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Expediente

Expediente
Editor
Amaral Cavalcante

Produção
Sônia Pedrosa

Design Gráfico
Ananda Barreto
Clara Macedo
Felipe Ferreira
José Clécio
Designer Convidado: Marcos Ribas

Revisão
Rosilene Santos
Vanessa Góes

Assessoria Técnica
Jeferson Melo

Consultores nesta edição:


Ana Libório
Carlos Cauê
Pascoal Maynard

Colaboradores - Neste Número


Danielle Virginie (pesquisadora de história da arte) • Mário Britto (curador de arte) • Fernanda Kolmingm (blogueira) • Antônio da Cruz (artista plástico)
Carlos Cauê (poeta) • Wagner da Silva Ribeiro (poeta) • Jorge Carvalho do Nascimento (professor e jornalista) • João Augusto Gama (militante político)
Bosco Rollemberg (militante político) • Luiz Eduardo Costa (jornalista) • Igor Bacelar (blogueiro) • Marcos Melo (músico e escritor)
Clínio Guimarães (economista) • Lelê Teles (jornalista) • José Paulino da Silva (folclorista)

Cumbuca
Ano II | Número 8
cumbuca@segrase.se.gov.br
(79)3205-7421
Rua Propriá, 227 - Centro
Aracaju - SE

Governo do Estado de Sergipe Serviços Gráficos de Sergipe

Governador Diretor-Presidente
Jackson Barreto Jorge Carvalho do Nascimento

Secretário de Estado de Governo Diretor Industrial


Benedito de Figueiredo Mílton Alves
_________________
Diretor Administrativo-Financeiro
Carlos Alberto Leite Prado

Cumbuca conta com o apoio da Secretaria de Comunicação Social do Governo do Estado de Sergipe.
Ao Leitor
Ao Leitor sumário
sumário
Abre esta edição matéria sobre o ilustrador ser- 32 - POESIAS
gipano Cândido Aragonez de Faria, nascido no ano
Carlos Cauê
de 1849, na cidade de Laranjeiras, então conhecida
como a Athenas Sergipana. Reconhecido como um Wagner da Silva Ribeiro
mestre na produção de peças publicitárias para es-
petáculos da cena parisiense, no final do século XIX, 66 - SÉRGIO BOTTO
e como produtor de cartazes dos primeiros filmes
produzidos no nascedouro da indústria cinematográ-
Marcos Melo CÂNDIDO LEONARDO FÁBIO SAMPAIO
fica, o sergipano Aragonez contribuiu com o seu tra- ARAGONEZ ALENCAR
ço para consolidar o designer característico da Belle 80 - CULTURAS POPULARES
Époque, atuando como ilustrador na célebre Casa José Paulino da Silva
Pathê, em Paris. Informações e vasta iconografia so-
bre esse ilustre sergipano encontram-se aqui, em ar-
86 - LIVROS EDISE Danielle Virginie Mário Britto Fernanda Kolmingm
tigo assinado pela pesquisadora Danielle Virgine.
Ainda na área das artes plásticas, Cumbuca traz
matérias com os pintores Leonardo Alencar, assi-
nada por Mário Britto e Fábio Sampaio, produzida
por Fernanda Kolmingm. Antônio da Cruz aborda a
obra do fotógrafo Nailson Moura em artigo ilustrado
com uma seleção de fotos, da autoria de Nailson.
Os poetas Carlos Cauê e Wagner Ribeiro publi-
cam aqui uma mostra do trabalho que desenvol-
vem, e o escritor Jorge Carvalho do Nascimento
traz-nos uma breve análise sobre a relação entre a
historiadora Maria Thetis Nunes e os intelectuais do NAILSON MARIA THETIS MEMÓRIAS DE
seu tempo. MOURA NUNES IBIÚNA
Reavivando a memória da nossa História recen-
te, os ativistas políticos João Augusto Gama e Bos-
co Rollemberg lembram-nos a violência sofrida por
estudantes sergipanos presos pela ditadura militar Jorge Carvalho do
no episódio do Congresso Estudantil de Ibiúna, em Antônio da Cruz Nascimento João Augusto Gama
1968. Ainda no campo da memória, o Jornalista
Luiz Eduardo Costa discorre sobre o contravertido
bandido Pititó, que, no final da década de 1950,
atanazou a vida social e o aparelho policial sergipa-
no, com suas diabruras.
O músico Sérgio Botto é homenageado nesta
edição com depoimentos dos seus amigos Mar-
cos Melo e Clínio Carvalho Guimarães. Já o músico
Nino Karvan tem o seu trabalho abordado pelo blo-
gueiro Igor Bacelar.
Finalmente, o jornalista Lelê Teles discorre sobre a
evolução da Cultura chamada “da periferia” e o pes-
QUANDO O CAMALEÃO DE PERIFERIA
quisador José Paulino da Silva escreve artigo sobre MATARAM PITITÓ SIMÃO DIAS
o que  ele denomina de “Culturas Populares”, funda- José Clécio com
mentando esta denominação na pluralidade delas.
ilustração de
Cândido Aragonez Luiz Eduardo Costa Igor Bacelar Lelê Teles
Amaral Cavalcante
Editor
CÂNDIDO
ARAGONEZ
DE FARIA
Um sergipano na Belle Epoque
Danielle Virginie

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E m setembro de 2014, Paris ganhou uma fun- entre si, apresentavam em comum o uso de cores
dação dedicada a preservar a memória dos pri- fortes, luminosas, que quando aplicadas em suas
mórdios do cinema. Trata-se da Fundação Jérôme obras tinham muito pouco compromisso com a
Seydoux-Pathé, responsável por reunir um grande real cor das coisas.
acervo que envolve peças essenciais ao surgimento Soma-se a esse grupo Henri de Toulouse-Lautrec,
e à existência da sétima arte: as primeiras câmeras, que para além das telas, foi um importante artista
fotografias, rolos de filmes e inúmeros documentos gráfico francês do final do século XIX. Toulouse-
importantes para o conhecimento dessa história. -Lautrec, assim como Faria, estudou, trabalhou e
Um dos protagonistas da exposição de abertura viveu em Montmartre, e lá se encontrou na boêmia,
da Fundação é o Sergipano Cândido Aragonez de se relacionou com os personagens, os quais retratou
Faria. Festejado em Paris, e pouco conhecido dos sem ocultar os excessos e erotismos, dos ambientes
sergipanos, Faria (não por intimidade, mas pela luxuosos e decadentes da vida noturna parisiense.
assinatura constante em seus trabalhos) é conside- Se Lautrec era o narrador da vida Parisiense


rado por Sophie Seydoux, presidente da fundação, dos finais do século XIX, Faria era o arauto das
“referência para a história do próximas projeções das Casas Pa-
cinema e da publicidade”. O thé. Conta Felipe Aragonez, neto
ilustrador, que trabalhou para de Faria que esteve algumas vezes
as casas Pathé de 1902 até sua em Sergipe a convite de Luiz An-
Fundação Jérôme Seydoux-
morte em 1911, terá exibida tônio Barreto, que seu avô não era -Pathé, situada no prédio do
a sua produção relacionada à Faria começou muito exclusivamente cartazista das Casas antigo Théâtre des Gobelins,

casa até 4 de novembro deste cedo a trabalhar Pathé, mas que, assim como Tou-
em Paris.

ano. São incontáveis cartazes com arte. Sua louse-Lautrec, Georges De Feure e
produzidos para a divulgação formação deu-se Jules Chéret, pintou as apresenta-
de filmes entre 1906 e 1907, ções da dançarina Loïe Fuller, cujas
no Rio de Janeiro
na época em que as projeções performances deixavam boquiaber-
ainda ocorriam em circos. onde, ainda muito tas o público da noite parisiense.
Se os filmes eram mudos, jovem, ingressou na Prova disso é que ela foi retratada
se eram em preto e branco, a Academia Imperial de por, aproximadamente, setenta ar-
divulgação feita por Faria gri- Belas Artes. Iniciou tistas, segundo o historiador e estu-
tava em cores fortes e lumino- suas atividades como dioso da cor John Gage.
sas, o que era quase uma regra Quando escreveu sobre os ar-
caricaturista em 1865,
nas artes gráficas da transição tistas sergipanos que viveram em
do século XIX para o século com apenas 16 anos. Paris no final dos oitocentos, Luiz
XX. Quando Faria se estabele- Antonio Barreto nos apresentou a
ceu em Paris, no ano de 1882, aquela cidade era o relação entre Faria e outro sergipano que viveu e
palco de uma importante ruptura no universo da trabalhou em Montmartre, Horácio Hora. Morto
arte. A geração de 1885, que compreende artistas em 1890, Hora não teve tempo de acompanhar as
como Cézanne, Gauguin, Van Gogh, empreendia inovações trazidas pelo cinema e como isso se re-
uma reação ao Impressionismo. Para Gauguin e fletiu na arte ao redor dos filmes. Segundo Sophie
Cézanne, os impressionistas “procuram ao redor Seydoux, “para cada filme produzido pelas Casas
do olho e não no centro misterioso do pensamen- Pathé, mesmo os mais curtos, era criada uma ilus-
to”. Para Cézanne, Monet “não é mais que um tração”, o que significa afirmar que o cinema ativou Jules Chéret, Folies Bergère. Henri de Toulouse-Lautrec.
La Loïe Fuller, France, 1893. Troupe de Mlle Elegantine
olho”. A esses artistas não etiquetáveis foi dada a a produção gráfica, com cartazes publicitários, pan- (cartaz de 1896).
alcunha de “pós-impressionistas”, que, diferentes fletos e divulgação de projeções em revistas.

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(1849-1911)

ANTES DE PARIS

Faria nasceu na cidade de Laran-


jeiras em 12 de agosto de 1849, fi-
lho do médico baiano José Cândido
de Faria e da espanhola Josefa Ma-
CARTAZES

ria Aragonez. Um incêndio que des-


truiu os arquivos da Igreja Matriz
de Laranjeiras tornou difícil o co-
nhecimento sobre o Casamento de
Josefa Maria e do Dr. José Cândido.
Também desapareceram os registros
de batismos dos outros filhos do ca-
sal e dos óbitos dos avós de Faria,
que residiam em Laranjeiras. Esses
indícios existem graças aos registros
de Felipe Aragonez, que escreveu
uma breve biografia do avô, com
base em pesquisas e memórias de
seu pai, Jacques Faria.
Segundo ele, Faria mudou-se com
a família para o Rio de Janeiro, após a
morte do Dr. José Cândido. Formado
em Montpelier na França, ao retornar
a Laranjeiras, Dr. José Cândido fun-
dou o hospital da cidade em conjunto
com o Dr. Hannibal Costa. Em 1855,
faleceu vitimado pela cólera que de-
vastou aquela cidade. O cenário da
epidemia foi descrito pelo Pe. Fila-
delfo Jonas: “Em 24 de outubro de
1855 a Cólera-morbo ergueu-se em
Laranjeiras com a mortalha em uma
mão e na outra empunhando a foice
da morte, arrastando para a eternida-
de mais de quatro mil pessoas. As câ-
maras de sangue e a varíola atacaram
na mesma ocasião esta cidade, que só
em março de 1856 ficou livre de tão
cruéis flagelos”.
Faria começou muito cedo a tra-
balhar com arte. Sua formação deu-se
no Rio de Janeiro onde, ainda muito
jovem, ingressou na Academia Im-

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Jornal O Mosquito (1869).

perial de Belas Artes. Iniciou suas atividades como América do Sul, cuja técnica passou a dominar, e
caricaturista em 1865, com apenas 16 anos, e cola- utilizar amplamente, inclusive em seus trabalhos
borou com diversos jornais na capital fluminense. no ateliê de Paris. Faria deixou Buenos Aires e foi
Criou seu próprio jornal O Mosquito (1869) e, em para a França em 1882, onde se radicou.
junho de 1974, editou o semanário Mefistófeles, to- O alcance da arte de Faria foi descrito por
talmente ilustrado por ele. Luiz Antonio Barreto: “O micro exemplo é o de
Em 1878, Cândido Faria foi morar em Porto Aracaju, onde o Teatro Carlos Gomes, que sur-
Alegre, cidade onde se tornou conhecido, inicial- giu em 1903, cedeu sua sala para as apresentações
mente, como professor de desenho, pintura a óleo do cinematógrafo, novidade que logo passou a ser
e de aquarela, por ministrar aulas em colégios parti- empresariada. Foi a época dos cinemas, que pre-
culares e por dar cursos em seu ateliê. No Rio Gran- encheram a vida local, antes que o teatro Carlos
de do Sul, sabe-se que Faria manteve a publicação Gomes passasse a ser Cine-Teatro Carlos Gomes,
O Fígaro, com edição feita pela gráfica do jornal depois Rio Branco. Os equipamentos e filmes das
alemão Deutsche Zeitung. Casa Pathé traziam a Sergipe os cartazes produzi-
Após sua permanência na capital gaúcha, trans- dos por Cândido Faria”.
feriu-se para Buenos Aires em 1879. Trabalhando O artista faleceu em Paris, em 17 de setembro
outra vez em jornais, semanários, dentre outros pe- de 1911, e foi enterrado no cemitério de Saint-
riódicos, após três anos na Argentina, era notável Vincent de Montmartre, conhecido como o cemi-
o amadurecimento de sua técnica. Lá, participou tério dos artistas. Seu ateliê permaneceu funcio-
da introdução da litogravura colorida, inovação na nando graças a seu filho Jacques Faria, até 1956.

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N a formação do oceano cul-
tural sergipano, inexoravel-
mente, concorrem, em abundân-
dados a Jordão durante o governo
de Leandro Maciel (1955-1959) e
desenvolvidos na década de 1960,
da Bahia. Em 1966, foi um dos
organizadores da 1ª Bienal Nacio-
nal de Artes Plásticas na Bahia.
cia, as águas que fluem das fontes no governo  de Luiz Garcia.   Em sua pulsante passagem
do clã Alencar. Elas percorrem Quando da montagem desses pela Bahia, foi vitrinista de várias
Sinfonia Sergipana, para o Museu da Gente Sergipana, 2011.
rios e riachos do saber, das letras, painéis, em face da ausência de lojas da Baixa do Sapateiro, cari-
do conhecimento, e desembocam mão de obra qualificada para a caturista do jornal A Tarde e ilus-
nos filhos do poeta Clodoaldo sua execução, o jovem Leonardo trador do  Jornal da Bahia, além
Alencar e dona Eurydice Fontes Alencar e o já consagrado artis- de colaborador, como desenhista,
de Alencar, entre eles, Leonardo ta Jenner Augusto subiram nos do jornal comunista  Novos Ru-
Fontes de Alencar, ou simples- improvisados andaimes de ma- mos. Em Salvador, conviveu entre
mente, Leonardo Alencar, como deira e, utilizando-se da técnica
consigna em suas obras. Nascido da  maruflagem, fixaram os his-
no dia 07 de abril de 1940, na ci- tóricos painéis nas paredes, reali-
dade de Estância, Leonardo é um zando, assim, um grande sonho
desses afluentes que têm trânsito de Jordão de Oliveira, que era
livre em diversos cursos das ar- possuir uma imponente obra em Leonardo Alencar
tes, como a pintura, o desenho, seu estado. Aliás, a amizade entre recebeu uma bolsa
a ilustração, a gravura, a cenogra- Jordão de Oliveira e o seu admi- de artista residen-
fia, a oratória e a poesia. rador Leonardo remota à monta- te para morar na
Desde criança, Leonardo Alen- gem dos painéis em Aracaju. Foi
Europa, quando se
car já mantinha intimidade com Jordão o responsável e o organi-
o universo artístico através das zador da primeira exposição de fixou em Londres,
muitas leituras que fazia de re- Leonardo, no Rio de Janeiro, no onde desenhou para
vistas em quadrinhos. Já adulto, ano de 1961, na Escola Nacional a revista Time Out.
por influência dos artistas sergi- de Belas Artes.
panos Jenner Augusto, J. Inácio  Em Aracaju, Leonardo Alen-
e os irmãos Álvaro e Florival San- car trabalhou como desenhista,
tos, passou a se dedicar ao estudo cenógrafo e discotecário da Rá- artistas e intelectuais do quilate
da pintura. Foi imprescindível dio Cultura de Sergipe, onde de Vinicius de Morais, Mário
para o desenvolvimento de sua produziu e preparou textos para Cravo Junior, Calasans Neto,
carreira o estímulo do pintor e o radioteatro: O Diário de Anne Sante Scaldaferri, Carlos Bastos,

Leonardo
também professor da Escola Na- Frank e A Guerra dos Mundos. Em Kennedy Bahia, Raimundo Oli-
cional de Belas Artes (ENBA), 1961, transferiu-se para Salvador, veira, Lênio Braga, Genaro de
Jordão de Oliveira. onde, inicialmente, foi bolsista Carvalho, Ângelo Roberto, Ema-
Amigo de Jordão de Oliveira, no curso de gravura da Escola de nuel Araújo, Mirabeau Sampaio,

Alencar
Leonardo Alencar, em suas cons- Belas Artes da Universidade da Jorge Amado; dos radicados baia-
tantes visitas que fazia ao mestre, Bahia (UFBA); e, em 1963, passa nos, Floriano Teixeira, Carybé e
em seu ateliê, no Rio de Janeiro, a ser aluno regular nessa universi- Hansen Bahia, além dos conter-
acompanhou os primeiros esbo- dade. No ano seguinte, contrata- râneos Jenner Augusto, Zé de
poeta das cores, pintor das letras ços do que seriam hoje os painéis do como professor, participou da Dome e Nelson de Araújo.
que ornam o foyer do Museu-Palá- implantação da cadeira de Artes  Em 1971, Leonardo Alencar
Mário Britto cio Olímpio Campos, encomen- Visuais da Escola de Belas Artes recebeu uma bolsa de artista re-
Fotos: Justo Ruiz Photography

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Evolução da Electricidade, para a Energisa, 2010.

