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Assistência de Formação Shalom

Formação Permanente
Bloco: Maturidade missionária
7° semana

A liberdade interior

Luana Santana
Mantido o tom coloquial

Boa noite, irmãos! Eu me chamo Luana, e nessa noite vamos partilhar um pouquinho sobre
a liberdade interior como a última formação deste bloco formativo em que nós fomos trabalhando
temas relacionados à maturidade missionária. Chegar ao fim desse percurso tratando da liberdade
interior é também retomar algumas coisas que nós ouvimos, algumas coisas que absorvemos
deste percurso formativo.

Nós vimos ao longo das semanas sobre a resiliência, sobre o trabalho de formação da
vontade, sobre a maturidade humana, a ascese, o autoconhecimento, e agora, no fim desse
percurso, nós vamos adentrar no tema da liberdade interior.

Nós podemos começar dizendo que a liberdade interior, a liberdade ela é um tema de
interesse cristão, mas também de um interesse muito grande do mundo. Nós, ao longo dos dias,
com certeza ouvimos muitas expressões relacionadas à liberdade. Nós ouvimos falar de liberdade
de expressão, liberdade de voto, de escolha. Enfim, fala-se de liberdade em vários sentidos, mas
pouco ouvimos falar de liberdade interior, e esse é um aspecto da liberdade que não exclui os
outros, mas que também tem uma importância toda particular, principalmente no nosso caminho
de santidade.

Os santos, nós podemos dizer que eram pessoas livres. É uma das características, podemos
dizer, comum aos santos, essa liberdade. Por meio da vida deles nós podemos também entender a
definição que podemos dizer que é clássica, que é a da liberdade interior, a definição que diz que a
liberdade interior é a liberdade de crer, de esperar e de amar. Os santos foram essas pessoas livres
na sua capacidade, na sua liberdade de esperar, quando tinham talvez até muitos motivos para
não esperar mais ou para se desesperar, aqueles que em situações extremas foram capazes
também de crer, de permanecer firmes no seu caminho de fé, aqueles que em meio a situações
difíceis, mas foram capazes de dar uma resposta de amor. A liberdade que Deus quer nos
conceder é justamente essa: sermos livres para crer, para esperar, e para amar. Esse é o coração
da nossa liberdade cristã.

Para compreender bem talvez seja importante descontruirmos algumas coisas que fomos
ouvindo, que fomos absolvendo daquilo que são características que o mundo dá da liberdade, mas
que no fundo são mentirosas.

Uma das principais e que talvez dificulte o nosso percurso é justamente essa compreensão
de que a liberdade é fazer o que eu quero, da forma como eu penso, desprendido de qualquer
pessoa e de qualquer outra coisa. A liberdade do mundo se traduz como uma independência, mas
a liberdade cristã é encontrada na dependência de Deus, da ação do seu Espírito Santo. Essa é a
nossa liberdade!

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Também nessa linha compreender que esse trabalho, essa busca de crescer na liberdade
interior não é autônoma, não é independente de Deus, mas dependente de Deus. Nós temos
necessidade de sermos introduzidos nesse caminho, de receber como um dom essa liberdade,
porque a liberdade é um dom, e como um dom precioso nós também precisamos aprender a fazê-
lo crescer, a dar frutos 100 por um.

E como é que podemos crescer na liberdade interior? Que passos nós podemos dar para
permitir que a graça trabalhe em nós e nos conduza àquilo que Deus quer? Vamos trabalhar um
pouquinho nesses pontos nessa partilha!

A primeira cosia que devemos entender também é que a liberdade interior é fruto de um
dinamismo, ou seja, não é algo estático, conquistado de uma vez por todas. Não! Ela é algo, como
a própria palavra diz, fruto de um dinamismo, um dinamismo próprio das virtudes teologais no
nosso interior, da fé, da esperança, da caridade, que de uma forma dinâmica dentro de nós
trabalham, crescem, amadurecem, produzem frutos, e que um deles é justamente a liberdade
interior.

No livro “A liberdade interior”1, Jacques Philippe vai dizer isso: “O homem conquista a sua
liberdade interior na medida exata em que a fé, a esperança, e o amor se fortificam nele”. Esse é o
coração da liberdade interior.

