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REVISÃO

DISCURSIVAS

Manual do Professor
LÍNGUA
PORTUGUESA
REVISÃO
DISCURSIVAS

Manual do Professor
LÍNGUA PORTUGUESA

LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS

LÍNGUA PORTUGUESA
Daniel Fonseca
Eduardo Calbucci (BUCCI)
Felipe Leal
Fernando Marcílio Lopes Couto
Henrique Santos Braga
Luciana Migliaccio (LUCY)
Mauricio Soares da Silva Filho
Paulo Giovani de Oliveira
Sergio de Lima PAGANIM

LÍNGUA INGLESA
PATRICIA Helena Costa Senne dos Santos
Mauricio Pierucci

Questões
Discursivas
Vice-Presidência: Mário Ghio Júnior
Direção executiva: Thiago Brentano
Direção editorial: Lidiane Vivaldini Olo
Gerência de planejamento e controle de produção: Flávio Matuguma
Coordenação de projetos editoriais Anglo: Michelle Y. Urcci Gonçalves
Edição: Douglas Malveira
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Ilustrações: Atarukas Produção Editorial
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Anglo : revisão discursivas : Língua Portuguesa : volume


único : professor / Daniel Gomes da Fonseca...[et al.]. - 2.
ed. − São Paulo : SOMOS Sistemas de Ensino, 2020.

Outros autores: Eduardo Calbucci, Felipe Leal Alves Xavier,


Fernando Marc’lio Lopes Couto, Henrique Santos Braga,
Luciana Migliaccio, Mauricio Soares da Silva Filho, Paulo
Giovani de Oliveira, SŽrgio de Lima Paganim
ISBN 978-85-4682-061-0
Bibliografia

1. L’ngua Portuguesa (Vestibular) 2. Exame Nacional do


Ensino MŽdio (Brasil) I. Fonseca, Daniel Gomes da II.
Eduardo Calbucci, III. Xavier, Felipe Leal Alves IV. Couto,
Fernando Marc’lio Lopes V. Braga, Henrique Santos VI.
Migliaccio, Luciana VII. Silva Filho, Mauricio Soares da
VIII. Oliveira, Paulo Giovani de IX. Paganim, SŽrgio de Lima

CDD 378.1662
20-2340

Angélica Ilacqua CRB-8/7057

2020
ISBN 978-85-468-2061-0 (PR)
Código da obra 727749
2ª edição
1ª impressão

Impressão e acabamento

Uma publicação
LINGUAGENS, CÓDIGOS
E SUAS TECNOLOGIAS

ENTENDIMENTO DE TEXTO

Questões 6
Gabarito 26

GRAMÁTICA

Questões 30
Gabarito 76

LITERATURA

Questões 85
Gabarito 136

REDAÇÃO

Questões 139

LÍNGUA INGLESA

Questões 162
Gabarito 192
Entendimento de texto VESTIBULARES

TEMA 1 APREENSÃO E COMPREENSÃO

EXERCÍCIOS

1 (Fuvest-SP) Leia a seguinte mensagem publicitária de uma empresa da área de logística:

A gente anda na linha para levar sua empresa mais longe

Mudamos o jeito de transportar contêineres no Brasil e Mercosul. Através do modal ferroviário, oferecemos
soluções logísticas econômicas, seguras e sustentáveis.
a) Visando a obter maior expressividade, recorre-se, no título da mensagem, ao emprego de expressão com
duplo sentido. Indique essa expressão e explique sucintamente.
O título do anúncio explora o duplo sentido de “anda na linha”. No uso popular, a expressão equivale a “agir em
conformidade com as regras”. No contexto da propaganda, a mesma expressão também faz referência ao modal ferroviário:
como os trens trafegam sobre uma linha férrea, trata-se de um meio de transporte que “anda na linha”.

b) Segundo o anúncio, uma das vantagens do produto (transporte ferroviário) nele oferecido é o fato de esse
produto ser “sustentável”. Cite um motivo que justifique tal afirmação.
Tomando como “sustentáveis” as atividades que se desenvolvem evitando esgotar ou degradar os recursos naturais,
o transporte ferroviário pode ser enquadrado nesse grupo por sua reduzida emissão de CO2, quando comparado a outros
meios de transporte.

2 (Unicamp-SP) O dicionarista e historiador Nei Lopes, autor do Dicionário banto do Brasil, afirmou, em entre-
vista à Revista Fapesp:
Resolvi elaborar um dicionário para identificar os vocábulos da língua portuguesa com origem no uni-
verso dos povos bantos, denominação que engloba centenas de línguas e dialetos africanos. Palavras como
babá, baia, banda, caçapa, cachimbo, dengo, farofa, fofoca e minhoca, por exemplo, têm origem provável ou
comprovada em línguas bantas e o quimbundo pode ter sido o idioma que mais contribuiu à formação de
nosso vocabulário. Ao constatar tal quantidade de palavras originárias de idiomas bantos que circulam pelo
país, quis comprovar a importância dessas culturas para o contexto nacional. Assim, escrever dicionários,
para mim, também é uma tarefa política. Percebi que dicionários funcionam como um meio didático eficaz
para disseminar conhecimento.
Os currículos costumam começar a abordagem sobre a África a partir da escravidão, partindo do princípio
de que os nossos ancestrais foram todos escravos. Nos ensinamentos sobre o assunto, é preciso descolonizar o
pensamento brasileiro, deixando evidente como os grandes centros europeus espoliaram o continente e que,
hoje, a realidade africana é fruto dessas ações.
(Adaptado de Nei Lopes, O dicionário heterodoxo. Entrevista concedida a Cristina Queiroz. Revista Fapesp. Edição 275, jan. 2019.
Disponível em http://revistapesquisa.fapesp.br/2019/01/10/nei-braz-lopes-o-dicionarista-heterodoxo/. Acessado em 23/08/2019.)

a) Explique, com base em dois argumentos presentes no texto, por que, para o autor, escrever dicionários
é uma tarefa política.
Para o autor, escrever dicionários é uma tarefa política porque, por meio dela, é possível comprovar a importância das culturas
dos povos bantos para a formação da cultura brasileira. Para embasar sua afirmação, colaboram tanto a citação de palavras da
língua portuguesa que têm origem em línguas bantas (tais como “babá”, “banda” e “caçapa”, entre outras), quanto a informação
de que é muito provável que o quimbundo seja a língua banta que mais contribuiu para a formação de palavras do português.

6 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


b) Que crítica o autor faz aos currículos escolares e que abordagem propõe para o assunto?
O autor critica o fato de que os currículos costumam abordar o estudo da África a partir do tema da escravidão, partindo do
pressuposto equivocado de que todos os ancestrais africanos foram escravos. Ele propõe uma abordagem que descolonize o
pensamento brasileiro, evidenciando que os grandes centros europeus se apossaram violentamente de muitas riquezas africanas
e que a realidade atual desse continente é fruto de tais ações.

3 (Fuvest-SP)
Adaptados a esse idioma que se transforma conforme a plataforma, os memes e textões dominaram a
rotina desta década como modos de a gente rir, repercutir notícias, dividir descontentamentos, colocar o dedo
em feridas, relatar injustiças e até se informar. Entraram logo no vocabulário para além da internet: “virar
meme”, “dar textão”. Suas características também interferiram no jeito de compreender o mundo e expressar
o que acontece à nossa volta. Viktor Chagas, professor e pesquisador da Universidade Federal Fluminense
(UFF), os vê como manifestações culturais de grande relevância para entender o período e, também, como
“extravasadores de afetos”. [...]
Por mais que o textão seja “ão”, assim como o meme ele é uma expressão sintética típica de hoje, explica
Viktor Chagas. Mesmo o textão mais longo na verdade é um textinho: faz parte da lógica do espaço em que
circula.
TAB UOL, “Vim pelo meme e era textão”. Disponível em https://tab.uol.com.br/. Adaptado.

a) Retire do texto dois argumentos que justifiquem a caracterização de “memes e textões” como “extrava-
sadores de afetos”.
Quatro argumentos podem ser usados para caracterizar “os memes e textões” como “extravasadores de afetos”. Eles são
maneiras de “a gente rir”, “dividir descontentamentos”, “colocar o dedo em feridas” e “relatar injustiças”.

b) Em que sentido pode se afirmar que não há uma contradição no trecho “Mesmo o textão mais longo na
verdade é um textinho”?
Pode-se afirmar que não há contradição em “Mesmo o textão mais longo na verdade é um textinho” se for considerado que
as noções de grande e pequeno presentes em “textão” e “textinho” não são absolutas, mas relativas. Apesar de serem mais
extensos do que a média das postagens em redes sociais, os textões são compostos de alguns poucos parágrafos que, se
veiculados em outro suporte, corresponderiam, no máximo, a duas ou três páginas, o que é considerado pouco em quantidade de
informações e em profundidade analítica, se comparado a um artigo acadêmico, um ensaio, uma tese ou um tratado, por
exemplo.

4 (Unicamp-SP) Leia o texto a seguir e responda às questões.


Os anos correm entre um século e outro, mas os problemas permanecem os mesmos para os kalungas*.
Quilombolas** que há mais de 200 anos encontraram lar entre os muros de pedra da Chapada dos Veadeiros,
na região norte do Estado de Goiás, os kalungas ainda vivem com pouca ou quase nenhuma infraestrutura. De
todos os abusos sofridos até hoje, um em particular deixa essa comunidade em carne viva: os silenciosos casos
de violência sexual contra meninas. Entretanto, passado o afã das denúncias de abuso sexual que figuraram
em grandes reportagens da imprensa nacional em abril do ano passado, a comunidade retornou ao seu curso
natural. E assim os kalungas continuam a viver no esquecimento, no abandono e, principalmente, no medo.
As vítimas não viram seus algozes punidos. O silêncio prevalece e grita alto naquelas que se arriscaram a
mostrar suas feridas. O sentimento é o de ter se exposto em vão.
RAPHAELA, Jéssica; SILVA, Camila. O silêncio atrás da serra. Revista Azmina.
Disponível em: <http://azmina.com.br/secao/osilencio-atras-da-serra/>. Acesso em: 3 out. 2016 (adaptado).

* Kalungas: habitantes da comunidade do quilombo Kalunga, maior território quilombola do país.


** Quilombolas: termo atribuído aos “remanescentes de quilombos”. Atualmente, há no Brasil cerca de 2.600 comunidades quilombolas certificadas pela
Fundação Cultural dos Palmares.

Entendimento de texto 7
a) Identifique no texto dois motivos para o sofrimento histórico vivido pela comunidade quilombola
Kalunga.
O sofrimento histórico dos kalungas é motivado por vários fatores, entre os quais se destacam o fato de eles sobreviverem

“com pouca ou quase nenhuma infraestrutura” e de ainda conviverem com “casos de violência sexual contra meninas”.

Como falta punição aos criminosos, esses quilombolas vivem “no esquecimento, no abandono e, principalmente, no

medo”.

b) No final do texto há uma figura de linguagem conhecida como paradoxo. Quais termos são utilizados para
se obter esse efeito de sentido?
São os termos “silêncio” e “grita”, que apresentam sentidos contraditórios e aparecem lado a lado na passagem
“O silêncio prevalece e grita alto [...]”.

5 (Fuvest-SP) Examine a seguinte citação:

É menor pecado elogiar um mau livro, sem lê-lo, do que depois de o haver lido. Por isso, agradeço ime-
diatamente depois de receber o volume.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Passeios na ilha.
Explique por que o autor agradece “imediatamente depois de receber o volume”.

No início do fragmento, o autor afirma ser menos grave elogiar um mau livro sem lê-lo do que depois de lê-lo. Desse modo,
ele agradece “imediatamente depois de receber o volume” para não correr o risco de cometer o pecado mais grave: a
possibilidade de elogiar um mau livro, depois de tê-lo lido.

6 (Unicamp-SP)
Canção é tudo aquilo que se canta com inflexão melódica (ou entoativa) e letra. Há um “artesanato” es-
pecífico para privilegiar ora a força entoativa da palavra ora a forma musical; nem só poesia nem só música.
Um dos equívocos dos nossos dias é justamente dizer que a canção tende a acabar porque vem perdendo
terreno para o rap! Ora, nada é mais radical como canção do que uma fala que conserva a entoação crua.
A fala no rap é entoada com certa regularidade rítmica, o que a torna diferente de uma fala usual. Apesar
de convivermos hoje “com uma diversidade cancional jamais vista”, prevalece na mídia, nos meios cultural e
musical “a opinião uniforme de que estamos mergulhados num ‘lixo’ de produção viciada e desinteressante”.
Vivemos uma descentralização, com eventos musicais ricos e variados, “e a força do talento desses novos
cancionistas também não diminuiu”.
O rap serve-se da entoação quase pura, para transmitir informações verbais, normalmente intensas, sem
perder os traços musicais da linguagem da canção. Seu formato, menos música mais fala, é ideal para se fazer
pronunciamentos, manifestações, revelações, denúncias etc., sem que se abandone a seara cancional. Podemos
dizer que o trabalho musical, no rap, é para restabelecer as balizas sonoras do canto, mas nunca para perder
a concretude da linguagem oral ou conter a crueza e o peso de seus significados pessoais e sociais. Atenuar
a musicalização é reconhecer que as melodias cantadas comportam figuras entoativas (modos de dizer) que
precisam ser reveladas por suas letras.
TATIT, Luiz. Artigos disponíveis em:
<http://www.luiztatit.com.br/artigos/artigo?id=29/Cancionistas-Invis%C3%ADveis.html> e <http://www.scielo.br/pdf/rieb/n59/0020-3874-rieb-59-00369.pdf>.
Acessos em: 11 dez. 2017 (adaptado).

8 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


A partir da leitura do texto anterior,
a) aponte dois argumentos de Luiz Tatit que defendem a ideia de que o rap é um tipo de canção.
Segundo Luiz Tatit, o que define o termo “canção” é a presença de uma “inflexão melódica”, uma determinada arquitetura
entoativa. Para defender que o rap faz parte de tal gênero, o primeiro argumento citado é o fato de estar preservada a
entoação crua, isto é, há “regularidade rítmica”, diferente da fala. Em um segundo momento, o autor faz uma ressalva,
colocando que, diferentemente do que profere o senso comum – de que a produção musical é viciada e desinteressante –,
o rap colabora para a descentralização dos movimentos musicais com força e talento.

b) cite duas características, apresentadas no texto, que corroboram que o rap é uma forma ideal de “canção
de protesto”.
A primeira característica que corrobora a afirmação de que o rap é uma forma ideal de “canção de protesto” é o formato que
assume: “menos música e mais fala”. Referindo-se, primordialmente ao plano de expressão, o autor diz que a “entoação quase
pura” transmite informações com intensidade e musicalidade. A segunda característica é a relação entre o plano da expressão
e o de conteúdo, na medida em que, no rap, há criação de sonoridades sem “perder a concretude da linguagem oral ou
conter a crueza e o peso de seus significados pessoais e sociais”.

7 (Unesp-SP)
“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta.”
Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança
educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico; diferente do que se encontra
fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única
de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na
influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita dos felizes tempos;
como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora, e não viesse de
longe a enfiada das decepções que nos ultrajam.
Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias
que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compen-
sação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor,
sobre a mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um
pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura ao crepúsculo – a paisagem é a mesma de cada
lado, beirando a estrada da vida.
Eu tinha onze anos.
Frequentara como externo, durante alguns meses, uma escola familiar do Caminho Novo, onde algumas
senhoras inglesas, sob a direção do pai, distribuíam educação à infância como melhor lhes parecia. Entrava às
nove horas timidamente, ignorando as lições com a maior regularidade, e bocejava até às duas, torcendo-me
de insipidez sobre os carcomidos bancos que o colégio comprara, de pinho e usados, lustrosos do contato da
malandragem de não sei quantas gerações de pequenos. Ao meio-dia, davam-nos pão com manteiga. Esta re-
cordação gulosa é o que mais pronunciadamente me ficou dos meses de externato; com a lembrança de alguns
companheiros – um que gostava de fazer rir à aula, espécie interessante de mono louro, arrepiado, vivendo a
morder, nas costas da mão esquerda, uma protuberância calosa que tinha; outro adamado, elegante, sempre
retirado, que vinha à escola de branco, engomadinho e radioso, fechada a blusa em diagonal do ombro à cinta
por botões de madrepérola. Mais ainda: a primeira vez que ouvi certa injúria crespa, um palavrão cercado de
terror no estabelecimento, que os partistas denunciavam às mestras por duas iniciais como em monograma.
Lecionou-me depois um professor em domicílio.

Entendimento de texto 9
Apesar deste ensaio da vida escolar a que me sujeitou a família, antes da verdadeira provação, eu estava
perfeitamente virgem para as sensações novas da nova fase. O internato! Destacada do conchego placentário
da dieta caseira, vinha próximo o momento de se definir a minha individualidade.
O Ateneu, 1999.

a) Que relação o narrador estabelece entre a vida familiar e a vida no internato? Justifique sua resposta.
Uma relação de oposição. Para o narrador, a vida familiar era uma “estufa de carinho”, caracterizada pelos “cuidados
maternos”, enquanto a vida no internato tinha uma rudeza, que a tornava bastante “diferente” do “regime do amor
doméstico”.

b) Por que razão o narrador chama de “eufemismo” os “felizes tempos”?


O eufemismo é uma forma de suavizar uma ideia, diminuindo os efeitos negativos que ela pode causar. Ao usar esse termo
para definir a expressão “felizes tempos”, o narrador sugere que seu passado não foi tão bom quanto poderia parecer. Trata-
se praticamente de uma expressão com valor irônico, que tenta esconder as “decepções que nos ultrajam”.

8 (Unesp-SP) Leia o trecho inicial do artigo “Artifícios da inteligência”, do físico brasileiro Marcelo Gleiser (1959- ):

Considere a seguinte situação: você acorda atrasado para o trabalho e, na pressa, esquece o celular
em casa. Só quando engavetado no tráfego ou amassado no metrô você se dá conta. E agora é tarde para
voltar. Olhando em volta, você vê pessoas com celular em punho conversando, mandando mensagens,
navegando na internet. Aos poucos, você vai sendo possuído por uma sensação de perda, de desconexão.
Sem o seu celular, você não é mais você.
A junção do humano com a máquina é conhecida como “transumanismo”. Tema de vários livros e
filmes de ficção científica, hoje é um tópico essencial na pesquisa de muitos cientistas e filósofos. A
questão que nos interessa aqui é até que ponto essa junção pode ocorrer e o que isso significa para o
futuro da nossa espécie.
Será que, ao inventarmos tecnologias que nos permitam ampliar nossas capacidades físicas e men-
tais, ou mesmo máquinas pensantes, estaremos decretando nosso próprio fim? Será esse nosso destino
evolucionário, criar uma nova espécie além do humano?
É bom começar distinguindo tecnologias transumanas daquelas que são apenas corretivas, como
óculos ou aparelhos para surdez. Tecnologias corretivas não têm como função ampliar nossa capacidade
cognitiva: só regularizam alguma deficiência existente.
A diferença ocorre quando uma tecnologia não apenas corrige uma deficiência como leva seu porta-
dor a um novo patamar, além da capacidade normal da espécie humana. Por exemplo, braços robóticos
que permitem que uma pessoa levante 300 quilos, ou óculos com lentes que dotam o usuário de visão
no infravermelho. No caso de atletas com deficiência física, a questão se torna bem interessante: a partir
de que ponto uma prótese como uma perna artificial de fibra de carbono cria condições além da capa-
cidade humana? Nesse caso, será que é justo que esses atletas compitam com humanos sem próteses?
Poderia parecer que esse tipo de hibridização entre tecnologia e biologia é coisa de um futuro distante.
Ledo engano. Como no caso do celular, está acontecendo agora. Estamos redefinindo a espécie humana
através da interação – na maior parte ainda externa – com tecnologias que ampliam nossa capacidade.

10 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Sem nossos aparelhos digitais – celulares, tabletes, laptops – já não somos os mesmos. Criamos
personalidades virtuais, ativas apenas na internet, outros eus que interagem em redes sociais com
selfies arranjados para impressionar; criações remotas, onipresentes. Cientistas e engenheiros usam
computadores para ampliar sua habilidade cerebral, enfrentando problemas que, há apenas algumas
décadas, eram considerados impossíveis. Como resultado, a cada dia surgem questões que antes nem
podíamos contemplar.
Folha de S.Paulo, 1 fev. 2015 (adaptado).

a) Para o físico Marcelo Gleiser, o que distingue as tecnologias transumanas daquelas apenas corretivas?
Justifique sua resposta.
O enunciador define as tecnologias transumanas como aquelas capazes de elevar a capacidade cognitiva da espécie
humana. As tecnologias corretivas, segundo ele, são as que remediam alguma deficiência – como exemplo, ele cita óculos e
aparelhos para surdez.

b) Cite dois termos empregados em sentido figurado no primeiro parágrafo do artigo.


Entre os seguintes, podem ser escolhidos dois termos:
• “engavetado”, que está assemelhando a situação de estar em um congestionamento a estar preso em uma gaveta;
• “amassado”, que está aproximando o contato entre os passageiros de um metrô lotado ao ato de amassar um objeto;
• “navegando”, que é uma expressão não literal já consagrada para acessar a internet.

EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

1 (Fuvest-SP)
Há certas expressões significativas: “Contra fato não há argumento”. Elas querem dizer que, diante da
evidência do real, não cabem às argumentações em contrário, o que em princípio parece estar certo. Mas,
na verdade, significam também coisas como “o que vale é a força” ou “ideia não resolve”. Assim, pregam o
reconhecimento do fato consumado, a capitulação diante do que se impôs no terreno “prático”, negando o
direito de discutir, de argumentar para mudar a realidade. E então se tornam sinistras.
Antonio Candido. Recortes.

Entre as “expressões significativas”, a que se refere o autor do texto, podem-se incluir certos provérbios,
como “Cada macaco no seu galho”. Indique o sentido que esse provérbio assume,

a) se for entendido como uma afirmação aceitável, que em princípio parece estar certa;
b) se for entendido como uma afirmação autoritária, que impõe um fato consumado.

2 (Fuvest-SP)
I. Não deis aos cães o que é santo, nem atireis aos porcos as vossas pérolas [...].
Mateus, 7:6.

II. Você pode atirar pérolas aos porcos. Mas não adianta nada atirar pérolas aos gatos, aos cães ou às
galinhas porque isso não tem nenhum significado estabelecido.
Millôr Fernandes. Millôr definitivo: a bíblia do caos.

a) Considerando-se que o texto II tem como referência o texto I, qual é a expressão que, de acordo com
Millôr Fernandes, tem um “significado estabelecido”?
b) No texto I, os significados dos segmentos “não deis aos cães o que é santo” e “nem atireis aos porcos
as vossas pérolas” reforçam-se mutuamente ou se contradizem? Justifique sucintamente sua resposta.

Entendimento de texto 11
3 (Unicamp-SP) Em um jornal de circulação restrita, vemos, na capa, a seguinte chamada:

Inspire
saúde!
Sem fumar,
respire
aliviado!

No interior do jornal, a matéria começa da seguinte forma: “Desperte o não fumante que há em você!”, se-
guida logo adiante de “O fumante passivo – aquele que não fuma, mas frequenta ambientes poluídos pela
fumaça do cigarro – também tem sua saúde prejudicada”.
Jornal da Cassi – Publicação da Caixa de Assistência dos
Funcionários do Banco do Brasil, ano IX, n. 40, jun./jul. 2004.

Levando em consideração os trechos citados, observamos, na chamada da capa, um interessante jogo po-
lissêmico.
a) Apresente dois sentidos de “Inspire” em “Inspire saúde”. Justifique.
b) Apresente dois sentidos de “aliviado” em “respire aliviado!”. Justifique.

4 (FCMSCSP) Leia o texto de Adilson Citelli.


A revista americana Newsweek se fazia anunciar, em cartazes publicitários afixados em alguns pontos
de vendas, como aquela que não persuadia, mas informava. Afora querer convencer-nos acerca do conhecido
mito da neutralidade jornalística, a revista parecia desejosa de exorcizar(-se?) um demônio que vincula à
persuasão alguns qualificativos como fraude, engodo, mentira. Deixar claro, nesse caso, uma atitude anti-
persuasiva objetiva fixar uma imagem de respeitabilidade/credibilidade junto aos leitores. Supondo-se que a
revista espelhasse a mais completa lisura, o mais profundo aferramento aos princípios de uma informação
incontaminada pela presença de interesses vários, ainda assim estaria ela isenta do ato persuasivo? A resposta
é não. Afinal, o próprio slogan da revista, aquela que não persuade, já nos remete à ideia de que estamos
diante de um veículo marcado pela correção e honestidade, diferente de outros, e no qual o leitor pode con-
fiar plenamente. De certo modo, o ponto de vista do receptor é dirigido por um emissor que, mais ou menos
oculto, e falando quase impessoalmente, constrói sob a sutil forma da negação uma afirmação cujo propósito
é o de persuadir alguém acerca da verdade de outrem. Isso nos revela a existência de graus de persuasão:
alguns mais ou menos visíveis, outros mais ou menos mascarados.
(Linguagem e persuasão, 1995.)

a) A respeito do anúncio da Newsweek, o autor do texto percebe uma contradição. Qual?

b) Considerado o contexto, que significado tem “-se?” em “exorcizar(-se?)”? Explique.

5 (Unicamp-SP)

Disponível em: <coletivotransverso.blogspot.com.br>.


Acesso em: 29 out. 2013.

12 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


A intervenção urbana reproduzida foi criada pelo Coletivo Transverso, um grupo envolvido com arte urbana
e poesia, que afixou cartazes como esses em muros de uma grande cidade.
a) Que outro texto está referido em “Seguro morreu de tédio”?
b) A relação entre os dois textos – o do cartaz e aquele a que ele remete – é importante para a interpretação
dessa intervenção urbana? Justifique sua resposta.

6 (Fuvest-SP) Leia o seguinte texto:

Verão excessivo

Eu sei que uma andorinha não faz verão, filosofou a andorinha-de-barriga-branca.


Está certo, mas agora nós somos tantas, no beiral, que faz um calor terrível, e eu não aguento mais!
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis.

a) Com base na queixa da andorinha-de-barriga-branca, reformule o provérbio “Uma andorinha não faz
verão”.
b) Está adequado o emprego do verbo “filosofou”, tendo em vista que ele se refere ao provérbio citado no
texto? Justifique sucintamente sua resposta.

7 (Fuvest-SP)
Uma nota diplomática é semelhante a uma mulher da moda. Só depois de se despojar uma elegante de
todas as fitas, rendas, joias, saias e corpetes, é que se encontra o exemplar não correto nem aumentado da
edição da mulher, conforme saiu dos prelos da natureza.
É preciso desataviar uma nota diplomática de todas as frases, circunlocuções, desvios, adjetivos e advér-
bios para tocar a ideia capital e a intenção que lhe dá origem.
Machado de Assis
Glossário
Nota diplomática: comunicação escrita e oficial entre os governos de dois países, sobre assuntos do interesse de ambos.

a) É correto afirmar que, segundo o texto, uma nota diplomática se parece com o “exemplar não correto nem
aumentado da edição da mulher”? Justifique sua resposta.
b) Tendo em vista o trecho “para tocar a ideia capital e a intenção que lhe dá origem”, indique um sinônimo
da palavra “capital” que seja adequado ao contexto e identifique o referente do pronome “lhe”.

8 (Fuvest-SP) Leia o texto a seguir e responda ao que se pede.

Tem-se discutido muito sobre as funções essenciais da linguagem humana e a hierarquia natural que
há entre elas. É fácil observar, por exemplo, que é pela posse e pelo uso da linguagem, falando oralmente ao
próximo ou mentalmente a nós mesmos, que conseguimos organizar o nosso pensamento e torná-lo articula-
do, concatenado e nítido; é assim que, nas crianças, a partir do momento em que, rigorosamente, adquirem
o manejo da língua dos adultos e deixam para trás o balbucio e a expressão fragmentada e difusa, surge um
novo e repentino vigor de raciocínio, que não só decorre do desenvolvimento do cérebro, mas também da
circunstância de que o indivíduo dispõe agora da língua materna, a serviço de todo o seu trabalho de atividade
mental. Se se inicia e desenvolve o estudo metódico dos caracteres e aplicações desse novo e preciso instru-
mento, vai, concomitantemente, aperfeiçoando-se a capacidade de pensar, da mesma sorte que se aperfeiçoa
o operário com o domínio e o conhecimento seguro das ferramentas da sua profissão. E é este, e não outro,
antes de tudo, o essencial proveito de tal ensino.
J. Mattoso Câmara Jr., Manual de expressão oral e escrita. Adaptado.

a) Transcreva o trecho em que o autor trata da relação da linguagem com o pensamento.


b) Transcreva o trecho em que o autor trata da relação da linguagem com a fisiologia.
c) Segundo o autor, qual é o “essencial proveito” do ensino da língua?

Entendimento de texto 13
TEMA 2 GÊNEROS TEXTUAIS

EXERCÍCIOS

1 (Unicamp-SP)

Noite de autógrafos

A leitora, vistosa, usando óculos escuros num ambiente em que não eram necessários, se posta diante do
autor sentado do outro lado da mesa de autógrafos e estende-lhe o livro, junto com uma pergunta:
− O que é crônica?
O escritor considera responder com a célebre tirada de Rubem Braga, “se não é aguda, é crônica”, mas
se contém, temendo que ela não goste da brincadeira. [...] Responde com aquele jeito de quem falou disso
algumas vezes:
− É um texto de escritor, necessariamente de escritor, não de jornalista, que a imprensa usa para pôr um
pouco de lirismo, de leveza e de emoção no meio daquelas páginas e páginas de dados objetivos, informações,
gráficos, notícias... É coisa efêmera*: jornal dura um dia, revista dura uma semana.
Já se prepara para escrever a dedicatória e ela volta a perguntar:
− E o livro de crônicas, então?
Ele olha a fila, constrangido. Escreve algo brevíssimo, assina e devolve o livro à leitora [...]. Ela recebe o
volume e não se vai, esperando a resposta. Ele abrevia, irônico:
− É a crônica tentando escapar da reciclagem do papel. Ela fica com ambição de estante, pretensiosa,
quer status literário. Ou então pretensioso é o autor, que acha que ela merece ser salva e promovida. [...]
− Mais respeito. A crônica é a nossa última reserva de estilo.
ÂNGELO, I. Veja São Paulo, São Paulo, p. 170, 25 set. 2012.
* efêmero: de pouca duração; passageiro, transitório.

A certa altura do diálogo, a leitora pergunta ao escritor que dava autógrafos: “− E o livro de crônicas, então?”.

a) A pergunta da leitora incide sobre uma das características do gênero crônica mencionadas pelo escritor.
Explique que característica é esta.
A efemeridade. O texto da crônica, embora tenha “lirismo”, “leveza” e “emoção”, dura pouco, como acontece com as
reportagens jornalísticas.

b) Explique o funcionamento da palavra "então" na pergunta em questão, considerando o sentido que esta
pergunta expressa.
Esse conector serve para apresentar uma decorrência daquilo que foi dito anteriormente. Nesse caso, trata-se de uma
dúvida da leitora: se a crônica é efêmera e tende a ser descartada com facilidade, como o escritor sugere, por que existiria
um “livro de crônicas”, concebido exatamente para durar?

2 (Fuvest-SP) Leia este texto.

Nosso andar é elegante e gracioso, e também extremamente eficiente do ponto de vista energético.
Somos capazes de andar dezenas de quilômetros por quilo de feijão ingerido. Até agora, nenhum sapato,
nenhuma técnica especial de balançar os braços, ou qualquer outro truque foram capazes de melhorar
o número de quilômetros caminhados por quilo de feijão consumido. Mas, agora, depois de anos inves-
tigando o funcionamento de nossas pernas, um grupo de cientistas construiu uma traquitana simples,
mas extremamente sofisticada, que é capaz de diminuir o consumo de energia de uma caminhada em
até 10%.

14 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Trata-se de um pequeno exoesqueleto que recobre nosso pé e fica preso logo abaixo do joelho. Ele
mimetiza o funcionamento do tendão de Aquiles e dos músculos ligados ao tendão. Uma haste na altura
do tornozelo, a qual se projeta para trás, segura uma ponta de uma mola. Outra haste, logo abaixo do
joelho, segura uma espécie de embreagem [...].
REINACH, Fernando. Estadão, 13 jun. 2016. Disponível em: <www.estadao.com.br> (adaptado).

a) Transcreva o trecho do texto em que o autor explora, com fins expressivos, o emprego de termos contra-
ditórios, sublinhando-os.
Os termos contraditórios aparecem no seguinte trecho: “uma traquitana simples, mas extremamente sofisticada”.

Observação: A banca deveria aceitar também que se sublinhasse a expressão “traquitana simples”, em que o adjetivo
“simples” se opõe ao substantivo “traquitana” (que pode significar algo engenhoso).

b) Esse excerto provém de um artigo de divulgação científica. Aponte duas características da linguagem
nele empregada que o diferenciam de um artigo científico especializado.
O artigo de divulgação científica é um gênero textual que tradicionalmente cria efeito de sentido de objetividade e emprega
linguagem formal. No excerto, há marcas de subjetividade que contrariam as regras do gênero, como a presença da primeira
pessoa do plural (“nosso” e “somos”, por exemplo), e há palavras que produzem efeito de informalidade (como “truque” e
“traquitana”).

3 (Unicamp-SP) O poema abaixo é de autoria de Manoel de Barros e foi publicado no Livro sobre nada, de 1996.

A ciência pode classificar e nomear todos os órgãos de um sabiá mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força existem nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam.
BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 53.

a) No poema há uma estrutura típica de provérbios com uma finalidade crítica. Aponte duas características
dessa estrutura.
Os provérbios são textos sintéticos que, por meio de elementos concretos, figurativizam um ensinamento, uma lição,
uma orientação, uma opinião. Frequentemente, exploram recursos rítmicos. O verso que mais se assemelha à estrutura
proverbial é o terceiro (“Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare”), em que todos esses
elementos estão presentes.

b) Considerando que o poeta joga com os sentidos do verbo “adivinhar” e da sua raiz latina divinare, justifique
o neologismo usado no último verso.
O neologismo divinar remete ao verbo latino divinare, que significa justamente “adivinhar, profetizar, predizer, prever”. Assim,
os sabiás, cuja sabedoria não vem da ciência, teriam o poder da profecia, da adivinhação, como se estivessem inspirados pelas
divindades. Em contrapartida, os que acumulam informações que vêm das fontes tradicionais perderiam a capacidade de
aproximar-se do mundo divino.

Entendimento de texto 15
EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

1 (Fuvest-SP)

Os dicionários de meu pai

Pouco antes de morrer, meu pai me chamou ao escritório e me entregou um livro de capa preta que eu
nunca havia visto. Era o dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Ficava quase es-
condido, perto dos cinco grandes volumes do dicionário Caldas Aulete, entre outros livros de consulta que
papai mantinha ao alcance da mão numa estante giratória. Isso pode te servir, foi mais ou menos o que ele
então me disse, no seu falar meio grunhido. E por um bom tempo aquele livro me ajudou no acabamento de
romances e letras de canções, sem falar das horas que eu o folheava à toa. Palavra puxa palavra e escarafun-
char o dicionário analógico foi virando para mim um passatempo (desenfado, espairecimento, entretém, solaz,
recreio, filistria). O resultado é que o livro, herdado já em estado precário, começou a se esfarelar nos meus
dedos. Encostei-o na estante das relíquias ao descobrir, num sebo atrás da Sala Cecília Meireles, o mesmo
dicionário em encadernação de percalina. Com esse livro escrevi novas canções e romances, decifrei enig-
mas, fechei muitas palavras cruzadas. E ao vê-lo dar sinais de fadiga, saí de sebo em sebo pelo Rio de Janeiro
para me garantir um dicionário analógico de reserva. Encontrei dois, mas não me dei por satisfeito, fiquei
viciado no negócio. Dei de vasculhar livrarias país afora, só em São Paulo adquiri meia dúzia de exemplares,
e ainda rematei o último à venda na Amazon.com antes que algum aventureiro o fizesse. Eu já imaginava
deter o monopólio (açambarcamento, exclusividade, hegemonia, senhorio, império) de dicionários analógicos
da língua portuguesa, não fosse pelo senhor João Ubaldo Ribeiro, que ao que me consta também tem um,
quiçá carcomido pelas traças (brocas, carunchos, busanos, cupins, térmitas, cáries, lagartas-rosadas, gafa-
nhotos, bichos-carpinteiros). Hoje sou surpreendido pelo anúncio dessa nova edição do dicionário analógico
de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Sinto como se invadissem minha propriedade, revirassem meus
baús, espalhassem aos ventos meu tesouro. Trata-se para mim de uma terrível (funesta, nefasta, macabra,
atroz, abominável, dilacerante, miseranda) notícia.
Adaptado de Francisco Buarque de Hollanda, em Francisco F.
dos S. Azevedo, Dicionário Analógico da Língua Portuguesa:
ideias afins/thesaurus. 2. ed. atualizada e revista.
Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.

a) A partir do texto de Chico Buarque, que introduz o dicionário analógico recentemente reeditado, proponha
uma definição para esse tipo de dicionário.

b) Mostre a partir de que pistas do texto sua definição foi elaborada.


2 (Unicamp-SP)

Quando vitaminas atrapalham

Consumir suplementos de vitaminas depois de praticar exercícios físicos pode reduzir a sensibilidade à
insulina, o hormônio que conduz a glicose às células de todo o corpo. Temporariamente, um pouco de estresse
oxidativo – processo combatido por algumas vitaminas e que danifica as células – ajuda a evitar o diabetes
tipo 2, causado pela resistência à insulina, concluíram pesquisadores das universidades de Jena, na Alema-
nha, e Harvard, nos Estados Unidos. Desse estudo, publicado em maio na PNAS, participaram 40 pessoas,
metade delas com treinamento físico prévio, metade sem. Os dois grupos foram divididos em subgrupos que
tomaram ou não uma combinação de vitaminas C e E. Todos os subgrupos praticaram exercícios durante
quatro semanas e passaram por exames de avaliação de sensibilidade da glicose à insulina antes e após esse
período. Apenas exercícios físicos, sem doses adicionais de vitaminas, promovem a longevidade e reduzem o
diabetes tipo 2. Ao contrário do que se pensava, os resultados negam que o estresse oxidativo seja um efeito
colateral indesejado da atividade física vigorosa: ele é na verdade parte do mecanismo pelo qual quem se
exercita é mais saudável. A conclusão é clara: nada de antioxidantes depois de correr.
“Quando vitaminas atrapalham”, Revista Pesquisa Fapesp 160, p. 40, jun. 2009. Adaptado.

16 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


a) Por se tratar de um texto de divulgação científica, apresenta recursos linguísticos próprios a esse gênero.
Quais são eles? Transcreva dois trechos em que esses recursos estão presentes.

b) O experimento em questão concluiu que as vitaminas atrapalham. Explique como os pesquisadores


chegaram a essa conclusão.

TEMA 3 LEITURA DE TEXTOS NÃO VERBAIS

EXERCÍCIOS

1 (Unesp-SP) Examine os cartuns.

(Millôr Fernandes. Guia Millôr da filosofia, 2016.)


(Quino. Que presente inapresentável!, 2010.)

a) Explicite o conceito explorado pelo cartum 1. De que modo a imagem ressalta esse conceito?
O cartum explora o jogo contraditório entre aparência e essência, entre ficção e realidade. Na imagem, há uma ave nadando
e seu reflexo na água é bem diferente do que ela é de fato. Para reforçar esse significado, o elemento de composição “para”
se torna “doxo” no reflexo, formando a palavra “paradoxo”.

b) Que princípio comanda o processo de criação artística ilustrado pelo cartum 2? Tal princípio remete a
qual vanguarda europeia do início do século XX?
O princípio do acaso. O compositor escreve a partitura depois de olhar notas musicais que aparecem nas faces de dados. Esse
princípio remete ao Dadaísmo, vanguarda europeia que pretendia rediscutir os limites da arte e, para isso, aboliu a racionalidade
tradicional na criação estética.

EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

1 (Vunesp)

COUTINHO, Laerte. Fagundes: um puxa-saco de mão-cheia. Porto Alegre: L&PM, 2007. p. 16.

Na tira de Laerte, aponte o que o aluno não percebeu de imediato como primeira lição de Fagundes.

Entendimento de texto 17
2 (Unicamp-SP)

GONSALES, Fernando. Níquel Náusea. Folha de S.Paulo on-line. Disponível em: <www.uol.com.br/niquel>.

a) No primeiro quadrinho, a menção a “palavrões” constrói uma expectativa que é quebrada no segundo
quadrinho. Mostre como ela é produzida, apontando uma expressão relacionada a “palavrões”, presente
no primeiro quadrinho, que ajuda na construção dessa expectativa.

b) No segundo quadrinho, o cômico se constrói justamente pela quebra da expectativa produzida no qua-
drinho anterior. Entretanto, embora a relação pressuposta no primeiro quadrinho se mantenha, ela passa
a ser entendida num outro sentido, o que produz o riso. Explique o que se mantém e o que é alterado no
segundo quadrinho em termos de pressupostos e relações entre as palavras.

3 (Fuvest-SP) Examine esta propaganda de uma empresa de certificação digital (mecanismo de segurança que
garante autenticidade, confidenciabilidade e integridade às informações eletrônicas).

Folha de S.Paulo, 16 mar. 2010. Adaptado.

a) Aponte a relação de sentido que existe entre a mensagem verbal e a imagem.


b) Forme uma frase correta e coerente com base em um verbo derivado da palavra “burocracia”.
c) “Estar com os dias contados” é uma das dezenas de locuções formadas a partir do substantivo “dia”. Crie
uma frase em que apareça uma dessas locuções (sem repetir, é claro, a locução utilizada na propaganda
acima).

18 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


4 (Fuvest-SP) Examine a tirinha.

LAERTE. In: Manual do Minotauro.

a) De que maneira o terceiro quadrinho contribui para a construção do humor da tirinha?

b) A que contexto se relaciona o último enunciado da tirinha? Justifique.

5 (Fuvest-SP) Examine o anúncio e leia o texto.


I.

Ministério Público do Trabalho.


II.
Art. 149 - Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer
meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.803.ht>.

a) Explique a relação de sentido entre os trechos (I) “Escravidão no Brasil não é analogia” e (II) “Reduzir
alguém a condição análoga à de escravo”.

b) Qual a relação entre o uso da imagem sobre um fundo escuro e o texto do anúncio?

Entendimento de texto 19
TEMA 4 FIGURAS DE LINGUAGEM

EXERCÍCIOS

1 (Fuvest-SP) Considere a imagem abaixo, extraída da apresentação do filme "A Amazônia", que faz parte da
campanha “A natureza está falando”.

No áudio desse filme, a atriz Camila Pitanga interpreta o seguinte texto:


Eu sou a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo. Eu mando chuva quando vocês precisam. Eu
mantenho seu clima estável. Em minhas florestas, existem plantas que curam suas doenças. Muitas delas
vocês ainda nem descobriram. Mas vocês estão tirando tudo de mim. A cada segundo, vocês cortam uma
das minhas árvores, enchem de sujeira os meus rios, colocam fogo, e eu não posso mais proteger as pessoas
que vivem aqui. Quanto mais vocês tiram, menos eu tenho para oferecer. Menos água, menos curas, menos
oxigênio. Se eu morrer, vocês também morrem, mas eu crescerei de novo...

a) Por estar em primeira pessoa, o texto constitui exemplo de uma determinada figura de linguagem. Iden-
tifique essa figura e explique seu uso, tendo em vista o efeito que o filme visa alcançar.
O uso da primeira pessoa produz como efeito de sentido a personificação da Amazônia: a atriz empresta a sua voz à floresta,
como se esta pudesse sensibilizar diretamente o público, persuadindo-o para a necessidade de preservá-la. A figura de
linguagem utilizada, portanto, é a prosopopeia (ou personificação).

b) No referido áudio, é possível perceber, no final da locução da atriz, uma entonação especial, representada
na transcrição por meio de reticências. Tendo em vista que uma das funções desse sinal de pontuação é
sugerir uma ideia não expressa que cabe ao leitor inferir, identifique a ideia sugerida, neste caso.
Segundo o contexto, a ideia implícita é que os seres humanos não renascerão. Em outros termos, se a floresta morrer, os
seres humanos morrerão; mas ela crescerá de novo, eles não.

2 (Fuvest-SP) Entrevistado por Clarice Lispector, para a pergunta “Como você encara o problema da maturida-
de?”, Tom Jobim deu a seguinte resposta: “Tem um verso do Drummond que diz: ‘A madureza, esta horrível
prenda...’ Não sei, Clarice, a gente fica mais capaz, mas também mais exigente”.
Nota: O verso citado por Tom Jobim é o início do poema “A ingaia ciência”, de Carlos Drummond de Andrade,
e sua versão correta é: “A madureza, essa terrível prenda”.

20 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


a) Aponte dois recursos expressivos empregados pelo poeta na expressão “terrível prenda”.
Os recursos expressivos explorados na expressão “terrível prenda” são inversão (o adjetivo está anteposto ao substantivo) e
oxímoro/paradoxo (o valor negativo de “terrível” se contrapõe ao significado positivo de “prenda”).

b) Reescreva a resposta de Tom Jobim, eliminando as marcas de coloquialidade que ela apresenta e fazendo
as alterações necessárias.
Sem marcas de coloquialidade, a nova frase seria: “Há um verso de Drummond que diz: ‘A madureza, esta horrível prenda…’. Não
sei, Clarice, (nós) ficamos mais capazes, mas também mais exigentes”.

3 (Unicamp-SP) No texto abaixo, há uma presença significativa de metáforas que auxiliam na construção
de sentidos.

Entre silêncios e diálogos

Havia uma desconfiança: o mundo não terminava onde os céus e a terra se encontravam. A extensão
do meu olhar não podia determinar a exata dimensão das coisas. Havia o depois. Havia o lugar do sol
se aninhar enquanto a noite se fazia. Havia um abrigo para a lua enquanto era dia. E o meu coração de
menino se afogava em desesperança. Eu que não era marinheiro nem pássaro – sem barco e asa.
Um dia aprendi com Lili a decifrar as letras e suas somas. E a palavra se mostrou como caminho poderoso
para encurtar distância, para alcançar onde só a fantasia suspeitava, para permitir silêncio e diálogo. Com as
palavras eu ultrapassava a linha do horizonte. E o meu coração de menino se afagava em esperança.
Ao virar uma página do livro, eu dobrava uma esquina, escalava uma montanha, transpunha uma maré.
Ao passar uma folha, eu frequentava o fundo dos oceanos, transpirava em desertos para, em seguida,
me fazer hóspede de outros corações.
Pela leitura temperei a minha pátria, chorei sua miséria, provei de minha família, bebi de minha cidade,
enquanto, pacientemente, degustei dos meus desejos e limites.
Assim, o livro passou a ser o meu porto, a minha porta, o meu cais, a minha rota. Pelo livro soube da
história e criei os avessos, soube do homem e seus disfarces, soube das várias faces e dos tantos lugares de
se olhar. [...] Ler é aventurar-se pelo universo inteiro.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Sobre ler, escrever e outros diálogos.
Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p. 63.

a) No trecho “Assim, o livro passou a ser o meu porto, a minha porta, o meu cais, a minha rota”, há metá-
foras que expressam a experiência do autor com a leitura. Escolha uma dessas metáforas e explique-a,
considerando seu sentido no texto.
As metáforas presentes no texto exemplificam a clássica relação “A é B”. Considerando os sentidos construídos no texto,
a metáfora do livro como uma porta remete à possibilidade de o livro ser um meio de acesso (assim como uma porta) para
experiências emocionais, sociais, sensoriais diversificadas e para a ampliação do conhecimento de mundo do leitor e do
conhecimento de si mesmo e dos outros. A metáfora do livro como cais/porto remete à possibilidade de o livro ser o ponto
de partida/chegada para as “viagens” (experiências diversificadas ou conhecimento ampliado sobre o mundo, sobre si e
sobre os outros) que a leitura proporciona. A metáfora do livro como rota remete à possibilidade de o livro fazer o leitor viver
emoções diversas, percorrendo caminhos imaginários que lhe proporcionam vivências significativas e ampliação da sua visão
de mundo.

Entendimento de texto 21
b) O texto mostra que a experiência de leitura promove uma importante mudança subjetiva. Explique essa
mudança e cite dois trechos nos quais ela é explicitada.
A mudança subjetiva experimentada pelo autor encontra-se resumida nos dois primeiros parágrafos do texto. Em um

primeiro momento, o autor tinha desconfianças em relação aos limites do mundo, à dimensão das coisas e aos “lugares” aos

quais não tinha acesso. Em função desse sentimento de desconfiança, sentia-se “afogado em desesperança”.

Depois de seu aprendizado da leitura, ele descobre que a palavra/a leitura é um caminho para a vivência de experiências

diversificadas, para o alargamento de sua visão de mundo e de suas capacidades criativas, o que não seria possível a não ser

por meio da leitura. Passa então a se “afagar em esperança”. Há inúmeros trechos ao longo do texto que exemplificam as

experiências e os conhecimentos novos possibilitados pela leitura.

4 (FCMSCSP) Considere o trecho do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
Virgília? Mas então era a mesma senhora que alguns anos depois...? A mesma; era justamente a senhora,
que em 1869 devia assistir aos meus últimos dias, e que antes, muito antes, teve larga parte nas minhas
mais íntimas sensações. Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; e era talvez a mais
atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia
da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade
e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou
espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o
indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isto Virgília, e era clara, muito clara,
faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma devoção, – devoção, ou
talvez medo; creio que medo.
(Memórias póstumas de Brás Cubas, 2008.)

a) No trecho “cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo”, os termos
sublinhados constituem uma figura de linguagem. De que figura se trata? Justifique.
Os adjetivos “precário” e “eterno” estabelecem, no contexto, uma relação de oposição de sentido que configura uma antítese.

Como os dois termos se referem simultaneamente a “feitiço” – sugerindo algo, ao mesmo tempo, inconsistente e duradouro

–, pode se dizer que se trata também de um paradoxo.

b) Em uma passagem do texto, está implícita uma crítica a determinado movimento literário. Identifique a
passagem, o movimento literário e a respectiva característica criticada.
Em “Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o

autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas (...)”, está implícita uma crítica ao excesso de idealismo e

fantasia da literatura romântica, com o qual Memórias póstumas de Brás Cubas procura romper.

22 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

1 (Fuvest-SP) Graciliano Ramos, em seu livro Infância, reflete sobre uma de suas marcantes impressões de
menino.
Bem e mal ainda não existiam, faltava razão para que nos afligissem com pancadas e gritos. Contudo as
pancadas e os gritos figuravam na ordem dos acontecimentos, partiam sempre de seres determinados, como
a chuva e o sol vinham do céu. E o céu era terrível, e os donos da casa eram fortes. Ora, sucedia que a mi-
nha mãe abrandava de repente e meu pai, silencioso, explosivo, resolvia contar-me histórias. Admirava-me,
aceitava a lei nova, ingênuo, admitia que a natureza se houvesse modificado. Fechava-se o doce parêntese – e
isso me desorientava.
a) Ao se referir às violências sofridas quando menino, o autor compara-as a elementos da natureza (chuva,
sol, céu). O que mostra ele, ao estabelecer tal comparação?
b) Esclareça o preciso significado, no contexto, da expressão “Fechava-se o doce parêntese”.

2 (Fuvest-SP)
Os irmãos Villas Bôas não conseguiram criar, como queriam, outros parques indígenas em outras áreas.
Mas o que criaram dura até hoje, neste país juncado de ruínas novas.
a) Identifique o recurso expressivo de natureza semântica presente na expressão “ruínas novas”.
b) Que prática brasileira é criticada no trecho “país juncado (= coberto) de ruínas novas”?

Texto para as questões 3 e 4.


Voltemos à casinha. Não serias capaz de lá entrar hoje, curioso leitor; envelheceu, enegreceu, apodreceu,
e o proprietário deitou-a abaixo para substituí-la por outra, três vezes maior, mas juro-te que muito menor
que a primeira. O mundo era estreito para Alexandre; um desvão de telhado é o infinito para as andorinhas.
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.

3 (Fuvest-SP) Na elaboração de suas obras, os escritores usam diferentes figuras ou recursos estilísticos.
Do texto, cite um exemplo de:
a) gradação;
b) antítese.

4 (Fuvest-SP) Explique por que a nova casa era três vezes maior, mas muito menor que a casinha.

5 (Fuvest-SP) No conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa, o protagonista é um homem
rude e cruel, que sofre violenta surra de capangas inimigos e é abandonado como morto, num brejo. Reco-
lhido por um casal de matutos, Matraga passa por um lento e doloroso processo de recuperação, em meio
ao qual recebe a visita de um padre, com quem estabelece o seguinte diálogo:
− Mas, será que Deus vai ter pena de mim, com tanta ruindade que fiz, e tendo nas costas tanto pecado
mortal?
− Tem, meu filho. Deus mede a espora pela rédea, e não tira o estribo do pé de arrependido nenhum...
[...] Sua vida foi entortada no verde, mas não fique triste, de modo nenhum, porque a tristeza é aboio de
chamar demônio, e o Reino do Céu, que é o que vale, ninguém tira de sua algibeira, desde que você esteja
com a graça de Deus, que ele não regateia a nenhum coração contrito.
a) A linguagem figurada amplamente empregada pelo padre é adequada ao seu interlocutor? Justifique
sua resposta.
b) Transcreva uma frase do texto que tenha sentido equivalente ao da frase ”não regateia a nenhum coração
contrito”.

Entendimento de texto 23
TEMA 5 TIPOS DE DISCURSO

EXERCÍCIOS

1 (FCMSCSP) Leia o poema de Manuel Bandeira.


Minha terra
Saí menino de minha terra.
Passei trinta anos longe dela.
De vez em quando me diziam:
Sua terra está completamente mudada,
Tem avenidas, arranha-céus...
É hoje uma bonita cidade!
Meu coração ficava pequenino.
Revi afinal o meu Recife.
Está de fato completamente mudado.
Tem avenidas, arranha-céus.
É hoje uma bonita cidade.
Diabo leve quem pôs bonita a minha terra!
(Estrela da vida inteira, 2009.)

a) Que sentimento expressa o eu lírico após rever Recife? Transcreva o trecho do poema que confirma sua
resposta.
Um sentimento de desapontamento, de frustração, de aborrecimento, de irritação pelo fato de o Recife ter mudado tanto.

Embora o eu lírico reconheça que a cidade ficou bonita, ele lamenta que não seja mais o Recife de trinta anos atrás, Recife de

sua infância, Recife de suas memórias afetivas, o que se percebe pelo último verso do poema: “Diabo leve quem pôs bonita

a minha terra!”.

b) “De vez em quando me diziam: Sua terra está completamente mudada. Tem avenidas, arranha-céus. É
hoje uma bonita cidade.”

Esse trecho reproduz em prosa quatro versos do poema. Reescreva-o em discurso indireto, mantendo o
sentido original e fazendo os ajustes necessários.
Eis duas possibilidades:

i) De vez em quando me diziam que minha terra estava completamente mudada. Tinha avenidas, arranha-céus. Era naquele

momento uma bonita cidade.

ii) De vez em quando me diziam que minha terra estava completamente mudada, que tinha avenidas, arranha-céus, que era

naquele momento uma bonita cidade.

24 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


EXERCÍCIO COMPLEMENTAR

1 (Fuvest-SP)
Conta-me Claúdio Mello e Souza. Estando em um café de Lisboa a conversar com dois amigos brasileiros,
foram eles interrompidos pelo garçom, que perguntou, intrigado:
− Que raio de língua é essa que estão aí a falar, que eu percebo tudo?
Rubem Braga
Glossário
Percebo: compreendo.

a) A graça da fala do garçom reside num paradoxo. Destaque dessa fala as expressões que constituem esse
paradoxo. Justifique.
b) Transponha a fala do garçom para o discurso indireto. Comece com: O garçom lhes perguntou, intrigado,
que raio de língua...

