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Introdução

«Não se contentava nunca e de uma coisa queria passar a outra, e a outra, sem nunca parar» ;
assim Gian Lorenzo Bernini definia seu rival em arquitetura, depois de ter reconhecido
seu talento: observação penetrante de uma testemunha que teve ocasião de trabalhar junto
ao arquiteto do Ticino e a quem não faltava certo talento psicológico e habilidade
comunicativa. O tema da pesquisa paciente e infinta se adapta ao método projetual de
Borromini mas para que se torne verdadeiramente frutífero é necessário que seja explicitado:
aquilo que Borromini investiga, passando de «uma coisa a outra», não é apenas a
variação, a diversidade, a interiorização, mas também e mais frequentemente, a oposição, a
contradição, a supressão.
Fui um dos primeiros, há muitos anos, a trazer, a propósito de Borromini, o nome de
Galileu; mas, além dos elementos que interpretam as conquistas do pensamento
seiscentesco, de Pascal a Descartes, a Galileu, a Kepler, ou, no mínimo, o prefiguram
inconscientemente, em Borromini se redesenha uma forte influência do pensamento
neoplatônico, como corretamente notou John Hendriks, e não é improvável que entre os livros
da biblioteca borrominiana estivessem as obras de Nicola Cusano, particularmente, a De Docta
lgnorantia e Le Congetture, que expõem com clareza a coincidentia oppositorum.
As hipóteses valem o que valem, mas certamente a oscilação entre os opostos é uma das
mais frutíferas chaves interpretativas que se possa empregar para compreender a
personalidade e a arquitetura de Borromini e na adoção desta chave tentaremos, tanto quanto
possível, fazer falar o próprio Borromini através dos fragmentos que sobreviveram e que permitem
reconstruir seu pensamento.
Referindo-nos simultaneamente às obras e à personalidade do artista é possível
identificar polaridades muito significativas, que aqui tentaremos elencar: Teoria-Prática;
Tradição­lnovação; Unidade-Multiplicidade; Naturalismo-Abstração; Verossímel-Verdadeiro;
Dureza-Doçura; Desinteresse pelo dinheiro-Estratégia econômica; Cristianismo-
Estoicismo.
Na filosofia cusaniana, além da coincidentia oppositorum, é posível identificar outros elementos
que podem ter envolvido profundamente o pensamento de Borromini.
Antes de mais nada, a distinção entre razão e intelecto, que consente a Cusano de colocar
osnúmeros irracionais em uma esfera privilegiada que a razão recusa, mas que o intelecto é capaz de
compreender. «É tão grande» , escreve Cusano em Congetture l, 52 e ss.,
a força da natureza intelectual simples, que esta abraça tudo aquilo que a razão separa como opostos. A razão, que
não compreende nenhum número que não tenha proporção, e admite o máximo na ação, conjectura
poder proceder do conhecido ao desconhecido. O intelecto, por sua vez, advertindo a debilidade da razão,
recusa tais conjecturas e afirma seja os números proporcionais, seja aqueles não proporcionais, assim a precisão de
todas as coisas e de cada uma singularmente se faz oculta, e é Deus bendito. A razão é a precisão do sentido; a
razão une em sua precisão os números do sentido e mensura a realidade sensível com uma precisão racional. Mas esta
não é uma medida verdadeira no sentido absoluto, ainda que verdadeira no sentido racional. A precisão das coisas
racionais é o intelecto, que é verdadeira medida. Mas a precisão somada ao intelecto é a própria verdade, que é Deus.
Cuide o quanto se segue no modo mais atento. Que a unidade proceda na alteridade é o mesmo que dizer que a
alteridade regrida na unidade; adverti-lo com a mais diligente atenção. Que a alma esteja no corpo significa que essa
procede no corpo de modo tal que a unidade corpórea entra na alma. Assim se diga da forma: qualquer forma, quanto
mais unitária e perfeita, tanto mais o seu progresso é um retorno à alteridade. Conceba, então, com um ato intelectual
simples, a conjunção do progresso e do regresso, se te impele alcançar as coisas arcanas que, acima da razão desagregadora do
progresso ao regresso, se acolhem com maior verdade somente mediante o intelecto.

E notória a predileção borrominiana pelos números irracionais que exprimem a relação entre a
circunferência e seu diâmetro, entre o lado e a diagonal do quadrado, entre o lado menor e a 7
diagonal de um retângulo que tenha os lados na relação de 1 :2. O uso sistemático
do triângulo equilátero na igreja de San Carlino é um outro indício do interesse pelos
números irracionais que deriva do sistema gótico de proporção utilizado no Duomo di Milano.
O uso da geometria e, de modo particular, das construções exequíveis com o compasso,
demonstra interesse por uma lógica para além da racionalidade e se orienta em direção
«àquelas coisas arcanas» da qual fala Cusano.
Pois no divino, segundo Cusano, é necessário abraçar os contraditórios em «um ato de
pensamento simples», isto é, com o intelecto e não com a razão, somente o intelecto é
capaz de reconhecer a unidade na trindade e vice-versa e a geometria permite seguir o
caminho da compreensão intelectual.
Tais afirmações se mostram claras em nosso exemplo, onde a linha simplíssima é triângulo, e vice-versa o
simples triângulo é unidade da linha. E aqui se vê, ainda, que não é possível contar os ângulos do triângulo com os
números um, dois e três, porque cada ângulo está em cada um dos demais, como o filho diz: «Eu estou no pai» e «o pai
está em mim». E ainda: a verdade do triângulo requer três ângulos. Existe aqui, portanto, em resumo, três
ângulos, e cada um desses é máximo, e todos são um só máximo. A verdade do triângulo requer, então, que um
ângulo não seja o outro. E aqui a verdade da unidade da essência simplíssima requer que aqueles
três ângulos não sejam três distintos, mas um só. E também isso é verdadeiro.
Conjugue, então, antecipadamente as coisas que te parecem opostas, como eu disse, e não terás o um e o
três ou vice-versa, mas o unitrino ou o triuno. E é essa a verdade absoluta. (La Dotta lgnoranza I, 58)

