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Milene Cristina da Silva Souza

COLI, Jorge. O que é arte. São Paulo: Brasiliense, 1988

Jorge Coli, em “O que é arte?” faz uma interessante construção e crítica daquilo que
significa arte. No livro não há uma definição precisa e conceitual do tema, perspectiva do que
é arte, visto sua pluralidade para além do contemplativo. Nesse sentido, durante todo o livro, o
autor constrói e desconstrói conceitos, demonstrando a volatilidade da arte a depender da
cultura, das vontades e desejos da sociedade atual, do ponto de vista econômico, do discurso,
da racionalidade - bem como da irracionalidade - e todos outros preceitos e paradigmas que
compõem o imaginário coletivo de validação artística. Brilhantemente, por fim, o autor
conclui que o tempo todo estava discutindo sobre o objeto artístico e suas relações com o
espectador, e não sobre arte em si.
Na primeira parte da obra, Coli critica as noções definidoras de arte no mundo atual.
Para ele, a arte é plural e engloba muitas coisas além daquilo que é contemplativo. Ele explica
que o que decide o que é arte ou passa pelo discurso (de validação) sobre o objeto artístico, ou
há um instrumento, um local onde ele se encontra, como um museu ou uma galeria de arte,
que indica que tal objeto é uma obra de arte. A problemática dessa forma de conceituação é
que ela é arbitrária, imprecisa, não se pauta numa discussão lógica, abstrata ou teórica, o que
faz com que o ato de categorização de um objeto como obra de arte seja raso. Isso se deve ao
fato de que há uma supervalorização da crítica, que não só dá o estatuto ao objeto de arte,
como também o hierarquiza, definindo quais são melhores que outros. Nesse sentido, de
forma a tornar a discussão mais acadêmica, o autor fala que é importante que sejam definidos
critérios mais objetivos que indiquem a existência da obra de arte e não uma validação
baseada na crítica.
Para sustentar sua ideia, Coli argumenta sobre a fragilidade do discurso, baseada na
mudança de opinião da crítica, que constantemente muda no que diz respeito à valoração
artística dos produtos. Há uma flutuação no tempo sobre os juízos das artes, o que ora é
considerado uma obra-prima, ora já não impressiona a mais ninguém, como já ocorreu com a
Ilíada, por exemplo. Esse aspecto introdutório quanto a volatilidade das ideias que
transcorrem sobre o mundo artístico guia todo o resto do texto, como o autor vai demonstrar.
A busca do rigor e de um critério mais objetivo, o autor introduz a ideia de estilo, e
critica-o. Os estilos são categorias de classificações que encontram pontos em comum com as
obras, recorrências que auxiliam nas definições. Daí surgem os estilos barroco, surrealista e
outros conceitos classificatórios. Porém, o autor fala, novamente, da insuficiência dessa
significação, já que há uma complexidade entre a relação da obra com o estilo. Isso, porque o
agrupamento estilístico não parte de instrumentos científicos precisos; não há como encontrar
pontos em comum nas obras de arte que sejam totais, apenas parciais. Dessa maneira, a
definição universalizante não enriquece a obra, apenas a generaliza baseado em alguns pontos
que podem ser encontrados em comum.
De maneira a aprimorar isso, Coli insere a figura do historiador da arte. Ele vai
entender a evolução dos estilos, de modo sair do valor estético, que confere apenas
semelhança parcial entre diferentes obras, dinamizando-o. No entanto, a riqueza do objeto
artístico sempre ultrapassa esses argumentos lógicos, estéticos ou dinâmicos, relacionado com
o fato de que essa definição é mais cômoda que científica, ela é simplificadora. Isso, porque
incorre, entre muitos erros, no de dividir as obras em eras – idade média ou moderna – o que
não condiz com a realidade.
A partir de então, Coli começa a explicar o que é obra “para nós” e como isso influi
nela em si. Ele explica que existe um absoluto no que diz respeito à arte e um relativo quanto
a cultura. Isso quer dizer que a arte é uma só e com o passar do tempo damos significados
diferentes a ela, como ocorre, por exemplo, com uma máscara de uma tribo africana, ou com a
imagem de um santo, que outrora teve um sentido religioso e agora é considerado arte. Dessa
forma, o sentido primeiro do objeto é perdido, e ele se transforma ao longo do tempo,
tornando-se arte ou deixando de sê-lo.
Por isso, surge o questionamento por parte do autor quanto a sobrevivência das obras
no tempo. A discussão anterior já indica que não há, na verdade, uma obra de arte em si, é
necessário que exista a valoração cultural para que ela seja enxergada como tal. É a própria
valoração que define a sobrevivência ou não da obra de arte, que passará por processos de
conservação. Esses processos, porém, são modificadores do objeto, como acontece com a
pintura, quando são passadas camadas de verniz para que elas sobrevivam. Nesse sentido, não
há obra de arte que mantenha seu sentido nem forma primeira, visto que a conservação e a
valoração hão de alterar as formas e os preceitos que a acompanham, provavelmente fator
imprevisto por quem a cria. Assim acontecerá, por exemplo, um dia com o Paternon, que será
esquecido e sucumbirá, ou continuará a passar por reformas que o artificializa.
Essa suposta falsidade, por outro lado, não é algo que desqualifica a arte. Autores
desconhecidos, como Homero, já escreveram obras que ainda perduram no imaginário
ocidental; bem como a quadros e pinturas são atribuídas autoriais sem a certeza absoluta dela.
Tais ações valorizam e desvalorizam os objetos, que estão no lado do supérfluo, do inútil, não
do essencial.
Se a arte não faz parte do essencial – uma colher, essencial para comer, caso se torne
uma obra de arte, perde essa utilidade – ela então responde a uma função social e econômica
precisa. Ela pode estar protegida e pode ser mantida artificialmente por uma instituição ou
pode, por óbvio, gerar lucro. Esses fatores associam-se ao entretenimento, mas também a uma
espécie de “credencial social”, de forma que uma elite se valoriza socialmente mais culta que
as outras por consumirem um tipo específico de arte.
Também, Colin argumenta sobre uma irracionalidade quando se diz respeito da
relação ser humano e objeto. De acordo com ele, há um complexo de paradigmas sociais que
são geradoras das nossas opiniões do que é bom ou ruim, do que é arte ou não, bem como há
exemplos ao longo dos séculos de como a sociedade em si sempre fez isso. Como se pode ver,
esse é outro fator que relativiza a obra ao longo do tempo, baseado numa exploração pouco
elaborada da obra, fruto de um contato pobre.
Por fim, a problemática final, o acesso à arte. Ele se restringe a um público específico,
o que faz com que as relações culturais com ela sejam pautadas pela indiferença, acontecendo
apenas pelos grandes meios de comunicação. Não há meios de frequentação que a valorize e
popularize.
Portanto, o autor conclui que, no final das contas, não falava de arte em si, porque não
aplica alguns métodos filosóficos e etc. De fato, o autor se baseia em fatos históricos como
forma de exemplificar o que diz, mas também traz algumas teorias que foram surgindo ao
longo da história que tentam definir o conceito de arte. O livro se propõe a explicar o que é
arte e, ao construir e desconstruir conceitos, demonstra perfeitamente que há um dinamismo
nesse conceito, dado pelas transformações sociais e culturais; principalmente pelas ideias
pedantes e elitistas. No fim, o que é valorado ou não depende do que é socialmente aceito.

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