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Sinalização celular- Parte 1

Nenhuma célula vive isoladamente, dessa forma, a sinalização é a forma delas se


comunicarem. Assim, os receptores têm um papel chave no processo de comunicação química
que coordena a função de todas as células do organismo. Fármacos terapeuticamente úteis agem
agonista ou antagonistas nesses receptores de mediadores endógenos. No entanto, há fármacos
que exercem seu efeito sem a ligação com receptores.
As células secretam moléculas, como hormônios e neurotransmissores, que interagem
com os receptores e controlam diversos processos do organismo, do metabolismo de açucares,
gorduras e aminoácidos até o crescimento, diferenciação, sobrevida e a morte celular. Estas
mesmas células também respondem a moléculas exógenas, como os fármacos. A capacidade
responsiva está relacionada com a interação entre essas moléculas e os receptores específicos para
aquele sinal. A maioria dos receptores se liga a uma molécula ou a um grupo de moléculas
relacionadas, sendo esses receptores de superfície de membrana, como proteínas integrais,
intracelular ou intranuclear.

A ligação do ligante induz uma mudança conformacional no receptor que resulta em


ligação e ativação ou inibição de outras proteínas citosólicas ou ligadas a membrana. Em muitos
casos essas proteínas ativadas catalisam a síntese de pequenas moléculas ou alteram a
concentração de segundos mensageiros, como o cálcio, que carregam sinais para um ou mais
proteínas efetoras. Todo esse processo é denominado transdução de sinais.
A comunicação por sinais extracelulares inicialmente ocorre através da síntese de uma
molécula sinalizadora, sua incorporação em vesículas celulares, seguidos por sua liberação por
exocitose no espaço extracelular. Após isso há o transporte dessa molécula na fenda sináptica até
a célula-alvo. Ocorre a ligação dessa molécula a uma proteína receptora e isso desencadeia uma
mudança conformacional o ativando e sendo ativado consegue ativar uma ou mais proteínas de
transdução de sinais ou segundos mensageiros. Isso leva a ativação de uma ou mais proteínas
efetoras que levam a uma resposta modificando o metabolismo, função e movimento celular.
Todo esse processo leva a uma resposta relativamente rápida. Também pode haver uma mudança
de longo prazo na expressão gênica ou no desenvolvimento, e isso é um processo lento. A
alteração ocorrida na maquinaria citoplasmática é responsável pela modificação da resposta
celular. A finalização ou modulação dessa resposta é causada por feedback negativo de moléculas
sinalizadoras intracelulares ou pela remoção das moléculas que causam o estímulo no receptor.
Todo esse processo pode ser visualizado na representação abaixo:

Há vários tipos de receptores e sinais distintos. Mas eles podem ser agrupados em
famílias:
- Receptores acoplados a proteína G um exemplo são os receptores beta-adrenérgicos
cujos ligantes endógenos são noradrenalina, adrenalina e dopamina. Após a ligação ao receptor,
há o recrutamento de uma proteína Gs que ativa adenilil-ciclase gerando uma resposta celular.
Alguns fármacos que atuam nesse receptor são dobutamina, como agonista, e propranolol, como
antagonista.
- Canais iônicos nos canais iônicos controlados por ligante um exemplo é o receptor
nicotínico para acetilcolina. Alguns fármacos que atuam nesse receptor são a nicotina, como
agonista, e recurônio, como antagonista. Há também os canais iônicos controlados por voltagem
e um exemplo é a lidocaína agindo num receptor para anestésicos locais.
- Enzimas transmembrana um exemplo são os receptores tirosina-quinase. Eles são
receptores com atividade enzimática e agem pela fosforilação de proteínas em resíduos
específicos. Um exemplo de fármaco seria o imatinibe.
- Proteínas transmembranas não-enzimáticos são receptores para citosinas cujos
ligantes endógenos são interleucinas. Eles agem através da ativação de enzimas específicas como
a Jak/STAT.
-Receptores nucleares seus ligantes endógenos são hormônios como cortisol, os
tireoidianos e sexuais. Sua sinalização passa pela ativação de co-ativadores ou co-repressores.
- Enzimas intracelulares o receptor mais importante dessa classe guanililciclase
solúvel onde seu ligante endógeno é o óxido nítrico age levando a um aumento de GMP cíclico.