Partindo aqui para o primeiro ponto, a liberdade de crer, aquele dinamismo próprio da fé
dentro de nós. No nosso caminho de santidade nós também podemos contemplar de que forma
ele também não foi algo sempre estático, como a vida vai nos pedindo, Deus vai nos concedendo
oportunidades de crescer também nesse sentido, de ver a nossa fé por vezes provada, por vezes
comprovada, por vezes cheia de vigor, cheia de razões, e outro ali sofrendo a ausência, o silêncio,
mas com esse movimento próprio.

Partindo também da própria vida ali do povo de Deus, depois do seu chamamento. A
separação ali diante de todos os outros povos, o Senhor que separa Israel, que o guarda, o liberta
da escravidão do Egito. Depois da longa caminhada concede ao povo chegar na terra prometida,
mas ainda assim encontrando dificuldades provocadas pelos povos vizinhos, mas essa dinâmica de
uma fé.

Nós podemos constatar também um aspecto importante do dinamismo da fé, da liberdade


de crer. Se nós formos analisar, Israel toda vez que sofria de amnésia, esquecia do seu Deus, o
Deus que o tinha libertado e redimido, caindo na amnésia Israel caia na idolatria, e caindo na
idolatria caia na escravidão, perdia a sua liberdade. Essa é, digamos assim, uma fórmula que
também é aplicada a nós. Quando nós esquecemos de Deus, dos Seus feitos, quando a nossa
memória não é capaz de lidar com gratidão, com verdade, diante daquilo que são os feitos de
Deus, mesmo em meio a quadros difíceis ou não, nós podemos cair na idolatria. Caindo na
idolatria, caímos na escravidão, perdemos a nossa liberdade.

Um fator importante para a nossa liberdade de crer, de crescer nessa liberdade, é também
a forma como nós nos relacionamos com a nossa memória. Falamos muito de formação da
inteligência, da vontade, mas falamos pouco de formação da memória. A nossa memória também
deve ser formada, também deve receber, digamos assim, ser alvo desse cuidado, desse trabalho,
desse empenho formativo, porque pode ser alvo de alguns vírus que podem acometer a memória
dos fiéis, que é justamente vírus relacionados a forma como se recorda, como se integra os fatos

1
https://livrariashalom.org/liberdade-interior

2
passados no presente. Vai dizer que têm algumas memórias que sofrem de alguns vírus e se
tornam doentes.

Vou citar alguns tipos de memórias. Nós temos a memória apática, ingrata, ou seja, é
incapaz de extrair do seu passado, daquilo que foi vivido, motivos de gratidão, de louvor. Ela é
apática, não se movimenta, não entra nesse trabalho também de não só fazer memória, mas de
dar razões, de encontrar o sentido.

Há aquela memória também que ela é parcial e seletiva. Só uma parte da vida interessa. Só
uma parte da vida, talvez a mais bonita ou aquela menos dolorosa, que importa. O resto todo é
descartado, não integra, não faz parte da sua vida.

A memória superficial e sensacional: tudo o que eu vivi foi incrível, maravilhoso, tudo me
ajudou e favoreceu, quando na verdade nós sabemos que não é assim.

A memória idealizante e nostálgica, aquela pessoa que é incapaz de no presente ver com
esperança o presente, viver com esperança o presente justamente porque não é capaz de acessar,
digamos assim, esse tesouro, esse baú riquíssimo na sua história de uma forma saudável.

Um dos pontos que queria que refletíssemos diante dessa liberdade de crer é de que forma
nós temos nos relacionado também com a nossa memória. Nós trabalhamos na formação da
nossa memória de forma que esse dinamismo da fé possa ser algo vivo, algo que nos ajude a dar
passos cada vez mais firmes no nosso caminho de santidade? Será que nós trabalhamos a nossa
história apenas no Fio de Ouro, que fizemos no nosso discipulado, no curado para amar? Como
ainda a nossa história é matéria, é lugar, onde as mãos de Deus continuam a trabalhar para nos
tornar santos?

