Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Islamização da África
Islamização e Tráfico
Sabe se que tanto sob o aspecto geográfico quanto sob o ponto de vista histórico, não se
pode falar da existência de uma e sim de várias "Áfricas". Para efeito do nosso trabalho
levando em conta as áreas que efetivamente tiveram seu destino transformado pela
expansão da ideologia muçulmana vamos, então, inicialmente dividir o continente
africano em duas partes, que seriam respectivamente as grandes áreas acima e abaixo
do Saara. Depois, faríamos uma subdivisão compreendendo, primeiro, abaixo do grande
deserto, o nordeste africano, incluindo os atuais territórios de Somália, Etiópia e parte
do Sudão; e finalmente, uma larga faixa passando mais ou menos pelo meio do
continente, indo do Sudão até o Senegal, acima, e até a República dos Camarões,
abaixo, compreendendo também Mali, Alto Volta, Niger, parte da Mauritânia, Guiné,
Nigéria, Gana, Togo, Costa do Marfim e Chade.
Essa África ao norte do Saara é tradicionalmente conhecida como uma “África Branca”.
Embora a moderna historiografia africana, Cheikh Anta Diop à frente, já fale com
segurança de um Egito absolutamente integrado na África.
Mas as primeiras relações entre o continente africano e os árabes se deram exatamente
naquela porção nordeste do continente, que compreende Somália, Etiópia e parte do
Sudão. Tanto que, até o início da era muçulmana, o que o Mundo conhecia da África era
somente aquela região, o que inclusive, é a razão da denominação "etíope" ter sido
utilizada durante a Antiguidade, e até bem depois, para designar qualquer habitante
negro do continente africano.
Chegando à África, os árabes denominaram a faixa de países a que aludimos acima (do
Sudão ao Senegal e aos Camarões) exatamente de "Bilad As Sudan", ou seja, "País dos
Negros". Daí, inclusive a denominação de "sudaneses" (em contraposição à de "bantos")
através da qual se costumam distinguir os africanos ocidentais.
Mas é evidente que desde muito antes da chegada dos árabes e desde o alvorecer da
humanidade já ocorriam no "País dos Negros" sérias e profundas transformações.
Transformações, inclusive, que faziam nascer civilizações admiráveis.
A partir, como se sabe, de cerca de 4.000 a.C. floresce no Egito uma pujante cultura. E,
por volta de 3.200, núcleos agrícolas já se desenvolvem na Etiópia e nos Alto e Médio
Níger.
De 2.500 a 500 a.C. se processam migrações a partir do Saara, para o sul, o sudeste e o
leste da África. E mais ou menos em 1.080 a.C. o Reino de Cuxe se desenvolve
extraordinariamente, entre os atuais territórios do Sudão e do Egito.
Cerca de 1.000 a.C. povos semitas da Arábia emigram para a Abissínia. Depois, em 715
a.C. o Rei de Cuxe funda no Egito a 25ª dinastia.
Em 553 a.C. Cuxe transfere sua capital de Napata para Meroé, onde, cerca de cinqüenta
anos depois, já se encontra uma metalurgia do ferro altamente desenvolvida. E por volta
do ano 100 a.C. floresce na Etiópia o Reino de Axum.
Quanto à África Ocidental, o tempo que se passou até a chegada dos árabes foi durante
muito tempo considerado um tempo obscuro, face à absoluta ausência de relatos
escritos que só apareceram nos séculos XVI e XVII com o "Tarik Al Fattah" e o "Tarik As
Sudan" redigidos respectivamente por Mohamad Kati e As Saadi ambos nascidos em
Tombuctu no Antigo Mali. Mas o trabalho de arqueólogos de nosso século, aliado aos
relatos da tradição oral, conseguiu resgatar boa parte desse passado. Prova disso é a
descoberta, através de esculturas, utensílios e jóias em bronze e terracota, da chamada
civilização de Nok, que teve seu apogeu na atual Nigéria de 900 a.C. até o século 1 da
era Cristã. Prova também são as obras de arte encontradas em Ifé, anteriores também à
chegada do Islam àquela região.
Em 1910, Leo Frobenius descobria a arte real do Benin e a de Ifé a que a pouco
aludimos. A partir daí, a Europa tomava conhecimento dos inestimáveis acervos
artísticos do Palácio de Behazin em Abomé; das obras em terracota de Sao, na atual
República do Chade; das estatuetas dos países Mandi; dos enfeites de ouro dos Ashanti
e dos Baulê. E através de outras fontes tomava conhecimento, por exemplo, de que o
Império do Gana já florescia no século IV da era cristã, graças ao ouro, à introdução de
novas culturas agrícolas e novos instrumentos.
