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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................4

DEFININDO O PÓS-MODERNISMO .................................................................................. 6

IGREJA IMPREGNADA COM A FILOSOFIA PÓS-MODERNA: A IGREJA


EMERGENTE ......................................................................................................................... 12

CRÍTICA À IGREJA EMERGENTE.................................................................................... 18

A INÉRCIA DA IGREJA CRISTÃ HODIERNA E A NECESSIDADE DE OBRAS ......22

FAZENDO A DIFERENÇA...................................................................................................25

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 27

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................29

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1
O Autor

Jonas Ayres, Bacharel em Teologia Livre pela


FATEP - Faculdade Teológica do Paraná e
pela FACETEN - Faculdade de Ciências,
Educação e Teologia do Norte do Brasil.

É pastor sênior na Igreja Batista Vida Nova


em São José dos Pinhais -PR.

Com 37 anos, é casado há 18 anos com Simone


Ayres. O casal mora na cidade de São José dos
Pinhais, Paraná, com o filho Vinicius e o cão
boxer Lutero.

Ayres, Jonas
A igreja no horizonte pós-moderno. São José dos Pinhais: NAPEC, 20111.
30 p.: 14 x 21cm

Direitos resrvados. Livre para impressão e divulgação.


© 2011 NAPEC Núcleo Apologético de Pesquisas e Ensino Cristão
www.napec.net – contato@napec.net
1º edição

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APRESENTAÇÃO

Os tempos mudaram. O século XX foi marcado por tensões sociais que


deflagraram mudanças profundas na cosmovisão de cada ser humano. As
mudanças sociais nada mais são que a aplicação de filosofias que sucederam o
período histórico denominado modernidade, gerando o que muitos chamam
de pós-modernismo, e outros denominam hipermodernismo.

Este tempo é marcado por superficialismo, relativismo, pluralismo e rejeição


da verdade absoluta ou mesmo a completa aversão sobre o simples mencionar
da verdade. Para a cosmovisão cristã, de modo muito singular, o pós-
modernismo tem sido um desafio, que para tantos é motivo de pavor, quanto
para outros é uma boa oportunidade de mostrar que a reivindicação cristã da
verdade – pois o próprio Cristo é a verdade – é um fato.

Entretanto, existe uma ala dentro da cristandade contemporânea,


denominado Movimento da Igreja Emergente, que ao invés de sustentar a
ortodoxia tradicional do Cristianismo, está procurando ajustar a cosmovisão
cristã ao pluralismo relativista da pós-modernidade, criando uma religião
híbrida e amigável ao extremo. Os emergentes possuem como mérito o
despertar de aspectos cristãos que algumas denominações simplesmente
esqueceram, como por exemplo, a prática do Evangelho, a comunicação do
Reino de Deus fora das paredes da igreja, as boas obras para todo e qualquer
ser humano, amando-o acima de dogmas e tradicionalismos religiosos, etc.

As boas obras devem ser prática cristã como fruto natural da recepção
genuína do Evangelho por cada ser humano que se denomina cristão. É
preciso ser um pouco mais prático, saindo do gueto e indo avante, entretanto,
de modo algum a ortodoxia pode ser ajustada, se transformando por demais
generosa, em função da ortopraxia. Em síntese, ortodoxia e ortopraxia devem
andar juntas, como atestado mútuo da veracidade da fé cristã.

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INTRODUÇÃO

A pós-modernidade é o movimento da cultura que rejeita os valores da


modernidade e vê com desconfiança os princípios racionais supostamente
universais, desenvolvidos na época do Iluminismo. A filosofia de perfil
irracionalista do final do século XIX preparou terreno para a pós-
modernidade. Mas a pós-modernidade propriamente dita tem origem nas
primeiras décadas do século XX, e seu impacto maior ocorreu nas últimas
décadas.

O fenômeno teve início nas artes, inicialmente na arquitetura, e depois teve


espaço ampliado na cultura geral. O impacto maior na sociedade se deu por
influência da mídia. O cinema, a televisão e a internet são seus principais
meios de disseminação, porém não os únicos. Esse novo modelo de ser já
criou uma nova cultura que desafia o jeito tradicional de ser igreja.

Essa nova cultura manifesta algumas tendências tais como: culto ao


ecossistema, desespero humanista, irracionalismo, misticismo, relativismo,
existencialismo, pluralismo e predomínio do artístico. Tudo isso traça um
perfil distinto de uma nova realidade que precisa ser mapeada, compreendida
e enfrentada, pois o grande desafio para os cristãos é “ser igreja” em meio a
essa nova cultura.

É realidade que nossa tradição evangélica histórica foi moldada pela


mentalidade moderna, tanto na teologia, quando na eclesiologia. Essa igreja
histórica, e um tanto quanto “sarcófaga”, sente em diversos aspectos o seu
descompasso com esta nova geração pós-moderna. Urge tornar a mensagem
bíblica relevante para esta nova geração. Todavia, a questão é muito
melindrosa e complexa. O desafio é: como ser igreja em meio ao pós-
modernismo? Como construir uma teologia desprendida da modernidade que
não se atole no lamaçal do relativismo absoluto da pós-modernidade?

Na sede de criar modos de comunicar o Cristianismo neste horizonte, alguns


estão optando por metodologias que estão muito contextualizadas ao gosto
pós-moderno. Neste contexto se destaca o movimento denominado “Igreja

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Emergente”, que lança mão de artifícios que se distanciam de modo muito
sutil do cristianismo ortodoxo.

O objetivo deste artigo é apresentar propostas de uma genuína ortopraxia,


sem descuidar de modo algum da ortodoxia. Desta forma, será apresentada,
além da definição do que é o pós-modernismo e dos desvios doutrinários
causados pelos Emergentes, uma proposta de despertar os cristãos para
enxergarem o “ser igreja” como algo mais amplo que um culto dominical
entre as quatro paredes do templo.