ANOTAÇÕES

Entendimento de texto 25
Entendimento de texto GABARITO

TEMA 1 APREENSÃO E COMPREENSÃO b) Ao acrescentar o pronome “-se”, seguido de uma inter-


rogação, o autor do texto levanta a hipótese de que o exor-
1 a) Como afirmação aceitável, o provérbio assume o sentido cismo talvez estivesse se voltando contra a própria revista.
positivo de que cada um deve ter direito ao seu espaço, Esse acréscimo estabelece o pressuposto de que a revista,
ao seu raio de atuação, e que o convívio social harmonioso no passado, já tenha persuadido seu público a respeito
pressupõe o respeito ao lugar do outro. de certas mentiras, mas agora quer se livrar dessa marca.
b) Como afirmação autoritária, o provérbio assume o sen- Neste contexto, portanto, o pronome “-se” tem significado
tido negativo de que não tem direitos aquele que não per- reflexivo, equivalente a “a si própria”, “a si mesma”.
tence a dado espaço. Se no primeiro sentido cada um tem
5 a) O texto com que a intervenção urbana dialoga é o co-
direito ao seu lugar, agora cada um deve ficar só no seu
nhecido provérbio popular "o seguro morreu de velho".
lugar. Em outros termos, nega a possibilidade de crítica a
quem, legitimamente, poderia exercê-la. b) Sim, pode-se dizer que, se o leitor desconhecesse o dito
popular, a compreensão da frase do cartaz se inviabiliza-
2 a) A expressão com significado estabelecido é "atirar pé-
ria, uma vez que o propósito da intervenção é justamente
rolas aos porcos".
a intertextualidade polêmica em relação ao provérbio. A
b) Os dois segmentos expressam por meio de imagens
substituição de "velho" por "tédio", no contexto, inverte os
concretas – ou seja, figuras – um mesmo conceito abstrato,
valores da frase inicial, ao depreciar a vida segura, conside -
um mesmo tema: a condenação do desperdício, do es-
rada entediante, e enaltecer a vida arriscada e espontânea.
forço inútil de oferecer serviços ou bens preciosos a um
público que não saberia aproveitá-los ou reconhecer seu 6 a) Uma possibilidade de reformulação seria: "Muitas ando-
valor. Portanto, os significados dos segmentos reforçam-se rinhas fazem um verão insuportável". Ou, utilizando uma
mutuamente. linguagem mais parecida com a do texto, seria: "Várias
3 a) Em "inspire saúde", o verbo inspirar pode assumir tan- andorinhas juntas fazem um calor de não aguentar".
to o sentido de introduzir ar puro nos pulmões, inalar – o
b) Está, se considerarmos as intenções enunciativas do pro-
que é reforçado pelo termo "respirar" – quanto o sentido
dutor do texto. O verbo filosofar, que significa ponderar
de estimular o desejo de ser saudável, ou seja, influenciar
com senso crítico, com agudeza, com originalidade, está
outras pessoas a deixar o vício de fumar.
sendo atribuído à reflexão (com base em um provérbio,
b) O termo "aliviado" comporta o sentido geral de tornar
posteriormente negado) de uma andorinha, o que causa
algo leve. No contexto, pode tanto manifestar a ideia de
certa estranheza, já que o clichê "uma andorinha não faz
livrar-se do peso do próprio vício ("Desperte o não fumante
verão" não constitui o melhor exemplo de raciocínio filo-
que há em você!"), quanto a de livrar a si e aos outros, os
sófico. Acontece que essa estranheza é planejada, pois a
não fumantes, do incômodo e dos prejuízos causados pela
intenção do enunciador é justamente a de mostrar que a
fumaça do cigarro ("O fumante passivo – aquele que não
fuma, mas frequenta ambientes poluídos pela fumaça do frase da andorinha possui traços irônicos.

cigarro – também tem sua saúde prejudicada."). 7 a) Não. O primeiro período do texto compara a nota di-
4 a) A contradição é identificada no slogan da revista plomática a uma mulher da moda. Enquanto esta se utiliza
Newsweek, “aquela que não persuade”. Para o professor de fitas, rendas, joias, saias e corpetes para tornar-se um
Adilson Citelli, embora a revista defenda a tese de que exemplar corrigido e aumentado da edição da mulher,
não persuade, mas apenas informa, o enunciado contém aquela apresenta frases, circunlocuções, desvios, adjetivos
uma forma sutil de persuasão. Fundado na premissa de que
e advérbios para mascarar a ideia principal e a finalidade
a neutralidade jornalística é um mito, o slogan da revista
que a originou.
quer, sim, convencer o leitor de que se trata de um veículo
de comunicação “marcado pela correção e honestidade”, b) O termo capital, no contexto, é substituível por princi-
uma vez que circula na sociedade a ideia de que a per- pal, fundamental, essencial, central, primária, originária,
suasão está associada a noções como “fraude, engodo, primordial. O pronome oblíquo lhe é um termo anafórico
mentira”. que tem como referente "nota diplomática".

26 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


8 a) "[...] é pela posse e pelo uso da linguagem, falando oral- 3. Além desse recurso linguístico, isto é, o emprego da
mente ao próximo ou mentalmente a nós mesmos, que norma-padrão, verifica-se no texto também a escolha
conseguimos organizar o nosso pensamento e torná-lo lexical marcada pela precisão terminológica e pelo rigor
articulado, concatenado e nítido." conceitual, com emprego de uma nomenclatura especia-
lizada, como no trecho "insulina, o hormônio que conduz
b) "[...] surge um novo e repentino vigor de raciocínio, que
a glicose às células do corpo": o termo técnico "insulina"
não só decorre do desenvolvimento do cérebro, mas tam-
é seguido da definição (que esclarece o público leigo, ex-
bém da circunstância de que o indivíduo dispõe agora da
pandindo o alcance da informação). Isso ocorre também no
língua materna."
seguinte trecho: "estresse oxidativo – processo combatido
c) Para o autor, o "essencial proveito" do ensino da língua por algumas vitaminas e que danifica as células". Outros
é o aperfeiçoamento da capacidade de pensar, que se dá trechos que exemplificam a escolha lexical característica
à medida que se inicia e se desenvolve o “estudo metódico desse gênero: "diabetes tipo 2" e "antioxidantes".
dos caracteres e aplicações desse novo e preciso instru-
4. Por fim, o uso da terceira pessoa também é um recurso
mento” que é a linguagem.
linguístico a que recorre o texto de divulgação, a fim de
criar o efeito de sentido de objetividade, como se verifica,
TEMA 2 GÊNEROS TEXTUAIS por exemplo, nos trechos "Os dois subgrupos divididos"
e "todos os subgrupos praticam".

1 a) Chama-se de "analógico" um dicionário que se destina, b) Segundo o texto, supunha-se que as vitaminas consu-
para cada palavra que abre um verbete, a listar outras que midas após treinamentos físicos combateriam o estresse
com ela tenham algum tipo de afinidade. O nome "analógi- oxidativo, que era visto como negativo, e por isso muitos
co" indica que o critério para relacionar uma palavra a outra tomam antioxidante depois de correr. Mas, conforme os
é a analogia, ou seja, a percepção de traços semânticos dados da pesquisa das universidades de Jena, na Alema-
comuns entre elas. nha, e Harvard, nos Estados Unidos, um pouco de estresse
b) A expressão "palavra puxa palavra", usada no texto, indica oxidativo ajuda a evitar o diabetes tipo 2. Os pesquisado-
o processo pelo qual, a partir de uma palavra, vão-se des- res chegaram a essa conclusão depois de experimentos
pertando em nossa mente outras que com ela se associam com dois grupos de corredores: as pessoas que fizeram
por variados tipos de afinidade. O próprio texto se incumbe exercícios sem tomar vitaminas depois apresentaram me-
de exemplificar o processo. Depois das palavras “passatem- lhores resultados, o que leva à conclusão de que o estresse
po“, “monopólio“, “traças“ e “terrível“, são citadas, entre oxidativo não é um efeito indesejado, como se pensava,
parênteses, várias palavras afins para mostrar ao leitor o tipo tendo como consequência maior longevidade e redução
de informação que ele encontrará no dicionário. Daí sua uti- do diabetes tipo 2.
lidade. Diz o autor, com efeito, que por meio dele, além
de ter-se entretido, escreveu novas canções e romances,
TEMA 3 LEITURA DE TEXTOS NÃO VERBAIS
decifrou enigmas e fechou palavras cruzadas.

2 a) O texto de divulgação científica é um gênero que cum- 1 Na tirinha de Laerte, um aluno pede, no primeiro quadri-
pre função informativa, ou seja, que traz ao leitor novidades nho, que Fagundes o ensine a ser "um bom puxa-saco". No
na área da pesquisa acadêmica, divulgando determinadas segundo, Fagundes começa a elogiá-lo de maneira exage-
descobertas a um público mais amplo. Entre os recursos rada, numa postura claramente bajuladora. Mas o aluno, en-
linguísticos característicos desse gênero, o aluno pode cantado com os elogios, não percebe que Fagundes está
escolher dois dos que vêm a seguir: sendo um adulador e que aqueles elogios eram a primeira
1. O conteúdo temático é caracterizado por dados novos lição de como ser "um bom puxa-saco". Fagundes está re-
resultantes do fazer científico, como exemplifica o trecho correndo ao que chamamos de subentendido, que ocorre
"Ao contrário do que se pensava, os resultados negam que quando a responsabilidade pela identificação de um signi-
o estresse oxidativo seja um efeito colateral indesejado da ficado implícito é do receptor da mensagem. O aluno revela
atividade física vigorosa". não ter sido capaz de reconhecer esse subentendido.
2. Considerando que é um gênero mais formal, tem estilo 2 a) No primeiro quadrinho, ao usar a expressão "passar ver-
mais direto e impessoal, cria-se um efeito de sentido de gonha", a personagem circunscreve o sentido de "pala-
objetividade e, portanto, impressão de verdade. Para isso, vrão" ao de "palavra obscena ou grosseira". Cria-se, assim,
recorre ao padrão culto da língua, como se nota, por exem- a expectativa de que o papagaio utiliza, com frequência,
plo, no trecho "sensibilidade à insulina" (em que o acento palavras de baixo calão.
indicativo de crase é empregado corretamente).

Entendimento de texto 27
b) O efeito cômico do quadrinho surge do descompasso 5 a) No trecho I, afirma-se que “Escravidão no Brasil não é
entre a expectativa do leitor em relação a palavras obscenas analogia”, já no trecho II, afirma-se a possibilidade de al-
e a escolha lexical realizada pelo papagaio. Palavras como guém não escravo ser submetido a condição análoga à
"bocó", "xixi", "cocô" e "bumbum" remetem a um campo de escravo. Levando em conta dados do contexto interno,
de significado a que expressões grosseiras habitualmente no trecho I a negação da relação de analogia equivale à
se associam (xingamentos, aspectos fisiológicos e partes afirmação da relação de identidade (a escravidão no Brasil
pudendas), mas que, nas escolhas do jargão infantil, per- contém todos os traços típicos da escravidão pura e sim-
dem qualquer efeito de obscenidade. O temor da perso- ples).
nagem se concretiza, ela realmente passa vergonha diante
Assim, a resposta escora-se em dois pressupostos:
dos amigos, mas altera-se o motivo: não é a obscenidade,
mas a ingenuidade das palavras que a envergonha. 1. Analogia entre dois conceitos é uma relação tal que, sem
serem iguais, possuem certos (não todos) traços de sentido
3 a) Há entre a imagem e o texto verbal uma relação de sentido em comum.
de contiguidade, na qual um elemento x é usado em lugar
2. Relação de identidade, diferentemente, é aquela em que
de um elemento y: o carimbo, no texto visual, é usado em lu-
todos os traços de sentido são coincidentes.
gar de "burocracia", no texto verbal. Em outros termos, o ca-
rimbo é o objeto escolhido para representar a burocracia, já b) A imagem é contundente e dramática: as duas mãos amar-
que em geral é associado aos trâmites burocráticos. A tecla radas remetem ao tema da negação da liberdade de ação
"delete", no texto visual, também em relação metonímica, (= escravidão); o fundo negro é figura do tema da negação
representa a informatização: o mundo digital acabaria com total de qualquer ato de criação (não ocorre nenhuma ima-
a necessidade de carimbar papéis, de acumulá-los, pondo gem nesse cenário de negação).
fim, pois, aos expedientes burocráticos.
b) Com o verbo "desburocratizar", derivado do substantivo TEMA 4 FIGURAS DE LINGUAGEM
"burocracia", pode-se formar a seguinte frase: É fundamen-
tal desburocratizar as relações cotidianas, para que o ser 1 a) A comparação estabelecida por Graciliano Ramos, ao
humano disponha de mais tempo para si. Outro exemplo determinar que as agruras sofridas pelo menino na sua in-
seria: Deve haver uma reforma no Judiciário para desbu- fância eram "como a chuva e o sol" e que "vinham do céu",
rocratizar o acesso à Justiça, tornando-a mais ágil. indica a inevitabilidade resultante de forças independentes
c) Outra locução formada com o substantivo "dia" é "per- do controle racional.
der o dia", como exemplifica a frase: Perdi o dia tentando b) Precisamente, a expressão "Fechava-se o doce parên-
ser atendido nesta repartição pública. Outro exemplo, se- tese" indica o fim dos períodos de trégua, em que a mãe
ria com a locução "valer o dia": "Você me ligou / naquela do menino "abrandava" e o pai contava histórias. Eram os
tarde vazia / e me valeu o dia" (Tarde vazia, Edgard Scan- momentos em que "os donos da casa" não o afligiam "com
durra e Ricardo Gaspa). pancadas e gritos"; os momentos de trégua eram o "parên-
tese" aos momentos de turbulência.
4 a) No terceiro quadrinho da tira, propõe-se uma nova inter-
2 a) Na expressão "ruínas novas", o sentido do substantivo
pretação para o vocábulo “protocolo” e, com isso, ocorre
é oposto ao do adjetivo que o qualifica, destacando um
uma quebra de expectativa que produz comicidade.
contraste semântico. O recurso pode ser identificado, por-
Nos dois primeiros quadros, o predomínio da escuridão e tanto, como antítese, paradoxo ou oximoro.
a repetição exaustiva do mesmo vocábulo vinculam “pro-
b) Critica-se a prática do abandono de iniciativas gover-
tocolo” a um falatório improdutivo, limitado a questões
namentais em andamento, às vezes antes mesmo de sua
burocráticas, “protocolares”. No terceiro quadrinho, satiri-
conclusão ou amadurecimento, sem que tenham sido ava-
zando o caráter inócuo do discurso burocrático, atribui-se
liadas como inadequadas ou ultrapassadas.
ao mesmo vocábulo um valor meramente onomatopaico,
explorando a proximidade sonora entre o termo e o som 3 a) A gradação é uma disposição de várias ideias em uma
produzido pelo trote dos animais (em português, nomeado sequência semântica que indica progressão ascendente ou
pela onomatopeia “pocotó”). Essa associação inusitada descendente. No texto em questão, há exemplo de grada-
ção em "[…] envelheceu, enegreceu, apodreceu […]".
confere a crítica à burocracia um efeito humorístico.
b) A antítese caracteriza-se pelo confronto entre ideias con-
b) O último enunciado da tira se refere aos diálogos de
trárias, podendo ser encontrada na frase "O mundo era
atendimento telefônico ao cliente (como os serviços de
estreito para Alexandre; um desvão de telhado é o infinito
telemarketing ou os SACs). A referência a teclar um núme-
para as andorinhas", na qual estreito (limitado) opõe-se a
ro (“tecle 2”) como condição para ouvir novamente uma
infinito (ilimitado).
mensagem estabelece essa menção a tal contexto.

28 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


4 Para o narrador, a nova casa não estava relacionada com todo o vasto mundo de emoções que tiveram lugar na primeira. Por-
tanto, relativamente ao narrador, a velha casa é, psicologicamente, muito maior que a nova.

5 a) Sim, porque, como penitente, Matraga se achava dócil ao estilo sapiencial do sacerdote, marcado pela mescla de erudição
e regionalismo. Por outro lado, o registro metafórico e alusivo do sacerdote é verossímil com a função de orientador e con-
selheiro de fiéis em dificuldades. Estes, geralmente, apreciam e acatam a linguagem solene e misteriosa da religião, o que se
demonstra pelo fato de, até algumas décadas atrás, as missas serem celebradas em latim. Assim, o tom metafórico do padre,
sem se distanciar do interlocutor – pois incorpora vocabulário oriundo de sua profissão, a de fazendeiro –, marca uma distância
que deve haver entre o sagrado e o profano.
b) Há mais de uma frase cujo sentido se aproxima do fragmento em destaque: "não tira o estribo do pé de arrependido nenhum"
e "o Reino do Céu, que é o que mais vale, ninguém tira de sua algibeira".

TEMA 5 TIPOS DE DISCURSO

1 a) O paradoxo se caracteriza pela atribuição simultânea de ideias opostas. A graça na fala do garçom reside na oposição entre
os trechos "raio de língua" e "eu percebo tudo". Essas expressões configuram o paradoxo porque "raio de língua" revela uma
reação de estranheza, e o trecho "eu percebo tudo" opõe-se a essa atitude, pois, embora aparentasse desconhecer a língua
que os brasileiros estavam falando, o garçom a compreendia integralmente.
b) Transposta para o discurso indireto a fala do garçom ficaria: O garçom lhes perguntou, intrigado, que raio de língua era
aquela que estavam lá a falar, que ele percebia tudo.

ANOTAÇÕES

Entendimento de texto 29
Gramática VESTIBULARES

TEMA 1 CLASSES E FORMAÇÃO DE PALAVRAS

EXERCÍCIOS

1 (Fuvest-SP) Considere os textos para responder à questão.


I. A tônica é que os pequenos jogadores da equipe de futebol Javalis Selvagens estão tranquilos e até confortáveis, bem
cuidados na caverna pela numerosa equipe internacional que tenta retirá-los dali, e que têm muita vontade de voltar a
comer seus pratos favoritos quando voltarem para casa.
Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/07/07/internacional/1530941588_246806.html> (adaptado).
II. Bem, minha vida mudou muito nos últimos dois anos. O mundo que explorei mudou muito. Eu vi muitas paisagens
diferentes durante as turnês, e é realmente inspirador ver o quão grande é o mundo. Eu quero explorar e experimentar
diferentes partes da natureza, mas eu não gosto do deserto, sinto muito pelas plantas! Ou talvez eu goste disso… te deixa
com sede de olhar para ele…
Disponível em: <http://portalaurorabr.com/2018/09/16/eu_sou_feminista_porque_sou_mulher_diz_aurora_em_entrevista_ao_independent/>.

III.

a) Quanto ao sentido, a palavra “bem”, destacada nos três textos, desempenha a mesma função em cada
um deles? Justifique.
Em cada um dos textos a palavra “bem” assume sentidos diferentes, resultado da polissemia do termo e dos diferentes
contextos em que foi usado. Em I, associado ao adjetivo “cuidados”, “bem” tem valor de intensidade ou modo, equivalente a
“muito”, “convenientemente”. Em II, o termo é próprio da oralidade, atuando como um marcador de que a fala vai se iniciar.
Em III, “bem” é a forma como a enunciadora do meme se dirige ao interlocutor. Nesse caso, dado o contraste de percepção
sobre o cabelo dela, o vocativo adquire um traço de ironia, de sarcasmo.

b) Reescreva o trecho “Eu quero explorar e experimentar diferentes partes da natureza, mas eu não gosto do
deserto, sinto muito pelas plantas!”, empregando o discurso indireto e fazendo as adaptações necessárias.
Comece o período com “Ela disse que...”.

30 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Empregando o discurso indireto, de acordo com a introdução proposta pela questão, tem-se: “Ela disse que queria explorar
e experimentar diferentes partes da natureza, mas não gostava do deserto, e exclamou que sentia muito pelas plantas.”

Texto para a questão 2.

O meu nome é Severino, de velhice antes dos trinta,


não tenho outro de pia. de emboscada antes dos vinte,
(...) de fome um pouco por dia
E se somos Severinos (de fraqueza e de doença
iguais em tudo na vida, é que a morte severina
morremos de morte igual, ataca em qualquer idade,
mesma morte severina: e até gente não nascida).
que é a morte de que se morre
MELO NETO, João Cabral de.
Morte e vida severina e outros poemas em voz alta. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980.

2 (Uerj) No poema, o autor lança mão da mudança de classe de palavras como recurso expressivo da criação
poética. Com base nisso, indique a classe gramatical das palavras sublinhadas, na ordem em que aparecem.
Em seguida, explique o sentido que o termo severina assume na expressão “morte severina”, tendo em vista
a representação que se faz do retirante.
Classes de palavras: substantivo e adjetivo. A morte severina é a morte difícil, dura, igual à vida da personagem e à dos
demais Severinos.

3 (Unicamp-SP) Leia a seguir a crônica adaptada “O crítico teatral vai ao casamento”, de Millôr Fernandes.
Como espetáculo, o casamento da Senhorita Lídia Teles de Souza com o Sr. Herval Nogueira foi
realmente um dos mais irregulares a que tenhamos assistido nos últimos tempos. A noiva parecia muito
nervosa, nervosismo justificado por estar estreando em casamentos (o que não se podia dizer do noivo, que
tem muita experiência de altar), de modo que até sua dicção foi prejudicada. O noivo representou o seu
papel com firmeza, embora um tanto frio. Disse “sim” ou “aceito” (não ouvimos bem porque a acústica da
abadia é péssima). Fora os pequenos senões notados, teremos que chamar a atenção, naturalmente, para
o coroinha, que a todo momento coçava a cabeça, completamente indiferente à representação, como se
não participasse dela. A música também foi mal escolhida, numa prova de terrível mau gosto. O fato de a
noiva chegar atrasada também deixou altamente impacientes os espectadores, que mostraram evidentes
sinais de nervosismo. A sua entrada, porém, foi espetacular, e rendeu-lhe os melhores parabéns ao fim
do espetáculo. Lamentamos apenas – e tomamos como um deplorável sinal dos tempos – a qualidade do
arroz jogado sobre os noivos.
FERNANDES, Millôr. Trinta anos de mim mesmo. São Paulo: Círculo do Livro, 1972, p. 78 (adaptado).

a) O cronista recorre à analogia para construir uma aproximação entre o casamento e uma peça teatral.
Mostre, com trechos do texto, dois usos desse recurso: um com referência à noiva e outro com referência
ao noivo.
Em relação à noiva, afirma-se que ela estava “estreando em casamentos” e que ela teve a dicção “prejudicada”. No caso do
noivo, ressalta-se que ele “tem muita experiência de altar” e que “representou o seu papel com firmeza, embora um tanto
frio”. Em todos esses trechos, o narrador do texto comporta-se como um crítico teatral que avalia os noivos como se fossem
atores no palco.

b) Identifique duas expressões adverbiais que foram usadas pelo cronista para acentuar sua crítica humorís-
tica ao casamento como espetáculo.
Podem ser citadas “realmente”, “naturalmente”, “completamente”, “altamente” ou “apenas”.

Gramática 31
Texto para a questão 4.
E nós, os civilizados do litoral, compreendemos e contemos em nós esses dois princípios antagônicos,
Deus e o Diabo. Cada um de vós tem uma arena íntima em que a todo o instante combatem um gênio do
bem e um gênio do mal:

Não és bom, nem és mau: és triste e humano… Capaz de horrores e de ações sublimes,
Vives ansiando em maldições e preces, Não ficas das virtudes satisfeito,
Como se, a arder, no coração tivesses Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:
O tumulto e o clamor de um largo oceano.
E, no perpétuo ideal que te devora,
Pobre, no bem como no mal, padeces; Residem juntamente no teu peito
E, rolando num vórtice vesano*, Um demônio que ruge e um deus que chora…
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.
BILAC, Olavo. Últimas conferências e discursos, 1927.

* Vesano: louco, demente, delirante, insensato.

4 (Unesp-SP) Indique a pessoa gramatical dos verbos empregados no soneto e identifique, no plano do con-
teúdo, a quem o eu lírico se dirige por meio dessa pessoa gramatical.
Os verbos do soneto estão empregados na segunda pessoa do singular. Por meio dessa pessoa gramatical, o eu lírico se
dirige ao interlocutor como se estabelecesse um diálogo com um leitor determinado, individualizado e personificado. No
contexto, entretanto, considerando-se que o soneto serve como ilustração para a tese exposta na conferência, percebe-se
que esse leitor, metonimicamente, remete a qualquer ser humano.

5 (Unicamp-SP)

Texto I
“Menino do Rio” (Caetano Veloso, Cinema Transcendental, 1979.)
Menino do Rio
Calor que provoca arrepio
Dragão tatuado no braço
Calção corpo aberto no espaço
Coração, de eterno flerte
Adoro ver-te
(...)
O Havaí, seja aqui
Tudo o que sonhares
Todos os lugares
As ondas dos mares
Pois quando eu te vejo
Eu desejo o teu desejo

32 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Texto II
“Haiti” (Caetano Veloso e Gilberto Gil, Tropicália 2, 1993.)
(...)
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como
se tratam os pretos
(...)
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
(Disponível em http://www.caetanoveloso.com.br/. Acessado em 12/10/2019.)

Havaí é uma ilha do Pacífico, um Estado norte-americano conhecido pelo turismo e por suas praias paradi-
síacas que atraem surfistas do mundo inteiro.

Haiti é uma ilha do Caribe, atualmente sob intervenção da ONU; é o país mais pobre das Américas, com mais
de 60% da população subnutrida.

a) O verso “O Havaí, seja aqui” (texto I), de Caetano Veloso, e o verso “O Haiti é aqui” (texto II), de Caetano
e Gilberto Gil, refletem diferentes posições em relação aos lugares a que se referem. Explique como o
uso do verbo “ser” define cada uma dessas posições.
O verbo “ser”, em ambos versos, correlaciona um local tomado como referência (“Havaí” e “Haiti”) e o espaço ocupado
pelo eu lírico (“aqui”).
Na canção Menino do Rio, a forma do subjuntivo (“seja”) atribui valor volitivo ao enunciado, indicando o desejo de que o estado
de coisas vivenciado pelo eu lírico seja semelhante ao que se experimenta no Havaí, famosa ilha paradisíaca do Pacífico.
Diferentemente disso, a forma verbal utilizada em “Haiti” (“é”) está flexionada no modo indicativo, aproximando as dificuldades
brasileiras e as mazelas enfrentadas pelos cidadãos haitianos.
Desse modo, o uso do verbo “ser” contribui decisivamente para construir uma posição de elogio ao Havaí na canção de Caetano
Veloso e uma visão depreciativa sobre o Haiti na letra de Caetano e Gilberto Gil.

b) Explicite as duas visões dos compositores ao dizerem: “O Haiti é aqui” / “O Haiti não é aqui” (texto II).
Os versos em questão comparam o Brasil à ilha caribenha, explorando relações de semelhança e contraste entre as nações.
Para tornar explícita a relação de semelhança (“O Haiti é aqui”), devem-se observar dois elementos: o primeiro é que a população
haitiana é formada majoritariamente por descendentes dos povos escravizados; o segundo é que, no fragmento dado, aborda-
se o tema do racismo. Na letra, a conivência da opinião pública (“silêncio sorridente de São Paulo”) diante do massacre de
“presos indefesos” se justifica pela origem étnica e social dos detentos, já que são “quase todos pretos” e, mesmo os brancos,
“são quase pretos de tão pobres”.
Já a relação de contraste se pode inferir considerando que, ao contrário do Haiti, o Brasil não é uma nação empobrecida:
enquanto o Haiti é o país mais pobre das Américas, o Brasil está entre as maiores economias mundiais, integrando o G20 e sendo
uma importante liderança regional. Tendo isso em mente, o verso “O Haiti não é aqui” assume um tom de protesto, sugerindo
que, com condições extremamente mais favoráveis, é ainda mais condenável que a realidade brasileira seja comparável à
haitiana.

Gramática 33
6 (Unicamp-SP)
A sobrevivência dos meios de comunicação tradicionais demanda foco absoluto na qualidade de seu conteúdo.
A internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguardam os meios de comunicação, assim como os
partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado? Só nos resta uma saída: produzir informação de alta
qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo de verdade, fiel à verdade dos fatos, verdadeiramente fiscalizador
dos poderes públicos e com excelência na prestação de serviços, ou seremos descartados por um consumidor cada
vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma virtual.
DI FRANCO, Carlos Alberto. Democracia demanda jornalismo independente. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 out. 2013, p. A2.

a) “Desintermediação” é um termo técnico do campo da comunicação. Ele se refere ao fato de que os meios
de comunicação tradicionais não mais detêm o monopólio da produção e distribuição de mensagens.
Considerando esse “mundo desintermediado”, identifique duas críticas ao jornalismo atual formuladas
pelo autor.
No “mundo desintermediado”, subverte-se o tradicional modo de comunicação conhecido como “um para muitos” (no
qual os receptores da notícia praticamente não interagem com os veículos de imprensa nem entre si). Considerando o novo
cenário, no qual cada indivíduo pode atuar como uma fonte de informação, Franco critica no jornalismo atual a falta de
fidelidade à “verdade dos fatos” e o abandono do caráter “verdadeiramente fiscalizador dos poderes públicos”, qualidades
que, segundo o autor, são necessárias para que os meios de comunicação tradicionais garantam sua sobrevivência.

b) Os processos de formação de palavras envolvidos no vocábulo “desintermediação” não ocorrem simul-


taneamente. Tendo isso em mente, descreva como ocorre a formação da palavra “desintermediação”.
Os processos de formação de palavras que levam a "desintermediação" têm inicio no verbo "mediar": a ele, agregam-se o
prefixo "inter-" (de "intermediar") e o sufixo "-ção" (de "mediação") - note que tais afixos não surgem simultaneamente e, na
resposta, a ordem em que são mencionados não é relevante. Por fim, agrega-se o sufixo de negação "des-" ao substantivo
"intermediação".

7 (FCMSCSP)
Iracema, sentindo que se lhe rompia o seio, buscou a margem do rio, onde crescia o coqueiro.
Estreitou-se com a haste da palmeira. A dor lacerou suas entranhas; porém logo o choro infantil inundou
sua alma de júbilo.
A jovem mãe, orgulhosa de tanta ventura, tomou o tenro filho nos braços e com ele arrojou-se às águas
límpidas do rio. Depois suspendeu-o à teta mimosa; seus olhos então o envolviam de tristeza e amor.
– Tu és Moacir, o nascido do meu sofrimento.
[…]
Quando chegou ao grande morro das areias, viu que o rasto de Martim e Poti seguia ao longo da praia;
e adivinhou que eles eram partidos para a guerra. Seu coração suspirou; mas seus olhos secos buscaram o
semblante do filho.
Iracema, 1990.

34 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


a) Transcreva a frase “– Tu és Moacir, o nascido do meu sofrimento.” para o discurso indireto.
Transpondo a fala de Iracema para o discurso indireto, a frase ficará:
Iracema (ou Ela) disse (ou disse-lhe) que ele era Moacir, o nascido do seu sofrimento (ou do sofrimento dela).
Algumas observações importantes para a transposição deste enunciado para o discurso indireto são:
I. Para manter a correlação com o pretérito perfeito dos outros verbos do trecho (tomou, arrojou-se, suspendeu), o verbo
dicendi (disse) está conjugado no mesmo tempo e modo.

II. Além deste, poderiam ser escolhidos outros verbos para introduzir o discurso indireto, como segredou, sussurrou,
proclamou, confessou etc.
III. O sujeito Iracema poderia ficar elíptico, fazendo menção à expressão "A jovem mãe", presente no início do parágrafo
anterior: Disse que ele era Moacir...
IV. O termo Moacir não desempenha função sintática de vocativo na fala de Iracema, o que justifica a construção que ele era
Moacir.
V. A frase no discurso indireto poderia ser articulada com o período anterior, por exemplo: Depois suspendeu-o à teta
mimosa; seus olhos então o envolviam de tristeza e amor, dizendo-lhe que ele era Moacir, o nascido do sofrimento dela.

b) No trecho do último parágrafo “Quando chegou ao grande morro das areias, viu que o rasto de Martim e
Poti seguia ao longo da praia;”, substitua a forma verbal sublinhada pelo pretérito imperfeito do subjuntivo,
fazendo os ajustes para estabelecer a correta relação entre os tempos verbais do trecho.
Com as substituições solicitadas, tem-se:
Quando chegasse ao grande morro das areias, veria que o rasto de Martim e Poti seguia ao longo da praia.
O pretérito imperfeito do subjuntivo (chegasse) alinha-se com o futuro do pretérito (veria).

8 (FGV-SP)
Muitos anos mais tarde, Ana Terra costumava sentar-se na frente de sua casa para pensar no passado.
E no pensamento como que ouvia o vento de outros tempos e sentia o tempo passar, escutava vozes, via ca-
ras e lembrava-se de coisas... O ano de 81 trouxera um acontecimento triste para o velho Maneco: Horácio
deixara a fazenda, a contragosto do pai, e fora para o Rio Pardo, onde se casara com a filha dum tanoeiro e
se estabelecera com uma pequena venda. Em compensação nesse mesmo ano Antônio casou-se com Eulália
Moura, filha dum colono açoriano dos arredores do Rio Pardo, e trouxe a mulher para a estância, indo ambos
viver num puxado que tinham feito no rancho.
Em 85 uma nuvem de gafanhotos desceu sobre a lavoura deitando a perder toda a colheita. Em 86, quando
Pedrinho se aproximava dos oito anos, uma peste atacou o gado e um raio matou um dos escravos.
Foi em 86 mesmo ou no ano seguinte que nasceu Rosa, a primeira filha de Antônio e Eulália? Bom. A
verdade era que a criança tinha nascido pouco mais de um ano após o casamento. Dona Henriqueta cortara-lhe
o cordão umbilical com a mesma tesoura de podar com que separara Pedrinho da mãe.
E era assim que o tempo se arrastava, o sol nascia e se sumia, a lua passava por todas as fases, as estações
iam e vinham, deixando sua marca nas árvores, na terra, nas coisas e nas pessoas.
E havia períodos em que Ana perdia a conta dos dias. Mas entre as cenas que nunca mais lhe saíram da
memória estavam as da tarde em que dona Henriqueta fora para a cama com uma dor aguda no lado direito,
ficara se retorcendo durante horas, vomitando tudo o que engolia, gemendo e suando de frio.
VERÍSSIMO, Érico. O Continente. O tempo e o vento. 1956.

No primeiro parágrafo do texto, o narrador afirma que Ana Terra “... sentia o tempo passar, escutava vozes,
via caras e lembrava-se de coisas...”

Gramática 35
a) Como se organiza no texto a ideia de passagem do tempo? Como isso está relacionado à percepção que
a personagem tem da sua vida?
No excerto, por meio do discurso indireto livre, o narrador dá voz à personagem Ana Terra, que relembra linearmente
eventos pontuais e marcantes na vida de outros membros de sua comunidade. A ideia de passagem do tempo, neste
contexto, é baseada em acontecimentos da vida individual dessas personagens, das quais Ana Terra se coloca como mera
observadora. Essas memórias revelam que sua vida é percebida como uma existência passiva, já que suas lembranças são, na
verdade, lembranças sobre vidas alheias.

b) Há duas perspectivas temporais bastante marcadas no texto, com o emprego de verbos no pretérito
imperfeito e no pretérito mais-que-perfeito. Explique a relação de sentido que há entre elas no texto.
Na organização do fragmento, os pretéritos imperfeito e mais-que-perfeito correlacionam dois tempos da narrativa. O
imperfeito marca os recorrentes momentos em que Ana Terra fica a recordar seu passado (como em “Ana Terra costumava
sentar-se na frente de sua casa [...]”), enquanto o mais-que-perfeito se refere aos próprios eventos recordados, anteriores ao
tempo da rememoração (por exemplo, “Horácio deixara a fazenda, a contragosto do pai, e fora para o Rio Pardo”).

EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

1 (Unicamp-SP) Leia o excerto abaixo, adaptado do ensaio "Para que servem as humanidades?", de Leyla
Perrone-Moisés.

As humanidades servem para pensar a finalidade e a qualidade da existência humana, para além do sim-
ples alongamento de sua duração ou do bem-estar baseado no consumo. Servem para estudar os problemas
de nosso país e do mundo, para humanizar a globalização. Tendo por objeto e objetivo o homem, a capacidade
que este tem de entender, de imaginar e de criar, esses estudos servem à vida tanto quanto a pesquisa sobre o
genoma. Num mundo informatizado, servem para preservar, de forma articulada, o saber acumulado por nossa
cultura e por outras, estilhaçado no imediatismo da mídia e das redes. Em tempos de informação excessiva
e superficial, servem para produzir conhecimento; para “agregar valor”, como se diz no jargão mercadológico.
Os cursos de humanidades são um espaço de pensamento livre, de busca desinteressada do saber, de cultivo
de valores, sem os quais a própria ideia de universidade perde sentido. Por isso merecem o apoio firme das
autoridades universitárias e da sociedade, que eles estudam e à qual servem.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Para que servem as humanidades?
Folha de S.Paulo, São Paulo, 30 jun. 2002, Caderno Mais! (adaptado).

a) As expressões “agregar valor“ e “cultivo de valores“, embora aparentemente próximas pelo uso da mesma
palavra, produzem efeitos de sentido distintos. Explique-os.

b) Na última oração do texto, são utilizados dois elementos coesivos: “eles“ e “à qual“. Aponte a que se
refere, respectivamente, cada um desses elementos.

2 (Vunesp) Leia o trecho inicial do artigo “Artifícios da inteligência”, do físico brasileiro Marcelo Gleiser (1959- ),
para responder às questões.
Considere a seguinte situação: você acorda atrasado para o trabalho e, na pressa, esquece o celular em
casa. Só quando engavetado no tráfego ou amassado no metrô você se dá conta. E agora é tarde para voltar.
Olhando em volta, você vê pessoas com celular em punho conversando, mandando mensagens, navegando na
internet. Aos poucos, você vai sendo possuído por uma sensação de perda, de desconexão. Sem o seu celular,
você não é mais você.

36 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


A junção do humano com a máquina é conhecida como “transumanismo”. Tema de vários livros e filmes
de ficção científica, hoje é um tópico essencial na pesquisa de muitos cientistas e filósofos. A questão que nos
interessa aqui é até que ponto essa junção pode ocorrer e o que isso significa para o futuro da nossa espécie.
Folha de S.Paulo, 1o fev. 2015 (adaptado).

a) De acordo com o físico, nós já podemos ser considerados transumanos? Justifique sua resposta.

b) Dêiticos: expressões linguísticas cuja interpretação depende da pessoa, do lugar e do momento em que são
enunciadas. Por exemplo: “eu” designa a pessoa que fala “eu”.
TERRA, Ernani Terra. Leitura do texto literário, 2014.
Cite dois dêiticos empregados nos dois primeiros parágrafos do texto.

3 (Fuvest-SP) Leia os seguintes versos, extraídos de uma canção de Dorival Caymmi.

Balada do rei das sereias

O rei atirou
Sua filha ao mar
E disse às sereias:
– Ide-a lá buscar,
Que se a não trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!
Foram as sereias...
Quem as viu voltar?...
Não voltaram nunca!
Viraram espuma
Das ondas do mar.

a) Aponte, na fala do rei (primeira estrofe), um efeito expressivo obtido por meio do emprego da segunda
pessoa do plural.

b) Sem alterar o sentido, reescreva a fala do rei, passando os verbos para a 3a pessoa do plural e substituindo,
por outra, a conjunção que.

4 (Unicamp-SP) Mario Sergio Cortella, em sua coluna mensal “Outras Ideias” escreve:
[...] reconheça-se: a maior contribuição de Colombo não foi ter colocado um ovo em pé ou ter aportado
por aqui depois de singrar mares nunca dantes navegados. Colombo precisa ser lembrado como a pessoa que
permitiu a nós, falantes do inglês, do francês ou do português, que tivéssemos contato com uma língua que,
do México até o extremo sul da América, é capaz de nos ensinar a dizer “nosotros” em vez de apenas “we”,
“nous”, “nós”, afastando a arrogante postura do “nós” de um lado e do “vocês” do outro. Pode parecer pouco,
mas “nós” é quase barreira que separa, enquanto “nosotros” exige perceber uma visão de alteridade, isto é,
ver o outro como um outro, e não como um estranho. Afinal, quem são os outros de nós mesmos? O mesmo
que somos para os outros, ou seja, outros!
CORTELLA, Mario Sergio., Folha de S.Paulo, 9 out. 2003.

O texto acima nos faz pensar na distinção entre um “nós” inclusivo e um “nós” excludente.

a) Segundo o excerto, “nosotros” apresenta um sentido inclusivo. Justifique pela morfologia dessa palavra.

b) “Nós brasileiros falamos português” apresenta um “nós” excludente. Explique.

Gramática 37
Textos para a questão 5.
Preciso que um barco atravesse o mar
lá longe
para sair dessa cadeira
para esquecer esse computador
e ter olhos de sal
boca de peixe
e o vento frio batendo nas escamas.
[…]
COLASANTI, Marina. Gargantas abertas.

Gosto e preciso de ti
Mas quero logo explicar
Não gosto porque preciso
Preciso, sim, por gostar.
LAGO, Mário. Disponível em: <www.encantosepaixoes.com.br>.

5 (Fuvest-SP)

a) Nos poemas lidos, as preposições “para” e “por” estabelecem o mesmo tipo de relação de sentido?
Justifique sua resposta.

b) Sem alterar o sentido do texto de Mário Lago, transcreva-o em prosa, em um único período, utilizando
os sinais de pontuação adequados.
A questão 6 toma por base o “Soneto LXVII” (“Considera a vantagem que os brutos fazem aos homens em
obedecer a Deus”), de Dom Francisco Manuel de Melo (1608-1666).

Quando vejo, Senhor, que às alimárias1


Da terra, da água, do ar, – peixe, ave, bruto –,
Não lhe esquece jamais o alto estatuto
Das leis que lhes pusestes ordinárias;

E logo vejo quantas artes2 várias


O homem racional, próvido3 e astuto,
Põe em obrar, ingrato e resoluto,
Obras que a vossas leis são tão contrárias:
Ou me esquece quem sois ou quem eu era;
Pois do que me mandais tanto me esqueço,
Como se a vós e a mi não conhecera.

Com razão logo por favor vos peço


Que, pois homem tal sou, me façais fera,
A ver se assi melhor vos obedeço.
A tuba de Calíope, 1988.

1
Alimária: animal irracional.
2
Arte: astúcia, ardil.
3
Próvido: providente, que se previne, previdente, precavido.

38 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


6 (Unesp-SP) No primeiro verso, a que classe de palavras pertence o termo “que” e qual sua função na frase?
No quarto verso, a que classe de palavras pertence o termo “que” e qual sua função na frase?

7 (Fuvest-SP) Examine a propaganda.

a) Considerando o contexto da propaganda, existe alguma relação de sentido entre a imagem estilizada
dos dedos e as palavras “digital” e “diferença”? Explique.
b) Sem alterar o modo verbal, reescreva o trecho “Venha para a biometria. Cadastre suas digitais.”, passando
os verbos para a primeira pessoa do plural e fazendo as modificações necessárias.

8 (Fuvest-SP) Leia o texto.


A complicada arte de ver
Ela entrou, deitou-se no divã e disse: “Acho que estou ficando louca”. Eu fiquei em silêncio aguardando
que ela me revelasse os sinais da sua loucura. “Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto
as cebolas, os tomates, os pimentões – é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para
fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola,
eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente
ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica.
De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o
mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto.”
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as “Odes
Elementares”, de Pablo Neruda. Procurei a “Ode à Cebola” e lhe disse: “Essa perturbação ocular que a acometeu
é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: ‘Rosa de
água com escamas de cristal’. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver”.
ALVES, Rubem. Folha de S.Paulo, 26 out. 2004 (adaptado).

a) Segundo a concepção do autor, como a poesia pode ser entendida?


b) Reescreva o trecho “Agora, tudo o que vejo me causa espanto.", substituindo o termo sublinhado por
“Naquela época” e empregando a primeira pessoa do plural. Faça as adaptações necessárias.

Gramática 39
Texto para a questão 9.
A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pelo caíra-lhe em vários pontos, as costelas
avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas
da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.
Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço
um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral
ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda
pelada e curta, grossa na base, cheia de moscas, semelhante a uma cauda de cascavel.
Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo
e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito.
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas.

9 (Unesp-SP) Comparando o segundo e o terceiro parágrafos do fragmento de Vidas Secas, explique a dife-
rença no emprego dos tempos, quando o enunciador opõe formas verbais no pretérito mais-que-perfeito
(como imaginara e amarrara-lhe) e no pretérito perfeito (como resolveu, lixou-a e limpou-a).
10 (Fuvest-SP)
Talvez a nordestina já tivesse chegado à conclusão de que vida incomoda bastante, alma que não cabe
bem no corpo, mesmo alma rala como a sua. Imaginavazinha, toda supersticiosa, que se por acaso viesse
alguma vez a sentir um gosto bem bom de viver – se desencantaria de súbito de princesa que era e se trans-
formaria em bicho rasteiro.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela.

Descreva o recurso poético utilizado pela autora em imaginavazinha, forma que escapa à gramática da língua.
11 (Unicamp-SP) Os textos abaixo foram retirados da coluna “Caras e bocas”, do Caderno Aliás, do jornal O
Estado de S. Paulo:
“A intenção é salvar o Brasil.”
Ana Paula Logulho, professora e entusiasta da segunda “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que pede uma intervenção militar no país e
pretendeu reeditar, no sábado, a passeata de 19 de março de 1964, na capital paulista, contra o governo do Presidente João Goulart.

“Será um evento esculhambativo em homenagem ao outro de São Paulo.”


José Caldas, organizador da “Marcha com Deus e o Diabo na Terra do Sol”, convocada pelo Facebook para o mesmo dia, no Rio de Janeiro.
Negritos presentes no original. O Estado de S. Paulo, 23 mar. 2014. Caderno Aliás, E4.

a) Descreva o processo de formação de palavras envolvido em “esculhambativo”, apontando o tipo de


transformação ocorrida no vocábulo.

b) Discorra sobre a diferença entre as expressões “evento esculhambado” e “evento esculhambativo”, con-
siderando as relações de sentido existentes entre os dois textos acima.

12 (Fuvest-SP)

Tenho utilizado o conceito de precariado num sentido bastante preciso que se distingue, por exemplo, do
significado dado por Guy Standing e Ruy Braga. Para mim, precariado é a camada média do proletariado urbano
constituída por jovens-adultos altamente escolarizados com inserção precária nas relações de trabalho e vida social.
Para Guy Standing, autor do livro The Precariat: The new dangerous class, o precariado é uma “nova
classe social” (o título da edição espanhola do livro é explícito: Precariado: una nueva clase social). Ruy Braga
o critica, com razão, salientando que o precariado não é exterior à relação salarial que caracteriza o modo
de produção capitalista, isto é, o precariado pertence sim à classe social do proletariado, sendo tão-somente
o “proletariado precarizado”. (...) Por outro lado, embora Ruy Braga (no livro A política do precariado) esteja
correto em sua crítica do precariado como classe social exterior à relação salarial, ele equivoca-se quando
identifica o precariado meramente com o “proletariado precarizado”, perdendo, deste modo, a particularidade
heurística do conceito capaz de dar visibilidade categorial às novas contradições do capitalismo global.
Giovanni Alves, O que é precariado?. Disponível em https://blogdaboitempo.com.br/. Adaptado.

40 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


a) Explique o processo de formação da palavra “precariado”, associando-o ao seu significado.

b) Qual a função sintática da expressão “com razão” e o seu sentido na construção do texto?

TEMA 2 SEMÂNTICA

EXERCÍCIOS

1 (Fuvest-SP) Leia o seguinte texto jornalístico:


Para para
Numa de suas recentes críticas internas, a ombudsman desta Folha propôs uma campanha para devolver
o acento que a reforma ortográfica roubou do verbo “parar”. Faz todo sentido.
O que não faz nenhum sentido é ler “São Paulo para para ver o Corinthians jogar”. Pior ainda que ler é
ter de escrever.
KFOURI, Juca. Folha de S.Paulo, 22 set. 2014 (adaptado).

a) No primeiro período do texto, existe alguma palavra cujo emprego conota a opinião do articulista sobre
a reforma ortográfica? Justifique sua resposta.
No trecho “o acento que a reforma ortográfica roubou do verbo 'parar'”, a escolha da forma verbal “roubou” dá direção
argumentativa ao texto, indicando que a opinião do articulista é contrária à supressão do acento em “pára” (verbo), por se
distinguir de “para” (preposição).

b) Para evitar o “para para” que desagradou ao jornalista, pode-se reescrever a frase “São Paulo para para
ver o Corinthians jogar”, substituindo a preposição que nela ocorre por outra de igual valor sintático-
-semântico ou alterando a ordem dos termos que a compõem. Você concorda com essa afirmação?
Justifique sua resposta.
Sim. É possível evitar a construção “para para” de duas maneiras: substituindo a preposição (”São Paulo para a fim de ver o
Corinthians jogar“); ou alterando a ordem dos termos (”Para ver o Corinthians jogar, São Paulo para“).

2 (Fuvest-SP)
A reinvenção da vírgula
No começo de 1902, Machado de Assis ficou desesperado por causa de um erro de revisão no prefácio
da segunda edição de suas Poesias completas. Dizem que chegou a se ajoelhar aos pés do Garnier implorando
para que o editor tirasse o livro de circulação. O aristocrático e impoluto Machado, quem diria. Mas a gralha
era mesmo feia. O tipógrafo trocou o E por A na palavra cegara, o revisor deixou passar, e vocês imaginam
no que deu.
No nosso caso, o erro não foi nada de mais, nem erro foi para falar a verdade, apenas um acréscimo
besta de pontuação, talvez dispensável, ainda que de modo algum incorreto. Vai o revisor, fiel à ortodoxia
da gramática normativa, e espeta duas vírgulas para isolar um adjunto adverbial deslocado, coisa de pouca
monta, diria alguém, mas suficiente para o autor sair bradando aos quatro ventos que lhe roubaram o ritmo
da sentença. Um editor experiente traria um cafezinho bem doce, a conter o ímpeto dramático do autor de
primeira viagem, talvez caçoando, “deixa de onda”, a lembrá-lo – valha-me Deus! – que ele não é nenhum
Bruxo do Cosme Velho*. E assim lhe cortando as asas antes do voo.
* Referente a Machado de Assis.
Disponível em https://jornal.usp.br/artigos/a_reinvencao_da_virgula/. Adaptado.

Gramática 41
a) Qual o sentido da palavra “espeta”, destacada no texto, e qual o efeito que ela produz?
No trecho, a palavra “espeta” tem o sentido de “coloca”, “põe”, “acrescenta”. A escolha de “espeta”, contudo, expressa
metaforicamente o desagrado do autor com a alteração feita, podendo dar a ideia hiperbólica de que a intervenção foi uma
violência contra o texto do autor, a ponto de chegar a doer neste ou naquele.

b) Explique o significado, no texto, da expressão “cortando as asas antes do voo”.


A expressão “cortar as asas” significa “cercear a liberdade”. No trecho em questão, ela equivale à ideia de que o autor tem seu
direito de reclamar contra a alteração (voo) cerceado ou impedido (cortar). Isso poque ele não é um ”Bruxo do Cosme Velho“,
ou seja, ele não é um autor da excelência ou da importância de Machado de Assis e, portanto, não tem o direito de exigir que
um revisor não altere o seu texto.

3 (Fuvest-SP) Examine a capa da revista Superinteressante, publicada em julho de 2019.

a) Indique o duplo sentido presente na manchete de capa da revista, explicitando os elementos linguísticos
utilizados.
O duplo sentido presente na manchete de capa da revista é determinado pela paronomásia, semelhança sonora entre palavras
ou expressões de sentidos diferentes. No caso, o substantivo “paranoia” – nome dado a um transtorno psiquiátrico – e a
construção “para, noia” – ordenando-se que o transtorno cesse –, formada pelo verbo “parar” no imperativo e a expressão
“noia” ( a forma popular de se referir a tal transtorno), são lidos exatamente da mesma forma, mas apresentam sentidos diferentes.

b) Explique como a imagem e o texto se combinam na construção do sentido.


O texto da capa apresenta a matéria como sendo um “guia” de como a psicologia e a psiquiatria estão se preparando para
enfrentar distúrbios psicológicos dos pacientes. Assim, a imagem apresenta uma pessoa sentada em uma poltrona, como se
estivesse se submetendo a uma sessão de terapia e, no lugar da cabeça dela, há uma representação simbólica do transtorno
psiquiátrico paranoia (noia) representado por rabiscos, o que sugere uma desordem mental.

42 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


4 (Fuvest-SP) Leia o texto.
Tio Ben cravou pouco antes de falecer: “grandes poderes nunca vêm sozinhos”. E não há responsabilidade
maior do que tirar a vida de alguém. Isso, no entanto, não significa que super-heróis tenham a ficha comple-
tamente limpa. Na verdade, uma olhada mais atenta nos filmes sobre os personagens confirma uma teoria
não tão inocente – a grande maioria deles é homicida.
Foi pensando nisso que um usuário do Reddit, identificado como T0M95, resolveu planilhar os assassi-
natos que acontecem nos filmes da Marvel. Nos 20 longas, que saíram nos últimos 10 anos, foram 65 mortes
– e 20 delas deixaram sangue nas mãos dos mocinhos.
Vale dizer que o usuário contabilizou apenas mortes relevantes à história: só entraram na planilha vítimas
que tinham, pelo menos, nome antes de baterem as botas. Nada de figurantes ou bonecos criados em com-
putação gráfica só para dar volume a uma tragédia. Ficaram de fora, por exemplo, as centenas que morreram
durante a batalha de Wakanda, em “Vingadores: Guerra Infinita”, ou a cena de “Guardiões da Galáxia” que
se consagrou como o maior massacre da história do cinema.
Disponível em: <https://super.abril.com.br/cultura/quantos_assassinatos_cada_heroi_e_vilao_da_marvel_cometeu_nos_cinemas> (adaptado).

a) Qual o sentido das palavras “cravou” e “planilhar” destacadas no texto e qual o efeito que elas produzem?
No contexto, o verbo “cravar” significa expressar um pensamento de maneira precisa, em uma formulação sintética e
impactante. “Planilhar” significa organizar dados em uma planilha de cálculos, sistematizando dados para a realização de
levantamentos estatísticos. Como 'cravar' (na acepção em que foi usado) e 'planilhar' são neologismos, seu uso tem como
efeito conferir informalidade ao texto.

b) Substitua os dois-pontos do trecho “Vale dizer que o usuário contabilizou apenas mortes relevantes à
história: só entraram na planilha vítimas que tinham, pelo menos, nome antes de baterem as botas” por
uma conjunção e indique qual a relação de sentido estabelecida por ela.
“Vale dizer que o usuário contabilizou apenas mortes relevantes à história, pois (porque/ já que/ visto que/ uma vez que)
só entraram na planilha vítimas que tinham, pelo menos, nome antes de baterem as botas.”

A conjunção estabelece relação de sentido de explicação.

5 (Unicamp-SP)
O xeque-mate – do persa shâh mât: o rei está morto – ocupa uma função controversa nas leis do jogo de
xadrez. Trata-se de uma expressão que designa o lance final – é quando um dos reis não tem mais qualquer
possibilidade de movimento. De saída, e nisso consiste o primeiro traço de ambivalência da expressão, a rigor,
o rei não morre. Pode-se dizer até que o rei agoniza – mas de seu destino quase nada sabemos. Em resumo,
o xeque-mate é exatamente, negando o que enuncia a expressão, o lance anterior ao que podemos chamar de
morte. Diferentemente do senso comum, que vê grandeza naquele que luta até o último instante – a saber, até
a morte –, o jogador de xadrez deve ter a medida de seu esforço. Saber abandonar uma partida no momento
certo, portanto, é uma demonstração de domínio da própria derrota. A morte, por jamais tornar-se concreta,
fica sendo pura potência. Talvez seja este caráter inacabado – o jogo acaba sempre antes de acabar – que
concede, afinal, ao jogo de xadrez, na forma de rito, a possibilidade de um eterno recomeçar.
ROSA, Victor da. “Xeque-mate”. Disponível em: <http://culturaebarbarie.org/sopro/verbetes/xequemate.html>. Acesso em: 04 set. 2018 (adaptado).

a) Victor da Rosa afirma que há uma ambivalência na expressão “xeque-mate”. Explique-a.


