais
mais significantes deste século. Eu acredito que ele tenha tido – e continua tendo – um
19
impacto tremendo (p. 194).

Rogers compreende que as condições facilitadoras estavam presentes nos


processos das pessoas que participavam dos grandes grupos de encontro,
facilitando um clima de liberdade e benefícios que extrapolavam de vez os
muros da clínica psicológica. Rogers passou a acreditar que o trabalho com
grandes grupos de encontro estão relacionados com um processo muito mais
amplo: são as bases para a formação de seres humanos socialmente
comprometidos (Cohen, 1997; Gobbi & Missel, 1998; Holanda, 1994;
Kirschenbaum, 2007/2009; Prouty, 1994/2001; Rogers & Rosenberg, 1977/2011;
Rogers & Russel, 2002; Wrona, 2009). Rogers (1977/2011) afirmou que:

vinha notando, porém, que esta confiança recentemente encontrada em meu cliente e
em sua capacidade de explorar e resolver seus próprios problemas atingia
inquietantemente outras áreas. Se confiava em meus clientes, por que não confiava em
meus alunos? Se isto era bom para o indivíduo com problemas, por que não o seria para
uma equipe que se depara com problemas? Cheguei à conclusão que havia embarcado
não num novo método, mas sim numa filosofia de vida e de relacionamento
completamente diferente (p. 202).

Estes seus questionamentos demonstram que ele amplia a sua confiança no


cliente para a pessoa humana, abandonando aquele primeiro termo (Holanda,
1994) para privilegiar o que Kirschenbaum (2009) chamou de “movimento do
potencial humano”20 (p. 342). Aliás, o próprio termo utilizado para designar o
profissional também se altera para facilitador, parecendo-lhe ser este o mais
adequado para descrever o seu papel no grupo, já que sua função é facilitar ou

19
“I still retain the conviction I had at that time: the intensive group experience, the encounter group – whatever you wish
to call it – is, when well managed, well facilitated, I think, one of the most significant social inventions of this century. I
think it has had – and continues to have – a tremendous impact” (tradução nossa).
20
“Human-potential movement” (tradução nossa).

92
auxiliar cada indivíduo a alcançar seus objetivos durante o curso do grupo
(Kirschenbaum, 2009; Pinto, 2010a).
Rogers (1970/2009) trabalhava com métodos cada vez menos
estruturados, evitando “usar qualquer processo que seja planejado; tenho um
verdadeiro horror ao artificialismo” (p. 66). Rogers e Stevens (1967/1976)
afirmam que o profissional

fica tão sobrecarregado com uma bagagem teórica e de diagnóstico, que se torna menos
capaz de compreender o mundo interior da outra pessoa, tal como esta o sente. Além
disso, à medida que avança o seu preparo profissional, muitas vezes ocorre que seu
amor inicial por outras pessoas fique mergulhado num mar de diagnósticos e avaliações
psicodinâmicas (p. 119).

Tal afirmação parece transmitir que os autores entendem que a formação


profissional privilegia uma aquisição de conteúdos teóricos. Parecem discordar
disto, entendendo que a compreensão do que realmente se passa com a pessoa
pode ser prejudicada no caso de o profissional aproximar-se da pessoa a partir
de um conteúdo teórico para encaixá-la num diagnóstico.
Concordando com Boianain Jr. (1998), Holanda (1994) comenta que “esta
é também uma fase de transcendência de valores e de idéias, na qual Rogers
expressa uma preocupação com o futuro do homem e do mundo, com questões
que abrangem outras áreas da ciência” (p. 9). Assim, é uma época marcada por
frequentes problematizações sobre a crescente desumanização da cultura e da
sociedade e as suas transformações em decorrência dos progressos do campo
científico e do capitalismo. Batagglia (2009) corrobora acrescentando que foi um
período em que Rogers empenhou-se em propor formas de resolver conflitos
sociais e políticos, atuando ele mesmo em questões dessa ordem na África do
Sul, Áustria, Bósnia e Oriente Médio. Além disto, como Cohen (1997) bem
salienta acerca de Rogers, “ele se soltou mais, se tornou experiente em grupos
21
de encontro e apreciou a nova carreira como um conhecido autor” (p. 192).
Refletindo sobre o poder da sociedade e as questões de cunho político,
Rogers era contra o paradigma da cultura ocidental “de que a essência das

21
“He had loosened up, become an expert on encounter groups and enjoyed a new career as a popular author”
(tradução nossa).

93
pessoas é perigosa. Assim, elas precisam ser ensinadas, guiadas e controladas
por aquelas que são investidas de uma autoridade superior” (Rogers,
1980/2010, p. 65). Neste contexto, a pessoa é vista apenas como um número e
com fome de relações autênticas (Miranda, 2009; Rogers 1980/2010; Rogers &
Rosenberg, 1977; Rogers & Stevens, 1967/1976). Preferia acreditar que “dado
um clima psicológico adequado, o ser humano é digno de confiança, criativo,
automotivado, poderoso e construtivo – capaz de realizar potencialidades jamais
sonhadas” (Rogers, 1980/2010, p. 65-66). Desta forma, defende que a maneira
de conhecer uma pessoa é a partir de uma relação de confiança e interesse
construída entre os participantes de um grupo, percebendo como eles sentem,
se desenvolvem, vivem suas experiências pessoais intensas, profundas e
significativas, não a partir de um construto teórico (Rogers, 1980/2010; Rogers &
Rosenberg, 1977/2011; Rogers & Stevens, 1967/1976).
O foco na permissividade, liberdade e autenticidade das relações parece
chegar aqui à sua máxima. Ele acreditava que “num clima de liberdade e
facilitação, os membros do grupo se tornam mais espontâneos, flexíveis, mais
intimamente empenhados nos seus sentimentos, abertos à experiência, e mais
forte e expressivamente íntimos nas relações interpessoais” (Rogers,
1970/2009, p. 197-8). Estas características poderiam estar presentes tanto em
trabalhos de grupos de encontro como em organizações. Considerava esta uma
relação quase de ordem transcendental e mística e potente de uma “capacidade
de cura, uma energia e um crescimento profundos” (Rogers, 1980/2010, p. 47).
Sobre esse ponto ele afirmava: “tenho a certeza de que nossas experiências
terapêuticas e grupais lidam com o transcendente, o indescritível, o espiritual”
(Rogers, 1980/2010, p. 48).
Rogers se dedicava a desenvolver estudos acerca dos processos de
grupo de encontro com o objetivo de desfazer mitos e assegurar as
contribuições dos grupos de encontro para mudanças construtivas. Acreditava
que embora uma experiência grupal pudesse ter diversas finalidades, quando
feita embasada nas condições suficientes e necessárias para o desenvolvimento
do ser humano, manteria um caráter social de liberar um desenvolvimento e um

94
amadurecimento autônomo e psicoterapêutico (Rogers, 1977/2011, 1980/2010,
1970/2009). Em uma das pesquisas relatadas, o seu instrumento, a Escala de
Processo de Rogers (Rogers´s Process Scale), foi utilizado para relatar os
resultados de “uma profunda compreensão do que significou a experiência”
(Rogers, 1970/2009, p. 156). Rogers assinalou:

acho que a investigação – trabalho árduo na perspectiva dos indivíduos – representa


apenas tentativas débeis e essencialmente desatualizadas. Os estudiosos do assunto
têm sido, com raras exceções, anedóticos – como eu tive tendência para ser neste livro
– ou pormenorizadamente empíricos, conseguindo “árduas” descobertas sem real
significado. O que se exige é desenvolver uma ciência humana fenomenológica, que
será realista e esclarecedora deste campo da atividade humana (p. 195).

Desta afirmação, percebemos que a utilização do instrumento demonstra a


preocupação de Rogers em investigar cientificamente suas atividades.
Considerava, contudo, que a investigação no seu caráter científico tradicional
não traria significação consistente dos resultados apresentados pelas pesquisas.
Preferiu um tipo de pesquisa que possibilitasse conhecer o significado do que os
participantes do grupo estivessem vivendo, o que ele chamou de ciência
humana fenomenológica. Embora estivesse cada vez mais interessado em
relações humanas transcendentes e subjetivas, seu compromisso com a ciência
se mostrou sempre presente, ocasionando, portanto, novas construções. Rogers
assinalou que,

por vezes, como profissionais, agarramo-nos a rótulos e pensamos, por exemplo: “Isto é
pura e simplesmente um comportamento paranóico!” Como conseqüência, há a
tendência para nos afastarmos um pouco e tratarmos a pessoa mais como um objeto.
Contudo, o membro do grupo, mais ingênuo, continua a lidar com a pessoa perturbada
como pessoa, e isto é, de acordo com a minha experiência, muito mais terapêutico (p.
68).

O excerto demonstra que a formação profissional de psicoterapeuta estimula


uma tendência a olhar para as pessoas por meio de rótulos psicopatológicos, o
que as transformam em objetos. Rogers reafirmou que este olhar não é
terapêutico e que é muito mais relevante olhar para as pessoas de forma
ingênua, sem a bagagem teórica. Sobre este assunto, Shlien (1967/1976)
acrescentou que o psicoterapeuta “entre antes na situação (cada cliente é ‘novo’
95
– uma nova situação em que se entra) sem um diagnóstico, reaja a indícios
tomados no caminho e depois analise o que aconteceu” (p. 68). Alerta para que
o facilitador participe do processo sem amarras, não coloque o seu foco de
trabalho nas explicações sobre o comportamento de um dos participantes do
grupo, mas pelo contrário, engaje-se na relação, e só em seguida analise-a.
Rogers (1970/2009) e Shlien (1967/1976) apontam para que o profissional se
interesse primeiro pela pessoa e pela relação que estabelecem. Parecem
explicar que olhar um comportamento pelo viés de explicações diagnósticas,
chamando-o de paranóico, por exemplo, não muda o quadro. Neste caso, a
explicação diagnóstica não pode ser o primeiro interesse do profissional, pois
defendem que tal posicionamento coloca o membro do grupo numa posição de
objeto, o que não lhe permite estar na relação como sujeito, como pessoa.
Apenas aproximando-se da pessoa, ao mesmo tempo em que se distancia da
bagagem teórica que inclua a pessoa em alguma categoria diagnóstica, é
possível estabelecer uma relação passível de efeitos psicoterapêuticos.
Sobre as investigações científicas empreendidas por Rogers, Van Dusen
(1967/1976) afirma que

Carl Rogers combina os dois espíritos mas, por natureza, está mais próximo do
humanismo. Em seu trabalho com indivíduos, aproxima-se mais de um fenomenologista
que pode entrar no mundo singular da outra pessoa e dele participar. Suas “leis” são
afirmações de aspectos importantes das vidas das pessoas (p. 248-9).

Considera que Rogers não se afasta da ciência tradicional, mas, ao se


interessar, cada vez mais, pelo mundo singular da outra pessoa, busca uma
maneira em que possa trabalhar este mundo, buscando seus significados. Van
Dusen (1967/1976) complementa:

a ciência e o humanismo têm objetivos diferentes, embora possam ser irmãos


produtivos. O humanismo pode dar as questões básicas e as especulações básicas do
homem, reunidas a dados brutos de vivência humana – descrições fenomenológicas. A
ciência da psicologia pode ser consideravelmente enriquecida por estes dados; todavia,
o objetivo da ciência está no comunal, comum, com validade consensual – que é geral
ou obedece a leis, e pode ser medido e apresentado coerentemente por métodos a
respeito dos quais existe um acordo público (p. 246-7).