sidente para morar na Europa, atuando como formador de opi- rincões, em Aracaju, nas décadas Geral do Estado de Sergipe, ten- land, em 1995; e em Boston, em
quando se fixou em Londres, nião, ora quebrando paradigmas de 60, 80, 90; e, nos anos de do uma de suas obras estampada 1996. Leonardo Alencar tem rea-
onde desenhou para a revis- e emprestando a sua intelectuali- 2001, 2002, 2003 e 2004; em na capa da 7ª edição da Revista lizado e participado de inúmeras
ta Time Out. Em 1974, retornou dade aos movimentos de transfor- Salvador, nas décadas de 60, 80, da PGE. exposições. Nunca as artes plásti-
ao Brasil, passando a morar em mação e renovação das artes. Le- 90 e 2000; em Brasília, nos anos   Em comemoração aos seus cas sergipanas estiveram tão bem
Salvador até a década de 1980, onardo é um turbilhão na arte de 1984 e 1993; em Recife, em 51 anos de carreira, em 2011, representadas.
quando voltou para Aracaju, ci- criar, possui uma inesgotável fon- 1987; em Curitiba, em 1989; Leonardo Alencar realizou a ex-   Em sua virtuosa iconogra-
dade em que, atualmente, reside, te criativa e sempre se supera em São Paulo, em 2000; no Rio de posição  Terra Adentro, Mar Afo- fia, além das telas, xilogravuras e
desenvolve a sua arte e ministra suas criações. Sua arte é genuína, Janeiro, nos anos 1961, 1964, ra, na Galeria Manuel Bandeira, ilustrações para livros, Leonardo
cursos de pintura e de história da brota de suas entranhas. É atem- 1969 e 1987. na Academia Brasileira de Letras, Alencar vem produzindo impor-
arte. Leonardo ama o seu ofício e poral, sem prazo de validade. Sua   Em 2006, o presidente da ocasião em que apresentou pintu- tantes murais e painéis temáticos,
dele sobrevive. inteligência não o faz arrogante, Academia Sergipana de Letras, ras, desenhos e xilogravuras. Em destacando-se: Morte e Ressurrei-
 Completo, ousado e atuante, pelo contrário, sua humildade faz o escritor José Anderson Nasci- 2012, participou da coletiva  Co- ção de Jesus Cristo, para a Igreja
Leonardo Alencar é um artista parte de sua sabedoria. mento, lançou o livro  Metáfora leção Mário Britto, edição especial São José, pintura sobre parede,
divisor de águas na cena artística   Depois de sua estreia, em dos Arlequins, as cores na arte de Mostra Aracaju e, em 2013, da em 1993; os painéis do Hospital
sergipana. Ele tem ab- 1959, em uma exposição cole- Leonardo Alencar, e, em 2009, exposição Um sentir sobre as artes João Alves Filho, acrílica sobre
soluta consciência tiva no Palácio-Museu Olímpio com o patrocínio do Banco do visuais em Sergipe - 50 artistas, sob tela, em 1997;  Alegoria ao Tra-
de seu relevante Campos, em Aracaju/SE, Leo- Estado de Sergipe, foi publicado a curadoria de Mário Britto. balho, para o Tribunal Regional
papel nesse ce- nardo realizou a sua primeira in- o catálogo de arte Terra Adentro,   No exterior, já expôs no Pa- do Trabalho, em Sergipe, acríli-
nário como ar- dividual, em 1960, e, desde en- Mar Afora!, Pinturas e Xilogra- namá, em 1966; em Londres, em ca sobre tela, em 2006; Evolução
tista e como tão, vem expondo rotineiramen- vuras. Em outubro de 2009, foi 1971; em Paris, em 1971; em Li- da Eletricidade, para a Energisa,
cidadão, ora te em todo o Brasil, entre outros homenageado pela Procuradoria verpool, em 1972; em Rhode Is- acrílica sobre tela, em 2010; Nas-

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cer do Livro, para a Escola Mu- Filho, da Academia Sergipana zas mortas; animais, como pássa-
nicipal José Carlos Teixeira, tin- de Letras. Em 2012, tomou pos- ros, felinos, cavalos e, predomi-
ta sobre azulejo, 2011;  Forma se como integrante da Comissão nantemente, peixes.
Vítrea, para o Museu da Gente Nacional de Incentivo à Cultura   Na complexidade de seu ta-
Sergipana, tinta sobre azulejo, (CNIC), do Ministério da Cultu- lento, Leonardo Alencar é consi-
em 2011; e Nascer do Som, para o ra, para o biênio 2013/2014. derado por Anna Villar, Especia-
Conservatório de Música de Ser-   Mestre  expressionista, Leo- lista em Conservação e Restau-
gipe, acrílica sobre tela, em 2012. nardo Alencar é desenhista por ração de Bens Culturais, como
  Como ilustrador, Leonardo excelência, tem domínio no uso pertencente ao seleto grupo dos
Alencar fez a capa do livro Lam- da técnica mista, produz muito, modernistas, mas a sua ampla
pião no Noticiário Oficial. Desde mas não se repete, usa cores vi-
2003, pertencente à Confraria brantes, fortes e luminosas. Suas
dos Bibliófilos do Brasil, ilus- obras, sejam aquarelas, sejam de-
trou com bico de pena o livro senhos em bico de pena ou acrí-
Galinha Cega, Mansinho e Ou- lica/óleo sobre tela, não perdem
tros Bichos, do escritor mineiro a poesia, são densas, enigmáticas Como operário da
João Alphonsus; e com duas de- e expressivas. Elas nos obrigam arte, paralelamente
zenas de xilogravuras, o livro de à leitura do subentendido e das à sua atividade de
Otávio de Faria, Três Novelas da entrelinhas, ao contemplá-las se
artista plástico, Leo-
Masmorra. Merecem destaque, estabelece um franco diálogo com
ainda, as xilogravuras, feitas para o observador, que a cada conversa nardo sempre este-
ilustrar o exclusivo  Bestiário da descobre uma nova interpretação, ve ligado aos movi-
Poesia Brasileira, para a Confra- um novo significado; elas não mentos culturais.
ria dos Bibliófilos do Brasil. Re- são estáticas, são questionadoras, Evolução da Electricidade, para a Energisa, 2010.
centemente, Leonardo ilustrou o mexem com nosso imaginário e
livro 140 Curtidas, do advogado, cumprem divinamente o seu mis- palavras. Tenho tido, nestas últi-
ex-presidente nacional da OAB, ter, que é despertar a inquietação produção artística perpassa  pelo mas três décadas, o imensurável
Cezar Britto. dos seus admiradores. impressionismo,  expressionismo prazer de acompanhar, como fã e
  Como operário da arte, pa-  Em sua paleta mágica, o artis- e pela arte abstrata, pois como admirador, a sua brilhante traje-
ralelamente à sua atividade de ta matiza tintas, conta histórias e afirmou o crítico de arte Carlos tória profissional, assisto de perto
artista plástico, Leonardo sempre faz cultura. À primeira vista, as Eduardo da Rocha, Leonardo a toda essa explosão criativa des-
esteve ligado aos movimentos cul- obras de Leonardo nos chamam, é “pintor de todas as coisas deste se multifacetado artista. Visito
turais. Ainda jovem, foi membro apaixonam-nos e denunciam a mundo, extraordinário fixador de constantemente a sua casa-ateliê,
da Arcádia Literária do Colégio sua autoria; suas pinceladas, se- imagens, da natureza e da reali- e, lá, além do forte aroma de suas
Atheneu Sergipense. O conjunto jam pontilhadas ou trabalhadas, dade do mundo corpóreo, como um tintas, sinto-me inebriado pelo
de sua obra o coroou com diversas sejam definidas ou indecifráveis, verdadeiro humanista”. seu talento. É um amontoado de
e importantes premiações e o cre- são sempre inconfundíveis, e  Em Sergipe, na Bahia, na Eu- obras findas, por terminar, por
denciou, em 1972, como sócio do isso, por si só, consagra-o, fa- ropa, ou aonde quer que tenha começar, mas todas destinadas
Instituto Nacional de Arte Con- zendo dele um artista único. Os ido ou ainda vá, Leonardo sem- a inserir o nome de Leonardo
temporânea na Inglaterra, vindo temas recorrentes são os perso- pre deixa e deixará a sua marca Alencar no rol dos mais talento-
ainda a ser, desde 2005, o ocupan- nagens da Commedia dell’ Arte: registrada de artista nas suas colo- sos e completos artistas brasilei-
te da cadeira número 9 do Movi- pierrôs, arlequins e colombinas; ridas pinceladas, nas suas coeren- ros. Bravo, Leonardo! Poeta das
mento Cultural Antônio Garcia figuras em poses eróticas; nature- tes atitudes e nas suas inteligentes cores, pintor das letras.
Nascer do Som para o Conservatório de Música de Sergipe, 2012.

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Retrovisor
Fernanda Kolmingm

Acabou virando rotina. Todos


os dias, o artista plástico Fá-
bio Sampaio, santista, de 42
anos, sai de casa e vai ao seu
ateliê e dedica-se a uma pes-
quisa sobre seu processo de
criação, imprimindo nas suas
obras todos os estímulos do
seu cotidiano, vida e memó-
ria. Em 2013, o artista come-
morou 20 anos dedicados
às artes visuais. E o espaço
da Pinacoteca do CULTART
– UFS mostrou um pouco
dessa trajetória, com a ex-
posição “Retrovisor”, na qual,
o espectador tem mais uma
oportunidade de assimilar
sua extraordinária poética.

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Exposição Anotações para um Roteiro, 2012.
O processo de criação do ar-
tista Fábio Sampaio consiste
na capacidade de articular obje-
primeira vista, o que se percebe
é o cromatismo de suas obras,
que provoca nossa sensibilidade.
“interior de sua casa/vida/mun-
do” e nos faz refletir sobre a rea-
lidade que nos cerca.
consegue, talvez por isso, alcan-
çar todo o público.
Assim Fábio Sampaio desen-
tos diversos, que nos chamam a Mas sua obra está principalmen- Em essência, sua produção é o volve seu trabalho de forma única.
curiosidade, estabelecendo uma te ligada à vida cotidiana, que se resultado da síntese de sua arte e Trata-se de um estilo individual
relação de sensibilidade e leveza. mostra diante de nós, por vezes, sua vida. Através de suas memó- que cada um desenvolve que pode
A importância de sua obra é que desmaterializada e nos evidencia rias, ele desenvolve uma poéti- ser referido ao que diz a artista
ela se manifesta numa sociedade uma comum inquietude do ho- ca enigmaticamente plural. Em plástica Fayga Ostrower: “O estilo
contemporânea. Daí a importân- mem contemporâneo. As ima- seus trabalhos, ele utiliza uma individual de uma pessoa corres-
cia de se investigar a obra deste gens que sua produção plástica diversidade de materiais, reco- ponde a seu modo de ser, de vi-
artista que, ao se apropriar de suscita em nós são curiosas, car- nhecidos ou não, que leva o olhar ver, de conviver e de produzir. [...]
objetos do cotidiano, dá sentido regadas de dúvidas e, em deter- do espectador a se surpreender, É a essência de uma pessoa, sua
a tudo que é produzido na pai- minados momentos, verdadeira- notadamente em suas incursões interação, sua própria coerência
sagem, em galerias ou em espa- mente viscerais. Sim, por vezes, artísticas no meio urbano. Com interior. [...] desenvolve sua per-
ços públicos, enquanto local de em suas obras transparentes até uma linguagem universal, Fábio sonalidade, se estrutura e estrutu-
intermediação social e cultural, as vísceras estão à mostra. En- Sampaio nos conduz a conceitos ra sua obra.” Logo, não é apenas
apontando para relações sociais tão, é o todo que sua obra exibe, relativos a uma imagística con- uma apropriação, mas uma nova
de estranhamento. o que tendemos a ocultar. Sua temporânea, pois sua arte é ques- maneira de apresentá-las de acor-
Questionamos: o que é pecu- obra intimista, mas também, por tionadora, cheia de apropriações do com seu modo de ser, de se dar.
liar na arte de Fábio Sampaio? À vezes, desestabilizadora, revela o desse universo do homem atual e Ele cria, assim, outra ideia para os
objetos ou imagens que reproduz,
procurando alcançar a mais pro-
funda realidade das coisas, que é
a sua verdadeira fonte de criação.
A memória do artista é cons-
truída individualmente a partir
da junção das coisas presentes na
Farol-aid, 6x1,5m, 2006.

Vende-se, Outdoor na Praça Fausto Cardoso, 2001.

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Esse aspecto bem presente internos ou através de seus regis- ja, buscando o ritmo da cidade,
na composição poética de Fábio trados em diários, anotações em sintetizando suas formas e suas
Sampaio, em que se faz evidente papel ou agendas, de filmes assis- cores, constituindo um mundo
a incorporação de objetos extra- tidos, lembranças, livros. Assim próprio dessa natureza comum
-artísticos, sem nenhum valor sendo, o artista constrói, a partir do lugar. Ele espreita a cidade,
estético. Nos seus trabalhos isso de sua imaginação e de seus expe- acompanha seus movimentos,
é bastante recorrente e eles são rimentos, no decorrer da pesqui- suas mudanças. Ao inserir seus in-
levados à condição de arte por sa, seu mundo artístico em que quietantes signos e imagens den-
ganharem sua assinatura e por vai transformando os objetos do tro da cidade, por meio de suas
estarem ou não em espaços de cotidiano em arte. A autora Cecí- intervenções artísticas, ele o faz
exposição. O artista faz isso com lia Salles coloca que, no processo com objetividade e clareza. Sua


propriedade, como podemos sentir criativo, a obra passa por diversas obra estabelece um diálogo vivo
nos seus trabalhos para a exposição e constante nos espaços urbanos,
“Anotações para um Roteiro”. uma vez que caminha no vaivém
Nesses trabalhos, agencia uma da cidade com muita proprieda-
justaposição de objetos desconexos, de. A poética de Fábio Sampaio
como botões, relógio, cartas de Ele não utiliza apenas nos remete às palavras de Kevin
baralho, notas fiscais, senhas, Lynch: “A cada instante, há mais
sua paleta de cores,
imagens de santos, brinquedos, do que o olho pode ver, mais do
entre outros. Estes elementos são mais sim todos os que o ouvido pode perceber, um
associados e agregados à superfície materiais percebidos cenário ou uma paisagem espe-
da tela. Ele não utiliza apenas sua pelos olhos, que se rando para serem explorados.
paleta de cores, mais sim todos tornam ferramentas Nada é vivenciado em si mesmo,
os materiais percebidos pelos necessárias para a mas sempre em relação aos seus
olhos, que se tornam ferramentas arredores, [...] conduzem, à lem-
construção de sua
necessárias para a construção de brança de experiências passadas”.
sua poética. poética. A obra de Fábio Sampaio é,
Sampaio concede, assim, uma de fato, fruto de um olhar inqui-
nova importância aos objetos co- hipóteses: “No momento da cons- sidor, que contextualiza, que dá
muns do cotidiano. Ele estabelece trução da obra, hipóteses de natu- sentido a tudo o que é produzido
Exposição Anotações para um Roteiro, 2012. uma relação com as imagens frag- rezas diversas são levantadas e vão na paisagem, que nossos olhos
mentadas da memória, numa ten- sendo postas à prova. São feitas não mais conseguem ver, pois no
sociedade, as quais estão sempre “Creio que a Arte é a única forma deve ter consciência da sua in- tativa de comunicação direta entre seleções e opções que geram alte- horizonte contemporâneo não
abertas a mudanças pela constante de atividade pela qual o homem dividualidade, do seu eu, de ter obra, artista e público. Por meio rações e que, por sua vez, concre- há tempo para a contemplação.
aceleração das transformações no se manifesta como indivíduo. Só um olhar amadurecido, pois no de signos e símbolos retirados do tizam-se em novas formas. É neste Enfim, podemos dizer que Fábio
tempo e no espaço, pois estão in- por ela pode superar o estado ani- processo de criação ficarão regis- seu imaginário, que são motivados momento de testagem que novas Sampaio é um artista contempo-
timamente ligadas com sentimen- mal, porque a Arte desemboca em tradas todas as suas inquietações, por questões do seu tempo atual, realidades são configuradas, ex- râneo, que compreende e adapta
tos que levam a produzir imagens regiões que nem o tempo nem o o que é e como pensa. O artista, o artista reproduz imagens que em cluindo outras. […] Tudo é mutá- suas formas e cores na descober-
que o artista faz de si, para si e espaço dominam. Viver é crer – ao então, deixa seu legado, seus pen- alguns momentos são irônicas. vel, mas nem sempre é mudado”. ta de novas possibilidades. Ele
para outro. A arte é, de fato, algo menos é isto o que eu creio”. samentos, suas memórias, suas Logo, o trabalho do artista é Assim, a obra desse impor- encontra, dessa forma, a simples
muito individual, conforme afir- Assim como Duchamp, Fá- lembranças em diversos momen- pautado em constantes reflexões, tante artista pulsa em sua rela- razão de se ter tornado artista, ou
ma o pintor francês Duchamp: bio Sampaio, afirma que o artista tos de sua criação. estabelecidas através de diálogos ção com Aracaju. Seu olhar via- seja, de criar para todos.

