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Faculdade Santa Marcelina

Mateus Vinicius Corusse

Concepções e estratégias para o manejo dos registros vocais


e de suas transições em quatro métodos franqueados de ensino de canto

Trabalho apresentado como requisito


parcial para a conclusão da pós-
graduação lato sensu Pedagogia vocal:
expressão e técnica, sob orientação da
Profa. Dr. Joana Mariz de Sousa.

São Paulo
2022
Concepções e estratégias para o manejo dos registros vocais e de suas
transições em quatro métodos franqueados de ensino de canto

Mateus Vinicius Corusse (Faculdade Santa Marcelina)

Resumo: Os registros vocais constituem um assunto de grande relevância para o canto e


pedagogia vocal, embora ainda existam muitos questionamentos sobre o tema e sobre sua
aplicação nos processos educativos. Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo
compreender como quatro diferentes abordagens de ensino de canto compreendem e
classificam os registros vocais. Para tanto, quatro professores de diferentes métodos de ensino
de canto concederam entrevistas e analisaram exemplos de vocalizações de cinco cantores. Os
métodos investigados foram: Somatic Voiceworktm – The Lovetri Method, Speech Level
Singingtm, International Voice Teacher of Mix e Belting Contemporâneo tm. Como resultados,
observa-se que as compreensões dos registros partem de categorizações e referenciais distintos,
os quais concebem os registros a partir de variados aspectos da fonação e articulação. Essa
heterogeneidade mostrou-se presente também nas terminologias aplicadas, nos relatos da
aplicação dos registros no treinamento vocal e nas avaliações das vocalizações.

Palavras-chave: Registros Vocais. Pedagogia Vocal. Somatic Voicework. Speech Level


Singing. International Teachers of Mix. Belting Contemporâneo.

1. CONCEPÇÕES E USOS DOS REGISTROS VOCAIS

Os registros vocais constituem um tema que, embora presente há séculos e largamente


discutido na história da pedagogia vocal, ainda gera muitas divergências entre os professores
de canto e cientistas da voz. De modo geral, por ele compreendem-se diferentes grupos de
frequências com qualidades vocais similares entre si e que diferem de outros grupos de
frequências também com qualidades similares. As referências pelas quais se fazem esses
agrupamentos, por sua vez, partem de variadas perspectivas e levam em conta um ou mais
subsistemas da produção vocal.
Segundo Stark (2008), as compreensões dos primeiros tratadistas sobre a voz cantada
apontavam para o reconhecimento de dois registros, definidos a partir das sensações vibratórias
durante o canto. No Prattica di Musica de Zacconi, publicado em 1596, já estavam
mencionados os termos voce di petto (M1) e voce di testa (M2). Embora não necessariamente
2
com a mesma nomenclatura, essa visão binária consolidada a partir do século XVII também
esteve presente nos escritos de Caccini (1602), Tosi (1723) e Mancini (1774).
Esse entendimento foi ampliado no século XVIII, com o acréscimo de outras
concepções de registros vocais, abarcando interpretações com três, quatro ou mais registros
principais e auxiliares. Nesse sentido, destacam-se as traduções de Tosi para o alemão e inglês,
as quais foram acrescidas dos escritos de Galliard e Agricola, respectivamente, e que trouxeram
novas interpretações para o texto original. Progressivamente, também eram estabelecidas
classificações e nomenclaturas que acrescentavam noções de registros mistos, isto é,
constituídos de características tanto de um determinado registro como de outro.
No século XIX, as observações de Manuel García II trouxeram impactos significativos
para a descrição da voz cantada. Ele realizou observações com o laringoscópio e a partir delas
centrou sua concepção dos registros sobre o nível laríngeo, descrevendo dois princípios
mecânicos: o modo de vibração e o fechamento glótico. Na prática, retomava-se o entendimento
binário de voz de peito (M1) e falsete-voz de cabeça (M2). Seus escritos influenciaram outros
profissionais, que passaram a abordar o canto com o uso de figuras de anatomia, as quais, muitas
vezes, eram marcadas por impressões particulares (MARIZ, 2013).
As compreensões e categorizações dos registros vocais, que em García apontavam para
o nível da fonação, passaram a ser somadas de interpretações que consideravam outros níveis
da produção vocal. Desse modo, muitas vezes não havia uma clara distinção nas concepções
estabelecidas entre elementos da ressonância, da dinâmica, das sensações vibratórias, da
fonação em si e da sonoridade e qualidade vocal em geral (HENRICH, 2006).
Como aponta Salomão (2008, p. 28), com os avanços tecnológicos do século XX e o
advento da teoria acústica da produção da fala, muitos pesquisadores e professores como
William Vennard e Minoru Hirano debruçaram-se sobre o estudo da voz cantada com o uso dos
novos recursos e instrumentos disponíveis. Hollien (1974), ao propor a divisão em basal, modal
e elevado, reafirma seu entendimento de que os registros vocais são eventos exclusivamente
laríngeos, e que sua definição deve ter por base evidências perceptivas, acústicas, fisiológicas
e aerodinâmicas. Titze (1994), por sua vez, investigou o tema e apontou que “registros vocais
são regiões perceptualmente distintas de qualidade de voz, nas quais a mesma pode ser mantida
em faixas específicas de pitch e loudness”, trazendo novamente à discussão a relevância do
aspecto perceptivo.
Segundo Sundberg, (2015, p. 90), a concomitância ou alternância de predominância da
atuação dos músculos TA e CT na emissão das diferentes frequências da extensão vocal

