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Incorporação da totalidade das ações de companhias

controladas

INCORPORAÇÃO DA TOTALIDADE DAS AÇÕES DE COMPANHIAS


CONTROLADAS
Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 40/2008 | p. 170 - 173 | Abr
- Jun / 2008
Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 3 | p. 1217 - 1221 | Dez / 2010
DTR\2008\751

Luiz Gastão Paes de Barros Leães


Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado.

Área do Direito: Comercial/Empresarial


Sumário:

1. Exposição e consulta - 2. Incorporação de ações

1. Exposição e consulta

1.1 Ultrapar Participações S/A ("Ultrapar"), celebrou em 18.03.2007, com a


interveniência da Petróleo Brasileiro S/A ("Petrobrás") e Braskem S/A ("Braskem"),
contrato de aquisição, irrevogável e irretratável, da totalidade das ações representativas
do controle da Refinaria de Petróleo Ipiranga S/A ("RPI") e da Distribuidora de Produtos
de Petróleo Ipiranga S/A ("DPPI"), assim como do controle indireto da Companhia
Brasileira de Petróleo Ipiranga ("CBPI"), detido pela DPPI. Na qualidade de comissária,
ou seja, por ordem e conta da Braskem e da Petrobrás, adquiriu também os ativos
petroquímicos dessas sociedades, sendo que, especificamente por ordem e conta da
Petrobrás, adquiriu determinados ativos de distribuição. As ações de controle da DPPI e
da RPI representavam, respectivamente, 65,5% e 61,6% do capital votante das
referidas sociedades. A DPPI, por sua vez, detinha 62,8% do capital votante da CBPI.

1.2 Após a conclusão das aquisições acima referidas, ficou acertado que os negócios do
chamado Grupo Ipiranga passariam a ser geridos conjuntamente pela Petrobrás,
Ultrapar e Braskem. A Ultrapar deteria os negócios de distribuição de combustíveis e
lubrificantes localizados nas regiões Sul e Sudeste do País, e a Petrobrás, os negócios de
combustíveis e lubrificantes localizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A
Braskem, por sua vez, juntamente com a Petrobrás, deteriam os ativos petroquímicos,
representados pela Ipiranga Química S/A ("IPQ"), Ipiranga Petroquímica S/A e pela
participação da Copesul (Cia. Petroquímica do Sul), na proporção de 60% para a
Braskem e 40% para a Petrobrás. No que tange aos ativos relacionados com as
operações de refino de petróleo, detidos pela RPI, eles seriam compartilhados
igualmente pela Petrobrás, Ultrapar e Braskem.

1.3 A operação completa seria realizada em cinco etapas. Na primeira etapa, haveria a
aquisição do controle, na forma acima sumariada. Ato contínuo, realizar-se-iam ofertas
públicas, com tag along, por um preço equivalente a 80% do preço pago pelas ações de
controle, para aquisição das ações ordinárias da RPI, DPPI, CBPI e IPQ detidas pelos
minoritários. A seguir, realizar-se-ia uma oferta pública para operar o cancelamento do
registro de companhia aberta da Copesul. Após essas ofertas públicas, a ultrapar
passaria a implementar a reorganização societária, tendo por objetivos (i) a
concentração de todos os acionistas em uma única empresa listada em bolsa (a Ultrapar)
e (ii) a segregação e a transferência dos ativos petroquímicos e dos ativos de
distribuição, na forma pactuada.

1.4 Nesse contexto, a Ultrapar incorporaria as ações de emissão da RPI, DPPI e CBPI,
transformando-se essas empresas em subsidiária integrais dela. Os acionistas
detentores de ações preferenciais e de eventuais ações ordinárias da RPI, DPPI e CBPI
receberiam, em troca, ações preferenciais da Ultrapar. Para fins do estabelecimento das
relações de troca das ações no processo de incorporação, a Ultrapar, a RPI, a DPPI e a
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CBPI foram avaliadas com base no critério do valor econômico, utilizando-se o método
do fluxo de caixa descontado.

1.5 Em 19.03.2007, foi divulgado fato relevante conjunto da Ultrapar, da Petrobrás e da


Braskem, informando que a Ultrapar havia celebrado o contrato de aquisição do controle
da RPI, DPPI e CBPI, com interveniência da Petrobrás e da Braskem, na forma acima
descrita, inclusive informando a relação de substituição das ações a serem incorporadas.
Em conseqüência, a Ultrapar encaminhou à Comissão de Valores Mobiliários - CVM
pedido de registro das OPAs acima referidas, após o que a Ultrapar passaria a
implementar a reorganização societária através da incorporação das ações da RPI, DPPI
e CBPI, de que decorreria a conversão dessas sociedades em subsidiárias integrais,
recebendo os acionistas daquelas sociedades ações preferenciais da Ultrapar, tudo na
forma como fora cogitado.

1.6 Nesse sentido, somos consultados pela Ultrapar, por intermédio dos ilustres
advogados do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, a respeito de
questões atinentes à incorporação de ações, que passaremos a responder à medida que
forem sendo reproduzidas.

2. Incorporação de ações

4.º Quesito. As incorporações de ações da RPI, DPPI e CBPI precisam ser precedidas de
OPAs para cancelamento de seus respectivos registros de companhia aberta?

