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GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA

SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS


INSTITUTO DE GESTÃO DAS ÁGUAS E DO CLIMA
UNIVERSIDADE POPULAR DAS ÁGUAS - UNIHIDRO
IICA – Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura

CURSO BÁSICO DE HIDROLOGIA


AUTOR: PROF. DR. Carlos César Uchôa De Lima

01 – O CICLO HIDROLÓGICO

02 – OS RIOS E AS BACIAS HIDROGRÁFICAS

03 - TIPOS DE CANAIS E PARÂMETROS QUE INFUENCIAM O FLUXO

04 – ÁGUAS SUBTERRÂNEAS E RELEVO CÁRSTICO

05 – MODIFICAÇÕES ANTRÓPICAS DO SISTEMA HÍDRICO EM BACIAS


HIDROGRÁFICAS

SALVADOR, OUTUBRO DE 2008

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AULA 1 – O CICLO HIDROLÓGICO

INTRODUÇÃO
“A Terra é azul”
(Iuri Gagarin)

A Terra é o único planeta do Sistema Solar, onde a água pode ser encontrada
nos estados sólido, líquido e gasoso. Isso faz com que a vida no nosso planeta, se
manifeste em concentrações, intensidades e durações diferentes, assim como, é diverso
também, as espécies de vida que na Terra se manifestam. Tamanha singularidade
mostra a riqueza e a importância que a água possui para a sustentabilidade da vida e
dos mecanismos que se processam para a manutenção do equilíbrio da Terra (LIMA
2008).
Sabe-se que, atualmente, cerca de um terço das crianças do mundo possuem
uma alimentação deficiente, com muitas delas morrendo de fome e sede. Além disso,
mais que 1,2 bilhões de pessoas em todo o mundo, não possuem água em boas
condições para beber. O conhecimento desses fatos se torna ainda mais preocupante,
por sabermos que, a cada minuto que passa, nascem cerca de 200 crianças na Terra.

O CICLO HIDROLÓGICO
“todos os rios correm para o mar, e o mar
nunca está cheio. Do lugar de onde os
rios vieram, para lá eles voltam a correr”
(Eclesiastes, 1:7)

O movimento das águas entre os vários sistemas abertos que compõem o


planeta Terra constituem o ciclo hidrológico (Figura 1). Esses movimentos são
desencadeados pela energia solar que provoca a evaporação dos corpos de água
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líquida e sólida (oceanos, lagos, rios e geleiras) e condensação do vapor d’água sob a
forma de nuvens e transpiração de plantas e animais. Além disso, a força da gravidade
tem um papel importante, pois vai ocasionar a precipitação (queda) de chuva nas
regiões quentes e neve nas regiões frias; as corridas de superfície que formam os
rios; a infiltração da água no terreno, constituindo as águas presentes no solo e, ao
atingirem o lençol freático, as águas subterrâneas.

Figura 1 – O Ciclo das Águas (fonte: SKINNER et al 1999)


- O calor do sol provoca a evaporação das águas líquidas dos oceanos, rios e lagos.
Ocorre também a transpiração de plantas e animais.

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- A água se transforma em um gás, o vapor d’água, que se condensa sob a forma de
nuvens.
- A concentração das nuvens, associadas a diferentes temperaturas, faz com que
partículas de água líqüida se formem e sejam puxadas pela força da gravidade,
provocando a precipitação de chuva.
- Ao atingirem a superfície, a água pode formar as corridas superficiais (córregos,
riachos e rios). Essas águas, também vão sofrer a ação da gravidade, podendo voltar
para os oceanos, acumular nos continentes sob a forma de lagos, ou infiltrar no terreno.
- Ao infiltrar, as águas podem atingir o lençol freático, formando as águas subterrâneas
que vão se deslocar lentamente em sub-superfície.

Uma conseqüência importante do ciclo hidrológico é a configuração das


diversas paisagens do nosso planeta. Os efeitos erosivos e deposicionais dos rios,
ondas e geleiras, associados aos movimentos tectônicos (movimentos ligados à
dinâmica interna da Terra que, dentre outras ações, constroem as montanhas, provocam
terremotos e vulcões), produzem uma diversidade de paisagens que fazem a superfície
da Terra diferente dos outros planetas do Sistema solar.
Vários são os locais onde as águas podem acumular no planeta Terra, a esses
locais, denominamos de reservatórios naturais. Os oceanos, por exemplo, abrigam
97% de água contida na Terra. Os 3% restantes estão contidas nos continentes,
distribuídas em vários reservatórios (Figura 2).

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(a)

(b)

Figura 2 – Os Reservatórios naturais do nosso planeta (modificado de HAMBLIN &


CHRISTIANSEN, 2004):
(a) - Os oceanos, representados pelo cubo azul escuro, possuem cerca de 97% da
água do nosso planeta.
- O cubo menor de cor branca representa a quantidade de água que está nos
continentes, cerca de 3%.
(b) – Ampliação do cubo que contém as águas continentais
- Dentre os reservatórios continentais, as geleiras possuem o maior percentual,
aproximadamente 2,4%, ou seja, 2,4% das águas disponíveis nos continentes
estão sob a forma de gelo nas regiões polares, ou em cadeias de montanhas.
- As águas subterrâneas possuem 0,5% das águas continentais.

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- Apenas 0,1% das águas do nosso planeta são acumuladas nos lagos, na água
de solo, no vapor d’água contido na atmosfera e nos rios.

PRECIPITAÇÃO

A precipitação da água sob a forma de chuva pode acontecer de várias maneiras


(Figura 3). Nas chuvas frontais, as massas de ar quente (mais leves), vão subir ao
encontrarem as massas de ar frio (mais densas). Ao subir, a temperatura diminui. À
medida que se resfria, a nuvem tem menos capacidade de segurar a água. A partir de
então, as pequenas gotas de água começam a crescer e a precipitação ocorre. Nas
chuvas convectivas, o aquecimento da superfície do terreno pela radiação da energia
solar faz com que, o ar aqueça e suba. Ao atingir maiores altitudes, o resfriamento da
massa de ar provoca a formação das chuvas. Em regiões montanhosas, as massas de
ar tentam escapar das montanhas e sobem. Mais uma vez, ao subir, as massas úmidas
de ar se resfriam, chovendo apenas do lado em que a massa de ar sopra. Quando o ar
passa para o outro lado da região montanhosa, ele está sem umidade e, por isso
mesmo, não vai haver chuvas nesses locais.

Observação: O pluviômetro é o aparelho que mede a taxa de precipitação


pluviométrica (queda de água de chuva) em uma estação climatológica de uma região.

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Figura 3 – Tipos de precipitação. As chuvas frontais ocorrem no encontro
entre uma massa de ar fria e uma quente; nas chuvas convectivas o
aquecimento da superfície pela radiação solar, faz com que o ar aquecido
suba e ao atingir elevadas altitudes, precipite; as chuvas orográficas,
ocorrem em regiões montanhosas (Modificado de: http://streams.osu.edu).

