Você está na página 1de 4

REVISTA ELETRÔNICA

COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA: COLETÂNEA DE ESTUDOS DE CASOS

“O CASO É O SEGUINTE...”
Volume 1, Número 2, dezembro de 2008 - Semestral

Instituto de Ciências Humanas PUC Minas


Departamento de Educação 1958 | 2008
Curso de Pedagogia
Chefe do Departamento de Educação
Profª. Maria Salete Chaves

Coordenadora do Curso Pedagogia com Ênfase em Ensino Religioso


Profª. Nilza Bernardes Santiago

Coordenadora do Curso Pedagogia com Ênfase em Necessidades Educacionais Especiais


Profª. Sheilla Alessandra Brasileiro de Menezes

Editor
Prof. Sérgio de Freitas Oliveira

Produção Gráfica
Reginaldo Quirino de Almeida

Capa: Reginaldo Quirino de Almeida


Editoração de Texto: Prof. Sérgio de Freitas Oliveira
Formato: 21,59 x 27,94 cm
Número de Páginas: 204

Ficha Catalográfica Provisória

Revista Eletrônica: “O Caso é o Seguinte...” / Coordenação Pedagógi-


ca: Coletânea de Estudos de Casos / Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais – v. 1, n. 2 (ago./dez. 2008-). – MG/Belo Horizonte: ICH –
PUC Minas, 2008.

Semestral.
ISSN

1. Educação - Periódicos. I. Pontifícia Universidade Católica de Minas


Gerais. Instituto de Ciências Humanas. Departamento de Educação. Cur-
so de Pedagogia.

CDU 37.013 (047.3)


Artigo 4
Autora:
Alexandra Fortes Vilaça
Endereço eletrônico: alexandrafortes20007@hotmail.com
Graduada em Pedagogia com Ênfase em Ensino Religioso pela PUC Minas

Como lidar com o aluno problema: uma lição de vida

um e outro, atrapalhando a concentração


Resumo da turma. Tratei-o com firmeza e meio rís-
A violência protagonizada pelos jovens nas escolas é uma pida. Questionei seu comportamento e pedi
Revista Eletrônica - “O caso é o seguinte...” Coordenação Pedagógica: Coletânea de Estudos de Casos

realidade inegável. A sociedade terá que se organizar e in- que ele não se comportasse assim durante
surgir ativamente contra esse fenômeno. De igual modo, a minhas aulas, senão teria que solicitar sua
escola terá que ajustar os seus conteúdos programáticos saída da sala de aula. Ele, agressivamente,
e acercar-se mais das crianças. Devido às exigências, as me respondeu: “– Não me importo com nada,
famílias muitas vezes destituem-se da sua função educa- não me interessa essa “p...” (palavrão) de es-
tiva, delegando-a à escola. No meio de toda essa confusão, cola, muito menos aulas de português.”
estão as crianças, que atuam conforme aquilo que obser- Argumentei com ele sobre a importância
vam e agem consoante os estímulos do meio que, por vezes, de se aprender o português para facilitar
oferece modelos de conduta e referências questionáveis. sua comunicação com o mundo, para se dar
bem em uma entrevista de trabalho e para

E
ste artigo relata uma história de lição saber colocar suas idéias aos outros. Sugeri
de vida, não só para o educador, mas que ele levasse os estudos a sério e que, com
para todos aqueles que se preocupam apenas mais dois anos, ele poderia estar em
com o futuro da educação, em qualquer lu- um CEFET, fazendo um curso técnico, com
gar do mundo. colegas de sua idade, com certeza se desta-
Era o primeiro dia de aula na Escola cando no mercado de trabalho, nas áreas de
Municipal Sales Pereira1, em um pequeno seu interesse. Como resultado desse estudo,
distrito da Grande BH. Era uma turma de poderia dar um futuro melhor à sua família,
7ª série, com 80% dos alunos considerados ajudando seus pais.
de bom rendimento escolar e boa disciplina. A sua reação foi agressiva e dizia que a
Alguns alunos tinham perfi l diferenciado e família dele não precisava de ajuda e que ele
um deles em especial, com 16 anos. estava na escola por ser obrigado por sua
Alisson 2 é seu nome. Mora na região com mãe, já que tinha outras maneiras mais “fá-
sua família: pai, mãe e 4 irmãos menores. A ceis” de ganhar dinheiro.
mãe é lavadeira para a comunidade e seu pai Nos contatos seguintes seu comporta-
trabalha na capina de roça e é alcoólatra. mento não mudou. Continuou atrapalhando
Quando cheguei à escola, já fui alertada a turma. Sentava-se de costas para o pro-
do comportamento de Alisson: agressivo, re- fessor, cantando e fazendo barulho. Quando
belde, usuário de drogas leves e uma obser- era chamado a mudar o comportamento,
vação muito importante: tinha boas notas e chutava carteira, falava palavrões e assim
péssimo conceito em disciplina. permanecia até que lhe pedia que saísse de
Ele era visto por todos como o encrenca sala e procurasse a coordenação.
da turma. Era o líder do grupo e todos apro- Após 2 meses de convivência com esse
vavam suas idéias, suas gírias, seus rap’s. aluno, resolvi tomar um posicionamento,
Meu primeiro contato com ele não foi dos pois eu não conseguia mais levar a situação
melhores. Durante a aula, manteve-se agi- da maneira como se encontrava.
tado e falante; cantava, falava alto, chamava Fiz uma sondagem com outros professores
e todos disseram que ele era assim mesmo e
1. Nome fictício, para preservar a identidade da escola.
me aconselharam a não me incomodar com
2. Nome fictício, para preservar a identidade do aluno.