96
A afirmação sugere que não é necessário separar a ciência do humanismo, mas
tentar estabelecer uma relação de complementaridade entre eles. Enquanto o
humanismo fornece os dados mais fidedignos e singulares sobre a vida humana,
a ciência tenta afirmar o seu caráter universal. Rogers parecia estar tentando
empreender mudanças neste paradigma científico.
Esta é uma fase em que Rogers estava preocupado com o tipo de
sociedade que está sendo produzida e como estão os sujeitos desta sociedade.
Rejeita a vida em instituições com estruturas rígidas e burocráticas e recusa-se
a servi-las. Discorre acerca da produção de sujeitos doentes e preocupa-se com
o futuro deles. Investe, portanto, em trabalhos de workshop, de formação de
comunidade, de educação humanística que possibilitem o desenvolvimento de
um novo homem. É nesta fase que a ACP parece transformar-se naquilo que
Holanda (1994) descreve como “uma filosofia de atitude, como uma filosofia de
um agir, uma ‘filosofia básica’ que desemboca numa filosofia de vida” (p. 2), que
ressalta ao máximo o caráter subjetivo das pessoas. Boainain Jr. (1998) aponta
ainda que esta é uma tendência místico-transcendente nas últimas formulações
de Rogers.
No que concerne a Rogers como pessoa, Kirschenbaum (2007/2009) e
Cohen (1997) relatam que o seu envolvimento nas atividades de grupo liberou
nele a possibilidade de se comunicar de forma cada vez mais autêntica e
congruente. A própria Helen e os filhos deles, David e Natalie, também
participaram de workshops e se engajaram em projetos juntos. Apesar do
envolvimento nas dificuldades familiares com os problemas conjugais de David e
de Natalie e com a doença de Helen, Rogers continuou com sua crença irrestrita
no potencial humano e na tendência atualizante. O Rogers dos grupos de
encontro mostrou-se buscando viver de forma cada vez mais aberta, leve,
congruente e autêntica até o final de sua vida (Cohen, 1997).
Rogers pouco abordou o tema do diagnóstico nesta fase de trabalho.
Entendemos que por acreditar que esta noção está mais associada a uma
bagagem teórica vinculada a uma concepção tradicional de ciência, rejeitou-a na
medida em que ela pudesse dificultar a aproximação e o estabelecimento de

97
uma relação entre o facilitador e a pessoa. Nesta fase, “o teste diagnóstico,
portanto, não é visto mais sequer como uma ferramenta auxiliar no trabalho de
psicoterapia que parte de uma abordagem centrada na pessoa”, conclui Miranda
(2009, p. 28). Aliás, Rogers abandona a sua carreira como psicoterapeuta, já
que o seu interesse e as suas crenças transcenderam o contexto clínico,
assumindo o papel de facilitador, que lhe permitia implementar suas
considerações sobre as relações humanas em qualquer tipo de atividade.
Rogers afirmou: “eu também estava interessado em filosofia da ciência porque
eu percebia que a abordagem lógica e positivista estava matando a psicologia;
ela não era adequada para o campo que nós gostaríamos de estudar”22 (Rogers
& Russell, 2002, p. 204).

22
“I was also interested in philosophy of science because I felt that the logical, positivist approach was killing psychology;
it was not suitable to the field we wanted to study” (tradução nossa).

98
CAPÍTULO 2

O DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO NA FASE NEORROGERIANA OU PÓS-


ROGERIANA

“Temos diversas ‘Abordagens


Centradas na Pessoa’, temos várias
visões dessa abordagem pelo mundo
todo e em minha opinião não há como
ser de outra forma.” (Pinto, 2010, p.
59-60)

A quarta fase do pensamento de Rogers, como explicamos no capítulo


anterior, expõe o momento em que ele passa a trabalhar com grupos, ampliando
a aplicação de suas ideias desenvolvidas para além da clínica. O reflexo disto é
o seu engajamento em novas práticas, como os grandes grupos de encontro,
estando profundamente comprometido com a potencialização e a reconquista da
tendência atualizante das pessoas inseridas em sociedades que as reprimem e
as oprimem. A denominação do termo psicoterapeuta para a pessoa que oferece
ajuda parece, então, inadequada para as novas possibilidades de ajuda
inspiradas na ACP, preferindo utilizar agora o termo facilitador, que para Rogers,
o facilitador é alguém que abre mão do seu poder e do seu saber, devolvendo
ao cliente/pessoa humana o poder e a liberdade do direcionamento de sua vida
(Gobbi & Missel, 1998). Este termo pareceu mais apropriado para denominar a
pessoa que exerce esta função em qualquer que seja o contexto, e não apenas
o da psicologia clínica.
Após o falecimento de Rogers, muitos estudiosos da Abordagem
Centrada na Pessoa continuaram se inspirando nesta teoria para criar novas
práticas de ajuda apoiadas no aporte teórico da ACP. É este o cenário que
compõe os estudos que englobam a ACP na contemporaneidade, e que Moreira

99
(2010b, 2013) denomina didaticamente de fase neorrogeriana ou pós-Rogeriana.
A noção de facilitação para as relações de ajuda apresentada por Rogers na
última fase ampliou, ainda mais, que novas práticas fossem implementadas
inspiradas na ACP. Quanto a isto, Pinto (2010a) chega a postular que:

a Abordagem Centrada na Pessoa não tem dono e ao mesmo tempo é de todos nós que
a pensamos e a vivemos e cabe a cada um de nós a responsabilidade de recriarmos
essa abordagem através de nossas reflexões e atitudes (p. 60).

Tal afirmação expõe que a ACP alcança uma magnitude como vertente filosófica
para diversos trabalhos, mas é importante ressaltar que ela não é uma filosofia.
Pinto (2010a) defende que os princípios da ACP são flexíveis e por isto
permitem a criação de novas abordagens.
Discutiremos neste capítulo a noção de diagnóstico psicológico
desenvolvida pelos estudiosos e praticantes contemporâneos da ACP nas suas
práticas psicológicas.
Purton (2011) inicia seus desdobramentos acerca do problema do
diagnóstico para a ACP, relembrando que em Rogers este tema foi debatido
quando relacionado ao tratamento oferecido para o paciente, ou seja, se o
tratamento deve ser norteado a partir do diagnóstico. A visão da ACP, já bem
conhecida aqui nesta dissertação, de que o oferecimento das condições seriam
suficientes para o tratamento de todas as questões, é alvo de questionamentos
de Purton: a intervenção do terapeuta é a mesma para todos os seus clientes?
Este pesquisador discute as condições que Rogers estipulou para que
uma relação terapêutica se estabelecesse entre cliente e terapeuta, ressaltando
que elas acontecem de diferentes formas para os diferentes clientes. Se a
primeira condição é a de que terapeuta e cliente precisam estar em contato
psicológico, Purton (2011) pontua que este contato acontece de formas
diferentes para cada cliente. Sobre a segunda condição, de que o cliente precisa
perceber as características empáticas e de aceitação positiva incondicional do
psicoterapeuta, o pesquisador aponta que isto requer do terapeuta diferentes
procedimentos para que o cliente consiga perceber tais atitudes do

100
psicoterapeuta. É dependendo de como estes aspectos se desenvolvem que o
relacionamento entre eles também se estabelece.
Em seguida, ele acrescenta que “os clientes podem variar em termos de
que condições essenciais eles podem precisar mais”23 (Purton, 2011, p. 247), ou
seja, que cada cliente tem uma necessidade mais especial por uma ou outra
condição postulada por Rogers: enquanto que um pode ter mais dificuldades
para empatizar com o psicoterapeuta, outro cliente pode não conseguir confiar
na sua congruência. Além disto, chama a atenção para o fato de que as
condições podem ser atuadas de diferentes formas em virtude do jeito de ser de
cada psicoterapeuta. Conclui, então, considerando que

apesar da teoria de Rogers tomar como implícito que todos os clientes precisam de
intervenções embasadas nas condições suficientes e essenciais, e neste sentido todos
os clientes deveriam ser tratados da mesma maneira, quando nos detemos sobre a
forma detalhada com a qual as condições devem ser encorpadas, a idiossincrasia do
cliente, do terapeuta e da relação terapêutica requerem uma ampla variedade de
respostas. O que a resposta deve ser em certo sentido é determinada pelas
necessidades e pelos problemas do cliente, e pode até haver um manual centrado na
24
pessoa para delinear as considerações que eu há pouco discuti (p. 248).

Ou seja, o psicoterapeuta precisa ter uma percepção apurada deste contato


estabelecido com seu cliente, sendo esta uma avaliação, um diagnóstico do
cliente. O psicoterapeuta responde com as atitudes postuladas pela ACP, mas
de diferentes formas aos diferentes clientes, pois este contato entre eles é
sempre único e tem demandas específicas de cada cliente. Purton afirma que “o
diagnóstico não precisa ser uma aplicação rígida de categorias que ignoram o
quadro de referência do cliente. Mas sim uma aplicação de qualquer categoria
geral que precisa ser questionada e revisada à luz da própria experiência do
cliente25” (p. 246-7). Percebe-se desta maneira que Purton valoriza a experiência

23
“Clients may vary in which of the core conditions they need to experience most” (tradução nossa).
24
“Although Rogers’ theory implies that all clients need to be responded to with the core conditions, and in that sense all
clients should be treated in the same way, when it comes down to the detailed ways in which the core conditions are to be
embodied, the idiosyncrasies of client, therapist and therapeutic relationship require a wide variety of responses. Just
what the response should be is in some sense determined by the client’s problems and needs, and there could even be
something like a person-centered manual which would lay out the kinds of points that I have just discussed” (tradução
nossa).
25
“Diagnosis need not be a rigid application of categories that ignore the client’s frame of reference. But also, the
application of any general category may need to be queried and revised in the light of the client’s actual experiencing”
(tradução nossa).

101
do cliente e espera que toda categoria diagnóstica seja questionada e revista
sob o quadro de referência do próprio cliente. Ele afirma que “a resposta
diferencial claramente não é se deve seguir-se regras explícitas, mas sentir o
que é necessário para estabelecer as condições26” (p. 247), ou seja, de que as
atitudes do psicoterapeuta são respostas frente às necessidades de seu cliente.
Esta consideração de Purton parece concordar com a de Wilkins e Gill (2003) de
que ela é a base para uma teoria de avaliação centrada no cliente. Os
estudiosos parecem entender que o psicoterapeuta deve atentar para
compreender as dificuldades que ele e seu cliente podem estar enfrentando para
estabelecerem uma relação de contato, requisitando do psicoterapeuta que as
condições estejam vivas e atuantes.
Ainda com um pensamento semelhante ao de Purton (2011), Wilkins e
Gill (2003), em pesquisa acerca do diagnóstico na ACP, consideram que é
necessário diferenciar os termos avaliação e diagnóstico. Para eles,

o diagnóstico é um produto possível da avaliação, mas não é o único e não precisa


necessariamente ser um. A avaliação, termo que nos é preterível, é um processo no qual
os psicoterapeutas alcançam algumas conclusões sobre a possibilidade ou probabilidade
de um trabalho eficaz. Na maioria dos modelos, diagnóstico envolve categorizar o cliente
de acordo com um conjunto de critérios que surgem da teoria27 (p. 184).

Ou seja, um diagnóstico ou avaliação pautado na ACP está interessado em


compreender as qualidades da relação empreendida entre psicoterapeuta e
cliente, diferentemente dos diagnósticos tradicionais que se preocupam com
critérios teóricos. Estes pesquisadores compreendem que a avaliação é uma
atividade de maior interesse da ACP, pois ela “parece estar relacionada ao
potencial relacional do relacionamento, e não do papel individual do cliente” 28
(Wilkins & Gill, 2003, p. 184). O diagnóstico na ACP estaria norteado por
quadros de referência em termos de “contato, incongruência ou experienciação.

26
“The differential response is clearly not a matter of following any explicit rules, but of sensing what is needed in order to
establish the conditions” (tradução nossa).
27
“Diagnosis is a possible product of assessment, but it is not the only one and neither is it a necessary one.
Assessment, as we choose to use the term, is a process by which therapists reach some conclusion as to the possibility
or likelihood of effective working. In most models, diagnosis involves categorizing the client according to a set of criteria
arising from theory” (tradução nossa).
28
“Appears to be of the relationship/potential relationship, not of the individual in the client role” (tradução nossa)

102
Estas não são universalmente aceitas como centradas no cliente”29 (Wilkins &
Gill, 2003, p. 184). Por este motivo, na ACP se tem preferência a trabalhar com
a avaliação, percebida como um processo avaliativo da relação do cliente e do
terapeuta por meio do qual é possível verificar a eficácia da intervenção da ACP
para as necessidades reclamadas pelo cliente. “Neste sentido, avaliação é o
processo de negociação e de direcionar perguntas para esta negociação. A
ênfase está muito mais no potencial terapêutico da relação do que no
diagnóstico”30 (Wilkins & Gill, 2003, p. 174).
Seguindo esta perspectiva, Wilkins e Gill (2003) contribuem com
questionamentos que o psicoterapeuta deve fazer-se para compreender se a
intervenção da ACP será eficaz: 1) será possível que o psicoterapeuta e o
cliente conseguem estabelecer um contato psicológico?; 2) o cliente em
potencial tem demandas para a psicoterapia?; 3) o psicoterapeuta poderá ser
congruente com seu cliente?; 4) o psicoterapeuta pode experimentar aceitação
positiva incondicional por este cliente?; 5) o psicoterapeuta conseguirá ter uma
compreensão empática das questões do cliente a partir do quadro de referência
deste último?; 6) o cliente conseguirá perceber a empatia e a aceitação positiva
incondicional por ele? Para estes estudiosos, uma resposta negativa para
qualquer destas perguntas significa um empecilho para que uma relação
psicoterapêutica embasada na ACP se desenvolva. Isto aponta para as
limitações da relação entre psicoterapeuta e seu cliente, sendo esta avaliação
da relação mais relevante para as intervenções psicoterápicas do que um
diagnóstico do cliente.
Talvez este tipo de avaliação conforme Purton (2011) e Wilkins e Gill
(2003) esteja em consonância com a perspectiva de Freire (2011) acerca do
conceito de empatia. Defende que é esta noção que “desafia a suposição
generalizada em achar que o psicodiagnóstico é essencial para uma
psicoterapia eficaz, preferindo posicionar que o cliente é o verdadeiro expert de

29
“Contact, incongruence or experiencing. These are not universally accepted as ‘client-centered” (tradução nossa).
30
“In this sense, assessment is a process of negotiation and of addressing the questions arising from this negotiation.
The emphasis is on the potential therapeutic relationship rather than on diagnosis” (tradução nossa).