INFILTRAÇÃO

Após precipitar a água da chuva pode cair sobre a vegetação de uma região ou,
no caso de uma área sem cobertura vegetal, atingir diretamente o terreno. Neste último
caso, os processos erosivos podem ser acelerados, fazendo com que grande
quantidade de solo seja perdida. Se o terreno for constituído de rocha, o poder erosivo
dos pingos da chuva vai ser pequeno. Caso o terreno seja constituído de material mais

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frágil (regolito ou solo), o impacto sucessivo dos pingos de chuva pode começar a
escavar o terreno. A continuidade da chuva pode gerar pequenas corridas superficiais
de água, que irão formar as ravinas. Com o aprofundamento das ravinas, as águas de
superfície podem encontrar o lençol freático e originar as voçorocas (Figura 4).

Figura 4 – As voçorocas podem ser originadas em terrenos sem cobertura vegetal. No


início há a formação de pequenas ravinas. Com a escavação do terreno, a quantidade
de perda de solo vai aumentando. O processo se agrava, quando a escavação atinge o
lençol freático. A partir de então, a perda de solo passa a ser constante, sem a
necessidade de chuvas (Foto do autor).

A infiltração da água vai depender do tipo de material presente no solo. Solos


constituídos predominantemente de areia (Figura 5) são porosos e facilitam o processo
de infiltração. Em algumas situações, o lençol freático pode estar muito próximo da
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superfície e, nesse caso, mesmo em solo arenoso, pode ocorrer o encharcamento e a
corrida de água na superfície. Solos constituídos predominantemente de argila e lama
possuem baixa permeabilidade (Figura 6), provocando o escoamento superficial em
terrenos inclinados e o encharcamento em áreas planas e alagamento em depressões.

Figura 4 – Marcas de pingo de chuva em solo arenoso. Neste tipo de solo, a infiltração
vai acontecer com mais facilidade devido à alta porosidade (Foto do autor).

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Figura 5 – Em terrenos com sedimentos argilosos e lamosos a água não infiltra
provocando o encharcamento e o escoamento superficial (Foto do autor).

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AULA 2 – OS RIOS E AS BACIAS HIDROGRÁFICAS

INTRODUÇÃO

“Riacho do Navio, corre pro Pajeú. O rio Pajeú vai despejar


no São Francisco, e o Rio São Francisco vai bater no meio
do mar...” (Luiz Gonzaga & Zé Dantas)

Apesar da pequena quantidade de água nos rios (0,001% do total de água da


Terra), os sistemas fluviais são os mais poderosos agentes modeladores da paisagem.
Isso ocorre porque, além de uma ampla distribuição, as águas fluviais se deslocam com
velocidade suficiente para que, juntamente com os sedimentos transportados pelos rios
(areia, cascalho, etc), possa erodir os terrenos por onde passa. Onde quer que
estejamos nós podemos observar evidências do trabalho das águas que correm na
superfície.

Os sistemas fluviais se desenvolvem porque uma porção significativa da água que


cai nas áreas continentais a partir da precipitação, se junta e move-se das áreas mais
altas, para as de altitude menores, puxadas pela força da gravidade. Em sua rota de
retorno aos oceanos, as águas superficiais erodem o terreno, transportando e
depositando sedimentos e sustentando ecossistemas diversos que dependem de
suprimento de água para manter a dinâmica existente nos mesmos.

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O RIO COMO UM SISTEMA NATURAL
O canal de um rio é um conduto construído naturalmente e eficiente para
transportar água. O tamanho e a forma da seção transversal de um canal particular vão
influenciar diretamente no poder de erosão da rocha ou sedimento através dos quais a
corrente flui, bem como, no volume médio de água passando através da seção
transversal do mesmo. Algumas correntes muito pequenas possuem aproximadamente
a mesma largura e a mesma profundidade, ao passo que, rios muito grandes possuem,
freqüentemente, a largura muitas vezes superior à profundidade.

Durante uma chuva torrencial, a água, inicialmente, tende a mover-se para áreas
mais baixas, em lençóis, ou seja, não se canalizam. Após viajar curtas distâncias esses
fluxos começam a concentrar-se em canais bem definidos, constituindo assim as
correntes fluviais ou rios. Outra maneira de uma corrente de superfície se formar é a
partir da junção das águas de nascentes, que brotam, a partir dos sistemas de águas
subterrâneas.

EROSÃO E TRANSPORTE FLUVIAL

O poder de erosão de um rio depende da declividade do canal e da vazão do rio.


Enquanto se movimenta, a água remove e transporta sedimentos (areia, cascalho,
argila) e substâncias dissolvidas quimicamente. Por exemplo, um rio que corre em um
terreno com rochas calcárias, leva dissolvido, grandes quantidades de um sal
denominado carbonato de cálcio (CaCO3). Exemplos desses rios podem ser
encontrados nas cidades de Iraquara e Itaetê, na Chapada Diamantina, Estado da
Bahia. Nessas regiões, haverá uma interação direta entre dois reservatórios de águas
continentais: Os sistemas fluviais e os as águas subterrâneas.
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Outros tipos de material transportados pelos rios são grãos minerais e fragmentos
de rochas erodidos das rochas sobre as quais eles correm (Figura 2). Por exemplo, os
rios São Francisco e Paraguaçu, apesar de possuírem compostos químicos dissolvidos
na água, transportam em maior quantidade os materiais erodidos das rochas. O volume
total de sedimentos transportados e de material dissolvido é denominado de carga de
um rio. Os profissionais da área de geologia e geografia física se referem à carga
depositada de um rio como alúvio ou aluvião.

Figura 2 – Corredeiras em região de alta declividade transportam e depositam


sedimentos mais grossos, tais como areia e cascalho. Os buracos observados no
conglomerado (rocha sedimentar) representam o desgaste da rocha com a passagem de
cascalhos e areia, durante a passagem da água. (Foto do autor).

BACIA HIDROGRÁFICA

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A área total que contribui com água para uma corrente fluvial é denominada de
bacia de drenagem ou Bacia Hidrográfica de um rio (Figura 3). A linha que separa
duas ou mais bacias de drenagem adjacentes é chamada de divisor de águas (Figura
4). As bacias hidrográficas podem ser divididas em sub-bacias com dimensões variáveis,
com algumas delas possuindo menos que 1km2. As grandes bacias de drenagem podem
englobar áreas de dimensões subcontinentais. O Rio Amazonas, é exemplo de uma
grande bacia de drenagem, onde vários países da América do Sul fazem parte da
mesma. Em uma visão sistêmica, podemos definir Bacia Hidrográfica como uma área
constituída por um complexo sistema fluvial, onde além do rio principal e de seus
afluentes, existe um contexto que necessita de uma gestão participativa, capaz de
promover a sustentabilidade dos recursos físicos, biológicos e sócio-culturais de uma
região (LIMA 2008).

