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Nem te conto!

Franklin Costa
O tocador, quando num é bom, faz que nem eu: compra violão bonito. Porque
quando o violão é bonito... Eu só sabia três nota, ré, mi e lá. Comprei um violão
que era uma beleza. De tão bonito que era dava até pena tocar. Aquilo era violão
pra botar do lado do tocador, de enfeite. Como eu num tocava nada, era só fazer
blém-blém que parecia Gilberto Gil em show acústico. Num precisava eu tocar
nada, pois tava todo mundo admirando a belezura do instrumento. Tocador
quando num é bom tem de ter instrumento bonito. Aí eu aprendi a tocar mais
duas nota, o mi menor e o lá menor. Precisava de um violão mais bonito. Agora
eu sabia tocar mais.

Nesse vai-e-vem, conheci uma moça. Bonita. Ela era bonita. Boa. Era bonita e
boa. Boa pessoa, boa mulher... e boa mesmo, no sentido que se entende. Eu
disse pra ela que eu tocava.

- Meu pai também toca violão!

Quando ela disse isso, me sumiu o chão debaixo dos pés e o corpo arrepiou todo
e tudo quanto é santo eu chamei. Eu pensava que ia impressionar a moça com
um violão bonito, e ela me diz um negócio desse.

- Meu pai gosta de tocar Cartola, Elton Medeiros, Paulinho da Viola...

Credo em cruz! Ave Maria! Nunca tinha escutado tocar Cartola e nem sabia quem
era os outros dois que até já esqueci o nome.

- Eu vou escolher meu violão amanhã! Tu num quer ir comigo, não?

Já dava pra começar. Levando ela pra escolher, já ganho ponto. Uma mulher
dessa também num podia ser uma tapada, dessas pagodeira rebolenta do cabelo
pintado, dançadeira de qualquer besteira empurrada ouvido adentro em mesa de
bar.

A mulher tinha um par de olho tão bonito, qu’eu chegava ficar besta. E quando
ela cruzava as perna, eu olhava pro outro lado pra num ser excomungado, porque
aquilo era uma cacimba de pecado. Quando ela saiu andando, remexendo na
minha frente, eu pedi a Deus e ao santo, me oriente. Isso num é mulher pra
qualquer vivente, quanto mais um batedor de corda que mal faz um repente. Mas
vale a pena investir. Ah, se vale.

No outro dia, chegamo na loja. Eu todo bonito, na loja uns instrumento bonito,
muito violão caro e bonito... e meu bolso tava, que tava feio. Mas como eu falei
que ia escolher, não falei que ia comprar...

- Olha! O violão de meu pai é desse! Eu conheço por essa marca!

Agora lascou tudo. O véio além de tocar as cartola, tocava num violão Di Giorgio,
que é dos melhor que tem.
- É desse mesmo, Di Giorgio!

- E num era desse mesmo qu’eu tava querendo?!

Mentira. Se eu num toco igual ao pai dela, o violão sendo do mesmo

eu já chego perto.

- É bonito!

Ela falou e eu pensei: bonito deve de ser o pai dela tocando num violão Di
Giorgio.

Vendi o sofá de lá de casa, uma dúzia de livro véio, mais um botijão de gás,
limpei o quintal de meu amigo Hélio e emendei tudo no salário. Comprei um
violão Di Giorgio.

- Êta! Isso que é violão dum cabra tocar!

Quando o cabra sabe tocar. Porque fazer blém-blém num violão desse, pra uma
mulher daquela qualidade, faz até vergonha. Valda, eu fazia blém-blém-blém, ela
perguntava se era música de Xangai.

- Essa música ele toca com Zé Ramalho, nunca viu não?

Eu perguntava sabendo que ela ia dizer não. Quem falou de Xangai pra ela foi eu
mesmo, e nem ela nem eu nunca tinha escutado. Eu mesmo só conheço de ouvir
falar. Xangai é bom tocador, Elomar é cheio de nó pelas costa, Pereira da Viola
faz todo mundo dançar e cantar no show dele...

Essas coisa eu vou ouvindo falar e falo pras moça se impressionar. Aí eu faço
blém-blém-blém e elas fica fã do tocador que além de tocador é conhecedor dos
outro tocador.

Mas essa é moça feita e não se faz de besta. E vou eu me fazer de besta pro lado
duma mulher dessas? Vou não. Vou é incrementar mais o violão e vou posar pra
ela de tocador bom. Guardo o violão numa capa daquelas de tocador profissional,
e vou me mostrar pra ela e pro pai dela. Quando ele me ver eu todo colocado,
nem vai ter coragem de pegar em violão, que o véio num é besta.

O pior é que a coisa foi ficando pior. A mulher acreditou que eu era tocador. Como
eu prometi tocar pra ela, ela começou a dizer as música que queria ouvir.

- Você toca pra mim “O sol nascerá”? É de Cartola!

- Car... Cartola? Toco! Eu toco Cartola pra você!

- E “João e Maria”, de Chico Buarque? Eu acho ele lindo!

- Chico o quê?

- Chico Buarque! Essa música é de Chico Buarque e Sivuca!

- Ah! Mas Sivuca né sanfoneiro?


- O que é que tem? Você não vai tocar “Vida de viajante”, de Luiz Gonzaga, no
violão pra mim? Luiz Gonzaga é sanfoneiro!

- Vou tocar? Vou! Eu vou tocar pra você!

Ave Maria, mãe de Deus! Eu já tava ficando até besta de como pode uma mulher
dessa saber tanta música assim! Daqui a pouco ela vai dizer que sabe tocar
violão.

Meu pai falou que vai ter serenata lá em casa amanhã. Se você quiser, você pode
ir!

Eu vou é parar de escrever essa história senão eu tô é lascado. Como é que eu


vou encarar uma peleja dessa?

- Peleja não, seu besta! É serenata! Quem faz peleja é meu tio!

- Seu tio?

- É! Não conhece meu tio, não?

- Quem é seu tio, mulher?

- Lourival Batista, conhecido como Louro do Pajeú!

- Lourival Batista, irmão de Dimas e Otacílio???

Resolvi dizer logo pra ela que eu só sabia tocar cinco nota e fazer blém-blém no
violão.

- Eu já sabia!

- Ôxe! Tu já sabia?

- Já! Meu pai sempre fala que tocador que conversa demais, é porque toca de
menos!

- Ele falou isso, foi?

- Falou!

- Deixa eu ir pra essa serenata, ver seu pai tocar? Ele deve de ser bom tocador!

- Só se você ficar mais eu!

- E tu acha qu’eu quero ir pra quê?

“Meu coração, não sei por que...”

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