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Resumo: As áreas de ensino e a pesquisa em História embora façam parte de um mesmo núcleo comum
de reflexões, comportam atualmente um espaço de importantes polêmicas. Nos limites deste artigo
pretende-se apresentar as linhas gerais destes debates: licenciatura e bacharelado, ensino e pesquisa,
relação universidade-educação básica, que longe de afetarem apenas o ambiente propriamente acadêmico
e universitário, dizem respeito a questões reais e vivas com as quais se confrontam os professores e
pesquisadores em História nas diferentes dimensões da sua atividade profissional.
Abstract: Although the areas of education and research in History are part of the same common
nucleus of reflections, they behave presently in a space of overwhelming controversies. This article attempts
to present the general lines of such debates, that far from affecting only the proper academic and college
environments, says something about real and questions with which both professors and researchers of
History confront themselves as they venture in different dimensions of the professional activities.
O ensino de história no Brasil sofreu profun- básicos, os processos de inovação eram limita-
das mudanças com o fim da ditadura militar em dos, senão contraditórios. A ampliação da escola-
1985, mas o processo de renovação dos estudos rização nos anos 1970 foi acompanhada da cria-
históricos começou antes e de forma descom- ção das licenciaturas curtas em estudos sociais a
passada nos seus diferentes níveis de ensino. partir de 1972, incorporando história e geografia
Assim, enquanto nas universidades e nos cursos num único curso universitário, o que desqualifica-
de pós-graduação já se desenvolviam as rupturas va as especificidades do conhecimento histórico.
com o positivismo expresso na história factual e A proposta esvaziava e descaracterizava a função
elitista, incorporando inovações metodológicas e do professor de história na opinião de numerosos
temáticas desde a década de 1960, na área de autores da época. O movimento que propôs a su-
formação de professores voltados para os níveis peração da dicotomia licenciatura versus bacha-
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relado, com a integração entre ensino e pesquisa toriadores que buscavam a cientificidade para
(trazendo para a formação de professores as ino- suas abordagens historiográficas. Buscava-se dar
vações dos cursos superiores), guardava relação continuidade às reflexões de Michel Foucault, um
com a resistência ao estabelecimento desses cur- dos autores utilizados para questionar o caráter
sos de licenciatura curta. Tratava-se de reconhe- emancipatório da escola e a noção de verdade
cer um campo de atuação comum como base para objetiva presente no conhecimento transmitido.
diferentes possibilidades de atuação profissional, Para essa abordagem relativista, o conheci-
que possuía como origem comum a concepção de mento só pode ser avaliado no contexto cultural
ensino e pesquisa intrinsecamente ligados. Essa em que é produzido. Porém, se todos os dis-
questão também estava ligada às propostas de re- cursos fossem igualmente justificados, a busca
gulamentação da profissão de historiador. pelo aperfeiçoamento e pelo desenvolvimento
Assim, a década de 1980 foi marcada por da reflexão histórica se tornaria irrelevante. O
tentativas de ajustes de conta entre as pesquisas relativismo impede ou dificulta a existência de
de ponta em história nas universidades e o ensino qualquer referência didática para o estudo da
na educação básica. O ambiente de redemocrati- história no ensino básico. De outro lado, o his-
zação marcou o período, trazendo propostas que toriador neomarxista inglês Edward Thompson
buscavam fazer da disciplina história um instru- foi utilizado como apoio para as iniciativas que
mento de conscientização que permitisse ao aluno propunham a construção de uma história do co-
entender e agir sobre a realidade vivida. Em 1986, tidiano como alternativa ao abandono dos pe-
o ponto culminante desses debates se cristalizou ríodos lineares da história (história antiga, me-
em São Paulo na proposta inicial da Coordena- dieval, moderna, contemporânea).
doria Estadual de Normas Pedagógicas (Cenp), O referencial de trabalho dos professores de
órgão da secretaria de estado da educação, que, história passou a ser marcado pelas propostas de
em linhas gerais, visava à renovação das formas descartar os livros didáticos e abolir a história cro-
de ensinar história. A proposta envolveu uma nova nológica factual, substituídos pelo ensino de história
geração de professores que buscavam superar a com base em eixos temáticos e materiais didáticos
história factual baseada na memorização por meio alternativos. Nesse sentido, a partir da experiência
de novas alternativas pedagógicas, recusando a dos alunos é que se construiriam as relações en-
simples transmissão dos conhecimentos consa- tre presente, passado e presente. No entanto, na
grados e prontos, objetivando fazer do espaço pe- ausência completa de qualquer referencial crono-
dagógico um lugar de luta social em que o aluno lógico, a possibilidade de trabalhar a história com
se visse como sujeito do seu conhecimento e da base na noção de processo também era sacrifica-
sua história presente. A proposta da Cenp surgia da. Com isso, mesmo as sugestões para utilização
aparentemente com uma imagem progressista e didática da história comparativa a partir de eixos ou
inovadora, embora seus pressupostos teóricos e temas (como a escravidão na antiguidade romana
suas conseqüências práticas não fossem nítidos e no Brasil colonial) se inviabilizava na prática, pois
para muitos professores (Gusmão, 2003). os alunos não possuíam referenciais para efetivar
A Cenp propunha a pesquisa do aluno qualquer comparação. Desse modo, rompia-se
como referencial de aprendizagem. As bases te- qualquer diálogo entre o conhecimento histórico
óricas das inovações sugeridas estavam ligadas existente e a realidade do aluno.