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3
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Figura 3 – Em primeiro plano, observa-se uma pequena bacia de drenagem constituída


por vários canais que fluem para um canal principal. Trata-se da junção de pequenas

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sub-bacias (ordens 1 e 2), formando uma bacia maior (bacia de ordem 3). (Foto do
autor).

Figura 4 – Duas pequenas sub-bacias de drenagem, separadas por um divisor de águas


(Foto do autor).

De um modo geral a bacia de drenagem de um rio pode ser dividida em três


subsistemas (Figura 5 ):

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Figura 5 – Os três sistemas de uma bacia hidrográfica (veja texto para detalhes). (Fonte:
HAMBLIN & CHRISTIANSEN, 2004)

(1) O sistema coletor consiste de um arranjo de vários afluentes, em uma região de


cabeceira (regiões mais altas), coletando e afunilando água e sedimentos para o rio
principal. No sistema coletor, por conta da alta inclinação do terreno, predomina a
erosão, embora haja também transporte e, em menor proporção, deposição de
sedimentos. Nessas regiões, a deposição de cascalhos predomina, havendo também
deposição, em menor quantidade, de grãos de areia. Devido a alta declividade do
terreno, são originadas muitas corredeiras e cachoeiras (Figura 6). Como exemplo,
podemos citar a bacia do Rio Paraguaçu, que tem o seu sistema coletor na Chapada
Diamantina.

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(a)

(b)

Figura 6 – Corredeiras (a) e cachoeiras (b), comuns no Sistema Coletor de uma bacia
hidrográfica (Fotos do autor).

(2) o sistema transportador é constituído pelo rio principal e alguns afluentes. O rio
principal (Figura 7) funciona como um canal através do qual água e sedimento se move
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do sistema coletor para o oceano. Como o nome sugere, no sistema transportador
predomina o transporte em relação à deposição e à erosão. A inclinação do terreno é
menor que no sistema coletor. Quando a vazão diminui, a velocidade da água também
diminui, havendo a deposição de areia e pequenos cascalhos no leito do rio, originando
as barras. Sedimentos mais finos, tais como silte e argila, se depositam nas áreas de
inundação.

Figura 7 – Curso médio do Rio São Francisco, mostrando barras arenosas no seu leito.
Observe também que alguns afluentes existem, porém em quantidade bem menor do
que no sistema coletor. Quando a vegetação cresce nas barras, elas param de migrar,
originando as ilhas fluviais (Foto do autor).

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(3) o sistema dispersador é constituído de um ou mais canais na desembocadura do
rio (Figura 8). Quando constituído de vários canais, estes são denominados de
distributários, por distribuírem água e sedimentos na desembocadura do rio, formando
os deltas (Figura 9). Quando os deltas estão ausentes, pode haver o alargamento do
canal no sistema dispersador, formando os estuários. Os sedimentos e a água trazidos
pelo rio são dispersos nos oceanos, em um lago, ou em uma bacia seca. Nesse sistema
a deposição é predominante, havendo pouco transporte e quase nenhuma erosão.

Figura 8 – Foz do rio São Francisco. Observe a mancha de sedimentos que se forma
após o rio desaguar no oceano (Fonte Google Earth).

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Figura 9 – O Rio Amazonas, mostrando todo seu sistema transportador e dispersador.
Observe que, próximo à sua foz, ele se divide em canais distributários. A cor amarelada
na foz mostra a imensa quantidade de sedimentos que o maior rio do mundo leva ao
mar (Fonte: BBC).

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AULA 3 – TIPOS DE CANAIS E PARÂMETROS QUE INFUENCIAM O FLUXO

INTRODUÇÃO

“O mesmo homem não atravessa o mesmo rio duas


vezes...” (Provérbio Oriental)

Ao se observar um rio, a maioria das pessoas não tem uma dimensão precisa de
sua história, seus percursos, o tempo que ele existe, o quanto de água e sedimento já
passou pelo seu leito. Ao longo do tempo, cada rio, tal como um ser vivo, tem sua
história de nascimento, vida e morte... Alguns existem há muitos milhões de anos, outros
têm apenas alguns milênios. Muitos têm seu formato modificado durante as suas etapas
de desenvolvimento. Em seu trajeto, um rio pode também adquirir várias formas,
retilíneos, em curva, entrelaçados... Todas essas características mostram o quão diverso
é um rio e o quanto ele pode ter de histórias e segredos acumulados em tempos, que
nem mesmo os seres humanos estavam presentes na Terra. Quem consegue perceber
a existência de um “algo mais”, nesses grandes agentes modeladores da paisagem,
devotam-lhe, no mínimo respeito pela importância que eles possuem por veicular a água
e propagar a vida pelos continentes.

PRINCIPAIS TIPOS DE CANAIS


1 - Canais Meandrantes: (Figura 1)
Em muitos rios os canais formam curvas denominadas de meandros que
ocorrem mais comumente em rios que fluem sobre aluviões finos (areia fina, silte e
argila) e que possuem inclinações suaves. O padrão meandrante reflete a maneira na
qual o rio minimiza a resistência ao fluxo e dissipa energia tão uniformemente quanto
possível ao longo de seu curso. A mudança quase contínua, ou migração de um
meandro ocorre pela erosão na sua curva externa. Isto ocorre, porque nesta área a
velocidade do fluxo é maior. Por outro lado, na parte interna do meandro, devido à baixa

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velocidade da água, o sedimento vai acumular, formando uma feição denominada de
barra em pontal (Figura 2). Sempre que um meandro que estiver erodindo sedimento
arenoso encontra outro tipo de sedimento mais resistente à erosão, tal como argila, a
migração do meandro ocorrerá de forma mais lenta. Enquanto isso, o segmento do
meandro a montante (sentido contrário ao que o rio corre) que estiver migrando sobre
aluvião arenoso, migra mais rápido, podendo ocasionar o encontro de duas partes do
rio, provocando um atalho no curso do mesmo, originando um lago de meandro
abandonado (Figura 3).

Figura 1 – Principais tipos de canais fluviais (adaptado de TEIXEIRA et al. 2000).

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Figura 2 – Perfil de um meandro (curva do rio). A velocidade da água no lado externo do
meandro é maior, provocando a erosão. No lado interno, a velocidade é menor,
ocorrendo então a deposição dos sedimentos erodidos dos meandros anteriores (Fonte:
HAMBLIN & CHRISTIANSEN, 2006).

