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ENSINO DE ESPORTES POR MEIO DE JOGOS:

DESENVOLVIMENTO E APLICAÇÕES

Renato Sampaio Sadi


Doutor em Educação e professor da FEF/UFG.

Janaína Cortês Costa


Especialista em Educação Física Escolar e professora da rede estadual de educação de Goiânia.

Bárbara Torres Sacco


Acadêmica (bolsista) do 4º ano da FEF/UFG.

Resumo
O desenvolvimento da Pedagogia do Esporte no Brasil é tratado, neste texto, a partir da discussão do ensino de es-
porte por meio de jogos. O referencial teórico utilizado é a abordagem americana de Mitchell, Oslin e Griffin (2003).
São apresentados procedimentos pedagógicos e metodológicos relativos a jogos de invasão e perspectivas de trabalho
aos professores de Educação Física.
Palavras-chave: esporte – pedagogia– educação física.

Introdução Na perspectiva de ensino aqui adotada, ao


tratar de crianças e adolescentes, torna-se neces-

O ensino de esportes para crianças den-


tro da Pedagogia do Esporte ainda é
pouco explorado no Brasil. Este texto apre-
sária a abrangência de procedimentos que vão dos
mais simples aos mais complexos, via de regra,
da idéia mais geral ao fazer/executar específico,
senta uma síntese da proposta americana rela- sempre contemplando múltiplas dimensões.
tiva aos denominados jogos de invasão. O esporte, como herdeiro do jogo, possui
A compreensão do esporte, em um sen- dois pontos relevantes para o ensino/aprendi-
tido amplo, tem a abrangência do jogo como zagem: a estruturação de jogos e a promoção/
categoria fundante.1 O esporte é um produto substituição das tradicionais modalidades es-
cultural que surge do jogo e, somente quando portivas por atividades em jogos esportivos.
institucionalizado, é assim intitulado. Desta A classificação da abordagem americana
forma, todo esporte se origina de um jogo e, envolve quatro categorias de jogos: jogos de
dessa perspectiva, é fácil compreender a utili- invasão, jogos de rede/parede, jogos de reba-
zação dos jogos como elementos metodológi- tida/campo e jogos de alvo. Os jogos de inva-
cos para o ensino do esporte. são abarcam elementos que trabalham a sub-
categoria decisão, tomando como exemplo as
expressões: “para quem devo passar a bola”,
1
Desenvolvemos o conceito jogo a partir da perspecti- “quando devo passar ou driblar”, “quando e
va de compreendê-lo dentro de um sistema comple- como atacar”, “quando e como defender” meu
xo e de totalidade, em que seu ambiente (contexto) campo do adversário. Nos jogos de rede/pare-
determinará o que é jogo e não-jogo, evidenciando a
de as decisões importantes estão baseadas nos
predominância da subjetividade em detrimento da
objetividade (o estado de jogo) cf. Scaglia (2005). seus limites físicos, como força, resistência,