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O homem,
a terra e
a luta pela
imagem
Antônio da Cruz
Fotos: Nailson Moura

Casa de sertanejo | Canudos/BA

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O homem

O homem pode ser rude, de


poucas palavras, como o taci-
turno Fabiano, do romance Vidas
Secas, de Graciliano Ramos. Pode
ter percorrido trilhas portando
sonhos e afugentando perspec-
tivas incertas. O homem típico
forjado pelo ambiente dos rincões
sertanejos caleja as mãos tempe-
rando a esperança. No equilíbrio
daquele ecossistema o homem é
o estranho que usufrutua da na-
tureza, enfrentando a brutalidade
do sol e a escassez de água.
Para Nailson Moura, sertanejo estava em N. S. das Dores. Foi um esperançosos. Assim Nailson se
ribeirinho ou beiradeiro, do Rio período de muitas descobertas. bandeou para Aracaju, a capital
São Francisco, nascido dia 25 de Com a mesma inquietude, de Sergipe, impregnado das suas
outubro de 1962, no Curral de lá se iniciou na pintura e na referências sertanejas.
Pedra, atual Gararu, não lhe fal- música com o Mestre Edilberto; As boas lembranças vêm dos
tou água nem palavras no reper- trabalhou em loja de roupas como grandes Mestres, pessoas que de-
tório, o que lhes sobravam foram vendedor e até como locutor. tinham profundos conhecimen-
inquietações. Até os seus 11 anos Escrevia o texto e anunciava tos em suas áreas de atuação, tais
de idade, quando o seu pai, fun- no sistema de autofalante do como: Mestre Alvinho, exímio
cionário dos correios, foi transferi- comércio da cidade, nos dias da marceneiro da cidade e uma das
do para N. S. das Dores, ele viveu feira, às segundas. Foi o prenúncio pessoas mais espirituosas que co-
em Gararu. Infância de riqueza das atividades no rádio, no nheceu; Mestre Moisés, de uma
lúdica e feliz. Caçou de baleadeira início dos anos 80, em Aracaju, sabedoria profunda; Seu Manoel
(estilingue), mato adentro; nadou quando atuou como radialista. Olhinho, a pessoa mais generosa,
e pescou no Velho Chico; jogou Ainda residindo em Dores, que, em tempos de seca matava a
bola na rua; brincou de circo – o concluiu o curso de técnico no fome de muita gente; a sua pri-
famoso “Circo Onze Perigos” –, Colégio Agrícola, Quissamã, São meira professora, Adélia, “A mi-
vendeu picolé da Tia Sônia para Cristóvão, Sergipe. nha primeira luz e que me ensi-
ganhar um trocadinho; empurrou Chega um tempo em que as nou durante os primeiros quatro
o carrinho de madeira de Mano- inquietações infantis dão lugar anos e decisiva nos rumos que
el, o buraqueiro, – nome dado a às preocupações juvenis, e des- tomei doravante” diz; o seu Avô
morador do município de Porto tas, vêm as responsabilidades de Paterno, o “Véio Moura”, como
da Folha –, ambulante, carrega- adulto. Arribar, procurar outras era conhecido na cidade. “Ele é
do de mercadorias de tecido para paragens, fazer o próprio tempo minha maior referência como
vender de porta em porta e obter e sina, termina sendo a solução homem e cidadão, uma pena só
como pagamento uma camisa ou para gerações a fio. O homem ter convivido com ele os meus
outras peças de vestuário. migra. Do lugar, ele leva consi- sete primeiros anos de vida, mas,
Entre seus 11 e 17 anos, go reminiscências, pedaços de anos que deixaram em meu DNA
segunda metade dos anos 70, vivências de tempos inocentes e o gen (gene) do que sou.” Outros Vaqueiro Encourado | Sertão Sergipano

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muito bem conheceu os sertões e
sua gente brava e valorosa, cuja
têmpera é a determinação para
vencer o impossível, na labuta
diária de secas longas e chuvas
parcas, mesmo à beira do “Rio da
integração nacional”, sendo tam-
bém este mesmo Velho Chico o
rio da salvação da nação nordes-
tina.

A luta pela imagem

O mormaço da terra pare-


ce ser mais forte do que o calor
vindo diretamente do sol. As via-
gens e as caminhadas pelas trilhas
incertas da caatinga são desafios
inevitáveis para se capturar ima-
gens preciosas. O sertão inspira
o sertanejo, mas a literatura ins-
Encourado - Sertão Sergipano pirada no modo de vida sertane-
jo, como as obras de Graciliano
personagens também lhe marca- nicípios de nove estados do nor- vida e morte; verde e cinza, tra- Ramos e de Euclides da Cunha,
ram de forma “implacável”, den- deste: Piauí, Ceará, Rio Grande gédia e alegria. Possui uma beleza são referências importantes que
tre eles, os canoeiros, cujas “ca-
do Norte, Pernambuco, Paraíba, diferente e muito forte, de uma também inspiram o fotógrafo.
noas de toldas” de velas enormes,Alagoas, Sergipe, Bahia e o norte cultura retrógrada e criativa; ao A atividade de fotografar para
abertas como borboletas livres, e o sudeste de Minas Gerais. Vi- mesmo tempo marcadamente Nailson começou como hobby.
singravam o Velho Chico, rio vem nesta região árida, extensa, medieval nas tradições, mas que Ao adquirir o primeiro equipa-
acima, rio abaixo. Daquela visão cheia de símbolos e personagens não é só uma reserva de coisas Bloco da Lama | Gararu/SE
esplendorosa, Nailson compreen- fortes cerca de 22 milhões de antigas, é também civilizado. Lu-
deu a liberdade como a essência pessoas, que representam 11,8% gar que deu ao mundo a palavra
da existência humana e empre- da população brasileira, segun- ‘LUAR’, que não tem tradução, e
endeu esforços para conquistá-la.do o IBGE. A vegetação típica é que foi capaz de gerar um Aria-
Continuou com esta perspectiva a caatinga. Quando perguntam no Suassuna. O sertão é gran-
nas lutas estudantis e na militân-
a Nailson sobre o sertão, ele diz diosamente belo e terrível, uma
cia política. que logo lhe vem à mente uma região expulsiva, mas que não sai
imagem de xilogravura, onde o de dentro do sertanejo migrante.
contraste é fortemente ressaltado. O sertão é uma nação de gente
A Terra
O sertão é um lugar onde tudo simples, ingênua e de muito bo-
O que comumente chama- é demasiadamente grande: “É a-vontade, mas que é “antes de
mos de sertão é o semiárido, que Seca, mas também é São Fran- tudo um forte.” Assim conclui
abrange uma área de 969.589,4 cisco; pobreza e Riqueza; Deus e Moura a sua visão de sertão, ci-
km² e compreende 1.133 mu- Diabo; Conselheiro e Lampião; tando Euclides da Cunha, quem

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Na sua busca por qualificação,
Nailson Moura teve a felicidade
de se deparar com dois veteranos
da arte de fotografar: Evandro
Teixeira e João Roberto Ripper.
Com eles, Nailson compreen-
deu que, fotografar não se limita
a ser apenas um meio de registro
da realidade, mas de uma ação
poética com clima, tensão entre
o ato de olhar e disparar o botão
para ouvir o clicar característico,
e por fim, obter a fotografia dese-
jada. Com a experiência, as duas
ações de documentar e fazer poe-
sia imagética se fundem e ganham
outras dimensões e importância.
Além dos aspectos técnicos que
dizem respeito ao enquadramen-
to, foco e luz, entre outros ele-
mentares, Nailson tem consciên-
cia de que, os aspectos abstratos, Bloco da Lama | Gararu - Finalista concurso Laica-Fotografe
psicossociais, contidos no ato de O Cruzeiro e a igrejinha, dois símbolos da religiosidade sertaneja | Canudos/BA
fotografar, devem ser levados em
conta. Conhecer o assunto é fun-
damental, seja quando se trata
de paisagem, objetos ou pessoas.
Envolver-se com eles é parte do
processo de achar, fotografar e
valorizar a imagem, como um te-
Expressão de fé | Divina Pastora/SE
souro a ser preservado. Quando o
mento, uma Nikon D60, em com a exposição “Narrativas objeto são pessoas, neste processo
2008, conhecia muito pouco Imagéticas”, lançada na Galeria de aproximação é muito comum
da técnica fotográfica. Fez curso de Arte Álvaro Santos, em maio, surgir uma amizade, e nas revisitas
básico na Escola Focus de São atualmente circulando pelo esta- o fotógrafo entrega pessoalmente
Paulo, e procurou a literatura es- do de Sergipe, tendo passado no ao fotografado suas imagens cap-
pecializada, aprimorando, assim, Espaço Cultural da Assembleia tadas com zelo e carinho. Nail-
seus conhecimentos. De 2008 Legislativa e no Museu Histórico son diz que o seu trabalho é cinza
para cá, Nailson participou de de Sergipe. Lança, também, o seu como a caatinga no verão seco e
nove exposições, entre coletivas primeiro livro: Crônicas do Ate- colorido como as festas juninas no
e individuais. Muitas das suas fo- liê. “Brotando das Mãos” foca os inverno chuvoso. Quem conhece
tos estão em revistas e livros pelo artífices, artesãos e artistas plásti- o seu trabalho sabe do cuidado e
Brasil afora. Agora em 2014, o cos, pessoas que se utilizam das apreço que ele tem pelo que faz,
fotógrafo realiza um importante mãos para gerar objetos, sejam seja no vibrante multicolorido ou
projeto: “Brotando das Mãos”, com fins utilitários ou estéticos. no conciso claro/escuro.

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POESIA
DA PERDIÇÃO FORTUNA

Carlos Para cuidares dessa fome, dou-me a ti, Quero os desvãos da tua curvatura

Cauê Inteiro corpo para a tua dentada,


E osso e carne e sentimento
E tudo mais quanto quiseres.
Para aconchegar meu caçuá de amores.
Sou tropeiro de muitas terras e poucas gentes
Tenho no olhar uma paisagem desesperada
Me chamando eternamente para mim,
Salga-me com tuas maresias
Talha-me com teus pudores e vem, Para a solidão a que me sentenciei, lá atrás.
Boca aberta, dentes afiados
Desfrutar da presa que ganhaste. Por isso preciso como louco desse desvão da tua alma,
Desse abismo que sinalizas estar à minha frente,
Cavalga sobre a indolência desse corpo. Dessa erupção escandinava que antecipas.
Eu te espero com a paciência das areias
Mudas, recebendo a língua ávida do mar. E aventuro-me, ansioso,
Nesse precipício de emoção e gozo.
Sacia-te dessa fome que é de séculos É aí que sinto caber-me nesse mundo,
E repousa manso Revendo a mim com os olhos que legaste à paisagem,
Sobre minha vida que rumina. Tingindo-os de amor.
E se outra vida a mim me fosse dada
(Amorável, 2014) Também essa seria dedicada ao milagroso gesto de te amar,
De eternizar tua passagem pelo mundo
Perpetuando todas as esquinas.
É alagoano de Maceió,
nascido em 15 de julho de POESIA NA GARGANTA Consagrar o teu sorriso na ternura e deixa-lo ali,
1961. É jornalista e publicitá- Como totem dessa aventura,
Quero de novo o estupor da poesia na garganta, Na morada mais secreta do meu sentimento.
rio, especialista em Marke- Esse travo que me diz quem sou
ting Político. Reside em Ara- e tatua em mim a estrada (Amorável, 2014)
caju/SE desde 1980. Amo- que me rodo-via
rável é seu primeiro livro de a ti
Quero o que de mais longínquo fostes
poesia. Escreveu Contos de O clarão que incendiou teus olhos LIQUIDEZ
Vida e Morte, publicado pela Quando tateavas tua própria vida
J. Andrade, em 1999. E o delicado gesto que anunciou o nosso encontro O meu amar-te é água.
Na esquina. Enlevo a que me entrego sob o risco
Quero o que de mim roubaste, Do naufrágio.
Essa noite insone presa no delírio, Dilema de navegar sem cartas,
Essa carícia insuportável em minha alma Nem constelações.
E esse frêmito roto, selvagem, estonteante
Com que arrancas meu desejo. Iceberg impassível,
Quero o embaraço da palavra, Gelo do sentir,
A fibra dos sentidos se fazendo emoção na minha boca Frieza que estala em ameaça.
Mordiscando o que de ti compus no meu olhar. − Amor de neves e cristais −
Quero a sangria desatada,
O líquido vívido dos teus mares E eis-me vaporado,
Engolindo meus golfos, Evolando meus suores sobre seus desdéns,
Minhas enseadas. Chuva a que me precipito
Quero o mimo dos teus ais, Te surpreendendo o passo.
A melodia secreta dos teus gozos Lamaçal em que nos chafurdamos na manhã.
E o estertor que lhe devora.
O meu amar-te é água.
(Amorável, 2014) Superfícies e funduras.

(Amorável, 2014)
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POESIA

Wagner da Silva Ribeiro nasceu em Muros Destino Ocaso de um deus


Ilhéus-BA, a 18/03/1944, de pais sergi-
panos, e reside em Aracaju desde 1947. A Bené Santana A Santo Souza Antes que cubra o musgo toda a fronte
Publicou dez livros de poesia: Ad versus; Do velho deus, no templo abandonado
Cantares do Mar Egeu (Diploma do Méri- Prédios devoradores de horizonte Dá-me a mão, mostrarei o teu destino. – ele que pela voz grave do arconte
to Cultural da República Helênica – Con- Não me perturbam mais, sei ver agora Não nos sulcos da palma, que, jejuno Há de ser para sempre degradado.
sulado Geral da Grécia do Rio de Janeiro, Para além do concreto e o que demora Na mântica, só vejo que o divino
e Prêmio Centenário de Emílio Moura, Entre as sombras, bem antes que desponte. Costuma desenhar com traço bruno. Antes que sobre as águas do Aqueronte
da Academia Municipalista de Letras, Seja pelo barqueiro transportado;
2002); A angústia de Zeus (Prêmio Lacur Tal como o camponês, quando se enflora Eu sou andejo e poeta, peregrino Antes que seu espírito remonte
Schettino - hors concours - da Academia E enfolha a sebe, e ao deparar o monte, Por paisagens oníricas, reúno Às origens, nas brumas do passado;
Municipalista de Letras de Minas Gerais, Peço ao olhar da alma enxergue e conte Na alma angústia e emoção, com que declino
Prêmio Centenário de Hely Menegale, O quanto o olhar do rosto ainda ignora. O múltiplo que existe no que é uno. Um sacerdote adentra-se, moroso,
da Academia Mineira de Letras, 2003, E no olhar baço, outrora esplendoroso,
e Prêmio Capital, 2004); Memorial do E o mais, se importa, vejo pela fresta Eu te conduzirei, com lentos passos, Um traço busca, em vão, da excelsa glória.
Aedo (Prêmio Capital 2005); Cantar de Da fatia de céu – quanto me resta –, À floresta de enganos, embaraços,
Ariadne; Cantar de Minotauro; Tributo aos O róseo da alba, o opala que se segue, Medo e incerteza em que me perco amiúde. Também vivendo o ocaso dos seus anos,
Deuses Lares; e Coroas de Soneto (Prê- Cético de prodígios e de arcanos,
mio Olympio Monat, da União Brasileira O rubor do crepúsculo e a imensa Numa clareira, aberta em sítio esconso, Descrê dos deuses para crer na História.
de Escritores - RJ, 2010); Sonetos; Ave; Noite que se prolonga e tanto adensa Elevarei por ti suave responso.
e Caesar. Participa da antologia Perfil Por essa chaminé que me persegue. E assim terei mostrado quanto.
Grécia em poetas do Brasil (seleção de
Stella Leonardos, publicação do Con-
sulado Geral da Grécia do Rio de Janei-
ro). Diploma de Personalidade Cultural
(2005), e Prêmio Joaquim Norberto –
Ação cultural e Obra Literária (2007),
ambos conferidos pela União Brasileira
de Escritores – RJ. Chevalier dans lÒrdre
des Palmes Académiques, comenda do
governo Francês. Membro da Internacio-
nal Writers and Artists Association – IWA
(EEUU). Publicou, também, A vida cheia
de véu, narrativas; e J. Inácio, vida e obra
(texto do álbum).

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A HISTÓRIA E OS
INTELECTUAIS DE
MARIA THETIS NUNES
Jorge Carvalho do Nascimento

Maria Thetis Nunes traba-


lhou como professora e pes-
quisadora ininterruptamente
durante 63 anos. Publicou
mais de 10 livros, além de
artigos e ensaios em revis-
tas científicas.

N ascida no município de Ita-


baiana, região do agreste do
Estado de Sergipe, em 6 de ja-
Universidade Federal da Bahia,
aos 22 anos de idade, e em Mu-
seologia no Museu Histórico Na-
Civilização Ocidental”, discutin-
do o Islamismo, a literatura ára-
be, a arte muçulmana, a filosofia
neiro de 1925, ali cursou a escola cional, em ambas obtendo sem- e a ciência árabes, além da influ-
primária. Os estudos secundários pre a primeira colocação. ência muçulmana no Brasil. O
foram realizados no Atheneu Ser- Na sua estreia como intelec- concurso a transformou em pro-
gipense, em Aracaju. Concluiu o tual concorreu à cátedra de Ge- fessora catedrática e na primeira
seu curso de graduação em Geo- ografia e História do Atheneu mulher a integrar a Congregação
grafia e História na primeira tur- Sergipense, em 1945, com a tese do Colégio, da qual participavam
ma da Faculdade de Filosofia da “Os Árabes: Sua Contribuição à os mais importantes intelectuais
de Sergipe. Foi também a primei- durante quatro anos. A partir de Thetis foi membro do Conse-
ra mulher a dirigir (1951/1954) a 1961, trabalhou na Argentina lho Estadual de Educação, entre
instituição, implantando impor- como Adida Cultural do Brasil, os anos de 1970 e 1981, e, a par-
tantes reformas pedagógicas, até na cidade de Rosário, e como tir de 1982, do Conselho Estadu-
a sua mudança para o Rio de Ja- professora dos cursos de pós-gra- al de Cultura, até o ano de 1994.
neiro, em 1956, como estagiária duação da Universidade Nacio- Durante seis anos presidiu aquele
do Instituto Superior de Estudos nal do Litoral, também durante colegiado. Também presidiu o
Brasileiros – o ISEB. Cinco anos quatro anos. Instituto Histórico e Geográfi-
antes de viajar para o Rio, ainda Ao retornar a Aracaju, voltou co de Sergipe durante 30 anos e
em 1951, foi professora funda- para o Atheneu e para a Facul- ocupou a cadeira número 39 da
dora da Faculdade Católica de dade Católica de Filosofia, até a Academia Sergipana de Letras.
Filosofia de Sergipe e a primeira fundação da Universidade Fede- O seu primeiro texto foi pu-
mulher sergipana a ingressar no ral de Sergipe, onde ingressou, blicado em 1945. Depois, em
magistério superior. em 1968, como professora titular 1962, pela primeira vez, ela se
Ao final do seu curso, na pri- de História do Brasil, História mostrou como historiadora da ria de Sergipe. Em 1976, fez a sua nifestou toda a sua consciência os povos da África negra ou da
meira turma do ISEB, apresen- Contemporânea e Cultura Brasi- Educação. O seu livro sobre o primeira reflexão sobre os inte- diante da História, explicitando a Ásia tropical. [...] Assim tenho
tou a monografia “Sílvio Romero leira. Como decana da UFS por ensino secundário no Brasil foi lectuais, ao estudar Sílvio Rome- sua posição ideológica: caminhado impulsionada pela
e Manuel Bonfim – Pioneiros de duas vezes, ocupou o cargo de recolhido pela ditadura militar ro e Manoel Bonfim. Em 1981, “Creio na marcha da História, luta e pela esperança”.
Uma Ideologia Nacional” e pas- vice-reitora. Após a sua aposenta- e teve a sua circulação proibida, inventariou os documentos re- no devenir, no advento de um Sua historiografia está assen-
sou a atuar como professora as- doria, recebeu o título de profes- em 1964. Em 1973, produziu o lativos ao Brasil existentes no mundo mais justo e mais huma- tada sobre a contribuição teó-
sistente de História da Educação, sora emérita. primeiro trabalho sobre a Histó- Arquivo Histórico Ultramarino, no. Apesar de ter vivido parte da rica do Marxismo, valorizando
em Portugal. Em 1984, publicou minha vida sob dois regimes di- principalmente o diálogo com
Foto: Walter Martins a sua História da Educação em tatoriais, cultuo a liberdade. [...] Plekhanov, a partir de quem en-
Sergipe. Em 1984, colocou em Também estou com os que lutam tende estar a organização social
circulação o primeiro volume defendendo a cultura ancestral, em equilíbrio instável, onde as
da História de Sergipe Colonial. dilacerada em nome da civiliza- forças produtivas sociais estão em


Em 2008, foi homenageada pela ção cristã ocidental, como fazem crescimento. Para ela, Labriola as-
Sociedade Brasileira de História sinala com razão que exatamente
da Educação, durante o V Con- esta instabilidade, bem como os
gresso Brasileiro de História da movimentos sociais e as lutas de
Educação, realizado em Aracaju. classes sociais pela História en-
Maria Thetis Nunes gendradas preservam os homens
foi fundamentalmente da paralisação intelectual.
A Intérprete da História Esse modo de ler a História
uma intérprete da
foi aperfeiçoado por Maria Thetis
Maria Thetis Nunes foi funda- História de Sergipe, durante o período em que atuou
mentalmente uma intérprete da debruçada sobre a como bolsista-estagiária do Insti-
História de Sergipe, debruçada análise da Economia, tuto Superior de Estudos Brasi-
sobre a análise da Economia, da da vida social, das leiros – o ISEB. O Instituto agru-
vida social, das atividades lúdicas, atividades lúdicas, das pava as mais diversas tendências
das atividades intelectuais, dos ideológicas, buscando interpretar
atividades intelectuais,
estudos biográficos. Ao tomar a realidade nacional, de modo a
posse na Academia Sergipana de dos estudos arrancar o Brasil do subdesen-
Lançamento do livro Sergipe Provincial II (1840-1889), no auditório do Centro de Letras, em abril de 1983, ela ma- biográficos. volvimento para levá-lo ao que
Aperfeiçoamento de Recursos Humanos Professor Fernando Lins de Carvalho
(Cemarh), em 2006.