Todos nós podemos fazer a experiência, e sabemos que recordar, tocar em certos aspectos
da nossa história trazem muita dor, mas o objetivo não é simplesmente sentir a dor, mas deixar
que essa nossa dor por vezes, essa nossa falta de compreensão daquilo que passou, se torne um
lugar de encontro com o Ressuscitado. Esse é um dinamismo importantíssimo para a liberdade
interior, porque quem não sabe se relacionar com a sua história, quem não tem essa liberdade de
lidar com a sua história é muito difícil que alcance uma verdadeira liberdade interior.

É uma necessidade para nós crescermos na liberdade interior acessarmos, tocarmos,


formarmos a nossa memória de forma que ela seja uma memória saudável, digamos assim, no
ambiente da fé. Saudável como? Capaz de gratidão. Uma memória saudável é uma memória que é
capaz de gratidão, capaz de olhar os feitos de Deus, capaz de encarar aquilo que se foi vivido de
uma forma grata. Deus que ali, em meio as dores e alegrias, entre os sofrimentos, as labutas,
enfim, encontrar ali os marcos de Deus, a presença de Deus que vai desde ali, em todos os
momentos, nos socorrendo, nos ajudando.

Nós vimos um pouquinho sobre essa liberdade de crer, sobre o dinamismo na fé no


caminho para a liberdade interior, e nós também agora podemos refletir um pouquinho sobre a
liberdade de esperar. Talvez no nosso contexto cultural seja até estranho ouvir falar disso, de
liberdade de esperar. Estamos num contexto em que as mudanças são muito rápidas, em que com
um click o mundo praticamente se transforma, mas nem tudo, como podemos constatar na nossa
vida, é sujeito a essa velocidade de transformação ou de alcançar o objetivo final, a sua forma
final, exige um processo de maturação, que é desafiante para nós lidarmos também. Acredito que
essa é uma dimensão, a liberdade de esperar, que nós precisamos como um todo crescer, deixar
que o nosso olhar, a nossa âncora, como vai dizer São Paulo, ela se firme naquilo que não passa,

3
lançar esta âncora de forma que o mar até balance, e vai balançar, mas que não se perca no meio
da tempestade, no meio das ondas, no meio daquilo que pode nos acometer.

Lugares de aprendizagem da esperança

É interessante que na Spe Salvi2 o Papa Bento XVI vai falar de alguns dinamismos próprios
da liberdade de esperar. Ele vai falar das formas, dos lugares de aprendizagem e exercício da
esperança. Como alguns pontos que ele elenca, eu trouxe particularmente dois para
aprofundarmos.

1. A oração como escola da esperança

Ele vai dizer que um dos lugares de aprendizagem de exercício da esperança é a oração; e
também agir e sofrer como lugares de aprendizagem da esperança. Ele vai dizer que a oração é
uma escola, uma escola da esperança. Escrevendo sobre isso ele vai usar o testemunho do Cardeal
vietnamita, Van Thuan, que passou treze anos na prisão. Uma das razões apontadas para a sua
firmeza e para a sua perseverança foi justamente a sua vida de oração, que passou por várias
provas, dificuldades, não foi sempre constante, mas que ali, na perseverança, encontrou um lugar
seguro no relacionamento com Deus, naquele que o tinha chamado à vida consagrada, à vida com
Ele, o de permanecer, sofrer, mas aprender a esperar. A oração foi a sua escola de esperança:

32. Primeiro e essencial lugar de aprendizagem da esperança é a oração. Quando já ninguém me


escuta, Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém,
a Deus sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me possa ajudar – por tratar-se de uma
necessidade ou de uma expectativa que supera a capacidade humana de esperar – Ele pode
ajudar-me3. Se me encontro confinado numa extrema solidão...o orante jamais está totalmente
só. Dos seus 13 anos de prisão, 9 dos quais em isolamento, o inesquecível Cardeal Nguyen Van
Thuan deixou-nos um livrinho precioso: Orações de esperança4. Durante 13 anos de prisão, numa
situação de desespero aparentemente total, a escuta de Deus, o poder falar-Lhe, tornou-se para
ele uma força crescente de esperança, que, depois da sua libertação, lhe permitiu ser para os
homens em todo o mundo uma testemunha da esperança, daquela grande esperança que não
declina, mesmo nas noites da solidão.