Refletindo sobre a difusão do triângulo na igreja de San Carlo alle Quattro Fontane, seja
como imagem perceptível aos sentidos, seja como matriz oculta, é fácil avaliar quanto
raciocínio de Cusano teria se mostrado iluminante a Borromini.
Um outro aspecto da concessão geométrica do organismo teria igualmente encontrado no De
Docta Ignorantia uma explicação coerente: a homologia entre os dois tipos diversos de
curvatura nas duplas absides de San Carlino. Para Cusano, de fato, «a infinita curvatura é a
infinita retidão» e ao passo que o raio de uma circunferência se restringe, «perde curvatura» até
tornar-se uma reta. «Se vê que a linha máxima e infinita é retíssima, e a esta não se opõe a
curvatura; antes, a curvatura da linha máxima é sua própria retidão». (La Dotta lgnoranza I,
35), que é como dizer que entre a curvatura e a retidão está em ato um contínuo estado de
metamorfose. A metamorfose que em San Carlino acontece diante dos olhos atônitos do
observador quando desloca sua atenção do eixo de ingresso ao transversal.
Em uma carta endereçada a Rasponi, autor da monografia sobre o restauro de San
Giovanni, Virgílio Spada escreveu:
· Se envia um documento do Cav. Borromino em resposta a algumas minhas questões, onde ao n. 7 explica
o modo que propôs no edifício deste templo; pois como a melodia das vozes nasce dos números, assim a beleza
das construções professa nascer igualmente dos números, e que todas as partes tenham uma tal proporção que
uma abertura de compasso, sem nunca movê-lo, possar medir todas.
·
Augusto Roca De Amicis indicou corretamente, no desenho da f. 166 do Cod. Vat. Lat.
11258 e no desenho do Museu de Estocolmo, por mim publicado per primeira vez no Roma
Barocca, a prova de um uso reiterado da sessão áurea, verificável também na construção, e
do uso das relações irracionais, como testemunham também algumas gravuras do Studio di
Architettura Civile feitas por Alessandro Specchi.
Em mérito ao simbolismo trinitário do triângulo, Borromini pode ler (e talvez tenha
lido) na Docta Ignorantia uma fascinante demonstração da superioridade deste polígono
em relação a outros e, portanto, de sua capacidade de atingir as características da divindade.
Conjuge, entretanto, a propósito desta trindade sempre beata, que o máximo é trino, e não quaterno ou
quinterno ou outra coisa. Trata-se de algo digno de nota. De fato, se assim não fosse, andar-se-ia contra a
simplicidade e a perfeição do máximo. Cada figura de polígono tem como seu simplíssimo elemento primeiro a
figura triangular, a qual é polígono mínimo, pois que não pode haver nenhum menor. Mas foi provado que o mínimo
absoluto coincide com o máximo. Daí, do mesmo modo como se comporta o um entre os números, o triângulo
o faz entre as figuras poligonais. Como cada número se resolve na unidade, assim cada polígono se resolve
no triângulo. Portanto, o triângulo máximo, com o qual coincide o mínimo, abraça todas as figuras
poligonais. Como a unidade máxima está entre os números, assim o triângulo máximo está entre todos os
polígonos. A figura quadrangular não é aquela mínima, como é evidente, porque menor do que essa é aquela
triangular. Logo, uma figura quadrangular, a qual não pode ser sem composição sendo maior do que o mínimo,
não pode de fato coincidir com o máximo simplíssimo, que pode coincidir com um só mínimo.
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[ ... ] É então evidente que da potência da linha simples nasça em primeiro lugar o triângulo simples, no âmbito dos
polígonos; depois nasce o círculo simples; depois a esfera simples; e não se alcançam outras figuras senão estas,
que são elementares, sem proporção entre elas no âmbito do finito, tal que complexificam em si mesmas todas as
demais figuras. (La Dotta Ignoranza I, 60 e ss.).

Uma leitura "borrominiana"de Cusano poderia ter sequência, mas é oportuno neste ponto,
uma vez avaliado o sentido secreto e a fertilidade destas citações, examinar os pares de
oposições mais significativos, que delineam o pensamento e o caráter do arquiteto.