Dezembro 2014 Cumbuca | 39


os seus teóricos consideravam o mente, um sistema educacional e Os Intelectuais de Thetis esta autora marcaram a vida de
ideal da sociedade desenvolvida. as transformações que lhes foram Sergipe e do Brasil.
Certamente, para as reflexões próprias. [...] A professora Ma- São muito importantes os es- É evidente que toda a sua pro-
acerca da História feitas por ria Thetis Nunes coloca esse de- tudos realizados por Maria Thetis dução bibliográfica está pontuada
Thetis Nunes em tal período, senvolvimento de forma clara e Nunes em torno dos intelectuais. pela presença de intelectuais e do
foram muito importantes as objetiva, situando cada uma das Recompor suas trajetórias, seus diálogo que a autora mantém com
contribuições oferecidas por fases e as transformações que lhes lugares, suas intervenções na cena estes. É muito grande, portanto, o
Nelson Werneck Sodré, mas foram próprias”. cultural e política pode ensejar destaque que tem na obra de Ma-
não é possível desconsiderar A historiografia de Maria uma compreensão mais acurada ria Thetis Nunes o estudo da inte-
o peso dos estudos realizados Thetis Nunes tem ainda duas dos processos, mediante os quais lectualidade, uma vez que, estatis-
no mesmo ISEB por Alberto outras características: a primeira foram cotejados e postos em ticamente, sem valorar a produção
Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira diz respeito à luz que lança disputa padrões de formação da e computando-se apenas título
Pinto e Ignácio Rangel. Não sem sobre Manoel Bomfim, a quem vida social. A obra da professora por título, esse tipo de trabalho
propósito, é a estes que ela dedica designou pioneiro de uma Thetis tem se debruçado sobre representa metade da produção
o seu livro Ensino Secundário e ideologia nacional; a segunda um grande número de intelec- da autora. A partir da sua posição
Sociedade Brasileira, publicado concerne à isenção com que a tuais que, de diferentes origens, no Departamento de História da
em 1962, resultante dos estudos pesquisadora observa as relações acadêmica e profissional, deram Universidade Federal de Sergipe,
que realizou no Rio de Janeiro. entre o regional e o nacional, suporte à vida cultural brasilei- ela publicou inúmeros livros e ar-
Alberto Guerreiro Ramos foi sem qualquer tensão. ra. Os intelectuais estudados por tigos sobre uma ampla diversidade
homenageado novamente em
1984, quando a autora colocou
em circulação o livro História da
Educação em Sergipe.
Os padrões de interpretação
da História que Thetis Nunes in-
corporou no ISEB chegaram ao
Brasil em face da interlocução de
muitos intelectuais com o pen-
samento circulante na Comissão
Econômica Para a América La-
tina – CEPAL, que funcionava Profª Thetis com Luíz Antonio Barreto.
no Chile desde 1948. Um desses
brasileiros era Alberto Guerreiro revestido de rigor científico e, crivo empírico da realidade local
Ramos, ao qual Thetis homena- acima de tudo, de compromis- e somente teriam validade quan-
geia por tê-la ensinado a compre- so político com a superação das do interpretadas vis-a-vis com
ender e operar a lógica dialética. agruras daquele momento”. as condições produzidas pelo
A historiadora sergipana assumiu Isso levava Guerreiro Ramos capitalismo no Brasil. Foi esse
dele a concepção faseológica de a propor a chamada redução entusiasmo de Maria Thetis que
História, “[...] a noção de que a sociológica que entusiasmou levou Nelson Werneck Sodré a
história tem fases que se sucedem Maria Thetis Nunes. Assim, as elogiar o seu trabalho:
e que a adequação dos instru- teorias formuladas pelos intelec- “O condicionamento históri-
mentos de análise às peculiarida- tuais das ciências humanas, na co fica perfeitamente claro: a cada
des da fase em que se encontra o Europa e nos Estados Unidos da etapa do desenvolvimento brasi-
analista corresponde a um gesto América, deveriam passar pelo leiro corresponderam, necessaria- A historiadora Maria Thetis Nunes sendo homenageada nos 138 anos de existência
do Colégio Estadual Atheneu Sergipense, em 2008.

Dezembro 2014 Cumbuca | 41


de temas do campo, tornando-se O conjunto de estudos reali- versos papéis. Dentre eles, o de
referência obrigatória aos estudos zados por Maria Thetis Nunes é celebração de uma memória que É muito grande o
sergipanos da área. Como ela, seus constituído principalmente por criou vínculos de identidade en- destaque que tem na
herdeiros assumiram a teoria mar- artigos publicados em revistas tre os pesquisadores do tempo obra de Maria Thetis
xista. Por contraditório que possa científicas e jornais. Sem dúvida, presente e autores e obras que Nunes o estudo da
parecer, o conjunto de estudos re- jornais e revistas são as principais atuaram sobre o passado. A par-
alizados por Maria Thetis Nunes publicações periódicas, veículos tir da discussão que Thetis Nunes
intelectualidade.
sobre intelectuais leva à reflexão a importantes para a difusão e legi- fez com e sobre os seus intelec-
respeito do papel que o indivíduo timação do discurso dos intelec- tuais, emergiram problemas que
exerce na história. Thetis, certa- tuais. O jornal é veículo rápido de concernem à historiografia, à te-
mente, valoriza a importância do notícias; a revista, menos sujeita oria da história que orienta a sua
sujeito/indivíduo. às contingências da rapidez e mais produção. Nos seus intelectuais,
Como lembra Vavy Pacheco adequada para refletir diferentes a autora buscou os sentidos da


Borges, “os problemas de inter- aspectos da vida cultural e atender experiência histórica e da vivên-
pretação de uma vida são riquís- cia dos homens que analisou.
simos, pois nos defrontam com Ao verificar essa experiência, ela
tudo que constitui nossa própria trabalhou o sentido da constru-
vida e as dos que nos cercam. ção de um passado glorioso para
Num círculo vicioso, exigem de Creio na marcha da Sergipe e os seus intelectuais, ten-
nós autoconhecimento e preo- História, no devenir, no tando demonstrar os momentos
cupação com a compreensão dos advento de um mundo nos quais intelectuais sergipanos
outros seres humanos; mas, ao mais justo e mais se puseram à frente dos seus pares
mesmo tempo, podem acabar por humano. Apesar de ter de outras regiões do Brasil. Foi
reforçar em nós tudo isso”. explícita em relação a esse tipo
vivido parte da minha
Ao estudar a trajetória dos de problema ao falar de Tobias
intelectuais, é necessário com- vida sob dois regimes Barreto e da defesa que fez este
preender as pressões sociais que ditatoriais, cultuo a autor em relação aos direitos da
atuam sobre o indivíduo. Este é liberdade. mulher, e também quando apre-
um esforço presente nos estudos sentou o trabalho do historiador
de Thetis Nunes. Não basta ape- a interesses específicos. Mas, há, e político Felisbelo Freire. Neste
nas produzir uma narrativa histó- também, trabalhos em anais de último, afirmou que o regimen-
rica, mas, como faz a autora, de eventos científicos dos quais ela to da instrução pública aprovado
certa maneira, é necessário tam- participou, e onde divulgou parte por aquele governante do Estado
bém elaborar um modelo teórico. dessa produção, além das separa- de Sergipe, no período republi-
Ela busca apreender na estrutura tas que produziu. A maior parte cano, antecipou a reforma Ben-
os modos através dos quais a so- dessas histórias de vida apresen- jamim Constant, implementada
ciedade atua no indivíduo, uma tadas por Maria Thetis se pautou posteriormente a partir do Rio
vez que, como entende, mesmo em dados que, invariavelmente, de Janeiro, a capital da nascen-
sendo autônomo, o intelectual incluem data e local de nascimen- te República. Esta era uma dis-
está subordinado a tal estrutura, to, filiação, prole, formação edu- cussão ao gosto da historiadora
posto ser simplesmente impos- cacional, profissão, exercício de Maria Thetis Nunes: a polêmica
sível para uma pessoa ter uma funções públicas e morte. a respeito do pertencimento das
propensão natural geneticamente Em Thetis Nunes, os estudos ideias e a busca incansável das no-
enraizada de fazer algo. sobre intelectuais cumpriram di- vidades nascidas na periferia.

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MEMÓRIAS DE
IBIÚNA João Augusto Gama da Silva

Breve relato da prisão de lí-


deres estudantis sergipanos
pela ditadura militar, duran-
te o Congresso Estudantil de
Ibiúna – 1968.

D epois que a ditadura militar


colocou a União Nacional
dos Estudantes na ilegalidade, a
ou os Estados Unidos da Améri-
ca, onde os estudantes se reuni-
ram em Washington, para exigir
UNE foi reorganizada em 1966, o fim da guerra do Vietnã.
durante um congresso realiza- Durante o Congresso de Ibi-
do clandestinamente na cidade úna, Sergipe teve uma numerosa
de Belo Horizonte. Assim, em representação de delegados. As
1967, os estudantes intensifica- tratativas para a participação dos
ram as manifestações contra a estudantes que representavam
ditadura. Do mesmo modo, cres- Sergipe foram feitas através dos
ceu a pressão de grupos de direi- contatos com José Carlos Novais
ta contrários à reorganização do da Mata Machado, diretor da
movimento estudantil brasileiro. UNE, responsável pela relação
No ano de 1968, portanto, o da entidade com os líderes estu-
Congresso de Ibiúna se realizava dantis sergipanos. Foi ele quem
sob a tensão política brasileira e, forneceu a senha para que os
ao mesmo tempo, embalado pelo sergipanos chegassem a Ibiúna.
clima libertário que se observava Hoje, eu estou convencido que
na juventude estudantil de vários o Congresso foi um grande erro
outros países, como a França, histórico de avaliação política.
onde as rebeliões de Paris chama- À época, eu presidia o Dire-
ram a atenção do mundo inteiro; tório Central dos Estudantes da
Universidade Federal de Sergipe e A viagem se tornou viável através de uma universidade alie- foi feita por Oswaldo Catan e
liderei, juntamente com Welling- com a ajuda financeira que re- nada e empresarial, reprimindo Adalberto Macedo, ambos advo-
ton Mangueira, uma delegação de cebemos do industrial Joaquim a luta dos trabalhadores por me- gados influentes com atuação em
10 sergipanos, com os seguintes Sabino Ribeiro Chaves, proprie- lhores salários, permitindo a ven- São Paulo. Em depoimento que
integrantes: João Augusto Gama tário da Fábrica de Tecidos Con- da do território nacional a norte- deu ao professor Jorge Carvalho,
da Silva, Benedito de Figueiredo, fiança, do deputado Jaime Araujo -americanos, dando cobertura ao em agosto de 2008, Benedito de
Wellington Dantas Mangueira e do arcebispo de Aracaju, Dom grupo de entreguistas, sob o co- Figueiredo conta que logo após
Marques, Antonio Vieira da Cos- José Vicente Távora. Também foi mando do Sr. Roberto Campos a saída de Ibiúna, dentro do ôni-
ta, José Alves do Nascimento, importante a campanha de arre- que abertamente lutava, inclusi- bus que nos conduzia para o Pre-
João Bosco Rollemberg Cortes, cadação de fundos, organizada ve, pela extinção do monopólio sídio Tiradentes, lembrou que
Janete Correia de Melo, José Ja- pelos estudantes, respaldada pelo estatal do petróleo. estava com sua carteira de fun-
cob Dias Polito, Elza Maria dos manifesto que os universitários Realizado na clandestinidade, cionário do Ministério do Traba-
Santos e Laura Maria Tourinho sergipanos publicaram: o Congresso foi descoberto pelos lho, onde era auxiliar de datilos-
Ribeiro. A maior parte dos dele- A realização do XXX Con- agentes da ditadura. Todos os de- copista, e a jogou fora, temendo
gados de Sergipe era de filiados gresso representou mais um passo legados foram presos no dia 12 ser identificado como servidor
ao MDB e militantes do Partido dado na luta do estudante brasi- de outubro e conduzidos para o público, posto que, em tal situ-
Comunista Brasileiro, que vota- leiro contra as forças de opressão, Presídio Tiradentes, na cidade de ação, seria considerado um preso
vam em José Dirceu para presidir de obscurantismo e do reacio- São Paulo. Ficamos detidos de muito perigoso.
a entidade. Nós viajamos de Ara- narismo. Esse era um momento oito a 10 dias. Alvarim Manguei- Cerca de 900 estudantes fo-
caju a São Paulo e de lá para São em que a ditadura mostrava sua ra, pai de Wellington Manguei- ram presos, inclusive as princi-
José dos Campos, onde fizemos verdadeira face, tentando impor ra, foi a São Paulo acompanhar pais lideranças estudantis brasi-
um contato, rumando, em segui- uma Universidade a serviço de a libertação dos estudantes. A leiras: José Dirceu, presidente da
da, para Ibiúna. imperialismo norte-americano defesa dos delegados de Sergipe UEE de São Paulo; Luís Travas-

Imagen extraída do site escarronapalm.blogspot.com.br

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Dezembro
sos, da UNE; Vladimir Palmeira, ríodo, José Carlos Teixeira, acom-
FOLHA DE S. PAULO da União Metropolitana dos Es-
tudantes do Rio de Janeiro; An-
panhado de Alvarim Mangueira e
Laura Ribeiro Marques, buscou o
Um jornal a serviço do brasil 13 de outubro de 1968
tonio Guilherme Ribeiro Ribas, comandante do 28º BC em sua
da União Paulista dos Estudantes residência, para solicitar informa-
CONGRESSO DA UNE: Secundaristas. Estes foram leva- ções sobre a situação processual
TODOS PRESOS dos diretamente para o DOPS. dos estudantes sergipanos e infor-
Presos, os estudantes fizeram má-lo de que faria o acompanha-
greve de fome, como forma de mento dos fatos, comunicando
pressionar o Governo a libertar tudo ao Congresso Nacional.
o grupo o quanto antes. Muitos, Na prática, as prisões de Ibi-
oriundas de diferentes estados úna encerraram o período mais
brasileiros, se concentravam dia- forte das manifestações estudan-
riamente às portas do Presídio tis no Brasil, mas contribuíram Dentre as prinicipais lideranças estava José Dirceu (camisa
listrada), presidente da UEE de São Paulo.
Tiradentes, ao lado de jornalistas para fortalecer as organizações
da imprensa nacional e estrangei- clandestinas que atuavam na
ra, denunciando a arbitrariedade luta armada.
Cerca de mil estudantes que participavam do
das prisões e exigindo a libertação Após a edição do Ato Institu-
XXX Congresso da UNE, iniciado clandestina- dos filhos. Eles foram soltos, em cional N° 5 (AI-5), em dezembro
mente num sítio, em Ibiúna, foram presos ontem São Paulo, cerca de 15 dias após a de 1968, alguns estudantes pro-
pela manhã por soldados da Força Pública e poli- realização das prisões. Sergipe foi cessados em Ibiúna foram outra
ciais do DOPS. Toda a liderança do movimento
universitário foi presa: José Dirceu, presidente da
um dos poucos estados no qual vez levados à prisão, em Sergi-
UEE, Luís Travassos, presidente da UNE, Vladi- o governador não articulou a sua pe, onde permaneceram durante
mir Palmeira, presidente da União Metropolitana Polícia Militar para recolher os 35 dias. Todavia, os estudantes
de Estudantes, e Antonio Guilherme Ribeiro Ri- estudantes presos e transportá-los que eram funcionários públicos,
bas, presidente da União Paulista de Estudantes
Secundários, entre outros. Estes foram levados di-
de volta. Por isto, os estudantes como Benedito de Figueiredo e
retamente ao DOPS e os demais foram recolhidos sergipanos foram entregues ao ad- Antonio Vieira da Costa foram
ao presidio Tiradentes. vogado Adalberto Macedo, com a libertados no 29º dia de prisão,
garantia dada por este de que os uma vez que se completassem o
encaminharia às respectivas famí- 30º dia, as respectivas repartições Os estudantes detidos no Congresso da UNE em Ibiúna (SP), em 1968.

lias, em Aracaju. Todos os estu- abririam inquérito administra-


dantes dormiram no apartamento tivo para apurar o abandono de
do advogado e, no dia seguinte, serviço e demiti-los, o que pode-
começaram a viajar de volta para ria se transformar em rumorosos
o estado de Sergipe. processos judiciais nos quais eles
Em função do Congresso de denunciariam as prisões arbi-
Ibiúna, os estudantes sergipanos trárias e ilegais. Benedito de Fi-
responderam a processo na Audi- gueiredo relata que, de qualquer
toria Militar do Estado da Bahia, maneira foi forçado a pedir de-
assistidos pela advogada Ronilda missão, porque eles não lhe paga-
Noblat. O processo dos estudan- ram os 29 dias e o ambiente que
tes sergipanos foi julgado alguns se criou na Delegacia Regional
anos depois pela Auditoria Militar do Trabalho ficou muito tenso e
O presídio Tiradentes foi criado em 1852, e todo o complexo foi
do Estado da Bahia. Naquele pe- difícil para ele. demolido a partir de 1973, durante a construção do metrô.
Diante do presídio Tiradentes, mães de estudan-
tes fazem protesto contra a prisão de seus filhos.

