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8/08/19 às 18h33 - Atualizado em 8/08/19 às 18h33

A hora e a vez dos superdotados


Alunos com altas habilidades podem contar com atendimento diferenciado na rede de ensino público
 
Emanuelle Coelho, Agência Brasília
 
 
Fome e sede de conhecimento. Vocabulário extenso,
curiosidades e extremo senso de humor. Já imaginou um
menino de nove anos construir um carrinho movido a luz solar
ou até um veículo com arduíno (controlado via Bluetooth) e
explicar, com riqueza de detalhes, o funcionamento da pequena
máquina? Essas são as crianças com altas habilidades.
 
O criador do carrinho é Davi Possidônio Zerbato. Indagado
sobre a profissão que quer seguir, responde: “Ainda não decidi,
talvez astronauta ou inventor”. Ele é aluno da turma de
atendimento educacional especializado para estudantes com
Foto: Acácio Pinheiro, Agência Brasília Altas Habilidades e Superdotação (AH/SD), na Escola Classe
411 Norte.
 
Para celebrar o Dia Internacional da Superdotação – 20 de agosto –, a equipe da Agência
Brasília acompanhou uma aula com esses alunos. A professora Flávia dos Santos, especialista em Altas
Habilidades e Superdotação e psicopedagoga clínica institucional, trabalha há mais de 12 anos nessa área.
Ela pontua que o Distrito Federal é pioneiro em atendimento a alunos superdotados.
 
Além da expectativa
 
“[Os alunos] pensam muito e têm capacidade cognitiva que extrapola o esperado para a faixa etária”, explica
Flávia. “São perfeccionistas e fazem parte de um grupo heterogêneo com traços incomuns. As crianças com
habilidades avançadas possuem um conhecimento mais profundo que outras da mesma faixa etária ou até
mais velhas, uma excelente memória, com autocobrança excessiva. São perfeccionistas, possuem
hipersensibilidade sensorial e são questionadores. Se você prometer algo, tem que cumprir, pois eles vão
lembrar depois e gostam de pessoas que honram as palavras. Trabalhar com superdotados é aprender.”
 
Por serem estudantes com capacidade mental significativamente acima da média, demandam uma
metodologia de ensino diferente, um modelo de enriquecimento escolar que prevê atividades distintas. As
aulas acontecem uma vez por semana, no contraturno escolar. Em média, cada estudante permanece nas
turmas de três a cinco anos. No local, podem desenvolver suas habilidades e se aprofundar nos assuntos de
que mais gostam.
 
Flávia alerta que é um mito pensar que os alunos com habilidades especiais não requerem atendimento
diferenciado. “Precisam ser cuidados”, ressalta. “Superdotados não sabem tudo; eles também erram, mas
têm habilidades para aprender, principalmente na área de [seu] interesse”.
Pequenos gênios
 
Nessa turma, todos se destacam. Com oito anos, Samuel Roncaratti redigiu um trabalho – chamado de
expedição pedagógica – em que conta a vida do pintor Leonardo da Vinci. Já Pedro Simons Ribeiro, de seis
anos, usando um lápis e caixas de leite vazias, fez uma maquete sobre as primeiras escadas rolantes da
Terra. Ele cursa o segundo ano e é um caso de avanço escolar. Manuela Rodrigues, de 11 anos, aprendeu a
falar inglês pelos jogos de videogame e diz sentir-se muito bem com sua condição.
 
Já Luiz Henrique Soares Vasconcelos, de dez anos, diz que quer ser designer automobilístico. O dom
avançado foi primeiramente detectado por uma tia que é psicóloga. “Daí fiz os testes e descobrimos”, conta o
pré-adolescente. “Nem sabia o que era ser superdotado. Até hoje não sei bem o que é, mas sei que tenho
conhecimentos elevados”.
 
A espera por uma vaga na turma durou dois anos. Há dois meses na escola, Luiz Henrique tem um caderno
onde escreve tudo que pesquisa sobre os automóveis. “Quero criar um canal no Youtube e falar sobre isso”,
anuncia. Ele diz que não comenta sobre suas habilidades com outros colegas – somente a família e o melhor
amigo têm conhecimento de sua situação. “Acho que é meio chato, vão achar que sou exibido”, imagina.
O sistema
 
Atualmente, a rede pública de ensino do Distrito Federal atende 1.745 estudantes com AH/SD. São 65
Superintendências Regionais de Ensino (SREs), com 61 professores especializados no assunto.
 
Segundo a gerente de Educação Inclusiva da Secretaria de Educação (SEE), Onilia Cristina de Souza de
Almeida, o Atendimento Educacional Especializado (AEE) proposto para os estudantes com altas
habilidades/superdotação tem fundamento nos princípios filosóficos que embasam a educação inclusiva.
 
“O objetivo é capacitar profissionais da educação para a identificação dos estudantes que demonstram
potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade
e artes, isoladas ou combinadas, além de potencial criativo, desenvolvimento na aprendizagem e na
realização de tarefas em áreas de seu interesse”, explica.
 
Características
 
Onilia especifica que o referencial teórico-metodológico adotado no atendimento especializado se espelha no
Modelo de Enriquecimento Escolar, estudo desenvolvido por Joseph Renzulli (Universidade de Connecticut-
EUA), que sugere uma pedagogia aplicada ao aprofundamento e ampliação de conteúdos em diversas áreas
do conhecimento.
 
Renzulli considera que os comportamentos de superdotação resultam de três conjuntos de traços: habilidade
acima da média em alguma área do conhecimento (em relação aos pares da mesma idade e origem social e
cultural), comprometimento com a tarefa (implica motivação, vontade de realizar uma tarefa, perseverança e
concentração) e criatividade (pensar em algo diferente, ver novos significados e implicações, retirar ideias de
um contexto e usá-las em outro).
 
O atendimento especializado é feito em uma sala de recursos, com professor especializado e planejamento
de atividades específicas. O objetivo é aprofundar e enriquecer o processo de ensino e a aprendizagem,
bem como e o estímulo do potencial criativo do estudante com altas habilidades/superdotação.
 
Como funciona
 
Localizadas em 25 escolas-polos em todas as 14 regionais de ensino, as salas de recursos atendem aos
estudantes oriundos das Unidades Escolares (UE) públicas e da rede particular, na proporção de 70% das
vagas para a UE pública e 30% para a rede particular.
 
Os estudantes são atendidos nos períodos matutino ou vespertino, durante cinco dias da semana, sempre
no contraturno das aulas. Cada turma tem uma equipe multidisciplinar à disposição, composta por
professores especializados, professor itinerante e psicólogo. O cadastro para a classe é realizado mediante
ficha de indicação específica do atendimento de altas habilidades, que pode ser preenchida pela família ou
pelos professores.
 
Nas salas são desenvolvidas atividades em artes plásticas, artes cênicas, música, linguagens/ciências
humanas, exatas/ciências naturais e robótica. Nesses espaços se desenvolvem diversos projetos e
parcerias. As superintendências regionais de ensino de Taguatinga e Sobradinho, por exemplo, promovem
projetos de informática e robótica por meio de parcerias. Muitos estudantes atendidos já receberam prêmios
distritais e nacionais na sua área de habilidade.
 
Todos os professores que atuam nas superintendências regionais de ensino são especializados no
atendimento aos estudantes AH/SD. Anualmente, a Diretoria de Educação Inclusiva da SEE realiza bancas
de aptidões para selecionar os professores da rede que pretendem atuar nessas salas.
 

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