Receptor de canais iônicos


O fluxo iônico é controlado por canais iônicos altamente regulados. No homo sapiens
sapiens há aproximadamente 230 canais iônicos distintos que regulam os fluxos de sódio, cálcio,
potássio e cloreto. As proteínas envolvidas nesses processos são alvos farmacológicos
importantes.
A família dos canais iônicos pode ser dividida a partir da maneira que ocorrem a abertura
desses canais, conforme sua arquitetura e os íons que estão envolvidos no processo. Também
podem ser classificados como canais iônicos regulados por ligante, por voltagem, por estiramento
ou ativados por temperatura.
Com relação aos receptores, há dois tipos importantes
- Canais iônicos ativados por voltagem eles não se ligam diretamente ao ligante
endógeno. Eles são controlados pelo potencial de membrana. Quando há uma alteração na
voltagem, eles se abrem permitindo a passagem de íons pela membrana. Um exemplo é o canal
de sódio ativado por voltagem. Ele está representado na imagem abaixo. As alças P (em azul na
imagem) formam o sítio de seletividade, enquanto as hélices (em laranja na imagem) fazem o
sensor de voltagem pela presença de aminoácidos carregados positivamente (pontos em vermelho
na imagem). Nos neurônios relacionados a dor, esses canais de sódio são alvos de fármacos
anestésicos locais como a lidocaína e tetracaína. Elas bloqueiam o poro, inibindo a despolarização
suprimindo a sensibilidade a dor.
Esses canais de cálcio ativados por voltagem podem ser responsáveis por um potencial
de ação como nas células marca-passo cardíacas, mas na maioria dos casos são responsáveis em
modificar a forma e a duração de um potencial iniciado pelos canais de sódio rápidos regulados
por voltagem. Eles iniciam um fluxo de cálcio que estimula a secreção de neurotransmissores que
controlam a frequência cardíaca e a condução de estímulos pelo tecido cardíaco. Os canais de
cálcio do tipo L regulados por voltagem estão sujeitos a regulação adicional pela fosforilação pela
PKA. Na musculatura lisa, eles regulam o tônus muscular. A concentração intracelular de cálcio
é fundamental para a regulação do estado de fosforilação do aparelho contrátil por ativação da
miosina-quinase sensível a cálciocalmodulina. Os antagonistas de cálcio como ninfedipina,
diltiazem e verapamil são vasos dilatadores eficientes sendo muito usados para tratar hipertensão,
anginas e algumas arritmias.
-Canais iônicos ativados por ligante Outros fármacos usados na terapia agem
mimetizando a ligação de componentes endógenos que regulam o fluxo de íons por meio de canais
na membrana, seriam os canais iônicos regulados por ligante ou receptores ionotrópicos. Estes
aumentam a condutância transmembranar do íon relevante naquele sistema alterando o potencial
elétrico. Exemplos de ligantes seriam o GABA, acetilcolina, serotonina e glutamato.
Na imagem abaixo está representado o receptor nicotínico para acetilcolina controlado
por ligante e expresso na junção-neuromuscular do músculo esquelético. Ele é formado por cinco
subunidades, duas alfa, uma beta, uma gama e uma delta. Cada uma apresenta um domínio
extracelular grande e quatro hélices transmembrana, sendo a hélice que reveste o poro colorida
em azul. Quando a acetilcolina se liga as subunidades alfa, ocorre uma alteração conformacional
no receptor e isso leva a abertura de um canal central transmembrana que permite o influxo de
sódio e efluxo de potássio produzindo um sinal excitatório pós-sináptico localizado, ou seja, uma
despolarização. A rapidez desse mecanismo de sinalização é importante para a transferência de
informação momento a momento por meio das sinapses. Cada subunidade alfa apresenta um sítio
de ligação a acetilcolina idêntico e as composições das outras subunidades localizadas nos
neurônios ganglionares e junções neuromusculares explicam o motivo de que os antagonistas
competitivos, como o rocurônio, inibem a resposta na junção neuromuscular, mas não nas regiões
ganglionares. Esse fato é explorado para desenvolver agentes relaxantes da musculatura
esquelética que sejam eficientes durante intervenções cirúrgicas e com efeitos adversos
autonômicos mínimos.
Outro exemplo importante é o receptor ionotrópico GABAa. Ele é receptor para o ácido
gama-amino butirico (GABA) sendo um neurotransmissor inibitório do SNC. Esse receptor é um
canal iônico dependente de ligante com sítios de ligação específicos para vários ligantes. Ele é
constituído de diferentes combinações entre as subunidades alfa, beta e gama e assim são bem
heterogêneos molecularmente. O GABA interage em dois sítios entre as subunidades alfa e beta
levando a abertura do canal de cloreto e hiperpolarizando a célula.