Figura 3 – Trecho meandrante de um rio, mostrando dois lagos de meandro abandonado


(Fonte: SKINNER et al 1999).
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2 - Canais entrelaçados:
São formados quando um rio possui uma seqüência de canais interconectados
(Figura 4). Isso ocorre devido ao fato do rio não possuir capacidade de transportar toda
a sua carga sedimentar, depositando-a sob a forma de barras que, localmente divide o
fluxo concentrando-o nos segmentos mais profundos do canal que ocorrem ao lado das
barras. Quando uma barra se forma, ela pode emergir acima da superfície da corrente
como uma ilha e se tornar estabilizada pela vegetação que, aprisiona os sedimentos e
inibe a erosão. Um padrão entrelaçado tende a se formar em correntes possuindo
descargas altamente variáveis e margens que podem ser erodidas facilmente,
fornecendo uma carga sedimentar abundante para o canal.

Figura 4 – Trecho de um rio entrelaçado (Fonte: www.uoregon.edu/...braided)


3 - Canais retilíneos:
São considerados canais retilíneos, aqueles com baixa sinuosidade. Algumas barras
laterais podem se formar em leitos arenosos (Figura 5). Em leitos rochosos, os canais
retilíneos podem estar inseridos em zonas de fraqueza das rochas, tais como falhas e
fraturas geológicas, originadas durante o período de tectonismo mais significativo,
sofrido pelos corpos rochosos.

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Figura 5 – Trecho retilíneo do Rio São Francisco. Observe a formação de barras
arenosas laterais (Foto do autor).

4 - Canais anastomosados:
Esses canais são típicos de áreas com baixa inclinação do terreno, alto índice
pluviométrico e vegetação bem desenvolvida. Esses fatores, associados à fina
granulometria dos sedimentos, pode fazer com que um canal se divida em dois ou mais
canais que, eventualmente, podem se unir à jusante (sentido para onde o rio corre),
formando novamente um canal único (Figura 6).

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Figura 6 – Vários canais que se separam e se reagrupam, evidenciando um aspecto
anastomosado. Esses rios são mais comuns em regiões de baixa declividade e muita
umidade. (Fonte: www.geo.uu.nl/fg/.../02anastomoserend.jpg).

INUNDAÇÕES

A distribuição irregular de chuva ao longo do ano provoca inundações nas


estações chuvosas. Uma inundação (Figura 7) ocorre quando a vazão de um rio se
torna tão grande que excede a capacidade do canal e a água ultrapassa os bancos dos
canais. A população afetada por inundação é freqüentemente surpreendida. Contudo,
estudos geológicos de depósitos de inundação mostram claramente que inundações são
eventos normais e esperados.

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Como a descarga aumenta durante uma inundação, a velocidade também
aumenta. Isto permite a corrente de transportar uma carga maior, bem como, partículas
maiores. Em inundações extremas, blocos rochosos com algumas toneladas de massa
podem ser transportados. Isso mostra a capacidade de transformação da paisagem que
esse agente geológico, o rio, pode efetuar. Inundações extremas ocorrem com pouca
freqüência, talvez uma em vários séculos. Mesmo as inundações maiores, que deixam
evidências no registro geológico, podem ser vista como eventos catastróficos que
ocorrem raramente mesmo na escala de tempo geológico.

Figura 7 – Um rio anastomosado em dois períodos diferente. Em período de pouca


chuva a água permanece correndo confinada aos canais. Em período de alta
pluviosidade, a água ocupa toda sua planície de inundação (Fonte: SKINNER et al 1999)

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VARIÁVEIS QUE INFLUENCIAM NA DINÂMICA FLUVIAL

Uma corrente fluvial é um sistema natural complexo; o seu comportamento é


controlado por cinco fatores básicos:

1 – Largura e profundidade média do canal (Figura 8):

Figura 8 – (A) Canais estreitos e profundos tendem a erodir suas margens. Canais com
esse formato são mais comuns em regiões com rochas muito resistentes, formando
vales emparedados e profundos; (B) canais rasos e largos têm tendência em erodir seu
leito. Muitos canais dos rios que correm na Região Nordeste do Brasil possuem esse
formato; (C) Todos os canais tendem a adquirir um perfil em semicírculo (forma estável).
Com esse formato a velocidade da água é maior, por possuir uma área de atrito menor
com as margens e o leito (Fonte: HAMBLIN & CHRISTIANSEN, 2004).

2 - O gradiente do canal (Figura 9):

Se nós medirmos a distância vertical que um rio desce entre dois pontos
diferentes ao longo do seu curso, nós obtemos o gradiente do canal entre os pontos
medidos. O gradiente médio de um rio numa região montanhosa pode alcançar ou
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ultrapassar 60m/km, ou seja, para cada quilômetro percorrido, o desnível topográgico é
de sessenta metros. A medida que se aproxima da desembocadura de um grande rio, o
gradiente vai diminuindo, podendo atingir 0,1m/km. De um modo geral, o gradiente de
um rio diminui para jusante (sentido em que o rio corre), embora essa queda não ocorra
de forma gradual. Por exemplo, onde o canal passa de uma rocha mais resistente para
uma erodida mais facilmente, quedas d’água podem se formar.

Figura 9 – O gradiente do canal (declividade da superfície) vai diminuindo da região


montanhosa para as planícies. A medida que o gradiente diminui, a forma do vale do rio
vai modificando de um formato em “V” (A), até uma forma de “U” aberto. Observe que o
volume de agia também aumenta do maior para o menor gradiente. Isto acontece
porque os rios passam do sistema coletor para o sistema transportador (Fonte:
SKINNER et al, 1999).

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3 – A velocidade média da água. (Figura 10)

Figura 10 – A velocidade da água é menor no fundo e próximo as margens do canal e


maior, próximo à superfície e no centro do canal (Fonte: HAMBLIN & CHRISTIANSEN,
2004).

4 – A descarga, que é a quantidade de água passando por ponto de um canal durante


um intervalo de tempo definido.

Medidas de canais naturais mostram que quando a descarga muda, a velocidade


ou a forma do canal, ou ambos também variam. Esse relacionamento pode ser expresso
da seguinte forma: D = Av onde, D é a descarga em m 3/s; A é a área da seção
transversal do canal (largura x profundidade média em m 2); e v é a velocidade média em
m/s. Mudanças nessas variáveis ocorrem comumente durante chuvas torrenciais,
fazendo com que a descarga aumente. Com o aumento da descarga, a velocidade
também aumenta. Isto pode ocasionar um processo erosivo maior provocando o
alargamento do canal, tornando o fluxo mais veloz em aluvião e mais lento em locais
onde o rio corre sobre rochas. Quando a descarga diminui, as dimensões do canal
também decrescem, pois, parte da carga transportada a velocidades maiores passa a
não ser mais transportadas com a diminuição da velocidade, se constituindo em leito
para que o rio possa fluir.
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5 – A carga de sedimento (Figura 11) também vai influenciar na dinâmica do rio, exceto
o material dissolvido que, geralmente, possui pouco ou nenhum efeito no seu
comportamento.