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DEFININDO O PÓS-MODERNISMO

Pós-modernidade. Eis um termo que significa muito, que possui muitas


definições e literatura numa amplitude cada vez mais surpreendente. Muitos
filósofos, sociólogos e estudiosos da área utilizam o termo pós-moderno,
outros preferem o uso do termo hipermoderno. Justamente por estarmos
vivendo neste tempo, tão carente de absolutos, não é de se estranhar a
dificuldade de utilização do mesmo termo bem como o estado de desespero
que muitas vezes toma conta das pessoas pela simples menção da expressão
“pós-moderno”.

Pós-modernismo é tanto uma noção histórica e cronológica quanto uma idéia


filosófica. Analisando sob a ótica histórica, pós-modernismo se refere à
modernidade, devido este tempo preceder o outro bem como a rejeição do
pós-modernismo por alguns conceitos modernos. Sob o aspecto cronológico,
muitos definem que o pós-modernismo é o retrato de uma era que já
começou, e sob alguns aspectos já substituiu a modernidade. Por fim, na
concepção filosófica e psicológica trata-se de um tempo de grande
“relativismo cultural sobre coisas tais como realidade, verdade, razão, valor,
significado lingüístico, o eu e outras idéias” (MORELAND & CRAIG, 2005,
p.186).

Para a igreja, o pós-modernismo representa um desafio. Um bom desafio


conforme as palavras de Ferreira e Myatt (2007, p.4):

Para muitos, a situação pós-moderna é uma ocasião de desespero. Mas é


exatamente nos momentos históricos que se mostram mais difíceis que a fé cristã
se levanta, trazendo nova esperança. E, nestes momentos, a tarefa teológica se
torna crítica para proclamar e defender a fé, e para nortear o povo de Deus na
travessia dos campos de batalha que permanecem à frente. Nosso desafio é fazer
uma teologia que coloque toda a riqueza da fé evangélica histórica desde a igreja
antiga até a atual, em contato com os problemas de um mundo pós-moderno e
globalizado, trazendo luz, vida e esperança para um povo cuja existência carece
do significado que somente se encontra no Senhor.

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Para os estudiosos da área, fica o desafio de definir o que significa este tempo.
Esperandio (2007, p.41) lança uma opinião sobre este tempo que confere com
o pensar de muitos:

Vê-se, pois, que as teorizações sobre pós-modernidade/pós-modernismo vão se


construindo simultaneamente ao próprio aparecimento dessa nova configuração
do social, que os teóricos têm dificuldade em definir: seria então uma nova forma
de ser, de pensar e viver, mas ainda dentro da modernidade, ou poderia esse novo
modo de existência (com implicações visíveis nos mais variados campos do
saber) ser categorizado como um outro período histórico, o pós-moderno?

Por ser uma época em processo de definição, existe certa controvérsia no


meio acadêmico quanto ao emprego correto de “rótulo” que melhor
determine este tempo. Um filósofo muito influente que afirma que o pós-
modernismo já “passou” é Gilles Lipovetsky. Na verdade, Lipovetsky defende
que o pós-modernismo sequer existiu; este filósofo francês defende que:

O neologismo pós-moderno tinha um mérito: salientar uma mudança de direção,


uma reorganização em profundidade do modo de funcionamento social e cultural
das sociedades democráticas avançadas. Rápida expansão do consumo e da
comunicação de massa; enfraquecimento das normas autoritárias e
disciplinares; surto de individualização; consagração do hedonismo e do
psicologismo; perda da fé no futuro revolucionário; descontentamento com as
paixões políticas e as militâncias – era mesmo preciso dar um nome à enorme
transformação que se desenrolava no palco das sociedades abastadas, livres do
peso das grandes utopias futuristas da primeira modernidade. (LIPOVETSKY,
2004, p.52).

Dando a explicação do porque do uso do termo “pós”, ele afirma que que o
que vivemos é na verdade o tempo do “hiper”:

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A cultura hipermoderna se caracteriza pelo enfraquecimento do poder regulador
das instituições coletivas e pela autonomização correlativa dos atores sociais em
face das imposições de grupo, sejam da família, sejam da religião, sejam dos
partidos políticos, sejam das culturas de classe. (...). Testemunho disso é a maré
montante de sintomas psicossomáticos, de distúrbios compulsivos, de depressões,
de ansiedades, de tentativas de suicídio, para nem falar do crescente sentimento
de insuficiência e autodepreciação. (...). À desregulação institucional
generalizada correspondem as perturbações do estado de ânimo, a crescente
desorganização das personalidades, a multiplicação de distúrbios psicológicos e
de discursos queixosos. (LIPOVETSKY, 2004, p.83-84).

Doutra forma, renomados filósofos cristãos como Norman L. Geisler, William


Lane Craig, J.P. Moreland e Peter Kreeft defendem que o que vigora ainda é o
pós-modernismo.

Partindo deste pressuposto, é preciso estabelecer meios de comunicar e


praticar o cristianismo neste horizonte, e para que a proclamação do
Evangelho seja eficaz é preciso conhecer esta cosmovisão, não fugir dela, mas
de modo algum criar alianças e contextualizações. Morley (2005, p.200)
disse:

Quanto mais compreendermos as idéias das pessoas, melhor poderemos


comunicar a verdade das Escrituras e do Evangelho para elas. Por isso é que
estudamos sobre cultos e religiões, e daí a grande importância de que os
missionários estejam muito bem preparados entenderem as culturas nas quais
vivem. Mas poucos cristãos do ocidente se esforçam o suficiente para
compreender a cultura onde eles mesmos vivem!

Outro fato importante a se destacar é que não existe consonância quanto ao


inicio da era pós-moderna; o que existe é o consenso que alguns nomes
influenciaram muito a forma de pensar do homem, que mudou sua atitude
severamente moldando assim a sociedade atual. Existem fatores e nomes que
acenderam o “estopim” do pós-modernismo.