A expressão “xeque-mate” significa literalmente “o rei está morto”. Contudo, embora a partir desse momento o jogo de
xadrez esteja paralisado, o rei não morre de fato. Ou seja, o xeque-mate é o lance que encerra o jogo, impondo ao rei o
abandono da luta, mas não a sua morte.

Gramática 43
b) Explique, com dois argumentos, por que a posição do autor quanto à grandeza do jogo de xadrez con-
traria o senso comum.
Contrariando o senso comum, que considera que a grandeza está em lutar até a morte, o autor considera que a grandeza do
jogo de xadrez consiste em saber o momento certo de abandonar a luta, uma forma de dominar a própria derrota. Como no
xadrez a morte não se concretiza, o jogo permanece, de certo modo, inacabado e, portanto, pode-se sempre recomeçar.

6 (Unicamp-SP) O texto a seguir, publicado junto com a charge abaixo, foi escrito em homenagem a Marielle
Franco, mulher negra, da favela, socióloga, vereadora do Rio de Janeiro. Defensora dos Direitos Humanos,
Marielle foi morta a tiros no dia 14 de março de 2018, no Estácio, região central da cidade.

O luto por Marielle me conduz ao poema A flor e a náusea de Carlos Drummond, cada dia mais atual, nos
lembrando que “o tempo não chegou de completa justiça. O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucina-
ções e espera”. Ele pergunta: “Posso, sem armas, revoltar-me?”. O inimigo está com a faca, o queijo, os fuzis
e as balas na mão, o que aumenta nosso sentimento de impotência. Drummond me mostra a flor furando “o
asfalto, o tédio, o nojo e o ódio” e, dessa forma, “me salvo e dou a poucos uma esperança mínima”. A poesia,
território onde os assassinos não entram, tem esse poder milagroso de colocar ao nosso alcance a arma da
razão com muita munição de esperança.
FREIRE, José Ribamar Bessa. Uma toada para Marielle: a flor que fura o asfalto. A charge de Quinho foi encontrada na internet pelo autor da crônica.
Disponível em: <http://www.taquiprati.com.br/cronica/1387-uma-toada-para-marielle-a-flor-que-fura-o-asfalto>.
Acesso em: 03 set. 2018 (adaptado).

a) Segundo o dicionário Michaelis, “estar com a faca e o queijo na mão” significa “ter poder amplo e irres-
trito”. Como isso aparece no trecho da crônica e na charge?
O “poder amplo e irrestrito” do inimigo está evidenciado, na crônica, pela posse de armas (balas e fuzis), o que conduz a um
aumento do sentimento de impotência frente à violência denunciada. Já na charge, esse poder de vida e morte aparece na
bala do fuzil que despedaça a flor e cala, assim, a voz de Marielle.

b) Como a ideia de “munição de esperança” está expressa na charge e no poema citado?


Na charge, a esperança aparece no renascer da planta, da qual vão brotar ainda mais flores Marielles; em outras palavras, a
flor fuzilada volta a crescer com mais força. No poema, Drummond fala do milagre de uma flor feita poesia, capaz de romper
o asfalto. É com ela que o poeta se salva para poder trazer-nos um pouco de esperança.

44 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


7 (Unicamp-SP)

BROWNE, Dik. Hagar, o horrível.

a) O que produz a ironia nessa tira de Hagar?


A ironia é um mecanismo discursivo que trabalha com sentidos implícitos. Por meio desse recurso, o enunciador diz explicitamente
algo, pretendendo dizer, implicitamente, o contrário. Na tirinha, Hagar responde de modo afirmativo à pergunta do filho. Este
percebe, contudo, por dados contextuais, que o pai tem opinião contrária à que declara: se é importante ter boas maneiras apenas
considerando o convite do rei da Inglaterra para jantar, e já que é absolutamente improvável que a família de Hagar receba tal
convite, conclui-se que não é de fato importante ter boas maneiras à mesa. O absurdo da situação, assim, desencadeia a ironia. Em
outros termos, o que Hagar afirma explicitamente é tão insólito, que não pode ser levado a sério.

b) Como você interpreta a resposta de Hagar, no segundo quadrinho da tira? Justifique.


A resposta de Hagar, no segundo quadrinho da tira, também opera com um mecanismo de sentido implícito: ao pedir ao garoto
que não comente com a mãe o fato de não achar importante ter boas maneiras, fica pressuposto que ela defende a etiqueta.
Assim, por meio do jogo com os sentidos implícitos, a tira mostra o contraste entre dois universos de valores distintos, entre
visões de mundo diferentes. Na hesitação de Hagar também é possível notar uma espécie de “temor reverencial” pela posição da
mulher: ainda que ele pense de modo diferente, no plano da aparência concorda com a opinião da esposa. Trata-se, pois, de uma
representação da polifonia na vida social, isto é, das múltiplas vozes presentes na sociedade.

EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

1 (Fuvest-SP) Considere o seguinte texto, para atender ao que se pede:

O orgulho é a consciência (certa ou errada) do nosso próprio mérito; a vaidade, a consciência (certa ou
errada) da evidência do nosso próprio mérito para os outros. Um homem pode ser orgulhoso sem ser vaidoso,
pode ser ambas as coisas, vaidoso e orgulhoso, pode ser – pois tal é a natureza humana – vaidoso sem ser
orgulhoso. É difícil à primeira vista compreender como podemos ter consciência da evidência do nosso mérito
para os outros, sem a consciência do nosso próprio mérito. Se a natureza humana fosse racional, não haveria
explicação alguma. Contudo, o homem vive a princípio uma vida exterior, e mais tarde uma interior; a noção
de efeito precede, na evolução da mente, a noção de causa interior desse mesmo efeito. O homem prefere ser
exaltado por aquilo que não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a vaidade em ação.
PESSOA, Fernando. Da literatura europeia.

a) Considerando-a no contexto em que ocorre, explique a frase “o homem vive a princípio uma vida exterior,
e mais tarde uma interior”.

Gramática 45
b) Reescreva a frase “O homem prefere ser exaltado por aquilo que não é, a ser tido em menor conta por
aquilo que é”, substituindo por sinônimos as expressões sublinhadas.

Texto para a questão 2.

Pensar no envelhecimento é algo que costuma incomodar a maior parte das pessoas. Herdamos das gerações
passadas a ideia de que a idade inexoravelmente sinaliza o fim de uma vida produtiva plena e que o melhor a
fazer é aceitar a decadência física, almejando contar com o conforto proporcionado por uma boa aposentadoria.
Mas o mundo mudou. Hoje, uma nova geração descobre que, se tomar decisões sábias na juventude, pode tornar
o tempo futuro uma genuína etapa da vida e, mais do que isso, uma fase áurea da nossa existência.
Estudos demográficos apontam que as gerações nascidas desde a década de 60 podem contar com, pelo
menos, mais 20 anos em sua expectativa de vida. Na verdade, se recuarmos um pouco mais, vamos constatar
que esse bônus de longevidade é maior ainda. No início do século 20, mais ou menos na mesma época em
que a aposentadoria foi criada, a expectativa de vida ao nascer do brasileiro era, em média, de 33 anos. Hoje
estamos quase chegando aos 80. Em pouco mais de 100 anos o bônus de longevidade foi de quase 50 anos!
Você S/A – Previdência, set. 2016.

2 (FGV-SP) Releia o primeiro parágrafo do texto e responda ao que se pede.


a) Explique os significados dos termos destacados: “... a ideia de que a idade inexoravelmente sinaliza o fim
de uma vida produtiva plena e que o melhor a fazer é aceitar a decadência física, almejando contar com
o conforto proporcionado por uma boa aposentadoria. Mas o mundo mudou. Hoje, uma nova geração
descobre que, se tomar decisões sábias na juventude, pode tornar o tempo futuro uma genuína etapa da
vida e, mais do que isso, uma fase áurea da nossa existência.”
b) Reescreva a passagem “Hoje, uma nova geração descobre que, se tomar decisões sábias na juventude,
pode tornar o tempo futuro uma genuína etapa da vida...”, empregando “já descobriu” em lugar de “des-
cobre” e substituindo a conjunção “se” por outra que preserve o sentido do contexto. Faça as adaptações
necessárias e indique a circunstância que esse trecho expressa no período.

3 (Fuvest-SP) Leia este texto, publicado em 1905.

Por toda parte, a verbiagem,* oca, inútil e vã, a retórica [...] pomposa, a erudição míope, o aparato de sa-
bedoria resumem toda a elaboração intelectual. [...] Aceitam-se e proclamam-se os mais altos representantes
da intelectualidade: os retóricos inveterados, cuja palavra abundante e preciosa impõe-se como sinal de gênio,
embora não se encontrem nos seus longos discursos e muitos volumes nem uma ideia original, nem uma só
observação própria. E disto ninguém se escandaliza; o escândalo viria se houvera originalidade.
BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem (adaptado).
* Verbiagem: falatório longo mas com pouco sentido ou utilidade; verborragia.

a) O sentido que se atribui, no texto, à palavra “retórica” é o de “arte da eloquência, arte de bem argumentar;
arte da palavra” (Houaiss)? Justifique.

b) Mantendo-se o sentido que eles têm no contexto, que outra forma os verbos “se encontrem” e “houvera”
poderiam assumir?

Texto para a questão 4.

– Vovô, eu quero ver um cometa!


Ele me levava até a janela. E me fazia voltar os olhos para o alto, onde o sol reinava sobre a Saracena.
– Não há nenhum visível no momento. Mas você há de ver um deles, o mais conhecido, que, muito tempo
atrás, passou no céu da Itália.
Muito tempo atrás... atrás de onde? Atrás de minha memória daquele tempo.

46 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


E vovô Leone continuava:
– Um dia, você há de estar mocinha, e eu já estarei morando junto das estrelas. E você há de ver a volta
do grande cometa, lá pelo ano de 2010...
Eu me agarrava à cauda daquele tempo que meu avô astrônomo me mostrava com os olhos do futuro e saía
de sua casa. Na rua, com a cabeça nas nuvens, meus olhos brilhavam como estrelas errantes. Só baixavam à
terra quando chegava à casa de vovô Vincenzo, o camponês.
LAURITO, Ilke Brunhilde. A menina que fez a América. São Paulo: FTD, 1999. p. 16.

4 (Unicamp-SP) No trecho “Muito tempo atrás... atrás de onde? Atrás de minha memória daquele tempo”,
identifique os sentidos de atrás em cada uma das três ocorrências.

5 (Fuvest-SP) Examine a transcrição do depoimento de Eduardo Koge, líder indígena de Tadarimana, MT.

Nós vivemos aqui que nem gado. Tem a cerca e nós não podemos sair dessa cerca. Tem que viver só do
que tem dentro da cerca. É, nós vivemos que nem boi no curral.
ISAAC, Paulo A. M. Drama da educação escolar indígena Bóe-Bororo.

a) Nos trechos “Tem a cerca...” e “Tem que viver...”, o verbo “ter” assume sentidos diferentes? Justifique.

b) Reescreva, em um único período, os trechos “Nós vivemos aqui que nem gado” e “nós não podemos
sair dessa cerca”, empregando discurso indireto. Comece o período conforme indicado na página de
respostas.

6 (Unicamp-SP)

a) Nessa tira de Laerte a graça é produzida por um deslizamento de sentido. Qual é ele?

b) Descreva esse deslizamento quadro a quadro, mostrando a relação das imagens com o que é dito.

Texto para a questão 7.


O yuan cai – na nossa cabeça

Assim que a China anunciou, no dia 11 [11.08.2015], que permitira uma queda de 1,9% no valor de sua
moeda, o yuan, Bolsas e moedas de outros países desabaram. Foi a maior desvalorização cambial na China
desde 1994. Ao baratear sua moeda e, como consequência, seus salários e seus produtos, os chineses im-
pulsionaram suas exportações. Mas dificultam a vida da concorrência e a recuperação econômica em outros
países. Entre esses sofredores, está o Brasil.
O Brasil já vinha sentindo um baque duplo: a China em desaceleração consome menos de nossa soja e
de nosso minério de ferro, e os preços desses produtos no mercado internacional estão em baixa. O Brasil
normalmente vende para a China mais do que compra.
Época, 17 ago. 2015.

Gramática 47
7 (FGV-SP) Analisando o título do texto, explique
a) os sentidos que o verbo “cair” assume no título, associando-os a informações textuais;

b) a vantagem que a queda do yuan representa para a China, interna e externamente.

8 (Unicamp-SP) Na sua coluna diária do jornal Folha de S. Paulo de 17 de agosto de 2005, José Simão escreve:
“No Brasil nem a esquerda é direita!”.

a) Nessa afirmação, a polissemia da língua produz ironia. Em que palavras está ancorada essa ironia?

b) Quais os sentidos de cada uma das palavras envolvidas na polissemia acima referida?

c) Comparando a afirmação “No Brasil nem a esquerda é direita” com “No Brasil a esquerda não é direita”,
qual a diferença de sentido estabelecida pela substituição de "nem" por "não"?

9 (Fuvest-SP) Leia o texto.


Ditadura/Democracia
A diferença entre uma democracia e um país totalitário é que numa democracia todo mundo reclama,
ninguém vive satisfeito. Mas se você perguntar a qualquer cidadão de uma ditadura o que acha do seu país, ele
responde sem hesitação: “Não posso me queixar”.
FERNANDES, Millôr. Millôr definitivo: a bíblia do caos.

a) Para produzir o efeito de humor que o caracteriza, esse texto emprega o recurso da ambiguidade? Justi-
fique sua resposta.

b) Reescreva a segunda parte do texto (de “Mas” até “queixar”), pondo no plural a palavra “cidadão” e
fazendo as modificações necessárias.

10 (Unicamp-SP)

Disponível em: <www.miriamsalles.info/wp/wp-content/uploads/acord>.

48 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


a) Qual é o pressuposto da personagem que defende o acordo ortográfico entre os países de língua por-
tuguesa? Por que esse pressuposto é inadequado?

b) Explique como, na tira anterior, esse pressuposto é quebrado.

11 (Unifesp) Leia o anúncio a seguir.

Veja, 24 jun. 2009.


Explique que relação de sentido há entre os termos "aperfeiçoamento" e "perfeição" na construção da
mensagem publicitária.

12 (Fuvest-SP)

O Brasil já está à beira do abismo. Mas ainda vai ser preciso um grande esforço de todo mundo pra
colocarmos ele novamente lá em cima.
FERNANDES, Millôr.

Em seu sentido usual, a expressão destacada significa “às vésperas de uma catástrofe”. Tal significado se
confirma no texto? Justifique sua resposta.

TEMA 3 SINTAXE DO PERÍODO SIMPLES

EXERCÍCIOS

Texto para a questão 1.

Ao valimento1 que tem o mentir

Mau ofício é mentir, mas proveitoso...


Tanta mentira, tanta utilidade
Traz consigo o mentir nesta cidade
Como o diz o mais triste mentiroso.

Eu, como um ignorante e um baboso,


Me pus a verdadeiro, por vaidade;
Todo o meu cabedal2 meti em verdade
E saí do negócio perdidoso3.
Perdi o principal, que eram verdades,
Perdi os interesses de estimar-me,
Perdi-me a mim em tanta soledade4;

Gramática 49
Deram os meus amigos em deixar-me,
Cobrei5 ódios e inimizades...
Eu me meto a mentir e a aproveitar-me.
Gregório de Matos. In: PIRES, M. L. G. (Org.).
Poetas do período barroco. Lisboa: Comunicação, 1985.

1
Valimento: validade.
2
Cabedal: conhecimento.
3
Perdidoso: prejudicado.
4
Soledade: solidão.
5
Cobrar: receber.

1 (Uerj) A primeira estrofe do poema apresenta inversões da ordem direta das orações. Esse recurso expressivo,
chamado hipérbato, é frequente na estética barroca. Reescreva os versos 2 e 3 da primeira estrofe na ordem direta,
desfazendo o hipérbato. Em seguida, explique o efeito do hipérbato para a camada sonora dessa estrofe.
O mentir traz consigo tanta mentira, tanta utilidade nesta cidade.
O mentir nesta cidade traz consigo tanta mentira, tanta utilidade.
O hipérbato produz a rima e contribui para a criação de ritmo da frase.

A questão 2 toma por base um poema de Luiz Gama (1830-1882), poeta, jornalista e líder abolicionista bra-
sileiro, nascido livre e vendido como escravo pelo próprio pai.

No cemitério de S. Benedito

1 Em lúgubre recinto escuro e frio,


Onde reina o silêncio aos mortos dado,
Entre quatro paredes descoradas,
Que o caprichoso luxo não adorna,
5 Jaz da terra coberto humano corpo,
que escravo sucumbiu, livre nascendo!
Das hórridas cadeias desprendido,
Que só forjam sacrílegos tiranos,
Dorme o sono feliz da eternidade.

10 Não cercam a morada lutuosa


Os salgueiros, os fúnebres ciprestes,
Nem lhe guarda os umbrais da sepultura
Pesada laje de espartano mármore,
Somente levantado em quadro negro
15 Epitáfio se lê, que impõe silêncio!
– Descansam n’este lar caliginoso1
O mísero cativo, o desgraçado!…

Aqui não vem rasteira a vil lisonja


Os feitos decantar da tirania,
20 Nem ofuscando a luz da sã verdade
Eleva o crime, perpetua a infâmia.

Aqui não se ergue altar ou trono d’ouro


Ao torpe mercador de carne humana.
Aqui se curva o filho respeitoso

50 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


25 Ante a lousa materna, e o pranto em fio
Cai-lhe dos olhos revelando mudo
A história do passado. Aqui nas sombras
Da funda escuridão do horror eterno,
Dos braços de uma cruz pende o mistério,
30 Faz-se o cetro2 bordão3, andrajo a túnica,
Mendigo o rei, o potentado4 escravo!
Primeiras trovas burlescas e outros poemas, 2000.

1
Caliginoso: muito escuro, tenebroso.
2
Cetro: bastão de comando usado pelos reis.
3
Bordão: cajado grosso usado como apoio ao caminhar.
4
Potentado: pessoa muito rica e poderosa.

2 (Vunesp) Indique os termos que exercem a função de sujeito nas orações que constituem os versos 24 e 29
do poema de Luiz Gama e o que há de comum nesses versos no que se refere à posição que ocupam em
relação aos respectivos predicados.
No verso 24, o termo que exerce função de sujeito é “o filho respeitoso”; no verso 29, “o mistério”. Nos dois casos, os
enunciados estão em ordem inversa: os sujeitos estão pospostos aos respectivos predicados.

Para responder às questões 03 e 04, leia o poema “O sobrevivente”, extraído do livro Alguma poesia, de
Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1930.
O sobrevivente
Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.


Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda


falta muito para atingirmos um nível razoável
de cultura. Mas até lá, felizmente,
estarei morto.

Os homens não melhoraram


e matam-se como percevejos.
Os percevejos heroicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)


(Poesia 1930-1962, 2012.)

Gramática 51
3 (Unesp-SP)

a) Que relação pode ser estabelecida entre os dois primeiros versos e o último verso do poema?
A relação entre os dois primeiros e o último verso do poema é de refutação (ou de negação, contestação, contraste,
contraposição, entre outras palavras desse campo semântico). Os dois primeiros versos negam peremptoriamente a possibilidade
de produzir-se poesia, porém, no verso final, o eu lírico admite que talvez tenha escrito um poema.

b) Reescreva, na voz passiva, o trecho sublinhado no último verso do poema “(Desconfio que escrevi um
poema.)”.
Adotando-se a voz passiva, a oração assume a seguinte forma: “Um poema foi escrito por mim”.
Obs.: na transposição, o sujeito elíptico deve ser convertido em agente da voz passiva; quanto ao verbo, deve-se manter o
pretérito perfeito.

4 (Unesp-SP)

a) Explicite a antítese contida em “Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais sim-
ples.” (2ª estrofe).
Em “Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples”, há uma antítese entre “máquinas terrivelmente
complicadas” e “necessidades mais simples”. Essa oposição semântica revela a visão negativa que o eu lírico tem de algumas
invenções modernas que, em lugar de tornar a vida mais fácil, a torna complexa, como se pode notar nos versos: “Se quer fumar
um charuto aperte um botão” ou “Paletós abotoam-se por eletricidade”.

b) Identifique o pressuposto contido no trecho “E se os olhos reaprendessem a chorar” (4ª estrofe), relacio-
nando-o com o tema geral do poema.
Em “E se os olhos reaprendessem a chorar”, pressupõe-se que os seres humanos já aprenderam a chorar uma vez e já se
esqueceram de como fazê-lo. Ao sugerir que, atualmente, não se chora, o eu lírico condena uma época em que a poesia é
desvalorizada, máquinas inúteis são criadas e o mundo se torna inabitável, de modo que a condição humana acaba sendo
perdida. Voltar a chorar seria, nesse contexto, um resgate dessa humanidade perdida.

Texto para a questão 5.


Gato gato gato
Em cima do muro, o gato recebeu o aviso da presença do menino. Ondulou de mansinho alguns passos
denunciados apenas na branda alavanca das ancas. Passos irreais, em cima do muro eriçado1 de cacos de vidro.
E o menino songa-monga2, quietinho, conspirando no quintal, acomodado com o silêncio de todas as coisas.
Otto Lara Resende.
BOSI, Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1975.
1
Eriçado: arrepiado.
2
Songa-monga: dissimulado.

5 (Uerj) "Em cima do muro, o gato recebeu o aviso da presença do menino.“ O adjunto adverbial que ocorre
nesse enunciado pode ser deslocado para outras posições; em uma delas, porém, a frase se tornará ambígua.
Reescreva o enunciado duas vezes com o deslocamento do adjunto, de modo a manter o sentido original
em uma e a criar ambiguidade em outra. Aponte, também, a construção ambígua e explique-a.
O gato recebeu, em cima do muro, o aviso da presença do menino.
O gato recebeu o aviso da presença do menino em cima do muro.
A ambiguidade está presente na segunda alteração, pois “em cima do muro”, colocado no final da frase, tanto pode se
referir à posição do gato quanto à posição do menino.

52 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

1 (Vunesp) Para responder a esta questão, leia o soneto de Raimundo Correia (1859-1911).

Esbraseia o Ocidente na agonia


O sol... Aves em bandos destacados,
Por céus de ouro e de púrpura raiados,
Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia...

Delineiam-se, além, da serrania


Os vértices de chama aureolados,
E em tudo, em torno, esbatem derramados
Uns tons suaves de melancolia...

Um mundo de vapores no ar flutua...


Como uma informe nódoa, avulta e cresce
A sombra à proporção que a luz recua...

A natureza apática esmaece...


Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
Surge trêmula, trêmula... Anoitece.
Poesia completa e prosa, 1961.

a) Que processo o soneto de Raimundo Correia retrata?

b) A primeira estrofe do soneto é composta por três períodos simples em ordem indireta (“Esbraseia o
Ocidente na agonia / O sol”; “Aves em bandos destacados, / Por céus de ouro e de púrpura raiados, /
Fogem”; e “Fecha-se a pálpebra do dia”). Reescreva esses três períodos em ordem direta.

Texto para a questão 2.


O discurso
Natividade é que não teve distrações de espécie alguma. Toda ela estava nos filhos, e agora especialmente
na carta e no discurso. Começou por não dar resposta às efusões1 políticas de Paulo; foi um dos conselhos do
conselheiro. Quando o filho tornou pelas férias tinha esquecido a carta que escrevera.
O discurso é que ele não esqueceu, mas quem é que esquece os discursos que faz? Se são bons, a memória
os grava em bronze; se ruins, deixam tal ou qual amargor que dura muito. O melhor dos remédios, no segundo
caso, é supô-los excelentes, e, se a razão não aceita esta imaginação, consultar pessoas que a aceitem, e crer
nelas. A opinião é um velho óleo incorruptível.
Paulo tinha talento. O discurso naquele dia podia pecar aqui ou ali por alguma ênfase, e uma ou outra
ideia vulgar e exausta. Tinha talento Paulo. Em suma, o discurso era bom. Santos achou-o excelente, leu-o
aos amigos e resolveu transcrevê-lo nos jornais. Natividade não se opôs, mas entendia que algumas palavras
deviam ser cortadas.
ASSIS, Machado de.
Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.

1
Efusão: manifestação expansiva de sentimentos.

2 (Uerj) Natividade não se opôs, mas entendia que algumas palavras deviam ser cortadas. (. 11-12). A voz
verbal na oração sublinhada põe em destaque a sugestão de Natividade em relação ao discurso do filho.
Identifique essa voz verbal e justifique seu emprego no texto, a partir da afirmativa acima.

Gramática 53
Texto para a questão 3.

[...] meu pai tinha-me em grande admiração; e se às vezes me repreendia, à vista de gente, fazia-o por
simples formalidade: em particular dava-me beijos.
ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas.

3 (Fuvest-SP) Altere a redação do período abaixo empregando os verbos na voz passiva:

“[...] e se às vezes me repreendia, à vista de gente, fazia-o por simples formalidade.”

4 (Fuvest-SP) "No início da tarde, ela foi comunicada da demissão pelo assessor do presidente". Embora já
frequente, a construção passiva que se observa na frase dada contraria a norma gramatical culta. Sabendo
que tal norma registra para o verbo, na voz ativa, apenas a construção comunicar alguma coisa a alguém,

a) redija novamente a frase, dando-lhe a forma da voz ativa, de acordo com a norma referida;

b) passe para a voz passiva a frase obtida.

Texto para a questão 5.


Ao oferecer-se para ajudar o cego, o homem que depois roubou o carro não tinha em mira, nesse momento
preciso, qualquer intenção malévola, muito pelo contrário, o que ele fez não foi mais que obedecer àqueles
sentimentos de generosidade e altruísmo que são, como toda a gente sabe, duas das melhores características
do género humano, podendo ser encontradas até em criminosos bem mais empedernidos do que este, simples
ladrãozeco de automóveis sem esperança de avanço na carreira, explorado pelos verdadeiros donos do negócio,
que esses é que se vão aproveitando das necessidades de quem é pobre. [...] Foi só quando já estava perto da casa
do cego que a ideia se lhe apresentou com toda a naturalidade [...]. Os cépticos acerca da natureza humana, que
são muitos e teimosos, vêm sustentando que se é certo que a ocasião nem sempre faz o ladrão, também é certo
que o ajuda muito. Quanto a nós, permitir-nos-emos pensar que se o cego tivesse aceitado o segundo ofereci-
mento do afinal falso samaritano, naquele derradeiro instante em que a bondade ainda poderia ter prevalecido,
referimo-nos o oferecimento de lhe ficar a fazer companhia enquanto a mulher não chegasse, quem sabe se o
efeito da responsabilidade moral resultante da confiança assim outorgada não teria inibido a tentação criminosa
e feito vir ao de cima o que de luminoso e nobre sempre será possível encontrar mesmo nas almas mais perdidas.
SARAMAGO, José.
Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

5 (Uerj) Observe a mudança de posição do advérbio "afinal" nos enunciados a seguir:

1) "Quanto a nós, permitir-nos-emos pensar que se o cego tivesse aceitado o segundo oferecimento do
afinal falso samaritano," (  . 10-11).

2) "Quanto a nós, permitir-nos-emos pensar que se o cego tivesse aceitado afinal o segundo oferecimento
do falso samaritano".

Explique a diferença de sentido entre os enunciados, a partir da posição do advérbio. Justifique, ainda, a
opção pela primeira construção, tendo em vista a sequência dos acontecimentos.

Texto para a questão 6.


A cidade
Destinava-se a uma cidade maior, mas o trem permaneceu indefinidamente na antepenúltima estação.
Cariba acreditou que a demora poderia ser atribuída a algum comboio1 de carga descarrilado na linha, acidente
comum naquele trecho da ferrovia. Como se fizesse excessivo o atraso e ninguém o procurasse para lhe explicar o que
estava ocorrendo, pensou numa provável desconsideração à sua pessoa, em virtude de ser o único passageiro do trem.

54 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Chamou o funcionário que examinara as passagens e quis saber se constituía motivo para tanta
negligência o fato de ir vazia a composição.
Não recebeu uma resposta direta do empregado da estrada, que se limitou a apontar o morro, onde se
dispunham, sem simetria, dezenas de casinhas brancas.
– Belas mulheres? – indagou o viajante.
– Casas vazias.
Percebeu logo que tinha pela frente um cretino. Apanhou as malas e se dispôs a subir as íngremes ladeiras
que o conduziriam ao povoado.
[...]
Durante todo o percurso, desde as vias secundárias à avenida principal, os moradores do lugar observaram
Cariba com desconfiança. Talvez estranhassem as valises2 de couro de camelo que carregava ou o seu paletó
xadrez, as calças de veludo azul. Mesmo sendo o seu traje usual nas constantes viagens que fazia, achou
prudente desfazer qualquer mal-entendido provocado pela sua presença entre eles:
– Que cidade é esta? – perguntou, esforçando-se para dar às palavras o máximo de cordialidade.
Nem chegou a indagar pelas mulheres, conforme pretendia. Pegaram-no com violência pelos braços e o
foram levando, aos trancos, para a delegacia de polícia:
– É o homem procurado – disseram ao delegado, um sargento espadaúdo3 e rude.
[...]
O sargento chegara a uma conclusão, entretanto divagava:
– O telegrama da Chefia de Polícia não esclarece nada sobre a nacionalidade do delinquente, sua apa-
rência, idade e quais os crimes que cometeu. Diz tratar-se de elemento altamente perigoso, identificável pelo
mau hábito de fazer perguntas e que estaria hoje neste lugar.
[...]
Cinco meses após a sua detenção, ele não mais espera sair da cadeia. Das suas grades, observa os homens
que passam na rua. Mal o encaram, amedrontados, apressam o passo.
Pressente, às vezes, que irão perguntar qualquer coisa aos companheiros e fica à espreita, ansioso que
isso aconteça. Logo se desengana. Abrem a boca, arrependem-se, e se afastam rapidamente.
Caminha, dentro da noite, de um lado para outro. E, ao avistar o guarda, cumprindo sua ronda noturna,
a examinar se as celas estão em ordem, corre para as grades internas, impelido por uma débil esperança:
– Alguém fez hoje alguma pergunta?
– Não. Ainda é você a única pessoa que faz perguntas nesta cidade.
RUBIÃO, M. Obra completa. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
1
Comboio: trem.
2
Valise: mala de mão.
3
Espadaúdo: de ombros largos.

6 (Uerj) Observe a mudança de posição da palavra sublinhada nos enunciados a seguir:

1) "Não. Ainda é você a única pessoa que faz perguntas nesta cidade". (  . 37)

2) "Não. É você a única pessoa que ainda faz perguntas nesta cidade".

Explique a diferença de sentido entre os enunciados, a partir da posição da palavra "ainda". Justifique,
também, a opção do autor pela primeira construção, relacionando-a à trajetória da personagem central.

Gramática 55
Texto para a questão 7.
CXXXV
Otelo

Jantei fora. De noite fui ao teatro. Representava-se justamente Otelo, que eu não vira nem lera nunca;
sabia apenas o assunto, e estimei a coincidência. Vi as grandes raivas do mouro, por causa de um lenço, – um
simples lenço! – e aqui dou matéria à meditação dos psicólogos deste e de outros continentes, pois não me
pude furtar à observação de que um lenço bastou a acender os ciúmes de Otelo e compor a mais sublime
tragédia deste mundo. Os lenços perderam-se, hoje são precisos os próprios lençóis; alguma vez nem lençóis
há, e valem só as camisas. Tais eram as ideias que me iam passando pela cabeça, vagas e turvas, à medida
que o mouro rolava convulso, e Iago destilava a sua calúnia. Nos intervalos não me levantava da cadeira; não
queria expor-me a encontrar algum conhecido.
As senhoras ficavam quase todas nos camarotes, enquanto os homens iam fumar. Então eu perguntava
a mim mesmo se alguma daquelas não teria amado alguém que jazesse agora no cemitério, e vinham outras
incoerências, até que o pano subia e continuava a peça. O último ato mostrou-me que não eu, mas Capitu
devia morrer. Ouvi as súplicas de Desdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria do mouro, e a
morte que este lhe deu entre aplausos frenéticos do público.
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro.

7 (Fuvest-SP) No texto do capítulo CXXXV, o se ocorre duas vezes como partícula apassivadora.

a) Construa uma frase em que o verbo representar seja intransitivo.

b) Utilizando o verbo perder, construa uma frase em que o se venha a ser índice de indeterminação do sujeito.

8 (Unicamp-SP) Examine a tirinha.

Folha de S.Paulo, 11 out. 2004.

Na tira de Garfield, a comicidade se dá por uma dupla possibilidade de leitura.


a) Explicite as duas leituras possíveis e explique como se constrói cada uma delas.

b) Use vírgula(s) para discernir uma leitura da outra.

9 (Unicamp-SP)
A experiência que comprovou a existência da partícula conhecida como bóson de Higgs teve ampla re-
percussão na imprensa de todo o mundo, pelo papel fundamental que tal partícula teria no funcionamento
do universo. Leia o comentário abaixo, retirado de um texto jornalístico, e responda às questões propostas.
Por alguma razão, em língua portuguesa convencionou-se traduzir o apelido do bóson como “partícula de
Deus” e não “partícula Deus”, que seria a forma correta.
Folha de S.Paulo, São Paulo, 5 set. 2012. Caderno Ciência, p. 10.

56 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


a) Explique a diferença sintática que se pode identificar entre as duas expressões mencionadas no trecho
reproduzido: “partícula de Deus” e “partícula Deus”.

b) Explique a diferença de sentido entre uma e outra expressão em português.

10 (Unicamp-SP)

Uma cidade como Paris, Zé Fernandes, precisa ter cortesãs de grande pompa e grande *fausto. Ora para
montar em Paris, nesta tremenda carestia de Paris, uma *cocotte com os seus vestidos, os seus diamantes,
os seus cavalos, os seus lacaios, os seus camarotes, as suas festas, o seu palacete […], é necessário que se
agremiem umas poucas de fortunas, se forme um sindicato! Somos uns sete, no Clube. Eu pago um bocado…
QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras. São Paulo: Ateliê Editorial, 2011. p. 94.

* Fausto: luxo.
* Cocotte: mulher de hábitos libertinos e vida luxuosa; meretriz.

a) Que expressão do texto representa uma marca direta de interação do narrador com outra personagem?

b) Uma descrição pode ter um efeito argumentativo. Que trecho descritivo do texto reforça a imagem da
vida luxuosa das cortesãs na Paris da época (fim do século XIX)?

TEMA 4 SINTAXE DO PERÍODO COMPOSTO

EXERCÍCIOS

Texto para a questão 1.

Muitos políticos olham com desconfiança os que se articulam com a mídia. Não compreendem que não
se faz política sem a mídia. Jacques Ellul, no século passado, afirmava que um fato só se torna político pela
mediação da imprensa. Se 20 índios ianomâmis são assassinados e ninguém ouve falar, o crime não se torna
um fato político. Caso apareça na televisão, o que era um mistério da floresta torna-se um problema mundial.
GABEIRA, Fernando. Folha de S.Paulo (adaptado).

1 (Fuvest-SP) Reescreva os dois períodos finais do texto, começando com “Se 20 índios fossem assassinados...”
e fazendo as adaptações necessárias.
Se 20 índios fossem assassinados e ninguém ouvisse falar, o crime não se tornaria um fato político. Caso aparecesse na
televisão, o que teria sido um mistério da floresta se tornaria um problema mundial.
Observação: teria sido marca anterioridade em relação a aparecesse, mas em sentido não literal seria aceitável também
seria, era, tinha sido ou fora. Outra possibilidade válida para a redação do segundo período: Caso aparecesse na televisão,
o que teria sido um mistério da floresta tornar-se-ia um problema mundial.

Meu irmão Ntunzi

(...)
Meu irmão Ntunzi vivia num só sonho: escapar de Jesusalém. Ele conhecera o mundo, vivera na cidade,
lembrava-se da nossa mãe. Tudo isso eu invejava nele. Vezes sem conta lhe pedia que me desse notíciais desse
universo que eu desconhecia e, de cada vez, ele se demorava em detalhes, cores e iluminações. Os seus olhos
brilhavam, crescidos de sonhos. Ntunzi era o meu cinema.

Gramática 57
5 Por incrível que pareça, quem o encorajara na arte de contar histórias tinha sido o nosso pai. Silvestre
achava que uma boa história era uma arma mais poderosa que fuzil ou navalha. Mas isso tinha sido antes
da nossa chegada a Jesusalém. Naquele tempo, ante as queixas de conflitos na escola, Silvestre incentivava
Ntunzi: “Se te ameaçam de pancada, responde com uma história”.
– O pai falava assim? – perguntei, surpreso.
10 – Falava.
– E resultou? – perguntei.
– Fartei-me de apanhar.
Sorriu. Mas era um riso triste porque a verdade é que, no presente, que história haveria para inventar?
Que história pode ser criada sem lágrima, sem canto, sem livro e sem reza? Meu irmão cinzentava-se, enve-
15 lhecendo a olhos vistos. Certa vez, ele se lamentou de modo estranho:
– Neste mundo existem os vivos e os mortos. E existimos nós, os que não temos viagem.
Ntunzi sofria porque se lembrava, tinha termos de comparação. Para mim, aquela reclusão era menos
penosa: eu nunca tinha saboreado outras vivências.
(...)

(1) Meu irmão Ntunzi vivia num só sonho: escapar de Jesusalém. (  . 1)

(2) Para mim, aquela reclusão era menos penosa: eu nunca tinha saboreado outras vivências. (  . 17-18)

2 (Uerj) Em (1) e (2), os dois-pontos ligam orações de um período composto, um recurso recorrente no romance.

Explique o papel coesivo desse sinal de pontuação em cada um dos períodos citados.
(1) Os dois-pontos marcam a pausa entre o termo “sonho” e a oração que o explica (aposto).
(2) Os dois-pontos ocupam o lugar da conjunção pois/porque, deixando subentendida a noção de causa/explicação.

3 (FGV-SP)
Nosso manifesto
Produzimos os eventos que a gente gostaria de ir. Geramos o conteúdo que a gente gostaria de consumir.
Construímos os lugares que a gente gostaria de frequentar. Criamos os produtos que a gente gostaria de
comprar. Investimos nos negócios que a gente gostaria de participar. Aproximamos as pessoas com quem a
gente gostaria de conviver. Conectamos as marcas que a gente gostaria de trabalhar. Simples assim.
Meca Journal, n. 12, jul. 2017.

a) Para obter ênfase na mensagem, o redator desse texto emprega, de modo reiterado, um determinado
recurso expressivo. Identifique-o e justifique.
O recurso expressivo usado de maneira reiterada é o da repetição, pois todos os períodos têm uma mesma estrutura: uma
oração principal e uma adjetiva , na qual se repetem o sujeito ("a gente") e a forma verbal ("gostaria").

b) Na frase “Aproximamos as pessoas com quem a gente gostaria de conviver”, o redator do texto seguiu
as regras da norma-padrão da língua portuguesa escrita ao usar a preposição “com” exigida pelo verbo
“conviver”. Em outras frases, no entanto, faltou a preposição exigida pelos respectivos verbos. Reescreva
duas destas frases, inserindo, nelas, a preposição adequada.
Devem ser reescritas duas entre as seguintes três frases:
1) Produzimos os eventos a que (aos quais) a gente gostaria de ir. 2) Investimos nos negócios de que (dos quais) a gente
gostaria de participar. 3) Conectamos as marcas com que (com as quais, para as quais) a gente gostaria de trabalhar.

58 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


4 (Unicamp-SP) Em ensaio publicado em 2002, Nicolau Sevcenko discorre sobre a repercussão da obra de
Euclides da Cunha no pensamento político nacional.

Acima de tudo Euclides exaltava o papel crucial do agenciamento histórico da população brasileira. Sua maior
aposta para o futuro do país era a educação em massa das camadas subalternas, qualificando as gentes para
assumir em suas próprias mãos seu destino e o do Brasil. Por isso se viu em conflito direto com as autoridades
republicanas, da mesma forma como outrora lutara contra os tiranetes da monarquia. Nunca haveria democracia
digna desse nome enquanto prevalecesse o ambiente mesquinho e corrupto da “república dos medíocres” [...].
Gente incapaz e indisposta a romper com as mazelas deixadas pelo latifúndio, pela escravidão e pela
exploração predatória da terra e do povo.
[...] Euclides expôs a mistificação republicana de uma “ordem” excludente e um “progresso” comprometido
com o legado mais abominável do passado. Sua morte precoce foi um alívio para os césares. A história, porém,
orgulhosa de quem a resgatou, não deixa que sua voz se cale.
SEVCENKO, Nicolau. O outono dos césares e a primavera da história. Revista da USP, São Paulo, n. 54, p. 30-37, jun.-ago. 2002.

a) No último período do texto, há uma ocorrência do conectivo “porém”. Que argumentos do texto são
articulados por esse conectivo?
O conector adversativo “porém” estabelece uma relação de oposição entre a ideia de que a morte de Euclides foi um alívio
para as elites republicanas e a percepção de que a voz do escritor continua viva. Assim, apesar de a morte do autor ter sido
“um alívio para os césares”, a tese de que o Brasil tinha, no início da República, “uma ‘ordem’ excludente e um ‘progresso’
comprometido com o legado mais abominável do passado” – defendida por Euclides – continua sendo resgatada pela
História.

b) Apresente o argumento que embasa a posição atribuída a Euclides da Cunha em relação ao lema da
Bandeira Nacional.
Euclides julgava que o Brasil, no início da República, continuava a não investir em “educação em massa das camadas
subalternas”, problema que existia desde a época monárquica. Para ele, prevalecia um “ambiente mesquinho e corrupto
da ‘república dos medíocres’”, que não enfrentava “as mazelas deixadas pelo latifúndio, pela escravidão e pela exploração
predatória da terra e do povo”. Tudo isso serve de argumento para a tese de que o Brasil viva “a mistificação republicana de
uma ‘ordem’ excludente e um ‘progresso’ comprometido com o legado mais abominável do passado”.

5 (Fuvest-SP) Avalie a redação das seguintes frases:


I. O futebol conquistou um papel na sociedade tanto culturalmente como econômico e político.
II. Os clubes buscam a expansão do número de associados bem como reduzir gastos com publicidade.
III. Doravante tais fatos, fica claro que o futebol exerce uma grande influência no cotidiano do brasileiro.
IV. O técnico declarou aos jornalistas que, para o próximo jogo, ele tem uma carta na manga do colete.
a) Reescreva as frases I e II, corrigindo a falta de paralelismo nelas presente.
Frase I: "O futebol conquistou um papel na sociedade tanto cultural quanto econômica e politicamente". Para garantir o
paralelismo, empregou-se a expressão correlata “tanto... quanto” e os advérbios “culturalmente”, “economicamente” e
“politicamente” (no original, há um advérbio – “culturalmente” – e dois adjetivos – “econômico” e “político”).
Observação: seria possível manter o sufixo -mente nos três advérbios ou suprimi-lo nos dois primeiros para evitar o eco.
Frase II: “Os clubes buscam a expansão do número de associados e a redução dos gastos com publicidade“. Outra
possibilidade seria: “Os clubes buscam expandir o número de associados e reduzir os gastos com publicidade“. A falta de
paralelismo na estrutura de origem se deve ao emprego do substantivo “expansão” e do verbo “reduzir”. Ou empregam-se
dois substantivos (“expansão” e “redução”), ou dois verbos (“expandir” e “reduzir”).
Observação: seria possível também manter a expressão “bem como”.

Gramática 59
b) Reescreva as frases III e IV, eliminando a inadequação vocabular que elas apresentam.
Frase III: “Considerando tais fatos, fica claro que o futebol exerce uma grande influência no cotidiano do brasileiro”.
A inadequação foi provocada pelo emprego do termo “doravante”, que significa “de agora em diante”. No contexto, deveria
ser empregado “considerando”, “diante de”, “levando em conta”.
Frase IV: “O técnico declarou aos jornalistas que, para o próximo jogo, ele tem uma carta na manga“. Outra possibilidade:
“O técnico declarou ao jornalista que, para o próximo jogo, ele tem uma carta no bolso do colete“. A inadequação está no
emprego de “manga do colete”, que produz efeito de incoerência, pois colete não tem manga.

EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

1 (Unicamp-SP)
Na última década, os sites de comércio eletrônico têm alterado preços com base em seus hábitos na Web e
atributos pessoais. Qual é a sua situação geográfica e seu histórico de compras? Como você chegou ao site de
comércio eletrônico? Em que momentos do dia você o visita? Toda uma literatura emergiu sobre ética, legali-
dade e promessas econômicas de otimização de preços. E o campo está avançando rapidamente: em setembro
passado, o Google recebeu a patente de uma tecnologia que permite que uma companhia precifique de forma
dinâmica o conteúdo eletrônico. Pode, por exemplo, subir o preço de um livro eletrônico se determinar que
você tem mais chances de comprar aquele item em particular do que um usuário médio; ao contrário, pode
ajustar o preço para baixo como um incentivo se julgar que é menos provável que você o compre. E você não
saberá que está pagando mais do que outros exatamente pelo mesmo produto.
FERTIK, Michael Fertik. Um conto de duas internets. Scientific American Brasil, São Paulo, p. 18, mar. 2013.

Substitua os dois conectivos “se” sublinhados, fazendo as adaptações gramaticais necessárias e mantendo
o nível de formalidade do período.

Texto para a questão 2.

Jornalistas não deveriam fazer previsões, mas as fazem o tempo todo. Raramente se dão ao trabalho de
prestar contas quando erram. Quando o fazem não é decerto com a ênfase e o destaque conferidos às poucas
previsões que acertam.
LEITE, Marcelo. Folha de S.Paulo.

2 (Fuvest-SP) Reescreva o trecho “Jornalistas não deveriam fazer previsões, mas as fazem o tempo todo”,
iniciando-o com “Embora os jornalistas...”

Texto para a questão 3.

Mesmo sem ver quem está do outro lado da linha, os fãs dos bate-papos virtuais viram amigos, namoram
e alguns chegam até a casar.
Época, n. 1, 25 maio 1998.

3 (Fuvest-SP)

a) O segmento destacado constitui uma oração reduzida. Substitua-a por uma oração desenvolvida (introdu-
zida por conjunção e com o verbo no modo indicativo ou subjuntivo), sem produzir alteração do sentido.

b) Reescreva a oração “os fãs dos bate-papos virtuais viram amigos” sem mudar-lhe o sentido e sem provocar
incorreção, apenas substituindo o verbo.

60 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Texto para a questão 4.
Nomes do horror
Uma reportagem de Philip Gourevitch na revista New Yorker mostra como, vinte anos depois da guerra
de Ruanda, ocorrida em 1994, quando hutus assassinaram 800 mil tutsis em cem dias, ainda é difícil chegar
a um consenso sobre como chamar o que aconteceu.
O país discute se a melhor palavra para tanto está na língua local, na língua dos colonizadores, se basta
precisão verbal (“gutsemba”, “massacrar”) ou se é preciso a redundância de um neologismo (“gutsembatsemba”,
“massacrar radicalmente”) para descrever os atos de uma tragédia absoluta.
Debates semelhantes acompanham qualquer trauma coletivo. Há grupos judaicos que rejeitam a expressão
consagrada “holocausto”, com seu caráter sacrificial, de expiação de pecados, em nome da menos ambígua “shoah”
(“calamidade”, “aniquilação”). Na Turquia, ainda é tabu usar “genocídio” para a matança armênia iniciada em 1915.
No Brasil, dá-se algo semelhante na luta pelo reconhecimento do que foi e é praticado contra comunidades indígenas.
De qualquer forma, são batalhas pequenas dentro de uma guerra longa e difícil, de transmissão da me-
mória para que o horror não se repita. Palavras são a primeira arma das vítimas de tentativas de extermínio,
às vezes a única, e é preciso chegar a um modo eficiente – que não se resuma a slogans com vocabulário
chancelado – para que elas não traiam a natureza do que se viveu.
Ou seja, é preciso saber narrar. Discursos facilmente se banalizam, tornam-se solenes, sentimentais em excesso,
causando o efeito contrário do que pretendem. Chegar à sensibilidade do público, causando empatia, desconforto
e revolta ativa, o que é objetivo de qualquer militância antiviolência, demanda não apenas reproduzir a verdade dos
fatos. A mensagem não é nada sem um receptor disposto a entendê-la, por mais pungentes* que sejam as vítimas 1.
LAUB, Michel. Folha de S.Paulo, 9 maio 2014 (adaptado).
* Pungentes: comoventes.

4 (Uerj) A mensagem não é nada sem um receptor disposto a entendê-la, por mais pungentes que sejam as
vítimas (ref. 1).

Reescreva o trecho acima, substituindo o conectivo da parte sublinhada por outro de mesmo sentido e fa-
zendo as adaptações necessárias. Em seguida, aponte o sentido estabelecido pelo conectivo empregado.

5 (Fuvest-SP) Examine a seguinte citação:


É menor pecado elogiar um mau livro, sem lê-lo, do que depois de o haver lido. Por isso, agradeço ime-
diatamente depois de receber o volume.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Passeios na ilha.

Levando em conta o contexto, reescreva duas vezes o trecho “sem lê-lo”, substituindo “sem” por “sem que”,
na primeira vez, e por “mesmo não”, na segunda.

6 (Fuvest-SP)

O tempo personalizou minha forma de falar com Deus, mas sempre termino a conversa com um pai-
-nosso e uma ave-maria.
[...]
Metade da ave-maria é uma saudação floreada para, só no final, pedir que ela rogue por nós. No pai-nosso,
sempre será um mistério para mim o “mas” do “não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”. Me
parece que, a princípio, se o Pai não nos deixa cair em tentação, já estará nos livrando do mal.
FRAGA, Denise. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br>, 7 jul. 2015. (Adaptado.)

a) Mantendo-se a relação de sentido existente entre os segmentos “não nos deixeis cair em tentação” / “mas
livrai-nos do mal”, a conjunção “mas” poderia ser substituída pela conjunção “e“, de modo a dissipar o
“mistério” a que se refere a autora? Justifique.

Gramática 61
b) Sem alterar seu sentido, reescreva o trecho da oração citado pela autora, colocando os verbos “deixeis”
e “livrai” na terceira pessoa do singular.

7 (FGV-SP)

Pensar no envelhecimento é algo que costuma incomodar a maior parte das pessoas. Herdamos das
gerações passadas a ideia de que a idade inexoravelmente sinaliza o fim de uma vida produtiva plena e que
o melhor a fazer é aceitar a decadência física, almejando contar com o conforto proporcionado por uma
boa aposentadoria. Mas o mundo mudou. Hoje, uma nova geração descobre que, se tomar decisões sábias
na juventude, pode tornar o tempo futuro uma genuína etapa da vida e, mais do que isso, uma fase áurea
da nossa existência.
Estudos demográficos apontam que as gerações nascidas desde a década de 60 podem contar com, pelo
menos, mais 20 anos em sua expectativa de vida. Na verdade, se recuarmos um pouco mais, vamos constatar
que esse bônus de longevidade é maior ainda. No início do século 20, mais ou menos na mesma época em
que a aposentadoria foi criada, a expectativa de vida ao nascer do brasileiro era, em média, de 33 anos. Hoje
estamos quase chegando aos 80. Em pouco mais de 100 anos o bônus de longevidade foi de quase 50 anos!
Você S/A – Previdência, set. 2016.

No texto, a frase “Mas o mundo mudou.” (1o parágrafo) relaciona diferentes informações da argumentação
do autor.
a) Que tipo de oração coordenada o autor empregou? Que sentido ela estabelece no texto?
b) Qual é o ponto de vista do autor sobre o assunto de que trata e que tipo de argumento ele usa para
sustentá-lo?

8 (UFU-MG)
Saul Zuratas tinha uma mancha roxo-escura, vinho avinagrado, que lhe cobria todo o lado direito da cara,
e uns cabelos vermelhos e despenteados como as cerdas de um escovão. A mancha não respeitava a orelha
nem os lábios nem o nariz, aos quais também marcava com um inchaço venoso. Era o rapaz mais feio do
mundo (1); mas simpático e boa gente (2).
LLOSA, Vargas. O falador. Trad. de Remy Gorga Filho.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. p. 11. (fragmento).

Com base nos trechos em destaque, faça o que se pede.

a) Identifique e explique a relação de sentido estabelecida entre as proposições (1) e (2).

b) Construa três outros períodos em que as proposições mantenham a mesma relação de sentido veiculada
pelo autor.

9 (Fuvest-SP) Nas frases abaixo há falta de paralelismo sintático. Reescreva-as, mantendo seu sentido e fazendo
apenas as alterações necessárias para que se estabeleça o paralelismo.

a) Funcionários cogitam uma nova greve e isolar o governador.

b) Essa reforma agrária, por um lado, fixa o homem no campo, mas não lhe fornece os meios de subsistência
e de produzir.

Texto para a questão 10.

Amantes dos antigos bolachões penam não só para encontrar os discos, que ficam a cada dia mais raros.
A dificuldade aparece também na hora de trocar a agulha, ou de levar o toca-discos para o conserto.
Jornal da Tarde, 22 out. 1998, p. 1C.

62 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


10 (Fuvest-SP)

a) Tendo em vista que no texto anterior falta paralelismo sintático, reescreva-o em um só período, mantendo
o mesmo sentido e fazendo as alterações necessárias para que o paralelismo se estabeleça.

b) Justifique as alterações efetuadas.

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
TEMA 5 E NORMA CULTA

EXERCÍCIOS

1 (Fuvest-SP) Leia o seguinte texto, extraído de uma biografia do compositor Carlos Gomes.
No ano seguinte [1860], com o objetivo de consolidar sua formação musical, [Carlos Gomes] mudou-se para
o Rio de Janeiro, contra a vontade do pai, para iniciar os estudos no conservatório da cidade. “Uma ideia fixa me
acompanha como o meu destino! Tenho culpa, porventura, por tal cousa, se foi vossemecê que me deu o gosto pela
arte a que me dediquei e se seus esforços e sacrifícios fizeram-me ganhar ambição de glórias futuras?”, escreveu ao
pai, aflito e cheio de remorso por tê-lo contrariado. “Não me culpe pelo passo que dei hoje. [...] Nada mais lhe posso
dizer nesta ocasião, mas afirmo que as minhas intenções são puras e espero desassossegado a sua bênção e o seu
perdão”, completou.
Disponível em: <http://musicaclassica.folha.com.br>.

a) Sobre o advérbio “porventura”, presente na carta do compositor, o dicionário Houaiss informa: usa-se
em frases interrogativas, especialmente em perguntas delicadas ou retóricas. Aplica-se ao texto da carta
essa informação? Justifique sua resposta.
Sim. O advérbio “porventura” está presente em uma pergunta delicada e retórica. Retórica porque já contém em si a resposta,
isto é, o enunciador não se sente culpado por ter contrariado o pai ao mudar-se para o Rio de Janeiro, mas se sente afetivamente
condoído, daí a delicadeza. Percebe-se que, na verdade, o propósito do enunciador é afirmar delicadamente que seu ato foi, no
fundo, motivado pelo próprio pai, ao dar-lhe “o gosto pela arte” e ao dedicar-lhe “esforços e sacrifícios” que, por sua vez, geraram
a “ambição de glórias futuras” e a necessidade de mudar-se para o Rio de Janeiro.

b) Cite duas palavras, também empregadas pelo compositor, que atestem, de maneira mais evidente, que,
daquela época para hoje, a língua portuguesa sofreu modificações.
As duas palavras que atestam mais evidentemente modificações na língua portuguesa são “cousa” e “vossemecê”,
variantes históricas de “coisa” e “você”, respectivamente.