3
constituem um fator importante na interpretação dos registros. Hirano, Vennard e Ohala (1970,
p. 19) destacam que ao feixe interno dos TA caberia uma ação significativa na definição de um
ou outro registro. Nesse sentido, uma das causas das quebras abruptas seria justamente um
manejo ineficiente na dinâmica dos músculos intrínsecos da laringe.
O conceito dos mecanismos laríngeos, proposto pelos franceses Roubeau, Henrich e
Castellengo (2009), originou-se a partir de uma pesquisa que visava observar os padrões
vibratórios das pregas vocais e relacioná-los com as diferentes terminologias sobre os registros.
Os autores investigaram vocalizações a partir de estudos com espectrografia e eletroglotografia
e encontraram três descontinuidades no desenrolar da tessitura das vozes observadas, as quais
apontaram para quatro regiões distintas, denominadas mecanismos laríngeos M0, M1, M2 e
M3. Se por um lado essa nomenclatura tem sido amplamente divulgada na literatura, observa-
se que sua aceitação não é unívoca e ainda há discussões a respeito de temas como, por exemplo,
a existência de padrões mistos de registração (HERBST, 2020; 2021; TITZE, 2014).
Os quatro mecanismos podem ser produzidos por homens e mulheres e abarcam toda a
extensão vocal. Quanto mais em direção ao M0, maior será a massa vibrante, o quociente de
fechamento e o contato glótico 1. As transições entre os mecanismos foram percebidas a partir
de um salto abrupto na fO e uma redução do sinal do EGG quando em direção a um mecanismo
ascendente (ROUBEAU, HENRICH, CASTELLENGO, 2009).
Os mecanismos 1 e 2 correspondem às regiões de frequências mais recorrentemente
utilizadas na voz falada e cantada. Termos geralmente associados ao M1 são voz de peito,
modal ou mecanismo pesado; enquanto para M2 estão registro de cabeça, falsete, mecanismo
leve, entre outros. Segundo Roubeau, Castellengo e Henrich (2009), a mudança de M1 para M2
seria acompanhada de um desacoplamento entre as camadas das pregas vocais, de modo que,
enquanto em M1 haveria participação de todas as camadas, em M2 o contato seria mais
superficial. Do ponto de vista acústico, M2 tende a apresentar uma maior amplitude da fO, já
M1 nos parciais harmônicos mais agudos.
O mecanismo 0 se relaciona com a região mais grave da extensão vocal. Termos como
fry, basal ou pulsátil são associados a M0. Nele, a forma de um ciclo glótico não
necessariamente é reproduzida no próximo, podendo haver ciclos periódicos em frequência

1
Como aponta Sundberg (2015), a massa vibrante corresponde à porção das pregas vocais que entra em vibração
durante a fonação, a qual é modificada pelos músculos intrínsecos da laringe. O quociente de fechamento diz
respeito à proporção em que as pregas vocais encontram-se fechadas durante o ciclo glótico. O contato glótico,
por fim, diz respeito ao contato entre as pregas vocais.
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muito baixa, múltiplos (duplos ou triplos) ou aperiódicos, o que implicaria na não percepção de
uma frequência específica.
O mecanismo 3, por fim, é o menos explorado na literatura. Ele corresponde à região
mais aguda da extensão vocal. Whistle, assobio ou apito são alguns dos termos relacionados
com M3. Ele é caracterizado por pregas vocais muito finas e esticadas, com uma pequena parte
vibratória, sendo observado, inclusive, a ausência de contato glótico.
Ressalta-se ainda em relação aos mecanismos que há zonas de sobreposição. Ou seja,
algumas notas podem ser produzidas tanto em um mecanismo, quanto em outro. Contudo, isso
não implica em uma produção mesclada entre os dois ou na noção de uma voz mista, a qual
possivelmente seria resultante da interação com outros elementos como os modos de fonação,
a pressão subglótica ou pela influência dos ajustes articulatórios.
Para além das compreensões associadas aos registros laríngeos, Bozeman (2014, 2021)
propõe a noção dos registros acústicos. Esse conceito, edificado sobre a teoria não-linear 2,
baseia-se nas interações entre harmônicos e formantes e organiza-se em quatro categorias,
nomeadas pelo autor como open timbre, close timbre, whoop e whistle.
O open timbre ou timbre aberto caracteriza-se pela presença de dois ou mais harmônicos
abaixo da primeira ressonância do trato vocal. Quanto maior a quantidade de harmônicos abaixo
de fR1 3, mais aberto é o timbre. Conforme os harmônicos vão cruzando fR1, há mudanças
perceptivas na qualidade vocal, chamadas pelo autor de mini-fechamentos, e o timbre vai
progressivamente ficando menos aberto. Uma variação desse registro se dá quando ocorre a
sintonia fR1:2fO. Uma das características do belting, segundo o autor, estaria justamente na
estratégia de levar este segundo harmônico a perseguir a primeira ressonância por meio de
manobras articulatórias.
O close timbre ou timbre fechado, por sua vez, caracteriza-se pela presença de apenas
um harmônico abaixo de fR1. Ele apresenta uma sonoridade adjetivada como menos brilhante
em comparação com o registro anterior (BOZEMAN, 2014, p. 36). O turn over, ou passagem,
corresponde justamente ao momento em que 2fO cruza o fR1, momento em que o som vocal sai