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Após o fracasso da crença numa “perfeição humana” e na sua eventual
bondade, vendo o século XX ser manchado de sangue, mancha esta das duas
grandes guerras mundiais, uma guerra fria, estados governados por regimes
cruéis, ditadores e totalitaristas, inúmeras guerras civis, o vergonhoso
Holocausto efetuado pelos nazistas (como uma flecha no coração modernista
europeu), tensões na frança sob o regime do presidente Charles de Gaulle em
1968 (onde os jovens bradaram nas ruas o termo “é proibido proibir”) e
profundas mudanças no regime marxista, mudanças no pensamento quanto a
perfeição do modernismo foram minando tal época.

Nomes como Michel Foucalt, Jacques Derrida, Richard Rorty e Jean-François


Lyotard passaram a por em xeque a concepção modernista.

Foucault rejeitava a idéia que o conhecimento é algo intrinsecamente neutro.


Para ele a ciência e conhecimento são instrumentos de opressão usados pelos
que os possuem cuja finalidade é obter poder e domínio sobre as massas. Em
síntese, no pensamento de Foucault, toda afirmação de conhecimento é na
verdade um ato de poder.

Derrida apregoa que os dicionários, por exemplo, dão a falsa impressão que as
palavras possuem definições e significados absolutos, inalteráveis. Para ele o
significado das coisas/palavras está ligado às experiências pessoais de cada
indivíduo, e como tais experiências mudam de forma constante, os
significados também mudam. Agindo assim, Derrira continuou a
“desconstruir” conceitos tradicionais firmados no pensamento humano. De
certa forma, a conseqüência macro do seu pensamento em nossos dias é o
relativismo, ou seja, tudo é relativizado por cada ser e a verdade e o absoluto
não passam de meros conceitos individuais. Sobre Derrida, Geisler diz (2002,
p. 248):

É considerado um “filósofo” francês contemporâneo, apesar de alguns


questionarem se ele é um verdadeiro filósofo. É pai de um movimento conhecido
como “desconstrutivismo”, ainda que pessoalmente ele rejeite o significado
popular do termo. O movimento também é chamado “pós-modernismo”, apesar
de Derrida também não usar o termo para descrever sua visão.

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Rorty por sua vez, com seu pensamento neo-pragmático afirma que a idéia da
verdade é apenas um mito. Em seu modo de pensar a “verdade” é aquilo que
sobrevive às objeções dentro do contexto cultural ao que é apresentado,
assim, o que é verdade continua sendo relativizado, não pelo individuo, mas
pelo ambiente sócio-cultural. Para Rorty, devemos abandonar a busca pela
verdade e nos contentarmos simplesmente com a interpretação.

Por fim, Lyotard apregoa um pensamento em favor da diversidade e de


considerações meramente pragmáticas.

Tal ambiente cria uma aparente sensação de que tudo está mais belo e livre e
que o homem pós-moderno é de fato o mais realizado de todos os tempos.
Poucos são francos em admitir seu verdadeiro sentimento de vazio e
confusão. Nas palavras de Miranda (2006, p.264):

[as pessoas] sentem-se diariamente rodeadas pelo diferente, pelo desconhecido,


pelo estranho. Ninguém está completamente à vontade na sociedade pós-
moderna. Estamos todos contaminados por uma epidemia silenciosa de
insegurança e de angústia. A oferta generosa e abundante de “definições da
realidade”, à semelhança de um shopping bem sortido, garante ao individuo
maior espaço para sua liberdade, mas, simultaneamente, descarrega sobre ele o
difícil ônus de construir sua própria identidade sem lhe oferecer referências
sólidas, objetivos comprovados, ideais aceitos pela sociedade que, outrora, lhes
garantia honorabilidade e, sobretudo, credibilidade.

Por mais que a análise do pensamento desses pensadores tenha sido


superficial, é possível identificar que os conceitos relativistas e pluralistas
que permeiam o pensamento do homem pós-moderno têm como fonte tais
filosofias. Relativismo, pluralismo e a rejeição da verdade são marcas deste
tempo, as quais McGrath refuta (2007, p.168):

Contudo, a lenta saída da modernidade, ainda que inexorável, não significa que o
evangelicalismo precise assumir a ordem pós-moderna. Com efeito, o
evangelicalismo provê um ponto de observação fundamental de onde criticar
aspectos da visão de mundo pós-moderna, não menos sua aparente reação
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exagerada à ênfase do Iluminismo na verdade. A verdade permanece um assunto
de importância apaixonante para o evangelicalismo, mesmo que exista uma
pressão cultural bastante forte na sociedade ocidental para conformar com sua
ótica prevalecente de “meu ponto de vista é tão bom quanto o seu”.

Mas afinal, o que significa para a humanidade o passar da era moderna para a
pós-moderna. Conforme Lipovetsky (2007, p.23) disse:

A pós-modernidade representa um momento histórico preciso em que todos os


freios institucionais que se opunham à emancipação individual se esboaram e
desapareceram, dando lugar à manifestação dos desejos subjetivos da realização
individual, do amor-próprio. As grandes estruturas socializantes perdem a
autoridade, as grandes ideologias já não estão mais em expansão, os projetos
históricos não mobilizam mais, o âmbito social não é mais que o prolongamento
do privado – instala-se a era do vazio, mas “sem tragédia e sem apocalipse”.

Eis o cenário armado para a introdução de linhas teológico-filosóficas no


cristianismo histórico que são verdadeiros cavalos-de-tróia. Na ansiedade por
ter um cristianismo mais amigável ao pensamento pós-moderno, o
movimento da Igreja Emergente adentrou o cristianismo hodierno como tal
cavalo-de-tróia.

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IGREJA IMPREGNADA COM A FILOSOFIA PÓS-
MODERNA: A IGREJA EMERGENTE

Infelizmente, são poucos os cristãos que conseguem conciliar a ortodoxia


cristã com a propagação da mensagem do Evangelho para a sociedade pós-
moderna. Sob a alegação que a mensagem apregoada pela igreja do horizonte
moderno é muito intolerante e “fundamentalista”, passamos a encarar uma
era de extremos no contexto eclesiástico. Em um dos lados da corda está o
movimento da Igreja Emergente, que enfatiza sobremodo o pragmatismo,
deixando de lado a teologia cristã e ajustando-a ao pensamento pós-moderno,
criando assim a “Ortodoxia Generosa”1. A leitura do livro “Ortodoxia
Generosa” de McLaren deixa muito claro ao leitor que o autor é (ou deseja
ser) extremamente generoso com todo e qualquer credo existente no mundo2,
menos com o cristianismo tradicional, taxado pelo autor de exclusivista,
fundamentalista e intolerante.