2 (Fuvest-SP)
[...] – Já falas como uma portuguesa, é admirável como tens talento para essas coisas! – disse Bonifácio
Odulfo, encantado. – E estás linda como uma princesa! Minha princesinha portuguesa!
– Mas nunca falei lá muito à brasileira.
– Isto é verdade, sempre tiveste uma maneira de falar muito distinta, foi uma das primeiras coisas que
primeiro me atraiu em ti. E teu pai, o velho barão, fala exatamente como um português.
– Disto ele sempre fez questão. Costuma dizer que, pela voz, sempre saberão que nunca andou no meio
dos pretos e que se formou em Coimbra.
RIBEIRO, João Ubaldo. Viva o povo brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1984. p. 469.

Gramática 63
a) Toda língua apresenta variação regional e social, não se podendo afirmar que uma variante seja superior a
outra. Transcreva a passagem do diálogo em que melhor se observa um julgamento de valor que contraria
essa afirmação e revela preconceitos sociais e culturais.
“[...] Costuma dizer que, pela voz, sempre saberão que ele nunca andou no meio dos pretos e que se formou em Coimbra.”

b) Comente que tipo de preconceito está implícito nesse trecho.


Há dois preconceitos interligados: que existe uma variante linguística admirável e outra abominável; que existem pessoas
mais dignas do que outras em razão da cor da pele.
Observação: convém ressaltar que, evidentemente, não é esse o ponto de vista do enunciador do texto. O diálogo é
reproduzido exatamente para revelar, de maneira chocante, preconceitos a que certas pessoas ainda estão submetidas.

3 (Fuvest-SP) Examine a tirinha.

GONSALES, Fernando. Níquel Náusea: Cadê o ratinho do titio? São Paulo: Devir, 2011.

a) De acordo com o contexto, o que explica o modo de falar das personagens representadas pelas duas traças?
A segunda pessoa do plural (vós) e a expressão “Em verdade vos digo”, empregadas na tirinha de Fernando Gonsales, são marcas
típicas do discurso formal religioso, como comprova, no último quadrinho, a fala de Níquel Náusea, segundo o qual as traças
estavam roendo a Bíblia. Vale observar que o efeito de humor da tirinha fundamenta-se também no uso equivocado dessa pessoa
do discurso, como se vê em “Queria-vos que fostes melhordes”.

b) Mantendo o contexto em que se dá o diálogo, reescreva as duas falas do primeiro quadrinho, empregando
o português usual e gramaticalmente correto.
Uma possível reelaboração das falas do primeiro quadrinho, empregando o português usual e gramaticalmente correto, seria:
— Como foi o seu dia?
— Queria que fosse melhor!
É importante ressaltar que o uso da segunda pessoa do plural não é usual no português contemporâneo, como é o da
terceira pessoa, ainda que o contexto do discurso formal religioso – destacado no terceiro quadrinho – explique o emprego
dessa forma gramatical na tirinha.

4 (Unicamp-SP) Reproduzimos abaixo a chamada de capa e a notícia publicadas em um jornal brasileiro que
apresenta um estilo mais informal.

Governo quer fazer a galera pendurar a chuteira mais tarde

Duro de parar Como a vovozada vive até mais tarde, a intenção, agora, é criar regra para aumentar a
idade mínima exigida para a aposentadoria; objetivo é impedir que o INSS quebre de vez.

64 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Descanso mais longe
O brasileiro tá vivendo cada vez mais – o que é bom. Só que, quanto mais ele vive, mais a situação do
INSS se complica, e mais o governo trata de dificultar a aposentadoria do pessoal pelo teto (o valor integral
que a pessoa teria direito de receber quando pendura as chuteiras) – o que não é tão bom.
A última novidade que já tá em discussão lá em Brasília é botar pra funcionar a regra 85/95, que diz que
só se aposenta ganhando o teto quem somar 85 anos entre idade e tempo de contribuição (se for mulher) e
95 anos (se for homem).
Ou seja, uma mulher de 60 anos só levaria a grana toda se tivesse trampado registrada por 25 anos
(60 + 25 = 85) e um homem da mesma idade, se tivesse contribuído por 35 (60 + 35 = 95).
Quem quiser se aposentar antes, pode – só que vai receber menos do que teria direito com a conta fechada.
Notícia JÁ. Campinas, 30 jun. 2012, p. 1 e 12.

a) Retire dos textos duas marcas que caracterizariam a informalidade pretendida pela publicação, explici-
tando de que tipo elas são (sintáticas, morfológicas, fonológicas ou lexicais, isto é, de vocabulário).
Há, nos textos, marcas de informalidade de todos os tipos mencionados no enunciado.
As marcas lexicais são muito abundantes. Entre elas, poderiam ser apontadas as seguintes palavras e expressões: “galera”,
“pendurar a chuteira”, “duro de parar”, “vovozada”, “quebre de vez”, “tá”, “só que”, “botar”, “pra”, “grana”, “trampado”,
“com a conta fechada”. Podem ser consideradas marcas fonológicas as contrações, típicas da oralidade, “tá” e “pra”. Uma
marca morfológica é a formação do substantivo coletivo “vovozada”. As marcas sintáticas mais evidentes são as elipses, tais
como se verifica em “Quem quiser se aposentar antes, pode”, em que o objeto do verbo poder foi omitido. Além disso,
há várias combinações sintáticas cristalizadas (lexias) que são tipicamente informais, como “pendurar a chuteira”, “duro de
parar”, “quebre de vez” e “só que”.

b) Pode-se afirmar que certas expressões empregadas no texto, como “tá” e “botar”, se diferenciam de
outras, como “galera” e “grana”, quanto ao modo como funcionam na sociedade brasileira. Explique que
diferença é essa.
Expressões como “tá” e “botar” são típicas da fala informal de diversas classes sociais, de variados grupos etários, e em
diversas regiões brasileiras. Já os termos “galera” e “grana” são mais característicos da linguagem falada pelos jovens das
grandes cidades brasileiras, ou seja, são gírias que são mais usuais na fala desse grupo social.

5 (Fuvest-SP) Um restaurante, cujo nome foi substituído por Y, divulgou, no ano de 2015, os seguintes anúncios:

a) Na redação do anúncio II, evitou-se um erro gramatical que aparece no anúncio I. De que erro se trata? Explique.
O anúncio I emprega, equivocadamente, a preposição a em “A 10 anos” no lugar do verbo haver, usado na norma culta para
indicar tempo transcorrido: “Há 10 anos”. Esse equívoco pode ser explicado pela semelhança sonora entre a preposição “a”
e o verbo “haver” conjugado na terceira pessoa do singular (“há”).

Gramática 65
b) Tendo em vista o caráter publicitário dos textos, com que finalidade foi usada, em ambos os anúncios, a
forma “pra”, em lugar de “para”?
A forma usual e popular “pra” confere aspecto mais informal e coloquial ao enunciado do texto publicitário. Afastando-se da
formalidade, os anúncios assim redigidos constroem uma relação de intimidade e proximidade entre o chef e o cliente do
restaurante.

6 (Fuvest-SP)
A praga dos selfies
De uma coisa tenho certeza. A foto pelo celular vale apenas pelo momento. Não será feito um álbum de
fotografias, como no passado, onde víamos as imagens, lembrávamos da família, de férias, de alegrias. As
imagens ficarão esquecidas em um imenso arquivo. Talvez uma ou outra, mais especial, seja revivida. Todas as
outras, que ideia. Só valem pelo prazer de fazer o selfie. Mostrar a alguns amigos. Mas o significado original da
foto de família ou com amigos, que seria preservar o momento, está perdido. Vale pelo instante, como até gran-
des amores são hoje em dia. É o sorriso, o clique, e obrigado. A conquista: uma foto com alguém conhecido.
CARRASCO, W. A praga dos selfies. Época, 26 set. 2016.

a) Para que o emprego da palavra “onde”, sublinhada no texto, seja considerado correto, a que termo an-
tecedente ela deve se referir? Justifique sua resposta.
Para que o uso da palavra “onde” seja considerado correto, ela deve se referir a “um álbum de fotografias” (e não a “passado”), uma
vez que “onde” é um pronome relativo adequado para fazer, no padrão culto da língua, referência a lugares.

b) Reescreva a frase “Todas as outras, que ideia.”, substituindo os dois sinais de pontuação nela empregados
por outros, de tal maneira que fique mais evidente a entonação que ela tem no contexto.
Todas as outras? Que ideia!

7 (FGV-SP) Os trechos a seguir, extraídos do editorial Derrotar o racismo (Folha de S.Paulo, 30.08.2014), foram
intencionalmente transcritos com algumas passagens em desacordo com a norma-padrão da língua portu-
guesa. Reescreva esses trechos, considerando o item indicado entre parênteses.

a) Manifestações racistas dirigidas à jogadores de futebol, que se tornaram frequentes em torneios na Europa, propagam-
-se também no Brasil. Casos que antes pareciam esporádicos e isolados passaram à se repetir em estádios nacionais
com preocupante assiduidade. Não é demais lembrar que manifestações de preconceito também se verificam em
outros esportes e não se resumem a cor da pele. Trata-se de uma questão internacional, a qual o Brasil talvez se
sentisse imune por ser um país miscigenado, com tradição de relativa tolerância étnica. (Uso ou não do acento
indicativo da crase.)
Manifestações racistas dirigidas a jogadores de futebol, que se tornaram frequentes em torneios na Europa, propagam-se
também no Brasil. Casos que antes pareciam esporádicos e isolados passaram a se repetir em estádios nacionais com
preocupante assiduidade. Não é demais lembrar que manifestações de preconceito também se verificam em outros
esportes e não se resumem à cor da pele. Trata-se de uma questão internacional, à qual o Brasil talvez se sentisse imune por
ser um país miscigenado, com tradição de relativa tolerância étnica.
Justificativa: em “à jogadores”, o erro se deve ao fato de que o “a”, sem o “s” de plural, quando precede um substantivo
no plural e/ou no masculino, é só preposição. Em “à se repetir”, a construção está errada porque não ocorre crase antes
de verbo. Em “a cor da pele”, ocorre crase porque a forma verbal “resumem” exige preposição, e o substantivo feminino
“cor” aceita o artigo “a”. Em “uma questão internacional, a qual o Brasil se sentisse imune”, trocando o substantivo feminino
“questão” por um masculino, como “problema”, por exemplo, verifica-se que ocorre o encontro de preposição com artigo:
um problema internacional, ao qual o Brasil se sentisse imune. Por isso, ocorre crase.

66 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


b) As motivações dessa minoria [preconceituosa] certamente daria margem a estudos sociológicos e psicossociais – e o
contexto de rivalidade e de conflito entre torcidas certamente são um fator a ser considerado. Campanhas contra o
racismo tem sido patrocinado por entidades do esporte, como a própria Fifa, e precisam continuar. (Concordância
nominal e verbal.)
As motivações dessa minoria [preconceituosa] certamente dariam margem a estudos sociológicos e psicossociais – e o
contexto de rivalidade e de conflito entre torcidas certamente é um fator a ser considerado. Campanhas contra o racismo
têm sido patrocinadas por entidades do esporte, como a própria Fifa, e precisam continuar.
Justificativa: o correto é “dariam”, porque o núcleo do sujeito é plural, “motivações”. O verbo “ser” deve estar no singular (“é”),
porque o núcleo do sujeito é “contexto”. A forma verbal “têm”, grafada com acento circunflexo, é plural, concordando com
“campanhas”. O adjetivo “patrocinadas” deve estar no feminino plural, concordando com o substantivo “campanhas”.

8 (Fuvest-SP) Leia as seguintes manchetes:

Grupo I

Esperada, na Câmara, a mensagem pedindo a decretação do estado de guerra


Jornal do Brasil, 07 de outugbro de 1937.

Encerrou seus trabalhos a Conferência de Paris


Folha da Manhã, 16 de julho de 1947.

Causaram viva apreensão nos EUA os discos voadores


Folha da Manhã, 30 de julho de 1952.

Grupo II

Quase metade dos médicos receita o que a indústria quer


Folha de S.Paulo, 31 de maio de 2010.

Novo terminal de Cumbica atenderá 19 milhões ao ano


Folha de S.Paulo, 26 julho de 2011.

MEC divulga hoje resultados do Enem por escolas


Zero Hora, 22 de novembro de 2012.

a) Cada um dos grupos de manchetes acima reproduzidos, por ter sido escrito em épocas diferentes, ca-
racteriza-se pelo uso reiterado de determinados recursos linguísticos. Indique um recurso linguístico que
caracteriza as manchetes de cada um desses grupos.
O recurso linguístico que caracteriza cada um dos grupos de manchetes é a posição do sujeito. Nos títulos das notícias
elaborados entre os anos 1930 e 1950, inicia-se a frase pela forma verbal, optando-se pelo sujeito posposto:
• Esperada, na Câmara, a mensagem pedindo a decretação do estado de guerra.
verbo núcleo do sujeito
• Encerrou seus trabalhos a Conferência de Paris.
verbo núcleo do sujeito
• Causaram viva apreensão nos EUA os discos voadores.
verbo núcleo do sujeito
Nas manchetes atuais, publicadas entre 2010 e 2012, os termos que estão funcionando como sujeito (respectivamente,
“Quase metade dos médicos”, “Novo terminal de Cumbica” e “MEC”) aparecem no início das frases.

Gramática 67
b) Manchetes jornalísticas costumam suprimir vírgulas. Transcreva a última manchete de cada grupo, acres-
centando vírgulas onde forem cabíveis, de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa.
Na manchete final do primeiro grupo, só é cabível marcar com vírgulas a intercalação do adjunto adverbial “nos EUA”
(Causaram viva apreensão, nos EUA, os discos voadores). No último título do segundo grupo, apenas a intercalação do adjunto
adverbial “hoje” pode ser indicada pelo sinal de pontuação (“MEC divulga, hoje, resultados do Enem por escolas”).

EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

1 (Fuvest-SP)
O autoclismo da retrete

RIO DE JANEIRO – Em 1973, fui trabalhar numa revista brasileira editada em Lisboa. Logo no primeiro
dia, tive uma amostra das deliciosas diferenças que nos separavam, a nós e aos portugueses, em matéria de
língua. Houve um problema no banheiro da redação e eu disse à secretária: “Isabel, por favor, chame o bom-
beiro para consertar a descarga da privada.” Isabel franziu a testa e só entendeu as quatro primeiras palavras.
Pelo visto, eu estava lhe pedindo que chamasse a Banda do Corpo de Bombeiros para dar um concerto par-
ticular de marchas e dobrados na redação. Por sorte, um colega brasileiro, em Lisboa havia algum tempo e já
escolado nos meandros da língua, traduziu o recado: “Isabel, chame o canalizador para reparar o autoclismo
da retrete.” E só então o belo rosto de Isabel se iluminou.
CASTRO, Ruy. Folha de S.Paulo.

a) Em São Paulo, entende-se por “encanador” o que no Rio de Janeiro se entende por “bombeiro” e, em
Lisboa, por “canalizador”. Isso permitiria afirmar que, em algum desses lugares, ocorre um uso equivocado
da língua portuguesa? Justifique sua resposta.

b) Uma reforma que viesse a uniformizar a ortografia da língua portuguesa em todos os países que a utilizam
evitaria o problema de comunicação ocorrido entre o jornalista e a secretária. Você concorda com essa
afirmação? Justifique.

2 (Fuvest-SP)
Sair a campo atrás de descobridores de espécies é uma expedição arriscada. Se você não é da área, vale
treinar um “biologuês” de turista. Mas, mesmo quem não tem nada a ver com o pato-mergulhão ou a morfologia
da semente da laurácea, pode voltar fascinado da aproximação com esses especialistas. De olhos nos livros e
pés no mato, eles etiquetam a natureza, num trabalho de formiga. São minoria que dá nome aos bois – e às
plantas, às aves, aos mosquitos, aos vermes e a outros bichos.
HELVÉCIA, Heloisa. Revista da Folha.

a) Transcreva do texto as expressões que mais diretamente exemplificam o “biologuês” mencionado pela
autora.

b) Tomada em seu sentido figurado, como se deve entender a expressão “dar nome aos bois”, utilizada no texto?

68 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


3 (Fuvest-SP) Leia este texto:

A correção da língua é um artificialismo, continuei episcopalmente. O natural é a incorreção. Note que a gra-
mática só se atreve a meter o bico quando escrevemos. Quando falamos, afasta-se para longe, de orelhas murchas.
LOBATO, Monteiro. Prefácios e entrevistas.

a) Tendo em vista a opinião do autor do texto, pode-se concluir corretamente que a língua falada é despro-
vida de regras? Explique sucintamente.

b) Entre a palavra “episcopalmente” e as expressões “meter o bico” e “de orelhas murchas”, dá-se um
contraste de variedades linguísticas. Substitua as expressões coloquiais, que aí aparecem, por outras
equivalentes, que pertençam à variedade padrão.

4 (Fuvest-SP)

A princesa Diana já passou por poucas e boas. Tipo quando seu ex-marido Charles teve um love affair
com lady Camille revelado para Deus e o mundo.
(Folha de S.Paulo, nov. 93.)

No texto anterior, há expressões que fogem ao padrão culto da língua escrita.


a) Identifique-as.
b) Reescreva-as conforme o padrão culto.

5 (Fuvest-SP) Leia o seguinte excerto de um artigo sobre o teólogo João Calvino.

Foi preciso o destemor conceitual de um teólogo exigente feito ele para dar o passo racional necessário.
Ousou: para salvar a onipotência de Deus, não dá para não sacrificar pelo menos um quê da bondade divina.
(PIERUCCI, Antônio Flávio. Folha de S.Paulo, jul. 2009.)

O excerto está redigido em linguagem que apresenta traços de informalidade. Identifique dois exemplos
dessa informalidade.

Texto para a questão 6.


O "poblema" é nosso
Segundo Eliana Marquez Fonseca Fernandes, professora de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras
da Universidade Federal de Goiás, em se tratando de linguagem, não se pode falar em erro ou acerto, mas
desvios à norma-padrão. “O importante é estabelecer a comunicação. Para isso, usamos a língua em vários
níveis, desde o supercuidado ou formal até o não cuidado ou não formal.”
“A gramática tradicional diz que, quando se fala ‘nóis vai, nóis foi’, isso não é português. Mas é sim. Em
outro nível. Estudos mais recentes na área dizem que tais formas de expressão são corretas. Censurar ou
debochar de quem faz uso delas é discriminação linguística.”
Para a professora, o domínio da norma culta não deve ser exigido da população de modo geral, principal-
mente de pessoas que têm baixo grau de escolaridade. “Quem tem obrigação de saber o português formal,
falar e escrever de acordo com as regras são os professores, os jornalistas, os acadêmicos”, diz.
Diário da Manhã, Goiânia, 5 maio 2004 (adaptado).

6 (Unifesp) O texto expõe pontos de vista diferentes sobre a concepção de língua e de seu uso.
a) Explique o ponto de vista da professora Eliana e da gramática tradicional, conforme apresentados.
b) A professora Eliana afirma que censurar ou debochar de quem faz uso de formas não padrão é discrimina-
ção linguística. Todavia, em sua fala, pode-se entrever certa discriminação linguística. Transcreva o trecho
em que isso ocorre e explique por quê.

Gramática 69
7 (Unicamp-SP) Millôr Fernandes foi dramaturgo, jornalista, humorista e autor de frases que se tornaram céle-
bres. Em uma delas, lê-se:
Por quê? é filosofia. Porque é pretensão.

a) Explique a diferença no funcionamento linguístico da expressão “porque” indicada nas duas formas de
grafá-la.

b) Explique o sentido do segundo enunciado do texto (Porque é pretensão), levando em consideração a


forma como ele se contrapõe ao primeiro enunciado. Considere em sua resposta apenas o seguinte sen-
tido atribuído à palavra pretensão: ”pretensão: vaidade exagerada, presunção“.

8 (Uerj)
O relógio

Quem é que sobe as escadas


Batendo o liso degrau?
Marcando o surdo compasso
Com uma perna de pau?

Quem é que tosse baixinho


Na penumbra da antessala?
Por que resmunga sozinho?
Por que não cospe e não fala?

Por que dois vermes sombrios


Passando na face morta?
E o mesmo sopro contínuo
Na frincha1 daquela porta?
Da velha parede triste
No musgo roçar macio:
São horas leves e tenras
Nascendo do solo frio.

Um punhal feriu o espaço...


E o alvo sangue a gotejar;
Deste sangue os meus cabelos
Pela vida hão de sangrar.

Todos os grilos calaram


Só o silêncio assobia;
Parece que o tempo passa
Com sua capa vazia.

O tempo enfim cristaliza


Em dimensão natural;
Mas há demônios que arpejam2
Na aresta do seu cristal.

70 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


No tempo pulverizado
Há cinza também da morte:
Estão serrando no escuro
As tábuas da minha sorte.
CARDOZO, Joaquim. Poesia completa e prosa.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2007.
1
Frincha: abertura.
2
Arpejar: tocar harpa.

“Deste sangue os meus cabelos“ (v. 19) / “Pela vida hão de sangrar.“ (v. 20)

“Mas há demônios que arpejam“ (v. 27) / “Na aresta do seu cristal.“ (v. 28)

Os verbos sublinhados nesses exemplos estão flexionados na terceira pessoa − do plural ou do singular − de
acordo com regras de sintaxe características da norma escrita culta da língua portuguesa. Justifique a flexão
de pessoa e número do verbo em cada ocorrência sublinhada.

9 (Vunesp) A questão focaliza um excerto de um comentário de Fernando Pessoa (1888-1935).

Nota preliminar

1 – Em todo o momento de atividade mental acontece em nós um duplo fenômeno de percepção: ao mesmo
tempo que temos consciência dum estado de alma, temos diante de nós, impressionando-nos os sentidos que
estão virados para o exterior, uma paisagem qualquer, entendendo por paisagem, para conveniência de frases,
tudo o que forma o mundo exterior num determinado momento da nossa percepção.
Obra poética, 1965.

“Em todo o momento de atividade mental acontece em nós um duplo fenômeno de percepção”.

Na oração transcrita, que inicia o comentário de Fernando Pessoa, explique por que, sob o ponto de vista
gramatical, a forma verbal “acontece” está flexionada na terceira pessoa do singular.

Texto para a questão 10.

É por causa do meu engraxate que ando agora em plena desolação. Meu engraxate me deixou. Passei duas
vezes pela porta onde ele trabalhava e nada. Então me inquietei, não sei que doenças mortíferas, que mudança
pra outras portas se pensaram em mim, resolvi perguntar ao menino que trabalhava na outra cadeira. O menino
é um retalho de hungarês, cara de infeliz, não dá simpatia nenhuma. E tímido o que torna instintivamente a
gente muito combinado com o universo no propósito de desgraçar esses desgraçados de nascença.
ANDRADE, Mário de. Meu engraxate. In: Os filhos da Candinha.

10 (Fuvest-SP) Descreva a concordância das palavras em destaque:

“[...] o que torna instintivamente a gente muito combinado [...]”

11 (FGV-SP) Reescreva os trechos a seguir, extraídos e adaptados da matéria “Fabrique você mesmo“ (Época,
14.04.2014), adequando-os à norma-padrão da língua portuguesa, considerando as informações entre parênteses.

a) “A evolução que trouxe-nos das cavernas para o mundo conectado pela internet foi uma sequência de
eventos complexos, os quais se valeram de um conserto de novas tecnologias e ideias“. (Ortografia e
colocação pronominal.)

b) “Com as tecnologias e ideias abriu-se um universo de possibilidades foi assim com o arado que aumentou
a produção agrícola gerou excedentes e permitiu a criação de Estados e impérios“ (Pontuação.)

Gramática 71
12 (Unesp-SP) Examine a tira do cartunista argentino Quino (1932- ).

QUINO. A pequena filosofia da Mafalda, 2015 (adaptado).

Pelo conteúdo de sua redação, depreende-se que o personagem Manuel Goreiro (o “Manolito”), além de
estudar, exerce outra atividade. Transcreva o trecho em que esta outra atividade se mostra mais evidente.
No trecho “As lojas fecham mais tarde por quê não escurese mais tamcedo”, verificam-se alguns desvios
em relação à norma-padrão da língua. Reescreva este trecho, fazendo as correções necessárias. Por fim,
reescreva o trecho final da redação (“nós ficamos muito mais contentes com a primavera com a chegada
dela”), desfazendo a redundância nele contida.

TEMA 6 COESÃO E COERÊNCIA TEXTUAL

EXERCÍCIOS

1 (Fuvest-SP) Leia este texto.


É conhecida a raridade de diários íntimos na sociedade escravocrata do Brasil colonial e imperial, em com-
paração com a frequência com que surgem noutra sociedade do mesmo feitio, o velho Sul dos Estados Unidos.
Gilberto Freyre reparou na diferença, atribuindo-a ao catolicismo do brasileiro e ao protestantismo do americano:
aquele podia recorrer ao confessionário, mas a este só restava o refúgio do papel. Esta é também a explicação
que oferece Georges Gusdorf, na base de uma comparação mais ampla dos textos autobiográficos produzidos
nos países da Reforma e da Contrarreforma. Ao passo que no catolicismo o exame de consciência está tutelado
na confissão pela autoridade sacerdotal, no protestantismo, ele não está submetido a interposta pessoa.
MELLO, Evaldo C. de. Diários e “livros de assentos”. In: Luiz Felipe de Alencastro (Org.). História da vida privada no Brasil: volume 2.

a) De acordo com o texto, em que grupo de países os diários íntimos surgiam com maior frequência e por
que isso ocorria?
O texto afirma que os diários íntimos surgiram com maior frequência no Sul dos Estados Unidos do que na sociedade
escravocrata do Brasil colonial e imperial. De acordo com o sociólogo Gilberto Freyre, citado no trecho, isso se explica pelo
fato de, no catolicismo, haver a possibilidade de confessar-se a uma “autoridade sacerdotal”, com poderes para redimir os
pecadores de seus pecados e promover o alívio de consciência. No protestantismo americano, por outro lado, a ausência
dessa figura – que se interpusesse entre o indivíduo e o divino – levou as pessoas a recorrer a textos autobiográficos, a fim
de fazer análise das suas questões mais íntimas.

b) A que expressões do texto se referem, respectivamente, os termos sublinhados no trecho “ele não está
submetido a interposta pessoa”?
O termo “ele” refere-se, no texto, à expressão “exame de consciência”; já “interposta pessoa” se refere à “autoridade
sacerdotal”.

72 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


2 (Unesp-SP) Leia o ensaio de Eduardo Giannetti para responder às questões.
A maçã da consciência de si. – O labrador dourado saltando com a criança na grama; o balé acrobático
do sagui; a liberdade alada da arara-azul cortando o céu sem nuvens – quem nunca sentiu inveja dos animais
que não sabem para que vivem nem sabem que não o sabem? Inveja dos seres que não sentem continuamente
a falta do que não existe; que não se exaurem e gemem sobre a sua condição; que não se deitam insones e
choram pelos seus desacertos; que não se perdem nos labirintos da culpa e do desejo; que não castigam seus
corpos nem negam os seus desejos; que não matam os seus semelhantes movidos por miragens; que não se
deixam enlouquecer pela mania de possuir coisas? O ônus da vida consciente de si desperta no animal humano
a nostalgia do simples existir: o desejo intermitente de retornar a uma condição anterior à conquista da cons-
ciência. – A empresa, contudo, padece de uma contradição fatal. A intenção de se livrar da autoconsciência
visando a completa imersão no fluxo espontâneo e irrefletido da vida pressupõe uma aguda consciência de
si por parte de quem a alimenta. Ela é como o fruto tardio sonhando em retornar à semente da qual veio ao
galho. [...] O desejo de saltar para aquém do cárcere do pensar se pode compreender – e até cultivar – em
certa medida, mas o lado de fora não há. A consciência é irreparável; dela, como do tempo, ninguém torna
atrás ou se desfaz. Desmorder a maçã não existe como opção.
(Trópicos utópicos, 2016.)

a) No contexto do ensaio, o que significa “desmorder a maçã”?


No ensaio, a expressão faz referência a uma hipotética perda da consciência humana. Em seu texto, Eduardo Giannetti contrasta
a condição de espécies animais que “não sabem para que vivem nem sabem que não o sabem” e a realidade dos seres humanos,
cheios de questionamentos, desejos e aflições. Remetendo ao mito de Adão e Eva, em que as figuras bíblicas perdem a inocência
após provarem o fruto da árvore do bem e do mal, o autor afirma ser impossível abdicar desse estado de consciência, já que
não se pode “desmorder a maçã”.

b) Quais são os referentes dos três pronomes sublinhados no ensaio?


Em “nem sabem que não o sabem”, o pronome destacado se refere à oração “para que vivem”. Já o pronome destacado “que
não se exaurem” é reflexivo e tem como referente o substantivo “seres” (retomado também pelo pronome relativo “que”). Por
fim, em “quem a alimenta”, o anafórico em questão retoma “A intenção de se livrar da autoconsciência”.

EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

Leia o excerto do romance Memórias de um sargento de milícias de Manuel Antônio de Almeida (1831-1861)


para responder à esta questão.
Era no tempo do rei.
Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente,
chamava-se nesse tempo – O canto dos meirinhos1 –; e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de
encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). [...]
Mas voltemos à esquina. Quem passasse por aí em qualquer dia útil dessa abençoada época veria sentado
em assentos baixos, então usados, de couro, e que se denominavam – cadeiras de campanha – um grupo mais ou
menos numeroso dessa nobre gente conversando pacificamente em tudo sobre que era lícito conversar: na vida
dos fidalgos, nas notícias do Reino e nas astúcias policiais do Vidigal. Entre os termos que formavam essa equação
meirinhal pregada na esquina havia uma quantidade constante, era o Leonardo-Pataca. Chamavam assim a uma
rotunda e gordíssima personagem de cabelos brancos e carão avermelhado, que era o decano da corporação, o
mais antigo dos meirinhos que viviam nesse tempo. A velhice tinha-o tornado moleirão e pachorrento; com sua
vagareza atrasava o negócio das partes; não o procuravam; e por isso jamais saía da esquina; passava ali os dias
sentado na sua cadeira, com as pernas estendidas e o queixo apoiado sobre uma grossa bengala, que depois dos
cinquenta era a sua infalível companhia. Do hábito que tinha de queixar-se a todo o instante de que só pagassem
por sua citação a módica quantia de 320 réis, lhe viera o apelido que juntavam ao seu nome.

Gramática 73
Sua história tem pouca coisa de notável. Fora Leonardo algibebe2 em Lisboa, sua pátria; aborrecera-se 
porém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe por proteção de quem, alcançou o emprego
de que o vemos empossado, e que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera com ele no
mesmo navio, não sei fazer o quê, uma certa Maria da hortaliça, quitandeira das praças de Lisboa, saloia3
rochonchuda e bonitota. O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era nesse tempo de sua mocidade mal
apessoado, e sobretudo era maganão4.
Memórias de um sargento de milícias, 2003.
1
meirinho: espécie de oficial de justiça.
2
algibebe: mascate, vendedor ambulante.
3
saloia: aldeã das imediações de Lisboa.
4
maganão: brincalhão, jovial, folgazão, divertido.

1 (Unesp-SP) Identifique os referentes dos pronomes destacados no segundo e no quarto parágrafos do


excerto (complete o quadro abaixo).

Pronome Referente

se
2º parágrafo
lhe
se
4º parágrafo
lhe

2 (FGV-SP) Leia o texto para responder à questão.

Duzentos dos que gozam da mesma cidadania que ela e quase o mesmo número dos que gozam da mesma
que eu figuram entre os oitocentos mortos no naufrágio de 18 de abril de 2015 na costa da Sicília. Muitos
são aqueles de quem já não se fala mais, aqueles dos quais nunca se falará, jogados nas fossas comuns que
se tornaram o Deserto do Saara e o Mar Mediterrâneo.
Seu filho único, um dia, partiu para a Europa com 89 outros jovens de Thiaroye (Senegal) a bordo de
uma embarcação que o mar engoliu. Nós nos encontramos porque, no meu país, outras mães de migrantes
desaparecidos que não querem esquecer nem baixar os braços me interpelaram: “Não vimos de novo nossos
filhos nem vivos nem mortos. O mar os matou. Por quê?” Elas também não sabiam nada sobre esse mar
assassino, já que nosso país não tem litoral.
Me lembrarei para sempre, corajosa Yayi, deste profundo momento de acolhimento e de partilha que foi o
“Círculo do Silêncio” que organizamos juntas no Fórum Social Mundial (FSM) de Dacar, em fevereiro de 2011.
TRAORÉ, Aminata D. São nossas crianças. In: Le Monde Diplomatique Brasil, set. 2016 (adaptado).

Considerando o emprego de pronomes do texto, responda ao que se pede.

a) A quem se referem os pronomes destacados nas passagens: “Duzentos dos que gozam da mesma cida-
dania que ela...”, “Seu filho único, um dia, partiu para a Europa...”, “Nós nos encontramos porque...” e
“Elas também não sabiam nada sobre esse mar assassino...”? Justifique sua resposta com informações
do texto.

b) Observe a colocação dos pronomes destacados nas passagens:

• “Muitos são aqueles de quem já não se fala mais, aqueles dos quais nunca se falará, jogados nas fossas
comuns que se tornaram o Deserto do Saara e o Mar Mediterrâneo“. (1o parágrafo)

• “Me lembrarei para sempre, corajosa Yayi, deste profundo momento de acolhimento e de partilha…”
(último parágrafo)

Comente, segundo os princípios da norma-padrão, a colocação desses pronomes nos respectivos contextos.

74 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Texto para a questão 3.

Sol se põe atrás de construção: imagem típica desta época do ano na capital.
O POPULAR, Goiânia, 28 ago. 2007, p. 3.

3 (UEG-GO) Considerando o tema “meio ambiente”, que incoerência prejudica a complementação dos sentidos
produzidos pela linguagem não verbal (foto) e pela linguagem verbal (legenda abaixo da foto) na reportagem?

ANOTAÇÕES

Gramática 75
Gramática GABARITO

CLASSES E FORMAÇÃO DE Observações:


TEMA 1 PALAVRAS • O verbo terminado em ditongo nasal vão, por adaptação
fonética, provoca o acréscimo da consoante n ao pronome
1 a) No contexto, ambos os termos servem para manifestar oblíquo a.
a capacidade de as humanidades contribuírem ao mun- • A conjunção que tem valor explicativo no contexto, já
do contemporâneo. “Cultivo de valores”, no entanto, é que introduz um argumento favorável à ordem dada na
expressão de uso mais universal, corrente nas ciências oração anterior. Pode, portanto, ser substituída também
humanas e, por isso, relaciona-se harmonicamente com o por visto que ou porque.
restante do vocabulário utilizado no parágrafo. Nesse caso, • Apesar de o enunciado da questão informar que os
o substantivo "valor" adquire o sentido de crença, opinião, versos foram extraídos de uma canção de Dorival Caymmi,
visão de mundo. Já “agregar valor”, por ser jargão próprio trata-se, na verdade, das estrofes finais do poema de
do universo do mercado, é uma expressão que possui um mesmo título de Manuel Bandeira.
significado mais pragmático, o que contrasta com o restan-
te do parágrafo e confirma, no plano do léxico empregado, 4 a) O termo “nosotros” contém o traço de sentido da “al-
a ideia de que as ciências humanas podem, tanto quanto o teridade” (alter, em latim, significa “outro”), uma vez que
mercado, beneficiar a sociedade. resulta da combinação de “nós” com “outros”: reconhecer
a existência do outro, segundo o texto, é desfazer a “quase
b) O pronome “eles” refere-se a “os cursos de humanida- barreira que separa” os diferentes. Trata-se, portanto, de
des”; “à qual” refere-se a “sociedade”. uma forma de inclusão.

2 a) Sim. O enunciador defende que, além de recursos tec- b) Em “Nós brasileiros falamos português”, o “nós” refere-
nológicos mais especializados, tecnologias acessíveis tam- -se exclusivamente aos brasileiros, falantes do português.
bém têm ampliado capacidades da espécie humana. Como O “nós”, nesse caso, exclui os que não são brasileiros.
exemplo, temos os celulares, tablets, laptops.
5 a) O sentido das preposições essenciais “para” e “por”
b) São dêiticos os vocábulos cujo significado se define no empregadas nos textos de Marina Colasanti e Mário Lago,
evento comunicativo, referindo-se às categorias pessoa, respectivamente, não é o mesmo. A primeira estabelece
espaço e tempo. Do primeiro parágrafo, podem ser cita- relação de finalidade (introduz oração subordinada adver-
dos os seguintes termos: bial final reduzida de infinitivo): manifesta o desejo (a inten-
• qualquer das ocorrências do pronome “você”, que se ção) do poeta de fugir da inércia (do imobilismo) e de se
refere ao enunciatário; libertar da rotina (da escravidão do trabalho). Já a segunda
• o pronome destacado em "Sem o seu celular [...]", que estabelece relação de causa (introduz oração subordinada
também está fazendo referência ao enunciatário. adverbial causal reduzida de infinitivo), evidenciando a ra-
zão pela qual o enunciador gosta (o motivo que provoca a
3 a) A segunda pessoa do plural não é comum, mas é usada
necessidade).
em contextos restritos, como na linguagem religiosa e em
relações altamente cerimoniosas entre interlocutores. O b) O texto de Mário Lago, transcrito em um único período,
uso religioso transfere, por extensão, um traço de sacra- ficaria: Gosto e preciso de ti, mas quero(,) logo(,) explicar:
lidade para invocações ou transmissão de ordens revesti- não gosto porque preciso, preciso, sim, por gostar. Outra
das de cerimônia. Portanto, ao empregá-la na fala do rei, possibilidade seria: Gosto e preciso de ti, mas quero(,)
o enunciador obtém desse recurso discursivo um efeito logo(,) explicar: não gosto porque preciso; preciso, sim,
argumentativo: o enunciado assume tom grandiloquente, por gostar.
quase sagrado ou mítico; a ordem e a punição em caso de
insucesso são reforçadas e se constrói a imagem de um rei 6 O primeiro “que” é uma conjunção integrante, cuja função

poderoso em um lugar de autoridade. é relacionar a oração principal a uma subordinada substan-


tiva. O segundo “que” é um pronome relativo. Sua função
b) Vão-na lá buscar, pois se a não trouxerem virarão espuma é retomar o termo “leis”, projetando-o como objeto direto
das ondas do mar! da oração adjetiva.

76 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


7 a) A imagem estilizada dos dedos está diretamente relacio- 11 a) O verbo esculhambar transformou-se, por meio de
nada às palavras listadas. As impressões digitais, conforme derivação sufixal, no adjetivo esculhambativo.
o radical do próprio adjetivo indica, são colhidas nas pol-
pas das pontas dos dedos. Como são distintas para cada b) “Evento esculhambado” é aquele que sofreu esculham-
indivíduo, são um meio muito usual para a identificação bação, ou seja, trata-se de um processo consumado, em
pessoal, atestando a enorme diversidade física entre os que a bagunça e a desordem já ocorreram, indiscutivel-
seres humanos. Metaforicamente, a variabilidade de im-
mente “Evento esculhambativo” é aquele que é capaz de
pressões digitais remete ainda à imensa diversidade de
promover esculhambação, ou seja, de criticar, censurar,
personalidades característica de nossa espécie, ou seja,
“avacalhar” algo. A “Marcha com Deus e o Diabo na Ter-
às diferenças culturais e comportamentais. Para reforçar
essa noção, os dedos são estilizados na imagem como se ra do Sol”, convocada para o Rio de Janeiro, tinha como

fossem personagens, caracterizadas para aludir às diferen- propósito opor-se à “Marcha da Família com Deus pela
ças etárias, de cor da pele, de tipos de cabelo, de credos Liberdade”, convocada para São Paulo, o que justifica o
e até de estilos de comportamento. emprego do adjetivo esculhambativo.

b) Procedendo às alterações solicitadas, obteríamos: "Ve- 12 a) O termo “precariado” se origina por um processo
nhamos para a biometria. Cadastremos nossas digitais".
de derivação sufixal: tomando-se como base o adjetivo

8 a) Como se trata de um texto figurativo, a concepção de “precário”, foi adicionado o sufixo “-ado” para formar um
poesia não é explícita, mas deve ser compreendida como neologismo. Do ponto de vista semântico, o termo se refe-
se depreende o tema por meio da observação das figuras. re – na acepção adotada por Giovanni Alves – à “camada
Assim, pode-se inferir que a poesia é uma criação resultante média do proletariado urbano”, marcada por uma “inser-
de um modo de olhar que, por associação, acrescenta à
ção precária nas relações de trabalho”. O neologismo é uti-
realidade observada traços de sentido e sensações bem
lizado, portanto, para dar visibilidade a uma subcategoria
mais amplos do que os que são percebidos em um olhar
no grupo conhecido como “proletariado”, a qual, mesmo
imediato. Essa distorção cria uma obra de arte para ser
contemplada, uma imagem construída para gerar o prazer tendo atingido alto grau de escolarização, é marcada por
da admiração. condições de vida e de trabalho deterioradas.

b) Com as alterações, o trecho ficaria: “Naquela época, b) A expressão “com razão” está desempenhando função
tudo o que víamos nos causava espanto”. sintática de adjunto adverbial. Na construção do texto, o
termo contribui para demarcar a posição do enunciador
9 O pretérito mais-que-perfeito dos verbos do segundo pa-
rágrafo do fragmento indica que as ações por ele expres- sobre o conceito de “precariado”: com o adjunto, ele ex-
sas se dão em um tempo anterior às narradas no terceiro pressa sua adesão à crítica de Ruy Braga ao modo como
parágrafo com os verbos no pretérito perfeito. De fato, as Guy Standing concebe o termo.
ações atribuídas a Fabiano no terceiro parágrafo – “resol-
veu matá-la; foi buscar a espingarda; lixou-a; limpou-a” –
ocorrem depois e por consequência de ele ter imaginado TEMA 2 SEMÂNTICA
(imaginara) que a cadela Baleia estivesse com um princípio
de hidrofobia, e depois de ter-lhe amarrado (amarrara-lhe)
no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. 1 a) Dentro do contexto, a frase indica que a percepção
Assim, o mais-que-perfeito se opõe ao pretérito perfeito alheia, ou seja, as reações dos outros em relação ao su-
por indicar um momento anterior ao das ações expressas jeito, precede a autopercepção ou a percepção de si. Em
por este último tempo verbal. outras palavras, de início o indivíduo toma contato com as

10 O recurso poético utilizado por Clarice Lispector é o da opiniões que os outros emitem a seu respeito e só poste-
criação de um neologismo. Em imaginavazinha, a autora riormente formula um juízo próprio sobre si.
acrescenta o sufixo diminutivo -zinha, normalmente asso-
ciado a nomes, ao verbo imaginar. Cria, assim, por meio b) O homem prefere ser elogiado/enaltecido/engrande-

de um processo raro em nossa língua, uma nova palavra cido/valorizado/apreciado/louvado/incensado por aquilo
(neologismo) e, portanto, amplia os recursos expressivos que não é, a ser criticado/rebaixado/diminuído/subvalori-
da língua portuguesa. zado/depreciado/menosprezado por aquilo que é.

Gramática 77
2 a) Tendo em vista o contexto apresentado, os termos em des- b) No primeiro quadro, o substantivo “afinador” significa
taque podem ser compreendidos, respectivamente, como: “especialista em ajustar as notas de instrumentos musi-
indiscutivelmente (algo que não pode ser refutado, inflexível); cais”. Isso é confirmado, na imagem, pela presença de uma
desejando (aspecto que se espera alcançar); autêntica (ver- ferramenta própria para essa atividade, o diapasão, e pela
gestualidade do especialista, que se apresenta “de nariz
dadeira) e, por fim, primorosa (grandiosa, esplendorosa).
em pé”, com uma fisionomia de quem se autovaloriza. No
b) "Hoje, uma nova geração já descobriu que, caso tome segundo quadro, percebe-se que o cliente interpretou o
decisões sábias na juventude, pode tornar o tempo futuro termo “afinador” em outro sentido, como “alguém capaz
uma genuína etapa da vida…" A circunstância expressa de tornar algo mais delgado”, o que se confirma no gesto
pelo trecho iniciado por “caso” é de condição. por meio do qual indica a proporção a que espera ver redu-
zido o piano. Essa quebra de expectativa contraria o refina-
3 a) Não. O sentido que o texto atribui ao termo “retórica” é do especialista, o que se traduz por seu cenho carregado,
o de estilo pomposo, vazio de sentido, recheado de orna- em um semblante de indignação. No terceiro quadro, vê-se
mentos que, na verdade, nada dizem. Tal acepção, indicada o resultado da suposta transformação desse estado em ira:
como pejorativa, consta no verbete do Houaiss, bem como o afinador, após quebrar o piano na cabeça do cliente, é
no de outros dicionários. Tal sentido se justifica porque por ele qualificado como “grosso”.
a “verbiagem” – apontada pelo autor logo no início do
7 a) O verbo "cair" pode assumir o sentido de “sofrer des-
excerto – pressupõe uma ornamentação que prolonga os
valorização cambial” (“uma queda de 1,9% no valor de sua
discursos sem que, no entanto, seja dito algo substancioso.
moeda”) e o de “descer em direção a” (“cai – na nossa
Bomfim refere-se à ausência de alguma “ideia original” ou
cabeça”).
“observação própria” nesses discursos.
b) Segundo o texto, internamente, a desvalorização do
b) A oração “embora não se encontrem nos seus longos
yuan barateia os salários e os produtos, o que possibilita
discursos e muitos volumes nem uma ideia original, nem
maiores perspectivas de investimento. Externamente, o
uma só observação própria” está na voz passiva sintética,
barateamento dos produtos torna a China mais competitiva
e a forma verbal “se encontrem” poderia ser substituída,
no mercado internacional, impulsionando as exportações.
mantendo-se o sentido, por “sejam encontradas”, na voz
passiva analítica (embora não sejam encontradas nos seus 8 a) A ironia está ancorada nas palavras “esquerda” e “direita”.
longos discursos e muitos volumes nem uma ideia original,
nem uma só observação própria). A forma verbal “houve- b) A palavra “esquerda”, no discurso político, adquire sen-
ra”, empregada no pretérito mais-que-perfeito do indica- tido por oposição à chamada “direita”. Nesse contexto os
tivo, poderia assumir, sem alteração de sentido, a forma partidos de “esquerda” representariam, grosso modo, pro-

“houvesse” (”E disto ninguém se escandaliza; o escândalo postas socialistas, e os de “direita”, propostas capitalistas.
De um lado, uma ênfase maior nas questões sociais; de ou-
viria se houvesse originalidade“).
tro, nas questões econômicas. No jogo polissêmico, a pa-
4 Na primeira ocorrência, “atrás” tem um valor temporal, com lavra “direita” manifesta outro sentido, referindo-se àquilo
o sentido de antes, para indicar um momento anterior ao que é correto, digno, honesto, etc. Além desses sentidos,
momento da fala; na segunda, tem um valor espacial, com as palavras podem ser interpretadas como referências es-
o sentido de no lado oposto, na parte posterior; na ter- paciais, indicativas de horizontalidade e lateralidade. Em
ceira, a expressão “atrás de” é equivalente a em busca de, outros termos, no eixo horizontal, há duas posições laterais
à procura de. diametralmente opostas: a “esquerda” e a “direita”.

5 a) Sim. No primeiro caso, o verbo está sendo usado com o c) A palavra “nem” serve para negar, estabelecendo o pres-
sentido de existir. No segundo, com o sentido de precisar, suposto de que a negação não era esperada: ela serve para
de dever. Uma paráfrase possível nesta situação seria: É excluir algo, indicando que isso contraria a expectativa em
relação ao que foi excluído. Na afirmação “No Brasil nem a
necessário viver...
esquerda é direita”, estabelece o pressuposto de que no
b) O líder indígena disse que eles viviam ali/lá como gado país ninguém age corretamente, mas o esperado seria que
e que eles não podiam sair daquela cerca. a esquerda o fizesse. Substituindo-se a palavra “nem” pela
palavra “não”, perde-se esse pressuposto: o “não” apenas
6 a) O deslizamento de sentido afeta o substantivo “afina-
serve para negar, sem estabelecer qualquer pressuposto.
dor”, que denomina, inicialmente, um “especialista em
ajustar as notas de instrumentos musicais” e, no momento 9 a) Sim. O enunciado “não posso me queixar” pode ser
posterior, “aquele que é capaz de tornar algo mais delga- lido em dois sentidos: como “não tenho motivos para me
do, ou seja, menos grosso”. queixar”, ou “estou proibido de me queixar”. A primeira

78 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


interpretação cria um efeito de sentido positivo, dando a “a ausência de quaisquer defeitos”. O termo “aperfeiçoa-
impressão de que o indivíduo está satisfeito com o regime mento” se refere ao ato de tornar perfeito. A relação de
de seu país. A segunda, em contrapartida, produz um efei- sentido, portanto, é de redundância. Nessa perspectiva,
to crítico, negativo, manifestando a insatisfação do cidadão em sentido literal, o que já é perfeito não poderia ser
com a ditadura. Essa interpretação fica subentendida, logo aperfeiçoado. Na construção da mensagem publicitária,
o enunciador tem como se eximir de responsabilidades contudo, explora-se expressivamente a quebra da lógica,
se for interpelado por alguma autoridade: pode afirmar para sugerir que a montadora do Tucson 2010 consegue
que não fez críticas ao regime, uma vez que não há marcas até mesmo o milagre em termos de perfeição.
gramaticais explícitas que o denunciem.
12 Levando-se em conta o todo do texto, o significado usual-
b) A segunda parte do texto assumiria a seguinte forma: mente dado à expressão “à beira do abismo” não se confir-
“Mas se você perguntar a quaisquer cidadãos de uma dita- ma. O segundo período da passagem, ao afirmar que será
dura o que acham de seu país, eles respondem sem hesita- preciso um grande esforço coletivo para recolocar o país
ção: ‘Não posso me queixar’”. Colocando-se no plural a pa- “lá em cima”, deixa claro que, na opinião do enunciador,
lavra “cidadão”, ocorrem algumas transformações no trecho: o país já despencou no abismo, a catástrofe já aconteceu.
o pronome “qualquer” assume a forma “quaisquer”, con- Nota-se, portanto, uma interpretação irônica da expres-
cordando com “cidadãos”, do mesmo modo que as formas são “à beira do abismo”. A primeira oração, entendida nos
verbais “acham” e “responderão”. Além disso, o pronome termos indicados no enunciado da questão, reproduz o
“eles”, com função anafórica, retoma o termo “cidadãos”, o discurso do senso comum, que é negado pelo segundo
que justifica sua flexão no plural. A palavra “ditadura” não período, no qual o enunciador afirma sua posição crítica.
vai para o plural porque, acompanhada do artigo “uma”,
já transmite a ideia de uma ditadura qualquer. Da mesma
maneira, “seu país” segue no singular, uma vez que já deixa TEMA 3 SINTAXE DO PERÍODO SIMPLES

implícita a noção do respectivo país, do próprio país.


O trecho entre aspas é transcrição de fala em discurso
1 a) O soneto retrata o processo natural do encerramento do
direto, por isso não vai para o plural: indica a fala de
dia e do cair da noite, como se nota em “Fecha-se a pálpe-
qualquer um dos cidadãos, a resposta que seria dada por
bra do dia”; “avulta e cresce / A sombra à proporção que
qualquer um deles.
a luz recua...”; ”a lua / Surge trêmula, trêmula... Anoitece”.
Observação: a forma verbal “respondem” está flexionada
no presente, respeitando a construção original. Mas b) O sol esbraseia [põe em brasa] o Ocidente na agonia.
é importante registrar que foi empregada em sentido Aves fogem em bandos destacados por céus de ouro e de
não literal: como a forma “perguntar” está no futuro do púrpura raiados.
subjuntivo (em “se você perguntar [...]”), a correlação em A pálpebra do dia fecha-se.
sentido literal seria com a forma “responderão”, no futuro
do presente do indicativo. 2 Padrão de resposta publicado pela banca:
Voz passiva.
10 a) A personagem que defende o acordo ortográfico tem
por base o pressuposto de que ele instaura a padronização A preocupação de Natividade eram as palavras a serem
da língua, a unificação do idioma. Na prática, isso significa cortadas e não quem as cortaria.
que, por força do acordo, a língua portuguesa passaria a
3 [...] e se às vezes eu era repreendido, à vista de gente, isso
ser falada da mesma maneira em todos os países lusófo-
era feito por simples formalidade.
nos. Tal pressuposto é inadequado porque não se trata de
unificação do idioma, mas da unificação das normas que 4 a) No início da tarde, o assessor do presidente comunicou-
regem a grafia das palavras do idioma. -lhe a demissão.

b) Na tira, o pressuposto é efetivamente quebrado. Com b) No início da tarde, a demissão foi-lhe comunicada pelo
efeito, um livro, editado em Portugal e apresentado como assessor do presidente.
já adaptado às normas do acordo, traz peculiaridades de
linguagem que prejudicam sua compreensão por um bra- 5 No enunciado 1, o advérbio “afinal” modifica a expres-
sileiro. A própria personagem que defendia o acordo não são nominal “falso samaritano”, indicando que o homem
sabe o que é “bica” e “peúgas”. Ou seja, o acordo orto- torna-se um falso samaritano somente depois que efetiva
gráfico não unifica o idioma. o roubo; enquanto no enunciado 2, o advérbio “afinal”
modifica a locução verbal “tivesse aceitado”, indicando
11 A palavra “perfeição” significa, de acordo com o Aurélio, que a personagem, apenas depois de muita insistência,
“o máximo de excelência a que uma coisa pode chegar”, aceitou a oferta. A primeira construção reforça o ponto de

Gramática 79
vista do narrador de que aquilo que inicialmente motivou sição "de" e o substantivo "Deus", que compõem juntos
o ladrão de carro foram sentimentos de generosidade e uma locução adjetiva. Já em partícula Deus, o substantivo
altruísmo; só depois ele mudou de ideia, caracterizando "Deus", em razão de sua colocação, é que passa a valer
sua ambiguidade de sentimentos. como adjetivo, o que caracteriza o processo de formação
de palavras chamado derivação imprópria ou conversão.
6 Em (1), Cariba foi e ainda é o único a fazer perguntas no
povoado. b) Na locução adjetiva de Deus, pode-se considerar que a
Em (2), fica implícito que houve um tempo em que outras preposição tem valor de posse em sentido amplo, dando
pessoas também faziam perguntas. a entender, portanto, que essa partícula, que teria papel
A primeira construção indica o real motivo da prisão de fundamental no funcionamento do universo, é uma criação
Cariba: ele é o único a fazer perguntas naquele povoado. divina. Com isso, se asseguraria a crença na existência de
uma divindade e no seu papel de regulador dos fenômenos
7 a) No texto, o se é partícula apassivadora em “Representa- naturais. Na expressão partícula Deus, pode-se entender
va-se justamente Otelo” (equivalente a “Era representado que se confere à partícula, metaforicamente ou não, um
justamente Otelo”) e “Os lençóis perderam-se” (equivalen- caráter de divindade, justamente por conta daquele papel
te a “Os lençóis foram perdidos”). Os verbos representar e por ela exercido no funcionamento do universo.
perder são, pois, transitivos passivos. Quanto ao que pede Nesse caso, ao contrário do outro, pode-se mesmo
propriamente a questão, poderíamos ter:
considerar que ocorre uma desvalorização da ideia
“Aquele ator representa muito bem.”
tradicional de divindade.
“O orador apenas representava, sem nada a afirmar de
verdade.” 10 a) A expressão é “Zé Fernandes”, vocativo por meio do qual
o enunciador interpela a outra personagem.
b) “Há muitas crises econômicas. Perde-se com isso na
tentativa de reerguer a nação.” b) O trecho que reforça a imagem da vida luxuosa das cor-
“Na vida, nem sempre se ganha, às vezes se perde.” tesãs é “uma cocotte com os seus vestidos, os seus diaman-
Convém lembrar que no item b o se é índice de tes, os seus cavalos, os seus lacaios, os seus camarotes, as
indeterminação do sujeito porque o verbo foi usado suas festas, o seu palacete”.
intransitivamente.