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Outras lideranças estudantis que não compareceram ao congresso
de Ibiúna foram presas,
como Mário Jorge Menezes e Dilson Menezes Barreto. Em 1997, Em março de 1969, todos os estudantes envolvidos tiveram cassad
Ibarê Dantas publicou o os os direitos de par-
quadro reproduzido abaixo, contendo os nomes dos indiciados em ticipação política estudantil, por imposição da Sexta Região Militar
Inquérito, como decor- ao reitor João Cardoso
rência dessas prisões: do Nascimento Junior. A relação desses alunos, em quadro abaixo
reproduzido, também foi
ESTUDANTES DE SERGIPE INDICIADOS EM IPM - AUDITORIA DA 6ª publicada por Ibarê Dantas, em 1997:
RM – 1969/70
1. Nome: Ancelmo Resende Góis - Profissão: Jornalista PRIMEIRA RELAÇÃO DOS ESTUDANTES DE SERGIPE PARA SEREM
PU-
2. Nome: Antonio Carlos Mendonça - Profissão: Estudante da Escola NIDOS - 1969
Técnica do Comércio
3. Nome: Antonio Vieira da Costa - Profissão: Estudante de Econom
ia
4. Nome: Benedito Figueiredo - Profissão: Estudante de Direito 1. Nome: Antonio Jacintho Filho - Curso: Direito
5. Nome: Elze Maria dos Santos - Profissão: Estudante de Serviço 2. Nome: Benedito Figueiredo - Curso: Direito
Social
6. Nome: Jackson de Sá Figueiredo - Profissão: Estudante de Direito 3. Nome: Carlos Cleber Nabuco Teixeira - Curso: Direito
7. Nome: Janete Correia de Melo - Profissão: Estudante de Letras 4. Nome: Elias Hora Espinheira - Curso: Direito
8. Nome: João Augusto Gama da Silva - Profissão: Estudante de 5. Nome: Jackson Barreto Lima - Curso: Direito
Direito
9. Nome: João Bosco Rolemberg Côrtes - Profissão: Estudante 6. Nome: Jackson de Sá Figueiredo - Curso: Direito
de Serviço Social
10. Nome: José Alves Nascimento - Profissão: Estudante de Medicin 7. Nome: João Augusto Gama da Silva - Curso: Direito João Augusto Gama
a
11. Nome: José Jacob Dias Polito - Profissão: Estudante de Químic 8. Nome: João de Deus Góes - Curso: Direito
a
12. Nome: Laura Maria Tourinho Ribeiro - Profissão: Estudante Matou-se em nome do estado bras
de Filosofia 9. Nome: Jonas da Silva Amaral Neto - Curso: Direito ileiro e se usou
13. Nome: Mário Jorge Menezes Vieira - Profissão: Estudante de o aparelho estatal brasileiro para
Direito 10. Nome: José Anderson Nascimento - Curso: Direito matar. Esse é o
14. Nome: Otoniel da Silva Vieira Neto - Profissão: Estudante de crime hediondo, é esse o crime que
Direito 11. Nome: José Sérgio Monte Alegre - Curso: Direito a humanidade
15. Nome: Oziel Dórea de Carvalho - Profissão: Arquiteto não pode perdoar. Não se pode perm
12. Nome: Josefa Laurindo Novais - Curso: Direito itir que em seu
16. Nome: Wellington Dantas Mangueira Marques - Profissão: nome se torture e mate. Esses crim
Estudante de Direito 13. Nome: Mário Jorge Menezes Vieira - Curso: Direito es não podem
prescrever, porque são crimes con
14. Nome: Moacir Soares da Mota - Curso: Direito tra a humanidade.
15. Nome: Otoniel da Silva Vieira Neto - Curso: Direito
16. Nome: Paulo Perrucho Nou - Curso: Direito
17. Nome: Wellington Dantas Mangueira - Curso: Direito
Fonte: Relação dos Estudantes de Sergipe Indiciados em Inquérito
18. Nome: Antonio Vieira da Costa - Curso: Economia
Policial Militar na Auditoria da 6ª R.M. como Incursos no artº 19. Nome: Dílson Menezes Barreto - Curso: Economia
39, nºs I, II, III, IV e VI do Dec-lei nº 510/69, combinado com o art.
44 da Lei de Segurança Nacional, Salvador/BA, 6ª RM. Cf.
Ofício de 27.02.70. Documento em poder do PDPH da UFS. 20. Nome: Laura Maria Tourinho Ribeiro - Curso: História
21. Nome: Elvidina Macedo de Carvalho - Curso: Letras

Foto: Marcelle Cristinne


22. Nome: Janete Correia de Melo - Curso: Letras
23. Nome: Hélio Araujo Oliveira - Curso: Medicina
24. Nome: Ilma Mendes Fontes - Curso: Medicina
25. Nome: José Alves Nascimento - Curso: Medicina
26. Nome: José Côrtes Rolemberg Filho - Curso: Medicina
27. Nome: Maria Janete Sá Figueiredo - Curso: Medicina Bosco Rolemberg
Foto: Ascom/SECULT

28. Nome: Francisco Carlos Nascimento Varela - Curso: Químic ns momentos


a Ainda sofro quando lembro de algu
29. Nome: José Jacob Dias Polito - Curso: Química o que
30. Nome: Elze Maria dos Santos - Curso: Serviço Social dramáticos por que passamos, mas
evo luçã o soc ial que tem os hoje,
31. Nome: Hendricks Johannes Sprakel - Curso: Serviço Social conforta é ver a
Benedito Figueiredo pensamento,
32. Nome: João Bosco Rolemberg Côrtes - Curso: Serviço Social onde todos podem expressar seu
Wellington Mangueira e eleger seus
Eu não fui torturado fisicamente, divergir do projeto político vigente
fui torturado ido, ter sua
alhadores de um representantes sem ser persegu
A juventude, os intelectuais, trab psicologicamente, mas o medo fazi
a parte do nosso entado!
vibrand o, entusiasmados dia a dia, meu e da minha família.. liberdade cerceada, nem ser viol
modo geral, estavam . Você fica ao
da em torn o de questões de sabor dos outros, redundantemente
com a luta desenvolvi , ao humor dos
O Brasil estava
importância central para a nação. militares da época, que infernizaram
este País e
nós mesmos e
se descobrindo e provando, para ficaram tantos anos no poder. Fonte: Cf. Ofício nº 24/E/2 de 13.02.1969 do General-de-brigada Abdon
para o mundo, a sua grandeza.
Senna, Comandante da 6ª Região Militar ao Reitor da
Universidade Federal de Sergipe. In: Arquivo da família Flores Cardoso
e Portaria nº 29 de 01.03.1969 da Reitoria da UFS,
assinada por João Cardoso Nascimento Junior.

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Dezembro 2014
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“A UNE SOMOS NÓS!
Há outro quadro, também publicado por Ibarê Dantas, contendo uma relação complementar
com os nomes de mais cinco estudantes a serem punidos pela Reitoria da Universidade Federal NOSSA FORÇA, NOSSA VOZ!”
de Sergipe, elaborada em janeiro de 1970 pelo brigadeiro Armando Tróia, diretor da Divisão de Um grito da juventude
Segurança e Informação do Ministério da Educação e Cultura: pela liberdade
SEGUNDA RELAÇÃO DOS ALUNOS DE SERGIPE A SEREM PUNIDOS - 1970 João Bosco Rollemberg Cortes

1. Nome: Paulo Afonso de Almeida - Profissão: Jornalista


Vivíamos um cenário interna-
2. Nome: Júlio César Régis Dantas - Profissão: Serviço Social
cional de guerra fria, onde a dis-
3. Nome: Sílvio Santana Filho - Profissão: Direito
puta entre os blocos pós-guerra
4. Nome: Zenaide Rosa Sobral - Profissão: Geografia
era acirrada em cada continente,
5. Nome: José Ibarê Costa Dantas - Profissão: História
em cada país.
Fonte: Ofício nº 001/SI/DSIEC/70 de 07.01.1970 do diretor da Divisão de Segurança e Informações, brigadeiro Armando Tróia, diretor do DSIEC, No Brasil, as forças conserva-
ao magnífico reitor da Universidade Federal de Sergipe. In: Arquivo da família Flores Cardoso. Há cópia no arquivo do PDPH da UFS. doras sempre se alinharam subal-
ternamente aos EUA. Os reacio-
nários sempre realizaram inter-
venções militares golpistas contra
A estratégia do reitor João Cardo- do Instituto Histórico, recebi do tram o espírito liberal e aberto do
os ciclos progressistas. Ainda hoje A carteirinha de estudante do sergipano João
so Nascimento Junior nesse pro- reitor João Cardoso convite para médico João Cardoso, uma figura Bosco Rollemberg, ao lado, segurando sua
agem assim. numeração na prisão.
cesso era a de ganhar tempo. Ele sentar à mesa como presidente do que tem sido esquecida na His-
Era a fase da escalada do terror,
estava muito pressionado pelos Diretório Central dos Estudantes. tória de Sergipe, principalmente
para consolidação de um regime
militares da Sexta Região para ex- Isso causou um mal-estar muito pelas autoridades da Universidade
militar sanguinário, fascistizante.
pulsar os estudantes da Universi- grande entre as autoridades mili- Federal. Coincidentemente, pou-
Correntes políticas e especial- esquerda, disputava no movimen-
dade. Estrategicamente, solicitou tares. Todos estes fatos demons- cos dias depois da edição do AI-5,
mente a juventude compreen- to universitário em Aracaju com
deles uma ordem por escrito, di- o Diretório Central, cujo prédio
diam a necessidade de ampliar as forças polarizadas pelo PCB.
zendo que cumpriria a determi- havia sido inaugurado com a pre-
a resistência e aprofundavam a Em Ibiúna estavam as prin-
nação. Mas os militares continu- sença do próprio reitor, foi inva-
decisão, convicção, determinação cipais referências nacionais da
aram pressionando verbalmente e dido pela Polícia Federal e os seus
de enfrentá-la. UNE disputando a hegemo-
ele resolveu não fazer a expulsão, Na prática, as documentos foram apreendidos.
O movimento estudantil tra- nia: Travassos (AP) e Dirceu e
publicando, todavia, um ato que prisões de Ibiúna Ainda como consequência do
vava intenso debate político ideo- Vladimir Palmeira de correntes
os impedia de exercer atividade encerraram o Ato Institucional Nº 5, foram
lógico sobre os caminhos, as for- dissidentes oriundas do PCB,
política estudantil, como forma presos os estudantes Elias Hora
de conter a pressão militar. Na
período mais forte Espinheira, José Sérgio Monte-
mas e a perspectiva de luta contra buscando articular as reinvindi-
das manifestações a ditadura. cações imediatas dos universitá-
prática, isso não significava nada. -Alegre, Paulo Perrucho Nou,
A crítica ao pacifismo do PCB rios à luta política de resistência
Todos eles continuaram estudan- estudantis no Brasil, Francisco Carlos Nascimento Às vezes à noite, ao
resultou no surgimento de diver- ao arbítrio.
do e fazendo regularmente os seus mas contribuíram Varela, Otoniel da Silva Vieira,
sas organizações. A relação entre Que belo momento de luta pela deitar, ainda escuto
cursos. Apenas perderam os man- para fortalecer Ancelmo Rezende Góis, Antonio
a luta no campo e na cidade, a liberdade! Que lição pelo fortaleci- o canto da delegação
datos de dirigentes do DCE. No as organizações Carlos Mendonça e o arquiteto
dia oito de dezembro de 1968, Oziel Dórea de Carvalho. Houve
concepção de guerra, o papel das mento da consciência democrática! sergipana na cela do
para escândalo da ala mais con-
clandestinas que ainda aqueles, como Mário Jorge
classes sociais, a definição dos ob- Às vezes à noite, ao deitar, ain- Presídio Tiradentes:
atuavam na luta jetivos estratégicos e táticos, tudo da escuto o canto da delegação “liberdade, liberdade,
servadora da sociedade, durante Menezes Vieira e Moacir Soares
estava em debate. sergipana na cela do Presídio Ti-
a solenidade de colação de grau armada. da Mota, que foram procurados, abre as asas sobre
Como membro da Ação Popu- radentes: “Liberdade, liberdade,
do curso de Direito, no auditório mas não localizados. nós...”.
lar (AP) de formação católica de abre as asas sobre nós...”.

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Quando
Mataram
PITITÓ
Luiz Eduardo Costa

N os anos cinquenta e começo da década


dos sessenta, do século XX, quando fin-
dou-se sua breve existência, Pititó era, em
Sergipe, nome  pronunciado com o recato que
se tem ao verbalizar palavras que nos me-
tem medo. E Pititó metia medo, muito medo,
na polícia, inclusive.

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F ilho de um pecuarista que se
tornou usineiro, Pedro Ribei-
ro, homem honrado que fez for-
parava tiros sucessivos em garrafas
de cerveja colocadas ao longo da
corrida, e em quase todas acertava.
a noite no Brahma Bar, comendo
filé com fritas. Tanto aqueles ca-
barés como o bar da madrugada
go e eleitor de líderes pessedistas,
que haviam perdido o governo,
derrotados pelos udenistas.
tuna com muito trabalho, Pititó Gênio impulsivo e violento, eram frequentados assiduamente Pititó passou a viver em Ser-
receberia a mesma educação dos desentendia-se facilmente, e era por policiais, alguns com fama de ra Negra, sob a proteção de João
irmãos e irmãs mandados a estu- muito sensível a qualquer coisa
Gênio impulsivo e violentos, mas Pititó nunca era Maria de Carvalho, e, dizia-se,
dar internos em bons colégios de que pudesse interpretar como violento, desentendia-se incomodado. Poderia, tudo isso, mais ainda, do seu irmão, o ge-
Aracaju. Mas as carteiras escolares ofensa. Matou o primeiro e não facilmente, e era muito configurar uma prosaica existência neral de exército Liberato Carva-
lhe foram incômodas, nelas não parou mais. Vivia entre as fazen- sensível a qualquer coisa boêmia, não fosse pontilhada por lho, homem que caçou o bando
conseguia sentar-se sem pensar das do pai, a usina Várzea Grande que pudesse interpretar enfrentamentos, nos quais, a rapi- de Lampião, participou da revo-
na sela de um cavalo, onde aco- em Capela, os bares e os cabarés como ofensa. dez no gatilho, a precisa pontaria e lução de 30, e era fraternal amigo
modava-se seguro e dominador, de Aracaju. Não tinha pistoleiros a frieza de Pititó iam fazendo dele do poderoso tenente Juracy, vice-
lidando com gado, despejando-se a acompanhá-lo como guarda-
Matou o primeiro e não um homem cada vez mais temido -rei da Bahia. Tendo suspeitado,
nas correrias pelos pastos. Com a costas. Quase sempre, sentava-se parou mais. e também odiado por muitos. Piti- certa vez, que Pititó poderia estar
mesma destreza como cavalgava e a um canto, de costas para a pare- tó não era um pistoleiro no sentido na usina Várzea Grande, do seu
derrubava bois, passou a manejar de, e parecia elétrico. Poucos cos- comum da palavra. Não alugava o pai Pedro Ribeiro, uma volan-
revólveres, pistolas, espingardas, e tumavam fazer-lhe companhia, um gentleman. Não fosse a fama, seu braço para matar, nem pagava te policial foi organizada para ir
rifles. Sua pontaria era excepcio- mas, quem chegasse à sua mesa, ninguém imaginaria que ali pu- a pistoleiros para que matassem. prendê-lo. Não o encontrando,
nal. Sobre um cavalo a galope, dis- ele recebia com amabilidades de desse, a qualquer momento, des- Quando Leandro Maciel assumiu depredaram a casa grande, me-
pertar uma fera. A cabeça rodava o governo, o seu Secretário da Se- tralharam paredes, portas, jane-
de um lado para outro, como se gurança Pública, Heribaldo Vieira, las, móveis, até cachorros, gatos
estivesse tentando localizar algu- entendeu que Pititó era uma amea- e um infeliz papagaio. O louro,
ma coisa ao seu redor, enquanto ça que precisava ser contida, e a
acariciava, tanto as prostitutas polícia começou a caçá-lo de-
que o cercavam, como o revólver pois que a Justiça contra ele
38 e a pistola 9 milímetros que emitiu uma ordem de prisão.
carregava na cintura, ao alcance Havia quem identificas-
das duas mãos. E a volúpia em se, por trás daquela súbita
cada caso parecia ser a mesma. mudança de comportamen-
Atravessado às costas, por baixo to da polícia, motivações
da camisa, tinha um punhal. marcadamente políti-
Cumpria sempre um invariá- cas, porque o usi-
vel roteiro entre os cabarés Shan- neiro, pai de Pi-
gay, ShelL, Mira-Mar, e terminava titó, era ami-

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talvez primeiro e único a ser alvo dades responsáveis pela ordem de inseparável punhal. Os soldados
das metralhadoras, ficou destro- decapitação. Sabia que seria mor- o cercaram e dispararam vários
çado num monte de penas ver- to, e pedia ao amigo que cuidasse tiros à queima-roupa, até se cer-
des sobre o ladrilho branco en- de fazer cumprir o inventário que tificarem de que ele estava efeti-
sanguentado da imensa cozinha. ele já teria feito e assinado. Paulo vamente morto. Por esse tempo,
Depois, outra volante policial, Costa pediu-lhe calma, enquanto Pedro Ribeiro já se desfizera da
dessa vez recheada com muitos tentaria fazer proveitosos conta- metralhadora Thompson. Acon-
pistoleiros famosos, atravessou tos. Conversou com algumas pes- tecera o que ele esperava, e até
as caatingas sergipanas e baianas, soas, narrou o ato de desespero considerava normal, diante da
para ser surpreendida por Pititó que o pai cometeria, caso Pititó vida e da fama do filho morto.
à frente de um pequeno grupo. tivesse cortada a cabeça. O velório foi realizado na casa
A volante retornou desfalcada e A volante não se deslocou da família, aquele casarão na es-
desmoralizada a Aracaju. para o sertão. Tempos depois, quina de Gerú com Santo Amaro,