Diz no parágrafo 33:

2
http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20071130_spe-salvi.html
3
Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2657.
4
https://www.vicepostulacao-vanthuan.com/obras-do-cardeal/
Orações De Esperança - Treze Anos No Cárcere -
https://www.americanas.com.br/produto/33837704?opn=YSMESP&sellerid=23152466000370&epar=bp_pl_00_go_liv
_todas_geral_gmv&WT.srch=1&acc=e789ea56094489dffd798f86ff51c7a9&i=5ce75f8849f937f625c1a976&o=5ac4f8a
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“Orar não significa sair da história e retirar-se para o canto privado da própria felicidade. O
modo correto de rezar é um processo de purificação interior que nos torna aptos para Deus e,
precisamente desta forma, aptos também para os homens”.

Nós também, no nosso caminho na nossa vida consagrada, nós precisamos entrar nessa
escola da oração para aprender a esperar também em vista dos outros, em vista dos homens.
Quantos sofrem porque não têm motivos nem razões para esperar?! Como nós também como
aqueles que vivem na sua própria carne essa aprendizagem, como nós também não podemos dar,
não podemos ensinar mais do que somente com palavras, mas com a nossa vida a aprendizagem
dessa esperança, colhida ali no dia a dia da nossa oração, na perseverança da nossa vida de
oração? Aprender a esperar, aprender a ter esperança.

2. Agir e sofrer como lugares de aprendizagem da esperança

Ele vai dizer também que uma das outras formas de aprender a esperança, um lugar de
aprendizagem, é agir e sofrer, e aqui tem uma colocação muito interessante! Ele diz: “35. Toda a
ação séria e reta do homem é esperança em ato”.

35. Toda a ação séria e reta do homem é esperança em ato. É-o antes de tudo no sentido de que
assim procuramos concretizar as nossas esperanças menores ou maiores: resolver este ou aquele
assunto que é importante, para prosseguir na caminhada da vida; com o nosso empenho
contribuir a fim de que o mundo se torne um pouco mais luminoso e humano, e assim se abram
também as portas para o futuro. Mas o esforço quotidiano pela continuação da nossa vida e pelo
futuro da comunidade cansa-nos ou transforma-se em fanatismo, se não nos ilumina a luz daquela
grande esperança que não pode ser destruída sequer pelos pequenos fracassos e pela falência em
vicissitudes de alcance histórico. Se não podemos esperar mais do que é realmente alcançável de
cada vez e de quanto nos seja possível oferecerem as autoridades políticas e económicas, a nossa
vida arrisca-se a ficar bem depressa sem esperança. É importante saber: eu posso sempre
continuar a esperar, ainda que pela minha vida ou pelo momento histórico que estou a viver
aparentemente não tenha mais qualquer motivo para esperar. Só a grande esperança-certeza de
que, não obstante todos os fracassos, a minha vida pessoal e a história no seu conjunto estão
conservadas no poder indestrutível do Amor e, graças a isso e por isso, possuem sentido e
importância, só uma tal esperança pode, naquele caso, dar ainda a coragem de agir e de
continuar. Certamente, não podemos « construir » o reino de Deus com as nossas forças; o que
construímos permanece sempre reino do homem com todos os limites próprios da natureza
humana. O reino de Deus é um dom, e por isso mesmo é grande e belo, constituindo a resposta à
esperança. Nem podemos – para usar a terminologia clássica – « merecer » o céu com as nossas
obras. Este é sempre mais do que aquilo que merecemos, tal como o ser amados nunca é algo «
merecido », mas um dom. Porém, com toda a nossa consciência da « mais valia » do céu,
permanece igualmente verdade que o nosso agir não é indiferente diante de Deus e, portanto,
também não o é para o desenrolar da história. Podemos abrir-nos nós mesmos e o mundo ao
ingresso de Deus: da verdade, do amor e do bem. É o que fizeram os santos que, como «
colaboradores de Deus » contribuíram para a salvação do mundo (cf. 1 Cor 3,9; 1 Tes 3,2). Temos a
possibilidade de livrar a nossa vida e o mundo dos venenos e contaminações que poderiam
destruir o presente e o futuro. Podemos descobrir e manter limpas as fontes da criação e assim,
juntamente com a criação que nos precede como dom recebido, fazer o que é justo conforme as
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suas intrínsecas exigências e a sua finalidade. Isto conserva um sentido, mesmo quando,
aparentemente, não temos sucesso ou parecemos impotentes face à hegemonia de forças hostis.
Assim, por um lado, da nossa ação nasce esperança para nós e para os outros; mas, ao mesmo
tempo, é a grande esperança apoiada nas promessas de Deus que, tanto nos momentos bons
como nos maus, nos dá coragem e orienta o nosso agir.