A origem deste movimento é recente, conforme Daniel (2007, p.29), a Igreja


Emergente:

Nasceu no final do século XX, mas floresceu no início do século XXI. Trata-se de
um movimento que prega a necessidade de uma nova compreensão do Evangelho
e da Espiritualidade, e de uma nova teologia com uma nova abordagem da
Bíblia. Um de seus mais famosos proponentes é o pastor americano Dan

1
“Ortodoxia Generosa” é também o nome de um livro de Brian McLaren, importante divulgador e
defensor do movimento Emergente. Publicado no Brasil pela Editora Palavra (Brasília, 2007). O tom
confuso do livro – adaptado ao contexto pós-moderno relativista e pluralista pode ser facilmente
identificado na capa do mesmo, onde o autor diz “Por que sou um cristão missional, evangélico,
pós-protestante, liberal/conservador, místico/poético, bíblico, carismático/contemplativo,
fundamentalista/calvinista, anabatista/anglicano, metodista, católico, verde, encarnacional,
deprimido-mas-esperançoso, emergente e inacabado”.
2
Não afirmo que o diálogo entre as religiões não deve ocorrer, mas que adentrar no ecumenismo
irrestrito que o pluralismo da pós-modernidade propõe pode levar o cristão à apostasia.
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12
Kimball, que lançou em 2003 o livro The Emerging Church: Vintage Christianity
for New Generations (Zondervan).3

E continua esclarecendo o início do movimento bem como indicando os


principais divulgadores:

Apesar de Dan Kimball ter sido o primeiro a lançar um livro apresentando


claramente a proposta da Igreja Emergente, não foi ele o criador do termo para
designar o movimento. O título “emergente” surgiu dois anos antes do livro de
Kimball e é invenção dos pastores Doug Pagitt e Brian McLaren, como este
mesmo conta em seu livro Uma Ortodoxia Generosa – a Igreja em tempos de
Pós-modernidade (Zondervan, EUA, 2004 e Editora Palavra, 2007).

Acaudilhados principalmente por Brian McLaren, os emergentes crescem a


largos passos acusando o cristianismo “tradicional” de ser institucionalizado
demais, rígido demais, ultrapassado, exclusivista ao extremo e fechado.

Dentre as características marcantes do Movimento Emergente, é possível


destacar o seu espírito de protesto contra o cristianismo institucionalizado
ou denominacional. Os Emergentes acreditam que o modelo de igreja comum
está ultrapassado e não consegue atender as demandas do pós-modernismo.
Interessante é notar que esta aversão é justamente pelo cristianismo
tradicional defender a verdade absoluta, elemento que os pós-modernos têm
aferro. Abominam também o conceito de hierarquia nas igrejas, julgando-os
anti-bíblicos; nas Igrejas Emergentes, a figura de pastores, bispos, presbíteros
praticamente não se encontram.

No aspecto teológico, os Emergentes têm verdadeira repulsa às Teologias


Sistemáticas (livros ou disciplina em si) e apologética tradicional. Acreditam
que as Sistemática nada mais fizeram que bitolar os crentes, sendo apenas um
amontoado de textos bíblicos organizados de modo sistemático em torno das
opiniões pessoais dos autores das mesmas; da mesma forma, julgam que a

3
Livro já publicado no Brasil com o título “A Igreja Emergente: Cristianismo clássico para as novas
gerações”, São Paulo: Vida, 2008.
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13
apologética cristã está atrasada e não deve permanecer defendendo a fé como
vem fazendo no decorrer da história. Defender a fé nos dias de hoje (pós-
modernismo), é ofensivo na mentalidade dos emergentes, tão pluralistas e
inclusivistas4.

O capítulo 6 do livro de Kimball (2008, p.87-100), intitulado “Nascido


(Budista-Cristão-Wiccaniano-Muçulmano-Hétero-Gay) nos Estados
Unidos”, mostra como os Emergente consideram os cristãos como errados em
sua forma de pensar e como os emergentes são ultra-receptivos para com
frentes de pensamento que divergem da verdadeira ortodoxia bíblica. Ao final
do capítulo, Kimball praticamente tece – utilizando um fato real – uma
apologia ao homossexualismo. Muito estranho para um cristão “clássico”,
como menciona a capa da referida obra5.

Os Emergentes julgam ser a melhor opção eclesiástica no atual contexto por


defenderem que a sociedade atual é pós-cristã. Muitos que estão
frequentando alguma igreja que tenha a filosofia emergente ou são pessoas
“desingrejadas”, os quais outrora estiveram arrolados como membros de
outra denominação, mas dada decepção de qualquer ordem migraram para
este movimento, ou são pessoas das mais variadas índoles, que tem em
comum a repulsa pelo modelo convencional de igreja e que se adaptam
facilmente no meio Emergente, justamente por ser um meio já encharcado
com o pós-modernismo.

Para o cristianismo verdadeiramente sóbrio e ortodoxo, a invasão da


generosidade dos emergentes é um alerta a introdução do pós-modernismo
no seio do cristianismo evangélico: “Não é de se admirar: a Igreja Emergente

4
Este pensamento não generoso de Brian McLaren para com a Teologia Sistemática e Apologética
está muito explícito nas linhas dos livros “Uma Ortodoxia Generosa” e “A Igreja do Outro Lado”.
5
O Homossexualismo é um fato na sociedade contemporânea. O homossexual deve ser respeitado
como ser humano, sendo repulsiva toda e qualquer forma de violência contra o cidadão seja por
palavras ou ações. Os homossexuais, assim como todo e qualquer cidadão, diante da lei têm seus
direitos e deveres. Entretanto, perante as premissas bíblicas, tais práticas são consideradas
pecaminosas, e a cultura secular não deve se infiltrar na igreja a ponto do cristianismo passar a
encarar esta prática como normal e aceitável. Uma ditadura gay tenta ser implantada no mundo,
sob o falso pressuposto de homofobia, onde o que de fato se observa é o levantar da bandeira
heterofóbica por parte das militâncias homossexuais.
________

14
surgiu como um esforço deliberado para tornar o cristianismo mais
apropriado a uma cultura pós-moderna (MACARTHUR, 2007, p.46).