103
si mesmo31” (p. 226). Para ela, é a empatia que permite ir além do conhecimento
diagnóstico geral e categórico, permitindo que o psicoterapeuta situe-se no
quadro de referência do cliente. Como já tratamos, o desenvolvimento da atitude
de empatia do psicoterapeuta pelo seu cliente é fundamental para que o primeiro
tenha uma compreensão do segundo totalmente emaranhada nele, não em si
mesmo ou em teorias.
Assim como Purton (2011) e Wilkins e Gill (2003), Gobbi e Missel (1998)
são estudiosos que também concordam com Rogers acerca do que ele escreveu
sobre diagnóstico:

quanto a suas objeções ao diagnóstico, Rogers assinala que, em primeiro lugar, o


processo diagnóstico em si coloca o lócus de avaliação nas mãos do terapeuta, nesse
caso, o “especialista”, o que pode favorecer a dependência do cliente, bem como
estabelecer uma relação desnivelada. Além disso, há ainda o risco do cliente sentir-se
alheio a si mesmo quando passa a acreditar que somente o terapeuta pode avaliá-lo
com clareza, diminuindo assim sua “medida de valor pessoa”. Em segundo lugar estão
as implicações sociais e filosóficas, relacionadas a questões como controle social (Gobbi
& Missel, 1998, p. 57-58).

Ou seja, sublinham os ditos de Rogers de que quando o psicoterapeuta propõe-


se a fazer um diagnóstico, assume um papel de especialista e o cliente tende a
tomar o lugar da passividade, eximindo-se da possibilidade de ser independente;
sendo também problemático o poder que um saber diagnóstico pode exercer na
sociedade, com o controle dos indivíduos. Além disto, fazem menção ao
diagnóstico como o reflexo de um valor estático e rígido da personalidade,
incompatível com o modelo fluido proposto pela ACP, perspectiva também já
discutida por Rogers e demonstradas no capítulo anterior. Para eles, um
psicoterapeuta enfrenta diversas dificuldades nos seus atendimentos e pode
acreditar que teria menos problemas se não precisasse estabelecer
relacionamentos e vínculos com o paciente, ou seja, uma relação. Ao trabalhar
sem precisar estabelecer um vínculo, coloca a pessoa que procura ajuda numa
posição inferior, e o profissional considerado superior, autoridade com suporte
no seu saber. Para eles, diagnosticar o outro é, nesse sentido, colocar a pessoa

31
“Challenges the generalized assumption in the field that psychodiagnosis is essential for effective psychotherapy and
instead posits that the client is the true expert on him or herself” (tradução nossa).

104
em segundo plano, em condição inferior. Como já sabemos, esta forma de atuar
não se encontra acolhida na ACP, como Freire (2009) também contesta:

na psicoterapia centrada na pessoa, o único instrumento de trabalho do terapeuta é a


sua própria pessoa, é o seu próprio Ser. Desta forma, não há como se esconder atrás de
técnicas, não há como se apoiar em conhecimentos acadêmicos, não há como usar o
recurso da petição de autoridade. Não é de surpreender, portanto, que a terapia
centrada na pessoa continue sendo, ainda hoje, um paradigma tão revolucionário no
campo da psicologia clínica (p. 27).

Esta afirmação aponta o que o próprio Rogers já desenvolvera: que o


psicoterapeuta acha em si mesmo a forma de encontrar o outro. As técnicas
seriam um artifício que esconderia o psicoterapeuta, distanciando-o do cliente.
Embora bastante refutada por estes autores, em Pinto (2010b), importante
estudioso da ACP, encontramos uma discussão sobre a relevância do
diagnóstico psicológico como uma “forma de o profissional poder se comunicar
com outros profissionais que não têm como referência essa abordagem” (p.
114). Isto significa que o diagnóstico seria um artifício por meio do qual os
profissionais de saúde de orientações teóricas diferentes pudessem se
sintonizar quando discutissem acerca do cliente, ou seja, como forma de alinhar
a comunicação dos profissionais de saúde.
Aliás, Levitt (2008) também considera que o diagnóstico psicológico é
uma forma de comunicação eficaz entre os profissionais de saúde, mas pondera
que seu uso “tem a grande probabilidade de resultar numa objetificação e
distanciamento durante o discurso profissional e as subsequentes interações
com os clientes”32 (p. 60). Ou seja, as nomenclaturas diagnósticas podem servir
para afastar o cliente de sua experiência, colocando o profissional num papel de
especialista que objetiva demais a experiência do cliente e se baseia em
quadros de referência externa para compreendê-lo. Assim, Levitt afirma que “o
diagnóstico pode atrapalhar a escuta dos clientes sobre quem eles realmente
são e como eles experienciam suas aflições”33 (p. 61). O que Pinto (2010b) e

32
“Can often and does result in objetification and distancing during Professional discourse and subsequent interactions
with clients” (tradução nossa).
33
“Diagnosis can get in the way of hearing our clients for who they really are and for how they are experiencing their
distress” (Tradução nossa).

105
Levitt (2008) alertam é que, embora a tentativa comunicativa seja relevante, ela
pode facilmente se tornar um rótulo que acaba muito mais por estigmatizar o
sujeito e fortalecer um modelo arcaico que dá suporte ao trabalho do profissional
de saúde. Eles argumentam que o diagnóstico de doenças mentais acaba
funcionando como rótulos de sentimentos, sofrimentos, alegrias, ansiedades,
euforias, personalidade, comportamentos. Sobre este assunto, Pinto (2010b)
sublinha que a ACP deve ir além, direcionando-se à pessoa que sofre e que teve
suas atitudes e sentimentos alterados ou roubados.
Bellas (2009) contribui para a discussão da importância de ater-se ao
cliente e à sua experiência, afirmando que,

quando eu escuto atentamente meu cliente (psicótico ou não), sem me preocupar com
diagnósticos, julgamentos morais, éticos, ou outros de qualquer natureza; quando eu
estou ali, com ele o mais “presente” possível, sendo eu, do modo que sou (sem me
esconder atrás de máscaras profissionais), ocorre então um “fenômeno” muito
significativo: o outro se arrisca a se mostrar como ele, de fato, é. Nesse mostrar-se, há
algo novo que é a possibilidade de ele ir além da percepção que até então tinha de si.
Em outras palavras, ele começa “realmente” a se conhecer e a se compreender e,
possivelmente, em decorrência desses dois fatores – conhecimento e compreensão –
inicie um processo de aceitação de si, de ampliação de sua imagem, de seu eu, de sua
pessoa (p. 180).

Considera que o cliente apenas consegue mostrar-se plenamente quando


percebe o psicoterapeuta como uma pessoa tal como ele mesmo e não como
uma pessoa que exerce uma função profissional na sua escuta. O cliente
percebe que o profissional se aproxima dele sem interesse de encaixá-lo em
quadros sintomáticos ou diagnósticos. Quando este tipo de relação acontece,
proporciona ao cliente a oportunidade de perceber-se também como pessoa, o
que é em si mesma uma intervenção psicoterapêutica. Esta consideração de
Bellas (2009) ressalta a importância de ater-se ao cliente, mais do que a um
diagnóstico. Este autor critica os diagnósticos psicológicos, pois afirma que “tais
diagnósticos não refletem a ampla variedade das experiências humanas
escondidas que os nossos clientes carregam. Estes diagnósticos contidos nos
manuais não podem contar a história completa, e acabam como o relato de uma

106
história incompleta ou errada”34 (p. 59). Levitt (2008) também concorda que o
DSM é um manual direcionado para praticantes e pesquisadores da área da
saúde mental, sendo um guia de sintomas psicológicos descritos de forma
objetiva e separados para designar grupos subjetivos, sendo passíveis de gerar
estatísticas sobre eles para serem usados como âncoras para o planejamento
terapêutico. Para ele, este manual entende o sofrimento psicológico como um
sintoma de uma doença mental, compreendendo-a como uma entidade
autônoma, passível de ser quantificada e classificada.
A contribuição de Bellas (2009) é de que as experiências de sofrimento
psicológico das pessoas podem ser tão variáveis que não cabem em
nomenclaturas e não podem ser descritas por grupos de sintomas tão restritos.
Ele argumenta que é por saber disto que o DSM tem, ao longo dos anos,
incluído muitas outras categorias diagnósticas diferentes, além de manter uma
chamada de “transtorno não especificado”, o que serve como um espaço no qual
todos os pacientes podem ser incluídos na falta de um rótulo diagnóstico que os
defina. Para ele, este diagnóstico é uma conceituação categórica do sofrimento
psicológico, ou seja, uma forma de identificação de uma doença mental,
normatizando-a, mas sem oferecer uma possibilidade de compreensão. Ou seja,

o que quer que seja dito para apoiar o diagnóstico, permanece o fato de que é uma
história, ele é uma história que reduz ou simplifica a totalidade da experiência individual.
O diagnóstico materializa. Ele conta uma história que mantém clientes e psicoterapeutas
acorrentados ao passado, mais do que uma história que permite que nos juntemos aos
clientes incondicionalmente nos seus desvelamentos contínuos desde o momento
35
presente ao futuro (Bellas, 2009, p. 61).

Sobre esta crítica dos manuais diagnósticos de não abrangerem a integridade


da experiência do cliente realizada por Bellas (2009), encontramos em Cooper e
McLeod (2011) uma argumentação semelhante. Eles relembram que Rogers
tem uma “postura crítica acerca do diagnóstico, preferindo considerar a pessoa

34
“Such diagnoses do not reflect the wide variety of human experiences held by the individual clients who carry them.
These diagnoses cannot possibly tell the whole story, and may tell the wrong story or a misleading story” (tradução
nossa).
35
“Whatever can be said to support diagnosis, the fact remains that it is a story that reduces or simplifies the fullness of
individual experience. Diagnosis reifies. It tells a story that keeps clients and therapists chained to the past, rather than a
story that allows us to join our clients unconditionally in their continual unfolding from the present moment in the future”
(tradução nossa).

107
humana como única, um organismo individual às manifestações de estados
disfuncionais trans-individuais”36 (p. 213). Por meio desta afirmação, parecem
dizer que um quadro diagnóstico genérico invalida a visão individual e única que
se possa ter do indivíduo. Embasando-se na teoria de Levinas de que “o Outro
sempre transborda e transcende a ideia da pessoa de si, é impossível se
reconciliar com o Outro, é sempre impossível se reconciliar com o Outro, ele é
sempre mais que – e ultrapassa – a forma finita que eles podem proporcionar” 37
(p. 214), Cooper e McLeod (2011) propõem um diálogo entre a teoria rogeriana
e as ideias levinasianas. Defendem que tanto Rogers quanto Levinas acreditam
na autonomia do Outro em saber de si, e que o psicoterapeuta sempre apensa
conseguirá conhecê-lo em parte. Estes pesquisadores acreditam que privilegiar
o ponto de vista do cliente e seu objetivo quanto à vida e à psicoterapia significa
que este tipo de psicoterapia “afasta-se de um diagnóstico, ou do centramento
no problema, entendendo que o cliente e o processo terapêutico em direção ao
potencial – baseiam-se em para onde o cliente quer ‘levar’ a sua vida”38 (Cooper
& McLeod, 2011, p. 216).
Semelhante às considerações de Levitt (2008) e Bellas (2009) sobre a
função comunicativa do diagnóstico psicológico, encontramos as perspectivas
de Mearns (1994/2010), que afirma que a ACP deve recusar-se a olhar para o
seu cliente como o representante de uma categoria diagnóstica, já que esta
categoria pode obstruir a compreensão dos conflitos individuais do cliente.
Considera que o psicoterapeuta que trabalha com esta abordagem não deve
adotar as categorias diagnósticas, mas que ele deve “aprender a entender esta
linguagem e estar habilitado a comunicar coerentemente sua conceitualização
centrada na pessoa das dificuldades do cliente”39 (p. 103). Por meio deste
excerto, compreendemos que o psicoterapeuta não deve usar as categorias

36
“Critical stance toward diagnosis, preferring to view human beings as unique, individual organisms rather than as
manifestations of trans-individual dysfunctional states” (tradução nossa).
37
“The Other always overflows and transcends a person’s idea of him or her, is impossible to reconcile to the Same, is
always more than – and outstrips – the finite form that they may be afforded” (tradução nossa).
38
“Moves away from a diagnostic, or even problem-centered, understanding of the client and the therapeutic process
toward a potentiality-centered one – based around where the client wants to ‘go’ in their lives.” (tradução nossa”.
39
“Learns to understand that language and is able to communicate coherently her person-centred conceptualisation of
the client´s difficulties” (tradução nossa).