8 a) As duas leituras possíveis da tira são: TEMA 4 SINTAXE DO PERÍODO COMPOSTO


• Comida com pouca gordura, ou seja, comida que
contém baixa concentração de gordura (modernamente
chamada de light). 1 • Pode, por exemplo, subir o preço de um livro eletrônico
• Gato com pouca gordura, isto é, gato com baixa caso determine que você tem mais chances de comprar
concentração de gordura no organismo. Seria o mesmo aquele item em particular.
que dizer “gato magro”. • […] ao contrário, pode ajustar o preço para baixo como
Ambas as leituras se justificam porque a expressão “com um incentivo desde que julgue que é menos provável que
pouca gordura” – na posição em que se encontra na fala você o compre.
do personagem – pode ser associada aos vocábulos
Observação: seria possível substituir a conjunção
“comida” e “gato”.
condicional se por outras, como contanto que ou na

b) A vírgula entre termos contíguos indica que eles não es- hipótese de.
tão sintaticamente associados entre si. Por isso, a inclusão
2 Embora os jornalistas não devessem fazer previsões, fa-
da vírgula:
zem-nas (= eles as fazem ou eles fazem-nas) o tempo todo.
1) depois de “gato” indica que a expressão “com pouca
gordura” está associada a “comida”, ou seja, é uma 3 a) Embora não vejam quem está do outro lado da linha/
comida com pouca gordura. Comida pra gato, com pouca Ainda que não vejam quem está do outro lado da linha [...].
gordura.
b) ”[...] os fãs dos bate-papos virtuais tornam-se"/ transfor-
2) depois de “Comida” indica que a mesma expressão está
associada a “gato”, ou seja, é um gato com pouca gordura, mam-se em amigos; ou acabam se tornando amigos.
um gato magro. Comida, pra gato com pouca gordura.
4 A mensagem não é nada sem um receptor disposto a en-
9 a) Em ambas as expressões, o substantivo partícula cons- tendê-la, ainda que/ mesmo que/ embora as vítimas sejam
titui o núcleo, ao qual está subordinado um termo modifi- muito pungentes.
cador que se diferencia estruturalmente em cada caso. No A relação de sentido estabelecida pelos conectores
segmento partícula de Deus, ele é formado pela prepo- usados na frase é a concessão.

80 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


5 Algumas possibilidades de resposta são: b) Essa reforma agrária, por um lado, fixa o homem no cam-
É menor pecado elogiar um mau livro, sem que o tenha po, mas, por outro, não lhe fornece os meios de subsistên-
lido / sem que o tivesse lido. cia e de produção.

É menor pecado elogiar um mau livro, mesmo não o tendo 10 a) Amantes dos antigos bolachões penam não só para en-
lido / mesmo não o lendo. contrar os discos, mas também para trocar a agulha ou
6 a) Sim, a conjunção “mas” poderia ser substituída por “e” de levar o toca-discos para o conserto.
modo a dissipar o mistério a que se refere Denise Fraga. O
b) As alterações efetuadas se justificam da seguinte maneira:
uso de “mas” lhe causou estranhamento porque não há, no
• “Não só” é uma expressão de caráter correlativo;
contexto, a relação de adversidade comumente estabelecida
pressupõe, portanto, uma continuidade iniciada por
por essa palavra. Por isso, ela afirma: “Se o Pai não nos deixa
expressões do tipo: “como também”, “mas também”,
cair em tentação, já estará nos livrando do mal”. Com o uso
“mas ainda”.
da conjunção “e”, aditiva, esse estranhamento desapareceria.
• O abstrato “dificuldade” é um instrumento de coesão,
b) Não nos deixe cair em tentação, mas livre-nos do mal. que deixa de ser necessário com a exclusão do ponto-final
7 a) A passagem “Mas o mundo mudou” é uma oração e o encadeamento das orações iniciadas pela expressão
coordenada sindética adversativa. Esse conector estabele- “mas também”.
ce uma relação de oposição, introduzindo um argumento • A introdução da preposição “para” em “para trocar”
mais forte do que a ideia anteriormente apresentada. Por e a omissão da expressão “na hora de” são necessárias
meio dessa construção, evidencia-se que hoje o mundo para que haja paralelismo sintático entre as orações
não vê da mesma forma o tema do envelhecimento como subordinadas adverbiais finais reduzidas de infinitivo
em tempos anteriores. (“para encontrar...” e “para trocar...”).

b) O enunciador se mostra favorável a um novo modo de


pensar o envelhecimento, tomando-o como uma fase pro- VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
TEMA 5 E NORMA CULTA
dutiva e oportuna às mudanças, tão rica em experiências
como qualquer outra. Ele não concorda com o que afirma
ser uma postura das “gerações passadas” para compreen- 1 a) A língua portuguesa, como todas as línguas, não é uma
der esse momento como decadência da capacidade física entidade homogênea, monolítica. É, na verdade, uma abs-
em que a aposentadoria seria a única expectativa. Para tração. Ela abarca toda uma série de variações e de níveis,
justificar esse ponto de vista, o enunciador se vale do argu- que constituem manifestações ou realizações concretas
mento de prova concreta, por meio do qual ele apresenta
de si mesma. Assim, não se pode falar de “uso equivoca-
dados estatísticos da mudança da longevidade do brasi-
do” da língua portuguesa na situação referida. Os termos
leiro, bem como comparações históricas dessa expectativa
“encanador”, “bombeiro” e “canalizador” para designar o
de vida com a do presente.
mesmo profissional são variantes lexicais regionais: empre-
8 a) As orações estão unidas por um conector que traduz a gam-se vocábulos diferentes, em diferentes lugares, para
relação de adversidade, de oposição. No contexto, feiura designar a mesma realidade, em função da variada gama
se contrapõe à simpatia (e vice-versa), expressão de uma de possibilidades de apreensão de um mesmo fenôme-
impressão socialmente difundida segundo a qual a aparên- no por variados grupos humanos. Trata-se de usos locais
cia pouco atrativa seria indício de um indivíduo que não é ou regionais, sancionados por uma tradição. Isso, porém,
boa pessoa ou simpático. não constitui violação de nenhuma das normas admissíveis
dentro do sistema da língua em si, nem compromete a sua
b) O dia estava nublado, mas a alegria das crianças conta-
unidade. Pelo contrário, é manifestação do poder criativo
giava todos os adultos.
que caracteriza o ser humano e, em decorrência, a socie-
O governo atrasou a entrega das estações de metrô, mas
dade de que ele faz parte.
elas não foram superfaturadas.
A sopa estava quente, mas não queimou a boca faminta. b) Não se pode concordar com essa afirmação. Com efeito,
a uniformização de que se trata diz respeito exclusivamente
9 a) Funcionários cogitam fazer* uma nova greve e isolar o à ortografia das palavras da língua. Não afeta sua estrutura
governador/Funcionários cogitam uma nova greve e o iso- morfológica e sintática, e muito menos afeta o seu patrimônio
lamento do governador. léxical. Ainda que fosse aprovada uma reforma que unificasse
* Pode-se pode optar por outro verbo no infinitivo, desde a ortografia do português em todos os países que o utilizam,
que coerente com o significado, como “entrar novamente o que é “encanador” em São Paulo continuaria sendo “bom-
em greve”. beiro” no Rio de Janeiro, e “canalizador” em Lisboa.

Gramática 81
2 a) A expressão que melhor exemplifica o “biologuês” é: • o emprego da expressão “dar para + infinitivo” para
“morfologia da semente da laurácea”, que, de fato, pode transmitir a ideia de “ser possível + infinitivo”. Por exemplo,
ser incompreensível àquele que “não é da área”. Além des- “não dá para esperar”. No excerto, a expressão é usada na
sa, poderiam ser citadas ainda: “sair a campo”, “espécies” sua forma negativa em “não dá para não sacrificar...”.
e “pato-mergulhão”, que, embora relativamente usuais,
adquirem um sentido mais específico no âmbito das ciên- 6 a) Segundo o texto, a gramática tradicional desconsidera
cias biológicas. todas as manifestações linguísticas que se desviam do que
a norma culta prescreve, como se elas nem mesmo per-
b) A pergunta formulada não é unívoca: tanto se pode en- tencessem ao português. O ponto de vista da professora
tender que solicita a tradução do sentido não literal que Eliana Fernandes é de que esses desvios da norma-padrão
a expressão assume no texto da Revista da Folha, quanto são apenas outras formas de usar a língua, em níveis di-
o sentido, igualmente não literal, como que ela é empre- ferentes, associados a situações mais informais. Para ela,
gada na língua geral. De fato, dentro do texto, a expres- essas formas são tão corretas quanto a norma culta e não
são admite duas traduções: uma, literal, ou seja, classificar devem ser censuradas. Em outros termos, a gramática tra-
precisamente as espécies de bovinos (na qual a questão dicional ignoraria as variedades da linguagem, restringindo
não se detém); e outra, não literal, reconhecer, identificar o fenômeno linguístico a apenas uma de suas variações, a
e classificar cientificamente as espécies dos mais diversos única considerada correta, a culta formal. A professora, ao
seres vivos. Se interpretarmos que a intenção da banca é contrário, considera todas as variantes da língua legítimas,
avaliar a capacidade de parafrasear o sentido não literal sem estabelecer qualquer hierarquia entre elas.
que a expressão assume em seu emprego usual, teremos
outra resposta. Nesse caso, ela pode ser traduzida como b) Da fala “Quem tem a obrigação de saber o português
revelar, com exatidão e sem disfarce, os culpados, identi- formal, falar e escrever de acordo com as regras são os pro-
ficar nominalmente os responsáveis, fazendo referência à fessores, os jornalistas, os acadêmicos”, pode-se supor que
sinceridade corajosa daqueles que não temem represálias a professora esteja insinuando que o conhecimento da varie-
e ousam apontar os implicados em crimes, tramoias ou dade formal do português só é acessível a alguns segmentos
negócios escusos. profissionais cultos e especializados, o que implicaria sonegar
esse conhecimento a todos os outros. Isso pode ser consi-
3 a) Não. Quando Monteiro Lobato se refere a “gramática”
derado uma forma de preconceito linguístico na medida em
nesse contexto, está se referindo, evidentemente, à gramá-
que aleija a maior parte das pessoas do domínio da variedade
tica da norma-padrão. A referida “correção da língua” signi-
mais prestigiosa da língua, aquela que inspira maior rentabi-
fica, no caso, a obediência às regras dessa norma específica.
lidade, condenando-as a uma imagem social subalterna.
Mas isso não significa que a língua falada (geralmente co-
loquial), por oposição à língua escrita (em geral regida pelo
7 a) Na primeira ocorrência, trata-se do pronome interro-
padrão culto), não tenha regras. Só que se trata de regras
gativo “por quê”, que serve para veicular indagações. Na
diferentes – menos prestigiadas socialmente, é verdade –, às
segunda, “porque” é uma conjunção que pode assumir
quais, porém, o falante costuma obedecer nas situações de
valor causal ou explicativo, comumente usada para intro-
comunicação. Aliás, generalizando, não se pode conceber
duzir respostas.
uma língua ou variedade linguística desprovida de regras.

b) Na variedade padrão, a expressão “meter o bico” pode b) Na primeira frase, ao afirmar que o pronome interrogati-
ser convenientemente substituída por “intrometer-se”; já a vo “por quê” é a filosofia, Millôr alude à concepção de que
expressão “de orelhas murchas” pode ser substituída por o pensamento filosófico se origina das inquietações dos
“humilhada” ou “acovardada”. indivíduos e da constante busca por respostas. Em contra-
ponto a esse pensamento, o autor, no segundo enuncia-
4 a) As expressões que fogem ao padrão culto da língua es- do, julga pretensiosa a postura daqueles que, em vez da
crita são: “passou por poucas e boas”, “tipo quando”, “love indagação, optam por respostas supostamente unívocas:
affair” e “para Deus e o mundo”. para o escritor, a pretensão de certeza caracterizaria uma
b) Uma possibilidade seria: A princesa Diana já passou por atitude presunçosa, resultante de vaidade exagerada.
algumas situações constrangedoras, como, quando seu
ex-marido Charles manteve com lady Camille um caso amo- 8 "hão": o verbo está na 3a pessoa do plural, concordando
roso que ganhou ampla divulgação. com o sujeito “os meus cabelos”.
"há": o verbo está na 3a pessoa do singular por ser
5 No excerto identificam-se os seguintes exemplos de infor- impessoal, a oração não tem sujeito.
malidade:
• a palavra "feito" usada com valor comparativo em lugar 9 A forma verbal “acontece” está na terceira pessoa do sin-
de “como”, em “teólogo exigente feito ele”; gular para concordar, em número, com o núcleo do sujeito

82 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


(que está no singular). O sujeito é “um duplo fenômeno de 2 a) Com base na noção de que um texto é um emaranhado
percepção” e o núcleo é “fenômeno”. de enunciados que se entrelaçam de diversas maneiras,
os pronomes do excerto sob análise ora antecipam re-
10 O artigo a está concordando em gênero e número com o
ferências (catafóricos), ora retomam termos já expressos
substantivo a que está associado (gente); o adjetivo combi-
(anafóricos). Considerando o contexto em que ocorrem,
nado, entretanto, não está concordando com o substantivo
pode-se afirmar que:
a que está associado, e sim com o conteúdo da pessoa
representada por esse substantivo (no caso, um masculino, Em “Duzentos dos que gozam da mesma cidadania que
isto é, a figura do narrador). Trata-se de uma concordância ela...”, o pronome se refere à “corajosa Yayi”, expressão
siléptica. catafórica semanticamente compatível com a figura de
uma mulher cuja cidadania é igual à de duzentos mortos
11 a) A evolução que nos trouxe das cavernas para o mun- no naufrágio na costa da Sicília. O adjetivo “corajosa”,
do conectado pela internet foi uma sequência de eventos flexionado no feminino, permite afirmar ser “Yayi” um
complexos, os quais se valeram de um concerto de novas nome feminino, antecipado pelo pronome ela.
tecnologias e ideias.
Em “Seu filho único, um dia, partiu para a Europa...”, o
Justificativa: a próclise, no trecho “que nos trouxe”, se pronome também faz menção à “corajosa Yayi”, mesma
justifica porque o pronome relativo “que” atrai o pronome referência do pronome ela, do primeiro parágrafo. A
oblíquo átono “nos”. A grafia correta é “concerto”, que progressão de sentido entre os parágrafos permite
significa “reunião” (a forma homônima “conserto” afirmar que o assunto é o filho da mulher de que se falava
significa “reparo”, sentido inadequado ao contexto). no início do texto.

b) Com as tecnologias e ideias, abriu-se um universo de Em “Nós nos encontramos porque...”, o pronome faz
possibilidades: foi assim com o arado, que aumentou a menção a Yayi e à enunciadora do texto, Aminata D.
produção agrícola, gerou excedentes e permitiu a criação Traoré. Essa referência se justifica com o trecho final do
de Estados e impérios. texto, em que a autora afirma que organizaram “juntas” o
“Círculo do Silêncio” no Fórum Social Mundial.
Justificativa: a vírgula se justifica em razão de o adjunto
adverbial “com as tecnologias e ideias” estar em ordem O trecho “Elas também não sabiam nada sobre esse
inversa. Os dois-pontos são empregados para introduzir mar assassino...” retoma a expressão “outras mães
uma explicação para o que foi enunciado anteriormente. de migrantes desaparecidos”, conforme a relação de
A oração “que aumentou a produção agrícola” deve estar concordância (feminino singular) e de coerência de
entre vírgulas porque é subordinada adjetiva explicativa. sentido entre essas partes.

12 Além de estudar, Manolito trabalha como comerciante, o b) No primeiro trecho destacado, os pronomes estão co-
que pode ser comprovado pelo seguinte trecho: “[...] como locados antes de seus respectivos verbos (não se fala;
no inverno que as setemeia a gente não vende mais nada nunca se falará; que se tornaram) por influência de ter-
e em compensação a Primavera é a melhor estasão [...]”. mos que os antecedem. Em conformidade com a norma-
O primeiro trecho redigido sem os desvios gramaticais -padrão, esses pronomes vêm antes dos verbos por in-
ficaria da seguinte maneira: "As lojas fecham mais tarde (,) fluência dos termos não e nunca (advérbios de negação)
porque não escurece mais tão cedo". Por fim, o trecho final e que (pronome relativo).
reelaborado ficaria: "Nós ficamos muito mais contentes Já o segundo trecho representa um registro coloquial/
com a chegada da primavera". informal da língua: segundo a norma-padrão, verbos
conjugados no futuro do presente (lembrarei) levam ao
uso da mesóclise: Lembrar-me-ei. No português moderno,
TEMA 6 COESÃO E COERÊNCIA TEXTUAL
a locução verbal equivalente ao futuro evita a ocorrência
da mesóclise: Vou me lembrar.
1
Embora o pronome esteja associado a um verbo porque
Pronome Referente começa a frase, não cabe, segundo o padrão culto, a
colocação enclítica do pronome (Lembrarei-me), haja vista
“as ruas do Ouvidor e da
se o tempo verbal (futuro do presente) ser fator de mesóclise,
o
Quitanda”
2 parágrafo que prevalece.
“Uma das quatro
lhe
esquinas” 3 Parte da legenda da foto apenas materializa, sob a forma
se “Leonardo” de linguagem escrita, o que se pode descrever como o
4o parágrafo sol atrás de um edifício em construção. A incoerência
lhe “O Leonardo”
nasce quando se confrontam o enunciado que se segue

Gramática 83
aos dois-pontos e o conhecimento de mundo socialmente partilhado: não se pode afirmar que essa seja uma “imagem
típica da capital” em uma época específica do ano, haja vista que o sol se põe ou se levanta todos os dias do ano e pode
ser visto por entre construções em qualquer cidade.

ANOTAÇÕES

84 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Literatura VESTIBULARES

Poemas escolhidos de Gregório de Matos


TEMA 1 – Quincas Borba – A relíquia

EXERCÍCIOS

Neste mundo é mais rico o que mais rapa:


Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua ao nobre o vil decepa:
O Velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:


Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por Tulipa;


Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra, o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa,


E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.
MATOS, Gregório de. Poemas Escolhidos de Gregório de Matos. São Paulo: Cia das Letras, 2018. p. 46.

a) Pode-se afirmar que, neste soneto, o poeta expressa um ponto de vista distinto daquele que se apresenta
no conjunto de sua poesia satírica a respeito da cidade da Bahia? Justifique.
Não. O poema aproxima-se do teor das críticas desenvolvidas no conjunto da poesia satírica de Gregório de Matos,
pois apresenta críticas à ostentação de riqueza, ao falso moralismo, à maledicência, à pouca dignidade da nobreza, à
malandragem e ao roubo. O poeta frequentemente atribui essas condutas à cidade da Bahia.

b) Considerando a estrutura do poema, demonstre por que o último verso tem caráter metalinguístico.
O último verso tem caráter metalinguístico porque explicita as rimas utilizadas no próprio soneto.

Literatura 85
2
Ó caos confuso, labirinto horrendo,
Onde não topo luz, nem fio achando;
Lugar de glória, aonde estou penando;
Casa da morte, aonde estou vivendo!

Oh voz sem distinção, Babel tremendo;


Pesada fantasia, sono brando;
Onde o mesmo que toco, estou sonhando;
Onde o próprio que escuto, não o entendo.

Sempre és certeza, nunca desengano;


E ambas as pretensões com igualdade,
No bem te não penetro, não no dano.

És ciúme martírio da vontade;


Verdadeiro tormento para engano;
E cega presunção para a verdade.
MATOS, Gregório de. Poemas Escolhidos de Gregório de Matos. São Paulo: Cia das Letras, 2018. p. 219.

a) Demonstre como a noção de desconcerto do mundo se manifesta no soneto.


“Desconcerto do mundo” é um tema frequente na lírica dos séculos XVI e XVII. Consiste em uma abordagem pessimista da
existência, na qual o enunciador parece não encontrar estabilidade emocional nem razões para viver, atormentado em um
mundo cheio de falsidades e de oposições. No texto de Gregório de Matos, o desconcerto se manifesta em expressões
como “caos” e “labirinto”, no intenso uso de oposições, como “glória/penando”, ”morte/vivendo”, “engano/verdade”, e no
destaque a situações de incerteza, angústia e de instabilidade.

b) A noção de desconcerto do mundo se manifesta também na organização do ritmo dos quartetos? Justi-
fique a sua resposta.
Sim. O ritmo dos quartetos é fortemente marcado por uma cesura (pausa) em cada verso, seja na quarta sílaba (como em
“Ó caos confuso, labirinto horrendo”), seja na sexta (como em “Onde não topo luz, nem fio achando”). Essa estrutura impõe
uma declamação bipartida, não linear, que se coaduna com o tema do desconcerto do mundo, acentuando a ideia de
instabilidade.

86 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


3

Anjo no nome, Angélica na cara!


Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara?
Quem vira uma tal flor, que a não cortara,
Do verde pé, da rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente;
Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se pois como Anjo sois dos meus altares,


Fôreis o meu Custódio1, e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que por bela, e por galharda,


Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
MATOS, Gregório de. Poemas Escolhidos de Gregório de Matos. São Paulo: Cia das Letras, 2018. p. 219.
1
Custódio = o que guarda, defende, protege. A palavra é associada à noção de “anjo da guarda”.

a) Nos quartetos, a quais elementos a mulher amada é associada? O que cada um desses elementos provoca
no enunciador?
No primeiro quarteto, a mulher amada é comparada a uma flor e a um anjo. A flor desperta no enunciador o desejo de cortá-
la da rama para trazê-la consigo, ação que está relacionada ao desejo físico que a mulher provoca. E o anjo provoca o desejo
de idolatria, de adoração.

b) Nos tercetos, demonstre como a figura evocada apresenta um caráter contraditório.


Ao invés de apresentar-se apenas como um “Anjo Custódio”, ou seja, “Anjo da guarda”, a mulher assume para o enunciador
a figura contraditória de um anjo que provoca tentações. Portanto, ao invés de assegurar a salvação, o anjo provoca pesares
relacionados com a culpa e com o receio da condenação ao inferno.

4
Texto I

Rubião achou um rival no coração de Quincas Borba, – um cão, um bonito cão, meio tamanho, pelo cor de
chumbo, malhado de preto. Quincas Borba levava-o para toda parte, dormiam no mesmo quarto. De manhã,
era o cão que acordava o senhor, trepando ao leito, onde trocavam as primeiras saudações. Uma das extra-
vagâncias do dono foi dar-lhe o seu próprio nome; mas, explicava-o por dois motivos, um doutrinário, outro
particular.

Literatura 87
– Desde que Humanitas, segundo a minha doutrina, é o princípio da vida e reside em toda a parte, existe
também no cão, e este pode assim receber um nome de gente, seja cristão ou muçulmano...
– Bem, mas por que não lhe deu antes o nome de Bernardo? – disse Rubião com o pensamento em um
rival político da localidade.
– Esse agora é o motivo particular. Se eu morrer antes, como presumo, sobreviverei no nome do meu
bom cachorro.
ASSIS, Machado de. Quincas Borba, cap. V.

Texto II
A nós, brasileiros, com efeito, cão aparece como o termo tradicional da língua literária; é o termo clássico,
consagrado, que sabemos único e normal no habitat linguístico europeu. O seu emprego traduz, nessas condi-
ções, uma preocupação de enobrecimento de estilo, uma intenção de dar cunho científico ou literário à frase.
Presta-se consequentemente, ainda, para exprimir os sentimentos fortes de ódio ou desprezo, que sempre
tiveram para os homens um quê de poético. Caracteriza a frase elevada, científica, empolgante ou veemente.
Cachorro é, ao contrário, sentido como brasileirismo na sua equivalência significativa com cão. É o ter-
mo familiar, o que primeiro conhecemos em criança, o que aprendemos a balbuciar para designar o animal
do nosso meio doméstico, com que pulávamos e corríamos. Daí uma tonalidade emotiva com que não raro
caracteriza a frase.
CÂMARA Jr., J. Mattoso. Ensaios machadianos – Língua e estilo. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1962. p. 13.

É possível aplicar a distinção feita no texto II entre os termos cão e cachorro e as falas do filósofo Quincas
Borba no texto I? Justifique sua resposta.
Sim. Em sua primeira fala, o filósofo se utiliza da expressão cão para designar mais propriamente a espécie, o que é
coerente com a motivação que expressa ali, da identidade entre as espécies professada pelo Humanitismo. Já na segunda
fala, Quincas se utiliza do termo cachorro, para realçar a relação de afetividade que mantém com o animal, o que se
coaduna melhor com a intenção de sobreviver nele, o seu “bom cachorro”.

5 Rubião interrompeu as reflexões para ler ainda a notícia. Que era bem escrita, era. Trechos havia que releu
com muita satisfação. O diabo do homem parecia ter assistido à cena. Que narração! que viveza de estilo!
Alguns pontos estavam acrescentados, – confusão de memória, – mas o acréscimo não ficava mal. E certo
orgulho que lhe notou ao repetir-lhe o nome? “O nosso amigo, o nosso distintíssimo amigo, o nosso valente
amigo...”
ASSIS, Machado de. Quincas Borba, cap. LXVII.

No trecho, Rubião reage a uma notícia de jornal escrita por seu amigo Camacho, que informava a respeito
de uma atitude que tivera, ao salvar um menino de ser atropelado.

a) No trecho, qual o sentido da expressão “acrescentados”?


No trecho, “acrescentados” quer dizer “aumentados”, isto é, a ação heroica de Rubião aparece na notícia ainda maior do que
foi de fato.

b) Rubião atribui esses pontos “acrescentados” a uma “confusão de memória” do autor da notícia. Contudo,
a narrativa indica outro motivo para essa “confusão”. Qual é esse motivo?
O motivo mais forte seria a intenção de Camacho de bajular o amigo rico, para, com isso, obter dele favores financeiros.

88 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


6

Apenas separados, deu-se em ambos um contraste.


Rubião, na rua, voltou a cabeça para todos os lados, a realidade apossava-se dele e o delírio esvaía-se.
Andava, estacava diante de uma loja, atravessava a rua, detinha um conhecido, pedia-lhe notícias e opiniões;
esforço inconsciente para sacudir de si a personalidade emprestada.
Ao contrário, Sofia, passado o susto e o espanto, mergulhou no devaneio; todas as referências e histórias
mentirosas de Rubião como que lhe davam saudades, – saudades de quê? – “saudades do céu”, que é o que
dizia o Padre Bernardes do sentimento de um bom cristão. Nomes diversos relampejavam no azul daquela
possibilidade. Quanto pormenor interessante! Sofia reconstruiu a caleça velha, onde entrou rápida, donde
desceu trêmula, para esgueirar-se pelo corredor dentro, subir a escada, e achar um homem, – que lhe disse
os mimos mais apetitosos deste mundo, e os repetiu agora, ao pé dela, no carro; mas não era, não podia ser
o Rubião. Quem seria? Nomes diversos relampejavam no azul daquela possibilidade.
ASSIS, Machado de. Quincas Borba, cap. CLIV.

A expressão azul daquela possibilidade, usada no trecho, faz alusão a que circunstâncias da narrativa?
No trecho, Sofia experimenta pensamentos adúlteros, imaginando que poderia corresponder aos galanteios que recebia,
por vezes de forma declarada, como no caso de Carlos Maria, ou de maneira mais velada, por todos aqueles que admiravam
a sua beleza.

Agora, pai, comendador, proprietário, eu tinha uma compreensão mais positiva da vida; e sentia bem que fora
esbulhado dos contos de G. Godinho simplesmente por me ter faltado no oratório da Titi – a coragem de afirmar!
Sim! Quando em vez de uma coroa de martírio aparecera, sobre o altar da Titi, uma camisa de pecado –
eu deveria ter gritado, com segurança: “Eis aí a relíquia! Quis fazer a surpresa... Não é a coroa de espinhos.
É melhor! É a camisa de Santa Maria Madalena!... Deu-ma ela no deserto...”
E logo o provava com esse papel, escrito em letra perfeita: Ao meu portuguesinho valente, pelo muito que
gozamos... Era essa a carta em que a santa me ofertava a sua camisa. Lá brilhavam as suas iniciais – M. M.!
Lá destacava essa clara, evidente confissão – “o muito que gozamos”; o muito que eu gozara em mandar à
santa as minhas orações para o céu, o muito que a santa gozara no céu em receber as minhas orações!
[...]
E tudo isto perdera! Por quê? Porque houve um momento em que me faltou esse descarado heroísmo
de afirmar, que, batendo na terra com pé forte, ou palidamente elevando os olhos ao céu – cria, através da
universal ilusão, ciências e religiões.
QUEIRÓS, E. A relíquia. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 346-348.

a) Explique o sentido que a expressão “descarado heroísmo de afirmar” assume, no contexto em que é
utilizada pelo narrador.
A expressão descarado heroísmo de afirmar alude à falta de pudor em mentir, atitude que Teodorico poderia ter tomado,
para garantir o recebimento da herança da tia rica. No contexto do romance, assume conotação irônica, na medida em que
encerra a moral pouco elevada de que a reafirmação da mentira pode conduzir à felicidade.

Literatura 89
b) Que relação se pode estabelecer entre o duplo sentido das iniciais “M. M.” e a vida pessoal de Teodorico
Raposo?
As iniciais “M. M.” se referem a Miss Mary, amante de Teodorico durante sua viagem pelo Oriente; a sugestão de se tratar
de “Maria Madalena” é do próprio Teodorico, que, com essa justificativa, imagina que poderia ter se livrado da punição da
tia rica. Os dois sentidos das iniciais revelam a dupla face de Teodorico: a referência à personagem bíblica alude à sua face
aparente, que ele queria fazer crer que era devota; já a referência a Miss Mary indica a verdadeira essência de Teodorico,
sensual e pecador.

8
[...] Numa sala forrada de papel escuro, encontramos uma senhora muito alta, muito seca, vestida de preto,
com um grilhão de ouro no peito; um lenço roxo, amarrado no queixo, caía-lhe num bioco lúgubre sobre a
testa; e no fundo dessa sombra, negrejavam dois óculos defumados. Por trás dela, na parede, uma imagem
de Nossa Senhora das Dores olhava para mim, com o peito trespassado de espadas.
QUEIRÓS, E. A relíquia. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 58.

a) Tendo ficado órfão na infância, o narrador de A relíquia, Teodorico, fora viver com uma tia. O trecho trans-
crito mostra a primeira impressão que a mulher causou no sobrinho. Aqui, já se podem perceber dois dos
principais traços que definiriam a conduta da tia, ao longo da narrativa. Indique esses dois traços.
Os dois traços que definem a conduta da “tia Patrocínio” ao longo da narrativa são: a riqueza e a exacerbação religiosa.

b) Justifique sua resposta, com elementos do texto.


A riqueza de D. Patrocínio é indicada no ornamento que traz no peito, um “grilhão de ouro”; já sua religiosidade é explicitada
na “imagem de Nossa Senhora das Dores” que enfeita o ambiente.

9 Depois de se ver desprovido dos bens que pretendia herdar da tia rica, Teodorico Raposo, protagonista de
A relíquia, hospedou-se em um quarto humilde. Ali tem uma estranha visão: a imagem de Cristo sai de um
caixilho e se dirige a ele:
– Eu não sei quem fez essa troca dos teus embrulhos, picaresca e terrível; talvez ninguém; talvez tu
mesmo! Os teus tédios de deserdado não provêm dessa mudança de espinhos em rendas; mas de viveres
duas vidas, uma verdadeira e de iniquidade, outra fingida e de santidade. Desde que contraditoriamente
eras do lado direito o devoto Raposo e do lado esquerdo o obsceno Raposo – não poderias seguir muito
tempo, junto da Titi, mostrando só o lado, vestido de casimiras de domingo, onde resplandecia a virtude;
um dia fatalmente chegaria em que ela, espantada, visse o lado despido e natural onde negrejavam as
máculas do vício... E aí está por que eu aludo, Teodorico, à inutilidade da hipocrisia.
QUEIRÓS, E. A relíquia. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 338-339.

a) Explique o uso das expressões picaresca e terrível para se referir à “troca de embrulhos”.
A expressão “picaresca” significa ardilosa, ridícula, o que alude ao humor burlesco da troca de embrulhos: em vez da coroa
de espinhos piedosa e cristã com que pretendia presentear a tia, Teodorico acabou por entregar-lhe as roupas íntimas de
uma mulher, uma impiedade aos olhos da parenta. A troca teria sido “terrível” tanto pelas consequências funestas que
trouxe para Teodorico, quanto pela revelação de seu comportamento condenável.

90 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


b) Localize no texto expressões que justifiquem a acusação de hipocrisia lançada a Teodorico. Por que essa
hipocrisia revelou ser uma inutilidade?
A acusação de hipocrisia lançada a Teodorico se justifica na medida em que ele vivera uma existência dupla: uma vida
“verdadeira e de iniquidade” e “outra fingida e de santidade”, responsável pelos “dois lados” que ele sempre apresentou:
“o devoto Raposo” e o “obsceno Raposo”. A hipocrisia acabou por ser inútil porque a farsa foi descoberta, e ele, deserdado
pela tia rica.

EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

1
Que és terra, homem, e em terra hás de tornar-te,
Te lembra hoje Deus por sua Igreja;
De pó te faz espelho, em que se veja
A vil matéria, de que quis formar-te.

Lembra-te Deus, que és pó para humilhar-te,


E como o teu baixel sempre fraqueja
Nos mares da vaidade, onde peleja,
Te põe à vista a terra, onde salvar-te.

Alerta, alerta pois, que o vento berra,


E se assopra a vaidade, e incha o pano,
Na proa a terra tens, amaina1 e ferra2.

Todo o lenho mortal, baixel humano


Se busca a salvação, tome hoje terra,
Que a terra de hoje é porto soberano.
MATOS, Gregório de. Poemas Escolhidos de Gregório de Matos. São Paulo: Cia das Letras, 2018. p. 328.

1
branda.
2
segura, firme. A expressão está ligada à expressão náutica “lançar ferro”, ou seja, lançar âncora.

a) Considerando a relação do soneto com o contexto cultural seiscentista, qual sentido assumem os termos
baixel e mares?

b) Explicite ao menos dois sentidos que podem ser depreendidos do vocábulo “terra”.

2
1
Uma cidade tão nobre,
uma gente tão honrada
veja-se um dia louvada
desde o mais rico ao mais pobre:

Literatura 91
Cada pessoa o seu cobre,
mas se o diabo me atiça,
que indo a fazer-lhe justiça,
algum saia a justiçar,
não me poderão negar,
que por direito, e por Lei
esta é a justiça, que manda El-Rei.

O Clérigo julgador,
que as causas julga sem pejo,
não reparando, que eu vejo,
que erra a lei, e erra o doutor:
quando veem de Monsenhor
a sentença revogada
por saber que foi comprada
pelo jimbo1 ou pelo abraço,
responde o Juiz madraço2,
minha honra é minha lei:
esta é a justiça, que manda El-Rei.
MATOS, Gregório de. Poemas Escolhidos de Gregório de Matos. São Paulo: Cia das Letras, 2018. p. 97-99.
1
dinheiro.
2
preguiçoso, vadio.

a) Considerando o caráter do gênero satírico, identifique qual é, segundo o texto, a função social da poesia.

b) O tratamento dispensado ao “clérigo julgador” contrasta com o que é dominante no conjunto da poesia
satírica de Gregório de Matos em relação à sociedade baiana seiscentista? Explique sucintamente.

3 O romance Quincas Borba, de Machado de Assis, foi originalmente publicado em folhetins, na revista
A Estação, do Rio de Janeiro. A respeito dessa publicação, afirma uma pesquisadora:

[...] Cada número, com seu caderno de moda e seção literária, pode ser visto como um único texto de
autoria múltipla. Tinha-se no campo de visão a continuação da narrativa seriada e outros elementos textuais
e iconográficos, todos amarrados pelo mesmo princípio editorial. Eu levanto a hipótese de que o leitor do
folhetim, predominantemente feminino, estava mais propenso a ligar imediatamente a trama de Quincas
Borba à moda, assunto principal de A Estação. Deve-se esclarecer aqui que a moda não se aplica somente às
tendências predominantes na indumentária e em seus acessórios durante um certo período e que vão sendo
substituídas por novos estilos em um ritmo ditado, às vezes, pela própria alternância das estações do ano.
Abrange também outros setores da atividade social, como o lazer (incluindo a leitura), a voga dos bairros habi-
tacionais de prestígio e as profissões em alta. [...] a revista A Estação não somente cultua a moda, mas também
os hábitos da elite, entre eles a filantropia, os quais, por sua vez, também são imitados pelas personagens
de Quincas Borba que ambicionam a ascensão social ou tentam a todo custo manter-se no mesmo patamar.
SILVA, Ana Cláudia Suriani. Machado de Assis – do folhetim ao livro. São Paulo: nVersos, 2015. p. 19.

92 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Como se pode notar, a autora estabelece uma relação entre os temas abordados pela revista A Estação e a
trama de Quincas Borba. Uma das personagens do romance exemplifica os setores da atividade social citados
no texto. De que personagem se trata? Como essa personagem se associa a tais setores?

4 O trecho a seguir reproduz um diálogo travado entre o Major Siqueira e sua filha, Dona Tonica.

– Sabe de uma coisa, papai? Papai compra amanhã latas de conserva, ervilha, peixe, etc., e ficam guarda-
das. No dia em que ele aparecer para jantar, põe-se no fogo, é só aquecer, e daremos um jantarzinho melhor.

– Mas eu só tenho o dinheiro do teu vestido.

– O meu vestido? Compra-se no mês que vem, ou no outro. Eu espero.

– Mas não ficou ajustado?

– Desajusta-se; eu espero.

– E se não houver outro do mesmo preço?

– Há de haver; eu espero, papai.


ASSIS, Machado de. Quincas Borba, cap. CXXXII.

No trecho, Tonica repete uma expressão com insistência. Aponte essa expressão e indique a relação entre
ela e a personagem.

Fomos, ao alvorecer, com os alforjes1 fornidos2, fazer essa votiva3 romaria. Era então em dezembro; esse
inverno da Síria ia transparentemente doce; e trotando pela areia fina ao meu lado, o erudito Topsius contava-
-me como esta planície de Canaã fora outrora toda coberta de rumorosas cidades, de brancos caminhos entre
vinhedos, e de águas de rega4 refrescando os muros das eiras5; as mulheres, toucadas de anêmonas6, pisavam
a uva cantando; o perfume dos jardins era mais grato ao céu que o incenso; e as caravanas que entravam
no vale pelo lado de Ségor achavam aqui a abundância do rico Egito – e diziam que era este em verdade o
vergel7 do Senhor.

– Depois – acrescentava Topsius sorrindo com infinito sarcasmo – um dia o Altíssimo aborreceu-se e
arrasou tudo!

– Mas por quê? Por quê?

– Birra; mau humor; ferocidade...


QUEIRÓS, E. A relíquia. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 160-161.
1
alforjes: bolsas.
2
fornidos: cheios, encorpados.
3
votiva: que se oferece como cumprimento de promessa.
4
rega: chuva.
5
eiras: locais de preparo de cereais e legumes.
6
anêmonas: espécie de erva medicinal.
7
vergel: jardim.

Explique a ironia religiosa presente no trecho.

Literatura 93
Angústia - Romanceiro da Inconfidência -
TEMA 2 Claro Enigma

EXERCÍCIOS

1
Não há meios-tons. Graciliano Ramos, tanto na obra fictícia quanto na autobiográfica, é um negador
pertinaz dos valores da sociedade e das normas decorrentes.
CANDIDO, Antonio. Ficção e confissão. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. p. 61.

a) De que maneira o personagem Luís da Silva manifesta a negação “dos valores da sociedade e das normas
decorrentes”?
Luís da Silva critica valores normalmente apreciados na sociedade, tais como prestígio social, beleza, sucesso e posse
de bens materiais. Vive de maneira solitária, expressando sua amargura em textos autobiográficos. Todo o seu rancor se
direciona para a figura de Julião Tavares, homem rico que conquista Marina, a noiva do narrador. Por conta disso, Luís da
Silva concretiza todo o seu ódio assassinando Julião.

b) É possível relacionar a afirmação crítica com as avaliações que Luís da Silva faz sobre si mesmo no romance
Angústia? Explique.
Sim. Da mesma maneira que o narrador observa a realidade ao seu redor de maneira crítica, ele alimenta a respeito de si
mesmo uma profunda insatisfação, carregada de pessimismo e sensação de inutilidade.

2
A criatura faminta da Rua da Lama, seu Ivo, Moisés, a menina dos olhos agateados, tudo isto me passava
pelo espírito sem se fixar. Um tropel, depois nada. O que ficava era aquela gordura que se derramava pelas
paredes. Às vezes eu estava certo de que Julião Tavares se tinha calado, mas a voz não deixava de perseguir-
-me. Mexia-me, tossia. E olhava com insistência o cano que se estirava ao pé da parede, como uma corda.
RAMOS, Graciliano. Angústia. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2000. p. 95.

a) À determinada altura da narrativa de Angústia, tornam-se relativamente frequentes referências a cordas.


Consideradas no contexto da obra, a que estão relacionadas essas referências?
A constante referência a cordas está relacionada ao impulso de matar Julião Tavares enforcado.

b) O que explica as opiniões do narrador acerca da figura de Julião Tavares?


As opiniões negativas sobre Julião Tavares são baseadas tanto na aversão de Luís da Silva a pessoas “bem-sucedidas”
quanto na relação que Julião Tavares passa a ter com Marina, a noiva do narrador.

3 (Fuvest-SP)
— (...) Nunca se acaba a dignidade da gente, d. Adélia. A gente é molambo sujo de pus e rola nos monturos
com outras porcarias, mas recorda-se do tempo em que estava na peça, antes de servir. D. Adélia se lembra
das flores de laranjeira que lhe enfeitavam a cabeça bonita. Tantas esperanças! Hoje é essa miséria que se
vê. Fizeram da senhora uma bola de bilhar, uma coisa que vai para onde a empurram. Entretanto a senhora
dançava como carrapeta, e seu Ramalho estava contente.
Marina continuava a chorar. D. Adélia queixava-se baixinho. Eu tinha vontade de chorar também, condoía-
-me da sorte das duas mulheres e da minha própria sorte.
Graciliano Ramos. Angústia. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2000. p. 95.

94 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


a) Em Angústia, cenas que causam asco ou repulsa são pontuais, como no excerto acima, ou continuam a
ocorrer ao longo do romance? Explique resumidamente.
O emprego dessas cenas não é pontual; estão presentes em outros momentos da obra. É o caso, por exemplo, da menção aos
ratos que viviam nos armários de Luís da Silva.

b) A trajetória de degradação de d. Adélia, referida por Luís da Silva, encontra similaridade com outras tra-
jetórias narradas da obra? Explique resumidamente.
Sim. Em Angústia são apresentadas algumas trajetórias de degradação moral e de decadência. É o caso, por exemplo, da
trajetória do próprio Luís da Silva (que se tornou um assassino) e da própria Marina, que se viu abandonada, grávida, por Julião
Tavares.

4
Romance XX ou Do país da Arcádia
(...)
O país da Arcádia
jaz dentro de um leque:
sob mil grinaldas,
verde-azul floresce.
Por ele resvala,
resvala e se perde,
a aérea palavra
que o zéfiro escreve.
A luz é sem data.
Nomes aparecem
nas fitas que esvoaçam:
Marília, Glauceste,
Dirceu, Nise, Anarda...
– o bosque estremece:
nos arroios, claras
ovelhinhas bebem.
Sanfonas e frautas
suspiros repetem.

O país da Arcádia,
súbito, escurece,
em nuvem de lágrimas.
Acabou-se a alegre
pastoral dourada:
pelas nuvens baixas,
a tormenta cresce.

Literatura 95
(O tempo é indelével,
mas não há mais nada.
Em cinza adormece
a festa de nácar,
o assomo celeste
do país da Arcádia,
no partido leque...)
Cecília Meireles. Romanceiro da Inconfidência. São Paulo: Global, 2015. p. 70-71.

a) Identifique no excerto as referências a formas de expressão típicas da estética árcade.


O trecho menciona formas típicas da expressão poética árcade, tais como: “zéfiros” (figura da mitologia grega); “Marília,
Glauceste,/ Dirceu, Nise, Anarda...” (codinomes empregados com frequência pelos poetas desta estética); “arroios”, “ovelhinhas”,
“sanfonas”, “frautas” (referências típicas do pastoralismo árcade).

b) Considerando os eventos trabalhados no Romanceiro da Inconfidência, como explicar a súbita alteração


da paisagem mencionada no poema?
A súbita mudança na paisagem está relacionada aos eventos da Inconfidência Mineira, movimento político que contou com a
participação ativa de alguns poetas árcades. O cenário bucólico, típico locus amoenus, é contrastado com escuridão e nuvens de
lágrimas, imagens que podem ser relacionadas à dura opressão desencadeada pelo Estado português sobre os inconfidentes.

5
Cenário
(...)
Tudo em redor é tanta coisa e é nada:
Nise, Anarda, Marília... – quem procuro?
Quem responde a essa póstuma chamada?

Que mensageiro chega, humilde e obscuro?


Que cartas se abrem? Quem reza ou pragueja?
Quem foge? Entre que sombras me aventuro?

Quem soube cada santo em cada igreja?


A memória é também pálida e morta
sobre a qual nosso amor saudoso adeja.

96 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


O passado não abre a sua porta
e não pode entender a nossa pena.
Mas, nos campos sem fim que o sonho corta,

vejo uma forma no ar subir serena:


vaga forma, do tempo desprendida.
É a mão do Alferes, que de longe acena.

Eloquência da simples despedida:


“Adeus! que trabalhar vou para todos!...”

(Esse adeus estremece a minha vida.)


Cecília Meireles. Romanceiro da Inconfidência. São Paulo: Global, 2015. p. 22.

a) Levando-se em conta o conjunto de poemas do Romanceiro da Inconfidência, a quem o enunciador pode


ser relacionado?
O trecho é narrador por uma voz que não se identifica e que pode ser associada à própria Cecília Meireles, autora dos versos.
Essa voz comenta vários poemas do Romanceiro, atribuindo valor às ações dos personagens e fazendo considerações morais.

b) Quem é o Alferes mencionado no trecho? Pode-se dizer que as intenções que ele exterioriza em discurso
direto estão em consonância com construção de sua figura no decorrer da obra? Justifique.
O alferes mencionado no texto é Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. A fala em primeira pessoa está em consonância
com o tratamento dado a Tiradentes pelo Romanceiro, que o eleva à condição de herói.

Romance XXXI ou De mais tropeiros

(...)
Por aqui passava um homem
– e como o povo se ria! –
“Liberdade ainda que tarde”
nos prometia.

E cavalgava o machinho.
E a marcha era tão segura
que uns diziam: “Que coragem!”
E outros: “Que loucura!”

Literatura 97
Lá se foi por esses montes
o homem de olhos espantados,
a derramar esperanças
por todos os lados.
Cecília Meireles. Romanceiro da Inconfidência. São Paulo: Global, 2015. p. 100.

a) Explique por que as atitudes de Tiradentes foram consideradas como “coragem”, como “loucura” e, ainda,
como propagadoras de esperança.
As falas foram consideradas manifestação de coragem pelo fato de contrariarem as rígidas determinações coloniais da Coroa
portuguesa. Por esse mesmo motivo foram consideradas loucura, na medida em que poderiam acarretar duro castigo a quem as
proferia. Por fim, apesar de temerárias, as palavras semearam a esperança de que os brasileiros poderiam ter uma vida melhor
depois do movimento da Inconfidência.

b) O registro da opinião da população é um evento raro no conjunto do Romanceiro da Inconfidência. Você


concorda com essa afirmação? Justifique a sua resposta.
Não. Em vários poemas registra-se o vozerio da população acerca dos eventos relacionados à inconfidência. Dessa forma, o
Romanceiro explora a polifonia, dando voz a várias opiniões correntes no contexto dos eventos registrados na obra.

7 (Fuvest-SP)

O amor elide a face... Ele murmura


algo que foge e é brisa e fala impura.

O amor não nos explica. E nada basta,


nada é de natureza assim tão casta

que não macule ou perca a sua essência


ao contato furioso da existência.

Nem existir é mais que um exercício


de pesquisar de vida um vago indício,

a provar a nós mesmos que, vivendo,


estamos para doer, estamos doendo.

Mas, na dourada praça do Rosário,


foi-se, no som, a sombra. O columbário

já cinza se concentra, pó de tumbas,


já se permite azul, risco de pombas.
ANDRADE, C. D. Claro Enigma. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 110.

a) Pode-se considerar que as estrofes do poema “Relógio do Rosário” manifestam uma visão pessimista da
existência? Justifique a sua resposta.
Sim. Versos como “a provar a nós mesmos que, vivendo,/ estamos para doer, estamos doendo.” revelam uma visão
pessimista.

98 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


b) O poema de Drummond explora as características formais que consagraram a poesia do Modernismo de
1922? Justifique a sua resposta.
Não. Neste texto o autor se utiliza de versos decassílabos organizados em tercetos. Os pressupostos do Modernismo se
relacionam com versos livres e espontaneidade da linguagem.

8
Sobre a cidade concentro
o olhar experimentado,
esse agudo olhar afiado
de quem é douto no assunto.
(Quantos perdi me ensinaram.)
Vejo a coisa pegajosa,
vai circunvoando na calma.

Não basta ver morte de homem


para conhecê-la bem.
Mil outras brotam em nós,
à nossa roda, no chão.
A morte baixou dos ermos,
gavião molhado. Seu bico
vai lavrando o paredão

e dissolvendo a cidade.
Sobre a ponte, sobre a pedra,
sobre a cambraia de Nize,
uma colcha de neblina
(já não é a chuva forte)
me conta por que mistério
o amor se banha na morte
ANDRADE, C. D. Claro enigma.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 71.

a) Na primeira estrofe transcrita, o eu lírico se refere a si mesmo como “douto no assunto”. De que assunto
se trata? Cite o verso do poema que justifique sua opinião.
A expressão “douto” significa sábio, conhecedor. No texto, o eu lírico se coloca como alguém acostumado ao convívio
com a morte, pela experiência da perda de entes queridos. O verso que justifica essa afirmação é: “(Quantos perdi me
ensinaram.)”.

b) O trecho transcrito apresenta um traço formal que se repete em outros poemas do livro, destoando da
orientação da poesia modernista iniciada em 1922. Cite esse traço.
Trata-se da regularidade métrica: os versos do poema têm sete sílabas (redondilha maior).

Literatura 99
c) O último verso do poema apresenta uma imagem pessimista. Esse tipo de imagem é recorrente no livro
do qual foi extraído?
Sim. Em Claro enigma estão presentes várias imagens de caráter pessimista, como se pode notar, por exemplo, na
apresentação da “noite” como metáfora do processo de envelhecimento e morte.

9 O texto I pertence ao poema “A máquina do mundo”, de Carlos Drummond de Andrade. O texto II foi
retirado de uma leitura que o crítico literário Alfredo Bosi faz do mesmo poema. Leia-os para responder
ao que segue.

Texto I
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos


que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo


na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu


para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
ANDRADE, C. D. A máquina do mundo. In: Claro enigma.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 105.

Texto II

[...] o poema lida com o destino. Quanto ao contraste dos tempos, denota uma oposição de relevo semân-
tico: de um lado, a travessia é um contínuo, não finito [...]; de outro, rompe o evento, a inesperada epifania
do mundo, o que é um fato isolado, irreversível [...].
BOSI, A. “A máquina do mundo” – entre o símbolo e a alegoria.
In: Céu, inferno. São Paulo: Ática, 1988. p. 85.

Em seu texto, o crítico aborda o que chama de “contraste dos tempos” no poema de Drummond. Levando
em conta o modo verbal escolhido no poema, responda:

a) Como o poema sugere que “a travessia é um contínuo, não finito”?


A ideia de uma ação que ocorre no passado de forma continuada é reforçada pelo uso do pretérito imperfeito do subjuntivo:
palmilhasse, misturasse, pairassem, fossem.

b) Como o poema explicita o “fato isolado, irreversível” a que se refere o crítico?


O evento é referido pelo tempo verbal do pretérito perfeito do indicativo, que indica fato ocorrido em um momento
passado: entreabriu.

100 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

Texto para a questão 1.


Passeei à toa pelas ruas, parando em frente às vitrinas, com a tentação de destruir os objetos expostos.
As mulheres que ali estavam em pasmaceira, admirando aquelas porcarias, mereciam chicote. Fui ao jornal, li
os telegramas. Eram notícias sem importância, mas julguei perceber nelas graves sintomas de decomposição
social. Estive olhando sem ler os cartazes do cinema, entrei maquinalmente. O porteiro sabe que trabalho
na imprensa e não pediu bilhete de ingresso. Na sala de projeção fiquei de pé, ao fundo, por baixo da cabina,
sem ver a tela. Nunca presto atenção às coisas, não sei para que diabo quero olhos.
RAMOS, Graciliano. Angústia. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2000. p. 78.

a) Que relação pode ser estabelecida, no excerto, entre as imagens apresentadas e o estado mental do
narrador?
b) O estado mental do narrador expressa-se no uso de frases longas, marcadas pela subordinação e pelas
referências eruditas. Você concorda com essa afirmação? Justifique a sua resposta.

2
Chap, chap, chap. Era o vascolejar da água nas garrafas. Líquido se derramava: o homem triste enchia
dornas. D. Adélia tossia no banheiro, espremendo a roupa. E Vitória, na cozinha, cantava: — “Currupaco,
papaco. A mulher do macaco...” Um galo no galinheiro pôs-se a arrastar a asa a uma franga. Eu estava fazendo
ali a mesma coisa, apenas com mais habilidade e mais demora. A franga não aparecia. Quem lá se ligasse
a ela faria negócio mau, seu Ramalho tinha razão. Se ele, que era pai, sustentava opinião assim, imaginem.
Sovaco raspado, unhas cor de sangue e sobrancelhas que eram dois traços. Mulher pelada. Para que diabo
uma pessoa arrancar as sobrancelhas.
RAMOS, Graciliano. Angústia. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2000. p. 57.

a) Explique por que Luís da Silva faz um paralelo entre a sua própria imagem e a de um frango.

b) Identifique o recurso linguístico utilizado nas expressões “Chap, chap, chap” e “Currupaco, papaco”.

3
Romance LXVI ou De outros maldizentes
(...)
– Entre pastores vivia,
à sombra da sua amada.
Ele dizia: “Marília!”
Ela: “Dirceu!” balbuciava...

– Já se ouviu mais tola história?

– Já se viu gente mais parva?

– Hoje não é mais nem sombra


dos amores que sonhava...
Anda longe, a pastorinha...
e agora já não se casa!

Literatura 101
– Tanto amor, tanto desejo...
Desfez-se o fumo da fábula,
que isso de amores de poetas
são tudo aéreas palavras...

– Foi-se a monção da ventura,


chega o barco da desgraça.
Que deixa na fortaleza?
Um par de esporas de prata!

(Ai, línguas de maldizentes,


nos quatro cantos das praças!
Se mais deixasse, diriam
que eram roubos que deixava.
Ai, línguas, que sem fadiga
arquitetais coisas falsas!)
Cecília Meireles. Romanceiro da Inconfidência. São Paulo: Global, 2015. p. 182.

a) As falas antecedidas de travessão comentam sobre um dos inconfidentes. Quem é ele?


b) Indique por que a última estrofe se diferencia das demais.

4
Romance LXXXV ou Do testamento de Marília
(...)
Reparti-vos, reparti-vos,
ouro de tantas cobiças...
(Tanto amor que separastes,
entre injúrias e injustiças!
E agora aqui sois contado
para a piedade das missas!)

Triste pena, triste pena...