Toda vez que nós agimos nós estamos ali colocando em ato a nossa esperança, e a grande
diferença da esperança cristã para o mero positivismo é muito grande! Não é porque com as
minhas forças, com as minhas capacidades eu posso obter este ou aquele resultado, alcançar isto
ou aquilo, mas nós temos uma grande esperança! Nós sabemos que o nosso futuro não está nas
mãos do acaso, mas está nas mãos de Deus, pertence a Deus! A nossa vida, como diz o salmista,
está bem segura nas mãos de Deus, bem firme, bem guardada nas mãos de Deus!

E o sofrimento também é um lugar, como ele vai dizer, de aprendizagem da esperança, um


lugar onde nós não só aprendemos, mas exercitamos a esperança, porque nós sabemos que
aquela cruz, que aquele sofrimento particular não vai ter a última palavra, assim como a cruz de
Cristo, o Seu sofrimento, não teve a última palavra, mas a Sua Ressurreição como um mistério
único de amor que nós devemos também passar, experimentar, como um grande ventre onde nós
somos formados, forjados também, para a santidade, e assim alcançarmos a nossa liberdade.
Esperar quando nós não, com medidas humanas, nós não temos nem razão para isso, de não mais
calcular, de não mais medir aquilo que é fruto da minha esperança das minhas mãos, somente por
nós, olhando para as coisas aqui desta terra, mas exercitar, ser livre para esperar contra toda a
humana esperança, não cairmos naquilo que São Paulo vai dizer em Efésios, descrevendo os
homens deste mundo, sem Deus e sem esperança neste mundo, sem esperança porque sem Deus.
Esse é um lugar, um dinamismo precioso na nossa marcha de santidade, porque nos leva, nos
conduz mesmo a não nos perdermos, a meta, a esperança, essa virtude de marcha, de não nos
perdermos em meio àquilo que o tempo nos cobra por vezes.

Nós experimentamos na nossa carne as dores de esperar, mas nós temos razões para
esperar, como a própria experiência contada pelo Cardeal Van Thuan, que ali na prisão aprendeu a
esperar, a alçar o seu olhar a esperar em Deus, esperar de Deus, mas, sobretudo, esperar com
Deus!

Depois de termos refletido já sobre a liberdade de crer, a liberdade de esperar, vamos


refletir agora sobre a liberdade de amar. Para isso eu gostaria que abríssemos a nossa Bíblia em
Romanos 8, 31, onde São Paulo vai dizer:

“Que diremos depois disso? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou
seu próprio Filho, mas que por todos nós o entregou, como não nos dará também com ele todas
as coisas? Quem poderia acusar os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os
condenará? Cristo Jesus, que morreu, ou melhor, que ressuscitou, que está à mão direita de Deus,
é quem intercede por nós! Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A
perseguição? A fome? A nudez? O perigo? A espada? Realmente, está escrito: Por amor de ti
somos entregues à morte o dia inteiro; somos tratados como gado destinado ao matadouro (Sl
43,23). Mas, em todas essas coisas, somos mais que vencedores pela virtude daquele que nos
amou. Pois estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados,
nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem as alturas, nem os abismos, nem outra

6
qualquer criatura nos poderá apartar do amor que Deus nos testemunha em Cristo Jesus, nosso
Senhor."5

Nesta passagem belíssima da Carta de São Paulo aos Romanos nós temos a descrição da
vida, da relação, mas também do próprio interior de São Paulo, que se vê em meio a tantas
dificuldades, provas, mas que antes de tudo se enxerga, se vê como alguém amado por Deus do
qual nada, nenhuma daquelas circunstâncias difíceis seriam capazes de separá-lo do amor de
Cristo, e essa é a chave da liberdade de amar! Em sermos primeiro alvos do amor de Deus! Fomos
amados! Fomos amados e podemos amar!

Padre Cencini também vai explicar, falar um pouquinho sobre isso, dizendo que: “O amor
recebido tende por sua própria natureza tornar-se amor doado”.