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agilidade e no posicionamento do adversá- tivados em jogos elementares, ensinados em
rio. Os jogos de rebatida/campo e os jogos de seqüências apropriadas relacionadas com
alvo não são difundidos entre professores de essa problemática. Classificados mediante as
Educação Física, apesar de serem essenciais questões táticas e a solução desses problemas,
para desenvolver técnicas variadas de rebatida o ensino dos jogos se constitui por uma tríade
e lançamento. Neste artigo, a ênfase da aná- interativa, como:
lise de ensino de esporte por meio de jogos 1) decisões a serem realizadas;
será dada aos jogos de invasão, pela própria 2) movimento sem bola;
familiaridade entre os professores. 3) seleção e execução de habilidades com
O conhecimento em esportes deve ini- bola.
cialmente ser adaptado/ajustado às caracte-
rísticas das crianças – jogadores, que podem Na seqüência, dentro da particularida-
facilmente reproduzir diferentes jogos de in- de dos jogos esportivos, comentamos as sete
vasão, retendo um grau de conhecimento dos observações formuladas por Mitchell, Oslin e
processos ou técnicas de jogo, transferidos de Griffin (2003) para a efetivação dos procedi-
um para outro – o que justifica a utilização mentos pedagógicos:
de espaços reduzidos. Também chamados de 1) “O ensino de táticas é um esquema de
mini-jogos, estas práticas possibilitam a apre- resolução de problemas para o ensino de jo-
ensão da similaridade presente nos jogos de gos que improvisa conhecimento de jogos e
invasão, quando as crianças são capazes de esportes e, é motivante, porque os alunos sen-
conservar os conhecimentos e táticas dos jo- tem prazer na realização dos jogos.”
gos para a realização de outros jogos. 1) Comentário: Ensinar táticas de forma
Outros elementos constitutivos da referi- crítica e criativa envolve complexificar questões
da metodologia dizem respeito às dimensões para os alunos simplificarem. A prática de habi-
de quadras, diminuição do número de joga- lidades dentro do ensino de táticas torna este en-
dores, peso de bolas, tamanhos/ alturas de sino agradável, motivante e, sobretudo, eficaz.
equipamentos e tempos de jogo.
O conceito de jogos esportivos substitui o 2) “O esquema de ensino de táticas nos
termo modalidades, pelo sentido plural que os jogos classifica-os de acordo com as similari-
esportes carregam em sua densidade qualita- dades táticas, como: jogos de invasão, jogos de
tivamente diferente das modalidades esporti- rede/parede, jogos de rebatida/campo e jogos
vas que enfatizam uma conotação no singular. de alvo.”
Em outras palavras, o universo de práticas es- 2) Comentário: Diversos jogos podem impli-
portivas é constituído por jogos de diferentes car em educação esportiva de qualidade, entretan-
famílias, formadoras de vários tipos de comu- to, cabe aos professores a seleção e classificação para
nidades. Por essa possibilidade de totalidade, fins de didática, de exposição e experimentação.
o esporte, pensado individualmente, se apre-
senta fechado e resistente às mudanças. 3) Nas séries iniciais do ensino funda-
O desenvolvimento de materiais educati- mental, o ensino dos jogos deve ser enquadra-
vos para tal temática requer que o professor do na classificação citada, para que os alunos
identifique, em primeiro lugar, os problemas possam compreender as semelhanças.
táticos.2 Esses, por sua vez, devem ser obje-

se situam nos objetivos destas ações. Cf. Garganta


2
Tática é compreendida como a necessidade de re- (2006). Enquanto Tática é uma ação provisória, Es-
solução de problemas pelos jogadores no interior do tratégia se relaciona com a idéia de um projeto mais
jogo. As diferenças centrais entre Tática e Estratégia duradouro.