Triste Marília que escreve.
Tão longa idade sofrida,
para uma vida tão breve.
Muitas missas... Muitas missas..
(Que a terra lhe seja leve.)
Cecília Meireles. Romanceiro da Inconfidência. São Paulo: Global, 2015. p. 234-235.

102 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


a) Explique a oposição dos versos “tão longa idade sofrida,/ para uma vida tão breve”, considerando a tra-
jetória da personagem no Romanceiro da Inconfidência.

b) Tomando como referência o conjunto de poemas do Romanceiro da Inconfidência, compare resumida-


mente as trajetórias de Marília e de Chica da Silva.

5 Os dois trechos a seguir foram retirados de poemas de Carlos Drummond de Andrade. Leia-os e responda
à questão.
Texto I
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
ANDRADE, C. D. No meio do caminho. In: Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p. 15.

Texto II
De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia no meio do caminho.
ANDRADE, C. D. Legado. In: Claro enigma. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 19.

Entre os dois textos, existem diferenças formais consideráveis. Aponte-as.

6 Leia o texto e atenda ao que se pede.


A máquina do mundo
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos


que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo


na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu


para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia1.
[...]
ANDRADE, C. D. Claro enigma.
1
carpir-se: lamentar-se.

a) O ponto de vista do eu lírico em relação à “máquina do mundo” ilustra as principais características de


Claro enigma? Justifique.
b) Transcreva o verso que sintetiza o evento sublime de que trata o texto.

Literatura 103
TEMA 3 Campo Geral – Nove Noites – Mayombe

EXERCÍCIOS

“Mãitina gostava dele, por certo, tinha gostado, muito, uma vez, fazia tempo, tempo. Miguilim agora tirava
isso, da deslembra, como as memórias se desentendem. Ocasião, Mãitina sempre ficava cozinhando coisas,
tantas horas, no tacho grande, aquele tacho preto, assentado na trempe de pedras soltas, lá no cômodo pegado
com a casa, o puxado, onde que era a moradia dela – uma rebaixa, em que depois tinham levantado paredes:
o acrescente, como se chamava. Lá era sem luz, mesmo de dia quase só as labaredas mal alumiavam.”
ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim: (Corpo de baile). 11.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 61.

a) A descrição do ambiente em que Mãitina vive revela aspectos significativos da personagem. Que aspectos
são esses e o que é revelado sobre Mãitina?
Mãitina é uma velha negra, antiga escrava, sempre às voltas com seus rituais de origem africana. Aspectos do ambiente descrito
como “tacho preto, assentado na trempe de pedras soltas” estão em acordo com a ação da personagem de cozinhar durante
várias horas em um “tacho grande”, e contribuem com a caracterização de Mãitina como uma espécie de empregada da casa
com ares de feiticeira. Outro elemento que reforça essa atmosfera é o fato de o local ter pouca iluminação – “Lá era sem luz,
mesmo de dia quase só as labaredas mal alumiavam.” No fragmento, a impressão que se tem é que Mãitina ocupava um tipo
de caverna “lá no cômodo pegado com a casa, o puxado”(...) “uma rebaixa, em que depois tinham levantado paredes” e se
comportava de forma misteriosa.

b) Qual é a relação entre Miguilim e Mãitina? Explique.


Miguilim se sentia seguro ao lado de Mãitina, por quem tinha admiração e carinho. Ela também manifestava muito afeto pelo
menino. Em alguns momentos, o colocava no colo e o protegia dos irmãos quando brigavam com ele, xingando a todos e dizia
que só ele era bonzinho. É nela que Miguilim vai buscar consolo e amparo quando percebe a gravidade do estado de saúde de
Dito e a proximidade da morte do irmão.

2
“O Liovaldo era malino. Vinha com aquelas mesmas conversas do Patorí, mas mesmo piores. – “Miguilim,
você precisa de mostrar sua pombinha à Rosa, à Maria Pretinha, quando não tiver ninguém perto...” Miguilim
não respondia. Então o Liovaldo dizia um feitiço que sabia, para fazer qualquer mulher ou menina consentir:
que era só a gente apanhar um tiquinho de terra molhada com a urina dela, e prender numa cabacinha, junto
com três formigas-cabeçudas.”
ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim: (Corpo de baile). 11.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 133.

a) Liovaldo era um irmão mais velho de Miguilim. Qual é a relação mantida entre os dois ao longo da novela?
Liovaldo não vive na mesma casa que Miguilim, seus pais e irmãos. A relação entre os dois não é próxima e, quando Liovaldo vai
morar com ele durante um período de quinze dias – em uma visita estendida de pêsames pela morte do Dito –, fica ainda pior.
Miguilim evita as conversas maliciosas que Liovaldo insistia em manter com o irmão mais novo e chega a brigar fisicamente com
ele quando o vê agredindo um menino pobre e pequeno, o Grivo, que trabalhava para ajudar a mãe viúva. Essa briga fez com
que o pai de Miguilim o castigasse com uma surra.

b) No fragmento, Liovaldo quer ensinar algo a Miguilim e é comparado pelo protagonista a outro persona-
gem. Identifique quem é ele e o que ambos representam na narrativa?
As conversas e “ensinamentos” de Liovaldo eram insistentemente maliciosos. Outro personagem com o comportamento
semelhante é Patori, menino que é filho do curandeiro Seu Deográcias e que quer contar a Miguilim coisas que este considera
imorais, dentre elas como nascem as crianças.

104 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


3
“Com taquara e cana-de-flecha, Luisaltino ensinou a fazer gaiolas. O Dito logo aprendeu, fazia muito bem
feitinhas, ele tinha jeito nas mãos para aprender. As gaiolas estavam vazias, sanhaço e sabiá do peito vermelho
não cantavam presos e o gaturaminho se prendesse morria: mas Luisaltino falou que com visgo e alçapão mais
tarde iam pegar passarim de bom cantar: patativo, papa-capim, encontro. Luisaltino conversava sozinho com
Mãe. O Dito escutou. – ‘Miguilim, Luisaltino está conversando com Mãe que ele conhece Tio Terêz...’ Mas
Miguilim desses assuntos desgostava. De certo que ele não achava defeito nenhum em Luisaltino.”
ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim: (Corpo de baile). 11.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 102.

a) Luisaltino ensinou Dito a fazer gaiolas que se tornam um importante símbolo quando, mais adiante na
narrativa, são quebradas pelo pai de Miguilim. De que símbolo se trata e como se percebe isso?
A destruição das gaiolas e libertação dos pássaros pelo pai de Miguilim é imediatamente anterior à atitude radical do menino de
juntar todos os seus brinquedos e quebrá-los, o que pode ser considerado um ritual de abandono da infância pelo protagonista.
As gaiolas podem ser símbolos do universo particular e subjetivo de Miguilim, que se sente impelido a destruir outros traços de
ludicidade de seu mundo infantil, quanto as tem quebradas pelo pai.

b) Por que Miguilim não gostava da conversa de Luisaltino com sua mãe? Explique.
A mãe de Miguilim parecia muito próxima de Luisaltino, mais do que Miguilim desejaria. Considerando a relação adúltera que
Nhanina já havia mantido com Tio Terêz, há a sugestão de que Miguilim sofre ao imaginar que a mãe e Luisaltino pudessem
começar também a se relacionar e as consequências que esse fato poderia ter sobre a família.

4
Isto é para quando você vier e sentir o temor de continuar procurando, mesmo já tendo ido longe demais.
Ele deve ter lhe falado dos portos que visitou, do que viu pelo mundo, sempre um pouco mais além numa
busca sem fim e circular, e do que trouxe para casa, não os objetos que passaram a assombrar a mãe depois
da sua morte, mas o que lhe marcou os olhos para sempre, deixando-lhe aquela expressão que ele tentava dis-
farçar em vão e que eu apreendi quando chegou a Carolina na distração do seu cansaço, os olhos que traziam
o que ele tinha visto pelo mundo, a morte de um ladrão a chibatadas numa cidade da Arábia, o terror de um
menino operado pelo próprio pai, a entrega dos que lhe pediam que os levasse com ele, para onde quer que
fosse, como se dele esperassem a salvação. Ele me disse que ninguém pode imaginar a tristeza e o horror de
ser tomado como salvação por quem prefere se entregar sem defesas ao primeiro que aparece, quem sabe um
predador, a ter que continuar onde está. E eu imaginei.
CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 42.

a) Nesse fragmento da carta de Manoel Perna, o enunciador se refere a Buell Quain, mas há um trecho em
que seu discurso assume um tom impessoal. Transcreva esse trecho.
O trecho em questão é: “ninguém pode imaginar a tristeza e o horror de ser tomado como salvação por quem prefere se entregar
sem defesas ao primeiro que aparece, quem sabe um predador, a ter que continuar onde está”.

b) A impessoalidade permite relacioná-lo com outros sujeitos, além de Quain. Relacione-o com o emissor e
com o destinatário da carta.
A relação de Manoel Perna e Buell Quain é cercada de mistérios, mas há a sugestão de grande intimidade. Para Perna, Quain
representou a oportunidade de “se entregar sem reservas ao primeiro que aparece”. O destinatário da carta é um amigo do
antropólogo, com quem ele também teria mantido uma relação íntima: cada um deles representou, para o outro, a “salvação”
para a experimentação dos próprios desejos.

5 Em certo trecho de Nove noites, o narrador fornece ao leitor uma informação que parece deslocada do eixo
central da narrativa, fundado na investigação em torno da morte de Buell Quain. A informação diz respeito
à data de chegada do antropólogo ao Brasil.

Literatura 105
[...] Chegou ao Rio de Janeiro às vésperas do Carnaval de 1938 e se hospedou numa pensão da rua do
Riachuelo, na Lapa. O bairro era conhecido por suas “pensões do amor barato”, como as definiu Luís Martins,
àquela altura célebre cronista do bas-fond e da prostituição carioca. [...] Na mesma época, Banana da terra,
filme em que Carmen Miranda foi imortalizada com bananas na cabeça enquanto cantava “O que é que a
baiana tem?”, entrou em cartaz no cine Metro-Passeio, no centro da cidade. O filme inspirou os foliões, que
saíram às ruas da Lapa, em blocos, travestidos de baianas, com a cabeça coberta de frutas. Ainda no Car-
naval de 1938, um dos principais personagens da mitologia local, expoente da malandragem, do crime e da
homossexualidade do bairro, ganhou o concurso do baile do teatro República, próximo à praça Tiradentes,
com uma fantasia de lantejoulas inspirada num morcego do Nordeste, de onde vinha, e daí em diante passou
a ser chamado Madame Satã, por associação ao filme homônimo de Cecil B. DeMille.
CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 121.

a) A referência a Madame Satã funciona como sugestão de um aspecto da personalidade de Buell Quain,
sugerido no livro. De que aspecto se trata?
Trata-se da homossexualidade de Buell Quain.

b) Cite um episódio do romance em que esse aspecto se manifesta.


Em um dos trechos da carta de Manuel Perna, este relata que Buell Quain lhe contara o que acontecera quando de sua chegada
ao Rio de Janeiro. Durante o carnaval, conhecera uma “negra alta e vistosa, fantasiada de enfermeira” e a levou para seu quarto
de hotel. Na manhã seguinte, a enfermeira não estava lá, e no seu lugar havia “um negro forte e nu” (p. 127).

6 Em busca da solução dos mistérios da morte de Buell Quain, o narrador de Nove noites vai até os Estados
Unidos.
A ficção começou no dia em que botei os pés nos Estados Unidos. A edição do The New York Times, de
19 de fevereiro de 2002, que distribuíram a bordo, anunciava as novas estratégias do Pentágono: disseminar
notícias – até mesmo falsas, se preciso – pela mídia internacional; usar todos os meios para “influenciar as
audiências estrangeiras”. Fazia dez meses que eu não voltava a Nova York. A última vez havia sido cinco meses
antes do atentado de 11 de setembro. Não tinha visto a cidade sem as torres.
CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 158-159.

a) O início do trecho evidencia um aspecto fundamental da narrativa de Nove noites. De que aspecto se
trata?
No início do trecho, o narrador informa que “a ficção começou no dia em que botei os pés nos Estados Unidos”, sugerindo que
tudo o que viria depois disso seria invenção literária, isto é, ficção. Essa oscilação entre o verdadeiro e o ficcional é uma das
marcas da narrativa do romance.

b) O trecho revela que o Pentágono americano usou da estratégia de “disseminar notícias – até mesmo
falsas, se preciso” para influenciar o público. Que relação se pode estabelecer entre essa revelação e a
carta escrita por Manuel Perna, transcrita no romance?
Ao longo do romance, o narrador em terceira pessoa alterna sua exposição com trechos em primeira pessoa, que seriam
fragmentos de uma carta escrita por Manuel Perna. No entanto, em certa altura, o narrador revela que a carta fora imaginada por
ele (cf. p. 135). Assim, a carta é um artifício utilizado por ele para “influenciar as audiências”, no caso, o próprio leitor.

7 No romance Mayombe, de Pepetela, Sem Medo é o líder de um grupo de guerrilheiros que luta pela indepen-
dência de Angola, nos anos 1970. Sem Medo recebe da direção do movimento uma ordem para organizar a
resistência em outros pontos do país.

– [...] O teu desejo será realizado, pois se precisa dum Comandante para avançar para lá das regiões
atualmente em guerra. Onde, não sei, isso é segredo militar. Mas é para uma nova Região.

106 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Os olhos de Sem Medo iluminaram-se. Sentiu nas narinas o vento do Planalto que conhecera na sua
juventude. [...].
– Seria o paraíso – sussurrou.
Percorrera isso tudo, em turista, de cima das carreiras de passageiros1, altivo pela visão de cima e pelas suas
pretensões de jovem kaluanda2. O mesmo circuito faria, agora a pé, o lar às costas, caracol empunhando uma
arma, talvez que já não identificado ao vulto do imbondeiro3 majestoso, mas à amoreira do Mayombe, cujas raízes
se entrelaçam com as árvores de teca ou de comunas4, num abraço vital.
PEPETELA. Mayombe. São Paulo: LeYa, 2013. p. 161-162.
1
carreiras de passageiros: ônibus.
2
kaluanda: jovem estudante de Luanda, capital de Angola.
3
imbondeiro: árvore que chega a atingir 20 metros de altura.
4
teca, comuna: sementes de que serviam de alimentos aos guerrilheiros, na floresta do Mayombe.

Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-74Bnv5_9Zvs/TkRDDuac6CI/AAAAAAAABaQ/qKLRpERkRMA/


s1600/Imbondeiro+e+elephant%252C-Tanzania%252Cwikip%25C3%25A9dia.jpg>.

a) No contexto do romance, qual a relação entre a imagem do “imbondeiro majestoso” e a condição de


“jovem kaluanda” de Sem Medo?
O jovem Sem Medo se identifica com o imbondeiro (árvore também conhecida como “baobá”) pelas sua pretensão juvenil
de destacar-se, individualmente, na vida – tal como o imbondeiro se destaca da paisagem. Tal projeto se identificaria, de
alguma forma, com mecanismos de ascensão social típicos da sociedade burguesa.

b) No contexto do romance, qual a relação entre a imagem da “amoreira do Mayombe” e a situação de Sem
Medo como guerrilheiro?
O texto afirma que as raízes da amoreira se entrelaçam a outras árvores – entre as quais a comuna, cujos frutos serviam de
alimento aos guerrilheiros. Essa característica pode ser associada a um projeto coletivista, em que todos são igualmente
importantes. Sem Medo, em sua ação guerrilheira, se identifica com esse projeto.

Literatura 107
8 O romance Mayombe, de Pepetela, narra as aventuras de um grupo de guerrilheiros de Angola. Em certa
passagem, um deles, Muatiânvua, se perde na floresta e o Comandante Sem Medo solicita voluntários para
ir em sua procura. Diante da hesitação dos homens, Sem Medo comenta:
– Ninguém se queria oferecer, porque Muatiânvua é um destribalizado. Fosse ele kikongo ou kimbundo
e logo quatro ou cinco se ofereceriam. Quem foi? Lutamos, que é cabinda, e Ekuikui, que é umbundo. Uns
destribalizados como ele, pois aqui não há outros cabindas ou umbundos... É assim que vamos ganhar a guerra?
PEPETELA. Mayombe. São Paulo: LeYa, 2013. p. 53.

A partir da leitura do trecho, responda:

a) O que constituiria o tribalismo?


O tribalismo corresponde ao sentimento de pertencimento a uma tribo, a um grupo étnico definido.

b) Por que o tribalismo é visto, no romance, como um obstáculo à construção de uma Angola independente?
Em Mayombe, o tribalismo é entendido como um obstáculo à construção de um sentimento nacionalista que fosse capaz de
superar as divisões tribais. Assim, trata-se de ir além das diferenças entre ser kikongo, ser cabinda ou ser umbundo e criar o
sentimento de ser angolano.

9 O trecho a seguir relata um diálogo entre as personagens do Comandante e do dirigente, em Mayombe:


– [...] O teu desejo será realizado, pois se precisa dum Comandante para avançar para lá das regiões
atualmente em guerra. Onde, não sei, isso é segredo militar. Mas é para uma nova Região.
Os olhos de Sem Medo iluminaram-se. [...] Viu Benguela, o antigo armazém de escravos, o quintalão de
engorda dos negros, como bois, esperando o barco para a América. [...] Agora, Benguela não seria o cemitério
antecipado do Novo Mundo, mas a porta aberta para o Mundo novo.
PEPETELA. Mayombe. São Paulo: LeYa, 2013. p. 161.

a) No contexto histórico referido no trecho, o que justifica a afirmação de ter sido Benguela “o cemitério
antecipado do Novo Mundo”?
O porto de Benguela, em Angola, era um dos pontos de embarque de negros para a América. Ali, a violência e os maus-
tratos da escravidão a que seriam submetidos acabariam por levar muitos deles à morte. Assim, Benguela já significava o
fim da vida para aqueles que embarcavam ali.

b) No trecho, que sentido adquire a inversão verbal presente nas expressões “Novo Mundo” e “Mundo novo”?
A expressão “Novo Mundo” faz referência à América, para onde eram levados os negros escravizados; ela remete a um
tempo passado. A expressão “Mundo novo” sugere que, em uma nova ordem social, os angolanos se libertariam da
opressão que o sistema colonial ainda lhes impunha; ela remete a um tempo futuro.

108 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

1
Texto I
Guimarães Rosa joga com toda a riqueza da língua popular de Minas, mas é fácil perceber que não se
contenta com a simples reprodução. Aproveitando conscientemente os processos de derivação e as tendências
sintáticas do povo, uns e outros frequentemente ainda nem registrados, cria uma língua pessoal, toda dele,
de espantosa força expressiva, e que há de encontrar os seus lexicógrafos.
RÓNAI, Paulo. Rondando os segredos de Guimarães Rosa. In: ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim: (Corpo de baile). 11.ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 20.

Texto II
Mesmamente que acabavam a arrancação de inhames, aí Mãitina chamava a gente, puxava, resumindo
uma conversa ligeira, resmungada, aquela feia fala, eles dois tinham de ir com ela até na porta do acrescente.
Quê que queria? Pois, vai, mexia em seus guardados, vinha com rodelão de cobre-de-quarenta na palma-da-
-mão, demonstrava aquele dinheiro sujoso, falava, falava, de ventas abertas, toda aprumada em sobres.
ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim: (Corpo de baile). 11.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 84.

a) Identifique, exemplificando, dois recursos expressivos na utilização da língua no fragmento de Campo Geral,
de Guimarães Rosa, que justifiquem a “espantosa força expressiva” mencionada no texto de Paulo Rónai.

b) “Lexicógrafos” são profissionais que trabalham com o léxico, ou seja, com o vocabulário. Também são
chamados de “dicionaristas”. Para Paulo Rónai, o trabalho de Guimarães Rosa haveria de “encontrar os
seus lexicógrafos”. Com base no fragmento crítico, explique o porquê esse profissional se faz necessário.

Texto I
O Dito, menor, muito mais menino, e sabia adiantado as coisas, com uma certeza, descarecia de perguntar.
Ele, Miguilim, mesmo quando sabia, espiava na dúvida, achava que podia ser errado. Até as coisas que ele
pensava, precisava de contar ao Dito, para o Dito reproduzir, com aquela força séria, confirmada, para então
ele acreditar mesmo que era verdade.
ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim: (Corpo de baile). 11.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 98.

Texto II
“Migulim, e você não contou a estória da Cuca Pingo-de-Ouro...” “– Mas eu não posso, Dito, mesmo não
posso! Eu gosto demais dela, estes dias todos...” Como é que podia inventar a estória? Miguilim soluçava. –
“Faz mal não, Miguilim, mesmo ceguinha mesmo, ela há de me reconhecer...” “– No Céu, Dito? No Céu?”
– e Miguilim desengolia de garganta um desespero. – “Chora não, Miguilim, de quem eu gosto mais, junto
com Mãe, é de você...”
ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim: (Corpo de baile). 11.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 118.

a) O texto II, de certa forma, confirma a afirmação do texto I a respeito da sabedoria superior de Dito. Ex-
plique como isso ocorre e indique a situação que os personagens vivem naquele momento.

b) Indique um outro episódio da novela de Guimarães Rosa em que o “saber adiantado” de Dito fica claro.

3
Tem também uma coisa que eu só percebi depois: o livro é sobre a paternidade. [...] Tudo gira em torno
da linhagem paternal. É curioso. É uma ficção que tem a ver com antropologia e que acaba sendo sobre as
relações de parentesco.
CARVALHO, Bernardo. A trama traiçoeira de Nove noites (Entrevista a Flavio Moura). In: Revista Trópico.
Disponível em: <http://www.revistatropico.com.br/tropico/html/print/1586.html>.

Literatura 109
a) Quais são as duas figuras paternas de destaque que aparecem no livro?

b) Sintetize as semelhanças entre as relações dessas duas figuras paternas com seus respectivos filhos.

A morte do antropólogo americano Buell Quain (1912-1939) ocorreu no Brasil. O narrador de Nove noites,
escrevendo décadas depois do episódio, tenta encontrar explicações para ela. O trecho a seguir parece destoar
dessa linha narrativa.
Ninguém nunca me perguntou. E por isso também não precisei responder. Meu pai morreu há mais de
onze anos, às vésperas da guerra que antecedeu a atual e que de certa forma a anunciou. Hoje, as guerras
são permanentes. Eu não morava no Brasil. Minha irmã me ligou, pedindo que me preparasse para o pior. A
história não é simples. A certa altura, meu pai começou a andar com dificuldade. Como tinha bebido muito
a vida inteira, a ponto de várias vezes ter levado um copo de uísque na mão quando saía sozinho de carro,
achamos que era o efeito acumulado do álcool. E aí começou a ter dificuldade de se expressar. Falava mal,
enrolava a língua. Deixou de assinar cheques.
CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 136.

a) Explique sucintamente as razões que levam o narrador a se referir à sua própria história.

b) Tendo em vista os dados de enredo, indique a que o narrador se refere quando fala em uma guerra atual.
O que justifica a opinião do narrador segundo a qual “Hoje as guerras são permanentes”?

5 O fragmento a seguir foi retirado do romance Mayombe, de Pepetela. No trecho, o Comandante Sem Medo
discorre, em conversa com Ondina, a respeito de um homem que ele conhecera na Europa:

– [...] Para ele, toda a mulher devia ser livre de o aceitar ou de o recusar, assim como ele era livre de dese-
jar ou não qualquer mulher. Só isso. E se houvesse consequências, cada um era livre de as aguentar. Era um
comunista, não no sentido de que as mulheres são coletivas, mas no de que são tão livres como os homens
livres. Como vês, é um programa que cabe numa mão.
PEPETELA. Mayombe. São Paulo: LeYa, 2013. p. 192-193.

a) O comportamento sexual de Ondina identifica-se com o do europeu referido por Sem Medo? Justifique
a sua resposta.

b) Considerando as correntes doutrinárias que orientam o romance O Cortiço, de Aluísio Azevedo, pode-
-se dizer que a sexualidade de Estela (esposa de Miranda) tem a mesma consciência daquela atribuída a
Ondina, em Mayombe? Justifique a sua resposta.

6 (Fuvest-SP) Leia o excerto de Mayombe, de Pepetela, no qual as personagens “dirigente” e Comandante Sem
Medo discutem o comportamento do combatente chamado Mundo Novo. As indicações [d] e [C] identificam,
respectivamente, as falas iniciais do “dirigente” e do Comandante Sem Medo, que se alternam, no diálogo.
[d] [...] A propósito do Mundo Novo: a que chamas tu ser dogmático?
[C] – Ser dogmático? Sabes tão bem como eu.
– Depende, as palavras são relativas. Sem Medo sorriu.
– Tens razão, as palavras são relativas. Ele é demasiado rígido na sua concepção da disciplina, não vê as
condições existentes, quer aplicar o esquema tal qual o aprendeu. A isso eu chamo dogmático, penso que é
a verdadeira acepção da palavra. A sua verdade é absoluta e toda feita, recusa-se a pô-la em dúvida, mesmo
que fosse para a discutir e a reforçar em seguida, com os dados da prática. Como os católicos que recusam
pôr em dúvida a existência de Deus, porque isso poderia perturbá-los.
– E tu, Sem Medo? As tuas ideias não são absolutas?

110 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


– Todo o homem tende para isso, sobretudo se teve uma educação religiosa. Muitas vezes tenho de fazer
um esforço para evitar de engolir como verdade universal qualquer constatação particular.

a) Que relação se estabelece, no excerto, entre a forma dialogal e as ideias expressas pelo Comandante
Sem Medo?

b) No plano da narração de Mayombe, isto é, no seu modo de organizar e distribuir o discurso narrativo,
emprega-se algum recurso para evitar que o próprio romance, considerado no seu conjunto, recaia no
dogmatismo criticado no excerto? Explique resumidamente.

TEMA 4 Questões gerais – escolas literárias

EXERCÍCIOS

1 (Unesp-SP) Para responder à questão, leia o soneto de Raimundo Correia (1859-1911).

Esbraseia o Ocidente na agonia


O sol... Aves em bandos destacados,
Por céus de ouro e de púrpura raiados,
Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia...

Delineiam-se, além, da serrania


Os vértices de chama aureolados,
E em tudo, em torno, esbatem derramados
Uns tons suaves de melancolia...

Um mundo de vapores no ar flutua...


Como uma informe nódoa, avulta e cresce
A sombra à proporção que a luz recua...

A natureza apática esmaece...


Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
Surge trêmula, trêmula... Anoitece.
CORREIA, R. Poesia completa e prosa, 1961.

a) Transcreva da primeira estrofe um exemplo de personificação. Justifique sua resposta.


Podem ser citadas como exemplo de personificação as expressões “Esbraseia o Ocidente na agonia/ O sol”. Nesse trecho, a
personificação reside no fato de se atribuir uma característica típica de um ser animado (a agonia) ao sol. Outro exemplo de
personificação está em “Fecha-se a pálpebra do dia”, em que se se afirma que o dia tem “pálpebra”, característica típica de
muitos animais.

b) Cite duas características que permitem filiar esse soneto à estética parnasiana.
Uma típica característica do Parnasianismo é o rigor formal do soneto perfeitamente metrificado e rimado. Outra
característica é o descritivismo, por meio do qual o poeta registra, com preciosismo vocabular, uma cena de pôr do sol.

Literatura 111
Leia o trecho inicial do conto “Desenredo”, do escritor João Guimarães Rosa (1908-1967) para responder à
questão 2.

Do narrador a seus ouvintes:


– Jó Joaquim, cliente, era quieto, respeitado, bom como o cheiro de cerveja. Tinha o para não ser célebre.
Com elas quem pode, porém? Foi Adão dormir, e Eva nascer. Chamando-se Livíria, Rivília ou Irlívia, a que,
nesta observação, a Jó Joaquim apareceu.
Antes bonita, olhos de viva mosca, morena mel e pão. Aliás, casada. Sorriram-se, viram-se. Era infinitamente
maio e Jó Joaquim pegou o amor. Enfim, entenderam-se. Voando o mais em ímpeto de nau tangida a vela e
vento. Mas muito tendo tudo de ser secreto, claro, coberto de sete capas.
Porque o marido se fazia notório, na valentia com ciúme; e as aldeias são a alheia vigilância. Então ao rigor
geral os dois se sujeitaram, conforme o clandestino amor em sua forma local, conforme o mundo é mundo. Todo
abismo é navegável a barquinhos de papel.
Não se via quando e como se viam. Jó Joaquim, além disso, existindo só retraído, minuciosamente. Esperar
é reconhecer-se incompleto. Dependiam eles de enorme milagre. O inebriado engano.
Até que – deu-se o desmastreio. O trágico não vem a conta-gotas. Apanhara o marido a mulher: com outro,
um terceiro… Sem mais cá nem mais lá, mediante revólver, assustou-a e matou-o. Diz-se, também, que de leve
a ferira, leviano modo.
Jó Joaquim, derrubadamente surpreso, no absurdo desistia de crer, e foi para o decúbito dorsal, por dores,
frios, calores, quiçá lágrimas, devolvido ao barro, entre o inefável e o infando. Imaginara-a jamais a ter o pé
em três estribos; chegou a maldizer de seus próprios e gratos abusufrutos. Reteve-se de vê-la. Proibia-se de ser
pseudopersonagem, em lance de tão vermelha e preta amplitude.
Ela – longe – sempre ou ao máximo mais formosa, já sarada e sã. Ele exercitava-se a aguentar-se, nas de-
feituosas emoções.
Enquanto, ora, as coisas amaduravam. Todo fim é impossível? Azarado fugitivo, e como à Providência praz,
o marido faleceu, afogado ou de tifo. O tempo é engenhoso.
Soube-o logo Jó Joaquim, em seu franciscanato, dolorido mas já medicado. Vai, pois, com a amada se encon-
trou – ela sutil como uma colher de chá, grude de engodos, o firme fascínio. Nela acreditou, num abrir e não
fechar de ouvidos. Daí, de repente, casaram-se. Alegres, sim, para feliz escândalo popular, por que forma fosse.
Tutameia, 1979.

2 (Unesp-SP) Considere os seguintes provérbios:


1. “A desgraça vem sem ser chamada.”
2. “À desgraça ninguém foge.”
3. “Até com a desgraça a gente se acostuma.”
4. “Desgraça pouca é bobagem.”
5. “A desgraça de uns é o bem de outros.”

Qual dos provérbios mais se aproxima da ideia contida em “O trágico não vem a conta-gotas.” (6o parágrafo)?
Justifique sua resposta.
A expressão utilizada por Guimarães Rosa traz a ideia de que os episódios trágicos acontecem de maneira intensa, grandiosa. Das
alternativas apresentadas, a que mais se aproxima desse sentido é a de número 4, “desgraça pouca é bobagem”.

112 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Texto para a questão 3.

Ao valimento1 que tem o mentir


Mau ofício é mentir, mas proveitoso...
Tanta mentira, tanta utilidade
Traz consigo o mentir nesta cidade
Como o diz o mais triste mentiroso.

Eu, como um ignorante e um baboso,


Me pus a verdadeiro, por vaidade;
Todo o meu cabedal2 meti em verdade
E saí do negócio perdidoso3.

Perdi o principal, que eram verdades,


Perdi os interesses de estimar-me,
Perdi-me a mim em tanta soledade4;

Deram os meus amigos em deixar-me,


Cobrei5 ódios e inimizades...
Eu me meto a mentir e a aproveitar-me.
MATOS, G. In: PIRES, M. L. G. (Org.). Poetas do período barroco. Lisboa: Comunicação, 1985.
1
valimento: validade.
2
cabedal: conhecimento.
3
perdidoso: prejudicado.
4
soledade: solidão.
5
cobrar: receber.

3 (Uerj) O barroco apresenta duas vertentes: o cultismo, caracterizado pela linguagem rebuscada e extrava-
gante, pelos jogos de palavras; e o conceptismo, marcado pelo jogo de ideias, de conceitos, seguindo um
raciocínio lógico. O poema de Gregório de Matos, exemplo da estética barroca, insere-se em uma dessas
vertentes. Identifique-a e justifique sua resposta.
O poema de Gregório de Matos pode ser classificado como predominantemente conceptista, na medida em que desenvolve um
raciocínio lógico a respeito da utilidade de ser verdadeiro ou mentiroso. Depois de prejudicado intensamente pelo fato de ter sido
verdadeiro, o enunciador afirma que pretende mentir, de maneira a tirar proveito de suas atitudes.

Texto para a questão 4.


O discurso
Natividade é que não teve distrações de espécie alguma. Toda ela estava nos filhos, e agora especialmente
na carta e no discurso. Começou por não dar resposta às efusões1 políticas de Paulo; foi um dos conselhos
do conselheiro. Quando o filho tornou pelas férias tinha esquecido a carta que escrevera.
O discurso é que ele não esqueceu, mas quem é que esquece os discursos que faz? Se são bons,
5 a memória os grava em bronze; se ruins, deixam tal ou qual amargor que dura muito. O melhor dos
remédios, no segundo caso, é supô-los excelentes, e, se a razão não aceita esta imaginação, consultar
pessoas que a aceitem, e crer nelas. A opinião é um velho óleo incorruptível.

Literatura 113
Paulo tinha talento. O discurso naquele dia podia pecar aqui ou ali por alguma ênfase, e uma ou outra
ideia vulgar e exausta. Tinha talento Paulo. Em suma, o discurso era bom. Santos achou-o excelente,
10 leu-o aos amigos e resolveu transcrevê-lo nos jornais. Natividade não se opôs, mas entendia que algumas
palavras deviam ser cortadas.
– Cortadas, por quê? perguntou Santos, e ficou esperando a resposta.
– Pois você não vê, Agostinho; estas palavras têm sentido republicano, explicou ela relendo a frase
que a afligira.
15 Santos ouvia-as ler, leu-as para si, e não deixou de lhe achar razão. Entretanto, não havia de as
suprimir.
– Pois não se transcreve o discurso.
– Ah! isso não! O discurso é magnífico, e não há de morrer em S. Paulo; é preciso que a Corte o
leia, e as províncias também, e até não se me daria fazê-lo traduzir em francês. Em francês, pode ser
20 que fique ainda melhor.
– Mas, Agostinho, isto pode fazer mal à carreira do rapaz; o imperador pode ser que não goste...
Pedro, que assistia desde alguns instantes ao debate, interveio docemente para dizer que os receios
da mãe não tinham base; era bom por a frase toda, e, a rigor, não diferia muito do que os liberais diziam
em 1848.
25 – Um monarquista liberal pode muito bem assinar esse trecho, concluiu ele depois de reler as palavras
do irmão.
– Justamente! assentiu2 o pai.
Natividade, que em tudo via a inimizade dos gêmeos, suspeitou que o intuito de Pedro fosse
justamente comprometer Paulo. Olhou para ele a ver se lhe descobria essa intenção torcida, mas a cara
30 do filho tinha então o aspecto do entusiasmo. Pedro lia trechos do discurso, acentuando as belezas,
repetindo as frases mais novas, cantando as mais redondas, revolvendo-as na boca, tudo com tão boa
sombra que a mãe perdeu a suspeita, e a impressão do discurso foi resolvida. Também se tirou uma
edição em folheto, e o pai mandou encadernar ricamente sete exemplares, que levou aos ministros, e um
ainda mais rico para a Regente.
ASSIS, M. Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
1
efusão: manifestação expansiva de sentimentos.
2
assentir: concordar.

4 (Uerj)
Natividade, que em tudo via a inimizade dos gêmeos, suspeitou que o intuito de Pedro fosse justamente
comprometer Paulo. Olhou para ele a ver se lhe descobria essa intenção torcida, mas a cara do filho tinha
então o aspecto do entusiasmo. Pedro lia trechos do discurso, acentuando as belezas, repetindo as frases
mais novas, cantando as mais redondas, revolvendo-as na boca, tudo com tão boa sombra que a mãe perdeu
a suspeita, e a impressão do discurso foi resolvida. (. 28-32)

Nesse trecho, observa-se que Pedro, mesmo com posição política contrária à de Paulo, lê com entusiasmo
o discurso do irmão, trocando de lugar com ele. Essa troca de papéis sugere uma crítica acerca da política
daquela época. Explicite essa crítica. Aponte, ainda, a relação de sentido que a oração sublinhada estabelece
com a anterior.
Como Pedro e Paulo têm posições políticas opostas, podemos considerar que Pedro é monarquista. Assim, pode-se
depreender a crítica de que ambos os espectros políticos no momento de transição da Monarquia para a República não
eram tão diferentes quanto pareciam. A relação de sentido que a frase sublinhada tem com a anterior é de consequência.

114 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Leia o soneto “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” do poeta português Luís Vaz de Camões
(1525?-1580) para responder à questão 5.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,


muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,


diferentes em tudo da esperança1;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem – se algum houve –, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,


que já coberto foi de neve fria,
e enfim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,


outra mudança faz de mor2 espanto:
que não se muda já como soía3.
Sonetos, 2001.
1
esperança: esperado.
2
mor: maior.
3
soer: costumar (soía: costumava).

5 (Unesp-SP) Considere as seguintes citações:

1. “Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio: suas águas não são nunca as mesmas e nós não somos
nunca os mesmos.” – Heráclito (550 a.C.-480 a.C.)
2. “A breve duração da vida não nos permite alimentar longas esperanças.” – Horácio (65 a.C.-8 a.C.)
3. “O melhor para o homem é viver com o máximo de alegria e o mínimo de tristeza, o que acontece
quando não se procura o prazer em coisas perecíveis.” – Demócrito (460 a.C.-370 a.C.)
4. “Toda e qualquer coisa tem seu vaivém e se transforma no contrário ao capricho tirânico da fortuna.”
– Sêneca (4 a.C.-65 d.C.)
5. “Uma vez que a vida é um tormento, a morte acaba sendo para o homem o refúgio mais desejável.” –
Heródoto (484 a.C.-430 a.C.)
Quais das citações aproximam-se tematicamente do soneto camoniano? Justifique sua resposta.
O soneto camoniano trata da efemeridade da vida, abordando como todas as coisas estão em constante processo de
mudança. As citações antigas que mais se aproximam do sentido do soneto camoniano são as de Heráclito (número 1) e de
Sêneca (número 4).

Literatura 115
Leia a cena IX da comédia O Juiz de paz da roça, do escritor Martins Pena (1815-1848), para responder às
questões 6 e 7.
Cena IX
Sala em casa do Juiz de paz. Mesa no meio com papéis; cadeiras. Entra o Juiz de paz vestido de calça branca, rodaque
de riscado, chinelas verdes e sem gravata.
Juiz: Vamo-nos preparando para dar audiência. (arranja os papéis) O escrivão já tarda; sem dúvida está
na venda do Manuel do Coqueiro… O último recruta que se fez já vai me fazendo peso. Nada, não gosto de
presos em casa. Podem fugir, e depois dizem que o Juiz recebeu algum presente. (batem à porta) Quem é?
Pode entrar. (entra um preto com um cacho de bananas e uma carta, que entrega ao Juiz. Juiz, lendo a carta)
“Ilmo. Sr. – Muito me alegro de dizer a V. Sa. que a minha ao fazer desta é boa, e que a mesma desejo para
V. Sa. pelos circunlóquios com que lhe venero”. (deixando de ler) Circunlóquios… Que nome em breve!
O que quererá ele dizer? Continuemos. (lendo) “Tomo a liberdade de mandar a V. Sa. um cacho de bananas-
-maçãs para V. Sa. comer com a sua boca e dar também a comer à Sra. Juíza e aos Srs. Juizinhos. V. Sa.
há de reparar na insignificância do presente; porém, Ilmo. Sr., as reformas da Constituição permitem a
cada um fazer o que quiser, e mesmo fazer presentes; ora, mandando assim as ditas reformas, V. Sa. fará o
favor de aceitar as ditas bananas, que diz minha Teresa Ova serem muito boas. No mais, receba as ordens
de quem é seu venerador e tem a honra de ser – Manuel André de Sapiruruca.” – Bom, tenho bananas
para a sobremesa. Ó pai, leva estas bananas para dentro e entrega à senhora. Toma lá um vintém para teu
tabaco. (sai o negro) O certo é que é bem bom ser Juiz de paz cá pela roça. De vez em quando temos nossos
presentes de galinhas, bananas, ovos, etc., etc. (batem à porta) Quem é?
Escrivão (dentro): Sou eu.
Juiz: Ah, é o escrivão. Pode entrar.
Comédias (1833-1844), 2007.

6 (Unesp-SP) Nesta cena, verifica-se alguma contradição na conduta do juiz de paz? Justifique sua resposta,
com base no texto.
Sim. O juiz afirma não gostar de ter presos em casa porque, se fugirem, as pessoas poderiam pensar que ele facilitou a fuga por ter
recebido algum tipo de presente. Apesar dessa fala, o juiz logo depois aceita de bom grado um presente que lhe foi enviado por
um roceiro.

7 (Unesp-SP) Quais personagens participam da cena? A que personagem se refere o pronome “teu” em “Toma lá um
vintém para teu tabaco.”? Qual a finalidade da carta enviada por Manuel André da Sapiruruca?
As personagens que efetivamente aparecem na cena são o próprio juiz, o escrivão que surge ao final do excerto e o mensageiro
denominado de “preto” – a quem o juiz se dirige quando usa o pronome “teu” na frase “Toma lá um vintém para teu tabaco”. A
carta enviada a Sapiruruca pretende estabelecer uma camaradagem com vistas à troca de favores com a autoridade, configurando
uma clara relação de compadresco.

8 (UEL-PR) Leia o trecho a seguir.

Como um rochedo pendurado sobre as ribanceiras do mar, que, estalando, rola pelos despenhadeiros
e abrindo um abismo se atufa nas águas, assim o cavaleiro desconhecido, rompendo por entre os godos,
precipitou-se para onde mais cerrado em redor de Teodomiro e Muguite fervia o pelejar.
HERCULANO, A. Eurico, o presbítero. 2.ed. São Paulo: Martin Claret, 2014. p. 85.

116 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


No romance Eurico, o presbítero, há um diálogo com a história da formação territorial da Península Ibérica. Nesse
sentido, alguns episódios retomam batalhas reais com o intuito de afirmar o heroísmo português frente aos árabes.
Associado a certo “realismo” histórico, no entanto, encontra-se a figura do herói, representada por Eurico. Como
a imagem do herói está construída nesse cenário real de batalhas?
Por mais que a obra Eurico, o presbítero busque imprimir o efeito de realidade histórica, o narrador idealiza a figura do herói,
atribuindo a ele a capacidade de realizar grandes feitos, impossíveis a um homem comum. Com isso, o narrador personifica
no herói os anseios nacionalistas de grandeza do povo português.

Texto para a questão 9.


Vagabundo
Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso;
Nas noites de verão namoro estrelas;
Sou pobre, sou mendigo e sou 1ditoso!

Ando roto, sem bolsos nem dinheiro


Mas tenho na viola uma riqueza:
Canto à lua de noite serenatas,
E quem vive de amor não tem pobreza.

[...]
Oito dias lá vão que ando cismado
Na donzela que ali defronte mora.
Ela ao ver-me sorri tão docemente!
Desconfio que a moça me namora!...

Tenho por meu palácio as longas ruas;


Passeio a gosto e durmo sem temores;
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.

O degrau das igrejas é meu trono,


Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta,
E a preguiça a mulher por quem suspiro.

Escrevo na parede as minhas rimas,


De painéis a carvão adorno a rua;
Como as aves do céu e as flores puras
Abro meu peito ao sol e durmo à lua.

[...]

Literatura 117
Ora, se por aí alguma bela
Bem doirada e amante da preguiça
Quiser a 2nívea mão unir à minha,
Há de achar-me na Sé, domingo, à Missa.
AZEVEDO, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000.
1
ditoso: feliz.
2
nívea: branca.

9 (Uerj) Na quinta estrofe do poema “Vagabundo”, Álvares de Azevedo, poeta da segunda geração do Ro-
mantismo, aborda um tema muito frequente entre os primeiros românticos.
Identifique o tema e explique a diferença entre a abordagem desse tema por Álvares de Azevedo e pelos
poetas românticos da primeira geração.
Na quinta estrofe, o poeta menciona a pátria, tema que foi um dos mais abordados pelos românticos da primeira
geração. Contudo, nota-se que Álvares de Azevedo não trata exatamente do Brasil buscando afirmar a nossa identidade
enquanto povo, nem idealiza a natureza local. Ao afirmar que a pátria é o vento que ele respira, o poeta mostra-se aberto
a considerar como sua pátria qualquer lugar onde ele estiver, exaltando mais a sua individualidade do que o sentimento
coletivista.

Leia o “Soneto LXVII” (“Considera a vantagem que os brutos fazem aos homens em obedecer a Deus”), de
Dom Francisco Manuel de Melo (1608-1666) para responder à questão 10.

Quando vejo, Senhor, que às alimárias1 Ou me esquece quem sois ou quem eu era;
Da terra, da água, do ar, – peixe, ave, bruto –, Pois do que me mandais tanto me esqueço,
Não lhe esquece jamais o alto estatuto Como se a vós e a mi não conhecera.
Das leis que lhes pusestes ordinárias;
Com razão logo por favor vos peço
2
E logo vejo quantas artes várias Que, pois homem tal sou, me façais fera,
3
O homem racional, próvido e astuto, A ver se assi melhor vos obedeço.
Põe em obrar, ingrato e resoluto,
Obras que a vossas leis são tão contrárias:
A tuba de Calíope, 1988.
1
alimária: animal irracional.
2
arte: astúcia, ardil.
3
próvido: providente, que se previne, previdente, precavido.

10 (Unesp-SP) Que contraste é explorado pelo poema como base da argumentação? Justifique sua resposta.
Considerando também outros aspectos, em que movimento literário o poema se enquadra?
O contraste explorado pelo poeta é o que se verifica entre os animais – que, segundo ele, são plenamente obedientes à vontade
de Deus – e os seres humanos. Estes, por conta de seu raciocínio, e por serem dotados de livre-arbítrio, tomam atitudes contrárias
às leis divinas. É possível classificar esse poema como Barroco, pelo gosto conceptista em desenvolver um raciocínio carregado
da religiosidade de matriz contrarreformista. Além disso, Dom Francisco Manuel é um autor do século XVII, tempo em que o
movimento atingiu o seu auge.

118 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Leia o excerto do romance Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida (1831-
-1861), para responder à questão 11.

Era no tempo do rei.


Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente,
chamava-se nesse tempo – O canto dos meirinhos1 –; e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de
encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). [...]
Mas voltemos à esquina. Quem passasse por aí em qualquer dia útil dessa abençoada época veria
sentado em assentos baixos, então usados, de couro, e que se denominavam – cadeiras de campanha –
um grupo mais ou menos numeroso dessa nobre gente conversando pacificamente em tudo sobre que
era lícito conversar: na vida dos fidalgos, nas notícias do Reino e nas astúcias policiais do Vidigal. Entre
os termos que formavam essa equação meirinhal pregada na esquina havia uma quantidade constante,
era o Leonardo-Pataca. Chamavam assim a uma rotunda e gordíssima personagem de cabelos brancos e
carão avermelhado, que era o decano da corporação, o mais antigo dos meirinhos que viviam nesse tempo.
A velhice tinha-o tornado moleirão e pachorrento; com sua vagareza atrasava o negócio das partes; não o
procuravam; e por isso jamais saía da esquina; passava ali os dias sentado na sua cadeira, com as pernas
estendidas e o queixo apoiado sobre uma grossa bengala, que depois dos cinquenta era a sua infalível
companhia. Do hábito que tinha de queixar-se a todo o instante de que só pagassem por sua citação a
módica quantia de 320 réis, lhe viera o apelido que juntavam ao seu nome.
Sua história tem pouca coisa de notável. Fora Leonardo algibebe2 em Lisboa, sua pátria; aborrecera-
-se porém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe por proteção de quem, alcançou o
emprego de que o vemos empossado, e que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera
com ele no mesmo navio, não sei fazer o quê, uma certa Maria da hortaliça, quitandeira das praças de
Lisboa, saloia3 rochonchuda e bonitota. O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era nesse tempo de sua
mocidade mal-apessoado, e sobretudo era maganão 4.
1
meirinho: espécie de oficial de justiça.
2
algibebe: mascate, vendedor ambulante.
3
saloia: aldeã das imediações de Lisboa.
4
maganão: brincalhão, jovial, folgazão, divertido.

11 (Unesp-SP) Em Memórias de um sargento de milícias, o narrador não participa da ação, mas se intromete na
narrativa. Transcreva do excerto dois pequenos trechos em que a intromissão do narrador é mais explícita.
Justifique sua resposta.
O narrador se intromete na narrativa em diversos trechos do excerto: “e bem lhe assentava o nome” – em que comenta um dado
do enredo; “Mas voltemos à esquina” – em que ele dá andamento à narrativa de forma explícita, configurando um comentário
metalinguístico; “Sua história tem pouca coisa de notável” – em que apresenta uma opinião pessoal a respeito da vida da
personagem; “não sei fazer o quê” – em que cria o efeito de não dominar todos os elementos da história.

Leia o poema de Manuel Bandeira (1886-1968) para responder às questões 12 e 13.


Poema só para Jaime Ovalle1
Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,

Literatura 119
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando...
– Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.
Estrela da vida inteira, 1993.
1
Jaime Ovalle (1894-1955): compositor e instrumentista. Aproximou-se do meio intelectual carioca e se tornou amigo íntimo de Villa-Lobos,
Di Cavalcanti, Sérgio Buarque de Hollanda e Manuel Bandeira. Sua música mais famosa é “Azulão”, em parceria com o poeta Manuel Bandeira
(Dicionário Cravo Albin da música popular brasileira).

12 (Unesp-SP) O verso inicial do poema (“Quando hoje acordei, ainda fazia escuro”) pode ser visto como uma
espécie de abertura narrativa, já que nele se observam dados indicadores de tempo (“quando”) e espaço
(“fazia escuro”). Identifique no poema dois outros termos que também indicam circunstância temporal e
acabam por reforçar seu caráter narrativo. Justifique sua resposta.
A referência a “manhã” traz uma informação temporal. Outros marcadores temporais que acentuam o caráter narrativo do poema
são “então me levantei” e “depois me deitei novamente”, que indicam a sucessão de atos praticados pelo enunciador.

13 (Unesp-SP)
Pleonasmo (do grego pleonasmós, superabundância): emprego de palavras redundantes, de igual sentido;
redundância. Há o pleonasmo vicioso, decorrente da ignorância da língua e que deve ser evitado, e o pleonasmo
estilístico, usado intencionalmente para comunicar à expressão mais vigor ou intensidade.
CEGALLA, D. P. Dicionário de dificuldades da língua portuguesa, 2009. (Adaptado.)

Transcreva o verso em que se verifica a ocorrência de um pleonasmo. Justifique sua resposta. Identifique ainda
duas características do poema, uma formal e outra temática, que o vinculam ao movimento modernista brasileiro.
Considerando que “pleonasmo” é o emprego de expressões de igual sentido, o verso “Chovia uma triste chuva de
resignação” é um claro exemplo desse mecanismo linguístico, por meio da repetição dos termos relacionados à chuva. O
poema é tipicamente modernista: no que se refere ao aspecto formal, isso se justifica pelo uso de versos livres; no que se
refere aos aspectos temáticos, pela abordagem poética do cotidiano.

14 (PUC-RJ)

Texto I

Soneto VI
Brandas ribeiras, quanto estou contente Recebei (eu vos peço) um desgraçado,
De ver-nos outra vez, se isto é verdade! Que andou té agora por incerto giro
Quanto me alegra ouvir a suavidade, Correndo sempre atrás do seu cuidado:
Com que Fílis entoa a voz cadente!
Este pranto, estes ais, com que respiro,
Os rebanhos, o gado, o campo, a gente, Podendo comover o vosso agrado,
Tudo me está causando novidade: Façam digno de vós o meu suspiro.
Oh como é certo, que a cruel saudade
Faz tudo, do que foi, mui diferente!
COSTA, C. M. Melhores poemas. São Paulo: Global, 2000. p. 35.

120 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Texto II

Ternura
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora
MORAES, V. Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 92-3.

a) A partir da leitura do Texto I, determine o estilo de época a que ele pertence, destacando dois aspectos
que confirmem a sua resposta.
O caráter bucólico e a presença de referências mitológicas (na menção a Fílis) permitem associar o poema ao
Neoclassicismo, tendência poética de grande prestígio no século XVIII.

b) Indique o gênero literário predominante nos poemas de Cláudio Manuel da Costa e Vinicius de Moraes,
justificando com aspectos que o caracterizam.
Ambos os textos são exemplos de gênero lírico, pela expressão de estados de alma de uma subjetividade.

Texto para a questão 15.


A cidade
Destinava-se a uma cidade maior, mas o trem permaneceu indefinidamente na antepenúltima estação.
Cariba acreditou que a demora poderia ser atribuída a algum comboio1 de carga descarrilado na linha,
acidente comum naquele trecho da ferrovia. Como se fizesse excessivo o atraso e ninguém o procurasse
para lhe explicar o que estava ocorrendo, pensou numa provável desconsideração à sua pessoa, em virtude
de ser o único passageiro do trem.
Chamou o funcionário que examinara as passagens e quis saber se constituía motivo para tanta negli-
gência o fato de ir vazia a composição.
Não recebeu uma resposta direta do empregado da estrada, que se limitou a apontar o morro, onde se
dispunham, sem simetria, dezenas de casinhas brancas.
– Belas mulheres? – indagou o viajante.
– Casas vazias.
Percebeu logo que tinha pela frente um cretino. Apanhou as malas e se dispôs a subir as íngremes
ladeiras que o conduziriam ao povoado.
[...]

Literatura 121
Durante todo o percurso, desde as vias secundárias à avenida principal, os moradores do lugar observa-
ram Cariba com desconfiança. Talvez estranhassem as valises2 de couro de camelo que carregava ou o seu
paletó xadrez, as calças de veludo azul. Mesmo sendo o seu traje usual nas constantes viagens que fazia,
achou prudente desfazer qualquer mal-entendido provocado pela sua presença entre eles:
– Que cidade é esta? – perguntou, esforçando-se para dar às palavras o máximo de cordialidade.
Nem chegou a indagar pelas mulheres, conforme pretendia. Pegaram-no com violência pelos braços e
o foram levando, aos trancos, para a delegacia de polícia:
– É o homem procurado – disseram ao delegado, um sargento espadaúdo3 e rude.
[...]
O sargento chegara a uma conclusão, entretanto divagava:
– O telegrama da Chefia de Polícia não esclarece nada sobre a nacionalidade do delinquente, sua apa-
rência, idade e quais os crimes que cometeu. Diz tratar-se de elemento altamente perigoso, identificável
pelo mau hábito de fazer perguntas e que estaria hoje neste lugar.
[...]
Cinco meses após a sua detenção, ele não mais espera sair da cadeia. Das suas grades, observa os
homens que passam na rua. Mal o encaram, amedrontados, apressam o passo.
Pressente, às vezes, que irão perguntar qualquer coisa aos companheiros e fica à espreita, ansioso que
isso aconteça. Logo se desengana. Abrem a boca, arrependem-se, e se afastam rapidamente.
Caminha, dentro da noite, de um lado para outro. E, ao avistar o guarda, cumprindo sua ronda noturna,
a examinar se as celas estão em ordem, corre para as grades internas, impelido por uma débil esperança:
– Alguém fez hoje alguma pergunta?
– Não. Ainda é você a única pessoa que faz perguntas nesta cidade.
RUBIÃO, M. Obra completa. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
1
comboio: trem.
2
valise: mala de mão.
3
espadaúdo: de ombros largos.

15 (Uerj) No conto “A cidade”, há indícios de que acontecimentos incomuns cercam a história de Cariba, que
acaba por ser preso. Sua prisão pode ser compreendida como uma crítica social. Transcreva do texto o frag-
mento que aponta não só o motivo, mas também a falta de evidências para a prisão de Cariba. Em seguida,
explicite a crítica que o texto faz à sociedade.
O fragmento em que se aponta não só o motivo, mas também a falta de evidências para a prisão de Cariba é: “– O telegrama
da Chefia de Polícia não esclarece nada sobre a nacionalidade do delinquente, sua aparência, idade e quais os crimes que
cometeu. Diz tratar-se de elemento altamente perigoso, identificável pelo mau hábito de fazer perguntas e que estaria
hoje neste lugar.” A crítica social reside no fato de que a sociedade apresentada na narrativa não aceita qualquer tipo de
questionamento, o que demonstra forte arbitrariedade, opressão e cerceamento das liberdades individuais.