2
Como aponta Titze (2008), a teoria linear propõe que a produção vocal ocorre a partir de uma fonte sonora, o
som produzido pela vibração das pregas vocais, que é moldada por um filtro, o trato vocal. A teoria não-linear
entende que nesse processo os níveis da produção vocal não são completamente independentes, de modo que um
influencia o outro.
3
As frequências ressonantes do trato vocal são respostas potenciais do ressonador. Elas são estabelecidas a partir
da conformação do trato vocal pelos articuladores (lábios, mandíbula, língua, palato mole, faringe e laringe) e são
expressas do seguinte modo: fR1, fR2, fR3, fR4, e assim sucessivamente. Os harmônicos, por sua vez, correspondem
às frequências componentes de um sinal periódico e são produzidos no nível da fonte glótica. Eles são expressos
do seguinte modo: fO, 2fO, 3fO, 4fO e assim sucessivamente.
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do open timbre e entra no close timbre. De modo geral, a permanência em M1 dependerá da
manutenção dessa estratégia ou da sintonia fR1:2fO, de modo que o primeiro harmônico não
coincida com a primeira ressonância do trato vocal.
O whoop caracteriza-se justamente pela coincidência entre fO e fR1. Nele, as vogais
atingem o limite de sua migração passiva 4 e a partir dali o cantor passa a fazer mudanças
articulatórias ativas, a fim de manipular o valor de fR1. A manutenção dessa estratégia acima da
região habitual de fR1, bem como de fR1:2fO, dependerá, portanto, da elevação da frequência
dessa primeira ressonância, a qual pode ocorrer pela abertura da mandíbula, constrição faríngea
ou elevação da laringe.
O whistle, por fim, é o registro cujas informações são menos detalhadas. Ele encontra-
se nas regiões do extremo agudo da extensão vocal, geralmente acima das frequências de fR1.
Nesse sentido, a fO poderia ser ressoada entre fR1 e fR2, pela própria fR1 ou ainda por ressonâncias
mais altas.
Ainda segundo Bozeman (2021, p. 71), visto que não há estratégias que possam alterar
a amplitude de um harmônico da fonte glótica isoladamente, cabe à interação destes harmônicos
com as diversas ressonâncias do trato vocal promover as diferentes qualidades espectrais, as
quais podem ser mais associadas ao registro laríngeo de peito, quando reforçam os harmônicos
agudos, ou à voz de cabeça, quando reforçam a fO. Nesse sentido, as mudanças abruptas no
declínio espectral5 seriam as responsáveis pela nossa percepção das chamadas quebras vocais.
Do ponto de vista da aplicação na performance e ensino do canto, Pacheco (2004, p. 90)
destaca que não é possível identificar uma regra única de uso dos registros vocais pelos cantores
no desenrolar da história. O padrão dos primeiros tratados, que tinham preferência pela voz de
peito, progressivamente alterou-se de modo a adotar também a voz de cabeça, inclusive entre
as vozes masculinas. A partir do século XIX, firmou-se a tendência que se mantem até hoje do
uso predominante da voz de cabeça para as mulheres e da voz de peito para os homens. Também
segundo o autor, a pedagogia tradicional tendeu a buscar a homogeneidade entre os registros
vocais, de modo que as passagens fossem administradas a fim de que se preservasse a
uniformidade timbrística do canto.
Com o desenvolvimento da pedagogia vocal moderna e o avanço dos estudos e práticas
relacionadas com o ensino do canto popular, novos prismas sobre os registros vocais foram

4
A migração passiva corresponde a mudanças na qualidade da vogal que ocorrem sem que haja alterações na
forma do trato vocal. Elas se dão a partir de modificações da nota que está sendo cantada e são mais fortemente
observadas quando um harmônico cruza a fR1.
5
O declínio espectral corresponde à tendência de perda de amplitude dos harmônicos conforme mais agudos.
6
destacados. O uso predominante de M1 nas vozes femininas, o emprego de ambos os
mecanismos 1 e 2 nas vozes masculinas, trocas bruscas de registros ou mesmo a exacerbação
de um deles passaram a constituir caminhos recorrentes nos contextos pedagógicos.
Por fim, também a proliferação das abordagens de ensino franqueadas, principalmente
associadas ao canto comercial contemporâneo, contribuíram com a criação e disseminação de
conceitos e de uma terminologia cada vez mais profusos para os registros vocais. Igualmente
amplas são as referências pelas quais eles são interpretados. A exemplo do breve histórico
exposto até aqui, em alguns casos são considerados apenas o nível laríngeo, em outros são
considerados outros níveis da produção vocal ou mesmo a percepção da qualidade vocal geral.
Em meio a todo esse cenário, as diferentes interpretações sobre os registros vocais e as
suas consequentes transições no desenrolar da tessitura constituem um tema fecundo para a
investigação das bases e referências pelas quais são orientadas as abordagens pedagógicas do
ensino de canto, assim como as diferentes estratégias empregadas na formação dos cantores.

2. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS

Com base na exposição do tópico anterior, pode-se perceber que os registros vocais são
um tema de grande interesse e relevância por toda a história do canto e da pedagogia vocal.
Houve significativos avanços nas pesquisas e literatura sobre o tema, mas persistem dúvidas e
não há consenso entre os pesquisadores do tema.
Se há falta de consenso em relação às pesquisas sobre os registros, mais lacunas ainda
são encontradas quando se trata da aplicação pedagógica deste aspecto da voz cantada. As
recentes abordagens de ensino apresentam uma grande pluralidade de concepções,
categorizações e terminologias aplicadas. Em vista do cenário exposto, o presente estudo teve
os seguintes objetivos:

Objetivo principal:
 Compreender como quatro diferentes abordagens pedagógicas do ensino de
canto compreendem e classificam os registros vocais.

Objetivos secundários:

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 Entender as bases fisiológicas e acústicas pelas quais são compreendidos os
registros vocais em quatro abordagens de ensino de canto: Somatic Voiceworktm
– The Lovetri Method, Speech Level Singingtm, International Voice Teacher of
Mix e Belting Contemporâneo tm.
 Conhecer as classificações e terminologias aplicadas sobre os registros vocais
 Conhecer as estratégias concebidas por cada abordagem associadas à
permanência ou transição de registros nas diferentes abordagens
 Estabelecer comparações e analisar as confluências e divergências entre as
diferentes perspectivas das abordagens de ensino.

3. MÉTODOS

Para a realização do estudo optou-se por uma abordagem qualitativa. Os métodos


adotados organizaram-se em quatro etapas de pesquisa. Na primeira delas, paralelamente à
revisão de literatura, foi realizada a investigação dos documentos oficiais, materiais e
publicações de cada uma das abordagens de ensino de canto pesquisadas.
Na segunda etapa, foi realizada a gravação de vocalizações com cinco cantores. Eles
participaram do estudo a convite do pesquisador e configuraram um grupo de homens e
mulheres, de idades, níveis de formação, estilos musicais praticados e tempo de atuação
profissional variados. A gravação foi realizada em sala com isolamento acústico, com
microfone condensador de medição Behringer ECM8000 em uma distância de 15cm entre o
microfone e os participantes.
Foi feita captação de dois exercícios vocais com cada cantor. Primeiramente, eles
vocalizaram em [i] em um glissando ascendente e descendente no intervalo de quinta justa 6, o
qual foi sendo modulado em semitons de acordo com a extensão vocal dos participantes. Em
seguida, eles realizaram o mesmo procedimento, mas desta vez com a vogal [a].
De acordo com Roubeau, Henrich e Castellengo (2009), um dos fenômenos que
indicaram a transição entre os mecanismos laríngeos foi a ocorrência de um salto abruto na fᴏ.
Desse modo, a escolha do uso dos glissandi se deu em vista da possível explicitação dessa
passagem nas gravações, bem como a possível evidenciação de como as passagens diretamente

6
Uma quinta justa (5J) corresponde ao intervalo de três tons e um semitom, que corresponde, por exemplo, à
distância entre as notas Dó e Sol.
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associadas ao nível laríngeo constituiriam ou não um fator relevante nas indicações dos
registros vocais pelos professores das diferentes abordagens de canto.
O uso das duas vogais, por sua vez, empregou-se de modo a levar em conta as
influências dos aspectos articulatórios e acústicos sobre a percepção e categorização dos
registros vocais. Como aponta Sundberg (2015), as frequências dos formantes variam
significativamente entre as vogais abertas e fechadas, de modo que as primeiras tendem a
apresentar um fR1 mais agudo. Bozeman (2013) também destaca que especialmente as interações
entre fR1 e Fᴏ constituem fatores relevantes para o estabelecimento de qualidades vocais que são
recorrentemente associadas a diferentes registros vocais, além de implicarem em diversas
estratégias no decorrer da tessitura para se lidar com a permanência ou passagem dos registros.
Desse modo, a escolha das vogais [i] e [a] possibilitaria perceber tanto a variação das manobras
empregadas pelos cantores nas mesmas regiões de frequência em cada exercício, quanto a
influência dos aspectos articulatórios e acústicos na avaliação dos professores.
Para o desenvolvimento da terceira etapa, foram convidados quatro professores de
canto, cada um representando uma abordagem. Como critérios de inclusão estavam a posse de
formação ou capacitação na abordagem pedagógica escolhida, bem como uma sólida atuação
em sua categoria, e o aceite na participação (critério de inclusão: amostra dos melhores casos).
As abordagens investigadas foram: Somatic Voiceworktm - The LoVetri Method, Speech Level
Singingtm, Institute of Voice Teachers of Mix e Belting Contemporâneo tm.
Os professores realizaram duas atividades, das quais a primeira consistiu em uma
análise. A partir das concepções, categorias e terminologias da abordagem a que eram
associados, os docentes avaliaram o emprego dos registros vocais nas gravações das
vocalizações dos cinco cantores. A segunda atividade, por sua vez, consistiu em uma entrevista
semiestruturada. Nela, foram realizadas questões relacionadas com as compreensões de cada
abordagem de ensino a respeito dos registros vocais, as referências pelas quais elas se
estabeleciam e o seu emprego no treinamento vocal. As questões utilizadas como fio condutor
da entrevista estão dispostas no quadro a seguir.

