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“O CASO É O SEGUINTE...”
Volume 1, Número 2, dezembro de 2008 - Semestral
Editor
Prof. Sérgio de Freitas Oliveira
Produção Gráfica
Reginaldo Quirino de Almeida
Semestral.
ISSN
realidade inegável. A sociedade terá que se organizar e in- que ele não se comportasse assim durante
surgir ativamente contra esse fenômeno. De igual modo, a minhas aulas, senão teria que solicitar sua
escola terá que ajustar os seus conteúdos programáticos saída da sala de aula. Ele, agressivamente,
e acercar-se mais das crianças. Devido às exigências, as me respondeu: “– Não me importo com nada,
famílias muitas vezes destituem-se da sua função educa- não me interessa essa “p...” (palavrão) de es-
tiva, delegando-a à escola. No meio de toda essa confusão, cola, muito menos aulas de português.”
estão as crianças, que atuam conforme aquilo que obser- Argumentei com ele sobre a importância
vam e agem consoante os estímulos do meio que, por vezes, de se aprender o português para facilitar
oferece modelos de conduta e referências questionáveis. sua comunicação com o mundo, para se dar
bem em uma entrevista de trabalho e para
E
ste artigo relata uma história de lição saber colocar suas idéias aos outros. Sugeri
de vida, não só para o educador, mas que ele levasse os estudos a sério e que, com
para todos aqueles que se preocupam apenas mais dois anos, ele poderia estar em
com o futuro da educação, em qualquer lu- um CEFET, fazendo um curso técnico, com
gar do mundo. colegas de sua idade, com certeza se desta-
Era o primeiro dia de aula na Escola cando no mercado de trabalho, nas áreas de
Municipal Sales Pereira1, em um pequeno seu interesse. Como resultado desse estudo,
distrito da Grande BH. Era uma turma de poderia dar um futuro melhor à sua família,
7ª série, com 80% dos alunos considerados ajudando seus pais.
de bom rendimento escolar e boa disciplina. A sua reação foi agressiva e dizia que a
Alguns alunos tinham perfi l diferenciado e família dele não precisava de ajuda e que ele
um deles em especial, com 16 anos. estava na escola por ser obrigado por sua
Alisson 2 é seu nome. Mora na região com mãe, já que tinha outras maneiras mais “fá-
sua família: pai, mãe e 4 irmãos menores. A ceis” de ganhar dinheiro.
mãe é lavadeira para a comunidade e seu pai Nos contatos seguintes seu comporta-
trabalha na capina de roça e é alcoólatra. mento não mudou. Continuou atrapalhando
Quando cheguei à escola, já fui alertada a turma. Sentava-se de costas para o pro-
do comportamento de Alisson: agressivo, re- fessor, cantando e fazendo barulho. Quando
belde, usuário de drogas leves e uma obser- era chamado a mudar o comportamento,
vação muito importante: tinha boas notas e chutava carteira, falava palavrões e assim
péssimo conceito em disciplina. permanecia até que lhe pedia que saísse de
Ele era visto por todos como o encrenca sala e procurasse a coordenação.
da turma. Era o líder do grupo e todos apro- Após 2 meses de convivência com esse
vavam suas idéias, suas gírias, seus rap’s. aluno, resolvi tomar um posicionamento,
Meu primeiro contato com ele não foi dos pois eu não conseguia mais levar a situação
melhores. Durante a aula, manteve-se agi- da maneira como se encontrava.
tado e falante; cantava, falava alto, chamava Fiz uma sondagem com outros professores
e todos disseram que ele era assim mesmo e
1. Nome fictício, para preservar a identidade da escola.
me aconselharam a não me incomodar com
2. Nome fictício, para preservar a identidade do aluno.
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Como lidar com o aluno problema: uma lição de vida Alexandra Fortes Vilaça
ele. Sugeriam que deixasse de lado, que o ig- que fora encaminhado ao Centro de Apoio a
norasse. A direção e os pedagogos da escola Alcoólatras – AA. Mostramos a ela o resul-
diziam que ele tinha problemas familiares: tado do trabalho e o sucesso alcançado com
o pai era alcoólatra e a mãe, submissa, era seu filho. O aluno ainda ficou mais um ano
espancada freqüentemente. na escola e hoje está encerrando o 1º ano do
Alguns dias depois, fui informada de que ensino médio em uma escola pública. Hoje
ele havia colocado seu pai para fora de casa, consigo encontrá-lo em qualquer espaço,
depois atos violentos contra sua mãe e que público e escolar, e sou tratada com muito
o pai andava perambulando pelas ruas, respeito e admiração por ele.
bebendo e comendo o que lhe era oferecido Neste resultado de sucesso, todos somos
como esmola pela comunidade. vitoriosos: alunos, escola, família e comu-
Um dia, chegando à escola, deparei com nidade. Através de pequenos gestos de con-
uma cena: um homem deitado em frente à fiança e acreditando que ele fosse capaz,
escola, desmaiado de tanta bebida. Indaguei conseguimos resgatar sua auto-estima e
quem poderia ser o homem e fui informada respeito pelas pessoas que o cercam.
de que seria o pai do Alisson, que fora à es-
cola falar com ele e não conseguiu sequer
Referências:
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