108
diagnósticas como sua própria linguagem acerca do cliente, mas sim entendê-la
como comunicação teórica comunicada por outros profissionais e reformulá-la
de maneira a facilitar a expressão das questões do cliente por meio de uma
comunicação centrada nele. Percebemos, então, que Mearns considera, assim
como Levitt (2008) e Pinto (2010b), que as categorias diagnósticas podem servir
como uma forma comunicativa acerca do cliente, porém o psicoterapeuta
embasado na ACP deve estar atento para elucidar as questões centrando-se no
cliente, não na sua classificação.
Mearns (1994/2010) concorda com Rogers quando ele afirma que
psicoterapia é diagnóstico, diagnóstico significando a identificação das
experiências de sofrimento do cliente em psicoterapia. O psicoterapeuta deve
atentar para como o cliente se percebe, como ele percebe o mundo e como
associa suas experiências passadas ao presente e às aspirações do futuro. Esta
compreensão é um diagnóstico processual:

o processo de aconselhamento é um em que o cliente desenvolve sua própria teoria de


diagnóstico sobre si, ajudado pelo conselheiro que oferece uma relação que lhe auxilia a
sentir-se seguro o suficiente para permanecer aberto ao seu experienciar. Desta
perspectiva centrada na pessoa sobre o diagnóstico está um processo individualizado e
minucioso com resultados únicos para cada cliente. É também um processo em que
ambos cliente e conselheiro permanecem abertos para a experiência do cliente40 (p.
104).

Percebemos, portanto, que este processo diagnóstico é distinto do proposto pelo


diagnóstico tradicional, tanto na sua forma de investigação, como no seu
objetivo. O estudioso relembra que Rogers destacou que o diagnóstico, mesmo
que implicitamente, dá poderes ao psicoterapeuta que utiliza o seu quadro de
referências para avaliar o cliente e em seguida direcionar o tratamento. Neste
sentido, diagnóstico é uma categoria, “no fim das contas, o diagnóstico reduz a
pessoa a um rótulo”41 (Mearns, 1994/2010, p. 105). Assim Mearns ressalta que
um diagnóstico embasado na ACP distingue-se completamente desta proposta,

40
“The process of counselling is one by which the client evolves his own diagnostic theory about himself, aided by the
counsellor providing the relationship which helps him to feel safe enough to stay open to his experiencing. From this
person-centred perspective diagnosis is a thoroughly individualised process with results which are unique for each client.
It is also a process by which both client and counsellor stay open to the client´s experience” (tradução nossa).
41
“Diagnosis ultimately reduces the person to a label” (tradução nossa).

109
pois ele não é imprescindível para o tratamento, já que a ACP não norteia suas
intervenções baseando-se em categorias psicopatológicas. Ele entende que o
processo diagnóstico é ele próprio já parte do tratamento, pois ele, à luz da ACP,
é o meio pelo qual é possível compreender a experiência do cliente.
De semelhante modo, encontramos o pensamento de Schmid (2004), que
ensina que, quando psicoterapeuta e cliente estão um diante do outro têm
apenas uma única possibilidade: o encontro e a experiência que ocorre em
decorrência deste. Em seguida, o psicoterapeuta permite-se realizar
intervenções reflexivas, servindo a “compreender o significado do que acabou de
ser experienciado, e por isto, nós precisamos usar categorias”42 (p. 43). Ou seja,
o psicoterapeuta escuta o seu cliente embasado na empatia e em seguida
informa-lhe o que escutou de forma reflexiva. É neste modo reflexivo que o
conhecimento parece fazer sentido, mas um tipo de conhecimento que seja
existencial e embasado na experiência há pouco compartilhada. Se são
utilizadas categorias nesta comunicação reflexiva, elas têm o propósito de
descrever e não de julgar e categorizar. Embasada na experiência do cliente, o
conteúdo não precisa ser certo ou errado, pois está contextualizado na
experiência compartilhada na relação com o psicoterapeuta.
Schmid (2004) contribui argumentando que não é possível que o
psicoterapeuta consiga perceber tudo o quanto se passa, mas apenas o que
está aí para ser percebido, pois o conteúdo percebido tem uma relação
intrínseca com os limites do olho de quem o percebe. Ele afirma que,

nós precisamos estar cientes que somos nós quem determinamos o que nós ouvimos e
o que vemos e como organizamos o que o cliente conta e mostra. Nós decidimos sobre
o quadro de referência das nossas percepções extraindo-os de um pré-entendimento e
de uma pré-interpretação43 (p. 44).

42
“Understand the meaning of what was just experienced, and so we must use categories” (tradução nossa).
43
“We must be aware that we are the ones who determine what we hear and see and how we arrange what clients tell
and show. We decide about the frame of reference of our perceptions out of a pre-understanding and pre-interpretation”
(tradução nossa).

110
É por isto que ele adverte ser importante não considerar como dadas pela
natureza, ou seja, naturalizar, as categorias criadas em torno do self. Em suas
palavras:

nós precisamos estar conscientes de que os conceitos são nossos próprios construtos.
Nós temos que evitar materizalizar ou ontologizar as categorias criadas por nós mesmos.
No modo do encontro imediato, nós experienciamos, enquanto que no modo reflexivo,
nós percebemos, o que significa “tomar”. Mas se pensarmos que tomamos o que está
ali, estamos errados. Nós construímos o que nós pensamos ver. Nós não podemos
perceber sem uma pré-inform-ação. Nós não olhamos para o cliente com olhos de quem
nunca viu um cliente antes. Nós não somos uma tábula rasa, mas somos guiados pelas
44
nossas experiências e conceitos derivadas delas (p. 44).

Assim, ele chama atenção que os conceitos são considerações teóricas sobre
as experiências dos clientes e que não são verossímeis. Por causa disto, o
psicoterapeuta não tem uma visão imparcial e “limpa” do seu cliente. Para ele,
no encontro com o cliente, o psicoterapeuta está sempre ancorado em algum
tipo de conceito e construto que enquadram a experiência compartilhada. Talvez
seja por isto que Schmid defenda que,

da perspectiva centrada na pessoa, o diagnóstico psicológico só pode ser um processo


diagnóstico fenomenológico, desvelado passo a passo através do encaixe do processo
de experienciação e reflexão de ambos cliente e psicoterapeuta. Assim como a
psicoterapia, o diagnóstico necessita de ambos modos e requer pessoas envolvidas num
relacionamento, fazendo dele um processo co-diagnóstico45 (p. 47).

Se Schmid entende que o psicoterapeuta está sempre ancorado em algum


conhecimento, a fenomenologia parece ser a proposta mais eficaz para
compreender a noção de diagnóstico psicológico na ACP. Para ele, a
fenomenologia oferece a oportunidade de tentar se desancorar, ou seja, se
desprender dos construtos e considerações que norteiam a visão formada
acerca das experiências. A fenomenologia oferece a oportunidade de olhar para
44
“It is important, however, not to think that the self-created categories are given by nature. We need to be aware that the
concepts are our own constructs. We have to avoid reifying or ontologizing the categories created by ourselves. In the
immediate encounter mode we experience, while in the reflection mode we perceive, which means ‘to take’. But if we
think that we just take what is there, we are wrong. We are construing what we think to see. We cannot perceive without
pre-inform-ation. We do not look at the client with eyes that have never seen a client before. We are ourselves no tabulae
rasae, but are biased by our experiences and the concepts derived from them” (tradução nossa).
45
“From a person-centered point of view psychological diagnosis can only be a phenomenological process diagnosis,
unfolded step by step through the joint process of experiencing and reflecting by both client and therapist. Just as therapy
does, diagnosis needs both modes and requires both persons involved in the relationship, thus making it a co-diagnostic
process” (tradução nossa).

111
as experiências que se apresentam no dado momento da forma menos
contaminada possível.
Desta maneira, realizar um diagnóstico psicológico na ACP é
compreender as experiências de sofrimento do cliente conforme ele as percebe,
devendo o psicoterapeuta lançar mão da fenomenologia como método para que
ele e o cliente encontrem o terreno sólido do desenvolvimento de uma relação
de experiências compartilhadas e passíveis de serem percebidas e refletidas.
Tal atividade realiza-se por meio de um processo não estanque e processual
que flui na relação entre cliente e psicoterapeuta e é assim considerada como
co-diagnóstico (Schmid, 2004). Ele afirma que “o diagnóstico é o difícil trabalho
do cliente que se engaja num processo de diferenciação: o cliente tenta
constantemente descobrir – pela experiência e pela reflexão – qual o próximo
processo experiencial a incorporar”46 (p. 47). Além disto, Schmid também
problematizou a noção de homem quando discute o tema do diagnóstico
psicológico para a ACP. Embasando-se no conceito de funcionamento pleno da
ACP, argumenta que Rogers considerava a pessoa como sempre em processo,
nunca como um estado ou um produto. Considerar o sujeito como um estado ou
produto é fazer uma leitura de um parâmetro social esperado para ele, um
padrão de saúde e doença que indica o que é normal e esperado, e outro fora
da normalidade. “Cada pessoa que sofre não deve ser vista uniformemente mas
sim inteiramente diferente”47 (p. 40), é o que ele afirma. Assim sendo, o
diagnóstico seria uma forma de perceber o que se desviou desta regra para
fazer o sujeito retornar para a normalidade. Nesta perspectiva, “frequentemente
o mesmo cliente recebe uma variedade de diagnósticos, até mesmo
contraditórios”48 (p. 40).
Contudo, Schmid (2004) considera que a noção de funcionamento pleno
oferece outra forma de olhar para o sujeito, que não seja pelo olhar da noção de
saúde e doença. Ele afirma que “ao estar diante do Outro, eu não penso sobre o

46
“Diagnosis is the hard work of the client, who works on the process of distinguishing: the client is constantly trying to
find out – by experiencing and reflecting – which development is on the agenda next” (tradução nossa).
47
“Each suffering person is not viewed uniformly but is seen as entirely different” (tradução nossa).
48
“One and the same client is quite often given a variety of diagnoses, frequently even contradictory ones” (tradução
nossa)

112
que eu poderia saber dele, mas eu estou pronto para aceitar o que eles irão
revelar”49 (Schmid, 2011, p. 61). Desta maneira, as pessoas são autênticas e
cada um mostra de si apenas si mesmo, sua autenticidade, e não categorias
dele “mesmo que se usadas para se descreverem”50 (Schmid, 2004, p. 43). O
Outro já está lá antes que o psicoterapeuta o conheça. A compreensão do que o
sujeito informa sobre si mesmo é que pode ser percebida pelo olho externo
como uma má-adaptação, uma alienação.
De semelhante modo, é o que encontramos na perspectiva de Moreira
(2007, 2009a, 2013), que se origina na ACP e se inspira na fenomenologia de
Merleau-Ponty para criar uma psicoterapia humanista-fenomenológica. Sobre o
tema do diagnóstico psicológico, ela destaca que ele está necessariamente
vinculado às definições de saúde e de patologia. Apoia-se em Augras
(1978/2011), cuja compreensão fenomenológica sobre normal e patológico é do
sujeito que supera seus conflitos livremente e aquele que fica preso. A este
respeito, Moreira (2007) refere que “esse diagnóstico não é, portanto, uma
rotulação do indivíduo, inserindo-o em uma determinada categoria de doença
mental. Trata-se de tentar identificar em que ponto de sua existência a pessoa
se encontra e que significados atribui a seu mundo” (p. 110), parecendo ter uma
compreensão experiencial e processual da atividade diagnóstica. Ela defende
que a redução fenomenológica é um dos meios pelo qual o psicoterapeuta se
lança a tentar conhecer a experiência do cliente na relação de experiência
empática entre eles. Ou seja, entendemos que a pesquisadora, assim como
Schmid (2004), sublinha a importância de se conhecer o sujeito pelas próprias
lentes dele, em sua experiência, devendo o diagnóstico ser uma categoria
sempre entre parênteses.
Esta noção de diagnóstico psicológico compreensivo, experiencial e
processual postulada por Mearns (1994/2010), Schmid (2004) e Moreira (2007)
parece ser uma compreensão que dialoga com a prática do plantão psicológico
embasada na ACP desenvolvida por Raquel Rosenberg. A prática do plantão

49
“In facing Others I do not think what I could know about them, but I am ready to accept what they are going to disclose”
(tradução nossa).
50
“Even if they use categories to describe themselves” (tradução nossa).