Depois disso, correu a notícia Pititó voltou a aparecer em Ara- onde hoje funciona a Federação
de que uma outra e mais poderosa caju, no interior, envolveu-se em da Agricultura. A família Ribeiro
volante seria mandada a Serra Ne- sempre teve poder, posses e mui-
gra, dessa vez, para matar Pititó, ta influência política. O usineiro
decepar-lhe a cabeça, que deveria Pedro Ribeiro era meio irmão do
ser trazida a Aracaju como troféu ex-deputado estadual Rosendo Ri-
e prova definitiva de que o temi- beiro e do ex-prefeito de Lagarto,
do homem estava mesmo morto. Pititó não era um Jose Raimundo Ribeiro, o Cabo
Quando soube que a volante es- pistoleiro no sentido Zé. Nem o pai, nem os tios, nem
tava prestes a ser despachada para comum da palavra. os irmãos, Idélio e Pempo, imagi-
a macabra empreitada, Pedro Ri- Não alugava o seu naram qualquer forma de vingan-
beiro colocou na camionete Fargo braço para matar, nem ça, admitindo que quem escolhe a
que costumeiramente usava, uma violência, sempre terá um fim vio-
pagava a pistoleiros
metralhadora Thompson e foi à lento e isso era o que todos espe-
casa do amigo e compadre, o jor- para que matassem. ravam que acontecesse com Pititó.
nalista e promotor público Paulo Os policiais que mataram Pi-
Costa. A conversa não foi longa, titó continuaram sossegados em
mas foram muitos os fumarentos novas refregas sangrentas, matou relação à vida deles. O sargento
charutos que nervosamente Pedro um policial, e aí tornou-se inimi- reformado da PM, Sobral, que
Ribeiro consumiu em tão pouco go número um da policia militar, comandou a patrulha, bem idoso,
tempo. Disse que não tinha dúvi- que decidiu exterminá-lo. Uma vive hoje cuidando de uma pe-
das de que o seu filho seria morto patrulha comandada pelo sargen- quena propriedade em Canindé
violentamente, pelo modo de vida to Sobral o surpreendeu num ca- do São Francisco. Recebe quem
que ele escolhera, e que a Justiça baré em Carmopólis. Ele foi atin- chega à sua acolhedora casa, no
e a polícia cumpriam o seu o pa- gido por vários tiros de revólver e povoado Capim Grosso, com
pel ao tentar prendê-lo, mas não fuzil; o irmão, Pempo, que estava uma xícara de café bem quente,
admitiria que depois de morto com ele, conseguiu fugir. Pititó servido pela sua atenciosa esposa.
lhe decepassem a cabeça. Se isso cambaleou até a porta e caiu no Porém, é preciso vencer-lhe uma
acontecesse, ele se consideraria meio da rua, agonizando, mas enorme resistência para que ele
ofendido como pai, e teria de usar investindo contra os policiais, admita relembrar daquele episó-
a metralhadora contra as autori- tentando retirar das costas o seu dio em Carmópolis.​

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O camaleão
de Simão Dias
Igor Bacelar

Primeiro ele veio com a “Mangaba Madura”, em 2001, mais de uma década
depois de ter iniciado sua carreira como artista. O título do registro foi uma
brincadeira com as qualidades deste fruto bastante regional, que quando
maduro tem qualidades medicinais e quando verde é tóxico.

E m 2006, depois de um hiato


de cinco anos, ele deu vida
à “Aquarela pra Pandeiro” (para
finalmente, Nino Karvan. Vá-
rios nomes, várias caras, expres-
sadas explicitamente em seus
HÁ QUE SE FALAR DAS MARA-
VILHAS E DAS MAZELAS

quem não sabe, aquarela é uma trabalhos artísticos. Todos eles Na canção “Ribeira” do
técnica de pintura na qual se di- representando a diversidade de “Aquarela pra Pandeiro”, regis-
luem várias tintas na água). Após cores como o seu protagonista. tro inteiramente influenciado
um longo intervalo de sete anos, Seja por meio da versatilidade pelo xote, xaxado e baião, por
agora em 2014, ele publicou o de estilos nos quais Nino desfila exemplo, o cabra consegue, de
seu mais novo trabalho: “José”. tranquilamente, seja através da forma extremamente fácil, dizer
Sua capa traz um registro foto- naturalidade com que cantarola que “o anarquismo nunca rimou
gráfico antigo dele mesmo e al- os seus versos multiplurais. com bagunça e ele apenas desar-
guns familiares, composto mar- As cores e Nino são parcei- ruma o estado que é ruim; e a
cadamente pelas cores primárias ros desde sua estreia em um fes- burguesia dá o golpe e se apru-
azul, vermelho e amarelo. tival nos anos 80, quando tinha ma metendo chute na bunda do
A mudança de cores, se não apenas 17 anos. Nessa ocasião, leitor de Bakunin”. Isso sem soar
for a mais importante ferramen- ganhou o primeiro lugar com a proselitista ou forçado. Inclusi-
ta do camaleão, é sem dúvida composição “a cor linda que in- ve, nesta canção digladiam duas
a que mais o caracteriza. José comoda”, que tratava da opressão questões quase que antagônicas
Lucivaldo Carvalho Silveira, aos negros. Isso durante o cente- em sua visão de mundo: o amor
Nininho Silveira, Nino Karva e nário de abolição da escravatura. e a luta de classes.

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“Eu não acredito mais em luta sua juventude, já foi presidente Uma punheta rançosa, sem estí- dução sergipana a ponto de nós COMO O SAMBA ESTÁ PRO mana. Um ano tem 52 semanas.
de classes, acredito que o mundo do partido, candidato a verea- mulo. É você e sua ressaca moral termos orgulho de consumi-la”. SOM DO PANDEIRO Façam suas projeções!
só pode ser mudado com amor dor... Obra e vida parecem sem- dançando sob um sol escaldante E nesta era de convergência Todo esse enérgico impulso
e não com conflito”, afirmou o pre ter caminhado lado a lado de (descalço) em um chão forrado digital, com a corrente recon- Como eu já havia mencio- laboral parece buscar alento por
cantador. “A revolução histori- Nino, já que grande parte de suas de brita. Se der sorte, você pode figuração da indústria cultural nado nestas laudas, “José” é o todos os cantos em diversas áre-
camente já provou que só traz composições aborda certas con- até conseguir gozar. Sorrindo em diante da “democratização” dos mais recente material publicado as da expressão artística, já que
mais ódio, ditadura, pós-revo- tradições da vida contemporâ- êxtase com a palma das mãos su- meios de comunicação, é nítido por Nino Karvan. De todos, é Nino é também comunicador,
lução. Pra manter a hegemonia nea. Ele mescla o seu eu bastante jas e sebosas. observar a fertilidade das men- o mais bem produzido, sofis- musicoterapeuta, luthier, artista
do poder de um partido que se arraigado às suas origens interio- Para Nino, que percorreu tes criativas locais através de tra- ticado, com temática e arran- plástico, etc. A música assumin-
diz a vanguarda revolucionária, e ranas, e essa relação com a liqui- quase três décadas deste cenário balhos cada vez mais lapidados jos mais sólidos e o mais bem do sempre um papel central.
que a revolução passa a tender a dez dos fenômenos sociais. nefasto, praticamente nada mu- e concisos. A ausência de uma amarrado, apesar de o registro E foi em 2013, quase que aci-
uma cúpula, e o povo passa a ser Este espírito de militância, dou no que se refere às oportu- economia pujante na cadeia englobar influências sonoras dentalmente, num papo com o
sempre rebanho nessa revolução. que pode ter acabado no que se nidades para a música autoral. O produtiva tem servido como um que transitam desde a infância percussionista, baterista e produ-
Não! Eu quero um povo cons- refere ao campo de atuação polí- mercado permanece incipiente e catalisador nesse processo, meio do compositor até os atuais 45 tor musical Dudu Prudente, que
ciente das suas obrigações, dos tica, perdura, ainda hoje, de ou- em desvantagem estrutural em que a contragosto. anos. Porém, essa miscelânea Nino se convidou para participar
seus direitos e deveres e que cada tra forma. Há de se convir que relação a outras realidades ao re- Segundo Nino, já que a ins- estética faz parte de sua índole do que veio a ser um de seus mais
um se sinta por si só um agente para ser um artista autoral, espe- dor do país, o que não quer di- tituição do Estado ainda existe, criativa e está muito longe de ser audaciosos projetos: “Anavantou!”
dessa transformação, dessa revo- cialmente no Estado de Sergipe, zer que a produção daqui deixe a ela tem uma dívida muito gran- um sinal de indefinição. “José” “Anavantou!” é a miscigena-
lução que tem que ser universal com os pés chafurdados em uma desejar. A propósito, a bandeira de com o incentivo à produção levou sete anos para ser concebi- ção do grupo instrumental ser-
(sic)”, explica. caudalosa moqueca de antropofágica da primeira “col- cultural, mas também a inicia- do. Um período deveras penoso gipano “Membrana” que conta
O simãodiense foi membro indiferença con- cha de retalhos” (é assim que ele tiva privada tem sido negligente para um compositor inventivo com as participações do pesqui-
fundador do Partido dos Tra- gênita, é pre- se refere a dois de seus álbuns), o na contribuição para o enrique- como ele é. Atualmente, para te- sador e maestro Pedrinho Men-
balhadores (PT) em Simão ciso militar. “Mangaba Madura”, é a de que cimento emocional, espiritual e rem uma noção, o músico com- donça, o virtuoso gaitista Júlio
Dias. Militou por toda a Militar só. “havia certa maturidade na pro- mental das pessoas. põe de um a dois sambas por se- Rego (parceiro de longa data

Em 2005, Nino Karvan leva


ao palco Luiz Gonzaga o show
Mangaba Madura.
Foto: Wellington Barreto

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Setembro 2014
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de Nino) e Dudu Prudente, em longa data. A reunião de lados
junção com um grupo de música opostos do atlântico conflui para
instrumental belga chamado Tur- conceber uma mistura em sinto-
dus Philomelos. Todo esse time nia com as novas relações do in-
é elencado por músicos extrema- divíduo global com o espaço. O
mente competentes e engajados sintoma dos novos tempos.
em uma proposta consistente. Depois de uma turnê, ocor-
rida entre junho e agosto deste
ano, passando por alguns países
europeus, o grupo recém-forma-
do se consolida cada vez mais
escrevendo músicas juntos e em
“Anavantou!” é a processo de gravação desta par-
miscigenação do ceria internacional. A ideia desta
grupo instrumental nova banda, que vem surpreen-
sergipano dendo pelos palcos mundo afo-
“Membrana” que ra, permeada por apresentações
conta com as instigantes e bastante performá-
ticas, teve surgimento em uma
participações de conversa entre dois amigos: o
Pedrinho Mendonça, percussionista Dudu Prudente
de Júlio Rego e de e o cineasta belga Damien Che-
Dudu Prudente, min. Pensar em um intercâmbio
em junção com um musical se fazia necessário na-
grupo de música quele momento.
O episódio ocorreu quando
instrumental belga, Dudu estava na Bélgica para
Turdus Philomelos. finalizar a trilha de sua autoria
para o longa, rodado em Araca-
ju, “A Pelada”. O filme, lançado
Os trabalhos de Nino, da em 2013 e recentemente dis-
Membrana e da Turdus Philome- tribuído pela Paris Filmes, é a
los têm características em comum. primeira produção da indústria trado aulas de luteria para adoles- desde a infância, quando come-
São profundamente pautados em cinematográfica brasileira (ape- centes em situação de risco, atra- çou a se interessar por pintura.
experimentações com as raízes tra- sar de ser uma produção franco- vés da Fundação Municipal do A partir de 2007, Nino reto-
dicionais de suas realidades em fu- -belga-brasileira) gravada 100% Trabalho. Em 2006, viajou para a mou essa paixão da infância e
são com outros gêneros musicais. em Aracaju, com a maior parte Esta ideia semântica, que norteia pretensão genuína. Como Chico China, onde expôs seus violões e voltou a pintar. O seu estilo
Forró, maracatu e pífano amalga- da equipe e do elenco composta a base rítmica e harmônica desse Science dizia: “Pernambuco em- cavaquinhos na II Expo Brasil, a é eclético e não se considera
mando-se com o folclore europeu. por profissionais sergipanos. novo projeto, se confunde com a baixo dos pés e a mente na imen- convite do Instituto de Coopera- seguidor de nenhuma esco-
Aliás, o forró que tem origem nas A palavra anavantou, que sig- essência latente de Nino. Parafra- sidão”. E as coisas vão acontecen- ção Internacional, e também reali- la, apenas experimenta o que
danças de salão europeias, com nifica “avante” em francês, é uma seando um mártir contemporâ- do quando tem que acontecer. zou shows em casas noturnas e na o seu inconsciente lhe trás de
um pouco de influência do toré expressão popularmente utilizada neo sob um cajueiro em um dia Nino já trabalhou muito tem- Universidade de Beijing. imagens e registra isso em tela,
indígena, não faz mais do que re- nas quadrilhas juninas para mar- bastante ensolarado, o camaleão po como luthier, fabricando ins- As atividades artísticas ma- madeira etc, sempre utilizando
encontrar-se com um amigo de car o movimento dos dançarinos. de Simão Dias não disfarça a sua trumentos musicais, tendo minis- nuais sempre o acompanharam, as tintas acrílicas.

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SÉRGIO
BOTTO
Marcos Melo

V i-o ainda menino, aí por


volta de 1960, de calças
curtas, mas de gravata vistosa
Antonio Barreto, João Augusto
Gama da Silva e Antonio Joa-
quim. Nunca é demais ressaltar
talvez embevecido com o jazzís-
tico solo de órgão do saudoso
Nino (Dilermando Orico), não
e elegantes suspensórios, apre- que “Recital sem Opus” é um retomou o canto no momento
sentado-se ao piano nos con- marco indelével na dramaturgia exato da entrega pelo solista para
corridos saraus promovidos pela sergipana e brasileira, aplaudida então finalizar a canção, preju-
Sociedade de Cultura Artística por seletas e exigentes plateias dicando a apresentação por ter
de Sergipe, a saudosa SCAS, de do Nordeste e do Rio de Janei- entrado fora do compasso. Para
tão relevantes serviços prestados ro, onde foi levada com retum- mim, a música de Sérgio Botto
à cultura sergipana. Tal preco- bante sucesso num importante foi uma das três melhores da-
cidade, já que executava peças festival nacional de teatro. quele certame, sobretudo pelo
de autores clássicos de elevada Pessoalmente conheci Sérgio refinamento melódico, riqueza
complexidade, indicava que sua Botto nos ensaios do I Con- harmônica e pela exigência de
trajetória existencial seria mar- curso Sergipano de Música, total afinação ao ser vocalizada
cada pela música e pelas artes de realizado pelo jornal Diário de em face das nuances melódicas.
uma maneira geral. Aracaju, em outubro de 1969, Desafio vocal para Frank Sinatra
Poucos anos depois, já trajan- do qual participamos, ele com ou Clínio Guimarães, este dub-
do calças compridas e coadjuva- a belíssima melodia bossano- lê de economista e cantor, que
do por Paulo Amilcar (bateria) e vista – Pequena Canção de um recentemente a gravou acompa-
Edgar Silveira (violão e cavaqui- Grande Amor – cujas primeiras nhado pelo próprio Sérgio nos
nho) o vi, ao piano, na sede do letras de cada verso formam o teclados e pelo renomado baixista
Cotinguiba, acompanhando as acróstico Taíse (sua namorada carioca Jorjão. Uma obra-prima
canções/falas da premiada peça à época), repetido nas estrofes digna de integrar qualquer anto-
“Recital sem Opus”, de autoria do inspirado poema. Defendida logia da bossa nova.
do emblemático professor João pelo cantor e seresteiro Nelson Em meados da década de
Costa, que também a dirigiu e Guimarães, a canção foi muito 1970, na condição de funcioná-
atuou ao lado dos atores Orlan- aplaudida, todavia não logrou rio do Banco do Brasil, especiali-
do Vieira, Chico Varella, Luiz classificação porque o Nelsão, zado em câmbio, como fora Dr.