aos autores do pós-modernismo, que, nas áreas Essas propostas foram questionadas não
de humanidades, relativizavam noções de cien- apenas pelos críticos do pós-modernismo, mas
tificidade, de busca da verdade e do estabeleci- também por aqueles que defendiam uma peda-
mento de leis de explicação da dinâmica social. gogia popular. A proposta para o ensino de his-
Na área de história, essas idéias se opunham a tória da Cenp opunha-se ao legado pedagógico
muitos dos pressupostos que orientavam os his- de Paulo Freire (2003), principal representante da
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pedagogia popular. Para esse autor, não se tra- gressão do aluno nos limites de sua zona poten-
ta de negar o conhecimento científico, erudito ou cial de aprendizagem.
universitário em nome do aperfeiçoamento peda- Outro aspecto desse debate encontra-se
gógico permitido pela proximidade com temáticas na proposta de um grupo específico de pesqui-
do cotidiano do aluno. Ao contrário, seria neces- sadores que discordam da identidade comum
sário sempre estabelecer o diálogo entre a cultura entre as áreas de ensino e pesquisa em história.
erudita e a popular: Entre eles, Kátia Maria Abud (2006), autora re-
Para o educador, educando, ferencial nos debates sobre ensino de história,
dialógico, problematizador, o conteú- afirma que “as características da história ensi-
do programático da educação não é nada permitem que ela se estabeleça como um
uma doação ou imposição (um con- novo campo de pesquisa que se afasta da matriz
junto de informes a ser depositado disciplinar em pontos fundamentais”. Equivoca-
nos educandos), mas uma devolução damente, a autora opõe o desenvolvimento da
organizada, sistematizada e acres- consciência histórica por meio do aprendizado,
centada ao povo daqueles elemen- da ciência histórica:
tos que este lhe entregou de forma (...) a ciência histórica mantém
desestruturada. A educação autênti- um quadro de referências de interpre-
ca, repitamos, não se faz de A para tação e de regras de procedimento de
B ou de A sobre B, mas de A com acordo com as quais as teorias são
B, mediatizados pelo mundo. Mundo concretizadas pela experiência histó-
que impressiona e desafia a uns e a rica. O ensino de história tem como
outros, originando visões ou pontos perspectivas orientadoras as teorias
de vista sobre ele. do aprendizado histórico, que explica
o processo evolutivo da consciência
A proposta que busca construir o conhe- histórica dos adolescentes, cuja for-
cimento a partir da sala de aula e da pesquisa mação é objetivo maior no ensino de
do aluno aparentemente se apresenta como pro- história.
gressista, democrática e inovadora, questionan-
do não apenas a cientificidade e a objetividade, Contudo, a consciência histórica é um pro-
conteúdos consolidados pelo desenvolvimento da cesso social e coletivo que pressupõe uma rela-
ciência histórica, mas particularmente o diálogo ção dialética entre a experiência concreta e prática
proposto por Freire entre o conhecimento produ- dos indivíduos em sociedade e a reflexão teórica
zido no ensino superior e aquele emanado das permitida pela ciência histórica pelo conhecimen-
práticas pedagógicas na educação básica. Um to por ela sistematizado. O professor de história é
conjunto de pesquisas recentes demonstrou a o agente de contato entre as duas esferas, permi-
existência de uma progressão lógica no desen- tindo que o conhecimento prévio do aluno se con-
volvimento da compreensão, da explicação e do solide em contato com a ciência histórica. Para
raciocínio histórico de jovens e crianças (Barca, Abud, no entanto, a nova disciplina “ensino de
2006). Essa progressão é possível pela interação história” teria como perspectiva “trabalhar a histó-
entre um conjunto de conhecimentos que o aluno ria vivida e experimentada no cotidiano, a história
traz da sua experiência de vida e a ação do pro- não experimentada, transmitida cientificamente
fessor, apresentando conceitos e explicações já ou não, além da história apresentada pela ciência
sistematizados do passado. O ensino de história histórica”. Para a autora, o conjunto da experiên-
apóia-se num conjunto de conceitos elaborados cia do cotidiano já se constitui como história. Ex-
por critérios científicos. Nesse sentido, o lugar do clui-se a problematização que constrói o conheci-
professor de história é central para permitir a pro- mento histórico. Trata-se de uma investida contra
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do historiador, mas de uni-las numa perspectiva seja a meta central dos cursos superiores de his-
formativa comum. O diálogo com a área peda- tória e condicione sua pedagogia. A capacidade
gógica deve ser muito mais profundo, permitindo pedagógica deve estar inserida na formação do
que, dialogando com a ciência histórica existente, próprio historiador, capacitando-o para o exercí-
a capacidade do aluno em todos os níveis de en- cio da pesquisa e do magistério como componen-
sino para a produção do conhecimento histórico tes indissociáveis.
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