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3) Comentário: O período das séries iniciais a) A aula começa com um jogo que requer
do ensino fundamental é bastante rico para o ensi- dos alunos a resolução de problemas táticos. Os
no de esporte por meio de jogos, ainda pouco explo- alunos devem pensar o que precisam fazer para
rado pelos professores nesta fase, talvez pelo receio, resolver o(s) problema(s) do jogo. Perguntas
pela novidade ou por falta de oportunidade. e respostas direcionam os alunos a identificar
possíveis soluções (envolvendo movimentos e
4) Dentro de cada uma das categorias, habilidades) para problemas táticos.
os jogos podem ser divididos em problemas b) Os alunos praticam assim, os movi-
táticos, que passam a ser o foco do plano de mentos e habilidades requeridos para resolver
ensino. os problemas táticos. De forma apropriada,
4) Comentário: Categorizar jogos e organi- tarefas e planos podem ser utilizados.
zar problemas táticos passa então a ser uma tare- c) A aula termina com um segundo
fa fundamental do modelo do TGFU, além de se jogo, no qual os alunos aplicam as novas ha-
apresentar como uma interessante perspectiva de bilidades e movimentos apreendidos.
trabalho para os professores. d) A compreensão e a solução dos pro-
blemas integram uma avaliação verbal que
5) As crianças aprendem a resolver pro- pode ser reforçada por discussões e votações.
blemas táticos durante o jogo e a competi- 7) Comentário: Aulas organizadas e conte-
ção, tomando as seguintes decisões: utilizam údos distribuídos são questões fundamentais para
movimentos quando estão sem a posse de a qualidade da Educação Física e Esporte nas es-
bola e habilidades quando estão com a posse colas. Além disso, aulas produtivas implicam em
de bola. dados a serem avaliados, isto é, a avaliação acaba
5) Comentário: Torna-se fundamental, sendo uma motivação para aprendizagem e no-
neste modelo, a diretividade do professor no to- vos processos de ensino.
cante ao pensamento, à cognição, à compreensão.
Assim, após o jogo, uma reflexão do que ocorreu Procedimentos metodológicos
na realidade deste jogo.
Os procedimentos metodológicos para
6) Após identificar os problemas táticos e crianças e adolescentes jogarem em espaços
suas possíveis soluções, a aprendizagem destas pequenos (modificados e jogos independen-
soluções pode ser progressivamente seqüen- tes) dependem, da realidade e criatividade3 do
ciada, partindo das questões mais simples em professor. Particularmente, crianças peque-
direção às mais complexas. Em níveis mais nas precisam aprender a estrutura de regras e
elevados de desenvolvimento, o professor respeitar o jogo nas suas delimitações, isto é,
pode planejar o ensino de jogos envolvendo nas linhas demarcatórias da quadra ou cam-
uma maior complexidade tática de problemas po. Alunos do ensino fundamental (6º ao 9º
e soluções. ano) devem revelar suas habilidades em duas
6) Comentário: Seqüenciar e dosar conteú- regras simples:
dos é sempre uma ferramenta que pode qualificar o 1) Quando sua bola atravessa um outro
currículo de Educação Física e Esporte. A questão jogo aguardam em seu espaço para que a bola
precisa ser tratada no âmbito dos problemas táti- retorne (e atravessam por fora dos limites
cos, que pressupõe um determinado conhecimento deste espaço, se necessário).
das séries, turmas, diversidades, entre outras.
3
Criar é dar forma a algo novo, relacionar fenômenos de
7) Os esquemas de aulas que ensinam tá- modo novo e compreendê-los em novos termos. O ato
ticas nos jogos utilizam o seguinte caminho criador ou re-criador envolve a capacidade de compre-
metodológico: ender, relacionar, ordenar, configurar e significar.

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2) Quando uma bola de outro jogo
atravessa o seu ambiente, eles param o seu
jogo e devolvem a bola pertencente ao ou-