Como dito anteriormente, além de Brian McLaren, outro expoente do


Movimento Emergente é Dan Kimball. É fácil notar que a obra-prima de
Kimball quanto a este movimento, intitulada “A Igreja Emergente:
cristianismo clássico para as novas gerações” é dúbia, confusa e generosa
demais. Já no prefácio da referida obra é possível encontrar variações de
pensamento muito profundas, entre Rick Warren e Brian McLaren. As
opiniões de ambos são ambíguas característica do movimento (MEISTER,
2006, p.99).

Um livro cheio de figuras, ilustrações, sugestões de modelo de culto. Chama


atenção a seguinte definição, em modo de diagrama, que traz a proposta pós-
moderna para que a igreja seja bem sucedida num futuro breve (KIMBALL,
2008, p.19-20):

Primeira parte deste livro: Situa-se o contexto histórico para a


compreensão da necessidade de mudança. Sem compreender a primeira parte, a
segunda será apenas superficial (desconstruindo). Segunda parte deste
livro: Idéias práticas para eventual implementação em sua igreja e ministérios.
(reconstruindo).

Enquanto muitos estão preparando sermões e se mantendo ocupados com


questões internas das igrejas, algo alarmante está acontecendo do lado de fora. O
que antes era uma nação com uma cosmovisão judeu-cristã está rapidamente se
tornando uma nação pós-cristã, não alcançada e sem experiência nem vínculo
com a igreja. Gerações estão surgindo ao nosso redor sem nenhuma influência
cristã. Então devemos repensar tudo o que estamos fazendo em nossos
ministérios (destaque do autor).

Desconstruir, eis o caminho Emergente. É como se tudo que o Cristianismo


Histórico fez seja anátema aos Emergentes. Posando de movimento “mente-
aberta”, tornam-se exclusivistas no seu modo de pensar, levando os seus
seguidores a pensar que de fato trata-se enfim da aurora da verdade.
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15
Basta uma breve análise daquilo que o próprio McLaren afirma para perceber
que o movimento é nocivo à saúde da igreja cristã. Fazendo menção em todo
livro “Uma Ortodoxia Generosa” a uma gama variada de credos – e como os
cristãos tradicionais são “bitolados” – McLaren se mostra bastante
entusiasmado e receptivo com o pluralismo religioso que rege a pós-
modernidade. Provavelmente, o maior atestado deste pluralismo irrestrito de
McLaren seja o capítulo 15, intitulado “Por que sou católico”, onde o autor
relata um insólito episódio (MCLAREN, 2007, p.243-244):

Um dia, minha caminhada matinal me levou até a Igreja Católica Romana


Nossa Senhora da Paz, perto do meu hotel. Atrás da igreja havia uma enorme
estátua de Maria cercada por um lindo jardim, que por sua vez estava cercado de
pistas abarrotadas. Atraído por esse pequeno jardim de paz no meio do trânsito
matinal caótico da área da baía, me vi sentado sobre um banco com a imagem de
Maria me fazendo sombra, me olhando com um olhar gentil e seus braços
estendidos em minha direção. (...) Que irônico, pensei, para um menino criado em
família protestante estar sentado ali com lágrimas nos olhos, emocionado com
Nossa Senhora da Paz (...). Naquele dia também me tornei, em certo sentido, um
pouco mais católico.

É de se supor que McLaren tenha postura semelhante ao se deparar com a


imagem de Buda, Shiva ou Osíris? Se a igreja migrar para este tipo de conduta
ecumênica e irrestrita, poderemos jogar no lixo 500 anos de Reforma
Protestante.

Outro livro de importância para a Igreja Emergente, de autoria de Brian


McLaren é “A Igreja do outro lado”6. Tal livro mostra a aversão da Igreja
Emergente pela Teologia Sistemática, Apologética Tradicional e organização
eclesiástica.

6
Editora Palavra, Brasília, 2008.

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16
Por fim, outro autor que influencia o modelo Emergente é Stanley J. Grenz,
com seu livro “Pós Modernismo: um guia para entender a filosofia de nosso
tempo”7.

7
Edições Vida Nova, São Paulo, 2008.
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17
CRÍTICA À IGREJA EMERGENTE

Se o Movimento Emergente está crescendo a largos passos, o volume de


páginas na internet, seja sites ou blogs, artigos e livros com as devidas criticas
ao liberalismo extrapolado dos emergentes cresce praticamente na mesma
proporção.

O problema não pode ser ignorado, pois o movimento emergente, carregado


com a filosofia pós-moderna, avança com muita força, misturando algumas
verdades com muitos sofismas. Vejamos as palavras a seguir
(MACARTHUR, 2008, p.11) numa advertência sobre o risco deste
movimento:

Hoje em dia, esse tipo de coisa [Igreja Emergente] goza de muita popularidade.
McLaren foi o autor ou o co-autor de cerca de uma dúzia de livros, e seu total
desprezo pela certeza é um tema ao qual ele volta repetidas vezes. Em 2003, a
editora Zondervan e a organização Especialidades da Juventude trabalharam
em conjunto para iniciar uma linha de produtos chamada Emergente/EJ.
Publicam livros, DVDs e produtos de áudio num ritmo intenso e em abundância.

