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Um resumo da minha “estadia” de 25 anos na opus dei

O Opus Dei – Obra de Deus, em latim –Trata-se de uma instituição hierárquica composta
por leigos, casados ou solteiros, e sacerdote. Concretamente, o Opus Dei procura difundir
a vida cristã no mundo, no trabalho e na família, a chamada universal à santidade e o
valor santificador do trabalho cotidiano. É uma instituição hierárquica da Igreja Católica,
uma prelatura pessoal. O Opus Dei foi fundado por Josemaría Escrivá no dia 2 de outubro
de 1928. Todas as formações para homens e mulheres são separadas, e dadas em
centros separados, nunca há mistura em nenhuma formação homens e mulheres.

Dentro da obra a membros que se casam os supranumerários e os membros celibatários,


entre estes os que vivem em centos da obra e se ocupam da direção espiritual e de
governo na obra, os numerários entre as mulheres existem também as numerarias
auxiliares vivem nos centros da obra ocupando-se das tarefas domésticas. Existem os
membros celibatários que vivem sozinhos ou com as suas famílias- os agregados, vivem
as mesmas normas e costumes que as numerárias, mas não se ocupam das tarefas de
governo da obra .
Existem também os padres da opus dei, que geralmente foram numerários antes.
Cada membro celibatário do opus dei tem um serie de normas e costumes que deve
cumprir diariamente:

Cumprem o que chamam o minuto heroico, o que significa não ficar nem um segundo na
cama. Beijam o chão e dizem “Serviam” (Servirei, em latim). Fazem oração mental 30
minutos de manhã e 30 minutos à tarde, assistem à missa, comungam, e no fim da
Eucaristia reservam sempre 10 minutos para fazer orações de agradecimento (Ação de
Graças). Se for terça-feira, rezam o Salmo II, se for quinta-feira o Adoro te Devote.

Diariamente recitam o Cântico dos Três Jovens e vão ao oratório fazer o que no interior
do Opus se diz ser uma visita ao Santíssimo, orando três Ave-marias, três Pai-nossos e
uma Comunhão Espiritual. Todos os dias, têm ainda de arranjar tempo para completar
três terços e às 12 horas em ponto recitam o Angelus. É preciso ainda folhear durante 10
minutos um livro escolhido pelo diretor espiritual e ler o Novo Testamento durante cinco
minutos. E fazer 3 exames de consciência diários. Rezar pelo menos uma pagela ao
fundador da obra, e todos os dias perguntar-se como atuaria o fundador se estivesse na
minha situação.

Sempre que entram ou saem dos quartos, ou de qualquer outra divisão, devem olhar para
a imagem da Virgem e dizer pequenas frases, como “Amo-te”. Do mesmo modo, à saída
ou entrada das residências têm de saudar o Anjo da Guarda. Do rol de orações diárias faz
ainda parte as Preces, a oração em latim exclusiva do Opus, e antes de a fazerem beijam
o chão como manifestação de humildade. Ao longo do dia têm também de passar
algumas horas em silêncio. Devem ter uma pequena lista de orações pequenas ,
geralmente uma frase que devem repetir o máximo de vezes possíveis durante o dia, para
estarem sempre conectados com Deus e o espirito da obra.

À noite antes de deitar, depois de um exame de consciência profundo e um ato de


perdão, ajoelham-se e com os braços em cruz rezam três Ave-marias. Antes de dormir
deitam uma gota de água benta na cama, diziam que afastava o demonio. Todos têm um
frasco, em regra de plástico, que enchem com água benta dos oratórios das residências e
que levam sempre na mala quando vão de viagem ou para um retiro espiritual.

Pelo meio de todas estas orações, mortificam-se diariamente. É costume fazerem uma
mortificação por intenção do Prelado, que em regra é tomar banho de água fria. Além
disso, os homens e mulheres numerários e agregados usam, durante duas horas diárias,
um cilício na perna. Trata-se de uma corrente em metal com picos, que se coloca na
coxa, não só dói como faz ferida e deixa marca.

Os que trabalham nas residências da instituição podem pôr o cilício às horas que
entenderem. Já aqueles que têm empregos no exterior têm de o colocar logo de manhã,
antes de irem trabalhar, ou então quando chegam a casa ao final do dia. Isto porque é
proibido levar este objeto de mortificação para fora das casas onde vive a pessoa do
Opus.

Uma vez por semana, usam também as disciplinas, uns chicotes de corda, com os quais
batem nas nádegas nuas, enquanto rezam uma oração à escolha. Faz-se isso para viver
bem a pureza, dói imenso. Desde há muitos anos que os membros do Opus Dei vão
comprar estes objetos de mortificação aos mosteiros das irmãs carmelitas, conhecidos
como Carmelos. Ao domingo e nos dias de festa religiosos estão livres de fazer
mortificações corporais. Já ao sábado, além de usarem o cilício, também não lancham.

Ao contrário dos membros celibatários, os supranumerários não são obrigados a fazer


estas mortificações corporais e as suas regras espirituais são mais ligeiras e flexíveis.
Mas também ha muitos numerários e agregados é autorizado que, por terem certas
profissões, não cumpram à risca os horários e práticas religiosas. Um médico, por
exemplo, pode estar a operar na hora de rezar o Angelus. Ou um secretário de Estado
pode estar fechado uma reunião. Mas nestes casos são permitidas alterações.

