Você está na página 1de 5

Adriana Granado

Trabalho em
videoperformance:
https://vimeo.com/user96
819740
Stills de“Aleitamento”, cor/som, 2’21’’, ano 2022 https://vimeo.com/user96819740

A videoperformance Aleitamento consiste em uma ação


direcionada para a câmera na qual eu “amamento” dois livros de
história da arte e arte contemporânea. É curioso notar que o
livro do Gombrich menciona apenas Artemisia Gentileschi em
suas páginas. A proposta para o CCSP é que o vídeo seja
transmitido em uma TV de plasma de 42 polegadas ou
projetada na parede. O Texto crítico pode ser lido nas próximas
páginas.
O ambiente é uma sala expositiva de museu ou galeria. A artista se encontra presente.
No entanto, sua disposição corporal e vestimenta parecem a princípio identificá-la a
musa ou modelo de alguma obra, ou seja, como tema, ao invés de figura criadora. A
ação a seguir descontrói essa expectativa. O vídeo acontece em 6 cenas, com um
movimento semelhante em cada uma. O gesto é de amamentação; nos braços, no
entanto, ao invés de um bebê, vemos, por exemplo, os livros Arte contemporânea –
uma história concisa, de Michael Archer e A história da arte, de E. H. Gombrich. São
eles que recebem os jatos de leite. Eles, no sentido amplo do termo: eles os livros, eles
os autores, eles os artistas – homens, brancos, eurodescendentes – que compõem
quase exclusivamente os manuais de História da arte, esta História, com H maiúsculo,
que esmaga a pluralidade de narrativas.
 
Mesmo que a arte atual busque se desvincular dos parâmetros ocidentais que a
moldaram (e, segundo uma leitura crítica, aprisionaram), os componentes da cena nos
mostram que se trata de um diálogo com esta tradição. Diálogo ou acerto de contas?
Em Aleitamento, se aproxima mais da segunda opção. O ponto de partida é essa cena-
clichê em que a participação da figura feminina se restringe à condição de modelo.
 

Continua na próxima página


Especialmente, a maternidade ocupa um lugar central na obra. Apesar de ser um tema imenso e
inesgotável, a História da arte vinculou a maternidade majoritariamente a uma figura específica:
Virgem Maria. Composições com esta santa amamentando Jesus certamente poderiam compor
uma única exposição. A nudez feminina, por sua vez, ganhou nesta História um campo de
tematizações mais vasto, que vão desde figuras mitológicas a mulheres de etnias consideradas
exóticas. Seja espiritualizada e divinizada na figura da virgem santíssima ou hiperssexualizada na
figura de prostitutas ou em sonhos escapistas do exotismo, a figuração das mulheres manteve-as
aprisionadas na condição de temas. As mulheres aparecem abundantemente representadas, mas
não como autoras das imagens. Este lugar foi conquistado apenas recentemente, há cerca de 100
anos.
 
Mesmo o vínculo entre a gestação e criação artístico sendo tão sugestivo, ele foi pouco explorado
pelos artistas homens. É porque a criação masculino-ocidental se identificou mais com o Deus-
escultor da tradição judaico-cristã, que molda o homem do barro e a mulher da costela deste. Foi
necessário esperar a tomada de voz das mulheres enquanto autoras para que esta conexão
pudesse ser amplamente explorada.
 
Em Aleitamento, a aproximação da maternidade com a criação artística toma a forma de um ato
crítico e provocador à narrativa oficial fixada nos manuais. Trata-se de diluir e desenrijecer as
palavras de ordem de tais construções visuais e discursivas. O gesto, por certo não sexualiza, mas
tampouco espiritualiza ou idealiza o gesto de amamentação. Na performance, o derramamento
de leite se converte em arma de combate.

Adriana Granado. Setembro/2022


Still de Aleitamento

Você também pode gostar