Quadra 2

Quadra 3

Quadra 4
Quadra 1
tro grupo (ou para a linha mais próxima do
outro jogo).
Embora possa parecer simples, tais regras
precisam ser ensinadas e reforçadas nos está-
gios elementares, no ensino de jogos, quando
vários jogos estão sendo desenvolvidos. As Figura 1 – Quadras ou campos (áreas para
crianças devem ser capazes de ter autocon- jogos de invasão)
trole quando sua bola ultrapassa os limites Fonte: Mitchell, Oslin e Griffin (1997).
estabelecidos do seu jogo e, portanto, aguar-
dar. Ao mesmo tempo, devem ser capazes de A figura 2 ilustra algumas possibilidades
resistir à tentação de chutar ou jogar a bola para jogos de rede. Na parte A, o ginásio/qua-
que vem de outro jogo/campo. O ensino e o dra é dividido em duas partes com um nú-
reforço destas regras auxiliam o processo pe- mero igual de espaços (6) em cada metade,
dagógico para que a criança tenha ciência de totalizando doze pequenos espaços. As redes
seus limites. são estendidas em cada metade do ginásio,
Na figura 1, o ginásio/quadra é dividido resultando áreas múltiplas para os jogos de
em quatro espaços para o ensino de jogos de rede/parede. Observe que nos estágios ele-
invasão, numerados em seqüência 1, 2, 3 e 4. mentares os professores decidem como irão
O jogo é conduzido pela largura do ginásio, atuar sem as redes (talvez usando cones, cor-
de tal forma que cada espaço é mais comprido das ou linhas) sobre as quais a bola deve cru-
que a largura, e as equipes (que permanecem zar. Isso possibilita o domínio do espaço para
as mesmas durante uma unidade de aulas) crianças. A parte B mostra as redes na largura
são permanentemente designadas para um do ginásio, criando espaços múltiplos, neste
determinado espaço, ou seja, ao entrar no gi- caso, em quatro divisões.
násio/quadra e realizar as atividades de aque- As aulas de Educação Física, como tantas
cimento e alongamento, já identificam o seu outras, passam por rotinas, sendo considera-
espaço. Esta organização facilita o início da das formas constantes de se iniciar, desenvol-
aula com os alunos conhecendo o lugar onde ver e encerrar o trabalho de ensino/aprendi-
devem ocupar. Dessa forma, realizam as ati- zagem. As rotinas interferem diretamente na
vidades de aquecimento e alongamento inde- otimização do tempo da aula de Educação
pendentemente. A chamada não é necessária Física. Muitas aulas iniciam com alunos sen-
nesse nível, mas pode ser feita no momento tados em pequenos grupos ou em círculo, de
de aquecimento (alongamento). O aluno do forma que o professor possa explicar o trans-
ensino fundamental (6º ao 9º ano) pode atuar correr das atividades e distribuir o material a
de forma independente, se organizado para tal. ser utilizado. Rotinas que permitem um início
Os professores podem ensinar rotinas, regras, de aula mais ativo, no qual os alunos possam
procedimentos de aquecimento e alongamen- entrar imediatamente na prática e organizar
to e outros aspectos de supervisão da mesma seu próprio material, são melhores do que as
forma que podem ensinar outros conteúdos. rotinas tradicionais a exemplo das que iniciam
Criar oportunidades de rotinas práticas para com a chamada presencial.
os alunos e oferecer-lhes apropriados retor- Consideremos uma classe de terceiro ano
nos e elogios para implementação de êxito são do ensino fundamental, tendo cerca de vinte
também tarefas dos professores. e quatro alunos, todos envolvidos em jogos de

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Figura 2 – (A) Divisão do ginásio para jogos de rede e (B) Arranjo da rede
longitudinal
Fonte: Mitchell, Oslin e Griffin (1997).

rede, nos quais eles estão aprendendo táticas, na aula, organizando seu espaço, seu grupo,
habilidades e movimentos de um jogo de rede os cones, etc.
adaptado, numa determinada área. Sua pre- Há uma grande importância na utilização
ocupação reside numa simples troca de bola dos pequenos espaços de demarcação colorida
(passe e recepção por sobre uma linha ou tal- para guiar os alunos na colocação dos cones
vez por um espaço no chão). A rede não é o em posição correta; os espaços serão comple-
foco do jogo na fase inicial, mas o desenvolvi- tados independentemente dos jogadores, ao
mento dos aspectos táticos, sem a preocupa- passo que os adversários podem localizar a
ção de se ultrapassar a altura da rede. Pode-se bola que será utilizada. O jogo pode começar
também criar diversas variedades como o uti- imediatamente após os espaços serem orga-
lizar de uma obrigatoriedade de ação: “de um nizados, para que o tempo de aula seja bem
pingo” (exemplo: a bola deve pingar uma vez aproveitado.
na quadra oposta à rede). Durante as fases iniciais de aprendiza-
A primeira tarefa do professor envolve a gem, os jogos apresentam paradas naturais,
organização de doze áreas de jogo e o início de tal forma que os alunos precisam apren-
dos jogos o mais rápido possível. Pelo fato de der como iniciar e re-iniciar o jogo quando
não haver tempo para o professor organizar houver uma parada (como uma bola indo
tais áreas, ele precisará de um sistema simples para fora da quadra, por exemplo). Os alu-
para que os alunos possam seguir suas rotinas nos com mais experiência sabem que, quando
dentro de suas próprias áreas. Utilizando de- uma equipe causa a saída da bola num jogo de
marcações de linhas na área de jogo (apresen- invasão, por exemplo, o jogo é reiniciado pela
tadas na figura 2 A), os alunos podem entrar linha lateral pela outra equipe. Este conceito