Antes do efetivo início do processo de islamização do continente africano, como veremos
adiante, o "Bilad As Sudan" vai conhecer um padrão de desenvolvimento bastante alto. E
Gana, Ifé, Oyó e Benin são excelentes exemplos da pujança das civilizações pré
islâmicas da África Ocidental.
Segundo Basil Davidson, Gana floresceu entre os anos 700 e 1.200 da era cristã.
Entretanto, escritores como Philippe Aziz acreditam que o florescimento desse Império
remonte ao século IV.
A capital de Gana se erguia no local hoje conhecido; como Kumbi Salek, na Mauritânia, a
cerca de 330 km ao norte da cidade de Bamako, na República do Mali. E em
contraposição aos exageros de historiadores, como o árabe Al Fazari, hoje já se sabe
que os limites do Império se restringiam apenas a partes dos atuais territórios da
Mauritânia e do Mali, fora, portanto, dos limites da Gana atual.
E sobre toda essa expansão, que examinaremos mais detidamente adiante, cotejando as
diversas fases com os momentos do tráfico de escravos para o Brasil, vale finalmente
transcrever este trecho do historiador alto voltense Joseph Ki Zerbo: “O sucesso da
conquista arábico islâmica constitui, de qualquer maneira, um fenômeno histórico de
primeira importância para os três continentes (Ásia, África, Europa), na junção dos quais
se desenvolveu. Na verdade, na Costa Oriental e através do Saara, os arábico bérberes
vão se entregar a um tráfico de escravos negros, sempre a aumentar até o século XIX.
No entanto, deram à África uma das suas principais religiões e transformaram setores
inteiros de sua paisagem sócio cultural. Com efeito, os intelectuais árabes, geógrafos e
historiadores vão prestar à África o serviço inestimável de dar a conhecer por escrito as
realizações sócio-políticas do Bilad As Sudan, a tal ponto que se pode lamentar não
terem chegado mais cedo".
Islamização e Tráfico
Mandinga é um grupo étnico que compreende os Malinke (povo que ocupa um vasto
território compreendendo o nordeste da Guiné, o sudoeste do Mali, e se estendendo de
leste a oeste da Costa do Marfim até Gâmbia e Senegal) e seus vizinhos Bambara, que
falam quase a mesma língua.
Sobre essa etnia, dizia P.F. Bainier em 1878: "A raça negra compreende os Mandingues
ou Mandingas, os Sôninké, os Ouolofs ou Yolofs e os Sérères. Os Mandingas ou Malinke
vive principalmente nas terras montanhosas (onde o Senegal e Gâmbia têm suas
origens) em toda a Senegâmbia e ao sul da Gâmbia. São comerciantes e industriais; são
o povo civilizador dessa região; propagador zeloso do islamismo, leva a toda parte, com
a religião, suas concepções sobre agricultura e comércio.
Os Malinke são agricultores e os Soninké são, sobretudo comerciantes; e todos são
guerreiros.
Os Mandingas são negros bonitos, grandes, bem feitos, muito bravos, generosos, e têm
fama de muito inteligente; todos os Negros da África ocidental se orgulham de seu
nome.
Os Sussus ou Mandingas convertidos ao islamismo vivem no Soumbaya ou Timmani,
região ao sul da Senegâmbia, banhada pelo Mellacory ou Mellacorée, e outros rios; são
vigorosos e seus escravos cultivam a terra".
Durante, então, a Fase Mandinga, que vai do Séc. XIV ao XVI, guerreiros já islamizados
desenvolvem o legendário Império do Mali que atinge o auge de seu esplendor com a
Mansa Kanku Mussá, como vimos. Mas o Império se torna muito vasto e sem
consistência. A nova geração de líderes não sabe manter a coesão das diversas
populações, que, além disso, se apega cada vez mais ostensivamente à religião
tradicional.
No século XVI, entretanto, o Islam toma de novo a dianteira e atinge o seu apogeu nas
cidades-estados de Gao, Djenê e principalmente Tombuctu, convertidas desde o Século
XI e que eram ponto de encontro de sábios, juristas e letrados em geral. É a Fase
Songai.
Neste período o tráfico de escravos era intenso, inclusive para o Brasil. Isto fez com que
fossem trazidos ao país escravos muçulmanos que, mais tarde, organizariam a revolta
dos malês.
Capítulo V – Os Malês