Figura 11 – A carga de um rio pode ser transportada por rolamento (sedimentos mais
grossos), saltitação e suspensão (sedimentos mais finos). A carga dissolvida são íons
não visíveis a olho nu (usualmente sais como cloretos e carbonatos). (Fonte: HAMBLIN
& CHRISTIANSEN, 2004).

Viajando ao longo do rio de sua cabeceira para a sua foz, percebe-se ajustes
ordenados ao longo do canal (Figura 12). Por exemplo, (1) a largura e a profundidade do
canal aumentam, (2) o gradiente diminui; (3) a velocidade aumenta; e (4) a descarga
aumenta. O fato da velocidade aumentar para a jusante parece contradizer a
observação comum de que a água corre veloz em montanhas escarpadas e suavemente
sobre planícies quase horizontais. Contudo, a aparência física da corrente pode não ser
uma indicação verdadeira de sua velocidade. A velocidade vai aumentando para a
jusante, devido ao progressivo aumento da descarga, um decréscimo na resistência

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friccional, devido a uma atenuação na rugosidade do leito, e, um fluxo que corre mais
uniformemente direcionado ao longo do canal.

Figura 12 – Variáveis que influenciam na dinâmica de um rio. No sentido das cabeceiras


para a foz, ou do sistema coletor para o sistema transportador, somente o gradiente
diminui. Todos os outros parâmetros aumentam.

A descarga é baixa nas cabeceiras e a velocidade média também é baixa, por


causa do atrito causado entre a água e os leitos rugosos. Nesses locais, onde o fluxo é
turbulento (agitado ou desordenado) a água se move em muitas direções, ao invés de
mover-se diretamente para a jusante. A descarga aumenta para a jusante quando cada

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tributário (uma corrente que se une a uma corrente maior) introduz mais água, e a seção
transversal da área do canal também aumenta, para acomodar um volume maior de
água.

REFERÊNCIAS

HAMBLIN, W. Kenneth; CHRISTIANSEN, Eric H. Earth''s dynamic systems. 10. ed.


Upper Saddle River: Prentice Hall, 2004. 759 p. ISBN 0131420666

SKINNER, Brian J.,; PORTER, Stephen C.; BOTKIN, Daniel B. The blue planet : an
introduction to earth system science. 2. ed New York: John Wiley & Sons, c1999.
552 p. ISBN 047116114-4

TEIXEIRA, Wilson. Decifrando a terra. São Paulo: Oficina de Textos, 2000. 558p
ISBN 85-86238-14-7

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AULA 4 – ÁGUAS SUBTERRÂNEAS E RELEVO CÁRSTICO

INTRODUÇÃO
Menos que 1% da água da hidrosfera permanece em subsuperfície como água
subterrânea, que é definida, como toda a água que ocupa os espaços abertos em
rochas, sedimentos e regolito (produto de rocha intemperizada), desde que, esses
espaços estejam abaixo do lençol freático, ou seja, na zona saturada. Embora a
quantidade de água subterrânea no sistema hidrológico seja pequena, ela é 35 vezes
maior que o volume de todas as águas contidas nos lagos somadas aquelas que fluem
nos rios e cerca de 1/3 da água contida nas geleiras e nas calotas polares. Mais da
metade de toda a água subterrânea, incluindo a maior parte da água subterrânea que é
utilizável, ocorre em profundidades de até 750m. O volume de água nesta zona é
estimado como sendo equivalente a uma camada de água de aproximadamente 55m de
espessura espalhada sobre todas as áreas continentais (HAMBLIN & CHRISTIANSEN,
2006).

O Lençol Freático
Ao se furar um poço numa região qualquer, percebe-se que, antes de se atingir a
água subterrânea, passa-se por uma zona com espaços abertos no regolito ou na rocha,
preenchidos principalmente por ar e, em quantidade bem menor, a água. Esta é a zona
de aeração ou zona não saturada (Figura 1). Em seguida, vem a zona saturada, ou
seja, aquela em que todos os espaços estão preenchidos com água. O lençol freático é
a superfície que separa . a zona saturada da zona não saturada. Toda a água contida
abaixo do lençol freático é chamada de água subterrânea. Em cavernas inundadas, por
exemplo, a superfície da água que está dentro da caverna, é o lençol freático, e toda a
água abaixo dessa superfície é o que nós chamamos de água subterrânea (Figura 2). A
água contida na zona de aeração é denominada de água de solo. A variação da
profundidade do lençol freático de uma determinada região ocorre em função da taxa de

34
precipitação e da topografia. A forma do lençol acompanha grosseiramente os desníveis
topográficos. Em áreas planas, o lençol freático também é plano e em áreas de colinas,
ele irá subir ou descer de acordo com a superfície do terreno.

Figura 1 – A figura mostra duas zonas: uma, onde parte dos poros está preenchida por ar e parte
por água (zona não saturada) e outra, onde todos os poros estão preenchidos por água (zona
saturada). As águas subterrâneas são as que ocupam a zona saturada.

35
Figura 2 – Refração da luz ao atingir o poço encantado em Itaetê, Bahia. A superfície da água é
corresponde ao lençol freático (foto do autor).

Movimento da Água Subterrânea


A maior parte da água subterrânea dentro de algumas centenas de metros abaixo
da superfície está em movimento. Diferente do fluxo dos rios que são medidos em km/h,
a água subterrânea se move tão lentamente que as velocidades são expressas em
centímetros por dia ou metros por ano. A razão para esse contraste é facilmente
explicado. Enquanto que as correntes fluem através de canais abertos, a água
subterrânea se move através de pequenas passagens, freqüentemente ao longo de
caminhos tortuosos. Por isso, o fluxo da água subterrânea depende, em grande parte,
da natureza rocha ou sedimento através do qual ela se move. Respondendo à
gravidade, ela flui de áreas onde o lençol freático é mais alto para áreas onde ele é mais
baixo. A água em um dado ponto abaixo do lençol freático sob uma colina sofre uma
pressão maior do que a água na mesma elevação abaixo do lençol freático abaixo de
um vale. A água subterrânea, por isso, vai se mover para baixo e para pontos de menor
36
pressão (Figura 3). Em outras palavras, ela flui para a superfície de correntes ou lagos,
ou para os oceanos.