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deverá ser tentado por alunos iniciantes e fre- serviço) por ambas as equipes. Mais uma vez
qüentemente relembrado até que a regra seja tais regras proporcionam maior oportunidade
entendida. A priori, é melhor adaptar regras de pontuação para iniciantes.
de re-início para que os alunos se familiari-
zem com a regra de forma que o jogo pode Estrutura dos jogos de invasão
ser reiniciado sem que a bola tenha saído no-
vamente. O professor pode estipular que um Para o ensino de jogos de invasão, os
defensor deva estar a pelo menos um braço de jogos de 2x2 (dois contra dois) ou 3x3 (três
distância do jogador adversário de forma que contra três) são formas que favorecem o en-
facilite o retorno da bola ao jogo ou pode usar sino aos alunos que estão iniciando. Deve-se
a própria regra se achar necessário. ficar atento que o jogo 3x3 é mais complexo
Em um jogo como o futebol, no qual a que o 2x2 por causa do terceiro jogador, no
bola deve ser controlada com os pés, faz-se qual cada equipe possui uma opção adicional
necessário que o aluno efetue um chute direto de passe. A escolha do jogo (2x2 ou 3x3) pode
que possibilita o controle do jogador que re- também ser determinada pelo número de alu-
cebe a bola; opções de re-início após um gol nos na sala, tamanho da quadra e equipamen-
podem variar entre o re-início no meio do to disponível. Sem considerar o tamanho da
campo (como no futebol) ou o re-início na equipe, é possível fixar alguns pequenos jogos
linha de fundo (como no basquetebol); a van- dentro das quadras de uma escola. Levando-
tagem de utilizar o re-início da linha de fun- se em consideração uma turma de 24 alunos,
do em todos os jogos de invasão é a economia a figura 3.1 mostra seis jogos de 2x2, ao pas-
de tempo; as crianças aprenderão a reiniciar so que a figura 3.2 apresenta quatro jogos de
mais rapidamente e farão uma melhor transi- 3x3. A demarcação da área do jogo pode ser
ção da defesa para o ataque antes que a equi- facilmente realizada por uma fita adesiva para
pe adversária se recomponha, o que poderia qualquer tipo de jogos de invasão.
acontecer se a equipe reiniciasse no centro da O benefício que os jogos de posse de bola
quadra/campo. A escolha será do professor e proporcionam é o das crianças não terem que
dependerá das características e preferências se preocupar (corporalmente) com direções.
dos alunos. Elas podem movimentar-se de forma livre,
Na mesma direção, as adequações são in- em seu espaço e contar o número de passes
teressantes para auxiliar em re-inícios de jogos que a equipe realiza. Podem ocorrer os se-
de rede. Podemos enumerar algumas delas: guintes acontecimentos no ensino de jogos de
primeiramente, em fases iniciais de aprendi- posse de bola:
zagem, qualquer início e re-início pode muito • alguns alunos podem ser relutantes em
bem ser feito por meio de sorteio, isso implica jogar contra outra equipe, até que eles
em uma facilidade para o aluno que irá recep- possam observar os passes e o que acon-
cionar a bola e, portanto, uma maior probabi- tece durante o jogo. Se este for o caso, o
lidade de rally (maior tempo de permanência professor deve encorajá-los a participar
no ar). Em segundo lugar, o saque deve ser e interceptar passes dos colegas;
alternado para que um só jogador não domi- • os alunos podem permanecer parados,
ne (ou fortaleça) o jogo neste fundamento. esperando pela bola e deixando de mar-
Terceiro, em jogos cujas regras, a pontuação car o jogador adversário. O professor
é feita na vantagem do serviço, como no ba- deve encorajar esses jogadores a criar
dminton (ou jogos modificados), por exem- movimentação no espaço aberto;
plo, um sistema de disputa da jogada deve ser • pode acontecer ainda alguma dificulda-
utilizado com pontos a serem marcados (no de em detrimento da aproximação de-