Quadro 1 – Questões norteadoras da entrevista

Descreva os princípios e pensamentos gerais de sua abordagem


Qual é a concepção de registros vocais na abordagem de ensino em que você atua?
Quais são as referências teóricas pelas quais ela é concebida?
Você poderia descrever a sonoridade e a fisiologia relacionadas com cada um desses
registros vocais?

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Descreva o passo a passo básico de manejo dos registros vocais na sua abordagem
considerando o trabalho com um cantor iniciante e com um cantor iniciado
Há estratégias pré-definidas em relação ao acesso, permanência ou transição desses
registros? Se sim, quais são?
Há variação no manejo dos registros em relação ao sexo do aluno?
Há variação no manejo dos registros em relação ao gênero musical praticado pelo aluno?

Uma vez feitos todos os procedimentos de levantamento e coleta, parte-se para a quarta
e última etapa, correspondente ao tratamento dos dados. Para tanto, foi tomada por base a
análise de conteúdo (BARDIN, 2016), a qual subdivide-se em três partes: (1) Pré-análise, (2)
Exploração do material, e (3) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

4. RESULTADOS

4.1 Concepção geral das abordagens de ensino

As quatro abordagens de ensino são relacionadas com um fenômeno bastante recente na


história da pedagogia vocal. Todas constituem métodos franqueados nos quais os sujeitos
precisam realizar algum tipo de curso ou itinerário formativo pago para poderem ser associados
ou se configurarem como professores autorizados. Além disso, elas possuem uma ênfase sobre
os estilos de canto popular, ainda que não sejam limitadas a ele. Como aponta Fraga (2018):

A maioria desses métodos funciona por meio de um sistema de franquia, ou


seja, o professor-aluno paga para receber um treinamento oficial da empresa
desenvolvedora do método, e após seu treinamento, recebe então uma licença
para explorar a marca, sendo intitulado “professor certificado” (p. 30)

O Somatic Voiceworktm– The LoVetri Method (SVW) é um método desenvolvido pela


professora de canto norte-americana Jeanie LoVetri. Ele adota uma ideia de treinamento
funcional (LOVETRI, 2013), no qual há o desenvolvimento da autopercepção a partir de
estímulos oferecidos pelo professor. Nele, não se lida com preconcepções de sonoridade, mas
sim com a promoção de variadas coordenações para que o cantor as utilize a seu dispor.
O Speech Level Singingtm (SLS) configura uma proposta que busca que o canto seja
produzido tão facilmente quanto é a fala (RIGGS, 1985). O método foi cunhado a partir do
trabalho e experiências de Seth Riggs e sistematizado por um grupo de professores associados,
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nomeados Master Teachers. Nele, visa-se identificar qual é a tendência presente no cantor e, a
partir dela, propor exercícios e estratégias para que o cantor possa transitar de modo eficiente
entre as múltiplas passagens da voz.
O International Voice Teacher of Mix (IVTOM) constitui uma organização de
professores de canto que se formou a partir de uma dissidência do Speech Level Singing. Nele,
assume-se que o desenvolvimento do mix é o desenvolvimento da técnica vocal, de modo que
o trabalho de coordenação da voz pelas transições assume a centralidade de sua abordagem.
Para tanto, as compreensões da teoria não-linear lhe são fundamentais.
O Belting Contemportânio tm (BCo), por fim, é o segmento da abordagem de Marconi
Araújo voltada para a formação dos cantores para o mercado do teatro musical e pop. Nele,
busca-se o desenvolvimento das variadas qualidades de belting, segundo as concepções de
Araújo, a partir do registro modal médio e o consequente equilíbrio da musculatura intrínseca
da laringe, opondo-se ao chamado belting antigo, o qual ocorreria com muito esforço e tensão.
4.2 Concepção de ensino e emprego dos registros vocais

