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DA
VOZ
CANTADA
MATEUS CORUSSE
Olá!
Este é um livro desejado há muito tempo e que, sinceramente, gostaria
muito de poder ter lido quando iniciei minhas atividades como cantor e
professor de canto quase uma década atrás. Foi preciso muito estudo, muita
formação e também muitas cabeçadas para chegar na clareza e conhecimento
para escrevê-lo.
Ele nasce do intuito de colaborar com muitos cantores e professores que
possuem dificuldades em encontrar materiais e literatura que fale sobre temas
importantes relacionados à voz de forma direta e, sempre que possível,
cientificamente embasada. É bem verdade que as produções brasileiras,
embora crescentes, ainda são bastante incipientes. Infelizmente, também é
verdade que existem muitas informações equivocadas sendo amplamente
divulgadas por aí e chavões que, embora inconsistentes, ainda rondam
constantemente a prática do cantor e do professor de canto.
Durante todo o livro, busquei assumir uma postura isenta em relação aos
estilos de canto e abordagens de ensino. Não se pretende aqui defender uma
ou outra bandeira. Quero que você, leitor, conheça alguns princípios básicos da
fisiologia, do treinamento vocal e da saúde vocal e que, em posse deles,
escolha ou continue na abordagem que mais lhe agradar.
Também optei por uma abordagem dos assuntos de modo sintético. Não
é a ideia desenrolar tratados sobre a voz aqui, mas lançar sementes e indicar
caminhos mais precisos para aqueles que desejam se aventurar nos temas
apresentados.
Espero que essa iniciativa contribua com o crescimento dos
conhecimentos da técnica vocal, ciência da voz e da pedagogia vocal.
Boa leitura!
Mateus Corusse
FISIOLOGIA DA VOZ
A voz p. 04
O que é técnica vocal? p. 05
Pregas Vocais p. 06
Respiração p. 07
Registros vocais p. 08
Modos de fonação p. 09
Ressonância p. 10
Falsete p. 11
Voz na máscara / garganta p. 12
TREINAMENTO VOCAL
ETVSO: canudos, tubos e mais... p. 14
Aquecimento Vocal p. 15
Exercícios Vocais p. 16
Popular ou Erudito p. 17
Afinação p. 18
MUSICALIDADE
Interpretação p. 20
Canto e teoria musical p. 21
Ouço minha voz e não gosto p. 22
Linguagem e Estilo musical p. 23
SAÚDE VOCAL
Voz de peito machuca? p. 25
Disfonia p. 26
Tensão p. 27
INDICAÇÕES DE LEITURA
A voz é parte significante na vida de qualquer pessoa. Ela não só
comunica palavras e mensagens, como também constitui parte relevante
daquilo que é própria pessoa.
Pensamos a voz a partir de três subsistemas: respiração, fonação e
articulação. Essas três partes, embora didaticamente abordadas
separadamente, ocorrem de modo integrado em toda produção vocal.
Diferentes usos da voz, cantada ou falada, irão apontar para diferentes
manobras nesses três níveis.
A respiração diz respeito ao processo pelo qual, com o uso das
musculaturas inspiratória e expiratória, geramos a pressão subglótica, ou seja,
a pressão pela qual se provocará a vibração das pregas vocais. Embora não haja
consenso nem na literatura, nem na pedagogia vocal, o apoio consiste em
manobras pelas quais o cantor regula o fluxo e essa pressão. Durante um bom
tempo, esse foi um dos elementos mais destacados na pedagogia vocal.
Na fonação temos a vibração das pregas vocais, pelas quais se produz o
chamado som da fonte glótica. Assim, é produzida uma frequência
fundamental (fo) e os harmônicos. Aqui também são definidos os modos de
fonação e os registros vocais.
A articulação, por fim, aponta para diferentes manobras dos
articuladores (mandíbula, lábios, língua, palato, faringe e a própria laringe) que
moldam o trato vocal. Nesse aspecto, destacam-se as ressonâncias do trato
vocal que a partir das conformações do trato vocal amplificam ou abafam a fo e
os harmônicos. Muita confusão se faz em relação ao termo ressonância, mas
esse já é um assunto para outro capítulo.
A técnica vocal corresponde ao conjunto de comportamentos vocais, e,
portanto, corporais, adotados pelo cantor em vista da produção de uma
qualidade vocal desejada. Diferentes sonoridades pretendidas apontam para
diferentes configurações do aparelho vocal, em seus níveis de respiração,
fonação e articulação.
Durante muito tempo, advogou-se a existência de uma técnica ideal para
os cantores, geralmente relacionada ao canto lírico. Essa compreensão decai
em dois pontos bastante problemáticos. O primeiro deles é o da
desconsideração de que no canto erudito há diferenças nas concepções
técnicas das diferentes escolas, ou ainda a ideia de que a formação
desenvolvida por elas gera padronização completa na execução vocal de todos
os cantores líricos. O segundo é o de se corroborar a ideia de que existiria uma
técnica ideal isenta de critérios estéticos ou das noções de adequação e
inadequação formuladas e reformuladas nos séculos de prática vocal da
humanidade.