Os biógrafos nos deram uma imagem de Borromini como um homem de canteiro e os Teoria-Pratica
documentos confirmam seja esta paixão pelo trabalho da construção, seja a lendária
habilidade demonstrada no realinhamento das paredes inclinadas da basílica lateranense, no
erguimento de abóbadas audaciosíssimas, na solução de problemas de estática e de prática
de execução. Por outro lado, a demonstrar a paixão teórica, estão os 910 volumes presentes em
sua biblioteca e as numerosíssimas anotações que a nós chegaram, trechos de textos como os de
Lauro, de Alberti, de Palladio, de Scamozzi, e as legendas de seus desenhos, nos quais
frequentemente transparece o desejo de demonstrar a si mesmo, mais do que aos outros, as
motivações teóricas da escolha compositiva, decorativa, simbólica.
Os textos teóricos sobre as obras borrominianas são, é verdade, escritos em maior parte por
outrem; pelo padre Giovanni di San Bonaventura a monografia sobre San Carlino e do padre
Spada o Opus sobre o convento dos Filipinos e as monografias sobre o restauro de San
Giovanni, sobe o palácio e a villa Pamphili; mas não é difícil, nesses textos, separar, como fez
Connors, as ideias sugeridas pelo arquiteto e as considerações dos redatores. Mais
do que uma incapacidade de traduzir em palavras os seus pensamentos, pode-se hipotizar em
Borromini uma reserva em sair da especificidade de seu trabalho de arquiteto, que contrasta,
entretanto, a espontaneidade com a qual ideias e observações escritas se conjugam em
seus desenhos no ductus linear da ponta do grafite. Uma mensuração e avaliação do
trabalho feito pelo canteiro Giovanni Somazzi em San Giovanni contém divagações nas
quais se pode até mesmo colher um valor literário na descrição, por exemplo, de uma coluna de
mármore africano encontrada nas escavações da fundação: «da mais nobre e bizarra veia que se
tenha jamais visto, com cores tão vivas e grandes, desenhos tão variados que
verdadeiramente se tornam estranhamente belos, sendo a dita mistura tão unita e coesa que
parece um diamante não sendo mais do que um mínimo ponto de estuque ».
Sempre em consideração aos trabalhos feitos pelo canteiro Somazzi em San Giovanni,
Borromini, também para justificar a substituição do embasamento de mármore branco
pelo calcário, teceu elogios a esse mármore cinza «que não se impregna de manchas nem se
suja [ ... ] e também na limpeza da igreja [ ... ] não deixa sujidades nem mesmo se qualquer cão
venha fazer água [ ... ]». Admirado também pela colocação acuradíssima do
embasamento, Borromini recorre, então, a uma comparação utilizada por Vasari a propósito da
Farnesina de Peruzzi: «e fica a obra tão coesa que não parece para ali trazida, mas nascida
junto ao todo e o dito mármore percorre e circunda todas as cinco naves». Palavras que
deixam transparecer um entusiasmo quase infantil pelos resultados do dei «bem construir».
Não menos indicativa da propriedade de linguagem e da competência técnica é uma
nota autógrafa endereçada a Virgilio Spada a propósito da fachada da igreja gótica de San
Martino ai Cimino: «Os estuques que resistem à agua», escreve Borromini,
não utilizam outros ingredientes que apenas a cal de construção e esta é polida, vindo a resistir em razão de sua
rusticidade, ainda que seja de difícil polimento, e por isso são mais duráveis; e quando são trabalhadas, o acabamento
deve ser feito por último enriquecendo a cal, isto é, acrescendo à cal branca virgem pó de travertino, e isso se faz com o
pincel fino ao qual se agrega melhor, alcançando o trabalho um resultado granuloso que parece mesmo feito de
travertino e não de estuque.
Os globos e bandeirolas e cruzes que se sobrepõem ao acabamento dos campanários são dourados e a espessura do ouro
será de três giulii por libra; desta espessura foram douradas as demais, que se vêem resistir muito bem, mas se adverte
que não consiste tanto a sua durabilidade em ser ouro muito espesso mas em ser muito bom e finíssimo com toda
perfeição.
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A descrição da «cal enriquecida» não poderia ser mais concisa e satisfatória e a eficaz
descrição do «trabalho granuloso» permite compreender o quanto a prática dos canteiros
teria colocado o arquiteto em condições de controlar a qualidade matérica de suas imagens.
Uma carta enviada em 1654 ao encarregado dos trabalhos de San Martino nos permite
conhecer um Borromini, além de atento às soluções construtivas, não desdenhoso de
gentilezas «literárias» quando, licenciosamente, uso um jog de palavras baseado no verbo
piegare (dobrar), primeiro uado de modo negativo para uma forma de ferro, e logo depois
positivamente para exprimir reverência ao interlocutor.
Os ferros que se dispuseram sob as pirâmides - escreve Borromini - para sustentar o peso dos janelões poderiam ser
grossos de duas onças, altos de quatro e colocados em ação contra aquele peso não poderiam vergar-se
(piegare), e inclinando-me (piegandomi) com porfunda reverência, beijo-lhe devotamente as mãos, pedindo-lhe as
graças de seus mandamentos.

A pirâmide citada na carta era aquela que ainda hoje coroa os campanários de San Martino e
Borromini se preocupa em não retirar deles a «esbeltez».
Para não retirar a esbeltez às pirâmides [...] se poderia contornar o colarinho que terminasse com a extremidade da
pirâmide [...] e pois que a ação de tal colarinho poderia, como bem sabe V.S. Ilma., conduzir o olhar à esfera, poderia-se
deixar o espaço de um palmo entre o dito colarinho e a esfera [...], elevando-a e mantendo-a o mais destacada
possível [...].

O artifício ótico, derivado de Vitruvo, tende a compensar os efeitos de alteração das


relações entre as partes, é um típico exemplo da ligação intrínseca entre prática e
teoria que é a marca dos ensinamentos borrominianos.
A delicada sensibilidade, a vastidão de interesses culturais, não estava, portanto, em
conflito para Borromini com uma competência de artesania em relação aos problemas
construtivos e com a contínua presença no canteiro que, melhor do que qualquer um,
descreveu o Frade Giovanni di San Bonaventura:
Porque o dito Sr. Francesco ele próprio governa aos pedreiros a pá; endireita aos estucadores a plaina, aos
marceneiros a serra, e cinzel aos canteiros; e aos ferreiros a lima: de modo que o Valor de sua fábrica é grande; mas
não o gasto como censuram seus antagonistas: o qual não segue outro chefe que não a indústria de seu
engenho; por isso, não apenas não deve ser censurado mas louvado e estimado.
A consideração e a estima induzida por este extraordinário amor pelo trabalho entrou no
imaginário popular romano de tal modo que inspirou Belli na segunda estrofe do soneto
dedicado aos castores:
E dizia um guardião falador
Que em seu país eles
Fabricam as casas com um trabalho
Ao qual falta o arquiteto Borromini.

