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FILOSOFIA

DO DIREITO – JOÃ O LORDELO

A ULA 3 - CONCEITO DE DIREITO PA RTE I

1. CONCEITO DE DIREITO

Em uma prova, é necessário entender as questões que podem cair a respeito dos temas.

Nas provas objetivas, por exemplo, se for cobrado que Habermas é um autor que pensa no

conteúdo, estaria falso, pois trata-se de um procedimentalista. Em outras questões, pode ser que

seja atribuído a Habermas o entendimento a respeito do véu da ignorância, mas que diz respeito a

um conceito trazido por John Rawls.

P or outro lado, em uma prova subjetiva, pode ser abordada a ideia de democracia

procedimentalista, de liberalismo igualitário, conceito de justiça para os gregos e Aristóteles e a

justiça como um valor universal, político. Nesse sentido, as matérias abordadas nas aulas

anteriores podem ser amplamente cobradas.

Dessa forma, o conceito de direito, assim como a conceituação de justiça, possui muito

significados, muitas variantes. O conceito de direito costuma possuir corrente jusnaturalista,

juspositivista, ao passo que a justiça também pode ser definida desse modo.

Inicialmente, os alunos precisam saber que o conceito de Direito também é

polissêmico.

O direito também ostenta uma polissemia, de modo que há várias formas de observá-lo,

dado que é possível analisar o mesmo fenômeno a partir de diversos critérios. Assim, o direito

pode ser visto sob o aspecto sociológico, filosófico, positivo e nenhuma das visões impede ou

ofusca a outra, visto que são formas diferentes de ver o mesmo, isto é, tais formas não se

anulam.

Uma ideia de direito bastante difundida é a defendida pelo autor Miguel Reale, que afirma,

em sua Teoria Tridimensional, que o direito é um fenômeno multidimensional, pois possui ao

mesmo tempo três dimensões básicas: fato, valor e norma.

O direito observa os fatos sociais, ou seja, a celebração de contrato, o nascimento, os

negócios jurídicos, exercício de voto e prática de crime. Nesse sentido, os fatos sociais são

valorados pelo direito, ou seja, o direito observa os fatos, os valora e os normatiza, prescrevendo

consequências para a realização deles, que devem ocorrer, pois o direito é um dever-ser.

O conceito apresentado por Miguel Reale é analítico, o que consiste em um

aspecto que pode ser cobrado em provas de concursos públicos, por mostrar

organização e divisão a partir da teoria tridimensional, facilitando o

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desenvolvimento de cada uma das dimensões.

1.1. EV OLUÇÃ O DO DIREITO

O professor resumiu as informações aqui trazidas a partir do livro de Tércio Sampaio Ferraz,

grande referência.

Nas sociedades primitivas, o direito consistia em um símbolo de retidão e equilíbrio, de

modo que a palavra direito tem como origem esses dois conceitos. A partir dessa premissa, direito

também deriva da palavra Diké, que diz respeito ao nome da deusa grega da justiça, significando

limites das terras de um homem.

Dessa forma, direito significa equilíbrio, limites, organização e retidão nas sociedades

primitivas.

Ainda no mundo antigo, especificamente em Roma, é importante lembrar que os romanos

aprenderam muito com os gregos, mas aqueles eram muito diferentes destes, uma vez que os

gregos viviam do ócio e filosofando, ao passo que os romanos eram pragmáticos.

Os romanos seriam, hoje, semelhantes aos americanos, pois eram pragmáticos e não

costumavam desenvolver muitos conceitos. Assim, apesar da ideia de posse e propriedade ter

vindo do C ódigo de Justiniano, foram os glosadores germânicos, observando o direito romano, que

desenvolveram os conceitos, enquanto os romanos não se detinham em conceituar, mas

simplesmente aplicar a ideia.

É com os romanos que surge a noção de jurisprudência, noção de aplicação prudencial do

direito, sendo este como um diretivo para a ação. Na antiguidade clássica, o Direito continuava a

ser um fenômeno de natureza sagrada, consistente no exercício de uma atividade ética (a

prudência). Assim, o Direito consiste na virtude moral do equilíbrio e da ponderação do julgamento,

o que justifica a deusa Iustitia estar com os olhos vendados e com a balança na mão.