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masiada do colega com posse de bola, que a velocidade de pensamento em um
causando certa dificuldade no que se re- jogo é desenvolvida da mesma forma
fere à movimentação no espaço, fazen- que as habilidades motoras. Somente
do com que o jogo fique congestionado, realizando decisões em tais situações,
diminuindo a probabilidade de passes as crianças desenvolvem aspectos cog-
completos e efetivos em razão da pobre nitivos e motores. Ocasionalmente a
utilização do espaço e do tempo. Faz-se reconstrução de situações de jogo, para
necessário sugerir aos alunos, que eles demonstrar decisões apropriadas, pode
poderão ter sucesso com seus compa- ser uma estratégia de ensino eficaz;
nheiros movimentando-se e ocupando • muitas vezes o jogador com a posse de
espaço. Talvez o aluno não entenda o bola fica descuidado; isso representa al-
que deve ser feito e com isso possa se gum pensamento inteligente por parte
movimentar fora do alcance dos passes, dos iniciantes. É um reconhecimento
de tal forma que o professor necessita, que o jogador com bola não pode se mo-
neste caso, demonstrar as distâncias vimentar com tanta facilidade (ou con-
apropriadas; forme as regras estabelecidas) e não será
• freqüentemente o jogador de posse de uma ameaça. O que veremos nesse caso
bola leva um bom tempo para decidir a é uma dupla dependência do outro joga-
quem passar; isso pode causar frustra- dor (dentro de um jogo 2x2). Isso torna o
ção por parte da equipe desse jogador jogo difícil para a manutenção da posse
porque os defensores da outra equipe de bola e a situação pode requerer algum
terão tempo suficiente para a sua mo- tipo de intervenção por parte do profes-
vimentação e marcação. Lembre-se de sor. É preciso tentar o seguinte: requerer

Figura 3.1 – Jogos de invasão 2x2 Figura 3.2 – Jogos de invasão 3x3
Fonte: Mitchell, Oslin e Griffin (1997).