113
psicológico se apoiou no conceito de facilitação de Rogers como possibilidade
para se desenvolver (Tassinari, 2009a; Tassinari, 2009b; Wrona, 2013). Esta é
uma atividade que se caracteriza por “prestar pronto atendimento psicológico à
comunidade” (Durange & Cordeiro, 2013, p. 94), o que requer a disposição dos
psicólogos para receber os clientes no momento em que eles percebem suas
demandas como urgentes e procuram um serviço que os auxilie no sofrimento
que lhes parece insuportável (Mahfoud, 2013; Tassinari, 2009a; Tassinari,
2009b; Wrona, 2013).
Mahfoud (2013) e Tassinari (2009a) apontam que o plantão, em se
constituindo como um serviço de atenção psicológica que se disponibiliza para o
atendimento de pessoas no momento em que elas acharem necessário, deve ter
um modo de funcionar flexível, que privilegie o movimento da pessoa no ato,
priorizando o cliente e como ele quer se movimentar no atendimento, ao invés
de ele ter que se adequar a um modo fixo de funcionar do serviço. O plantão
deve acolher o cliente que traz suas experiências e compartilha suas questões,
sublinhando o movimento da pessoa que de alguma forma tomou posição frente
ao seu mal estar psicológico. Tudo é estruturado em função do processo do
cliente que se apresenta naquele momento. O processo não está nas mãos do
clínico: deve deixar o direcionamento da sessão para o próprio cliente. Ou seja,
no plantão, não há espaço para uma estrutura rígida e normatizada de
processos definidos de antemão; e a realização de uma atividade diagnóstica
tradicional poderia enrijecer a prática do plantão e colocar nas mãos do clínico o
direcionamento de um processo sem efeitos terapêuticos para o cliente, mas
aparentemente resolutivo para o profissional.
Bacellar, Rocha e Flôr (2013) ensinam que,

os diagnósticos, seguidos de prognósticos fechados e de recomendações impostas


pelos outros, não garantem por si só o resgate da saúde. Eles são apenas transmissão
de conhecimentos que só estarão efetivamente a serviço da saúde se as pessoas
desfrutarem ativamente desses conhecimentos. Com isso, afirma-se que, apesar da
importância das conquistas técnico-científicas, o bem estar biopsicossocial depende da
forma como cada um recebe e interage com essas recomendações e informações.
Nesse sentido, as teorias e recursos técnicos da Psicologia que não se adaptem a estas
particularidades tornam-se obsoletos. Uma psicoterapia na qual o poder da direção da

114
consulta esteja no terapeuta, traz para o mesmo uma responsabilidade passível de erro
e de incompatibilidade com a pessoa que o procura (p. 171).

Como se percebe, a função comunicativa do diagnóstico psicológico também é


apontada por estas estudiosas, assim como há pouco tratamos em Bellas
(2009), Pinto (2010b), Levitt (2008) e Mearns (1994/2010). Mas Bacellar, Rocha
e Flôr ressaltam que a compreensão destas informações à luz de um guia de
referência teórico não oferece possibilidade de resgate da saúde.
Compreendemos que estas pesquisadoras destacam que a maneira com a qual
o psicoterapeuta aborda o cliente para comunicar as informações e
recomendações de suas questões é mais importante do que o conteúdo daquilo
que compartilha. Parece ser esta a noção de diagnóstico psicológico embasada
na ACP a possível para uma prática de plantão psicológico.
Sommerbeck (2003; 2005/2007a) também é uma importante autora que
debate a noção de diagnóstico, que é tão cara para o modelo médico, nas
implicações de um trabalho de profissionais da ACP no contexto psiquiátrico.
Assim como os pesquisadores que citamos há pouco, ela relembra que para a
ACP, o diagnóstico psicológico tradicional não é importante, nem como
embasamento teórico, nem com fins psicoterapêuticos, pois as condições
facilitadoras seriam necessárias e suficientes para a psicoterapêutica de
qualquer paciente, independente do seu diagnóstico.
Para ela, o modelo médico de atuação no contexto psiquiátrico tem por
base o exame, o diagnóstico e o tratamento, e é norteado por um modelo de
explicações, enquanto que os profissionais centrados na pessoa focam em
compreensões. Utilizando a metáfora de que explicar o gosto do chocolate não é
o mesmo que conhecer o seu sabor, ela diferencia os seguintes termos:
explicação e compreensão. Observa que a explicação associa-se a conteúdos
biológicos e psicológicos, muito abordada pela psiquiatria, enquanto que a
compreensão está vinculada ao conhecimento de como o cliente experimenta e
percebe a si e o mundo. Ela reflete criticamente que, embora algumas
abordagens do trabalho psiquiátrico possam parecer uma violação das ideias
rogerianas, “a compreensão (na teoria da terapia centrada no cliente), e a

115
explicação (na teoria do modelo médico da psiquiatria) são atividades
complementares, não contraditórias”51 (Sommerbeck, 2003, p. 5). Para ela, esta
visão de complementaridade significa que a explicação psiquiátrica não deve
impedir que o psicoterapeuta centrado no cliente conheça a própria versão do
cliente sobre seu sofrimento (Sommerbeck, 2003, 2005/2007a), em que o
terapeuta não escolhe uma explicação à outra, mas que elas se justapõem.
Ela explicita que a psiquiatria lida com as questões diagnósticas por
estarem vinculadas legalmente a questões políticas e éticas mais amplas, que
envolve uma legislação médica. Ela cita Dilthey, que diferenciou “as ciências
naturais como ciências que explicam, e as humanas como ciências que
compreendem”52 (Sommerbeck, 2003, p. 29). Enquanto que a psiquiatria lida
com as características gerais de um grupo diagnóstico, tentando perceber o que
é típico e esperado para cada categoria, a abordagem centrada na pessoa
preocupa-se com a singularidade da experiência do cliente, sendo este o
objetivo de uma ciência humana (Sommerbeck, 2003; 2005/2007b).
Entretanto, ela considera que “isto não significa, contudo, que o
psicoterapeuta centrado no cliente trabalhando num setting de modelo médico
possa permitir-se ser ignorante sobre os diagnósticos empregados no setting ou
considerar o trabalho de diagnóstico de pacientes, feito por outros profissionais,
supérfluo”53 (Sommerbeck, 2003, p. 33). Enumera razões para que o
psicoterapeuta centrado na pessoa tenha conhecimento dos diagnósticos
psiquiátricos e trabalhe com eles, como: 1) os muitos questionamentos que os
pacientes fazem para seus psicoterapeutas acerca de seus diagnósticos e a
necessidade que estes profissionais possam discutir com eles essas questões
dentro de seu parâmetro de referência; 2) a facilitação da comunicação que as
categorias diagnósticas favorecem para discussão dos casos entre os
profissionais, onde o psicoterapeuta centrado na pessoa poderá contribuir com

51
“Understanding (in the theory of client-centred therapy), and explaining (in the medical model theory of psychiatry), are
complementary, not contradictory, activities” (tradução nossa).
52
“Natural sciences as sciences that explain, and the humanities as sciences that understands” (tradução nossa).
53
“This does not mean, however, that the client-centred therapist working in a medical model setting can allow himself to
be ignorant about the diagnoses employed in the setting or to regard the work of diagnosing of patients, done by other
professionals in the setting, as superfluous” (tradução nossa).

116
sua compreensão – como já discutimos com Bellas (2009), Pinto (2010b), Levitt
(2008) e Mearns (1994/2010) –; 3) a importância de compreender que um
paciente psiquiátrico submete-se a tratamento intensivo com intervenções
farmacológicas; 4) a implicação legal da internação involuntária de pacientes
psiquiátricos.
A estudiosa dinamarquesa ressalta que, nas discussões de caso entre a
equipe de saúde, o psicoterapeuta centrado na pessoa pode ajudar a traduzir a
linguagem de categorização e diagnóstica utilizada nas discussões para uma
comunicação mais concreta e individualizada, que descreva a experiência, de
uma forma centrada no cliente, assim como também ressaltou Mearns
(1994/2010). Sommerbeck (2005/2007b, p. 114) explica que “esta é a
complementaridade entre duas abordagens exclusivas e mútuas e pontos de
vistas que não podem ser integrados, mas podem, cada um a seu modo, serem
úteis nos seus respectivos contextos”54.
Para Sommerbeck (2003; 2005/2007b), um psiquiatra inicia sua sessão
buscando encaixar o paciente num dos diagnósticos possíveis. Para tanto, ele
tenta investigar os sintomas do paciente de forma a conseguir responder as
seguintes questões: 1) o paciente está psicótico?; 2) o paciente está
depressivo?; 3) é um caso de transtorno de personalidade?. Tendo respondido
essas perguntas, ele assinala o tratamento que se baseia primeiramente em
medicação e secundariamente em psicoterapia, por acreditar que o paciente
nem sempre está em condições de iniciar um processo psicoterapêutico, como
nos casos de surtos. Acerca desta forma de atuar, Sommerbeck argumenta que
é difícil fazer um diagnóstico psiquiátrico, pois estando baseado apenas em
sintomas, o paciente pode se encaixar tanto em uma quanto em outra categoria
diagnóstica.
Ainda sobre o tema do diagnóstico, ela refere que o modelo que embasa
os diagnósticos psiquiátricos não é causal, mas baseado numa pré-disposição
hereditária e biológica do indivíduo para reagir com uma resposta psicótica,

54
“This is the complementarity divide between two mutually exclusive approaches and points of views that cannot
be integrated, but can be, each in its own way, useful in their respective context” (Tradução nossa).

117
depressiva ou de intenso sofrimento quando as condições do ambiente
sobrecarregam os recursos que o indivíduo tem para lidar com eles. Há uma
compreensão de que a causa do adoecimento psiquiátrico é tanto biológica
como social, ou seja, “um fenômeno mental pode influenciar um fenômeno
biológico na mesma medida em que um fenômeno biológico pode influenciar um
fenômeno mental”55 (Sommerbeck, 2003, p. 36).
Como demonstramos, consideramos que os autores acima citados
refutam a noção de diagnóstico psicológico tradicional assim como o fez Rogers,
concordando com as considerações da ACP acerca deste tema. Eles
contribuíram com discussões que problematizaram este tema na
contemporaneidade, seja quando articuladas a novas práticas seja quando
discutidas com outros temas relevantes. Além disso, alguns autores tentaram
ampliar a compreensão da noção de diagnóstico psicológico na ACP buscando
vertentes filosóficas para superar os limites da abordagem. Percebemos que
estes autores mantêm um diálogo amplo, profundo e crítico com Rogers e uns
com os outros sobre o tema desta pesquisa.
Os autores que apresentaremos em seguida não explicitaram, contudo,
discussões aprofundadas sobre a noção do diagnóstico psicológico na ACP,
mas o tema foi comentado junto ao desenvolvimento de suas teorias que,
conforme eles, mantêm algum tipo de vínculo com a ACP. Suas considerações
acerca do tema são pontuais e citam Rogers, porém não mantêm diálogos com
as outras teorias pesquisadas.
Speierer (2013) desenvolve o modelo diferencial de incongruência (MDI),
inspirado na ACP. Este modelo tem a incongruência como base teórica para se
pensar um modelo compreensivo e experimental de psicopatologia que permita
“entender as possibilidades e os limites, processos úteis, alvos e resultados da
psicoterapia e do aconselhamento e de outra aplicação do trabalho da
abordagem centrada na pessoa”56 (p. 271). Para ele, a incongruência significa

55
“Mental phenomena can influence biological phenomena just as well as biological phenomena can influence mental
phenomena” (tradução nossa).
56
“Understand possibilities and limits, helpful processes, aims and results of psychotherapy, counselling and other
applications within the person-centered framework” (tradução nossa).