Dessa forma, a jurisprudência romana aperfeiçoa as ideias das sociedades anteriores,

continua com ideia de retidão e equilíbrio, bem como aprimora a compreensão de Aristóteles de

que o direito é uma atividade ética e se relaciona com equilíbrio e ponderação no julgamento.

C omo dito, em Roma, a ética, direito e moral estavam vinculados, e a jurisprudência tinha

a ideia de aplicação do direito como uma virtude moral do equilíbrio e da ponderação do

julgamento, aperfeiçoando a ideia de Aristóteles e as ideias gregas.

P assando para a dogmaticidade na Idade Média, conforme destaca o professor, a invasão

dos bárbaros foi mais uma ficção, pois estes já haviam sido romanizados e Roma já tinha sido

destruída depois que houve uma tentativa de reconquista. Desse modo, houve um processo

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muito mais de assimilação do que de invasão, e o Império Romano do Oriente continuava


existindo em C onstantinopla.

Depois do período clássico romano, Roma tornou-se cristã e, com a queda do império

romano, veio a Idade Média. Nesta, os bárbaros invadiram Roma e começaram a pensar que o

direito precisava ser observado a partir do que o Império Romano produziu.

A Idade Média é um fenômeno bastante heterogêneo, de modo que, no âmbito inglês, a

Idade Média se dá de forma bastante diferente da Roma do Império Romano do Oriente.

Foi visto que Roma assimilou o C ristianismo, de modo que o Direito na Idade Média passa

a ser visto como um dogma, que não perde o caráter sagrado, mas possui uma dimensão

transcendente, com São Tomás de Aquino e Santo Agostinho.

Dessa forma, a ideia é que o direito passa a ser visto como um dogma sagrado, cristão.

Nesse sentido, com a queda do Império Romano, o C ristianismo está em alta.

Os bárbaros se tornaram cristãos, assim como os reis católicos, que depois vão expulsar os

árabes da península ibérica, eram antigos bárbaros, que serão os responsáveis pela perpetuação

do cristianismo. Outrossim, foi a partir das cruzadas que os reis católicos conseguiram conquistar o

mediterrâneo. Se assim não o fosse, os árabes teriam vindo para a América e, muito

provavelmente, seríamos muçulmanos.

Na idade moderna, a partir do Renascimento, o direito perde o caráter sagrado e torna-se

uma ordenação racional. O direito, no início da idade moderna, continua jusnaturalista, assim como

na idade média, pois havia a ideia de um Direito sagrado e transcendental. Todavia, com o

renascimento, o Direito passa a ser visto como algo racional ligado a técnica, em que o justo é

compreendido a partir da razão. Desta maneira, o direito passa a assumir um caráter sistemático,

objetivo, deixando de ser tão dogmático.

Esse é o elemento motor das revoluções liberais, que passam a perceber que na idade

média, o direito era legitimado pelo poder dos monarcas, fato este que começou a desagradar a

classe dos comerciantes, de modo que estas pessoas começaram a desenvolver a ideia de que o

justo, o direito, deveria ser algo que deriva da razão. Assim, não se concebia a ideia de dominância

pelo só fato de ter nascido em uma família privilegiada.

P artindo desse pressuposto, os burgueses começam a desenvolver um direito mais

jusnaturalista, ligado a concepção de liberdade como um valor maior. Essa visão da liberdade e

também da igualdade começa a ganhar força como uma ordem racional, independentemente do

que está escrito na lei. Nesse sentido, deve prevalecer a liberdade, pois esta é a força motriz da

humanidade.

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C umpre destacar que, a partir disso, há o fomento das revoluções liberais, que retiram os

monarcas do poder e a burguesia assume a direção desses Estados.