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uma marcação individual, incentivar uma por razões de segurança, uma linha deve ser
ampla movimentação do jogador que dá delimitada (defesa) para livre movimentação
suporte, a fim de tornar o jogo mais di- do goleiro – nenhum jogador deverá perma-
nâmico e permitir que o jogador com a necer nesse espaço; e, em terceiro lugar, o go-
posse consiga se movimentar, ou que pelo leiro deve ser alterado freqüentemente.
menos dê três passos; Os jogos de invasão necessitam que o ata-
• a bola certamente irá sair e o professor que ultrapasse a defesa, progredindo em dire-
deve ensinar o início e o re-início de ção ao gol. Uma forma interessante de ensinar
regras no jogo, nas saídas de bola. tal progressão é posicionar um jogador “alvo”
na metade da quadra oposta e fazer com que
A melhor maneira de complexificar os a bola chegue a esse jogador através de passes.
jogos de invasão, para os iniciantes, é o fixar Esta é uma forma rápida de transição da defesa
de um objetivo, utilizando um par de cones para o ataque. No futebol, esse jogador assume
em cada linha de fundo do campo ou quadra a posição de centro-avante, e no basquetebol,
e explicar para ambas equipes onde estas de- utilizamos o termo pivô. Sem levar em consi-
vem arremessar/lançar a bola. Segue algumas deração a utilização do termo (iremos utilizar
preocupações: jogador “alvo”), a incorporação desse jogador
• algumas crianças irão necessitar que a em pequenos jogos é importante para o ensi-
informação seja repetida pelo professor, no de penetração no ataque, que requer a ob-
sobre objetivo do jogo – onde ela deve servação de espaços na equipe adversária para
pontuar; que os passes possam atingir o referido jogador
• é melhor apenas restringir movimentos “alvo”. Dentro de um jogo 3x3 a equipe pontua
com a bola para evitar conflitos, do que quando a bola chega no jogador “alvo” da direi-
impedir que os movimentos sejam fei- ta ( JAd) ou da esquerda ( JAe), como mostra a
tos; figura 3.3. Deve-se ficar atento para os seguin-
• insistir para que a bola seja chutada pró- tes pontos em jogos de jogador “alvo”:
ximo do chão, a fim de não ultrapassar • os jogadores devem ser lembrados que o
o nível do cone ou que o objetivo seja jogador “alvo” está no lugar do gol, que
atingir o cone ou ainda contorná-lo sem o propósito do jogo não é mais o arre-
derrubá-lo; messo ao gol, mas o passe para o joga-
• ensinar o re-início das saídas de bola. dor da própria equipe (jogador “alvo”)
que está posicionado atrás da linha de
A largura do gol deve ser diminuída para fundo da quadra ofensiva;
que seja possível dispensar o goleiro. Este ta- • jogadores “alvo” têm naturalmente uma
manho permite aos jogadores uma permanên- tendência inicial de permanecer fixo,
cia ativa e um envolvimento nas tomadas de parado (que não ajudará seus compa-
decisões do jogo. Assim que o jogo é aprimo- nheiros atingirem o objetivo por meio
rado, é possível aumentar o tamanho do gol e dos passes) e irão precisar ser relem-
incluir um goleiro. Um goleiro traz grandes brados que eles podem se movimentar
mudanças para precisão dos chutes/arremes- constantemente para auxiliar a equipe a
sos e, acaba proporcionando a ambos os times encontrar espaços de forma que os ou-
uma estratégia de defesa e ataque, pois permi- tros jogadores possam passar;
te maior espaço aos jogadores dentro do jogo. • será importante enfatizar o re-início após a
Novamente, algumas sugestões: em primeiro equipe pontuar, atingindo o jogador “alvo”
lugar, a bola deve ser macia o suficiente para (jogadores “alvo” devem devolver a bola
não machucar o goleiro; em segundo lugar, para a outra equipe após a pontuação).

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físico e de materiais com os quais a criança
irá interagir.
É importante ressaltar que o ensino de es-
portes por meio de jogos não vai de encontro
aos ditos jogos pré-desportivos, uma vez, que
o objetivo da iniciação esportiva apresentado
nesse texto é o de contribuir para uma edu-
cação pautada no desenvolvimento do aluno,
da inteligência esportiva, da capacidade de
tomada de decisão e resolução de problemas
táticos, do pensamento tático, cujo foco é o
aluno e não o esporte. Para tanto,