Figura 3 – Movimento das águas subterrâneas. Após infiltrar, a água atinge o lençol
freático, conduzido pela gravidade. As águas subterrâneas vão se movimentar dos locais
de maior pressão (onde o lençol freático é mais profundo), para os locais de menor
pressão (lençol freático mais raso), podendo, eventualmente, aflorar em nascentes ou
fornecer água para os rios (Fonte: HAMBLIN & CHRISTIANSEN, 2004)

Porosidade e Permeabilidade
A quantidade de água que pode estar contida dentro de um dado volume de rocha
ou sedimento depende da porosidade, que é a porcentagem de vazios ou poros em
relação ao volume total da rocha. Em algumas areias bem selecionadas e cascalhos, a
porcentagem pode exceder aos 20%, enquanto que algumas argilas possuem
37
porosidade superior a 50%. Em sedimentos e rochas sedimentares clásticas (arenito,
conglomerado, dentre outras) a porosidade é afetada pelo tamanho, forma e arranjo das
partículas de rochas, bem como pela quantidade de agentes cimentantes presentes nos
poros. Nos calcários (rochas sedimentares de natureza química), a porosidade é dada
por cavidades de solução, podendo nesse caso, atingir até 30% da rocha. A porosidade
de rochas ígneas e metamórficas depende principalmente da presença de fraturas. Uma
exceção são os basaltos (rochas ígneas vulcânicas) que possuem vazios conhecidos
por vesícula, que podem fornecer a esse tipo de rocha, uma porosidade até 40% (Figura
4).

Figura 4 – Porosidade de alguns tipos de rochas: Conglomerado (20%); Arenito cimentado (5%);
Folhelho (30%); Granito (<1%); Basalto (até 40%); calcário (30%). O folhelho, apesar da alta
porosidade, é considerado impermeável devido ao tamanho reduzido dos poros.

A permeabilidade é a capacidade da rocha em transmitir fluidos, ou seja, é a


medida da facilidade com que um sólido permite que um fluido passe através dele. Uma
rocha ou sedimento de porosidade muito baixa é provável de também possuir uma
permeabilidade baixa. Um cascalho bem selecionado, com poros grandes é mais
38
permeável do que uma areia e pode armazenar grandes quantidades de água. Contudo,
uma alta porosidade não necessariamente garante uma alta permeabilidade, porque o
tamanho e a interconexão dos poros influenciam a permeabilidade. Por exemplo, o
cimento depositado entre os grãos podem restringir o fluxo da água entre os poros, por
isso, reduzindo a permeabilidade.

Áreas de Recarga e Descarga


A reposição de água subterrânea é denominada de recarga e ocorre quando a
chuva ou a neve derretida penetra no terreno e atinge o lençol freático na zona de
recarga (Figura 5). A água então se move através do sistema de água subterrânea para
áreas de descarga, onde a água emerge sob a forma de nascentes, ou é descarregada
em correntes, lagos ou pântanos. A extensão da área de recarga é invariavelmente
maior do que as áreas de descarga.

39
Figura 5 – Áreas de recarga e descarga. Quanto mais distante do rio a água infiltra, mais
tempo ela leva para atingir o vale fluvial, podendo levar de dias a milhares de anos
(Fonte: SKINNER et al, 1999).

Em regiões úmidas, as áreas de recarga englobam quase toda a paisagem exceto


as correntes e suas planícies de inundação adjacentes. Em regiões mais áridas, a
recarga ocorre principalmente em montanhas e em depósitos aluviais que as bordejam.
Em tais regiões a recarga também ocorre ao longo de canais de rios maiores que
percorrem sobre terrenos permeáveis, através dos quais a água penetra e recarrega o
reservatório subterrâneo. Ao longo das linhas de costa do mundo, a água subterrânea
pode fluir através de rochas porosas e sedimentos por meio de descarga submarina de
água subterrânea.

Nascentes
Uma nascente é um fluxo de água subterrânea emergindo naturalmente na
superfície do terreno. O tipo mais simples de nascente é aquele que ocorre onde a
superfície do terreno intercepta o lençol freático. Pequenas nascentes são encontradas
em todos os tipos de rochas, mas quase todas as grandes nascentes fluem de basaltos,
calcários e rochas arenosas e cascalhosas. Uma mudança vertical ou horizontal em
permeabilidade é uma razão comum para a localização de nascentes. Freqüentemente
esta mudança envolve a presença de uma rocha impermeável ou, menos permeável
adjacente a uma rocha permeável (Figura 12). Se uma areia porosa ou basalto sobrepõe
uma argila, a água percolando para baixo irá fluir lateralmente quando ela alcança a
argila subjacente e, emergirá como uma nascente onde o limite entre as duas rochas
interceptar a superfície do terreno.

40
Figura 6 – A origem de uma nascente envolve, freqüentemente o encontro do lençol freático com
a superfície do terreno, no contato entre um material permeável, com outro impermeável.

Aqüíferos
Se nós desejamos encontrar um suprimento confiável de água subterrânea,
devemos procurar por um aqüífero, um corpo rochoso ou regolito suficientemente
permeável para transmitir quantidades economicamente significativas de água
subterrânea para nascentes ou poços. Sedimentos arenosos ou cascalhosos são, em
geral, bons aqüíferos, pois eles tendem a ser altamente permeáveis e muito extensos.
Muitos arenitos também são bons aqüíferos. Contudo, em alguns arenitos o cimento
natural (carbonato de cálcio, sílica ou óxido de ferro) presentes na rocha, diminui os
espaços porosos, reduzindo a permeabilidade e diminuindo o seu potencial como
aqüífero.

Um aqüífero contendo um lençol freático livre é denominado de aqüífero não


confinado. Quando a água é bombeada de um aqüífero não confinado, a taxa de retirada
inicial excede a taxa local de fluxo da água subterrânea. Isso faz com que, próximo ao
poço, haja um rebaixamento do lençol freático, criando um cone de depressão. Em
situações onde a água de uma localidade é abastecida basicamente por poços, seja em
fazendas ou áreas industriais, pode haver um rebaixamento geral de todo o lençol
freático, fazendo com que os poços menos profundos acabem por secar.

41
Sistemas Artesianos
Diferente de um aqüífero não confinado, um aqüífero confinado (Figura 7) é
limitado acima e abaixo por rochas ou sedimentos impermeáveis, ou por material bem
menos permeável do que o aqüífero. A água que entra em um aqüífero confinado em
uma área de recarga, como uma montanha, por exemplo, flui para baixo puxado pela
gravidade. Quando ela alcança grandes profundidades, a água fica sob uma forte
pressão hidrostática (pressão devido ao peso da água). Se um poço é perfurado no
aqüífero, a diferença em pressão entre o lençol freático e o nível onde o poço foi locado,
irá ocasionar a elevação da água no poço, fazendo com que a mesma possa atingir a
superfície originando assim o poço artesiano. Sob condições pouco comuns, mas
possíveis de ocorrer, a pressão da água pode ser grande o suficiente para criar fontes
que sobem até 60m acima da superfície.

Figura 7 – O aqüífero confinado aparece entre duas camadas impermeáveis e


inclinadas. A perfuração de um poço nesse aqüífero pode gerar uma pressão suficiente
para que a água jorre, sem a necessidade de bombeamento. Quando isso acontece,

42
denominamos essa perfuração de poço artesiano (Modificado de Thompson & Turk,
2006).