No SVW reconhecem-se dois registros principais: peito e cabeça. Embora não seja
assumida a visão de Roubeau, Henrich e Castellengo (2009), é perfeitamente possível haver a
associação com M1 e M2, o que atribui uma interpretação bastante laríngea ao entendimento
dos registros. Das coordenações entre eles, emergem as chamadas vozes mistas. No método, a
voz mista é comumente referenciada dentro das categorias de um dos dois registros maiores:
misto de peito ou misto de cabeça.
No processo de treinamento vocal, os registros ocupam grande relevância. Inicia-se com
uma avaliação e observação de comportamento default, ou seja, a tendência já internalizada e
comumente praticada pelo cantor. Assim, segue-se para a criação de estímulos que promovam
o isolamento dos registros de peito e cabeça. Segue-se com o cruzamento dos registros, de modo
a gerar uma zona de sobreposição na qual emergirão as diferentes qualidades de voz mista. A
depender do nível do aluno, vão sendo propostas variações de timbre, de volume e outros
desafios que sejam pertinentes.
No SLS parte-se da ideia de que há múltiplas transições vocais, que tendem a ocorrer,
genericamente, a cada Lá e cada Mi, nas diversas oitavas da extensão vocal. Empregam-se os
termos chest, mix e head, sendo que há a possibilidade de que o mix seja mais associado a um
ou outro dos dois registros. Em meio a essas múltiplas transições, o método apresenta cinco
tendências principais a serem verificadas nos cantores: pull chest, que ocorre quando o cantor

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força a voz de peito e não transita para um mix; no chest, quando o cantor não apresenta o
registro de peito; flip-falsetto, quando o cantor transita de modo brusco e com quebras entre os
registros; mix, quando a transição entre os registros ocorre adequadamente; e manipulated
larynx, quando são empregadas demasiadas manobras e alterações de posicionamento laríngeo
para estabilização da qualidade vocal. O mix, nesse sentido, parte da ideia da coordenação e
negociação entre os dois outros registros, o que depende de estratégias fonatórias e
articulatórias.
O treinamento vocal inicia-se com a avaliação diagnóstica da tendência do cantor (pull
chest, no chest, flip-falsetto, mix, manipulated larynx) em relação às múltiplas transições da
voz. Identificados os comportamentos, favorece-se o acesso e coordenação da voz entre as
transições almejadas por meio de estímulos fonoarticulatórios, que possam promover alterações
no padrão de fechamento das pregas vocais, no padrão articulatório e na estabilidade laríngea.
O IVTOM parte da ideia dos registros categorizados em peito, mix e cabeça. O mix, de
modo geral, é pensado de maneira mais ampla, não sendo segmentado em subcategorias mais
associadas a um ou outro registro – no lugar de se associar o mix ao peito ou à cabeça, há
referência a padrões de mix mais fortes ou mais leves (heavy mix ou light mix). Destaca-se
também que o mix é compreendido como uma técnica em si, em que a coordenação dos registros
permite a(s) continuidade(s) do som por toda a tessitura.
Assim sendo, o desenvolvimento da coordenação dos registros é o ponto central do
método. Ele parte do diagnóstico e vocal e mapeamento do perfil do cantor, o qual assemelha-
se ao SLS, por ser organizado a partir de uma dissidência do método, e apresenta exercícios em
vista de coordenar a voz e desenvolver o mix. O processo de centralização das vogais e o uso
de fonemas específicos são recursos importantes para esse trabalho.
No BCo, as concepções dos registros, segundo seu fundador (ARAÚJO, 2013), partem
dos trabalhos de Minoru Hirano (1988), e sua classificação de registro basal, modal e elevado;
como também de Silvia Pinho (2008), subdividindo o registro modal em denso, médio denso,
médio tênue e tênue. O registro médio parte da ideia de ação equilibrada entre os níveis de
contração de TA e CT. Nesta abordagem, há ainda a compreensão de subregistros, os quais,
para além do nível laríngeo, acabam comportando em si sonoridades que abarcam disposições
do aparelho vocal como um todo. Dentro do registro médio encontram-se o belting e o speaking,
sendo os subregistros organizados entre aqueles que acontecem antes da passagem (Modal
médio denso: Pure belting, Soul Belting, Covered Belting, Voce Piena) e aqueles que
acontecem depois da passagem (Modal médio tênue: Health Belting).

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O treinamento vocal, por sua vez, parte da demanda apresentada pelo aluno. O
estabelecimento dos diferentes sub-registros ocorre a partir da combinação de uma “borda
específica”, somada de uma de uma "faringe" específica, a qual é associada às chamadas
“vogais tímbricas”, que promovem determinadas sonoridades e formas articulatórias associadas
aos subregistros; ou seja, um determinado comportamento glótico, somado de uma disposição
do trato vocal que é favorecida por determinada manobra articulatória. Os callings são
ferramentas que visam a facilitar o acesso e memorização, agilizando o processo formativo.

4.3 Análise das vozes dos cantores

As análises dos professores de canto sobre as vozes dos cantores participantes foram
organizadas em cinco figuras. Em cada uma delas está disposta a extensão vocal abrangida por
um cantor ou cantora. Abaixo dela estão as informações relacionadas com a vocalização na
vogal [i], e acima na vogal [a]. As interpretações dos docentes são dispostas em barras que
abarcam grupos de vocalizações realizadas com um mesmo registro. Os dados foram dispostos
em vista de poder facilitar a comparação entre as categorizações dos registros vocais, conforme
descritas pelos sujeitos especialistas em cada abordagem de ensino.

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5. ANÁLISES E DISCUSSÃO

As análises foram organizadas em cinco tópicos em vista das categorias de discussão


que emergiram a partir do tratamento dos dados: concepção dos registros, comparação das
análises, mecanismos laríngeos e vogais, voz mista e treinamento vocal.