118
um desacordo entre a experiência do indivíduo e seu self, quer seja real, ideal
ou organísmico. Tal incongruência pode ter origens diferentes. Ela pode se
iniciar numa dificuldade social do cliente de perceber a empatia, a aceitação
positiva incondicional e a incongruência por parte da sociedade, causando-lhe
um adoecimento. Ou pode se originar de experiências auto-ameaçadoras, como
no caso das psicoses. E por último, ela pode ser ocasionada em virtude de
situações de adoecimento do corpo. Tal experiência de incongruência ocasiona
sintomas cognitivos, emocionais, comportamentais e organísmicos, com
redução, perda ou prejuízo das funções, acompanhado de uma baixa auto-
estima e sentimentos de inferioridade.
Por meio da tendência atualizante, o indivíduo saudável tenta lidar com
sua incongruência com diferentes estratégias, de forma que suas demandas não
apresentem sintomas de incongruência, ou com perturbações com experiências
de compensação/descompensação da incongruência. Para tanto, faz-se
necessário uma análise da incongruência, que “foi desenvolvida como uma
forma específica de diagnóstico centrado na pessoa”57 (Speierer, 2013, p. 258).
Para ele, o diagnóstico é uma análise das incongruências, e ele desenvolveu
ferramentas para tal análise. Utilizando a gravação das sessões, ele se propõe a
analisar as incongruências dos clientes, por meio do instrumento “Inventário de
Análise das Incongruências”, que dimensiona as experiências de incongruências
dos clientes em quatro categorias. Para tanto, Speierer propõe que o
psicoterapeuta se submeta a um programa de mestrado (Masters Degree
Program at Frankfurt University of Applied Sciences, Frankfurt/Main Germany),
que serve ao treinamento e à supervisão para o exercício eficaz desta proposta
teórica e prática. Acredita, portanto, que o diagnóstico psicológico é análise das
experiências de incongruência da pessoa.
Warner (2000) desenvolveu uma compreensão psicológica que combina a
teoria da abordagem centrada na pessoa com trabalhos na área da psicologia
do desenvolvimento para oferecer um modelo alternativo para a compreensão
da sensibilidade relacional e de experiências afetivas intensas. Baseado nisto e

57
“Was developed as a specific form of person-centred diagnosis” (tradução nossa).

119
explicando o processo dissociativo, afirma que o diagnóstico é uma tentativa de
caracterizar a pessoa como um todo, que pode incorrer em equívocos, pois
“estilos difíceis de processo podem se desenvolver individualmente em uma
combinação variada de um com o outro”58 (p. 145). Para Warner, é necessário
respeitar os diferentes tipos de processos experimentados em diferentes níveis
de intensidade. Desta maneira, o diagnóstico pode oferecer compreensões não
fidedignas à experiência do sujeito se ela não se detiver também aos seus
aspectos individualizados.
Por sua vez, Kahn (2001) integra as ideias de Rogers, Freud, Gill e Kohut
em uma proposta de psicoterapia psicodinâmica colocando ênfase na relação
entre o terapeuta e o cliente. As condições desenvolvidas por Rogers são
fundamentais para que a relação se estabeleça, mas este autor defende que os
insights do cliente são insuficientes como intervenções terapêuticas. As
contribuições de Kohut sobre a experiência humana, bem como as de Freud,
dão sustentação para este modelo de ser humano. De Gill, entende que o cliente
precisa reviver suas experiências num processo terapêutico para conseguir
ressignificá-las. A transferência e a contratransferência, como desenvolvidas no
modelo psicanalítico freudiano, são conteúdos indispensáveis para o
desenvolvimento desta re-experimentação. Acerca do diagnóstico, Kahn (2001)
explica que há duas escolas. Uma preocupa-se bastante com um diagnóstico
desde o início do trabalho com um cliente, dependendo deste para nortear que
tipo de intervenção será proposto, sendo este o diagnóstico psicológico
tradicional que já conhecemos. Nesta vertente, o trabalho com um cliente
diagnosticado como bipolar será bastante diferente daquele com depressão.
Para ele, Rogers, Freud, Kohut e Gill não se incluem nesta proposta de trabalho,
corroborando mais com outra perspectiva que não se preocupa com o
diagnóstico desta mesma maneira. O tipo de tratamento que eles propõem é
para todo tipo de cliente, não se preocupando em dividir os clientes em
categorias. Contudo, aponta que “muitos desses psicoterapeutas rejeitam tratar
clientes com psicoses, que são gravemente retardados, ou que tenham

58
“Difficult styles of processing can develop individually, or in varying combinations with each other” (tradução nossa).

120
problemas orgânicos sérios”59 (Kahn, 2001, p. 175), o que nos fez questionar
como ele reconhece um cliente como psicótico ao ponto de rejeitar tratá-los.
Sobre isto, ele afirma que eles fazem “um contínuo, momento-a-momento,
diagnóstico automático. A maneira que este cliente é neste momento determina
como tal psicoterapeuta se relaciona com ele, e um psicoterapeuta sensível se
relaciona diferentemente com diferentes clientes e com os mesmos clientes em
diferentes momentos”60 (p. 175).
Kahn (2001) parece tratar de um diagnóstico que não é estável, não de
uma categoria formal de nomeação do cliente, como na primeira escola.
Entendemos que o diagnóstico é uma compreensão atenta e sensível do
momento experiencial que o cliente possa compartilhar. Enquanto que na
primeira escola o diagnóstico decide que tipo de intervenção o psicoterapeuta
deve assumir, a segunda propõe uma conduta psicoterápica atenta a cada
momento de cada cliente.
Tudor (2008) faz considerações sobre as contribuições que a
Abordagem Centrada na Pessoa oferece para o cenário da saúde e do bem
estar. Ele discute os conceitos de saúde psicológica ou mental e, neste contexto,
afirma que o modelo médico é cartesiano e dualista, dividindo o sujeito em
mente e corpo. Para ele, “este reducionismo da pessoa ao sintoma e/ou
comportamento é tanto limitante quanto limitador, impreciso, inútil e, em última
análise, anti-humano”61 (p. 162). Postula, então, a importância de considerar o
cliente de forma holística, em que os processos de saúde e doença são
concomitantes, problematizando a noção de homem.
Prouty (1994/2001) apresenta uma proposta psicológica psicoterapêutica
bastante difundida e intitulada de pré-terapia, que é inspirada na abordagem
rogeriana e articulada a outras inspirações filosóficas, como a Gestalt Terapia,
de Fritz Perls, e o conceito de experienciação desenvolvido por Gendlin (2006),

59
“Many of these therapists decline to treat clients who have psychoses, who are severely retarded, or who have serious
organic problems” (tradução nossa).
60
“Make a continual, moment-to-moment, automatic diagnosis. The way this client is at this moment determines how
such a therapist relates to that client, and a sensitive therapist relates differently to different clients and to the same client
at different times” (tradução nossa).
61
“This reductionism of person to symptom and/or behaviour is not only limits and limiting, it is inaccurate, unhelpful and,
ultimately, anti-human” (tradução nossa).

121
como pressupostos para suas propostas interventivas. Prouty (1994/2001) relata
estudos de caso de seus pacientes tratados com sua pré-terapia, nomeando-os
pela classificação diagnóstica, entretanto, não discute como chegou a esta
classificação. Questionamos como este diagnóstico era realizado, mas as obras
contempladas não discutem esta concepção, focando-se mais em explicar sua
pré-terapia.
O tema do diagnóstico psicológico é pouco abordado pelos estudiosos
contemporâneos da ACP. A maioria dos autores relembra o que Rogers
pensava sobre o tema e os que têm uma compreensão mais experiencial da
psicoterapia defendem o diagnóstico por meio desta perspectiva. Mas o tema
não tem uma discussão própria e apenas é discutido quando outras questões
concernindo à prática, à psicopatologia, à psicoterapia ou à filosofia são
refletidas. Percebemos que se trata de um tema pelo qual os autores perpassam
suas considerações, sempre en passant, e assim como Rogers, também não se
detêm sobre ele.

122
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, exploramos a noção de diagnóstico psicológico na


Abordagem Centrada na Pessoa desde quando seu criador Carl Rogers iniciou o
desenvolvimento desta teoria psicológica até os dias atuais em que ela tem sido
trabalhada por diversos pesquisadores. Neste trajeto, foi possível perceber
alterações na noção de diagnóstico psicológico, alterações estas que foram
destacadas à luz de uma compreensão mais abrangente do cenário em que
foram elaboradas.
Antes do início do desenvolvimento da ACP, já havia um modelo médico
vigente de trabalho para as profissões que se propunham a cuidar do ser
humano. Em Rochester, o trabalho de Rogers foi norteado por este modelo de
trabalho, questionando-se o que poderia fazer para auxiliar no tratamento de
crianças problema. Os achados desta pesquisa apontam que o conceito de
diagnóstico psicológico, antes da primeira fase do pensamento rogeriano para a
ACP, fora herdado de outro saber, no caso, da Medicina Psiquiátrica, que lidava
com estas demandas, transferindo para Rogers seus modelos de trabalho e
suas tradições quanto à nosologia, à etiologia, ao diagnóstico e ao prognóstico
que norteiam o atendimento.
A lógica da atividade médica se organiza em torno do profissional que tem
a responsabilidade de tratar o doente, e é por meio do diagnóstico que seu
trabalho se inicia. Assim também atuava Rogers em Rochester. Os aspectos
que circunscreviam o comportamento-demanda da criança, como
hereditariedade, família, educação, composição orgânica seriam os
responsáveis pela problemática, então era preciso descobri-los e compreendê-
los à luz de um diagnóstico, uma visão em profundidade que explicaria a
integração dos fatores que interagiam de forma a ocasionar o comportamento
em questão. Conhecendo estes fatores à luz do diagnóstico, era possível fazer
um planejamento para modificá-los, de tal maneira que, os alterando, interviria
no problema do comportamento.

123
Contudo, mesmo depois de realizar o diagnóstico psicológico que
indicaria os aspectos que pareciam causar os comportamentos, e fazendo as
devidas alterações nestes aspectos, as problemáticas não pareciam ser
solucionadas a longo prazo, ou seja, os efeitos terapêuticos não eram
duradouros, o que levou Rogers a questionar o modelo diagnóstico psicológico
com o qual estava trabalhando. Acreditava que o equívoco estava no modelo e
permitiu-se refletir e questioná-lo. Tentou empreender mudanças nos modelos
diagnósticos herdados, acreditando que seus procedimentos deveriam ser
reelaborados e refinados, desenvolvendo outros modelos, embasado na ciência
tradicional, que se ajustasse a um novo campo de trabalho, como o método
diagnóstico do fator componente.
Da mesma forma, tais tentativas de trabalho com novos métodos
diagnósticos para a psicologia foram frustradas como as anteriores, e Rogers se
desanimou, entrando em seus atendimentos cada vez mais despido destas
ferramentas. Quando o psicoterapeuta emprestou-se aos atendimentos sem
prender-se aos moldes com os quais vinha atuando, parece ter compreendido
que as demandas que atendia não deveriam ser consideradas da mesma forma
que a Medicina o fazia.
Saiu do departamento onde trabalhava em Rochester, em 1939, e não
quis mais fazer ajustes no modelo de diagnóstico psicológico com o qual vinha
trabalhando. Ao invés, adentrando o trabalho no contexto acadêmico em Ohio,
ele se permitiu questionar a noção de diagnóstico psicológico e o próprio modelo
de atuação médica e suas prerrogativas acerca da visão de homem e do papel
do profissional da saúde que se encarrega da sua doença, pois não encontrou
neste um arcabouço suficiente para abordar as questões psicológicas. Assim
motivado, ele acreditou que a melhor maneira para compreender o sujeito era a
partir do próprio sujeito: sem nortear e dirigir os atendimentos como vinha
fazendo até então por meio das entrevistas. É este o deslocamento que marca o
início da sua abordagem que ele denominou de Psicoterapia Não-Diretiva.
Supunha que deveria oferecer ao sujeito a oportunidade de ele próprio dizer de
si da maneira como preferir e que o psicoterapeuta deveria estar atento mais

