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2° Eletrotécnica

Júlia Mell Goulart


Guilherme Baêta

A vida na periferia
Estava com muitas dúvidas, mas finalmente me decidi. Eu sei o que tem que ser feito
e eu vou fazer.
A vida na periferia nunca foi fácil e com esse vírus então. E as outras pessoas só
veem o próprio umbigo, não enxergam nossa situação. A vida era tão melhor antes
desse vírus maldito. Ele tirou meu grande amor, o pai dos meus meninos. Depois
disso, nunca mais fui a mesma. Ele era a única fonte de renda aqui e sem ele ficamos
totalmente desamparados. Com o preço subindo do jeito que tá, eu tive que correr
atrás de emprego, não podia deixar meus filhos na mão. E minha única solução foi
trabalhar de faxineira na casa de uma riquinha nojenta. Não pagava muito bem e
queria que eu trabalhasse igual uma condenada limpando, cozinhando, lavando e
passando, não me dava férias e os filhos eram nojentos igual ela. Papo reto, tive que
engolir meu orgulho e aceitar esse emprego por causa dos meus filhos. E o pior é que
ela morava muito longe e eu tinha que acordar muito cedo e pegar vários busão. E
assim fui me adaptando, acordava de madrugada e preparava comida pros meus
filhos e depois ia pro trampo.
E como antes eu ficava só em casa com eles, foi difícil me acostumar a não passar o
dia inteiro com meus dois meninos. Eles são tudo pra mim e eu fico tão preocupada,
eles já passaram por tanta coisa, principalmente com a morte do pai e tiveram que
lidar com isso ainda tão jovens. O mais velho tem 12 anos e o mais novo 6 e o pior é
que nem sempre a vizinha consegue olhar eles pra mim e não tenho dinheiro pra
pagar babá. E como tinha que trabalhar o dia inteiro, só chegava de noite em casa e
quem me dera eu pudesse chegar e ficar de bobeira, mas não. Chegava e tinha que
arrumar casa, fazer comida pros meus filhos e o pior, ensinar dever. Como eu disse,
a vida ficou muito pior depois desse vírus. Antes era só levar eles na escola, agora
eu tenho que ensinar todos os deveres e entregar tudo em dia e fica muito difícil já
que me sobra pouco tempo depois que chego do trampo. Às vezes, quando sobra
tempo a filha da vizinha ensina dever pra eles pra mim, mas na maioria das vezes
sou eu. O mais velho ainda consegue se virar melhor, não me pede ajuda. Agora o
menor, me dá tanta dor de cabeça, eu simplesmente não sirvo pra ensinar dever. E
só consigo ir dormir bem tarde. São tantas obrigações, se meu marido soubesse a
falta que ele me faz, ele não tinha ido embora.
E depois que acabo tudo, finalmente posso ir dormir. Meu momento preferido do dia,
não porque posso descansar, mas sim porque é quando vejo meu marido. Toda a
noite ele vem até a mim e nos dançamos ao som da música que tocava quando nos
conhecemos. Mas logo a dança é interrompida por um barulho alto e irritante. Eu
ainda vou quebrar esse despertador por levar meu marido pra longe de mim todos os
dias. E mais uma vez me levanto e encaro minha rotina. É horrível viver tão esgotada,
sem tempo direito pra ficar com meus filhos, eu queria poder dar para meus filhos
tudo que eles merecem. Viver todo dia com a incerteza desse vírus ir embora, andar
todo dia com medo de pegar ele e trazer pra minha casa e encararmos a mesma dor
que meu marido encarou, eu simplesmente não tenho mais esperanças de que dias
melhores virão mas hoje é o dia que tudo vai mudar. Hoje eu já me decidi, hoje não
vou trabalhar, vou ficar com meus meninos, vou ir no lugar em que ia com eles e meu
marido vê o por do sol e fazer um piquinique.
“Oi vizinha, você deve tá se perguntando o porque eu deixei esse bilhete aqui neh?
Eu juro que tentei ser forte, tentei ter mais esperanças. Me desculpe por isso, você
foi uma grande parceira e a que mais me ajudou depois que meu marido morreu e
por isso, deixo tudo que eu tenho para você, incluindo a casa. Pode fazer o que quiser
com minhas coisas, porque eu e meus filhos não vamos precisar mais, eu vou ver
minha família junta novamente. Finalmente meus filhos vão ver o pai de novo.
Finalmente vou poder dançar com meu grande amor e não ter que ficar com medo do
despertador tocar e estragar tudo.”

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