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LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE - Decisões mais importantes do STF e o

STJ no ano de 2020

Pedofilia. Arts. 241-A e 241-B da Lei n. 8.069/1990 e o princípio da


consunção.

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Caracteriza o crime do art. 241-A do ECA oferecer, trocar, disponibilizar,
transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio
de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro
que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
adolescente (pena de 3 a 6 de reclusão e multa).

Já o art. 241-B do mesmo estatuto estabelece que "adquirir, possuir ou


armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro
que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
adolescente" atrai a sanção de 1 a 4 anos de reclusão e multa.

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Qual a imputação adequada a um indivíduo que adquire, armazena e
compartilha imagens pornográficas com crianças e adolescentes? Há
concurso material de delitos ou é possível aplicar o princípio da
consunção para que condutas posteriores à aquisição sejam absorvidas
como post factum impunível?

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Via de regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento
e compartilhamento de material pornográfico infanto-juvenil.

O cometimento de um dos crimes NÃO perpassa, necessariamente, pela


prática do outro , mas é possível a absorção , a depender das
peculiaridades de cada caso, quando as duas condutas guardem, entre
si, uma relação de meio e fim estreitamente veiculadas

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O princípio da consunção exige um nexo de dependência entre a
sucessão de fatos. Se evidenciado pelo caderno probatório que um dos
crimes é absolutamente autônomo, sem relação de subordinação com o
outro, o réu deverá responder por ambos, em concurso material (REsp
1.579.578-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria,
julgado em 04/02/2020, DJe 17/02/2020).

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Outros casos semelhantes:

1 - Resistência (art. 329 do CP) x desacato (art. 331 do CP)

2 - Registro não autorizado de cena pornográfica (art. 216-B do CP) x


compartilhamento de imagens sexuais sem autorização da pessoa capturada
(art. 218-C do CP)

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STJ no ano de 2020

Posse de drogas para uso próprio e a agravante da reincidência

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Reincidência

Art. 63 C.P. - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime,


depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha
condenado por crime anterior.

Art. 7º L.C.P. - Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma


contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no
Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de
contravenção.”

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SENTENÇA PENAL NOVA INFRAÇÃO PENAL CONSEQUÊNCIA
CONDENATÓRIA
DEFINITIVA
CRIME (Brasil ou CRIME REINCIDENTE
63 CP
Estrangeiro)
CRIME (Brasil ou CONTRAVENÇÃO PENAL REINCIDENTE
7º LCP
Estrangeiro)
CONTRAVENÇÃO PENAL CONTRAVENÇÃO PENAL REINCIDENTE
7º LEI CONTRAVENÇOES PENAIS
(Brasil)
CONTRAVENÇÃO PENAL CRIME MAUS ANTECEDENTE
(Brasil)
CONTRAVENÇÃO PENAL CONTRAVENÇÃO PENAL MAUS ANTECEDENTES
(Estrangeiro) (Brasil)
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Embora não tenha havido descriminalização da conduta posse/porte de drogas
para uso próprio, no ano de 2018, as duas Turmas do STJ afastaram a
reincidência em virtude da condenação anterior por porte de drogas para consumo
pessoal.

Em síntese , considerou -se que , não obstante a infração mantenha seu caráter
criminoso , é desproporcional , diante da inexistência de sanção privativa de
liberdade, sopesar a condenação para os efeitos da reincidência.

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De acordo com a decisão proferida no HC 453.437/SP, não se justifica que a
condenação por porte de drogas para consumo pessoal – ao qual não se comina
sanção privativa de liberdade – agrave a pena pela reincidência porque sequer a
condenação anterior por contravenção penal – à qual normalmente se comina
prisão simples – tem esse efeito:

“Cabe ressaltar que as condenações anteriores por contravenções penais não são
aptas a gerar reincidência, tendo em vista o que dispõe o artigo 63 do Código
Penal [e art. 7º. LCP] que apenas se refere a crimes anteriores. E, se as
contravenções penais, puníveis com pena de prisão simples, não geram
reincidência, mostra-se desproporcional o delito do artigo 28 da Lei de Drogas
configurar reincidência.

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A mesma Corte, contudo, revistando o tema, admitiu a configuração da
reincidência específica, notadamente para fins do que disposto no § 4º do art. 28:

“Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste
artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses”.