122 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


16 (Vunesp) A questão toma por base uma crônica de Clarice Lispector (1925-1977).

Escrever
Eu disse uma vez que escrever é uma maldição. Não me lembro por que exatamente eu o disse, e com
sinceridade. Hoje repito: é uma maldição, mas uma maldição que salva. Não estou me referindo muito a es-
crever para jornal. Mas escrever aquilo que eventualmente pode se transformar num conto ou num romance.
É uma maldição porque obriga e arrasta como um vício penoso do qual é quase impossível se livrar, pois
nada o substitui. E é uma salvação. Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se
vive e que nunca se entende a menos que se escreva. Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o
irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é
também abençoar uma vida que não foi abençoada. Que pena que só sei escrever quando espontaneamente
a “coisa” vem. Fico assim à mercê do tempo. E, entre um verdadeiro escrever e outro, podem-se passar anos.
Lembro-me agora com saudade da dor de escrever livros.
LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo, 1999.

Clarice Lispector coloca inicialmente o processo da criação literária como uma “maldição”. Em seguida,
ressalva que é também uma “salvação”. Com base no texto da crônica, explique como a autora resolve essa
diferença de conceitos sobre a criação literária.
A contradição instaurada pela associação do ato de escrever à maldição e salvação conjuntamente é resolvida no texto.
A maldição se explica pelo entendimento da escrita “como um vício penoso do qual é quase impossível se livrar” e a
salvação pela ideia de que, por meio da escrita, uma “alma presa” pode se libertar e também compreender os dias que
não seriam entendidos, se os deixássemos passar sem escrever. Assim, o paradoxo é resolvido pelo raciocínio de que o
sofrimento inerente à criação literária (maldição) vem acompanhado pela alegria de expressar a compreensão de si e do
mundo em que se vive (salvação).

17 (UFU-MG)

Texto I
Casual encontro que teve o poeta com Brites no seu retiro de uma roça

Fui ver a fonte da roça,


e quando a mais gente vai
a refrescar-se na fonte,
eu me fui nela abrasar.
Dentro da fonte achei Brites,
que ali se foi a banhar
[...]

Literatura 123
Convidou-me, a que bebesse
a neve do manancial,
e se a neve assim me abrasa,
o incêndio que fará.
Bebi, e não matei a sede,
porque no inferno de amar
fui Tântalo, cuja pena
o beber acende mais.
Queira Amor, Brites ingrata,
que essa fonte, esse cristal
não seja o vosso perigo,
em que Narciso morrais.
MATOS, Gregório de. Crônica do viver baiano seiscentista: vol. 2.
Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 704-705.

Texto II
Narciso (II)

Folhas incandescentes fizeram da fonte


vales de fulgores. Bebia Narciso sobre a onda
quando uma face viu de tal beleza
que a luz mais viva se tornou.
E Amor – cujas setas jamais puderam alcançar
seu coração esquivo – nele reinou e jamais do jovem
se apartava, que a seu chamado às águas acorria.
Insidiosa veio a Morte para o levar consigo,
deixando numa flor a forma de Narciso.
SILVA, D. F. Hídrias. São Paulo: Odysseus, 2004. p. 39.

Com base nos textos, faça o que se pede.

a) Analise os efeitos do amor retratados nos dois poemas. Justifique com elementos dos textos.
No poema de Gregório de Matos, o amor provoca uma série de associações contraditórias, na medida em que o
enunciador vai se refrescar na fonte e acaba completamente abrasado por lá ter se apaixonado por Brites. O texto
menciona ainda o mito de Narciso, ao alertar a amada sobre os perigos de ela se apaixonar pela própria imagem
refletida nas águas da fonte. O caráter mortal do amor também aparece no poema de Dora Ferreira da Silva, pois, ao
apaixonar-se pelo próprio reflexo, Narciso foi levado pela “insidiosa Morte”, que fez o jovem afogar-se nas águas.

b) Aponte dois recursos expressivos da linguagem de cada poema, exemplificando-os com passagens dos
próprios poemas.
No texto barroco, percebe-se a ocorrência de paradoxo (“e se a neve assim me abrasa”), e de metáfora ao chamar de
“cristal” as águas da fonte. No texto de Dora Ferreira da Silva, há prosopopeia (“Folhas incandescentes fizeram da fonte/
vales de fulgores”), na atribuição de características animadas às folhas, além da aliteração, por meio da repetição de sons
consonantais, no caso do fonema /f/.

124 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


18 (PUC-RJ)

São Paulo, 15 de novembro de 1923 – Viva a República!


Tarsila, minha querida amiga:
Cuidado! fortifiquem-se bem de teorias e desculpas e coisas vistas em Paris. Quando vocês aqui chega-
rem, temos briga, na certa. Desde já, desafio vocês todos juntos, Tarsila, Oswald, Sérgio para uma discussão
formidável. Vocês foram a Paris como burgueses. Estão épatés*. E se fizeram futuristas! hi! hi! hi! Choro de
inveja. Mas é verdade que considero vocês todos uns caipiras em Paris. Vocês se parisianizaram na epiderme.
Isso é horrível! Tarsila, Tarsila, volta para dentro de si mesma. Abandona o Gris e o Lhote, empresários de
criticismos decrépitos e de estesias decadentes! Abandona Paris! Tarsila! Tarsila! Vem para a mata-virgem,
onde não há arte negra, onde não há também arroios gentis. Há MATA VIRGEM. Criei o matavirgismo.
Sou matavirgista. Disso é que o mundo, a arte, o Brasil e minha queridíssima Tarsila precisam.
Se vocês tiverem coragem venham para cá, aceitem meu desafio.
E como será lindo ver na moldura verde da mata a figura linda, renascente de Tarsila Amaral. Che-
garei silencioso, confiante e te beijarei as mãos divinas.
Com abraço muito amigo do Mário.
AMARAL, A (Org.). Correspondência Mário de Andrade & Tarsila do Amaral. São Paulo: Editora da USP/IEB, 2001. p. 78-80.
* Épatés: palavra do francês que significa deslumbrados.

a) A carta escrita por Mário de Andrade a Tarsila do Amaral aborda importantes questões que fomentaram o
debate político e estético entre os artistas da primeira geração modernista no Brasil. Indique dois aspectos
presentes no texto que reiteram o que foi afirmado acima.
Mário de Andrade demonstra na carta orgulho nacionalista; desejo de pesquisar o que há de mais autêntico na nossa
sociedade; demonstra confiança na produção artística nacional. Todas essas resoluções foram características marcantes do
Modernismo da primeira geração.

b) Determine dois procedimentos linguísticos, comprovados com exemplos retirados da carta, que eviden-
ciam o espírito iconoclasta do modernismo brasileiro.
O grande escritor usa o idioma de maneira livre e coloquial (“Cuidado! fortifiquem-se bem de teorias e desculpas
e coisas vistas em Paris”/ “Tarsila, Tarsila, volta para dentro de si mesma”); emprega neologismos (“parisianizaram”/
“matavirgismo”/ “matavirgista”); e produz efeitos de humor e ironia (“Vocês foram a Paris como burgueses. Estão
épatés. E se fizeram futuristas! hi! hi! hi!”). Todas essas formas de expressão foram bandeiras estéticas dos primeiros
modernistas.

19 (Unesp-SP) Leia o excerto do romance A hora da estrela, de Clarice Lispector (1925-1977).

Será que eu enriqueceria este relato se usasse alguns difíceis termos técnicos? Mas aí que está: esta
história não tem nenhuma técnica, nem estilo, ela é ao deus-dará. Eu que também não mancharia por nada
deste mundo com palavras brilhantes e falsas uma vida parca como a da datilógrafa [Macabéa]. Durante o
dia eu faço, como todos, gestos despercebidos por mim mesmo. Pois um dos gestos mais despercebidos é esta
história de que não tenho culpa e que sai como sair. A datilógrafa vivia numa espécie de atordoado nimbo,
entre céu e inferno. Nunca pensara em “eu sou eu”. Acho que julgava não ter direito, ela era um acaso. Um
feto jogado na lata de lixo embrulhado em um jornal. Há milhares como ela? Sim, e que são apenas um acaso.
Pensando bem: quem não é um acaso na vida? Quanto a mim, só me livro de ser apenas um acaso porque
escrevo, o que é um ato que é um fato. É quando entro em contato com forças interiores minhas, encontro
através de mim o vosso Deus. Para que escrevo? E eu sei? Sei não. Sim, é verdade, às vezes também penso
que eu não sou eu, pareço pertencer a uma galáxia longínqua de tão estranho que sou de mim. Sou eu?
Espanto-me com o meu encontro.
A hora da estrela, 1998.

Literatura 125
Para o narrador, o emprego de “difíceis termos técnicos” seria adequado para narrar a história de Macabéa?
Justifique sua resposta. Transcreva a frase que melhor explicita a inconsciência da personagem Macabéa.
Justifique sua resposta.
Segundo o narrador, não seria adequado o emprego de “difíceis termos técnicos” para narrar a história de Macabéa, já
que ela apresenta uma “vida parca”, sem nenhum luxo ou sofisticação. Além disso, ele também acentua o fato de que a sua
história não tem nenhuma técnica. Portanto, utilizar termos difíceis soaria falso e incongruente tanto com a personagem
quanto com o estilo adotado. A afirmação de que Macabéa nunca pensara em “eu sou eu” sintetiza a inconsciência da
personagem em relação à sua própria vida.

A questão a seguir toma por base um poema de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).

Fuga
De repente você resolve: fugir.
Não sabe para onde nem como
nem por quê (no fundo você sabe
a razão de fugir; nasce com a gente).

É preciso FUGIR.
Sem dinheiro sem roupa sem destino.
Esta noite mesmo. Quando os outros
estiverem dormindo.
Ir a pé, de pés nus.
Calçar botina era acordar os gritos
que dormem na textura do soalho1.

Levar pão e rosca; para o dia.


Comida sobra em árvores
infinitas, do outro lado do projeto:
um verdor
eterno, frutescente (deve ser).
Tem à beira da estrada, numa venda.
O dono viu passar muitos meninos
que tinham necessidade de fugir
e compreende.
Toda estrada, uma venda
para a fuga.

Fugir rumo da fuga


que não se sabe onde acaba
mas começa em você, ponta dos dedos.
Cabe pouco em duas algibeiras2
e você não tem mais do que duas.

126 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Canivete, lenço, figurinhas
de que não vai se separar
(custou tanto a juntar).
As mãos devem ser livres
para pesos, trabalhos, onças
que virão.

Fugir agora ou nunca. Vão chorar,


vão esquecer você? ou vão lembrar-se?
(Lembrar é que é preciso,
compensa toda fuga.)
Ou vão amaldiçoá-lo, pais da Bíblia?
Você não vai saber. Você não volta
nunca.
(Essa palavra nunca, deliciosa.)
Se irão sofrer, tanto melhor.
Você não volta nunca nunca nunca.
E será esta noite, meia-noite,
em ponto.

Você dormindo à meia-noite.


Menino antigo, 1973.
1
soalho: o mesmo que “assoalho”.
2
algibeira: bolso de roupa.

20 (Unesp-SP) Esclareça o motivo do emprego de letras maiúsculas na palavra “fugir”, no verso 5, da repetição
da palavra “nunca”, no verso 43, e explique o que há de comum entre esses dois recursos expressivos.
Tanto no emprego de maiúsculas na palavra “fugir”, quanto na repetição do termo “nunca”, o poeta enfatiza o impulso de
libertação que guiaria as atitudes de quem tomasse a resolução de abandonar a vida que leva. Em ambos, o poeta ressalta a
emoção da realização daquele impulso explorando recursos linguísticos inovadores.

EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

1 (Unesp-SP) Para responder à questão, leia o soneto de Raimundo Correia (1859-1911).

Esbraseia o Ocidente na agonia


O sol... Aves em bandos destacados,
Por céus de ouro e de púrpura raiados,
Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia...

Literatura 127
Delineiam-se, além, da serrania
Os vértices de chama aureolados,
E em tudo, em torno, esbatem derramados
Uns tons suaves de melancolia...
Um mundo de vapores no ar flutua...
Como uma informe nódoa, avulta e cresce
A sombra à proporção que a luz recua...

A natureza apática esmaece...


Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
Surge trêmula, trêmula... Anoitece.
Poesia completa e prosa, 1961.

a) Há no soneto menção a um sentimento que permeia e circunda a natureza retratada. Que sentimento é
esse? Do que decorre tal sentimento?

b) Verifica-se na terceira estrofe a ocorrência de uma antítese. Que termos configuram essa antítese?

Para responder às questões 2 e 3, leia o segundo capítulo do romance Iracema, do escritor José de Alencar
(1829-1877), publicado em 1865.

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da 1graúna, e mais longos
que seu talhe de palmeira.
O favo da 2jati não era doce como seu sorriso, nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito per-
fumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua
guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que
vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da 3oiticica,
mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos.
Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho: o 4aljôfar d’água ainda a 5roreja, como à doce 6mangaba que corou em manhã
de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do 7gará as flechas de seu arco e concerta com o sabiá da
mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.
A graciosa 8ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá
chama a virgem pelo nome; outras, remexe o 9uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes,
os alvos fios do 10crautá, as agulhas da 11juçara com que tece a renda e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua
vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito
da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar, nos olhos o azul triste das águas profundas.
12
Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbu-
lham na face do desconhecido.

128 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


De primeiro ímpeto, a mão 13lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro apren-
deu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a 14ui-
raçaba e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou
a 15flecha homicida; deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
– Quebras comigo a flecha da paz?
– Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que
nunca viram outro guerreiro como tu?
– Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram e hoje têm os
meus.
– Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém,
pai de Iracema.
Iracema, 2006.
1
graúna: pássaro de cor negra.
2
jati: pequena abelha que fabrica delicioso mel.
3
oiticica: árvore frondosa.
4
aljôfar: pérola; por extensão: gota.
5
rorejar: banhar.
6
mangaba: fruto da mangabeira.
7
gará: ave de cor vermelha.
8
ará: periquito.
9
uru: pequeno cesto.
10
crautá: bromélia.
11
juçara: palmeira de grandes espinhos.
12
ignoto: que ou o que é desconhecido.
13
lesto: ágil, veloz.
14
uiraçaba: estojo em que se guardavam e transportavam as flechas.
15
quebrar a flecha: maneira simbólica de se estabelecer a paz entre os indígenas.

2 (Unesp-SP) O modo como o narrador descreve a personagem Iracema está de acordo com os preceitos da
estética romântica? Justifique sua resposta, valendo-se de três expressões retiradas do texto.

3 (Unesp-SP) Leia o trecho do romance O Cortiço, de Aluísio Azevedo (1857-1913), publicado em 1890.

E [Jerônimo] viu a Rita Baiana, que fora trocar o vestido por uma saia, surgir de ombros e braços nus, para
dançar. A lua destoldara-se nesse momento, envolvendo-a na sua 1coma de prata, a cujo refulgir os meneios
da mestiça melhor se acentuavam, cheios de uma graça irresistível, simples, primitiva, feita toda de pecado,
toda de paraíso, com muito de serpente e muito de mulher.
Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as 2ilhargas e bamboleando a cabeça, ora
para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a
punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se
se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo.
[...]
Mas, ninguém como a Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos
de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem
aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante.
[...]

Literatura 129
Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz
ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas,
que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era
o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o
seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito
tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da
terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota
daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas3 que zumbiam em torno da Rita
Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
O Cortiço, 2012.
1
coma: cabeleira.
2
ilharga: anca.
3
cantárida: besouro.

Em que medida a descrição da personagem Rita Baiana afasta-se da descrição de Iracema? Exemplifique sua
resposta com dois trechos retirados do texto de Aluísio Azevedo. Que traço da estética naturalista mostra-se mais
visível na descrição de Rita Baiana?

Texto para a questão 4.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, O tempo cobre o chão de verde manto,


muda-se o ser, muda-se a confiança; que já coberto foi de neve fria,
e enfim converte em choro o doce canto.
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de 2mor espanto:
Continuamente vemos novidades,
que não se muda já como 3soía.
diferentes em tudo da 1esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem – se algum houve –, as saudades.
Sonetos, 2001.
1
esperança: esperado.
2
mor: maior.
3
soer: costumar (soía: costumava).

4 (Unesp-SP) Em um determinado trecho do soneto, o eu lírico assinala a passagem de uma estação do ano
para outra. Transcreva os versos em que isso ocorre e identifique as estações a que eles fazem referência.
Para o eu lírico, tal passagem constitui um evento aprazível? Justifique sua resposta.

Leia um trecho de uma crônica do escritor Eça de Queirós (1845-1900) para responder às questões 5 e 6.

XXIV
O Parlamento vive na idade de ouro. Vive nas idades inocentes em que se colocam as lendas do Paraíso
– quando o mal ainda não existia, quando Caim era um bom rapaz, quando os tigres passeavam docemente
par a par com os cordeiros, quando ninguém tinha tido o cavalheirismo de inventar a palavra calúnia! – e a
palavra mente! não atraía a bofetada!
Senão vejam! Todos os dias aqueles ilustres deputados se dizem uns aos outros: É falso! É mentira! E não
se esbofeteiam, não se enviam duas balas! Piedosa inocência! Cordura1 evangélica! É um Parlamento educado
por S. Francisco de Sales!
O ilustre deputado mente!
Ah, minto? Pois bem, apelo...

130 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Cuidam que apela para o espalmado da sua mão direita ou para a elasticidade da sua bengala? – Não,
meus caros senhores, apela – para o País!
Quanta elevação cristã num diploma de deputado! Quando um homem leva em pleno peito, diante
de duzentas pessoas que ouvem e de mil que leem, este rude encontrão: É falso! – e diz com uma terna
brandura: Pois bem, apelo para o País! – este homem é um santo! Não entrará decerto nunca no Jockey-
-Club, donde a mansidão é excluída, mas entrará no reino do Céu, onde a humildade é glorificada.
É uma escola de humildade este Parlamento! Nunca em parte nenhuma, como ali, o insulto foi re-
cebido com tão curvada paciência, o desmentido acolhido com tão sentida resignação! Sublime curso de
caridade cristã. E veremos os tempos em que um senhor deputado, esbofeteado em pleno e claro Chiado2,
dirá modestamente ao agressor, mostrando o seu diploma: – “Sou deputado da Nação Portuguesa! Apelo
para o País! Pode continuar a bater!”
Uma campanha alegre, ago. 1871.
1
cordura: sensatez, prudência.
2
Chiado: um bairro tradicional de Lisboa e importante área cultural em meados do século XIX.

5 (Unesp-SP) A sentença cristã “Oferece a outra face” pode ser entendida em um aspecto físico e em um
aspecto moral. Transcreva a frase do último parágrafo da crônica em que um político alude a essa sentença,
aponte qual aspecto quer realmente ressaltar e com que intenção o faz.

6 (Unesp-SP) Indique os dois planos de significação que o fragmento de crônica apresenta, identifique a figura
de linguagem utilizada para produzir um deles e explique qual dos dois planos corresponde à opinião real
do cronista.

Texto para a questão 7.


O direito à literatura

1
Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético, ficcional ou
dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore,
lenda, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações.
Vista deste modo a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em
todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar
em contato com alguma espécie de fabulação*. Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz
de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. 2O sonho
assegura durante o sono a presença indispensável deste universo, independentemente da nossa vontade. E
durante a vigília a criação ficcional está presente em cada um de nós, como anedota, história em quadrinhos,
noticiário policial, canção popular. Ela se manifesta desde o devaneio no ônibus até a atenção fixada na novela
de televisão ou na leitura seguida de um romance.
Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a
literatura concebida no sentido amplo a que me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que
precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito.
Podemos dizer que 3a literatura é o sonho acordado das civilizações. Portanto, assim como não é possível
haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste
modo, ela é 4fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclu-
sive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente.
Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus im-
pulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e
atuação deles. Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução
e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo.
CANDIDO, A. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995 (adaptado).
* fabulação: ficção.

Literatura 131
7 (Uerj) “Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível,” (ref. 1)

O trecho acima parte de uma pressuposição que o próprio autor contesta: a de que existiria uma maneira res-
trita de definir a literatura. Identifique outro exemplo do primeiro parágrafo que contenha uma pressuposição
e explique em que ela consiste.

Texto para a questão 8.


O primo Basílio

Ia encontrar Basílio no Paraíso pela primeira vez. E estava muito nervosa: não pudera dominar, desde
pela manhã, um medo indefinido que lhe fizera pôr um véu muito espesso, e bater o coração ao encontrar
Sebastião. Mas ao mesmo tempo uma curiosidade intensa, múltipla, impelia-a, com um estremecimentozi-
nho de prazer. − la, enfim, ter ela própria aquela aventura que lera tantas vezes nos romances amorosos! Era
uma forma nova do amor que ia experimentar, sensações excepcionais! Havia tudo − a casinha misteriosa, o
segredo ilegítimo, todas as palpitações do perigo! Porque o aparato impressionava-a mais que o sentimento;
e a casa em si interessava-a, atraía-a mais que Basílio! Como seria? [...] Desejaria antes que fosse no campo,
numa 1quinta, com arvoredos murmurosos e relvas fofas; passeariam então, com as mãos enlaçadas, num
silêncio poético; e depois o som da água que cai nas bacias de pedra daria um ritmo 2lânguido aos sonhos
amorosos... Mas era num terceiro andar − quem sabe como seria dentro? [...]
E ao descer o 3Chiado, sentia uma sensação deliciosa em ser assim levada rapidamente para o seu
amante, e mesmo olhava com certo desdém os que passavam, no movimento da vida trivial − enquanto ela
ia para uma hora tão romanesca da vida amorosa! [...] Imaginava Basílio esperando-a estendido num divã
de seda; e quase receava que a sua simplicidade burguesa, pouco experiente, não achasse palavras bastante
finas ou carícias bastante exaltadas. Ele devia ter conhecido mulheres tão belas, tão ricas, tão educadas
no amor! Desejava chegar num 4cupê seu, com rendas de centos de mil-réis, e ditos tão espirituosos como
um livro...
A carruagem parou ao pé duma casa amarelada, com uma portinha pequena. Logo à entrada um cheiro
mole e 5salobre enojou-a. A escada, de degraus gastos, subia ingrememente, apertada entre paredes onde
a cal caía, e a umidade fizera 6nódoas. No patamar da sobreloja, uma janela com um gradeadozinho de
arame, parda do pó acumulado, coberta de teias de aranha, coava a luz suja do saguão. E por trás duma
portinha, ao lado, sentia-se o ranger dum berço, o chorar doloroso duma criança.
[...]
Luísa viu logo, ao fundo, uma cama de ferro com uma colcha amarelada, feita de remendos juntos
de chitas diferentes; e os lençóis grossos, dum branco encardido e mal lavado, estavam 7impudicamente
entreabertos...
QUEIRÓS, E. Obras de Eça de Queiroz. Porto: Lello & Irmão, [s.d.].
1
quinta: pequena propriedade campestre.
2
lânguido: sensual.
3
Chiado: bairro de Lisboa.
4
cupê: antiga carruagem fechada.
5
salobre: salgado.
6
nódoas: manchas.
7
impudicamente: sem pudor.

8 (Uerj) “o aparato impressionava-a mais que o sentimento; e a casa em si interessava-a, atraía-a mais que Basílio!”
O texto apresenta o contraste entre o cenário desejado pela personagem Luísa e aquele que verdadeira-
mente encontrou. Transcreva duas frases da narrativa: uma que expresse o desejo da personagem e outra
que indique a realidade encontrada.
As questões a seguir focalizam um trecho de um poema de 1869 do poeta romântico português Guilherme
Braga (1845-1874) e uma marcha de carnaval de Wilson Batista (1913-1968) e Roberto Martins (1909-1992),
gravada em 1948.

132 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Em dezembro

Olhai: naquele operário


Tudo é força, ânimo e vida;
Se o trabalho é o seu calvário
Sobe-o de cabeça erguida.

Deus deu-lhe um anjo na esposa,


E as filhas são tão pequenas
Que delas a mais idosa
Conta dez anos apenas.

Tem cinco, e todas tão belas


Que, ao ver-lhes a alegre infância,
Julga estar vendo as estrelas
E o céu a menos distância;

Por isso, quando o trabalho


Lhe fatiga as mãos calosas,
Tem no suor o fresco orvalho
Que dá seiva àquelas rosas,

[...]

Depois, da ceia ao convite,


Toda a família o rodeia
À mesa, aonde o apetite
Faz soberba a humilde ceia.

[...]

No entanto, como a existência


Não tem em si nada estável,
Num dia de decadência
Este obreiro infatigável,

Por ter gasto a noite inteira


Na luta, cede ao cansaço,
E cai da máquina à beira,
E a roda esmaga-lhe um braço...

Ai! o infortúnio é severo!


Bastou por tanto um só dia
Para entrar o desespero
Donde fugiu a alegria!

Literatura 133
Empenha em vão tudo, a esmo,
Pouco dinheiro lhe fica,
E não lhe cobre esse mesmo
As despesas da botica.

Pobre mãe, pobres crianças!


Já, de momento em momento,
Vão minguando as esperanças,
Vai crescendo o sofrimento;
Heras e violetas, 1869.

Pedreiro Waldemar

Você conhece
O pedreiro Waldemar?
Não conhece?
Mas eu vou lhe apresentar
De madrugada
Toma o trem da Circular
Faz tanta casa
E não tem casa pra morar

Leva a marmita
Embrulhada no jornal
Se tem almoço,
Nem sempre tem jantar

O Waldemar,
Que é mestre no ofício
Constrói um edifício
E depois não pode entrar.
LAPICCIRELLA, R (Org.). Antologia musical popular brasileira, 1996.

9 (Unesp-SP) Explique o caráter metafórico do emprego da palavra rosas na quarta estrofe do trecho repro-
duzido do poema de Guilherme Braga.

10 (Unesp-SP) Na segunda estrofe do trecho reproduzido do poema, Guilherme Braga se serve da palavra idosa
num sentido que não é o habitualmente empregado hoje. Estabeleça essa diferença com base no contexto
em que a palavra é empregada.

11 (Unesp-SP) Indique o que há de comum entre os conteúdos dos dois últimos versos de cada uma das
três estrofes da marcha de carnaval e em que medida representam um protesto a respeito da condição
social do operário.

134 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Textos para as questões 12 e 13.
Texto I
Soneto do Epitáfio
Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia – o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:
Não quero funeral comunidade,
Que engrole “sub-venites” em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:
Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:
“Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro”.
BOCAGE, M. M. B. In: LAJOLO, Marisa.
(Org.) Literatura Comentada: Bocage. São Paulo: Abril
Cultural, 1980. p. 91. Ortografia atualizada.

Texto II
Lembranças de morrer
Quando em meu peito rebentar-se a fibra, [...]
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Descansem o meu leito solitário
Não derramem por mim nem uma lágrima
Na floresta dos homens esquecida,
Em pálpebra demente.
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
E nem desfolhem na matéria impura Foi poeta – sonhou – e amou na vida.
A flor do vale que adormece ao vento:
Sombras do vale, noites da montanha
Não quero que uma nota de alegria
Que minha alma cantou e amava tanto,
Se cale por meu triste passamento.
Protegei o meu corpo abandonado,
Eu deixo a vida como deixa o tédio E no silêncio derramai-lhe canto!
Do deserto, o poento caminheiro
Mas quando preludia ave d’aurora
– Como as horas de um longo pesadelo
E quando à meia-noite o céu repousa,
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Arvoredos do bosque, abri os ramos.
Como o desterro de minh’alma errante, Deixai a lua pratear-me a lousa!
Onde o fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade – é desses tempos AZEVEDO, Á. Lira dos Vinte anos. In: Obra completa.
Que amorosa ilusão embelecia. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000. p. 188-189.

12 (UFJF-MG) Quais são as características do soneto de Bocage (texto I) que nos permitem identificá-lo como
satírico?

13 (UFJF-MG) Os poemas de Bocage (texto I) e Álvares de Azevedo (texto II) tratam diferentemente do mesmo tema.
Identifique esse tema e explicite as maneiras como cada autor o trata, relacionando-as com o contexto de época.

Literatura 135
Literatura GABARITO

Poemas escolhidos de Gregório de


TEMA 1 Matos – Quincas Borba – A relíquia
5 No trecho, os desígnios divinos são atribuídos não à sa-
bedoria, como prega o cânone religioso, mas a atitudes
destemperadas e gratuitas de Deus.
1 a) Baixel é um tipo de embarcação pequena. No texto, o
vocábulo está relacionado ao sentido de fragilidade. Por
Angústia - Romanceiro da
sua vez, “mares” está relacionado à vida, com todas as ten- TEMA 2 Inconfidência - Claro Enigma
tações que podem levar o indivíduo a condenar sua alma.
1 a) As imagens mencionadas demonstram o caráter atribu-
b) A palavra “terra” é utilizada no sentido de pó, “matéria
lado da mente do narrador, que tem ímpetos de violência
vil” de que o ser humano é formado. No contexto de metá-
e anda sem destino pela cidade.
foras náuticas, a palavra também é utilizada no sentido de
terra firme, associada à segurança e salvação. Consideran-
b) Não. O estilo de Graciliano Ramos é marcado pela eco-
do que o texto aborda diretamente uma cerimônia católica
nomia verbal e pelo coloquialismo, o que está relacionado
(a quarta-feira de cinzas), “terra” pode significar ainda a
às atividades e à posição social do enunciador.
própria Igreja Católica, que seria um “porto seguro” para
quem se sentisse perdido na vida.
2 a) Assim como o frango atende a seus impulsos instintivos

2 a) Na primeira estrofe, o enunciador mostra que uma das de seguir uma galinha, Luís da Silva sentia-se atraído pela
funções sociais da poesia é “justiçar”, ou seja, punir seve- sua vizinha Marina.
ramente determinados comportamentos sociais.
b) Trata-se do recurso da onomatopeia, que é a reprodução,
b) Não. O texto ataca com dureza a má conduta do “clé- tanto quanto possível, de um som natural, como um ruído
rigo julgador”. Esse tipo de ataque é frequente na poesia ou a voz de um animal.
satírica de Gregório de Matos, que atinge com seus poe-
mas vários tipos sociais da Bahia do século XVII: fidalgos, 3 a) Os comentários são sobre o inconfidente e poeta árcade
padres, mercadores, letrados etc. Tomás Antonio Gonzaga. Isso se justifica por meio das re-
ferências a Dirceu e Marília, codinomes empregados pelo
3 Trata-se da personagem de Sofia. Os setores da atividade
poeta em suas obras.
social apontados pelo texto a que se associa a personagem
são: a filantropia, a que Sofia se dedica ao constituir uma
b) A última estrofe não registra os comentários da popula-
comissão de mulheres para o auxílio aos desabrigados das
ção da época dos inconfidentes. Trata-se de uma fala do
enchentes de Alagoas, o que servia de máscara para a sua
narrador que permeia vários poemas do Romanceiro e que
verdadeira intenção, que era a de se aproximar de mulhe-
res da alta sociedade carioca; o lazer (que inclui a leitura, pode ser identificada como a voz da própria Cecília Meire-
e que remete ao momento em que Sofia passa a ler para les. Essa característica carrega a obra de um aspecto lírico,
poder conversar sobre romances com suas novas amigas); na medida em que apresenta as opiniões e sentimentos de
e, por fim, a “voga dos bairros habitacionais de prestígio”, uma subjetividade.
como o Botafogo, onde Sofia residiria com o marido Cris-
tiano, depois que ambos tivessem solapado quase toda a 4 a) O trecho opõe a longa duração de um sofrimento à bre-
fortuna de Rubião. vidade de uma vida. Considerando a trajetória da perso-
nagem Marília no Romanceiro, pode-se relacionar “vida”
4 A expressão repetidamente utilizada por D. Tonica é “eu
ao curto período de felicidade do noivado com o poeta
espero”. Essa utilização remete ao estado civil da persona-
Tomás Antônio Gonzaga. O duradouro período de angústia
gem, ainda solteira mesmo se aproximando dos quarenta
anos, o que era demasiado para os costumes do século se deve à vida longa e solitária que Marília padeceu no Bra-
XIX. A insistência no uso da expressão indica que D. Tonica sil, enquanto que o poeta se casou logo depois de chegar
se acostumou a aguardar por um noivo. à África, para onde foi degredado.

136 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


b) A escrava Chica da Silva é associada a uma trajetória de 3 a) As figuras paternais fundamentais de Nove noites são o
riqueza, brilho e imponência. Já a de Marília representa pai do narrador, cujo nome não aparece e o pai de Buell
uma decadência relacionada à frustração amorosa.
Quain, Eric. Há, ainda, Andrew Parsons, fotógrafo amigo
5 No Texto I, os versos são livres (sem métrica regular), en- de Buell com cujo filho, Schlomo, o narrador se encontra
quanto os do Texto II são regulares (alexandrinos: 12 sí- em Nova York; no entanto, essa não é uma personagem de
labas). Além disso, nota-se um diferente tratamento da destaque na narrativa.
linguagem: enquanto no primeiro predomina o coloquia-
lismo (“tinha uma pedra no meio do caminho”), o segundo b) Tanto o antropólogo quanto o narrador tinham proble-
apresenta um tratamento mais clássico e normativo (“uma mas de relacionamento com seus respectivos pais. Aparen-
pedra que havia no meio do caminho”). temente, após a morte de Buell, seu pai Eric interessou-se
apenas em se apoderar dos investimentos deixados por
6 a) Sim. O eu lírico se mostra cético com relação às reve-
aquele. O narrador, por sua vez, sempre teve dificuldades
lações que a máquina do mundo poderia apresentar. Em
em aceitar certos comportamentos paternos, como a vida
Claro enigma, de uma forma geral, há um tom melancólico
aventureira e irresponsável.
e reflexivo acerca do papel da poesia no seu contexto.

b) O verso “a máquina do mundo se entreabriu” descreve 4 a) Ao pesquisar a vida de Buell Quain, o narrador encon-
o principal acontecimento do fragmento, que é a abertura trou certas semelhanças com sua própria história, como os
da máquina do mundo para o eu poético. problemas de relacionamento com o pai, personagem do
trecho transcrito. Além disso, diante da impossibilidade
Campo Geral – Nove Noites –
TEMA 3 Mayombe de chegar a uma conclusão a respeito daquela morte, o
narrador se dispõe a contar a história de sua investigação,
1 a) “Mesmamente que acabavam a arrancação de inhames.” inserindo-se como personagem na própria narrativa.
representa bem o exemplo do que Paulo Rónai diz em
“processos de derivação e tendências sintáticas do povo”. b) No romance, há uma referência explícita ao ataque às
O termo “sujoso” é um dos que “ainda nem registrados” Torres Gêmeas, de Nova York, ocorrido em 11 de setembro
surgem no trabalho de Guimarães Rosa. “Quê que queria?” de 2001, que teria inaugurado um novo tipo de guerra:
é um exemplo típico da utilização da língua popular de a luta contra o terror. A possibilidade de ataques aleató-
Minas sem se contentar com sua mera reprodução. rios do terrorismo (podem acontecer em qualquer lugar, a
qualquer hora, de qualquer modo) provocam esse clima de
b) A linguagem literária desenvolvida por Guimarães Rosa
guerra permanente.
tem o status de criação de uma língua autônoma, com seus
processos linguísticos coerentemente encadeados. A utili-
5 a) Sim. Ondina reconhece-se como uma libertina, defen-
zação de neologismos – que poderiam ser objeto de estu-
dendo o direito de ter a liberdade de se deitar com qual-
do dos lexicógrafos – contribui para o estabelecimento de
quer homem que lhe interessasse.
uma realidade muito peculiar que é o objeto traduzido pela
linguagem. Compreendê-los em sua complexidade é uma b) Não. O comportamento sexual de Estela é apresentado
importante porta de entrada em direção ao sentido da obra. como uma verdadeira patologia moral, da qual ela não con-
seguia se desvencilhar. Considerando o Cientificismo que
2 a) O momento retratado no texto II é um dos mais tris-
orienta o romance O Cortiço, pode-se afirmar que Estela
tes de toda a narrativa: a última conversa entre Miguilim
e Dito. Nela, Dito prevê que a cachorra Pingo-de-Ouro, é animalizada, completamente submissa a seus instintos
que desapareceu, mesmo cega, irá reconhecê-lo. Miguilim, sexuais, sem nenhum tipo de luta pela igualdade de pa-
chorando, entende que a previsão de Dito é a de que está péis sociais entre o homem e a mulher – tal como se vê no
muito próximo à morte, e pergunta se será reconhecido comportamento de Ondina.
pela cachorra no céu. Dito, portanto, previa e se referia
6 a) O diálogo é uma forma democrática de comunicação
à própria morte, ainda que de forma indireta, com uma
postura que indica sua maturidade precoce. e troca de pontos de vista. Por meio dele, o Comandante
Sem Medo, o mais politizado de todos, aproveita a opor-
b) Em uma das lições que transmite ao irmão, Dito se re- tunidade para expressar suas opiniões.
fere ao amadurecimento: “– ‘A gente cresce, uai. O mole
judiado vai ficando forte, mas muito mais forte! Trastem- b) Sim. O recurso empregado é a polifonia. Por meio dele,
po, o bruto vai ficando mole, mole...’”. Essa fala sintetiza a as personagens assumem o papel de narradores em pri-
trajetória do próprio Miguilim: depois de muito castigo, e meira pessoa alternadamente. Assim, a obra não assume
por causa deles, construirá a força de sua personalidade. um único ponto de vista, mas vários.

Literatura 137
Questões Gerais – a sua crônica em torno da ironia, de modo a apresentar sua
TEMA 4 Escolas Literárias opinião crítica ao comportamento hipócrita dos políticos.

1 a) O sentimento que perpassa toda a natureza é a melan- 7 O trecho “desde o que chamamos de folclore, lenda, até as
colia, que decorre do momento em que o sol “agoniza”, formas mais complexas e difíceis da produção escrita das
isto é, em que se se põe. grandes civilizações” demonstra haver a pressuposição de

b) Os termos que configuram a antítese são “sombra” que o folclore e a lenda não são normalmente considera-
e “luz”. dos literatura.

2 O estilo empregado pelo narrador é um dos mais ex- 8 Podem ser identificadas como frases que revelam o de-
pressivos do Romantismo brasileiro. Ao conceder à índia sejo de Luísa: “Desejaria antes que fosse numa quinta...”,
atributos como “lábios de mel”, o narrador idealiza a per- “Imaginava Basílio esperando-a estendido num divã de
sonagem. Ao compará-la a elementos típicos da natureza seda”, “Desejava chegar num cupê seu, com rendas de
como “graúna” e “palmeira”, o narrador expressa o típico centos de mil-réis, e ditos tão espirituosos como um li-
nacionalismo romântico. Além disso, a imediata atração vro...”. Podem ser identificadas como frases que revelam a
entre as personagens demonstra o gosto romântico por realidade encontrada: “A carruagem parou ao pé de uma
narrativas amorosas, como se nota em “O sentimento que casa amarelada, com uma portinha pequena...”, “Logo à
ele pôs nos olhos e no rosto”. entrada um cheiro mole e salobre enojou-a”, “A escada,
de degraus gastos, subia ingrememente, apertada entre
3 Iracema é descrita por meio de uma idealização que a apro- paredes onde a cal caía, e a umidade fizera nódoas”.
xima de uma espécie de ser divino, que não encontraria
par na realidade concreta. Além disso, enquanto a índia é 9 O enunciador associa “rosas” às cinco filhas do operário,
associada a elementos de caráter positivo, Rita Baiana é as- pela beleza e pela alegria com que elas enchem a vida
sociada a elementos negativos, como em “só ela, só aquele do trabalhador.
demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos
de cobra amaldiçoada”. O caráter poderosamente sensual 10 Pelo contexto do poema, pode-se depreender que “idosa”
de Rita Baiana deixa claro que o Naturalismo explora as de- é usada no sentido de “primogênita”. Ou seja, não se trata
terminações sexuais de suas personagens, principalmente de se referir à filha como uma mulher “velha”.
daquelas afrodescendentes.
11 Os dois últimos versos de cada uma das três estrofes do
4 Nos dois primeiros versos do primeiro terceto (“O tempo poema “Pedreiro Waldemar” apresentam contradições
cobre o chão de verde manto,/ que já coberto foi de neve que acentuam o fato de o trabalhador construir coisas
fria”), o eu lírico assinala a passagem do inverno para a concretas e não poder usufruir delas, além de mostrar a
primavera. Essas transformações não se apresentam exa- privação de seus recursos, pois, quando ele almoça, não
tamente como elementos aprazíveis, pois demonstram que tem certeza se irá jantar.
tanto as estações quanto as emoções do poeta estão em
contínua transformação. 12 Pode-se identificar o texto de Bocage como satírico pela
forma desdenhosa com que ele se refere às convenções so-
5 A frase do texto que alude à sentença cristã é “Pode con- ciais e pelo fato de usar vocabulário chulo na última estrofe.
tinuar a bater!”. O cronista estabelece ironicamente uma
relação de analogia entre a humildade cristã e o descara- 13 Os dois poemas abordam o tema da morte e a maneira
mento dos políticos, que sempre apelavam para a coleti- como ambos os enunciadores desejam ser lembrados pe-
vidade da nação a fim de esconder as suas imoralidades. los pósteros, por meio de epitáfios. Álvares de Azevedo,
poeta romântico, trata o assunto com sentimentalismo e
6 No plano explícito (denotação), o enunciador elogia o conta com um epitáfio que idealize a sua existência (“Foi
comportamento cristão dos políticos portugueses, que poeta – sonhou – e amou na vida”). Bocage, por sua vez,
parecem viver na Idade de Ouro, por apresentarem um demonstra valores da típica cultura letrada setecentista
comportamento marcado pela inocência e pela pureza. No ao utilizar termos em latim para ironizar o pedantismo das
plano implícito (conotação), o narrador critica a falsidade classes intelectuais. Diferentemente de Álvares de Aze-
dos políticos, que não se constrangem em se verem de-
vedo, deseja ser lembrado pelos seus atos desregrados
nunciados perante a nação. O narrador, portanto, edifica
e contrários à moralidade cristã.

138 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Redação VESTIBULARES

TEMA 1 Unifesp

ÚLTIMOS TEMAS
2015: O financiamento de campanhas eleitorais por empresas deve ser proibido?
2016: A adoção da pena de morte pode contribuir para a redução do número de crimes hediondos
no Brasil?
2017: O voto nulo é um ato político eficaz?
2018: As redes sociais estreitam os laços entre as pessoas ou as tornam egoístas?
2019: Eutanásia: entre a liberdade de escolha e a preservação da vida.
2020: Vestimentas religiosas no esporte: legitimação da opressão ou liberdade de manifestação
religiosa?

1 (Unifesp)

Texto 1

Recentemente, uma conhecida marca de materiais esportivos decidiu suspender as vendas de seu hijab
esportivo (um lenço que cobre o cabelo, mas deixa o rosto livre). Ele seria vendido em 49 países.
A empresa foi acusada de promover a violência contra as mulheres muçulmanas pelo fato de o hijab ser
visto por várias pessoas como um elemento opressivo. A ministra da saúde da França, Agnès Buzyn, afirmou
que, embora o produto não seja proibido na França, “não é uma visão da mulher da qual eu compartilho”:
“Eu preferiria que uma marca francesa não promovesse o lenço. Tudo o que pode levar à diferenciação entre
mulheres e homens me incomoda.” Aurore Bergé, porta-voz do partido francês A República em Marcha,
também criticou a venda do produto, sugerindo um boicote à rede: “O esporte emancipa: ele não submete.
Minha escolha como uma mulher e cidadã será deixar de depositar minha confiança em uma marca que
afronta nossos valores.”
Outras pessoas, contudo, defenderam a marca pela ação inclusiva e lamentaram a decisão da empresa de
suspender as vendas. Inicialmente, a empresa havia defendido a venda do hijab, alegando que era “uma forma
de tornar o esporte acessível a todas as mulheres do mundo.”
(www.bbc.com, 27.02.2019. Adaptado.)

Redação 139
Texto 2
“Essa marca de materiais esportivos se submete ao islamismo, que tolera mulheres apenas quando têm a
cabeça coberta com um hijab para afirmar sua submissão aos homens. Ela, portanto, nega os valores da nossa
civilização no altar do mercado do marketing identitário.”, declarou no Twitter a polêmica Lydia Guirous,
porta-voz do partido francês Os Republicanos.
A marca respondeu a Guirous, também nas redes sociais: “Fique tranquila, não negamos nenhum dos
nossos valores. Sempre fizemos tudo para tornar o esporte mais acessível em qualquer lugar do mundo. Esse
hijab era uma necessidade de algumas praticantes de corrida, então respondemos a essa necessidade esportiva.”
(https://operamundi.uol.com.br, 27.02.2019. Adaptado.)

Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva um texto dissertativo-
-argumentativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema: Vestimentas religiosas
no esporte: legitimação da opressão ou liberdade de manifestação religiosa?
1 O posicionamento, respeitando os requisitos da proposta, deveria pender mais para um dos polos propostos no tema. No
2 entanto, era possível elaborar ressalvas levando em conta aspectos válidos da posição antagônica. Em todo caso, seria
3 possível considerar, entre outros, os seguintes argumentos.
4 a) Legitimação da opressão
5
1. O uso do hijab é uma prática imposta às mulheres em muitos grupos e regiões, seja por meio de pressões sociais e
6 violência, seja por regimes legais que refletiriam mandamentos religiosos. Assim, ao produzir e vender os produtos, a
7 marca estaria tornando natural e legítima uma forma de opressão contra a mulher;
8 2. O uso do hijab relaciona-se a uma das mais comuns e graves formas de violência contra a mulher, que é o
9 cerceamento da sua liberdade quanto ao próprio corpo, pois tais tipos de vestimenta estão relacionados, em
10 determinados contextos, à propriedade do homem sobre a mulher, que não poderia exibir seu corpo em público;
11
3. Em vez de garantir a inclusão ou o respeito à diversidade, a venda do produto pela empresa, na verdade, atende
12 apenas a interesses comerciais que desconsideram a opressão contra as mulheres, representada pela imposição do
13 hijab, tratando-se, pois, de uma cínica forma de legitimar a injustiça e a violência relacionadas ao gênero.
14 b) Liberdade de manifestação religiosa
15 1. Conforme defende a fabricante e vendedora de artigos esportivos, a comercialização do hijab promove a inclusão
16 de mulheres que usem esse tipo de acessório, em respeito à sua liberdade de crença e manifestação;
17 2. A visão de que o uso do hijab é uma imposição, embora corresponda à realidade de países como a Arábia Saudita e
18 o Irã, pode ser uma generalização depreciativa em relação ao islamismo, já que há mulheres que o usam como opção
19 individual;
20 3. Quando se fala em garantia dos Direitos Humanos, tem-se que a religião é uma escolha pessoal e deve ser
21 respeitada. Isso significa que desconsiderar a escolha individual no que tange ao uso de vestimentas religiosas fere
22 os princípios do artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos;
23 4. O linguista Ludwig Wittgenstein defende que “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Ou
24 seja, entender a roupa como uma manifestação da expressão humana significa compreender os limites culturais
25 do próximo. Ao condenar-se, portanto, o uso de vestimentas religiosas nos esportes, cria-se uma barreira frente ao
26 reconhecimento da cultura muçulmana;
27
5. De acordo com o filósofo esloveno Slavoj Zizek, o que se vê na atualidade é que o multiculturalismo possui um limite, ou
28
seja, é comum que uma cultura não tolere o que outra considera normal. Isso fica muito claro nos textos de apoio, a partir
29 da declaração da ministra da França, Agnès Buzyn, ao afirmar que, embora o produto não seja proibido na França, “não é
30 uma visão da mulher da qual eu compartilho”. Apesar de seu posicionamento claramente ir de encontro a uma opressão
patriarcal contra as mulheres, sua declaração desconsidera a opinião desse grupo que faz uso do hijab, o que fica evidente
ao se constatar que, em momento algum da matéria, houve o pronunciamento de mulheres muçulmanas.

140 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


TEMA 1 Complementar

1 (FCMSCSP)

Texto 1
Em Casa-grande & senzala, obra publicada em 1933, Gilberto Freyre oferece um novo modelo para a
sociedade multirracial brasileira, invertendo o antigo pessimismo. O “cadinho1 das raças” aparecia como uma
versão otimista do mito das três raças: “Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma quando
não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena e/ou do negro”, o que tornava a mes-
tiçagem uma questão de ordem geral.
Era assim que o cruzamento de raças passava a singularizar a nação nesse processo que leva a miscigenação
entre diferentes grupos sociais a se transformar num modelo de sociabilidade. A novidade do seu argumento
estava em destacar a intimidade do lar, suavizar a vida dura do eito2 e fazer de tudo material de exaltação:
enfim uma “boa escravidão”, como se essa não fosse uma contradição em seus termos.
Em resumo, a proposta do livro era repisar, sob novo ângulo, a ideia de uma sociedade misturada e pioneira
em função da ausência de segregação e de uma miscigenação extremada e feliz. Gilberto Freyre executou a
façanha analítica de dar caráter positivo ao mestiço – atribuindo a ele não o atraso do país, e sim sua grande
vantagem de futuro.
(Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling. Brasil: uma biografia, 2015. Adaptado.)
1
cadinho: recipiente em material refratário, geralmente de barro, ferro ou platina, utilizado para as reações químicas em altas temperaturas.
2
eito: roça em que trabalhavam escravos.

Texto 2

“Machado de Assis era um homem negro. O racismo o retratou como branco”. Essas são as primeiras
frases da campanha feita pela Faculdade Zumbi do Palmares, de São Paulo, em parceria com a agência de
publicidade Grey. A ação, lançada em abril – no mês do Dia Mundial do Livro –, tem como propósito ressaltar
a identidade negra de um dos maiores escritores brasileiros e fundador da Academia Brasileira de Letras.
Com o título “Machado de Assis Real”, o projeto incentiva que as pessoas participem de um abaixo-
-assinado para que as editoras parem de publicar livros com fotos nas quais ele aparece embranquecido e
substitua a fotografia distorcida por uma em que o autor apareça com cor e traços físicos negros.
No manifesto da iniciativa, a universidade ainda afirma que “o racismo escondeu quem ele era por séculos.
Sua foto oficial, reproduzida até hoje, muda a cor da sua pele, distorce seus traços e rejeita sua verdadeira
origem” e diz que “já passou da hora de esse erro ser corrigido”.

Redação 141
Luiz Maurício Azevedo, editor-executivo da editora Figura de Linguagem e pós-doutor em Literatura
Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ressalta que “popularmente, pessoas
negras estão ligadas à força física e à animalização, não a seu potencial intelectual. Quando estes indivíduos
ganham projeção por seu talento na literatura, por exemplo, criam-se mecanismos para manter os negros
no lugar de subcategoria. Por isso, transformam uma pessoa negra em branca, porque socialmente negras e
negros ‘não podem ter’ o status de autor. E a história valeu-se da frágil documentação da época para reforçar
a imagem de um Machado de Assis não negro. O Brasil promove a hierarquia das raças por ter suprimido
aquilo que era entendido como diferente”. E acrescenta: “Este país vive em conflito, não vivemos em harmonia
como prega a democracia racial. Houve e ainda há derramamento de sangue”.
(Iarema Soares. “Campanha de universidade recria foto de Machado de Assis para retratá-lo negro”. https://gauchazh.clicrbs.com.br, 01.05.2019. Adaptado.)

Texto 3
“Quanto mais acentuados os traços faciais que evidenciam a origem negra-africana, maior é o impacto do
racismo sobre as pessoas. Assim, socialmente, quanto mais clara a pessoa negra, maiores chances de êxito na
vida ela terá, o que não significa que ela também não seja vítima de racismo”. A explicação dada por Renata
Aparecida Felinto dos Santos, professora adjunta de Teoria da Arte e de Cultura Africana e Afro-Brasileira
na Universidade Regional do Cariri (CE), é o início da compreensão sobre o que é colorismo. Esse conceito
é relativamente recente. Foi cunhado em 1982 pela escritora Alice Walker, no ensaio “If the present looks
like the past, what does the future look like?” (em português, “Se o presente parece o passado, com o que
parece o futuro?”).
Presidente do Conselho Municipal de Política e Cultura de Londrina (PR) e especialista em comunica-
ção popular e comunitária, Luiza Braga esclarece que o colorismo se trata de algo muito ligado à estética: “A
aceitação de uma pessoa negra pela sociedade é julgada pelos traços mais finos, os cabelos mais lisos. Isso
não tira a negritude de quem é mais claro. Esse indivíduo tem a consciência de que é discriminado por ser
negro, mas que não sofre tanto quanto o negro de pele escura.” Já a advogada Elisama Santos, que hoje atua
como escritora e educadora parental, afirma que “A sociedade quer embranquecer o negro. Se perceber que a
pele mais clara permite uma adequação ao padrão eurocêntrico, haverá uma força para que os cabelos sejam
alisados, para que se use uma maquiagem que ‘disfarce’ os traços negros. É uma pressão que as pessoas muitas
vezes nem percebem, pois está incrustada na convivência”. É importante destacar que, quanto mais clara for
a pessoa negra, a mais privilégios ela terá acesso, mas sempre será uma pessoa negra.
(Raquel Drehmer. “Entenda o que é e como funciona o colorismo”.
https://mdemulher.abril.com.br, 08.05.2019. Adaptado.)

Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva um texto dissertativo-argu-
mentativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema: Legado da escravidão no
brasil: entre o racismo e a democracia racial.
.

TEMA 2 Unesp-SP

Critérios de correção

A prova de Redação terá, na sua correção, a atribuição de nota de 0 a 28 pontos. Serão considerados os
seguintes critérios de avaliação:
A) Proposta e abordagem do tema
A leitura da Proposta e da Coletânea deve ser o ponto de partida para a elaboração do projeto de texto.
Nesse critério, portanto, avalia-se se o candidato cumpre o que está sendo solicitado, posicionando-se
frente à proposta e levando em consideração os elementos da Coletânea. Avalia-se, ainda, se o candidato
compreende as ligações de sentido existentes entre Tema e Coletânea, demonstrando domínio do con-
junto total das propostas (textos de apoio, tema e comando com especificação da tarefa a ser realizada).

142 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


B) Gênero/tipo de texto e coerência

Neste critério, avalia-se o desenvolvimento do tipo de texto dissertativo e como a argumentação é


construída. Isto é, avalia-se como o candidato sustenta sua tese em termos argumentativos e como esta
argumentação está organizada, considerando-se a macroestrutura do texto dissertativo (introdução,
desenvolvimento e conclusão). Assim, avalia-se, neste critério, a presença de introdução (apresentação
do assunto abordado ou do ponto de vista a ser defendido), de desenvolvimento (argumentação que
sustente a posição tomada) e de conclusão (término decorrente da argumentação apresentada). Quando
essas partes estão presentes e efetivamente articuladas, percebe-se, no texto, uma progressão temática.
É importante dizer que são avaliadas, também, a qualidade e a pertinência dos argumentos, e a ausência
de contradição entre as ideias apresentadas. Por fim, avalia-se o tipo de interlocução construída pelo
texto: na medida em que se trata de um tipo de texto em que o autor deve analisar, explicar, avaliar e
interpretar uma questão específica de modo a convencer seu interlocutor de que o seu ponto de vista é
o melhor ponto de vista possível, faz-se necessária uma ficcionalização construída a partir da interlocução
entre um enunciador que se mostra como a voz do bom senso/da verdade/da razão e um coenunciador
representado como um auditório universal.