Até esse momento, na Idade Média, existia a preocupação de criar um Jus C omune

europeu pois, quando Roma caiu, o direito romano continuou como inspiração para a Idade Média

e esse Jus C omune referia-se a ideia de que a Europa toda deveria seguir o mesmo direito. Esta

pretensão era vista por alguns juristas, com o surgimento das primeiras universidades ainda na

Idade Média.

Na idade moderna, essa compreensão começa a ruir e, quando os liberais conquistam o

poder dão fim ao absolutismo com a Revolução Francesa, Gloriosa, Americana com a C onstituição

de 1787, ocorrerá a positivação do direito no século XIX, haja vista que o direito começa a ser visto

como uma norma posta.

Após a conquista do poder, os liberais difundem a ideia de que a norma deve ser escrita

com a positivação dos valores Jusnaturalistas. Destarte, reafirma a ideia de que todo o

revolucionário depois se torna um conservador, com vistas a manter a vitória.

Ademais, é importante destacar que a Revolução Francesa é muito diferente da

Americana, pois a francesa é o exemplo maior da ideia de separação dos poderes, enquanto que

os americanos tinham a compreensão de equilíbrio entre os poderes - checks and balances.

Dessa forma, na Europa, a ideia é a de que os poderes devem ser bem divididos e que a

norma deve ser escrita, visto que na Revolução Francesa, cultivou-se a ideia de que o juiz deve

apenas aplicar a lei, "boca da lei", não possuindo um papel criativo, pois os juízes do antigo regime,

ou seja, os juízes absolutistas eram vinculados aos monarcas.

EXEMPLO: Montesquieu era herdeiro de um juízo, de modo que as varas judiciais eram

passadas para os membros das famílias de forma hereditária, demonstrando, assim, que o poder

judiciário era Aristocrata na França do antigo regime.

Analisando o exemplo acima, pode-se inferir que o francês revolucionário buscava limitar o

judiciário, o que impediu a adoção pela França dos precedentes vinculantes, adotando, assim, uma

separação rígida dos poderes, assim como uma positivação intensa, em razão da desconfiança em

relação aos juízes.

Atualmente, o direito é concebido como um instrumento decisório, que não se ocupa

apenas com o estudo das normas, mas abrange também métodos de interpretação, aspectos da

filosofia, sociologia, economia. O Direito, no fim das contas, é uma forma de normatizar a

sociedade por meio de elementos decisórios, de modo que as decisões valem-se, não apenas com

a norma posta, mas também de princípios interpretativos da filosofia, da economia, dentre outros.

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Ao longo da história - Idade Média, Moderna e C ontemporânea -, o Direito oscilou entre o

Jusnaturalismo e o P ositivismo.

Qual a diferença entre jusnaturalismo e juspositivismo?

O Jusnaturalismo concebe o direito como algo apriorístico, algo dado e não como algo que é

criado como norma posta, ou seja, diz respeito a uma situação que já existe. Além disso, cumpre

destacar que o Jusnaturalismo é composto por três fases:

1. Jusnaturalismo grego e romano (clássico) - Uma visão cosmológica de que o

direito deriva de uma ordem natural e divina, ao mesmo tempo, que se valia da razão. Assim, o

ser humano conhecia o Direito por meio da razão. Além disso, a ideia de princípios universais de

razão também estava na jurisprudência romana

2. Jusnaturalismo na Idade Média (cristão e transcendental) - As leis buscavam

justificar a manutenção da aristocracia no poder, que era ligada a Igreja. Nesse sentido, na Idade

Média, tem-se um jusnaturalismo teológico, cristão, fundado na ideia de dogmática, no sentido de

seguir os dogmas da Igreja, em que as normas eram reveladas por Deus.

3. Jusnaturalismo na modernidade (racional) - Os burgueses querem romper com o

sistema anterior, em que havia a manutenção da aristocracia no poder, por meio da criação da

ideia de que o justo se aprende com a razão, de modo que não seria racional utilizar o critério do

nascimento como parâmetro de poder. Na Idade Moderna, há grande referência de Hugo Grotius,

com a concepção de valorização do ser humano, ou seja, o humanismo também racional, com o

retorno do jusnaturalismo grego romano.