Sendo reconhecido, reincidente específico, as penas de prestação de serviços e


medida educativa deverão ser aplicadas pelo prazo de dez meses, ao invés dos
cinco meses previstos no §3º, prazo para os usuários não reincidentes.

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Suspensão condicional do processo e sua revogação pela prática da


conduta descrita no art. 28 da Lei n. 11.343/2006.

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Os parágrafos 3.º e 4.º do art. 89 estabelecem, respectivamente, as causas de
revogação obrigatória e facultativa do benefício da suspensão condicional do
processo.

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Se o acusado, no período da suspensão do processo, vier a ser processado por
outro crime, o benefício será necessariamente revogado pelo juiz e a
persecução penal que se buscava evitar retomará o seu curso.

Se o acusado vier a ser processado criminalmente por contravenção penal (e


não crime), o juiz apreciará a possibilidade de revogar o benefício. É uma hipótese
de revogação facultativa,

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E se o beneficiário pela suspensão do processo, durante o período de
prova, vier a ser processado pelo crime do art. 28 da Lei de Drogas
(porte de drogas para uso próprio)?

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Na linha do que já vem decidindo quanto ao efeito da reincidência, o STJ reafirma
a tese no sentido de que o art. 28 da Lei de Drogas, nas causas de
revogação da suspensão condicional do processo, não merece o mesmo
tratamento do crime, mas de contravenção penal ou infração penal “sui
generis”: causa de revogação facultativa (REsp 1.795.962-SP, Rel. Min. Ribeiro
Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe
26/03/2020).

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Posse/porte de arma de fogo de uso permitido, mas com registro


vencido

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A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no julgamento da
Ação Penal n. 686/AP, que, uma vez realizado o registro da arma, o vencimento
da autorização não caracteriza ilícito penal, mas mera irregularidade
administrativa que autoriza a apreensão do artefato e aplicação de multa (APn
n. 686/AP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe de
29/10/2015).

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Esse entendimento da Corte é para o caso da posse da arma, ou
abrange também o porte?

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Tal entendimento, todavia, é restrito ao delito de posse ilegal de arma de fogo
de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/2003), não se aplicando ao crime
de porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003), muito
menos ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16 da
Lei n. 10.826/2003), cujas elementares são diversas e a reprovabilidade mais
intensa (AgRg no AREsp 885.281-ES, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro,
Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 08/05/2020).

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Ricardo Silvares, na obra Leis Penais Especiais-Estatuto do Desarmamento
comentado, ed. Juspodivm, ensina o que segue:

“O encontro da arma nas condições daquele tipo penal, com o registro vencido,
não configura o crime, pois registro existiu e o Poder Público tem conhecimento
da existência da arma e de seu proprietário. Porém, aquele que permanece
com a arma depois de negada a renovação do registro comete o crime do
art. 12.

A solução, contudo, não pode ser a mesma para o crime de porte ilícito de arma
de fogo. É que a autorização para o porte de arma permite a seu titular que
circule com a arma, o que incrementa a exposição do bem jurídico, bem ao
contrário da simples mantença da arma em casa ou local de trabalho”.

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Lavagem de capitais. Afastamento do cargo em razão do indiciamento

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Lei 9.613/98

No âmbito de estudo da lavagem de dinheiro, a definição de quais seriam os bens


ou interesses jurídicos tutelados tem sido tema de grande discussão doutrinária.

Tutela-se a Administração da Justiça ou a Ordem Socioeconômica?

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Tutela-se a Administração da Justiça ou a Ordem Socioeconômica?

Para uns, tutela-se a Administração da Justiça. As condutas colocam em risco a


Administração da Justiça, pois se se apresentam como forma de escamoteamento
do produto do crime, o que dificulta a sua identificação.

Outros autores apresentam como bem jurídico das normas de lavagem de


dinheiro o mesmo bem jurídico do delito antecedente.

Minha posição é no sentido de que o bem jurídico primordialmente protegido pelas


normas de lavagem de dinheiro é a ordem socioeconômica.

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Sujeito ativo

O crime de lavagem de dinheiro é classificado como crime comum, podendo ser


cometido por qualquer pessoa, não se exigindo nenhuma característica específica
ao agente delitivo.