Os críticos do movimento apontam os erros mais evidentes dos Emergentes,


alguns deles já apresentados de modo simples anteriormente. Enquanto
alguns críticos são mais “amigáveis”, outros são mais explícitos nas palavras.
Vejamos a seguinte declaração (LAHAYE, 2007):

Entre os falsos ensinos que brotam da Igreja Emergente encontra-se uma forma
não tão sutil de ataque à autoridade da Bíblia – um claro sinal de apostasia. Eles
não mais afirmam: “Assim diz o Senhor” (apesar do uso dessa expressão por
mais de duas mil vezes na Bíblia), por temerem que isso ofenda aquelas pessoas
que apregoam a igualdade de todas as opiniões quanto ao seu valor. A Palavra de
Deus não é mais interpretada por aquilo que realmente diz; em vez disso, é
interpretada por aquilo que diz para você, desconsiderando, assim, o fato de que
a formação educacional e a experiência de vida de uma pessoa podem influenciar

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18
a maneira pela qual ela interpreta as Escrituras, a ponto de levá-la
irrefletidamente a um significado nunca planejado por Deus para aquele texto.

E continua expressando sua reprovação e opinião particular sobre a Igreja


Emergente:

Eu, particularmente, creio que eles [defensores do pós-modernismo emergente],


na verdade, são hereges, apóstatas e lobos “disfarçados em ovelhas”. Devido ao
fato do cristianismo liberal ter caído no vácuo do descrédito e das igrejas liberais
terem ficado vazias, eles agora fazem uma tentativa de re-empacotar sua
teologia sob a forma de pós-modernismo. Na realidade, a maior parte desses
conceitos não passa daquilo que costuma ser chamado de modernismo ou
liberalismo, ainda que expressos com uma terminologia pós-moderna.

Muitos se assustam ao ler opiniões como a citada acima, mas nunca se deve
esquecer que, na história cristã, em praticamente 2.000 anos, inúmeras
investidas contra a ortodoxia surgiram, muitas delas explicitamente
contrárias aos padrões bíblicos e outras um pouco mais “amigáveis” e
“agradáveis”.

No Movimento Emergente, outra característica muito marcante é a ênfase


dada ao pragmatismo (ou ortopraxia); levando sempre em consideração o
conceito popular de que se algo está crescendo, fazendo e acontecendo, por
inferência esse algo é bom. Será? Por isso é sempre necessário avaliar os mais
finos conceitos que regem um movimento (ainda mais quando tal reivindica
ser cristão). Vejamos a opinião de um cristão bíblico que tem lutado muito
contra as investidas emergentes (MACARTHUR, 2008, p.66):

Mas o que deve ser notado aqui é que, no sistema de McLaren, a ortodoxia
realmente é uma questão de prática e não de crenças verdadeiras. Embora
reconheça que esta idéia é “escandalosa”, apesar disso, ele a afirma como a
mensagem central do seu livro [Uma Ortodoxia Generosa]. Francamente, é
difícil ver essa perspectiva como outra coisa, senão como a velha e familiar
incredulidade, arraigada numa rejeição dos ensinos claros das Escrituras.
McLaren elevou as boas obras do próprio pecador acima da importância da fé
________

19
fundamentada na verdade do Evangelho. Não devemos admirar que ele sinta
grande afinidade com budistas e hinduístas. No campo final, muitas das idéias
dele a respeito do papel da retidão e das boas obras no cristianismo não diferem
fundamentalmente das idéias dessas religiões.

Por fim, vale lembrar que a Igreja Emergente no Brasil segue passos um pouco
diferentes da igreja americana. Os Emergentes no Brasil estão aparecendo
cada vez mais inseridos em igrejas novas ou velhas, mas que abriram as portas
para a filosofia relativista da pós-modernidade. Como praticamente tudo que
vem de fora encontra solo fértil na mentalidade espiritualista consumista do
brasileiro, não é de se estranhar que esta moda ainda venha a se manifestar de
modo intenso nos próximos anos.8

Focalizando a problemática que este movimento representa para os


brasileiros, já é possível localizar boas obras cristãs escritas originalmente no
contexto brasileiro contra modismos como a teologia da Igreja Emergente.

Para uma compreensão mais profunda sobre o perigo que este movimento
representa para a igreja, a leitura do livro “A Sedução das Novas Teologias”,
de Silas Daniel é muito proveitosa.9

No entanto, é preciso reconhecer que o Movimento Emergente está


“chacoalhando” a igreja cristã tradicional, levando-a a repensar sobre sua
verdadeira missão. É um fato que a grande maioria dos cristãos está muito
satisfeita com a presença apenas nos cultos dominicais, levando a vida
simplesmente amparada por uma mera religiosidade sem os frutos que Jesus
espera da Sua igreja.

O aspecto prático do cristianismo e a missão no mundo precisam ser


restauradas. O grande problema que a igreja terá que resolver é como levar a
mensagem cristã para os pós-modernos sem ser influenciado pelo seu

8
Recentemente alguns modelos de igreja foram importados para o Brasil (efeitos da globalização
religiosa); uns ficaram, outros aos poucos caem no esquecimento (embora as feridas ainda
marquem a igreja). Modas como “A Benção de Toronto”; “Avivamento de Pensacola” e “Igreja em
Células no Governo dos 12 – G12” bagunçaram muito a eclesiologia brasileira.
CPAD, Rio de Janeiro, 2007. Ler em especial os capítulos 2 e 5.
9

________

20
pensamento relativista. De fato é um grande desafio que não poderá ser
enfrentado (e vencido) enquanto a igreja permanecer lacrada entre quatro
paredes, dormindo em sua inércia. Levando em conta que tanto os
Emergentes como as pessoas moldadas pela filosofia pós-moderna anseiam por
algo mais prático, urge a necessidade de relembrar a necessidade do aspecto
prático do cristianismo.

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21
A INÉRCIA DA IGREJA CRISTÃ HODIERNA E A
NECESSIDADE DE OBRAS

Do outro lado da corda existe o sistema eclesiástico atual, que precisa dar
ouvido as criticas que o pensamento pós-moderno está fazendo, justamente
por estar dentro de um “sarcófago” em estado de inércia. No entanto, ao dar
ouvidos, não deve se deixar levar pelas filosofias que minam os fundamentos
da fé cristã. Vale entender que é necessário “aprender ainda outra língua – a
das formas de pensamento das pessoas com quem falará. (...) Cada geração
cristã defronta com este problema de aprender como falar ao seu tempo de
maneira comunicativa (SCHAEFFER, 2001, p.5).