Esse receptor apresenta outros sítios de ligação alostérica para várias moléculas exógenas.
A ligação de um benzodiazepínico ao receptor induz um aumento na eficiência da inibição
sináptica induzida pelo GABA. Sua ação só ocorre se o GABA estiver ligado ao receptor, sendo
assim ele é um potencializador alostérico. Não é diretamente ele que causa o efeito, ele não ativa
o receptor GABAa e não abre canais de cloreto isoladamente. Eles agem aumentando a
condutância do cloreto pelo aumento da frequência de abertura dos canais de cloreto.
Os receptores GABAa também exibem sítios de ligação para barbitúricos, sendo esses
sítios diferentes dos benzodiazepínicos, mas sua ação é semelhante. Os barbitúricos aumentam a
duração da abertura dos canais de cloreto regulados pelo GABA. No entanto, em altas doses eles
são GABAmiméticos e podem ativar diretamente o receptor GABAa independente da presença do
GABA. A capacidade deles se ligarem a outros locais no SNC explica o seu efeito em anestesia
cirúrgica completa e seu maior efeito depressor do SNC, resultando em uma baixa margem de
segurança para essa família em comparação aos benzodiazepínicos ou outros hipnóticos.
O etanol também se liga ao GABAa e pode induzir a hiperpolarização celular, aumentar
a afinidade do GABA pelo receptor, o que também leva a hiperpolarização.
Com relação ao ligante que seja semelhante aos benzodiazepínicos, temos que alguns
fármacos que não se caracterizam como benzodiazepínicos podem exercer uma ação. O zolpidem
é um agonista seletivo no sítio de benzodiazepínico que contém uma subunidade alfa1 agindo de
forma muito semelhante ao benzodiazepínico sendo usado como hipnótico. O flumazenil é um
antagonista derivado de benzodiazepínico sintético bloqueia a ação do benzodiazepínico e do
zolpidem, mas não antagoniza a ação dos barbitúricos e do etanol.

Receptor acoplado a proteína G (GPCR)


Além de se ligar ao receptor nicotínico, levando a uma despolarização e
consequentemente uma excitação celular, a acetilcolina também pode se ligar a receptores
acoplados a proteína G, também chamados de receptores metabotrópicos.
A interação da acetilcolina com receptor do tipo M2 em células do miocárdio levam a um
recrutamento de proteína GS que permitem o efluxo de potássio, hiperpolarizando a célula e
levando a redução do ritmo cardíaco. Semelhantemente, ela interage com receptores M3 nas
glândulas levando ao recrutamento de proteínas GQ inibindo os canais de potássio de se abrirem
e abrindo os canais de influxo de sódio e/ou cálcio levando a uma despolarização e a excitação
celular. Isso leva, por exemplo, a contração do músculo liso no trato digestório ou secreção pelas
glândulas.

O exemplo da acetilcolina é importante pois mostra que uma molécula endógena pode se
ligar a receptores distintos, como receptores nicotínicos e acoplados a proteínas G visto acima.
Quando falamos de receptores acoplados a proteína G e acetilcolina chamamos os receptores de
muscarínicos.

Os receptores que sinalizam por meio de proteína G são a maior família dos receptores e
são chamados de receptores sete alças transmembrana ou receptores tipo serpentina. Na ausência
de ligantes, esses receptores são ligados a um heterotrímero constituído de subunidades alfa, beta
e gama, que constituem a proteína G, e se encontram receptores afastados um do outro na
membrana.
A subunidade alfa da proteína G está ligada a um GDP quando o receptor está inativo.
Com a ligação do ligante, o receptor se ativa formando um complexo com a proteína G e isso leva
a uma alteração conformacional na subunidade alfa levando a uma troca de GDP por GTP e a
dissociação dessa subunidade alfa da beta e gama. Formando a subunidade alfa com o GTP e as
subunidades beta e gama juntas livres do receptor no citosol. Ambos os conjuntos vão regular
diferentes processos.
Colocando alguns exemplos, a subunidade alfa pode agir na adenililciclase, fosfolipase
C, enquanto o dímero beta-gama pode agir nos canais de potássio, cálcio ou P3quinase.
O sistema volta ao seu estado inicial pela hidrólise do GTP na subunidade alfa.
Abaixo, um esquema mostrando esses processos:

Tipos de proteína G
Há muitos tipos de proteínas G, mas focaremos na sinalização dos receptores acoplados
a proteína Gs, Gi e Gq. De forma geral, com a ligação do agonista ao receptor há o recrutamento
da proteína G que ao se ativar muda a atividade de um elemento efetor, sendo na maioria das
vezes uma enzima ou canal iônico. Esse elemento muda a concentração do segundo mensageiro
intracelular.
Quando o agonista se liga ao receptor e leva ao recrutamento de uma proteína Gs que vai
ser ativado a ponto que a subunidade alfa ligada ao GTP vai ativar uma adenililciclase que
converterá ATP em AMPcíclico, aumentando a concentração desse segundo mensageiro, e o
AMPcíclico recrutará proteínas próximas.
Quando o agonista se liga ao receptor e leva ao recrutamento de uma proteína Gi, ocorre
o inverso da Gs, ele inibe a adenililciclase, reduzindo a concentração de AMPcíclico e impedindo
o recrutamento de proteínas próximas.