124
aos conteúdos emocionais do que aos intelectuais do sujeito. Desprendeu-se
das perguntas das entrevistas, colocando em xeque os procedimentos que
aprendera.
Para nós, Rogers refuta a noção de diagnóstico psicológico tradicional,
assim como todas as outras noções com as quais vinha trabalhando, da forma
como as conhecia, presumindo que a atividade de diagnóstico psicológico
poderia não ser a primeira etapa no atendimento de um sujeito, pois o objetivo
frente à pessoa que lhe pede ajuda mudara: não pretendia mais solucionar
problemas, mas sim ajudar o indivíduo a desenvolver-se. Desta maneira, ele se
engaja em oferecer ajuda às pessoas que lhe procuravam por meio de trabalhos
voltados para a psicoterapia, expondo outro deslocamento: do centramento no
problema para o centramento na pessoa do problema. O diagnóstico não
parecia mais ser uma atividade decisória para as intervenções
psicoterapêuticas, pois poderia ser uma mera explicação intelectual do
psicoterapeuta para o cliente, devendo abster-se desse tipo de comunicação,
priorizando reformular e responder ao cliente sobre os afetos que ele
compartilhou. Além disto, o próprio psicoterapeuta poderia cair no erro de
enrijecer-se e ter dificuldades de reconhecer atitudes que não dialogam com a
conclusão diagnóstica pré-concebida.
Neste cenário em que se insere, Rogers, então, afirma que o diagnóstico
poderia ser prejudicial ao paciente, pois nos moldes em que era realizado
concentrava a responsabilidade da atividade no especialista, podendo fazer o
primeiro percebê-lo como autoridade e retirando-lhe sua autonomia e
responsabilidade na relação que eles estabelecem. Aliás, é neste momento que
reformula o termo “paciente” para “cliente”, enfatizando o papel ativo do
demandante que solicita ajuda. Supondo haver uma relação direta entre a
autoridade e a atividade diagnóstica, esta última poderia passar esta conotação
de autoridade de um sobre o outro, então ela deveria ser evitada. Pelo exposto
nesta pesquisa, entendemos que esta relação de autoridade estaria associada à
relação de exercício de poder de um sobre o outro, comprometendo a liberdade

125
do cliente para mostrar-se de forma transparente e sem amarras na relação
psicoterapêutica.
Mesmo afirmando e argumentando que o diagnóstico pode não ser útil
para as intervenções psicoterápicas, faz pequenas ressalvas de que ele poderia
contribuir para apontar ganhos e prejuízos para a psicoterapia. Não se detém,
contudo, em discutir esta afirmação. Valida a importância dos instrumentos
psicológicos para conhecer os diferentes aspectos da dinâmica do cliente, mas
destaca que tal conhecimento não serve aos fins psicoterápicos. Encara os
sintomas como formas de acesso para conhecer o significado de questões mais
profundas do cliente.
Na segunda fase do pensamento rogeriano, a Reflexiva, em que Rogers
encontrava-se em Chicago, percebemos que o psicólogo continua
desenvolvendo uma proposta psicológica que pudesse auxiliar o indivíduo a
desenvolver-se por acreditar na sua tendência atualizante, sendo possível
elaborar suas questões psicológicas por meio de suas relações. Está
interessado em conhecer como o sujeito desenvolve-se na presença das
condições necessárias e suficientes para o estabelecimento de uma relação de
psicoterapia: empatia, aceitação positiva incondicional e congruência. Tais
atitudes do psicoterapeuta precisam ser percebidas pelo cliente. Compreende a
psicoterapia como um processo de experiência e empresta-se a explicar este
processo.
Se para um diagnóstico psicológico tradicional a teoria é o terreno no
quaol os dados encontram sentido, Rogers propôs uma teoria de psicoterapia
em que as informações fornecidas pelo cliente apenas ganham significado em
seu próprio discurso, não em livros e manuais. Alerta para o perigo de informar
um diagnóstico ao cliente, podendo este servir para que o próprio demandante
se atribua percepções não condizentes com sua experiência, mas com o
discurso do especialista, sendo, neste sentido, prejudicial. Desta maneira, sua
teoria sobre a psicoterapia deve ser sempre aberta e parcial, passível de
modificações e inclusões. Ao focar mais e mais o cliente e suas experiências,
afasta-se das propostas centradas em manuais e naquelas que ofereciam

126
primazia ao papel do especialista. Ele renomeia sua proposta: Psicoterapia
Centrada no Cliente.
Está, portanto, interessado em oferecer a oportunidade do cliente, por
meio da relação psicoterapêutica que estabelecem, informar o que pensa sobre
si, como se percebe, o que pretende, permitindo que ele seja o seu próprio
diagnosticador e modificando o modelo de atividade de diagnóstico psicológico
que conheciam até o momento. O psicoterapeuta deve fazer um esforço para
inserir-se na experiência do cliente para obter conhecimento dele a partir da
referência deste último, ao invés de pelas respostas às perguntas que
preenchem a avaliação de critérios exteriores. Parece ser, neste momento, que
sua afirmação de que diagnóstico é psicoterapia alcança sentido.
Neste período, em Chicago, de 1950 à 1957, embora refute o trabalho
com um diagnóstico psicológico tradicional, questiona-se, contudo, sobre as
questões psicossomáticas, em que a queixa orgânica se faz presente. A
necessidade de realização do diagnóstico em virtude da demanda orgânica
prevaleceria? Como o especialista deveria proceder ao receber problemáticas
como esta? Rogers afirmou na obra Psicoterapia Centrada no Cliente que o
especialista deve excluir toda causalidade orgânica para questões psicológicas,
ou seja, sua atividade deve pautar-se na lógica médica, mas em se afastando
toda organicidade do caso, é necessário dar continuidade com um modelo que
permita incluir o restabelecimento da autonomia do sujeito. Além disto, pontua
que mesmo na presença da organicidade, pode ser importante que o terapeuta
convide o cliente a fazer decisões quanto às intervenções psicoterapêuticas.
Assim, o diagnóstico não é uma verdade absoluta sobre o cliente, uma
afirmação atemporal e completa. Rogers parece compreender o diagnóstico
como uma compreensão empática compartilhada dos significados contidos nas
experiências vividas pelos clientes, limitado, incompleto e parcial.
Avançando neste pensamento, os estudos de Rogers o levaram a concluir
que o tipo de relação que cliente e psicoterapeuta estabelecem também poderia
se desenvolver entre as pessoas, e extrapola suas considerações afirmando que
as condições podem estar presentes em todas as relações humanas. Acreditou

127
assim que a aceitação positiva incondicional, a empatia e a congruência devem
estar presentes em qualquer tipo de relação humana.
A forma como Rogers propõe para conhecer seu cliente – diferente da
clássica metodologia diagnóstica da Medicina utilizada na sua época e
inicialmente herdada por ele – deve ser olhando para o seu cliente como um
sujeito ativo e único, grávido de significados possíveis de serem conhecidos por
meio da experiência que relata na relação de empatia, aceitação positiva
incondicional e congruência desenvolvida com o especialista. Um diagnóstico
psicológico pode ser representado para o cliente como uma avaliação ou
julgamento, o que impediria que a aceitação positiva incondicional estivesse
presente em relações humanas genuínas e autênticas. A empatia é a qualidade
de perceber o cliente com os olhos dele, cuidando para não intelectualizar seus
conteúdos e, no caso, um diagnóstico comprometeria este “olhar” por inserir um
quadro de referência exterior ao cliente. A congruência é a habilidade do
psicoterapeuta de deixar-se perceber pelo cliente, o que numa atividade
diagnóstica tradicional era evitada em virtude do parâmetro científico com o qual
o cliente era tratado. O foco do trabalho é a experiência, e Rogers propõe uma
metodologia que não transforme o cliente num objeto. Percebemos que ele
propõe uma mudança de paradigma e não somente uma recusa ao trabalho com
o diagnóstico psicológico clássico.
Mais adiante, Rogers envolve-se no trabalho com grandes grupos, pela
sua crença de que as condições estavam em todos os tipos de relações
humanas. Nesta fase coletiva, assume o compromisso de ajudar a liberar o
potencial humano por meio de processos grupais e, assim sendo, acerca do
tema do diagnóstico psicológico, compreende que este pode ser uma forma de
controle social, retirando os direitos sociais do sujeito e reprimindo sua
autonomia. Como percebemos, a noção de diagnóstico psicológico não é
abordada a não ser entrelaçada às noções que embasam a abordagem centrada
na pessoa, ou seja, elas são problematizadas quando esta noção de diagnóstico
psicológico herdada da Medicina esbarra no desenvolvimento de sua teoria.
Rogers mergulhou, então, no desenvolvimento de um novo campo do

128
conhecimento para abordar de outra forma as mesmas demandas que a
Medicina Psiquiátrica.
Assim, as críticas que a noção do diagnóstico psicológico recebeu são
provenientes de um pensamento rogeriano profundamente comprometido na
crença de que o ser humano é digno de confiança por ter um potencial inerente
para o crescimento, aquilo que ele chamou de tendência atualizante, e muito
divergente dos pensamentos da época acerca do homem. Percebemos, então,
que Rogers foi um importante psicólogo responsável pelo difícil empreendimento
de mudança de paradigma nos cuidados com o sujeito. Talvez seja por isso que
sua abordagem tenha sido tão marginalizada. Profundamente comprometido
com esta visão de homem, Rogers parecia instaurar, por meio de sua teoria,
este novo paradigma sobre o homem e a forma de cuidar dele, que foi
intensamente criticado. Quanto mais considerava o sujeito com um potencial
para o crescimento e a saúde, mais se afastava das antigas noções médicas
herdadas.
Compreendemos que até o momento do falecimento de Rogers, mais do
que criticar ou refutar os antigos moldes de trabalho com o diagnóstico
psicológico tradicional, Rogers apresentou uma nova forma de pensar e intervir
nas mesmas demandas. Ele não afirmou categoricamente que a ACP é a melhor
forma de abordar todas as demandas, mas que deve ser uma de suas
possibilidades. É isto que percebemos nos estudos de muitos psicoterapeutas
pós-rogerianos quanto à ACP: um empreendimento de estudos embasados na
ACP para que ela possa ser aplicada em diversas áreas de atuação e outros
estudos se atrelando a diversas influências filosóficas e psicológicas na tentativa
de ampliar estas possibilidades de atuação.
As contribuições contemporâneas sobre o tema do diagnóstico
psicológico na ACP são bastantes críticas. A maioria dos estudiosos relembram
as discussões de Rogers acerca da ineficácia e do caráter prejudicial do
diagnóstico psicológico tradicional, sendo percebido como rótulo e categoria,
questionando-o dentro de seus contextos de trabalho.