Devem confessar-se semanalmente, e abri a consciência falando com a diretora do


centro, no caso deles com um diretor uma vez também por semana.
Os membros celibatários entregam todo o seu ordenado a obra, e devem pedir
semanalmente o que precisam para os seus gastos na secretaria do centro, o dinheiro
que lhes é dado, deve ser justificado com a chamada conta de gastos diária e que
mensalmente entregam a diretora/diretor.
Mensalmente devem assistir a meio dia de retiro espiritual chamadas as recoleções, onde
também tem acesso a leitura de alguns livros internos da obra. No fim desse retiro têm
uma tertúlia onde se fala de projetos apostólicos e proselitistas, e onde se cantam
cancões próprias da obra só conhecidas pelos seus membros. As chamadas na opus
canções de casa.
Anualmente devem participar num retiro de 5 dias dirigido por um sacerdote da obra e
uma numeraria/o, e a um curso anual de 25 dias para numerarias/os e 15 dias para
agregadas/os, são cursos de aprofundamento do espírito da obra.
Devem também com regularidade abrir a alma escrevendo cartas ao prelado da obra a
quem chamam de padre (pai em espanhol).
Em Maio devem cumprir com o costume do fundador de levar pelo menos 1 amiga a fazer
uma romaria a virgem Maria, ir a um santuário mariano, ou igreja dedicada a mãe de
Cristo, a romaria consiste em rezar 3 terços com essa amiga.
Tem todos uma lista de 15 amigas/os que devem aproximar dos meios de formação da
obra, sendo que 5 são aqueles que se deve fazer por tudo que peçam a admissão a opus
dei. No dia 19 de março dia de S. José todos os membros que ainda não fizeram a
fidelidade (7 anos na opus dei)devem renovar os desejos de continuar na obra, neste dia
também é feita uma oração e escrita uma lista onde cada membro da um nome de uma
pessoa que se compromete a fazer tudo para a trazer para a obra.
Na direção espiritual semanal, pós confissão em conversa com o sacerdote, e com a
diretora do centro, deve-se falar sempre de como vai o apostolado com essas 15 e o
proselitismo com as 5 que se propôs trazer para a obra,falar sempre de vocação, como
vai a fidelidade a vocação e comprimento das normas e costumes, sobre como está a
viver a pureza, e depois de tudo o que lhe afeta a alma seja familiar, trabalho etc…
Devem também consultar com regularidade a diretora se podem corrigir outra pessoa da
obra, em algo que não vejam que esteja a cumprir com o espírito da obra e consoante a
resposta da diretora fazer ou não a chamada correção fraterna.
Não devem ler nenhum livro mesmo que dá igreja católica, sem autorização e
aconselhamento da diretora, que tem a lista de livros permitidos na obra.
O mesmo em relação aos filmes, que só devem ser vistos em casa ou nos centros da
obra.
Os membros celibatários, não devem ir a nenhuma festa ou encontro social, sem
consentimento da direção, estão proibidos de ir ao cinema, teatro, outros espetáculos
sociais, a não ser que a direção da obra diga que se pode abrir uma exceção. Mesmo
festas familiares como casamentos, batizados devem ser consultados.
Nenhum membro celibatário deve dar qualquer tipo de presente, já que nada possui, e
tudo é da obra, devem consultar quando acham imperativo, dar um presente.
Sempre que é necessário fazer compras como roupa, sapatos, idas ao médico devem
consultar a diretora, e devem ir acompanhadas por outro membro da obra.
Eu conheci a obra aos 9 anos quando cheguei de Angola, na aldeia onde fui morar vivia
uma supernumerária da opus dei, acompanhou-nos desde o primeiros tempos, e fez-se
rapidamente amiga da família, tratando-nos com imenso afeto, foi por ela que recebi o
livro da vida de uma numeraria muito novinha que tinha tido uma vida exemplar , e que
acabou por falecer com um cancro, a Montesse. A vida da Montesse, passou a ser a
minha referência, na solidão e na tentativa de integração naquela aldeia, que nada tinha a
ver com o país onde tinha nascido. Aquela supranumerária cada dia me ia introduzindo
um pouco mais no que era a vida da Montesse , de um modo muito encantador, uma
história de amor a Deus, aos outros, com uma fortaleza enorme para aceitar a dor,
ajudou-me a aceitar a minha dor , seguir aquelas pequenos exemplos da Montesse.
Começou-me então a levar-me de 15 em 15 dias a falar com um sacerdote da obra, e
uma vez por mês passou a vir uma Agregada a aldeia para estar comigo. Conversar e
dar-me uma palestra.
Fui crescendo assim amparada por elas e pela minha família, a minha mãe também
passou a frequentar os meios de formação da obra. E aquelas pessoas amigas iam
deixando marcas de amizade e conseguindo os seus objetivos apostólicos e proselitistas,
embora eu nessa altura nem me apercebesse desses objetivos como tal, era tudo feito de
um modo muito natural e eu pequena de mais e sobretudo carente de afeto com as
marcas dos anos de guerra em Angola.

Na adolescência e até ir estudar para Coimbra, deixei de frequentar os meios de


formação da obra, reatei tudo em Coimbra, com a não desistência destas pessoas de me
aproximarem da obra, ao chegar a Coimbra foi-me logo apresentado uma numerária , que
achei de verdade muito simpática, e me pós em contacto com outras miúdas que já iam
pelos clubes da obra em Coimbra, as minhas amizades em Coimbra rapidamente
estavam quase todas ligadas a obra de uma ou outra maneira, passei a frequentar o clube
de universitárias e a ter formação com um sacerdote e a dita numeraria que eu achava o
máximo de simpatia, a verdade é que virou tipo ídolo, era o máximo , era jovem medica,
com muita garra e muito ativa no clube , aos poucos deixei-me fascinar por todo aquele
ambiente alegre, do clube, até que me começaram a falar de vocação tanto o sacerdote
como a numerária, aquilo começou a entrar, a maneira como apresentavam a opus dei
era muito fascinante, não tinha de ser freira para ser santa, e fazer bem a muita gente,
tinha apenas de santificar o trabalho, ser verdadeira amiga das pessoas e ser pescadora
de almas para Deus. Eu estava habituada no meio católico da minha família, a ver a
salvação das almas como um bem maior , por isso o fascínio pegou-se a ver o animo que
me davam.
Até que um dia decidi escrever com ajuda da diretora, uma carta a pedir ao prelado da
obra para ser agregada da opus dei, não sabia nada do que era ser agregada, a não ser
que era para ficar solteira, e fazer parte daquela família fantástica que via nas numerárias
do clube.
Logo que escrevi a carta, passei a ser da opus, não foi preciso receber resposta do
prelado. Deram-me as preces da obra que estavam em latim, por tanto não percebi nada,
e fui com a diretora rezar no oratório do centro, disse-me que beijávamos o chão antes de
rezar. Começou assim um descobrir a obra por dentro aos poucos e devagarinho em
plano inclinado como chamam na obra, não no fossemos assustar logo com tudo.
Lembro que uns tempos antes da escrever a carta a diretora me fez imensas perguntas a
fim de tentar saber se ainda era virgem, também tive de ir falar com uma médica da obra,
o tema era basicamente o mesmo.
Comecei alguns dias depois de ter escrito a carta ao prelado, que não conhecia, nem
tinha muita ideia das suas funções, a não ser que já sabia que vibravam com ele. Tinha
ido a um encontro com futuras possíveis vocações para a obra, numa visita que fez a
Portugal, aquilo era demasiado, todas lutavam por ficar perto dele, escreviam todas as
suas palavras e todas o chamavam pai, foi assim que também me dirigi a ele ao escrever
a carta de pedido de admissão. Comecei então como ia a dizer, a ter aulas específicas
sobre o espírito da obra, eram surpresas atrás de surpresas, muitas coisas me pareciam
tão absurdas, quando falava sobre isso, mais ao menos a resposta era que devia
acreditar que era aquilo que Deus me pedia, que devia ser fiel, que devia apenas
obedecer as diretoras e ao prelado.
A obediência era o tom, ou obedecer ou ir se embora.
Mas a verdade estava demasiado animada com tudo o que ouvia nos meios de formação,
na direção espiritual com a diretora e com o sacerdote, que não punha em causa sair da
obra então havia que obedecer e por em prática mesmo o que não fazia sentido nenhum
para mim.
Como é óbvio isto trazia-me muitas ambivalências, e aos poucos tudo o que era da
instituição era mais importante para mim que qualquer vontade minha. O único importante
era fazer a opus servir a opus como ela queria ser servida.
Era nesse sentido que se desenvolviam os meios de formação, ser sempre e unicamente
fiel a obra.
É um processo, mais ou menos rápido, segundo a personalidade de cada um,
acompanhado de muito perto pelos diretores e sacerdotes da obra.
Uma das notas era estarmos sempre contente e sorrir, qualquer sombra de tristeza devia
ser eliminada com orações, meditação... E se persistia falava-se com os diretores, que
nos animavam, cuidavam do nosso descanso, dos nossos passeios, programavam tertúlia
culturais, encontros com outras pessoas da obra, passeios apostólicos.
Para mim sorrir era fácil, era quase inato em mim. Nasceu comigo esse modo de estar.
No entanto passei a ter dias de angústia, muita angústia, visto por aquela gente como
uma prova na vocação que devia aceitar, iria passar e sairia fortificada na fé e na vocação
a obra.
Como se pode perceber com um plano de vida como descrevi no início, as aulas de
primeira formação interna da opus, as aulas no instituto, chegava ao fim do dia,
anestesiada e cansada.
Comecei a ter também que ler os antídotos ao meu curso, no instituto uns livros não
aconselhados na opus, faziam que as diretores me fizessem ler livros escritos por
numerário e sacerdotes da obra onde explicavam precisamente o contrário.
Foi então que me propuseram ir para Pamplona estudar, precisavam de jovens da obra
dispostos a ir para a universidade de navarra, para fazer ambiente apostólico no curso de
nutrição que acabava de abrir. Ao mesmo tempo iria estudar no centro de estudos de
investigação em ciências domésticas, centro de estudos da obra e só para numerarias e
excecionalmente agregadas. O objetivo de frequentar este curso era para depois
regressar e vir a trabalhar como administradora ou governanta para se entender melhor
das casas da opus dei.
Era um curso que nunca tinha pensado, o meu sonho tinha sido sempre estudar serviço
social e era no que estava, mas acabei por aceitar sacrificar esse sonho para servir a
opus.