A testemunhar a profundidade dos interesses teóricos e, fundamentalmente, como dissemos,


a excepcional consistência de sua biblioteca, da qual infelizmente conhecemos somente o
número dos títulos que continha. Certamente não poderia ser uma biblioteca estritamente
especializada porque no Seiscentos o número de livros de tema arquitetônico não superava
ainda uma centena.
A única certeza é que possuía um volume do Lezioni sull'Architettura de Michelangelo,
seu mestre espiritual, e uma rara cópia do Antichità Romane de Pirro Ligorio, comentada por
Celso Cittadini. Os demais títulos podem ser deduzidos de suas anotações e das
referências contidas nas monografias dedicadas a suas obras. E havia os tratados de Alberti,
de Palladio, de Scamozzi, as edições vitruvianas de Gottardo da Ponte e de Barbaro, as
obras antigas de Giacomo Lauro, de Montano, de Andrea Fulvio, além das publicações
de seus amigos Fioravante Martinelli e Giulio Cartari.
Ainda mais difícil indicar os títulos dos livros não dedicados à arquitetura. Com certeza não
deviam faltar livros de iconologia como o Ripa, o Alciati, Junius Hadrianus. É muito provável
que houvesse na biblioteca uma sessão dedicada à História Sagrada e à Teologia. O
número de títulos é muito significativo se comparado àqueles de bibliotecas de outros

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arquitetos das quais é conhecida a consistência. A de Pietro da Cortona continha 222 livros,
enquanto a de Carlo Maderno continha em 1629 apenas 23 títulos, a de Bartolomeo
Breccioli, estreito colaborador deste antes de Borromini 107, a de Paolo Maruscelli 114, a de
Camillo Arcucci 55.

A determinação inovadora de Borromini emerge na apresentação do Opus Architectonicum, Tradição-Inovação


onde pede «aos benditos leitores de se lembrar, quando parece» que se distanciam por
comuns projetos «daquilo que dizia Michelangelo, príncipe dos Arquitetos, que quem segue
a outros nunca vai além». A declaração de desejo de inovação não poderia ser mais explícita:
E eu, por certo, não me colocarei nesta profissão com o fim de ser apenas um Copista, ainda que saiba que no
inventar coisas novas não se pode colher os frutos do trabalho senão tarde, assim como não os recebeu o próprio
Michelangelo quando, na reforma da Arquitetura da grande basílica de San Pietro foi dilacerado por suas novas
formas e ornatos, e por seus opositores foi censurado, de tal forma que procuraram mais de uma vez privá-lo do
encargo de Arquiteto de San Pietro, mas ao fazê-lo, e o tempo depois clarificou, que todas as suas obras foram
reputadas como dignas de imitação e admiração.

Inventar coisas novas, «reformar a Arquitetura»: estes os objetivos explícitos, mas ao expor
a sua poética, dirigida mais ao futuro do que ao presente, Borromini não se deixa passar
inobservado uma correção muito importante. Ele não recusa, de fato, o papel de Copista
(escrito com a maiúscula), mas inserindo antes dele um «apenas», considera um papel
propedêutico à inovação. Se assim não fosse, de resto, resultariam incompreensíveis seja a
riqueza de citações históricas presentes na arquitetura borrominiana, sejam as contínuas
referências à arquitetura antiga, contidas nos fragmentos teóricos, nas anotações, nos
levantamentos, nas legendas dos desenhos.
Determinação inovadora e interesse pela tradição são vividos por Borromini como
contradições que se resolvem na síntese, na «coincidentia». Para ele, a tradição é
interpretação criativa, hermenêutica e, em certa medida, «traição», reviravolta, anamorfose.
Apenas reconhecendo esta coincidência é possível compreender a profunda diversidade
que separa San Giovanni in Oleo de Sant'Ivo, palácio Falconieri do Propaganda Fide, ou,
em uma única obra como San Carlino, o horror vacui da capela da Madonna da laus vacui
do subsolo, que se repete na rampa helicoidal do palácio Pamphili e no caracol do palácio
Spada: carregamento ou ausência decorativa são dois possíveis aspectos de uma única
aspiração ao absoluto, à coincidência de forma e conteúdo.
Alguns críticos (Battisti, Zevi) tentaram contrapor às obras mais criativas a «banalidade
borrominiana», identificando-as com aqueles aspectos clássicos que teriam sido de qualquer
modo «decaídos» e teriam prefigurado a involução no sentido classicista do barroco.
Contraposição que pressupõe a disponibilidade de Borromini a adequar-se às imposições
dos contratantes e a renúncia à coerência estilística, postura difícil de se demonstrar em um
arquiteto que teve a coragem de contrapor-se a dois pontífices. Que esta não seja a estrada
pela qual se alcança a compreensão da obra borrominiana foi demonstrado pela
superficialidade das leituras críticas conseguintes que invocavam a fratura, a «ruptura», a
«ruína», ignorando a paciente pesquisa da continuidade e do equilíbrio típica do modo de
projetar de Borromini.
Que esta poética da livre continuidade com o passado tivesse sido escolhida
conscientemente por Borromini, não apenas para defender-se de seus agressores, mas por
uma profunda convicção interior, é evidente na auto-defesa escrita para o projeto da casa
dos Filippini, como nas duas defesas escritas por Virgilio Spada e por Fioravante Martinelli,
os dois maiores amigos e críticos. Em sua auto-defesa de 1637, Borromini invoca a
autoridade dos «escritos dos melhores arquitetos antigos e modernos» e a «razão da boa
arquitetura». Em sua defesa de 1657, Spada exalta a competência profissional de Borromini

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«que tinha mostrado grande espírito na escola de seu tio, Carlo Maderno, passando a sua
juventude a observar e desenhar os vestígios das fábricas antigas de Roma com extrema
aplicação».
Martinelli, por sua vez, é ainda mais explícito e em suas palavras podemos colher um eco da
perseguição cultural que o arquiteto teve que enfrentar nos últimos anos de sua vida:
O Sr. Cav. Francesco Borromini não foi excluído da pena mordaz de Chiavarino que dele, de modo pouco civilizado,
escreveu: O Cav. Borromino, arquiteto erudito mas singular, deseja criar uma nova escola. Em que a conjunção mas, em
associação à palavra singular, significa o contrário do conceito antecedente. Do que manifestadamente parece, aquele
[Chiavarino] quis sentenciar este virtuoso arquiteto que opera com capricho, que abole as regras estabelecidas pelos
maiores,, e a imitação dos antigos, que deseja introduzir um novo modo e regras para a construção. [ ... ] A perícia do
Cav. Borromino, a literatura em todas as ciências necessárias ao arquiteto, são de tal excesso nele que, atuando como
verdadeiro arquiteto, e diversificando a partir do rigor das verdadeiras regras, não presume o ensinamento, mas a
descoberta do que quer que seja inerente ao operar a sua opinião. E se não se conhecer este seu artifício, será necessário
estudar Vitruvio e outros predecessores, e ter estudado na profissão com espírito jovial para conhecê-lo e deduzir a
razão daquilo que é oculto para não caluniar um virtuoso. Então? Vox unius vox nullius. Quem teve caridade, cortesia
e ciência disse de Borromino que faz graciosa e caprichosa arquitetura. [ ... ] Portanto, pode-se concluir com o
testemunho de tantos digníssimos virtuosos que o Sr. Cav. Francesco Borromino alcançou sem nenhuma exceção
eccettione ad summum templum Architecturae.