RELEVO CÁRSTICO
A água subterrânea movendo-se lentamente tem o poder de realizar um trabalho
geológico significativo. Em regiões onde predominam rochas mais facilmente
modificadas pelo intemperismo químico, a água subterrânea tem criado paisagens
exóticas que estão entre as menos comuns em nosso planeta.

Dissolução de Carbonatos
Tão logo a água da chuva infiltre no terreno, ela começa a reagir com os minerais
presentes no regolito e nas rochas intemperizando-os quimicamente. Um tipo de
intemperismo químico que envolve os grãos minerais da rocha passando diretamente
para um estado em solução, é conhecido como dissolução. Calcário, dolomito e
mármore – as rochas carbonáticas mais comuns - são prontamente atacadas pela
dissolução. Embora os minerais carbonáticos sejam quase insolúveis em água pura,
eles são prontamente dissolvidos por água da chuva carregada com CO 2 que se torna
uma solução diluída de ácido carbônico. O resultado é impressionante. Quando as
rochas carbonáticas intemperizam, quase todo o volume pode ser dissolvido pela água
subterrânea movendo-se lentamente.

Cavernas e Dolinas
As cavernas em calcário formam quando a água subterrânea circula e lentamente
dissolve a rocha. A seqüência usual de desenvolvimento envolve (Figura 8): (1)
dissolução inicial ao longo de um sistema de fraturas abertas interconectadas e planos
de acamamento pelos quais a água infiltra; (2) Alargamento desses espaços pela
passagem da água que passa a ocupar toda a abertura; (3) deposição de carbonato nas

43
paredes e teto das cavernas, enquanto uma corrente ocupa o seu assoalho; (4) quando
a corrente deixa de fluir, a deposição começa a ocorrer também no assoalho da caverna.

Figura 8 – Formação das cavernas e do relevo cárstico (Fonte: HAMBLIN &


CHRISTIANSEN, 2004).

Cavernas em rochas carbonáticas podem possuir muitos tamanhos e formas, e


elas, freqüentemente, possuem feições em seus tetos, paredes e pisos conhecidos pelo
nome de espeleotemas. Na Chapada Diamantina, a Caverna da Lapa Doce possui um
salão principal com aproximadamente 800m de extensão e vários espeleotemas,
incluindo estalactites, estalagmites, colunas, terraços de travertino e cortinas (Figuras 9
e 10). Além desse salão, várias outras galerias interconectadas chegam a somar mais
de 20km de extensão. Morcegos e alguns insetos são os habitantes naturais dessa
caverna. Outras grutas possuem pequenos reservatórios de água subterrânea onde são
encontrados peixes conhecidos popularmente por bagres cegos. No Poço Encantado, a
espessura do corpo aquoso chega a atingir 60m (veja Figura 2).

44
(a) (b)

Figura 8 – (a) Complexo de estalactites e (b) estalagmites, estalactites e coluna (fotos do autor).

Em comparação com as cavernas, uma dolina (Figura 11) é uma grande


cavidade de dissolução a céu aberto. Algumas dolinas são resultante do desabamento
do teto de cavernas, enquanto outras são formadas por rebaixamento gradual da
superfície. As dolinas produzidas por cavernas podem se formar abruptamente e, como
resultado, ocasionar danos às pessoas que vivem nessas regiões.

45
Figura 10 – Pequenas poças denominadas de terraços de travertino podem se formar
dentro das cavernas (foto do autor).

Figura 11 – Um dolina inundada em terreno cárstico (Fonte: SKINNER et al 1999).

REFERÊNCIAS

HAMBLIN, W. Kenneth; CHRISTIANSEN, Eric H. Earth''s dynamic systems. 10. ed. Upper
Saddle River: Prentice Hall, 2004. 759 p. ISBN 0131420666
46
SKINNER, Brian J.,; PORTER, Stephen C.; BOTKIN, Daniel B. The blue planet : an introduction
to earth system science. 2. ed New York: John Wiley & Sons, c1999. 552 p. ISBN 047116114-4
TEIXEIRA, W., TOLEDO, M. C. M., FAIRCHILD, T. R. & TAIOLI, F (Org). Decifrando a Terra.
Oficina de Textos. São Paulo 557p.
THOMPSON & TURK. Introduction to physical geology. SGSS series. 398p.

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AULA 5 – MODIFICAÇÕES ANTRÓPICAS DO SISTEMA
HÍDRICO EM BACIAS HIDROGRÁFICAS

INTRODUÇÃO

Desde que os antigos mesopotâmios resolveram se estabelecer às margens dos


rios Tigre e Eufrates, que a humanidade passou a perceber os sistemas fluviais como
parceiros, no desenvolvimento de seus povos. Historicamente, nas margens do Rio Nilo,
na África, as comunidades ali estabelecidas utilizavam o solo fertilizado pelas
inundações, para o plantio de cereais e outros alimentos. Até então, o uso desse recurso
era realizado de forma racional, garantindo a sustentabilidade do mesmo, para as
gerações futuras.

IRRIGAÇÃO PARA A AGRICULTURA

Durante milênios, os rios Amu Darya e Syr Darya forneceram água para o Mar de
Aral na Ásia. O clima extremamente seco e quente da região fez com que esses dois
cursos fluviais fossem aproveitados para a irrigação, com o objetivo de desenvolver uma
agricultura em grande escala, para a produção de alimentos e desenvolvimento do
comércio daquela região.

Como efeito dessa irrigação houve uma redução da área do Mar de Aral desde
1960 de 67000km2 para 26000km2 (Figura 1) fazendo com que, o nível do mar descesse
verticalmente em cerca de 20 metros e, em alguns locais, o mar recuasse mais que 70
km. Outras conseqüências são as mudanças climáticas locais, fazendo com que o
inverno seja mais frio e o verão bem mais quente. Adicionalmente, muitas áreas estão

48
atualmente cobertas por crostas salinas (Figura 2), dificultando o desenvolvimento da já
escassa vegetação.

No Brasil, a utilização dos recursos hídricos e a ocupação do solo ocorrem, quase


sempre, de forma desordenada. Grandes áreas, então, são desmatadas para que a
agricultura possa se estabelecer. Os rios têm seus cursos desviados para a irrigação,
agrotóxicos são usados para o plantio e todo o sistema fica comprometido.

Figura 1 – Frente a área que o Mar de Aral ocupava até 1960, a redução foi de cerca de
60% até 2005 (imagem modificada do Google Earth).