A autolavagem é crime?

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A autolavagem é crime?

Embora autônomo em relação à infração penal que lhe rende a matéria-prima


para a sua prática, o delito de lavagem de dinheiro pode ser cometido tanto por
pessoa distinta, quanto pelo próprio autor do injusto penal antecedente.

A autolavagem (self laundering/autolavado) encontra atualmente amplo respaldo


na doutrina e jurisprudência pátrias

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Sujeito Passivo

O sujeito passivo do crime de lavagem de dinheiro é a coletividade, a própria


sociedade que sofre os impactos negativos provenientes da prática do referido
delito. Quando a ordem socioeconômica se vê violada, toda a coletividade é
afetada, tendo de suportar os desequilíbrios financeiros e as nefastas
consequências que a lavagem de dinheiro provoca.

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São três as fases que compõem a lavagem de capitais:

a) colocação;

b) ocultação; e

c) integração

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Na colocação, o agente criminoso, de posse do produto ou proveito da infração
penal antecedente, inicia a prática de condutas visando à inserção dos valores
espúrios na economia formal.

A colocação pode ser efetuada das mais variadas formas, como, por exemplo, a
conversão dos ativos em moedas estrangeiras, o depósito de valores em espécie
em contas de terceiras pessoas e o envio dos recursos para o exterior, mediante a
simulação de operações envolvendo novas pessoas físicas ou jurídicas.

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Parece-nos que a doutrina estrangeira melhor batizou a segunda fase da lavagem
de dinheiro. Ao invés de ocultação, usa a expressão layering. Sintetiza
perfeitamente o que ocorre nessa fase: a criação de camadas, de cascas que
dificultam a real identificação da essência.

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A fase de integração é o final do processo. É o momento no qual os recursos de
proveniência ilícita, já com aparência de licitude, são reinseridos na economia
formal totalmente dissociados de sua origem espúria.

Nesse momento, o agente criminoso passa a externar riqueza, mediante a


realização de negócios e a aquisição de bens para ostentar o sucesso da
empreitada por ele praticada. É nesse momento que ele coloca em xeque a
efetividade da sua manobra de lavagem de dinheiro.

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Indiciamento

Consiste na imputação a alguém, feita durante o inquérito policial, da prática de


uma infração penal objeto da apuração. Havendo, pois, indícios de que
determinada pessoa perpetrou o crime que é alvo da investigação, cumpre à
autoridade policial proceder a seu formal indiciamento.

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Consequências do indiciamento

Como destaca Sylvia Steiner, “o indiciamento formal tem consequências que vão
muito além do eventual abalo moral que pudessem vir a sofrer os investigados, eis
que estes terão o registro do indiciamento nos Institutos de Identificação, tornando
assim público o ato de investigação. Sempre com a devida vênia, não nos parece
que a inserção de ocorrências nas folhas de antecedentes comumente solicitadas
para a prática dos mais diversos atos da vida civil seja fato irrelevante. E o
chamado abalo moral diz, à evidência, com o ferimento à dignidade daquele que,
a partir do indiciamento, está sujeito à publicidade do ato” (O indiciamento em
inquérito policial como ato de constrangimento – legal ou ilegal. Revista Brasileira
de Ciência Criminais, v. 24, 1998, p. 307).

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Como regra, as consequências do indiciamento – graves por si só – se limitam às
anotações lançadas nos dados sobre os antecedentes do indiciado. Porém, a Lei
9.613/98, que trata da lavagem de dinheiro, prevê drástica consequência, ao
dispor que “em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem
prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz
competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno” (art. 17-D). É
dizer: o mero indiciamento, determinado pela autoridade policial, tem o condão de
acarretar o afastamento do servidor público de suas funções até decisão judicial
em sentido contrário.

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O art. 17-D da Lei de Lavagem de Capitais respeita a CF/88?

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A respeito deste dispositivo, a Associação Nacional dos Procuradores da
República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4911, sob o
fundamento de que há usurpação de função pública, na medida em que a
formação da opinio delicti, em crime de ação penal pública, é ato privativo do
Ministério Público. Sustenta, ainda, que a regra malfere os princípios
constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da presunção da inocência e da
inafastabilidade da jurisdição.

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