Unidade-Multiplicidade Do culto borrominiano à unidade, são provas não apenas a organicidade de suas arquiteturas,
mas também uma explícita declaração contida na monografia redigida por Virgilio Spada a
propósito do restauro de San Giovanni in Laterano, no qual este afirma que «nosso arquiteto»
considerou «que a unidade é mais perfeita do que a multiplicidade». Se a unidade é o objetivo
final da pesquisa borrominiana, a multiplicidade é o melhor percurso para que tal objetivo não
pareça dedutível mas conquistado através de um processo que continuamente a nega e a
reafirma. Por isso a unidade perpassa a continuidade, se decompõe no ritmo e se enriquece
através da variação sobre um tema determinado: metodologia típica da composição musical.
No desenho da Albertina (n.377) dedicado à fachada interna do Laterano, a intenção da
concatenação dos elementos atua através daquilo que Borromini define como «reverberação»,
espelhamento distante de um partido arquitetônico: «Se esta fachada fosse quadrada nos
ângulos», se lê na legenda do desenho, «seria necessário fazer dois tabernáculos em lugar de um
e assim se perderia a ordem de um arco e um tabernáculo que é quanto se pode desejar para
concluir a ordem nunca interrompida». Referindo-se, então, à solução precedente, na qual a
fachada era plana e ortogonal, Borromini acrescenta que «não havia mérito de reverberação
com o coro ou tribuna principal que reformula». A variação como garantia de um percurso
oscilatório entre multiplicidade e unidade tem o seu puntual exemplo nas variações
entrecruzadas dos capitéis de San Carlino, na configuração continuamente variada das capelas
laterais no projeto para San Paolo fuori le Mura e naquela para a capela Pamphili a realizar-se
ao lado de Santa Maria in Vallicella. A legenda de um outro desenho (il. n. 412) demonstra a
consciência do método e indica o objetivo: «variar os entalhes de um pedestal de tabernáculo
de um modo e outro de outro», se lê na parte inferior da folha, «para fugir ao tédio».
Da alternável virtualidade de unidade e multiplicidade na poética borrominiana é prova o uso
repetido, nas considerações e nas anotações autógrafas, da palavra «corpo», entendida como
sinônimo de um conjunto unitário, e a observação famosa, contida no Opus Architectonicum,
relativa aos paramentos laterícios da fachada: «se fosse possível fazer todo o edifício de material
cozido, de uma única vez sem nenhuma comissão, é certo que seria algo belíssimo; pois que tal
coisa não é nem mesmo factível, com a realização de obras minutas, se faz tanto menos visível a
comissão [...]».
Nesse caso é realmente a máxima multiplicidade, devida à extrema subdivisão, a tornar-se na
12 perfeita unidade e continuidade de uma pele.
A natureza é, para Borromini, a «Mestra da Arquitetura». No texto do Opus
Architectonicum, o tema do biomorfismo reemerge continuamente na metáfora da fachada Naturalismo-Abstração
curva porque abraça a cada um que entra, na metáfora dos balaústres invertidos, mais grossos
«em cima que dão sustento», como o corpo humano. Na monografia sobre os trabalhos do
laterano, Spada menciona que o arquiteto
considerou que a natureza é inimiga dos ângulos, do mesmo modo como os animais guiados apenas da natureza, no
voltarem-se a uma ou outra direção, não formam nunca um ângulo, mas é pela linha curva que procedem, que
entretanto os antigos fugiram sempre dos ângulos, e linhas retas, particularmente nos templos, encontram-se apenas
ângulos retos nos edifícios para comodidade das habitações para melhor acomodarem-se os leitos, as mesas, e outras
coisas necessariamente angulares.

No Razão em defesa da construção do novo oratório, escrito pelo mesmo arquiteto em


1637, se lê uma das mais explícitas opções antropomórficas: «as portas desejam estar no
meio das fachadas das construções assim como a boca na face dos homens e as janelas
aqui e ali como são os olhos [...]».
Não menos significativo testemunho da tendência em ver a arquitetura e suas leis em termos
naturalísticos se encontra na declaração contida em uma carta não emitida endereçada a
Inocêncio X por criticar impiedosamente a fachada rainaldiana do palácio Pamphili na Piazza
Navona, escrita por Virgilio Spada mas certamente inspirada por Borromini: «Aquilo que eu
duvido», se lê,
que não seja tolerável é que sobre as colunas circulares estejam pilastras quadradas, utilizando-as ainda mais do
que o contrário onde sobre as pilastras se colocam as colunas, e tal como seria algo monstruoso que uma senhora
carregasse nas costas um homem, assim é monstruoso que uma coluna circular, que é algo delicado, carregue
acima de si uma pilastra que é algo matérico e maciço, e muito mais se fossem três homens, um sobre o outro,
como no caso são três pilastras e uma sobre a outra e todas sustentadas pela delicadeza de uma coluna circular.
E foi estimado o erro de Carlo Maderno, que na fachada de Santa Susanna colocou na primeira ordem as colunas
circulares e na 2a as pilastras, ainda que as pilastras não estejam sobre o vivo das colunas como em nosso caso,
mas ficam atrás do vivo da parede e porque a natureza, que com a arte vai imitando começa do compacto e
termina no delicado, e começando do tronco, uma árvore termina em folhas e flores.

