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2) A questão social no Brasil Contemporâneo

Para Wanderley (2000, 2003), discernir a questão social na América Latina


exige atentar às particularidades histórico-culturais das relações sociais na
região em suas dimensões econômicas, políticas, culturais e religiosas, com
acento na concentração de renda e poder e na pobreza das grandes maiorias.
Exige também atribuir visibilidade aos sujeitos que, por meio de seus esforços,
conflitos e lutas atribuem densidade política à questão social, na cena pública:
indígena, negros, trabalhadores urbanos e rurais, mulheres, entre outros
segmentos, que se constroem e se diferenciam nas histórias nacionais.

Na atualidade, identificam-se semelhanças e diferenças na implementação das


chamadas “políticas de ajuste estrutural” na América Latina; elas assumiram
diferentes formas e graus de intensidade no vários países latino-americanos.
Dentre os traços comuns dessas políticas pode-se registrar: maior abertura da
economia para o exterior em nome da maior competitividade nas atividades
produtivas; racionalização da presença do Estado na economia liberando o
mercado, os preços e as atividades produtivas; estabilização monetária, como
meio de redução da atividade pública, com elevado ônus para as políticas
sociais. Os impactos da redução dos gastos sociais e a conseqüente
deterioração dos serviços sociais públicos dependeram das relações entre o
Estado e a sociedade, das desigualdades e das políticas sociais anteriormente
existentes ao programa de “Contra-reformas”.

Esse quadro de radicalização da questão social atravessa o cotidiano do


assistente social que se defronta com segmentos de trabalhadores duplamente
penalizados. De um lado, ampliam-se as necessidades não atendidas da
maioria da população, pressionando as instituições públicas por uma demanda
crescente de serviços sociais. De outro lado, esse quadro choca-se com a
restrição de recursos para as políticas sociais governamentais, coerente com
os postulados neoliberais para a área social, que provocam o desmonte das
políticas públicas de caráter universal, ampliando a seletividade típica dos
“programas especiais de combate à pobreza” e a mercantilização dos serviços
sociais, favorecendo a capitalização do setor privado.
A crítica neoliberal sustenta que os serviços públicos, organizados à base de
princípios de universalidade e gratuidade, superdimensionam o gasto estatal,
assim como a folha salarial dos servidores públicos. Como o gasto social é tido
como uma das principais causas da crise fiscal do Estado, a proposta é reduzir
despesas, diminuir atendimentos, restringir meios financeiros, materiais e
humanos para implementação dos projetos. E o assistente social que é
chamado a implementar e viabilizar direitos sociais e os meios de exercê-lo vê-
se tolhido em suas ações que dependem de recursos, condições e meios de
trabalho cada vez mais escassos para operar as políticas sociais.

Nosso país apresenta uma das piores distribuições de renda do mundo só


superado por Serra Leoa, na África Ocidental. O desemprego concentra-se nas
regiões metropolitanas, que registram as taxas mais elevadas de seu
crescimento com destaque, por ordem crescente para Salvador, Recife, Rio de
Janeiro, São Paulo, além do Distrito Federal. Nestas regiões, a taxa de
desemprego elevou-se de 7% para 13% entre 1995 e 2003.

Desde 1993 aumenta a proporção dos empregados sem carteira assinada


destituídos dos direitos trabalhistas: 13º salário, férias, seguro-desemprego,
FGTS e benefícios previdenciários: auxílio-doença, auxílio acidente de
trabalho, salário maternidade, pensão por morte, aposentadoria. O grupo que
trabalha por conta própria, na sua maioria absoluta encontra-se envolvido em
atividades precárias, o que é testado pelo não acesso aos benefícios da
previdência: 81,9% não contribuem para a previdência social na média
nacional.

A persistência do trabalho infantil é elevada. O Radar Social atesta em 2003,


1,7 milhão de crianças entre 10/14 anos trabalhando e outras 184 mil à procura
de ocupações, ainda que o trabalho infantil tenha diminuído em termos
absolutos e relativos.

3) Sociabilidade capitalista, questão social e Serviço Social


A feição em que se apresenta a questão social na cena contemporânea
expressa, sob inéditas condições históricas, uma potenciação dos
determinantes de sua origem já identificados por Marx expressos na lei geral
da acumulação capitalista e na tendência do crescimento populacional no seu
âmbito.

A questão social expressa, portanto, desigualdades econômicas, políticas e


culturais das classes sociais, mediatizadas por disparidades nas relações de
gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em
causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização.

É na tensão entre re-produção da desigualdade e produção da rebeldia e da


resistência que atuam os assistentes sociais situados em um terreno movido
por interesses sociais distintos e antagônicos, os quais não são possíveis de
eliminar, ou deles fugir, porque tecem a vida em sociedade.

Assim, apreender a questão social é também captar as múltiplas formas de


pressão social, de re-invenção da vida construídas no cotidiano, por meio das
quais são recriadas formas novas de viver, que apontam para um futuro que
está sendo germinado no presente.

Trata-se, no dizer de Iamamotto, de uma “velha questão social” inscrita na


própria natureza das relações sociais capitalistas, mas que na
contemporaneidade se reproduz sob novas mediações históricas e, ao mesmo
tempo, assume inéditas expressões espraiadas em todas as dimensões da
vida em sociedade.

O Serviço social tem na questão social a base de sua fundação enquanto


especialização do trabalho. Os assistentes sociais, por meio da prestação de
serviços sócio-assistenciais – indissociáveis de uma dimensão educativa (ou
produção ideológica) – realizados nas instituições públicas e organizações
privadas, interferem nas relações sociais cotidianas, no atendimento às
variadas expressões da questão social, tais como experimentadas pelo
indivíduos sociais no trabalho, família, na luta pela moradia e pela terra, saúde,
na assistência social pública, entre outras dimensões.
Atualmente a questão social passou a ser objeto de um violento “processo de
criminalização” que atinge as classes subalternas. (Ianni, 1992, 2004 e
Guimarães, 1979). Recicla-se a noção de “classes perigosas” – não mais
laboriosas – sujeitas à repressão e extinção.

A tendência de naturalizar a questão social é acompanhada da transformação


de suas manifestações em objeto de programas assistenciais focalizados de
“combate à pobreza” ou em expressões de violência dos pobres, cuja resposta
é a segurança e a repressão oficiais.

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