Então, começamos falando que a primeira chave, a primeira porta, é justamente esse
reconhecer-se amado por Deus, como filho de Deus, a primeira chave para essa liberdade de
amar, mas que não tem só uma face! Somos amados e agora podemos e devemos amar! E é aqui
que se esconde por vezes muitas dificuldades para nós. Primeiro: não nos reconhecermos como
pessoas amadas por Deus, amáveis diante de Deus, e por isso não conseguimos amar, e essa é
uma realidade que vai tocar a nossa relação conosco mesmos, com os outros, e com Deus. É como
faces diversas de uma mesma moeda.

Esta realidade do amor devido aos outros nos convoca e nos interpela como consagrados,
onde a nossa vida doada, perdida, não em favor de nós mesmos, mas em favor dos outros, e que
grande liberdade é dar sem pedir em troca, doar e encontrar na doação, na oferta, aquele preço
que nada nem coisa alguma poderia suprir.

Também toca de perto essa realidade da nossa evangelização, da nossa vida consagrada,
mas que também toca aquela realidade de amor devido que nós somos chamados, que não é tão
fácil, justamente o amor aos não amáveis. Aqui também se esconde a liberdade, irmãos, amar os
que não são amáveis.

Quando eu estava preparando essa pregação eu lembrava do Padre Christian, e trouxe um


pedacinho do testamento que ele escreveu para partilhar com vocês. O Padre Christian foi um dos
mártires dos Monges de Tibhrine, como são conhecidos. O Padre Christian escreveu uma espécie
de testamento antes de morrer, onde ele se dirigia aos seus amigos, familiares, mas no finalzinho
ele se dirige ao seu perseguidor:

“Por essa minha vida perdida, totalmente minha e totalmente dele, dou graças a Deus que parece
tê-la querido inteiramente para a alegria, apesar de tudo. Neste `obrigado’, em que tudo está dito,
agora, da minha vida, eu certamente incluo os amigos de ontem e de hoje, e vocês, meus amigos
daqui, do lado da minha mãe e do lado do meu pai, de minhas irmãs e meus irmãos e dos seus, o
cêntuplo dado como foi prometido! E a ti também, meu amigo do último instante, que não sabias
o que estavas fazendo. Sim, também para ti eu quero esse ‘obrigado’, e este ‘A-Deus’ cara a cara. E
que possamos nos encontrar, ladrões felizes, no Paraíso, se for do agrado de Deus, o Pai de nós
dois. Amém! 6”.

5
Tradução Bíblia Ave-Maria.
6
Testamento do padre Christian de Chergé - Este extrato do testamento do Padre Christian de Chergé, prior do mosteiro
de Tibhrine, tem duas partes: a primeira foi escrita em Argel, no dia 1º de dezembro de 1993, e a outra em Tibhrine, no
dia 1º de janeiro de 1994. Este documento foi confiado ao La Croix pouco depois da tragédia e publicado no dia 29 de
7
Ou seja, aqui o Padre Christian se dirige ao seu perseguidor e expressa o seu desejo de
encontrá-lo no céu, como dois ladrões felizes no paraíso, os dois! E essa capacidade de amar o não
amável, ali com seu perseguidor, é um exercício que nós também talvez sejamos convidados a
fazer diante de um martírio, mas talvez diante do nosso dia a dia, naquilo que a vida consagrada,
que os nossos compromissos vão nos convocando, nos chamando. Amar aqueles que não são
amáveis, procurá-los. Essa é uma expressão de liberdade. Não condicionar o nosso amor por
aquilo que nós recebemos, mas dar nesta liberdade de quem primeiro recebeu tudo de Deus e
que por isso pode dar de uma forma muito generosa, inclusive àqueles que nós não temos, não
nutrimos num primeiro momento uma simpatia, um afeto, mas a graça de Deus no eleva a dar
essas respostas.

Outro aspecto da liberdade de amar é também a forma como nós nos relacionamos
conosco mesmos, a forma, vamos dizer assim, essa expressão, a forma como nós somos amáveis a
nós mesmos. Não estamos falando de um amor narcisista não, mas estamos falando da justa
estima que devemos ter, e como ela também é uma expressão da liberdade interior. Eu me amo
não porque nutro por mim um amor narcisista, mas porque fui amada por Deus, sou criatura
amada, querida por Deus!