5.1 Concepções dos registros

As concepções, categorizações e terminologias mostraram-se diferentes nas quatro


abordagens de ensino. Aspectos como os mecanismos laríngeos, modos de fonação, dinâmica
e os padrões articulatórios, combinados ou isolados, influenciaram no estabelecimento das
categorizações dos registros vocais.
As terminologias predominantemente relacionam-se com os termos mais estabelecidos
na pedagogia tradicional: voz de peito e voz de cabeça, embora não necessariamente com a
compreensão de sensação vibratória ou metafórica com a qual tais termos foram cunhados. No
BCo, por sua vez, observam-se os conceitos mesclados de Hirano (basal, modal e elevado) e
Silvia Pinho (denso, médio e tênue). Os subregistros do Bco e as tendências de comportamento
do SLS e IVTOM estão relacionados aos registros vocais, embora não se limitem a eles e
englobem outros aspectos da produção vocal como mencionado anteriormente.
Todos os registros estão presentes tanto nas vozes masculinas, quanto femininas nas
quatro abordagens. Ainda assim, o nível do treinamento e as tendências de cada cantor podem
influenciar no acesso ou não de alguns registros. Faz-se importante destacar que as diferentes
categorias de registros apontam para preferências estéticas, as quais, a depender do fazer
musical de cada cantor, podem lhe ser mais ou menos interessantes ou apropriadas.

5.2 Comparação das análises

Analisando as figuras com as análises das passagens de registros feitas pelos


professores, observa-se que as categorizações não ocorrem de modo similar e nem nos mesmos
momentos em nenhuma das quatro abordagens. Há uma média de um intervalo de um tom
(ascendente ou descendente) para que haja algum tipo de coincidência entre as indicações de

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registro entre as abordagens. Verifica-se, ainda, que as categorias dos registros estão
ligeiramente mais alinhadas nas vocalizações na vogal [a].
O único momento em que os quatro professores estiveram alinhados na indicação de
uma mudança de registro foi na vocalização com a vogal [a] da cantora cinco após Eb4-Bb4.
Por outros seis momentos houve uma indicação alinhada de três docentes com um quarto
professor próximo em um intervalo de semitom: Cantor 1: após A3-E4 e após D4-A4, com
três professores alinhados e outro um semitom acima. Cantora 3: após Db3-Ab3, após Ab3-
Eb4, e após Db4-Ab4, com três professores alinhados e outro um semitom acima. Cantora 5:
após Db3-Ab3, com dois professores apontando neste momento, e dois um semitom acima. A
avaliação com menos pontos de encontro entre as transições indicadas pelos docentes é a do
Cantor 2.

5.3 Mecanismos laríngeos e vogais

Buscou-se investigar junto aos docentes as possíveis correspondências entre os


mecanismos laríngeos e as categorias de registros de cada método. SVW: peito e misto peito
(M1), misto cabeça e cabeça (M2). SLS: chest (M1), mix (M1 ou M2) head (M2). IVTOM:
peito (M1), mix (M1 ou M2), cabeça (M2). BCo: basal (M0), denso e médio denso (M1), médio
tênue e tênue (M2), elevado (M2 ou M3).
As avaliações dos professores apontam para diferentes percepções não somente da
qualidade geral dos registros, como também para a própria interpretação dos mecanismos
laríngeos, visto que os registros associados a um mesmo mecanismo não necessariamente
coincidem entre as análises dos docentes. Deste modo, embora teoricamente seja possível
estabelecer correlações entre as concepções de registro dos métodos e os mecanismos laríngeos,
a sua percepção não necessariamente apontou para o mesmo entendimento.
Ainda assim, faz-se importante destacar que as grandes discordâncias tenderam a
acontecer mais fortemente entre as qualidades mistas, ou seja, para além da transição laríngea.
Desse modo, as percepções de pequenas alterações na qualidade vocal implicaram em
categorizações variadas entre os professores. Levando em conta os apontamentos de Bozeman
(2014) sobre os registros acústicos, essas mudanças possivelmente não seriam fruto de novos
ajustes fisiológicos, mas de fenômenos acústicos naturais. Nessa interface entre fisiologia e