Após a ativação da proteína Gs, haverá um aumento da concentração de AMPcíclico que


poderá ativar a proteína quinase A(PKA). A PKA é feita de duas subunidades catalíticas ligadas
reversivelmente a um dímero de subunidades reguladoras que forma um complexo
heterotetramérico. Com o aumento da concentração de AMPc, quatro dessas moléculas se ligam
ao complexo provocando uma alteração de conformação e levando a ativação da PKA.
As subunidades ativas da PKA entram no núcleo, fosforilam resíduos de serina e treonina
nos substratos proteícos específicos ativando o CREB que levará a uma alteração da transcrição
gênica. Nas células com funções especializadas o AMPc pode ter, por exemplo, outros alvos como
canais iônicos controlados por nucleotídeos cíclicos.
Quando o receptor acoplado a proteína Gi é ativado, observa-se uma redução na
concentração de AMPc e por isso a via de sinalização acima não ocorre.
O cálcio é um mensageiro intracelular muito importante pois pode regular diversas
respostas e inclusive expressão gênica, contração, secreção, metabolismo, atividade elétrica... Ele
pode entrar na célula por meio de canais de cálcio na membrana ou pode ser liberado de reservas
intracelulares. Para ter um papel correto, o nível basal de cálcio é mantido numa faixa de 100 nM
pelas bombas de cálcio na membrana que removerão íons do espaço extracelular e por um cálcio
ATPase chamada de Cerca localizada na membrana no retículo endoplasmático que acumula
cálcio em seu compartimento de armazenamento.
Alguns agentes induzem a liberação de cálcio pelo retículo através da ação de receptores
acoplados a proteína Gq. Ela ativa a fosfolipase C beta na membrana hidrolisando fosfolipídeos
de membrana e o fosfatidilinusitol-4,5-difosfato para gerar dois sinais intracelulares, o inusitol-
1,4,5-trifosfato (IP3) e o lipídeo diacilglicerol. O IP3 interage em receptores na membrana do
retículo endoplasmático e leva a liberação do cálcio armazenado. Com essa liberação os níveis
plasmáticos de cálcio sobem muito no citoplasma após alguns segundos que pode levar a ativação
de PKC e outras famílias de proteínas quinases dependentes de cálciocalmodulina como a quinase
de cadeia leve de miosina e canquinase. Dependendo da função diferenciada das células essas
quinases sensíveis a calciocalmodulina e PKC pode regular a maior parte dos eventos
subsequentes que ocorrem nas células ativadas.
Já o diacilglicerol pode ativar diretamente uma família de proteína quinase C que pode
fosforilar outros substratos.

Com relação aos receptores acoplados a proteína Gi ou Gs, há vários deles na família dos
receptores adrenérgicos. Os receptores alfa adrenérgicos podem ser alfa1 e alfa2, e os beta
adrenérgicos beta 1, beta 2 e beta 3. Eles diferem entre si pela seletividade do ligante e o
acoplamento de proteínas. Dessa forma, o receptor alfa 1 recruta proteína Gq, alfa 2 recruta G1 e
beta recruta proteína Gs.
Farmacologicamente os agonistas beta 2 adrenérgicos, como a terbutalina, são usados
para produzir broncidilatação, enquanto os antagonistas beta 1 são usados para tratar hipertensão
arterial ou angina.

Amplificação
As reações de sinalizações individuais podem gerar muitos produtos. A ativação de um
único receptor pode levar a ativação de inúmeras proteínas G no espaço intracelular. Essas
moléculas podem se ligar a outras proteínas sinalizadoras, tal a adenililciclase. Cada molécula de
enzima ativada pode gerar um grande número de AMPc, que pode ativas outras proteínas como
as quinases, que fosforilam proteínas alvo.
Apesar de nem todas as rotas de sinalização envolverem amplificação, no total, a cascata
resultante é aumentada enormemente quando é considerado o sinal inicial. Assim, a resposta pela
ligação de um único receptor acoplado a proteína G pode ser amplificado de modo que a resposta
é muito maior do que a esperada daquela interação fármaco-receptor.
As células podem se tornar adaptadas a uma molécula de sinalização extracelular. Os
receptores acoplados a proteína G quase sempre estão sujeitos a regulação por retroalimentação
e por seus produtos de sinalização. A estimulação persistente do receptor por agonista pode
dessensibilizar o receptor de forma que o efeito na mesma concentração do fármaco seja reduzido.
Pode ocorrer inacessibilidade temporária do receptor pelo agonista, uma menor expressão do
receptor (hiporegulação), uma interiorização dos receptores. Mas também pode haver uma
hipersensibilidade dos receptores aos agonistas após uma redução crônica da estimulação do
receptor. Todas essas características são adaptações e podem modular os efeitos dos fármacos
durante um tratamento.

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