49
Figura 2 – Barco encalhado na área onde se localizava o Mar de Aral. Com o recuo do
nível do mar, várias áreas ficaram cobertas por crostas salinas, mostradas na foto pela
tonalidade esbranquiçada (Fonte: http:/upload.wikimedia.org/Wikipédia/aralship.jpg)

Quando pesticidas são usados nas plantações de café em Minas Gerais, ou nas
plantações de frutas no oeste da Bahia (Figura 3) a química utilizada, além de poluir o
solo, pode atingir córregos e riachos que deságuam no Rio São Francisco, chegando
então ao mar. Parte dessa química pode ser ingerida e armazenada por peixes num
processo chamado bioacumulação. O peixe, por sua vez, pode ser apanhado e comido.
Desta maneira, os pesticidas, algumas vezes, podem acabar fazendo parte do leite
materno a milhares de quilômetros do local onde ele foi originalmente aplicado (LIMA
2001).

50
Figura 3 – A foto mostra uma área no oeste da Bahia, onde a agricultura modificou o
sistema fluvial local, bem como, a interação deste com as águas subterrâneas. Observe
áreas completamente desmatadas para o desenvolvimento da agricultura (foto do autor).

CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS

Uma grande modificação nos sistemas fluviais é a construção de grandes obras


de engenharia, como as barragens. A represa Aswan High do Rio Nilo, por exemplo,
evidencia uma das muitas conseqüências ao se modificar um sistema de rios. As
principais cabeceiras do Nilo estão localizadas nos altos platôs da Etiópia. Uma vez no
ano, por aproximadamente um mês, o Nilo costumava inundar e cobrir a maior parte das
terras férteis na área do Delta do Nilo. A represa concluída em 1970 era para abastecer
o Egito com água e para irrigar 1 milhão de acres de terras áridas e gerar 10 bilhões de
kilowatts de energia. Isto dobraria a capacidade energética daquele país e permitiria a

51
industrialização (SKINNER et al 1999). A represa, contudo, destruiu o equilíbrio do Nilo,
resultando em muitos ajustes indesejáveis.

O Nilo não é somente fonte de água para o delta, ele também é fonte de
sedimento. Quando a represa foi finalizada e começou a aprisionar sedimento em um
reservatório (Lago Nasser), o balanço físico e biológico na área do delta foi destruído.
Sem o anual “presente do Nilo”, a linha de costa do delta ficou exposta às forças das
correntes marinhas e a erosão provocada pelas ondas está destruindo a parte frontal do
delta. Nesses locais, o mar começou a avançar, fazendo com que muitas partes do delta
começaram a retroceder vários metros por ano.

Os sedimentos e a matéria orgânica previamente carregados pelo Nilo era um


importante elo na cadeia alimentar aquática, fomentando a vida marinha em frente ao
delta. A falta dos sedimentos reduziu os plânctons e carbono orgânico a um terço do
nível anterior. Isto fez com que peixes e crustáceos que se alimentavam naquela região,
ou morressem, ou procurassem outros locais para sobreviver. A pesca anual, que era de
16000 toneladas de sardinhas foi reduzida drasticamente. O sedimento do Nilo também
fertilizava naturalmente a planície de inundação. Sem essa adição anual de nutrientes
de solo, um milhão de acres cultivados do Egito, precisam de fertilização artificial. A
inundação anual do Nilo era importante também para a ecologia da área, porque ela
retirava sais que se formavam nos solos áridos e isso, pode provocar a formação de um
deserto.

No Brasil, o Rio São Francisco tem sofrido várias alterações no seu curso, com a
construção de barragens e usinas hidrelétricas, fazendo com que a quantidade de
sedimentos que chegue à sua desembocadura tenha diminuído significativamente. As
barragens de Sobradinho (Figura 4), Paulo Afonso e Xingó, no Estado da Bahia e, a de
Três Marias no Estado de Minas Gerais, têm provocado alterações significativas no
percurso natural do São Francisco. Como resultado, a margem direita de sua
desembocadura tem sofrido um intenso processo erosivo pela ação das ondas,
52
ocasionando a invasão do mar que avançou mais que 200m entre 1995 e 2000. Essa
invasão provocou a destruição da Vila do Cabeço no estado de Sergipe (Figura 5), além
de originar uma cunha salina, que faz com que os poços perfurados próximo a linha de
costa daquela região, jorrem água salgada.

Figura 4 – O Lago de Sobradinho em toda sua extensão. Observe que uma quantidade
grande de sedimentos se acumula no encontro do rio com o lago. Sedimentos mais finos
ficam em suspensão até quase metade do lago, dando uma tonalidade mais clara à
água (Fonte: www.brasil-turismo.com/imagens/imagem-sobradinho.jpg).
53
Figura 5 – Desembocadura do rio São Francisco mostrando o Farol do Cabeço, que
ficava na vila de mesmo nome e que, por conta das alterações sofridas pela instalação
de barragens ao longo do rio, atualmente encontra dentro do mar (foto do autor).

Na Bacia do Paraguaçu, vários trechos foram assoreados, durante a exploração


desordenada de diamantes na região da Chapada Diamantina (Figura 5). Nesse caso, a
carga sedimentar colocada no rio é ampliada, fazendo com que partes do seu curso
fiquem mais rasas e outras partes sejam soterradas, obrigando o rio a escavar outro
percurso.

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Figura 6 – Exploração de diamante no rio São José (Bacia do Paraguaçu). Grande parte
dos sedimentos remobilizados vai alterar o sistema fluvial local e aumentar a entrada de
sedimentos na bacia, podendo assorear grandes rios (Foto do autor).

URBANIZAÇÃO

O processo de urbanização é uma das ações antrópicas que mais modifica o


percurso das águas superficiais, além de ocasionar a poluição de rios e da água
subterrânea. Em uma área de floresta, durante a precipitação de chuva, boa parte da
água, antes de atingir o solo, é amortecida peãs folhas, galhos e caules das plantas.
Após atingir o solo, a vegetação também oferece resistência, diminuindo a velocidade da
água na superfície e facilitando a infiltração (Figura 7). Em uma área urbanizada, a
descarga das águas de superfície é acelerada, já que haverá uma chegada mais rápida
da água ao terreno. Além disso, áreas urbanizadas dificultam o processo de infiltração.
Dessa forma, a água rapidamente se acumula, provocando inundação, corre pela
superfície a alta velocidade, provocando muitos estragos.

55
Figura 7 – Em áreas florestadas, com solos permeáveis, a água da chuva pode infiltrar
no terreno de 80 a 100%. Ao contrário, em áreas urbanizadas, existe dificuldade de
infiltração da água, fazendo com que quase sua totalidade corra pela superfície (Fonte:
HAMBLIN & CHRISTIANSEN, 2004).

REFERÊNCIAS

HAMBLIN, W. Kenneth; CHRISTIANSEN, Eric H. Earth''s dynamic systems. 10. ed. Upper
Saddle River: Prentice Hall, 2004. 759 p. ISBN 0131420666

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