A inspiração direta da natureza é evidente também na decoração, onde um maravilhoso


repertório de ramos, folhas, frutas, flores aparece continuamente, junto às sorridentes ou
carrancudas cabeças infantis de querubins, a pontuar as superfícies e a fazer virar as partes das
obras borrominianas; e, todavia, estas imagens nos parecem sempre como distantes do mundo
real em um universo sonhado, corpóreo mas privado de cores. Um processo de abstração
distancia essas formas da vida cotidiana e da sensual fisicidade e as relega ao domínio das
ideias e dos símbolos.
O branco está tradicionalmente ligado à morte infantil. Estas frutas, as cândidas palmas
restringidas pelas pilastras de San Giovanni, as cândidas flores dos festões, os cândidos ramos
de oliveira colocados nas molduras de uma janela para serem desflorados pela luz, tudo isso
nos transporta em um limbo onde não sabemos mais se o sentimento que nos invade é a
alegria da contemplação ou o choro angustiado do paraíso perdido.
A polaridade naturalismo-abstração se transmuta, assim, na polaridade alegria-dor, vontade
de induzir no observador o prazer de uma experiência real de encontro com a natureza ou
vontade de induzi-lo a refletir sobre a vanidade e o contínuo fluir das coisas «deste mundo».
Os anjos de Sant'Andrea delle Fratte, a explosão vegetal sobre o portal do palazzo Carpegna
que conduz à rampa helicoidal, o sorriso alusivo dos querubins, se transforam no árido
deserto de pó onde a brancura evoca um outro mundo. O tema romântico do sorriso
misturado às lágrimas, que teve como intérpretes máximos Schubert na música e Friedrich na
pintura, é antecipado na decoração borrominiana com extrema força, sem sombra de
sentimentalismo, quase cruelmente.

Verossímel-Verdadeiro
A sensibilidade me direção ao material e ao desejo de exaltar-lhe a verdade construtiva se
exprime claramente nas diversas tessituras dos tijolos que distinguem hierarquicamente as
diversas partes da obra dos Filippini, assim como na acuradíssima colocação da pedra que 13
distingue a primeira ordem da fachada de San Carlino da segunda ordem executada pelo
sobrinho Bernardo. A notícia, reportada por Rasponio, sobre a originária visibilidade das
paredes antigas da basílica lateranense através das cornijas ovais, consideradas por Spada, por
provável sugestão do arquiteto, «como alegria do anel, em tal permanece como perpétua
memória da construção deita por Constantino Imperador», demonstram o valor simbólico
que uma parde poderia assumir para Borromini, em virtude de sua antiguidade.
Também a nível do organismo, a verdade estrutural do invólucro que fecha o espaço interno
entra frequentemente em estreita relação com a volumetria externa. Basta pensar na relação
de homologia espacial que existe entrea a fachada e a planta da igreja de San Carlino o à
cobertura hexalóbata de Sant'Ivo, que traduz o ponto de chegada do processo de
metamorfose, de baixo em direção ao alto, do espaço interno.
Em três casos exemplares, entretanto, Borromini decidiu enganar a vista do observador,
deslizando o espaço interno em relação ao eixo das respectivas fachadas no Oratorio dei
Filippini, de Santa Maria dei Sette Dolori e da capela de Propaganda Fide. No primeiro caso,
o deslizamento é lateral: seria possível fazer coincidir os dois eixos sem alterar a ordenação da
fachada. Em Santa Maria dei Sette Dolori, ao contrário, parece que a fachada, com a sua
simetria, seja feita para esconder o organismo (destinado à clausura), sugerindo algo
totalmente diverso. Em Propaganda Fide, a relação interior-exterior é dissimulada em direção
à rua e colocado em perfeita correspondência à estrutura, em direção ao pátio.
Vale à pena lembrar a descrição que deste intencional ilusionismo nos dá o testo do Opus
Architectonicum:

Resolvi, então enganar a vista do Passageiro, e fazer a Fachada para a praça, como se o Oratório começasse ali, e que o
Altar fosse defronte à porta, colocando essa no meio, de maneira que a metade da Fachada fosse situada na parte do
lado do Oratório, e a outra metade desse Oratório, onde estão os quartos da Forestaria [hospedaria].

Culto da verdade e aceitação da verossimilhança não são, na mentalidade borrominiana,


escolhas alternativas, mas opções congruentes orientadas em direção a um «escopo supremo»
que transcende a verdade e ilusão. Borromini teria provavelmente compartilhado aquilo que
Goethe escreveu tantos anos depois:
Aqui intervém, entretanto súbito, a observação do escopo supremo que, se assim podemos dizer, tende à complexa
satisfação dos sentidos e move o espírito culto até ao maravilhamento e ao êxtase; isso pode ser obtido somente graças
àquele gênio capaz de dominar todas as outras exigências; essa é a parte poética da arquitetura, onde opera
propriamente o fingimento. A arquitetura não é uma arte imitativa, se bem que uma arte em si, mas em seu mais alto
grau não pode fazer menos do que a imitação; essa transmite, na aparência, as características de um material ao outro,
como, por exemplo, acontece com todas as ordens de colunas, nas quais foi imitada a arquitetura em madeira; essa
transmite as características de um edifício a outro pelo modo com o qual, por exemplo, une as colunas, as pilastras, as
paredes. Esta doutrina do fingimento, e de suas leis espirituais, é necessária para contrastar certos puristas que,
também em arquitetura, transmutariam tudo em prosa.