Minha estadia em Pamplona

Nesta altura já não era considerada uma vocação recente, já tinha passado umas provas
difíceis, já tinha demonstrado que estava segura da vocação. Cumpria as normas,
obedecia aos diretores, fazia apostolado, e apesar de não ser muito jeito para o
proselitismo,  tinha a minha lista de amigas que rezava para que fossem da obra.
Pamplona foi a experiência mais aterradora que tive na opus, aquilo em Portugal era
impensável, é certo que o espírito era o mesmo, as normas e os meios de formação
mais do mesmo, mas elas e eles viviam aquilo a Espanhola, com um entusiasmo enorme
e um frenesim enorme também.
Pamplona dividia-se em dois mundos, a cidade antiga com a” movida” das noites bem a
espanhola, e seu estilo próprio. E a Pamplona ao redor da universidade de navarra, onde
se encontra também a clínica da universidade, o centro de investigação em bioética , as
numerosas Residências universitárias, a maioria dos centros femininos e masculinos,
centro de investigação etc..
No ano que cheguei, existiam 66 centros da opus em Pamplona, e foram crescendo. Dizia
se a brincar se quem apanhasse o autocarro naquela zona e não fosse da opus era
preciso ter cuidado que seria o próximo.
Ali chegavam numerarias, supernumerárias jovens, agregadas de todos os países onde
existia a obra, para estudar os mais variados cursos, junto com alunos que não sendo da
obra vinham com bolsas de estudo, pagas por instituições da obra, além de outros alunos
de toda a Espanha, sem grande conhecimento da opus.
Todos os cursos sem exceção tinham no programa, a disciplina de teologia pelo menos
durante 3 anos, dada pelos padres da faculdade de teologia da universidade, o que achei
estranhíssimo.
O ambiente nos centros e clubes da obra giravam em volta do apostolado cativar
universitárias da universidade de navarra e não só. Havia atividades para todos os gostos,
desde a culinária, clubes de leitura, cine fóruns, montanhismo, música clássica, o mais
variado, enriquecido com ideias vindas de muitas partes diferentes do mundo trazidas por
todas aquelas numerarias, agregada que chegavam a Pamplona. Todas essas atividades
eram postas em prática depois das diretoras dos centros e clubes dessem o aval. E
sempre tinham de ter como objetivo vocações. Fazer amizades para trazer a obra.
Era patético as crises de ciúmes que se formavam quando havia uma amiga em comum
que se metia na cabeça que deveria pedir admissão era com uma e não com a outra. Era
a intervenção das diretoras que acabava por decidir quem ia acompanhar fulana até
entrar na obra. Vivia se para aquilo, horas de estudo, meios de formação etc. tudo visava
trazer vocações.
Em Portugal o objetivo era o mesmo mas o ritmo era completamente diferente. Eram
muito menos pessoas, não tinham uma universidade , nem centros próximos uns dos
outros, o que ajudava a não se criar um ambiente tão fortemente opus.
Nunca vi tantas jovens a pedir a admissão a obra, nos centros metiam na cabeça que o
prelado tinha pedido 500 vocação e desdobravam se para as trazer. Era todo um
fenómeno que os sociólogos deveriam estudar.
É verdade que muitas entravam e no ano a seguir saiam, ou passavam de numerarias ou
agregadas, a supranumerárias. Era estranho aquele movimento. Mas parecia resultar
acabavam por ficar mais do que saiam. E as que saiam, pouco tinham ainda vivido na
opus e saiam geralmente a bem, continuando a ter meios de formação em outro centro.
Foi ai também que conheci as verdadeiras famílias numerosas da opus, conheci famílias
com 15 filhos, esses filhos enchiam parte dos clubes da obra, e eram os futuros
numerários da obra, não eram todos, mas uma boa parte.
Podia escrever-se muito sobre o que se passava na universidade, em aqueles centros da
obra, na clinica universitária, coisas que comprometem bastante a reputação da obra,
mas era preciso documentar tudo bem, alguns ex membros da obra escreveram sobre
isso a custa de muitas penas e alguns processos em cima, não é fácil enfrentar muita
coisa , quando tudo gira entre pessoas influentes e do mundo universitário da opus. Mas
existem testemunhos impressionantes de numerarias internadas na ala de psiquiatria da
universidade de navarra, que se podem encontrar com facilidade.
Trabalhei nesses anos numa residência universitária feminina da opus , ao mesmo tempo
que frequentava o curso de nutrição na Universidade.
Ai trabalhavam muitas numerárias auxiliares, são mulheres que se dedicam só aos
trabalhos domésticos da obra, sem dúvida as pessoas que mais me impressionaram pela
abnegação e obediência , sem quase possibilidade de respiro, eu achava-as escravas,
elas achavam-se filhas queridas do padre (prelado da obra) , porque era assim que todas
as tratavam na opus , mas para todas aquelas numerárias viverem muitas delas sem
trabalhar fora dos centros, e se poderem dedicar a todas as atividades levadas pelos
clubes e centros da obra, para atrai jovens e pessoas a obra, as numerarias auxiliares
tinham de lhes preparar o almoço, servi-las a mesa, limpar-lhes a casa etc etc, e o mesmo
os numerários e os sacerdotes tendo as numerárias auxiliares de ir trabalhar todos os
dias nos centros e clubes deles. Imensas injustiças foram cometidas com estas mulheres,
que nem recebiam salário, só quando se tornou escandaloso as coisas começaram a ser
melhores, mas nunca justas nem transparentes algumas que saíram, nem sequer
conseguiram reforma, não tinham descontos, estavam com a saúde feita em farrapos,
completamente afastadas do mundo e das suas famílias, algumas que conseguiram sair
deram testemunhos do muito que eu vi com os meus olhos o que elas passavam. Viviam
para servir dia e noite as numerarias, numerários e todo o governo da obra, levavam as
casa de retiros as costas, tinham diretoras para tudo, para a vida espiritual, para o
trabalho profissional, quase não se moviam sozinhas.
Estas vocações de numerárias auxiliares vinham sobretudo de aldeias, não tinham muitos
estudos, mais tarde foram-se criando o curso de serviços pessoais, escolas agrícolas ,
escolas de hotelaria, onde estudavam muitas jovens de meios mais rurais, e onde o
objetivo era que surgissem vocações de numerarias auxiliares.
Em Portugal as escolas de lisboa foram bem-sucedidas, e muitas das numerarias