Esse é um aspecto que também nós não podemos descuidar. Trazer diante de Deus, da
nossa oração: será que o que hoje está, vamos dizer assim, tornando mais lento os meus passos
em direção à liberdade interior, a dificuldade que está aqui não é justamente a forma como eu
lido comigo mesmo, a forma como eu me vejo? Talvez se esconde aqui: não me vendo como
amada por Deus, e fico naquela dependência de querer receber mais do que dar.

Acredito que esses aspectos dessa liberdade de amar é muito amplo, mas penso que estes
sejam alguns indicadores importantes para nós aprofundarmos na nossa oração durante essa
semana.

Concluindo esse percurso do bloco formativo da vida missionária, da maturidade


missionária, refletir sobre a liberdade interior nos concede um amplo leque de necessidade de
oração, de aprofundamento. Aqueles que desejarem recomendo a leitura do livro “A liberdade

maio de 1996. A presente versão foi publicada no jornal La Croix, 18-05-2010. “Se algum dia me acontecesse – e isso
poderia acontecer hoje – ser vítima do terrorismo que parece querer abarcar agora todos os estrangeiros que vivem na
Argélia, eu gostaria que a minha comunidade, a minha Igreja, a minha família, se lembrassem de que a minha vida
estava ENTREGUE a Deus e a este país. Que eles soubessem que o Único Mestre de toda a vida não me abandonaria
nesta brutal partida. (...) “Como posso ser digno dessa oferenda? Eu desejaria, ao chegar esse momento da morte, ter um
instante de lucidez tal, que me permitisse pedir o perdão de Deus e o dos meus irmãos os homens, e perdoar eu, ao
mesmo tempo, de todo o coração, aos que me tiverem ferido.” “Eu não desejo este tipo de morte. Parece-me importante
dizer isso. Não vejo, de fato, como poderia me alegrar com o fato de que esse povo que amo seja indiscriminadamente
acusado por meu assassinato. É muito caro para chamar isto de, talvez, a ‘graça do martírio’ atribuí-la a um argelino,
seja ele quem for, especialmente se ele diz que agiu em fidelidade ao que ele acredita seja o Islã. Eu sei do desprezo que
foi empilhado sobre os argelinos indiscriminadamente. Conheço também as caricaturas do Islã promovidas por alguns
muçulmanos. É muito fácil ter a consciência tranquila, identificando essa forma religiosa com os integrismos de seus
extremistas. A Argélia e o Islã, para mim são outra coisa, são um corpo e uma alma. Disse isto com frequência
suficiente, creio eu, no pleno conhecimento de que eu recebi, encontrando lá tantas vezes esse fio condutor do
Evangelho aprendido no colo da minha mãe, minha primeira Igreja, precisamente na Argélia, e, agora, no respeito aos
crentes muçulmanos. (...) Por essa minha vida perdida, totalmente minha e totalmente dele, dou graças a Deus que
parece tê-la querido inteiramente para a alegria, apesar de tudo. Neste `obrigado’, em que tudo está dito, agora, da
minha vida, eu certamente incluo os amigos de ontem e de hoje, e vocês, meus amigos daqui, do lado da minha mãe e
do lado do meu pai, de minhas irmãs e meus irmãos e dos seus, o cêntuplo dado como foi prometido! E a ti também,
meu amigo do último instante, que não sabias o que estavas fazendo. Sim, também para ti eu quero esse ‘obrigado’, e
este ‘A-Deus’ cara a cara. E que possamos nos encontrar, ladrões felizes, no Paraíso, se for do agrado de Deus, o Pai de
nós dois. Amém! Im Jallah!”.
8
interior”, do Jacques Philippe, a Spe Salvi, do Papa Bento XVI, que ele vai indicar alguns
mecanismos que são muito interessantes como aprendizagem da esperança, que citei ao longo da
formação, para que possamos continuar a rezar, a refletir sobre isso.

Espero que essa breve partilha os tenha ajudado, tenha lançado alguns indicadores para
aquilo que depois vai se tornar a nossa oração, matéria na nossa vida. Um grande abraço! Shalom!

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