129
A contribuição de Purton (2011) é de que o psicoterapeuta precisa avaliar
e perceber qual a demanda de cada cliente na relação com o psicoterapeuta. O
diagnóstico psicológico, neste caso, é uma avaliação do psicoterapeuta da
relação que ele estabelece com seu cliente para saber se poderá oferecer as
condições que o seu cliente necessita. Neste sentido, a contribuição de Freire
(2011) sobre a empatia como o meio pelo qual o psicoterapeuta tem acesso a
essas informações se faz fundamental para que uma atividade diagnóstica se dê
nestes moldes relacionais. Moreira (2009b) também aponta que a empatia é
uma atitude fundamental para que o psicoterapeuta possa compreender a
experiência de mundo vivido (lebenswelt) do cliente no processo
psicoterapêutico. Ela afirma que “ser empática flui, o que possibilita que eu me
mova também mais livremente no lebenswelt do cliente” (p. 63).
A contribuição de Wilkins e Gill (2003) segue na mesma linha da de
Purton (2011). Eles estudam o tema do diagnóstico psicológico diferenciando os
termos avaliação e diagnóstico e tendo uma compreensão semelhante à de
Purton (2011) sobre o diagnóstico psicológico ser acerca da relação
estabelecida entre cliente e psicoterapeuta. Contudo, com a diferenciação entre
avaliação e diagnóstico, Wilkins e Gill (2003) defendem que o primeiro termo
corresponde a uma análise da relação estabelecida entre psicoterapeuta e
cliente – como o que também propôs Purton (2011) – enquanto que o
diagnóstico está relacionado aos quadros de referência externa para sua
realização.
Bacellar, Rocha e Flôr (2013), Bellas (2009), Levitt (2008), Mearns
(1994/2010) e Pinto (2010b) apontam a relevância da qualidade comunicativa do
diagnóstico psicológico, o que significa que ele é uma linguagem por meio da
qual os profissionais podem se comunicar acerca da experiência do sujeito.
Contudo, não deixam de sublinhar que embora os profissionais consigam se
comunicar melhor entre eles por meio do diagnóstico, esta linguagem pode
afastar o profissional do cliente e tratá-lo como um objeto. Aproxima os
profissionais uns dos outros, mas afasta-os do sujeito, rotulando-o,
categorizando-o. Estes autores chamam a atenção de que as categorias que

130
descrevem esses rótulos diagnósticos são descrições sintomáticas das afecções
psicológicas e não contam a história do sofrimento do sujeito, reduzindo-o a uma
categoria. Para eles é necessário que o psicoterapeuta atenha-se à experiência
do cliente, ao invés de ater-se ao diagnóstico. Cooper e McLeod (2011),
inspirados na filosofia de Levinas, contribuem para esta discussão afirmando o
que há pouco discutimos: que um quadro diagnóstico baseado nesses manuais
é incompatível com uma visão de ser humano como a desenvolvida por Rogers,
que defende a visão individual e única que possa ter do indivíduo e suas
experiências.
O entendimento do diagnóstico psicológico como uma atividade de
compreensão experiencial e processual da dinâmica do sofrimento do sujeito
compartilhada em psicoterapia é discutida por Mearns (1994/2010), Moreira
(2007) e Schmid (2004). Para eles, o diagnóstico psicológico deve ser orientado
para uma compreensão processual do sofrimento experiencial do sujeito, sendo
realizado junto com ele e entendendo-o como mutante nas suas multifacetas de
um diálogo polissêmico de sentidos, com fins psicoterapêuticos individualizados,
pois favorece que o cliente entre em contato com seus conteúdos, com
ampliação da consciência de si mesmo, contribuindo para um constante
processo de autonomia, desenvolvimento, humanização e ressocialização do
sujeito.
Sommerbeck (2003; 2005/2007a; 2005/2007b) contribui para a discussão
do tema do diagnóstico psicológico nas situações em que o psicoterapeuta da
ACP encontra-se trabalhando no contexto psiquiátrico. Para ela, a psiquiatria
tem uma abordagem explicativa dos transtornos necessária para a realização de
um diagnóstico psiquiátrico que tem sua própria metodologia e funcionalidade
para o adoecimento. A ACP pode oferecer um diagnóstico psicológico com uma
abordagem mais compreensiva do sofrimento. Por meio de seus estudos,
entendemos que devemos diferenciar os dois, mas não afastá-los, pois o
diagnóstico psiquiátrico e o diagnóstico psicológico não são opostos. Conforme
ela, eles estabelecem uma relação de complementaridade para a compreensão
das experiências do cliente.

131
A explicitação de Mahfoud (2013) e Tassinari (2009a) sobre a prática do
plantão psicológico é importante para refletir a noção de diagnóstico psicológico
na ACP. Parecendo ser uma prática inserida num modelo de urgência que
recebe as demandas como se fosse num “pronto-socorro”, tenderíamos a usar
um modelo semelhante ao médico para atender as demandas. Mas as
contribuições desses importantes autores ressaltam a necessidade de se
trabalhar com o conteúdo que é trazido pelo cliente de forma divergente da
médica mesmo que chegue ao psicoterapeuta de forma semelhante como o faz
ao médico. Estes autores ressaltaram que é a maneira pela qual o
psicoterapeuta escuta e reflete os conteúdos compartilhados pelo seu cliente,
respeitando como ele o faz, que favorece intervenções terapêuticas eficazes.
Sabendo que muitas vezes as demandas podem necessitar de intervenções
medicamentosas e medidas interventivas não psicológicas, acreditamos que a
perspectiva de Sommerbeck (2003; 2005/2007a; 2005/2007b) pode ser eficaz
para pensar a complementaridade dos trabalhos da psiquiatria e da psicologia
no pronto-socorro, caso o plantão psicológico esteja inserido num hospital geral
neste contexto de urgência.
Diante do exposto nesta pesquisa, percebemos pouca produção científica
relevante em conteúdo e em quantidade no Brasil acerca da noção de
diagnóstico psicológico na ACP. Os poucos autores que publicam estudos sobre
a abordagem não discutiram o assunto até o momento, acabando apenas por
citar os escritos de Rogers sobre o diagnóstico psicológico. A exceção é Moreira
(2007), que apresenta novas propostas a partir da fenomenologia de Merleau-
Ponty e discute o tema à altura de como o fizeram os pesquisadores
internacionais. Foram Moreira (2007) e os estudiosos internacionais que
articularam as propostas da ACP com a noção de diagnóstico psicológico de
formas a expandir as suas possibilidades de compreensão. Percebemos,
contudo, que a quantidade de discussões sobre a noção de diagnóstico
psicológico na ACP ainda não é tão significativa quando equiparada à imensidão
de publicações que envolvem a ACP.

132
Para nós, Moreira (2007) e Schmid (2004) oferecem as contribuições
mais relevantes para pensar a noção de diagnóstico psicológico na ACP. A
colaboração de ambos acerca do diagnóstico psicológico como compreensão
experiencial e processual do sofrimento do sujeito é de fundamental importância
para o trabalho do psicoterapeuta. A relevância de seus trabalhos se elucida
ainda com a proposta da fenomenologia como inspiração para se pensar
possibilidades interventivas diante da limitação metodológica da ACP para a
realização de tal compreensão diagnóstica.
Entendemos que o modelo de diagnóstico psicológico experiencial,
compreensivo e processual permite compreender as questões que
circunscrevem a demanda reclamada pelo cliente, mas não norteia as
intervenções psicoterapêuticas. Compreendemos que esta atividade diagnóstica
é, em si mesma, uma intervenção. Ao ser feita tradicionalmente, ela parece
reforçar a função do médico de autoridade e detentor do saber, e a do paciente
de submisso e obediente às sugestões médicas. É o especialista quem vai
descascando o paciente para compreendê-lo. A intervenção, neste caso,
mobilizada por este tipo de atendimento, é uma tentativa de adesão do paciente
à orientação psicoterapêutica, como o que vemos na atividade diagnóstica
psiquiátrica.
Numa concepção de diagnóstico psicológico como psicoterapia conforme
exposto pela ACP, por outro lado, propõe-se que seja o cliente a tirar por si
próprio suas cascas, oferecendo-lhe a oportunidade de descobrir o que se passa
consigo e sentir este processo de mostrar-se na segurança de uma relação com
o psicoterapeuta. Neste tipo de atividade, a intervenção atua como uma
alavanca que apenas dá partida ao motor do cliente, que percebe que ele
próprio tem seus recursos e suas limitações. Quem descobre as camadas que
circunscrevem a demanda reclamada é o próprio cliente; e o especialista parece
apenas aparar, dar apoio e sustentar quando parecer pesado demais ou
estimular quando o cliente não souber como continuar. Em ambos os casos,
será possível compreender a dinâmica pela qual os aspectos do sofrimento do
sujeito se organizam, mas é na segunda proposta que o cliente se sensibiliza e

133
engaja-se num tratamento eficaz, pois percebe a segurança da relação que
estabeleceu com o psicoterapeuta. Entendemos que não devemos refutar o
diagnóstico psiquiátrico, mas sim incluir o diagnóstico psicológico na abordagem
do sofrimento humano, de forma a compreender o sujeito integralmente. Não
devemos confundir diagnóstico psiquiátrico e diagnóstico psicológico e as suas
funcionalidades. Defendemos, como Sommerbeck (2003; 2005/2007a;
2005/2007b), que eles podem ser complementares.
Entendemos que a ACP evita trabalhar com sintoma, psicopatologia,
doença, transtornos e diagnóstico como forma de se afastar de um modelo que
cinde o sujeito, limita-o e o prejudica. Sobre este assunto, Freire (2011) analisa
que os psicoterapeutas da ACP sentem-se como se nadassem contra a
corrente, pois “a abordagem centrada na pessoa parece desafiar não somente o
modelo médico de psicoterapia mas também a lógica mecanicista, linear e
positivista da ciência”62 (p. 231). Ela explica que “a presença de paradoxos na
abordagem centrada na pessoa não quer dizer que a abordagem seja irracional,
mas indica que esta abordagem tem uma racionalidade distinta”63 (p. 231).
Talvez seja por isto que tenha sido difícil para Rogers trabalhar com as
demandas psicossomáticas: parece-nos que é nesta demanda que diagnóstico
médico e psicológico são forçados a encontrar uma convergência. Assim,
concordamos com a pesquisadora que a racionalidade da ACP é distinta, no
entanto, para nós, faz-se necessário apontar que isto não significa que esta
abordagem seja melhor ou pior do que outra, ou de que possa ser exclusiva.
A questão não é mais se o diagnóstico psiquiátrico e psicológico permitem
ou não conhecer o sujeito, pois, como argumentamos, a resposta parece ser
afirmativa, já que cada um o faz dentro de sua perspectiva. O produto destes
diagnósticos é que não nos parece ser eficaz, não a atividade diagnóstica em si
mesma. Importa, agora, questionar se o modelo tem sido eficiente para
sensibilizar o paciente para o engajamento psicoterapêutico, com resultados

62
“The person-centered approach seems to defy not only the medical model of psychotherapy but also the mechanistic
and linear logic of positivist science” (tradução nossa).
63
“The presence of paradoxes in the person-centered approach does not imply that the approach is irrational, but it
indicates that the approach has a distinct rationality” (tradução nossa).

134
bem sucedidos. Entendemos que a compreensão do psicoterapeuta acerca do
sujeito não o mobiliza a compreender suas problemáticas de forma responsável
e autônoma de tal modo a engajar-se ativamente num tratamento de ajuda.
Descrever o gosto do chocolate não é o mesmo que sentir o seu sabor, ou seja,
prescrever uma medicação não é o mesmo que fazer o paciente aderir a ela.
Parece ser necessário que o cliente possa, ele mesmo, sentir as qualidades do
que experimenta. Em nosso entendimento, a ACP tem contribuições que
conseguem mobilizar o sujeito para este fim.
Portanto, entendemos que a discussão da noção de diagnóstico
psicológico para a ACP não é uma discussão pontual, mas sim uma
oportunidade para reflexão crítica e processual sobre o modelo de assistência
de saúde disponibilizado no campo da saúde mental, debatendo seus limites e
alcances. Defendemos esta noção assim como Moreira e Boris (2013) bem
pontaram acerca do diagnóstico psicológico em Rogers, de que é necessária
“uma mudança de paradigma de rejeição do diagnóstico para uma concepção de
diagnose, não mais como categorização, mas como um processo que ocorre por
meio do reconhecimento, pelo cliente, de sua própria experiência” (p. 158).
Não podemos, contudo, incorrer no erro de afirmar que o paradigma
desenvolvido por Rogers como nova visão de homem e proposta de trabalho é o
modelo mais adequado. Se assim o fizermos, estaremos considerando que a
ACP pode resolver todos os problemas psicológicos humanos e
estabeleceremos a ACP como um dogma, assim como o faz a Medicina com
seu modelo. Acreditamos que, assim como a ACP, o modelo médico tem muito a
contribuir para a compreensão do sujeito. É necessário que saibamos encontrar
a forma como esses dois campos se entrelaçam e se conjugam de forma a
ampliar nossas possibilidades de conhecer o sujeito na sua inteireza e
completude.
Aliás, desconfiamos que Moreira (2007) já esteja apontando uma forma
de compreender este entrelaçamento: a pesquisadora desenvolve estudos de
uma psicoterapia clínica fenomenológica e pesquisas em psicopatologia
embasados, respectivamente, na fenomenologia de Merleau-Ponty e na

135
psicopatologia fenomenológica de Tatossian. Em seus estudos, ela propõe
compreender seu cliente como um sujeito mundano que se constitui de
experiências de mundo com qualidades múltiplas: biológicas, sociais,
ambientais, históricas, culturais, econômicas, dentre outras. Inspirando-se
nestas fenomenologias, a estudiosa tem pesquisado sobre as qualidades das
experiências deste homem mundano, ofertando-nos novas possibilidades de
compreender o ser humano e seu sofrimento. Para nós, estas fenomenologias
são os terrenos profícuos nos quais temos a oportunidade de refletir sobre as
noções de homem e mundo, repensando estas noções nos diferentes
conhecimentos para propormos novas possibilidades de atuação e intervenção,
respeitando a ética dos saberes e de suas práticas.

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