auxiliares que Portugal tem são de aí. Em Espanha tiveram muito sucesso com estas
escolas a nível de vocações e tentaram espalhar a ideia por outros países com mais ou
menos sucesso e se eram apenas dependentes economicamente da obra ou se tinham
ajudas exteriores, o que influenciava na contratação de formadoras, que já não eram só
da obra.
No ultimo ano de Pamplona depois de muitos esforços para assimilar tudo o que me
queriam transmitir , já que depois ia estar a frente de uma casa da opus como governanta,
depois de ver tantas coisas que não gostava, de ter entrado em conflito com muitas
numerárias, muitas diretoras , de apetecer libertar muita gente que sabia que sofria com
as paranoias de muita gente da opus, entrei em depressão, e passei a conhecer outra
faceta de como eram tratadas as pessoas com depressão, encaminhadas para psicólogos
e psiquiatras da obra, um caos, menos mal fui reagindo a uma medicação dada por um
psiquiatra da opus, e acabei o curso a tempo de regressar a Portugal. Estava com
esperança de poder não vir a trabalhar em nenhuma casa da obra, e conseguir trabalho
fora das casas da obra, estava saturada de um ambiente em que tudo era opus, do opus
e para o opus era assim que eu via Pamplona, no meio que vivia.
Mas, entretanto, alertaram-me para uma clausula que tinha os papeis da bolsa de estudo
que tive para estudar na universidade de Navarra, teria de trabalhar pelo menos 20 anos
para uma casa da opus como governanta ou teria de pagar a bolsa. Era de rir, eu nunca
poderia pagar uma bolsa juntando um dinheiro que entregava mensalmente a opus e que
me deixava de pertencer, e a minha família nem tinha nem eu iria pedir-lhes tal sacrifico.
Assim que regressei a Portugal e passado um mês estava numa montanha isolada , a
administrar uma casa de retiros e convívios, sozinha com uma equipa de pessoas que
não eram da obra, e a depender diretamente das ordens da assessoria da obra em
Portugal. Gostei muito do meu trabalho ali, talvez porque a comparar com Pamplona
aquilo era o paraíso, tinha deixado para trás os maiores fanáticos da obra que conheci em
25 anos que estive na opus dei.
Os 19 anos naquela casa foi a confirmação de muitas coisas que já tinha intuído em
Pamplona, os últimos 9 anos naquela casa foram bons profissionalmente, mas
psicologicamente arrasadores, até que em 2009 entrei em colapso total com uma
depressão enorme, eu sabia que tinha de deixar a obra, mas como, eu estava tão fraca,
para decisões, fraca para enfrentar diretoras, sacerdotes, prelado, numerarias, agregadas
, sabia que sair do cargo onde estava e com tantos anos na obra ia ser uma batalha com
a opus.
O procedimento com esta segunda depressão foi o mesmo que em Pamplona, levaram-
me a um psiquiatra da obra, que me dizia que era uma prova de Deus, que devia rezar
mais, dar uns passeios a rezar o terço. Muita medicação e nada, o suicido parecia-me
uma saída, a numeraria que me acompanhava espiritualmente, tornou-se numa sombra
que não me largava, dia e noite, a tensão era brutal.
Até que o meu irmão interveio e levou-me a psiquiatra que considero ter-me salvo a vida ,
dois anos depois passei também a ter consultas com a melhor psicóloga que podia ter
encontrado, e as forças para sair da obra foram surgindo, em 2014 consegui depois de
muita luta com o governo da obra e de vencer medos de enfrentar diretores. Uma batalha
vencida com imenso sabor de vitoria, que me fez sentir pela primeira vez livre em 25
anos, experimentei a mais doce felicidade.
Na saída a vontade era dizer ao mundo o que se passava lá dentro, era avisar a todos os
pais, todos os jovens os riscos que corriam ao deixar os filhos nos centos da opus.
As primeiras coisas que escrevi, e as primeiras coisas que disse as diretoras depois de ter
saído, não foram nada bem acolhidas, elas souberam que tinha dado uma entrevista a
uma jornalista para incluir o meu testemunho no livro que estava a escrever, foi quando
começaram a surgir complicações, passaram-se coisas aberrantes sem logica,
ameaçadoras ,uma tentativa de me tirarem do equilíbrio psicológico e emocional .
Incomodaram também pessoas que pensavam me terem ajudado, embora não o tivessem
feito sempre foi uma decisão isolada , e muito minha, a de sair da opus.
Resolveram-se algumas dessas ameaças com a intervenção de uma advogada, mas
algumas coisas continuaram a incomodar de tal modo foi difícil continuar na cidade onde
tinha sido da obra, que comecei a pensar deixa-la quando as circunstâncias o
permitissem, sabia que só assim longe me deixariam em paz e às pessoas minhas
amigas. Usaram pessoas para me afetarem a mim sem que se pudesse provar que era a
opus que intervinha ali , é um modo habitual de atuação da opus, como instituição
salvaguardam-se sempre, pagaram as pessoa que fizeram de bobos para eles,
continuariam outros a pagar senão me calasse ou se não tivesse deixado a cidade.
Passaram 5 anos estou a escrever sem pensar em qualquer vingança, talvez para quem
sabe o testemunho ir parar nas mãos de alguém jovem ou aos pais de jovens que esteja a
por os pés num centro da obra, e volte atrás antes de entrar na opus, bastaria isso ,
bastaria uma e já teria feito sentido, alguém ler.
O que possa dizer sobre a obra é em base ao que vive, sei que como agregada me eram
vedadas muitas coisas, que nunca tive ou teria acesso, já que as agregadas não
participam da governação da obra, muitas coisas estão apenas nas mãos de quem
governa a opus, há o governo central em Roma, o governo regional de cada país e o
governo local de cada cidade onde esteja a obra. Estes governos são constituídos por
numerários escolhidos pelo prelado, e os governos regionais obedecem em tudo ao
governo geral de Roma, assim como os locais aos regionais.
Há livros internos, só pertencentes a opus onde estão definidas todas as regras e modos
de governação. Cada membro obedece ao governo local constituído pelos diretores
espirituais e seus sacerdotes, não podendo confessar-se ou procurar ajuda espiritual em
outra parte da igreja que não a opus dei, a não ser que incorra em mau espirito para com
a opus, a opus faz assim reféns espirituais todos os seus membros numerários e
agregados já que aos supranumerários, regem-se com mais liberdade e menos
compromissos com a opus.