Neste sentido, um ponto central para a compreensão da técnica vocal é
que ela sempre é norteada por uma estética. Ou seja, é o estilo de canto, o
gênero musical e as características de determinada expressão artística que
definirão quais tipos de vozes são preferencialmente, ou ao menos mais
recorrentemente, adotados e, por consequência, a técnica para que se possa
produzi-los.
Graças aos avanços das pesquisas relacionadas à voz, muitos dos mitos
relacionados à produção vocal tem sido superados e diferentes abordagens de
pedagogia vocal têm se constituído para atender aos variados tipos de canto.
As pregas vocais (PPVV) são compostas por músculo (Tireoaritenóideo –
TA) e mucosa. Elas estão fixadas sobre duas cartilagens da laringe, chamadas
cartilagem tireoidea e cartilagens artinenoideas. O espaço entre elas é
chamado de glote.
Em um adulto, as pregas vocais chegam a 22mm nos homens e 16mm
nas mulheres. O seu tamanho está relacionado com as frequências possíveis
de serem produzidas, de modo que as PPVV dos homens, por serem maiores,
conseguem produzir sons mais graves e a das mulheres sons mais agudos.
Quando estamos respirando, as pregas vocais ficam abertas (abduzidas).
Já quando estamos vocalizando, as pregas vocais ficam fechadas (aduzidas).
Quando o ar vence a resistência oferecida pelas pregas vocais, ele as atravessa
as fazendo vibrar. Esse movimento de abertura e fechamento das pregas é
chamado de ciclo glótico (fase fechada – abertura – fase aberta – fechamento)
Quando produzimos um som mais grave, as pregas vocais são
encurtadas. Por sua vez, quando produzimos um som agudo elas são esticadas.
Um fator interessante é que a vibração das pregas é correspondente à
frequência produzida, ou seja, se uma pessoa produz um Lá 440Hz, suas PPVV
vibrarão 440 vezes por segundo.
A respiração está intimamente ligada com todo o canto. Em síntese, o ar
se direciona para as pregas vocais; elas são aduzidas (fechadas), gerando uma
resistência que promove a chamada pressão subglótica. Quando essa
resistência é vencida, ocorre a vibração das pregas vocais.
Na respiração regulamos o fluxo, o volume e a pressão. Observe que para
a pressão dois aspectos importantes podem ser destacados: o ar e o
fechamento das pregas vocais. Os dois atuam de modo a regular a pressão
subglótica. Quando se requer uma maior pressão, como no caso de notas mais
agudas ou maior intensidade, o cantor pode recrutar uma maior pressão tanto
pela ação dos músculos respiratórios, quanto pela maior força de adução das
pregas. Aí está a grande importância da respiração: trabalhar para regular a
pressão subglótica sem precisar sobrecarregar a laringe.
Quando há maior uso da musculatura inspiratórias (contração do
diafragma e abertura de costelas), ocorre um aumento do volume da caixa
torácica. Quando se ativa a musculatura expiratória (contração da parede do
abdômen, por exemplo), ocorre uma diminuição do seu volume.
Por muito tempo, a pedagogia tradicional destinou à respiração um
grande enfoque no treinamento vocal. Hoje, tem sido crescente a compreensão
da importância de sua aprendizagem de modo articulado com a fonação. De
qualquer modo, trabalhar a respiração requer um refinamento da consciência
corporal e da própria postura e alinhamento corporal do cantor.
Os registros vocais agrupam uma das maiores quantidades de
terminologias de toda a pedagogia vocal. Inclusive, diferentes abordagens de
pedagogia vocal acabam por criar nomenclaturas e interpretações diversas
para os registros.
Uma das formas mais recentes e bem aceitas de interpretação dos
registros é por meio dos mecanismos laríngeos. Esse conceito foi desenvolvido
em pesquisas como as de Roubeau, Henrich e Castellengo (2009) que
observaram a existência de quatro padrões vibratórios das pregas vocais. Os
registros, portanto, podem ser agrupados do seguinte modo: M0 (fry, basal), M1
(peito, denso, mecanismo pesado), M2 (cabeça, falsete, tênue, mecanismo
leve), M3 (whistle, elevado, flauta).
Muitas vezes, nomes diferentes são dados para o mesmo registro por
conta de critérios que excedem o aspecto do mecanismo laríngeo. Para
exemplificar, falsete e voz de cabeça são a mesma coisa do ponto de vista do
mecanismo laríngeo. No entanto, geralmente são diferenciados pela
sonoridade ‘aerada’ do primeiro, o que se deve não a um mecanismo diferente,
mas a um modo de fonação mais soproso.
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MATEUS CORUSSE
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