C) Elementos linguísticos (modalidade e coesão)

Avalia-se, neste critério, o uso dos recursos formais da língua portuguesa expressos na superfície textual: as
regras do padrão culto escrito da língua (regras ortográficas, morfológicas, sintáticas). Avaliam-se, também,
a escolha lexical (precisão vocabular) e o grau de formalidade/informalidade expressa em palavras e expres-
sões. É importante considerar que as propostas definem que o texto deve ser escrito em norma-padrão da
língua portuguesa e que o gênero/tipo de texto impõe um grau de formalidade que deve contribuir para
a interlocução definida. Em termos de coesão, avalia-se a capacidade de o candidato utilizar os recursos
coesivos da língua (lexicais, sintáticos e semânticos: anáforas, catáforas, repetições, substituições etc.) de
modo a tornar a relação entre frases e períodos e entre os parágrafos do texto mais clara e precisa.

ÚLTIMOS TEMAS
2015: O legado da escravidão e preconceito contra negros no Brasil.
2016: Publicação de imagens trágicas: banalização do sofrimento ou forma de sensibilização?
2017: A riqueza de poucos beneficia a sociedade inteira?
2018: O voto deveria ser facultativo no Brasil?
2019: Compro, logo existo?
2020: O carro será o novo cigarro?

1 (Unesp-SP)

Texto 1
O mundo enriqueceu-se com uma nova beleza: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com
seu cofre enfeitado de grossos tubos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugindo é
mais belo do que a Vitória da Samotrácia1.
(Filippo Tommaso Marinetti. “Manifesto do Futurismo”. Le Figaro, 20.02.1909. Adaptado.)

1
Vitória da Samotrácia: famosa escultura grega, considerada uma obra-prima do período helenístico e datada, aproximadamente, do ano de 190 a.C. Integra o
acervo do Museu do Louvre.

Redação 143
Texto 2
Cota Zero

Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?
(Carlos Drummond de Andrade. Alguma poesia, 1930.)

Texto 3

(André Dahmer. Quadrinhos dos anos 10, 2016.)

Texto 4
Jaime Lerner, arquiteto e ex-prefeito de Curitiba que priorizou o transporte coletivo na capital paranaense,
chamou o carro de “cigarro do futuro”: “Você poderá continuar a usar, mas as pessoas se irritarão por isso.”
Depois de décadas em que o modelo curitibano, que privilegia corredores de ônibus, vem sendo copiado no
exterior, é ainda lentamente que ganha adeptos no Brasil, com a adoção de corredores e ciclovias e a discussão
de limitar, no Plano Diretor de São Paulo, a oferta de vagas de garagem.
O escritor e empresário australiano Ross Dawson tem opinião parecida à de Lerner: “Um dia as pessoas
vão olhar para trás e se perguntar como era aceitável poluir tanto, da mesma forma como hoje pensamos sobre
o tempo em que cigarro era aceito em restaurantes, aviões e lugares fechados.”
Nos EUA, o carro perde espaço não apenas como meio de locomoção, mas também como objeto de desejo
e expressão de um certo modo de vida. Demografia e economia, além da questão ambiental, fazem com que
menos jovens tirem carteira de motorista e cidades invistam em sustentabilidade para atrair moradores. 20%
dos jovens americanos entre 20 e 24 anos de idade não têm hoje habilitação – e o mesmo vale para 40% dos
americanos de 18 anos. Em ambos os casos, o número de jovens que não dirigem dobrou entre 1983 e 2013,
segundo estudo da Universidade de Michigan.
(Raul Juste Lores. “O declínio de uma paixão”. Folha de S.Paulo, 29.06.2014. Adaptado.)

Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva um texto dissertativo-argu-
mentativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema: O carro será o novo cigarro?
1
Encaminhamentos possíveis
2 A metáfora presente na pergunta-tema “O carro será o novo cigarro?” implica a ideia de redução da utilização desse meio
3 de transporte, uma vez que seria visto como algo nocivo à saúde dos indivíduos e do planeta como um todo. Considerada
4 essa hipótese, o texto poderá ser organizado de modo a assumir um dos possíveis posicionamentos, acompanhados de
5 alguns dos argumentos descritos a seguir:

6 “O carro será o novo cigarro?” Sim.


A visão do carro como representação eufórica da velocidade, assim descrita no Manifesto do Futurismo, no início do

144 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


7 século XX, já não tem mais espaço nas grandes cidades, em que os congestionamentos se tornaram mais frequentes e
8 os deslocamentos da população ocorrem com mais lentidão. Há crescente preocupação com questões ambientais, com
9 impactos na natureza que o excesso de poluição decorrente da utilização de veículos movidos a combustíveis fósseis
10 possa causar. Avança, sobretudo nos grandes centros urbanos, a popularização de formas alternativas de transporte, como
11 patinetes e bicicletas. Os projetos de investimentos em qualidade e em quantidade dos transportes públicos estão cada vez

12
mais em pauta nos discursos das autoridades públicas e tal preocupação se reflete em novas obras em favor desse tipo de

13
transporte, como corredores de ônibus e metrôs.

14
“O carro seria o novo cigarro?” Não.

15
O aumento da renda média do brasileiro nos últimos anos contribui para manter o carro no topo da lista dos objetos de

16
desejo de consumo. Os estímulos fiscais, como a redução de impostos sobre os produtos industrializados, ainda é um
grande incentivo à compra de carros. Hábitos de consumo são determinados pelo estilo de vida e cultura, e a criação de
17
novos hábitos é um processo que requer lenta mudança de valores. Impulsionada a não abrir mão do conforto, segurança e
18
praticidade que o carro proporciona, a população tem substituído gradativamente o automóvel particular pelos carros de
19
aluguel, o que explica a utilização de úberes e táxis. A não utilização do carro depende muito de significativas mudanças
20
estruturais que possibilitem a ampliação de transportes públicos e a adaptação das vias para receber os tipos alternativos de
21
meios de transporte, como a construção de ciclovias. Por vezes, a própria população rejeita as maneiras alternativas, como
22
foi o caso de São Paulo, em que parte significativa da população não acolheu a criação de ciclovias pela prefeitura, ideia
23
praticamente abandonada em gestão posterior.
24
“O carro seria o novo cigarro?” Em termos.
25
Os carros tradicionais, movidos a combustíveis fósseis, poderiam ser desestimulados se houvesse robustos incentivos aos
26
elétricos: menos poluentes, contribuiriam no combate às mudanças climáticas, em linha com o acordo de Paris. O automóvel
27 seria visto, sim, como o novo cigarro se houvesse incentivo à compra de carros menores, capazes de transportar poucas
28 pessoas, uma vez que a média de ocupação é de dois indivíduos – em veículos que transportam até cinco passageiros. O
29 carro teria a mesma percepção negativa do cigarro se sua utilização fosse menos frequente, devido ao uso mais massivo de
30 transportes públicos ou alternativos no dia a dia. O cigarro emprestaria sua imagem negativa aos carros se o poder público
incentivasse caronas e programas de escalonamento de horários de trabalho, a fim de proporcionar maior mobilidade e
redução de veículos em trânsito.

TEMA 2 Complementar

1 (Famerp-SP)

Texto 1
A educação domiciliar ou homeschooling consiste na prática pela qual os próprios pais ou responsáveis
assumem a responsabilidade direta pela educação formal dos filhos, que é feita em casa. As aulas podem
ser ministradas por eles, ou por professores particulares contratados, com o auxílio de materiais didáticos e
pedagógicos.
Mais de 60 países permitem ou ao menos não proíbem a educação domiciliar, como é o caso dos Estados
Unidos, Canadá, Reino Unido, Nova Zelândia, França, Portugal, Bélgica, Irlanda, Finlândia, entre outros.
Outros proíbem essa prática, como Alemanha, Espanha, Grécia e Suécia. A educação domiciliar é um fenô-
meno emergente e crescente e estima-se que apenas nos Estados Unidos, mais de 2 milhões de estudantes
recebem essa modalidade de ensino. No Brasil, apesar de não haver legislação permissiva, acredita-se que
cerca de 7 mil famílias e 15 mil crianças e adolescentes praticavam a educação domiciliar em 2018.
(Alessandra Gotti. “Educação domiciliar: os pais podem optar por substituir a escola no Brasil?” https://novaescola.org.br, 22.04.2019. Adaptado.)

Redação 145
Texto 2
Os críticos da educação domiciliar afirmam que a modalidade impede o processo pleno de socialização
das crianças e jovens, algo que só é possível, segundo eles, no ambiente escolar. Eles argumentam ainda que
a educação domiciliar é uma forma de os pais, por motivos religiosos, morais e ideológicos, isolarem os alunos
da discussão de temas fundamentais para a evolução do aprendizado.
O publicitário Rick Dias, presidente da Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar), discorda:
“Se a Constituição menciona pluralidade de ideias e de concepções pedagógicas, não podemos conceber que
a escolarização seja a única maneira de transmitir conhecimento. Apenas fizemos a opção que entendemos
ser a melhor para nossos filhos”, diz ele.
A pedagoga e docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Telma Vinha, doutora na área
de Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação, discorda: “Escola e família são instituições comple-
mentares, e não capazes de substituir uma a outra no processo de ensino”. “Até que ponto os pais estão ou
estarão preparados para ensinar seus filhos de forma ampla? São e serão capazes de controlar todos os pontos
no desenvolvimento dos valores? E de identificar quando um erro é estrutural ou no desenvolvimento?”.
Já a professora da Faculdade de Educação da Unicamp e autora de uma tese de doutorado sobre o assunto,
Luciane Barbosa, é defensora da educação domiciliar. Luciane apoia a regulamentação dessa modalidade de
educação, mas ressalta que ela deve ser realizada “com muito cuidado”, em grupos de trabalho que envolvam
universidade, famílias, associações representantes e poder público. “Assim será possível fazer com que os di-
reitos de todas as crianças, dentro e fora das escolas, sejam respeitados”, acredita. Para ela, a saída é equilibrar
a liberdade de escolha dos pais com o papel do Estado como ente responsável pela viabilização e fiscalização
do direito à educação das crianças e adolescentes”.
(Eduardo Marini. “Ensino domiciliar não enfrenta os graves problemas educacionais do país”. www.revistaeducacao.com.br, 02.05.2019. Adaptado.)

Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva um texto dissertativo-argu-
mentativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema: A educação domiciliar no
Brasil: exercício da liberdade de escolha ou negligência dos pais?

TEMA 3 Fuvest-SP

Critérios de correção

A redação deverá ser, obrigatoriamente, uma dissertação, na qual se espera que o candidato demonstre
capacidade de mobilizar conhecimentos e opiniões, argumentar coerentemente e expressar-se de modo
claro, correto e adequado.
1. Tipo de texto e abordagem do tema
Verifica-se aqui se o texto do candidato configura-se como uma dissertação e se atende ao tema pro-
posto. Pressupõe-se, então, que o candidato demonstre a habilidade de compreender a proposta de
redação e, quando esta contiver uma coletânea, que ele se revele capaz de ler e de relacionar adequa-
damente os trechos que a integram. A simples paráfrase da coletânea, da proposta e/ou das instruções
não é, em princípio, um recurso recomendável para o desenvolvimento adequado do tema. A elaboração
de um texto que não seja dissertativo ou a fuga completa ao tema proposto farão que a redação não
seja objeto de avaliação em qualquer outro de seus aspectos, recebendo, portanto, nota zero em sua
totalidade. No que diz respeito ao desenvolvimento, verificar-se-á, além da efetiva progressão temática,
também a capacidade crítico-argumentativa que a redação revele.

146 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


2. Estrutura

Avaliam-se aqui, conjuntamente, os aspectos de coesão textual (nas frases, períodos e parágrafos) e
de coerência das ideias. O grau de coerência reflete a capacidade do candidato para relacionar os
argumentos e organizá-los de forma a deles extrair conclusões apropriadas e, também, sua habilidade
para o planejamento e a construção significativa do texto. Serão considerados aspectos negativos a
cópia ou a simples transposição de elementos da proposta, bem como a presença de contradições
entre frases ou parágrafos, a falta de encadeamento das ideias, a circularidade ou quebra da progres-
são argumentativa, a falta de conclusão ou a presença de conclusões que não decorram do que foi
previamente exposto. Serão tidos também como fatos negativos referentes à coesão, entre outros, o
estabelecimento de relações semânticas impróprias entre palavras e expressões, assim como o uso
inadequado de conectivos.

3. Expressão

Avaliam-se nesse item o domínio do padrão culto escrito da língua e a clareza na expressão das ideias.
Serão examinados aspectos gramaticais como ortografia, morfologia, sintaxe e pontuação. Espera-se que
o candidato revele competência para expor com precisão os argumentos selecionados para a defesa do
ponto de vista adotado e, também, que demonstre capacidade de escolher e utilizar expressivamente o
vocabulário, evitando o uso abusivo de clichês ou frases feitas.

ÚLTIMOS TEMAS
2015: "Camarotização” da sociedade brasileira: a segregação das classes sociais e a democracia.

2016: As utopias: indispensáveis, inúteis ou nocivas?

2017: O homem saiu de sua menoridade?

2018: Devem existir limites para a arte?

2019: De que maneira o passado contribui para a compreensão do presente?

2020: O papel da ciência no mundo contemporâneo.

1 (Fuvest-SP)

Texto 1

Luis Fernando Verissimo, As cobras: Antologia Definitiva.

Redação 147
Texto 2
Somente numa sociedade onde exista um clima cultural, em que o impulso à curiosidade e o amor à
descoberta sejam compreendidos e cultivados, pode a ciência florescer. Somente quando a ciência se torna
profundamente enraizada como um elemento cultural da sociedade é que pode ser mantida e desenvolvida
uma tecnologia progressista e inovadora, tornando-se, então, possível uma associação íntima e vital entre
ciência e tecnologia. Essa associação é uma característica da nossa época e certamente essencial para a ma-
nutenção de uma civilização com os níveis presentes de população e qualidade de vida.
Oscar Sala, O papel da ciência na sociedade. 1974. Disponível em http://www.revistas.usp.br/revhistoria. Adaptado.

Texto 3
Quanta do latim
Plural de quantum
Quando quase não há
Quantidade que se medir
Qualidade que se expressar
Fragmento infinitésimo
Quase que apenas mental
Quantum granulado no mel
Quantum ondulado no sal
Mel de urânio, sal de rádio
Qualquer coisa quase ideal

Cântico dos cânticos


Quântico dos quânticos
Canto de louvor
De amor ao vento
Vento arte do ar
Balançando o corpo da flor
Levando o veleiro pro mar
Vento de calor
De pensamento em chamas
Inspiração
Arte de criar o saber

Arte, descoberta, invenção


Teoria em grego quer dizer
O ser em contemplação
Sei que a arte é irmã da ciência

148 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Ambas filhas de um Deus fugaz
Que faz num momento
E no mesmo momento desfaz
Esse vago Deus por trás do mundo
Por detrás do detrás
Cântico dos cânticos
Quântico dos quânticos
Gilberto Gil, Quanta. 1997.

Texto 4
Nós criamos uma civilização global em que os elementos mais cruciais – o transporte, as comunicações
e todas as outras indústrias, a agricultura, a medicina, a educação, o entretenimento, a proteção ao meio
ambiente e até a importante instituição democrática do voto – dependem profundamente da ciência e da
tecnologia. Também criamos uma ordem em que quase ninguém compreende a ciência e a tecnologia. É
uma receita para o desastre. Podemos escapar ilesos por algum tempo, porém mais cedo ou mais tarde essa
mistura inflamável de ignorância e poder vai explodir na nossa cara.
Carl Sagan, 1996.

Texto 5
Algo muito estranho está acontecendo no mundo atual. Vivemos melhor que qualquer outra geração ante-
rior. Pessoas são saudáveis graças às ciências da saúde. Moram em residências robustas, produto da engenharia.
Usam eletricidade, domada pelo homem devido ao seu conhecimento de química e física. Paradoxalmente,
essas mesmas pessoas ligam seus computadores, tablets e celulares para adquirir e disseminar informações
que rejeitam a mesma ciência que é tão presente em suas vidas. Vivemos num mundo em que pessoas usam
a ciência para negar a ciência.
Alicia Kowaltowski, Usando a ciência para negar a ciência. 2019. Disponível em https://www.nexojornal.com.br/. Adaptado.

Considerando as ideias apresentadas nos textos e também outras informações que julgar pertinentes, redija
uma dissertação em prosa, na qual você exponha seu ponto de vista sobre o tema: o papel da ciência no
mundo contemporâneo.

Instruções
• A dissertação deve ser redigida de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa.
• Escreva, no mínimo, 20 linhas, com letra legível e não ultrapasse o espaço de 30 linhas da folha de redação.
• Dê um título a sua redação.
1 Encaminhamentos possíveis
2 Há dois recortes importantes para considerar no tema: a ênfase no papel da ciência e o contexto do mundo contemporâneo.
3 Isso significa que tanto o diálogo com a coletânea textual quanto as informações e reflexões do repertório individual
4 deveriam concentrar-se na função da ciência na atualidade. Nesse sentido, seria interessante considerar, entre outros, os
5 encaminhamentos a seguir
6 1. Embora busque, de modo geral, a melhoria da vida humana, a ciência pode ter efeitos e impactos negativos ao longo
7 da história. A física moderna, por exemplo, lidou com os efeitos da energia nuclear, envolvendo até a possibilidade de
8 uma guerra total capaz de ameaçar a própria possibilidade de vida humana. Nesse mesmo sentido, podem ser citadas
9 as profundas alterações no meio ambiente relacionadas ao desenvolvimento da técnica e da ciência. Por outro lado,
10 podem ser mencionados efeitos positivos, como avanços na medicina e mesmo a importância da pesquisa científica de
11 alertar a sociedade sobre os riscos ecológicos relacionados ao aquecimento global, por exemplo.

Redação 149
12 2. A ciência tem o papel de promover melhorias civilizacionais e de qualidade de vida. Contudo, para isso, é preciso haver
13 uma cultura que a valorize. Pode-se pensar que os pesquisadores têm também o papel de divulgar as suas pesquisas,
14 de maneira que se combata o obscurantismo. Isso pode ser feito por meio da divulgação científica, do letramento
15 científico e de orçamento para universidades e outros centros de pesquisa.
16 3. Outro papel da ciência está ligado à expressão e à criatividade humanas. A ciência pode ser vista não em oposição
17 à arte, mas como “irmã”, conforme os versos de Gilberto Gil. Nesse sentido, vale lembrar que o surgimento e o
18 desenvolvimento da ciência moderna coincidiram com grandes feitos na arte e na cultura em geral, como se personifica
19 na figura de Leonardo da Vinci. Em certo sentido, novas formas de exposição da arte, como naquela dedicada ao
20 renascentista italiano em cartaz no país, usam a tecnologia e a ciência em favor da compreensão da arte. Assim, a
21 valorização da ciência não significa tecnicismo que despreza a arte.
22 4. Ao mesmo tempo em que a ciência está presente em diversos setores no cotidiano das pessoas no mundo
23 contemporâneo, há um desconhecimento e uma desvalorização do saber científico. Esse desencontro abre margem
24 para notícias falsas e afrontas ao consenso científico, como se pode ver no chamado “terraplanismo”, nos movimentos
25 antivacinas e na negação do aquecimento global ou do papel humano nele. Além de se defender dessas ondas
26 de ignorância, a ciência deve enfrentar os desafios trazidos pelo anticientificismo presente em governos atuais,
27 especialmente quanto a políticas relacionadas ao meio ambiente, como nos casos dos governos do Brasil e dos EUA.
28 5. A discussão sobre o papel da ciência foi fundamental no pensamento moderno. A partir do século XVI, especialmente,
29 filósofos como Francis Bacon, Galileu e Descartes construíram a base de um conhecimento autônomo em relação à
30 religião e com a valorização do método e das contribuições “úteis” para a vida. Em vez de uma postura contemplativa,
passou a haver uma postura intervencionista em relação ao mundo. Já mais recentemente, devido aos efeitos no meio
ambiente do desenvolvimento tecnológico, houve uma reavaliação dessa visão da ciência. O filósofo alemão Hans
Jonas, por exemplo, defende uma maior precaução quanto aos efeitos de nossas ações sobre a possibilidade de
sobrevivência de gerações futuras.
6. O papel da ciência pode ser analisado de acordo com a oposição entre razão técnica e razão instrumental, propostas
pelos filósofos Adorno e Horkheimer. A primeira representa a possibilidade de fazer cálculos e planejamentos tendo em
vista alguma finalidade, que envolve até a dominação da natureza e de outros seres humanos. Já a segunda diz respeito
à nossa capacidade de julgar a finalidade das pesquisas, tendo em vista uma visão emancipatória do ser humano. O
nazismo seria um exemplo de que a razão instrumental, sem a razão crítica, pode ter resultados terríveis. Por isso, a
ciência tem o dever de comprometer-se, nas suas buscas e resultados, com o seu sentido humano e libertador.

TEMA 3 Complementar

1 (Fuvest-SP) Examine o texto* abaixo, para fazer sua redação.


Resposta à pergunta: O que é Esclarecimento?
Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade
é a incapacidade de servir-se de seu próprio entendimento sem direção alheia. O homem é o próprio
culpado dessa menoridade quando ela não é causada por falta de entendimento, mas, sim, por falta de
determinação e de coragem para servir-se de seu próprio entendimento sem a tutela de um outro. Sapere
aude!** Ousa fazer uso de teu próprio entendimento! Eis o lema do Esclarecimento.
A preguiça e a covardia são as causas de que a imensa maioria dos homens, mesmo depois de a natu-
reza já os ter libertado da tutela alheia, permaneça de bom grado a vida inteira na menoridade. É por essas
mesmas causas que, com tanta facilidade, outros homens se colocam como seus tutores. É tão cômodo
ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, se tenho um diretor espiritual que

150 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


assume o lugar de minha consciência, um médico que por mim escolhe minha dieta, então não preciso
me esforçar. Não tenho necessidade de pensar, se é suficiente pagar. Outros se encarregarão, em meu
lugar, dessas ocupações aborrecidas.
A imensa maioria da humanidade considera a passagem para a maioridade, além de difícil, perigosa,
porque aqueles tutores de bom grado tomaram-na sob sua supervisão. Depois de terem, primeiramente,
emburrecido seus animais domésticos e impedido cuidadosamente essas dóceis criaturas de darem um
passo sequer fora do andador de crianças em que os colocaram, seus tutores mostram-lhes, em seguida,
o perigo que é tentarem andar sozinhos. Ora, esse perigo não é assim tão grande, pois aprenderiam
muito bem a andar, finalmente, depois de algumas quedas. Basta uma lição desse tipo para intimidar o
indivíduo e deixá-lo temeroso de fazer novas tentativas.
Immanuel Kant
Glossário
* Para o excerto aqui apresentado, foram utilizadas as traduções de Floriano de Sousa Fernandes, Luiz Paulo Rouanet e Vinicius de Figueiredo.
** Sapere aude: cit. lat. de Horácio, que significa “Ousa saber”.

Estes são os parágrafos iniciais de um célebre texto de Kant, nos quais o pensador define o Esclareci-
mento como a saída do homem de sua menoridade, o que este alcançaria ao tornar-se capaz de pensar
de modo livre e autônomo, sem a tutela de um outro. Publicado em um periódico, no ano de 1784, o
texto dirigia-se aos leitores em geral, não apenas a especialistas.
Em perspectiva histórica, o Esclarecimento, também chamado de Iluminismo ou de Ilustração, consiste
em um amplo movimento de ideias, de alcance internacional, que, firmando-se a partir do século XVIII,
procurou estender o uso da razão, como guia e como crítica, a todos os campos da atividade humana.
Passados mais de dois séculos desde o início desse movimento, são muitas as interrogações quanto ao
sentido e à atualidade do Esclarecimento.
Com base nas ideias presentes no texto de Kant, acima apresentado, e valendo-se tanto de outras infor-
mações que você julgue pertinentes quanto dos dados de sua própria observação da realidade, redija
uma dissertação em prosa, na qual você exponha o seu ponto de vista sobre o tema: O homem saiu de
sua menoridade?
Instruções:
• A dissertação deve ser redigida de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa.
• Escreva, no mínimo, 20 linhas, com letra legível. Não ultrapasse o espaço de 30 linhas da folha de redação.
• Dê um título a sua redação.

TEMA 4 Unicamp-SP

A avaliação do texto que deve ser produzido levará em consideração os seguintes critérios da Grade analítica,
detalhada a seguir:

1) o pleno cumprimento da Proposta temática, que envolve a abordagem do tema e a construção


da situação de interação proposta;

2) a presença de recursos discursivos que caracterizem o Gênero textual solicitado;

3) o uso produtivo de elementos dos textos, resultado da Leitura do(s) texto(s);

4) a adequação às Convenções de escrita e o emprego de recursos de Coesão textual.

Redação 151
GÊNERO E ESCRITA
GÊNERO E LEITURA (0 a 8)
(1 a 4)

Proposta Convenções da escrita e


Gênero Leitura do(s) texto(s)
temática Coesão
(G) (Lt)
(Pt) (CeC)
0 1 2 0 1 2 3 0 1 2 3 1 2 3 4
3 3 4
Desenvolve bem G: explora S e Uso produtivo do(s) texto(s): Escolhas lexicais e sintáticas
I e C de acordo com o projeto leitura crítica que caracteriza uma produtivas / Recursos coe-
de texto. apropriação de acordo com o sivos que contribuem para o
projeto de texto / Compreensão texto, ainda que com even-
global e inferências / Ausência de tuais erros.
erros de leitura.
2 2 2 3
Cumpriu Desenvolve G: configura S e/ Uso adequado do(s) texto(s): Escolhas lexicais e sintáticas
plenamente. ou I e C de acordo com o pro- leitura mediana que caracteriza adequadas / Recursos coe-
jeto de texto. um aproveitamento de acordo sivos que não contribuem
A ser detalhado com o projeto de texto / Com- para o texto nem o compro-
com a prova preensão global ainda que com metem.
(GRADE erro pontual que não comprome-
ESPECÍFICA) ta o projeto de texto.
1 1 1 2
Cumpriu Desenvolve mal G: Uso inadequado do(s) texto(s): Escolhas lexicais e sintáticas
parcialmente. apresenta C, mas não I nem S leitura superficial simples / Recursos coesivos
simples ou que comprome-
A ser detalhado OU E/OU tem pontualmente o texto /
com a prova Poucos erros de ortografia e
(GRADE apresenta problemas com C, erro(s) de leitura que
ainda que configure I e/ou S compromete(m) o projeto de tex- acentuação.
ESPECÍFICA)
to E/OU
OU
apresenta apenas traços de T, uso do(s) texto(s) desvinculado de
ainda que configure I e/ou S. um projeto de texto.

0 0 0 1
Não cumpriu. Configura outro G: Escolhas lexicais e sintáticas
Uso insuficiente do(s) texto(s):
inadequadas / Recursos coe-
A ser detalhado não apresenta sequer traços realiza simples menções ou pará- sivos inadequados ou que
com a prova de T do gênero da prova, ainda frase E/OU comprometem globalmente o
(GRADE que configure I e/ou S. texto / Variados e recorrentes
ESPECÍFICA) cópia(s) justaposta(s) do(s) texto(s)
OU erros de ortografia e acen-
tuação / Prevalência de sim-
Não uso do(s) texto(s). ples paráfrase e/ou cópias(s)
justaposta(s) do(s) texto(s).
S: Situação de produção dada no enunciado da prova e de acordo com o gênero;
Descrição

I: Interlocução solicitada e construção de máscara entre os interlocutores;


C: Construção composicional, isto é, progressão característica do gênero;
T: Tipologia(s) textual(is) predominante(s) do gênero.

O candidato terá sua redação anulada (zero) se abordar outro tema que não o da prova;
Anulação

O candidato terá sua redação anulada (zero) se não cumprir nem a Pt nem o G;
O candidato terá sua redação anulada (zero) se apenas copiar o enunciado e/ou o(s) texto(s) da prova.

https://www2.comvest.unicamp.br/vestibular-2021/grade-da-redacao/

152 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Ano Gênero Tema
Síntese Humanização no atendimento à saúde
2015
Carta-convite Conversar para resolver violência escolar
Fábula de La Fontaine sobre enfrentar problemas
Resenha
2016 coletivos
Texto de divulgação científica Indução das emoções
Carta para seção do leitor Brasil cordial e presença de estrangeiros entre nós
2017 Texto de apresentação de Importância de doações para biblioteca
campanha
Texto-base para palestra Pós-verdade
2018
Artigo de opinião Limites para a liberdade de expressão
Abaixo-assinado Doutrinação política nas aulas de Filosofia
2019
Postagem em fórum Indicadores de desenvolvimento: IDH e PIB
Texto para podcast Biodiversidade no Brasil multiétnico e multicultural
2020
Crônica Micromachismo enraizado em nossa sociedade

1 (Unicamp-SP)

Proposta 1

Você trabalha como colunista em uma revista eletrônica brasileira, bastante acessada por ambientalistas de
diferentes países. Esse público demanda, constantemente, matérias sobre a biodiversidade e sobre o cará-
ter multiétnico e multicultural do Brasil. O editor da revista encomendou a você um podcast que aborde a
inter-relação entre esses dois temas e sua importância para a sustentabilidade. Para se preparar para o seu
podcast, você escreve o texto que lerá no dia da gravação. Nele você deve:

a) relacionar biodiversidade e sociodiversidade, b) tratar da importância da preservação do patrimônio


cultural e ambiental para o crescimento sustentável do Brasil e c) argumentar de modo a convencer seus
ouvintes.

Podcasts são arquivos digitais de áudio publicados na internet e que podem ser ouvidos, até mesmo
em celulares, a qualquer momento, por qualquer pessoa. São considerados “textos para ouvir”.

Para redigir seu texto, leve em conta os excertos apresentados a seguir.

1.
O patrimônio genético nacional e os conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade brasileira
contribuem para o desenvolvimento de novos produtos, muitos deles patenteados para ser comercializados.
Isso porque o Brasil é um dos poucos países que reúnem as principais características para ter um sistema
de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais a ele associados, de modo a promover o
desenvolvimento sustentável. A primeira característica é a biodiversidade: são mais de 200 mil espécies já
registradas em seus biomas (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa) e na Zona
Costeira e Marinha. Este número pode chegar a mais de 1 milhão e oitocentas mil espécies. A segunda
característica é a sociodiversidade: são mais de 305 etnias indígenas, com cerca de 270 diferentes línguas,
além de diversas comunidades tradicionais e locais (quilombolas, caiçaras, seringueiros, etc.) e agricultores
familiares, que detêm importantes conhecimentos associados à biodiversidade.
(Adaptado de Patrimônio Genético e Conhecimentos Tradicionais Associados. Disponível em https://www.mma.gov.br/patrimonio-genetico.html.
Acessado em 02/08/2019.)

Redação 153
2.
o cerrado é milagre, como toda a vida
(é também pedaço do planeta que desaparece)
abraço meu irmão pequizeiro
(...) os jatobás sorriem
as perobas não dizem nada, apenas sentem
(...)
agora prepare seu coração:
correntão vai passar e levar tudo
ninho de passarinho rasteiro também
depois do correntão,
brotou o que tinha que brotar
mas já era tarde – faca fina do arado cortou a raiz
pela raiz e aí não brotou mais nada. aliás, brotou
coisa melhor: soja, verdinha, verdinha
que beleza, diziam
(...)
antes de terminar pergunto: quem vai pagar
o preço de tamanha destruição?
“daqui a cem anos estaremos todos mortos”,
disse alguém.
certo. estaremos todos mortos
mas nossos netos, não
o cerrado é milagre, minha gente
(Nicolas Behr, O cerrado é milagre, em Primeira Pessoa.
Brasília: LGE Editora, 2005, p.109.)

3.
O Cerrado é o lugar onde a sabedoria popular se materializa em planta. Lá as aparências, de fato, en-
ganam. Onde se veem arbustos de galhos retorcidos há o mais importante sistema de captação e reserva de
água do Brasil fora da Amazônia. Um sistema baseado em vegetação e que garante nove das principais bacias
hidrográficas do país. Ameaçado pela expansão do agronegócio, reduzido a cerca da metade de seu tamanho
original, ele agora caminha para a maior extinção de plantas já registrada no mundo, com consequências
para a oferta de água e a regulação do clima do centro-sul do país. Falamos de perda de biodiversidade, de
segurança hídrica e climática. Um hectare desmatado de Cerrado tem mais impacto hoje do que um hectare
desmatado na Amazônia. Não se trata de impedir a produção agrícola. Ao contrário, ela tem condições de
aumentar sem precisar desmatar mais – frisa Bernardo Strassburg, diretor do Instituto Internacional para a
Sustentabilidade.
(Adaptado de Ana Lucia Azevedo, Desmatamento do Cerrado pode levar à extinção de 1.140 espécies de plantas.
Disponível em O Globo, 14/10/2018. Acessado em 02/08/2019.)

154 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


4.
O último relatório da ONU que alerta sobre a velocidade com que as espécies estão se extinguindo (uma
de cada oito está ameaçada) assinala que essa destruição da natureza é mais lenta nas terras onde vivem os
povos indígenas do que no resto do planeta. Mas também destaca a crescente ameaça que ronda essas comu-
nidades na forma de expansão da agricultura, urbanização, mineração, novas infraestruturas. O Brasil, que
abriga a maior parte da Amazônia e o ecossistema mais rico do mundo, é um dos países onde essa ameaça
é mais evidente. Segundo Nurit Bensusan, da ONG Instituto Socioambiental (ISA), o papel dos indígenas
ganha uma dimensão importante: “Por conhecerem tão intimamente as florestas, eles têm uma percepção
muito antecipada das mudanças ambientais. Sabem como lidar com isso. Por exemplo, param de caçar em
uma área durante um tempo e assim aliviam o impacto antes que quaisquer outros.” Os indígenas são parte
essencial dos alertas rápidos e da prevenção.
(Adaptado de Naiara Galarraga Gortázar, Por que os indígenas são a chave para proteger a biodiversidade planetária: a ONU destaca que nas terras habitadas
pelos povos originários o desaparecimento de espécies é mais lento que no resto do mundo. Disponível em El País, 08/05/2019. Acessado em 04/08/2019.)

1 Análise da proposta
2 A proposta apresenta a situação de se colocar no lugar de um colunista de revista eletrônica, que recebeu a encomenda
3 de um podcast sobre a biodiversidade e sobre o caráter multiétnico e multicultural do Brasil, voltado para um público
4 de ambientalistas. Dificilmente, é possível caracterizar podcast como um gênero propriamente dito, já que se trata mais
5 de um veículo, como jornal ou revista. Em todo caso, a banca apresentou elementos suficientes para entender com mais
6 especificidade o que era pedido: no caso, um roteiro escrito para um comentário veiculado em podcast. Trata-se de um
7 texto predominantemente dissertativo (o que se evidencia especialmente no item “c”: “argumentar de modo a convencer
8 seus ouvintes”). Dentro dessa proposta, o texto poderia apresentar marcas de oralidade, ter a presença da primeira pessoa
9 do singular e referir-se diretamente à audiência, por exemplo, com o emprego de “você”. Quanto ao público apontado na
10 coletânea, ambientalistas, isso pode dar ao texto liberdade para se valer das informações e dos dados técnicos presentes
11 nos textos de apoio, além de já pressupor um interesse e até militância na área.
12 A coletânea textual, que, especialmente na prova da Unicamp, deve estar presente de forma orgânica no texto, traz quatro
13 textos de gênero diversos. O texto 1, uma matéria sobre patrimônio genético; o texto 2, trechos de poema de
14 Nicolas Behr; o texto 3, uma reportagem de O Globo; e o texto 4, reportagem do jornal El País.
15 Encaminhamentos possíveis
16 Tendo em vista a situação proposta, o gênero textual, o tema e a leitura da coletânea de textos de apoio, era possível, entre
17 outros caminhos, apontar os seguintes aspectos:
18 1. Citar os dados do texto 1 como evidências da biodiversidade e do caráter multiétnico e multicultural do Brasil;
19 2. Enfatizar a importância ambiental e econômica da biodiversidade, que pode se relacionar tanto à necessidade de
20 preservação quanto ao desenvolvimento de novos produtos no país;
21 3. Destacar, como aponta o texto 2, que o desmatamento para o plantio de produtos como soja pode ser uma ameaça à
22 biodiversidade, o que compromete nossa vida atual e a de gerações futuras;
23 4. Citar exemplos de biodiversidade no país. Além da Amazônia, mencionar o Cerrado, mais de uma vez abordado na
24 coletânea, ou outros exemplos, como os recifes de corais do país;
25 5. Relacionar biodiversidade e sociodiversidade (relação presente no texto 4, entre biodiversidade e caráter multiétnico e
26 multicultural), o que conduz à conclusão de que um não pode ser pensado sem o outro, como mostra dado de pesquisa
27 de que há mais preservação em áreas ocupadas por povos originários;
28 6. Tratar da importância da preservação do patrimônio cultural, associar a riqueza à diversidade étnica e cultural, realidade
29 que, no entanto, muitas vezes só enseja representações estereotipadas (dos indígenas, por exemplo).
30

Redação 155
2 (Unicamp-SP)

Proposta 2

Você é um(a) escritor(a) que publica uma crônica em uma revista semanal. Sempre se viu como uma pessoa
livre de preconceitos e sempre apoiou a igualdade de gêneros. Hoje, porém, ao ler uma matéria no El País,
você se deu conta de que, certa vez, vivenciou um episódio em que considerou normal uma das atitudes
listadas nessa matéria, as quais, segundo Ianko López, revelam o micromachismo enraizado em nossa socie-
dade.

Diante da sua tomada de consciência, você decidiu que esse será o tema da sua crônica desta semana.
Identificou, então, entre as atitudes listadas (excerto 1) a que corresponde à situação que você vivenciou. Em
sua crônica, você deve, tal como fez Chimamanda Ngozi Adichie (excerto 2): a) narrar o episódio vivenciado
por você, b) relacioná-lo à atitude micromachista escolhida e c) expor suas reflexões sobre os sentimentos
que o reconhecimento dessa atitude despertou em você.

Crônica é um gênero textual que aborda temas do cotidiano. Normalmente é veiculada em jornais e
revistas. O cronista trata de situações corriqueiras sob uma ótica particular.

Para redigir o seu texto, leve em conta os excertos apresentados a seguir.

1.
As atitudes machistas mais flagrantes são claras para nós. Aquelas que, de forma manifesta e constante,
colocam a mulher em uma posição inferior ao homem em contextos sociais, econômicos, jurídicos e familia-
res. Aquelas que consideram que o homem e a mulher nascem com objetivos e ambições diferentes na vida.
No entanto, apesar das reivindicações históricas dos anos 1970 e da crescente conscientização em relação ao
machismo em todos os âmbitos culturais e políticos nos últimos anos, há pequenos resquícios que continuam
interiorizados em muitos de nós. São sequelas da nossa educação e dos produtos culturais que nos formaram
como pessoas e que fazem com que, apesar de criticarmos e denunciarmos o machismo, ainda possamos cair
em algumas de suas armadilhas sem perceber. O micromachismo, como vem sendo chamado nos últimos
cinco anos, se manifesta em formas de discriminação muito sutis que acontecem todos os dias, até mesmo nos
ambientes mais progressistas. Segue uma lista baseada em exemplos que demonstram que talvez tenhamos
entendido o grosso das reivindicações feministas, mas ainda precisamos ler as letras miúdas.
1. Achei necessário explicar algo a uma mulher sem que ela me pedisse, pelo simples fato de ser mulher.
2. Comentei com um amigo que ficou cuidando dos filhos: “Hoje te deixaram de babá.”
3. Perguntei a uma mulher se ela estava “naqueles dias” quando me respondeu com indiferença ou des-
prezo.
4. Disse que “ajudo” nas tarefas do lar, subentendendo que esse é um trabalho da mulher em que eu estou
ajudando, e não participando em condições de igualdade.
5. Em meu trabalho ou entre amigos, só chamo os homens para jogar futebol, pressupondo que as mu-
lheres não querem jogar.
6. Perguntei a uma mulher quando vai ter filhos, mas nunca perguntei o mesmo a um homem.
7. Pago todos os meus jantares com mulheres acreditando que é o que se espera de mim.
8. Descrevi uma mulher como “pouco feminina”.
9. Usei a palavra “provocante” para descrever a roupa de uma mulher.
10. Comentei que “essas não são formas para uma moça falar”.
11. Na televisão, aprecio homens ácidos e divertidos e mulheres bonitas.
12. Fiz o comentário “Ela é uma mulher forte”, subentendendo que as mulheres, em geral, são fracas.

156 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


13. Deixo meu filho adolescente ficar na rua até as 3 da madrugada, mas obrigo minha filha a voltar
antes da meia-noite.
(Adaptado de Ianko López, Micromachismos: se é homem e faz alguma destas coisas, deve repensar seu comportamento. Disponível em El País.
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/07/politica/1520426823_220468.html. Acessado em 28/06/2019.)

2.
Quando eu estava no primário, em Nsukka, uma cidade universitária no sudeste da Nigéria, no começo
do ano letivo, a professora anunciou que iria dar uma prova e quem tirasse a nota mais alta seria o monitor
da classe. Ser monitor era muito importante. Ele podia anotar, diariamente, o nome dos colegas baderneiros,
o que por si só já era ter um poder enorme; além disso, ele podia circular pela sala empunhando uma vara,
patrulhando a turma do fundão.
É claro que o monitor não podia usar a vara. Mas era uma ideia empolgante para uma criança de nove
anos, como eu. Eu queria muito ser a monitora da minha classe. E tirei a nota mais alta. Mas, para minha
surpresa, a professora disse que o monitor seria um menino. Ela havia se esquecido de esclarecer esse ponto,
achou que fosse óbvio. Um garoto tirou a segunda nota mais alta. Ele seria o monitor. O mais interessante
é que o menino era uma alma bondosa e doce, que não tinha o menor interesse em vigiar a classe com uma
vara. Mas eu era menina e ele, menino, e ele foi escolhido. Nunca me esqueci desse episódio. Se repetimos
uma coisa várias vezes, ela se torna normal. Se vemos uma coisa com frequência, ela se torna normal. Se
só os meninos são escolhidos como monitores da classe, então em algum momento nós todos vamos achar,
mesmo que inconscientemente, que só um menino pode ser o monitor da classe. Se só os homens ocupam
cargos de chefia nas empresas, começamos a achar “normal” que esses cargos de chefia só sejam ocupados
por homens. Eu tendo a cometer o erro de achar que uma coisa óbvia para mim também é óbvia para todo
mundo. Um dia estava conversando com meu querido amigo Louis, que é um homem brilhante e progressista,
e ele me disse: “Não entendo quando você diz que as coisas são diferentes e mais difíceis para as mulheres.
Talvez fosse verdade no passado, mas não é mais. Hoje as mulheres têm tudo o que querem.” Oi? Como o
Louis não enxergava o que para mim era tão óbvio?
(Adaptado de Chimamanda Ngozi Adichie. Sejamos todos feministas. Tradução de Christina Baum. São Paulo: Companhia da Letras, 2015, p. 15-17.)

1
Análise da proposta
2
A proposta solicita que se coloque no lugar de um escritor que publica sua crônica em uma revista semanal. Esse indivíduo
3
é caracterizado como alguém “livre de preconceitos”, mas que se deparou com uma matéria jornalística na qual se revelava
4
que certos comportamentos machistas, nomeados como “micromachismos”, estão enraizados na sociedade e que ele, como
5
sujeito pertencente a ela, não estaria livre de reproduzir alguns deles. O tema da crônica da semana seria a análise de um
6
fato vivido por ele que retratasse esse tipo de intolerância.
7
Para organizar o texto, o candidato deveria fazer a leitura dos textos da coletânea. O primeiro deles seria aquele que o
8
cronista teria lido e que o motivara a escrever o texto da semana, o texto intitulado “Micromachismos: se é homem e faz
9
alguma destas coisas, deve repensar seu comportamento”. O segundo texto, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi, é
10
uma lembrança de sua infância.
11
Encaminhamentos possíveis
12
Seguindo a instrução da proposta, o ponto de partida seria narrar o episódio escolhido dentre os 13 propostos (item a);
13
relacioná-lo ao conceito micromachista desenvolvido no texto 1 (item b); e, por fim, analisar subjetivamente os fatos (item c).
14
A Unicamp solicitou que o percurso de raciocínio do texto fosse do concreto ao abstrato, do fato à reflexão, exatamente o
15
mesmo caminho seguido pelo texto 2. Essa ordem deveria ser rigorosamente cumprida.
16
No entanto, ao estruturar o texto, há a possibilidade de exercitar um pouco mais a liberdade de criação, já que a crônica não
17
obedece a um padrão totalmente fixo. Como descrito na prova, a crônica é um gênero discursivo em que o autor, motivado
18
por um ato/fato do cotidiano, mostra sua visão pessoal, subjetiva. Ao apresentar ao leitor reflexões que, na maior parte
19
das vezes, opõem-se à visão do senso comum, a crônica tem por finalidade levar o interlocutor a perceber certos fatos da
20
realidade para os quais ele nunca se atentou.

Redação 157
21
As crônicas figuram, basicamente, entre as produções do meio midiático, como jornais e revistas e são produções regulares
22 e em espaços fixos – segundo informações da prova, a crônica seria publicada, especificamente, em uma revista semanal.
23 Dessa forma, é possível supor que os leitores da crônica são “fiéis” e que, portanto, eles devem estar familiarizados aos
24 temas e ao modo de escrita do cronista. Isso permite uma maior fluidez na linguagem, resultando em uma informalidade que
25 preserva os laços entre leitor e escritor, aproximando-os. Por essa mesma razão, a crônica costuma ser escrita em primeira

26 pessoa do singular, havendo a possibilidade de o leitor ser convocado a qualquer momento a participar da narrativa por

27
meio de expressões como “você sabe” ou “caro leitor” ou mesmo por meio da utilização da primeira pessoa do plural, como

28
fez a autora do texto 2 em “Se repetimos ...”. Ainda que as normas do português escrito devam ser cumpridas, nas crônicas
são frequentes algumas marcas de oralidade, assim como se vê no texto de Chimamanda o uso recorrente do termo “coisa”
29

ou no trecho “Oi? Como o Louis não enxergava...”.


30

TEMA 4 Complementar

1 (Unicamp-SP)

Você é um(a) estudante do Ensino Médio na rede pública estadual e soube de um acontecimento revoltante
na sua escola: sua professora de Filosofia recebeu ofensas e ameaças anônimas por suposta tentativa de
doutrinação política, ao ter iniciado o curso sobre as origens da Cidadania e dos Direitos Humanos modernos
com o texto a seguir:

Teócrito e o pensamento
A ninguém, nem aos deuses nem aos demônios, nem às tiranias da terra nem às tiranias do céu, foi dado
o poder de impedir aos homens o exercício daquele que é o primeiro e o maior de seus atributos: o exercício
do pensamento.
Podem amarrar as mãos de um homem, impedindo-lhe o gesto. Podem atar-lhe os pés, impedindo-lhe o
andar. Podem vazar-lhe os olhos, impedindo a vista. Podem cortar-lhe a língua, impedindo a fala. O direito
de pensar, o poder de pensar, porém, estão acima de todas as violências e de todas as repressões, que nada
podem contra seu exercício. [...] Parece claro que não há abuso mais abominável que o de tentar impor limi-
tações ao pensamento de qualquer pessoa.
Pretender suprimir o pensamento de quem quer que seja é o maior dos crimes. Pois não é apenas um
crime contra uma pessoa, mas contra a própria espécie humana, uma vez que o pensamento é o atributo que
distingue o ser humano dos demais seres criados sobre a face da terra. [...]
Na vida na cidade, se um homem neutraliza dentro de si o direito de pensar, a cidade pode ser tomada
e dominada pela ferocidade de um tirano, cujo despotismo levará o povo à morte pela fome, pela crueldade
ou por outras formas de injustiça e prepotência. E se não o povo todo, pelo menos uma parte do povo, cer-
tamente, será arrastada à opressão, à tortura, ao cárcere ou a qualquer outra forma de perdição. Os tiranos
não gostam que as pessoas pensem.
Teócrito de Corinto,
filósofo grego, século II d.C.

A direção da escola ainda não se manifestou publicamente sobre o episódio. Indignado(a) com a tentativa
de censura que a professora sofreu por propor aos alunos reflexões fundamentais à formação cidadã, você
decidiu escrever o texto de um abaixo-assinado encaminhado à direção da escola, em nome dos estudantes,
no qual deve: a) reivindicar que a escola se posicione publicamente em defesa da professora; b) reivindicar
a manutenção de aulas de Filosofia que tematizem os Direitos Humanos; e c) justificar suas reivindicações.
Para tanto, você deve levar em conta tanto o texto acima quanto os excertos abaixo.

158 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


1.
A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do forta-
lecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
Artigo XXVI, item 2, 1948.

2.

BECK, Alexandre. Disponível em: <pa.unicamp.br/direitos-humanos-armandinho-na-upa>.


Acesso em: 24 nov. 2018.

3.
No que toca aos direitos humanos, a filósofa Hannah Arendt identificou na ruptura trazida pela experiên-
cia totalitária do nazismo e do stalinismo a inauguração do tudo é possível, que levou pessoas a serem tratadas
como supérfluas e descartáveis. Tal fato contrariou os valores consagrados da Justiça e do Direito, voltados a
evitar a punição desproporcional e a distribuição não equitativa de bens e situações. Arendt propõe assegurar
um mundo comum, marcado pela pluralidade e pela diversidade, o qual, através do exercício da liberdade,
impediria o ressurgimento de um novo estado totalitário de natureza. No mundo contemporâneo, continuam
a persistir situações sociais, políticas e econômicas que, mesmo depois do término dos regimes totalitários,
contribuem para tornar os homens supérfluos e sem lugar num mundo comum, como a ubiquidade da pobreza
e da miséria, a ameaça do holocausto nuclear, a irrupção da violência, os surtos terroristas, a limpeza étnica,
os fundamentalismos excludentes e intolerantes.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hannah Arendt.
Estudos Avançados, v. 11, n. 30, São Paulo, p.55-65, maio/ago. 1997 (adaptado).

4.
O bicho está pegando na educação. Fico pensando em que mundo vivem os que acham que as esco-
las brasileiras sofrem de “contaminação político-ideológica” comandada por “um exército organizado de
militantes travestidos de professores”. É uma baita contradição para quem diz defender a “pluralidade”,
e é o caminho oposto dos países de alto desempenho em educação: Estados Unidos (em que alguns
Estados oferecem educação sexual desde o século XIX), Nova Zelândia, Suécia, Finlândia e França.
No Brasil, querem interditar o debate. Mesma coisa com os estudos indígenas e africanos, classificados
aqui como porta de entrada para favorecer “movimentos sociais”. Já na Noruega, o currículo é generoso
com o povo sami, habitantes originais do norte da Escandinávia. “Doutrinação”, por lá, chama-se res-
peito à diversidade e às raízes da história do país. Para piorar, o principal evangelista dessa “Bíblia do
Mal” seria Paulo Freire. Justo ele, pacifista convicto e obcecado pela ideia de que as pessoas deveriam
pensar livremente. Presos na cortina de fumaça da suposta doutrinação, empobrecemos um pouco mais
o debate sobre educação.
Blog do Sakamoto.
Disponível em: <https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br>.
Acesso em: 5 jul. 2018 (adaptado)

Redação 159
2 (Unicamp-SP)
Sua professora de Geografia abriu um fórum no ambiente virtual da disciplina para discutir o tópico “IDH e
crescimento do PIB como indicadores de desenvolvimento” e propôs as seguintes questões: a) Observe a
classificação do Brasil nos rankings apresentados nos gráficos 1 e 2; b) Interprete os textos 3, 4 e 5; e c) Indique
se haveria diferenças no desenvolvimento social do Brasil caso o país optasse por uma política econômica
que tenha como consequência uma melhor classificação no ranking do IDH ou no ranking do crescimento
do PIB.
Publique uma postagem nesse fórum, na qual, a partir da leitura dos textos indicados abaixo, você deve: a)
apontar em qual ranking o Brasil subiria se privilegiasse os aspectos qualidade de vida e igualdade no de-
senvolvimento social; b) apresentar as consequências de priorizar o consumo para o desenvolvimento social;
e c) argumentar em favor do seu ponto de vista.
1.

Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,


brasil-fica-em-ultimo-em-ranking-de-crescimento-com-47-paises,70002481872>. Acesso em: 28 jun. 2018.

PIB significa Produto Interno Bruto, medida que representa a soma, em valores monetários, de todos os
bens e serviços finais produzidos numa determinada região, durante um determinado período.
2.

PNUD, ed. 14 de setembro de 2018. Human Development Indices and Indicators – 2018 Statistical Update.

IDH significa Índice de Desenvolvimento Humano, medida concebida pela ONU (Organização das Na-
ções Unidas) para avaliar a qualidade de vida e o desenvolvimento econômico de uma população.

160 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


3.
Um breve conjunto de informações para nos fazer repensar as relações de consumo:
• A indústria da moda é a segunda maior consumidora de água no mundo. Só perde para a do petróleo.
• Estima-se que 17% a 20% da poluição da água industrial vem de tingimento e tratamento têxtil.
• Cerca de 15% a 20% de tecido é desperdiçado a cada peça cortada. E tecido não é reciclável.
• Estima-se que 10% das emissões de gases de efeito estufa provêm da indústria da moda.
• As fábricas de moda consomem mais de 130 milhões de toneladas de carvão/ano para gerar energia.
• Para suprir a demanda do consumo, quase toda matéria-prima utilizada na moda resulta em problema:
do algodão, cheio de pesticidas, ao poliéster, oriundo da exploração do petróleo.
• Operários da indústria têxtil em países como China, Índia e Bangladesh trabalham mais de 12 horas
por dia e ganham menos do que 100 dólares por mês.
• Cerca de 80% da mão de obra deste mercado são mulheres. E menos de 2% ganham o suficiente para
viver em condições dignas. Para ganhar mais, elas chegam a trabalhar mais de 75 horas por semana. E tem
quem ache que o consumismo é um problema individual que só diz respeito à própria conta bancária…
GUIMARÃES, Nina. O consumismo destrói o meio ambiente e incentiva o trabalho escravo.
Metrópoles, 19 abr. 2017 (adaptado).

4.
As principais redes de varejo de moda do país associadas à ABVTEX (Associação Brasileira do Varejo
Têxtil) já notam a melhora no ânimo dos consumidores. “O cenário é mais favorável, a partir do momento em
que há maior disponibilidade de crédito; a inflação está abaixo do esperado, com aumento no poder de compra;
e há uma leve redução do desemprego. Esses fatores somados ajudam a elevar a intenção de compra”, aponta
Lima, diretor executivo da ABVTEX. A FGV estima que, em 2018, o PIB cresça 2,5%. Esse crescimento deve
permanecer liderado pelo consumo.
Em 2018, crescimento permanecerá liderado pelo consumo, diz FGV. Disponível em <http://www.abvtex.org.br/>.
Acesso em: 4 maio 2018 (adaptado).

5.
Pelo 12º ano consecutivo, só deu ela: a Noruega foi novamente eleita pela ONU como o melhor país do
mundo para se viver. Segundo Jens Wandel, diretor do departamento administrativo do Programa de Desen-
volvimento da ONU, o sucesso do país consiste em combinar o crescimento de renda com um elevado nível
de igualdade. “Ao longo do tempo, a Noruega conseguiu aumentar sua renda e, ao mesmo tempo, garantir
que os rendimentos sejam distribuídos de modo uniforme.”
Índice de Desenvolvimento Humano: o que faz da Noruega o melhor lugar para se viver?
Huffpost Brasil, 17 dez. 2015 (adaptado).

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170 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


NGL O material que você tem em mãos
foi criteriosamente planejado para
auxiliá-lo a ter êxito nos mais concorridos
vestibulares do país.

As disciplinas aparecem organizadas por


temas, permitindo a você personalizar
seus estudos, privilegiar os assuntos mais
recorrentes nos exames prioritários e
ainda reforçar seus pontos fortes.

727749
829120413

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