A primeira coisa que me ocorre dizer, é que vivi a mentira de uma vocação , eu não tinha
vocação nenhuma e acrescento que não a tem 90 % das pessoas que lá estão, a vocação
inventam-na eles , foi captado por um enamoramento, por uma manipulação da amizade,
muitos entram para a obra com 15, 16 anos, eu aos 18 e apesar do muito contato com
pessoas da obra antes, eu nem tinha ideia de onde me ia meter, convencem-nos que
rezaram e viram isso na oração, mas o meu perfil já vinha a ser estudado a muitos anos
de eu entrar, a minha educação, as minhas amizades, os meus gostos, eram propícios a
formação que me queriam dar .Não, nunca ouvi Deus a chamar-me nem nunca senti nada
a não ser deslumbramento por todo o ambiente do centro em Coimbra, e depois a cabeça
e o coração a serem moldados pela formação intensa.
Sai da obra e continuo sem sentir a mínima falta dessa dita vocação.
O que considero é que como em casais que aguentam maus tratos, eu me aguentei, com
medos vários, e com um imenso medo de ser infiel a Deus, medo que me foi incutido no
mais profundo do subconsciente, tanto que foi preciso limpar durante meses essa ideia da
infidelidade e do castigo da culpa antes de arranjar força de sair. O medo do castigo de
Deus era aterrador atuava para lá do que eu tentava racionalizar. Evidentemente isto tem
a haver com as técnicas usadas na formação, como meditações em conjunto num
ambiente propicio quase ao sono, em que o sacerdote te prega as meditações. A
repetição exaustiva de frases para nunca seres infiel, os constantes atos de contrição. E
outro sem fim de técnicas que te fazem estar sempre num alerta a detetar pecados, a
sentir-te em culpa e a pedir perdão, e a pedir para seres fiel, a rodinha do rabo na boca da
pescada, todo o dia.
Para o fundador a quem tínhamos quase adoração, a infidelidade é sair da obra, é a
condenação, ele dizia que não poderíamos mais ser felizes se saíssemos da obra,
seriamos uns desgraçados se traíssemos a obra e a Deus, isto pesa muito quando a
cabecinha está lá toda conectada na opus. Da igual em que condições, ou porque
motivos, estás na obra ali não se admite que penses por ti livremente, nem que contraries
diretores, ou que sejas tu mesmo, irrita-os profundamente ouvir isto, e negam, mas basta
ver como tudo tem de passar pelas mãos dos diretores, que já estão formatados, com as
ordens dos diretores do governo regional e central.
Quando o governo central pede que existam 500 vocações naquele ano, dá vontade de
gritar então como é isso de a vocação ser uma chamada de Deus, tu sabes mais que
Deus? Se ele decidir ser só uma? mas não tem de ser as 500 e lá andam todos a
perseguir 10000 pessoas para ver se caem 500, já que mesmo que saiam 400 ficam 100.
Usam as pessoas, até a este ponto. Se é vocação deixem os centros mais abertos e mais
transparentes, deixem as pessoas circularem por eles, sem se sentirem coagidas a entrar
e se quiserem que batam a porta a dizer que sentem vocação.
Para mim o grande risco da opus dei é que está constituído por muitas boas pessoas,
pessoas atraentes em vários aspetos, mas que escondem esta pretensão de angariar
pessoas para a obra, é evidente que também fazem muitas coisas boas, consolam muita
gente, ouvem muita gente que precisa de atenção, dedicam-se a causas nobres, investem
na educação de pessoas que não teriam outra hipótese, há muitos bons profissionais, tem
uma quantidade de supranumerários, de grande qualidade humana. É verdade fazem
muitas coisas boas, e há pessoas muito generosas, amáveis e de bom coração. Mas se
pomos os pratos na balança a suas bondades e os destroços que provocam com a
entrada de pessoas na obra através da manipulação dos sentimentos e da
instrumentalização da amizade, sem consideração nem caridade nenhuma jamais terá
justificação nem perdão. É que os fins não justificam os meios, não é por quererem
vocações que se justificam os meios que usam para pescar.
. Na Obra, existem metas de recrutamento mensais ou anuais que cada membro deve
atingir, metas cuja existência as pessoas que se aproximam da instituição desconhecem.
A Obra utiliza “organizações e atividades de fachada” para recrutar novos prosélitos:
colégios, centros culturais, clubes para crianças, cursos profissionalizantes, atividades
para jovens etc., inculca um utilitarismo proselitista que dificulta aos membros cultivarem
amizades que não deem “esperanças de vocação” para a Obra
O prelado através de cartas mensais para os membros da obra, insiste sempre na
fidelidade e na perseverança, os diretores gravam isto na direção espiritual as pessoas
que dirigem, querem até é que as pessoas não pensem se ocupem de muitas coisas, que
não se compliquem que na vocação não se toca uma vez vista não se deve mais duvidar.
Isto é aquilo que se define como tabu, que é a proibição irracional e injustificada de ver,
mencionar ou ouvir. Por em dúvida a vocação é tabu na opus dei, e assim seguem muitos
mesmo sendo maltratados, sem questionar jamais, e se algum questiona é porque está
doente e se algum sai é porque enlouqueceu, e tudo que dizer é fruto do pecado e da
mentira.
Há uma ex numeraria, que costuma dizer que a ela ninguém a empurrou para a obra, só
puseram uma almofada vermelha e muito carinho e eu fui sozinha como uma mansa
ovelha até ao matadouro, é a sedução pelo carinho é uma técnica usada na opus que
geralmente faz cair os filhos das supernumerarias, e cooperadoras da obra, que já
viveram toda a vida rodeadas por costumes da obra.
Entre otros “ cancros” da opus dei, um deles o que mais me fez sofrer, foi a violação
sistematica da liberdade de consciencia,
A falta de transparência do que se pretendia conseguir connosco quando já tudo estava
planeado pelos diretores, somos obrigados a ter uma direção espiritual semanal com uma
diretora ou alguém determinado por ela, e uma direção espiritual com o sacerdote, e estes
trocam informações entre si sobre as pessoas que orientam, isto sem que os membros se
apercebam, além disso existem os conselhos locais que acabam por terem as
informações da nossa vida espiritual, todas essas coisas me fui apercebendo em
Pamplona e depois confirmadas nos meus anos como administradora. Com essas
informações decidem, que palestras , que livros, que retiros etc devem os membros
assistir, para onde devem ir trabalhar, que cargos devem ocupar, que amizades devem
cultivar , o que lhes deve ser proibido etc, Tudo que pensava que expunha em segredo , e
que é já determinada como o deves fazer , é afinal usada para ajustar aos fins da
prelatura. É assim uma mistura entre direção espiritual e governo da obra, manipulando
consciências.
O mesmo com todas as pessoas que se aproximam do centro e elas veem como uma
futura vocação.
Outros cancros não menos pequenos é um sistema de exploração individual, através dos
compromissos aberrantes de pobreza, castidade, obediência que converte a opus numa
verdadeira seita, pela alienação da liberdade individual.
Afetos na obra
A pureza , castidade ou como se possa chamar, é uma obsessão da opus, manter o
coração longe de afetos, longe de tudo que desperte o instinto sexual, isto para os
membros celibatários. O lema é prevenir, mas com tanta prevenção, também ocorrem
muitas aberrações e crimes como abusos, como foram notificados alguns pelos jornais
estes últimos anos.
Sentir carinho só a Deus, ao fundador e ao prelado, aos outros a que querer-lhes bem,
mas sem amizades particulares. Ter carinho a todos, mas sem ter carinho concreto a
ninguém. Um carinho de detalhes exteriores, mas que não afete os sentimentos.
Se alguma vez se nota um sentimento deve se falar na direção espiritual e fazer tudo para
o evitar, se for preciso muda-se de centro, de cidade, de grupo de formação.
Quem seja muito afetivo, vive um tormento com isto, por o coração em tudo mas não em
ninguém, é tremendo, é falsificar a amizade. Aliás não há amizades na opus dei, não
podes falar com outro membro da tua vida interior, não deves pôr lhe nenhuma dúvida,
discutir um assunto que te afete emocionalmente isso deves apenas tratar-se com os
diretores. Por tanto os passeios entre membros, os jantares e convívios, só tocam temas
superficiais, ou inócuos, profissionais, mas nunca nada íntimo. Fala.se de aquilo que
qualquer outra pessoa possa saber de ti. Acabei por ter gente que queria bem, como
quero as pessoas da terra onde nasci. De tal modo que quando saí da obra apercebi-me
que só sentia falta de algumas supernumerárias, com quem tinha trabalhado e
acabávamos por ter muitas coisas em comum e que podíamos conversar naturalmente.
De resto zero zero, exprimido 25 anos na obra nem uma amizade restou.
Isto nem sempre corria bem, já que não cultivava afetos com pessoas da obra, e
tínhamos que fazer apostolado através da amizade, toda a dedicação que ponha
naquelas miúdas, transbordava coração e alguma sentiu se sufocada. Passava a querer
ser mãe, irmã, protetora de miúdas. As vezes estava era a procura de um pouco de afeto
e de alguma correspondência de amizade.
Claro que quando tomava consciência disso, falava na direção espiritual e os conselhos
eram soluções nem sempre acertadas, mas não se podia perder aquela amizade que
poderia vir a ser da obra. Caso a pessoa amiga entre na obra é separada dessa amizade,
passa a entrar no rol do 'todas', gostar de todas e nenhuma em particular, e acaba a
intimidade entre elas.
Claro que ninguém se desenvolve bem e normal neste ambiente, as aparências fartam, a
manipulação esgota, mas há que ser fiel, há que obedecer, há toda a formação que te
tenta convencer que é assim que deve ser feita a educação saudável dos afetos, o
desapego que se pretendia , não vinha da pessoa vinha imposto de fora, o que se tornava
doloroso e estranho, a mim todos os gestos de carinho dos membros da obra com isto
sempre me soavam a falsos. Nunca sabia se não eram programados por uma diretora.
Começar a sair com a mesma pessoa da obra para um passeio, ou um café já era o inicio
de um problema e de uma correção deveríamos sair ora com umas ora com outras, para
não criar muita relação e muito afeto só por uma, geralmente era melhor ir a 3 , para que
não houvesse confidencias a duas. Isto era prevenções rebuscadas, ofensivas, que me
tornavam a mim e a muitas outras pessoas cansadas, estranhas e complicadas.
Quando íamos a algum convívio ou retiro, e vivíamos em família, como se dizia, os
quartos ou eram de uma cama, ou de 3 camas, para evitar que só ficassem duas juntas,
todas as medidas lhes pareciam poucas, para prevenir afetos entre membros.
Qualquer sintoma de afinidade entre duas pessoas da obra, era a luz vermelha, para a
separação das duas, amizades particulares é que não.