A formação da cidadania, da responsabilidade,


da autonomia e da independência deve ser
baseada nas atividades de estímulo à consciência
crítica e inteligência nos jogos. Assim o papel
do ensino deve ser (re)significado. Problemas
simples são indicados às crianças menores
e problemas de maior complexidade aos
adolescentes e jovens. [...] Paralelamente ao
ensino da leitura, da escrita, da matemática,
a educação esportiva deve ocupar um lugar
de destaque na formação da inteligência/
pensamento estratégico [...] também a
Figura 3.3 – Quadras ou campos (áreas) para
busca por autonomia e desenvolvimento
jogos de invasão 3x3 com jogadores alvo. JAd da inteligência, da capacidade de detectar
– jogador alvo da direita e JAe – jogador alvo e solucionar problemas deve ser um dos
da esquerda estão posicionados nas respecti- principais objetivos dos planejamentos e
vas zonas. projetos pedagógicos (SADI, 2005, p. 5-6).
Fonte: Mitchell, Oslin e Griffin (1997).
Sendo assim, cabe aos professores de
Considerações finais educação física lançar mão do ensino de
táticas nos jogos, dentro de uma vivência
Com o propósito de repensar a práti- teórico-prática, almejando o nível de com-
ca pedagógica da Educação Física e, prin- plexidade de cada série/idade escolar, tendo
cipalmente, do esporte escolar, buscamos em vista o desenvolvimento da cognição/
apresentar algumas possibilidades de inter- compreensão.
venção, tendo em vista as quatro categorias Apesar das dificuldades encontradas na
citadas, enfatizando a categoria jogos de in- área, como por exemplo, a falta de recursos
vasão, no sentido de incrementar as práticas materiais e estruturas adequadas, ainda é
do handebol, voleibol, basquetebol e futebol. possível re-significar o ensino do esporte que
O ensino de esporte, nesta perspectiva, deve se encontra em patamar meramente técnico
ser baseado na complexidade, criticidade, re- e recreativo. O ponto de partida da Pedago-
flexão e análise. gia do Esporte deve caminhar no sentido do
Busca-se, ainda, apresentar algumas su- desenvolvimento significante/significativo
gestões de intervenção pedagógica no en- para a vida do aluno. Nesta direção, o ensi-
sino do esporte, como também demonstrar no do esporte, para além do ensino de téc-
a importância de re-significação do espaço nicas e habilidades, deve instigar no aluno o

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porquê, para quê do fazer gestual e, ainda, Referências
quando e como resolver problemas táticos,
ou seja, estimular a compreensão/cognição GARGANTA, J. (Re)fundar os conceitos
como ferramenta de intervenção no jogo. de estratégia e táctica nos jogos desportivos
Faz-se necessário, portanto, a criatividade colectivos, para promover uma eficácia superior.
do professor frente às mudanças práticas In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DO
das aulas, dos procedimentos do dia-a-dia DESPORTO E EDUCAÇÃO FÍSICA DOS
dos alunos, bem como o desenvolvimento PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, 11.,
de novas perspectivas. 2006, São Paulo. Anais... Revista Brasileira de
Educação Física, São Paulo, 2006.
Teaching sports through games: developments and
applications MITCHELL, S.; OSLIN, J.; GRIFFIN, L.
Teaching sport concepts and skills: a tactical games
Abstract approach. Kent, Ohio: Human Kinetics, 1997.
The development of Sport Pedagogy in Brazil is
analyzed in this text in the light of the discussions on ____. Sport fundations for elementary Physical
the teaching sports through games approach. The main Education: a tactical games approach. Kent,
reference is the work of Mitchell, Oslin and Griffin Ohio: Human Kinetics, 2003.
(2003). This research work presents pedagogical and
methodological procedures related to invasion games SADI, R. Educação Física, trabalho e profissão.
and it offers perspectives for the work of physical edu- Campinas, Komedi, 2005.
cation teachers.
Keywords: sports – pedagogy – physical education. SCAGLIA, A. Os jogos/brincadeiras de
bola com os pés e o futebol: o início de uma
Enseñanza de deportes por medio de juegos: desar-
profícua história sistêmica/complexa. Revista
rollo y usos
Movimento & Percepção, Pinhal - São Paulo,
Resumen v. 5, n. 6, 2005.
El desarrollo de la Pedagogía Deportiva en Brasil que ......................................................................................
se trata en este texto, empieza con la discusión de de-
portes de enseñanza a través de juegos. La referencia Recebido: 28 de junho de 2007
teórica utilizada es el enfoque americano (Mitchell, & Aprovado: 23 de outubro de 2007
de Oslin; Griffin, 2003). Los procedimientos pedagó-
gicos y metodológicos relativos a juegos de invasión y Endereço para correspondência
perpectivas de trabajo son presentados a los profesores renatoufg@gmail.com
de Educación Física. janaina.cortes@gmail.com
Palabras-clave: deporte – pedagogía – educación física. torresbab@gmail.com

26 PENSAR A PRÁTICA 11/1: 17-26, jan./jul. 2008

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