Dureza-Doçura No plano psicológico, a coincidência dos opostos emerge em seu comportamento e em seu
caráter, onde flexibilidade e intransigência, dureza e doçura se alternam e se misturam.
Virgilio Spada traça este desdobramento defendendo Borromini com extraordinária eficácia.
«Ele é de natureza de tal temperamento que não resistirá às injúrias que a ele se fizerem, e
entretanto rompeu com muitos, mas onde a ele é trazido o respeito que se deve a seu amor, e à
sua fidelidade, ele é um cãozinho». «Respeito que se deve a seu amor»: são palavras não de
circunstância, das quais parece transbordar a lembrança de experiências vividas. O Padre
Spada, em algumas ocasiões, se indispôs contra Borromini («irrompe contra mim de modo
ruim», lembra em um outro documento), quando a desilusão pela falta (e suspira) do
encargo para a fonte da praça Navona havia cegado o arquiteto ao ponto de fazê-lo
abandonar o canteiro de San Giovanni em um momento decisivo para a finalização dos
trabalhos, antes do Ano Santo de 1650; mas também naquela ocasião se deu conta

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da boa fé e das razões que haviam levado Borromini, tanto em confessar ter começado a crer,
a um certo ponto, «que Borromini não estava errado».
A segurança de ser verdadeiro leva Borromini a opor-se à vontade e ao desejo de dois
pontífices: Inocêncio e Alessandro, mas ambos acabam por aceitar a sua vontade, ou porque
convencidos, ou porque «sujeitados» pela autoridade sem defesa do artífice. Inocêncio X
ordena a Virgilio Spada de conter o furor decorativo do mestre no restauro da Basílica
Lateranense. O declara o próprio Spada no texto que tem por título Negócio escabroso entre o
Arquiteto e um estucador, entusiasmado conto de uma das mais típicas manifestações do
humor negro e da «obstinação» borrominiana.
[...] tendo nosso Senhor mais de uma vez dito que pusesse freios, que não ornamentasse muito, para não sair do
decoro da grandeza de uma tal Basílica, e tendo eu professado com Sua Santidade mais de uma vez de trazer os
freios curtos [...] vi tanto ornamento a última vez que fui ver aquela obra [que] voltou-se em direção a mim e me
disse, bom! e qual é a parte que não foi ornamentada.

Apesar da pequena guerra dos ornamentos e o negócio escabroso, que levou a atrasos nos
trabalhos de restauro, Inocêncio e Virgílio deram razão a Borromini e igualmente venceu,
sempre em San Giovanni, quando o sucessor do papa Pamphili, Alessandro VII, lhe
encarregou de organizar os monumentos fúnebres da nave lateral. Neste caso, entretanto, o
desafio não foi sem dor. Em 1660, depois de ter visitado o papa para confrontar seus
trabalhos na Sapienza, Cario Cartari, decano dos advogados consistoriais e prefeito da
Universidade romana, assim descreve suas reações:
disse que o estilo do Cavaleiro Borromini era gótico, nem ser maravilhoso por ter nascido em Milão, onde a Catedral
de arquitetura gótica e que tal era também a Catedral de Siena [...] disse também, a propósito de Borromini, que o
tinha tirado da obra de San Giovanni a fim que deseja acompanhar a obra da Sapienza e para que não se delongasse
os depósitos lá, que S. S., para dar conhecimento que havia adotado o nome de Alessandro, não do sexto mas do
terceiro, havia desejado rememorá-lo em tal Igreja mas ficou desgostoso, que o Cavaleiro, nas colunas daquele
depósito, havia feito certos ornamentos de alto a baixo, no uso gótico que essas agora se elevariam mas depois se
fariam retirar para torná-las lisas.
Borromini teria podido responder ao papa «diletante» que o motivo vegetal da base das
colunas não provinha de um exemplo gótico, mas de um exemplo tardo-antigo, como aquele
do portal externo do Batistério Lateranense. Mas a réplica não foi necessária; aquilo de
eliminar as bases do monumento foi apenas um propósito depois abandonado (sugerido
talvez por Bernini). Imprevisível e teatral, contudo, o caráter de Borromini, oscilante entre
fidelidade e amor e explosão de cólera e desespero. Quando Inocêncio X o recebeu depois do
encargo a Bernini para a fonte dos Quattro Fiumi, «não se encontrava maneira de fazê-lo
deixar a presença de Sua Santidade, o qual duvidou, que se jogaria no Tibre, tanto estimou
que estivesse fora de si». Quando a ele foi concedida a honraria da Ordem de Cristo, o papa
não queria que o arquiteto fosse agradecer a ele e o cardeal Bernardino Spada, ao qual foi
pedido que presenciasse a cerimônia, aconselhou, para evitar «qualquer nova cena com
Borromino», de encarregar a tarefa ao cardeal Carpegna. Em seu diário, Alessandro VII,
vítima e carniceiro ao mesmo tempo, se refere que, por ter-lhe retirado o encargo do sacrário
de San Giovanni, «o Cav. Borromino quis morrer de dor» e que «para recolher de suas mãos
anotações e desenhos» para a basílica, era necessário recorrer, de acordo com o julgamento de
Spada, à «força policial».
Desinteresse pelo dinheiro
Outra contradição psicológica era aquela no que dizia respeito ao dinheiro. Inúmeros são os Estratégia econômica
testemunhos de seu desinteresse e da renúncia a compensações a ele devidas. Para a igreja dos
Piceni e para San Carlino desejou trabalhar gratuitamente e em San Giovanni evitou de
receber recursos já errogados. O testemunho de Virgilio Spada é também neste caso
iluminador: «Se fosse homem valente o não em sua profissão, é certo que teve condições de tal
se tornar, porque nunca perdeu tempo no tribunal dos Mastri di Strada [associação de classe
de então, ainda hoje em vigor], avidíssimo sempre de glórias, e abnegado de interesses».
Dizer, contudo, que Borromini desprezava o dinheiro seria uma falsidade. Chegado em Roma 15
em 1619, de fato, se empenhou em trabalhos de entalhador e já em 1621 fazia parte de uma
sociedade de arte do mármore juntamente a Girolamo Novi e Bernardino Daria. Esta
atividade empreendedorial permitiu ao jovem, livre de preocupações econômicas, de colaborar
como projetista com Maderno e Bernini e de adquirir gradualmente uma formação
profissional completa que unia à competência prática do canteiro uma iniciação cultural na
regra plena. O dinheiro acumulado nos anos da juventurde lhe consentiu, no início da carreira,
o grau de liberdade deriva do não pretender compensações e sucessivamente continuou a
garantir sua solidez econômica através de empréstimos a juros. Entre os documentos inseridos
por Dal Piazzo nos Ragguagli, de 1968, ao verbete "Negócios" são lembrados, de fato, algumas
«sociedades de ngeócios» para as quais o arquiteto recebia juros sobre empréstimos de somas de
algumas entidades.