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Maurício Botto, seu pai, Sérgio atro, inclusive para peças infantis. desempenho desses dois mestres. co), Nelsinho (bateria) e eu (sax- numa de suas vindas a Aracaju, Nas suas
foi ser cidadão do mundo. Pri- Ano passado, uma peça sobre o Mas como ganhei naquela noite tenor) –, vivemos momentos de lembrei-me dela. CD entregue,
meiro em Salvador, posterior- médium Chico Xavier, com mú- em estímulos, em conhecimento enlevo que só a música de alta esperei o feedback. Era a única
andanças pelas
mente em Foz de Iguaçu, depois sica de sua autoria, foi encenada e execução de novas escalas e em qualidade pode proporcionar. obra do gênero que tinha escri- cidades brasileiras
em algumas cidades americanas em várias cidades do sul do país. macetes harmônicos! São composições de excepcional to até então e sendo Marcos um e americanas,
e, por fim, se estabeleceu no Rio Residindo em Brasília, por Decidi, então, intensificar requinte melódico e harmônico expert em jazz, fiquei bastante Sérgio enriqueceu
de Janeiro, precisamente no Lar- força de cargo que exercia no De- meus estudos de sax, principal- que seriam tranquilamente as- curioso em ouvir seu veredicto. mais ainda o seu
go dos Leões, em Humaitá, onde partamento Nacional do SESI, mente depois que Sérgio, de fé- sinadas por um Cole Porter ou Desnecessário dizer: ele gostou repertório de
montou apartamento e estúdio constantemente viajava ao Rio de rias, em 1993, foi à Brasília, passar por um Gerswhin, na melhor tanto que, retornando a Brasília,
para ensaios e gravações, estrate- Janeiro e eu sempre o procurava uma semana conosco. Foram dias tradição dos grandes mestres juntou a turma e mandou ver
melodias, ritmos
gicamente localizado a meio ca- para um chope e uma boa con- e noites de muita música quando que fizeram a refinada música num genial arranjo que valori- e harmonias
minho dos bairros Praia de Bota- versa sobre música ou ainda para consegui um pouco de disciplina americana no século XX. zou sobremaneira a canção. Ato absorvendo tudo da
fogo e Lagoa Rodrigo de Freitas. assistirmos aos shows de MPB e em matéria de ritmo observando Desses temas, 16 foram re- contínuo, desafiou-me a escrever enorme diversidade
Nas suas andanças pelas cida- jazz. Tomava ciência de suas no- os compassos vindos dos demais gistrados em CD, intitulado outros temas para que pudesse musical do Brasil e
des brasileiras e americanas, Sér- vas composições e do trabalho instrumentos. Recebi magníficas Songbook, Série Jazz, Vol. 1, gravar um Songbook. A princípio dos Estados Unidos.
gio enriqueceu mais ainda o seu que vinha desenvolvendo com aulas teóricas e práticas de Sérgio cuja capa frontal é uma expres- relutei, mas ao final, terminei
repertório de melodias, ritmos e grupos teatrais em estreita articu- Botto, coadjuvado por Aristóteles siva foto do compositor ao pia- topando. O resultado, além de
harmonias absorvendo tudo da lação com artistas de todos os ma- Abreu, Queiroz, Siri, Barrão, Nel- no. Sobre esse nosso trabalho,
enorme diversidade musical do tizes das artes musicais e cênicas. sinho e pelo cantor Luiz Antonio, Sérgio escreveu o comentário
Brasil e dos Estados Unidos, cer- Aprendiz de saxofonista, excelentes músicos amadores e abaixo a guisa de apresentação:
tamente os dois países mais mu- numa dessas viagens, levei o profissionais que ele conheceu em “BELA RETRIBUIÇÃO - Nos
sicais do mundo, pelo fabuloso instrumento para mostrar-lhe a Brasília e que ficaram seus amigos idos de 1995, ainda morando no
aporte da cultura africana. Em- minha evolução e, naturalmen- e admiradores. Rio de Janeiro, recebi, honrado, a
bora reservado, em pouco tempo te, absorver um pouco de seus A minha insistência em to- visita do amigo Marcos Melo, que
se tornou um importante e requi- vastos conhecimentos musicais. car sax produziu alguns frutos, à época, iniciava os estudos de sa-
sitado personagem no meio mu- Ele então convocou Jorjão, seu e, sem dúvidas, os mais vistosos xofone. Pensando incentivá-lo na
sical e teatral carioca, como com- amigo e ás do baixo elétrico, e maduros foram os registros sua nova jornada musical, resolvo
positor, arranjador e músico. Fez para uma jam session no seu estú- fonográficos que fiz de 36 ma- compor e presenteá-lo com um
parcerias com diversos autores, dio. Foi uma noite inesquecível, ravilhosos temas de jazz que, a tema jazzístico ao qual dei o nome
quer musicando letras de poetas muito embora os meus sopros, meu pedido, Sérgio compôs em de What’s Up. O tempo passou
do quilate de um Sérgio Natureza ou melhor, os meus guinchos, 2009. Nessas gravações – Siri e terminei não lhe mostrando a
ou escrevendo partituras para te- estivessem anos-luz aquém do (guitarra), Barrão (baixo elétri- canção. Recentemente, em 2009, Com Patty e Samuca Barbosa no studio Siri Records.

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SÉRGIO
BOTTO Clínio Carvalho Guimarães

Anotações biográficas
S
Botto compondo. Botto ensaiando com Ivana Dantas.
érgio Mauricio Petersen Bot- – Sociedade de Cultura Artística tica romântica com uma boa dose
muito proveitoso, fez-me senti- que intitulei “A Música Instru- Augusto Gama da Silva. A ex- to de Barros, o nosso Sér- de Sergipe, tendo como atores de sergipanidade, sempre tendo o
mentalmente retornar à América mental de Sérgio Botto”. Ten- periência foi tão auspiciosa que, gio Botto, pianista, violonista e Orlando Vieira, João Costa, Luiz samba e a bossa nova como pano
dos anos 70, quando lá residi. As- cionávamos, também, gravar um dias antes de falecer, Sérgio es- compositor, nasceu em Aracaju, Antônio Barreto, Francisco Va- de fundo. Isso mesmo! Sérgio
sim, foram 36 temas compostos CD dedicado à bossa nova. Sér- tava harmonizado um repertório (SE) em 12 de Dezembro de rella, João Augusto Gama, Antô- adotou a bossa nova como seu gê-
entre junho e novembro daquele gio chegou a compor 5 belíssimas de sambas-canções de Dolores 1949 e faleceu na madrugada de nio Joaquim Filho, entre outros. nero preferido para o exercício do
ano. Este primeiro CD, um ma- canções que intenciono gravá-las Duran, Antonio Maria, Lupicí- 30 de Setembro de 2013, tam- Dono de um talento extraor- enorme prazer de fazer música,
ravilhoso presente de Marcos, re- com os mesmos músicos. nio Rodrigues e outros clássicos bém em sua cidade natal, viti- dinário, percorreu todos os me- e compartilhar com os inúmeros
úne 16 dessas 36 canções, que ele Nos últimos anos, completa- do gênero, que gravei com Siri. mado por um infarto. andros da música desde a erudita, amigos.
imortaliza com a competência e a mente dedicado à composição, Lamentavelmente, não deu para Iniciou seus estudos de piano passando pelo rock, jazz e a bossa Até hoje, todos que vivemos
beleza do seu sopro, juntamente Sérgio havia deixado de lado o que ele pusesse suas sofisticadas no ano de 1954, e em 1964, com nova, adotando o violão (sem ja- o seu tempo, lembramos com
com esses maravilhosos músicos talentoso tecladista e violonis- harmonias ao teclado. o pianista e concertista Fernando mais abandonar o piano) como muito carinho, as reuniões lí-
que são Siri na guitarra, o Barrão ta que era. Por insistência mi- Enfim, o maestro Sérgio Botto Lopes, no Curso Livre de Música seu instrumento preferido e de tero/etílico/musicais nas casas
no baixo e o Nelsinho na bateria. nha, ele colocou suas precisas viverá eternamente nas 700 mú- da Universidade Federal da Bahia, onde tirava acordes excepcional- dos amigos Lineu Lins e Alberto
Bela retribuição! Obrigado, mes- e sofisticadas harmonias num sicas que compôs ao longo de sua os aprimorava, tornando-se um mente modernos na melhor esco- Carvalho, recortadas com perfor-
mo! (Sérgio Botto)”. CD contendo Standards e uma fascinante trajetória existencial e virtuose aos 16 anos. Em 1966, la de Baden Powell e Tom Jobim mances poéticas de “seu” Clodo-
Planejamos que o Vol. 2 se- lindíssima composição sua – artística. Caberá a Maurício Bar- participou como pianista do me- seus músicos referenciais. aldo e Hunald Alencar, Amaral
ria lançado num encarte duplo, Your Eyes – que gravei com Siri, ros, seu sobrinho querido, filho morável espetáculo “Recital sem No final dos anos sessenta e Cavalcante, Nubia Marques,
enfeixando as 36 composições, acompanhando-me na guitarra. in pectore e herdeiro desse vasto Opus”, peça teatral do Professor início dos setenta, Sérgio Botto Jane Ribeiro, com a prosa poé-
mas, seu inesperado falecimento, Intitulado “S’ Romantic Jam”, cabedal, conservá-lo e divulgá-lo João Costa, com músicas de Luiz começou sua carreira de compo- tica de Gélio Albuquerque, com
em outubro de 2013, frustrou esse CD teve boa aceitação pe- porque se trata de um formidável Antônio Barreto, encenado pelo sitor. Em parceria com Hunald a estética de Lineu, com as vozes
esse intento. Em abril deste ano, los que apreciam a música ro- acervo da moderna cultura sergi- TECA – Teatro Cultura Artísi- Alencar, produziu belíssimas can- de Nelsão, Jane Vieira, com os
então, reuni 17 temas num CD mântica, incluindo o expert João pana e brasileira. tica, sob o patrocínio da SCAS ções com inspiração afro e temá- “causos” de Chico Varela, e etecé-

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tera, etecétera, etecétera, que não O Estado de São Paulo, O Dia e Ainda no Rio, assinou a dire-
vou lembrar de todos mesmo. Tribuna da Imprensa. ção musical da peça “Um homem 1. 2.
Estava, porém, sempre atento aos Sobre esse trabalho com Go- D’Outro mundo”, do diretor gau-
chorões e seresteiros da cidade, a doy, escreveu Ricardo Cravo Al- cho Ivens Godinho, com recortes
“velha guarda” da época, grandes bin, em seu Dicionário da Música baseados na vida e obra do mé-
conhecedores de música, com a Popular Brasileira, no verbete re- dium Chico Xavier.
qualidade de um Macepa, Carne- ferente ao poeta Guilherme: Depois de um longo tempo fa-
ra, Argolo e Antonio Teles, para “Ao ler “Tia do mangue - Me- zendo a ponte aérea Aracaju-Rio,
citar alguns, e cuja convivência nino na Cama”, o pianista sergi- veio em 2003 morar, definitiva-
lhe seria muito útil na sua produ- pano Sérgio Botto (ex-funcioná- mente em Aracaju, onde prosse-
ção musical futura. rio do Banco do Brasil) resolveu guiu com sua produção da música
Em meados da década de convidá-lo a fazer umas parcerias. e estabeleceu um contato mais
1970, na condição de funcioná- Em pouco tempo, tinham com- íntimo com a cena musical da ter-
rio do Banco do Brasil, mudou-se postos diversos sambas, que mais rinha. Em 2004, foi homenagea-
para Salvador e de lá para o Rio tarde originaram o disco “O sam- do no Teatro Tobias Barreto pela
de Janeiro, onde desenvolveu um ba sabe o que quer”.
3. 4.
intenso trabalho musical, partici- Em 1998, reuniu diversos ami-
pando de diversos e importantes gos importantes no cenário da
festivais de música como compo- MPB e gravou o disco “O samba
sitor e instrumentista, assinando, sabe o que quer”, com letras suas
Dono de um talento
também, a direção musical e au- e músicas de Sérgio Botto. Neste
toria de inúmeras trilhas sonoras CD, além de cantar “Bilhete de extraordinário,
para peças teatrais e cinema. ida” e “A loura do backing”, con- percorreu todos
Em 1998, em parceria com o tou com várias participações nas os meandros da
amigo poeta e jornalista carioca outras faixas: “O samba sabe o música desde a
Guilherme Godoy, falecido em que quer”, interpretada por Dé- erudita passando
2001, autor do livro de contos e cio Carvalho, Tânia Machado e
pelo rock, jazz e a
poemas Tia do Mangue – Meni- Walter Alfaiate; “Se o homem não
no na Cama e fundador do gru- chora”, cantada por Tânia Macha- bossa nova adotando 5. 6.
po Voz e Viola, responsável por do com arranjos e gaita de Rildo o violão (sem
importantes pesquisas sobre a Hora, e “O trem da história”, can- jamais abandonar
MPB, lançou o CD “O Samba tada em dueto por Nelson Sargen- o piano) como
Sabe o que Quer”, com intérpre- to e Nadinho da Ilha, com arran- seu instrumento
tes conhecidos nacionalmente jos de Paulão Sete Cordas. Outras
preferido e de onde
no mundo do samba a exemplo músicas foram contempladas com
de Nelson Sargento, Delcio Car- arranjos de Afonso Machado, tirava acordes
valho, Walter Alfaiate, Nadinho Luiz Flávio Alcofra, Tito Freitas, excepcionalmente
da Ilha, entre outros, e arranjos Misael da Hora, e Célia Vaz. O modernos na
magistrais de Rildo Hora, Pau- disco conta ainda com as partici- melhor escola de
lão 7 Cordas, Celia Vaz e Afon- pações de jovens cantoras – Kelly Baden Powell e Tom
so Machado, o que despertou o Benevides, Letícia Carvalho, Ma-
Jobim, seus músicos 1. Com o cantor Nino Karvan.
interesse da crítica especializada rilyn Carrilho e Valéria Mariano e 2. Da esquerda para direita, Clinio Guimarães, Ludwig Oliveira, Sérgio Botto, Medeiros e Djalma.
através dos comentários elogio- músicos componentes do grupo referenciais. 3. Com o cantor Claudio Vilanova.
4. No Show de Dana Estavo na “Toca do Índio” com Marta Anjos e Paulo Lobo.
sos no Jornal do Brasil, no jornal Água de Moringa”. 5. Ouvindo MPB com a cantora Dana Estavo.
6. O cantor Luiz Arnaldo, intérprete de algumas canções de Sérgio Botto em parceria com Marcelo Ribeiro.

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CD Fina Flor. Sérgio Botto em parceria com Marcelo Ribeiro.

cantora carioca Denise Pinaud, seu precoce desaparecimento. O Roney, Júlio de Lima, Pequeno,
que interpretou a canção “Primei- sentimento de perda dessas meni- Adriana, Nurimar, Gentil) e do
ra Audição”, de sua autoria em nas é enorme, uma vez que viam Rio (o incrível pianista Cristó-
parceria com Guilherme Godoy no talentoso e experiente músico vão Bastos, Jurim Moreira, Ro-
durante a apresentação do Proje- que era Sérgio uma maneira das berto Stepheson, Gretel Paganini
to Pixinguinha em caravana que mais acessíveis ao aprimoramen- e José Carlos Santos) para, sob a
contou com as presenças de Celso to de seus talentos individuais. batuta dos talentosos Melquise-
Viáfora, Fabiana Cozza e Francis Sua partida aconteceu num deck (nosso diretor musical em
Hime, além da própria Denise. momento dos mais profícuos, Sergipe) e do maestro Jorge Car-
Lembro de tê-lo visto comen- quando, em parceria com o po- valho, o Jorjão – radicado no Rio
tar sobre a excelência da música eta Marcelo Ribeiro, dava re- de Janeiro, são dele os arranjos
feita por aqui a partir da convi- toques finais ao projeto do CD de nove das canções, gravadas no
vência mais próxima de Ismar “Fina Flor” a ser lançado em STUDIO UP –, não deixarmos
Barreto, Guilherme Mannis, Ser- breve aqui em Aracaju e sobre o que seja esquecido o memorável
gio Maestro e o Grupo Vocal Vi- qual assim se referiu seu parcei- Sérgio Petersen Botto”.
vace que incluiu no CD “Música ro: “Este CD é uma liliputiana Foi o seu canto de cisne no
Erudita em Sergipe – Sec XX” a homenagem que prestamos – eu dizer do amigo e parceiro Mar-
canção Mercedes de sua autoria e outros admiradores – à me- cos Melo.
em parceria com Godoy. mória de Sérgio, um competen- Pra mim, sua precoce parti-
Sendo ele um entusiasta da te, dedicado e versátil músico e da foi uma perda pessoal mui-
música instrumental, compôs compositor. Primordialmente, to grande. O Baixinho, como o
36 temas jazzísticos de altíssima uma singular figura humana. tratava, foi dos primeiros amigos
qualidade, gravados ao sax tenor Juntos, produzimos cerca de oito que fiz aqui em Aracaju quando
de Marcos Melo, acompanhado ou nove dezenas de canções. Tra- aportei vindo do interior no re-
por um grupo de músicos bra- go a público algumas gotas do cuado ano de 1964. Quiseram
silienses e registrados em dois seu borbulhante oceano criativo. todos os santos e orixás que,
SongBooks imperdíveis. Neste trabalho, assino eu as le- após nos deleitarmos com o ser-
Do mesmo modo, achou esti- tras e ele as enriquece com o in- gipano Zé da Velha e seu parcei-
mulante o encontro com canto- contestável talento melódico. Ta- ro Silvério Pontes, num memo-
res e intérpretes locais, alguns já rimbados cantores da terra (Luiz rável show no Teatro Atheneu
conhecidos e com as jovens can- Arnaldo, Nino Karvan, Paulo em 29/09/2013, nos despedísse-
toras que conheceu aqui e proje- Lobo, Tom Robson, Neu Fontes, mos com um encontro marcado
tou a divulgação de suas compo- Dana Estavo, Cris Assunção) e para o dia seguinte que nunca
sições, com a participação ativa alguns de fora (Indiana Nomma, aconteceu. Só queríamos ouvir
muito incorporada à cena da ci- Andréa Montezuma e Toni Bar- uns sambinhas! Sergipe perdia,
dade, projeto esse apenas parcial- reto) aliam-se a valorosos músi- naquele 30/09/2013 um de seus
mente executado em função do cos daqui (João Ventura, Lito, mais talentosos artistas.