Não cabia portanto, preocupar-se por ninguém que não seja todas ao mesmo tempo,
ninguém tem de ter mais necessidades nem mais problemas que os previstos e não há
mais caminho que vigiar a todas, ao mínimo desvio, correções chamadas fraternas
orientadas pelas diretoras para que a pessoa volte ao “sitio”.

Entre os membros da obra , acaba por haver muita gente delicada , uns com os outros,
mas amigas não, que a amizade é outra coisa.

Há depois todas as mortificações que visam a continência de desejos sexuais, a chamada


pureza na opus, e que tens de falar todas as semanas na direção espiritual de como a
estas a viver, que pensamentos, desejos, afetos, te desviam dessa continência , uma
dessas mortificações e só para as mulheres a saber porquê, era dormir sem colchão,
fazer a cama com cobertores a fazer de colchão, até aos 40 anos, depois já se podia ter
um colchão, os homens segundo o fundador podiam ter colchões nas suas casas , porque
precisavam de descansar mais depois de um dia intenso de trabalho.
Isto é apenas um dos pormenores da descriminação que o fundador fazia com as
mulheres.

Para eleger novo presidente na obra por exemplo os homens podem votar as mulheres
não.

Se este controlo se exerce em relação a amizade entre mulheres, ou homens por


separado, muito mais cerrado é o controlo que existem na aproximação de uma mulher e
um homem da opus dei, ou apenas homens caso das celibatárias.

Uma numeraria ou agregada, não pode trabalhar em nenhum departamento em que tenha
de estar a sós com um homem, nem que perca um emprego. Como dizia o fundador, a
que guardar a vista, a revista e a entrevista. Claro que isto não era para uma vocação que
como eles diziam não te tirava do mundo.