25
Coord. Ped., Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 1-204, ago./dez. 2008 - Semestral
Como lidar com o aluno problema: uma lição de vida Alexandra Fortes Vilaça

ele. Sugeriam que deixasse de lado, que o ig- que fora encaminhado ao Centro de Apoio a
norasse. A direção e os pedagogos da escola Alcoólatras – AA. Mostramos a ela o resul-
diziam que ele tinha problemas familiares: tado do trabalho e o sucesso alcançado com
o pai era alcoólatra e a mãe, submissa, era seu filho. O aluno ainda ficou mais um ano
espancada freqüentemente. na escola e hoje está encerrando o 1º ano do
Alguns dias depois, fui informada de que ensino médio em uma escola pública. Hoje
ele havia colocado seu pai para fora de casa, consigo encontrá-lo em qualquer espaço,
depois atos violentos contra sua mãe e que público e escolar, e sou tratada com muito
o pai andava perambulando pelas ruas, respeito e admiração por ele.
bebendo e comendo o que lhe era oferecido Neste resultado de sucesso, todos somos
como esmola pela comunidade. vitoriosos: alunos, escola, família e comu-
Um dia, chegando à escola, deparei com nidade. Através de pequenos gestos de con-
uma cena: um homem deitado em frente à fiança e acreditando que ele fosse capaz,
escola, desmaiado de tanta bebida. Indaguei conseguimos resgatar sua auto-estima e
quem poderia ser o homem e fui informada respeito pelas pessoas que o cercam.
de que seria o pai do Alisson, que fora à es-
cola falar com ele e não conseguiu sequer
Referências:

Revista Eletrônica - “O caso é o seguinte...” Coordenação Pedagógica: Coletânea de Estudos de Casos


ficar de pé. Imediatamente, juntou uma mul-
tidão de alunos em volta dele e todos curio-
sos para saber onde estava o Alisson e que ARIÈS, Philippe. A criança e a vida familiar
providência seria tomada. Informaram-me no Antigo Regime. Lisboa: Relógio D’Água
que, quando ele viu o pai ao chegar à escola, Editores, 1988.
voltou imediatamente para casa e não quis
saber do que se tratava. Convenção sobre os direitos da criança.
Dias depois, voltando na mesma turma, Disponível em: <http:www.giea.net/legisla-
não pronunciei nenhuma palavra em relação cao.net/internacional/convencao_direitos_
ao fato e conduzi minha aula naturalmente. crianca.htm>. Acesso em 13/11/08.
A partir desse dia, mudei meu comporta-
mento com ele. Parei de “forçar a barra” para DELORS, Jacques et al. Educação: um te-
que ele se dedicasse ao estudo: se começava souro a descobrir. Relatório para a UNESCO
a cantar, eu fingia que não ouvia e comecei a da Comissão Internacional sobre Educação
usá-lo como uma espécie de monitor em sala para o Século XXI. 3. ed. Porto: Edições Asa,
de aula. Determinei e deleguei algumas fun- 1996.
ções para alguns alunos e ele era um deles.
Suas funções, a partir daquela data, FERMOSO, P. A Violência na Escola: El edu-
seriam: cador – pedagogo social escolar. In PANTOJA,
• Organizar os livros na biblioteca após o ho-
L. (Org.). Nuevos espacios de la educación so-
rário de literatura; cial. Bilbao: Universidad de Deusto.

• Coordenar e representar as equipes da gin- FERNANDES, Cadi Crianças sem referên-


cana da escola e distribuir as tarefas;
cias positivas. Diário de Notícias, disponível
• Organizar a eleição do vereador/escola em: <http://www.dn.pt.>.
apoiando os candidatos e panfletando cha-
pas para a eleição; MATOS, M.; CARVALHOSA, Susana F. A vio-
Selecionar e organizar o material dos lência na escola: vítimas, provocadores e ou-
times de futebol e voleibol da escola, tros. Tema 2, n.º 1. Faculdade de Motricidade
acompanhando-os nos jogos até o final do Humana/ PEPT – Saúde/GPT da CM Lisboa.
campeonato.
Através de uma parceria da Prefeitura
com empresas privadas e profissionais (ar-
tesões, professores de música, capoeira e
teatro) foi possível inserir os alunos em cur-
sos de música e capoeira, e Alisson se saiu
muito bem.
Depois dessa conquista, chamamos sua
mãe à escola. Ela já estava separada do pai,

26
Coord. Ped., Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 1-204, ago./dez. 2008 - Semestral

Você também pode gostar