2.1 Com a Lei 10.303, de 31.10.2001, foram adicionados o art. 4.º, §§ 4.º, 5.º e 6.º, da
Lei 6.404/76 assim como introduzido o art. 4.º-A da Lei 6.404/1976, visando a
disciplinar o processo de cancelamento do registro de companhia aberta, até então
regulado apenas por atos da CVM, expedidos com base no art. 21, § 6.º, da Lei
6.385/1976. Nesse sentido, o § 4.º do art. 4.º determina que o registro somente poderá
ser cancelado mediante oferta pública a ser necessariamente formulada pelo controlador
para aquisição da totalidade das ações em circulação no mercado, sem impor um critério
a ser adotado, apenas relacionando uma série deles (inclusive o fluxo de caixa
descontado e a comparação por múltiplos). Qualquer um desses critérios poderá ser
utilizado, isolada ou cumulativamente, a fim de chegar a um preço justo ( fair value),
assim considerado aquele "igual ao valor da avaliação da companhia".

2.2 Por outro lado, a lei introduziu aqui uma inovação. Encerrada a oferta destinada ao
cancelamento do registro, e remanescendo ainda no mercado ações que representem
menos de 5% do capital, o art. 4.º, § 5.º, da Lei 6.404/76 prevê possa a assembléia da
companhia deliberar o resgate, sem sorteio, dessas ações, eliminando, assim, uma
minoria dispersa, mesmo que ela queira permanecer na companhia fechada.
Contornados, dessa forma, os problemas oriundos do fechamento formal do capital
social de companhia aberta, esses dispositivos procuraram também fulminar o
fechamento branco do capital, preocupação constante da agência reguladora, que
editara as Instruções CVM 299, de 1999 e CVM 345, 2000, procurando inibir essa
prática.

2.3 Daí a razão do presente quesito. Implicando a incorporação de ações o fechamento


do capital da companhia aberta, convertida em subsidiária integral, deveria também,
pergunta-se, por analogia, ser precedida de oferta pública de aquisição de ações em
circulação no mercado, nos termos dos dispositivos acima citados? A analogia consiste
num processo lógico, pelo qual o aplicador da norma legal estende um preceito legal a
casos não diretamente compreendidos em seu dispositivo, constituindo uma verdadeira
fonte de Direito. Na realidade, para que a analogia possa ser legitimamente utilizada,
força é que se verifique uma "omissão" no texto legal, não abrangendo a hipótese
focalizada, mas sim outra, que com ela guarde semelhança, orientadas por princípio
comum. Em suma, existiria uma ratio legis unindo entre si os caos cogitados: ubi eadem
ratio, ibi eadem legis dispositivo.

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2.4 Ora, a incorporação de ações é hipótese expressamente regulada na lei de


sociedades por ações por normas específicas, estabelecendo um regime próprio, tendo
em vista, precisamente, a defesa da minoria (capítulo XX, seção V, art. 252 da Lei
6.404/76). Não há portanto um vazio no texto legal que legitimasse a aplicação
analógica do dispositivo relativo ao cancelamento do registro à hipótese em pauta. O
fato de a incorporação da totalidade das ações ensejar, por via oblíqua, o fechamento do
capital não atrai, necessariamente, as regras que disciplinam o cancelamento. Pois se o
próprio legislador previu regimes distintos para as duas hipóteses cogitadas, não fazendo
nenhuma aproximação entre elas, é porque as queria tratadas de maneira diferente.

2.5 Na oferta pública de aquisição de ações para cancelamento de registro de companhia


aberta, o objetivo é assegurar aos minoritários o direito de se desfazerem de suas ações,
por preço justo, antes que elas sejam privadas de liquidez de mercado. Na incorporação
da totalidade das ações de uma companhia aberta, para convertê-la em subsidiária
integral, aos minoritários é concedido, caso discordem da troca compulsória de suas
ações, o direito de retirar-se da companhia, mediante o reembolso do valor de suas
ações. A proteção conferida pela lei aos minoritários dissidentes tem, portanto, outra
natureza, cifrando-se fundamentalmente na fixação de um valor justo para implementar
a retirada.

2.6 O E. Colegiado da CVM, em decisão de 15.01.2002 (Processo Administrativo RJ


2001/11663), abordando operação de incorporação de ações, reconsiderou posição
anterior, externada na decisão tomada em relação à incorporação de ações da BR
Distribuidora pela Petrobrás (Processo Administrativo RJ 2000/6117). Na nova decisão, o
Colegiado firma a opinião de que não é necessária a realização de prévia oferta pública,
mormente dado o fato de que, com a promulgação da Lei 10.303, de 2001, foram
supridas quaisquer lacunas anteriores que porventura ainda pairavam acerca da
proteção aos acionistas minoritários em tal operação. Esse posicionamento do Colegiado
da CVM seria recentemente confirmado, por unanimidade, no julgamento do Processo
Administrativo RJ 2007/3453, como se constata da leitura do voto condutor do Relator
Diretor Pedro Marcílio:

"Pode-se não gostar da solução legal, mas se deve reconhecer que não há espaço, no
sistema legal vigente, para construções doutrinárias que queiram conferir direitos
adicionais (ou diferenciados) aos acionistas, mesmo quando baseados em uma suposta
equidade. (...) Essa conclusão se faz mais necessária, quando as hipóteses de incidência
desse direito alternativo (oferta pública de aquisição de ações) estão previstas na própria
Lei 6.404/76 e, dentre essas hipóteses, não se encontra a realização prévia à
incorporação de ações de sociedade controlada. (...) Não se pode, portanto, falar em
omissão legal. A Lei 10.303/2001 regulou as duas situações de forma diferente e essa
regulação deve ser respeitada."

2.7 Nessas condições, podemos responder ao quarto quesito da consulta, asseverando


que não existe qualquer dispositivo legal ou regulamentar que autorize eventual
exigência por parte da CVM de oferta pública prévia à incorporação, pela Ultrapar, de
ação de emissão da RPI, da DPPI e da CBPI, com o objetivo de promover o
cancelamento dos registros destas empresas como companhias abertas.

2.8 É o nosso parecer, s.m.j.

São Paulo, 30 de setembro de 2007.

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