Quando como eu se trabalha numa casa da opus, se a casa é de homens, há um monte


de requisitos para se conseguir a separação da administração da casa(pessoas que
cuidam de tudo relacionado com housekeeping, cozinha e serviço de mesa), que nunca
devem encontrar-se com os homens da casa, os horários da limpeza fixos e
estabelecidos de modo a que a casa fique vazia de uma parte, onde se podem fazer as
limpezas, onde as portas são fechadas para que ali fique apenas as pessoas que vão
limpar e nenhum homem possa entrar , pode-se limpar anos a fio a casa de homens e
nunca lhes veres a cara, a não ser que sirvas a mesa. Se serves a mesa, numa casa de
homens, serviço feito só por mulheres, como todo o serviço doméstico, só o diretor do
centro te pode dirigir a palavra, nenhum outro numerário ou agregado. Os pedidos são
feitos por um telefone interno que só atende a administradora. A separação das casas
obriga a que as portas de comunicação se fechem de ambas as partes, e que existam
duas portas separadas por uns metros, as mulheres que trabalham na administração
fecham do seu lado e o diretor do centro deles fecha do lado deles. Isto faz com que
algumas casas da opus dei sejam autênticos labirintos para evitar vistas, cruzamentos
com o sexo oposto e membros da prelatura.

Por exemplo é proibido uma numeraria ou agregada, falar com um sacerdote da opus a
sós se não for no confessionário, se isso acontecer essa pessoa não pode receber o
sacramento da comunhão durante uma semana e o sacerdote será suspenso de celebrar
durante um mês.

Normas e imposições que são consequência de uma mentalidade fiel ao fundador que
deixou tudo, mas tudo, determinado como se devia fazer, sobre os mais absurdos temas.

Os membros da opus dei, são formados para que se protejam dos ambientes de “
impureza” de fora da obra, pelas ruas devem ter cuidado com o que olham, devem fazer
por não olhar para revistas, cartazes, que não sejam decentes, devem lutar por desviar
qualquer pensamento com cariz sexual, qualquer desejo, usando a mortificação, a oração.
É claro que isto as vezes tem o efeito contrário, a pessoa fica com tanto medo de pecar
contra a dita pureza, que as fantasias parecem crescer, e o pensamento é arrastado para
aquilo que se quer evitar. Mas para isso há a confissão, o centro da obra tem todos os
dias sacerdotes para atenderem qualquer membro da obra e amigos. É a instituição de
certeza que recebe mais confissões por dia.
No entanto o tema sexualidade é ao mesmo tempo o mais silenciado , tomam-se medidas
, atua-se, dá.se uma importância exaustiva , mas a raiz e o desenvolvimento da
sexualidade na pessoa, não é tido em atenção, por isso quase não se sabe lidar com ela,
para mim fonte de algumas aberrantes personalidades que por lá se desenvolveram.