Cristianismo-Estoicismo Última das contradições que examinaremos como conclusão é aquela entre a sua ardente fé
religiosa e a veia de dúvida ou de secreto estoicismo que desagua no clamoroso suicídio. Da
religiosidade tradicional do arquiteto são testemunhos principais a Monografia escrita pelo frade
Giovanni da San Bonaventura sobre a construção da igreja de San Carlino e o texto do Opus
Architectonicum que, ainda que escrito por Virgilio Spada, deriva certamente da plena
assimilação do pensamento borrominiano, absorvido pelo sacerdote filipino durante um
sodalício iniciado em 1637 e que durou até a morte deste último em 1662. Na descrição
detalhadíssima da fase projetual, o Opus chama continuamente em causa a divindade como
suprema sugeridora. «Me parece ter sido Graça de Deus» se lê à folha 21, «A graça de Deus
conseguiu tudo a contento», «agrada à bondade de Deus dar-me considerar [...]» à folha 18.
Outra prova da fé borrominiana é o elenco dos objetos que se encontravam em sua casa depois da
sua morte. À exceção de uma cosmografia, de três marinhas, duas imagens de Baco e um Triunfo
do Amor, todas as numerosíssimas pinturas que Borromini possuía eram de temas religiosos. Cinco
imagens da Virgem Maria fazem supor uma particular devoção, como os quatro retratos de San
Francesco. Entre os santos presentes em efígie, lembramos San Carlo, Santa Lucia, San Giovanni,
Sant'Anastasia, San Paolo (titulares das igrejas nas quais o arquiteto havia trabalhado), Santa
Caterina, San Girolamo, San Bernardo, Santa Cecilia, San Giuseppe, San Giacomo, Mosé.
Os únicos laicos dos quais haviam efígies na casa do vicolo dell'Agnello, onde Borromini havia
morado desde a sua chegada a Roma, hóspede de Leone Garvo, eram os dois bustos de Sêneca e de
Michelangelo. Encarnações da dúvida e da fé, que no momento do desespero, não podiam não
lhe sugerir escolhas antitéticas.
Podemos imaginar este dramático aut-aut naquele alvorecer abafado de 3 de agosto, através
das palavras dos dois grandes interlocutores. Michelangelo havia admiravelmente expresso em
um soneto o contraste entre desejar e poder:
Desejaria desejar, Senhor, aquilo que não desejo:
entre o fogo e o coração de gelo um véu se esconde
que o fogo amacia, onde não corresponde
a pena ao ode, e faz mentiroso o papel.
Te amo com a língua e depois me condôo
com amor não se alcança o coração; nem sei bem onde
abra portas à graça que se infunde
no coração, que joga com cada cruel orgulho.

Podemos pensar que Borromini experimentava a mesma dificuldade a sufocar o orgulho na


fé e na esperança, mas não teve, diversamente de Michelangelo, a força para sublimar a
dúvida na oração.
Rasga o véu tu, Senhor, rompe aquele muro
que com a sua solidez nos atrasa
apenas da tua luz, ao mundo apague!
Envia o anunciado lume a nós aventurados,
à tua bela esposa, àquilo que eu arda
o coração sem dúvida, somente sinta.
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Faltou, então a Borromini a força para aguardar que o véu se rasgasse.
Sêneca, por outro lado, foi o mestre da liberdade da orgulhosa autonomia. «Exercita o teu
próprio arbítrio», escreveu na XXXIII carta a Lucílio, «e diga algo que faça honrar em ser
lembrado, o que venha de ti». O próprio Sêneca talvez houvesse sugerido a Michelangelo a
frase que Borromini havia citado na autodefesa dirigida aos Oratorianos e depois na premissa
dirigida aos «bons leitores» do Opus Architectonicum: quem segue aos outros não vai nunca
adiante. Sêneca foi mais além, destacando a seus seguidores uma tarefa alimentada pelo
orgulho:
[...] não se farão nunca descobertas se estivermos satisfeitos com aquilo que já foi descoberto. Além disso, quem
segue a alguém, não encontra nada. E então? Não caminharei sobre ombras dos predecessores? Eu, em verdade,
tomarei a estrada antiga, mas, se encontrar uma mais próxima e mais plana, será esta aquela que para mim abrirei.
Aqueles que foram os primeiros, não são nossos patrões, mas são nossos guias. A verdade é aberta a todos; não é
ainda de domínio privado; muito desta resta ainda àqueles que virão.
Sêneca oferecia, então, no momento do desespero e do do desconforto, a alternativa
desesperada da morte como livre escolha.
De modo que, devendo navegar, eu posso escolher um barco, e devendo abrigar-me posso escolher uma casa, assim
posso escolher a morte quando tiver que deixar a vida. Em nada mais do que na morte alguém pode seguir suas
inclinações. Saia da vida por onde começou; seja pela lâmina, seja pelo laço, seja pelo veneno, apresse-se e rompa os
vínculos da servidão.

Entre Michelangelo e Sêneca, Borromini escolheu Sêneca e tirou a própria vida com sua
espada. Mas o destino lhe reservou uma última coincidentia oppositorum: reanimando-se, em
tempo se arrependeu e recebeu os Sacramentos. À traição do suicídio opôs a dor de quem se
entrega na fé e na esperança, depois de ter superado o naufráfio da solidão.

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