Você está na página 1de 2

Diferentemente, uma psicologia marxista, isto é, a psicologia histórico-cultural, não

perde de vista que o homem é um ser que se produz a si mesmo na exata medida em que produz
suas condições objetivas de vida e, sendo assim, não desgarra a análise acerca da subjetividade
humana daquilo que lhe confere sustentação: os modos e/ou meios pelos quais os indivíduos se
relacionam com suas condições objetivas de vida tendo em vista o atendimento de suas
necessidades, isto é da atividade, bem como daquilo que medeia essa relação possibilitando-lhe
uma pré-ideação e conferindo-lhe direção, isto é, da consciência.

Apenas os seres humanos podem fazer de sua atividade objeto de sua própria análise,
podem dela distanciar-se; todavia, se por um lado isso amplia seu controle, promovendo a
autodeterminação da atividade, por outro possibilita o surgimento da alienação. Eis a
contradição de base na vida humana, representada pela tensão entre aquilo que humaniza e
enriquece e aquilo que aliena e empobrece. Essa contradição/tensão encontra seu auge
histórico na sociedade capitalista, quando a atividade do indivíduo e seu resultado tornam -se
cada vez mais independentes, acarretando a subordinação do produtor ao produto de seu
trabalho, ao mesmo tempo em que o torna volátil e distante de suas próprias mãos. Igualmente,
nesse modelo político econômico acirra- -se a subordinação da grande maioria dos indivíduos
aos interesses de uma minoria – todavia detentora dos meios de produção, levando a luta de
classes aos seus limites máximos.

Vivemos tempos que multiplicam também os efeitos psicológicos da alienação,


expressos de diferentes formas, dentre as quais destacamos: a conversão da pessoa em máscara
destinada a expressar papéis que as circunstâncias externas exigem; a vida sustentada por
motivos efêmeros, particulares e transitórios, próprios a quem caminha sem ter definido
previamente onde pretende chegar e; igualmente, uma maciça medicalização condicionada pelo
mais absoluto desamparo dos sujeitos em relação ao seu poder de determinação sobre a própria
vida.

Ao abordar o trabalho em sua acepção geral, Marx o concebeu como atividade vital
humana, como atividade consciente e livre, e colocou em destaque sua dimensão objetivadora
e promotora do autodesenvolvimento humano. O trabalho, assim concebido, se apresenta
como mediação fundante da relação entre homem e natureza, sendo, pois, trabalho vivo,
positivo, graças ao qual o homem produz e reproduz sua vida. Trata-se do ‘trabalho concreto’!
O que estamos colocando em causa é que “a essência humana não é uma abstração
inerente ao indivíduo singular. Em sua realidade, é o conjunto das relações sociais” (Marx,1987,
p. 13), tal como anunciado na “VI Tese sobre Feuerbach”. Por conseguinte, quanto maior o
esgarçamento de tais relações, o que significa dizer, quanto maior a alienação, - a exemplo do
que estamos vivendo na atualidade, maiores as consequências internas, subjetivas, enfrentadas
pelos indivíduos sob a forma de sofrimento psíquico.

pelo próprio condicionamento social que circunscreve a vida humana, a vida pessoal
reflete o sistema de produção social, da divisão social do trabalho, de sorte que a economia
doméstica reflete a economia política. Por conseguinte, as relações interpessoais na esfera da
vida familiar, das relações entre os sexos, da amizade, do tempo livre, etc, culminam
estruturadas e subjugadas ao sistema de trocas, via de regra, mercantis e contaminadas pelo
conflito supracitado. Portanto, o empobrecimento da individualidade humana em condições de
alienação abarca tanto sua expressão no âmbito do trabalho quanto no âmbito da vida pessoal .

Por esse processo, os indivíduos deixam de ser autores e convertem-se em coautores de


sua própria existência, restando-lhes, muitas vezes, o desempenho de papéis e o cumprimento
de um script definido a partir de fora, e que Capítulo VII 161 em muitas circunstâncias denota a
ausência do sentido da mesma. Por isso, a nosso juízo, a alienação representa um fenômeno
que carrega em si dois aspectos indissociáveis: as condições socioeconômicas que lhe dão
origem e os efeitos psicológicos gerados nas pessoas por conta de sua ação.

A primeira forma denomina de “sentimento de falta de poder”, ou, de “sentimento de


impotência, pelo qual o indivíduo não se percebe como alguém capaz de gerir seu próprio
destino por consequência de sucessivas exposições a situações de inibição, limitações objetivas,
negação e pressões do ambiente, impeditivas à autogestão da vida. A segunda forma, definida
como “sentido do absurdo”, consiste numa baixa expectativa de que se possam estabelecer
relações satisfatórias entre os comportamentos e as probabilidades de seus resultados. Trata -
se do sentimento de imprevisibilidade, pelo qual ocorre certo desapego às condições objetivas
de vida, conduzindo a rumos fantasiosos e à idealização de projetos que não se fazem
acompanhados de ações concretas. Sob tais condições, ocorre uma simplificação da análise do
contexto existencial, dado que limita a compreensão da realidade e, consequentemente,
corrobora maior subordinação aos seus limites.

A terceira forma de alienação é o “isolamento”, que corresponde a uma das formas


pelas quais se expressa a desesperança, acompanhada de uma valoração negativa acerca da vida
social. Por essa via, ocorre o enclausuramento do sujeito em sua vida pessoal, circunscrita a si e
a seus próximos, de sorte que os grupos e a sociedade em sua maior abrangência vão se
tornando cada vez mais alheios e distantes do indivíduo. Trata-se da instalação de um fosso
entre indivíduo e gênero humano, pelo qual a individualidade particularizada se converte em
individualismo.

Consideramos que o desamparo edificado pela sociedade capitalista identifica-se,


sobretudo, com essas diferentes formas de expressão psicológica da alienação, que em diversos
níveis e graus coabitam a subjetividade das pessoas. Contudo, há que se frisar: as origens das
mesmas não radicam no plano individual, mas nas relações sociais de produção que apartam o
produtor do produto de seu trabalho, das relações de produção, do gênero humano e,
consequentemente, apartam o indivíduo de si mesmo como ser humano-genérico (Márkus,
1974).

Você também pode gostar