O governo das consciências tem muitos objetivos que se resumem em uma só palavra:
controlo, que tem muitas interpretações e consequências, uma delas é conseguir a
mansidão, e a mansidão de todos submetida aos que governam a opus.
Outro tema é a” pobreza”, vivida na opus dei, ao entrares na obra como celibatário ,
passas a viver a pobreza, ou seja todo o teu dinheiro e todos os teus bens passam a ser
da obra, todo o teu ordenado é entregue mensalmente a obra e esta dá-te uma parte dele
segundo as tuas necessidades, avaliadas pelo governo da obra. Por aqui já se pode ver o
escandaloso que pode ser este tema na opus dei. Se és numerária ou agregada e de
uma família rica ou menos rica tudo o que herdares será da obra, salvo raríssimas
exceções, cada membro celibatário faz um testamento a deixar todos os bens a uma
instituição levada por membros da obra, claro que a obra fica com casas, quintas, e com
os mais variados bens das famílias dos membros da opus, alias as casas da opus tem
muitos desses bens na decoração, no mobiliário, etc. Há exceções, especialmente se se
tornar muito chocante ou muito escandaloso, para a família lesada, e pode haver ajustes
no testamento, mas o geral é serem todos entregues.
É um tema chocante, na medida que famílias só acabam por saber disso , na morte de
alguns membros da obra, ou na altura da divisão de bens.
É escandaloso, porque na verdade a opus dei, se apropria durante décadas dos salários
de uns bons mil de pessoas, podia.se até dizer roubou, mas basta com apropriar-se.
Isto é feito tão bem, que nem as pessoas sentem como apropriação e, portanto nem
reclamam.
Graças ao governo das consciências consegue-se à mansidão, que leva a submissão
necessária para que coisas escandalosas que indignariam ao mais inadvertido, resultem
inócuas.
A entrega dos numerários e agregados, é apresentada desde o começo, como entrega
total, a qual implica, corpos, alma, bens e salários etc.
Disto concluo eu que o fundador, não queria religiosos na opus, mas queria laicos
disfarçados de religiosos, já que só estes na igreja católica são obrigados ao celibato e
pobreza. E soube-os confundir bem.
Este torna-se um dos grandes obstáculos de muitos poderem sair da prelatura, muitos
que ousaram sair ficaram em situações muito complicadas a nível monetário e podiam ter
tido as suas casas, a sua reserva económica. É de perguntar que amantes da pobreza
são os diretores de governo da opus, ou se são amantes do dinheiro alheio. Sem contar o
dinheiro que entra dos supranumerários, que devem dar pelo menos o equivalente ao que
gastam com um dos filhos, como se a obra fosse um filho mais, isto se a família possuir
possibilidades para tal, senão darão segundo o estabelecido pela prelatura. Outra fonte
de dinheiro são negócios entre governo da obra e empresas de supranumerários, com a
agravante que opus desaparece e não aparece nunca como instituição, nesses negócios,
sendo nomes de numerários e agregados que ficaram mal, se houver um caso de justiça
não sofre a opus dei mas aquele numerário ou agregado ou supernumerário, isso passou-
se em muitos escândalos de algumas empresas de supranumerários, que depois foram
abandonados pela prelatura, há relatos e provas disso em alguns estudos, embora não
sejam de fácil acesso.
Por outra parte, há os peditórios, para as construções dos centros da obra, escolas da
obra etc. Há busca de ajudas estatais, para por em funcionamento escolas, colégios,
universidades, instituições de solidariedade, centros culturais, clubes juvenis etc. Há
pessoas dedicadas a fazer estudos sobre como obter estás ajudas estatais. Um exemplo
são as ditas Omgs que a opus vai abrindo, por aqui entram vários milhões de euros, em
detrimento de outras iniciativas de instituições sociais , eu quase embarquei num trabalho
de uma destas omgs para o Quenia, e as ajudas eram quase todas estatais, são
iniciativas onde embarcam a “ alta sociedade da opus”, o que eu posso dizer porque o vi
fazer embora não tenha documentação nenhuma comigo para prova-lo, é que desse
dinheiro, parte vai para institutos como o AESE de lisboa, que se dedica captação de altos
empresários, a construir casas de retiros… em vez de chegar todo ao destino definido.
Há o investimento de dinheiro da parte da obra em vários negócios, que geram mais
dinheiro, claro que não aparecerá a opus a investir, mas um membro da obra numerário
ou agregado supervisionado pela opus. Embora tenha tantos centros e clubes casa de
retiros, colégios, institutos, em nome da obra só tem as sedes da obra espalhadas por
vários países, duas universidades uma delas a de Pamplona e outra nos Andes, o resto
está tudo constituído em associações sem fins lucrativos a maioria, sem juridicamente
aparecer a opus dei como tal.
É verdade que circula muito dinheiro, na opus dei, a custa da “ pobreza “ de muitos, que
sacrificam, o bem pessoal ao institucional, mais notório em uns países que outros, em
umas cidades mais que outras, mais concentrado tudo em Roma e Pamplona e Madrid ,
pelo menos do que eu pude intuir.
O dinheiro da poder, e a opus quer muito poder para influenciar mentes, influenciar dentro
da igreja católica, e em muitos sectores da sociedade, é sabido que a opus consegui
ajudar economicamente o banco do vaticano no tempo de João Paulo II, que ficou, em
divida com a prelatura, e lhe concedeu a aprovação dentro da igreja como prelatura
pessoal, que lhes dá o direito de funcionarem independentemente de ordens diretas da
igreja, a canonização do Fundador como santo, é evidente que foi rápida porque
movimentou dinheiro, e assim tantas outras intervenções da opus na igreja e na
sociedade, coisas que ultrapassam ao comum dos membros que está na sua luta de
cumprir normas, obedecer e calar-se.
Todo este tema esta regulamentado por estatutos próprios da prelatura que entram em
contradição com os estatutos da obra aprovados pela santa sé , há quem tenha feito
esses estudos, depois de ter saído da obra , embora estejam a ter problemas para poder
publicar, já que a obra lhes pôs um processo, por furto dos estatutos internos. Assim
como também uma pagina da internet , onde foram publicados muitas publicações
internas da opus, livros que só determinados membros da obra têm acesso, como as
normas de atendimento dos membros na direção espiritual, que se viu obrigada a retira-
los enquanto o processo não termina.
Poderia escrever, escrever sobre tudo o que vivi na opus dei, de tudo o que penso sobre
o fundador, que tive de chamar de Nosso padre, e que me dá arrepios só de pensar, de
como eram os seus escritos internos, mas para lá de exaustivo, é demasiado para
arranjar forças para expressar, só que o considero um louco, que fundou uma obra, que
consegue gerar fanáticos, e por isso a considero uma seita dentro da igreja católica.
Culpo a igreja católica de ela ainda continuar a existir, e a seduzir tantas crianças e
jovens, acuso a ambas opus dei e igreja católica do abuso que fazem na alma desde
jovens e crianças, e o único que me importa é alertar pais que deixam os seus filhos ao
cuidados de clubes, escolas e residências da opus, ainda que esses jovens não entrem
todos na opus, todos juntos criam o ambiente, dos centros e clubes, onde muitos , sempre
para mim serão muitos ainda que poucos para a opus, ou até para a sociedade em geral,
que nem ouve falar deles. Pela anulação pessoal que se vive dentro da opus. Ao contrário
do que nos insistiam lá dentro a obra não é o melhor sítio para viver nem para morrer.
A Todo um mundo sim a descobrir, a todas as possibilidades de fazer bem ao mundo, a
toda uma vocação universal sim, de descobrir cada um o seu valor e tornar o mundo
melhor, sem o engano da opus.
Os pais não se podem descuidar e colocar a educação dos seus filhos nas mãos de
numerárias, que nunca foram mães , e que acham que sabem mais que as mães em
relação aos seus filhos, quantas vocações a obra de crianças de 14 anos, que os pais
ignoravam e que só vieram a saber já bem mais tarde que os seus filhos eram da obra?
Muito mais que centenas provavelmente.
Talvez se tivesse jeito para a escrita, ou não tivesse uma urgência de viver longe deste
passado da obra, continuasse a escrever. No entanto sei que há pessoas que escreveram
coisas bem escritas sobre a opus, depois de deixarem a prelatura, pessoas com muito
mais conhecimento que eu porque estiveram em cargos de direção de muitas pessoas na
obra.
Estão quase todos em Espanhol, já que a maioria das pessoas que deixou a prelatura,
são de Espanha.
Poderei sempre aconselhar algum desses livros.
Em português haverá alguns traduzidos mas, só li e dei também o meu testemunho para
o livro da Catarina Guerreiro , o fim dos segredos.
Não desistirei de alertar dentro das minhas possibilidades e no meio onde possa ser
ouvida, com o meu testemunho, não tenho grandes revelações, os escândalos grandes
descreveram-nos jornais, bem ou mal. Tenho apenas o meu testemunho do modo de vida
da obra, e penso que isso já basta, e não é preciso acrescentar qualquer escândalo
jornalístico . A opus já tem demasiados erros, como o modo de viver dos membros que
não é preciso acrescentar mais nada.
Estarei também sempre ao lado dos que saíram, e que como eu fomos atacados, por
falar, fomos dados como loucos ou pelos menos quiseram que as pessoas pensassem
isso. Com as suas estratégias.
Estarei ao lado deles quando quiserem lutar pelos direitos que opus lhes retirou. Como o
caso de uma ex numerária- auxiliar em França, que consegui provar em tribunal que a
opus não lhe tinha pago salários, descontos sociais, a sua vitoria abre espaço para que
outras lesadas, se encham de coragem para essa luta, assim esperamos .
No entanto cansa lutar contra a opus, cansa muitíssimo, e a maioria dos ex membros,
encontra-se sem força para essa luta, alguns deles não conseguem obter provas, porque
a opus não as deixou sair com elas nem as vai fornecer agora.
Outros já fizeram bastante escrevendo livros, organizando conferencias, mas o peso da
obra é muito e tenta anular qualquer testemunho, pondo-nos como pessoas revoltadas,
mal-agradecidas, doentes mentais, mentirosas. É sempre a palavra dos ex e a palavra
deles, e a palavra dos ex que saíram cedo e continuaram com meios de formação e que
continuam a aceitar a obra. Fica nas mãos de cada, mas não é por isso que nos devemos
calar, ou deixar de dar testemunho.
Sair da obra implica muito a nível interior e emocional, é preciso ganhar uma força quase
sobrenatural, especialmente se levas anos lá dentro . Não tem nada a haver, sair da
obra , tendo passado lá os primeiros anos da vocação onde tudo gira no entusiasmo, e
passado 10 , 15, 20…nem é o mesmo sair um supranumerário que quase e apenas vai
aos meios de formação da obra uma vez por semana, a quem leve apaulada de ser
numerário num centro da opus ou uma agregada que lhe calha quase ser numeraria,
porque vive numa casa de convívios e retiros. São vivencias diferentes dentro da opus,
que darão mais ou menos visão de toda a engrenagem da máquina .
O sofrimento de muitas agregadas, numerarias, numerarias auxiliares que presenciei
dentro da obra, nos anos que trabalhei nos colégios da obra em pamplona e depois como
administradora de uma casa de retiros, fez-me estar cada vez mais atenta e cada vez a
me dececionar mais e mais. O sofrimento e o desamparo que conheci em alguns
membros que saíram , faz com que não me cale, quando posso intervir sobre o tema opus
dei.

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