No jusnaturalismo existe a compreensão de um direito que é anterior ao direito positivo

que o orienta, de modo que o direito anterior ao positivo é universal, com normas imutáveis.

Nesse sentido, no jusnaturalismo não significa que não haverá leis escritas, pois estas sempre vão

existir, inclusive na antiguidade. Ocorre que o jusnaturalismo assevera que a lei escrita convive

com uma lei não escrita, que é universal, anterior, devendo estar de acordo com uma lei não

escrita.

Algumas críticas são feitas ao jusnaturalismo, como Bobbio e Kelsen, que afirmam que o

jusnaturalismo não existe, pois não existem valores universais imutáveis, uma vez que tudo muda

de acordo com o momento e o local.

Dessa forma, Bobbio e Kelsen irão afirmar que o jusnaturalismo acabou se transformando

nos direitos humanos, haja vista que aquele servia como fonte das revoluções. P ortanto, todas as

vezes que alguém pretendia romper com ambientes autoritários e violadores de direito, invocava

os valores do jusnaturalismo.

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No fim das contas, os valores do jusnaturalismo foram positivados, tendo atualmente

cortes internacionais de direitos humanos que sempre estão tentando desconstruir ambientes

autoritários, países não democráticos, com base nestes valores.

P orém, a crítica de Kelsen e Bobbio nasce do fato de que o direito natural não existe, pois

não haveriam direitos imutáveis, podendo servir, inclusive, para perpetuar atrocidades. P or

exemplo, o jusnaturalismo da Idade Média era canônico, centrado na ideia divina, tendo sido

fundamento na inquisição. P ortanto, não deve ser defendida a ideia de existência de um direito

imutável.

Situação diferente ocorre com o juspositivismo, que tem por origem o C ódigo de Justiniano

em Roma, assim como o surgimento do Estado Nacional em Tomas Hobbes, com a ideia de que o

Estado surge em razão de teorias contratualistas, derivando de uma vontade, de modo que a

formação do Estado e, portanto, do Direito seria convencional.

O juspositivismo assevera que não existe uma ordem imutável, com um direito anterior,

consensual e imutável, haja vista que ocorre uma variação. P orém, positivismo varia a depender

do momento, de modo que o seu auge se deu com o C ódigo C ivil de Napoleão e a Escola da

Exegese, sendo que o sistema francês não adotou precedentes obrigatórios, bem como C hecks

and Balances, mas sim a separação rígida de poderes como forma de buscar segurança jurídica.

Fazendo uma comparação, os americanos adotaram os precedentes vinculantes, também

com a ideia de buscar segurança jurídica. Ocorre que os momentos históricos são diferentes, o que

possibilita que diferentes soluções fossem adotadas, apesar dos americanos e franceses

buscavam a mesma ideia de segurança jurídica.

A França repele a aristocracia judicial e o momento mais forte do positivismo vem após a

Revolução Francesa, com o C ódigo C ivil de Napoleão, com a ideia de que o juiz é o mero aplicador

da lei, assim como o objeto do direito é a lei escrita. Dessa forma, apenas a lei escrita é o objeto

do direito e a interpretação desta deve ser literal.

No século XX, Kelsen desenvolve uma ideia mais sofisticada do positivismo jurídico, dizendo

que existe uma função criativa do juiz, mas isso não é o objeto que este objetivava tratar na

ciência dogmática do direito. O autor, neste contexto, reconhece a importância de analisar a

ciência dogmática do direito, que tem como objetivo analisar o direito como um sistema, mas

estabelece que existe uma função criativa dos juízes, o que torna Kelsen menos radical do que os

franceses.

OBSERVA ÇÃ O: P osteriormente, Bobbio será menos radical que Kelsen.

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Desse modo, o positivismo, em seu auge, não admite nenhum papel criativo ao juiz.

Entretanto, Kelsen possibilita esse papel criativo do juiz, assim como outros autores como Hart,

que afirma que o juiz, muitas vezes, está diante de casos difíceis, em que este pode se valer de

um papel criativo.

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