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Lelê Teles
D urante décadas, alijada de
visibilidade midiática, a Pe-
riferia do Brasil − grafemos em
quecido pelo poder público, pelo
qual é vista como um problema
difícil de ser mitigado.
HIP HOP

No início dos anos de 1990,


imensa comunidade e resolveram
viver em comunhão. Como diz
o refrão “periferia é periferia em
gente para dentro dos lares brasi-
leiros, em pleno domingo.
E a perifeira do Esquenta é
maiúscula quando representar Os habitantes desse aglomera- os Racionais MC’s lideraram qualquer lugar”. essa nova periferia.
todas as periferias − sofria de bai- do humano, semiurbano, vivem uma verdadeira revolução na pe- Aí começou uma revolução
xa estima. ainda como deficientes cívicos, riferia de São Paulo, que se irra- dos costumes. Jovens da Perife- GOVERNO LULA\DILMA
Periféricos tinham vergonha sem consciência de seus direitos e diou por outras comunidades em ria adotaram uma maneira pró-
de conversar fora de seu nível cobrados a todo momento quan- todo o Brasil. Os rappers mostra- pria de se vestir e de caminhar (a De 2003 a 2013, 36 milhões
social, porque assimilavam o dis- to aos seus deveres. vam, de forma contundente, que ginga), passaram a ter orgulho de de brasilerios saíram da linha de
curso dominador de que a mo- Por décadas, na Periferia, não a Periferia tinha cor e era pela cor sua cor à medida que conheciam pobreza, mais de 3 milhões con-
çada da Periferia falava mal, feio havia lugar para sonhos e todos que seus habitantes eram identi- a história de sua raça. seguiram casa própria por meio
e errado. Seu linguajar, cheio de estavam presos a um pseudo de- ficados e, automaticamente, dis- Com o Hip Hop, que une os de iniciativas do Governo Fede-
“erros de concordância”, chegava terminismo social imobilizante. criminados. elementos (1) dança (2) canto (3) ral, reduziu-se o índice de mor-
a “doer no ouvido”. Por isso, fi- A polícia completava o serviço Situando-se bem no seu lu- batida e o (4) grafite, a juventude talidade infantil e aumentamos
camos sempre de cabeça baixa ao por meio de porrada, humilhação gar de fala, como diz Foucault, da Periferia passou a ser protago- nossa expectativa de vida, a ONU
falar com os patrões, aceitando e tiros na nuca. os Racionais criaram um novo nista de suas histórias, uma vez ratifica que o país saiu do vergo-
sua inferioridade. Mas isso aos poucos vai vi- discurso, consciente, reativo, que os MC’s, verdadeiros cronis- nhoso mapa da fome, negros e
A escola pública era outro em- rando apenas uma caricatura, a afirmativo e propositivo. As Pe- tas sociais, procuravam mudar a pobres nunca foram tão nume-
pecilho. Lá, desde criança, apren- Periferia mudou muito na últi- riferias passaram a comunicar-se mentalidade da rapazeada, co- rosos nas universidades, agora há
diam seus limites. A escola estava ma década. entre si, enxergaram os pontos brando às autoridades, criticando cotas para o serviço público.
programada para fazê-los aceitar Algo começa a se mover. comuns, viram-se como uma as precárias condições de vida e Estamos diante de uma for-
que a conclusão do ensino médio criando, também, formas de re- ça centrípeta, da periferia para
representava uma formatura, e presentações de pertencimento, o centro.
era o rito de passagem para a vida orgulho de ser e de estar e empo- Com a força de suas mensa-
adulta; isso não significava que o deramento discursivo. gens, o poder vibrante de suas
jovem agora estava pronto pra in- Ao mesmo tempo, no Rio de batidas, o ritmo frenético de sua Fred Zero 4, um dos
fundadores do movimento
gressar na universidade, mas que Janeiro explodia a revolução do sonoridade, suas cores, sua alegria Mangue Beat.
já estava preparado para o merca- Funk propondo a libertação da e sua energia, o Funk, o Rap e o
do de trabalho. mulher, que passou de objeto no Mangue Beat entraram nas casas
samba, para sujeito no Funk. de classe média e média alta.
SEMPRE SUBALTERNO Em Pernambuco, o Mangue Hoje, a Periferia saiu da invi-
Beat falava dos que vivem na sibilidade e se faz presente em to-
Mas muitos já nem iam à es- lama, dos que vivem do barro, dos os lugares, das galerias de arte
cola, começando a trabalhar mui- dos pobres e dos podres da socie- aos grandes salões de festa, das
to cedo. Como lenitivo, as inicia- dade. Como o fez Josué de Cas- passarelas da moda ao cinema,
tivas sociais de geração de empre- tro outrora. da literatura ao entretenimento,
go, por meio de instituições so- Todos esse movimentos vira- com o seu linguajar próprio, com
ciais públicas, ofereciam sempre ram teses de mestrado e doutorado a sua própria forma de lhe dar
os mesmos cursos de capacitação em universidades no país inteiro. com o corpo; com o seu estilo de
para os jovens pobres continua- Há pouco, uma novela global, vida, em uma palavra.
rem pobres: garçom, manicure, no prestigiado horário nobre, ti- A renda média nas favelas
padeiro, pedreiro... nha a periferia como tema, cada brasileiras, onde vivem mais de
Periferia é Periferia
De uma maneira geral, a Pe- vez mais há negros na TV e a Re- 11 milhões de pessoas, cresceu
RACIONAIS MC’S
riferia sempre foi um lugar es- gina Casé trouxe a periferia e sua mais de 54% na última década*.

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1. 2.

3. 4.

1 . Hot Black, apresentador do Estação Periferia produzido pela TV Aperipê.


2. Hot Black entrevistando o cordelista Chiquinho Beira Mar.
3. Programa Esquenta, com Regina Casé na Rede Globo.
4. Racionais MC’s.

Com pleno emprego, o país ofe- A introdução da periferia, como de bom por lá, entrevistando es-
rece mais oportunidades, mais cenário e como tema principal, are- critores, poetas, músicos, atletas,
qualificação e melhor remunera- jou a nossa literatura no início do dançarinos, acadêmicos e empre-
ção, microcrédito para empreen- século XX, saindo do lugar-comum endedores. O programa, pela for-
dedores e os pontos de cultura, e monótono em que sempre esteve. ça de sua temática e a qualidade
espalhados por todas as periferias Foi também a entrada da pe- de sua produção, foi exibido em
do país, e criou uma nova pers- riferia como tema principal que 69 países pela TV Brasil.
pectiva para a moçada, com a renovou o nosso cinema, em fil- Antes cabisbaixo e subalterno,
profissionalização de toda a ca- mes como Cidade de Deus e os hoje o jovem periférico quer mais
deia produtiva cultural. Tropa de Elite. é ser visto, quer mais é aparecer,
Essa é a Periferia que aparece Em Sergipe, um grupo de jo- quer dar rolé no shopping, quer
no programa Esquenta, alegre, vens antenados a essa nova força ostentar, não quer mais se aceitar
orgulhosa de si mesma, talentosa, motriz social, criou um programa inferior e subalterno. Quer cada
irreverente, negra, socialmente de TV, Estação Periferia, que per- vez mais visibilidade.
bem resolvida e economicamente corria todas as quebradas do Bra- Você não entra na periferia,
*Dados do livro Um Paí Chamado Favela, de em ascensão. sil mostrando tudo o que ocorre mas a periferia entra em você.
Renato Meirelles e Celso Athayde.

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Culturas
e Populares
da Silva
José Paulino
Das regiões litorâneas às quebradas do sertão, vivem inúmeros artistas populares, mui-
tas vezes desconhecidos pela mídia, entretanto portadores de grande potencial criador.
São grupos folclóricos, artesãos, aboiadores, contadores de histórias, poetas repentis-
tas, rezadeiras, sanfoneiros, violeiros, homens e mulheres da lida do campo, vaqueiros;
além dos artistas das periferias urbanas envolvidos com manifestaçõs tais como o hip
hop e o grafite.

T oda essa riqueza que consti-


tui o mapa dessa diversidade
cultural está à espera de políti-
cultural. A adoção de apoio atra-
vés da criação de editais culturais,
as leis de incentivo à cultura, a
do que usar tal expressão no sin-
gular. Isso porque trata-se da
produção simbólica e material
cas consequentes e competentes, criação dos pontos de cultura são do povo, marginalizado das de-
traduzidas em medidas efetivas, alguns exemplos que merecem cisões políticas e do poder eco-
contínuas e, sobretudo, sem mui- ser consolidados e ampliados. nômico, mas, ao mesmo tempo,
ta burocracia. Não há dúvida de Mas antes de falar sobre esse rico e diverso em suas caracterís-
que, no âmbito da legislação e da colorido e sonoro mosaico que é ticas. O uso no plural ‘culturas
gestão pública, nestes últimos dez a arte do povo, vale deixar claro populares’ é mais adequado pois
anos, tem havido iniciativas lou- o que eu entendo por essas duas o operário, o trabalhador rural,
váveis para melhorar o quadro de palavras que podem ter diversos o pequeno proprietário rural, o
abandono a que foi relegada, ao significados. Na verdade, é mais pequeno comerciante, o funcio-
longo dos tempos, esta riqueza exato dizer “culturas populares”, nário público, o subempregado,
o morador de uma periferia ur- pular não marcam presença nos anos de vivência. Falta-lhes o re- também foram a base para que

Foto: Márcia Santos/Divulgação


bana, os sem-teto e os sem-terra, bancos das universidades para ferendo do diploma. No entan- eu valorizasse esta riqueza do
entre outros, são agentes criado- o transmitir sua sabedoria, sua to, isto não seria impedimento povo nordestino.
res dessa cultura. arte acumulada durante anos e para a apresentação, o estudo e Na década de 1970, como
debate desta produção cultural. professor de Filosofia da Edu-
O papel da Sociedade cação da UFS, levei dois poetas
Repente e filosofia na repentistas para sala de aula, a
É evidente que não se pode
É evidente que não
sala de aula fim de melhor exemplificar uma
creditar toda responsabilidade unidade temática em estudo: a Artistas do grupo Depoisdascinco durante apresentação de espetáculo de
de apoio à cultura e, em espe- se pode creditar toda Estabeleci uma relação muito relação entre filosofia e poesia. A cordel em escola do DF.

cial, à cultura popular, apenas responsabilidade de próxima com a cultura popular a presença de dois poetas violeiros
aos governantes. A sociedade, apoio à cultura e, em partir do meu convívio de meni- repentistas causou uma grande
através de suas organizações e, especial, à cultura no junto a contadores de histó- surpresa no meio acadêmico.
sobretudo, as instituições de en- popular, apenas rias, ouvindo leituras de folhetos Alguns colegas chegaram a me
sino e de pesquisa devem e po- aos governantes. A de cordel, vendo e ouvindo toca- sensurar por aquela iniciativa.
dem fazer sua parte. Neste senti- dores de viola nas cantorias, as- Entretanto não me preocupei.
sociedade, através
do, chamo especial atenção para sistindo apresentação de mamu- Sentí o quanto os alunos gosta-
de suas organizações lengo, vendo pastoril profano, ram da experiência. Tinha certeza
o papel social das nossas univer-
e, sobretudo, as

Foto: Ana Lícia Menezes


sidades públicas. Elas se encon- ouvindo tocadores de sanfona de que era importante dar opor-
tram ainda muito fechadas para instituições de ensino de oito baixos, rabequeiros, con- tunidade para que os jovens co-
esta temática. Ainda são poucas e de pesquisa devem e vivendo com vaqueiros aboiado- nhecessem os valores da cultura
as universidades que têm, por podem fazer sua parte. res. Estas manifestações presen- popular. Seja nas universidades
exemplo, em seus cursos de le- tes no meio rural onde vivi mi- ou nas escolas de primeiro e se-
tras, estudos da literatura de cor- nha infância não só ampliaram gundo graus, temos que estimu- Alunos de escolas públicas sergipanas participam da comemoração do
del. Os mestres da cultura po- meus horizontes culturais, como lar o conhecimento desta cultura. Dia do Folclore em 2013 com o grupo Parafusos da cidade de Lagarto.
Foto: Bruno César/Divulgação

Lambe Sujos, em Laranjeiras. Vaqueiros aboiadores. Bonecos de Mamulengo.

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Conhecer é, sem dúvida, o pri- valores, tradições, saberes, for-
meiro passo para gostar da qual, mas de relação (sendo que) ao se
incentivá-la e difundi-la. desvalorizar a cultura, está se en-
fraquecendo a identidade. Uma
Valorização da cultura identidade golpeada gera senti-
popular mentos coletivos e individuais de
baixa autoestima”.[1]
O desconhecimento da cultu- Valorizar a cultura produz
Festas juninas com crianças na Creche Vila da Amizade, no RJ.
ra popular por parte das institui- um efeito positivo nas pessoas. Imagen extraída do site http://vilaamizade.blogspot.com.br/
ções de ensino é uma realidade As pessoas se reconhecem no seu
que pode e deve ser superada. grupo social. Além do sentimen-
Esta superação pode acontecer to de pertença, é também uma
através de professores e da pró- forma de demonstrar que os seres
pria administração das escolas humanos têm um forte potencial
no convívio com a comunida- de criar, manifestar seus senti-
de onde a escola está situada. O mentos em cores, sons, danças
mestre Paulo Freire nos ensinou ou materializando-os – como os
Xilogravura: Severino Borges
que a educação deve ter como santeiros que demonstram sua

Foto: Ana Lícia Menezes


ponto de partida e de chegada a tura popular não pode acontecer e respeitadas em sua cultura. A fé através da madeira ou argila.
realidade do educando. Muitos apenas no mês de agosto, quando propósito, relembro esta obser- Expressar-se, criar, é também for-
alunos desgostam da escola por- se comemora o dia do folclore ou vação de Kliksberg quando diz talecer laços comunitários de re-
que ela não estabelece esta rela- durante o mês de junho, quando que “os pobres sentem que além conhecimento. Culturas Popula-
ção com sua vida, fechando-se se celebra o ciclo junino. É de de suas dificuldades materiais, há res podem ser um bom antídoto
em áridos programas. A abertura fundamental importância que as um processo silencioso de ‘des- para muitas mazelas do mundo O interesse e a participação de crianças e jovens nos festejos são ferramentas
das escolas para os valores da cul- comunidades sejam reconhecidas prezo cultural’ com relação a seus contemporâneo. imprescindíveis para que as culturas populares não morram.
Foto: Fabiana Costa/Secult

Fotos reproduzidas do Facebook/Linha do Tempo/Secult Sergipe.

Referências: [1] Bernardo Kliksberg – O mito do desenvolvimento social. Ed Cortês/Unesco, São Paulo, 2001, p.141.

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A construção do desenvolvimento de Sergipe e o
papel do Condese (1964-1982)
Dilson Menezes Barreto

Nas páginas deste livro, o leitor irá conhecer não só um


viés do processo de desenvolvimento do país e do estado
de Sergipe, como também a história do CONDESE, do
economista e professor José Aloísio de Campos e um pouco
da história profissional do próprio autor. Trata-se de uma
leitura que interessa a vários tipos de leitores, não só a estu-
dantes dos cursos de graduação e pós-graduação na área das
ciências sociais e das ciências humanas, mas também pro-
fissionais ligados ao aparelho técnico-burocrático do Estado
e que precisam deste conhecimento para refletir sobre suas
práticas, bem como aquele leitor que quer simplesmente
conhecer e compreender um pouco mais do processo de
desenvolvimento histórico-social de Sergipe.

Das Aulas Avulsas ao Lyceu Provincial: as primei-


ras configurações da instrução secundária na pro-
víncia da Parahyba do Norte (1836-1884)
Cristiano de Jesus Ferronato

Este livro trata da discussão acerca do processo de organização

LIVROS
e estruturação do ensino secundário, na Província da Parahyba
do Norte imperial, onde foram realizadas experiências de escola-
rização, tanto no funcionamento das aulas avulsas, quanto no Ly-
ceu Provincial que, alguns anos depois, passou a se chamar Lyceu
Parahybano. Cristiano Ferronato delimitou o seu estudo entre os
anos de 1836, ano de criação do Lyceu Provincial, e 1884, ano
em que o mesmo foi fechado durante quase oito meses para dar
lugar à primeira escola normal da Província. Todavia, o projeto
malogrou, fazendo com que o Lyceu recobrasse a sua identidade
enquanto espaço privilegiado de estudos propedêuticos e prepa-
ratórios para o ensino superior.

Coedição: Universidade Tiradentes - Unit


Eleitores e Votantes da Freguesia de Santo Antonio Haveres do Século XIX
e Almas de Itabaiana - 1875 Clóvis Bomfim
José Rivadávio Lima

Neste livro, o autor se debruça sobre a história de sua


O livro de Rivadávio Lima é uma nova contribuição cidade, Santo Amaro das Brotas, e esmera-se no labor de
ao nosso autoconhecimento. Os documentos nele editados buscar fatos verdadeiros, mesmo que, para isso, engendre
nos conduzem ao longínquo ano de 1875, quando à antiga esforços desmedidos. Narra os fatos com docilidade e poe-
freguesia que abarcava terras que hoje constituem os mu- tismo, ao mesmo tempo que revela a crueza e as mazelas de
nicípios de Santa Rosa de Lima, Moita Bonita, Malhador, que foram protagonistas e/ou vítimas, os antepassados dessa
Ribeirópolis, Frei Paulo, Itabaiana, Areia Branca e Carira. cidade. Na pegada do autor e de sua perfeita narrativa, o
O objetivo desta pesquisa é estimular os interessados pelo leitor se embrenhará junto com ele, ora nas lutas entre Ma-
conhecimento sobre Itabaiana e os pesquisadores da His- ruim e Vila de Santo Amaro, quando dará à vida e à morte
tória de Sergipe, na busca de suas origens ou da origem de sua cor; ora na constatação de que também, aquele povo,
suas famílias, ampliando, assim, a leitura dos sergipanos em sua maioria, foi e é ávido de paz e de bem viver.
sobre si mesmo.

Experiências e Reflexões sobre o Desenvolvimento Leituras Kantianas


Rural e Regional: realidades do Nordeste Brasileiro Edmilson Menezes (Organizador)
Organizadores: Diana M. de Carvalho; Fernanda V. de Alcantara; José
E. da Costa
Neste livro, Edmilson Menezes apresenta, em primei-
ro lugar, o debate descrição-narração na história natural;
Este livro foi organizado na tentativa de ampliar o de- em segundo, o debate poligênese-monogênese e, em ter-
bate em torno das questões que envolvem agricultura fa- ceiro lugar, a questão da epigênese e a pré-formação. O
miliar e desenvolvimento rural, a partir de estudos desen- objetivo deste estudo é demonstrar que os conceitos são
volvidos nas diferentes regiões brasileiras sobre o prisma originados em discussões da história natural, mas são tam-
analítico de pesquisadores de áreas distintas, porém afins, bém reinterpretados e resignificados por Kant no seu novo
o que torna uma análise plural sobre a produção do espaço uso. O esclarecimento do debate e o reconhecimento da
e suas contradições. Nos artigos aqui presentes, os autores interpretação kantiana a respeito dos conceitos da história
revelam, por meio de vastas pesquisas e debates teóricos, natural nos permitiriam entender, parcialmente, o alcance
o domínio e a percepção das transformações ocorridas no e o limite dos elementos “antropológicos” do executor das
mundo rural atual. operações lógico-semânticas do formulador e solucionador
de problemas.

88 | Cumbuca Dezembro 2014 Dezembro 2014 Cumbuca | 89


Dicionário do Nordeste
Fred Navarro

Como cobertura específica da cultura e das palavras que


a sustentam, o Dicionário do Nordeste tem as duas virtudes
de uma grande obra: a amplitude e o detalhismo. Há aten-
ção ao universo dos possíveis e o detalhamento milimétrico
em cada verbete e em cada referência precisa. Neste livro,
estão expostas expressões curiosas como, por exemplo, “casa
de camelo”, “marcha-vilícia”, “sol coado” etc.

Coedição: Cepe - Companhia Editora de Pernambuco

Memórias de uma fraternidade cristã


De: Carmen Machado Costa, Clara Leite de Rezende, Geraldo de Olivei-
ra, José Alaexandre Diniz, José Carlos de Oliveira, Salvador de Oliveira
Ávila e Wellington Santana (Organizadores)

Este livro é um registro de memórias. Memórias de um


grupo de jovens universitários que, na Aracaju do final dos
anos cinquenta e início dos sessenta do século passado, vi-
venciaram uma experiência de vida cristã, participando do
movimento Juventude Universitária Católica - JUC, em
torno do então Padre Luciano José Cabral Duarte, rico em
inteligência, carisma, vontade, senso prático, erudição. As-
sim, este livro foi escrito para servir de memória de tudo
aquilo que antecedeu os dias de hoje, para aqueles que, ao
longo na suas vidas, se pautaram nos elevados valores com
os quais construíram suas existências e influenciaram, ainda
que sem alarde, a sociedade que estamos construindo.

90 | Cumbuca Dezembro 2014

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