Devido a este estado de inércia e improdutividade, onde os crentes estão mais


preocupados com o próximo best-seller “cristão” ou com o novo CD gospel, ou
mesmo com o “show” que vai abalar a cidade com o artista gospel do
momento, poucos, muito poucos “estão conscientes do estado do mundo e
das profundas mudanças por que passa a civilização. (...) A igreja, por
indiferença ou por interesse, está prisioneira do século” (CAVALCANTI,
2000, p.108).

Observa-se nas igrejas, particularmente no Brasil, um sistema


hierarquirizado, onde os membros estão mais preocupados com sua religião e
com traçar uma carreira ministerial do que em levar a mensagem para aqueles
que estão fora. E dentro do macrogrupo dos que estão fora, existe a sociedade
de mente pós-moderna (e até mesmo pós-cristã).

A pergunta que fere como uma marreta na penha é: onde estão as boas obras e
o diferencial da igreja que se coloca como guardiões eternos da verdade?
Como manter uma ortodoxia sem boas-obras? Estamos vivendo um
cristianismo paradoxal? Jesus e seus discípulos, conforme descrito no Novo
Testamento, eram dedicados à exposição do Reino de Deus nos ensinos e na
prática. Neste sentido a igreja precisa ser mais relacional, conforme
Castañeira (2009) disse:

________

22
Temos que revisar, então o modelo de Jesus cujo ministério público foi
essencialmente relacional. Ele andava no meio das multidões, ou então tinha
encontros privados com determinadas pessoas, até mesmo de noite. Ele sabia o
que era sentir o calor do meio-dia no deserto da Samaria, ou o frio da morte no
quarto de um adolescente. Ele deixou-se tocar por uma mulher cerimonialmente
impura, e tocou intencionalmente num leproso, isolado pela sociedade. Ele falou
de situações cotidianas, de sal e lâmpada, de sementes e pastores, de pais e filhos.

A ortopraxia é algo que está interligado à ortodoxia. Ser um cristão bíblico é


defender a verdade absoluta do cristianismo e prover um ensino correto
(ortodoxia) bem como colocar em prática os ensinos fundamentais do Senhor
quanto ao amor ao próximo, ou seja, “um conceito elevado da ortodoxia não
pode anular nem subverter a importância da ortopraxia” (MACARTHUR,
2008, p. 67).

A igreja atual precisa manter a ortodoxia e se “reformar” quanto a instituição


e prática. Um exemplo de reformador foi Martim Lutero que à 500 anos atrás,
insistiu que a Igreja necessitava de mudanças, seu desejo era que a graça de
Deus não fosse comercializada, que todos tivessem seu próprio exemplar da
Bíblia na língua que falavam e liam. Lutero afirmava que todos tinham um
chamado divino para servir a Deus, não apenas os clérigos, que tinham ofícios
nas igrejas. Como Tillich descreve, acerca do pensamento de Lutero: (2007,
p.251):

Todos os cristãos são sacerdotes tendo, potencialmente, a tarefa da pregação da


Palavra e da administração dos sacramentos. Todos pertencem ao elemento
espiritual. (...) o sacerdote oficial apenas fala pelos outros porque os outros não
sabem se expressar como ele.

Essas idéias eram revolucionárias para o mundo de sua época. Lutero expôs
conceitos ímpares a seus ouvintes. Eles lhe deram ouvidos, e aconteceu uma
grande mudança religiosa e cultural. Milhares de pessoas tiveram acesso a
Deus de maneiras até então desconhecidas. Retirando camadas de tinta
desnecessárias e, ao mesmo tempo, redescobrindo elementos essenciais que
se haviam perdido, a obra de arte de Lutero foi parte do que veio a ser

________

23
conhecido como Reforma. Graças a esse movimento, as igrejas no mundo
todo repensaram sua maneira de ser igreja, todos ganharam.

Porém, o processo não pode parar. Na verdade, as pessoas contemporâneas de


Lutero empregavam uma palavra muito específica para esse processo
interminável e absolutamente necessário de mudança e crescimento. Eles não
empregavam a palavra reformada, mais sim reformando. Essa distinção é
essencial. Tinham consciência de que o que eles diziam ou faziam, escreviam
e decidiam precisaria num futuro breve ser revisado, reelaborado. No
entanto, sempre calçado com a plena certeza de que a Palavra é a verdade e
único fundamento. Lutero, a 500 anos, já respondia este pragmatismo
desenfreado e cheio de relativismo dando o parâmetro de boas-obras (1999, p.
11):

Em primeiro lugar, é preciso saber que não há boas obras senão apenas aquelas
que Deus mandou fazer. Também não existe pecado senão apenas aquele que
Deus proibiu. Por isso, quem quiser conhecer e praticar boas obras não precisa
conhecer senão o mandamento de Deus (...). Devemos aprender a perceber as boas
obras a partir dos mandamentos de Deus, e não baseados na aparência, na
grandeza ou na quantidade de obras em si mesmas, tampouco na opinião das
pessoas ou em leis ou costumes humanos.

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24
FAZENDO A DIFERENÇA

Quando o amor de Jesus (e o amor por Jesus) está presente verdadeiramente


na vida de um cristão, o impulso por fazer o bem sem olhar a quem emana do
mesmo. O agir de modo coerente com a Palavra, leva o cristão a agir com atos
de misericórdia e bondade, entendendo que não é possível criar mérito diante
de Deus com tais atos, mas que através de tais atitudes, o amor de Deus é
derramado na sociedade e o Reino de Deus é implantado, através de boas
obras e da declaração das boas novas. Sendo assim, “é no fazer, apenas, que se
consuma a submissão à vontade de Deus. No cumprimento da vontade de
Deus o ser humano desiste de todo direito próprio, de toda auto-justificação.
No cumprimento, ele se entrega humildemente ao bondoso juiz”
(BONHOEFFER, 2001. p. 29).