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acústica, ajuste e sonoridade percebida encontra-se um cenário de grande dificuldade para
interpretação, descrição e convergência das observações entre os variados métodos de ensino.
A disposição dos registros não se mostrou completamente dependente da frequência
executada. As mesmas regiões apresentaram registros diferentes e não necessariamente todos
os cantores apresentaram os registros mais graves, ainda que no limite inferior de suas extensões
vocais. Estes aspectos apontam para dois pontos: primeiramente, que, tal qual explicitado por
Roubeau, Henrich e Castellengo (2009), há uma zona de sobreposição na qual os sujeitos
conseguem vocalizar com mais de um registro; em segundo lugar, que o uso dos registros é
dependente não somente de uma disponibilidade fisiológica, como também do costume,
familiaridade e preferências estéticas de cada sujeito. Não houve consenso em relação ao
extremo agudo das tessituras. Algumas avaliações indicam registros associados ao M3, outras
ao M2. Uma delas, a do professor associado ao IVTOM, empregou o termo ‘falsete’ em regiões
que outros docentes avaliaram com registros associados a M3.
As vogais, por sua vez, impactaram na antecipação ou atraso das passagens de registro.
Isso aponta para a influência dos aspectos articulatórios e acústicos sobre o estabelecimento e
percepção dos registros vocais e sua não dependência exclusiva do nível laríngeo, o que convida
os pressupostos da teoria não-linear para a discussão (TITZE, 2008). Autores como Doscher
(1994) e Bozeman (2014) destacam o papel das escolhas de vogais e as correspondentes
frequências dos formantes no estabelecimento e negociação dos registros vocais e suas
passagens. Verificou-se, também neste estudo, que elas impactaram, segundo a percepção dos
docentes, no estabelecimento e nas estratégias empregadas pelos cantores para lidar com os
registros, sua manutenção, limites e transições.
Os registros associados ao segundo mecanismo (M2) apresentaram uma extensão maior
nas vocalizações na vogal [i]. Eles também tenderam a aparecer mais antecipadamente nessa
vogal. O fato possivelmente associa-se à frequência mais grave da primeira ressonância (fR1)
do trato vocal nas vogais fechadas, tendendo a promover mais cedo (ou em região mais grave)
uma sintonização de fr1 com a frequência fundamental. Observa-se, por fim, que, de modo
geral, a mudança das vogais não implicou em alterações significativas na extensão vocal total
entre um exercício e outro.

5.4 Voz mista

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Observou-se que as qualidades mistas foram exclusivamente associadas às regiões
intermediárias entre M1 e M2. Não se observou categorizações do tipo entre M0/M1 ou M2/M3
Verificou-se também que as qualidades de voz mista se mostraram mais
recorrentemente indicadas quando associadas à homogeneidade da voz durante as passagens,
de modo que as transições abruptas ou quebras tendiam a apontar para a percepção de
modificações nos registros de peito e de cabeça. Tal fato parece destacar a indicação de
continuidade necessariamente presente na voz mista, tal como defendido por Herbst (2021).
Em três das quatro abordagens, verificou-se a divisão da voz mista em categorias
possivelmente associadas aos mecanismos M1 e M2: misto peito e misto cabeça (SVW), médio
denso e médio tênue (BCo), variações de chest e head (SLS). Apenas na abordagem IVTOM
empregou-se exclusivamente um conceito mais genérico, denominado Mix.

5.5 Treinamento vocal

Em todas as abordagens houve a indicação da preocupação com os conhecimentos e


produções recentes das ciências da voz, mas as estratégias pedagógicas não necessariamente
limitam-se a eles, sendo os processos de ensino fortemente marcados pela vivência empírica
dos fundadores e dos professores que deram continuidade nos métodos.
Em três abordagens, a atuação do professor muitas vezes se dá no sentido de
complementar ou contrastar o padrão vocal majoritariamente estabelecido no aluno, seja pelo
treinamento do registro oposto (SVW) ou por padrões fonoarticulatórios (SLS e IVTOM).
Observa-se que o papel atribuído aos registros vocais é diferente em função e relevância
nos métodos. Em alguns, como no SVW, há a ideia de fortalecimento e isolamento dos
registros, enquanto em outros, como SLS e IVTOM, a ideia de tendências vocais que perpassam
o manejo dos registros e impactam sobre as transições. Por fim, no Bco os registros, e mais
especificamente os subregistros, apontam para sonoridades específicas, que tendem a se
relacionar mais diretamente com escolhas baseadas em critérios estéticos do cantor. Nesse
sentido, abordagens como Estill Voice Training® e Complete Vocal Techniquetm lhe são
aproximadas por conta de categorizações que englobam qualidades vocais específicas.

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6. CONSIDERAÇÕES

As propostas das quatro abordagens de ensino apresentaram concepções, categorizações


e terminologias distintas, as quais apontam para a heterogeneidade tanto na condução dos
processos de formação dos cantores, quanto das análises realizadas pelos docentes. Espera-se
que o conhecimento das perspectivas de cada método favoreça a reflexão e estudo dos processos
pedagógicos associados ao ensino do canto, a melhor comunicação entre as abordagens e o
avanço nos conhecimentos da pedagogia vocal.
Como desdobramentos desse estudo dois pontos podem ser elencados. Primeiramente,
o desenho metodológico traçado na pesquisa permitiu conhecer como as abordagens
compreendem e categorizam os registros vocais, além de lançar pequenas luzes sobre seu
impacto no processo de ensino de aprendizagem do canto. Será oportuno realizar observações
de aulas e atuações docentes vinculadas às abordagens de modo a compreender como os
conceitos e relatos se dão no ambiente prático da formação dos cantores.
Em segundo lugar, também a realização de um grupo focal para discussão dos resultados
das análises das vocalizações faz-se pertinente. Por ele, poderiam ser comparadas e dialogadas
as percepções dos docentes sobre as passagens de registros, de modo a entender mais
profundamente como elas se dão e como o exercício conjunto dos docentes impactaria na
percepção das qualidades vocais.

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REFERÊNCIAS

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