Somos sim chamados a fazer acontecer, e no contexto pós-moderno, mais do


que nunca. Tais preceitos são necessários e precisam seguir os padrões
bíblicos:

1. Deus requer de Seus filhos: Mt 5.16; 2Co 9.6,8; Tt 2.14; Tg 2.17 –


aliados a Mt 3.8; Gl 5.6 e Jo 15.5;
2. Não há possibilidade de se “considerar bom” por fazer obras: Rm
3.28

Em resumo: “Duas coisas são necessárias para que qualquer obra se qualifique
como boa diante de Deus: deve estar conforme a lei divina e deve proceder do
motivo certo” (KOEHLER, 2002, 122).

Todo cristão é chamado a fazer o bem. Como seguidores de Jesus, somos


chamados a levar a mensagem de reconciliação para com Deus, e nessa
sociedade tão carente e encharcada com os conceitos vazios do pós-
modernismo, nada como demonstrar o genuíno amor cristão sem interesses
secundários. Provavelmente, os grande centros urbanos – as cidades – são os
celeiros missionários no contexto pós-moderno. Existe uma missão a ser
executada: a boa obra de anunciar Jesus para os secularizados dos grandes
centros urbanos, falando do amor de Deus, protegidos pela verdade da

________

25
Palavra, sem se deixar levar pela onda pós-moderna, por pior que seja o rótulo
recebido.

A possibilidade de anunciar o Reino de Deus é muito real neste contexto


social. Hoffmann procura destacar os pontos principais desta missão,
mencionando “Subsídios para melhor aproximação da realidade urbana”
(2008, p. 132-136)10: Aproximação geográfica; Aproximação por necessidades
específicas; Aproximação por necessidades sociais específicas; Aproximação
pelos espaços da legislação. Afinal de contas:

A presença da igreja, a partir deste enfoque, tem a finalidade de inserir-se


conscientemente na construção e na vigilância por condições dignas para a
população urbana. Somos cidadãos do Reino de Deus, mas também somos
cidadãos brasileiros responsáveis pela luta por dignidade, saúde, habitação,
educação, trabalho, segurança e liberdade (HOFFMANN, 2008, p.133).

Neste sentido, será necessário um esforço de todo coração dos cristãos no


sentido de ser agentes de evangelização, promoção de reconciliação da paz,
cuidado para com as pessoas e humanização.

Com este propósito em mente e no coração, seguindo o padrão de Deus


expresso em Sua Palavra, o vazio pós-moderno poderá ser preenchido com a
Verdade – Jesus Cristo – para o bem geral da sociedade.

10
Para maior profundidade de informações, a consulta à obra em questão é indispensável.
________

26
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os tempos estão mudando, a igreja atual necessita novamente deste aspecto


reformando. Para muitos pós-modernos a palavra cristão está associada a todo
tipo de imagens que nada dizem sobre quem é Jesus verdadeiramente e sobre
a maneira pela qual Ele ensinou a viver. Para outros Jesus é muito bom,
porém o que a Igreja fez no passado e continua fazendo no presente em
muitos aspectos, demonstra exatamente o contrário do que Ele ensinou. Isso
precisa mudar.

Em primeira instância, é urgente que a fé cristã não se dobre ou molde ao


pensamento pós-moderno. Não podemos nos dar ao luxo de criar
“adaptações” que tragam satisfações individuais para que a mensagem seja
aceita. Não. O que é possível é a tentativa de utilizar termos que sejam
sinônimos ou que remetam a definição original de palavras frequentementes
utilizadas dentro do cristianismo. Por exemplo, “se a palavra ‘verdade’
continuar a causar problemas intratáveis, uma abordagem alternativa pode
ser tentada. Em vez de perguntarmos se o cristianismo é verdadeiro, deve-se
perguntar ao pós-modernista se ele pode ser considerado como crível”
(MCGRATH, 2008, 313). Tal tentativa não muda a mensagem, como é feito
no padrão Emergente.

No aspecto do Movimento Emergente, a igreja cristã tradicional não deve se


preocupar em ser taxada de intolerante, fundamentalista ou quadrada. A
defesa da fé deve permanecer nos corações dos cristãos do século XXI. Não é
possível transformar o Pão da Vida – Jesus Cristo – numa espécie de “farinha
de rosca” religiosa que envolva o pluralismo religioso pós-moderno num
ecumenismo “à milanesa”. Hereges e heresias foram motivo de muita luta em
2.000 anos de história cristã, e não seria neste tempo de tanta apostasia que
problemas deixariam de surgir.

Por fim, está passada a hora da retomada missional da igreja, sair das paredes
do templo e agir de modo mais prático – ortopraxia sem descuidar da
ortodoxia. As palavras de Stott são perfeitas para tal definição (2007, p.194):

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27
A vida cristã é uma vida em família, na qual os filhos desfrutam da comunhão
com o Pai e com os irmãos. Mas não pense que as nossas responsabilidades como
cristãos terminam aqui. Os cristãos não formam um grupo fechado e arrogante,
interessado apenas em seu bem-estar. Ao contrário, todo cristão deveria
desenvolver um interesse profundo por todos os seus semelhantes, e procurar
servi-los de todas as formas. Isso faz parte da sua vocação cristã.

Ser de fato um seguidor de Jesus Cristo implica em fazer e acontecer


conforme o Mestre. A igreja somos nós, cada cidadão que confessa o nome do
Senhor. Já que reivindicamos o fato de ser luz neste mundo e sal nesta terra,
onde está nossa luz e nosso sabor? Por amor de todos, independente de status
social, cor, raça e credo, é necessário servir a Deus, servindo ao próximo, para
o bem de todos. Todos.

Eis o nosso desafio. Que o Senhor nos ajude.

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28
REFERÊNCIAS

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CASTAÑEIRA, Angel. Citado in LOPES, Carlos Augusto. A Igreja Cristã e os desafios da pós -
modernidade: relevância sem perder a essência. Publicado em 15/04/2009 –
http://carlosalopes.blogspot.com/2009/04/igreja-crista-e-os-desafios-da-pos.html - texto
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29
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